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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CFCH – INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia:


uma cartografia da cognição contemporânea

Beatriz Sancovschi

Rio de Janeiro
2010
ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CFCH – INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia:


uma cartografia da cognição contemporânea

Beatriz Sancovschi

Tese apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Doutor em Psicologia, Curso
de Pós-graduação em psicologia da UFRJ.

Orientadora: Virgínia Kastrup

Rio de Janeiro
2010
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S211 Sancovschi, Beatriz.


Sobre as práticas de estudo de estudantes de psicologia: uma
cartografia da cognição contemporânea / Beatriz Sancovschi. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2010.
xf.265.
Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto
de Psicologia / Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2010.

Orientador: Virgínia Kastrup.

1. Cognição. 2. Atenção. 3. Estudantes - Psicologia.


I. Kastrup, Virgínia. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de Psicologia.
CDD: 155.413
iv

Sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia:


Uma cartografia da cognição contemporânea

Beatriz Sancovschi

Rio de Janeiro, 12 de março de 2010.

____________________________________
Profª Drª Virgínia Kastrup - Orientadora
Instituto de Psicologia – UFRJ

____________________________________
Profª Drª Luciana Vieira Caliman
Instituto de Psicologia - UFES

____________________________________
Profª Drª Marisa Lopes da Rocha
Instituto de Psicologia – UERJ

____________________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
Instituto de Psicologia – UFRJ

____________________________________
Profª Drª Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro
Instituto de Psicologia – UFRJ
v

Dedico este trabalho à memória de


Ovsie Sancovschi, meu avô, um mestre.
vi

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus alunos por me desafiarem a pensar sobre a cognição contemporânea.

Aos estudantes entrevistados pela disponibilidade.

Às instituições que na figura dos coordenadores/diretores dos cursos de psicologia permitiram


a realização da pesquisa de campo com seus estudantes. Um agradecimento especial ao
Christian, auxiliar de coordenação da UVA e a professora Mariza Lopes da Rocha, da UERJ,
que me colocaram em contato direto com os alunos.

À Virgínia Kastrup pelo trabalho de orientação desde os tempos da Iniciação Científica.

Aos professores Mariza Lopes da Rocha, Fernanda Bruno, Luciana Caliman, Rosa Pedro e
Pedro Paulo Bicalho pelas valiosas contribuições em diferentes momentos da elaboração desta
tese e, por aceitarem o convite para participar da banca de defesa.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ, pelos ensinamentos


e pelo esforço que realizam diariamente para fazer desta pós um lugar que prima pelo
pensamento e qualidade.

Aos colegas da pós com os quais tive oportunidade de compartilhar não apenas o saber, mas
também angústias e dificuldades.

À Ana e ao Gian, dedicados funcionários do programa de pós-graduação em psicologia da


UFRJ, pela disponibilidade, ajuda constante e, competência.

Aos amigos, por serem amigos e estarem presentes sempre que precisei.

A minha família, pelo apoio e torcida ao longo de todos estes anos. Em especial, agradeço a
Rachel, minha irmã, pela preciosa ajuda na transcrição das entrevistas, na tradução do abstract
e, também pelas conversas.

Ao CNPq pelo apoio financeiro.


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viii

Resumo
SANCOVSCHI, B. Sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia: Uma
cartografia da cognição contemporânea. Tese (Doutorado em Psicologia). IP- UFRJ, Rio
de Janeiro, 2010.

Esta tese situa-se no contexto da discussão sobre as transformações pelas quais a cognição
vem passando na contemporaneidade e tem como objetivo investigar as práticas de estudo dos
estudantes de psicologia do município do Rio de Janeiro. O método adotado é o da cartografia
(Deleuze e Guattari). Através de entrevistas realizadas com dezessete estudantes de quatro
instituições de ensino superior construímos uma cartografia da cognição contemporânea. As
entrevistas seguiram o modelo da técnica de explicitação (Vermersch). Tecida em seis
capítulos, a pesquisa enfatiza as transformações que atingem particularmente o funcionamento
da atenção. No primeiro, desenvolvemos a noção de práticas de estudo (Varela, Maturana,
Vygotski, Piaget, Chartier, Foucault) No segundo, delineamos um panorama dos estudos
sobre o estudo propondo duas orientações: o estudo como tarefa e o estudo como experiência
(Dewey, Ronca, Rosário, Depraz, Varela, Vermersch, Larrosa). No terceiro, nos detivemos na
análise da contemporaneidade, abordando o capitalismo cognitivo (Lazzarato) e a economia
da atenção (Lévy, Goldhaber, Davenport, Beck). No quarto, trabalhamos a atenção como um
processo cognitivo singular. Depois das contribuições da psicologia da atenção, operamos um
deslocamento: da atenção para a aprendizagem da atenção (Kastrup). No quinto, analisamos
as práticas de estudo dos estudantes entrevistados, o tipo de atenção que produzem – atenção
saltitante e sem ritmo, atenção dividida e atenção suficiente – e, suas repercussões sobre o
estudo (James, Weil). No sexto, mostramos como as práticas de estudo analisadas e o tipo de
atenção produzida não são idiossincrasias dos estudantes, mas se inserem no contexto da
contemporaneidade (Sennett, Eherenberg, Farah, Caiafa, Larrosa). A conclusão é que as
práticas de estudo dos estudantes de psicologia na contemporaneidade estão produzindo
regimes atencionais singulares que concorrem para que o estudo como tarefa afirme-se como
orientação hegemônica. Esta hegemonia, porém, não significa impossibilidade de experiência.
A maior dificuldade é fazer com que a experiência ganhe consistência. Por fim, a sugestão
para falarmos em novas formações subjetivas/cognitivas ao invés de déficit, falta ou
patologia.

Palavras-Chave: estudo – cognição contemporânea – atenção – experiência.


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Abstract
SANCOVSCHI, B. About the practices of study of psychology’s students: A cartography
of contemporaneity cognition. Tese (Doutorado em Psicologia). IP- UFRJ, Rio de Janeiro,
2010.

This thesis can be placed in the context of the debates about the transformations that the
cognition is passing thru nowadays. The objective is to investigate the practices of study of
the psychology’s students from Rio de Janeiro. We used the method of cartography (Deleuze,
Guattari). We built a cartography of the cognition in the contemporaneity by using interviews
with seventeen students of four different institutions of high education. The interviews were
made thru the model of explicitation technique (Vermersch). Framed in six chapters, the
research emphasizes the transformations of the attention functioning. In the first chapter, we
have developed the notion of practices of study (Varela, Maturana, Vygotski, Piaget, Chartier,
Foucault). In the second, we have outlined a broad view of the researches about the “study”
considering two directions: the study as a task and the study as an experience (Dewey, Ronca,
Rosário, Depraz, Varela, Vermersch, Larrosa). In the third, we have examined the
contemporaneity by approaching the cognitive capitalism (Lazzarato) and the attention
economy (Lévy, Goldhaber, Davenport, Beck). In the fourth, we have presented the attention
as a singular cognitive process. After the contributions of psychology of attention, we operate
a displacement: of attention to the learning of attention (Kastrup). In the fifth, we have
analyzed the practices of study that appears on the interviews, the type of attention that is
produced – skipping attention and attention without rhythm, divided attention and enough
attention - and, its repercussions on the study (James, Weil). In the sixth, we have shown that
the practices of study that we saw and the kind of attention that is produced is not an
idiosyncrasy of the students. They are insert in the context of the contemporaneity (Sennett,
Eherenberg, Farah, Caiafa, Larrosa). The conclusion is that the practices of study of the
psychology’s students are producing nowadays a singular pattern that contributes to a
hegemonic orientation of the study as a task. This, however, does not mean that experience is
impossible. The biggest difficulty is to make the experience get some stability. Finally, the
suggestion to speak in new cognitions/subjectivity instead of déficit, lacks or pathology.

Key-words : study – contemporaneity cognition - attention - experience.


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Sumário

Introdução_______________________________________________________________1

Capítulo 1 - Práticas de estudo: uma colocação política do problema_______________18


1.1 – Conhecimento como ação: contribuições do construtivismo à noção de práticas_____18
1.1.1 – Construtivismo genético piagetiano_____________________________________19
1.1.2 – Construtivismo histórico-cultural_______________________________________22
1.1.3 – Construtivismo autopoiético-enativo____________________________________27
1.2 – O conceito de prática em M.Foucault: uma questão de método__________________34
1.3 – R.Chartier e as práticas de leitura_________________________________________37
1.4 – Um balanço da noção de práticas de estudo_________________________________40

Capítulo 2 - Estudos sobre o estudo: diferentes práticas__________________________47


2.1- Uma breve história do estudo: da repetição mecânica à inclusão da experiência______48
2.2- Do Estudo Dirigido às orientações do estudo e suas derivações contemporâneas_____49
2.2.1- Estudo Dirigido______________________________________________________53
2.2.2- Depois do Estudo Dirigido, novas técnicas_________________________________55
2.2.3- Competências auto-regulatórias: orientação do estudo na atualidade_____________57
2.3- Outros estudos sobre o estudo: o desafio do estudo como experiência______________68
2.3.1- O estudo como becoming aware (devir-consciente)___________________________68
2.3.2- Estudo como experiência: constribuições da filosofia da educação_______________73
2.4- Estudo como tarefa Vs Estudo como experiência: duas políticas__________________78

Capítulo 3 – A cognição na contemporaneidade: sobre o capitalismo cognitivo e a


economia da atenção_______________________________________________________81
3.1- Capitalismo cognitivo: uma análise do contemporâneo_________________________82
3.2- Economia da atenção: outra perspectiva_____________________________________96
3.3- Do capitalismo cognitivo à economia da atenção: a atenção em questão na
contemporaneidade________________________________________________________100

Capítulo 4 – Sobre a atenção e a aprendizagem da atenção______________________102


4.1- Singularidades da atenção_______________________________________________102
4.2- Psicologia da atenção e o problema das tarefas e performances__________________107
xi

4.2.1- Atenção como um filtro________________________________________________110


4.2.2- Atenção como um recurso limitado_______________________________________114
4.2.3- Atenção e a diferença entre os processos automáticos e controlados_____________116
4.3- Da atenção à aprendizagem da atenção: deslocando o problema__________________122

Capítulo 5 – Práticas de estudo contemporâneas e a aprendizagem da atenção______126


5.1- Estudo de duas horas: sobre a temporalidade da atenção________________________126
5.2- Estudo acoplado com as NTIC: muitas questões para a atenção__________________137
5.2.1- Ligar o computador: um hábito de acesso a um universo múltiplo_______________140
5.2.2- Novas tecnologias e a captura da atenção: atenção dividida e atenção suficiente____144
5.2.3- Políticas cognitivas: sobre as atitudes em relação ao conhecimento______________147
5.2.4- Território de estudo: ambientes super-estimulados e estudo nos transportes_______152
5.2.5- Computador, estudo e escrita____________________________________________162
5.3- Práticas de estudo e a aprendizagem da atenção: uma breve síntese_______________168

Capítulo 6 – Aprendizagem da atenção na contemporaneidade: reverberações sobre as


práticas de estudo_________________________________________________________173
6.1- Flexibilidade e curto prazo: movimento como valor___________________________173
6.2- Performance: agir como condição para o existir______________________________189
6.3- A cognição aditivada: sobre o enhancement cognitivo_________________________196
6.4- Dificuldade de experiência, laminagem da subjetividade e conformação___________205

Considerações Finais - Uma cartografia da cognição contemporânea______________220

Referências bibliográficas__________________________________________________238

Anexo__________________________________________________________________251
xii

“Lo escrito (y lo leído) no es sino la traza visible y siempre


decepcionante de uma aventura que, al fin, se ha revelado impossible”
Jorge Larrosa, La experiência de la lectura, 2003a.
1

Introdução

Iniciamos o texto dessa tese sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia

na contemporaneidade pedindo licença para falarmos por algumas linhas em primeira pessoa.

