Você está na página 1de 4

A EMPRESA E A EDUCAÇÃO - UMA LEITURA PSICOPEDAGÓGICA

Dulce Consuelo R. Soares

Observamos também , uma preocupação por parte dos empresários em investir em cursos de
Relações Interpessoais.

Este artigo tem como objetivo estabelecer as relações entre a empresa e a educação .
Há algum tempo atrás acreditava-se que a educação fazia parte de algumas agências institucionais
como: a família e a escola ; agia-se na prática como se a empresa e a sociedade em geral não fosse
atingida pelo diretamente pelo processo da Educação; esperavam que o sujeito ao sair da escola
estivesse pronto para atuar no mercado de trabalho e que assim ele deveria devolver à sociedade o
que esta investiu nele ,através da sua produção , da sua qualificação profissional .
Vale ressaltar que teoricamente o sujeito deseja dar tal retorno , porém o que conseguimos assumir é
que ninguém que seja humano , possa se considerar pronto ; estamos sempre nos "desequilibrando"
diante de uma situação nova , necessitamos acomodar novos esquemas para assimilarmos e
internalizarmos novas estruturas ( Piaget , 1975) para prosseguirmos nosso caminho de
aprendizagem .
Como o processo de educação atinge a empresa ? Atualmente , ouvimos que a maioria das
empresas investem em capacitação profissional de seus funcionários . Por quê ?
Com certeza ratificamos que necessitamos estudar , aprender , trocar experiências , exercitar a
convivência para interagirmos melhor com os outros.
E, é nessa "troca" que as empresas estão apostando para atingir a postura diferencial , seu estilo
próprio e peculiar ; construindo uma nova "gestalt" da organização empresarial , promovendo a
convivência dos contrários e favorecendo a unidade na diferença - matrizes de pensamentos
sugeridas pelo Paradigma Luz de Aglael Borges para o novo milênio .
Observamos também , uma preocupação por parte dos empresários em investir em cursos de
Relações Interpessoais . Aqui nos cabe uma reflexão : "O que será que pode estar acontecendo aos
Funcionários - Sujeitos das empresas ? Será que eles não sabem como agir profissionalmente com
seus colegas , chefes e diretores ? Parece que não !"
Esses dados foram coletados a partir de constantes pedidos à várias consultorias e um dos módulos
mais requisitados é justamente o de relações interpessoais. Podemos fazer várias conjecturas : falta
de comunicação , a situação político - econômico - social do país , falta de limites estruturantes em
cada Funcionário - Sujeito por falhas anteriores de outras agências como : a família e a escola , falta
de competência da empresa , falta de competência do próprio funcionário , entre outras.
De uma maneira geral as pessoas desenvolvem uma tendência a atribuir causas internas e causas
externas aos seus resultados e aos resultados dos outros ,essa atribuição exerce uma função auto -
servidora que minimiza os sentimentos de responsabilidade e comprometimento com o resultado.
Segundo o psicólogo social Fritz Heider ( 1944) , as pessoas tendem a atribuir causas externas ao
mau resultado e causas internas ao bom resultado, porém é condição sine qua non , refletirmos sobre
nossas atribuições , pois elas pautam nossas condutas favorecendo ou complicando nossas relações
sociais na empresa . O que queremos pontuar é que precisamos exercitar - O que é Meu e o que é do
Outro! Fazer unicamente atribuições externas ( minha empresa não investe em mim , por isso não
sou bom funcionário) , não resolve o problema. Em contrapartida fazer atribuições exclusivamente
internas ( sou péssimo funcionário e não sei como melhorar) paralisa ainda mais o movimento de
atividade que é o movimento interno , de busca , de pesquisa que faz parte do ser humano (Borges ,
1994).

A título de exemplo , iremos construir uma história fictícia para ressaltar o processo de ensino -
aprendizagem na empresa .
Dois diretores de uma empresa "X" solicitam um diagnóstico institucional à um profissional de
recursos humanos para avaliar os subsistemas de sua empresa , pois os diretores sentem que algo
não vai bem ...
No processo diagnóstico as técnicas utilizadas inicialmente foi a da entrevista e a observação para o
estudo de caso em questão ; um dos momentos importantes do diagnóstico - as primeiras impressões
para posterior construções de hipóteses. O profissional verbaliza a importância de entrevistar todos
que trabalham na empresa , explicando que isso favorecerá um novo olhar promovendo um agir
diferente , fundamentado no sentir e no pensar de todos ; tão logo estabelecido o contrato , o
profissional de RH inicia seu processo de intervenção ; após entrevistar todos os funcionários ,
inclusive os diretores , ele destaca algumas falas por terem significado fundamental na avaliação
diagnóstica desta organização empresarial . Seguem as falas disparadoras para a reflexão:

Func. A - "Aqui , você não é valorizado , só cobrado , meu chefe ressalta apenas os meus erros!"
Func. B - " Não trabalho melhor, porque ganho mal , descobri o salário de um
funcionário de outro setor e fiquei indignado, ele ganha 4 vezes mais que eu , só
porque tem curso superior!"

Func. C - "Olha , eu nem entendo direito o que minha empresa produz , eu só emito
as notas fiscais".

Func. D - "Minha meta é provar que o outro setor da minha empresa é


incompetente , estou cansado de consertar o erro dos outros e não ser percebido ,
agora eu desmascaro o setor que colaborou com o não desenvolvimento da minha
área".

Func. E - "Esses sujeitos da área intelectual da empresa se acham melhores que


nós , por isso nem queremos interagir com eles".

