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Beatriz Sancovschi
Rio de Janeiro
2010
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Beatriz Sancovschi
Rio de Janeiro
2010
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Beatriz Sancovschi
____________________________________
Profª Drª Virgínia Kastrup - Orientadora
Instituto de Psicologia – UFRJ
____________________________________
Profª Drª Luciana Vieira Caliman
Instituto de Psicologia - UFES
____________________________________
Profª Drª Marisa Lopes da Rocha
Instituto de Psicologia – UERJ
____________________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
Instituto de Psicologia – UFRJ
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Profª Drª Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro
Instituto de Psicologia – UFRJ
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus alunos por me desafiarem a pensar sobre a cognição contemporânea.
Aos professores Mariza Lopes da Rocha, Fernanda Bruno, Luciana Caliman, Rosa Pedro e
Pedro Paulo Bicalho pelas valiosas contribuições em diferentes momentos da elaboração desta
tese e, por aceitarem o convite para participar da banca de defesa.
Aos colegas da pós com os quais tive oportunidade de compartilhar não apenas o saber, mas
também angústias e dificuldades.
Aos amigos, por serem amigos e estarem presentes sempre que precisei.
A minha família, pelo apoio e torcida ao longo de todos estes anos. Em especial, agradeço a
Rachel, minha irmã, pela preciosa ajuda na transcrição das entrevistas, na tradução do abstract
e, também pelas conversas.
Resumo
SANCOVSCHI, B. Sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia: Uma
cartografia da cognição contemporânea. Tese (Doutorado em Psicologia). IP- UFRJ, Rio
de Janeiro, 2010.
Esta tese situa-se no contexto da discussão sobre as transformações pelas quais a cognição
vem passando na contemporaneidade e tem como objetivo investigar as práticas de estudo dos
estudantes de psicologia do município do Rio de Janeiro. O método adotado é o da cartografia
(Deleuze e Guattari). Através de entrevistas realizadas com dezessete estudantes de quatro
instituições de ensino superior construímos uma cartografia da cognição contemporânea. As
entrevistas seguiram o modelo da técnica de explicitação (Vermersch). Tecida em seis
capítulos, a pesquisa enfatiza as transformações que atingem particularmente o funcionamento
da atenção. No primeiro, desenvolvemos a noção de práticas de estudo (Varela, Maturana,
Vygotski, Piaget, Chartier, Foucault) No segundo, delineamos um panorama dos estudos
sobre o estudo propondo duas orientações: o estudo como tarefa e o estudo como experiência
(Dewey, Ronca, Rosário, Depraz, Varela, Vermersch, Larrosa). No terceiro, nos detivemos na
análise da contemporaneidade, abordando o capitalismo cognitivo (Lazzarato) e a economia
da atenção (Lévy, Goldhaber, Davenport, Beck). No quarto, trabalhamos a atenção como um
processo cognitivo singular. Depois das contribuições da psicologia da atenção, operamos um
deslocamento: da atenção para a aprendizagem da atenção (Kastrup). No quinto, analisamos
as práticas de estudo dos estudantes entrevistados, o tipo de atenção que produzem – atenção
saltitante e sem ritmo, atenção dividida e atenção suficiente – e, suas repercussões sobre o
estudo (James, Weil). No sexto, mostramos como as práticas de estudo analisadas e o tipo de
atenção produzida não são idiossincrasias dos estudantes, mas se inserem no contexto da
contemporaneidade (Sennett, Eherenberg, Farah, Caiafa, Larrosa). A conclusão é que as
práticas de estudo dos estudantes de psicologia na contemporaneidade estão produzindo
regimes atencionais singulares que concorrem para que o estudo como tarefa afirme-se como
orientação hegemônica. Esta hegemonia, porém, não significa impossibilidade de experiência.
A maior dificuldade é fazer com que a experiência ganhe consistência. Por fim, a sugestão
para falarmos em novas formações subjetivas/cognitivas ao invés de déficit, falta ou
patologia.
Abstract
SANCOVSCHI, B. About the practices of study of psychology’s students: A cartography
of contemporaneity cognition. Tese (Doutorado em Psicologia). IP- UFRJ, Rio de Janeiro,
2010.
This thesis can be placed in the context of the debates about the transformations that the
cognition is passing thru nowadays. The objective is to investigate the practices of study of
the psychology’s students from Rio de Janeiro. We used the method of cartography (Deleuze,
Guattari). We built a cartography of the cognition in the contemporaneity by using interviews
with seventeen students of four different institutions of high education. The interviews were
made thru the model of explicitation technique (Vermersch). Framed in six chapters, the
research emphasizes the transformations of the attention functioning. In the first chapter, we
have developed the notion of practices of study (Varela, Maturana, Vygotski, Piaget, Chartier,
Foucault). In the second, we have outlined a broad view of the researches about the “study”
considering two directions: the study as a task and the study as an experience (Dewey, Ronca,
Rosário, Depraz, Varela, Vermersch, Larrosa). In the third, we have examined the
contemporaneity by approaching the cognitive capitalism (Lazzarato) and the attention
economy (Lévy, Goldhaber, Davenport, Beck). In the fourth, we have presented the attention
as a singular cognitive process. After the contributions of psychology of attention, we operate
a displacement: of attention to the learning of attention (Kastrup). In the fifth, we have
analyzed the practices of study that appears on the interviews, the type of attention that is
produced – skipping attention and attention without rhythm, divided attention and enough
attention - and, its repercussions on the study (James, Weil). In the sixth, we have shown that
the practices of study that we saw and the kind of attention that is produced is not an
idiosyncrasy of the students. They are insert in the context of the contemporaneity (Sennett,
Eherenberg, Farah, Caiafa, Larrosa). The conclusion is that the practices of study of the
psychology’s students are producing nowadays a singular pattern that contributes to a
hegemonic orientation of the study as a task. This, however, does not mean that experience is
impossible. The biggest difficulty is to make the experience get some stability. Finally, the
suggestion to speak in new cognitions/subjectivity instead of déficit, lacks or pathology.
Sumário
Introdução_______________________________________________________________1
Referências bibliográficas__________________________________________________238
Anexo__________________________________________________________________251
xii
Introdução
Iniciamos o texto dessa tese sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia
na contemporaneidade pedindo licença para falarmos por algumas linhas em primeira pessoa.
Isto porque para além da colocação teórica do problema, nos parece fundamental abordar,
ainda que brevemente, os afetos que nos trouxeram até aqui. E, como falar dos afetos que nos
minha dupla função de estudante e de (recente) professora comecei a estranhar aqueles que
estavam tão próximos a mim, mas que pareciam tão diferentes: meus alunos - os estudantes.
Proponho um texto para a discussão. Eles não lêem, mas discutem. Mal terminaram de fazer
um curso e já estão pensando no seguinte. Peço para elaborarem uma reflexão, eles escrevem
um parágrafo. O que é isso? Como pode? O que está acontecendo? Observo minha irmã mais
nova. Trata-se de uma estudante de psicologia. Ela e seus trabalhos. Ela e o computador.
Muitas janelas: trabalho, MSN, Google, scielo... Cliques rápidos: abre e fecha, abre e fecha,
abre e fecha. Fico tonta. Será possível? Como consegue? Bill Green e Chris Bigun (1995),
pesquisadores australianos que desenvolvem pesquisas no contexto dos estudos culturais nos
provocam: “Existem alienígenas em nossas salas de aula?” (Ibid, p.211). Mas quem são os
alienígenas, - perguntam - nós os professores, ou eles, os alunos? Será que se trata apenas de
bons e maus alunos? De estudar ou não estudar? Um estranhamento se fazia sentir e insistia.
Ao mesmo tempo tinha passado para o doutorado e precisava definir o que faria. Ao
pensar sobre a minha trajetória fui percebendo que há anos eu estudava a cognição. Defendia
sobre mecanismos abstratos. A necessidade de me voltar para o mundo foi se impondo. Neste
movimento fui estudar o Império (HARDT e NEGRI, 2001), ler sobre o trabalho imaterial
2
outra discussão sobre a cognição e o mundo. Demorou um pouco para que eu ligasse as
ainda um problema amplo que poderia ser abordado de inúmeras maneiras com diversos
Psicologia da UFRJ, um novo encontro com os estudantes e, ao mesmo tempo, a solução: uma
investigação acerca das práticas de estudo dos estudantes de psicologia. É assim que a
Dito isto, voltemos a falar na primeira pessoa do plural. Depois dos afetos sentidos, o
Castells (2005) destaca a ocorrência de uma revolução das tecnologias da informação cujo
efeito, dentre outras coisas, é a produção de novas relações sociais, políticas e econômicas.
(ASSMAN, 2007). Mauricio Lazzarato junto com outros pensadores italianos arrisca a dizer
que estamos vivendo um novo momento do capitalismo que nomeiam como capitalismo
Richard Sennett (2001, 2006), teórico do mundo do trabalho, prefere a expressão capitalismo
flexível. Antes deles, Felix Guattari já falava a respeito do Capitalismo Mundial Integrado, o
3
CMI (GUATTARI, 1987). Independente do nome que se queira dar, ou do aspecto que se
reconhecem que estamos diante de algo novo. Que este algo novo possui estreita ligação com
procura refletir sobre os rumos que a educação deve tomar numa sociedade aprendente. Um
dos subtítulos de seu livro é: “O conhecimento virou assunto obrigatório” (ASSMAN, 2007,
p.24). Sublinha que: “As palavras ‘conhecimento’ e ‘aprender’ voltaram a exercer um fascínio
determinismo, não se pode negar que as tecnologias têm um papel importante em tais
transformações. Pierre Levy (1999) enfatiza que as tecnologias embora não determinem,
condicionam a sociedade. Isto significa que embora não sejam causadoras da cultura, da
economia, da política, enfim, da sociedade, elas acionam virtualidades que podem ou não se
possíveis. Em outras épocas, outras máquinas tornaram possível, por exemplo, o capitalismo
industrial. Lazzarato (2007), como Assman (2000), destaca a singularidade das novas
em relevo a cognição. Nas palavras de Lazzarato: “Capitalismo sempre foi a relação entre a
envolvidos na relação. São tecnologias novas que concernem à mente, tecnologias biológicas”
Dentre as novas tecnologias a Internet ganha destaque e pode ser tomada como um
usuários de Internet em 1996 não chagava a 20 milhões; em 2000, já eram mais de 300
milhões e continua crescendo. O acesso à Internet faz parte hoje da vida de grande parcela da
população mundial, independente da classe social ou da faixa etária. Em julho de 2008, uma
identificou que o maior crescimento de visitas à páginas da Internet ocorreu na faixa etária de
ano anterior. A Internet é uma tecnologia com uma arquitetura em rede que possibilita
comunicação horizontal e global em velocidade inimaginável até a poucos anos atrás. Hoje
comunidades e vidas virtuais, dentre muitas outras coisas. Sua origem é militar. Foi
imaginada na década de 1960 nos Estados Unidos durante os anos da guerra fria para impedir
que o governo soviético tivesse acesso ao conhecimento norte americano. Com o final da
guerra fria, esta tecnologia foi apropriada por indivíduos e grupos em todo o mundo, servindo
Este cenário aponta para uma mutação pela qual estamos atravessando. A noção de
mutação tem sido preferida à de crise, uma vez que a mutação parece enfatizar a
dialógica, mas de uma bifurcação que se fez e para a qual não há volta. Diante desta situação
muitos são aqueles que se aventuram na construção de uma inteligibilidade para a nossa
GUATTARI, 1993; 1990; 1987; SENNETT, 2001, 2006; EHERENBERG, 1991, 2000;
CAIAFA, 2000; RIFKIN, 2001; LARROSA, 2004). A presente tese situa-se então no
estudo? Ou, qual o perfil cognitivo do estudante de psicologia? Para nos concentrar nas
seguintes questões: Como os estudantes estão estudando? Qual a relação que estão
estabelecendo com o conhecimento e com eles mesmos na atividade de estudo? A idéia não é
comparar os estudantes de ontem com os de hoje. Não se trata de uma postura nostálgica, mas
política. Daí a importância da noção de práticas de estudo que será desenvolvida no primeiro
M.Foucault e R.Chartier. Do ponto de vista das práticas cabe apenas avaliar os efeitos
produzidos. Desse modo, falaremos nesta tese de práticas mais e menos potentes, adotando a
Bruno Latour (2004a) explica que podemos entender a política tanto como conteúdo
quanto como continente. Como conteúdo, a política diria respeito a eleições, políticos, leis e
congressos e votações e passando a dizer respeito a uma forma de se relacionar com os outros
e conosco. Citamos:
6
de um coletivo, de um agregado que não está nunca garantido, devendo ser reativado
questionamento. A política como um modo de relação conosco e com o mundo aponta para
uma formação subjetiva e cognitiva. Kastrup, Tedesco e Passos (2008) ao se deterem sobre as
distintas abordagens das ciências cognitivas, formulam a noção de política cognitiva. Esta
conhecimento como uma produção co-engendrada do sujeito e do mundo - não são apenas
diferenças teóricas, mas apontam para modos de estar no mundo e de estabelecer relações
política cognitiva busca evidenciar é que o conhecer envolve uma posição em relação ao
mundo e a si mesmo, uma atitude, um ethos” (Ibid, p.12). O conhecimento não é, portanto,
um processo neutro, podendo estar marcado por uma política criadora - abordagem
A idéia de uma cognição que inclui a pergunta sobre a formação contemporânea e sua
dimensão política foi possível porque partimos de uma concepção de cognição em que o que
ganha destaque são as transformações e invenções e não as leis ou regras. Trata-se de uma
ao fato de que a construção se faz a partir dos encontros, não estando orientada por nenhum
aspecto transcendente. Nos termos de Kastrup (1999) trata-se de uma cognição inventiva.
F.Varela e H.Maturana são biólogos chilenos que no início dos anos de 1970, no
contexto do surgimento das ciências cognitivas, lançam o conceito de autopoiese para pensar
insistia na metáfora computacional, eles optam pelo modelo do vivo. Ao invés de conceber a
cognição como computação simbólica realizada por regras lógicas, de maneira seqüencial e
invariante, defendem que o próprio da cognição é a sua autoprodução constante. Insistem que
organismos e meios correlatos. Dessa forma Varela e Maturana fornecem as bases para a
KASTRUP, 1999). Nos anos de 1980 Varela introduz o conceito de enação, procurando
enfatizar a idéia de cognição como produção e não como representação (VARELA, 1990). A
processo não encapsulado que se transforma na vida e com a vida. Ela é assim afetada e
– em trabalho anterior - que também o pensador russo fornece pistas para uma cognição que
cognição. Diferente dos pesquisadores chilenos, Vygotski constrói sua teoria na passagem do
interlocutores são outros. No entanto, utilizando a metodologia proposta por Yves Clot (1999)
que nos desafia a pensar com os autores, os textos vygotskianos fizeram emergir um Vygotski
diferente. A análise dos mecanismos responsáveis pela variação e transformação das funções
não apenas a colocação do problema da cognição a partir da invenção, mas também outra
1
J.Fodor (1989) no campo da filosofia da mente e U.Neisser (1967) no campo da psicologia, são exemplos de
autores que trabalham com a abordagem cognitivista.
8
explica como a cognição é construída no encontro com os outros e com o social, defendendo a
conduzida por Alexei Luria – discípulo e colega de Vygotski - na primeira metade do século
XX (anos de 1931 e 1932) em regiões remotas da antiga União Soviética (LURIA, 1990).
Esta aponta para como essa forma de colocar o problema da cognição acaba trazendo a cena
Inspirado pelas idéias vygotskianas, Luria partiu para essas regiões a fim de verificar se a
hipótese da formação social da mente se confirmava. Neste sentido, talvez tenha sido o
primeiro a conduzir um estudo sobre cognição contemporânea. Por certo não pesquisou a
mesma cognição que investigamos, mas sim a cognição de seu tempo. Citamos:
de rigor metodológico. Tal crítica aponta, a nosso ver, para o desafio que é realizar pesquisas
desse tipo. Longe de existirem protocolos prontos, é preciso inventar métodos, formas de
investigação condizentes com o problema. Outra crítica refere-se aos resultados obtidos.
primitivismo nos sujeitos investigados. Embora o viés etnocêntrico esteja presente, esta não
nos parece ser a conclusão mais importante. Conforme discutimos em outras ocasiões
defendem que este outro sempre orientará o desenvolvimento no sentido de uma maior
inserção cultural. Trata-se do “outro mais experiente” presente nas discussões sobre a zona de
se por cultura o padrão cultural europeu (KNOX, 1996, p.27). Destacamos que esta colocação
apropriação da cultura objetivavam a democratização dos bens culturais a fim de que todos
pudessem participar igualmente da nova sociedade que surgia. Visto sob esta perspectiva, o
desenvolvimento como apropriação cultural assume o caráter de projeto político. É à luz desta
sujeitos investigados. No entanto suas conclusões não param aí e é então que se descobre a
Assim, apesar das críticas que possam ser feitas e dos cuidados que devemos ter ao ler
a pesquisa de Luria, o que nos parece importante reter não é nem a falta de rigor
tempo nos desafia a pensar sobre a cognição na atualidade. Como está funcionando a
esta pergunta através de uma investigação das práticas de estudo dos estudantes de psicologia
na contemporaneidade.
(1995), sendo em seguida desenvolvido por Rolnik (2006) e outros como Kastrup (2007,
pesquisador e campo. O que está em jogo é uma forma diferente de se relacionar com aquilo
que está sendo pesquisado. É com ou na relação que a cartografia se constrói. A criação
criação tem como pano de fundo a distinção ontológica entre o plano das formas e o das
formas constituídas, mas principalmente as forças que estão em movimento e, que apontam
tanto para novas formas em vias de surgir, quanto para o desmanchamento de formas antigas.
suas práticas de estudo. Através de entrevistas que tinham como inspiração a técnica da
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estudando e qual a relação que têm estabelecido com eles mesmos e com o conhecimento em
atualmente tem sido desenvolvida por outros pesquisadores no campo das ciências cognitivas
como é o caso da C.Petitmengin (2006; 2007). Seu objetivo é auxiliar na verbalização da ação
efetuada. Em sua origem está o interesse pelo conhecimento acerca dos processos cognitivos
envolvidos na realização de atividades específicas. Ela se ocupa do como dos processos e não
do porquê das atividades. A idéia é acessar o processo e não a sua representação. No caso da
nossa pesquisa, a idéia foi acessar como os estudantes estão estudando e não, o que eles
pensam sobre o estudo. Isto não foi uma tarefa fácil. Conforme o próprio Vermersch (Ibid)
argumenta, a verbalização da ação é bastante difícil, não sendo espontânea ou de fácil acesso.
Apesar de estudarmos, não nos ocupamos de pensar sobre como estudamos e, tampouco, nos
preocupamos em explicitar como fazemos. Embora boa parte das nossas ações sejam frutos de
um saber-fazer, isto não implica consciência. Estudamos e pronto. Além disso, não é comum
a necessidade de verbalização desse tipo de ação. Por isso muitas vezes o que surge primeiro
em nossas falas quando nos vemos diante de perguntas como, por exemplo, “Como você
descrição dos gestos cognitivos. Por isso a explicitação da ação e, no nosso caso a
explicitação das práticas de estudo requer não apenas a escolha de uma experiência específica
que sirva de vivido de referência, mas também a participação de um mediador capaz de guiar
o sujeito para que acesse seus gestos cognitivos e não suas opiniões.
questões norteadoras. A entrevista foi dividida em duas partes. Na primeira procuramos obter
informações gerais sobre as práticas de estudo de cada voluntário para em seguida nos
Almeida (UVA). Em cada instituição foram realizadas no mínimo 4 entrevistas o que nos
privadas, teve por objetivo diversificar a amostra e evitar que particularidades institucionais
primeiro, do quarto, do quinto e do sexto períodos 2. Como a UERJ estava em greve, contamos
com o auxílio da lista de e-mails do centro acadêmico assim como com a colaboração dos
estudantes que quando não podiam ou não queriam participar da pesquisa, repassavam nossos
e-mails para seus colegas. Foram 4 voluntários na UERJ que cursavam o sexto, o sétimo, o
oitavo períodos. Na PUC, convidamos os alunos no corredor das salas de aula. Durante
aproximadamente uma semana fizemos plantão neste corredor e aproveitamos para conhecer
de graduação, que nos colocou em contato com duas turmas em que alguns alunos
2
Em relação aos períodos, em alguns casos eles são aproximados. Isto porque alguns alunos encontram-se, por
diversos motivos, desperiodizados.
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disponibilizaram seus e-mails através dos quais pudemos nos apresentar, apresentar a
Com exceção da UFRJ onde conseguimos, com o auxílio dos secretários da Pós-graduação
em psicologia (PPGP), reservar salas para as entrevistas, nas outras instituições, elas foram
autorização das instituições envolvidas. Aos voluntários, antes de cada entrevista, a pesquisa
Ressaltamos que esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da escola de enfermagem
enriquecedor construir o texto da tese articulando as falas dos estudantes às análises teóricas.
Portanto, aqui os estudantes conversam com a teoria compondo enfim uma cartografia da
cognição contemporânea. Uma cartografia realizada por uma professora-estudante que estuda
como um modo político de colocar o problema do estudo. Recorremos aos teóricos F.Varela,
pesquisa. Vimos que toda prática produz efeitos, não existindo práticas neutras. Vimos
também que embora as práticas sejam marcadas pelo contexto onde nascem, ele não é
determinante. A noção de breakdown de Maturana e Varela (1995) nos ajudou a afirmar que
Afirmamos que as práticas só podem e devem ser avaliadas a partir dos efeitos produzidos.
problematização ao invés das tarefas e performances. Desse modo revelamos desde o início
nosso compromisso com uma política cognitiva criadora. No final, demos voz aos estudantes
que passaram a falar sobre as diferenças entre o estudo com material impresso e o estudo na
tela, bem como sobre as suas preferências em relação ao estudo que se faz com o computador-
à cena as principais discussões que atravessam esse campo. Os estudos sobre o estudo foram
demonstrar que, apesar do silêncio de autores e/ou teorias, o que está em jogo é a produção de
neutras de entender o estudo. Organizamos nossa apresentação tendo em vista uma política
que concebe o estudo como tarefa e outra que concebe o estudo como experiência.
Aproveitamos para esclarecer aquilo que passamos a chamar de estudo como tarefa e estudo
como experiência. Autores como Dewey (1980), Depraz, Varela e Vermersch (2002), Larrosa
(2001, 2003a, 2003b), Ronca (1982) e, Rosário (2004) foram fundamentais para a nossa
argumentação.
forma como o problema da nossa tese foi colocado este movimento era fundamental. A
pergunta acerca das práticas de estudo dos estudantes de psicologia surgiu diante do assombro
15
cognitivo fez ver o papel fundamental das funções cognitivas e em especial da atenção nas
novas formas de produção. Tal fato nos forçou a investigar a proposta da economia da atenção
(DAVENPORT e BECK, 2001; GOLDHABER, 1997; LÉVY, 2004). Apesar das diferenças
concordam que a função cognitiva da atenção tem sido alvo de maciços investimentos pelas
forças capitalistas, enfatizando o papel das NTIC. Diante desta constatação decidimos que nos
questão dos limites da atenção – questão colocada pelos teóricos da economia da atenção –
quanto sua dimensão de potência de criação – problema trazido pelos autores do capitalismo
cognitivo.
atenção do século XX, algumas falas dos estudantes foram analisadas. Examinamos a
através de práticas cotidianas e cujos efeitos são conseqüências dessas práticas. Desdobrando
especial destacamos a produção de uma atenção saltitante e sem ritmo, produzida a partir de
um estudo que se orienta hegemonicamente pela tarefa. A primeira prática abordada referiu-se
a incapacidade dos estudantes ultrapassarem duas horas de estudo seguidas. Esta colocou em
cena o problema da temporalidade atencional, que foi analisado principalmente através das
naquilo que acontece enquanto se está estudando. Neste momento, o acoplamento da cognição
com as NTIC apareceu com destaque. Foram analisadas questões como: a presença do
aspectos isolados. Não se trata de idiossincrasias dos estudantes ou dos jovens, mas se
hegemonicamente para o estudo como tarefa. Apesar disso, verificamos que o estudo como
experiência ainda é possível. A experiência não funciona como tudo ou nada, sendo a
ganham lugar de destaque percebemos que os estudantes estão estudando, mas que as suas
práticas de estudo estão sendo orientadas, sobretudo, para o estudo como tarefa. Não que o
estudo como tarefa não seja legítimo. No entanto, do ponto de vista da política cognitiva
criadora que nos orienta, fomos obrigados a afirmar que se trata de uma prática menos potente
curiosa e desejosa de saber, bem como a compreensão de que a experiência não funciona
como tudo ou nada. Por fim a idéia de que a compreensão da cognição contemporânea possa
Capítulo 1
como um modo político de colocar o problema do estudo. Para tanto recorreremos aos
teóricos da cognição que pensam o conhecimento a partir da ação como Jean Piaget, Lev
conhecimento que parte da ação. De modo diferenciado, teóricos da psicologia como Jean
Piaget, Lev S.Vygotski e, Francisco Varela e Humberto Maturana, no campo das ciências
cognitivas, têm contribuído para o desenvolvimento dessa idéia. Estes últimos, conforme
demonstrou Alvarez (1999) apoiado em Ceruti (1986), respondem por uma abordagem
mesmo do construtivismo vygotskiano não está orientado por nenhum telos pressuposto, seja
ele o pensamento lógico-matemático, como em Piaget ou, a cultura, como em Vygotski. Para
Varela e Maturana (1995), a atividade de conhecer é imanente à vida, sendo resultado de uma
deriva natural que coloca em cena acoplamentos estruturais e breakdowns. Não possui
enativa 3. Neste caso o que se destaca tanto em Piaget quanto em Vygotski são os mecanismos
3
Para uma leitura de Piaget a partir da abordagem autopoiética cf. Alvarez (1999). Para uma leitura de Vygotski
a partir da abordagem autopoiética-enativa cf. Sancovschi (2005), Sancovschi e Kastrup (2008).
19
de práticas concretas.
estruturas necessárias ao conhecimento científico não estão presentes na criança. Lança assim
que não são pré-formadas (PIAGET, 1978, p.3). Com o adjetivo genético sinaliza que o ponto
de partida de seu projeto encontra-se na gênese do conhecimento científico que localiza nos
primeiros dias de vida. Segundo Piaget, neste momento são formadas as primeiras estruturas
que serão a base para as estruturas mais avançadas do cientista. A idéia é que a partir da
pensado como uma sucessão de estágios necessários que vão do mais concreto ao abstrato, do
Uma vez que a psicologia genética foi criada por uma exigência da epistemologia
genética, há um tipo especial de conhecimento, o conhecimento científico, que
orienta e dá direção à investigação. O problema da transformação temporal da
cognição é traduzido como um problema de desenvolvimento da inteligência,
tendo, como horizonte, as formas universais e necessárias do pensamento lógico-
matemático (KASTRUP, 1999, p.83).
conhecer inicia-se com a ação e não com a percepção. Não que a percepção não seja
importante, no entanto ela é segunda em relação à ação: “Com efeito, o instrumento de troca
empirismo, mas, antes, a própria ação em sua plasticidade muito maior” (PIAGET, 1978, p.6).
Assim a distinção sujeito-objeto não é condição para a atividade cognitiva. Pelo contrário,
O conhecimento é entendido como uma construção que se faz a partir da ação numa
zona de contato entre o corpo e as coisas. Note-se que corpo e coisas são diferentes de um
formação de esquemas que, por sua vez, implicam numa lógica da ação.
da estrutura em função da incorporação do dado novo. Por sua vez a equilibração assegura
que este movimento não se feche como num círculo, mas que encarne uma espiral sempre
orientada, de modo evolutivo, para frente – o que na teoria piagetiana é sinônimo de maior
os ganhos adquiridos num estágio serão conservados no estágio seguinte, dando origem a
ocorre uma ação cognitiva cuja base é o reflexo. Diante da ação algo é assimilado e depois
constituem. Para Piaget a transformação segue um caminho necessário que vai dos
operatório, operatório concreto e lógico formal - que seguem uma seqüência fixa. Enfim, para
Piaget a construção do conhecimento segue uma lógica da ação, não sendo necessário recorrer
à distinção sujeito-mundo.
22
consensual. Duarte (2001b), por exemplo, defende que classificar a teoria vygotskiana como
entanto, seguindo sua argumentação percebemos que a crítica incide sobre um uso que a
construtivismo (DUARTE, 2001a) 4. Embora concordemos até certo ponto com a crítica de
Duarte, acreditamos não ser necessário se desfazer da noção de construtivismo, mas apenas
precisá-la. Afinal, como argumenta Latour, “O construtivismo pode ser nossa única defesa
contra o fundamentalismo” (LATOUR, 2003, p.1). É certo que existem autores como Souza e
Kramer (1991), que preferem restringir o termo construtivismo à teoria piagetiana. Quando
biológico, mas se faz ao longo da vida, com a vida e, principalmente, no encontro com os
considerada como um dado a ser adquirido. Certamente este processo de aquisição implica
processo de conhecer, o mesmo não acontece com a cultura. O que nomeamos como limite do
4
Duarte (2001a) nomeia como pedagogias do “aprender a aprender” aquelas que defendem como tarefa da
educação o desenvolvimento de competências. No próximo capítulo teremos oportunidade de ver como essas
pedagogias têm trabalhado com o construtivismo.
5
Vygotski não utiliza o conceito de cognição, mas o de funções psíquicas ou mentais. Estas se diferenciam em
elementares e superiores e, em conjunto vão constituir a personalidade (VYGOTSKI, 1931/2000).
23
sociedade soviética. Por outro lado, a construção do psiquismo, tal como a psicologia
sujeito porque constituído em contextos sociais, os quais, por sua vez, resultam da ação
concreta de homens que coletivamente organizam o seu próprio viver” (ZANELLA, 2004,
explica:
O que sim pode ser buscado previamente nos mestres do marxismo não é a solução
da questão, e nem mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre
a base da própria ciência), mas o método de construção [da hipótese – R.R. 6]. Não
quero obter sem trabalho, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a psique, o
que desejo é aprender na globalidade do método de Marx como se constrói a
ciência, como enfocar a análise da psique” (VYGOTSKI, 1927/1997a, p.391).
do psiquismo, reunindo tanto as contribuições das teorias materialistas quanto das idealistas,
como também colaborou para a elaboração dos principais pressupostos de Vygotski. Cabe,
portanto, observar a ressalva de Sève (1999) a respeito da dialética de Marx. Para ele, Marx
uma base materialista. A dialética de Marx, diferente da de Hegel, se efetiva pela práxis, no
concreto. Em nossos termos, ela se faz na prática ou na ação. Não se trata mais de um
história aberta. O caráter transformador advém da práxis, que pressupõe uma atividade
concreta no mundo. Pino explica (2000, p.51): “O objeto de conhecimento não é o real em si,
6
Conforme observação no prólogo, a abreviação R.R. refere-se às notas dos redatores da edição russa das obras
escolhidas de Vygotski (VYGOTSKI, 1997a, p.XXV).
24
tampouco um mero objeto da razão. Ele é um real transformado pela atividade produtiva do
Sem entrar nos detalhes do conceito marxista de práxis [...] poderíamos dizer que a
práxis corresponde à atividade humana, às transformações sociais e materiais da
natureza e da sociedade, através das quais o processo mesmo de conhecimento e de
teorização aparece sobre uma apropriação prática pelo mundo e por si. Então, com
Marx, o mito de um conhecimento puramente contemplativo ou representacional
definitivamente desaparece, pela simples razão que toda teoria baseia sua dinâmica
em uma prática (DEPRAZ, VARELA e VERMERSCH, 2002, p.161).
p.85): “Ao atuar sobre a natureza externa mediante esse movimento, ao modificá-la, o homem
modifica ao mesmo tempo sua própria natureza – diz Marx – Desperta as forças que dormiam
nela e subordina a dinâmica dessas forças a seu próprio poder”. Os mediadores podem ser
livros e computadores - ou signos. Dentre os últimos, Vygotski destaca a linguagem, uma vez
que esta constitui o principal sistema de signos utilizados pelos homens. Sendo assim, a
linguagem aparece como um importante mediador. Um ponto que merece reflexão refere-se
ao estatuto dos mediadores. Para a psicologia histórico-cultural eles são considerados dados
contexto dos estudos defectológicos 7, os mediadores estão sempre dados. As vias colaterais
limites biológicos. Porém, mesmo neste contexto, Vygotski refere-se, por exemplo, à
7
Os trabalhos sobre a defectologia situam-se na origem da psicologia histórico-cultural. Trata-se de um campo
que se dedica a estudar a variabilidade qualitativa do processo de desenvolvimento de pessoas com deficiências.
Vale ressaltar que o volume V das obras escolhidas publicadas pela editora Visor em Madrid (VYGOTSKI,
1927/1997b) dedica-se exclusivamente a este assunto.
25
gesto indicativo que, para Vygotski, constitui a base primitiva de desenvolvimento de todas as
unidade mais simples para a compreensão do mecanismo de construção das funções psíquicas
superiores. Estas, diferente das funções elementares que são restritas ao domínio biológico,
pressupõem ações mediadas, sendo indiretas e sociais. Segundo Vygotski, a confusão entre as
funções psíquicas elementares e superiores fez com que muitas vezes, na história da
humano.
em função de seus reflexos, estende o braço. A mãe aparece e interpreta o gesto da criança,
atribuindo a ele um significado: “Ah, bebê, você está querendo pegar a madeira”. A criança
passa, então, a se relacionar com o mundo a partir da significação do gesto conferida pela
homens, mas também com a natureza. As mediações são inicialmente externas, sendo em
esclarecimentos. De acordo com Pino (1992) a noção de internalização traz implícita a idéia
26
de uma dicotomia entre o externo e o interno que, por sua vez está relacionada a um
entendimento do homem e das relações entre natureza e cultura que não se encaixa no
referencial teórico utilizado por Vygotski. Tendo em vista que as funções psíquicas que
interessam à psicologia são de origem social, o processo de internalização deve ser entendido
significação – daquilo que antes era social, portanto realizado no encontro com os outros
através das mediações. A reconstrução não é guiada por um sujeito - por um si já constituído -
apropriação se faz entre sujeitos e o de internalização entre o sujeito e si mesmo, não podendo
nunca ser atribuído a um si já constituído (ZANELLA, 2004). Pino explica (1992, p.322): “A
significação não pertence nem à ordem das coisas nem à das suas representações, mas à
ordem da intersubjetividade anônima em que, ao mesmo tempo que é por ela constituída, é
constituinte de toda a subjetividade” (grifo nosso). Além disso, esse processo não é resultado
personalidade só pode ser afirmada e relatada como história onde inúmeros fios se cruzam e é
instrumentos ou signos - o sujeito ainda sem se saber sujeito intervém na natureza. Esta
estabelecido. O caminho depende dos mediadores. Concluímos este tópico com uma citação
de Zanella (2004, p.129): “Existe um mundo material que antecede à existência do próprio
homem; este mundo, porém, uma vez conhecido / transformado pela ação humana, deixa de
(ALVAREZ, 1999). É apenas com os biólogos chilenos que a idéia de conhecimento como
que conhecer é representar o mundo, que a ação é enfatizada como única condição para o
do conhecer ser a relação entre um sujeito e um mundo pré-supostos, sujeito e mundo passam
a ser efeitos de práticas cognitivas. Citamos: “Todo fazer leva a um novo fazer: é o círculo
cognitivo que caracteriza o nosso ser, num processo cuja realização está imersa no modo de
para o conhecer. Não existe nada para além da circularidade. Tudo depende da ação.
ciências cognitivas consistem num campo hibrido formado por saberes diversos - como
construção desse campo. De acordo com Varela as ciências cognitivas produziram uma
tecnologia que transforma as próprias práticas sociais que possibilitam aquele verdadeiro
THOMPSON e ROSCH, 2003, p.23). Depois do momento inicial – entre 1943 e 1953 -
orientações principais: o cognitivismo computacional cuja hegemonia se fez sentir nos anos
modelo cerebral, que o conhecer é resultado da emergência de estados globais que nascem de
mundo pré-existente, ainda que esta representação seja efeito da emergência resultada de
propriedades dinâmicas.
1995). Nos anos de 1980, Varela reformula algumas proposições, criando a abordagem
aquilo que os singularizava, ou seja, o que os tornava diferentes das máquinas, era sua
clausura operacional. Esta lhes garantia autonomia. Não há no vivo nada que o determine
além de sua estrutura e organização. Viver é autoproduzir-se nos encontros entre organismo e
meio. Não existe finalidade e tampouco otimização. Para o ser vivo não existe um mundo em
si, mas apenas o mundo no qual se vive, fruto de ações e interações. Assim Varela e Maturana
concluem que a cognição deve ser pensada como ação efetiva do organismo no meio
(MATURANA e VARELA, 1995, p.72). Conhecer é agir de modo a fazer do meio um mundo
aforismo que resume a autopoiese: ser = fazer = conhecer (Ibid). A adaptação jamais é
pensada como adequação, sendo concebida como uma co-produção viável (Ibid,
SANCOVSCHI, 2009)
autopoiese, Varela ainda a considerava uma alternativa fraca (COSTA, 1993). Para ele era
constitui um neologismo inspirado no termo inglês enact que significa trazer à mão ou fazer
mundo. A enação abarca as questões colocadas pela autopoiese, inclusive seu mecanismo,
8
Na tradução brasileira esse termo é traduzido pela palavra atuação (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003).
Atuação é entendida como aquilo que é trazido à cena pela ação. Contudo, optamos por utilizar o neologismo
enação, uma vez que a palavra atuação - em português - pode ser confundida com representação, e é justamente
contra a representação que a enação se afirma. Além disto, o termo atuação pode também ser confundido com o
conceito psicanalítico de passagem ao ato (acting out). Neste caso a atuação resulta da impossibilidade de
simbolização (LAPLANCHE e PONTALIS, 1998, p.27-30).
30
limita a interpretar um mundo dado, pois não há mundo dado nem tampouco sistema
cognitivo pré-existente. Ambos são co-engendrados, de modo recíproco, através da ação. Para
geral. Desde a célula até o homem, os sistemas vivos estão submetidos a uma mesma
O fato de o conhecer ser a ação daquele que conhece está enraizado no modo
mesmo de seu ser vivo, em sua organização. Sustentamos que as bases biológicas
do conhecer não podem ser entendidas somente pelo exame do sistema nervoso.
Parece-nos necessário entender como esses processos estão enraizados no ser vivo
como um todo (MATURANA e VARELA, 1995, p.76).
Contudo, não ignoram as singularidades que cada sistema cognitivo assume na vida
concreta. Elas são explicadas em função das diferentes estruturas nas quais o mecanismo
Porém, nem o sistema nervoso e nem a linguagem assumem lugar de destaque na definição da
definindo não só o organismo, com sua organização e estrutura, mas seu meio correspondente.
1989, p.217). Pelo contrário, constitui a possibilidade de toda e qualquer interação ou contato
imediato com o mundo e com os outros. Sem isto, não existe auto-produção. A autopoiese
9
Para mais detalhes cf. Maturana e Varela, 1995.
31
revela-se uma produção de si que só se realiza com o outro, seja o mundo material, sejam os
criando novas formas de ser e de estar no mundo. Portanto, para a abordagem enativa, a
atividade cognitiva não se restringe a uma capacidade cerebral, mas está encarnada no corpo
breakdown ganha um lugar de destaque. Sem ele nenhum movimento ou variação são
possíveis.
xeque acoplamentos e modos de funcionar anteriores. Não é estranho à ação ou, nos nossos
termos, à prática, mas se refere a uma espécie de hesitação em relação ao fazer, ao hábito,
capaz de instaurar uma diferença - novas formas de ser e de conhecer. Não possui finalidade,
não visa nada diferente dele mesmo, mas garante a potência viva do vivo ao conservar uma
imprevisível, não podendo ser determinado nem pelo organismo e nem pelo mundo. Nas
palavras de Varela:
Maturana possibilita não apenas a radicalização do construtivismo, mas aponta para uma
dimensão política. Ela passa pelo questionamento da crença num mundo dado. Diante de um
adotar outra relação com o mundo, conosco e também com o conhecimento. Esta se afirma
pela criação e não pelo ajustamento, pela invenção e não pela reprodução. Implica
apresentarem o cognitivismo e a enação defendem que mais do que dois modelos teóricos,
sujeito e em seu mundo. Dizendo de outra forma, através dos acoplamentos os sujeitos se
próprio viver e garantem a fluidez da conduta. Podem ser pequenos ou grandes, provocando
Varela (2003) refere-se a estas questões de modo simples, oferecendo exemplos cotidianos
como o dar-se conta de que sua carteira não está em seu bolso ou ainda as pequenas mudanças
enfatiza-se a ação. É pensando as práticas como ação que encontramos as contribuições dos
construtivistas. A primeira e mais fundamental idéia é que toda prática produz efeitos. Não
existem práticas neutras. Indo além, afirmamos que diferentes práticas produzem diferentes
importante é que as práticas, assim como as ações, nascem num contexto que lhes marca sem,
práticas não são eternas, podendo engendrar, a partir de seu próprio movimento,
transformações.