Isto porque para além da colocação teórica do problema, nos parece fundamental abordar,

ainda que brevemente, os afetos que nos trouxeram até aqui. E, como falar dos afetos que nos

movem senão em primeira pessoa?

Comecei minha carreira docente em 2006 num curso de pós-graduação latu-sensu. Em

minha dupla função de estudante e de (recente) professora comecei a estranhar aqueles que

estavam tão próximos a mim, mas que pareciam tão diferentes: meus alunos - os estudantes.

Proponho um texto para a discussão. Eles não lêem, mas discutem. Mal terminaram de fazer

um curso e já estão pensando no seguinte. Peço para elaborarem uma reflexão, eles escrevem

um parágrafo. O que é isso? Como pode? O que está acontecendo? Observo minha irmã mais

nova. Trata-se de uma estudante de psicologia. Ela e seus trabalhos. Ela e o computador.

Muitas janelas: trabalho, MSN, Google, scielo... Cliques rápidos: abre e fecha, abre e fecha,

abre e fecha. Fico tonta. Será possível? Como consegue? Bill Green e Chris Bigun (1995),

pesquisadores australianos que desenvolvem pesquisas no contexto dos estudos culturais nos

provocam: “Existem alienígenas em nossas salas de aula?” (Ibid, p.211). Mas quem são os

alienígenas, - perguntam - nós os professores, ou eles, os alunos? Será que se trata apenas de

bons e maus alunos? De estudar ou não estudar? Um estranhamento se fazia sentir e insistia.

Ao mesmo tempo tinha passado para o doutorado e precisava definir o que faria. Ao

pensar sobre a minha trajetória fui percebendo que há anos eu estudava a cognição. Defendia

uma concepção de conhecimento concreta e encarnada, mas concentrava minhas reflexões

sobre mecanismos abstratos. A necessidade de me voltar para o mundo foi se impondo. Neste

movimento fui estudar o Império (HARDT e NEGRI, 2001), ler sobre o trabalho imaterial
2

(NEGRI e LAZZARATO, 2001) o que me conduziu ao capitalismo cognitivo (CORSANI,

DIEUAIDE, LAZZARATO, et.al., 2001; LAZZARATO, 2006) e às discussões sobre a

sociedade da informação (CASTELLS, 2005). Para minha surpresa comecei a acompanhar

outra discussão sobre a cognição e o mundo. Demorou um pouco para que eu ligasse as

pontas e colocasse em questão a cognição contemporânea. Mas cognição contemporânea era

ainda um problema amplo que poderia ser abordado de inúmeras maneiras com diversos

desdobramentos. Quando passei no concurso para professor substituto do Instituto de

Psicologia da UFRJ, um novo encontro com os estudantes e, ao mesmo tempo, a solução: uma

investigação acerca das práticas de estudo dos estudantes de psicologia. É assim que a

cartografia da cognição contemporânea transformou-se, nesta tese, numa pesquisa sobre as

práticas de estudo dos estudantes de psicologia.

Dito isto, voltemos a falar na primeira pessoa do plural. Depois dos afetos sentidos, o

desafio é dar consistência ao problema.

O mundo está atravessando um período de rápidas e profundas transformações que,

em grande parte, foram desencadeadas pelo aparecimento, desenvolvimento e disseminação

em diversos domínios das novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC). Manuel

Castells (2005) destaca a ocorrência de uma revolução das tecnologias da informação cujo

efeito, dentre outras coisas, é a produção de novas relações sociais, políticas e econômicas.

Daí o surgimento de conceitos como o de sociedade da informação (Castells, 2005), sociedade

pedagógica (SERRES, 2000), cibercultura (LEVY, 1999), ou ainda sociedade aprendente

(ASSMAN, 2007). Mauricio Lazzarato junto com outros pensadores italianos arrisca a dizer

que estamos vivendo um novo momento do capitalismo que nomeiam como capitalismo

cognitivo (CORSANI, DIEUAIDE, LAZZARATO, et.al., 2001; LAZZARATO, 2006).

Richard Sennett (2001, 2006), teórico do mundo do trabalho, prefere a expressão capitalismo

flexível. Antes deles, Felix Guattari já falava a respeito do Capitalismo Mundial Integrado, o
3

CMI (GUATTARI, 1987). Independente do nome que se queira dar, ou do aspecto que se

procure enfatizar, o interessante é que diferentes pensadores, a partir de perspectivas distintas,

reconhecem que estamos diante de algo novo. Que este algo novo possui estreita ligação com

as novas tecnologias da informação e, principalmente, que traz à cena a questão do

conhecimento e da aprendizagem, enfim, da cognição. Hugo Assman é direto no livro em que

procura refletir sobre os rumos que a educação deve tomar numa sociedade aprendente. Um

dos subtítulos de seu livro é: “O conhecimento virou assunto obrigatório” (ASSMAN, 2007,

p.24). Sublinha que: “As palavras ‘conhecimento’ e ‘aprender’ voltaram a exercer um fascínio

quase mágico. Aparecem por todo lado” (Ibid, p.24).

Sobre a relação entre tecnologia e sociedade, mesmo evitando a hipótese do

determinismo, não se pode negar que as tecnologias têm um papel importante em tais

transformações. Pierre Levy (1999) enfatiza que as tecnologias embora não determinem,

condicionam a sociedade. Isto significa que embora não sejam causadoras da cultura, da

economia, da política, enfim, da sociedade, elas acionam virtualidades que podem ou não se

atualizar. O capitalismo cognitivo (CORSANI, DIEUAIDE, LAZZARATO, et.al., 2001;

LAZZARATTO, 2006) e a sociedade da informação (CASTELLS, 2005) são atualizações

possíveis. Em outras épocas, outras máquinas tornaram possível, por exemplo, o capitalismo

industrial. Lazzarato (2007), como Assman (2000), destaca a singularidade das novas

tecnologias e seu papel na transformação do social e na produção do capitalismo que coloca

em relevo a cognição. Nas palavras de Lazzarato: “Capitalismo sempre foi a relação entre a

tecnologia, o saber e o próprio capital. O que muda é o tipo de tecnologia e de saber

envolvidos na relação. São tecnologias novas que concernem à mente, tecnologias biológicas”

(2007, p.1). Nas palavras de Assman:

As novas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros


instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de propriedades ativas. São
algo tecnologicamente novo e diferente. As tecnologias tradicionais serviam como
instrumentos para aumentar o alcance dos sentidos. As novas tecnologias ampliam
4

o potencial cognitivo do ser humano e possibilitam mixagens cognitivas complexas


e cooperativas (ASSMAN, 2000, p.9).

Dentre as novas tecnologias a Internet ganha destaque e pode ser tomada como um

exemplo paradigmático. Segundo dados apresentados por Castells (2005), o número de

usuários de Internet em 1996 não chagava a 20 milhões; em 2000, já eram mais de 300

milhões e continua crescendo. O acesso à Internet faz parte hoje da vida de grande parcela da

população mundial, independente da classe social ou da faixa etária. Em julho de 2008, uma

reportagem do jornal O Globo publicou resultados de uma pesquisa do Ibope/NetRatings que

identificou que o maior crescimento de visitas à páginas da Internet ocorreu na faixa etária de

2 a 11 anos. Trata-se, segundo a reportagem, de um aumento de 33% na comparação com o

ano anterior. A Internet é uma tecnologia com uma arquitetura em rede que possibilita

comunicação horizontal e global em velocidade inimaginável até a poucos anos atrás. Hoje

ela permite além da comunicação, o acesso a uma infinidade de informações, a criação de

comunidades e vidas virtuais, dentre muitas outras coisas. Sua origem é militar. Foi

imaginada na década de 1960 nos Estados Unidos durante os anos da guerra fria para impedir

que o governo soviético tivesse acesso ao conhecimento norte americano. Com o final da

guerra fria, esta tecnologia foi apropriada por indivíduos e grupos em todo o mundo, servindo

aos mais diversos propósitos e alterando profundamente a vida de todos. É interessante

destacar que, em função de suas próprias características a Internet está em constante

movimento. Diariamente surgem novidades e usos inéditos.

Este cenário aponta para uma mutação pela qual estamos atravessando. A noção de

mutação tem sido preferida à de crise, uma vez que a mutação parece enfatizar a

indeterminação e a irreversibilidade (NOVAES, 2008). Não se trata aqui de uma situação

dialógica, mas de uma bifurcação que se fez e para a qual não há volta. Diante desta situação

muitos são aqueles que se aventuram na construção de uma inteligibilidade para a nossa

contemporaneidade (HARDT e NEGRI, 2001; LAZZARATO e NEGRI, 2001; CORSANI,


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DIEUAIDE, LAZZARATO, et.al., 2001; LAZZARATO, 2002, 2006; DELEUZE, 2004;

GUATTARI, 1993; 1990; 1987; SENNETT, 2001, 2006; EHERENBERG, 1991, 2000;

CAIAFA, 2000; RIFKIN, 2001; LARROSA, 2004). A presente tese situa-se então no

contexto dessa discussão sobre o contemporâneo que parece colocar em destaque o

conhecimento e a aprendizagem. Estabelece como objetivo a análise das práticas de estudo

dos estudantes de psicologia do município do Rio de Janeiro. Através de entrevistas realizadas

com dezessete estudantes de psicologia de quatro instituições de ensino superior construímos

uma cartografia da cognição contemporânea.

Evitamos perguntas essencializantes e representacionais como, por exemplo: O que é o

estudo? Ou, qual o perfil cognitivo do estudante de psicologia? Para nos concentrar nas

seguintes questões: Como os estudantes estão estudando? Qual a relação que estão

estabelecendo com o conhecimento e com eles mesmos na atividade de estudo? A idéia não é

comparar os estudantes de ontem com os de hoje. Não se trata de uma postura nostálgica, mas

política. Daí a importância da noção de práticas de estudo que será desenvolvida no primeiro

capítulo com a ajuda de autores como F.Varela, H.Maturana, L.Vygotski, J.Piaget,

M.Foucault e R.Chartier. Do ponto de vista das práticas cabe apenas avaliar os efeitos

produzidos. Desse modo, falaremos nesta tese de práticas mais e menos potentes, adotando a

experiência como critério. No estudo como experiência é o pensamento e a problematização

que são valorizados em detrimento da tarefa e da performance. Assumimos assim um

compromisso com uma política criadora.

