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Anthony Giddens

Sociologia
6.a Edição

Tradução de
Alexandra Figueiredo
Ana Patrícia Duarte Baltazar
Catarina Lorga da Silva
Patrícia Matos
Vasco Gil

Coordenação e revisão científica de


José Manuel Sobral

F U N D A Ç Ã O CALOUSTE GU L B ENK I A N
Serviço de Educação e Bolsas
RAÇA, ETNICIDADE E M I G R A Ç Ã O 260

decorreu de um planeamento sistemático continue a ram a interagir e a misturar-se de maneiras que mol-
suscitar polémica. daram de modo fundamental a composição étnica de
O século X X assistiu à emergência do genocídio muitos países. Nesta secção, iremos considerar con-
"organizado" e carrega a distinção dúbia de ser o ceitos relacionados com padrões globais de migra-
século com mais genocídios da história. N o genocí- ção, antes de nos voltarmos, em particular, para os
dio da Arménia de 1915 a 1923, mais de um milhão efeitos da imigração no Reino Unido.
de arménios foram mortos às mãos dos turcos otoma-
nos. O Holocausto nazi resultou na morte de mais de
Movime ntos migratórios
seis milhões de judeus e permanece o exemplo mais
horripilante de exterminação planeada de um grupo Embora a migração não seja um fenómeno novo, é um
étnico por outro. Mai s recentemente, a maioria Hutu fenómeno que parece estar a acelerar como resultado
do Ruanda lançou uma campanha de extermínio con- do processo de integração global. Os padrões de
tra a minoria étnica Tutsi em 1994, que custou a vida migração globais podem ser vistos como um reflexo da
a mais de 800 0 0 0 indivíduos num espaço de três mudança rápida dos laços económicos, políticos e cul-
meses. Mais de dois milhões de refugiados do Ruan- turais entre países. Estimou-se que, em 1990, a popu-
da espalharam-se pelos países vizinhos, aumentando lação mundial migrante era de mais de 80 milhões de
as tensões étnicas em países como o Burundi e o pessoas, 20 milhões das quais refugiadas. Este número
Zaire (actual Congo). parece estar condenado a crescer nos primeiros anos do
século X X I , levando alguns teóricos a rotulá-lo como
Tem-se verificado que os conflitos violentos em M
era da migração" (Castles e Miller , 1993).
todo o mundo assentam cada vez mais em divisões
étnicas. Actualmente, apenas uma pequena porção de A imigração, o movimento de pessoas para um
guerras tem lugar entre países; a grande maioria são país onde se estabelecem, e a emigração, o processo
guerras civis com dimensões étnicas. N u m mundo de pelo qual as pessoas deixam o país para se estabele-
interdependência e competição crescentes, os facto- cer noutro, combinam-se para produzir padrões glo-
res internacionais tornam-se ainda mais importantes bais de migração que ligam entre si os países de ori-
na moldagem das relações étnicas, enquanto os efei- gem e os países de destino. Os movimentos migrató-
tos dos conflitos étnicos internos são sentidos muito rios aumentam a diversidade étnica e cultural de mui-
para além das fronteiras nacionais. Como j á vimos, tas sociedades e ajudam a moldar as dinâmicas demo-
os conflitos étnicos atraem a atenção internacional e gráfica, económica e social. A intensificação da
provocaram, algumas vezes, a intervenção física. migração global a partir da I I Guerra Mundi al, e par-
Foram convocados tribunais internacionais de crimes ticularmente nas últimas duas décadas, transformou a
de guerra para investigar e julgar os responsáveis imigração num importante assunto político, em mui-
pela limpeza étnica e genocídio ocomdos na Jugoslá- tos países. O aumento das taxas de imigração em
via e no Ruanda. Responder a conflitos étnicos e pre- muitas sociedades ocidentais desafiou as noções
veni-los tornou-se um dos desafios-chave que os usualmente partilhadas de identidade nacional e
estados, individualmente, e as estruturas políticas levou a um reexame dos conceitos de cidadania.
internacionais enfrentam. Embora as tensões étnicas
Os teóricos identificaram quatro modelos de
sejam frequentemente experienciadas, interpretadas e
migração para descrever os principais movimentos
descritas a um nível local, estão cada vez mais a
globais da população ocorridos desde 1 9 4 5 . 0 mode-
assumir dimensões nacionais e internacionais.
lo clássico de migração aplica-se a países como o
Canadá, os Estados Unidos e a Austrália que se
desenvolveram como "nações de imigrantes". E m
Migração global casos como estes, a imigração tem sido grandemente
O expansionismo europeu iniciou há séculos um movi- encorajada e a promessa de cidadania estendida aos
mento de populações em larga escala, que formou a imigrantes, apesar de restrições e quotas ajudarem a
base de muitas das sociedades multiétnicas do limitar o influxo anual de imigrantes. O modelo colo-
mundo. Contudo, a partir destas vagas iniciais de nial de imigração, adoptado por países como a Fran-
migração global, as populações humanas continua- ça e o Reino Unido, tende a favorecer imigrantes de
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 261

Os padrões históricos de migração e de colonialismo transformaram alguns grupos étnicos dm minorias no$ seus pró'
prios países: estes aborígenes australianos eram alguns dos muitos que se reuniram em Amata, na Austrália Central,
para protestar contra o desenvolvimento da exploração mineira e proteger os seus direitos de propriedade.

antigas colónias em detrimento de imigrantes de "não imigração" são muitas vezes capazes de viver
outros países. O grande número de imigrantes de paí- ilegalmente fora do domínio da sociedade oficial.
ses da comunidade britânica na Grã-Bretanha é um Exemplos disto podem ser encontrados no grande
reflexo desta tendência. número de mexicanos ilegais em muitos estados do
Países como a Alemanha, a Suíça e a Bélgica têm sul dos Estados Unidos, ou no crescente negócio
seguido uma terceira política - o modelo dos traba- internacional de contrabando de refugiados ao longo
lhadores convidados. Neste esquema, os imigrantes das fronteiras nacionais.
são aceites no país numa base temporária, muitas Que forças estão subjacentes à migração global e
vezes de forma a cumprir exigências do mercado de como é que elas estão a mudar em resultado da glo-
trabalho, mas não recebem direitos de cidadania, balização? Muitas das teorias iniciais sobre a migra-
mesmo após longos períodos de permanência. Final- ção centravam-se sobre os chamados factores "push
mente, os modelos ilegais de imigração estão a tor- and puir ("empurrar e puxar"). Os factores "push"
nar-se cada vez mais comuns devido às apertadas leis referem-se a dinâmicas dentro de um país de origem
de imigração vigentes em muitos países industrializa- que forçam as pessoas a emigrar, tais como a guerra,
dos. Os imigrantes que são capazes de entrar num a fome, a opressão política ou a pressão demográfica.
país quer secretamente quer sob uma intenção de Os factores "puir\ pelo contrário, são as caracteristi-
262 RAÇA. fcTNIClDADfc F. MIGRAÇÃO

cas dos países de destino que atraem os imigrantes: » Aceleração - a migração para além das fronteiras
mercados de trabalho prósperos, melhores condições está a ocorrer em números nunca antes vistos.
gerais de vida ou menor densidade populacional • Diversificação - a maioria dos países recebe
podem "puxar" os imigrantes para essas regiões. actualmente imigrantes de tipos muito distintos,
Mais recentemente, as teorias de "push and puir em contraste com épocas passadas em que formas
têm sido criticadas por oferecerem explicações particulares de imigração, como a imigração de
demasiado simplistas de um processo complexo e trabalhadores ou de refugiados, era predominante.
multifacetado. E m vez disso, os teóricos da migração • Globalização - a migração adquiriu uma natureza
estão cada vez mais a observar os padrões globais de mais global, envolvendo um maior número de
migração como "sistemas" produzidos por interac- países simultaneamente como remetentes e desti-
ções entre processos de nível macro e micro. Embo- natários (ver figuras 9.1 e 9.2).
ra esta ideia possa parecer complicada é, na verdade, • Feminização - um número crescente de migrantes
bastante simples. Por factores de nível macro enten- são mulheres, tornando a migração contemporânea
dem» se situações de âmbito lato como a situação muito menos dominada por homens do que ante-
política na área, as leis e regulamentos que controlam riormente. O aumento de mulheres migrantes está
a imigração e a emigração, ou as mudanças na eco- intimamente relacionado com mudanças no merca-
nomia internacional, factores esses que exercem uma do global de trabalho, incluindo a procura crescen-
importante influência sobre diversos aspectos. Os te de empregadas domésticas, a expansão do "turis-
factores de nível micro, por outro lado, são os que mo do sexo" e do "tráfico de mulheres" (ver Capí-
dizem respeito aos recursos, conhecimentos e formas tulo 5) e o fenómeno das "noivas por encomenda".
de pensar das próprias populações migrantes.