Desse modo, a ação de estudar não é apenas um meio de aquisição de algo dado, mas
produz nosso sistema cognitivo e o mundo que habitamos, recebendo interferência dos
contextos onde nasce. Além disso, as práticas de estudo, como toda ação, guardam em si a
potência de transformação. Por outro lado, a teoria vygotskiana, ao chamar atenção para as
ações mediadas, traz à cena o papel transformador do uso de instrumentos e signos. Portanto a
noção de práticas de estudo deve incluir também o tipo de instrumento usado - cadernos,
enativa. Vale assinalar que Varela faz referência ao trabalho de Foucault no livro Sobre a
As práticas consistem no método escolhido por Foucault para abordar a história. Ao invés
de partir dos objetos, ele inicia pelas práticas. Paul Veyne, historiador e comentador de
Foucault explica:
Tudo gira em volta desse paradoxo, que é a tese central de Foucault, e a mais
original: o que é feito, o objeto, se explica pelo que foi o fazer em cada momento
da história; enganamo-nos quando pensamos que o fazer, a prática, se explica a
partir do que é feito (VEYNE, 1998, p.257).
O objeto se explica pela prática e não a prática é explicada pelo objeto. Nos nossos
termos, o estudo se explica pelo estudar. Ou seja, nossas práticas de estudo não se explicam
pelo sistema cognitivo e nem por uma pré-concepção do que seja o estudo. Ao contrário,
sistema cognitivo. O trabalho de Foucault consiste numa descrição detalhada das práticas que
estão em jogo em cada momento da história. Evita termos gerais e abstratos que poderiam
resumir, mas também aprisionar suas riqueza e heterogeneidade. As práticas não possuem
nada de misterioso ou de oculto, são aquilo que efetivamente realizamos seja através de ações
motoras ou comportamentos, seja através de palavras no caso das práticas discursivas. Veyne
defende que Foucault não fala de algo diferente daquilo que os demais historiadores falam,
Foucault não descobriu uma nova instância, chamada ‘prática’, que era, até então,
desconhecida: ele se esforça para ver a prática tal qual é realmente; não fala de
coisa diferente da qual fala todo historiador, a saber, do que fazem as pessoas:
simplesmente Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata, descrever seus
35
Aí reside a novidade trazida por Foucault. Sua análise se faz no concreto, sobre as
práticas. O que é a loucura, o poder, a medicina? O que é o estudo? Não existem objetos
dados desde sempre, mas práticas, modos de relação e de produção. Estas sim são
responsáveis pelas objetivações que conformam aquilo que entendemos por loucura, por
investigação permite. Desse modo Foucault faz história e intervém no presente. O método
assume uma dimensão política. Orientado pela prática, o pesquisador desloca sua atenção
daquilo que está dado, que parece óbvio, que todos acreditam conhecer, para aquilo que faz
ser. Não se contenta com expressões gerais ou frases de efeito, mas busca a dimensão
concreta. Desvia-se dos objetos supostamente naturais para encontrar práticas, modos de
fazer, relações. Veyne (1998, p.243) refere-se às práticas como sendo a parte oculta do
iceberg. Assim como aquilo que vemos do iceberg é muito pouco e insuficiente para
sabermos sobre seu tamanho e extensão, a face visível das práticas nos diz muito pouco sobre
aquilo que aconteceu ou está acontecendo. É preciso ir além do genérico e abstrato para
encontrar as diferenças concretas que apontam para distintos modos de relação. Neste
história pelas práticas possibilita que a multiplicidade existente não morra sufocada por
categorias gerais e abstratas. Os adjetivos verdadeiro e falso perdem força e sentido. Com
Foucault, as verdades deixam de ser definitivas, tornando-se construções. São, elas também,
36
Grosso modo, eu diria que começar a análise pelo ‘como’ é introduzir a suspeita de
que o ‘poder’ não existe; é perguntar-se, em todo caso, a que conteúdos
significativos podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e
substantificador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de realidades
bastante complexo, quando engatinhamos indefinidamente diante da dupla
interrogação: ‘O que é o poder? De onde vem o poder?’ A pequena questão direta e
empírica: ‘Como isto acontece?, não tem por função denunciar como fraude uma
‘metafísica’ ou uma ‘ontologia’ do poder; mas tentar uma investigação crítica sobre
a temática do poder (FOUCAULT, 1995a, p.240).
longo dos séculos ou décadas existiram práticas diferentes. Mas Foucault adverte: não se trata
de encontrar na história uma alternativa, mas ver que, se as coisas foram diferentes, elas não
Embora não estejamos interessados em fazer uma história do estudo, mas sim
Com Foucault, podemos dizer que o estudo é aquilo a que as práticas dão lugar. Ele não existe
por si, mas como efeito de modos de relação que vão constituir o estudante e o material de
estudo. Colocar o problema deste modo possibilita acessar o estudo em sua multiplicidade e
evita que cometamos o equívoco de julgar e comparar o estudante de ontem com o de hoje.
Tendo em vista a noção de práticas, não podemos afirmar que o estudante de hoje estuda mais
ou menos do que o de ontem. O que podemos analisar são os efeitos das diferentes práticas.
Como Foucault nos ensina não é o objeto que determina as práticas, mas o contrário, as
práticas determinam o objeto. Foucault se preocupa com a investigação das práticas ao longo
do tempo. Em nossa tese procuramos a heterogeneidade das práticas de estudo num mesmo
tempo, a contemporaneidade.
37
Na passagem do século XX para o XXI, diante das transformações nas formas de escrita
estudo as práticas de leitura. Seu problema não é a leitura ou o livro, mas práticas de leitura.
Aos historiadores que, pretendendo fazer história da leitura, falam sobre livros, argumenta:
“Falta às enumerações dos livros impressos ou possuídos, uma questão central, a dos usos,
dos manuseios, das formas de apropriação dos materiais impressos” (CHARTIER, 1996,
multiplicidade. Através dela busca fomentar um estranhamento em relação àquilo que é tão
Com efeito, por um longo período, a leitura parece não ter colocado qualquer
questão: não é ela o resultado mais universalmente partilhado da aprendizagem
escolar? Não implica sempre uma relação íntima entre o leitor solitário e o livro ou
o jornal que é sua leitura? Uma prática cultural, portanto, mas que naturalmente é a
de (quase) todos e para todos idêntica. Além disso, podemos reconhecer o contraste
entre grandes leitores e leitores de ocasião, entre lectores profissionais, para os
quais ler é sempre mais ou menos gesto de trabalho, e todos aqueles para quem o
encontro com os textos é simplesmente informação ou puro divertimento. Os
primeiros, não há dúvida, têm dificuldade em aceitar que existem outras leituras
além da sua, ou ainda em conceber que entre sua leitura de douto e as da maioria
existem outras diferenças afora estas: ler muito ou pouco, rápido ou lentamente”
(CHARTIER, 1996, p.19).
seria perdido comprometendo o sentido do texto. Diante deste cenário Chartier produziu uma
aos nossos tempos. Para isso basta recorrer aos protocolos de leitura que são marcas deixadas
nos textos seja pelos autores, pelos editores ou mesmo pela forma como o material foi escrito
pinturas. Outra forma de abordar as práticas de leitura é através das diferentes apropriações do
texto pelo leitor. Neste caso é preciso apelar às correspondências e autobiografias. Por último
defende a possibilidade de pensar as práticas de leitura a partir dos diferentes sentidos que o
noção de prática, não queremos realizar uma investigação histórica, o que nos conduz a uma
Para além da abertura desse campo de pesquisa, Chartier defende a tese de que o
dispositivo de leitura - livro em rolo 10, códex 11, tela do computador - não é apenas um
detalhe, mas produz constrangimentos. Não se trata, portanto, de uma questão de conteúdo.
Não é que o livro (códex) permita acesso a um conteúdo mais profundo em comparação com
também distinta. Vale destacar que Vygotski, através da noção de ação mediada, já sinalizava
A respeito do impacto causado pelo texto impresso, Chartier afirma: “De modo geral,
persistia uma forte suspeita diante do impresso, que supostamente romperia a familiaridade
entre o autor e seus leitores e corromperia a correção dos textos, colocando-os em mãos
‘mecânicas’ e nas práticas do comércio” (CHARTIER, 1998, p.9). Tal afirmação chama
atenção, na medida em que revela um receio em relação ao impresso semelhante aquele que
10
O livro em rolo é próprio da antiguidade. Seu formato difere tanto do livro em códex, tal como o conhecemos,
quanto do livro da época de Gutenberg e pré-Gutenberg. O livro em rolo consiste numa longa faixa de papiro ou
de pergaminho que o leitor deve segurar com as duas mãos para poder desenrolá-la. O texto é distribuído em
colunas. Em função de seu formato não se pode escrever enquanto lê. As notas e reflexões são ditadas a um
escriba. (CHARTIER, 1998, p.24).
11
Desde a Idade Média, passando por Gutenberg e chegando aos dias atuais, a estrutura do livro é concebida a
partir do códex. O livro no formato de códex é composto por folhas dobradas certo número de vezes, arrumadas
em cadernos e, protegidos pela encadernação. O texto é distribuído na superfície da página e existem marcadores
como paginação, numeração e índice que facilitam a leitura. Na Idade Média o códex era manuscrito, com
Gutemberg surgiu o códex impresso o que facilitou a reprodução e distribuição. Atualmente isto que chamamos
livro é também códex impresso só que atualmente as folhas já vem soltas. (CHARTIER, 1998, p.7-8).
39
preciso seguir adiante, não se deixando paralisar por uma atitude nostálgica. A tese de
leitura, defende que todos possuem ao mesmo tempo limitações e aberturas. A história das
impresso – não se faz sem que se leve em consideração a materialidade dos suportes de
leitura:
contenta em afirmar que a diferença nos dispositivos repercute sobre as práticas. Sugere um
modo de intervenção. Não se pode voltar atrás na história, mas é possível mobilizar as novas
práticas em uma direção que se acredita ser mais potente. Não se trata de desqualificar as
novas práticas, mas de operar com elas no sentido de produzir novos efeitos. Citamos:
Embora exista uma estreita ligação entre leitura e estudo, as práticas de estudo não se
resumem às práticas de leitura. Por outro lado, não estamos interessados numa investigação
histórica. Assim, é preciso pensar com Chartier. Reencontramos aqui a idéia de que a noção
de prática traz concretude aos objetos de pesquisa, revelando suas multiplicidades. Neste
sentido Foucault e Chartier se aproximam. No entanto, para além desta conclusão, Chartier
chama atenção para a importância dos dispositivos. O formato de apresentação dos conteúdos
interfere na produção de sentido, seja porque restringe movimentos, seja porque abre novas
possibilidades. Portanto não existem práticas certas ou erradas. Porém, conforme aprendemos
a partir da colocação de Chartier citada, não devemos ficar indiferentes diante das práticas. Se
acreditamos que algumas são mais potentes que as outras, porque não promovê-las? O
caminho para isso não é negando ou menosprezando as práticas em ação, mas a partir delas
compor neste capítulo a noção de práticas de estudo. Tomar o estudo a partir das práticas
implica considerá-lo em sua dimensão concreta e múltipla, atentando para como efetivamente
se está estudando. Toda prática produz efeitos, não existindo práticas neutras. Elas produzem
ao mesmo tempo estudante e estudo, cognição e mundo. É apenas a partir dos efeitos
produzidos que as práticas podem e devem ser avaliadas. Por isso representam um modo
As práticas de estudo mais potentes são, para nós, aquelas que, ao incluir a
fruto da prática de estudo como experiência possibilita que a aprendizagem percorra caminhos
estudo. No entanto, quando ela se transforma no estudo por excelência, isto é, quando não é
precedida pela invenção dos problemas, torna-se estéril. Produz apenas repetição, sem
uma política cognitiva que privilegia a criação e não a reprodução, que se aproxima mais da
uma política cognitiva criadora. Lembramos, porém, que nenhuma prática é eterna, podendo
Com Vygotski e Chartier vimos que as práticas são configuradas no encontro com os
estudo que usa o livro em códex com aquele que usa o computador, encontramos limitações,
mas também devemos nos deparar com novas possibilidades. Vejamos alguns relatos 12 dos
estudantes sobre a percepção deles a respeito das diferenças entre o estudo com material
12
Os textos das entrevistas apresentados ao longo desta tese foram editados. Porém, respeitamos o conteúdo e
mesmo as ambigüidades. Retiramos apenas os excessos e as redundâncias que não comprometem o sentido da
narrativa.
42
computador não tem dificuldade de você ler as linhas, acho que é a mesma coisa. Mas eu
acho que a questão de você ficar voltando no texto, de você elaborar um pensamento em cima
do texto, é mais fácil no papel. Até porque é cansativo você ficar no computador lendo várias
vezes a mesma coisa - pra mim é cansativo. Então no papel é menos cansativo. É chato você
ler um texto várias vezes - eu não gosto muito -, mas às vezes é necessário. Aí você no papel,
você volta aquilo. E eu acho que também tem a ver um pouco com diagramação, porque na
tela você tem aquele papel ali e você geralmente tá vendo só uma parte do texto. Na folha
você já tá vendo o texto um pouco mais completo, você tem um raio de visão maior do que no
computador. E aí você tem como marcar mais também nesse sentido: tô lendo uma coisa aqui
e isso se relaciona com outra... Às vezes eu faço seta de uma coisa pra outra, acrescento
coisas que são... Se você botar no computador, por exemplo, uma nota de página, um negócio
de rodapé, você vai ter que descer aquele negócio todo pra você ver a sua nota. Na folha não,
tá ali, um negócio mais...acho que é uma gestalt mais completa. Talvez tenha a ver com isso.
estimulações. Tal aspecto é visto como desconfortável para o estudo na medida em que
prejudica a concentração, mas extremamente bem vindo para a escrita: [...] Eu tenho o papel
na minha mão e eu tenho o domínio. [...] Não vou mudar ele, porque eu não posso apagar ele
como eu posso na tela, mas eu acrescento os meus comentários. [...]Que na tela eu também
posso acrescentar, mas pra mim não é a mesma coisa. Não sei se também por causa da
Internet você acaba sempre deixando uma janela aberta – MSN. Eu não sei. Fica uma coisa
muito... Ali Internet é, pra mim, lugar de pesquisa assim, claro, mas também lugar de
diversão, de lazer, tem Orkut. Fica uma coisa meio passando mal. Vou lendo o texto... Eu não
sei. Não é a mesma coisa que eu ir pra sala da minha casa, sentar na mesa, fazer um café e
ler um texto ali, assim. Eu acho que a concentração muda. [...] Eu dou mais importância,
43
mais atenção assim. Eu tô ali, eu sentei na sala pra estudar e eu tô com o texto na minha
frente. [...] Claro que isso é uma opção, porque... Isso é uma opção do usuário. Eu posso só
abrir o Word, só abrir, só estar no site que eu encontrei, não tá em MSN, não tá em mais
nada. Só que pra mim, ainda assim, é como se o computador tivesse esse astral de lazer.
Entende? [...] Mas também tem que lembrar que isso você tá me perguntando de estudar,
porque quando é pra fazer um trabalho acadêmico, eu faço no computador. Eu não prefiro
E1 avalia de outro modo, ressaltando que o estudo na tela funciona quase como uma
hipnose. Sua atenção fica fixa e totalmente focada: Nossa, eu ficava assim, é horrível porque
é uma coisa que te concentra muito... [...] Exato...e se você não prestar atenção você não se
mexe. Porque o texto você vira a pagina, mexe o texto pra cá, mexe o texto pra lá. O
computador não. O meu é notebook. Então eu deixo no meu colo e fico assim [gesto]. Aí
quando eu vou perceber são quase horas, aí quando eu vou me mexer...já era...
Vale ressaltar que na maioria das vezes o material impresso é, para os alunos,
sinônimo de “xérox” 13. Estas podem ser capítulos de livros e/ou artigos que os professores, na
sua maioria, disponibilizam em pastas. Outra possibilidade é que sejam artigos, textos de sites
ou até mesmo capítulos de livros retirados da Internet. Neste caso o material impresso poderá
ter sido enviado por e-mail ou recomendado pelo professor, mas também pode ser resultado
das buscas dos próprios alunos. Em geral, a busca autônoma na Internet e mais raramente na
biblioteca, é usada apenas em situações de elaboração de trabalhos. Por tudo isso, afirmamos
que o livro como dispositivo privilegiado de estudo tem perdido lugar entre os alunos.
Alguns relatam ainda uma preferência afetiva por ele, apesar disso ele tem sido preterido em
13
A palavra xerox aparece entre aspas pois trata-se de uma marca registrada. Apesar do termo apropriado em
português ser fotocópia, a maioria das pessoas e, principalmente os estudantes referem-se às “xerox”. Inclusive,
xerox no vocabulário estudantil refere-se tanto a fotocópia quanto ao lugar onde estão as fotocopiadoras.
Optamos nesta tese por preservar o vocabulário cotidiano dos estudantes.
44
Sobre o dilema “imprimir ou não imprimir” e a questão do tempo: É chato, não gosto
muito de ler no computador não. Assim, eu fico naquela: preservar as árvores ou meu
conforto? Porque, assim, eu prefiro imprimir, ler, marcar, não sei o quê e tal. Mas às vezes é
mais rápido tá no computador porque eu já vou lendo e escrevendo ao mesmo tempo; lendo,
recordando, colando, fazendo as coisas ao mesmo tempo. Então às vezes é um trabalho mais
rápido se eu fizer direto no computador, mas é um trabalho mais bem feito se eu imprimir,
marcar, organizar. Então às vezes é questão de tempo mesmo. Se eu tiver mais tempo eu
imprimo, leio e tal, quando eu tenho menos tempo eu faço direto no computador. (E9).
E4 ainda reserva ao livro um lugar em seu estudo. Ressalta que quando o estudo não
possui um objetivo, ou seja, quando não visa resolver uma tarefa, o livro é um dispositivo
mais interessante pois dentre outras coisas permite mais articulações: [...] Quando eu uso
livro, eu sinto que tenho... É, eu sinto que tenho mais autoridade, eu sinto que eu li lá, na
fonte mesmo, então eu posso dizer, até certo ponto, que o que eu tô falando é certo. E quando
eu leio tipo uns textos avulsos e tal, é mais pra cumprir um objetivo. [...] Tipo eu leio o texto
do professor pra ele...pra responder a prova dele. [...] Mas...é, normalmente acho que eu
aprendo mais lendo os livros assim sem compromisso, sabe? [...] Eu acho que dentro do livro
tem uma diferença que é...que você tem mais articulação, sabe? Às vezes ele fala, por
exemplo: “conceito tal, que vai ser explicado mais adiante”. Também no livro você, por
exemplo, ver que aquele texto que você tá lendo tava inserido numa unidade maior que
tratava sobre outros assuntos diretamente relacionados com ele e tal. Acho que, geralmente,
quando você quer aprender um conceito específico assim, realmente é melhor texto avulso,
mas pra entender melhor a teoria, e é por isso que eu sinto que eu aprendo mais quando eu
leio no livro, eu acho que é interessante você ler as coisas no livro assim. Talvez até ler um
livro ou outro inteiro. Às vezes eu leio uns livros de psicologia inteiros, aos pouquinhos,
assim. (E4).
45
A partir das falas dos alunos vemos o quanto o computador-Internet comparece nas
práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município do Rio de Janeiro. Apesar dos
uma dificuldade de pensamento seja porque é cansativo ficar indo e voltando no texto na tela,
seja porque o computador não permite uma apreensão global do texto, ou ainda porque o
computador-internet oferece um excesso de estimulação, não é mais possível estudar sem esse
dispositivo. A falta de tempo – queixa que muitos alunos apresentam – combina-se ao excesso
de velocidade dos novos dispositivos, produzindo um encontro considerado bem vindo. Ainda
princípio, parece destoar do restante dos estudantes e que será analisado mais adiante em
nosso trabalho. Para ela estudar no computador funciona quase como uma hipnose. Sua
destaque nas práticas de estudo, fazendo com que os livros se tornem cada vez mais raros
entre os alunos. A leitura de livros inteiros, por exemplo, aparece como uma prática
minoritária entre os alunos. Os professores não exigem e os alunos, por sua vez, também não
buscam. Em relação a isto, ressaltamos que as práticas de ensino também concorrem para a
cognitivas dos alunos. Embora não seja o foco de nossa análise, é importante não perder de
vista esta ressalva. Ainda em relação ao livro, o comentário de E4 nos força a pensar. Sua
análise reverbera sobre as idéias do estudo como realização de tarefas e do estudo como
experiência. Ele argumenta que para cumprir objetivos específicos, prefere usar textos
avulsos. Estes, lembramos, podem ser tanto capítulos retirados de livros e reproduzidos como
“xerox” quanto artigos da Intenet. Porém, ao mesmo tempo afirma que aprende melhor com
os livros, pois em sua avaliação estes dispositivos permitem mais articulações. Dessa forma,
perceber que os livros têm sido preteridos nos faz perguntar: Então como é que fica o estudo?
46
Qual a relação que os estudantes estão estabelecendo com eles mesmos e com o material de
estudo na contemporaneidade?
47
Capítulo 2
O estudo faz parte de um grupo de atividades que, ao mesmo tempo, nos é bastante
próxima e estranha. Isto porque, a menos que nos deparemos com alguma dificuldade, não
costumamos nos ocupar dele em pensamento, de maneira refletida, mas apenas na ação.
Estudamos e pronto. Apesar disso, principalmente a partir da primeira metade do século XX,
elaborações teóricas e pesquisas. Neste momento surge o tema da experiência como uma
teorias e/ou autores que, a partir do século XX, não se referem ao estudo como atividade que
deva incluir a experiência. Uma vez que apostamos que a potência do estudo está na
panorama dos estudos sobre o estudo trazendo à cena as principais discussões que atravessam
esse campo. Lembramos que apesar de cada autor e/ou teoria acreditar que estão se referindo
ao estudo como objeto natural e unificado, a partir do argumento proposto no último capítulo,
que está em jogo é a produção de diferentes políticas cognitivas e não o mero confronto entre
Segundo P.A. Ronca (1982, p.61-62) o interesse pelo estudo e orientação do aluno é
bastante antigo. Nesta direção, apresenta formas como o estudo apareceu ao longo da história
Idade Média, já no contexto escolar, mais especificamente nas escolas conventuais, eram os
alunos mais avançados os responsáveis pela orientação dos estudos dos iniciantes. Existiam,
da matéria, com esclarecimento dos pontos mal compreendidos e ainda no ensino de como
numa atividade de estudo formal, rígida e disciplinada, realizada pelos alunos e fiscalizada
por inspetores. A tarefa de fiscalização era apenas isto, não incluindo esclarecimento de
dúvidas ou revisão das dificuldades dos alunos. Voltando-se para o contexto brasileiro, o
autor destaca que nos colégios jesuítas os mestres ficavam à disposição dos alunos para
conventuais do período colonial, havia a figura dos ‘mestres de reparação’. Estes eram
escolásticos ou jovens formados, porém ainda não ordenados, que assistiam às aulas dos
catedráticos pela manhã e, à tarde, repassavam a aula com os alunos, fazendo as “reparações”
no Rio de Janeiro, havia o tempo de estudo e os mestres repetidores cuja função era
semelhante à dos mestres reparadores. Ronca ressalta que os relatos consultados sinalizam
que havia nesta época uma preocupação com o local, o tempo e modo do aluno estudar,
destacando a necessidade de haver sempre uma pessoa que servisse de repetidor ou revisor do
a preocupação com o ensino individualizado e com o estudo do aluno tornou-se uma questão
que exigia elaboração teórica. Esta foi uma época marcada por grandes acontecimentos -
Primeira Guerra Mundial, revolução industrial e suas novas formas de produção em massa e
divisão do trabalho, grande onda de migração do campo para a cidade – que dentre outras
coisas levaram não apenas a uma expansão da escola, mas também a um questionamento
sobre como educar as futuras gerações. A produção teórica de pensadores como Jean Piaget e
John Dewey ganhava espaço não apenas no contexto universitário, mas também entre os
educadores, criando as bases para novas propostas educacionais. É neste contexto que o
estudo é trazido à cena e explorado. Ronca (Ibid) destaca que nesta época surge nos EUA
ao aluno orientação em relação aos seus estudos. Data também desta época movimentos como
que se fizeram sentir no início do século XX. Em especial, situam-se no contexto da defesa de
sobretudo, com teorias de J.Piaget e de J.Dewey, inicia-se o movimento da Escola Nova. Este
50
caminho que vai do sensório-motor ao lógico-formal. Já Dewey (1980) traz à cena o tema da
inteligentemente (Ibid, p.116). Para este pensador, a educação possibilita não apenas novas
percebidas. Anísio Teixeira (1980) explica que em função desta forma de colocar o problema
educativo o processo torna-se tão ou mais importante que o fim. A educação deixa de ser
concebida como uma preparação para algo diferente dela mesma, ela deixa de se limitar à
infância, aproximando-se da vida: “Enquanto vivo, não me estou, agora, preparando para
formal, cabe à escola e ao educador darem uma direção, organizarem as experiências: “Não
pode haver atividade educativa, isto é, um reorganizar consciente da experiência, sem direção,
sem governo, sem controle. Do contrário, a atividade não será educativa, mas caprichosa ou
automática” (Ibid, p.120). Portanto educar não se confunde com treinamento. Enquanto na
sentido. Por isso Teixeira refere-se ao treino como uma educação incompleta. Nele não se vai
O treino leva apenas a certa conformação externa com hábitos e práticas de cujo
sentido não participamos integralmente: é o primeiro resultado rude e áspero de
nosso contato com outras pessoas e com um meio social de convenções e de
fórmulas. Se eu levo, sob pena de certo castigo, uma criança a se curvar sempre
que tal ou qual pessoa entre numa sala, ela ganhará provavelmente esse hábito.
Malgrado todas as aparências externas de cortesia estarem presentes, é possível,
entretanto, não haver cortesia alguma no seu sentido genuíno. A criança não
participa da significação social do seu hábito. Ganhou, tão-somente, através dos
estímulos com que procuramos imprimir-lhe esse hábito, uma conformidade
mecânica. Pode chegar a ser um esplêndido exemplar de ‘bicho ensinado’, mas não
se educou (Ibid, p.120).
Dewey define a experiência como uma forma de interação entre o vivo e as coisas que
implica ação, padecimento e transformação. Num texto sobre arte, ele aprofunda a discussão,
fazendo uma distinção entre “experiência” e “uma” experiência (DEWEY, 1980). Se por um
lado a experiência é algo corriqueiro e cotidiano na medida em que por definição é interação,
por outro, a ocorrência de “uma” experiência requer uma atenção específica. Se houver
dispersão ou distração, ou seja, se não houver ligação íntima entre aquilo que observamos e o
que pensamos ou entre aquilo que desejamos e o que alcançamos a experiência não se
Explica que a “uma” experiência apresenta-se como uma totalidade. Possui qualidade
única, sendo indivisível. É possível que durante a sua realização existam intervalos, mas estes
interrupção. Dewey fornece belas imagens (Ibid, p.105): respiração, vôo do pássaro (exemplo
envolve um ritmo em que inspirações e expirações alternam-se. Quando uma fase cessa, a
outra já está latente, em preparação. Assim como os vôos e pousos dos pássaros não são
são absorvidas e abrigadas as conseqüências de um fazer anterior e, a menos que o fazer seja
o do total capricho ou o da rotina pura, cada fazer traz em si próprio um significado que foi
extraído e conservado” (Ibid, p.105). Por fim, como no avanço de um exército, é preciso
52
periodicamente consolidar os ganhos, os avanços sob pena de perder tudo o que foi alcançado.
Para que haja consolidação é necessário que haja tempo na justa medida: “Se nos movermos
experiência é aturdida, pobre e confusa. Se perdemos tempo demais após havermos extraído
estética. Toda vez que as atividades ocorrem de maneira integrada, como totalidade
Desse modo, a qualidade estética não se refere ao material utilizado na experiência, mas a
uma forma de relação, de interação que implica ação e padecimento em mútua relação.
Dewey ressalta que não basta para que se viva “uma” experiência que o fazer e o sofrer se
alternem, é preciso que eles estejam integrados em nossa percepção. Só assim a experiência
pode ser consolidada, integrando-se num todo com sentido, levando a transformações. O
importante para que a experiência possa caminhar no sentido de sua culminância. Nas
palavras de Dewey (1980, p.93): “O não-estético encontra-se entre dois limites. Em um pólo
está a sucessão lassa que não começa nem termina – no sentido de cessar – em nenhum lugar
particular. No outro pólo está a detenção, a constrição, provenientes de partes que mantém
somente conexão mecânica umas com as outras”. Portanto, podemos concluir com Dewey que
ação e padecimento. O ritmo é fundamental, pois permite um tempo justo. Nem excesso de
53
ação, nem apenas lassidão. Ele não visa nada diferente dele mesmo. A resolução de tarefas, a
experiência, não sendo nem de longe o que é visado. Ao comentar sobre o currículo, Dewey
defende: “A origem de tudo que é morto, mecânico e formal em nossas escolas, está
que ‘estudo’ tornou-se sinônimo de fadiga, e ‘lição’, sinônimo de tarefa” (DEWEY, 1980,
p.140).
Então, com base nas formulações de Piaget e Dewey, a Escola Nova ressignifica o
processo educativo: “A chamada Educação Nova apregoa, então, um esforço dos professores
sobre a concepção do estudo. Um ensino que valoriza a ação e a experiência não pode aceitar
que o estudo fique restrito às práticas de repetição mecânica cujos efeitos são, na melhor das
experiência produziu algo diferente daquilo que Piaget e Dewey haviam concebido no plano
propiciar um estudo que estimulasse, através de seu formato, a iniciativa dos alunos. O
Uma das preocupações era criar uma estrutura capaz de dar conta das diferenças individuais e
ao mesmo tempo possibilitar que cada um seguisse seu próprio ritmo 14:
Se por um lado a técnica promoveu uma individualização do estudo, por outro não
necessariamente produziu um estudo ativo e, muito menos, experiencial. Uma das críticas
freqüentemente tecidas à Escola Nova é que ela, ao enfatizar a dimensão ativa e experiencial,
demais e sem segurança para enfrentar a tarefa da aprendizagem 15. Citamos: “Fazer calar o
professor e deixar o aluno mais livre não resolveria o problema da orientação do estudo a que
Embora não tenha alcançado seu objetivo, a técnica do Estudo Dirigido teve o mérito
de trazer para a discussão a necessidade de considerar o estudo como algo que envolve mais
do que a simples repetição mecânica. A partir de então, estudar envolve operações mentais,
implicando a utilização de habilidades operatórias, não podendo ser reduzido a uma atividade
mecânica, devendo ser contextualizado de modo a poder incluir a experiência: “Decorar não
significa operar. Existiria operação mental se o aluno pudesse ter ‘trabalhado mentalmente’ e
conseguido incorporar o objeto de estudo ao seu universo mental [...]” (Ibid, p.109). Vemos aí
operações mentais.
14
Para exemplos da técnica do Estudo Dirigido cf. Ronca (1982).
15
Para mais detalhes sobre as críticas à Escola Nova cf. Saviani (2001).
55
ensino foi democratizado. O número de alunos nas salas de aula aumentou, tornando difícil a
utilização das técnicas de Estudo Dirigido. Uma nova reforma nas estruturas e programas
educativos teve início. Apesar do declínio da técnica do Estudo Dirigido, o movimento que
novas técnicas. Segundo Ronca é nesta mesma época que o Estudo Dirigido começa a se
espalhar pelo mundo. No Brasil entre os anos de 1969 e 1971 aparece nas livrarias uma
muitos dos livros não necessariamente tinham por base a técnica do Estudo Dirigido tal como
formulada no início do século XX nos EUA, mas a confundiam com a instrução programada
memorização. Tal fato nos leva a concluir que, nesta época, ao menos aqui no Brasil, o que
estava em questão era mais a possibilidade de estudar sozinho do que um estudo ativo ou
mesmo experiencial.
se novas técnicas para orientar os estudos. Assim, surge nos EUA, por exemplo, o método
SQ3R de Francis Robinson que ainda hoje é usado 17. Este procura orientar o estudante no
O método dizia que o indivíduo deveria empreender uma série de passos para
formar o hábito da leitura e para que pudesse estudar qualquer texto. Assim, as
fases deste método de estudo eram: 1º)Survey: fazer um levantamento das idéias do
texto, dar uma olhada rápida em tudo o que é proposto para ler; 2º.)Question:
retornar ao primeiro título ou à primeira parte em forma de pergunta, indagar;
3º)Read: ler para responder à questão proposta; 4º.)Recite: fechar o livro e tentar
16
Cf. Antunes (1970), Benemann (1973), Chaves (1970), Oliveira (1969). Para outras referências cf. Ronca
(1982).
17
Cf. Bilimário e Almeida (2008).
56
rever o que leu e, em voz alta, responder à pergunta; 5º)Review: quando terminar,
retornar e rever novamente (Ibid, p.72).
Embora a atividade e a experiência não sejam desconsideradas, cada vez mais são
professor Emilio Myra Y Lopes publica o livro Como estudiar y como aprender 18 cujo
objetivo é também orientar os estudos dos alunos. Para Myra Y Lopes a atividade de estudo
extrapola o contexto escolar e há uma diferença entre o estudo cultural e o estudo vital. Com o
estudos culturais dos estudos escolares cuja finalidade é a assimilação das matérias de um
Os que seguem os estudos com uma finalidade escolar, por desgraça costumam
preparar-se mais para prestar um exame com bom êxito do que para adquirir o
domínio da matéria. É por isso que todos os mestres ou educadores demonstram
sua oposição ao sistema das chamadas ‘provas de exames’, como meio de
comprovar a eficiência do estudo escolar. Se fizermos uma avaliação estatística
aproximada de sua composição, isto é, se marcarmos as porcentagens que
correspondem às diversas atitudes nele observáveis, talvez percebamos mais
claramente a heterogeneidade das atitudes e modalidades que se observam entre os
estudantes que concorrem às aulas dos centros de ensino (MYRA Y LOPES,
1968, p.6 – grifo nosso).
Esta afirmação adianta um problema em relação ao estudo que só será abordado nos
relação que o estudante estabelece com aquilo que está sendo estudado. No entanto Myra Y
18
Estamos trabalhando com a versão de 1968 publicada em português.
57
Lopes se ocupa apenas do problema da orientação do estudo, defendendo-o como uma psico-
higiene. Sua questão não é nem a experiência e nem a tarefa ou a performance, mas a saúde
do estudante.
orientação dos estudos dos alunos. Portugal se destaca neste campo, concentrando uma grande
quantidade de produções. Estas costumam ter como foco os processos auto-regulatórios 19.
regulatórias. Citamos como exemplo os trabalhos de Rosário (2004); Rosário, Núñez e Pienda
O destaque de Portugal pode ser explicado pelas reformas no ensino que vem sendo
curricular do Ensino Básico que, dentre outras coisas, criou o espaço do Estudo
elaborassem propostas de trabalho. Um novo campo de debates foi aberto, colocando o tema
do estudo em primeiro plano. O que caberia ser realizado no EA? Reforço escolar? Ensino de
europeu que visa unificar o sistema de ensino no sentido de torná-lo competitivo e adequado
19
No site do Grupo Universitário de Investigação em auto-regulação (http://www.guia-psiedu.com) é possível
encontrar uma boa amostra desses trabalhos.
20
O site da Universidade Aberta de Portugal traz um documento que explica as questões relacionadas à
Declaração de Bolonha (http://www.univ-ab.pt/bolonha/). Para uma análise crítica da reforma universitária
portuguesa que caminha em consonância com o Processo de Bolonha recomendamos o artigo de Fernandes et.al.
publicado no LeMonde Diplomatique português disponível em http:/pt.mondediplo.com.
58
discursivo que articula noções como personalidade, ação individual, performance e learning
contemporaneidade. Esta idéia ficará mais clara no sexto capítulo quando, com a ajuda de
Apesar das diferenças nos vocabulários que apontam para inserções temporais
diferentes, tanto a técnica de Estudo Dirigido quanto a orientação do estudante que visa o
aprender que, pelo menos em tese, procura incluir a atividade e a experiência. Citamos
No entanto os novos estudos sobre o estudo não se constituem como uma releitura da
técnica do Estudo Dirigido, mas incluem os avanços ocorridos no próprio campo dos estudos
interessante notar a herança deixada pela produção teórica desenvolvida inicialmente pelos
mas baseados nos estudos e teorias existentes, inventaram um novo modo de pesquisar a
aprendizagem e o estudo que tem sido nomeado como fenomenografia (MARTON, 1986).
incluía entrevistas semi-estruturadas que tinham por objetivo fazer com que os estudantes
qualitativo. Através desse método Marton e Säjlo conduziram a pesquisa que deu origem aos
estudos sobre o estudo baseados na experiência dos estudantes (MARTON e SÄJLO, 1976a;
to Learning (SAL) ou abordagem dos alunos ao estudo / aprendizagem foi formulado neste
contexto 21.
Solicitaram aos estudantes que lessem no tempo que julgassem necessário um artigo
acadêmico e depois respondessem a perguntas. Estas se referiam não apenas ao conteúdo, mas
ao modo que utilizaram para ler. Ou seja, além das perguntas relacionadas ao conteúdo do
texto, foi pedido que os estudantes narrassem como eles lidaram com a tarefa e como esta
aparecia para eles. Marton e Säjlo (MARTON e SÄJLO, 1997) destacam que na ocasião não
diferentes de entendimento do texto. Deste estudo propuseram uma distinção que foi
inicialmente descrita como dois níveis de processamento: superficial e profundo e que depois,
na nomeação procurou enfatizar que a diferença superficial e profunda não se referia apenas
21
O livro The experience of learning (MARTON, HOUNSELL e ENTWISTLE, 1997) escrito em 1984, revisto
e ampliado em 1997, contém relatos de uma boa amostra de pesquisas realizadas entre as décadas de 1970 e
1990 que trabalham segundo o referencial da experiência do estudante. O foco é a educação superior. Os artigos
abordam diferentes aspectos do estudo e da aprendizagem como leitura de textos acadêmicos (Marton e Säjlo),
escrita de ensaios (Hounsell), tarefas de resolução de problemas (Laurillard), preparação para exames finais
(Entwistle e Entwistle), experiência de relevância em relação às aulas (Hogson), multimídia e a possibilidade de
melhorar a aprendizagem (Laurillard) e experiência que os estudantes têm das tutorias (Anderson).
22
Embora os pesquisadores não explicitem, é possível perceber a presença do paradigma cognitivista da
cognição na base da investigação. Este entende a cognição como processamento seqüencial e invariante de
informações. Apesar do silêncio dos pesquisadores, o editorial da revista que traz os artigos de Marton e Säjlo
faz referência à teoria de Broadbent, apontando-a como uma alternativa interessante para as pesquisas sobre
aprendizagem (EDITORIAL, 1976, p.1). Além disto, é importante não perder de vista que nesta época a
abordagem cognitivista era ainda hegemônica no campo dos estudos da cognição (VARELA, 1990). Dessa
61
espaço para termos como intenção e tampouco para a experiência. Apesar da ambigüidade, a
idéia permanece.
uma diferença naquilo que foi focado pelo estudante: “Esses dois níveis diferentes de
diferentes aspectos do material de estudo que foram focados pelo aprendiz” (MARTON e
SÄJLO, 1976a, p.7). A atenção desempenha assim um papel central nas práticas de estudo.
Neste caso, a partir do ajuste do foco, ela pode produzir uma abordagem superficial ou
profunda. Porém, para alguns teóricos nem sempre a atenção, no estudo, trabalha focada. Isto
(2002), assim como Larrosa (2001, 2003a; 2003b) defendem uma atenção aberta, porém
concentrada na atividade de estudo. Assim, a defesa de uma atenção focada ou não se vincula
a práticas de estudo diferenciadas. Estas podem colocar em primeiro plano a tarefa - o que
atenção aberta e sem foco. Percebemos então que a distinção superficial e profunda refere-se a
práticas de estudo onde o que está em questão é o estudo como realização de tarefa. Em outras
palavras, superficial e profundo são formas de classificar a relação do estudante com a tarefa
maneira objetiva. Ele foca a atenção nas páginas e nas informações. Trata-se de um
forma o silêncio em relação à abordagem da cognição utilizada poderia estar vinculada à aceitação do paradigma
do processamento da informação como única possibilidade de entendimento da cognição, portanto como algo
natural e inquestionável.