Bruno Latour (2004a) explica que podemos entender a política tanto como conteúdo

quanto como continente. Como conteúdo, a política diria respeito a eleições, políticos, leis e

corrupções. Como continente, o sentido se amplia extrapolando os limites das assembléias,

congressos e votações e passando a dizer respeito a uma forma de se relacionar com os outros

e conosco. Citamos:
6

Podemos ser deputados na assembléia e não falarmos de maneira política.


Inversamente, podemos nos encontrar em família, num escritório, em uma
empresa, e falar politicamente de uma questão qualquer, mesmo que nenhuma das
palavras pronunciadas indique que elas pertencem de algum modo ao domínio
político (Ibid, p.13).

Latour defende que o modo político de relacionamento está vinculado à constituição

de um coletivo, de um agregado que não está nunca garantido, devendo ser reativado

continuamente. É, portanto, a política como continente que está na base de nosso

questionamento. A política como um modo de relação conosco e com o mundo aponta para

uma formação subjetiva e cognitiva. Kastrup, Tedesco e Passos (2008) ao se deterem sobre as

distintas abordagens das ciências cognitivas, formulam a noção de política cognitiva. Esta

busca evidenciar que as diferenças entre o cognitivismo computacional – concepção que

pensa o conhecimento como representação do mundo através do processamento de

informações por regras lógicas - e a abordagem autopoiética-enativa – concepção que pensa o

conhecimento como uma produção co-engendrada do sujeito e do mundo - não são apenas

diferenças teóricas, mas apontam para modos de estar no mundo e de estabelecer relações

consigo, com as coisas e com a própria atividade de conhecimento. Afirmam: “O conceito de

política cognitiva busca evidenciar é que o conhecer envolve uma posição em relação ao

mundo e a si mesmo, uma atitude, um ethos” (Ibid, p.12). O conhecimento não é, portanto,

um processo neutro, podendo estar marcado por uma política criadora - abordagem

autopoiética-enativa – ou reprodutora – cognitivismo.

A idéia de uma cognição que inclui a pergunta sobre a formação contemporânea e sua

dimensão política foi possível porque partimos de uma concepção de cognição em que o que

ganha destaque são as transformações e invenções e não as leis ou regras. Trata-se de uma

concepção construtivista em sentido radical (ALVAREZ, 1999). O adjetivo radical refere-se

ao fato de que a construção se faz a partir dos encontros, não estando orientada por nenhum

aspecto transcendente. Nos termos de Kastrup (1999) trata-se de uma cognição inventiva.

F.Varela, H.Maturana e L.Vygotski nos ajudam neste entendimento do processo cognitivo.


7

F.Varela e H.Maturana são biólogos chilenos que no início dos anos de 1970, no

contexto do surgimento das ciências cognitivas, lançam o conceito de autopoiese para pensar

a cognição. Ao contrário da vertente hegemônica de então – abordagem cognitivista 1- que

insistia na metáfora computacional, eles optam pelo modelo do vivo. Ao invés de conceber a

cognição como computação simbólica realizada por regras lógicas, de maneira seqüencial e

invariante, defendem que o próprio da cognição é a sua autoprodução constante. Insistem que

o conhecimento não é apenas representação do mundo, mas constante produção de

organismos e meios correlatos. Dessa forma Varela e Maturana fornecem as bases para a

recolocação do problema da cognição a partir da invenção (MATURANA e VARELA, 1995;

KASTRUP, 1999). Nos anos de 1980 Varela introduz o conceito de enação, procurando

enfatizar a idéia de cognição como produção e não como representação (VARELA, 1990). A

cognição autopoiética–enativa, diferente da cognição cognitivista, afirma-se como um

processo não encapsulado que se transforma na vida e com a vida. Ela é assim afetada e

transformada por fatores sociais, culturais, emocionais e históricos.

A partir de uma interlocução entre Vygotski, Varela e Maturana, procuramos mostrar

– em trabalho anterior - que também o pensador russo fornece pistas para uma cognição que

se transforma e se inventa (SANCOVSCHI, 2005) - concepção construtivista radical da

cognição. Diferente dos pesquisadores chilenos, Vygotski constrói sua teoria na passagem do

século XIX para o XX, no contexto de desenvolvimento da psicologia. Seus problemas e

interlocutores são outros. No entanto, utilizando a metodologia proposta por Yves Clot (1999)

que nos desafia a pensar com os autores, os textos vygotskianos fizeram emergir um Vygotski

diferente. A análise dos mecanismos responsáveis pela variação e transformação das funções

psíquicas – cognição - associados à contextualização sócio-política de sua obra, possibilitou

não apenas a colocação do problema da cognição a partir da invenção, mas também outra

1
J.Fodor (1989) no campo da filosofia da mente e U.Neisser (1967) no campo da psicologia, são exemplos de
autores que trabalham com a abordagem cognitivista.
8

concepção de aprendizagem. Através dos conceitos de mediação e internalização Vygotski

explica como a cognição é construída no encontro com os outros e com o social, defendendo a

tese de uma formação social da mente.

Tendo em vista o tema da nossa pesquisa, é interessante mencionar a investigação

conduzida por Alexei Luria – discípulo e colega de Vygotski - na primeira metade do século

XX (anos de 1931 e 1932) em regiões remotas da antiga União Soviética (LURIA, 1990).

Esta aponta para como essa forma de colocar o problema da cognição acaba trazendo a cena

temas pouco explorados pela psicologia, como é o caso da cognição contemporânea.

Inspirado pelas idéias vygotskianas, Luria partiu para essas regiões a fim de verificar se a

hipótese da formação social da mente se confirmava. Neste sentido, talvez tenha sido o

primeiro a conduzir um estudo sobre cognição contemporânea. Por certo não pesquisou a

mesma cognição que investigamos, mas sim a cognição de seu tempo. Citamos:

Apesar dessas mudanças profundas e alterações recentes em seu perfil, a Psicologia


está apenas iniciando o estudo dos processos mentais do ponto de vista específico
de sua formação sócio-histórica. Ainda não sabemos se as mudanças de estruturas
sócio-históricas ou mudanças na natureza da prática social produzem apenas
ampliação da experiência, aquisição de novos hábitos e conhecimentos,
alfabetização e assim por diante, ou se essas mudanças produzem uma
reorganização radical dos processos mentais, alterações do nível estrutural da
atividade mental e formação de novos sistemas mentais (LURIA, 1990, p.26-27).

A pesquisa de Luria foi severamente criticada. Muitos a rejeitaram em função da falta

de rigor metodológico. Tal crítica aponta, a nosso ver, para o desafio que é realizar pesquisas

desse tipo. Longe de existirem protocolos prontos, é preciso inventar métodos, formas de

investigação condizentes com o problema. Outra crítica refere-se aos resultados obtidos.

Muitos concluíram apressadamente que os resultados apontavam para um alto índice de

primitivismo nos sujeitos investigados. Embora o viés etnocêntrico esteja presente, esta não

nos parece ser a conclusão mais importante. Conforme discutimos em outras ocasiões

(SANCOVSCHI, 2005; SANCOVSCHI e KASTRUP, 2008), a concepção de

desenvolvimento com a qual Luria e Vygotski trabalham – desenvolvimento cultural –


9

comporta ambigüidades. Apesar de afirmarem uma concepção de desenvolvimento que se faz

com o outro - homens ou objetos -, através de mediações, a partir de choques e revoluções,

defendem que este outro sempre orientará o desenvolvimento no sentido de uma maior

inserção cultural. Trata-se do “outro mais experiente” presente nas discussões sobre a zona de

desenvolvimento proximal (VYGOTSKI, 1934/2001). Assim, defendem que o

desenvolvimento segue um caminho que vai do primitivismo a um estado de cultura. Entenda-

se por cultura o padrão cultural europeu (KNOX, 1996, p.27). Destacamos que esta colocação

traz em si um aspecto político. A psicologia histórico-cultural de Vygotski e Luria assumiu

como compromisso a transformação da sociedade soviética. As idéias de progresso e de

apropriação da cultura objetivavam a democratização dos bens culturais a fim de que todos

pudessem participar igualmente da nova sociedade que surgia. Visto sob esta perspectiva, o

desenvolvimento como apropriação cultural assume o caráter de projeto político. É à luz desta

discussão que precisamos compreender as afirmações de Luria quanto ao primitivismo dos

sujeitos investigados. No entanto suas conclusões não param aí e é então que se descobre a

riqueza da sua pesquisa:

Nossas investigações, conduzidas sob as condições únicas e não replicáveis de uma


transição para formas coletivas de trabalho e de uma revolução cultural,
demonstram alterações fundamentais na atividade mental humana acompanhando
as mudanças das formas básicas de atividade, a aquisição da leitura e o advento de
uma nova etapa de prática sócio-histórica. Essas mudanças na atividade mental
humana não se limitam a uma simples expansão de horizontes, envolvem também a
criação de novas motivações para a ação e afetam radicalmente a estrutura dos
processos cognitivos (LURIA, 1990, p.215).

Assim, apesar das críticas que possam ser feitas e dos cuidados que devemos ter ao ler

a pesquisa de Luria, o que nos parece importante reter não é nem a falta de rigor

metodológico - afinal trata-se da invenção de um método revolucionário para a época para

estudar um problema igualmente revolucionário -, tampouco o aspecto etnocêntrico, mas o

fato de ser uma pesquisa desenvolvida em um período de mudanças radicais - mudanças

sociais, políticas e econômicas. A hipótese de que essas mudanças acarretam uma


10

modificação na cognição é igualmente inovadora e desafiadora. Ela nos inspira e ao mesmo

tempo nos desafia a pensar sobre a cognição na atualidade. Como está funcionando a

cognição na contemporaneidade quando o conhecimento e a aprendizagem ganham destaque e

as NTIC desafiam os limites de nossa cognição constantemente? Procuraremos responder a

esta pergunta através de uma investigação das práticas de estudo dos estudantes de psicologia

na contemporaneidade.