Pode detectar-se a intersecção entre processos de


D i á s p o r a s g l o ba i s
nível micro e macro no caso da grande comunidade
imigrante turca na Alemanha. A nível macro encon- Outra forma de compreender os padrões globais de
tram-se factores como a necessidade económica de tra- migração reside no estudo das diásporas. Pelo termo
balhadores por parte da Alemanha, as suas políticas de duispora entende-se a dispersão de uma população
aceitação de "trabalhadores convidados" estrangeiros, étnica a partir da sua terra natal para áreas estrangei-
e o estado da economia turca que impede muitos tur- ras, muitas vezes de forma forçada ou em circunstân-
cos de ganharem os salários pretendidos. A nível micro cias traumáticas. Referem-se frequentemente as diás-
estão as redes informais e os canais de apoio mútuo poras dos judeus e dos africanos para descrever a
existentes entre a comunidade turca na Alemanha e os forma como estas populações foram redistribuídas
fortes laços com a família e os amigos que permane- globalmente, em resultado do genocídio e escravi-
ceram na Turquia. Entre potenciais migrantes turcos, o dão. Embora os membros de uma diáspora estejam,
conhecimento acerca da Alemanha e o "capital social" por definição, disseminados separadamente em ter-
- recursos humanos e comunitários em que se podem mos geográficos, mantêm-se unidos por factores
apoiar - ajudam a tomar a Alemanha um dos países de como a posse de uma história comum, uma memória
destino mais populares. Os apoiantes da abordagem colectiva da terra natal ou uma identidade étnica
em termos dos sistemas de migração salientam que comum cultivada e preservada.
nenhum factor, por si só, pode explicar o processo de
Robin Cohen argumentou que as diásporas ocorre-
migração. Pelo contrário, cada movimento migratório
ram de várias formas, embora os exemplos mais
particular, como o existente entre a Turquia e a Ale-
comummente citados sejam aqueles que ocorreram
manha, é o produto de uma interacção entre processos
involuntariamente como resultado da perseguição e
de nível micro e macro.
da violência. N o Global Diasporas (1 997) , Cohen
Ao examinar as tendências recentes de migração adopta uma abordagem histórica e identifica cinco
global, Stephen Castles e M ar k Mi l l er (1993) identi- categorias diferentes de diásporas, de acordo com as
ficaram quatro tendências que em sua opinião irão forças subjacentes à disseminação original da popu-
caracterizar os padrões de migração nos próximos lação: vítima (por exemplo, africanos, judeus e armé-
anos: nios), imperial (britânicos), trabalho (indianos),
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RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 265

comércio (chineses) e cultural (naturais das Caraí- to da grande imigração vinda de colónias distantes,
bas). E m alguns destes casos, como o dos chineses, tornou-se claro que as cidades inglesas em cresci-
os movimentos da população em grande escala tive- mento atraíam migrantes das áreas menos prósperas
ram uma base voluntária, e não ocorreram devido a das ilhas britânicas.
um evento traumático. A disseminação da industrialização, contudo,
Apesar da diversidade de formas, todas as diáspo- transformou drasticamente os padrões de migração
ras partilham certas características-chave. Cohen dentro do país, bem como a imigração internacional
sugere que todas as diásporas preenchem os seguin- para a Inglaterra. O crescimento de oportunidades de
tes critérios: trabalho nas áreas urbanas conjuntamente com o
declínio da produção familiar nas zonas rurais enco-
• U m movimento voluntário ou forçado da terra rajaram a tendência para a migração rural-urbana
natal para uma nova ou novas regiões; [êxodo rural]. As exigências do mercado de trabalho
• U m a memória partilhada da terra natal, u m com- também deram um novo ímpeto à imigração do exte-
promisso com a sua preservação e a crença na rior. Embora existissem comunidades irlandesas,
possibilidade de um eventual retomo; judias e negras na Grã-Bretanha bem antes da Revo-
• Uma identidade étnica forte sustentada ao longo lução Industrial, a vaga de oportunidades alterou
do tempo e da distância; radicalmente a escala e a dimensão da imigração
internacional. Novas vagas de imigrantes holandeses,
• U m sentido de solidariedade com os membros do
chineses, irlandeses e negros ajudaram a transformar
mesmo grupo étnico que também vivem em áreas
o clima socioeconómico da Inglaterra.
de diáspora;
• Um a certa tensão em relação às sociedades hos- U m a vaga considerável mais recente de imigração
pedeiras; para a Grã-Bretanha ocorreu quando as perseguições
• U m potencial para contribuições valiosas e criati- nazis do início dos anos 30 levaram uma geração de
vas para sociedades hospedeiras pluralistas. judeus europeus, preocupados com a sua segurança, a
fugir para o Ocidente. Uma pesquisa estimou que
Alguns teóricos acusaram Cohen de tentar simpli- 60 000 judeus se estabeleceram no Reino Unido entre
ficar experiências complexas e distintas numa tipolo- 1933 e 1939, mas os números reais podem ter sido
gia limitada, ao associar "categorias" de diásporas mais elevados. Entre 1933 e 1939, cerca de 80 0 0 0
com grupos étnicos particulares. Outros argumentam refugiados chegaram da Europa Central, e mais
que a sua conceptualização de diáspora não é sufi- 70 0 00 chegaram durante a guerra. E m M a i o de 1945,
cientemente precisa para a análise que desenvolve. a Europa confrontou-se com um problema de refu-
Porém, apesar destas críticas, o estudo de Cohen é giados sem precedentes: milhões de pessoas tinham-
valioso por demonstrar que as diásporas não são está- -se tomado refugiados. Várias centenas de milhares
ticas, mas antes processos continuados de manuten- estabeleceram-se na Grã-Bretanha.
ção da identidade colectiva e de preservação da cul-
N o período a seguir à Segunda Guerra Mundi al , a
tura étnica num mundo em rápida globalização.
Grã-Bretanha conheceu uma imigração sem prece-
dentes - a maioria dos novos residentes provinha dos
países da Comunidade Britânica, em resposta a opor-
Imigração para o Reino Unido
tunidades de emprego. Havia uma clara falta de força
Embora possamos pensar na imigração para a Grã- de trabalho no período do pós-guerra na Grã-Breta-
-Bretanha como u m fenómeno do século X X , trata-se nha; os empregadores estiveram, durante algum
de um processo cujas raízes remontam a tempos ante- tempo, interessados em contratar trabalhadores imi-
riores aos princípios da história escrita. O número grantes. Para além da reconstrução do país e da eco-
considerável de apelidos irlandeses, galeses e escoce- nomia a seguir à destruição causada pela guerra, a
ses disseminados entre a população inglesa de hoje é expansão industrial estava a dar aos trabalhadores
uma recordação do fluxo tradicional de pessoas das britânicos condições de mobilidade sem precedentes
"franjas célticas" para os centros urbanos da Inglaterra. e a criar a necessidade de trabalhadores em cargos
Nos princípios do século X I X , muito antes do adven- não especializados e manuais. Os que pertenciam a
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círculos governamentais eram influenciados pela Comunidade Britânica, as leis da imigração discrimi-
noção da grande herança imperial britânica e, por navam os habitantes de estados predominantemente
não brancos, preservando os direitos de imigrantes de
conseguinte, sentiam que os naturais das índias Oci-
dentais, da índia, do Paquistão e das antigas colónias países da "velha comunidade" como o Canadá e a
em África todos eram súbditos da Coroa Britânica Austrália. A introdução do princípio da patriarcal ida-
com direito a estabelecerem-se na Grã-Bretanha. de 1 e m 1968 na Lei dos Imigrantes da Comunidade