62
para o texto num sentido amplo. Seu interesse é compreender o texto. Ele lê nas entrelinhas,
procura por relações. Marton e Säjlo (1976a) afirmam que os estudantes que adotam a
medida em que usam suas capacidades para fazer julgamentos críticos, tirar conclusões
lógicas e trazer suas próprias idéias. Um aspecto interessante da pesquisa de Marton e Säjlo é
que houve casos em que não foi possível identificar a abordagem utilizada e, casos em que
parece ter havido uma combinação das abordagens. A dificuldade de classificação, contudo,
não fez com que os autores revissem as categorias, que permanecem as mesmas. Apesar disso,
foi possível concluir sobre a existência de uma relação próxima entre processo e resultado. Os
alunos que adotaram uma abordagem profunda tiveram mais êxito na resolução das tarefas
propostas que aqueles que adotaram uma abordagem superficial. Estudar compreendendo é
melhor do que estudar decorando. Note-se que a distinção entre um estudo que se orienta pela
compreensão e outro que visa apenas a memorização é diferente daquela com a qual estamos
mesmo:
23
A tradução deste texto, assim como de todos os outros textos em idioma estrangeiro citados ao longo desta
tese são responsabilidade nossa.
63
procuram ensinar e/ou treinar estratégias que desenvolvam competência e habilidades auto-
regulatórias 24. Assim, saber qual a abordagem seria o primeiro passo para a orientação do
estudante.
colaboradores, esta tem sido a forma mais comum de efetuar o mapeamento das abordagens.
A pesquisa de Rosário e Oliveira (2006), por exemplo, propõe mapear o estudar no ensino
superficial e profunda. A conclusão a que chegam não vai, portanto, muito além desta dupla
de conceitos.
assimilados pelos teóricos que visam ensinar a estudar através de estratégias auto-regulatórias,
paradigma cognitivista.
24
É possível perceber a relação entre os trabalhos que seguem a orientação SAL e aqueles que visam orientar o
estudo desenvolvendo estratégias auto-regulatórias através da citação que apresentamos na p. 47. Lá Rosário
(2004) apresenta a sua proposta de trabalho defendendo como um dos objetivos “promover o ensino de um
elenco alargado de estratégias de aprendizagem para processar a informação de uma forma profunda” (grifo
nosso). Ora, a forma profunda consiste numa referência a idéia de abordagem profunda.
64
é concebida como uma atividade colocada em ação por um sujeito na sua relação com o
Apesar dos muitos modelos de auto-regulação – Rosário (2004, p.36) cita, por
alunos tomarem decisões pessoais e refletidas a fim de exercerem controle sobre seu processo
de aprendizagem (Ibid, p.38-39). Assim, a auto-regulação em jogo nas novas propostas diz
respeito a processos levados a cabo pelos alunos onde eles devem ativar e sustentar cognições,
comportamentos e afetos, de modo a alcançar seus objetivos. Dessa forma afirma-se que a
O estudo praticado desta forma faz com que cada vez mais o aluno seja responsável
pelo seu sucesso e/ou fracasso. Ele deve controlar sua cognição, seus afetos, dominar seus
existe espaço para que este aluno seja afetado e transformado pela experiência do estudo. O
estudo transforma-se numa grande batalha em que o aluno deve analisar a situação e então
65
elaborar estratégias de modo a atingir seu objetivo que aqui não pode ser outro senão o êxito
escolar. Não há para estes autores outra possibilidade. Diante deste quadro que reitera a
torna-se essencial. O processamento de informação permite que a cognição seja pensada como
uma seqüência linear de passos que se sucedem, culminando numa resposta adequada. Apenas
dessa forma a auto-regulação pode ser concebida de forma tão (auto)controlada, sem produzir
(Saber Aprender Boas Estratégias de Regulação), realizado em Portugal com alunos do ciclo
básico:
treinamento das estratégias de estudo. Segundo Ribeiro (2002) para que um treino obtenha
sucesso é preciso não apenas conhecer a estratégia, mas saber o porquê da estratégia, como,
quando e onde utilizá-la. A motivação também é uma preocupação, conforme afirma Rosário:
66
saberem como aprender, contudo tal não é suficiente para incrementar a qualidade das suas
Neste cenário, a questão do contexto ganha importância. Cada vez é mais freqüente a
defesa do desenvolvimento de treinos específicos para certos públicos e/ou locais, embora
passam a ser orientadas pelo (auto)controle e pela tarefa. São os bons resultados que estão no
horizonte. Tal confusão faz com que pesquisadores como Newton Duarte (2001a, 2001b)
(ALVAREZ, 1999). A construção da cognição se faz sem que haja um caminho pré-
orientado pela invenção. Neste caso ao invés de um sujeito controlando o processo, destaca-se
um processo que possibilita o surgimento de sujeitos e mundos. Esta, inclusive, tem sido a
nossa proposta. Viemos nos dedicando ao tema da aprendizagem, chegando numa formulação
aprender opera a serviço da tarefa e até da performance, dá origem a trabalhos que visam o
aprendizagem circular, orientada pela invenção, pressupõe outro tipo de trabalho, o de cultivo
cultiva uma abertura para a experiência, a atenção abre-se para o encontro e a transformação
Vasconcelos (2009) nos ajudam no entendimento dessa segunda perspectiva. Num artigo em
que analisa o funcionamento atencional numa oficina de cerâmica de pessoas com deficiência
visual adquirida, Kastrup (Ibid) refere-se a essa relação consigo como atenção a si,
ontológico. Segundo ele, as metodologias de primeira pessoa permitem não apenas a auto-
focados não apenas nos alunos do ensino médio e fundamental, mas também nos
SANTOS et.al., 2006; PULLIN, 2007), mas não apenas. Andrade (2007), por exemplo,
intervenção como a de Sampaio e Santos (2002), no entanto as pesquisas parecem estar ainda
treinamento.
Natalie Depraz, filósofa, Francisco Varela, cientista cognitivo e mestre de meditação e Pierre
Vermersch, psicólogo, escrevem o livro On becoming aware (2002). Afirmam: “Neste livro
buscamos as fontes e sentidos para uma abordagem prática e disciplinada para explorar a
entendida como ato de devir-consciente (becoming aware). O que singulariza este ato é o
movimento de trazer à consciência algo que nos habita de maneira opaca e não refletida. Em
atividades nas quais eles próprios vivenciam o ato de devir-consciente. Dos exemplos e suas
estereoscópica, oração do coração, sessão de psicanálise, sessão de escrita e, o que para nós é
de especial interesse, estudo de filosofia. Vale destacar que esta lista não é fechada. Os
autores argumentam a favor de que outros exemplos sejam trazidos à cena e pensados. Assim,
é interessante citar a tese de Cabral (2006) que, baseada na proposta desses autores, trabalha a
O ato de devir-consciente possui uma dinâmica em que a atenção ocupa papel central.
A estrutura é formada por um ciclo básico que inclui a epochè e a evidência intuitiva, além
das fases opcionais de expressão e validação. O contexto temporal que inclui tanto a
preparação quanto os pós-efeitos podem também ser acrescentados ao ciclo básico. É pela via
etapas, em que a primeira deve ser continuamente reativada: a suspensão (da atenção), a
Suspendemos nossos julgamentos habituais, nossos preconceitos na medida em que estes nos
impedem de ter atenção àquilo que se passa no momento presente. Assim, a suspensão
consiste numa mudança da atitude atencional que também pode ser pensada como uma
atentamente aquilo que fazemos. Note-se a referência a Husserl. Segundo os autores a prática
epochè husserliana. Isto é, a colocação entre parênteses de todos os juízos a fim de acessar a
essência. A suspensão é condição para que o ato de devir-consciente se realize. Porém, não é
um gesto fácil, está na contramão de nossa atitude natural. Por isso a suspensão deve ser
continuamente reativada. Ela pode ser desencadeada por um evento externo, como por
exemplo, uma surpresa ou um choque, algo que acontece e que impõe outra forma de se
relacionar com o mundo; pode também ser realizada através da ajuda de um mestre ou modelo
70
que nos orienta em nossa prática; ou ainda, a suspensão pode ser conduzida por você mesmo
voltada para o exterior, para o interior. No entanto não se trata na redireção de encontrar o
não se manteve. A volta para o interior deve ser realizada através de uma atitude suspensa,
pois apenas dessa forma será possível acolher a experiência que é o passo seguinte.
atenção que busca, passamos para uma atenção que encontra. Trata-se de um gesto de
abertura em relação a si e ao contexto caracterizado por uma espera ativa, receptiva, e com
um apagamento transitório da distinção dentro / fora. O desafio nessa fase é enfrentar o vazio,
o silêncio sem preenchê-lo com nenhum tipo de opinião ou julgamento a fim de deixar vir a
caso do estudante, falaremos de uma sessão de estudo. A sessão inclui além do ciclo básico, a
expressão e a validação. Embora a expressão e a validação não sejam tão fundamentais quanto
o ciclo básico que é a estrutura nuclear do ato de devir-consciente, elas são importantes para a
transmissão desse saber fazer. O contexto temporal envolve tanto a preparação da sessão
mesmo tempo em função dele vamos modulando a prática que vai sofrendo pequenas
alterações de fundo.
71
Por tudo isso a prática de devir-consciente não é fácil de ser realizada. A estrutura
cultivar uma relação consigo e com o mundo que implica numa política cognitiva que não
visa a tarefa, mas a experiência. Não está pautada no controle, mas na abertura. Voltando-nos
aos exemplos dos autores, o importante não é responder a entrevista, pronunciar as palavras
da reza do coração, reproduzir o que os filósofos dizem, etc., mas acolher as experiências que
nascem nessas práticas. Isto passa pelo trabalho da atenção que aqui precisa operar de maneira
concentrada e aberta. Também no caso do estudante, não se trata de uma atenção focada, mas
aberta.
constituir uma experiência de devir-consciente. O estudar implica então num cultivo de uma
reflexão do aluno com questões e estimula discussões entre os colegas através de intervenções
precisas.
pensar no estudo de forma ampla. Em geral dura entre uma e duas horas, numa sala, uma vez
por semana ou, uma vez a cada duas semanas 25. As sessões (aulas) são momentos isolados,
neste momento a operação de suspensão da atenção. Portanto, para que o estudo aconteça é
25
O exemplo toma por base o contexto francês. No entanto pode ser adequado, para fins de análise, às
singularidades de cada curso, instituição ou país.
72
preciso que haja um momento inicial de suspensão de nossos juízos e preconceitos para que
uma resposta no estudante, mas esta permanece não expressa num primeiro momento.
Questões brotam dentro do estudante, mas restam não respondidas. O estudante está em um
estado de incerteza, instabilidade e abertura. Mais do que procurar uma forma de responder as
questões, o estudante se pergunta enquanto está escutando com uma mente crítica. O
estudante volta sua atenção para a forma como se pergunta, sua lógica. Aqui vemos a atitude
começa a se fazer, permitindo que ele encontre o jeito certo de fazer a pergunta. De repente,
um gatilho dispara e o estudante consegue pegar a questão que estava se escondendo. Tomado
das coisas na sala de aula. Inicia-se uma troca. Este é o momento da “expressão” na sessão.
Agora é a chance para os outros alunos intervirem, seja seguindo o caminho aberto por esse
estudante, seja colocando outra questão, seja voltando à discussão inicial. No melhor dos
casos, todos começam a discutir e a figura do professor assume caráter de fundo. Uma vez
que a discussão fique acalorada na sala de aula, o estudante poderá encontrar a si mesmo,
também despertar o desejo de vivenciar o estudo dessa maneira. Neste sentido é que devemos
entender a afirmação dos autores quando dizem que através do exemplo buscam não apenas
73
falar do estudo como experiência de devir-consciente, mas esperam também poder ajudar os
alunos a desenvolver sua capacidade de perguntar e refletir. Vale notar a diferença desta
regulatórias com o intuito de desenvolver competências e habilidades. Nos dois casos espera-
circularidade implica no cultivo do devir-consciente. Como tal, visa uma abertura para aquilo
que ainda não sabíamos que sabíamos. Assim, argumentamos que quando se fala que o que se
visa é treinar estratégias e competências que permitirão ao aluno uma aprendizagem auto-
O que se espera do aluno é principalmente que ele resolva os problemas de maneira eficaz. Já
trabalho sobre a atenção de modo que ela ao invés de focar num objetivo exterior, volte-se
para si abrindo-se para o desconhecido. Afirmamos, então que neste caso a aprendizagem
passa a ser atividade de problematização. O que se espera do aluno é que ele possa através de
uma relação consigo problematizar o material apresentado fazendo nascer questões novas e
Embora Jorge Larrosa tenha textos escritos sobre o estudo e o estudar, sua
contribuição ao tema se faz de maneira tangencial ao da formação e da leitura, que são suas
questões por excelência. A favor de uma “pedagogia profana” (LARROSA, 2001), ou seja, de
74
uma pedagogia que visa não o consenso e a norma, mas a pluralidade de sentidos e a
suas idéias. Neste contexto, o filósofo da educação recupera a experiência. É então a partir da
experiência que ele pensa a educação de um modo geral e a leitura, a formação e o estudo, de
maneira específica.
textos. Fala de uma concepção formativa da leitura, de uma formação como leitura e do
estudo como algo que se passa entre o ler e o escrever. Os jogos de palavras, quase sempre
próprio autor, não lhe interessa a definição de conceitos, mas o trabalho com as palavras,
molesta-me a definição de conceitos, esse começar definindo os conceitos, esse começar pela
pergunta, o que é? Trabalho com palavras e não com conceitos” (LARROSA, 2004, p.330). A
escrita de Larrosa exige que seus leitores encarnem a política da experiência. Tal fato torna
Através do vai e vem das palavras é possível depreender que o que está na base da
experiência é uma relação íntima que se faz entre o texto ou o material de estudo e a
subjetividade. Isto que se passa entre é responsável pela produção de sentidos e pela
possibilidade de nos formar, nos transformar e até nos deformar. Desse modo tanto o estudo,
quanto a leitura ou a formação afastam-se da busca por saber. O que está em jogo não é uma
que nascem no encontro, por exemplo, entre o estudante e o material de estudo. O estudo para
Larrosa, assim como para Dewey, não visa nada diferente do próprio estudar. Porém, Larrosa
destaca um aspecto que Dewey não havia mencionado. Nem sempre os efeitos do estudo são
75
no sentido da transformação, às vezes eles nos deformam. Eles nos desorientam, nos lançam
em movimentos incertos dos quais não podemos saber de antemão se sairemos e como
sairemos. A deformação é assim um risco que se corre ao fazer do estudo uma experiência.
No entanto é preciso lembrar que é apenas a partir da experiência que o novo e a diferença
Numa discussão sobre leitura Larrosa refere-se à escuta. Na leitura como experiência o
desafio do leitor é escutar o texto, e não compreendê-lo. Quando a experiência passa para
primeiro plano, são os sentidos e afetos, é o corpo inteiro que ganha destaque, e não a
racionalidade. É o encontro e não a tarefa. Isto não significa que a tarefa ou a compreensão
não sejam importantes, porém elas devem ser precedidas pela dimensão afetiva. Tal idéia
pode ser extrapolada tanto para as concepções de estudo quanto para a de formação. É sempre
no encontro com o texto ou com o material de estudo. Daí o destaque para a preposição entre.
Três são os textos onde Larrosa reflete sobre o estudo: Imagens do estudar (2001,
Estudiar (2003b). Alguns se repetem, mas ao mesmo tempo se completam. Sobre estes textos
chama atenção a forma de escrita. Esta se aproxima mais de uma narrativa ou descrição do
que de um texto acadêmico. Contos e metáforas ajudam Larrosa a construir sua concepção do
estudo e do estudante. Outra coisa que nos faz pensar é que, apesar de constantemente
76
precisa. 26
estuda. Também não devaneia em pensamentos, estuda. O estudo é a sua única distração. Ele
não se lembra ou se preocupa com aquilo que o levou a estudar e nem tampouco com a
finalidade de seu estudo, apenas estuda. Algo se passa no estudo. Algo se passa entre o ler e o
escrever. A atenção tensionada ao máximo e um voltar-se para si mesmo são os gestos que o
autor identifica como convenientes ao estudante. O silêncio, por sua vez, seria o som do
estudo. Mas é preciso esclarecer que o silêncio do estudante não é um calar-se diante do
estimulando respostas mecânicas e repetitivas. Ainda sobre o silêncio, ele aparece também na
figura do vazio, das margens e do fogo. Baseando-se em dois contos de M.Buber, o autor
defende a necessidade de pôr fogo aos livros e às palavras sábias. O elogio ao fogo não tem
nada a ver com o fogo da censura, mas refere-se à necessidade que todo o estudante tem de
em um momento específico criar para si um lugar. Como criar para si um lugar num espaço
no qual tudo já está escrito? Dito de outra forma: “O estudo só pode surgir no lugar em que as
respostas não saturam as perguntas, mas no lugar em que são, elas próprias, perguntas”
espaço que nada tem a ver com a extensão de lugares concretos e um tempo diferente do
tempo é o tempo presente. Larrosa vai mais além, propondo inclusive um jeito e um humor
que seriam adequados ao estudante: um jeito arisco e um humor melancólico. Isto porque o
estudante abandonou tudo aquilo que poderia tranqüilizá-lo, suas certezas, a certeza do saber
26
Aqui pedimos licença, pois na tentativa de aproximação da descrição de Larrosa, precisaremos muitas vezes
repetir algumas de suas palavras. No entanto nenhuma descrição é melhor do que a do próprio.
77
e, caminha instável no vazio. A descrição segue num ritmo envolvente e num tom poético.
trabalhos, as certezas não pertencem ao estudo. O estudo não tem fim nem finalidade.
é preciso admitir que se trata da descrição de um certo tipo de estudante e não do estudante
em geral. Talvez essa seja a descrição de uma forma de abordar o estudo como experiência, a
experiência de Jorge Larrosa. Ao falar sobre o estudo, o estudante e o estudar Larrosa parece
tomar sua própria experiência de estudo como base. Tal impressão nos surgiu na leitura do
descrições sobre o estudar e o estudante fossem no fundo um relato em primeira pessoa de sua
experiência. Enfim, tal descrição nos remete a concepção de estudo tal como descrita por
Depraz, Varela e Vermersch e apresentada mais acima e se afirma como aquilo que estamos
A experiência de que fala Larrosa não tem nada a ver com a experiência que desejam
nosso ver, está em que estes submetem a experiência ao desempenho nas tarefas. Apesar de
estudo, ao enfatizarem em suas práticas uma performance ideal, acabam por esvaziar a
potência da experiência.
Estudar. Entre ler e escrever. Algo (se) passa. Perder-se em uma biblioteca em
chamas. Exercitar-se no silêncio. Habitar labirintos. Aprender a ler e a escrever
cada vez de novo. Defender a liberdade, a solidão, o desejo que permanece desejo.
Queimar o lido tão logo se leu e queimar o escrito tão logo se escreveu. Não ler
nem escrever nunca de tal forma que não se pudesse ler ou escrever de outra
maneira. Lembrar o futuro e caminhar em direção à infância. Não perguntar ao que
sabe a resposta, nem sequer a essa parte de si mesmo que sabe a resposta, porque a
resposta poderia matar a intensidade das perguntas. Fazer com que as perguntas
leiam e escrevam. Guardar fidelidade às palavras. Deslizar-se no espaço em
branco. Estudar. Sem por quê. Ser a gente mesmo o estudo. (LARROSA, 2003b,
p.115).
78
estudos sobre o estudo e suas principais discussões. Vimos como o tema da experiência não é
objetivo da maioria dos estudos sobre o estudo, sobretudo a partir do século XX. As teorias de
Piaget e Dewey concorrem para isto. No entanto, nem sempre a experiência é contemplada
como tal, como “uma” experiência (DEWEY, 1980). Ou seja, como uma interação que
articula ação, padecimento e transformação. Como algo que não visa outra coisa senão o
próprio movimento com um ritmo preciso que possibilita, num tempo justo, que ocorra a
ação, que sejam sentidos seus desdobramentos e que depois, volte-se a agir, transformado
pelos efeitos daquilo que foi experienciado. As transformações fruto da “uma” experiência
não possuem destino pré-estabelecido. Desenham seu caminho a partir do vivido e sentido.
Muitas vezes então, o apelo à experiência nos estudos sobre o estudo representa apenas uma
estratégia de teorias e/ou autores para se contrapor ao estudo como práticas de repetição
reprodução. Ao visar à tarefa, todos os problemas já estão dados. Nada novo é criado. As
respostas já são sabidas de antemão. Senão pelos estudantes que continuam estudando para
saber as respostas corretas, pelos professores. O apelo a Depraz, Varela e Vermersch, por um
lado e a Larrosa, por outro, nos parece fundamental. Permite delinear outro caminho nos
“uma” experiência no estudo, fazendo do estudo uma experiência. Apenas assim o novo e a
diferença podem surgir nas práticas de estudo. Apenas dessa forma o estudante e o estudo
poderão sair transformados. É importante não perder de vista a advertência que Larrosa faz e
79
que aponta não apenas para a possibilidade de transformação, mas também de deformação no
estudo como experiência. Assumir a política cognitiva que coloca a experiência em primeiro
plano implica não apenas na possibilidade de transformação, mas também assumir o risco da
movimento sem fim. Nos termos de Dewey, a deformação seria não conseguir voltar à ação
dentro das fronteiras seguras do já sabido ou trabalhar sobre os limites do saber, arriscando a
nos transformar, mas podendo também deformar. Em outras palavras privilegiar a segura
(SANCOVSCHI, 2009).
distinguiram duas posturas que nomearam como superficial e profunda. Estas, por sua vez,
relações entre os assuntos tratados buscando a compreensão, então ele possui abordagem
profunda. Nos dois casos o estudo está a serviço da tarefa, a atenção trabalha focada. No
foco é amplo e o efeito é a compreensão. Por outro lado, Dewey ao explicar a “uma”
Poderíamos pensar que se trata novamente da defesa de uma atenção focada na tarefa. Porém,
a não dispersão ou distração nos parece ter mais a ver com o estabelecimento de uma ligação
80
íntima e imediata – nas palavras de Varela (1990), sem representação - entre aquilo que é
sentido e a ação, nas palavras do autor, entre aquilo que observamos e pensamos, entre aquilo
que desejamos e que alcançamos do que com a realização da tarefa em si. Neste sentido
relaciona-se mais com a concentração do que com o foco. Depraz, Varela e Vermersch
(KASTRUP, 2004) através de práticas que conduzam a uma atenção concentrada e aberta.
Nesta mesma direção caminha a argumentação de Larrosa. Resumindo o papel da atenção nas
práticas de estudo: O estudo como realização de tarefas privilegia a atenção focada. O foco,
por sua vez pode ser estreito e amplo. Se estreito, relaciona-se a práticas de memorização, se
do novo.
Uma vez dito isto avancemos em nossa tese. Lembramos que não se trata de um
trabalho teórico sobre o que é, ou o que deve ser o estudo, mas de uma investigação acerca
estudo como tarefa ou o estudo como experiência serão pensados daqui para frente como
efeitos de práticas que por sua vez acreditamos estar marcadas pelo contexto contemporâneo.
Cabe agora investigar que práticas são estas e que tipo de relação com o estudo e consigo está
sendo produzida.
81
Capítulo 3
A cognição na contemporaneidade:
estudando hoje e, qual a relação que estão estabelecendo com eles mesmos e com o
conhecimento nesta atividade é feita tomando como pano de fundo as discussões a respeito da
fundamental da cognição para a nova economia. Certamente outro percurso poderia ser
por F.Guattari no final dos anos de 1970 (GUATTARI, 1987). Os conceitos de CMI e o de
segundo, na medida em que está ainda sendo desenvolvido, tem a vantagem de englobar as
27
Para mais detalhes sobre o Capitalismo Mundial Integrado (CMI) cf. Guattari (1987); Guattari e Rolnik
(1986).
82
cognitivo, nos conduzindo a uma análise daquilo que tem sido nomeado como economia da
atenção.
Vercellone dentre outros (CORSANI, DIEUAIDE, LAZZARATO et. al., 2001). Embora não
seja de aceitação unânime, aos poucos vem ganhando espaço e se afirmando na medida em
acumulação e de criação de valor. A idéia é que o momento atual não pode ser caracterizado
implica numa ruptura em relação a este: “A hipótese geral – já somos alguns a propô-la – é a
de que a longa crise atual, nomeada pelo termo ‘globalização’, traduz uma mutação radical e
mercantil, que se desenvolveu entre os séculos XVI e XVII e que tinha como base a
Depois teria surgido o capitalismo industrial fundado sobre a acumulação do capital físico e
trabalho assalariado.
da noção de capitalismo cognitivo. A tese do Império de que a soberania assumiu uma nova
forma, não mais pautada sobre os Estados-nação, mas sobre uma composição de organismos
nacionais e supranacionais regidos por uma lógica única, está na base do capitalismo
cognitivo. Este não é específico de um país, sendo global. Isto não significa que se manifeste
da mesma maneira nas diferentes localidades. Vivemos um momento de transição e, como tal,
No Império não existem fronteiras e, conseqüentemente não existe mais fora. Apesar
da tese polêmica, o que Hardt e Negri procuram ressaltar é que nesta nova concepção de
mundo não existe um exterior de onde as lutas e as resistências poderiam ser travadas. Tudo é
transformações, mas exige que estas sejam realizadas por outros meios. Neste contexto surge
a aposta no poder constituinte da multidão (HARDT e NEGRI, 2005). A não fronteira diz
respeito também à forma de atuação do poder. Trata-se de um poder que opera em todos os
registros da ordem social, sendo a vida seu objeto de governo por excelência. O que está em
jogo no Império é aquilo que Michel Foucault chama de biopoder (FOUCAULT, 1999a).
XVII que se exerce sobre a terra e seus produtos. Sua finalidade é a apropriação de bens e de
28
Cf. Foucault (1999a; 1999b).
84
tributos. Ela fundamenta-se na existência física do soberano que detém o poder de fazer
morrer ou de deixar viver. A disciplina, por sua vez, desenvolve-se durante os séculos XVII e
XVIII. Trata-se de um mecanismo que incide sobre os corpos individuais através de uma
permite extrair dos corpos, tempo e trabalho. Através do mínimo dispêndio de energia e de
desenvolve-se a partir da segunda metade do século XVIII e, como o próprio nome indica,
refere-se a um poder que atua sobre a vida e a população. Ele não exclui a disciplina, mas a
integra, modificando-a. Assim como a disciplina, ele visa o máximo de eficácia através do
mecanismos mais sutis e racionais que aqueles da disciplina. Não se trata de coerções
a probabilidade de ocorrência de eventos fortuitos que podem acontecer a uma massa viva.
Como contraponto do poder soberano, o biopoder, através da biopolítica, faz viver e deixa
morrer. Para Foucault (Ibid, p.298) a disciplina e o biopoder constituem duas acomodações do
industrialização.
Para além de Foucault, Hardt e Negri (2001) e Lazzarato (2009) vão se debruçar sobre
contemporâneo. O que ganha destaque em suas análises é a dimensão não apenas repressora,
mas principalmente produtora desse poder. Nos termos de Pelbart (2003) trata-se da
biopotência. Note-se que Hardt, Negri e Lazzarato reconhecem que já em Foucault estava
85
enfatizou devidamente. Assim, vão além e operam uma inflexão com a ajuda de Deleuze e
Guattari a partir da ressignificação do bios que compõe o biopoder e a biopolítica. Tanto para
Hardt e Negri quanto para Lazzarato o bios extrapola a dimensão materialista da vida
passando a incluir a vida como virtualidade e potência. Nossa atualidade cada vez mais chama
(2004), no contexto da sociedade de controle, afirma-se não apenas como o poder sobre a vida
biológica, mas, por um lado, como poder sobre a vida potência e, por outro, como potência da
vida. Apesar de o biopoder representar um tipo de funcionamento do poder que penetra nas
e reproduzindo formas de vida (HARDT e NEGRI, 2001, p.43), ele, na medida em que incide
sobre a vida e não sobre uma massa inerte e passiva pode acabar por revelar a potência da
Vale ressaltar – e neste ponto vemos nitidamente a herança deixada aos teóricos do
capitalismo cognitivo - que Hardt e Negri defendem como parte da proposta do Império que a
Tal fato pode ser reconhecido na afirmação de Lazzarato citada acima. Esta relação entre
poder e produção não deve ser entendida como causa e conseqüência, mas como partes de um
mesmo processo. De acordo com os autores o papel da mão-de-obra industrial foi restringido,
poder imanente e que não necessite de uma vigilância permanente para se efetuar. Nos termos
dos autores essas mudanças na produção relacionam-se com a nova economia da informação
A construção dos caminhos e limites desses fluxos globais tem sido acompanhada
por uma transformação dos próprios processos produtivos dominantes, com o
resultado de que o papel da mão-de-obra industrial foi restringido, e em seu lugar
ganhou prioridade a mão-de-obra comunicativa, cooperativa e cordial. Na pós-
modernização da economia global, a produção de riqueza tende cada vez mais ao
que chamaremos de produção biopolítica, a produção da própria vida social, na
qual o econômico, o político e o cultural cada vez mais se sobrepõem e se
completam um ao outro (Ibid, p.13).
Ele opera dentro de um referencial marxista 29, embora também inclua contribuições de
pensadores como M. Foucault. O trabalho imaterial opõe-se ao trabalho material em ação nas
cooperação fruto da divisão do trabalho, onde o que está em jogo são atividades repetitivas
que mobilizam principalmente a força física e, cujo objetivo é a reprodução dos produtos –
funções cognitivas. É preciso ressaltar que não se trata da invenção ou da criação de uma
pessoa em especial, mas de uma rede social, que em sua cooperação dinâmica, torna-se
criadora. O trabalho imaterial não existe senão sob a forma de rede e fluxos. As novas
circulação e criação. Além disto, as NTIC, na medida em que são usadas, perturbam as
fronteiras entre quem é o produtor e quem é o consumidor. Elas são ao mesmo tempo
ferramentas de trabalho e objetos de consumo, suas funções não são pré-determinadas fazendo
29
A noção de trabalho imaterial é desenvolvida no contexto da corrente neomarxista italiana da década de 1960
nomeada operaismo. O operaismo representou um movimento não apenas teórico mas também de atuação social
e político que se desenvolveu na Itália entre o final dos anos de 1950 e início de 1970 (LAZZARATO e NEGRI,
2001).
87
com que os usuários tornem-se também produtores. Por isso é cada vez mais difícil a
distinção entre o tempo da produção e o tempo do lazer. A partir de agora a produção envolve
todo o ciclo reprodução-consumo. Diz-se, portanto, que o trabalho imaterial envolve uma
atividade abstrata, cada vez mais intelectualizada que implica não mais ou não somente a
força física, mas também e principalmente a subjetividade através das funções cognitivas.
divisão de classes para impor sua força. É sobre sua autonomia que eles estabelecem a relação
com o capital. Nasce assim um processo de subjetivação diferente daquele dos operários das
fábricas. O que está na base deste novo processo são a independência e a autonomia e não a
pressupõe a autonomia dos sujeitos para se exercer. É importante chamar atenção, então, para
lógica do biopoder e da biopolítica. Tendo em vista esta autonomia é que Hardt, Negri e
revolucionárias, vem também articulado com uma nova forma de controle. O poder é
subjetividade.
Dessa maneira, o trabalho imaterial procura dar conta das especificidades do trabalho
simplesmente numa mudança da economia. É justamente esse o passo dado pelos teóricos do
Império e, sobretudo, ao trabalho imaterial, é preciso ir além. Não basta falar de uma
industrial. Como explicar o processo de acumulação e valorização dos produtos quando estes
deixam de ser bens materiais e passam a ser conhecimentos? Como dar conta de uma
O capitalismo cognitivo surge como uma forma histórica emergente, que rompe com o
pautado não mais sobre produtos, mas sobre o conhecimento. É preciso destacar, conforme
argumenta Rullani (2000), que a ligação entre economia e conhecimento não é uma novidade
natureza – máquinas – seja através da técnica de controle dos homens dentro das fábricas -
disciplina 30. No entanto, tratava-se até então de um sentido bastante restrito de conhecimento
vinculado a uma otimização do processo produtor que produz algo diferente do próprio
conhecimento. O que é novo hoje e exige que se pense num terceiro momento do capitalismo
está em jogo é um conhecimento que produz conhecimento e, não mais um conhecimento que
uma nova dinâmica econômica que inclui como fonte de acumulação não apenas a parte
reprodutora da ação – as mercadorias – mas também a parte criadora e inventiva. Aquilo que
era externalidade, que era exceção no antigo sistema de produção – a invenção - passa a ser
incluído como fonte de acumulação, ocupando lugar central. Em função desta redefinição a
capitalismo cognitivo a atividade de consumo inclui uma dimensão ativa e criadora. Exemplo
disto é o uso criador que se pode fazer dos computadores pessoais. Aliás, as NTIC assumem
30
A esse respeito, os escritos de Simone Weil acerca da condição operária são bastante ilustrativos cf. Bosi,
(1979).
89
DIEUAIDE, LAZZARATO et. al., 2001) advertem que o progresso técnico e científico não
pode ser concebido como causador das mutações a que assistimos. Estes pensadores
O conhecimento não é uma mercadoria como as outras e é isto que a idéia de produção
valorização das mercadorias. No entanto, cada vez mais o conhecimento se desincorpora dos
pensadores, dentre os quais destacamos Maurizio Lazzarato e sua tentativa de recriar uma
teoria do valor com base na contribuição de Gabriel Tarde. Esta tarefa tem início em seu livro
operando com o referencial tardeano, argumenta que a grande vantagem de Tarde é que ele se
31
Vale destacar a diferença entre essa forma de conceber a auto-regulação daquela dos teóricos dos estudos
sobre o estudo que visam orientar os estudos dos alunos através do ensino de competências auto-regulatórias.
Aqui a auto-regulação representa uma co-criação. Aproxima-se do conceito de autopoiese (MATURANA e
VARELA, 1995). Lá, ao contrário, a auto-regulação afirma-se como um processo controlado pelo sujeito. Aqui,
a auto-regulação traz imprevisibilidade. Lá a auto-regulação é justamente aquilo que permite chegar ao resultado
ótimo.
90
rompe com a tradição marxista o que o leva a desconsiderar o trabalho como categoria
econômica central. Neste contexto a própria distinção entre trabalho material e imaterial que
ele formulou junto com Negri (LAZZARATO e NEGRI, 2001) perde força e importância.
Gabriel Tarde é um pensador francês do final do século XIX, que escreveu sobre
temas, uma idéia central atravessa seus textos: trata-se de uma concepção microssociológica
semelhanças como a prioris, Tarde problematiza-os. Ele vai interessar-se pelo infinitesimal:
“Não há como parar nessa ladeira que leva ao infinitesimal, que devém, fato certamente
inesperado, a chave de todo o universo” (TARDE, 2003, p.24). E ainda: “A fonte, a razão de
É preciso ter em vista que nessa passagem do macro ao micro não está em jogo
apenas uma mera mudança de escala. O micro não é uma simples miniaturização
dos fenômenos macrossociais, nem se confunde com o plano dos indivíduos, mas
constitui outro domínio, um domínio irredutível que instaura novos tipos de relação
(VARGAS, 2000, p.199).
Para Tarde o social não é constituído por sujeitos e objetos, mas por relações ou por
cooperações. Vale destacar a presença da filosofia leibniziana em seus textos. É ela, através
do conceito de mônadas, que permite que seja formulada uma concepção de social não
dicotômica, mas múltipla. Sujeitos e objetos são efeitos de relações e não fundamentos. Uma
das metáforas utilizadas por Tarde para se referir ao social é a do cérebro. A sociedade sendo
um grande cérebro coletivo composto por cérebros individuais que funcionariam como
células.
intercerebral, de forças como o desejo e a crença, e não como derivado da divisão do trabalho:
91
multiplicidade. A vida caminha por invenções e imitações sem que isto implique qualquer
força transcendental. Invenções e imitações são imanentes ao viver: “A invenção é uma co-
criação em que se engaja uma multiplicidade de mônadas, uma co-criação que é sempre uma
captura recíproca entre mônadas: captura dos cérebros, dos desejos, das crenças que circulam
pela rede” (LAZZARATO,2006, p.44). Sobre a invenção e a imitação, Lazzarato explica: Por
invenção passa a fazer parte do ciclo econômico. Não a invenção de produtos, ou a invenção
enquanto dinâmica da cooperação entre cérebros” (Ibid, p.74). Estas idéias caminham ao
encontro das questões colocadas pela hipótese do capitalismo cognitivo onde o conhecimento
Assim, destaca novas forças em jogo na economia como é o caso do desejo, da crença, da
capitalismo cognitivo, por se fazer no campo da economia, deixa de lado questões que para
que o conhecimento é um tipo de bem, de produto singular que “se opõe ponto por ponto às
características dos mercados materiais”, do ponto de vista da psicologia não é assim. Quando
construtivista, o conhecimento pode assumir tantas formas quanto forem as práticas. Trata-se
do problema das políticas cognitivas. O conhecer envolve uma posição em relação ao mundo
e a si mesmo. Neste sentido, é preciso insistir: Que cognição é esta que está se constituindo
invenção de cada vez mais e diferentes conhecimentos. As funções mentais que, embora
sempre tenham estado presentes nos trabalhadores, assumem a partir de agora lugar de
destaque na medida em que são elas que produzem. Portanto, são elas que devem ser
controladas e moduladas de modo a, por um lado criar e, por outro, gerar mais produção.
seus trabalhadores, controle esse que se fazia, sobretudo, através de coerções corporais, o
Lazzarato (2006) apoiando-se nas contribuições não apenas de Tarde, mas também de
Bergson, defende ser a energia intensiva da memória, ou seja, a atenção, o que entra em jogo
Segundo Tarde, sem memória, sem essa força – uma duração que conserva -, sem
essa seqüência fecunda que contrai o antes no depois, não existiria o sensível, a
vida, o tempo, a acumulação e, portanto, não haveria agregação. Para Bergson,
primeiro ‘discípulo’ de Tarde, sem esta duração, o mundo estaria condenado a
recomeçar a todo o momento. O mundo seria um presente que se repetiria
indefinidamente, sempre igual a si mesmo. A própria matéria não seria possível
sem esta duração. A criação e a realização do sensível pressupõem a atividade da
memória e da atenção, e sua potência de atualização e de repetição (Ibid, p.82-83).
em que conduzam a uma maior produtividade e ao lucro. Nos termos de Rolnik (2003) trata-
criatividade estaria voltada para a tarefa. Ela limita-se a criar novas soluções para os
Desse modo, pensando com Kastrup, o que estaria em jogo no capitalismo atual é
muito mais a criatividade do que a criação. Trata-se de uma criação efetuada dentro de
padrões e limites pré-estabelecidos que visa resolver problemas dados. Aí, segundo Lazzarato
memória, a atenção e as relações pelas quais elas se atualizam tornam-se forças sociais e
econômicas que devem ser capturadas para que se possa controlar e explorar o agenciamento
da diferença e da repetição” (Ibid, p.84). A atenção sendo, portanto, um processo que permite
criar, mas também controlar a criação. Note-se que a atenção sempre foi um processo
cognitivo importante para o capitalismo (CRARY, 1999; WEIL, 1979). Porém se antes a
potência de criação da atenção era sufocada através da disciplina com vistas ao aumento da
produtividade e do lucro, hoje ela é colocada em cena. No entanto, a idéia não é deixá-la livre,
como para o capitalismo o que interessa é apenas a criatividade, ou seja, uma criação que
memória não podem trabalhar totalmente livres. Precisam ser capturadas a fim de que a
criação oriente-se no sentido desejado. Assim quando nos perguntamos sobre que cognição é
esta que está se constituindo em tempos de capitalismo cognitivo, isto é, como os estudantes
como potência de criação. Note-se que a potência de criação da atenção vincula-se aquilo que
E9 ao relatar uma de suas práticas de estudo, revela um estudo acoplado com as NTIC
na tarefa, portanto focado, mas que não dura muito tempo, dificultando a experiência: [...]Eu
fui pro computador, abri o arquivo que já tinha a metodologia, né? Já tinha o espaço pra
introdução. Abri, foi a primeira coisa que eu fiz – foi abrir aquele arquivo. Depois eu deixei
meu e-mail aberto, abri o Google. [...] Porque o arquivo tava no e-mail. Aí o Google, aí
digitei várias formas: ‘tarefa de seleção de Wason 32 e contrato social’; ‘ contrato social e
Wason’; ‘artigos acadêmicos sobre tarefa de seleção de Wason’; Ida Cosmos, não sei o quê,
o nome dos autores que o professor tinha indicado. Fui abrindo várias janelas. Aí fui lendo:
‘Ah! Isso serve; isso não serve; isso serve; isso não serve’. Aí deixei aberto alguns artigos e
fui tentar montar o texto. Não me saí muito bem porque eu tava muito confusa algumas coisas
na minha cabeça, porque era muita informação. Às vezes me dá uma agonia quando tem
32
A tarefa de seleção de wason foi proposta em 1966 por Peter Cathcart Wason. Ela visa examinar o raciocínio
hipotético-dedutivo através de condicionais do tipo “Se P, então Q”. Para mais detalhes cf. Wason (1966).