Cartografia: sobre a metodologia

A concepção do método cartográfico remonta a Deleuze e Guattari em Mil Platôs

(1995), sendo em seguida desenvolvido por Rolnik (2006) e outros como Kastrup (2007,

2008a). Recentemente foi sistematizado e apresentado como um método de pesquisa

intervenção (PASSOS, KASTRUP, ESCÓCIA, 2009). Trata-se de um método processual para

investigação de problemas também processuais. Ele se faz na ação, no encontro entre

pesquisador e campo. O que está em jogo é uma forma diferente de se relacionar com aquilo

que está sendo pesquisado. É com ou na relação que a cartografia se constrói. A criação

substitui o modelo da representação. Deleuze e Guattari (1995) propõem que a cartografia

seja uma experimentação ancorada no real (p.22). A substituição da representação pela

criação tem como pano de fundo a distinção ontológica entre o plano das formas e o das

forças (DELEUZE e GUATTARI, 1997a). O importante neste método não é detectar as

formas constituídas, mas principalmente as forças que estão em movimento e, que apontam

tanto para novas formas em vias de surgir, quanto para o desmanchamento de formas antigas.

Cartografar é, assim, acompanhar processos.

O método da cartografia foi colocado em ação numa investigação com estudantes de

psicologia de quatro instituições de ensino superior do município do Rio de Janeiro acerca de

suas práticas de estudo. Através de entrevistas que tinham como inspiração a técnica da
11

explicitação (VERMERSCH, 2000), procuramos identificar como os estudantes estão

estudando e qual a relação que têm estabelecido com eles mesmos e com o conhecimento em

suas práticas de estudo.

A entrevista de explicitação foi formulada inicialmente por P.Vermersch (Ibid) e

atualmente tem sido desenvolvida por outros pesquisadores no campo das ciências cognitivas

como é o caso da C.Petitmengin (2006; 2007). Seu objetivo é auxiliar na verbalização da ação

efetuada. Em sua origem está o interesse pelo conhecimento acerca dos processos cognitivos

envolvidos na realização de atividades específicas. Ela se ocupa do como dos processos e não

do porquê das atividades. A idéia é acessar o processo e não a sua representação. No caso da

nossa pesquisa, a idéia foi acessar como os estudantes estão estudando e não, o que eles

pensam sobre o estudo. Isto não foi uma tarefa fácil. Conforme o próprio Vermersch (Ibid)

argumenta, a verbalização da ação é bastante difícil, não sendo espontânea ou de fácil acesso.

Apesar de estudarmos, não nos ocupamos de pensar sobre como estudamos e, tampouco, nos

preocupamos em explicitar como fazemos. Embora boa parte das nossas ações sejam frutos de

um saber-fazer, isto não implica consciência. Estudamos e pronto. Além disso, não é comum

a necessidade de verbalização desse tipo de ação. Por isso muitas vezes o que surge primeiro

em nossas falas quando nos vemos diante de perguntas como, por exemplo, “Como você

estuda?”, são julgamentos, comentários, generalidades, descrição das circunstâncias e não a

descrição dos gestos cognitivos. Por isso a explicitação da ação e, no nosso caso a

explicitação das práticas de estudo requer não apenas a escolha de uma experiência específica

que sirva de vivido de referência, mas também a participação de um mediador capaz de guiar

o sujeito para que acesse seus gestos cognitivos e não suas opiniões.

Tomamos os cuidados necessários para privilegiar através das perguntas e da estrutura

da entrevista o acesso ao processo, isto é, ao como se estuda. No anexo encontra-se a versão

básica da entrevista a partir da qual todas as entrevistas foram realizadas. À semelhança da


12

entrevista semi-estruturada, a entrevista de explicitação não possui um roteiro rígido, mas

questões norteadoras. A entrevista foi dividida em duas partes. Na primeira procuramos obter

informações gerais sobre as práticas de estudo de cada voluntário para em seguida nos

concentrar numa experiência específica a fim de explicitá-la.

As entrevistas foram realizadas entre setembro e dezembro de 2008 com voluntários

de quatro instituições de ensino superior do município do Rio de Janeiro: duas públicas –

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro

(UERJ) - e, duas privadas – Pontifícia Universidade Católica (PUC) e Universidade Veiga de

Almeida (UVA). Em cada instituição foram realizadas no mínimo 4 entrevistas o que nos

levou a um total de 17 entrevistas. Destas, 15 foram transcritas integralmente, constituindo-se

no material analisado. A opção de variar as instituições, bem como de mesclar públicas e

privadas, teve por objetivo diversificar a amostra e evitar que particularidades institucionais

interferissem na pesquisa. A seleção dos voluntários seguiu padrões diferenciados em cada

instituição. Na UFRJ, divulgamos entre os alunos das turmas em que lecionávamos e

solicitamos que auxiliassem na divulgação. Dessa forma chegamos a 5 voluntários do

primeiro, do quarto, do quinto e do sexto períodos 2. Como a UERJ estava em greve, contamos

com o auxílio da lista de e-mails do centro acadêmico assim como com a colaboração dos

estudantes que quando não podiam ou não queriam participar da pesquisa, repassavam nossos

e-mails para seus colegas. Foram 4 voluntários na UERJ que cursavam o sexto, o sétimo, o

oitavo períodos. Na PUC, convidamos os alunos no corredor das salas de aula. Durante

aproximadamente uma semana fizemos plantão neste corredor e aproveitamos para conhecer

um pouco melhor a rotina dos estudantes da PUC. Conseguimos reunir 4 voluntários do

segundo, quarto e sétimo períodos. Na UVA tivemos o apoio do vice-coordenador de cursos

de graduação, que nos colocou em contato com duas turmas em que alguns alunos

2
Em relação aos períodos, em alguns casos eles são aproximados. Isto porque alguns alunos encontram-se, por
diversos motivos, desperiodizados.
13

disponibilizaram seus e-mails através dos quais pudemos nos apresentar, apresentar a

pesquisa e convocá-los para as entrevistas. Foram 4 voluntários do oitavo e nono períodos.

Com exceção da UFRJ onde conseguimos, com o auxílio dos secretários da Pós-graduação

em psicologia (PPGP), reservar salas para as entrevistas, nas outras instituições, elas foram

sendo realizadas onde houvesse possibilidade.

O recrutamento de voluntários bem como as entrevistas só foram realizadas após

autorização das instituições envolvidas. Aos voluntários, antes de cada entrevista, a pesquisa

era explicada e as dúvidas esclarecidas através do termo de consentimento livre e esclarecido.

Ressaltamos que esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da escola de enfermagem

Ana Nery em 28 de maio de 2008.

Em função das singularidades do método cartográfico nos pareceu apropriado e

enriquecedor construir o texto da tese articulando as falas dos estudantes às análises teóricas.

Portanto, aqui os estudantes conversam com a teoria compondo enfim uma cartografia da

cognição contemporânea. Uma cartografia realizada por uma professora-estudante que estuda

o estudo. Trata-se de uma construção realizada em seis capítulos.

No primeiro capítulo desenvolvemos a noção de práticas de estudo e a apresentamos

como um modo político de colocar o problema do estudo. Recorremos aos teóricos F.Varela,

H.Maturana, L.S.Vygotski e J.Piaget que pensam o conhecimento como ação e, aos

historiadores M.Foucault e R.Chartier que fazem da prática um objeto e um método de

pesquisa. Vimos que toda prática produz efeitos, não existindo práticas neutras. Vimos

também que embora as práticas sejam marcadas pelo contexto onde nascem, ele não é

determinante. A noção de breakdown de Maturana e Varela (1995) nos ajudou a afirmar que

nenhuma prática é eterna, podendo engendrar, a partir de seu próprio movimento,

transformações. Já conceito vygotskiano de ações mediadas (VYGOTSKI, 1931/2000), assim

como as formulações de Chartier (1996;1998) chamaram atenção para a importância dos


14

instrumentos e dispositivos usados nas práticas de estudo. Encerramos o capítulo fazendo um

balanço da noção de práticas de estudo e estabelecendo as diretrizes norteadoras da tese.

Afirmamos que as práticas só podem e devem ser avaliadas a partir dos efeitos produzidos.

Argumentamos, então, a favor de se falar de práticas mais e menos potentes, defendendo a

potência a partir do critério da experiência. Ao incluir a experiência, as práticas de estudo

trabalham com uma concepção de aprendizagem inventiva, valorizando o pensamento e a

problematização ao invés das tarefas e performances. Desse modo revelamos desde o início

nosso compromisso com uma política cognitiva criadora. No final, demos voz aos estudantes

que passaram a falar sobre as diferenças entre o estudo com material impresso e o estudo na

tela, bem como sobre as suas preferências em relação ao estudo que se faz com o computador-

internet em detrimento do livro.

No segundo capítulo apresentamos um panorama dos estudos sobre o estudo trazendo

à cena as principais discussões que atravessam esse campo. Os estudos sobre o estudo foram

abordados a partir da noção de práticas, desenvolvida no capítulo anterior. Procuramos

demonstrar que, apesar do silêncio de autores e/ou teorias, o que está em jogo é a produção de

diferentes políticas cognitivas e não o confronto entre maneiras distintas e supostamente

neutras de entender o estudo. Organizamos nossa apresentação tendo em vista uma política

que concebe o estudo como tarefa e outra que concebe o estudo como experiência.

Aproveitamos para esclarecer aquilo que passamos a chamar de estudo como tarefa e estudo

como experiência. Autores como Dewey (1980), Depraz, Varela e Vermersch (2002), Larrosa

(2001, 2003a, 2003b), Ronca (1982) e, Rosário (2004) foram fundamentais para a nossa

argumentação.

No terceiro capítulo nos detivemos na análise da contemporaneidade. Em função da

forma como o problema da nossa tese foi colocado este movimento era fundamental. A

pergunta acerca das práticas de estudo dos estudantes de psicologia surgiu diante do assombro
15

frente às mutações do mundo atual. Inicialmente a contemporaneidade foi tomada como

momento de instauração e desenvolvimento do capitalismo cognitivo (CORSANI,

DIEUAIDE, LAZZARATO, et.al., 2001; LAZZARATO, 2006). A análise do capitalismo

cognitivo fez ver o papel fundamental das funções cognitivas e em especial da atenção nas

novas formas de produção. Tal fato nos forçou a investigar a proposta da economia da atenção

(DAVENPORT e BECK, 2001; GOLDHABER, 1997; LÉVY, 2004). Apesar das diferenças

que separam o capitalismo cognitivo da economia da atenção, concluímos que ambos

concordam que a função cognitiva da atenção tem sido alvo de maciços investimentos pelas

forças capitalistas, enfatizando o papel das NTIC. Diante desta constatação decidimos que nos

concentraríamos, a partir de então, sobre a atenção. Afirmamos que analisaríamos tanto a

questão dos limites da atenção – questão colocada pelos teóricos da economia da atenção –

quanto sua dimensão de potência de criação – problema trazido pelos autores do capitalismo

cognitivo.