O influxo de imigrantes foi apoiado pela adopção em Britânica implicava que, de forma a reclamar a cida-
dania britânica, um cidadão de um país da comunida-
1948 da British Nationality Act (Lei da Nacionalida-
de Britânica) que concedia direitos de imigração de britânica tinha necessariamente de ter nascido,
favoráveis aos cidadãos da Comunidade Britânica. sido adoptado ou naturalizado no Reino Unido, ou ter
um dos pais ou avós nessas condições. N o conjunto,
tais exigências tomaram a imigração algo muito mais
M u d a n ç a d a política de imi g ra ç ão possível para brancos do que para não brancos (Skel-
na G r ã - B r e t a n h a
lington, 1996).
Os anos 6 0 marcaram o início de um retrocesso gra- A L ei da Nacionalidade Britânica, aprovada em
1981, limitou as condições sob as quais os naturais de
dual na noção de que os habitantes do império britâ-
colónias antigas ou actuais podem entrar no Reino
nico tinham o direito de imigrar para a Grã-Bretanha
e reivindicar a sua cidadania. Embora a mudança nos Unido. A cidadania britânica foi separada da cidada-
contornos do mercado de trabalho possa ter desem- nia desses territórios. Foi criada um a categoria de
"Cidadãos Britânicos Ultramarinos" destinada essen-
penhado um papel nas novas restrições à imigração,
cialmente a abranger indivíduos que vivem em Hon g
estas foram também uma resposta ao protesto por
parte de muitos ingleses brancos contra o influxo de Kong, na Malásia e em Singapura; estes não têm
imigrantes. E m particular, os trabalhadores que direito a estabelecer-se no Reino Unido e os seus
viviam nas zonas pobres para onde gravitavam os filhos não podem herdar a sua cidadania. Os cidadãos
imigrantes eram sensíveis às alterações que a imigra- da Comunidade Britânica, que anteriormente se
podiam registar como cidadãos britânicos depois de
ção causava às suas vidas quotidianas. As suas atitu-
residirem no país durante cinco anos, têm agora de
des para com os recém-chegados eram frequente-
mente hostis. Os motins de 1958 em Notting H il l , nos pedir a naturalização nas mesmas condições que os
quais residentes brancos atacaram imigrantes negros, naturais de qualquer parte do mundo. Foram acres-
centadas igualmente outras restrições em matéria de
foram um testemunho da força das atitudes racistas.
entrada e de direito de residência no país. A legisla-
O coro crescente de pedidos de controlo da imi- ção introduzida em 1988 e 1996 aumentou ainda
gração encontraram eco numa frase famosa de Enoch mais estas restrições.
Powell, um deputado e porta-voz do Partido Conser-
vador. N u m discurso de 1962, em Birmingham, É possível também proferir acusações de racismo na
Powell previu um aumento extraordinário da popula- política de imigração a propósito das taxas de admissão
ção não branca na Grã-Bretanha: "tal como os roma- de visitantes estrangeiros para pequenas estadias. De
nos, julgo ver "as águas do Rio Tibre turvas de san- acordo com dados do Ministério da Administração
gue" . U m a sondagem efectuada mostrou que 7 5 % da Interna, o controlo da imigração recusa u m em cada 63
população simpatizava com as ideias de Powell. visitantes jamaicanos e um em cada 82 visitantes do
Bangladesh. Para os visitantes americanos e suecos, as
Os escritores e activistas anti-racistas têm defendi-
taxas são de um em cada 3 011 e de um em cada 4 319,
do que a política de imigração britânica é racista e
respectivamente (Skeilington, 1996).
discriminatória contra os não brancos. A começar
pela promulgação da L e i dos Imigrantes da Comuni- A Grã-Bretanha reduziu igualmente as possibilida-
dade Britânica e m 1962, foi aprovada uma série de des de entrada no país de refugiados políticos ou reli-
medidas que restringiam os direitos de entrada e de giosos. Foi aprovada em 1991 a L ei do Asilo, que
estabelecimento de não brancos, protegendo a possi-
bilidade dos brancos entrarem na Grã-Bretanha de 1
No original Patriolity principie > que tem a ver com parriorch,
forma relativamente livre. Mesmo entre cidadãos da isto é, patriarca.
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na Grã-Bretanha à espera das decisões acerca das


suas candidaturas enfrentam a ameaça de deportação

A rri v a ls se forem encontradas a pedir, e presentemente rece-


bem vales de desconto, em vez de dinheiro, para usar
na compra de comida e outros bens essenciais.
As acusações de políticas de imigração racistas
foram particularmente veementes durante o governo
do Partido Conservador da Sr.è Thatcher, embora
acusações similares tenham permanecido também
sob o governo do Novo Partido Trabalhista ("New
Labour"). Os activistas anti-racistas chamaram a
atenção para a tendência de alguns políticos jogarem
o "trunfo da raça" em discursos e debates públicos.
Baseando-se em estereótipos ou citando informação
incorrecta acerca dos padrões de imigração, os políti-
cos podem inflamar a opinião pública acerca da
"inundação** de imigrantes que se tentam infiltrar na
Grã-Bretanha. Por exemplo, a sugestão de que mui-
tos dos que procuram asilo são principalmente imi-
grantes pobres e desqualificados que tentam ultrapas-
sar os procedimentos de imigração habituais é enga-
nadora, mas ecoa de forma poderosa entre quem é
céptico quanto às políticas de imigração e de asilo.

Diversidade étnica no Reino Unido


Os grupos étnicos minoritários constituem actual-
mente mais de 6 % da população total do Reino
Unido. Como vimos anteriormente, a imigração tem
Deixando para trás a confusão da antiga Jugoslávia, sido um factor significativo na moldagem da compo-
crianças de famílias ciganas originárias das Repúblicas
sição étnica do país. Mas é importante salientar que a
Checa e Eslovaca chegam ao Cais de Dover, à espera de
asilo, mas enfrentam um futuro pouco hospitaleiro. imigração é agora responsável pelo declínio da pro-
porção da população das minorias étnicas. A maioria
dos membros dos grupos étnicos minoritários nasce-
introduziu severas condições para as pessoas que rei- ram no Reino Unido. Isto pode ser constatado, clara-
vindicam o estatuto de refugiados, incluindo impres- mente, olhando para a estrutura etária das populações
sões digitais, limitações no acesso a assistência legal étnicas minoritárias - para cada grupo étnico, é muito
gratuita e duplicação da importância das multas a mais provável que as crianças tenham nascido na
aplicar às companhias que transportam passageiros Grã-Bretanha do que os idosos (quadro 9.1). Entre a
sem vistos válidos. A Lei do Recurso ao Asilo e à população indiana, por exemplo, mais de 96% dos
Imigração, de 1993, conduziu a um aumento do que têm 16 ou menos anos de idade nasceram na Grã-
número de recusas e do número de pessoas à procura -Bretanha, enquanto apenas 1% dos que têm 35 anos
do estatuto de refugiadas presas em centros de deten- ou mais nasceram aqui ( H M S O , 1999). Isto marca
ção por grandes períodos de tempo. Em Abri l de uma importante mudança de uma "população imi-
2000, começaram a ter efeito novas leis que impõem grante9* para uma população britânica não branca
severas penalidades aos camionistas encontrados a com plenos direitos de cidadania.
contrabandear pessoas à procura de asilo para a Grã-
Os censos de 1991 foram os primeiros em que os
-Bretanha. A l é m disso, as pessoas que se encontrem
inquiridos foram solicitados a classificar-se em ter-
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Quadro 9.1 Percentagem de pessoas nascidas no Reino Unido, por grupo étnico e idade, Grã-Bretanha, 1997-8

Menos de 16 16*24 25*34 35 ou mais Todas as

Brancos 98 96 95 95 96
Negros das Caraíbas 94 87 86 17 56
Negros Africanos 61 36 27 6 33
Outros grupos Negros 97 94 88 57 87
indianos 96 81 37 1 44
Paquistaneses 93 6$ 35 5 54
Naturais do Bangladesh 84 40 — — 47
Chineses 77 41 — — 26
Nenhum dos anteriores 87 61 35 16 56

Todos os aruoos étnicos 97 93 91 92 93

"Nenhum dos anteriores" inclui os de origem mista; l od os os grupos étnicos" inclui aqueles que não disseram o seu grupo
étnico