96
informação demais. [...] E me deu agonia, porque, assim, o que a professora tinha me dito
era que tinha a tarefa de seleção de Wason, que tinha um cara que tinha inventado isso, que
não sei o quê, que tinha testado e que tinha essa Ida Cosmos que tinha feito isso com o
contrato social. Só que nesse meio do caminho tinham vários autores que fizeram a tarefa de
seleção de Wason com várias outras variações. [...] Então várias coisas no meio do caminho.
Então eu enlouqueci quando eu comecei a ler tudo que eu: ‘Putz! Como é que eu vou explicar
isso tudo em um texto de duas páginas?’, porque a professora queria mais ou menos duas
páginas. Eu fiquei doida. Aí, assim, fiz um parágrafo tipo iniciando assim, jogando,
resumindo assim: ‘Ah, os seres humanos são racionais, não sei o quê e tal. Existe... Como
funciona a lógica humana, não sei o quê’, levantando o problema. Mandei pra N[colega que
deveria fazer o texto com E9]: ‘N toma aqui que o filho é teu!’. Aí ela construiu, me mandou
de volta e eu refiz o que ela fez, porque algumas coisas que ela fez tavam meio
desencadeadas, faltavam coisas, aí eu fui completando. Aí a gente levou pra professora, ela
[...] Sim. A vida de estudo é você saber lidar com isso sim. É você saber o que...é você
escolher o que é que você vai ler determinada coisa, é... às vezes é você escolher o que é que
é melhor: se é você assistir determinada aula, ou você em casa descansar ou mesmo estudar,
é...ou até mesmo você conciliar: o que é que é mais importante é você assistir a determinada
aula de uma disciplina, ou assistir uma palestra, um evento tal no mesmo horário. (E7).
em especial por Lazzarato, alguns autores, como por exemplo, Pierre Lévy (2004), Thomas
97
Davenport e Jonh Beck (2001) e, Michael Goldhaber (1997), a partir de diferentes campos 33,
Com base na definição de economia como estudo de como a sociedade usa seus
recursos escassos esses teóricos sugerem que saímos da economia da informação para entrar
numa economia da atenção. O que está cada vez mais raro não é a informação, mas a atenção.
O problema não é mais aquele do acesso à informação, mas principalmente, diante de tanta
informação como e onde investir a atenção e, por outro lado, como chamar atenção para si?
Cabe observar que esses teóricos recorrem às teorias psicológicas para corroborar a tese de
que a atenção é um bem escasso e que a possibilidade de prestarmos atenção a muitas coisas
ao mesmo tempo - isto que tem sido chamado de capacidade de multitarefa 34 - é limitada.
contemporaneidade, o que está em questão é muito mais o prestar atenção – marca das teorias
memória. É muito mais a atenção envolvida na realização de tarefas que aquela que permite a
mundo empresarial afirmam: “Os problemas para as pessoas de negócio residem em ambos os
de mercado, empregados potenciais e, como dividir sua própria atenção face ao excesso de
opções”. Defendem que entender e gerenciar a atenção torna-se cada vez mais importante
para o sucesso tanto dos negócios quanto pessoal. Caliman (2006) refere-se ao aparecimento
33
Pierre Lèvy (2004) trabalha a economia da atenção a partir de uma perspectiva filosófica, sociológica e
política, enquanto Davenport e Beck (2001) e Goldhaber (1997) focam mais nas conseqüências empresariais.
34
O termo multitarefa nasce no cenário tecnológico para se referir à capacidade que alguns sistemas possuem de
processarem simultaneamente informações. Atualmente tem sido empregado também para nomear a capacidade
dos seres humanos realizar muitas coisas ao mesmo tempo. O artigo de C.Wallis publicado na revista Time em
2006 tenta, entre outras coisas, explicar no que consiste a capacidade multitarefa. O artigo cujo título sugestivo é
The multitasking generation está disponível em http://www.time.com/time/magazine.
98
dessa figura tem inicio, segundo a autora, nos anos de 1970 com as modificações no mundo
concebido como organismo psicofísico ajustável ao ambiente de trabalho para ser pensado
como indivíduo singular, ativo, motivado que busca realização pessoal e existencial no
1990, chegando até nós, quando o que ganha destaque é o manejo eficiente da atenção com
vistas à obtenção de lucro. Por manejo eficiente da atenção entende-se por um lado saber
direcionar a atenção para as informações mais relevantes, saber o que fazer com elas e, por
outro, saber chamar atenção para si e/ou para a empresa e produtos. A gestão da atenção é,
Davenport e Beck (2001) alertam para o fato de que o não gerenciamento da atenção
ou, um gerenciamento ineficiente, têm custos tanto para os indivíduos quanto para as
curioso notar que para esses autores o “ADD organizacional” seria uma situação inerente ao
contexto atual das organizações. Segundo eles, todos nós entendemos do problema do déficit
de atenção em algum nível na medida em que o vivenciamos diariamente (Ibid, p.6) 35. A
questão passa a ser como gerenciá-lo. Os principais sintomas do ADD organizacional seriam:
aumento da perda de informações chaves para a tomada de decisão; tempo reduzido para
refletir ou fazer qualquer coisa que não seja simplesmente transações informacionais como e-
35
Vale notar que para estes autores o déficit de atenção aparece antes como uma manifestação do contexto
contemporâneo que como uma patologia.
99
pois só assim um tratamento pode ser efetuado, evitando maiores problemas para a instituição.
tornou possível que todos possam potencialmente se tornar visíveis, passíveis não apenas de
atentar, mas também de receberem atenção. Goldhaber (1997) chega a afirmar que a
que passa despercebido nas análises de Davenport e Beck (2001) e na de Goldhaber (1997).
Segundo ele, o movimento da atenção reflete nossos desejos e de algum modo orienta a
economia:
Materializada por fluxos de visita nas páginas da web e taxas de participação nas
comunidades virtuais, a atenção coletiva se abre, desce, desloca-se, divide-se em
milhões de canais e correntes largamente distribuídas no espaço virtual de
significações de uma humanidade em via de unificação. A atenção viva e
multiforme dos humanos traça um movimento fractal cada vez mais denso e rápido
no ciberespaço. Esse movimento desenha a imagem virtual, labiríntica,
hipertextual, multidimensional e viva do que queremos, do que procuramos
coletivamente. O espaço da atenção coletiva se abre cada dia mais à extraordinária
diversidade do que pode interessar à humanidade (LÉVY, 2004, p.179-180).
A partir dessa premissa sugere uma política de atuação frente à economia da atenção.
É preciso prestar atenção para aquilo que atentamos! Aí reside a diferença da análise de Lévy.
Ao se debruçar sobre a economia da atenção ele se preocupa em destacar como podemos atuar
Mas em vez de tentar atrair a atenção dos outros ou de deixar a nossa ser conduzida
por especialistas da hipnose coletiva e da prestidigitação, podemos nos dar conta de
que é a nossa atenção que forja e faz crescer o mundo que nos engloba, que temos
assim em nós mesmos a fonte de poder e que nos falta apenas tomar posse dela
(Ibid, p.183).
estranhamento, causando uma bifurcação. Para isso seria importante pensar a atenção não
apenas como o faz a economia da atenção, como “prestar atenção”, como uma atenção que
visa tarefas dadas, mas também como potência de criação – característica da atenção
como potência de criação pressupõe uma subjetividade aberta aos encontros que, por sua vez,
proposta de Levy permite ver que por meio da atenção podemos ser capturados pelas forças
contemporaneidade
raridade. Para além dessa diferença – que não é pequena e que traz desdobramentos
importantes -, todos concordam que a função cognitiva da atenção tem sido alvo de maciços
contemporaneidade, a atenção produz. Por isso ela é cada vez mais desejada, tornando-se alvo
de técnicas de gerenciamento que visam à eficiência. Por eficiência leia-se aumento nos
reiteram por outras vias a afirmação de Lazzarato de que é a atenção o processo cognitivo
da atenção que está em questão, enquanto o segundo defende que se trata de sua potência de
criatividade. Em outras palavras a tarefa está ganhando cada vez mais destaque. Dessa forma,
atenção, o resultado é próximo. Portanto é principalmente sobre a atenção que vamos nos
concentrar daqui para frente em nossa investigação acerca das práticas de estudo dos
estudantes de psicologia. Procuraremos analisar tanto a questão dos limites da atenção quanto
Capítulo 4
centrais no mundo contemporâneo. Seja porque permite um tipo de controle sobre os sujeitos
que se faz através de modulações e não mais por coerções, seja porque permite criar o novo, a
atenção aparece com destaque. Vamos agora nos deter sobre este processo cognitivo que de
saída afirmamos ser paradoxal e complexo a fim de construir as bases para analisar as falas
dos estudantes entrevistados no que diz respeito às suas práticas de estudo. Em especial
atenção seria o fundo de flutuação da cognição 36. Dessa maneira, a análise do funcionamento
atencional nos informa não apenas sobre a atenção, mas também sobre o funcionamento
cognitivo. Este, em função das características da atenção, pode ser mais ou menos aberto à
cognitivas distintas.
36
A frase original de Vermersch (2002) pronunciada no contexto dos estudos fenomenológicos afirma que a
atenção é o fundo de flutuação da consciência. Porém, para os fenomenólogos, não há nada para além da
consciência. Toda a cognição efetua-se no campo da consciência. Certamente a noção de consciência não se
restringe aquilo de que somos conscientes, ao foco da atenção. Daí a importância da idéia de campo da
consciência. Para mais detalhes cf. Vermersch (2002), Arvidson (2000).
103
pólo sensorial ao motor. Desse modo ela pode tanto encurtar o intervalo que separa a sensação
da ação quanto prolongá-lo. No primeiro caso, a atenção toma o mundo como algo pré-
prática e utilitária. É absorvida pelas tarefas a cumprir. Não deixa espaço para a hesitação
tarefas e não como bifurcações capazes de instaurar diferenças. Kastrup (2004) refere-se a ela
como uma atenção cuja característica é trabalhar focada. Em outras palavras, restringe-se ao
“prestar atenção”. Nos termos de Bergson (1934/1962) trata-se da atenção à vida prática. No
segundo caso, quando a atenção aumenta o intervalo que separa a sensação da ação, ela ao
mesmo tempo afasta-se da tarefa e permite sentir a sensação. A sensação deixa de ser
estímulo para agir e assume a forma de signo a ser decifrado (DELEUZE, 2006). Instaura-se
como aquela que permite desatar os mecanismos de captura da ação finalizada, fazendo
aparecer o novo. Argumenta que a atenção a duração representa, por um lado, uma forma de
resistir à lógica do capitalismo cognitivo e, por outro, a atenção que o capitalismo traz à cena
A idéia de signo é apresentada por Deleuze no livro em que analisa a obra de Marcel
busca em questão se refere a um aprendizado que se faz no tempo e que se apresenta como
signos. Os signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender
é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem
37
Em busca do Tempo perdido, publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras.
104
decifrados, interpretados” (Ibid, p.4). Vale destacar que a decifração ou interpretação dos
signos passa mais pela violência do encontro – em nossos termos pela experiência – que pelo
esforço da inteligência:
Não que a inteligência não seja importante, mas ela deve seguir a violência do
encontro: “Em arte ou em literatura, quando a inteligência intervém, é sempre depois, nunca
antes. [...] Em primeiro lugar, é preciso sentir o efeito violento de um signo, e que o
pensamento seja como que forçado a procurar o sentido do signo” (Ibid, p.21-22). Deleuze
argumenta também que ser sensível aos signos, ou seja, adotar essa atenção que não se
atenção à duração -, é um dom que corre o risco de permanecer oculto. Sentir a sensação ao
invés de reagir a um estímulo pode ser dificultado pela ausência de encontros, ou ainda por
no século XIX – época áurea dos estudos sobre a atenção (MIALET, 1999) 38, período anterior
38
Conforme destacam Mialet (1999) e Crary (1999, 2000), o século XIX é considerado o século por excelência
dos estudos sobre a atenção. Isto não significa que antes este processo não era estudado, mas que no século XIX
a atenção ganha estatuto de objeto científico. Assim, adotamos o século XIX como marco dos estudos sobre a
atenção. Para uma discussão sobre atenção no século XVIII cf. Hagner (1999). Para as diferenças nos estudos
sobre a atenção nos séculos XVIII, XIX e XXI cf. Caliman (2006).
39
O veto behaviorista afirma-se no contexto de desenvolvimento do movimento behaviorista ou
comportamentalista. Diz respeito à impossibilidade da psicologia estudar aquilo que não é passível de
observação ou medição.
105
adequadamente aos apelos do mundo. Neste sentido ressaltou como função principal a
seletividade e, estabeleceu como problema fundamental a questão dos limites da atenção que,
por sua vez, trabalha constantemente focada. Na atualidade – final do século XX e início do
XXI – em função dos avanços das ciências cognitivas, o tema da atenção passou a ser
estudado também no contexto dos estudos da consciência. Tal fato possibilitou recuperar a
dimensão criadora da atenção através da idéia de uma atenção que trabalha não apenas focada,
conceito de consciência. Defende que ela não se limita ao foco da atenção, mas é composta
por uma organização tridimensional. Esta inclui além do tema que corresponde ao foco
no campo temático, o que se relaciona ao tema e, na margem tudo o que é irrelevante ao tema.
Explica que a atenção desliza entre essas três dimensões num movimento de vai e vem.
Portanto, ela não trabalha apenas focada, mas também, e principalmente, aberta. A abertura da
atenção permite que elementos de dimensões distintas sejam trazidos ao tema, possibilitando
práticas de meditação budistas para defender a potência da atenção aberta. Segundo eles, as
práticas de meditação visam à expansão do campo atencional, fazendo com que a atenção se
limite até o próprio Eu como entidade rígida e unificada são abandonados em favor do
acolhimento da experiência. A atenção que busca, ou seja, focada dá lugar a uma atenção que
106
encontra, portanto aberta. A prontidão para a ação dá lugar à vivência de um tempo necessário
ao acolhimento da experiência.
James ainda hoje é citado como uma referência importante no campo da atenção (MIALET,
BECK, 2001; CALIMAN, 2006b; FERRAZ e KASTRUP, 2007). No entanto existe pouco
XX, por exemplo, reteve deste pensador apenas a idéia de que a função da atenção é operar
uma seleção movida pelo interesse cujo objetivo principal é a ação eficaz (MIALET, 1999;
KASTRUP, 2007). Outros teóricos, porém, acreditam que esta é uma leitura bastante restrita.
Para Arvidson (2000), esta interpretação desconecta a teoria jamesiana da atenção do contexto
de fluxo da consciência foi cunhado por James como uma alternativa às psicologias
elementaristas e associacionistas, sendo a pedra fundamental a partir da qual erige a sua teoria
Neste sentido autores como Ferraz e Kastrup (2007) propõem uma releitura da atenção em
James a partir do conceito de fluxo da consciência. Aí, revela-se uma atenção distinta daquela
com a qual a psicologia vem trabalhando. Em especial a atenção deixa de ser vista como um
2004), revela-se uma lógica dinâmica que é tomada em sua positividade. A flutuação da
atenção não é simplesmente algo a ser evitado, mas pode também revelar a presença de ritmos
diferenciados.
107
Após o período áureo dos estudos sobre a atenção que marca o século XIX (MIALET,
1999), este processo cognitivo ficou relativamente esquecido, sendo recuperado na segunda
metade do século XX através da psicologia da atenção. Segundo Mialet (Ibid) e Camus (1996)
difíceis de serem examinados. Dentre estes se destaca a atenção. Para além da revolução
cognitiva, Camus (Ibid) recorre também às transformações econômicas e sociais para explicar
demanda que estas operam sobre a atenção, articulando isto à necessidade de performances
eficientes. Cita, por exemplo, a sofisticação dos painéis de controle que passam a equipar as
complexos. Segundo Camus, era preciso então investigar se estes painéis poderiam ser
enfim, se haveria limites para a atenção. Assim, podemos dizer que a recuperação da atenção
eficiente de tarefas. Trabalha, portanto, focada na tarefa. Diante do avanço tecnológico que
exige cada vez mais atenção, a questão dos limites surge como problema central desta
psicologia da atenção.
Note-se que o apelo às “novas” tecnologias não é suficiente para explicar a ênfase na
performance que singulariza a psicologia da atenção do século XX. A relação entre atenção e
tecnologias não é uma novidade do século XX, mas atravessa boa parte dos estudos sobre a
atenção. J.Crary (1999) ao realizar uma genealogia da atenção, tomando como referência o
108
século XIX, busca detalhar o papel das práticas atentivas na constituição da subjetividade
moderna, trazendo a cena papel das tecnologias. Ele argumenta que a atenção tornou-se um
estereoscópio que eram naquela época uma novidade. Estas colocaram em xeque a
performance revela outros interesses. Trata-se antes de um problema político e não de algo
inerente ao conceito de atenção. Ainda sobre a relação entre a atenção e as tecnologias, cabe
atenção, que agora se trata das NTIC. Estas nos colocam cada vez mais diante da
capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo não seja algo novo, na era da web ela
conversar com várias pessoas através de dispositivos como o MSN enquanto assistimos a
ou – do “ou isto ou aquilo” que Cecília Meireles eternizou em sua poesia (MEIRELES, 1990)
– mas o e. Trata-se agora do isto e aquilo e, mais aquilo outro e tudo o mais que existir. Por
outro lado, não se pode esquecer que as NTIC potencializam a criação e a invenção através da
rede e da circulação.
(MIALET, 1999; CAMUS, 1996). Tal definição deixa em aberto duas questões. Por um lado,
o que seria um tratamento eficiente? Por outro, o que são informações pertinentes? Conforme
realização de tarefas dadas. Ou seja, de fazer bem aquilo que é solicitado. Já a idéia de
pertinentes, o que seria o tratamento das informações não pertinentes? Distração? Esta é a
observação de Mialet (1999, p.44). Segundo ele, a distração é ainda uma forma de atenção,
mas uma atenção não pertinente. Seguindo sua argumentação, vemos que a distração não é
ausência ou déficit de atenção, mas uma atenção que vai numa outra direção. Portanto, é
preciso reconhecer que a distração não é estranha ao campo atencional. Sobre a pertinência,
Mialet (Ibid) explica que no caso da vida cotidiana ela é produzida na relação do sujeito com
o mundo, sendo difícil decidir a priori o que seria e o que não seria pertinente. No entanto,
nas situações experimentais, mas poderíamos ampliar e dizer também nas situações de
chefe ou, o professor. Neste último contexto a distração seria então uma forma de classificar
uma atenção que não compartilha dos mesmos critérios de pertinência dados pelo
pesquisador, chefe e/ou professor. Em tempos de TDAH esta é uma observação que merece
ser pensada. O que significa déficit de atenção? Tendo em vista estas questões Kastrup
uma aprendizagem que não se limita a resolver problemas dados, mas que também
problematiza:
40
Percebe-se aí a presença da metáfora computacional que marca de maneira hegemônica o início das ciências
cognitivas e também a psicologia cognitiva. Sobre as ciências cognitivas cf.Varela (1990); em relação a
psicologia cognitiva cf. Kastrup (1999).
110
filtro, as teorias dos recursos e as teorias que trabalham com a diferenciação dos tratamentos
As teorias do filtro têm início com o modelo de D.Broadbent proposto em 1958. Para
atua aí como um filtro situado entre o sistema sensorial e perceptivo. Sua função é evitar uma
sobrecarga do sistema cognitivo, permitindo que as tarefas sejam realizadas com eficiência. A
atenção funciona assim através da lógica binária atenção – desatenção (KASTRUP, 2004). De
acordo com este modelo a possibilidade da multitarefa, ou seja, de fazer várias coisas ao
mesmo tempo, só pode ser concebida como uma alternância ou oscilação muito rápida do
atenção parecia extrapolar o prestar atenção. Palavras que possuíam importância para os
sujeitos, ou seja, palavras significativas, como por exemplo, seus nomes, eram percebidas,
ainda que apresentadas para o ouvido não atento (OI). Assim foram propostos
desdobramentos.
41
Nos protocolos de escuta dicótica fones de ouvido são colocados no sujeito experimental e são apresentadas
duas informações diferentes aos sujeitos. Cada informação num ouvido. Então, investiga-se como ele reage, o
que ele percebe. Será que consegue perceber e reagir à informação pertinente? Através destes protocolos pode-se
estudar a atenção focalizada, neste caso o experimentador informa ao sujeito a existência de um ouvido atento
(OA) e de um ouvido não atento (OI), ou a atenção dividida, neste caso observa-se a divisão da atenção nos dois
ouvidos. Cf.Camus (1996). Cabe observar que este protocolo foi criado por E.Cherry em 1953, sendo usado por
pelo menos 15 anos pelos estudos da atenção (CAMUS, 1996).
111
haveria uma hierarquia na análise dos estímulos. O nível mais baixo consistiria na extração
dos índices físicos e o mais alto implicaria na análise semântica. A idéia é que se a capacidade
através das reações de orientação da atenção. Estas podem ser tanto exógenas - como na
orientação da atenção repercute sobre aquela que veremos mais adiante da diferença entre
atencional é que a orientação endógena pode tanto ser produzida independentemente quanto
cabeça e do olhar. Nota-se algo, mas não necessariamente percebemos do que se trata.
Algumas vezes, isto é suficiente, outras vezes não, sendo necessária a orientação endógena.
Esta mantém por mais tempo a atenção naquela direção, fazendo aparecer uma atenção
sustentada que, por sua vez permite um tratamento aprofundado daquilo que foi apenas
notado. Uma vez que para a psicologia o problema da atenção vem articulado ao da
112
processo de reconhecimento (cf. MIALET, 1999, p.45-50). No entanto, como bem nos mostra
pela orientação endógena pode também fazer aparecer o ainda desconhecido. Neste caso não
orientação exógena e endógena citamos Camus (1996, p.29): “A orientação exógena produz
uma faísca que incita a chama, mas que não é suficiente para esclarecer o acontecimento que a
produziu. Apenas a chama, por sua duração, permite esclarecer a informação interessante”. E
conclui (Ibid, p.29): “Uma sucessão de faíscas não produz chamas”. Portanto para a
estimulações. Esta relação entre a orientação exógena e endógena da atenção pode nos ajudar
associação da música com as práticas de estudo. Certamente esta assume diferentes funções
desde abafadores de sons externos como comenta essa estudante: [...] É uma facilidade que
me ajuda a estudar, às vezes quando eles tão fazendo muito barulho eu ligo música. A música
não me distrai. Se eu ligar a música, às vezes me tira o som deles e eu abstraio – estudo com
música. Todo mundo fica me questionando: “ah, mentira, você não estuda”. Cara, eu estudo,
porque às vezes quando é uma coisa que eu tenho que prestar atenção, a música eu consigo
ainda abstrair mais do que fulaninho subindo e descendo a escada. [...](E5). Passando por
relaxantes, como explica essa outra: [A música] Ajuda. Porque relaxa. Você fica mais
relaxada, você consegue absorver mais aquele conteúdo (E1). Até algo que ajuda os
estudantes a se concentrarem no estudo. Sobre isso E4 comenta que a música, assim como o
cafezinho, são distrações que não distraem: [...] É, eu acho que o café, ele ajuda a manter a
113
atenção e tal. Pra estudar duas horas, normalmente pega ali e tal. É o tipo de coisa, por
exemplo, que não teria na biblioteca, mas é um estímulo externo que, tipo, ao invés de
distrair, te ajuda a focar no texto. Igual uma música, por exemplo, às vezes mais leve e tal,
mais lenta, é...não uma, tipo, que o cara mude o ritmo de repente, que tenha uma letra muito
complicada... (E4). E continua: É, o cafezinho é um tipo de distração que não distrai, sabe?
Porque aí você fica lá lendo o texto, aí você bebe um cafezinho e tal. É uma distraçãosinha
menor que evita que você disperse, perca o interesse, sabe? (E4). Diante disto nos
perguntamos: Será que a música não poderia estar atuando em alguns casos como um
estímulo externo capaz de puxar e fixar a atenção do aluno num contexto diferente dele
mesmo? Porém, é importante não perder de vista que apesar dos estímulos exógenos poderem
ajudar na captura da atenção, eles não devem ser excessivos sob pena de produzirem o efeito
contrário. Isto que já havia sido sinalizado na fala de E4 é retomado por E1 de outro modo:
[...] Geralmente quando é mais tranqüilo, assim, eu até ligo o rádio...deixo baixinho. Mas,
por exemplo, televisão é impossível. Eu não consigo estudar com televisão. Porque é um
casos em que as informações “ignoradas” (apresentadas para o ouvido não atento) eram
tratadas não apenas superficialmente, mas em profundidade. Este fenômeno era observado
quando, por exemplo, era apresentada para o ouvido atento (OA) uma história ou palavra
ambígua e para o ouvido não atento (OI) um contexto. Com freqüência acontecia do sujeito ao
invés de ficar em dúvida em relação à história ou palavra apresentada à OA, ele a interpretava
segundo àquilo que havia sido apresentado à OI. Desse modo Deutsch e Deutsch formularam
a teoria do filtro tardio. Esta postulava que a atenção interfere apenas tardiamente, efetuando
uma seleção com base na importância da mensagem. Segundo observação de Mialet (1999),
Deutsch e Deutsch parecem ter esquecido que o sistema cognitivo possui capacidade limitada
114
de tratar informações. Esta foi a razão de D.Norman reelaborar a teoria propondo a teoria do
filtro movente. Esta buscava conciliar a idéia de tratamentos múltiplos - que já havia sido
assimilada desde a teoria dos atenuantes - com a capacidade limitada do sistema cognitivo.
Nos anos de 1970 aparecem os modelos que adotam uma concepção econômica e
D.Kahneman. De acordo com Camus (1996) esta teoria permite sublinhar o componente
intensivo da atenção, enquanto as teorias do filtro davam conta apenas dos aspectos
qualitativos.
profundidade variável podendo ser mais ou menos resistente à distração. Note-se que a
distração está sendo pensada novamente no contexto das informações não pertinentes, onde a
realização de tarefas não é com concentração ou sem concentração, mas níveis diferentes de
atenção e, pelo esforço. Através do esforço é possível superar situações que a princípio
implicariam numa menor quantidade de atenção. Por exemplo, através do esforço é possível
repercussão sobre a atenção vem desde os estudos de William James no século XIX (JAMES,
participação do esforço nesta última. Na atenção passiva o interesse substitui o esforço. Além
da dimensão qualitativa e quantitativa, Mialet propõe uma dimensão dinâmica que aponta
Voltando à teoria dos recursos, nela a atenção passa a ser entendida como um recurso
cognitivo que pode ser mais ou menos investido nas operações mentais e, cujo efeito é a
quanto maior é a concentração, melhor será o tratamento. No entanto é preciso não perder de
vista que os recursos são limitados. Através de experimentos em situações de dupla tarefa
procura-se investigar o que acontece com as performances dos sujeitos. Observa-se que, em
geral, quando as performances de uma tarefa baixam, as da outra melhoram e vice e versa.
Este fato é interpretado como transferência de recursos de uma tarefa à outra. Porém, a
melhora não é infinita. A teoria dos recursos opera com uma metáfora energética. A melhora
Note-se que esforço não é sinônimo de dificuldade. Conforme explica Camus (1996), a noção
deterioração da performance desde que não exijam mais recursos do que aqueles disponíveis
tarefas não excede a capacidade total do reservatório, estas podem ser executadas
teoria dos recursos também é alvo de críticas. Dentre as críticas destacamos a que se refere
aos efeitos da aprendizagem sobre a alocação dos recursos. Através de nossa experiência
percebemos haver diferença na necessidade de atenção para que se obtenha uma performance
eficiente em tarefas que ainda não dominamos e nas tarefas já dominadas. Como pensar a
fazer melhor e mais rapidamente o mesmo. São a performance e a eficiência que estão em
questão. A aprendizagem assim entendida não prevê surpresas ou hesitações que poderiam
estratégias eficientes e que no final, conduzam a um fazer automatizado, isto é, sem pensar.
Lembrando dos estudos sobre o estudo, a proposta dos teóricos que pensam o estudar como
é importante dizer que em nenhum momento eles afirmam abdicar do pensamento dos alunos.
automatização que tornaram possível “se dar bem nas provas” sem maior envolvimento com
Recherche du temps perdu (DELEUZE, 2006), o que parece estar prevalecendo no cenário
contemporâneo é um aprendizado sem perda de tempo. Esta idéia será melhor trabalhada nos
primeiros períodos, não sei, eu tava fresquinha: não tinha trabalho, não tinha nada, estágio,
não tinha nada. Então eu passava a tarde estudando pra uma prova, lendo textos. Não tinha
a manha ainda de sacar o que o professor ia querer. Então eu lia. Com o tempo, você já sabe
o que o professor vai querer. Quando ele põe o topicozinho lá no quadro você já sabe...você
mesma fala: ‘isso vai cair na prova’. Ele não precisa nem dizer, você já sabe que aquilo vai
cair na prova. Então você anota aquela informação que vai cair na prova. E aí na véspera da
prova, de praxe, você pega aquela informação e decora, escreve na mão, põe cola no bolso e
tal. E aí você vai ter aquela informação contigo pra prova. [...](E6). Através deste relato
automáticos e controlados. Por mais elaborado que fosse o modelo dos recursos atencionais,
ele não permitia responder ao problema da mudança na estrutura dos processos que
conta disto surgem teorias que vão propor dois tipos de tratamento das informações. Um
ligadas em uma cadeia solidária, aprendida e estocada na memória de longo prazo. Inputs
controle do sujeito. Os tratamentos automáticos não requerem uma atenção especial, não
ocupando a memória de curto prazo. Shiffrin e Schneider referem-se a este processo como
podem ser interrompidos e não são modificáveis. O que está em jogo são processos
encapsulados. Sua ativação pode ser extremamente breve o que acarreta a perda da
Os devaneios que invadem a vida mental podem ser descritos como sendo
ocorrência deste fenômeno durante suas atividades de leitura. Citamos: Ah, eu tô estudando e
daqui a pouco me pego pensando em uma coisa totalmente, que não tem nada a ver com o
que eu tava estudando, aí eu fico: ‘Pô, não. Tenho que estudar isso aqui’. Aí vou lá... Aí eu
volto. Mas por diversas vezes eu me pego pensando em outras coisas que não tem nada a ver
com o que eu tô estudando(E10). Vale ressaltar o aspecto súbito e repentino deste processo:
Exatamente. Porque eu não sei há quanto tempo isso tá acontecendo. Isso é uma coisa tão
sutil que quando você percebe você não sabe onde foi que você começou a viajar e onde foi
que você parou de viajar (E13). A conseqüência é, em geral, uma mecanização da atividade
quais nos referimos em nosso cotidiano como tendo sido realizadas no “piloto automático”,
119
isto é, enquanto prestávamos atenção à outra coisa. Aliás, liberar a atenção para ser
ativações temporárias de muitos nós que compõem uma série cuja ligação não está ainda
fácil de interromper e modificar em função da situação. Ele ocupa lugar na memória de curto
prazo e exige esforço, isto é, recursos atencionais. Como o controle atencional é necessário
para reunir os nós que formam a seqüência, apenas uma seqüência de cada vez pode ser
down. O controle pode ser efetuado a partir de uma orientação exógena e/ou endógena. Pode
ser realizado através da captura da atenção por uma estimulação externa - como no exemplo
oposição rígida entre automatismos e atenção controlada era mais adequado pensar num
E2, ao descrever o que se passa em sua relação de estudo, revela uma dinâmica em que
processos atencionais controlados tornam-se automáticos: Ah, sim. Porque acaba sendo meio
inevitável...Acho que de tanto você ler uma coisa você acaba tornando aquilo, aquela coisa,
vamos dizer assim. Se eu pegar um assunto e ele o tempo todo eu estou sempre estudando ele,
acaba se tornando muito natural. Então assim, ele já tá no automático pra mim. Mas quando
é um assunto novo, é natural que algumas partes talvez, você inicialmente, pelo menos seja
decoreba, vamos dizer assim. E aí ao longo do uso ou não daquele material você vai
naturalizando ele ou esquecer assim. Vai ser um material de prova ou vai ser um material
pra vida, dependendo do uso dele, eu acho... (E2). É interessante perceber na fala desta
estudante a tentativa de explicar a diferença entre o estudo que envolve conteúdos já sabidos e
aquele que nos coloca diante do novo. Sobre esse último ela se refere à necessidade do uso da
memória – “decoreba”. No entanto, pelo próprio tom da fala, percebemos que não se trata
Assim, podemos concluir que a memória, ou pelo menos um uso atento da memória, faz parte
extrapola a simples oposição. Por outro lado, nos parece importante refletir sobre isto que a
ROSCH, 2003) para dar conta de uma relação íntima e imediata – sem representação - que se
conhecimento implica numa fina sintonia que é estabelecida entre o sujeito e o objeto. Esta
não é rígida e imutável, mas prevê mudanças e reorientações nas ações em função do
121
instrumento musical. Não se trata aí do aprendiz repetir até automatizar seus gestos, mas de
repetem sempre da mesma forma. A corporificação, por sua vez, pressupõe na repetição o
pequenas alterações nos resultados. Assim, quando afirmamos que um assunto tornou-se
automático significa que o repetimos sempre da mesma maneira. Em outras palavras, não
conseguimos acessar as suas nuances e tampouco os problemas que podem advir do encontro
com ele. Para sermos mais precisos não poderíamos nem falar de um encontro. Trata-se antes,
nos automatismos, de uma relação dual - sujeito-objeto – em que o que está em questão é uma
e a atenção controlada coloca outras alternativas. Apenas a atenção controlada exige esforço
diversas tarefas ao mesmo tempo sem que isto implique diminuição na eficiência, a única
aparece então como uma forma de lidar com o excesso de coisas a serem realizadas.
Automatizar as ações surge como uma alternativa interessante na medida em que permite
isso a observação de Franco Berardi (2009) faz pensar. Berardi não é um teórico da atenção,
cognitivos. Num texto cujo título é Cognição e sensibilidade no hipermundo (Ibid) ele propõe
122
que em nossa atualidade os signos têm se proliferado muito além de nossa capacidade de
recepção atenta e além de nossa capacidade de decodificação consciente. Por isso ao invés de
vontade humana faz-se sentir representaria a face visível de todo esse processo. Portanto para
excesso de automatismos. Embora nos pareça que o principal problema hoje não seja
superficialidade das relações. Aí podemos incluir desde as relações sociais – assunto do qual
Sennett (2001, 2006) irá se ocupar - até as relações com o conhecimento – nossa preocupação.
automáticos e controlados, mas que de algum modo atravessa boa parte das teorias
processos automáticos, por exemplo, muitos autores como é o caso de Shiffrin e Schneider,
afirmam que eles não requerem atenção na medida em que não são conscientes e não exigem
esforço (recursos atencionais). No entanto a atenção extrapola o prestar atenção. Vimos com
Mialet (1999) e Kastrup (2004) que a distração não é ausência de atenção, fazendo parte do
campo atencional. Também vimos que percebemos o mundo mesmo para além de nosso foco
atencional. Isto para não dizer das contribuições dos teóricos que pensam a atenção como um
VERMERSCH, 2002; VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003). Desse modo é mais rico e
falaremos de diferentes regimes atencionais que por sua vez revelam diferentes políticas
cognitivas. Nos termos de Kastrup (2004), o que está em jogo é o deslocamento da atenção
atenção.
cognição inventiva 42, recorre ao trabalho de Depraz, Varela e Vermersch (2002). Conforme
considerem a époché uma via de acesso à experiência, percebem a dificuldade que os agentes
cognitivos concretos têm de colocá-lo em ação. Como realizar a suspensão da atitude natural
que ao voltar-se para o mundo realiza julgamentos? Como colocar entre parênteses nossos
que todas estas práticas e outras mais que possam ser incluídas nesta lista – como é o caso da
leitura de literatura, proposto por Cabral (2006) - dêem lugar ao devir-consciente é necessário
certa atitude cognitiva. Em outras palavras, é necessária certa aprendizagem da atenção que
descrevem a partir de três gestos. Estes se desenvolvem como num círculo que continuamente
se entrelaça e se reativa Apesar da circularidade, para fins explicativos, propomos uma ordem.
O primeiro gesto envolve a suspensão da atenção que deve ser sustentada ao longo da prática
e que implica numa ruptura em relação à atitude natural, o segundo diz respeito a uma
redireção da atenção do exterior para o interior realizada sob suspensão e, por fim o deixar vir
(letting go) ou acolhimento que pressupõe uma atenção concentrada porém sem foco 44. Em
consciente que é composto desses três gestos, através de práticas concretas” (KASTRUP,
2004, p.11). Em outras palavras, a aprendizagem da atenção está sendo pensada a partir de
uma política cognitiva da invenção capaz de fazer frente aos regimes atencionais que,
E ainda:
44
Cf. Capítulo 2, p.55.
125
Apesar de concordarmos com Kastrup no que diz respeito à necessidade deste tipo de
atenção como algo inerente à vida. Da mesma forma que a prática do devir-consciente tem
entendida como algo que se opera através de práticas cotidianas e cujos efeitos são
conseqüências dessas práticas. Assim, perguntamos que tipo de atenção as práticas de estudo
estão produzindo?
126
Capítulo 5
A análise dos relatos dos estudantes de psicologia acerca de suas práticas de estudo fez
estudantes realizam no máximo duas horas de estudo seguidos: [...] Às vezes eu consigo
estudar um dia inteiro, mas não horas seguidas. Paro um pouco. Aí vejo outra coisa que não
tem nada a ver e depois eu volto. Assim, consigo, dependendo da necessidade. Se eu sei que
eu tenho uma prova amanhã e eu tenho que estudar hoje então assim, e se eu sei que eu não
consegui estudar antes, fazer esse preparo e tal. Provavelmente eu vou conseguir...como já
mas não é uma coisa...Eu consigo as horas seguidas, mas com intervalos no meio com coisas,
vamos dizer, aleatórias. Um e-mail...um orkut...alguma coisa que quebre essa... (E2). Depois
Horas, horas não. No máximo umas três horas. Depois eu começo a ficar dispersa e as coisas
não começam a entrar mais. Então, prefiro estudar: ‘Ah, vou estudar duas horas hoje,
amanhã eu estudo mais duas horas’, do que ficar em casa um dia inteiro estudando, que eu
sei que eu não vou dar conta (E10). É certo que o limite de duas horas para o estudo vai ao
encontro daquilo que os teóricos consideram ideal (MIRA Y LOPES, 1968; ROSÁRIO,
pausas passam a ser vistas como uma produção e não como algo dado ou como um fato
127
perto.
repercutindo sobre as performances dos sujeitos. Portanto, para a psicologia da atenção - tal
como tem sido realizada – o problema da sustentação da atenção resume-se a como fazer com
que a atenção se mantenha de maneira a garantir que a tarefa a ser realizada seja cumprida
com eficiência. Trata-se antes de uma questão de performance e não de um tempo necessário
a vivência da experiência.
que embora o conceito de vigilância seja tomado na atualidade praticamente como sinônimo
de atenção sustentada, ele surgiu no início do século XX para dar conta do problema da
concebendo-o como um estado de alto grau de eficiência do sistema nervoso central (SNC)
subjacente aos processos físicos e psicológicos, passível de alteração em função das mudanças
estruturais produzidas no SNC (Ibid, p.418). Nos anos de 1940, em função de problemas
vigilância como atenção sustentada. Era preciso dar conta do funcionamento atencional dos
controladores de radar aéreo. Como sustentar a atenção por períodos de tempo prolongados
mantendo a capacidade de detecção de sinais que apareciam de maneira imprevista nas telas
do radar? (Ibid, p.419). Desde então as pesquisas psicológicas sobre a atenção sustentada têm
45
Além das tradicionais pesquisas efetuadas no campo militar, têm sido freqüentes as pesquisas que investigam
o funcionamento atencional no trânsito. Citamos como exemplo o trabalho de Inocente et.al., (2009).
