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LIBERDADE NEGATIVA E POSITIVA

Eder Mattos Andrade – Polo Balneário Pinhal - SHFC

A questão da liberdade é de suma importância para a teoria política e a


filosofia contemporânea, pois permeia outros temas como a legitimidade da
autoridade, teoria da justiça, public choice, dentre outros.

Embora seu conceito seja essencial ao pensamento político


contemporâneo, possui diferentes significados e é objeto de controvérsias entre
diversos teóricos e todos, essencialmente contestáveis.

O filósofo Isaiah Berlin inaugurou esse debate dentro da problemática


contemporânea no campo da filosofia política com seu artigo “Dois Conceitos
de Liberdade”, (1959).

Seguramente o conceito de liberdade e as discussões em torno dele não


surgiram com Berlin, mas pelo argumento desenvolvido pelo filósofo que trata a
liberdade de forma dicotômica, criou um campo de discussão, sendo foco de
intensa análise e debate por filósofos políticos.

A forma dual usada por Berlin tem na liberdade positiva a característica do


“autodomínio” e na liberdade negativa, a concepção de “não interferência”. Ao
passo que liberdade negativa está preocupada em evitar interferência na ação
do sujeito, a liberdade positiva atenta para questões relacionadas à natureza e
ao exercício do poder.

A distinção entre as duas concepções equivaleria na liberdade positiva a


“estar livre para”, ao passo que a liberdade negativa corresponderia a “estar
livre de”. Assim, liberdade para o filósofo é a ausência de obstáculos
externos ao agente (negativa) e a presença de um controle por parte do agente
(positiva).

A liberdade negativa, no sentido da liberdade individual, é simplesmente a


área em que um homem pode agir sem sofrer a obstrução de outros; mas a
simples incapacidade de atingir a uma determinada meta não constitui falta de
liberdade política, como a incapacidade econômica e física, por exemplo.
A interferência na liberdade negativa implica coerção deliberada de outros
seres humanos na área em que o sujeito poderia atuar.

A máxima interferência impele à noção de escravidão; e a mínima ao estado


de natureza do homem, proposto por Thomas Hobbes.

Segundo Berlin: “Não podemos permanecer livres em termos absolutos e


precisamos deixar de lado uma parcela de nossa liberdade para preservar o
restante; mas a submissão total constitui autoderrota; portanto, a submissão
mínima deverá ser aquela em que o homem não pode abandonar sem causar
prejuízo à essência de sua natureza humana”.

Para Berlin, ser livre nesse sentido significa não sofrer interferências dos
outros, ou seja, “estar livre de”, ou ter a liberdade de a partir de determinados
parâmetros de coerção ou restrições externas, que possibilitem a liberdade de
movimento, de religião, de expressão, de pensamento, de livre iniciativa, de
livre associação, etc.

Com essa concepção, Isaiah busca equalizar a questão: “ Qual a área em


que o sujeito – uma pessoa ou um grupo de pessoas – deve ter ou receber
para fazer o que pode fazer, ou ser o que pode ser, sem que outras pessoas
interfiram?”.

A liberdade positiva tem seu sentido alicerçado na origem do desejo do


indivíduo em ser seu próprio amo e senhor.

Em consequência o sujeito exerce sua liberdade buscando os objetivos de


vida através da autodeterminação na tomada de suas decisões, de forma
autônoma, sem dependência dos outros, caracterizando-se pelo autodomínio,
autenticidade e capacidade.

Se a liberdade negativa caracteriza-se pela ausência de algo: de


interferência; a liberdade positiva caracteriza-se pela presença: da ação, na
participação de tomadas de decisões, da autodeterminação.

Para Michael Taylor a liberdade como autonomia envolve a racionalidade,


como ter e usar capacidades de certo tipo e autenticidade, entendidos como
seus próprios desejos.
Isaiah Berlin entende que há alguns problemas com o sentido positivo de
liberdade, como a noção da questão do “eu nuclear”.

O filósofo retrata a teoria da auto realização em que o indivíduo divide-se


em “dois eus”. Por um lado o “eu inferior”, desejoso, impulsivo, e por outro,
um “eu verdadeiro”, real, ideal, autônomo.

A liberdade como “eus divididos”, assumiu duas versões, uma encontrada


na abnegação e outra na identificação com um princípio ou ideal.

A liberdade positiva como abnegação remete a uma decisão interna de não


desejar o que não pode ser alcançado, tratando-se de uma “retirada para a
cidadela interior”.

Despojado das necessidades (apego) e ameaçado por coerções externas, o


indivíduo retira-se estrategicamente para uma cidadela interior, para dentro de
si, onde nenhum mal exterior poderá acessar, sentindo-se então, seguro.

Basicamente é a prática ascética da filosofia estoica, segundo a qual um


sábio não deveria sofrer emoções externas, pois estas influenciariam em suas
decisões e em seus raciocínios. Berlin entende que isso não quer dizer que
o sujeito tenha se tornado mais livre.

A liberdade de auto realização como princípio ou ideal, associa a liberdade


à razão, em que o entendimento racional da vida humana e em sociedade leva
à autonomia do indivíduo, porque a razão o levaria a livrar-se de paixões,
medos e preconceitos, sendo possível planejar sua vida de acordo com sua
vontade. Tal raciocínio não implica em que o sujeito possa fazer o que lhe
convier; implica entender porque não pode praticar qualquer ação; afinal,
compreendendo que querer mudar o que não pode ser mudado, seria um
pensamento irracional.

Essas distinções levariam num segundo momento a fazer uma relação entre
o “eu verdadeiro” e a coletividade.

O ego é concebido como algo mais amplo que o indivíduo, como um todo
social, no qual o indivíduo constitui um elemento. Essa entidade é
identificada como sendo o “ego verdadeiro”, que impondo sua própria vontade
coletiva sobre seus membros recalcitrantes, consegue a sua (e, em
consequência, deles) própria liberdade “superior”.

Com isso critica tanto a tradição, como de algumas concepções e aspectos


do conservadorismo filosófico, alguns regimes socialistas, marxistas, com a
ideia de um todo social ou classe, algumas igrejas no tocante a algumas
concepções religiosas e uma raça no ideal nazista.

Nesse aspecto Berlin observa alguns perigos do “eu verdadeiro”, que em


última análise justificaria coagir os indivíduos a serem “verdadeiramente livres”,
pois em razão dos indivíduos serem ignorantes, não sabendo o que é bom para
si, legitimaria concepções totalitaristas, como o nazismo e stalinismo, ou seja,
regimes que justificam uma coerção aos indivíduos em busca do “verdadeiro
eu”, já que seu desejo racional latente não é seguido em razão do seu “pobre
ego empírico”.

Berlin também aponta problemas em relacionar liberdade e felicidade em


virtude de uma possível sujeição inconsciente, pois um escravo “feliz”, ainda
permanece em sua condição de escravo.

Nessa concepção, o filósofo busca elucidar a questão: “O que ou quem é a


fonte de controle ou de interferência que pode determinar que alguém faça ou
seja tal coisa e não outra?”.

Finalizando, a teoria de Isaiah Berlin, constitui-se em ferramenta importante


a que se pode recorrer nas articulações de pensamentos políticos sobre a
liberdade.

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