mos étnicos. Antes disto, os dados acerca da compo- das a níveis muito inferiores (O wen, 1992). A maio-
sição étnica da população eram determinados de ria das pessoas negras não vive no centro das cidades
acordo com a informação sobre o local de nascimen- por livre escolha; moveram-se para aí porque essas
to do "cabeça de casal". Porém, à medida que uma áreas são menos valorizadas pela população branca e
percentagem crescente da população de minorias as casas ficaram disponíveis à medida que os brancos
étnicas foi nascendo na Grã-Bretanha, este procedi- se mudaram. Comparações dos dados do censo de
mento foi considerado inadequado. As medidas de 1991 com os de recenseamentos anteriores revelam
autoclassificação da pertença a grupos étnicos torna- que a tendência geral da mudança da população de
ram-se actualmente padrão na maioria dos estudos e áreas urbanas para rurais não tem sido característica
inquéritos oficiais, tal como o Inquérito à Força de das minorias étnicas. Pelo contrário, parece contri-
Trabalho ( LFS). Contudo, a comparação dos resulta- buir para a concentração de grupos étnicos minoritá-
dos entre estudos pode ser difícil, na medida e m que rios em áreas urbanas e m que a população branca está
as classificações étnicas usadas nos mesmos nem a encolher (O w e n, 1992).
sempre correspondem entre si (Mason, 1995). Como Dos grupos minoritários étnicos ingleses, a popu-
sempre, é necessário ser cauteloso acerca da exacti- lação originária do Bangladesh é a mais j ovem, com
dão das estatísticas oficiais. O entendimento dos 4 5 % dos seus membros com 16 ou menos anos de
inquiridos acerca da sua etnicidade pode ser mais idade ( H M S O , 1999). E m temos de género, a com-
complexo do que as opções ou categorias existentes posição da maioria dos gropos étnicos é mais equili-
num inquérito (Moor e, 1995). Isto é particularmente brada entre os sexos do que em períodos anteriores.
verdade no caso de indivíduos com várias proveniên- Nos primeiros tempos, o grosso dos imigrantes, par-
cias étnicas. ticularmente da Comunidade Britânica, eram homens.
Políticas posteriores favoreceram a imigração com o
A população britânica de etnias minoritárias,
propósito de reunificação das famílias, uma mudança
actualmente mais de 3 milhões de pessoas, está con-
centrada sobretudo nas áreas urbanas mais densa- que ajudou a equilibrar as proporções de homens e
mente povoadas de Inglaterra. O recenseamento de mulheres em muitos grupos étnicos minoritários.
1991 revelou elevadas concentrações de minorias As descrições anteriores da diversidade étnica na
étnicas e m Londres e no centro oeste do país (44 . 8% Grã-Bretanha só podem ser tomadas como indicado-
e 14% da população de minorias étnicas, respectiva- res gerais dos padrões complexos e diversificados
mente), com as áreas suburbanas e rurais representa- existentes dentro na população. Sociólogos e estúdio-
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 269

sos de outras disciplinas estão cada vez mais a cha- nas práticas de contratação, a pesquisa constatou que
mar a atenção para a necessidade de se atender às eram constantemente oferecidas entrevistas e oportuni-
diferenças existentes entre os grupos étnicos minori- dades de emprego de preferência a brancos face a can-
tários da Grã-Bretanha, em vez de se falar generica- didatos não brancos igualmente qualificados.
mente acerca da experiência das minorias étnicas em O terceiro inquérito nacional às minorias étnicas
geral. Como iremos ver na secção seguinte, sobre PSI, em 1982, constatou que, com excepção dos
raça e desigualdade, as pessoas negras e asiáticas na homens africanos, asiáticos e indianos, as minorias
Grã-Bretanha estão, no geral, em desvantagem em étnicas estavam a sofrer taxas de desemprego duas
comparação com a população branca, mas existe uma vezes mais altas do que os brancos devido a uma
grande diferenciação entre os grupos minoritários recessão económica geral que teve um forte impacto
que merece um exame mais pormenorizado. no sector industrial. Pessoas não brancas qualificadas
e com inglês fluente, todavia, estavam a entrar cada
vez mais em posições de "colarinho branco", e no
E m p r e g o e sucesso e c o n ó m i c o
conjunto havia uma redução na diferença salarial
O emprego é uma área crucial para avaliar os efeitos entre as minorias étnicas e os brancos. A partir dos
finais dos anos 7 0, um número crescente de minorias
das desvantagens sociais e económicas devidas a fac-
étnicas criou o seu próprio emprego, contribuindo
tores como o género, a idade, a classe e a etnicidade.
Os estudos acerca da posição das minorias étnicas no para melhores salários e menores níveis de desem-
mercado de trabalho têm revelado padrões de des- prego, o que ocorreu especialmente entre indianos e
vantagem em termos da distribuição ocupacional, africanos da África Oriental.
níveis salariais, discriminação nas práticas de contra-
tação e promoção, e nas taxas de desemprego. Iremos Dados recentes
considerar alguns destes temas nesta secção. O mais recente inquérito nacional às minorias étnicas
inglesas, conduzido pelo PSI, baseou-se numa amos-
Tendências nos padrões ocupacionais
tra representativa de 5 196 britânicos de origem asiá-
das minorias étnicas desde 1960
tica e das Caraíbas (em adição a 2 867 brancos), e os
O primeiro inquérito nacional às minorias étnicas na resultados foram publicados na obra Ethnic MinorU
Grã-Bretanha, que foi conduzido pelo Policy Studies ties in Britain: Diversity and Disadvantage (Modood
Institute (PSI) nos anos 6 0, constatou que a maior et al., 1997). Este inquérito revelou, mais do que
parte dos recém-imigrados estavam agrupados de nunca, as trajectórias divergentes das minorias étni-
forma desproporcional em ocupações manuais, num cas no mercado de trabalho. Embora as minorias étni-
pequeno número de indústrias. Mesmo os recém- cas continuem, no geral, a experienciar desvantagens
• chegados, que possuíam qualificações nos seus paí- e m termos de salários, práticas discriminatórias de
ses de origem, tendiam a trabalhar em empregos não contratação e maiores taxas de desemprego, verifica-
adaptados às suas capacidades. A discriminação com •se que a população britânica não branca é heterogé-
base na origem étnica era uma prática comum e nea com alguns grupos a encontrar maior sucesso
aberta, havendo alguns empregadores que se recusa- profissional do que outros. Os homens paquistaneses
vam a contratar trabalhadores não brancos ou que só e os do Bangladesh, por exemplo, continuam a traba-
os aceitavam quando havia falta de trabalhadores lhar de forma desproporcional e m actividades
brancos. manuais; a probabilidade de ocuparem uma posição
técnica ou de gestão comparativamente com os bran-
Nos anos 70, os padrões de emprego tinham muda-
cos é dois terços menor. Comparadas com outras
do levemente. Os membros de grupos étnicos conti-
mulheres, apenas um terço das mulheres paquistane-
nuavam a ocupar posições manuais nâo qualificadas ou
sas e um décimo das mulheres do Bangladesh traba-
semi-quaiificadas, embora um número crescente esti-
lham fora de casa (Modood et al., 1997).
vesse empregado em empregos manuais qualificados.
Poucas minorias étnicas estavam representadas e m N o outro lado do espectro estão os indivíduos de
posições técnicas e de gestão. Não obstante as mudan- ascendência asiática provenientes de África e os de
ças na legislação para prevenir a discriminação racial origem chinesa. Entre estes grupos, os níveis salariais
RAÇA, E T N I C I D A D EEM I G R A Ç Ã O270

As minorias étnicas e a "nova economia

Devido à grande concentração de trabalhadores de Contudo, esta visão convencional tem sido posta em
grupos étnicos minoritários na manufactura e indús- causa por resultados como os dos inquéritos PSI
tria, muitos observadores sugeriram que o declínio (acima) e por comparações com os dados do Inqué-
da economia industrial teve um impacto despropor- rito à Força de Trabalho e estatísticas dos recencea-
cional neste segmento da população. Argumentam mentos (Iganski e Payne, 1999). Estes estudos de-
que as altas taxas de desemprego são um reflexo da monstraram que, de facto, certos grupos náo bran-
reestruturação da economia sobre os trabalhadores cos atingiram altos níveis de sucesso profissional e
de minorias étnicas, pois estes são menos especia- económico em décadas recentes, de forma seme-
lizados e mais vulneráveis. A mudança da economia lhante aos trabalhadores brancos de sucesso. Argu-
britânica de uma economia baseada na indústria mentam que o processo de reestruturação contri-
para uma outra guiada pela tecnologia e pelo sector buiu, na realidade, para reduzir a diferença entre as
dos serviços tem sido prejudicial para os trabalha- minorias étnicas e a população branca no mercado
dores de minorias étnicas que estão mais mal pre- de trabalho. Este facto decorre das transformações
parados para fazer a transição para novas ocupações. em larga escala na economia que tenderam a englo-