128
ouvinte deve continuamente sustentar a sua atenção a fim de vigiá-la, não deixando escapar
com foco bem definido – o alvo -, capaz de prontamente detectar seu aparecimento no campo
perceptivo e desencadear uma ação adequada. Assim, concluí-se que a ação adequada
Mackowrth verificou através de testes – Clock Test, Synthetic Radar Test e Main
Listening Test - que após os trinta primeiros minutos de execução das tarefas a capacidade de
detecção de sinais se deteriora. Como conseqüência sugeriu que os controladores de radar não
prolongassem suas atividades além de uma hora sem interrupção sob pena de prejudicar a
eficiência do trabalho. O limite de duas horas proposto pelos teóricos do estudo aos
estudantes parece-nos se inserir no contexto dessas descobertas. Podemos supor então que,
para eles, o estudo é tomado como uma atividade que requer uma atenção vigilante. Em outras
radar. O estudante vigilante deve manter sua atenção concentrada, ciente daquilo que precisa
saber, sendo capaz de detectar seu aparecimento, não deixando escapar nada. Disso depende
seu êxito. Esta proposta se afasta radicalmente do estudo como experiência. Do ponto de vista
da experiência o importante não é detectar o alvo, mas sustentar a atenção a fim de deixar-se
afetar pelo texto ou por qualquer outro material de estudo. Não se trata de controle ou de foco,
mas de concentração e abertura. Lecerf (2006, p.61) explica como seria uma leitura que
adotasse a atenção vigilante: “Para pegar o exemplo da leitura, ser vigilante significaria
reencontrar tudo o que sabemos que devemos encontrar. Isso implicaria tomar o livro como
objeto cuja escritura já está acabada e cujo campo de interpretação já está balizado”. A
da diferença inesperada e, portanto da experiência. Vale argumentar que do ponto de vista dos
extremamente focada e concentrada pode ser mais interessante que a aberta. Porém, este não
nos parece ser o caso do estudante para quem a abertura atencional pode garantir a
W.James que encontramos um rico material para analisar as falas dos estudantes
contemporâneos. Sobretudo porque estamos interessados não apenas no estudo como tarefa,
fundamental.
involuntária e, uma atenção ativa ou voluntária. Através dela, aborda diferentes problemas,
pela via do esforço ou pela via do interesse. Através do esforço, a atenção voluntária
consegue, ao menos por algum tempo, manter a atenção em um assunto e/ou lugar. No
entanto, o esforço esgota-se com facilidade, além de causar fadiga. Nos termos da psicologia
do século XX, o esforço implica em gasto de energia através da perda de recursos atencionais,
fazendo aparecer a sensação de exaustão (MIALET, 1999; CAMUS, 1996). Citamos James
1899/1924, p.117). Desse modo, apesar de ser possível sustentar a atenção através do esforço,
da fornecida pelos trabalhos sobre vigilância. Lá a idéia para manter a atenção funcionando de
interesse é possível sustentar a atenção sem lançar mão do esforço. Cita o exemplo do gênio.
O gênio é aquele que fica horas entretido no mesmo assunto, refletindo sobre suas questões,
sem demonstrar qualquer sinal de cansaço e também sem desviar a atenção. Como explicar
da atenção passiva e não da voluntária. Por isso não requer esforço e dura mais tempo.
Explica:
A atenção sustentada do gênio que se mantém fixa em um objeto por horas e horas,
é, na maior parte, de natureza passiva. A mente genial abunda em associações
numerosas e originais. O tema mental uma vez em ação desenvolve todo o tipo de
conseqüências fascinantes e a atenção vai de uma a outra segundo a via mais
interessante sem que tenha que se desencaminhar (James, 1899/1924, p.117).
tecer algumas considerações a respeito da hipótese jamesiana. A rede formada pela cognição
densidade e consistência. Não se trata apenas de profundidade, mas de um estudo que se faz
como na navegação pela Internet. Neste caso teríamos uma abrangência maior de temas,
teríamos, no segundo caso, uma atenção que se mantém fixa e saltitante. A atenção se mantém
na medida em que os assuntos vão variando, mas não se sustenta no sentido de conseguir dar
conta da variação num mesmo assunto. Ela não dura, mas é capturada. Assim nos parece que
embora James refira-se a atenção sustentada do gênio como uma atenção sem esforço, se
concebemos o esforço não como dificuldade, mas como sinônimo de concentração – tal como
131
faz a psicologia cognitiva (CAMUS, 1996) –, então teríamos que admitir a existência também
de um certo esforço na atenção do gênio. O que queremos dizer é que, apesar de não ser
difícil para o gênio sustentar a sua atenção, esta sustentação implica concentração. O próprio
James nos informa sobre isso ao afirmar que a dificuldade do gênio reside em sua
Embora a rede seja importante, a questão que precisa ser colocada é como a rede é tecida.
Esta será uma idéia importante. Voltaremos a ela no ponto seguinte ao discutirmos a questão
Isto nos ajudará a pensar numa outra dimensão da temporalidade atencional que é a do ritmo.
presença de um ritmo específico. Este permite que num tempo justo – nem excessivamente
rápido, tampouco lento demais – ocorra uma ação, que sejam sentidos seus desdobramentos e
que depois se volte a agir, transformado pelos efeitos daquilo que foi experienciado. Sem este
fato, uma visão geral do maravilhoso fluxo de nossa consciência, o que nos espanta, em
primeiro lugar, é essa diferente rapidez de suas partes. Como a vida de um pássaro, ele parece
não exclui as paradas. Observando os pássaros percebemos que seus vôos são entrecortados
pelos pousos. Porém, menos do que interrupção, os pousos são intervalos intimamente
132
conectados ao vôo. Kastrup (2007, p.16) ao analisar essa mesma metáfora comenta que o
pouso não deve ser entendido como uma parada do movimento, mas como uma parada no
das articulações entre vôos e pousos. Inspirados por essas idéias, afirmamos que a sustentação
da atenção não é uniforme, mas revela um ritmo que alterna tensão e distensão, fechamento e
abertura. Dessa forma a diferença entre a atenção sustentada do gênio e a atenção fixa e
saltitante não é apenas a geografia da rede – transversal ou horizontal – que num caso
A rede do gênio segue o fluxo do pensamento, sendo tecida num ritmo que apesar de poder
assumir diferentes velocidades, coordena vôos e pousos, tensão e distensão. As paradas são
momentos de abertura. Já a rede da atenção fixa e saltitante é tecida por sobressaltos, não tem
ritmo, mas instantes. Neste caso, as paradas antes de abrirem a cognição, representam
deslocamentos de foco.
A fim de melhor entendermos essa questão do ritmo, trazemos Simone Weil, uma
filósofa e operária que, no início do século XX, também trabalhou a questão da atenção. Weil
ao falar dos movimentos dos operários nas fábricas fordistas-tayloristas refere-se à diferença
entre o ritmo e a cadência. Explica que o primeiro supõe um intervalo que ao mesmo tempo
experiência:
É natural para o homem e conveniente para ele deter-se quando fez algo, nem que
seja pelo espaço de um relâmpago, para tomar consciência, como Deus no Gênese;
133
que por mais sustentada que a atenção se mostre, ela não exclui as paradas. Assim como o
pássaro necessita do pouso para descansar e se reorientar em relação ao vôo, nossa cognição
precisa das pausas. Não se trata da parada defendida pelos estudos sobre vigilância. O que
está em jogo não é uma interrupção em função de um esgotamento atencional que visa
ritmo, tornando possível a experiência e, o que nos interessa aqui, o estudo como experiência.
Isto é, um estudo que não seja pautado pela ênfase na tarefa, na solução de problemas dados e
argumentação ao defender que o intervalo que confere ritmo não implica simplesmente num
não fazer, mas principalmente num ativo padecer. Não se trata simplesmente de parar, mas de
estabelecer outra relação com o mundo e consigo capaz de deixar-se afetar pelo trabalho feito.
Nos termos da autora, tomar consciência. Portanto a pausa que confere ritmo não se opõe à
sustentação da atenção. Pelo contrário, graças a ela a atenção não apenas se mantém, mas é
capaz de acolher a experiência. Depraz, Varela e Vermersch (2002) referem-se a uma atenção
da psicologia jamesiana, a sustentação atencional pressupõe pausas. A questão então que nos
134
parece importante analisar é a qualidade dessas pausas. O que os estudantes fazem ao parar?
Será que as pausas interrompem o estudo ou será que conferem ritmo? A partir daí poderemos
Conforme os relatos apontam, após duas horas de estudo seguidas, uma pausa é
necessária. Esta é preenchida de diferentes maneiras. Desde atividades que parecem contribuir
para a distensão e abertura da atenção, introduzindo ritmo ao estudo, como por exemplo, o
levantar-se para olhar a paisagem, comer e até tirar um cochilo, até atividades que solicitam
ainda mais atenção e em especial o foco da atenção como é o caso de interromper o estudo e ir
checar os e-mails e ver o Orkut. Citamos as falas dos estudantes. E12 refere-se a sua parada
no estudo como uma pausa para ver a paisagem: Eu tenho que parar um pouquinho e ir do
lado de fora. Porque geralmente eu estudo no meu quarto, então ele é todo fechado. Eu vou,
abro a porta, vou pro quintal, olho pras árvores e depois volto. [...] (E12). E1 prefere comer:
É na hora que eu não agüentava mais ler o texto. Aí você fala: “Não, agora eu vou comer”.
Aí você pára, esfria um pouco a cabeça e depois você volta. Você consegue terminar a leitura
mais tranqüilamente e absorver melhor o que tá sendo apresentado sem ser...né? Aquela
leitura rápida (E1). E9, porém, assim como a maioria dos estudantes – vale observar a fala de
E2 apresentada no início deste capítulo -, preenche a pausa com atividades que tensionam
ainda mais a atenção, demandando foco: [...]‘Enchi o saco, vou dar um intervalo, vou dar um
recreio pra mim’. Eu chamo de meu recreio. Aí eu vou assistir TV, aí eu volto depois pra
estudar. Aí eu me dou outro recreio pra, por exemplo, abrir o Orkut e abrir o e-mail. Aí abro,
acabou o recreio eu volto. [...] (E9). Aí, a pausa menos do que instaurar um ritmo,
interrompe. Assim, com exceção do “olhar a paisagem” e, talvez do “comer” que parecem
instaurar um funcionamento atencional aberto e sem foco, capaz de acolher os efeitos daquilo
que foi realizado até então, as outras pausas são preenchidas por atividades que implicam
focada. No primeiro caso podemos falar da existência de um ritmo que se alterna entre a
invés de ritmo. A atenção não distensiona, não se abre, não permite circular o fluxo do
pensamento. Neste sentido, no segundo caso - que é justamente a orientação da maioria dos
parecem sentir a insuficiência deste tipo de funcionamento atencional marcado pela ação e
pela velocidade acelerada, o que os leva a recorrer a estratégias que visam atenuar os efeitos
dessa ausência de ritmo. E14, por exemplo, tem dificuldade em conseguir produzir um ritmo
no estudo em função do excesso de velocidade. A solução encontrada foi então repetir até
conseguir entender. Citamos: [...] Quando eu pego um artigo... depende do tamanho, mas um
artigo médio – dez páginas, quinze páginas. Já que eu tenho esse tempo, eu pego, leio, marco,
depois leio de novo. Se tiver uma coisa que eu não marquei, eu marco novamente. Porque é
questão pra percepção, parece que a primeira vez que você lê, parece que você tá muito fora,
tá muito disperso ainda. Mas, pelo menos comigo é assim, quando eu leio já na segunda vez,
na terceira vez eu consigo...parece que as coisas funcionam melhor pra mim. Parece que o
pensamento começa... igual engrenagem, vai começando...entendeu? Então eu sei que tem
que ler duas no mínimo aí vai.[...] Livro não. Livro, por exemplo, só quando a professora, o
professor diz: ‘Oh, capítulo tal’. Aí sim. Mas o livro inteiro é raro na maioria das vezes. Mas
o livro inteiro, mas o livro eu já faço diferente pra ler, eu já leio devagar. [...]Por exemplo,
eu leio, vou tentando meditar naquilo que foi escrito ali pra pegar realmente, pra ter o
entendimento daquilo, pra não passar. É claro, pô, tem dia que eu leio direto e quando você
vai ver o que o livro fala: ‘Ih, caraca!’. Entendeu? [...] Aí tu improvisa (risos). Sempre surge
análise foi o reconhecimento de uma diferença entre estudar e fazer trabalhos. Os próprios
trazem à cena a diferença: Horas seguidas talvez não, porque eu acho que eu não...eu não...
Quer dizer, quando eu estudava no Ensino Médio assim, eu costumava ficar muito tempo,
assim horas seguidas e tal, resolvendo exercícios: de matemática, de física, etc., né? Mas,
mais agora na faculdade , mais com textos, eu não fico assim muitas horas seguidas. [...] É,
mais ou menos isso. Eu estudo um pouco, vou fazer alguma outra coisa, às vezes tenho que
estudar outra coisa também, né? Isso acontece. É basicamente assim: eu estudo, vou fazer
alguma coisa... (E7). E ainda: Consigo ficar no máximo uma hora, uma hora e meia. Pra
fazer trabalho até consigo mais, às vezes eu consigo ficar três horas, quatro horas [...](E9).
atenção. É mais fácil ficar mais tempo fazendo trabalhos que estudando. Em relação a isso é
preciso notar a presença de um certo movimento na realização de trabalhos que está ausente
no estudo. A própria expressão fazer trabalhos e/ou exercícios enfatiza a questão da ação
motora. No caso do estudo, o que se destaca não é o movimento, mas uma relação consigo
que implica justamente numa paralisação física. Enquanto no fazer exercícios e trabalhos o
como experiência - é preciso sustentar a atenção, fazendo durá-la sem preenchê-la. Ao invés
contemporaneidade. Vimos o quanto a análise das pausas e paradas é importante. Elas têm
funcionado menos como distensão e abertura para que o pensamento flua e mais como
137
interrupções para fazer coisas que exigem ainda mais uma atenção focada. Ao invés de uma
atenção sustentada e com ritmo, os estudantes funcionam cada vez mais por sobressaltos.
Aliás, o apelo da ação parece explicar o porquê dos estudantes afirmarem sentir mais
facilidade na realização de trabalhos que no estudo em si. Percebemos, assim, que as práticas
de estudo tal como tem sido realizadas dificultam o estudo como experiência. Vamos agora
investigar mais de perto o funcionamento atencional em jogo nestas duas horas de estudo nas
práticas de estudo. Aí, a questão do acoplamento da cognição com as NTIC aparecerá com
destaque.
Guattari em um texto publicado pela primeira vez em 1988 já apontava para a necessidade de,
narratividade pode, daqui para frente, ter a pretensão de escapar à influência invasiva da
‘assistência por computador’, dos bancos de dados, da telemática etc...” (GUATTARI, 1993,
p.177).
estudo:
138
E4: Foi por causa do P 46, que o P... fiz a pergunta pra ele. A pergunta era: qual era a
e o mapeamento cerebral funcional específico, que é o do Brocat. Ele falou: “Essa resposta é
complexa. Eu já tô descendo, aula que vem a gente fala disso”. Eu falei: “tá bom”. Só que aí
B: Aí você chegou em casa, você foi direto procurar o livro pra ler?
E4: Não. Eu cheguei em casa, eu..., é...acho que eu liguei o computador, é...tomei banho...
E4: É, pra ficar descansado, pra não chegar da rua e ir direto ler.
E4: Não. Eu tentei ligar o computador, o computador não engrenava, porque aquele
computador tá uma carroça. Aí eu tomei banho, dando um tempo, voltei e o computador ligou
E4: Sim.
E4: É, eu queria deixar ligado pra... é... não...é..só força do hábito, eu ligo pra se entrasse
alguém e tal.
E4: Tava, mas tava no offline, sem falar com ninguém sabe? Tava aparecendo pras outras
pessoas que eu tava offline, só que eu tava lá na janelinha pra quando entrasse alguém que
46
Para preservar o sigilo substituímos o nome do professor pela letra P.
139
B: Entendi. Aí você pegou o livro do Luria [...] Aí o que é que você fez?
B: Quando você chegou na página do capítulo que você queria ler, como é que você fez?
E4: Eu olhei e tal, aí... comecei. Li alguns parágrafos e tal. Eventualmente eu olhava pra tela
mas clicava num link ou outro que tava na janela, sabe? Tinha algumas...era...É, eu ficava
B: Mas assim que você chegou no capítulo, você deu uma folheada no capítulo antes? Você
E4: Eu vi o tamanho. Porque é... É, eu vi o tamanho do que é que eu tava prestes a ler.
[...]
B: Aí você começou a ler, aí foi lendo, lendo, lendo e de vez em quando parava...
E4: É, não parar exatamente. Tava com o livro aqui. Aí às vezes olhava pra tela do
B: E aí você parava...
E4: É, só teve uma hora que eu me lembro que eu marquei o livro, mexi em alguma coisa no
E4: Eu lembro que eu tava pesquisando...era o Orkut e tinha também a Wikipédia aberta em
47
Destacamos que na maioria das entrevistas quando os estudantes se referem à música trata-se da música
escutada através do computador.
140
E4: Não, não tinha nada a ver com o assunto. Mas eu me lembro que era alguma coisa
teórica também, só que nada a ver com o assunto. [...] Ah é! E outra coisa, tinha o Wikipédia,
o Orkut, tinha uma página do Google aberta que eu boto “define” e as palavras em inglês
quando eu não sei exatamente o que ele tá falando, que aí ele dá a definição.
[...]
Sobre a atenção durante o processo E4 argumenta: Vai parecer engraçado, mas tipo, eu
dispersava porque eu pensava em outra coisa, mas era raro nessas minhas saídas do texto,
era raro eu perder o que eu tava pensando, sabe? Normalmente... [...] É. Tipo de olhar pra
cima e voltar, é raro, mas às vezes eu tava lendo um tempo e começava a dispersar, sabe?
[...] Eu sentia indo e puxava de novo, voltava pro início do parágrafo, tipo “opa! Peraí, eu já
tô aqui, eu não lembro do que tinha nessas frases antes”, aí começava tudo de novo, sabe?
normalmente a atenção fica no texto e aí, eu olho assim, vejo se tem alguma coisa na tela e
volto à atenção pro texto. É, mas eu tomo cuidado pra não ter coisa demais na tela, sabe?
Pra não ficar “PA PA PA”, se não eu não consigo estudar e quando eu não consigo estudar,
habitual era chegar em casa e ligar a luz. Em outra época falava-se de chegar em casa e
imediatamente ligar a TV, deixando-a falar sozinha. Hoje, além da luz e da TV, ou talvez até,
ao invés da luz e da TV, liga-se o computador. Este hábito, é preciso dizer, não é uma
particularidade de E4, mas comparece em outras entrevistas. Num texto em que analisam
como os jovens de hoje fundem os domínios do real e do virtual por meio de recursos
Internet, através de computadores que muitas vezes não são desligados por dias a fio, estes
jovens transitam para ‘dentro da tela’ como quem se move por mais um cômodo da casa”
(Ibid, p.58 – grifo nosso). Na nossa pesquisa, percebemos que não é raro o computador estar
ligado numa situação de estudo sem que necessariamente esteja sendo usado para esse fim.
E13 comenta a respeito de sua prática de estudo: Eu tenho esse vício também de ter o
computador ligado para poder estudar (E13). Na fala deste estudante não se trata apenas de
um hábito, mas de um vício. A seqüência de seu relato indica que a palavra vício não é força
bem no computador. Tinha que tá ligado, sempre na internet, sempre em contato. Porque eu
me sentia vivo com isso, eu me sentia ligado ao mundo com isso. [...](E13). Chama a atenção,
a idéia de que hoje o estar ligado, em contato com o mundo através da Internet é muito mais
do que apenas diversão, trabalho ou estudo é uma questão existencial, aquilo que nos faz
sentir vivos. Isto nos remete à discussão dos teóricos da economia da atenção que vimos no
terceiro capítulo. Conforme mostramos, nesta nova economia, todos, não apenas querem, mas
precisam de atenção para viver. Chamar atenção para si passa a ser tão importante quanto
saber como e onde investir a atenção. A Internet aparece assim como um dispositivo
privilegiado na medida em que permite através das conexões atentar e ao mesmo tempo
chamar atenção.
Num artigo publicado em 2006 na revista Time (WALLIS, 2006), a psicóloga Patricia
Wallace, diretora do Johns Hopkins Center of Talent Youth program reflete sobre o fascínio
que o e-mail - poderíamos pensar também no Orkut e similares - exerce sobre jovens e
adultos. Para ela seria algo parecido com a máquina de moedas. Explica usando termos
behavioristas: Você tem um reforço intermitente variável, ou seja, você nunca sabe quando
receberá a recompensa, se a cada vez que entrar ou, de quanto em quanto tempo, então você
142
continua acessando. Citamos a fala de E5 a esse respeito: [...] Liguei o computador, não
adianta, eu tenho que ir no Orkut. Então eu vou primeiro no Orkut. Porque [se não] eu vou
ficar estudando e vou pensar no Orkut. Aí eu vou primeiro no Orkut, respondo o que eu tenho
que responder, aí acabou, morreu. Aí fico só estudando. [...] Porque se não vou falar: “será
que fulano me mandou recado?”. Porque às vezes eu...por exemplo... porque como eu sempre
vou estudar e depois eu vou sair pra alguma coisa, aí se dependia do Orkut, por exemplo, aí
qualquer coisa que vá me dispersar pra eu não: “E5, vai estudar nesse seu tempo mesmo que
questão dele estar ou não sendo usado para estudar é mais complicada do que suspeitávamos.
E2, por exemplo, narra um episódio em que estava estudando para uma prova de fisiologia
enquanto seu computador estava ligado. De repente seu amigo da turma a avisou através do
MSN que outro garoto havia postado na comunidade do Orkut uns slides que ele pegou na
Internet justo sobre o mecanismo que era o tema da prova. Neste momento, o computador e a
comunicação virtual deixaram de ser apenas diversão e/ou distração para entrar no circuito
daquilo que estava sendo estudado. Citamos parte: Pode ser que sim e pode ser que não. Por
exemplo, nesse dia que eu descobri esse vídeo no orkut, eu tava com o orkut aberto, era...não
me lembro se era véspera da prova... Não faltava acho que tipo dois dias para prova assim.
Aí o menino me mandou o link. Então por acaso eu tava com o orkut aberto e naquele mesmo
momento eu já utilizei para uma coisa que aparentemente eu não ia usar.[...] Serviu para eu
adicionar no resumo que eu tava fazendo. (E2). Destacamos que esta prática aponta para um
143
modo de estudar que tem se tornado comum. Trata-se do estudo em circulação. No terceiro
Internet com o estudo. Para alguns o ambiente virtual é excessivamente estimulador o que
dificulta e, algumas vezes impede a concentração. Numa fala em que E11 comenta a diferença
entre a leitura na tela e do texto impresso, citada no primeiro capítulo, ela se refere à Internet
da seguinte forma: Internet é, pra mim, lugar de pesquisa assim, claro, mas também lugar de
diversão, de lazer, tem Orkut. E conclui: Fica uma coisa meio passando mal. Esse “passando
mal” parece estar vinculado ao excesso de coisas que vão surgindo incessantemente na tela e
capturando a atenção. Como se fosse impossível parar e respirar. Neste contexto somos
forçados a pensar mais uma vez que menos do que ritmo, o que está cada vez mais em jogo
nas práticas de estudo são velozes sobressaltos. Ao invés da atenção funcionar tensionando e
foco em foco dando a sensação de sufocamento ou, nas palavras da estudante de se estar
“passando mal”. E14 tenta explicar como acontece: Porque se ele tá ali... Não, é porque... às
vezes você foge, né? (risos) A internet é uma peste. Mas às vezes você foge. Mas normalmente
momento anterior à prova, eu procuro me concentrar o máximo ali. [...] Claro. É ela que
desvia, não tem como não desviar. Às vezes não é nem isso. Às vezes você abre uma outra
página lá do Word pra escrever alguma coisa. Entendeu? Mas a internet atrapalha sim.
Atrapalha sim, sem dúvida atrapalha. (E14). Por isso alguns alunos que também trabalham e
autocontrole, o que nos remete ao problema do biopoder: Uso. Quando eu tenho que fazer
pesquisa, só. Mas não chego em casa, tenho que ler textos e textos, mas aí eu vou ligar o
48
Cf.capítulo 3, p.77.
144
computador. Eu sento e leio, não ligo o computador. Porque se não eu vou ficar no
computador e não vou ler. Vou ficar ligada em outras coisas no computador e: ‘Ah, depois eu
leio isso aqui’. Então, eu prefiro sentar, se eu tiver que digitar alguma coisa, primeiro eu
leio, faço meu resumo, aí depois eu pego e digito o que eu tenho que fazer. (E10).
Ao final da entrevista E4 comenta que ele, em seu estudo, se dispersava mais com seu
próprio pensamento, do que com as idas e vindas para o computador. O interessante é que
através de sua fala notamos que o próprio estudante acha isso surpreendente. Ele usa a
expressão: “Vai parecer engraçado” para introduzir seu comentário. Isto nos faz pensar sobre
o tipo de atenção que as novas tecnologias mobilizam. Parece tratar-se de uma captura que
prende a atenção e a faz saltar entre focos distintos, impedindo que ela desvie.
atenção sustentada. No entanto, ao analisar o modo como essas redes estão sendo constituídas,
vamos percebendo que se tratam de redes horizontais que articulam, num tempo acelerado,
sentido de ficar procurando coisa, mas clicava num link ou outro que tava na janela, sabe?
Tinha algumas...era...É, eu ficava meio que surfando, tipo, olhava o Orkut, clicava e
continuava lendo. Mais adiante E4 comenta sobre aquilo que estava sendo acessado junto
com a leitura do texto de Luria: Não, não tinha nada a ver com o assunto. Mas eu me lembro
que era alguma coisa teórica também, só que nada a ver com o assunto. [...] Ah é! E outra
coisa, tinha o Wikipédia, o Orkut, tinha uma página do Google aberta que eu boto “define” e
as palavras em inglês quando eu não sei exatamente o que ele tá falando, que aí ele dá a
145
abrangência. Menos do que uma atenção sustentada, o que parece se manifestar neste
funcionamento cognitivo é uma atenção que se mantém fixa - pelo próprio apelo dos
estímulos - e saltitante. Compreende-se então o porquê é mais fácil dispersar com o próprio
necessariamente paradas em seu estudo, sugerindo um modo de estudar também saltitante. Tal
observação nos faz pensar no problema da atenção dividida. Menos do que uma exceção a
Importa chamar a atenção, aqui, para o fato de que tanto a mídia atual quanto os
especialistas vêm apontando a particular aptidão dos jovens de classe média dos
grandes centros urbanos em fazer uso simultâneo de dispositivos eletrônicos, tais
como telefone celular, computador, som e TV. O uso simultâneo desses recursos
também se estende à realização de tarefas e obrigações que exigem concentração,
como estudar (ALMEIDA e EUGÊNIO, 2006, p.54).
entrevistas faz ver que para além da diminuição da concentração e da sustentação atencional,
está surgindo uma nova relação entre atenção e estudo. Trata-se da aceitação de uma atenção
suficiente. Isto é, uma atenção que não é plena, mas que também não está ausente. Citamos
E4: [...] Eu acho que eu estudo melhor quando eu tô...é...prestando não atenção demais, nem
de menos no estudo. Quer dizer, quando tem...se tiver só um silêncio absoluto e eu com o
livro, eu não vou conseguir ficar focado muito tempo. [...] Ao mesmo tempo, se tiver muito
barulho e tal, distração, eu também não vou conseguir ficar focado. Então eu acho que teria
que ter moderadamente com algum, sabe? Outras coisas e tal, outros estímulos. Sabe? Pra
146
poder dar uma, sabe? É. Normalmente não coisa de mais nem coisa de menos me
estimulando assim. (E4). Ainda sobre isso E3 comenta: [...] É raríssimo eu me concentrar
cem por cento. E raríssimo também eu não me concentrar em nada. É sempre uma
concentração ali: entre o nada e o cem por cento. E sempre acontece. Quando tá no nada aí
eu vou: “Pera, parou, vamos lá”, volto pro texto. Quando tá no cem por cento, aí é
fantástico, algo tá acontecendo, aí você pode ter certeza que algo tá acontecendo de
fantástico na minha vida. E fora isso, é o normal. Não me incomodo porque é o normal. É o
dos teóricos da atenção de que menos do que realizar várias coisas ao mesmo tempo, sua
atenção oscila rapidamente entre uma coisa e outra: Eu tô ali pra estudar, até porque eu não
gosto muito de ver televisão, não vejo mesmo, nunca ligo televisão, não tenho muito hábito –
não tenho hábito nenhum. Mas quando eu tô lendo... Ah, me chama a atenção também o que
tá acontecendo: é o comercial da Globo, o Jornal Nacional. Aí eu não acho que...eu nem sei
se é possível que minha atenção se divida ao mesmo tempo nas duas coisas. Oscila, assim, eu
mas é...aí eu tenho que voltar pro texto, sabe? Aí eu volto. Aí é aquela coisa que eu leio três
vezes a mesma frase. Eu falo: ‘Meu deus, eu to há dois minutos na mesma frase’, pra ver que
A fala de E13 caminha no mesmo sentido, porém ao invés de se referir à oscilação que
nos remeteria mais às teorias do filtro, ele se refere a uma distribuição dos recursos
atencionais: Depende. Se eu tiver querendo só colocar uma idéia no papel, alguma coisa que
eu acho que não exige tanto de toda a minha atenção, eu até faço com Orkut, música, MSN.
Faço, paro... Meio que divido em várias partes a minha atenção e vou fazendo várias coisas
ao mesmo tempo. Mas isso quando é alguma coisa que na minha consciência eu vou
147
conseguir o meu objetivo mesmo com aqueles fatores que com certeza não ajudam. Mas
quando eu realmente vejo que precisa de toda a minha atenção, eu.., no máximo música,
E4 nos mostra uma relação com o conhecimento que não se contenta com as respostas
dadas - no caso específico com as respostas não dadas – sendo a pesquisa algo necessário. O
aluno perguntou ao professor e este não pode ou não quis responder na hora. Aqui seria
esse não seja o foco de nossa tese, convém não perder de vista este importante aspecto. No
caso de E4, ao invés de se conformar com a limitação imposta pelo professor, ele foi procurar
saber a resposta para o seu problema. Esta nos parece uma atitude a ser valorizada. Tinha o
livro, o que facilitou a sua busca. Mas muitas vezes a pesquisa é realizada no computador
através das ferramentas de busca da Internet. Sobre isso é interessante o que E11 diz: Ah, eu
boto no Google. E aí vem o Wikipédia, vem o site de pessoas que falam sobre isso também ou
que escreveram. Aí eu até fico sabendo de gente que tá estudando esses temas que eu me
interesso mas que ainda não, que aqui na PUC não tem, não escuto falar. Por aí eu vou mas
sem essa... sem esse enquadramento assim da...sem nenhum método, sem nada, só porque eu
quero. E eu faço isso quando eu tenho tempo, quando eu quero e sem essa pressão também de
ter que... Pressão não, mas, assim, essa exigência de eu ter que tá apresentando pra alguém.
[...](E11).
E11, diferente de E4, sente que muitas vezes aquilo que a sua faculdade oferece é
insuficiente, porém através da Internet e do tipo de acesso à informação que este dispositivo
permite, consegue se aventurar por outros assuntos. Entretanto não se trata de nada muito
148
talvez até uma necessidade de saber mais. Como tudo o que se deseja está à distância de um
clique, então, clica-se. Isto não significa que este clique terá maiores desdobramentos.
Vejamos a fala de E5: Ah! É. Às vezes eu escuto uns nomes assim que eu não sei. Todo mundo
fala muito do Kant, “aí gente, quem é Kant? Pelo amor de deus”, (risos) aí chego na
Internet...aí chego em casa vou na Internet pesquisar. Ou às vezes a professora fala uma
palavra que eu não sei assim, aí eu anoto pra poder pesquisar. Isso eu faço. Aí antes eu
ficava meio desesperada que todo mundo sabia todas as linhas da psicologia e eu não sabia
nada. Qual a diferença de uma e outra pra não sei o quê? Eu falei: “o que é isso?”. Aí eu
comecei a pesquisar assim. Mas mais por interesse de eu não...sabe? De você poder
conversar e saber conversar, não ficar igual a uma idiota, sabe? Sem ter o que falar. Isso eu
faço (E5). Neste caso a curiosidade pelo saber é importante apenas para conectá-la às outras
pessoas, para fazer circular – poder conversar. A idéia aí é, talvez, parecer que sabe, mais até
do que saber – “não ficar igual a uma idiota”. Veremos no próximo capítulo como estas
As novas tecnologias parecem ter uma importante função na produção deste tipo de
política cognitiva orientada pela curiosidade e pelo desejo de saber. Ao permitirem um acesso
enciclopédia virtual de escrita coletiva -, ferramenta bastante utilizada pelos alunos, elas
Sobre a relação com o conhecimento: [...] Eu vou usar no trabalho só o que é científico, mas
eu vou ler diversas coisas, entendeu? Eu vou ler Wikipédia, eu vou ler às vezes um negócio
que saiu, não sei nem direito onde é que é, mas eu vou ler aquilo. Vou tentar comparar aquilo
com outras coisas. Aquilo pode me ajudar a escrever de forma mais simples. Eu leio aquilo
também. Livro, eu uso livro. Minha mãe, ela fez curso de psicologia, então ela tem muito
149
livro. Então eu posso pedir ajuda a ela com material bibliográfico. Tenho livro em casa,
compro livros quando o professor indica e eu acho que devo comprar, porque comprar tudo
que o professor indica é inviável. Mas compro livros também, então leio também negócio na
implicação para a cognição. A política cognitiva orientada pela curiosidade e pelo desejo de
saber possui diferentes desdobramentos. Por um lado suscita a curiosidade e o desejo de saber
e, por outro, como tudo está ali não é preciso ir muito além ou tentar entender algo mais
profundamente, pensar a respeito, deter-se por mais tempo naquilo, afinal quando quiser saber
novamente, basta clicar: Eu acabo... “ah, tá achei isso interessante”, aí guardo. Aí guardo
nos favoritos, aí guarda...De alguma maneira arquiva aquilo para em algum momento, ah,
tipo, tá, vou ler...enfim...Não tenho tido nem...às vezes recebo e-mail mesmo
interessante...não tenho tido tempo de...dar conta disso tudo. Mas eu dou alguma, dou um
jeito de arquivar aquilo ali pra num momento posterior tentar pelo menos...ver aquilo de
novo (E2).
Tendemos a concluir então que o não aprofundamento nos assuntos do qual tantos
professores se queixam tem menos a ver com a tradicional oposição entre um estudo que
envolve a compreensão e outro que envolve memorização e mais com a consciência de que o
talvez, através do espanto dos alunos diante da pergunta sobre como eles realizam a seleção
das coisas que precisam ser estudadas. Como assim? - eles respondem. Somos levados a
entender que isto não é questão para eles. Estudam, na melhor das hipóteses, tudo aquilo que
o professor dá, e que, conseqüentemente, está nas pastas das “xerox” ou nas apostilas 49.
49
Existe uma diferença institucional na forma como os professores disponibilizam o material para os alunos. Em
função da lei dos direitos autorais os locais que fazem fotocópia na UVA não copiam sequer capítulos de livros.
Neste caso os professores recomendam que os alunos comprem os livros e disponibilizam apostilas. Já na PUC,
UFRJ e UERJ a “xérox” já virou parte da instituição. Todo o material que o professor trabalha e exige para
150
Percebam como esta postura se revela nas falas destas duas estudantes a respeito de como
lêem os textos recomendados: Mais ou menos linkando o texto com a aula. Basicamente isso.
Alguma coisa não tinha ficado muito clara aí eu lembrava da aula...algo nesse sentido.
Ou...poxa isso reflete exatamente ou muito bem o que foi dado em sala, o conceito que foi
explicado. Então, eu destaco. Mas é mais ou menos isso. Não chego a fazer muitas dúvidas ou
a questionar...nada nesse sentido. Eu vou lendo o que foi apresentado (E1). Nesta fala
comparece a diferença abordada por Larrosa e que veremos no próximo capítulo entre
informação e conhecimento. A aluna ao tomar o material de estudo sem fazer muitas dúvidas
ou questionar parece apontar para uma relação com o conhecimento que aponta para o
aulas pra estudar, então eu acho que o que o professor fala, como a matéria é muito ampla, o
que ele fala é relevante. Então, é com base na fala dele que eu me baseio pra...[...] Eu leio,
mas é uma leitura meio dinâmica ou se o texto for muito grande e o professor não tiver dado
enfoque naquilo, eu deixo passar. Estudo o que ele disse e depois, mais pra frente, se tiver um
conhecimento. Reler um texto, por exemplo, é raro. Melhor do que reler é ler outra coisa: É
uma leitura, exato. Porque é aquela leitura em casa e você já trabalhou aquele texto em sala.
Não é necessário para mim voltar ao texto porque eu já apreendi a idéia dele. Então...seria
perda de tempo, digamos assim (E1). Ou ainda: Não. Não é muito comum não. A não ser em
casos específicos, quando eu quero consultar alguma coisa, ou então quando eu tô estudando
pra prova. Se eu li o texto eu vou reler pra fixar alguma coisa. Mas, via de regra, não, porque
geralmente, via de regra, eu penso: ‘eu não vou ler algo que eu já li, eu vou ler uma outra
coisa’ (E7).
avaliação – no caso da PUC – ou quase todo – no caso da UFRJ e UERJ – está disponibilizado na forma de
xeróx.
151
tomadas praticamente como sinônimos de desnecessárias. Embora esta não seja uma
nosso ver para singularidades dos tempos atuais. Sobretudo no que diz respeito ao tempo. A
impactos das novas tecnologias na subjetividade nos parece intuir o movimento atual. Ela
afirma: “Pois mesmo uma vida já é pouco quando tudo pode ser conhecido” (NICOLACI-
complementar. Eles anotam aquilo que é recomendado esperando algum dia poder dar conta
de tudo. No entanto conforme eles mesmos comentam as listas vão se acumulando sem
nenhuma perspectiva de converterem-se em estudo: Mas eu sempre anoto quando eles falam
filmes ou textos ou livros. Eu sempre anoto na minha agenda. Mas até agora eu não comprei
nenhum. Mas tá anotado porque eu tenho interesse, mas a vida é tão corrida que eu não fico
assim: ‘Eu preciso comprar o livro que ela falou que é muito bom. Eu preciso ir atrás desse
texto’. Até porque ela não apresenta como se a gente precisasse. Entende? Não é necessário
para a prova (E11). E mais: [...] Eu sempre faço um papelzinho lá, onde eu coloco os outros
livros que eu gostaria de ler, as outras coisas que seriam legais, mas eles vão se acumulando
ano após ano e eu não chego nunca a pegar eles. (E3). Sobre isto nos parece importante
valorizar esta disposição que a nosso ver pode ser investida e trabalhada no sentido de
promover efeitos potentes. A dificuldade dos estudantes está em saber como dar conta de
tudo. Talvez o desafio seja operar sobre esta questão tentando problematizar o que significa
Porém, alguns não conseguem dar conta nem do mínimo necessário: É angustiante,
né? [...] Mas quando eu vejo que o tempo não tá dando e tudo. Por exemplo, pra estudar pra
152
uma prova, quando eu vejo que eu não vou conseguir ler tudo que eu tenho que ler, eu tento
então vou selecionando partes, coisas que eu vejo que tão mais relacionadas com o que foi
falado em aula. Eu procuro é...fazer isso, né? Eu procuro também sempre deixar os textos
das disciplinas juntos, né? E aí, vamos supor: eu tô na semana da prova, provavelmente
esse...eu ponho tudo junto num plástico e vai ficar na minha mochila, quando eu tiver um
tempo, seja até mesmo aqui na UERJ - algum tempo - eu vou tentar aproveitar pra estudar
(E7).