No quarto capítulo abordamos a atenção como um processo singular cujos efeitos

sobre a cognição podem caminhar tanto no sentido da realização de tarefas e performances,

quanto no sentido da criação e transformação. Através da apresentação da psicologia da

atenção do século XX, algumas falas dos estudantes foram analisadas. Examinamos a

associação da música com as práticas de estudo, os devaneios e os processos de

automatização do estudo. Aproveitamos a oportunidade para argumentar o quanto esta

psicologia ao concentrar seus experimentos sobre tarefas e performances acabou limitando a

compreensão da atenção. Ao final, um deslocamento. Com a ajuda de Kastrup (2004) e

Depraz, Varela e Vermersch (2002) passamos do problema da atenção para aquele da

aprendizagem da atenção. Defendemos a aprendizagem da atenção como algo que se opera

através de práticas cotidianas e cujos efeitos são conseqüências dessas práticas. Desdobrando

a idéia, afirmamos que as práticas de estudo produzem funcionamentos atencionais que


16

podem favorecer ao estudo como tarefa – funcionamento atencional focado – ou ao estudo

como experiência – atenção aberta.

No quinto capítulo apresentamos e analisamos as práticas de estudo dos estudantes de

psicologia, procurando mostrar como estas promovem certos funcionamentos atencionais. Em

especial destacamos a produção de uma atenção saltitante e sem ritmo, produzida a partir de

um estudo que se orienta hegemonicamente pela tarefa. A primeira prática abordada referiu-se

a incapacidade dos estudantes ultrapassarem duas horas de estudo seguidas. Esta colocou em

cena o problema da temporalidade atencional, que foi analisado principalmente através das

contribuições de James (1890/1952, 1899/1924) e Weil (1979). Depois nos concentramos

naquilo que acontece enquanto se está estudando. Neste momento, o acoplamento da cognição

com as NTIC apareceu com destaque. Foram analisadas questões como: a presença do

computador enquanto se estuda; o tipo de mobilização da atenção e o funcionamento

atencional; as políticas cognitivas produzidas; o território do estudo e, as novas formas de

estudar, de fazer pesquisa e escrever.

No sexto capítulo mostramos com a ajuda de teóricos como R.Sennett, A.Eherenberg,

M.J.Farah, C.Forlini, E.Rancini, H.Greely, S.Rose, J.Caiafa e J.Larrosa que as práticas de

estudo analisadas anteriormente e o tipo de aprendizagem da atenção produzida não são

aspectos isolados. Não se trata de idiossincrasias dos estudantes ou dos jovens, mas se

inserem no contexto de nossa contemporaneidade. Neste sentido procuramos argumentar

como a contemporaneidade concorre para a produção de práticas de estudo que se orientam

hegemonicamente para o estudo como tarefa. Apesar disso, verificamos que o estudo como

experiência ainda é possível. A experiência não funciona como tudo ou nada, sendo a

principal dificuldade fazê-la ganhar consistência.

Concluímos a tese retomando as principais considerações acerca da nossa versão da

cartografia da cognição contemporânea. Em tempos em que o conhecimento e a aprendizagem


17

ganham lugar de destaque percebemos que os estudantes estão estudando, mas que as suas

práticas de estudo estão sendo orientadas, sobretudo, para o estudo como tarefa. Não que o

estudo como tarefa não seja legítimo. No entanto, do ponto de vista da política cognitiva

criadora que nos orienta, fomos obrigados a afirmar que se trata de uma prática menos potente

quando comparada ao estudo como experiência. Apesar de aceitarmos e defendermos a

existência de uma multiplicidade de práticas de estudo, não ficamos indiferentes a elas.

Identificamos, assim, brechas passíveis de serem investidas no sentido da produção de

desdobramentos potentes. Em especial destacamos a presença de uma política cognitiva

curiosa e desejosa de saber, bem como a compreensão de que a experiência não funciona

como tudo ou nada. Por fim a idéia de que a compreensão da cognição contemporânea possa

lançar novas luzes sobre a profusão de patologias e de diagnósticos relacionados às questões

cognitivas. A partir da cognição contemporânea falaremos em novas formações

subjetivas/cognitivas e não em déficit, falta ou patologias.


18

Capítulo 1

Práticas de estudo: uma colocação política do problema

O objetivo deste capítulo é desenvolver a noção de práticas de estudo, apresentando-a

como um modo político de colocar o problema do estudo. Para tanto recorreremos aos

teóricos da cognição que pensam o conhecimento a partir da ação como Jean Piaget, Lev

Vygotski, Francisco Varela e Humberto Maturana e, a historiadores como Michel Foucault e

Roger Chartier que fazem da prática um objeto e um método de pesquisa.

1.1- Conhecimento como ação: contribuições do construtivismo à noção de práticas

O construtivismo inaugura nos estudos da cognição uma forma de abordar o

conhecimento que parte da ação. De modo diferenciado, teóricos da psicologia como Jean

Piaget, Lev S.Vygotski e, Francisco Varela e Humberto Maturana, no campo das ciências

cognitivas, têm contribuído para o desenvolvimento dessa idéia. Estes últimos, conforme

demonstrou Alvarez (1999) apoiado em Ceruti (1986), respondem por uma abordagem

radical. O construtivismo autopoiético-enativo, diferente do construtivismo piagetiano, ou

mesmo do construtivismo vygotskiano não está orientado por nenhum telos pressuposto, seja

ele o pensamento lógico-matemático, como em Piaget ou, a cultura, como em Vygotski. Para

Varela e Maturana (1995), a atividade de conhecer é imanente à vida, sendo resultado de uma

deriva natural que coloca em cena acoplamentos estruturais e breakdowns. Não possui

nenhuma orientação senão o próprio viver. No entanto o construtivismo piagetiano, assim

como o construtivismo vygotskiano, ganham nova leitura, a partir da abordagem autopoiética-

enativa 3. Neste caso o que se destaca tanto em Piaget quanto em Vygotski são os mecanismos

3
Para uma leitura de Piaget a partir da abordagem autopoiética cf. Alvarez (1999). Para uma leitura de Vygotski
a partir da abordagem autopoiética-enativa cf. Sancovschi (2005), Sancovschi e Kastrup (2008).
19

de construção da cognição. Apresentaremos brevemente os três mecanismos de modo a

demonstrar como a partir de Piaget, Vygotski e, principalmente, Varela e Maturana a

colocação do problema do conhecimento inverte-se. O conhecimento torna-se efeito da ação e

de práticas concretas.

1.1.1 - Construtivismo genético piagetiano

Partindo da biologia e tendo como horizonte a epistemologia, Piaget afirma que as

estruturas necessárias ao conhecimento científico não estão presentes na criança. Lança assim

o projeto da epistemologia genética que, através da psicologia genética, procura explicar o

desenvolvimento cognitivo. Em outras palavras trata-se de explicar a construção de estruturas

que não são pré-formadas (PIAGET, 1978, p.3). Com o adjetivo genético sinaliza que o ponto

de partida de seu projeto encontra-se na gênese do conhecimento científico que localiza nos

primeiros dias de vida. Segundo Piaget, neste momento são formadas as primeiras estruturas

que serão a base para as estruturas mais avançadas do cientista. A idéia é que a partir da

gênese podemos observar o processo de formação do conhecimento científico. Sobre a

gênese, Piaget esclarece:

Quando se fala de gênese no campo psicológico – e, sem dúvida, nos outros


campos também – é preciso em primeiro lugar afastar toda definição a partir de
começos absolutos. Não conhecemos em psicologia começo absoluto e a gênese se
processa a partir de um estado inicial que comporta ele próprio, eventualmente,
uma estrutura. Ela é, em conseqüência, um simples desenvolvimento; não se trata,
no entanto, de um desenvolvimento qualquer, de uma simples transformação.
Diremos, assim, que a gênese é um sistema relativamente determinado de
transformações, comportando uma história e se conduzindo, de maneira contínua,
de um estado A a um estado B, sendo este mais estável que o estado inicial e
constituindo seu prolongamento (PIAGET, 2001, p.122).

Colocar o problema do conhecimento a partir do conhecimento científico faz com que

a cognição seja entendida como inteligência caracterizando-se, sobretudo, pela lógica. O

desenvolvimento cognitivo torna-se sinônimo de desenvolvimento da inteligência, sendo


20

pensado como uma sucessão de estágios necessários que vão do mais concreto ao abstrato, do

sensório-motor ao lógico formal (PIAGET, 2001). Nas palavras de Kastrup:

Uma vez que a psicologia genética foi criada por uma exigência da epistemologia
genética, há um tipo especial de conhecimento, o conhecimento científico, que
orienta e dá direção à investigação. O problema da transformação temporal da
cognição é traduzido como um problema de desenvolvimento da inteligência,
tendo, como horizonte, as formas universais e necessárias do pensamento lógico-
matemático (KASTRUP, 1999, p.83).

A autora argumenta que ao submeter o problema do conhecimento à lógica, Piaget

deixa de enxergar a invenção na transformação, concluindo que o construtivismo piagetiano é

no fundo um “construtivismo de caminho necessário” (Ibid, p.95). Aí encontramos um dos

limites do construtivismo piagetiano. No entanto ao focar no mecanismo explicativo da

construção da cognição, vemos nascer formulações interessantes no que diz respeito ao

desafio de pensar o conhecimento como ação.

Diferenciando-se das epistemologias inatistas e empiristas, Piaget defende que o

conhecer inicia-se com a ação e não com a percepção. Não que a percepção não seja

importante, no entanto ela é segunda em relação à ação: “Com efeito, o instrumento de troca

inicial não é a percepção, como os racionalistas demasiado facilmente admitiram do

empirismo, mas, antes, a própria ação em sua plasticidade muito maior” (PIAGET, 1978, p.6).

Assim a distinção sujeito-objeto não é condição para a atividade cognitiva. Pelo contrário,

sujeito e objeto tornam-se efeitos da ação:

De uma parte, o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito


consciente de si mesmo nem de objetos já constituídos (do ponto de vista do
sujeito) que a ele se imporiam. O conhecimento resultaria de interações que se
produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao mesmo
tempo, mas em decorrência de uma indiferenciação completa e não de intercâmbio
entre formas distintas (Ibid, p.6).

O conhecimento é entendido como uma construção que se faz a partir da ação numa

zona de contato entre o corpo e as coisas. Note-se que corpo e coisas são diferentes de um

sujeito que tem consciência de si e se dirige a um mundo. Referem-se ao contexto no qual

ações tornam-se possíveis/necessárias. Os reflexos são a base a partir da qual as ações


21

cognitivas se constituem por um processo de diferenciação. Estas pressupõem para Piaget a

formação de esquemas que, por sua vez, implicam numa lógica da ação.

A ação é fundamental. No entanto, sozinha, não explica a construção do

conhecimento. Apoiando-se na biologia, Piaget propõe um funcionamento invariante auto-

regulado comum a todos os seres vivos. Trata-se dos mecanismos de assimilação e

acomodação que, em conjunto, constituem o processo de equilibração. A assimilação consiste

na integração de um dado a uma estrutura prévia. Já a acomodação implica na transformação

da estrutura em função da incorporação do dado novo. Por sua vez a equilibração assegura

que este movimento não se feche como num círculo, mas que encarne uma espiral sempre

orientada, de modo evolutivo, para frente – o que na teoria piagetiana é sinônimo de maior

abstração. A equilibração ou equilíbrio majorante resulta da auto-regulação, assegurando que

os ganhos adquiridos num estágio serão conservados no estágio seguinte, dando origem a

formações cognitivas mais equilibradas. Aqui a auto-regulação é resultado da dinâmica

assimilação-acomodação, sendo anterior a distinção sujeito-mundo. Portanto, através de um

funcionamento invariante, Piaget explica a construção de estruturas variáveis.