são agora virtualmente equivalentes aos dos brancos e Entre mulheres não brancas, os padrões de empre-
as taxas de desemprego são também comparáveis. go também variam fortemente. É muito menos pro-
É tão provável que os homens asiáticos provenientes vável que as mulheres originárias das Caraíbas este-
de África trabalhem em profissões técnicas, de gestão j a m num trabalho manual do que as mulheres bran-
ou sejam pequenos empresários como os seus colegas cas, enquanto as mulheres indianas, tal como as
brancos, enquanto é duas vezes mais provável que as paquistanesas, tendem a ocupar essencialmente tra-
mulheres chinesas o sejam do que as brancas. Os auto- balhos manuais. Existe um nível muito maior de acti-
res do inquérito nacional concluem que j á não é apro- vidade económica entre mulheres originárias das
priado considerar que estes grupos estão em desvanta- Caraíbas e indianas, enquanto as mulheres paquista-
gem em relação aos brancos, na medida e m que estes nesas e originárias do Bangladesh são menos activas
ofuscam a população branca de acordo com alguns no mercado de trabalho. E m média, as mulheres ori-
indicadores socioeconómicos (Modood et ai, 1997). ginárias das Caraíbas e as indianas tendem a ter um
rendimento ligeiramente superior às mulheres bran-
A experiência dos jovens do sexo masculino origi-
cas e m horários integrais, embora entre as mulheres
nários das Caraíbas no mercado de trabalho difere
indianas exista uma polarização aguda entre mulhe-
significativamente da dos indianos e brancos. U m
res com rendimentos relativamente altos e baixos
estudo baseado em dados de onze anos do Inquérito à
(Modood et al., 1997).
Força de Trabalho constatou que a probabilidade dos
homens originários das Caraíbas estarem desempre-
gados era mais de duas vezes superior à dos homens O "sucesso económico indiano*'
brancos; e tendiam a ganhar menos do que os outros Os mais bem sucedidos não brancos, e m termos de
grupos. Podemos discernir outra variação gritante no nível de rendimento, são os originários da Ásia do
panorama profissional dos homens africanos gradua- Sul que estão empregados por conta própria ou são
dos que, apesar do sucesso na obtenção de qualifica- pequenos empresários. A proporção de pessoas nesta
ções académicas, têm uma probabilidade sete vezes categoria tem crescido de forma constante ao longo
maior de estarem desempregados do que os seus dos últimos vinte anos: presentemente, a probabilida-
semelhantes brancos (Berthoud, 1999). de dos homens e mulheres indianos estarem empre-
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 271

bar quer os membros das minorias étnicas quer a economia" tendeu a "varrer" igualmente não brancos
população branca. e brancos de uma forma que diminuiu o fosso entre
Usando dados de três décadas dos Inquéritos à eles. De acordo com Iganski e Payne, existe actual-
Força de Trabalho e dos censos ( 1 9 7 1 , 1 9 8 1 , 1 9 9 1 ) , mente uma população substancial de não brancos
Paul Iganski e Geoff Payne constataram que, no seu na Grã-Bretanha cuja estrutura ocupacional está a
conjunto, os grupos étnicos minoritários passaram mudar de forma indistinguível da da maioria da
por menores níveis de perda de trabalho do que a população branca.
restante força de trabalho industrial. Entre 1971 e Iganski e Payne são cuidadosos ao apontar que
1991, os trabalhos industriais perdidos por não bran- os ganhos substanciais alcançados por certos gru-
cos contabilizavam 12 % dos economicamente acti- pos étnicos minoritários não devem ser confundidos
vos em 1971, enquanto na força de trabalho total com o fim da desvantagem ocupacional. Pelo con-
esse valor era de 14,4%. Iganski e Payne constata- trário, defendem que esta "mobilidade social colecti-
ram que havia disparidades significativas nesta ten- va" demonstra que as forças da reestruturação pós-
dência geral - por exemplo, entre homens e mulhe- -industrial são mais fortes do que as da discrimina-
res e também entre sectores industriais. Mas no ção racial e do que a persistência da desvantagem
geral, verificaram que o movimento para a "nova (1999).

gados por conta própria é mais de duas vezes superior sentação nos níveis de poder de topo. Apesar do facto
à dos brancos. As pequenas lojas asiáticas e outras de o número de elementos de minorias étnicas a
formas de negócios geridas por asiáticos tornaram-se ocupar posições de colarinho branco ser maior que
um aspecto tão proeminente da sociedade britânica, anteriormente, parece haver um "tecto de vidro" que
que há quem tenha sugerido que poderiam recondu- impede que as pessoas das minorias étnicas avancem
zir a um renascimento económico dos centros das para posições de topo nas grandes companhias e orga-
cidades. Tariq Modood explicou o "sucesso económi- nizações. No geral, a probabilidade dos homens de
co indiano" como o resultado de muito trabalho, de minorias étnicas - mesmo os mais qualificados - esta-
apoio familiar e comunitário, e da prioridade máxima rem representados entre os 10% de cargos de topo e m
dada à educação (1991). termos de poder, estatuto e salários é apenas metade da
Não obstante, é importante nâo exagerar a prosperi- dos homens brancos (Modood al., 1997).
dade e o impacto potencial dos pequenos negócios des- U m relatório recente resultante do Congresso da
tes grupos. Muitos dos asiáticos que trabalham por Federação de Sindicatos (Trades Union Congress)
conta própria trabalham demasiadas horas - chegando intitulado "Qualificar para o racismo" ( 2000) salien-
mesmo a trabalhar entre 60 e 80 horas semanais - para ta que o fosso no exercício de cargos de gestão e
níveis gerais de rendimento relativamente baixos. Estão supervisão existente entre brancos e não brancos
registados como trabalhadores por conta própria, mas ampliou-se de forma velada durante os anos 90.
na verdade são trabalhadores de outros membros da Neste congresso pediu-se a observação obrigatória de
família que dirigem o negócio; e não gozam dos bene- todos os empregadores de forma a evitar a discrimi-
fícios habituais dos empregados, como o pagamento do nação racial contra empregados negros e asiáticos
salário correspondente aos dias de doença, feriados e os altamente qualificados, cujas hipóteses de promoção
descontos patronais para a segurança social. estão a ser restringidas devido à sua etnicidade. Pare-
ce certo que a barreira em relação à gestão irá enfra-
Problemas em chegar ao topo quecer ainda mais com a passagem do tempo, mas,
no presente, esta permanece uma poderosa recorda-
Os avanços dentro da estrutura ocupacional nem
ção da persistência do preconceito e do racismo que
sempre são acompanhados por um aumento da repre-
RAÇA, ETNICIDADE E M I G R A Ç Ã O 272

os indivíduos provenientes de minorias étnicas têm quanto os brancos; e é menos provável que vivam nos
de enfrentar. bairros do centro das cidades do que os outros grupos
étnicos. Por outro lado, é muito mais provável que as
famílias originárias das Caraíbas arrendem acomoda-
Alojamento
ções no sector das habitações sociais do que se tor-
As minorias étnicas na Grã-Bretanha tendem a sofrer a nem proprietárias da sua habitação. Isto poderá estar
experiência da discriminação, dos maus tratos e da pri- relacionado com a elevada proporção de famílias
vação material no mercado de habitação. Desde os pri- monoparentais neste grupo.
meiros pedidos de controlo da imigração, que o aloja- Preocupado com as desigualdades e com o "stress
mento tem estado na primeira linha da batalha por do alojamento** que as minorias étnicas enfrentam na
recursos entre os grupos e das tendências para o fecha- sua comunidade, o Fórum de Habitação de Bradford
mento étnico. O facto da posse da casa ser uma maté- levou a cabo, em 199S, um estudo localizado sobre as
ria altamente simbólica pode constituir uma razão para necessidades habitacionais. Os resultados foram de
tal - indica estatuto, fornece segurança e está ligada a uma relevância que ia muito para além das questões
todos os aspectos da vida. Tal como acontece com os desta cidade. D o inquérito a 1 0 0 0 famílias não bran-
padrões de emprego, as diferenças na qualidade e tipo cas resultaram dois grandes achados. Primeiro, em
de habitação variam entre os grupos étnicos. Embora a aproximadamente metade das famílias participantes
população não branca, como um todo, esteja em maior originárias do Paquistão e Bangladesh ninguém da
desvantagem do que os brancos em termos de aloja- família estava a trabalhar a tempo inteiro. O declínio
mento, este facto está longe de ser uniforme. Certos da indústria manufactureira e m Bradford tinha tido
grupos, como os de origem indiana, atingiram níveis um forte impacto nas comunidades étnicas minoritá-
muito elevados de propriedade das suas casas, enquan- rias, levando a altas taxas de desemprego. Segundo,
to outros estão agrupados de forma desproporcional existiam taxas extremamente elevadas de doença e de
em acomodações de baixa qualidade ou no sector da incapacidade de longo prazo nas famílias não brancas
habitação social (Ratcliffe, 1999). em situações de grave desvantagem. Dados do recen-
seamento de 1991 sobre a morbidez tinham mostra-
U m certo número de factores contribui para as
do, de modo semelhante, que os grupos étnicos
diferenças no alojamento entre as populações branca
sofriam de forma desproporcionada de doenças cró-
e não branca, e entre os grupos não brancos. É pro-
nicas, como as doenças respiratórias e problemas de
vável que o assédio racial e os ataques violentos, que
peito. Os resultados de Bradford deram suporte ao
estão a aumentar de frequência não só na Grã-Breta-
argumento que defende a ligação íntima entre as con-
nha mas e m toda a Europa, encorajem um certo grau
dições de alojamento e a saúde física.
de segregação étnica nos padrões de alojamento.
É provável que famílias não brancas com meios para Como podemos entender as diferenças étnicas em
se mover para bairros mais abastados, predominante- matéria de habitação? Alguns sociólogos defenderam
mente brancos, sejam dissuadidas de o fazer devido à que, em resultado dos processos de competição no
hostilidade étnica. Outro factor relaciona-se com as mercado de habitação, as minorias étnicas emergiram
condições físicas da habitação. E m geral, as habita- como uma *'c lasse de habitação distinta** (Rex e
ções ocupadas por grupos étnicos minoritários ten- Moor e, 1967). D e acordo com esta abordagem, os
dem a estar em pior estado do que as da população desafios colocados aos grupos étnicos - da desvanta-
branca. U m a elevada proporção de paquistaneses e gem económica à discriminação racial - implicam
de pessoas originárias do Bangladesh vivem em aco- que eles tenham poucas opções e poucas hipóteses de
modações sobrelotadas (devido ao elevado tamanho exercer controlo sobre a sua posição no mercado de
médio das suas famílias); as suas habitações tendem habitação. As minorias étnicas são essencialmente
também a ser mais susceptíveis & humidade e é mais forçadas a lidar co m estes alojamentos inadequados
provável que lhes falte o aquecimento central (quadro porque tem pouca ou nenhuma escolha nesta matéria.
9.2). Embora existam certamente muitas circunstâncias
constrangedoras que colocam as minorias étnicas em
Pelo contrário, é tão provável que as pessoas de
desvantagem no mercado da habitação, seria errado
origem indiana ocupem vivendas ou casas geminadas
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 273