A prática de leitura dinâmica não tem a ver apenas com a questão de tempo. Alguns
estudantes como é o caso de E9 fazem dela um modo de estudar que pode algumas vezes
substituir o estudo aprofundado: Ah, eu sempre pergunto pro professor qual que é mais
importante, qual eu deveria começar, ‘por qual você sugere que eu comece?’. Então, às vezes
ele passar quatro textos e fala: ‘Mas lê nessa ordem.’, aí eu numero um, dois, três, quatro. Às
vezes eu leio só o um; às vezes eu leio o um e o dois. Então eu faço assim. Às vezes eu passo
os olhos em todos eles, dou uma... faço uma leitura superficial de todos. Mais ou menos assim
(E9). O importante é “se dar bem na prova”. Se isto é conseguido, então, não importa se a
leitura foi dinâmica ou se não deu para ler todos os textos: Ao pé da letra, tudo que eu tinha
que ler, não. Teve texto que eu não li, mas meu desempenho na prova foi... A prova era com
consulta também. De certa forma isso alterou a minha metodologia de estudo, NE? Mas eu
fui bem nessa prova, tirei nove na prova. [...] Sim, fui bem sucedido. (E7).
que agenciam ritmos e objetos. Citam como exemplo o caso de uma criança que no escuro, é
tomada pelo medo e, então, tranqüiliza-se cantando. A música cria um território familiar à
“Eis que as forças do caos são mantidas no exterior tanto quanto possível, e o espaço interior
protege as forças germinativas de uma tarefa a ser cumprida, de uma obra a ser feita” (Ibid,
p.116).
estudar. Este, não é universal ou geral, mas construído de modo singular. A partir da
perspectiva do território, não há ambientes ideais, mas aqueles onde nos sentimos em casa e
onde o trabalho é realizado. Porém, é preciso considerar que os trabalhos recebem as marcas
de seus territórios. A fala de E12 ajuda a entender o que estamos chamando de território de
estudo: Assim, eu acho que se preparar pra estudar pra mim tem esse sentido assim: ‘Ah,
agora eu vou estudar. Agora não vou brincar com minha irmã, não vou entrar no
computador, não vou jogar nada. Eu vou estudar’. Então, sentar na cama com a prancheta e
com... E com os textos todos separados e organizados é indicação de que agora é sério, não
vou brincar, vou estudar mesmo. (E12). E11 aponta para o fato de que seu território de estudo
se modifica: Então, eu costumo estudar na minha casa, na sala – na sala de estar, na sala
(né?) da minha casa. Na mesa de jantar mesmo. Eu sento, boto meus livros todos, os textos
em volta de mim. Ou... É, a maioria das vezes é assim, só que quando eu tenho...quando eu tô
na PUC e eu tenho buracos entre horários, entre aulas, eu às vezes já até deixei de ir pra
casa pra estudar aqui. Às vezes eu aturo estudar na biblioteca. [...] É. Que é silencioso e tal.
Mas ultimamente eu tenho estudado mais em casa. Mas eu lembro que eu tive momentos que
eu estudei muito na biblioteca. Aí eu fico aqui, até porque era uma época que eu me
154
dispersava mais. Não sei. Mas eu me sentia assim: ‘Vou ficar na biblioteca porque aí fica um
estudo sério mesmo’, sabe? Assim, eu não tô em casa, não tem a televisão que minha irmã ta
ouvindo, não tem minha mãe. Nada vai me interromper, só meu celular se tocar, mas eu
tô...melhor estudar na biblioteca assim. [...] Porque eu pensava muito assim, que quando eu
chegava em casa, é a minha casa, pode ser um local de estudo, mas a minha casa é um local
de muitas coisas mais que o estudo. Então, eu chegava em casa e lembrava de outras coisas
que eu tinha que fazer. Um e-mail que eu tinha que mandar, outros interesses, outras coisas a
fazer na minha casa. Sei lá. Aí, então, eu retardava a hora que eu ia começar a estudar.[...]
(E11).
construção do território não significa isolamento. Depois do território constituído essas forças
podem em alguma medida ser retomadas, produzindo variações nesses mesmos territórios:
“Agora, enfim, entreabrimos o círculo, nós o abrimos, deixamos alguém entrar, chamamos
alguém, ou então nós mesmos vamos para fora, nos lançamos” (Deleuze e Guattari, 1997b,
p.116). Estas variações são resultados daquilo que Deleuze e Guattari (Ibid) chamam de
absolutas - quando o território habitado não é mais suficiente para dar conta das mudanças.
No caso de E11, a desterritorialização foi relativa. Implicou apenas novos agenciamentos sem
entrar nesta via; mas aquilo que há pouco era uma função constituída no agenciamento
155
de um novo território, a outra, é a volta ao caos, o que implica numa destruição da potência
criadora (Ibid, p.147). Para haver desterritorialização é preciso ter havido antes território. E é
estudo na contemporaneidade.
com acesso à Internet precisa apenas estar ali. Não necessariamente ele estará sendo usado,
mas é como se a sua simples presença, ligado e conectado, garantisse aos estudantes seguir
adiante em seus estudos. Os estudantes conectados seriam então como a criança do exemplo
de Deleuze e Guattari (Ibid) que canta para se tranqüilizar diante do medo do escuro. A
presença da música relatada nas entrevistas e analisada no capítulo anterior, poderia talvez ser
interpretada também no sentido da construção do território de estudo. Para além de sua função
necessário para o estudo. Vamos percebendo que menos do que um ambiente silencioso,
mostra-se marcado pelo movimento, agitação e, por um excesso de estimulação. Não se trata
156
apenas do computador ou da Internet, mas do computador com muitas janelas abertas, com
Internet, com MSN, com Orkut, e-mail, Google e seus dispositivos, música, celular, etc. Em
função disto somos levados a acreditar que a atenção tende cada vez mais a trabalhar dividida,
seja essa divisão entendida como simultaneidade ou como oscilação entre as tarefas. Talvez
por isso os estudantes sintam dificuldade em sustentar a atenção, de fazê-la durar para além
do limite das duas horas, fazendo aparecer, inclusive, uma atenção nem plena e tampouco
Não é difícil perceber que alguns fatores participam da produção desse tipo de
subjetividade. As imagens e textos constantemente veiculados pela mídia, bem
como a explosão recente das tecnologias da informação, como é o caso da Internet,
torna disponível uma avalanche de informações, atravessando grandes distâncias
em alguns segundos. Por sua vez, os celulares são também fatores importantes,
atravessando sem cessar o fluxo da vida cotidiana. Observa-se que há neste quadro
de coisas algo que é da ordem da quantidade. Há na sociedade contemporânea um
excesso de informação e uma velocidade acelerada que convoca uma mudança
constante do foco da atenção, em função dos apelos que se multiplicam sem cessar
(KASTRUP, 2004, p.7).
ferramenta de estudo alguns alunos responderam afirmativamente dizendo que usam para
fazer trabalhos de grupo ou tirar dúvidas: Com certeza. Porque já existiu pesquisas aqui na
faculdade que tinha que se fazer e vieram feriados enormes, assim, cinco dias sem vir na
faculdade e o grupo não se reunia. Pelo fato de todo mundo morar muito longe e não querer
se disponibilizar a sair de casa pra se reunir, ia acabar não fazendo nada, ia acabar
surgindo assim ‘Ah, vamos na praia, em outro lugar’ e não estudar. Então, o MSN é uma
ferramenta importante. (E12). E explica como é usado: Ah, é assim. Geralmente um adiciona
o outro na caixinha pra ficar uma caixinha só, e não várias caixinhas piscando. Aí
‘off-line’ e as pessoas sabem que você tá online, mas para que outras pessoas, pra não
precisar bloquear outras pessoas essas coisas.[...] Por exemplo, tem que fazer
fundamentação teórica. Todo mundo sai pesquisando na Internet artigos científicos. Aí pega
157
uma parte do artigo que acha que tem a ver com o trabalho, manda por e-mail ou,
então...[...] É. Recorta e cola e manda por e-mail pra ver se tem a ver, essas coisas. Se o
grupo achar interessante aquilo, pede pra mandar o artigo inteiro. E vai tudo por e-mail.
Então, às vezes faz assim: ‘Ah, olha o que eu acho sobre esse comentário’, aí escreve um
comentário, como se fosse uma resenha, aí manda pelo MSN. ‘Ah, interessante. Então, vamos
colocar isso no trabalho. Guarda isso aí no seu computador, então’. Copia e cola da janela
do MSN num documento do Word e depois vai meio que montando o trabalho.[...] Então, o
MSN no fim de semana anterior a entrega do trabalho é uma ferramenta incrível. (E12).
Note-se que a linearidade parece não fazer parte dessa subjetividade. Outros responderam
negativamente, não usam o MSN enquanto estudam. No entanto, relatam que o MSN fica
ligado – em geral no modo offline, como nos informa E4 - apesar de não estar sendo usado.
Justificam dizendo que ele “entra automático”. Citamos: Não, primeiro eu dou prioridade ao
que eu tenho que fazer. Ligo o MSN porque ele já entra automático, mas eu nem respondo.
Vou, acabo o que eu tenho que fazer e depois que eu vejo quem tá falando e depois eu vou ver
outras coisas, se não eu vou ficar dispersa e não vou acabar o que eu tenho que fazer.
Entendeu? [...](E10). Tal afirmativa nos surpreende e nos força a indagar: Como assim entra
no automático? Não é possível desconectá-lo ou até mesmo desativá-lo? O que esta afirmação
Este cenário pode nos ajudar a explicar o porquê da biblioteca estar perdendo espaço
como lugar de estudo. Sobre a biblioteca E2 afirma: Talvez na biblioteca seja um pouco mais
fácil de manter a atenção porque não tem computador. Então, assim, não tem como você
fugir daquilo ali. Quando você tá ali então só tem você e o livro e o caderno, então assim, vai
ter que ficar ali. Não vai ter e-mail, orkut e afins pra..., “eu vou ver rapidinho”, e às vezes
não é tão rapidinho e tal...[...] (E2). Trazemos agora as falas de E5 e E8 que informam sobre
sem tanta estimulação. Quando dizemos que a biblioteca é um ambiente sem tanta
estimulação o fazemos por comparação aos outros territórios de estudo que são marcados pela
presença das NTIC: Não vou à biblioteca, não sei porquê. [...] Eu vou assim pra pesquisar,
mas tipo, tem gente que vai pra biblioteca pra estudar. Eu não sei, me incomoda ficar lá. [...]
O silêncio me incomoda. É porque eu sou muito curiosa. Se eu ficar num lugar que tem um
monte de gente em silêncio, eu vou ficar olhando em volta, sabe? [...] Eu prefiro ficar no
meio do pátio estudando do que ir pra biblioteca. [...] (E5). E ainda: Não. Muito raro.
Quando eu vou. Às vezes eu vou. Se tiver um tempo..., se tiver, por exemplo, um professor
tiver faltado e eu não tiver na turma, eu quiser estudar, tiver alguma prova, alguma coisa em
breve que eu tenha que fazer, eu vou, passo na biblioteca. Mas muitas vezes eu vou preferir
estudar em sala de aula, por exemplo, se for o horário que tá as pessoas na turma, eu vou
preferir ficar ali no meio do barulho, da bagunça do que ir pra biblioteca estudar. [...] Eu
consigo estudar no silêncio. Eu já fui pra biblioteca estudar, entendeu? Mas eu fico meio
inquieta. (E8).
alunos (WALLIS, 2006). Ele se espanta com a incapacidade dos alunos de ficar sem falar em
seus celulares entre uma aula e outra. E, conclui: “Isso parece para mim que existe quase um
desconforto em não ser estimulado – um tipo de ‘eu não suporto o silêncio!” (Ibid, s/p). Em
seu livro Como estudar e Como aprender, publicado pela primeira vez em 1948, Mira y
Lopes (1968) argumenta que nem sempre o ambiente ideal para o estudo é o ambiente
silencioso e, que para alguns o silêncio pode ser tão perturbador quanto o barulho excessivo.
No entanto, nos parece que o que está em jogo na contemporaneidade é algo diferente daquilo
à que Mira y Lopes se referia. Neste sentido somos levados a concordar com o professor
159
território sem tanta estimulação, melhor dizendo, sem uma estimulação específica, são
estudo. E12 conta, por exemplo, que o som dos pássaros de seu pai assim como a voz de sua
sono, porque é silêncio demais, eu não gosto disso – aqui na faculdade. [...]Então eu estudo
na sala em grupo que as pessoas falam, fica o som das pessoas falando ao fundo, mas isso
não me dispersa. Antigamente eu tinha o costume de estudar com a televisão ligada pra ouvir
coisa em casa me atrapalha. Meu pai cria passarinhos, então o canto dos passarinhos dele
me incomoda; minha irmã que é pequena entrando no quarto toda hora, falando comigo o
tempo todo, porque é pequenininha, me incomoda também. Às vezes desconcentra. (E12). Por
que justo os pássaros do pai e a voz da irmã atrapalham? Isto nos faz pensar na qualidade dos
poderíamos dizer que o estudo assume o lugar da figura enquanto os barulhos são apenas
necessários para dar destaque a figura. Dessa forma, talvez os sons que possuam significados
como, por exemplo, o som dos pássaros do pai ou a voz da irmã, não estejam funcionando
como um bom fundo na medida em que interferem na figura, ou seja, no estudo. Sobre isso a
palavras significativas, mesmo quando apresentadas ao ouvido não atento, são processadas,
50
Cf. capítulo 4, p.88-89.
160
entanto, é preciso destacar que são exceções. Citamos duas falas: Estudo. Uso muito a
biblioteca pra estudar. Não pra consultar os livros da biblioteca, porque muitas vezes não
tem os livros que eu preciso, mas pra estudar eu uso muito.(E9). E também: Geralmente em
época de prova ou quando tem algum tempo livre, assim, eu vou lá. Quando eu tenho alguma
coisa atrasada pra ler, eu vou lá, sento e leio. Não é todo dia, porque também se eu ficar aqui
preparação para o estudo que em geral envolve separar e ordenar aquilo que será estudado: Eu
arrumo... Eu tenho que tá num lugar, num ambiente arrumado. Eu não consigo estudar em
biblioteca eu arrumo o meu material: guardo tudo na mochila, deixo em cima só o que eu vou
usar; ou se eu tiver numa sala vazia ponho umas cadeiras, as minhas coisas, deixo em cima,
na posição que eu vou usar. Então eu arrumo, eu ligo o ar condicionado porque eu não
consigo estudar com calor também. Então eu ligo o ar condicionado, é... eu separo os lápis,
as canetas, as coisas que eu vou usar pra quando começar a estudar nada me atrapalhar
assim. [...] Se eu não arrumar, eu não vou conseguir me concentrar com um monte de coisa
bagunçada a minha volta. Atrapalha, polui a minha mente. [...]. (E9). Nas palavras de E12:
Eu já tentei estudar, assim, com o material desorganizado. Só que eu fico olhando assim. Me
faculdade, os textos tão todos misturados das aulas que eu tive. Então, separar textos por
matéria, a ordem que eles foram dados, foram indicados. Pra mim é importante ter essa...ter
preciso dizer que elas estão sendo deixadas de lado num sentido mais amplo e não apenas
como local de estudo: A biblioteca da PUC, por incrível que pareça, eu só fui lá uma vez
visitar. Eu não tenho esse hábito, não tenho esse costume... Eu não sei o que ocorre, mas é
uma boa coisa pra pensar. Eu não sei. (E13) - eles estão fazendo cada vez mais, dos
ônibus e metrô é principalmente tempo. Mais uma vez o tempo atravessa e interfere nas
práticas de estudo: [...] Mas é porque eu penso muito também na questão do tempo mesmo,
porque realmente eu tenho muito texto pra ler. Um dia eu falei: ‘Pô, se eu for lendo no ônibus
já me poupa bastante.’, porque no ônibus eu não faço nada, fico sentada. Eu já leio, então...,
pra mim otimiza meu tempo, assim. Claro que tem gente que pensa... Meu namorado já me
perguntou: ‘Como é que você consegue ler no ônibus?’, sabe? Porque ele não consegue.
‘Como é que você se concentra? Como é que você presta atenção no que você tá lendo?’. Pra
mim vai numa boa, assim. E mais: Porque eu moro em Campo Grande, então... demoro. Eu
chego cansada, aí quero tomar um banho, descansar, aí vou e pego pra ler alguma coisa.
Mas de manhã também eu pego ou, então, vou lendo no ônibus.[...] É, porque não dá tempo.
Meu dia é curto por causa do...passo muito tempo na condução pra vir pra cá. (E10).
No entanto estudar no ônibus requer mais atenção, como explica esta estudante: [...]
No ônibus você tem...no ônibus você tem que ter muito mais atenção, eu acho. Porque você
tem que tá com atenção no que você tá lendo, você tem que ter aquele poder de abstração de
não prestar atenção em nada do que tá em volta.[...] Eu abstraio mesmo, eu apago qualquer
coisa em volta. Você vai falar comigo, é a mesma coisa daquele comercial do wiscas sachê,
sabe? Você vai tá falando e eu:“humhum”. (E5). Isto que poderia parecer um contra-senso
pode estar nos mostrando que, para esses estudantes, é mais fácil sustentar a atenção em
Citamos: Tem porque se você, por exemplo, no quarto já tá silêncio então já tá propicio pra
você prestar atenção. Se no ônibus, se você não tiver focada naquilo pra estudar, você vai...
com certeza você vai parar porque fulano tossiu, porque tocou o celular. No ônibus, pode
explodir o ônibus que eu não vou olhar pro lado, entendeu? Tem que ter mais atenção por
isso, de você realmente querer estudar, querer tá focado. Se você tiver um pouquinho não a
fim, aquele um pouquinho não a fim vai te tendenciar a prestar atenção no celular que tá
tocando, na buzina, na não sei o que, entendeu? É mais disso de você, não é nem tá... é mais
atento na questão do seu foco: “oh, eu vou estudar, eu vou estudar e acabou.”, então
ninguém vai te tirar daquilo. Aí é mais por isso, que você tem muito mais coisas pra te tirar
do seu foco do que quando você tá trancado num quarto sozinho. (E5).
novas tecnologias, parece estar fazendo com que a biblioteca fique em segundo plano quando
se pensa em estudo. Se antes a biblioteca era o local por excelência das pesquisas, hoje o
computador através da Internet ocupa este espaço. As falas desses estudantes revelam uma
ou à livraria: Até pra achar o nome do livro que eu vou ter que comprar, mas eu vou usar a
Internet. Eu perdi esse hábito de ir na livraria primeiro. Eu primeiro vou na Internet, pra
depois ir na biblioteca, pra depois ir na livraria. (E5). Seguindo o mesmo argumento E11
explica: [...] Bom, eu preciso saber o nome do autor, da pessoa que escreveu o texto, aí pode
ser que eu vá à biblioteca. Mas eu acho que não. Eu boto no Google, porque ali aparece os
livros que esse autor...entendeu? Antes de vir pegar o livro aqui na biblioteca eu vou tá lendo
163
sobre o autor ou vendo outros livros que ele escreveu, ou quando não é livro é texto. Sempre
é a Internet primeiro, ver o que tá sendo falado do assunto. [...] É tipo uma garimpada antes.
(E11).
E14 apesar de continuar preferindo livros, admite não ser possível descartar a Internet.
Explica: Não. Primeiro são os livros. Eu sempre vou primeiro nos livros, que eu acho os
livros mais confiáveis. Fonte, né? Fonte de estudo bem mais confiável. Mas é claro, não dá
pra descartar a internet. É uma ferramenta importante pra você estudar hoje em dia, ainda
mais em termos de informação. Informação hoje em dia ela... Você tem muita informação
num período curto e às vezes o livro não tem essa variedade, às vezes o livro não vai se
atualizando com essa rapidez, aí que entra a internet. Mas eu gosto dos livros. (E14).
E4, apesar de gostar de estudar em livros, pois acredita que através deles tem acesso a
um panorama mais amplo de conhecimento, para os trabalhos não abre mão da pesquisa na
Internet: [...] Eu uso mais pra...quando tô pesquisando bibliografia pra trabalho. Pra
papel mesmo. Uso pra estudar também as vezes que você quer...é às vezes... É às vezes você
procura no Google mesmo e pede quando você quer uma informação mas não quer se
aprofundar, sabe? Você só quer só pra não ficar no ar aquilo, sabe? [...] É, normalmente,
pra pesquisar artigo científico ou pra pesquisar uma informação que eu não queira me
aprofundar. Que aí, no caso de artigo científico tem scielo e tal, e quando não quero me
E3 não apenas conta que realiza suas pesquisas através do computador, mas também
do computador, assumiu a função de gíria entre os estudantes. Cada vez mais, fazer trabalho
assemelha-se a construção não linear de um quebra-cabeças cuja figura vai sendo definida a
164
medida que os pedaços vão sendo encontrados, recortados e colados: [...] Normalmente eu
busco no computador, por isso, também, eu não vou tanto à biblioteca, eu vou, boto lá... Sabe
aquela coisa bem básica? “Percepção”, aí leio, vou lendo, normalmente eu copio e colo o
que eu acho que me interessou e vou jogando, vou jogando. Depois que eu acho que eu joguei
bastante coisa interessante, eu leio aquilo tudo. Sempre jogo assim e sei mais ou menos de
que site o que eu tirei o que, né?! Pra não dividir também, se não depois eu vou, quando eu
vou escrever eu não sei mais o que eu tirei de cada site. Aí eu leio, leio aquilo tudo, aí eu
acho “pô, já dá pra escrever suficiente”. Aí às vezes eu uso... às vezes até a estrutura como
base, às vezes quando eu acho que não vai me ajudar, eu abro outra [janela] e vou fazendo
tudo de novo, vou escrevendo, escrevo do meu jeito, assim quando a estrutura que sobrou ali
totalmente mediada pela tela e teclados, para outros ainda é importante imprimir. Neste ponto
as práticas mais ou menos se dividem: Aí leio, aí fico lendo e tal, aí às vezes anoto uma
coisinha que eu não sei. Pesquiso até na Internet uma palavra que eu não sei o que é que é -
pra entender o que é que é aquela palavra. Aí vou, leio e continuo indo assim, pesquisando.
Vou lendo e resumindo, e sempre naquele esquema de... Aí vou imprimir com certeza, vou
grifar e vou fazer o resumo. Sempre...o meu método de estudo vai ser sempre resumir assim,
porque eu fixo escrevendo e lendo. (E5). No entanto E4: Eu normalmente pego o mouse, tem
aquela...sabe aquele parece um i que fica iluminando um texto? [...] Eu vou passando aquilo
como eu passo meu dedo aqui, eu vou passando aquilo como se fosse meu dedo,
normalmente. Sem iluminar, só passando por cima e tal. Às vezes, tipo, eu deixo o parágrafo
bem justo da parte de baixo assim, pra ir separando e tal. [...] Normalmente eu leio linha por
linha, tanto que às vezes eu deixo separado assim, eu deixo tipo, eu leio a primeira pagina e
tal, aí eu deixo o parágrafo que eu to lendo, eu deixo por último. [...] Que aí eu vou
165
separando de pouquinho em pouquinho. (E4). Porém, mais uma vez é importante a distinção
Mesmo aqueles que, para estudar, preferem ter em mãos o material impresso - seja sob a
forma de livros, xérox, ou mesmo material da Internet impresso – na hora de fazer trabalhos,
não querem outra coisa senão a mediação da máquina. Justificam argumentando em favor das
cansaço das mãos. A repercussão sobre a cognição é inevitável, como nos mostra E5: [...]
Que eu não tenho muito esse problema de ficar em seqüência. Tem coisas que você precisa
fazer em seqüência, mas tipo, dois capítulos diferentes você pode ler a metade de um e
começar a ler metade do outro. Eu não tenho muito essa necessidade de ter uma
trabalho à mão para depois digitar: Agora que eu me acostumei a usar o computador não. No
início eu fazia muito isso. Eu já cheguei a, no início da faculdade, fazer trabalhos a mão pra
depois digitar. Mas depois que você se acostuma a usar o computador, você prefere o
computador. [...] Tudo no computador. A não ser assim que eu tenha uma... Não, mas mesmo
assim eu faço no computador. Por exemplo, se eu tiver assim uma idéia, um insight, eu
mesmo assim digito em um cantinho, sei lá, no final do texto eu digito em uma cor diferente.
trabalhos: [...] O computador permite que a gente vá escrevendo partes do nosso trabalho,
não necessariamente ter que seguir um raciocínio, você vai escrevendo partes, depois você
vai encaixando e vai... Então isso é muito vantajoso e aí na hora de escrever eu uso o
computador. [...] É, porque aí é muito mais prático, também cansa menos a mão – eu acho. E
166
também, e essa possibilidade de escrever partes. Sabe? Teve uma idéia, dá um monte de
espaço, escreve lá em baixo, deixa ela ali. Depois você vai juntar ela. Aí isso fica uma coisa
mais móvel, assim. No papel você pode fazer também, mas vai ficar uma bagunça
Ao explicar como é que faz para escrever, E8 conta sobre a quantidade de janelas que
abre: Olha, eu abri nesse dia o Word, né? Pra trabalhar o texto. Eu abri a Internet pra fazer
pesquisas, em geral, das frases; eu abri o meu site de fotografias que eu exponho na Internet,
que tão as fotografias principais e abri a minha pasta de fotografias em geral, que tinha
umas fotografias que eu sabia que eu queria e que não tavam no site. (E8).
tornado o escrever: Às vezes eu recorto e colo e aí misturo. Por exemplo, às vezes recorto e
colo três, quatro parágrafos que falam a mesma coisa, aí eu vejo, tipo assim o que é mais
importante de cada um, misturo, deleto, escrevo. Por exemplo, pego as idéias, as palavras
principais, deixo só as palavras principais e escrevo em cima daquilo. Mudo a ordem lógica,
porque às vezes o autor fez uma ordem lógica meio confusa e aí eu organizo. (E9).
de Duke, nos EUA, afirma como um dos aspectos positivos da geração multitarefas a
informações vale citar E5. Esta estudante nos conta que sua turma achou o livro de genética
na Internet e divulgou de modo que todos agora têm acesso ao livro: [...] Quase todas as
matérias...a gente não vai comprar livro de anatomia, a gente pegou tudo em enciclopédia na
Internet. Então vai tudo da internet que a gente estuda. E eu tô com o CD agora justamente
com o livro de genética do Thompson e Thompson, que a gente achou o livro todo na Internet
167
e gravou num CD e rolou na turma inteira. Então, a gente meio que já viciou na Internet,
então todas as nossas formas de pesquisa a gente tenta buscar na Internet. [...] (E5).
Sobre a questão da visualidade, é interessante notar através das entrevistas que, não
apenas os estudantes têm tido mais facilidade em lidar com dados visuais, mas parecem
preferi-los: [...] E eu tenho uma certa dificuldade para acompanhar certas apresentações sem
o PowerPoint, sem uma coisa assim organizativa das idéias, né? Principalmente quando a
pessoa embola muito as coisas e tudo. Quando a pessoa é bem clara, quando o grupo é bem
claro e metódico, ele não é tão necessário assim. Mas eu considero que ele auxilia [...] (E7).
Diante desses aspectos Koonz comenta que nos EUA, na sua universidade, muitos professores
passaram a usar filmes, clipes e apresentações em Power Point para ajudar os estudantes e,
capturar sua atenção evanescente. Revela ainda que cada vez menos solicitam dos alunos que
movimento que devemos fazer? Será que se trata de simplificar os métodos tendo em vista
uma adequação às novas cognições e subjetividades? Quais poderiam ser os efeitos deste tipo
de prática de ensino? Sobre isso é interessante trazer um outro comentário de Koonz, este
apoiado também por S.Turkle (WALLIS, 2006). Estas professoras constatam que os alunos
estão cada vez menos tolerantes à ambigüidade. Ora, nos perguntamos, será que, talvez, os
filmes, clipes e Power Points, não estão também contribuindo para a produção desta cognição
não pretendemos responder, mas que somos forçados a pensar. Conforme argumentamos em
ponto de vista da adequação nos encontramos sempre um passo atrás da posição a ser
168
alcançada. Em outras palavras estamos o tempo todo “correndo atrás”. Por outro lado, se a
adaptação é pensada como composição, então, ao invés de “correr atrás”, nos colocamos
diante do desafio de estabelecer encontros possíveis onde os dois lados acabam por se
sentido procurar ajustar os alunos aos métodos de ensino pré-concebidos, porém tampouco
cabe conformar os métodos aos alunos. Nesse estranho equilíbrio entre a subjetividade dos
alunos e a subjetividade dos professores nos parece estar a solução. Portanto, apesar de
acreditar que filmes, clipes e Power Points são recursos interessantes, eles não devem ser um
fim em si mesmos.
analisar algumas das atuais práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município do
Rio de Janeiro. Neste momento interessa-nos fazer uma breve síntese dos principais aspectos
uma incapacidade de ultrapassar duas horas de estudo seguidas nos chamou atenção. Porém,
ao nos voltarmos para a psicologia – tanto aquela do século XX, quanto a jamesiana -,
percebemos que a sustentação da atenção não se faz sem pausas e paradas. Assim, nos
pareceu que a necessidade de parar o estudo de duas em duas horas não deveria ser vista, a
princípio, como uma limitação para um estudo como experiência. Com a ajuda de James
sugerimos que é a partir da análise daquilo que é realizado durante as pausas e paradas que
poderemos concluir sobre a possibilidade ou não do estudo ser vivido como experiência.
169
Diante disto fomos nos aproximando, através das falas dos estudantes, de um estudo que se
realiza sem ritmo, por rápidos sobressaltos, marcado principalmente por uma atenção focada e
No momento seguinte passamos a análise daquilo que acontece durante as duas horas
em que se afirma estar estudando. Aí o acoplamento da cognição com as NTIC apareceu com
seja porque o computador-Internet está simplesmente presente. Sobre isso foi interessante
perceber que mesmo desligado, o computador interfere nas práticas de estudo. Alguns
necessidade de um autocontrole. Isto nos leva a pensar que mesmo desligado, o computador
está ainda presente na cognição dos estudantes. Além disto, pudemos perceber também o
quanto a linha que separa o uso recreativo do computador-Internet do uso para fins de estudo
expressão, mas diz respeito a uma temporalidade que é a do instante - pode surgir uma
Mais uma vez nos deparamos com uma atenção não se sustenta, mas se mantém na medida
em que é capturada por estímulos que vão rapidamente se alternando. Desse modo, ela não
distende, deslocando-se de foco em foco entre os variados assuntos. Seu efeito, concluímos, é
antes a abrangência que a densidade. Ao trabalhar todo o tempo tensionada e focada, esta
atenção não permite que o pensamento flua e traga à cena o novo como diferença. Neste
contexto surge um modo de estudar saltitante cuja característica é a divisão da atenção. Sobre
isso foi interessante perceber o aparecimento de uma modalidade de atenção que nomeamos
170
como suficiente. Trata-se de uma atenção que não é nem plena e tampouco ausente. Esta,
possibilidade do estudo ser vivido como experiência. Isto é, do estudo envolver mais do que
pensamento. Por outro ele revelou uma política cognitiva que consideramos interessante e,
arriscaríamos a dizer, inclusive, que pode vir a ser uma política cognitiva potente. Trata-se de
uma política marcada pela curiosidade e pelo desejo de saber. Apesar de nos parecer que seus
pode ser uma via a ser investida no sentido da produção de um estudo potente. Aqui
impossibilidade de voltar atrás na história. Contudo defende que isto não significa
práticas para que operem a favor daquilo que se acredita ser mais potente. Conforme observa,
não se trata de desqualificar as novas práticas, mas de operar com elas. Pensando com
Chartier, talvez esta política cognitiva curiosa e desejosa de saber pode ser uma importante
aliada. Por ter sido atualizada no acoplamento com as NTIC, acaba redundando numa relação
sugerir que a freqüente queixa a respeito do não aprofundamento nos assuntos por parte dos
estudantes relaciona-se antes com essa atitude do que com a tradicional oposição entre estudo
que usa a memorização e estudo que visa a compreensão. Note-se que este é um
desdobramento desta política cognitiva, mas será que não é possível produzir outros? A
ligada a forma como a política cognitiva curiosa e desejosa de saber se manifesta. Anota-se as
Nicolaci-da-Costa que nos parece expressar com precisão a situação: “Pois mesmo uma vida
mais afeito ao barulho que ao silêncio. Aliás, é interessante notar o quanto o silêncio pode ser
vivido como um distrator para os estudantes contemporâneos. Desse modo sugerimos ser esta
uma das explicações para as bibliotecas estarem perdendo espaço como lócus privilegiado
para o estudo. Ao mesmo tempo, os transportes passam a ser vistos como locais possíveis
para se estudar. Esta mudança se relaciona, por um lado, a idéia de que o ambiente ideal para
o estudo é super-estimulado, mas por outro tem a ver também com a temporalidade acelerada
que atravessa a atualidade. Muitos estudantes referem-se ao estudo no transporte como uma
estratégia para otimizar o tempo. Mais uma vez a impossibilidade de perder tempo comparece
estudantes defendem que não se trata de substituir a biblioteca pela Internet, mas sim do
estabelecimento de uma outra relação em que a Internet, através de suas ferramentas de busca,
trabalhos. A partir da fala dos estudantes percebemos que se trata de uma escrita marcada pela
fragmentação e composição de partes. Assim, nos pareceu que fazer trabalhos assemelha-se
cada vez mais a montagem de um quebra-cabeças singular. Neste as peças não estão dadas,
mas vão sendo encontradas, recortadas e coladas num processo marcado pela indeterminação.
172
Tudo isto repercute sobre a cognição dos estudantes. A fragmentação, por exemplo, longe de
ser uma limitação, apresenta-se como o modo dominante de pensar e de estudar. Vemos
nascendo também uma preferência pelo regime da visualidade. Além disto, é preciso
No próximo capítulo veremos como estas práticas de estudo que promovem uma
aprendizagem da atenção, concorrendo para a produção de uma atenção saltitante e sem ritmo,
uma atenção dividida e uma atenção suficiente, não são idiossincrasias dos estudantes
contemporânea.
173
Capítulo 6
assim como o tipo de atenção que produzem não são aspectos isolados dos estudantes ou da
Ao fazerem isso nos mostram como nossa atualidade está atravessada por questões como a
experiência.
Só realmente eu tava muito feliz porque desde o início do período foi o momento que parou
tudo. [...] Até foi uma situação incomum que...eu tava aqui não fui pra casa, meu namorado
não pode vir no sábado, então sábado eu fiquei o dia inteiro em casa. E isso, nossa...eu nem
lembro qual foi a última vez que sabe: Ah não hoje eu não tenho compromisso nenhum, vou
ficar em casa. Então foi bem gostoso, eu fiquei de bobeira. Foi muito bom. [...] ...fazia tempo
que eu não tinha isso. Aquela sensação de...Não hoje tal hora eu tenho que ir no cinema...ou
então estou em casa e tenho que dar atenção a minha mãe, atenção a minha irmã...Então foi
um momento meu, sozinha e à vontade. E foi bem legal. Eu acho que isso também me deu
perceber como o movimento tem se tornado uma exigência, repercutindo não apenas sobre as
Richard Sennett (2001), sociólogo que tem se esforçado por pensar a atualidade,
sobretudo no que diz respeito à questão do tempo e dos laços sociais relacionados ao mundo
do trabalho, afirma que estamos vivendo tempos de capitalismo flexível. Segundo ele, a
deixar-se sucumbir. E1, por exemplo, tem que sair de casa. Ir ao cinema, dar atenção à mãe e
à irmã, até mesmo o encontro com o namorado, aparecem como obrigações a serem
cumpridas. Uma agenda à qual precisa adequar-se e conciliar com sua vida de estudante.
Poderíamos pensar a flexibilidade de outras formas. Flores e Varela (2003), por exemplo,
entanto, a definição de Sennett aponta justamente para a forma como a flexibilidade tem sido
175
camaleão da nova economia” (SENNETT, 2001, p.27) parece sintetizar de modo preciso tal
idéia. Se as práticas de E1 estivessem marcadas pela flexibilidade autêntica, seu discurso seria
outro. Provavelmente a ida ao cinema, a atenção a ser dada à mãe e a irmã, assim como o
encontro com o namorado, não seriam tomados como deveres a serem cumpridos. Aliás, um
dos aspectos que nos chamou atenção nessa fala foi como coisas que deveriam ser
Acreditava-se que a rotina e a burocracia eram um mal, uma jaula de ferro, na qual estávamos
presos e da qual era preciso libertar-se. A aposta na flexibilidade foi, dessa forma, também
uma aposta na liberdade. O desenrolar dos fatos, contudo, mostrou que a correspondência
entre flexibilidade e liberdade era ilusória, ou pelo menos não era direta. Se por um lado a
flexibilidade nos liberta da rotina e da burocracia, por outro, nos constrange em sua
estruturas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam” (Ibid, p.54).
Conforme vimos no terceiro capítulo, estamos diante do biopoder. Trata-se de um poder que
atua através de modulações e não por coerções ou punições. Aí, as funções cognitivas e, em
51
Vale a pena observar que no livro Império (2001), Michael Hardt e Antonio Negri, ao analisarem a nova
soberania que estaria surgindo – o Império – defendem que esta não nasceu por vontade própria, mas foi
convocada a nascer. Segundo eles foram as lutas políticas e culturais dos anos de 1960 e 1970 que de algum
modo criaram as condições para a emergência desta nova forma de poder. Marcio Goldman (2003) vê aí uma
característica importante da exploração capitalista contemporânea que consiste na captura das forças de protesto.
As mesmas palavras que animavam os protestos, hoje aparecem nos discursos das empresas e dos governos
(p.191).
176
produzindo subjetividades.
Hoje, nas empresas de ponta, é cada vez mais comum que se evite a burocracia e a
rotina. Desde as roupas, passando pelos ambientes até chegar aos horários e locais de trabalho
tudo está sendo repensado e transformado 52. Certamente ainda existem espaços em que a
aos trabalhadores são muitas e, cada vez maiores. É preciso ser ágil, ver as mudanças como
atualizar-se, etc. Saímos da jaula de ferro, mas não nos libertamos dos constrangimentos que
E10 ressalta a importância da rotina de estudo em sua vida. Destaca, porém, que esta
de atuação do biopoder: É. Porque eu tenho que ter meio que uma rotina, se não...se não pra
mim não dá. [...] Eu tenho consciência. Eu tenho que ter consciência que se eu pegar alguma
coisa que me tire a atenção, eu vou dar prioridade a outra coisa, eu não vou dar prioridade
ao que eu tenho que fazer. [...] Então eu tenho que tá... Me controlo. (E10). Vale destacar o
papel das ciências humanas na produção da demanda deste autocontrole: Eu não percebi
sozinha. Eu fiz um estudo, eu fui pra um psicólogo. Tive uma reprovação no colégio e depois
que eu percebi. [...] Aí eu fui ver o que tava acontecendo, aí foi que eu era dispersa, que eu
era isso e que eu tinha que me policiar. Aí eu: ‘Bom, então eu tenho que me controlar’. (E10).
O poder atua sutilmente sobre E10. Ela não se sente coagida, mas sabe que para o seu próprio
bem deve estar continuamente se policiando seja em relação à rotina de estudo, seja em
relação ao uso do computador – conforme vimos no capítulo anterior. Em função disto, não se
52
Para mais detalhes cf. “A era do acesso” de Jeremy Rifkin (2001). Neste livro Rifkin, ao analisar nossa
atualidade, debruça-se sobre transformações nos ambientes de trabalho, lazer e moradia.
177
revolta, mas sente necessidade de adequar-se. Como dissemos esta modalidade de poder mais
tempo tem se feito sentir. Trata-se do curto-prazo. Citamos: “Os manuais e revistas de
conseqüências para nosso senso de tempo” (Ibid, p.55). Vivemos em uma sociedade
como forma hegemônica de organização do tempo. Quase não existe mais espaço para a
adiar projetos em prol de um objetivo maior. Em seu lugar aparecem os empregos temporários
um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego
pelo menos onze vezes no curso do trabalho, e trocar sua aptidão básica pelo menos outras
contemporâneo. O consultor não possui um papel fixo, mas corre de um lado para o outro em
resposta aos mutáveis caprichos ou idéias daqueles que o pagam (Ibid, p.18). Mesmo as
tornarem, elas próprias, mais flexíveis e, desse modo, se adequarem às exigências do curto-
prazo impostas pelo mercado. As redes têm substituído as pirâmides como modelo de
reestruturações na rotina empresarial estão deixando de se constituir como exceções. Uma das
temporalidade breve sobre as práticas de estudo no que diz respeito à relação do estudante
com seu futuro. Existe por parte dos estudantes uma preocupação com a conquista do futuro.
O que para eles envolve a impossibilidade de perder tempo. A errância não é uma opção.
Sabem que a vida está difícil e por isso não querem e não podem deixar nada para depois. Se
os estágios sempre foram objetos de desejo dos jovens universitários, hoje eles são uma
necessidade. Além dos estágios, cursos extracurriculares são realizados cada vez mais cedo.
Neste movimento os antigos grupos de estudo estão perdendo lugar, passando inclusive a ter
outro significado. Ao invés de um espaço para leitura e discussão de textos ou temas, tornou-
E11 relata que se sente agoniada porque ainda não sabe em que área da psicologia
quer trabalhar. Comenta que perdeu muito tempo em seus intercâmbios na França e Inglaterra.
Não consegue enxergar estes movimentos como parte de sua formação. Seu relato sugere
haver uma a forte vinculação entre o tempo de curto-prazo e a lógica da performance: É por
isso que eu fico agoniada de, assim, de focar, porque... foi um semestre. Foi ótimo. Foi mais
assim, foi pro francês - ficar fluente no francês - e também para ter essa experiência de
estudar psicologia lá, porque eu gostaria de fazer mestrado fora. Que eu já morei também na
Inglaterra, mas não foi pra estudar. Eu tranquei a faculdade um ano e fiquei lá. [...] Mas
sinto perambulando, sem um foco, sem saber para onde eu vou...no que vai dar. [...] É
porque eu vejo muitas outras pessoas que...sei lá, há uns três anos já sabiam que queriam se
cursos de extensão, você começa a criar. E eu tô sempre meio... Vou morar na Inglaterra, vou
fazer intercâmbio na França. São coisas maravilhosas, mas eu me sinto...sabe? [...] (E11).