Resumindo o mecanismo piagetiano: a partir de um estado de total indiferenciação

ocorre uma ação cognitiva cuja base é o reflexo. Diante da ação algo é assimilado e depois

acomodado conduzindo a uma transformação. Neste movimento sujeito e mundo se

constituem. Para Piaget a transformação segue um caminho necessário que vai dos

conhecimentos concretos aos abstratos. Determina quatro estágios – sensório-motor, pré-

operatório, operatório concreto e lógico formal - que seguem uma seqüência fixa. Enfim, para

Piaget a construção do conhecimento segue uma lógica da ação, não sendo necessário recorrer

à distinção sujeito-mundo.
22

1.1.2 - Construtivismo histórico-cultural

A teoria vygotskiana é mais uma modalidade de construtivismo. Esta colocação não é

consensual. Duarte (2001b), por exemplo, defende que classificar a teoria vygotskiana como

construtivista é no fundo realizar uma apropriação neoliberal e pós-moderna desta. No

entanto, seguindo sua argumentação percebemos que a crítica incide sobre um uso que a

pedagogia – em especial as pedagogias do “aprender a aprender” - têm feito do

construtivismo (DUARTE, 2001a) 4. Embora concordemos até certo ponto com a crítica de

Duarte, acreditamos não ser necessário se desfazer da noção de construtivismo, mas apenas

precisá-la. Afinal, como argumenta Latour, “O construtivismo pode ser nossa única defesa

contra o fundamentalismo” (LATOUR, 2003, p.1). É certo que existem autores como Souza e

Kramer (1991), que preferem restringir o termo construtivismo à teoria piagetiana. Quando

afirmamos que Vygotski trabalha com uma concepção de cognição – ou melhor, de

psiquismo5 – em construção não o estamos confundindo com o construtivismo piagetiano. A

construção aqui não resulta de uma lógica invariante ou mesmo de um amadurecimento

biológico, mas se faz ao longo da vida, com a vida e, principalmente, no encontro com os

outros. O que está em questão é o desenvolvimento cultural. Conforme veremos, a ação

mediada é condição para a construção da cognição. Desse modo o conhecimento é pensado

como conhecimento cultural. Destacamos que é através da idéia de desenvolvimento cultural

que aparecem os limites do construtivismo vygotskiano (SANCOVSCHI, 2005). A cultura é

considerada como um dado a ser adquirido. Certamente este processo de aquisição implica

transformação. No entanto, se com Vygotski é possível pensar a transformação do sujeito pelo

processo de conhecer, o mesmo não acontece com a cultura. O que nomeamos como limite do

construtivismo vygotskiano é resultado do compromisso político que Vygotski assume com a

4
Duarte (2001a) nomeia como pedagogias do “aprender a aprender” aquelas que defendem como tarefa da
educação o desenvolvimento de competências. No próximo capítulo teremos oportunidade de ver como essas
pedagogias têm trabalhado com o construtivismo.
5
Vygotski não utiliza o conceito de cognição, mas o de funções psíquicas ou mentais. Estas se diferenciam em
elementares e superiores e, em conjunto vão constituir a personalidade (VYGOTSKI, 1931/2000).
23

sociedade soviética. Por outro lado, a construção do psiquismo, tal como a psicologia

histórico-cultural propõe, não é resultado da atividade de um sujeito já formado: “Só há

sujeito porque constituído em contextos sociais, os quais, por sua vez, resultam da ação

concreta de homens que coletivamente organizam o seu próprio viver” (ZANELLA, 2004,

p.128). Em certa medida o construtivismo histórico-cultural se aproxima mais do

construtivismo autopoiético-enativo que do piagetiano, embora também possua limites.

Assim como no construtivismo piagetiano a lógica e a biologia imprimem sua marca,

no construtivismo histórico-cultural é a filosofia de K.Marx que dá o tom. Contudo a

psicologia histórico-cultural não é apenas uma aplicação de Marx à psicologia. Vygotski

explica:

O que sim pode ser buscado previamente nos mestres do marxismo não é a solução
da questão, e nem mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre
a base da própria ciência), mas o método de construção [da hipótese – R.R. 6]. Não
quero obter sem trabalho, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a psique, o
que desejo é aprender na globalidade do método de Marx como se constrói a
ciência, como enfocar a análise da psique” (VYGOTSKI, 1927/1997a, p.391).

O materialismo histórico-dialético possibilitou não apenas a recolocação do problema

do psiquismo, reunindo tanto as contribuições das teorias materialistas quanto das idealistas,

como também colaborou para a elaboração dos principais pressupostos de Vygotski. Cabe,

portanto, observar a ressalva de Sève (1999) a respeito da dialética de Marx. Para ele, Marx

produziu um desarranjo na concepção dialética ao desenvolver a dialética hegeliana sobre

uma base materialista. A dialética de Marx, diferente da de Hegel, se efetiva pela práxis, no

concreto. Em nossos termos, ela se faz na prática ou na ação. Não se trata mais de um

desenvolvimento genético circular, mas de um desenvolvimento transformador em uma

história aberta. O caráter transformador advém da práxis, que pressupõe uma atividade

concreta no mundo. Pino explica (2000, p.51): “O objeto de conhecimento não é o real em si,

6
Conforme observação no prólogo, a abreviação R.R. refere-se às notas dos redatores da edição russa das obras
escolhidas de Vygotski (VYGOTSKI, 1997a, p.XXV).
24

tampouco um mero objeto da razão. Ele é um real transformado pela atividade produtiva do

homem, o que lhe confere um modo humano de existência”.

Comentando a noção de práxis Varela, Depraz e Vermersch afirmam:

Sem entrar nos detalhes do conceito marxista de práxis [...] poderíamos dizer que a
práxis corresponde à atividade humana, às transformações sociais e materiais da
natureza e da sociedade, através das quais o processo mesmo de conhecimento e de
teorização aparece sobre uma apropriação prática pelo mundo e por si. Então, com
Marx, o mito de um conhecimento puramente contemplativo ou representacional
definitivamente desaparece, pela simples razão que toda teoria baseia sua dinâmica
em uma prática (DEPRAZ, VARELA e VERMERSCH, 2002, p.161).

Ao se filiar ao materialismo histórico-dialético, Vygotski faz da ação e, em especial da

ação mediada, fonte do desenvolvimento, ou seja, da construção do psiquismo. O conceito de

ação mediada pressupõe a existência de mediadores na relação sujeito – mundo, fazendo

nascer um sujeito e um mundo transformado. Citando Marx, Vygotski afirma (1931/2000,

p.85): “Ao atuar sobre a natureza externa mediante esse movimento, ao modificá-la, o homem

modifica ao mesmo tempo sua própria natureza – diz Marx – Desperta as forças que dormiam

nela e subordina a dinâmica dessas forças a seu próprio poder”. Os mediadores podem ser

instrumentos – pensando nos estudantes citamos como exemplos de instrumentos cadernos,

livros e computadores - ou signos. Dentre os últimos, Vygotski destaca a linguagem, uma vez

que esta constitui o principal sistema de signos utilizados pelos homens. Sendo assim, a

linguagem aparece como um importante mediador. Um ponto que merece reflexão refere-se

ao estatuto dos mediadores. Para a psicologia histórico-cultural eles são considerados dados

na cultura. Mesmo nas discussões sobre as vias colaterais de desenvolvimento tecidas no

contexto dos estudos defectológicos 7, os mediadores estão sempre dados. As vias colaterais

de desenvolvimento são constituídas a partir de mediações singulares, permitindo o

desenvolvimento cultural de pessoas com deficiências, conduzindo-as para além de seus

limites biológicos. Porém, mesmo neste contexto, Vygotski refere-se, por exemplo, à
7
Os trabalhos sobre a defectologia situam-se na origem da psicologia histórico-cultural. Trata-se de um campo
que se dedica a estudar a variabilidade qualitativa do processo de desenvolvimento de pessoas com deficiências.
Vale ressaltar que o volume V das obras escolhidas publicadas pela editora Visor em Madrid (VYGOTSKI,
1927/1997b) dedica-se exclusivamente a este assunto.
25

linguagem dos sinais e ao Braile. No entanto, conforme mostramos em outra ocasião

(SANCOVSCHI, 2005) com o auxílio de O.Sacks (1997), é preciso também pensar a

invenção de mediadores. Através da invenção dos mediadores é possível conceber a produção

da cultura e não apenas sua aquisição.

Abordaremos agora o mecanismo de construção do psiquismo através do exemplo do

gesto indicativo que, para Vygotski, constitui a base primitiva de desenvolvimento de todas as

formas superiores de comportamento (VYGOTSKI, 1931/2000, p.149-150). Trata-se da

unidade mais simples para a compreensão do mecanismo de construção das funções psíquicas

superiores. Estas, diferente das funções elementares que são restritas ao domínio biológico,

pressupõem ações mediadas, sendo indiretas e sociais. Segundo Vygotski, a confusão entre as

funções psíquicas elementares e superiores fez com que muitas vezes, na história da

psicologia, se estudasse o homem e o psiquismo humano como quem estuda o animal. A

psicologia vygotskiana restringe suas elaborações às funções psíquicas superiores, próprias do

humano.

O gesto indicativo é, em princípio, uma tentativa fracassada de agarrar algo. A criança,

em função de seus reflexos, estende o braço. A mãe aparece e interpreta o gesto da criança,

atribuindo a ele um significado: “Ah, bebê, você está querendo pegar a madeira”. A criança

passa, então, a se relacionar com o mundo a partir da significação do gesto conferida pela

mãe. Só mais tarde, a criança internaliza a significação. Vygotski afirma:

A criança, portanto, é a última a tomar consciência de seu gesto. Seu significado e


funções determinam-se a princípio pela situação objetiva e depois pelas pessoas
que rodeiam a criança. O gesto indicativo começa a ser definido pelo movimento
que os demais compreendem, apenas mais tarde converte-se em indicativo para a
própria criança (Ibid, p.150).