Quadro 9.2 Famílias com problemas físicos no seu alojamento, por grupo étnico, ria Grã-Bretanha, 1991.

Sem uso exclusivo de Sem aquecimento


casa de banho ou WC centrai
Mais de Acomodação
1 pessoa/quarto não independente pessoas pessoas
Grupo étnico (%> <%) por família <%) por família

Brancos 1.8 0.9 1.2 1.50 16.9 2.16


Minorias étnicas 13.1 2.4 2.1 2.09 17.8 3.33
Negros 7.2 3.1 2.3 1.69 17.4 2.33
Negros das Caraíbas 4.7 2.0 1.4 1-65 17.4 2.30
Africanos Negros 15.1 6.5 5.1 1.73 15.8 2.46
Outros Negros 5.6 3.2 2.4 1.67 20-2 2.27
Asiáticos do Sul 20.S 1.1 1.4 3.08 19.5 4.43
Indianos 1 12.8 1.0 1.1 2.65 12.4 3.59
Paquistaneses 29.7 1.2 1.7 3.31 34.2 4.95
do Bangladesh 47.1 1.3 2.0 4.17 23.6 5.19
Chineses e outros 9.4 3.6 3.0 1.78 15.0 2.62
Chineses 10.6 3.5 3.2 1.95 16.0 2.82
Outros asiáticos 11.0 3.7 3.0 1.79 12.1 2.Ô3
Outros-outros 7.4 3.7 3.0 1.67 16.7 2.39

População total 2.2 1.0 1.3 1.54 18.9 2.21

fonte. D. Owen in David Mason, Race and Ettvvdty in Modem Brttain. Oxford University Press, 1995.

deduzir que estas são meras vítimas passivas de for- Existem razões para acreditar que os membros de
ças racistas ou discriminatórias. Os padrões e práticas grupos étnicos minoritários sofrem um tratamento
mudam ao longo do tempo através das escolhas feitas discriminatório no sistema de justiça criminal. Existe
por actores sociais. A discriminação pode também uma maior taxa de sentenças de prisão entre não
tomar-se um impulso para a acção criativa. brancos, mesmo em casos e m que existem poucos ou
nenhuns antecedentes criminais. É também mais pro-
vável que membros das minorias étnicas sofram dis-
Raça e crime
criminação ou ataques raciais depois de já estarem
Desde os anos 60 que membros dos grupos étnicos presos. Alguns estudiosos têm salientado que a admi-
têm estado representados, em número crescente, no nistração do sistema de justiça criminal é preponde-
âmbito do sistema de justiça criminal tanto como cri- rantemente dominada por brancos. U m a pequena
minosos como na qualidade de vítimas. Em compa- percentagem dos advogados são negros, e os negros
ração com a sua distribuição na população total, as representam menos de 2 % dos membros das forças
minorias étnicas estão sobre-repre sentadas nas pri- policiais (Denney, 1998).
sões. E m 1997, um em cada oito prisioneiros do sexo Todos os grupos não brancos são vulneráveis ao
masculino da Inglaterra e do País de Gales pertencia racismo de um tipo ou de outro - incluindo as agres-
a um grupo étnico minoritário ( H M S O , 1999). As sões por motivos raciais. A maioria escapa a tal trata-
taxas de detenção entre os indivíduos negros originá- mento, mas para uma minoria essa experiência pode
rios das Caraíbas são também desproporcionalmente ser perturbadora e brutal O inquérito do Policy Stu-
elevadas - estes são responsáveis por 7 % das 1,3 dies Institute (Modood etaL, 1997) revelou que 12%
milhões de detenções efectuadas em 1998-9, apesar dos inquiridos tinham sido violentados, insultados ou
de constituírem apenas 2 % da população total. atacados por motivos raciais no ano anterior. Destes,
RAÇA, ETNICIDADE E M I G R A Ç Ã O 274

2 5 % tinham sido vítimas cinco ou mais vezes duran- to de exploração violenta" na sua vivência com os
te esse período. U m quarto dos inquiridos admitiu brancos e, até certo ponto, também, infelizmente,
preocupar-se com o facto de ser vítima de violência com a polícia.
racial.
Racismo policial
Nos últimos anos, tem sido prestada uma atenção
crescente aos crimes contra as minorias étnicas moti- Os estudos sociológicos têm sido esclarecedores
vados por questões raciais. Os estudos sobre vitimi- quanto à revelação de atitudes racistas entre agentes
zação revelaram que é mais provável que crimes da polícia. N o seu estudo sobre a polícia, Roger
como ameaças, vandalismo e ataques violentos sejam Graef concluiu que a polícia era "fortemente hostil
vistos como racialmente motivados pelas vítimas do para com todos os grupos minoritários". O autor
que crimes como o roubo. O Inquérito Britânico ao salientou a frequência com que os agentes usavam
Cri me, de 1998, constatou que é mais provável que estereótipos e comentários raciais ofensivos ao falar
os inquiridos originários do Paquistão e do Bangla- das minorias étnicas (1989). Durante os anos 90,
desh percepcionem os crimes como racialmente vários incidentes de alto nível, na Grã-Bretanha e nos
motivados ( 2 6% de todos os crimes), enquanto os Estados Unidos, alertaram para o racismo policial de
inquiridos indianos ( 1 3 % ) e negros ( 9 % ) percepcio- uma forma que nenhum estudo um dia poderia con-
nam, de certa forma, uma menor motivação racial nos seguir. O homicídio, em 1993, de Stephen Lawrence,
incidentes criminais. E m contraste, apenas 1% dos discutido anteriormente neste capítulo, alterou signi-
brancos consideraram os crimes perpetrados contra si ficativamente a natureza do debate sobre o racismo
como racialmente motivados ( H M S O , 1999). na Grã-Bretanha, ao demonstrar que o racismo não
está restrito a certos indivíduos, mas pode perverter
Como podemos explicar estes padrões de crime e
instituições inteiras.
vitimização? Como salientámos no Capítulo 8, o
crime não está distribuído de igual forma entre a N o seguimento da publicação, em 1999, do Rela-
população. Parece existir um elemento espacial dis- tório Macpherson sobre o homicídio de Stephen
tinto nos padrões de crime e vitimização. As áreas Lawrence, pelo Ministro da Administração Interna
que sofrem de privação material têm, geralmente, Jack Straw desafiou a polícia a tornar-se "campeã da
maiores taxas de crime, e os indivíduos que vivem sociedade multicultural". Muitas das 7 0 recomenda-
em tais regiões correm u m maior risco de se tornarem ções do relatório foram postas em prática no ano
vítimas de crime. seguinte à sua publicação, embora haja por vezes crí-
As privações a que as pessoas expostas ao racismo ticas que afirmam que as mudanças não estão a ocor-
estão sujeitas tanto ajudam a produzir o ambiente rer com a rapidez necessária. N o primeiro ano após o
decadente dos centros das cidades como são produzi- relatório, mais de um terço das forças policiais não
das por ele (ver também capítulo 18). Existem corre- tinham efectuado contratações adicionais de agentes
lações evidentes entre raça, desemprego e crime, que negros ou asiáticos, e o número de agentes membros
tendem a centrar-se particularmente na posição dos de minorias étnicas tinha caído e m 9 das 43 forças de
jovens negros do sexo masculino. Através da criação Inglaterra e do País de Gales. Há também alguns
de 44pânicos morais" acerca do crime, pelos políticos indicadores da existência de um "movimento anti-
e pelos meios de comunicação social, foi estabeleci- Macpherson" entre alguns segmentos da comunidade
da uma ligação pública entre raça e crime. O Daily encarregues da aplicação da lei, que acreditam que o
Telegraph comentou: "Muitos jovens das índias Oci- relatório atingia injustamente a polícia.
dentais que vivem na Grã-Bretanha e, por um pro-
Nos Estados Unidos, têm sido levantadas preocu-
cesso associado, um número cada vez maior de
pações similares com o racismo institucional, em res-
jovens brancos, não têm qualquer sentimento de per- posta a uma série de violentos incidentes, envolven-
tença à nação e m que vivem. Os seus cidadãos tor- do polícias brancos e cidadãos negros. O espanca-
nam-se, assim, para eles meros objectos de explora- mento violento do motorista Rodney K i ng pelo
ção violenta" (citado em Solomos e Rackett, 1991, Departamento de Polícia de Los Angeles, em 1991,
p. 44 ). Porém, a experiência de muitos jovens negros
foi captado por um vídeo amador e transmitido repe-
diz-lhes que são precisamente eles quem são "objec-
tidas vezes perante uma nação chocada. Quando a
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 275