Sobre a prática atual dos grupos de estudos: Eu já estudei em grupo, mas é aquela
coisa que eu...sabe? Não...eu não sentia como se eu estivesse estudando. As pessoas tavam lá
lendo o texto e tal e perguntavam: ‘pô, mas o que o que é isso?’, aí eu respondia, ou então
elas tavam lá lendo o texto em voz alta aí ‘ah! Eu tava pensando isso errado’. Não é nada
muito produtivo, sabe? Como se eu pegasse o texto e lesse, sabe? É uma coisa mais de
esclarecimento de dúvida do que estudo propriamente dito. E mesmo assim é muito difícil eu
estudar em grupo (E4). O grupo de estudos parece estar deixado de ser um espaço reservado
antes de tudo, tirar dúvidas. Dessa forma se mostra mais voltado para uma prática que toma o
estudo como tarefa a ser realizada cujo critério é a performance eficiente, do que como uma
prática que toma o estudo como experiência cujo critério seria a transformação de si e do
mundo.
Sennett argumenta que a flexibilidade e o curto prazo, assim como suas derivações
extrapolam o mundo do trabalho. Afirma que o curto prazo não favorece o estabelecimento de
laços fortes:
nós pensamos imediatamente na questão escolar – universitária. Não existem fronteiras para
E7 revela efeitos sobre a sua forma de ler. Esta em função da pressa acaba
pouco tempo e muita coisa pra ler.[...] Você pegar uma coisa e você vai vendo o que é
aqui, “ah já sei o que é isso”, aí vou pra um subtítulo aqui... [...] Pra pegar uma visão geral
E15 mostra que não vale à pena levar mais tempo fazendo o curso, mesmo que a
velocidade a impeça de estudar como gostaria: Quando dá tempo sim, mas quando não dá...
Eu sou mais é... como fala? Sucinta. Como eu faço também várias matérias não tem tempo
pra ampliar muito o que se... Porque a professora passa dois livros e é necessário um, eu só
utilizo um. [...] Eu faço nove matérias. [...] Ah, vou diminuir o semestre que vem porque eu
diploma, né? Eu comecei a fazer com quatro, porque eu até que não iria... eu pensei que eu
não fosse gostar da psicologia. Eu fiz direito porque eu não queria fazer psicologia. Então eu
fiz quatro, depois foi cinco. Eu vou me embora, vou ficar com um pé lá na frente e um outro
‘Pra que eu vou ficar fazendo de quatro em quatro? Eu vou acelerar’. Foi aí que eu comecei
a acelerar. (E15).
tal, né? Então a gente combina de todos lerem todo texto, né? Todo o livro, e das pessoas
se...é...vão apresentar determinadas coisas. A gente divide, né? Pra cada um ler, quando tem
uma parte escrita, pra cada um fazer sua parte escrita, né? E aí alguém, geralmente eu faço
isso, vai organizar essa parte escrita toda, num todo coerente e tanto em termos do texto em
si, como em termos de formatação e tudo o mais. E...o ideal, tipo assim, o que a gente sempre
181
se propõe a fazer é ter um momento de discussão...de discussão coletiva do assunto. Por falta
de tempo nem sempre a gente consegue ter esse momento de discussão ou às vezes a nossa
Tendo em vista estas falas somos levados a afirmar que no caso das práticas de estudo
mudança é que as práticas de estudo cada vez mais transformam o estudo numa tarefa a ser
cumprida. Por mais que os estudantes percebam as limitações dessas práticas, isto não parece
narrativas de vida, enfim, dificuldade em produzir um sentido para a vida. Daí a idéia de
corrosão do caráter que aparece como título de um de seus livros (Ibid). Para este sociólogo
algo se deteriora nas relações que se estabelecem na atualidade. Em seu outro livro, “A
cultura do novo capitalismo” Sennett (2006) não se cansa de perguntar: que tipo humano é
capaz de sobreviver nesse mundo. Embora a pergunta seja retórica por diversas vezes ele
encaminha uma resposta no sentido de afirmar uma impossibilidade de vida digna nesse
mundo:
Sem desconsiderar a tese de Sennett de que nossa atualidade produz mal estar nos
sujeitos e tendo em vista o público de nossa pesquisa – jovens universitários – ficamos nos
perguntando se ainda assim poderíamos falar num sofrimento em função da flexibilidade. Não
que não haja sofrimento, mas talvez seja de outra ordem. Nossos jovens já nasceram neste
182
fragmentação, o não compromisso, etc. fazem parte de sua constituição. Assim, mais
interessante do que refletir sobre o possível mal estar ou sofrimento que atravessa nossa
Sobre os efeitos das mudanças, destacamos a análise que o autor faz a respeito do uso
trabalho, tudo se resume ao apertar botões, digitar palavras, senhas, códigos. O trabalho torna-
se abstrato e por isso ininteligível. Se no passado falava-se que a rotina teria como efeito
perverso a alienação, o embotamento subjetivo, hoje, defende Sennett, muitas vezes o uso que
se tem das máquinas produz efeito semelhante. Aqui temos uma concepção diferente daquela
apresentada pelos teóricos do capitalismo cognitivo para quem o uso das NTIC coloca em
cena um uso criador das máquinas. Esses teóricos defendem que uma vez que as novas
máquinas apresentam uma estrutura cujas funções não estão previamente determinadas, o uso
delas implicaria na criação. Neste sentido, Sennett parece introduzir um problema semelhante
aquele que apresentamos: para além daquilo que é, existe sempre a questão de como usamos
Mais do que simplesmente revelar uma relação que se tem estabelecido entre homens
e máquinas, esta citação nos coloca diante de um tipo de funcionamento cognitivo que traz à
cena uma política cognitiva performática e eficiente. A criança é expert no jogo, funciona
muito bem naquele universo, sabe as regras que vão fazê-la ganhar. No entanto em nenhum
momento ela pára para pensar o porquê daquelas regras: por que elevar impostos leva a
183
motins? Chamamos atenção para o grifo no verbo parar. Ele é proposital. Justamente o que se
revela nesta passagem é que o tempo de curto prazo e a ênfase na flexibilidade não nos deixa
parar para aprofundar nos assuntos, refletir e pensar. As paradas são vistas como pontos de
inflexão para novos deslocamentos, não conferem ritmo. Não há tempo para a criação de
densidade e consistência. É interessante perceber o quanto esta discussão nos remete a forma
como a atenção está sendo capturada na atualidade que abordamos nos últimos capítulos.
criança entrevistada por S.Turkle nos estudantes: [...] Tem o ponto que eu considero de aula
mesmo, que aí eu vou...se eu não concordar eu vou entrar na discussão, vou tentar entender o
ponto de vista e tudo, mas eu vou fazer uma anotaçãozinha básica do que eu devo dizer na
prova, tem isso!(risos) Tem um ponto que eu olho e falo “por esse caminho aqui eu acho que
eu vou me dar melhor”. [...] Eu faço um pouco isso, às vezes com os textos também, de vestir
a camisa: pego uns conceitos que eu não concordo, coloco ali como verdade, e daí o resto faz
sentido, eu visto aquilo e vou. Depois que uma disciplina acaba, depois que a aula acabou, eu
volto aquilo tudo e não faz muito sentido de novo. [...] (E3). E3, assim como a criança que
joga o SimCity, sabe as regras que vão fazê-la ganhar. Não pára para pensar sobre aquilo que
está estudando, ou sobre o porquê, talvez, daquilo que o professor está propondo. Concorda
ou não com o que está sendo dito, mas não pensa com o professor ou com os textos.
sem, contudo, se restringir a ela. De maneira resumida a cultura do novo capitalismo define-se
apego ao passado que deve vir aliado com uma disponibilidade para mudanças. Sennett fala
sempre a procura de novidades e freqüentemente descarta bens antigos, mesmo que eles ainda
53
É importante destacar que quando Sennett fala do novo capitalismo ele não está se referindo ao capitalismo
cognitivo. Sennett usa a expressão capitalismo flexível. No entanto, diferente dos teóricos do capitalismo
cognitivo que se esforçam por definir a nova forma de capitalismo, Sennett usa a expressão em sentido amplo.
184
sirvam. Partindo dessa definição, poderíamos dizer que a fala de E3, apresentada acima,
aponta para uma relação com o saber marcada pela política do consumo. Neste sentido a
política do consumo seria outra forma de falar de uma política performática e eficiente.
Citamos outra estudante que ao comentar sobre como aprende revela as marcas dessas
políticas em suas práticas: Olha, onde eu mais aprendo é na aula, que é ouvindo. Depois
lendo. Fazendo trabalho também você aprende porque você lê, assim, você lê várias coisas.
Tipo assim, eu não chego a ler muito, eu não sou muito disciplinada pra fazer isso. Porque
pra você fazer um trabalho, por exemplo, você lê três, quatro artigos mais um texto. Assim,
eu não leio um artigo inteiro, passo os olhos no artigo, vejo o que me interessa e leio aquele
pedaço. Mesma coisa, às vezes o capítulo de um livro, eu não leio o capítulo inteiro, eu passo
os olhos, julgo o que me interessa e leio a parte que me interessa. E aí vou montando o
trabalho. (E9).
hoje isso nem sempre é verdadeiro. As novas tecnologias exerceram e exercem um importante
papel neste processo não apenas automatizando, mas diminuindo as distâncias, reduzindo as
mediações e acelerando as comunicações. Tal fato acaba por criar a idéia de que é preciso
estudante que revela como esta preocupação interfere sobre seu planejamento: Eu me formo
aqui em 2010, melhor, 2009 – ano que vem. Pô, eu vou querer dar uma descansada. Uns seis
meses, entendeu? Refrescando a cabeça, dar uma descansada. Mas depois desse tempo eu
acredito que é mais do que necessário. As coisas vão se atualizando. Não tem como uma
pessoa que se formou... É igual advogado. Advogado é uma vida meio dura, porque, pô, a
54
Sennett reflete sobre a diferença entre as concepções de formação na época do capitalismo social (concebido
por Bismarck e analisado por Weber) e na atualidade (tempos de capitalismo flexível). O que está em questão é a
superação ou a reformulação da idéia da Bildung. A Bildung consiste no processo de formação pessoal que
prepara o jovem para o encaminhamento de toda uma vida. Segundo o sociólogo, no século XIX a Bildung
adquiriu contornos institucionais e seus resultados tornaram-se concretos no século XX. E o século XXI? Será
que podemos trabalhar ainda com a idéia de Bildung?
185
tem a questão de você querer se manter no mercado e ter uma visão: “Pô, quero ser
excelente naquilo que eu vou fazer’., não tem outra saída. (E14). O ideal hoje é: “Um
conhecimento’” (Ibid, p.47). Contudo, nos parece fundamental destacar que ao lado da
de tarefas que se transformam a todo o instante. Neste contexto é preciso superar certas
formas de relação com o trabalho e, porque não dizer com o conhecimento. O sistema de
premiação também necessita ser repensado. Assim Sennett afirma que na cultura do novo
representam obstáculos a serem superados. Se, por um lado a meritocracia assume novas
formas a partir da noção de potencialidade, por outro lado, a perícia vai perdendo espaço neste
numa tarefa ou num assunto. Em alguns momentos do texto as idéias de perícia e de perito
aparecem através das noções de artesanato e de artesão. Perito e artesão seriam maneiras de
falar de um modo de conhecer e de se relacionar com o mundo que não se contenta com a
velocidade. Mas como ter tempo para se aprofundar? Como conciliar a perícia com a
exigência de uma “predisposição mental para a livre circulação” (Ibid, p.50)? Hoje mais
A ordem social que vem surgindo milita contra o ideal do artesanato, de aprender a
fazer bem apenas uma coisa, compromisso que freqüentemente revela-se
186
Chamamos atenção para o verbo militar: a nova ordem social milita contra o ideal de
artesanato. Destaca-se aí uma dimensão política. Defendemos, assim, que a adoção do modo
política cognitiva que como estamos vendo se mostra cada vez mais rara na atualidade.
remete aquela da atenção sustentada e da dificuldade que tem sido fazer durar a atenção neste
que Sennett nomeia como perito ou artesão encontra-se intimamente vinculado aquilo que
viemos discutindo nos capítulos anteriores a respeito do funcionamento atencional. Para que
consultor e do consumidor. O consultor está constantemente entrando aqui e ali sem nunca se
estabelecer em lugar nenhum. Ele circula e faz circular. Sabe superficialmente muitas coisas,
porém não se detém e tampouco se aprofunda em nada. A noção de consumo poderia talvez,
descrever este tipo de relação que se estabelece com o mundo. O que para nós, representaria
nova economia” (Ibid, p.125) e, ela aparece não apenas nas empresas e no mundo do trabalho.
O autor analisa, por exemplo, a questão do consumo na política 55: a questão da relação entre
os políticos, o uso do marketing e seus efeitos, etc. Em relação a isto, interessa-nos reter o
significado deste modo de ser consumidor. O consumo pressupõe uma sedução, um tornar as
coisas fáceis, simples e acessíveis. O importante no consumo não é aquilo que será consumido
55
Política aí é entendida como macropolítica. Sobre diferença entre a macro e a micropolítica cf. (DELEUZE e
GUATTARI, 1995).
187
– até porque hoje será uma coisa e amanhã outra, e, depois outra, etc. – o importante no
de estudo dos estudantes de psicologia: [...] Agora eu já sei que certas coisas não me
interessam e certas coisas me interessam. Apesar de que mesmo aquilo que não me interessa,
se tiver um seminário, se tiver alguma coisa assim, que não vai me cobrar nada depois... A
sala de aula é muito...pra mim não funciona, então se for uma bolsinha, eu até vou. [...]
Freqüento. Seminários, encontros. Até no encontro dos estudantes mesmo, tem muitas
palestras legais, tem muito debate. Isso tudo, qualquer assunto dentro da psicologia vai me
importante. É, uma ou outra palestra você vê que você, sabe assim? Já tá fazendo outra
coisa, mas você não ia saber se não assistisse. Mas tem muita coisa interessante que você se
surpreende ‘Nossa, isso tá acontecendo’, ou até identifica ‘Eu passei pelas mesmas
todo. Então, fica superficial. Mesmo assim eu acho válido porque você tá sabendo o que tá
acontecendo. (E6). E ainda: Porque se o estudo é aula, por exemplo... Eu participo pra
caramba de evento, entendeu? Se evento for barato ou se for de graça, muitas vezes eu vou.
Eu gosto, adoro os eventos. Entendeu? Não é nada que tenha alguém que me diga pra ir; eu
vou sozinha, não vou com colega. Hoje eu fui, foi um lá na Fiocruz. Entendeu? [...] Quando
tem palestra, essas coisas, eu fico assim, eu sinto uma sensação quase religiosa. Eu gosto
muito. [...] Olha, hoje, por exemplo, eu perdi a parte da manhã, porque eu tinha uma reunião
lá no estágio e não podia faltar. E aí eu vi que foi muito bom e anotei várias coisas pra
alguma coisa além daquilo. Muito difícil. Mas se for o caso, se aquilo eu for usar pra outra
188
coisa, é capaz de eu olhar, mas a chance é pequena. [...] Mas eu vou dividir com outras
pessoas com certeza. Entendeu? Eu vou, por exemplo, conversar com outras pessoas que
gostam de saúde mental: ‘Ah, eu ouvi isso, eu ouvi aquilo’ e eles vão me dizer outras coisas,
Através destas falas percebemos que a relação de consumo não se limita às matérias e
estar sendo vividos dentro desta lógica. A universidade transforma-se assim num centro
agenciador de serviços onde os estudantes são clientes ou usuários. Note-se que este
professores na produção desse tipo de relação. Sobre isso é interessante retomar a discussão
tecida no último capítulo a respeito do uso indiscriminado de filmes, clipes e Power points.
Novamente nos parece fundamental defender que a idéia não é adequar-se às demandas, mas
talvez produzir novas demandas. Cabe, portanto pensar no papel da universidade e dos
Portanto, quando as pessoas agem como consumidores estão deixando de pensar como
artesãos. Sennett defende que a grande questão é como está sendo organizado o prestar
atenção (Ibid, p.154-155). A observação de Sennett vai ao encontro daquilo que temos
a abrangência e a superficialidade.
189
comparece apenas quando ele passa a recobrir todo o funcionamento cognitivo, tornando-se o
modo por excelência de relação conosco e com o mundo. Dessa forma é preciso diferenciar o
potencialidade e as aptidões. Aquilo que foi realizado não é tão importante quanto a
identificar e recompensar o talento e, legitimar o fracasso. A questão que precisa ser colocada
é: o que é que significa ou, como é que se entende talento e aptidão? O problema a nosso ver
não está na premiação do talento, mas sim naquilo que se entende como talento. Na atualidade
o talento tem menos a ver com a perícia do que com a capacidade de aprender constantemente
novas capacitações, ser flexível. Nos nossos termos, tem menos a ver com a experiência do
[...] A gente acaba fazendo muito mais coisa com o estágio e com muita aula, aí o tempo pra
estudar em casa nem sempre é grande. Acabo fazendo mais coisa do que a gente tem tempo
defende que esta vive hoje um momento de culto da performance (Eherenberg, 1991). Tal
afirmação é feita com base num amplo trabalho em que examina ideais como competição,
Eherenberg toma tanto o esporte quanto o Clube e a empresa como possibilidades de pensar
as transformações sociais ocorridas em especial na França. Para isso, procura refletir sobre o
lugar que eles ocupam na sociedade contemporânea, trazendo à cena seus significados e
demonstrando como isto aponta para uma mudança no imaginário francês: da sociedade de
imperativo da ação está reverberando sobre as práticas de estudo. E7 constata algo que os
outros estudantes revelam em seus discursos sem dizer claramente: Estamos fazendo mais
assegurados pelas classes, na sociedade do “seja você mesmo” é preciso que cada um assuma
para si a tarefa e a responsabilidade de ser alguém. Vale ressaltar que embora de maneira
não seria uma exigência, mas uma possibilidade. Porém, é importante não perder de vista que
sempre tomados como pessoais. Quando um jogador faz um gol ou quando um time sai
vencedor, não há dúvida: ele é o melhor! Isso, contudo, não garante que ele sempre será o
Dessa forma, o esporte ressignifica o herói. O heroísmo moderno não é aquele das aventuras,
dos grandes feitos, mas é este do indivíduo qualquer que se singulariza, destacando-se da
massa por méritos próprios. Os méritos, por sua vez, manifestam-se sempre através daquilo
que é visível. A idéia implícita é que se o time venceu ou o jogador fez um gol é porque
houve trabalho, empenho e não porque já estava acordado o resultado. Neste sentido
1950, quando o país começava a se reerguer da Segunda Guerra Mundial. Diferente de tudo o
que existia até então, ela implementou um estilo de vida pautado no consumo e na aparência.
Numa época em que o consumo era considerado ainda alienação, o Clube Mediterranée o
56
Nos termos de Guattari, o que está em jogo no culto da performance seria antes processos de serialização que
de singularização (GUATTARI e ROLNIK, 1986). Isto porque este pensador reserva o termo singularização a
processos de subjetivação marcados pela diferença e não pela adaptação. No entanto preservaremos neste ponto
a nomenclatura usada por Eherenberg.
192
massa. Neste contexto o consumo deixa de ser passivo para ser ativo. Ele afirma-se a partir de
então não apenas como posse que se esgota nela mesma, mas principalmente como
individualista que hoje se torna banal. Segundo Eherenberg ele foi a primeira atividade de
consumo a realizar a democratização das aparências para seus clientes e pessoal. Assim como
A empresa, por sua vez, responde por uma combinação na vida pública do ideal da
competição - trazido pelo mundo esportivo - e, do consumo - pensado como meio de tornar-se
trazendo à cena a figura do empreendedor. Apresenta-a como referência para uma existência
que percorre. Este deve ser encarado como uma aventura em que se precisa cavar as próprias
estudo: Ah, acho que pensando nas notas, isso é básico (né?), assim, não querer repetir e tal,
minha entrada na faculdade, por opção de querer ficar um ano trabalhando. Então eu atrasei
minha entrada na faculdade, então agora eu vim muito focada em terminar nos meus cinco
anos, isso inclui não repetir em nada e tirar uma boa nota, até porque eu tenho vontade de
entrar nesses projetos... ou na empresa Junior, que é o...pra área que eu quero seguir, que é
de R.H.; e participar de outros prés, eu preciso meio que ter um currículo. Então eu fico
pensando na nota e no currículo, porque tem que ter um CR, tem que ter um CR alto e tal.
bastante cauteloso com suas observações ressaltando que seu trabalho está circunscrito à
performance no contexto político da França dos anos de 1980. Neste momento os franceses
viram a esquerda subir ao poder e por fim tanto à utopia de realização de um Estado
assistencial quanto à proposição de uma alternativa ao capitalismo. Era o fim das esperanças.
O lema “faça você mesmo” tornou-se um imperativo. A competição passou a ser encarada
conduta. Não existia nada em nenhum lugar e nem ninguém capazes de assegurar qualquer
corre atrás deles e se realiza através de ações pessoais. Já o neo-comunitarismo aponta para
uma solução onde o indivíduo fecha-se num grupo, assumindo uma identidade muitas vezes
A performance diz respeito, então, a uma forma de tornar-se alguém num contexto em
que nada mais nos garante a não ser nós mesmos e nossas ações. Cada um é responsável por si
e por seu destino. Exigências como ser empreendedor, possuir um projeto pessoal, assumir
mostrar-se sob pena de não ser ninguém: “Não existe identidade social senão divulgada no
espaço público onde um outro nos olha” (Ibid, p.41). Neste contexto é possível entender não
194
apenas o fascínio que os cada vez mais numerosos realities shows exercem sobre as pessoas,
mas também, no plano das práticas de estudo, a importância que o fazer e o mostrar-se vem
participar de pesquisas, freqüentar eventos, ainda que não haja tempo de bastidores para
estudar. A performance nos remete assim ao tema da ação e das aparências: “Ela (a
identidade) é da ordem da figuração porque as coisas não recebem mais sua significação de
uma ordem preexistente e fechada onde tudo tem seu lugar, mas delas mesmas em uma ordem
aberta e movente onde os pontos de vista são múltiplos e as referências reversíveis” (Ibid,
Graças a uma comparação permanente podemos nos tornar alguém ou, desaparecer.
formas que ela assume. A democracia é ressignificada a partir dos ideais da concorrência, do
consumo e da competição. Trata-se de uma democracia que não passa pela representação
política ou pelas lutas de classes. Isto não significa que a macropolítica (DELEUZE e
GUATTARI, 1996), a política dos partidos, das eleições, tenha acabado, mas ela não aparece
mais como o lugar privilegiado das disputas pelos direitos e pela sobrevivência. Hoje, cada
vez mais, é a competição, o consumo e a concorrência que definem nossos direitos e deveres.
Se esta nova formação democrática parece garantir aos indivíduos condições mais igualitárias
apropriar para tornar-se alguém – por outro lado ela tem levado à exaustão esses mesmos
consumo é praticamente inexistente. Daí o esforço cada vez mais sobre-humano de adequação
cada vez mais comum o aparecimento de doenças como a depressão nervosa, além de
problemas como estresse, insônia, angústia e nervosismo. Num livro de 1998 o sociólogo
195
francês aprofunda esta discussão analisando aquilo que ele nomeia como “a fadiga de ser você
ambíguo.
Uma questão interessante levantada por Eherenberg e, que possui estreita ligação com
o ponto que discutiremos em seguida, diz respeito ao lugar ocupado em nossa sociedade pelos
medicamentos psicotrópicos. Menos do que instrumentos terapêuticos, eles tem sido tomados
saúde para entrar no espaço público, no terreno das drogas e do dopping. Os medicamentos
psicotrópicos surgem como possibilidade de auto-assistência num mundo em que nada mais
química que os indivíduos ultrapassem seus limites correndo atrás da sua realização. Em
apresentados, nos chamou atenção o caso de uma pesquisa realizada com 500 estudantes da
sedativos e/ou estimulantes em período de provas (Ibid, p.267). Tal fato reforça a idéia de que
não é apenas o mundo do trabalho que está sendo atravessado por todas estas questões como
flexibilidade, curto prazo e performance, mas que isto está mais ou menos disseminado no
auxiliadores de performance. Muito pelo contrário, o discurso de alguns mostra forte oposição
em relação a isso: [...] Eu não gosto de remédio, eu não gosto da psiquiatria, eu acho que...
Eu não sou muito a favor desse tipo de pensar, porque eu tive uma amiga minha que
receitaram rivotril pra ela. Eu experimentei o rivotril e acho uma sacanagem dar aquilo pra
pessoa. Acho que só deve dar um remédio daquele pra alguém que realmente tá precisando.
[...] Eu experimentei. Eu fiquei seis horas...eu levei três tombos no chão, eu cai na escada, eu
machuquei o joelho, eu não conseguia nem pensar. [...] Eu experimentei exatamente pra
saber o porquê. Tinha tanta gente que eu conhecia tomando esse remédio pra depressão. [...]
(E10).
meu limite assim. Porque você começa a ficar numas “nóias”, assim que você nunca tá
fazendo o suficiente. Então eu queria ultrapassar, ficava até cinco horas da manhã
estudando. Então era meio o meu corpo já desistindo. Aí eu me entupia de café, fiquei com
gastrite (E5).
57
Não existe uma tradução exata para o português do termo ‘enhancement’. Alguns o traduzem como
‘aprimoramento’ (ITABORAHY, 2009), outros como ‘melhoramento’ (AZIZE, 2008) e há aqueles que preferem
‘otimização’ (KASTRUP e CALIMAN, 2008). Nós trabalharemos com otimização.
197
atenção e feito com que calorosos debates sejam travados é a prática de ‘otimização
cognitiva’ relacionada ao uso não médico por pessoas saudáveis de medicamentos como a
atingindo o humor e as funções vegetativas como o sono, o apetite e o sexo (FARAH, 2005).
(SSRIs) se inserem neste contexto, assim como o uso do Viagra (sildenafil). Além disto, a
para o presente e passado vemos que a educação, hábitos saudáveis como uma boa
informação e o café, como revela E5 no relato acima, também representam uma espécie de
otimização das funções cognitivas. Apesar de reconhecer tudo isto, estamos interessados em
58
A neuroética é um campo de estudo e pesquisa recente que nasceu em função dos avanços das neurociências.
Aborda questões relacionadas às implicações práticas das neurotecnologias para a vida dos indivíduos e da
sociedade. Como exemplo citamos as técnicas de imageamento cerebral e discussões acerca da privacidade e
alteração das funções cognitivas em pessoas saudáveis com o objetivo de otimização cognitiva. Vale destacar
que a inspiração para a neuroética foi a bioética – campo criado para a discussão das implicações éticas
relacionadas ao avanço da biologia molecular e da manipulação genética. Cf. Farah (2005).
59
Destacamos que nem sempre o uso não médico de medicamentos está referido à prática de ‘otimização
cognitiva’. Conforme defendem Rancine e Forlini (2008) além da ‘otimização cognitiva’, o uso não médico pode
estar relacionado ao abuso de drogas ou, a um estilo de vida.
198
analisar a forma mais recente, e que tem se tornado cada vez mais popular – sobretudo na
uso de psicofármacos com fins de otimização cognitiva, decidimos abrir um espaço neste
inúmeros efeitos colaterais. Foi preciso haver um significativo desenvolvimento no campo das
sem tantos efeitos colaterais surgissem. Hoje, portanto, vivemos uma situação em que temos a
efeitos colaterais.
No que diz respeito à otimização cognitiva Farah (2005) destaca serem as funções
executivas e a memória os principais sistemas alvo dessa prática. Tal fato nos chama a
atenção na medida em que vai ao encontro das formulações de Lazzarato (2006) sobre a
Eherenberg (2001) sobre a ênfase na performance. A resposta dada por Forlini numa
entrevista em que apresenta a sua pesquisa 60 é exemplar. Quando perguntada sobre a relação
60
“Abuse, enhancement or lifestyle choice?: Stakeholder perspectives on ethics and misuse of methylphenidate”.
Cf. Kastrup e Caliman (2008).
199
vinculação entre a exigência de uma certa performance que poderíamos dizer adaptativa –
maximizar o foco e a produtividade - e o uso – seja ele bom ou mau – de medicamentos cujo
efeito é uma melhoria das funções cognitivas. Por isso acreditamos que a discussão sobre a
medicamentos prescritos, sobretudo, para o tratamento do TDAH estão entre as drogas mais
usadas para fins de otimização cognitiva (FARAH, 2005; FORLINI, BOUVIER e RANCINE,
2007). Ao serem ingeridas elas aumentam a eficiência das funções executivas tanto em
citar as pesquisas de K.Hall et. al. (2005) e de C.Teter et. al. (2005) que abordam a questão do
aumentar o alerta, fornecer energia -, apareceu também a questão do uso recreativo associado
61
Tendo em vista a necessidade de prescrição médica para venda e consumo de medicamentos psicotrópicos, o
uso não médico representa um ato ilícito passível de punição.
200
para usarem o metilfenidato: trata-se de uma forma de fazer frente à experiência de excessiva
quanto aos não acadêmicos. Neste sentido os psicoestimulantes são vistos como meios para
tendo motivos para usarem medicações estimulantes, o acesso torna-se uma questão
importante” (Ibid, p.172). Segundo relato dos estudantes é fácil conseguir este tipo de
estimulante nas universidades (norte americanas) seja através dos colegas, seja através da
medicamento não é raro. Neste sentido existem nas universidades diversas pessoas que
possuem prescrição médica para medicamentos como a Ritalina e, que estão dispostas a
comercializá-la. Além disso, conforme comentam alguns estudantes não é difícil forjar os
sintomas do TDAH para conseguir uma receita médica. Itaborahy (2009) acrescenta ainda a
adolescentes em geral é decorrência de uma demanda dos pais e/ou da escola. Neste caso está
fronteiras são muito tênues entre aqueles que podem ou não ser diagnosticados como
201
possuindo/sendo TDAH. Tal fato faz com que se possa colocar sob suspeita os inúmeros
diagnósticos, o que sugeriria também uma prática de otimização cognitiva dando margem à
intensos debates éticos: Quais os efeitos a longo prazo deste tipo de droga? O acesso à
torno do uso não médico de medicamentos como a Ritalina está avançada, no Brasil ela
começa a ser realizada. O primeiro estudo acadêmico deste tipo está em andamento, sendo
Ortega. No início de 2009 começaram a ser defendidas dissertações vinculadas a este projeto,
repete, havendo poucas publicações que abordam questões referentes aos usos não médicos de
poucos, elas vão aparecendo. Citamos as reportagens “Pílulas para ficar mais esperto” escrita
por Stephen Hall e, “Cérebros Turbinados”, escrita por Arthur Caplan, ambas publicadas na
cognitiva em pessoas saudáveis merece destaque aquela que aborda os problemas éticos dessa
prática. Farah (2005) refere-se a três categorias de questões éticas: relacionadas à saúde,
psicoestimulantes por pessoas saudáveis é segura para a saúde? Quais os efeitos do uso
prolongado deste tipo de medicamento? Como isto afetará a sociedade? E aqueles que não
são acessíveis a todos igualmente. Será então que a liberação de seu uso para fins de melhoria
da performance cognitiva não irá acentuar as desigualdades já existentes? É justo alguém que
62
Para mais detalhes cf. Singh (2006).
202
não faz uso desses remédios competir com aqueles que usam? Será que haverá aumento nos
padrões de normalidade? Como ficará nosso entendimento do esforço pessoal? Neste contexto
o artigo de Greely et. al. (2008) merece destaque na medida em que defende a prática da
sob eles.
S.Rose num artigo escrito em 2002 reflete sobre as “drogas inteligentes” - smart
drugs” - analisando seus efeitos, as questões éticas e, o que nos parece de especial
cognitivo? Citamos a parte final do texto que parece apontar para uma reorientação nas
Minha aposta é que, assim como os esteróides para os atletas, eles (os
medicamentos psicofarmacológicos) se tornarão legalmente incontroláveis e como
sociedade precisaremos aprender a viver com eles. Mas alguma forma de regulação
será necessária e isto pode ser melhor obtido através de algum tipo de consenso
democrático, talvez através de discussões nas várias formas de júris cidadãos e
fóruns de tecnologia como aqueles que muitas cidades na Europa estão
experimentando no contexto de desenvolvimento da genética. Mas é importante
que tentemos ser proativos em relação ao desenvolvimento tecnológico ao invés de
estar constantemente fechado para as portas já abertas. E talvez devamos começar a
perguntar uma questão diferente: O que há com a forma que vivemos hoje nas
sociedades industriais avançadas que leva as pessoas a procurarem fixação
farmacológica? Deveríamos estar gastando menos tempo procurando ajustar
nossas mentes e mais em ajustar a sociedade? (ROSE, 2002, p.978 – grifo nosso).
A argumentação de Rose chama atenção para questões centrais: Os remédios estão aí,
não dá para voltar atrás. É preciso aprender a viver com eles. Neste caso a elaboração de uma
regulação é importante e, melhor que seja feita no coletivo de forma democrática. Dito isto,
ela opera uma inflexão trazendo a cena duas perguntas cruciais. Estas nos parecem reorientar
as discussões: “O que há com a forma que vivemos hoje nas sociedades industriais avançadas
que leva as pessoas a procurarem fixação farmacológica? Deveríamos estar gastando menos
talvez, a discrepância entre os dados da literatura e os nossos achados pode estar apontando
para aspectos singulares da subjetividade e das práticas de estudo dos estudantes brasileiros
raro os estudantes entrevistados por nós apontarem a necessidade de respeitar o próprio ritmo
e aceitar seus limites. Ao falar sobre sua preparação para estudar E4 destaca: [...] Então, eu
fazendo, tô fazendo aquilo por alguma razão, de que eu tô...de que aquilo ta tendo um ganho.
Por exemplo, se eu começar a estudar com sono, eu paro de estudar e deixo pra ler outro dia,
que eu vejo que se eu ler aquilo vai ser como se eu não tivesse lido nada, e aí eu deixo pra
outro dia [...] (E4). Sobre o estudar E14 afirma: É preciso e eu faço. Porque é aquilo, né?
Não necessariamente porque um negócio é chato, não quer dizer que você não vai fazer. É
preciso, eu faço. Quando eu vejo que não está funcionando, eu falo: ‘Pô, hoje não vai render.
Tem que me preparar mais’. Às vezes são coisas da vida, você ta com uma dor de cabeça
daquelas, não dá. Às vezes, sei lá, minha esposa falou uma coisa que eu não gostei. São
coisas da vida, tá a mãe, alguém doente. Alguma coisa da vida que você não consegue... Hoje
não dá, vai ter um dia que dá. Eu também não extrapolo os meus limites. Entendeu? Como
por exemplo, ontem... Eu tô com um problema aqui no siso, eu to com uma dor de dente
horrível e deu dor de cabeça horrível. Eu falei: ‘Eu não vou estudar hoje. Não vai dar, eu vou
pra casa. Eu vou pra casa, vou ver minha televisão, vou descansar, tomar um banho, relaxar,
dormir cedo, tomar algum remédio pra ver se passa, porque não vai rolar’. É claro, estudar
requer sacrifícios, mas até os sacrifícios tem momentos pra serem aplicados. (E14). Esta
atitude em relação ao estudo nos faz pensar que talvez a presença desses aspectos da
204
prazo, a ênfase na performance, etc. tenham pesos diferentes aqui e lá. Talvez o mercado
profissional americano seja mais competitivo que o nosso. Ou ainda, a cultura brasileira pode
estar amenizando o impacto desses aspectos. Outra hipótese que não exclui as anteriores, é
que os estudantes brasileiros não se preocupam tanto com os estudos quanto os americanos.
Porém, são apenas suspeitas que merecem ser investigadas de modo sistemático e
chegou a conclusão que no Brasil o sistema de ensino facilita a vida do universitário: [...]
sentido em que a carga horária das matérias é muito menor, mas muito. Aqui na PUC as
matérias padrão têm sessenta horas o semestre, cada matéria. Lá tinha matéria que tinha
doze horas o semestre inteiro. Teve uma matéria que eu tive quatro aulas no semestre. Então,
assim, o professor vai lá, ele vai falar uma vez. Se tiver lá que bom, se não tiver, perdeu. Na
aula seguinte ele não vai falar o que ele falou na aula passada nunca. Isso muda muito
porque aqui a gente fica, sei lá, duas semanas falando mais ou menos da mesma coisa.
Complementando, trazendo exemplos assim, mas o assunto é o mesmo. Lá ele fala uma aula,
na seguinte ele vai ta falando de outra coisa. Então... eu acho, foi o que eu entendi, o ensino
na França é muito do aluno no sentido de que é ele que vai ter que explorar lá no fundo do
texto, entendeu? Pelo menos foi o que eu percebi, posso tá falando...talvez não seja assim.
Mas como eu me senti, porque não tinha é...eu não tive como eu tenho aqui, assim, textos que
a professora fica debatendo e dando aula em cima de um texto durante duas semanas, sabe?
Não teve isso. É mais assim eles vão falar: ‘Leia o texto tal’. Você vai ler. Aí você vai em uma
aula. Aí naquela aula ele vai falar sobre esse texto, na segunda aula ele não vai mais falar
205
desse texto. [...] (E11). Mais uma vez somos obrigados a destacar que ao nos debruçarmos
sobre as práticas de estudo dos estudantes na contemporaneidade não podemos perder de vista
Também, porque você tá...meio que lendo um texto, concentrado numa coisa, mas você tá na
sua cabeça que você tem que estudar mil outras coisas, tem outro texto, tem outra aula, então
eu acho que às vezes é um pouco exacerbado sim, e acaba prejudicando...[...] Parece que
você tem que cumprir um conteúdo de quantidade, digamos assim e não de qualidade. Ainda
mais que eu costumo puxar um monte de coisas, então eu tô em sempre bem assoberbada com
então eu vou puxando muito, eu gosto de me sobrecarregar também... [...] Não digo
sobrecarregar, mas sentir que eu estou adiantando as coisas...Assim, se dá para eu fazer, por
diferentes – Larrosa dialoga com o campo da educação e Caiafa com o da arte e da técnica –,
de Guattari, seria preciso dizer que no culto da performance estamos diante de práticas de
Larrosa (2004) chama atenção para a destruição que a contemporaneidade está operando:
A experiência é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos toca. Não o
que passa ou o que acontece, ou o que toca, mas o que nos passa, o que nos
acontece ou nos toca. A cada dia passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,
quase nada nos passa. Dir-se-ia que tudo o que passa está organizado para que nada
nos passe (Ibid, p.154).
Uma vez dito isto, lista e analisa quatro razões que lhe parecem participar deste
dificultam que algo nos aconteça. São elas: o excesso de informação, o excesso de opinião, a
falta de tempo e, o excesso de trabalho. A argumentação de Caiafa por vezes esbarra nestes
problema permite que retomemos com esses autores as principais questões tratadas não
apenas neste capítulo, mas também ao longo da tese. Isto porque nossa investigação acerca
partir de um balizamento que colocou num extremo o estudo como tarefa e, no outro, o estudo
contemporaneidade nos fará refletir não apenas sobre como esta contemporaneidade atravessa
as práticas de estudo, mas também nos ajudará a ir além, no sentido de pensar como tudo isso
se articula com a experiência. Será que existe espaço na atualidade para o estudo como
Conforme a própria expressão sociedade da informação revela, existe hoje uma forte
que Larrosa argumenta é que, não só a informação não é experiência, como também ela não
deixa espaço para que a experiência aconteça. Vejam o relato de E1 apresentado acima. A
estudante se queixa do excesso de coisas das quais tem que dar conta. Isto faz com que acabe
quantidade de matérias a serem feitas para que pudesse se aprofundar nos estudos. Adiantar as
coisas é o seu objetivo! Mais do que procurar as causas desse comportamento em fatores
característica, dentre outras, é lidar com o conhecimento como se fosse apenas informação.