Assim a formação do psiquismo envolve ações mediadas no contato com outros

homens, mas também com a natureza. As mediações são inicialmente externas, sendo em

seguida internalizadas, constituindo o próprio sujeito. Sobre a internalização, são necessários

esclarecimentos. De acordo com Pino (1992) a noção de internalização traz implícita a idéia
26

de uma dicotomia entre o externo e o interno que, por sua vez está relacionada a um

entendimento do homem e das relações entre natureza e cultura que não se encaixa no

referencial teórico utilizado por Vygotski. Tendo em vista que as funções psíquicas que

interessam à psicologia são de origem social, o processo de internalização deve ser entendido

como uma reconstrução no plano pessoal – o que está em questão é o problema da

significação – daquilo que antes era social, portanto realizado no encontro com os outros

através das mediações. A reconstrução não é guiada por um sujeito - por um si já constituído -

, mas ela própria produz o si (ZANELLA, 2004; VIGOTSKI, 1929/2000). O processo de

apropriação se faz entre sujeitos e o de internalização entre o sujeito e si mesmo, não podendo

nunca ser atribuído a um si já constituído (ZANELLA, 2004). Pino explica (1992, p.322): “A

significação não pertence nem à ordem das coisas nem à das suas representações, mas à

ordem da intersubjetividade anônima em que, ao mesmo tempo que é por ela constituída, é

constituinte de toda a subjetividade” (grifo nosso). Além disso, esse processo não é resultado

de um caminho espontâneo ou necessário, mas se faz a partir de choques e contradições que

ocorrem a partir das ações. Citamos Vygotski (1931/2000, p.330): “A história da

personalidade só pode ser afirmada e relatada como história onde inúmeros fios se cruzam e é

apenas nesse cruzamento que a história se faz”.

Resumindo o mecanismo histórico cultural: a partir da ação mediada – uso de

instrumentos ou signos - o sujeito ainda sem se saber sujeito intervém na natureza. Esta

intervenção conduz ao mesmo tempo a uma transformação da natureza e do sujeito. Esta

transformação se dá no sentido da construção de significados e não possui um caminho pré-

estabelecido. O caminho depende dos mediadores. Concluímos este tópico com uma citação

de Zanella (2004, p.129): “Existe um mundo material que antecede à existência do próprio

homem; este mundo, porém, uma vez conhecido / transformado pela ação humana, deixa de

ser natural em si para se transformar em natureza significada e, portanto, cognoscível”.


27

1.1.3 - Construtivismo autopoiético-enativo

É com F.Varela e H.Maturana que o construtivismo assume formulação radical

(ALVAREZ, 1999). É apenas com os biólogos chilenos que a idéia de conhecimento como

ação é levada às últimas conseqüências. Graças à crítica à representação, ou seja, à idéia de

que conhecer é representar o mundo, que a ação é enfatizada como única condição para o

conhecer. Aí reside a novidade e também a potência política do construtivismo autopoiético-

enativo. Varela e Maturana revelam dessa maneira a circularidade do conhecimento. Ao invés

do conhecer ser a relação entre um sujeito e um mundo pré-supostos, sujeito e mundo passam

a ser efeitos de práticas cognitivas. Citamos: “Todo fazer leva a um novo fazer: é o círculo

cognitivo que caracteriza o nosso ser, num processo cuja realização está imersa no modo de

ser autônomo do ser vivo” (MATURANA e VARELA, 1995, p.259). Destacamos a

semelhança com as formulações piagetianas, inclusive sinalizadas por Varela (2003). No

entanto, diferente de Piaget, Varela e Maturana não estabelecem um horizonte pré-definido

para o conhecer. Não existe nada para além da circularidade. Tudo depende da ação.

A abordagem autopoiética-enativa foi concebida no contexto de desenvolvimento das

ciências cognitivas a partir da crítica aos paradigmas informacional-representacional. As

ciências cognitivas consistem num campo hibrido formado por saberes diversos - como

engenharia, economia, lingüística, filosofia e psicologia - cujo objetivo principal é fornecer

entendimento científico à cognição (GARDNER, 1996; VARELA, 1990). Vale ressaltar a

importância das tecnologias – inicialmente a máquina de Turing e, depois, o computador – na

construção desse campo. De acordo com Varela as ciências cognitivas produziram uma

mudança nos estudos da cognição ao construírem seus conhecimentos de forma atrelada a

uma tecnologia: “O conhecimento se tornou tangível e inextrincavelmente ligado a uma

tecnologia que transforma as próprias práticas sociais que possibilitam aquele verdadeiro

conhecimento – sendo a inteligência artificial o exemplo mais visível disso” (VARELA,


28

THOMPSON e ROSCH, 2003, p.23). Depois do momento inicial – entre 1943 e 1953 -

marcado por propostas heterogêneas, as ciências cognitivas se organizaram em três

orientações principais: o cognitivismo computacional cuja hegemonia se fez sentir nos anos

de 1960 e 1970; o conexionismo e, finalmente, a autopoiese-enação. Estas últimas

desenvolveram-se a partir dos anos de 1970 como alternativas ao cognitivismo. Para o

cognitivismo computacional conhecer é processar informações que vêm do meio (inputs)

gerando respostas adequadas (outputs). A cognição é definida como computação simbólica

realizada por regras lógicas. Seu objetivo é representar adequadamente o mundo. O

paradigma informacional- representacional está na base do cognitivismo computacional. Já o

conexionismo, partindo da crítica ao cognitivismo computacional, defende, apoiado no

modelo cerebral, que o conhecer é resultado da emergência de estados globais que nascem de

uma rede de componentes simples distribuídos. No lugar dos símbolos organizados

linearmente aparece o nível subsímbólico que se organiza de forma dinâmica. Apesar de se

afastar do paradigma informacional, o conexionismo não superou por completo a

representação. Conhecer continua a ser a capacidade de representar adequadamente um

mundo pré-existente, ainda que esta representação seja efeito da emergência resultada de

propriedades dinâmicas.

Neste contexto de discussões sobre o conhecer, surge inicialmente a teoria da

autopoiese, desenvolvida em conjunto por Varela e Maturana (MATURANA e VARELA,

1995). Nos anos de 1980, Varela reformula algumas proposições, criando a abordagem

enativa (VARELA, 1990; VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003). A crítica ao paradigma

informacional-representacional constitui o cerne tanto da autopoiese quanto da enação.

O termo autopoiese vem do grego e significa auto-produção. A certeza a respeito da

inadequação do paradigma informacional-representacional para explicação da cognição veio

da investigação biológica. Estudando os sistemas vivos Maturana e Varela perceberam que


29

aquilo que os singularizava, ou seja, o que os tornava diferentes das máquinas, era sua

clausura operacional. Esta lhes garantia autonomia. Não há no vivo nada que o determine

além de sua estrutura e organização. Viver é autoproduzir-se nos encontros entre organismo e

meio. Não existe finalidade e tampouco otimização. Para o ser vivo não existe um mundo em

si, mas apenas o mundo no qual se vive, fruto de ações e interações. Assim Varela e Maturana

concluem que a cognição deve ser pensada como ação efetiva do organismo no meio

(MATURANA e VARELA, 1995, p.72). Conhecer é agir de modo a fazer do meio um mundo

próprio. A autopoiese ou auto-produção pressupõe, portanto, a produção de um mundo. Daí o

aforismo que resume a autopoiese: ser = fazer = conhecer (Ibid). A adaptação jamais é

pensada como adequação, sendo concebida como uma co-produção viável (Ibid,

SANCOVSCHI, 2009)

Embora reconhecesse os avanços no campo científico possibilitados pelo conceito de

autopoiese, Varela ainda a considerava uma alternativa fraca (COSTA, 1993). Para ele era

preciso enfatizar de modo definitivo o co-engendramento organismo-meio, bem como a

corporificação do conhecimento. Com esta proposta desenvolve a abordagem enativa. Enação

constitui um neologismo inspirado no termo inglês enact que significa trazer à mão ou fazer

emergir (MATURANA e VARELA, 1997) 8. Conhecer é enagir a partir da ação, sujeito e

mundo. A enação abarca as questões colocadas pela autopoiese, inclusive seu mecanismo,

porém destaca o aspecto da autonomia, ressaltando o não fundamento e, frisando noções

como co-engendramento, circularidade e criação simultânea do sujeito e do mundo. Se as

discussões da autopoiese se fazem na interlocução com a biologia (MATURANA e

8
Na tradução brasileira esse termo é traduzido pela palavra atuação (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003).
Atuação é entendida como aquilo que é trazido à cena pela ação. Contudo, optamos por utilizar o neologismo
enação, uma vez que a palavra atuação - em português - pode ser confundida com representação, e é justamente
contra a representação que a enação se afirma. Além disto, o termo atuação pode também ser confundido com o
conceito psicanalítico de passagem ao ato (acting out). Neste caso a atuação resulta da impossibilidade de
simbolização (LAPLANCHE e PONTALIS, 1998, p.27-30).
30

VARELA, 1995), no desenvolvimento da abordagem enativa os principais interlocutores são

a fenomenologia de Merleau-Ponty e o budismo (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003).

Através do mecanismo autopoiético temos a construção da cognição. Esta não se

limita a interpretar um mundo dado, pois não há mundo dado nem tampouco sistema

cognitivo pré-existente. Ambos são co-engendrados, de modo recíproco, através da ação. Para

Varela e Maturana a cognição extrapola o domínio humano, sendo característica do vivo em

geral. Desde a célula até o homem, os sistemas vivos estão submetidos a uma mesma

organização, a um mesmo mecanismo autopoiético. Citamos:

O fato de o conhecer ser a ação daquele que conhece está enraizado no modo
mesmo de seu ser vivo, em sua organização. Sustentamos que as bases biológicas
do conhecer não podem ser entendidas somente pelo exame do sistema nervoso.
Parece-nos necessário entender como esses processos estão enraizados no ser vivo
como um todo (MATURANA e VARELA, 1995, p.76).

Contudo, não ignoram as singularidades que cada sistema cognitivo assume na vida

concreta. Elas são explicadas em função das diferentes estruturas nas quais o mecanismo

encarna. No caso do humano, destacam que o mecanismo autopoiético possibilitou o

aparecimento, dentre outras coisas, do sistema nervoso e da linguagem. Assim, o mecanismo

passou a trabalhar com eles, ampliando enormemente as capacidades cognitivas do homem 9.

Porém, nem o sistema nervoso e nem a linguagem assumem lugar de destaque na definição da

cognição e do mecanismo que responde por sua construção.

O mecanismo autopoiético é um mecanismo de auto-produção que requer, de saída, o

fechamento operacional - clausura operacional -, através de uma membrana. A clausura é

resultado de múltiplos fatores que, juntos, possibilitam a criação – emergência - de limites,

definindo não só o organismo, com sua organização e estrutura, mas seu meio correspondente.