polícia foi considerada inocente, e m 1992, irrompe- terem feito algo de errado do que os brancos. A s cha-
ram motins em determinadas partes de Los Angeles. madas "operações stop" - de detenção temporária e
N o decurso de quase uma semana, os motins resulta* inquirição - apontam de forma desproporcionada
ram em 4 0 mortos, S 0 0 0 detenções e mais de u m para não brancos. E m Londres, por exemplo, é seis
bilião de dólares e m estragos materiais. N a cidade de vezes mais provável que os negros sejam detidos e
Nov a York, quatro polícias foram ilibados depois de presos pela polícia do que os brancos. H á quem afir-
Amadou Diallo ter sido morto a tiro, e m 1999, pro- me que os pedidos de assistência policial por parte de
vocando mais acusações de racismo policial. Di all o, não brancos não recebem uma resposta tão rápida ou
um imigrante guineense, foi morto à porta do bloco completa como os pedidos dos cidadãos brancos.
do seu apartamento, quando puxava da sua carteira.
Acreditando que ele tinha uma arma, a polícia dispa-
Imigração e relações étnicas
rou contra ele 43 vezes. O Presidente da Câmara de
Nov a Y ork, Rudolph Giu liani, e o seu comissário
tio Continente
W i l l i a m Safír foram fortemente criticados por prote- Tal como a Grã-Bretanha, a maioria dos outros países
gerem os agentes da "lei e ordem" que, de forma des-
europeus foram transformados profundamente pelas
proporcional, atingiam os nova-iorquinos não bran- migrações durante o século X X . Durante as primeiras
cos. A ênfase no grande número de detenções e no duas décadas após a Segunda Guerra Mund i al , ocor-
cumprimento da ordem levou a uma situação e m que reram na Europa migrações e m larga escala. Os paí-
os polícias, com pouca formação e demasiado entu-
ses mediterrâneos forneceram mão-de-obra barata
siasmo, tendiam a "atirar primeiro, e a perguntar
aos países europeus do norte e do oeste. A chegada de
depois".
imigrantes vindos de áreas como a Turquia, o Norte
À luz de tais incidentes, não causará qualquer sur- de Africa, a Grécia, o sul de Espanha e a Itália foi,
durante um período de tempo, encorajada pelos paí-
presa que a pesquisa tenha confirmado que a hostili-
dade e m relação à polícia é um fenómeno comum ses anfitriões que se encontravam com falta de traba-
entre os grupos negros - quer na Grã-Bretanha quer lhadores. A Suíça, a Alemanha Ocidental, a Bélgica e
nos Estados Unidos. Estas atitudes são, até certo a Suécia são países com uma considerável população
de trabalhadores imigrantes. A o mesmo tempo, os
ponto, simplesmente o produto da experiência direc-
ta; as atitudes dos jovens negros, em particular, são países que tinham sido potências coloniais receberam
resultado das estratégias policiais que encontram. um afluxo de imigrantes das suas antigas colónias:
O inquérito PSI constatou que, apenas um quarto dos foi o caso particularmente da França (argelinos), da
Holanda (indonésios), bem como do Reino Unido.
inquiridos que tinham sido racialmente atacados no
ano anterior optaram por reportar o ataque à polícia. A migração de mão-de-obra para a Europa Oci -
Metade dos que efectivamente o tinham feito esta- dental abrandou consideravelmente há cerca de duas
vam insatisfeitos com o tratamento que haviam rece- décadas, à medida que a conjuntura de alta na econo-
bido. Muitos consideravam que a resposta da polícia mia se transformou em recessão. Mas desde a queda
mostrava que esta não tinha qualquer interesse rea! do M u r o de Berlim, em 1989, e das transformações
em conhecer ou investigar o incidente (Mo doo d et que têm vindo a ocorrer nos países da Europa de
ai, 1997). Leste e da antiga União Soviética, a Europa testemu-
As minorias étnicas têm uma grande necessidade nhou o nascimento do que tem sido designado como
da protecção da polícia e do sistema de justiça crimi- nova migr ação. Esta "nova migração" tem sido mar-
nal porque têm uma probabilidade maior de serem cada por dois eventos principais. Primeiro, a abertura
vítimas de crimes do que os brancos, mas existem das fronteiras entre o Leste e o Ocidente levou à
algumas indicações de que políticas de imposição da migração de sensivelmente cinco milhões de pessoas
lei possuem um carácter racial que tem como alvo os na Europa entre 1989 e 1994. Segundo, a guerra e o
não brancos. O uso de "perfis raciais" pela polícia conflito étnico na antiga Jugoslávia resultou num
tem significado que os membros dos grupos étnicos surto de aproximadamente cinco milhões de refugia-
minoritários são submetidos mais frequentemente a dos para outras regiões da Europa (Koser e Lutz,
um escrutínio apertado e a elevadas suspeitas de 1998). Os padrões geográficos da migração europeia
RAÇA, ETNICIDADE E M I G R A Ç Ã O 276

Em média, é muito mais provável que os jovens negros sejam mandados parar e revistados pela policia nas ruas de Lon-
dres do que os jovens brancos.

também mudaram, c om as linhas entre países de ori- da União Soviética. Muitos deles estão a optar por
gem e países de destino a tornarem-se cada vez mais regressar à Rússia como parte de um processo de
confusas. Países na Europa Central e do Sul torna- separação étnica (Brubaker, 1998).
ram-se destinos para muitos imigrantes, uma notável
diferença e m relação aos anteriores padrões de
As migrações e a U n i ã o E u r o pe i a
migração.
Outra característica da "nova migração" é a da Como parte do movimento de integração europeia,
"não mistura" étnica. N a antiga União Soviética, na foram removidas muitas das barreiras ao livre movi-
antiga Jugoslávia e e m alguns estados da Europa mento de mercadorias, capital e empregados ante-
Central, a mudança de fronteiras e de regimes políti- riormente existentes. Este facto conduziu a um
cos e o rebentar de conflitos levaram à migração com aumento dramático da migração regional entre países
base no princípio da "afinidade étnica". U m a ilustra- europeus. Os cidadãos da União Europeia têm agora
ção clara de tal facto pode ser observada no caso dos o direito de trabalhar em qualquer país da U E . Pro-
milhares de russos que se encontravam a viver em fissionais com competências e qualificações altamen-
países recentemente independentes - como a Letónia, te desenvolvidas juntaram-se às fileiras dos que pro-
o Casaquistão e a Ucrânia - no seguimento da queda curam asilo e dos migrantes económicos como o
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 277