O sujeito informado sabe muitas coisas afinal, passa boa parte de seu tempo buscando
informações. Ele tem receio de que algo lhe escape, de que não esteja suficientemente
atenção vigilante, isto é uma atenção que está o tempo todo focada naquilo que não pode
deixar passar. Porém este movimento incessante e obsessivo em direção à informação impede
que algo lhe aconteça, que haja, ou que viva a experiência. A atenção não se abre para aquilo
que não é previsto ou pré-suposto. Sobre isso Caiafa (Ibid) explica que a informação não
possibilita a experiência, pois se esgota ao ser consumida. Falta nela uma abertura para a
superficial. Para que haja experiência é necessário um lapso temporal que permita a criação de
sustentada.
atenção via esforço aproxima-se da discussão sobre vigilância. Pela via do interesse aparece a
idéia da rede e é trazido o exemplo do gênio. Ora, a rede tecida pelo gênio que nomeamos
como rede transversal parece justamente materializar as idéias de Caiafa. Assim, juntando
James com Caiafa podemos afirmar que o funcionamento atencional do gênio extrapola o
variar o mesmo, encontra diferenças na repetição. Daí a idéia de uma rede transversal e densa
em oposição à rede horizontal e superficial. Em relação a esta última, a partir de agora, com a
Larrosa propõe uma distinção entre o saber das coisas (informação) e o saber da
Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou
uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola,
podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais
informação que antes sobre alguma coisa, mas, ao mesmo tempo, podemos dizer
também que nada nos passou, que nada nos tocou, que, com tudo o que
aprendemos, nada nos sucedeu ou nos aconteceu (LARROSA, 2004, p.154).
qual nos fala Caiafa. Ainda sobre a passagem anterior merece destaque a idéia de que o
assistir a uma aula ou a uma conferência, poderíamos incluir o estudar, são coisas que podem
ser feitas de muitas maneiras. Larrosa fala de dois tipos: da busca por informações que, a seu
ver, torna-se cada vez mais hegemônica e, da vivência de uma experiência. Neste mesmo
sentido Caiafa defende: “Tudo vai depender da qualidade dessas relações” (CAIAFA, 2000,
p.28).
de uma mesma moeda. A opinião, assim como a informação tornou-se um imperativo. Não
existe pessoa informada que não opine. Se não opina é porque não está informada. Aqui a
discussão aproxima-se daquela realizada por Eherenberg. É como se as opiniões fossem a face
209
visível do sujeito informado. Além disto, assim como a informação, a opinião dificulta ou até
educacional Larrosa defende que ao longo de toda a nossa formação escolar estamos
nossas opiniões. Deste modo tornamo-nos sujeitos competentes em responder como se deve
às perguntas dos professores: “Diga-me o que você sabe, diga-me com que informações conta
Talvez por isso, para evitar que o pensamento seja reduzido a opiniões, Caiafa (2000) defenda
pensamento se inscrevem nesse tempo em que os efeitos não se esgotam no momento da sede,
mas vão repercutir mais além e em seguida, muito depois, num lapso que é o domínio mesmo
Simplesmente os que não leram ficam calados ou ouvindo. Ou se o professor polemiza, ele
vai falar porque todo mundo tem uma opinião sobre alguma coisa ou se não tem, vai formar
opinião ali na hora. Mas essa questão de trazer a opinião do aluno sobre o assunto,
polemizar, funciona. Já participei de aulas em que o aluno não leu nada sobre o texto, mas
são assuntos...principalmente psicologia que fala dos seres humanos, fala da gente, fala do
nosso vizinho, fala da nossa mãe. Então, a gente tem opinião sobre a coisa (E4). Tal fato nos
auditório. Será que é disso que se trata? Será que agora ensinar psicologia será como realizar
programa de auditório? Não podemos negar a proximidade entre o saber psicológico e o senso
210
comum, no entanto se estudar psicologia se reduz a emitir opiniões, para que a universidade?
Diante disto, nos parece crucial pensar o papel da universidade - através de seus professores e
dispositivos - na produção deste tipo de subjetividade que acredita que a aula interessante é
aquela em que o professor demanda apenas opiniões e onde não é preciso nem mesmo ler os
compromete e tampouco se sacrifica parece, então, descrever com precisão essa face da nova
subjetividade.
Segundo análise de Caiafa as invenções técnicas que surgiram entre o final do século XX e
início do XXI são responsáveis por essa nova vivência temporal. Independente do motivo, o
que chama atenção é este tempo veloz, fugaz, que nos escapa e que mobiliza em nós uma
obsessão pela novidade. Esta é outra forma de abordar o tempo do curto-prazo analisado por
Sennett. A obsessão pela novidade manifesta-se em diversos domínios de nossa vida. Desde a
em nossa formação:
Vejam o que E10 faz quando não tem nada para fazer: [...] Às vezes eu não tenho nada
para fazer, sento na Internet e fico olhando as novidades do mercado, essas coisas. [...] Ah,
211
eu busco no Google ou então... busco mesmo programa de estágio, né? Ver o que está mais
Não existe espaço para o “perder” tempo fundamental à experiência e, assim, tudo
passa. Os acontecimentos na forma de estímulos se substituem uns aos outros e, embora nos
choquem, dificilmente deixam marcas. Daí a conclusão de que essa falta de tempo que se
manifesta por um excesso de velocidade acaba por impedir a memória (Ibid, p.157). Nada se
O quarto e último fator analisado por Larrosa é o excesso de trabalho. Para ele, o
trabalho é toda a atividade que deriva da pretensão do homem em conformar o mundo ao seu
p.160). Vale destacar que num mundo em que a ação é uma exigência – não se pode parar,
subjetividade e não como uma doença ou transtorno. Ele também nos fala de uma
silêncio seria neste caso o equivalente daquilo que Caiafa nomeia como densidade: “O que
chamei acima de ‘densidade’ (tempo preenchido pela experiência) é o que falta na pressa de
abreviar” (CAIAFA, 2000, p.19). Percebam como esta argumentação vai ao encontro das
questões analisadas nos capítulos anteriores a respeito das práticas de estudo dos estudantes e
estudantes, com um território repleto de estimulação que convoca a uma atitude reativa e não
sustentada.
No entanto conforme destaca Caiafa (2000, p.61) o obstáculo nunca é absoluto, nunca
veda sem frestas. Desse modo, apesar da experiência estar cada vez mais difícil por excesso
de informação, excesso de opinião, falta de tempo e excesso de trabalho, ela não é impossível.
A análise das entrevistas sugere que o critério de tudo ou nada não é suficiente para
dar conta da relação entre estudo e experiência. Conforme observamos, muitas vezes um
espaço é aberto na relação entre o estudante e o estudo. Isto nos parece apontar para o
consistência. Citamos a fala de duas estudantes que relatam situações onde vemos nascerem
os germes da experiência que logo acabam sendo abortados. E9 conta sobre a sua relação com
o texto: ...Não, às vezes eu acho o texto interessante, mas aí poxa, já deu - o texto é muito
grande, sabe? Aquela coisa assim, às vezes eu penso: ‘Poxa, dava pra falar isso em, sei lá,
cinco páginas. Pra que é que precisa de quinhentas, sabe?’. Assim, eu gosto do início, aí
depois vai ficando chato, vai começando a repetir muito, então... aí eu acho chato. Eu gosto
do início, depois eu canso (E9). E8 ficou muito satisfeita com um trabalho que realizou para
uma disciplina em que conseguiu conciliar o estudo com seu hobby que são as fotografias. O
professor também gostou daquilo que foi produzido pela aluna e por isso propôs outro
desafio, um novo trabalho. No entanto E8...: Ele tinha me sugerido que eu lesse um outro
livro e tirasse fotografias dele. Tipo, fazer como se fosse um outro trabalho. E aí eu achei o
livro hiper difícil, li metade do livro e não li mais, não tirei fotografia nenhuma. Nunca dei
O que acontece na relação de E9 e E8 que faz com que a experiência que começa a
funcionamentos atencionais nos ajude na formulação de uma resposta. Nos dois casos o que
213
começam bem. Parecem se envolver com aquilo que estão fazendo, dando início a produção
de uma nova relação com o estudo e consigo próprias. Mas depois de um tempo, “já deu!”. A
atenção não consegue estabelecer um ritmo em que alterna tensão e distensão. Permanece
tensionada e quando não dá mais..., desiste, pula para outra coisa. Assim a experiência que
começa a despontar, desaparece sem deixar marcas. Na melhor das hipóteses, como no caso
de E8 ela deixa uma certa saudade, que no entanto não é suficiente para ajudar na sustentação
da atenção.
ao funcionamento atencional, sendo aprendida através de práticas que, por sua vez, estão
inseridas num contexto mais amplo que estamos chamando de contemporaneidade. Porém, é
interessante notar que apesar das práticas serem atravessadas e marcadas por esse contexto,
Vimos no primeiro capítulo que nenhuma prática se faz no vazio, sempre há um contexto que
maneira co-engendrada sujeitos e mundos. Assim, o contexto circunscreve, mas não limita. A
prática pode pelo seu próprio movimento nos levar por caminhos inesperados e
próprio estudante outro modo de se relacionar com ele mesmo e com o estudo. Faz nascer,
opinião, da falta de tempo e do excesso de trabalho, ainda é possível haver estudo como
experiência. Ela nos conta sobre seu processo de elaboração da monografia: Com certeza!
214
Uma monografia muda. Muda. Muda tua forma de enxergar. [...] Com certeza. Mudou,
mudou. Eu queria ter os livros pra ler, entendeu? Muitos livros eu peguei emprestado com a
supervisora, e eu queria aqueles livros pra mim (risos) (E6). A relação com o estudo também
muda: Muda. Muda, porque você começa a dialogar com os autores, tipo ver não sei o que ou
então, ‘aqui fala de sujeito objeto, relação sujeito-objeto’. Você vai querer falar depois. [...]
(E6).
Dada a importância disto que aconteceu com E6, vale acompanhar seu relato:
[...]
E6: É. Eu... Lá em casa tem uma mesa de vidro, né? Que é a sala, a mesa de jantar. E aí eu
sentei com aquele bando [ênfase] de texto com o computador – laptop da minha mãe – e
B: Você se sentiu perdida em algum momento? Pensou, por onde vou começar?
E6: Me senti em muitos momentos. Muitos momentos eu pensei ‘O que é que eu faço agora?
anotações, então isso facilitou muito a minha vida, de lembrar coisas que eu teria perdido se
eu não tivesse anotado. Então..., a minha dificuldade maior era encaixar as coisas, formar
um texto corrido ou então dentro dos capítulos uma forma de dizer, passar o que eu queria
passar sem ser maçante, sem ser chata, sem ser repetitiva, sem ser sintética demais também.
E6: Me senti no início..., pensei, ‘Por onde eu vou começar?’, mas como eu precisava
produzir, eu não me deixei ficar muito perdida. Mesmo perdida eu comecei a fazer.
[...]
E6 conta que junto com ela na sala havia uma amiga que estava fazendo um outro trabalho,
E6: É. Televisão nem ligou, computador era nosso material de trabalho mesmo. Não liguei
MSN, não liguei email, não liguei Orkut – esqueci disso tudo.
[...]
E6: Tinha horas que não. Tipo, a gente ficava hora e meia, duas horas em silêncio, aí às
vezes eu comentava alguma coisa do texto. Aí, se ela comentasse o que eu tinha comentado e
começasse a virar uma conversa, aí se eu tivesse muito cansada, eu dava asas a nossa
conversa pra distrair um pouco, se não eu falava: ‘Oh, vamos voltar, produzir, produzir’. Aí
cortava e voltava.
[...]
E6: As idéias eu já tinha colocado soltas, então eu já ia escrevendo no corpo do texto mesmo.
[...] É, eu abria janela lia. Eu usei também um PowerPoint que eu apresentei, que era um
PowerPoint sobre a monografia. Então eu usei o PowerPoint como roteiro também. Aí eu:
via ‘Agora eu falo disso. Ah, não, mas eu vou deixar isso pra falar depois.’, aí continuava,
assim, a escrever. Só que essa escrita, ela às vezes era suada, assim, né? Às vezes eu não
encontrava a palavra, aí o Word já te dá o sinônimo, sabe? Você clica no botão direito, vai
no sinônimo se você não quer repetir. E fui assim, fui construindo assim.
B: O fato de você abrir essas janelas todas mudava a sua atenção em relação ao texto?
E6: Não. [...] Na verdade tinha um zilhão de janelas abertas porque além das anotações,
além dos sites que eu busco, que tavam abertos também...Além disso ainda tinha as outras
monografias que eu tava vendo como é que era, como é que se escrevia monografia.
[...]
216
B: Aí você foi escrevendo. Escreveu também o capítulo 1. Você escreveu todo o capítulo 1
neste dia?
E6: Na verdade eu escrevi, eu não lembro direito, mas eu acho que eu escrevi, acho que são
mais ou menos uns sete capítulos ou oito capítulos, então eu acho que eu escrevi uns quatro
ou cinco capítulos.
B; Nesse dia?
E6: É. Depois eu fui arrumando direito. Eu tinha que escrever alguma coisa. Eu não lembro,
aquilo foram cinco dias, cinco noites escrevendo direto. Pode ser que eu esteja confundindo
alguma coisa, mas nesse dia, pelo menos... Quando eu terminei de manhã assim, já eram
[...]
[...]
E6: De madrugada? Não. Eu me surpreendi, porque primeiro eu não bebo café, eu não gosto,
nem...eu até bebo coca-cola, mas não bebi coca-cola. Eu fiquei acordada com a minha
puro (rs), eu ia na panela de arroz, metia a colher e comia arroz, aí voltava. Minha amiga:
‘Você ta comendo arroz?’ (rs), eu: ‘É, tô comendo arroz, é o que tem. Eu quero mastigar
alguma coisa, vou comer arroz.’ (rs) – Comia colheradas de arroz puro assim, sabe? Era o
que eu comia, porque eu nem...eu não tava com vontade de comer, a minha vontade de
escrever era maior que qualquer coisa. Mas aí também a vontade, às vezes, de se distrair um
pouco.
[...]
Quando acabou: Quinta-feira. Quinta-feira, e eu fiquei com uma ausência de alguma coisa
depois que eu entreguei. Falei: ‘Acabou?! Passou?!’ Eu tô desde de domingo, minha vida, eu
217
parei tudo, não fui à aula de violão, parei tudo. Parei tudo literalmente pra fazer essa
monografia. E ela saiu em cinco dias. E aí depois eu fiquei naquela ausência, eu falei pra
minha supervisora: ‘Eu quero continuar a trabalhar nela. Eu quero aprimorar. Eu quero...’,
ela falou: ‘Se você quiser, não tem como substituir pra secretaria municipal de saúde, mas
tem como trabalhar pra deixar aqui.’, eu falei: ‘Tá, eu quero’. (E6).
alguns momentos chegamos até a vislumbrar a presença de políticas cognitivas que podem vir
a se desdobrar num sentido potente. Tal foi o caso da política marcada pela curiosidade e pelo
desejo de saber que discutimos no quinto capítulo. Em outros, vimos que a experiência até
não ganha consistência, desaparecendo antes de deixar suas marcas. Apesar disso E6 nos
revela que, apesar de tudo, ainda é possível a vivência do estudo como experiência. Mesmo
informações excessivas, pela atenção que se alterna entre as inúmeras janelas abertas na sua
frente E6 sai de seu estudo transformada. Descobre não sem sofrimento – “Não sabia o que
fazer, mas tinha que começar”- o barato do estudo - “fiquei acordada com a adrenalina de
fazer a monografia”.
Através da análise de seu relato percebemos que a experiência não estava lá desde o
início. A vivência do estudo como experiência também não era a orientação de E6. Como
sua própria prática de estudo, a experiência se fez. Foi uma conquista nascida a meio caminho
entre a estudante e material de estudo. O profundo vazio sentido ao final do trabalho e o gosto
218
de quero mais podem ser interpretados como signos que revelam que algo diferente aconteceu
desejo de saber. No fim, tanto faz se é possível reescrever a monografia, receber uma nota
melhor, o que se deseja é continuar estudando. Mas o que tornou possível que o estudo de E6
Sem pretender dar uma explicação definitiva, acreditamos poder encontrar junto com
Larrosa (2004) algumas pistas. Para o filósofo da educação, apesar do caminho hegemônico
que a contemporaneidade parece traçar e que aos poucos vai limitando nossas oportunidades,
a experiência ainda é possível. Basta o cultivo de uma relação mais acolhedora e silenciosa.
Citamos:
A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a
delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e
dar-se tempo e espaço (Ibid, p.160)
Apesar da crítica que podemos fazer à atitude de E6 de deixar para última hora a
práticas de estudo. Não resta dúvida que os cinco dias de escrita da monografia foram dias de
suspensão e, talvez por isso, de intensidade. A estudante revela: “Parei tudo”. Embora não
tenha chegado à situação ideal narrada por Larrosa, E6 instaurou o silêncio em seu cotidiano.
Talvez um pequeno silêncio, mas certamente um silêncio. O momento de estudo e escrita não
foi dividido com TV, e-mail, Orkut ou MSN. Ela fala: “Esqueci tudo”. Sua atenção mantinha-
monografia. Às vezes era preciso parar para se distrair um pouco. Mas as paradas, reparem,
eram preenchidas por comentários sobre o próprio texto ou por colheradas na panela de arroz.
como tarefa foram dando lugar a uma nova relação com o estudo e com ela mesma, cujos
efeitos apontam para um desejo de continuar estudando. Dessa maneira podemos afirmar que
houve na relação de E6 com seu estudo e consigo a produção de uma bifurcação. Esta não
estava prevista e tampouco garantida desde o início, mas nasceu e transformou E6 e sua
relação com o estudo. Não podemos saber se esta relação será mantida, mas certamente esta
Considerações Finais
Nesta última década do século XX, podemos nos limitar a acomodar e a assimilar a
diferença e os desafios que nos confrontam em tantas frentes simplesmente
trazendo-os para dentro dos quadros de referência normativos atualmente
existentes? (GREEN; BIGUN, 1995, p.211)
fim, sendo puro processo. Ela segue e se desenvolve por conexões, explodindo em variações,
permite que de tempos em tempos mapas sejam traçados, um contorno seja definido.
Certamente estes são parciais e sempre provisórios. Retratam um momento. Constroem uma
versão para o mundo a partir dos encontros estabelecidos. Assim, a idéia agora é retomar
algumas considerações acerca da versão da cognição contemporânea delineada por nós nesta
tese a partir da investigação das práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município
do Rio de Janeiro. Pretendemos com isto explicitar as conclusões a que chegamos depois
deste longo percurso realizado em seis capítulos. Lembramos, contudo, que numa cartografia
colocarem um ponto final, apontam para novas linhas a serem inventadas e percorridas. Como
os estudantes estão estudando? Qual a relação que estão estabelecendo com eles mesmos e
alicerces a partir dos quais a tese foi tecida. Com a ajuda de autores como F.Varela,
que a simples aquisição de conhecimentos, produz efeitos. Produz sujeitos e mundos. Produz
políticas cognitivas. Assim, toda e qualquer avaliação das práticas de estudo dos estudantes
221
deveria levar em consideração os efeitos produzidos. A partir de então ficou subentendido que
não acreditávamos haver formas naturais de estudar. Como nos ensina Foucault (1995a) o
estudo é aquilo a que as práticas dão lugar. Em outras palavras, explicitamos que a nossa
intenção não era julgar ou comparar o estudante de hoje com o de ontem, mas avaliar os
cognição num mundo que traz para primeiro plano o conhecimento e a aprendizagem. Tratou-
produzidos esclarecemos que falaríamos de práticas mais ou menos potentes e que o nosso
nosso compromisso com uma política cognitiva que privilegia a criação e não a reprodução,
contemporaneidade deveria passar por uma análise dos dispositivos utilizados e seus
constrangimentos. Neste momento as falas dos estudantes foram trazidas a cena, revelando a
suas possibilidades, mas também as suas limitações. No entanto, para a nossa surpresa, isto
não os faz abandonar o computador-internet que parece ter vindo para ficar. Os comentários
dos estudantes apontaram, por exemplo, para uma dificuldade de pensamento no acoplamento
da cognição com o computador. Isto que poderia ser visto como um limite intransponível em
errância e o estudo no transporte. Outro dispositivo bastante usado pelos estudantes são as
“xerox”. Estas são, em geral, artigos ou capítulos de livros selecionados pelos professores e
dos campus universitários. Desse modo percebemos que o livro tem perdido espaço nas
chamou a atenção. Apesar de saber que aprende melhor usando livros, quando tem que
cumprir um objetivo específico, prefere textos avulsos. Ora, será que a preferência pelas
“xerox” estaria revelando que o estudo está sendo tomado pelos estudantes apenas como uma
tarefa a ser cumprida? Por outro lado, sua fala fazia ver que efetivamente parece haver na
contemporaneidade uma divisão que coloca de um lado o estudo como experiência e, do outro
o estudo como tarefa. Esta, é interessante notar, não retoma ou refaz a tradicional distinção
quanto a compreensão podem estar submetidas ao estudo como tarefa, não dando conta do
tarefa foram melhor trabalhadas. Através da apresentação de um panorama dos estudos sobre
o estudo operamos uma distinção entre o estudo como tarefa e o estudo como experiência.
Vimos que muitas vezes o apelo à experiência é apenas uma estratégia de autores e/ou teorias
Contudo estas propostas como é o caso do Estudo Dirigido (RONCA, 1982) ou das técnicas
(2002), por um lado, e de Larrosa (2001, 2003a, 2003b), por outro, permitiram delinear outro
caminho nos estudos sobre o estudo, recuperando a potência do estudo como experiência.
No estudo como tarefa todos os problemas já estão dados. Nada novo é criado. As
respostas já são sabidas de antemão. Senão pelos estudantes que continuam estudando para
saber as respostas corretas, pelos professores. Dessa forma, mesmo que neste caso o estudo
envolva a compreensão, ele resta sendo reprodução. Sua preocupação recaí, em geral, sobre a
em questão. Portanto, é apenas no estudo como experiência que o novo e a diferença podem
pode não apenas nos transformar, mas também deformar. A deformação sendo entendida
como um processo que nos lança num movimento de problematização sem fim. Nos termos
de Dewey (1980) – precursor da aposta no estudo como experiência -, a deformação seria não
conseguir voltar à ação depois do padecimento. Afirmamos então que o estudo como tarefa e
dentro dos limites seguros do já sabido ou trabalhar sobre os limites do saber, arriscando a nos
(1980) aprendemos também que o estudo como experiência possui um tempo justo que pode
ser descrito como um ritmo que coordena ação, padecimento e transformação. A vivência da
práticas de estudo dos estudantes de psicologia tinha se feito sentir a partir do assombro diante
das mutações no mundo contemporâneo que, dentre outras singularidades, parecia colocar em
224
LAZZARATO, et.al., 2001; LAZZARATO, 2006). Esta revelou a importância das funções
cognitivas e, em especial da atenção nas novas formas de produção. O que nos levou a
1997). Apesar das diferenças que separam as duas propostas concluímos que ambas
concordam que a atenção tem sido alvo de maciços investimentos pelas forças capitalistas.
Dessa forma sugerimos que os teóricos da economia da atenção reiteram por outras vias a
sobre a atenção. Se a atenção é o processo mais mobilizado pelo capitalismo, então era lá que
ou fechar-se na tarefa. Foi então que compreendemos o porquê de ser precisamente este o
processo cognitivo o mais investido pelas forças do capitalismo contemporâneo. Afinal, neste
capitalismo há, por um lado, uma valorização da criação, mas por outro, exige-se que esta
permaneça dentro dos limites seguros da produtividade e do lucro. Nos termos de Rolnik
(2003) trata-se da criação cafetinada pelo capital. Já para Kastrup (1999) não se trata de
insuficiente, e até mesmo, incompatível com a idéia do estudo como experiência. Dá conta e
delas revelaram novamente uma forte orientação dos estudantes para um estudo como tarefa.
Vimos, por exemplo, que o freqüente comparecimento da música nas práticas de estudo
parece cumprir diferentes funções. Desde abafar os sons, relaxar até, o que nos pareceu mais
música. É como se a música ajudasse os estudantes a manter a atenção no estudo. Por mais
estranha que esta idéia pareça – afinal, poderíamos pensar: como um som pode ajudar na
cognitivo dos estudantes na atualidade. Vimos também como, em alguns casos, o estudo ao
longo da vida universitária vai sofrendo acomodações que, com a ajuda dos teóricos da
desenvolvendo ao longo da vida universitária estratégias que tornam possível o “se dar bem
nas provas” sem maiores envolvimentos com os conteúdos. Nesses casos, assim como em
dispositivos universitários mereceriam ser considerados. Esta foi uma linha indicada, mas não
nas situações de estudo. Num momento se está lendo o texto e em outro... não se sabe mais
aonde está e nem como se foi parar lá. A atenção é absorvida por outros assuntos que, muitas
226
vezes, não possuem relação com aquilo que estava sendo estudado. Procuramos pensar então
os devaneios como automatismos, isto é como eventos que nos surpreendem e transformam
nossa atividade em algo mecânico, sem pensamento. O pensamento vai parar em outro lugar,
processos que envolvem uma atenção controlada para automatismos. Argumentamos ser
VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003) para dar conta de uma relação íntima e imediata
que se estabelece entre o sujeito e o objeto. Nos nossos termos entre o estudante e o estudo.
e sempre iguais. É resultado da relação dual sujeito-objeto. Enfatiza a performance. Aliás, nos
mesmo tempo garantem uma performance eficiente e liberam a atenção para ser empregada
em outra tarefa.
atenção para aquele do aprendizado da atenção. Apenas dessa maneira a discussão da atenção
multiplicidade e não como atenção e déficit de atenção. O deslocamento foi realizado com a
aprendizagem da atenção como algo que se opera através de práticas cotidianas e cujos efeitos
são conseqüências dessas práticas. Desse modo a análise das práticas de estudo e a sua
Revelava-se a questão da temporalidade atencional dos estudantes. Esta foi trabalhada como
uma atenção sustentada e ritmada, as práticas de estudo dos estudantes de psicologia estão
gênio não se vale do esforço, mas do interesse para manter sua atenção num mesmo tema. Ele
faz variar o tema, produzindo uma rede. Diante do contexto contemporâneo fomos forçados a
desdobrar o exemplo. Passamos a falar de uma rede transversal e de uma rede horizontal. A
pela internet, salta entre temas sem relação. Produz abrangência e superficialidade.
Concluímos então que só era legítimo falar em sustentação da atenção no caso da rede
transversal. A rede horizontal longe de produzir sustentação da atenção, aponta para uma
atenção que se mantém fixa e saltitante. A partir da idéia de fluxo de pensamento (JAMES,
228
do ritmo. Através do exemplo jamesiano do vôo do pássaro (Ibid) sugerimos que a atenção
não se sustenta de maneira uniforme. Ela vai e vem. No entanto, diferente da atenção
saltitante, suas idas e vindas implicam movimentos de tensão e de distensão atencionais, foco
e abertura, conferem ritmo, permitindo que o pensamento circule e traga o impensado, o novo
permanece focada e tensionada. Não tem ritmo, mas sobressaltos. Daí a sensação de
estreita ligação com os dispositivos usados pelos estudantes para estudar. Ou seja, parece estar
variar.
Mas e o que acontece ao longo das duas horas em que se diz estar estudando?
Continuamos nossa análise. Vimos que a presença do computador nas práticas de estudo é
algo corriqueiro. Aí ele pode estar ou não sendo usado para estudar. Sobre isso foi
interessante notar que a linha que separa o uso lúdico do computador do uso para estudo e/ou
trabalho é bastante tênue. Como nos mostrou uma estudante, de um segundo para outro,
aquilo que era apenas diversão passa a fazer parte do circuito estudo-trabalho. Neste caso
ferramentas como Orkut, MSN e e-mail são fundamentais. Através delas os estudantes
saltitante. Aí, o que está em questão é o aparecimento de uma atenção dividida. Uma atenção
que se divide entre o estudo, o Orkut, o MSN, a leitura de algum artigo na internet, a música,
etc. Menos do que uma exceção fomos percebendo através das falas dos estudantes e também
através da colaboração de estudiosos como Almeida e Eugênio (2006) e, Wallis (2006) que a
contemporâneo. Diante disto sugerimos estar nascendo uma nova relação entre atenção e
estudo. Esta aponta para a presença de uma atenção suficiente. Isto é uma atenção que não é
tem sido marcado pelo movimento, agitação e por um excesso de estimulação. Neste contexto
vimos que a biblioteca está perdendo espaço como lugar privilegiado de estudo. É silenciosa
demais, causando desconforto e incômodo. Sobre isso é curioso perceber que paradoxalmente
para os estudantes contemporâneos o silêncio distrai. Ainda sobre o território, vale dizer que
os transportes aparecem como locais de estudo. Nesse caso, para além da presença do barulho,
surge também a questão do tempo. Não se pode perder tempo! Assim, estudar no ônibus, no
metrô ou nas barcas, permite otimizar o tempo do estudante que ao chegar ao seu destino -
prática desses mesmos estudantes. A prática de pesquisar na internet através, por enquanto, do
computador. Em alguns casos, ela não chega a substituir a ida a biblioteca ou a livraria.
Representa apenas um primeiro e importante passo. Atua como um filtro, poupando o tempo
dos estudantes. Estes ao chegarem à biblioteca ou à livraria já sabem o que querem encontrar.
Mais uma vez, é preciso dizer, não perdem tempo. Percebam que em prol da otimização do
tempo, talvez, esses estudantes estejam perdendo a oportunidade de fazer do estudo uma
prática de encontro e transformação. Aqui nos referimos não apenas a esta situação específica,
mas a todas aquelas ao longo da tese onde ficou explícito a impossibilidade dos estudantes se
deterem sobre algo por um tempo um pouco maior do que o instante. Lembramos, por
exemplo, de situações em que reler um texto, estudar no exterior, fazer um estágio de cada
vez de modo que se possa se dedicar integralmente aquilo, são tomados como perda de tempo.
230
Mais uma vez afirmamos: em prol da aceleração, talvez o que se esteja perdendo é a
Por outro lado, a facilidade da pesquisa através da internet pareceu a nós estar
configurando uma nova e interessante política cognitiva. Trata-se de uma política que aqui
nomeamos como curiosa e desejosa de saber. Através das falas dos estudantes notamos que
eles dificilmente se contentam com a não resposta. Vão atrás procuram saber. Porém
relação com o conhecimento. Embora alguns recorram aos livros, a grande aliada nessas
buscas por saber é a internet. Esta permite através de cliques rápidos acessar o que se deseja.
Arquivam, mas não se aprofundam. Argumentamos então que, talvez, o não aprofundamento
nos assuntos do qual tantos professores se queixam tem menos a ver com a tradicional
oposição entre um estudo que envolve a compreensão e outro que envolve a memorização e
mais com a consciência de que o conhecimento está à distância de um clique. Além disto,
muitas vezes a curiosidade é resolvida com uma rápida consulta na enciclopédia virtual de
composição coletiva, a Wikipédia. Dessa forma a política cognitiva que a principio poderia
apontar para desdobramentos potentes acaba enfraquecida. No entanto menos do que ver nisso
uma derrota, esta nos parece ser uma brecha para investirmos e produzirmos deslocamentos
hora, tem se mostrado bem distante das práticas dos estudantes contemporâneos.
nossa análise, englobando também esse aspecto. Percebemos que praticamente todos os
estudantes elaboram e redigem seus trabalhos através do uso coordenado de tela, teclados e
estudar na tela e outros com material impresso. Em relação à redação de trabalhos, a mediação
231
práticas sugerimos estar nascendo uma forma de escrita fragmentada que se faz através da
composição de partes. Para além da questão da escrita percebemos também que fazer trabalho
indeterminada, sendo definida a medida que os pedaços vão sendo encontrados, recortados e
colados.
que as práticas de estudo analisadas e o tipo de atenção que elas produzem estão inscritas em
que se aproximam mais do estudo como tarefa do que do estudo como experiência não
nossa contemporaneidade, atravessando a todos. Porém, o que nos diferencia é que cada um
resolve diferentemente estes atravessamentos em função das políticas cognitivas que nos
constitui. Estas podem ser mais marcadas pela criação ou pela reprodução. Podem atuar mais
incidir, sobretudo, uma política cognitiva reprodutora. Contudo, é preciso não perder de vista
que estas políticas não são definitivas, podendo ser transformadas a partir das próprias
outras coisas, que as práticas de estudo que cada vez mais parecem transformar o estudo numa
tarefa a ser cumprida poderiam também ser pensadas como efeitos desse não compromisso ou
refazer a idéia de uma política cognitiva que toma o estudo como tarefa e outra que toma o
modelo do perito e do artesão, por outro. O primeiro é o modelo que segundo Sennett está em
pessoa que entra aqui e ali sem se comprometer com nada. É informado sobre várias coisas,
atualidade, revela um modo de ser que não se contenta com a superficialidade, buscando
Poderíamos dizer que o estudante que toma o estudo como tarefa está atuando em
que faz do estudo uma experiência segue o modelo do perito e artesão, não se conformando
com o estabelecido, buscando novas alternativas para poder viver neste mundo sem abrir mão
daquilo que considera importante. Esta comparação permite ver que há na experiência algo
performance. Há algo na experiência que aponta para um modo de relação que demanda
tempo e cuidado, sendo realizado um a um. Os produtos da experiência são sempre singulares
e imprevisíveis.
Embora este autor restrinja sua análise ao contexto francês, a partir das falas dos estudantes
233
ação, ao parecer mais até do que ao ser atravessam também a nossa sociedade, marcando as
práticas de estudo. A título de ilustração citamos a obsessão dos estudantes em fazer estágios,
participar de pesquisas, freqüentar eventos, mesmo que não se tenha “tempo de bastidores”
para estudar. O modelo do empreendedor, por exemplo, está por toda a parte e, inclusive na
melhor do que o caminho que percorre. Este deve ser encarado como uma aventura em que se
precisa cavar as próprias oportunidades, assumir riscos a fim de se tornar alguém e sair
Eherenberg acabou puxando o tema do enhancement cognitivo. Este diz respeito a práticas de
Embora os dados da literatura apontem ser cada vez mais comum entre os
em nossa pesquisa não encontramos nenhum relato que fizesse menção a ela. Sugerimos
discurso dos nossos estudantes que apontam para a necessidade de respeitar o próprio ritmo e
o norte-americano e, ainda sobre as diferenças culturais que há entre esses dois povos. Estas,
porém, são apenas especulações que merecem um estudo aprofundado. Apontam para mais
No final do capítulo trouxemos Larrosa (2004) e Caiafa (2000), teóricos que a partir
apresentam como uma alternativa para escapar dos esforços de conformação do capitalismo
atual que tem se tornado cada vez mais rara na atualidade. Segundo Larrosa (Ibid), a
excesso de opinião, falta de tempo e excesso de trabalho. Em função desta maneira de colocar
retomar as principais questões tratadas no capítulo e na tese. Será que existe espaço na
atualidade para o estudo como experiência? Em que ocasiões o estudo aparece como
seguindo as questões listadas por Larrosa (Ibid): excesso de informação, excesso de opinião,
falta de tempo e excesso do trabalho. Procuramos fazer ver as intercessões com os problemas
tratados anteriormente. Mas, o mais importante dessa discussão foi reconhecer que apesar da
experiência estar cada vez mais difícil, ela não é impossível. Apesar das práticas de estudo
para o estudo como tarefa, o estudo como experiência não é impossível. Conforme destaca
Caiafa (2000, p.61) o obstáculo nunca é absoluto, nunca veda sem frestas.
Ao procurar as frestas nas falas dos estudantes, percebemos que a experiência não
funciona como tudo ou nada. Através da análise de exemplos percebemos que a principal
dificuldade dos estudantes é fazer com que o germe da experiência que por vezes desponta,
ganhe consistência. No entanto, em alguns casos a experiência consegue não apenas nascer,
mas ser acolhida, ganhando consistência. Foi justamente o que aconteceu com uma das
investigar mais de perto, tentando identificar o que de diferente havia acontecido ali que
235
permitiu o nascimento do estudo como experiência. Notamos que embora essa estudante
Conforme relata, por mais que seu estudo e escrita tivessem sido deixados para a última hora
e se fizessem a partir da mediação do computador, com muitas janelas abertas, este momento
foi dedicado exclusivamente ao estudo. Ela afirma: “Parei tudo!”. Analisando seu relato com
a ajuda de Larrosa e Caiafa, ponderamos que talvez este mínimo de silêncio tenha permitido
que a atenção ao invés de saltitar, ficasse sustentada, fazendo nascer um ritmo. Este, por sua
vez, foi possibilitando a experimentação de uma nova relação entre a estudante e o estudo que
apontava para a experiência, que passou a ser acolhida em função de uma nova relação da
estudante consigo própria. Sobre a potência do estudo como experiência, vale citar mais uma
Após o percurso realizado afirmamos então que os estudantes estão estudando e que
suas práticas estão produzido regimes atencionais singulares – atenção saltitante e sem ritmo,
atenção dividida e atenção suficiente -, concorrendo para que o estudo como tarefa apareça
como orientação hegemônica. Note-se que esta orientação atua em consonância com os
situação não pretendemos deslegitimar as práticas de estudo desses estudantes. Sobre isso, é
importante dizer que o estudo como tarefa é tão legítimo quanto o estudo como experiência.
Porém, do ponto de vista da política criadora que nos orienta, somos obrigados a dizer que o
estudo como tarefa é menos potente que o estudo como experiência. Em outras palavras o
estudo como tarefa não permite que o estudante escape da lógica da reprodução. Estudar resta
efeitos.
Janeiro que adotam como principal orientação o estudo como tarefa, passamos a procurar
argumenta que ao invés de condenar ou recusar as práticas existentes, é preciso compor com
elas no sentido de produzir novos desdobramentos. Localizamos, então, nas práticas de estudo
dos estudantes entrevistados uma política cognitiva curiosa e desejosa de saber, bem como a
idéia de que a experiência não funciona como tudo ou nada. Talvez possamos compor com
elas no sentido de fazer com que o estudo desdobre-se em experiência. Note-se que fazer do
outras tecnologias que, conforme dissemos, parecem ter vindo para ficar. O estudo como
experiência pressupõe sim uma outra relação consigo e com o mundo. Esta aponta para uma
Uma vez dito isto, retomamos a citação apresentada no início de nossas considerações
finais. Lá Green e Bigun (1995) perguntam se na última década do século XX, podemos nos
limitar a acomodar as diferenças nos quadros existentes. Mais uma vez Green e Bigun nos
desafiam com uma pergunta que atravessa o século. Será que nesta primeira década do século
Depois de tudo o que vimos e discutimos nos parece necessário e importante respondermos
negativamente. Não, não é possível, por exemplo, acomodar a cognição contemporânea aos
para uma atenção saltitante e sem ritmo, que trazem a cena um estudo em circulação e outro
237
saltitante, uma atenção suficiente, que se concentra mais com barulho do que no silêncio, etc.
nos parece fundamental. Só assim poderemos evitar o discurso do déficit e da falta tão em
município do Rio de Janeiro - possa lançar novas luzes sobre a profusão de patologias e
patologia.
238
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Jornal O Globo.Caderno Boa Chance. Onde você esconde a sua criatividade? Saiba que
inovação é essa, que empresas e países não param de estudar. 27/07/2008.
251
Anexo
Dados para serem registrados (Universidade; Idade; Período; Turno; e-mail; Participa de
algum estágio; Participa de Iniciação científica).
Você costuma estudar com o computador ligado? Se sim, o computador está ligado significa
que você está apenas utilizando-o como ferramenta de estudo ou ele pode está servindo para
outras coisas?
Você costuma utilizar o computador como ferramenta para auxiliar seu estudo? Como?
Quando te recomendam um texto, onde você procura primeiro? (Biblioteca ou Internet?) E
quando acha você lê?
Você faz muitas pesquisas através do computador?
Você costuma ler na tela ou você imprime os textos?
Você acha que tem diferença ler na tela ou impresso? Como?
Você lê tudo aquilo que você pesquisa?
Que outras ferramentas usa? (Livro? Caderno?) Como?
Você costuma freqüentar a biblioteca? Em que ocasiões?
Você costuma ler tudo aquilo que é recomendado? (Em que ocasiões?)
Busca outras fontes? (Em que ocasiões?)
Usa resumos? Como? Você faz os resumos? Usa resumos de outras pessoas?
Você costuma reler os textos? Em que ocasiões?
Com que freqüência você volta o texto ou relê o texto quando você não entende?
Você marca os textos quando estuda? Como é? Esta marcação ajuda você?
Você costuma estudar sozinho? Como é quando você estuda sozinho?
Você costuma estudar em grupo? Como é quando você estuda em grupo?
Como funcionam os trabalhos em grupo?
O MSN é uma ferramenta importante para o trabalho em grupo? Como?
Você prefere estudar sozinho ou em grupo?
Quando você está estudando, ou quando você precisa estudar você costuma beber café?
Fumar? Toma algum remédio?
Você acha que essas coisas te ajudam? Como?
dispersa, dividida)? Como se relacionava com o objeto de estudo? Aquilo que estudava
entrava em conexão com outros assuntos? Anotava? Usava o computador? Como?
Bebia algo? Comia? Remédio?
Final
Gostaria de acrescentar algo que não falamos sobre o estudo e o estudar?
Como foi participar dessa entrevista?
Você falou de algo durante a sua entrevista que você nunca havia pensado?