Func. F - "Não quero me relacionar com ninguém , pois estou decepcionado com os
seres humanos , entro mudo e saio calado, faço apenas o meu trabalho e comunico
o necessário ao meu chefe , posso não ganhar nada , mas também não perco
nada".

Func. G - " Estou estudando para melhorar minha prática profissional e fazer carreira
nesta empresa , mas isso não é fácil , pois chego tarde em casa todos os dias , mas
é preciso fazer isso por mim".

Supervisor A - " A maioria de nossos funcionários são incompetentes , esperam


encontrar um pai ou uma mãe aqui na empresa!"

Supervisor B - "É muito cansativo trabalhar em equipe , ainda não estamos


acostumados o resultado é bem positivo , mas quase sempre a longo prazo e a
empresa não pode esperar ..."

Gerente A - "Acho que a maioria dos funcionários não querem nada , mas também
não sei como fazer para que queiram algo!"

Gerente B - "Fiquei feliz ao saber que a empresa tomou essa iniciativa , quem sabe
alguém de fora nos ajude a compreender onde estamos falhando".

Diretor A - "A princípio fiquei receoso em solicitar um diagnóstico , às vezes não


estamos preparados para enfrentar nossas dificuldades, mas percebi que isso podia
ajudar nossa empresa".

Diretor B - " Um dos motivos que me levaram a contratar um profissional de recursos


humanos foi a dificuldade que estou encontrando para administrar minha empresa".

Bom , vale a pena refletirmos essas falas , além da personagem de recursos


humanos. Essas colocações dos funcionários na entrevista direta feita pelo analista
de RH nos remetem as reflexões de nossas atribuições e os prováveis focos de
atuação desse profissional convidado a revitalizar as dinâmicas interpessoais que
estão subjacentes às atuações dos funcionários da empresa "X". Voltemos a Teoria
de Atribuição de Causalidade de Fritz Heider . Observamos que na história a maioria
das falas tanto dos funcionários , como da equipe de coordenação , predominam a
atribuição externa , ou seja , o problema é do outro , não é meu ! ( funciono desta
forma porque os outros praticamente me obrigam a agir assim) , nesse momento o
sujeito não assume um compromisso com a sua verticalidade ( sua singularidade ) e
sua horizontalidade ( sua história interagindo com os outros ) influenciando sua
capacidade de Atividade , Liberdade , Autoridade e Criatividade - Princípios ligados
ao ato de aprender. ( Borges , 1994).

Essas atitudes só são percebidas por nós quando vivenciamos um processo de


reflexão e educação , proporcionado pela família , escola ou empresa .
Na história nosso analista de RH coleta um material bem valioso e produtivo ,
podemos inferir que a coleta foi saudável , todos expressaram o que sentem ,
pensam e fazem de verdade na empresa "X" , as falas não foram mascaradas e isso
é uma ação de saúde da Empresa . Se buscarmos convergências com os
movimentos frente ao novo do Paradigma Luz de Aglael Borges ( indiscriminado-
discriminado - separado - integrado) constatamos que nosso analista de RH se
encontra no movimento do discriminado - separado com grandes possibilidades de
atingir à integração , na medida que os funcionários da empresa verbalizaram seus
verdadeiros movimentos / motivos internos .

Para minimizarmos a ansiedade dos leitores , iremos finalizar nossa história fictícia .
Ao vivenciar as etapas do diagnóstico institucional , utilizando técnicas como :
observação , entrevista , dinâmicas de grupo , técnica de grupo operativo e
observação sistemática , o analista de RH apresentou o resultado da avaliação aos
diretores da empresa "X"; inferiu que seria interessante para a empresa um curso de
relações humanas , pois constatou no diagnóstico a necessidade de reativar nos
Funcionários - Sujeitos a visão do todo ( Ser / Sujeito ) intregrado num outro todo
( organização empresarial ) contribuindo e fornecendo novos motivos internos e
externos . Outra intervenção pertinente é desenvolver uma política de Recursos
Humanos como : Avaliação de Desempenho x Avaliação de Cargos e Salários ,
colaborando com o crescimento do funcionário ou até mesmo o remanejamento
daquele para outra área da empresa , emergindo assim seu verdadeiro talento .
Outra recomendação constatada pelo diagnóstico foi a necessidade de uma
supervisão com o objetivo operacional de construir uma : Super - Visão , ou seja ,
um líder com uma visão super do problema sendo capaz de identificar que
movimentos frente ao novo que os funcionários estão vivenciando naquele momento
em relação à sua ação , instalando a "atividade" suficiente neles , disparando assim
a autoridade ( autoria / autonomia) a criatividade , e a liberdade , princípios esses
que energizam e alimentam a Construção do Ser e do Saber .
Deixamos como reflexão para a nossa busca contínua a seguinte questão :
Será possível agirmos com os outros , como gostaríamos que os outros agissem
conosco ?

Um até breve e um bom trabalho regado de vínculos positivos para todos nós !

Bibliografia
Piaget , Jean . A Construção do Real . Rio de Janeiro , Zahar , 1975.
Rodrigues , Aroldo . Psicologia Social. Petrópolis , RJ: Vozes , 1999.
Borges , A . L . - O Movimento Natural na Construção do Ser e do Saber . In Sargo ,
Claudete . A Práxis Psicopedagógica Brasileira . São Paulo , ABPp , 1994.

Publicado em 1/1/2000

Dulce Consuelo R. Soares - Psicopedagoga Clínica/ Institucional/ Pedagoga/


Professora de Arte Educação da Unesa no RJ/ Professora de Filosofia da Esil
Sociedade Educacional e Autora do Livro infantil: A Caixinha de Insetos de Pedro:
uma leitura psicopedagógica da escola do aluno e do professor

Você também pode gostar