maior grupo de migrantes europeu. C o m esta mudan- tráfico e contrabando dão respostas informais às
ça, os estudiosos assinalaram a existência de uma mudanças nas políticas de imigração. O comércio de
polarização crescente entre "os ricos e os pobres" no imigrantes tornou-se uma das categorias de crime
seio da população migrante. organizado de crescimento mais rápido na Europa.
A migração para os países da U E a partir de países Tal como os agrupamentos criminosos de tráfico de
não pertencentes à mesma tornou-se um dos assuntos drogas, armas e mercadorias roubadas ao longo das
mais prementes na agenda política de um grande fronteiras, também eles são capazes de traficar imi-
número de estados europeus. A medida que o proces- grantes ilegais de várias maneiras. Os migrantes e
so de integração europeia prossegue, um grande núme- traficantes juntam-se para retirar pistas para as deci-
ro de países tem dissolvido os controlos internos das sões acerca dos seus próprios movimentos, à luz do
fronteiras com estados vizinhos como parte do acordo conhecimento e experiência de outros migrantes.
de Schengen. Os signatários do acordo controlam, pre- Neste sentido, as restrições políticas parecem estar a
sentemente, apenas as suas fronteiras externas (ver provocar novas formas de resistência (Koser e Lutz,
figura 9.3) e permitem a livre entrada de membros de 1998).
estados vizinhos. Esta reconfiguração do controlo das
fronteiras europeias teve um enorme impacto na imi-
gração ilegal para a U E e nos crimes fronteiriços. Os R e f u g i a d o s , pessoas q u e p r o c u r a m asi lo
imigrantes ilegais que consigam ter acesso a um esta- e m i g ran t es económicos
do signatário do acordo de Schengen podem mover-se
C o m o apertar das fronteiras da E U , a submissão de
sem impedimentos e m toda a zona Schengen.
pedidos de asilo tomou-se um dos derradeiros canais
E m virtude de a maior parte dos estados da U E pelos quais os cidadãos de países não comunitários
terem limitado a imigração legal aos casos de reunifi- podem obter permissão para se estabelecerem na U E .
cação familiar, os exemplos de imigração ilegal têm U m a pessoa que procura asilo é uma pessoa que
estado a aumentar. Alguns ilegais entram na U E legal- requer refúgio num país estrangeiro devido a medo
mente como estudantes ou visitantes e permanecem de perseguição no seu país de origem. Embora o
para além do período de duração dos seus vistos, mas direito de pedir asilo seja universal, as políticas
um número orescente de imigrantes ilegais são trafica- destinadas a rever os casos de asilo tornaram-se
dos através das fronteiras (ver figura 9.4). O Centro altamente controversas em muitos estados da U E . Os
Internacional para o Desenvolvimento de Políticas de críticos acusam os estados de tratarem os candidatos
Imigração estima que anualmente 400 0 00 pessoas a asilo como criminosos - forçados a viver e m
sejam passadas clandestinamente para a U E . As longas centros de detenção sobrelotados semelhantes a
fronteiras marítimas italianas têm sido consideradas cadeias enquanto os seus pedidos são processados.
como as mais porosas da Europa, atraindo imigrantes Acumularam-se imensos processos e m atraso em
ilegais da Albânia, da antiga Jugoslávia, da Turquia e muitos países, incluindo o Reino Unido, onde, no iní-
do Iraque. Desde que se juntou ao acordo Schengen, a cio de 20 00, mais de 100 0 0 0 pessoas que tinham
Itália apertou significativamente o controlo das suas pedido asilo aguardavam a decisão acerca dos seus
fronteiras externas. A Alemanha, que recebe uma pedidos.
quota desproporcional de imigrantes ilegais e de pedi-
Os governos da U E , todavia, insistem na necessi-
dos de asilo, tem trabalhado com os governos da Poló-
dade de se prevenirem quanto a "embustes" nos pedi-
nia e da República Checa para apertarem o controlo
dos de asilo, embora protegendo os direitos daqueles
nas suas fronteiras orientais. Enquanto candidatos à
que possuem um medo genuíno e bem fundamentado
U E , estes países farão parte da ponta oriental da U E
de perseguição no seu país de origem. Devido ao
dentro de poucos anos; as suas extensas e prolixas
facto da U E ser o local onde existem alguns dos
fronteiras com a Eslováquia, Ucrânia, Bielorússia e
maiores salários, serviços de saúde e níveis de vida
Rússia podem tornar-se o novo " elo fraco" do contro-
do mundo, alguns "migrantes económicos", que não
lo da migração na UE .
fogem è perseguição mas procuram melhorar de vida
e que não conseguem ganhar a sua entrada por outros
Todavia, o apertar do controlo sobre os "novos
meios, podem procurar fazê-lo apresentando um
migrantes" não está a ter lugar no vácuo. As redes de
RAÇA, ETNICIDADE E M I G R A Ç Ã O 278

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Figura A zona Schengen


Font* The BGcnomiet, 160ut. 1999, p. 28.

pedido de asilo. As rígidas políticas de asilo têm leva* Muitos países da Europa Ocidental assistiram a
do algumas pessoas a falar de uma Fortaleza Euro- campanhas a favor do regresso dos imigrantes aos
pa - uma zona protegida que actua colectivamente seus países de origem, e de ameaças de deportação,
para proteger os seus bens e elevado padrão de vida caso estivessem desempregados ou tivessem cometi-
contra o "assalto" de imigrantes de outras partes do do um crime. Pânicos morais retratando os imigran-
mundo que procuram partilhar dessa prosperidade. tes como criminosos e dependentes da segurança
RAÇA, ETNICIDADE E MIGRAÇÃO 279

Conclusão
N o nosso mundo em globalização, as ideias - e as pes-
soas - estão a fluir ao longo das fronteiras em volumes
nunca antes vistos na história. Estes processos estão a
alterar profundamente as sociedades em que vivemos.
Muitas sociedades estão a tornar-se, pela primeira vez,
etnicamente diversas; outras a descobrir que os
padrões existentes de multietnicidade estão a ser trans-
formados ou intensificados. Todavia, em todas as
sociedades, os indivíduos estão a começar a contactar
regularmente com pessoas que pensam de forma dife-
1993 1994 199S 1996 1997 1995 1999
rente, têm uma aparência diferente e vivem de uma
forma diferente da sua. Estas interacções estão a acon-
Figura 9.4 Estimativas das entradas de imigrantes ilegais
tecer directamente, como resultado da migração, bem
na União Europeia, 1993*9 (em milhares).
como através das imagens transmitidas através dos
Fontes: Iniematíooal Centre fo* Migratfon Poltcy Devetopment. In
77» Sconomist, 16 O u t 1999, p. 31. meios de comunicação social e da Internet.

Algumas pessoas dão as boas-vindas a esta nova


complexidade étnica e cultural, considerando-a uma
social estão a instigar ainda mais o aperto das políti- componente vital de uma sociedade cosmopolita
cas de imigração em muitos países. Robin Cohen Outras acham-na perigosa e ameaçadora. Aquelas que
(1994 ) usa a expressão "fronteiras da identidade" mantêm uma visão fundamentalista do mundo, procu-
para se referir à forma como os debates públicos pro- ram refúgio na tradição estabelecida e rejeitam o diá-
movem uma visão particular do património nacional logo com aqueles que são diferentes (ver Capítulo 17).
e levantam barreiras contra pessoas que são "estran- Actualmente, muitos dos conflitos étnicos que estão a
geiras" ou "diferentes". decorrer em todo o mundo podem ser vistos como uma
N a Europa, o racismo associado ao sentimento expressão deste tipo de abordagem fundamentalista.
anti-imigração produziu, nos anos 1990, alguns inci- U m dos principais desafios que o nosso mundo em
dentes explosivos. N a Alemanha recém-unificada globalização enfrenta consiste em saber como gerar
centenas de ataques contra estrangeiros - e contra tra- uma sociedade com uma natureza mais cosmopolita.
balhadores turcos, alguns dos quais estavam no país Como os esforços pacientes da Comissão para a Ver-
há mais de vinte anos - tiveram lugar em 1991 e dade e Reconciliação na Africa do Sul demonstraram,
1992. Ataques violentos contra populações ciganas criar um fórum para a comunicação aberta e respeita-
tornaram-se mais frequentes em muitos países da dora é difícil, mas constitui um primeiro passo eficaz
Europa Central e Oriental. no sentido da reconciliação racial.

1 Por raça entendem-se as características físicas, como a cor da pele, tratadas pelos
membros de uma comunidade ou sociedade como etnicamente significativas -
por assinalarem características culturais distintas. Muitas crenças populares acer-
ca da raça são um mito. Não existem características nítidas que permitam distri-
buir os seres humanos por raças diferentes.
2 Certos sectores de uma população formam grupos étnicos em virtude de parti-
lharem características culturais comuns que os separam de outros grupos da
mesma população. Por etnicidade entendem-se as diferenças culturais que sepa-
ram os grupos. A s principais características que distinguem os grupos étnicos são
a linguagem, a história ou ancestralidade, a religião, modos de vestir ou adornos.

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