O fechamento operacional não significa isolamento: “Clausura não é fechamento” (VARELA,

1989, p.217). Pelo contrário, constitui a possibilidade de toda e qualquer interação ou contato

imediato com o mundo e com os outros. Sem isto, não existe auto-produção. A autopoiese

9
Para mais detalhes cf. Maturana e Varela, 1995.
31

revela-se uma produção de si que só se realiza com o outro, seja o mundo material, sejam os

outros organismos. Este contato aparece através do conceito de acoplamento estrutural. O

acoplamento diz respeito a modos de interação estabelecidos entre a estrutura do organismo e

a do meio. O acoplamento, uma vez estabelecido, produz variações na estrutura do organismo,

criando novas formas de ser e de estar no mundo. Portanto, para a abordagem enativa, a

atividade cognitiva não se restringe a uma capacidade cerebral, mas está encarnada no corpo

ou, em outros termos, na estrutura do organismo (VARELA, 2003). Uma mudança na

estrutura implica na modificação das formas de ser e de conhecer. As mudanças estruturais

criam novos campos de sensibilidade que participarão de novos acoplamentos. É importante

destacar que nesse movimento em que acontecem acoplamentos e variações estruturais o

breakdown ganha um lugar de destaque. Sem ele nenhum movimento ou variação são

possíveis.

O breakdown, por vezes traduzido como colapso (VARELA, 2003), é uma

perturbação que acontece em função do próprio movimento autopoiético e que coloca em

xeque acoplamentos e modos de funcionar anteriores. Não é estranho à ação ou, nos nossos

termos, à prática, mas se refere a uma espécie de hesitação em relação ao fazer, ao hábito,

capaz de instaurar uma diferença - novas formas de ser e de conhecer. Não possui finalidade,

não visa nada diferente dele mesmo, mas garante a potência viva do vivo ao conservar uma

dimensão de problematização em toda ação. O resultado de um breakdown é sempre

imprevisível, não podendo ser determinado nem pelo organismo e nem pelo mundo. Nas

palavras de Varela:

Nos dois casos extremos – a experiência humana durante os colapsos e o


comportamento animal em momentos de transições comportamentais – nos
defrontamos, de formas tremendamente diversas, é inegável, com uma questão
comum: a cada colapso desses, a maneira pela qual o agente cognitivo será em
seguida constituído não é nem decidida externamente nem simplesmente planejada.
Ao contrário, trata-se de uma questão de emergência segundo o senso comum da
configuração autônoma de uma postura apropriada. Uma vez selecionada uma
postura comportamental ou gerado um micromundo, podemos analisar de forma
mais clara seu modo de operação e sua estratégia ótima (VARELA, 2003, p.78).
32

Assim, a crítica ao paradigma representacional-informacional operada por Varela e

Maturana possibilita não apenas a radicalização do construtivismo, mas aponta para uma

dimensão política. Ela passa pelo questionamento da crença num mundo dado. Diante de um

mundo pré-definido cabe apenas duas alternativas: ou apreendemos – representamos -

adequadamente suas características e nos adequamos a ele, ou não, e seremos seres

desajustados. A abordagem autopoiética-enativa ao rejeitar a representação nos convida a

adotar outra relação com o mundo, conosco e também com o conhecimento. Esta se afirma

pela criação e não pelo ajustamento, pela invenção e não pela reprodução. Implica

perturbações, breakdowns e problematizações. Kastrup, Passos e Tedesco (2008) ao

apresentarem o cognitivismo e a enação defendem que mais do que dois modelos teóricos,

tratam-se de duas políticas cognitivas. A política cognitivista aposta na recognição e a política

autopoiética-enativa pressupõe a invenção:

Sendo assim, o cognitivismo não é apenas um problema teórico, mas um problema


político. Ele é uma das configurações que nossa cognição assume. Ele não dorme
nas páginas dos livros, mas nos habita, e muitas vezes de maneira silenciosa. Os
pressupostos do modelo da representação – a preexistência de um sujeito
cognoscente e de um mundo dado que se dá a conhecer – são muitas vezes tão
enraizados em nós que se confundem com uma atitude natural. [...] Por outro lado,
aproximar conhecimento e criação, afirmar que a ação de conhecer configura de
modo recíproco e indissociável o sujeito e o objeto, o si e o mundo, não é apenas
propor um novo entendimento da cognição. É um convite a adotar uma certa
maneira de estar no mundo, de habitar um território existencial e de se colocar na
relação de conhecimento. A recusa da crença num mundo dado que apenas
representamos, que coloca os problemas que devemos solucionar e ao qual
devemos nos adaptar, não é de modo algum trivial. A idéia de que o mundo não é
dado, mas efeito de nossa prática cognitiva, expressa uma política criacionista
(Ibid, p.12-13).

Resumindo o construtivismo autopoiético-enativo: diante do fechamento operacional,

acomplamentos estruturais tornam-se possíveis através de ações. Em função dos

acoplamentos ocorrem variações estruturais no organismo o que implica transformações no

sujeito e em seu mundo. Dizendo de outra forma, através dos acoplamentos os sujeitos se

transformam e novos mundos de sentido surgem. No entanto nenhum acoplamento é

definitivo. Todos estão sujeitos a perturbações ou breakdowns. Estes são resultados do


33

próprio viver e garantem a fluidez da conduta. Podem ser pequenos ou grandes, provocando

pequenas mudanças ou verdadeiras bifurcações. No texto O reencantamento do concreto,

Varela (2003) refere-se a estas questões de modo simples, oferecendo exemplos cotidianos

como o dar-se conta de que sua carteira não está em seu bolso ou ainda as pequenas mudanças

em nossos comportamentos que acompanham situações como almoçar com os amigos e

depois voltar ao trabalho.

Com Piaget, Vygotski e, de modo mais contundente com Varela e Maturana o

problema do conhecimento é recolocado. Ao invés de partir da relação sujeito–mundo,

enfatiza-se a ação. É pensando as práticas como ação que encontramos as contribuições dos

construtivistas. A primeira e mais fundamental idéia é que toda prática produz efeitos. Não

existem práticas neutras. Indo além, afirmamos que diferentes práticas produzem diferentes

cognições, o que implica na formação de diferentes sujeitos e mundos. Outro aspecto

importante é que as práticas, assim como as ações, nascem num contexto que lhes marca sem,

contudo determinar. Em função da noção de breakdown devemos considerar também que as

práticas não são eternas, podendo engendrar, a partir de seu próprio movimento,

transformações.

Desse modo, a ação de estudar não é apenas um meio de aquisição de algo dado, mas

produz nosso sistema cognitivo e o mundo que habitamos, recebendo interferência dos

contextos onde nasce. Além disso, as práticas de estudo, como toda ação, guardam em si a

potência de transformação. Por outro lado, a teoria vygotskiana, ao chamar atenção para as

ações mediadas, traz à cena o papel transformador do uso de instrumentos e signos. Portanto a

noção de práticas de estudo deve incluir também o tipo de instrumento usado - cadernos,

livros, computadores, Internet, etc.


34

1.2 - O conceito de prática em M.Foucault: uma questão de método

Foucault é um historiador e não teórico da cognição. No entanto ao analisar seu estilo de

fazer história, encontramos ressonâncias entre o seu trabalho e a abordagem autopoiética-

enativa. Vale assinalar que Varela faz referência ao trabalho de Foucault no livro Sobre a

competência ética (VARELA, 1992, p.90). Neste tópico abordaremos as contribuições de

Foucault à noção de práticas de estudo. Algumas reforçarão as conclusões anteriores, outras

nos ajudarão a ir adiante.

As práticas consistem no método escolhido por Foucault para abordar a história. Ao invés

de partir dos objetos, ele inicia pelas práticas. Paul Veyne, historiador e comentador de

Foucault explica:

Tudo gira em volta desse paradoxo, que é a tese central de Foucault, e a mais
original: o que é feito, o objeto, se explica pelo que foi o fazer em cada momento
da história; enganamo-nos quando pensamos que o fazer, a prática, se explica a
partir do que é feito (VEYNE, 1998, p.257).

O objeto se explica pela prática e não a prática é explicada pelo objeto. Nos nossos

termos, o estudo se explica pelo estudar. Ou seja, nossas práticas de estudo não se explicam

pelo sistema cognitivo e nem por uma pré-concepção do que seja o estudo. Ao contrário,

através de nossas práticas, através do estudar, vamos configurando o estudo e o próprio

sistema cognitivo. O trabalho de Foucault consiste numa descrição detalhada das práticas que

estão em jogo em cada momento da história. Evita termos gerais e abstratos que poderiam

resumir, mas também aprisionar suas riqueza e heterogeneidade. As práticas não possuem

nada de misterioso ou de oculto, são aquilo que efetivamente realizamos seja através de ações

motoras ou comportamentos, seja através de palavras no caso das práticas discursivas. Veyne

defende que Foucault não fala de algo diferente daquilo que os demais historiadores falam,

apenas o faz de modo singular:

Foucault não descobriu uma nova instância, chamada ‘prática’, que era, até então,
desconhecida: ele se esforça para ver a prática tal qual é realmente; não fala de
coisa diferente da qual fala todo historiador, a saber, do que fazem as pessoas:
simplesmente Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata, descrever seus
35

contornos pontiagudos, em vez de usar termos vagos e nobres (VEYNE, 1998,


p.251).

Aí reside a novidade trazida por Foucault. Sua análise se faz no concreto, sobre as

práticas. O que é a loucura, o poder, a medicina? O que é o estudo? Não existem objetos

dados desde sempre, mas práticas, modos de relação e de produção. Estas sim são

responsáveis pelas objetivações que conformam aquilo que entendemos por loucura, por

poder e por medicina ao longo dos tempos. Citamos:

Eu compreendo que a conceituação não deveria estar fundada numa teoria do


objeto – o objeto conceituado não é o único critério de uma boa conceituação.
Temos que conhecer as condições históricas que motivam nossa conceituação.
Necessitamos de uma consciência histórica da situação presente (FOUCAULT,
1995a, p.232).

Consciência histórica da situação presente é isto que a prática enquanto método de

investigação permite. Desse modo Foucault faz história e intervém no presente. O método

assume uma dimensão política. Orientado pela prática, o pesquisador desloca sua atenção

daquilo que está dado, que parece óbvio, que todos acreditam conhecer, para aquilo que faz

ser. Não se contenta com expressões gerais ou frases de efeito, mas busca a dimensão

concreta. Desvia-se dos objetos supostamente naturais para encontrar práticas, modos de

fazer, relações. Veyne (1998, p.243) refere-se às práticas como sendo a parte oculta do

iceberg. Assim como aquilo que vemos do iceberg é muito pouco e insuficiente para

sabermos sobre seu tamanho e extensão, a face visível das práticas nos diz muito pouco sobre

aquilo que aconteceu ou está acontecendo. É preciso ir além do genérico e abstrato para

encontrar as diferenças concretas que apontam para distintos modos de relação. Neste

movimento os problemas são dessubstancializados ganhando matizes e nuances. O acesso à

história pelas práticas possibilita que a multiplicidade existente não morra sufocada por

categorias gerais e abstratas. Os adjetivos verdadeiro e falso perdem força e sentido. Com

Foucault, as verdades deixam de ser definitivas, tornando-se construções. São, elas também,
36

efeitos de práticas. Assim, a história passa a enfatizar transformações e não constâncias e, no

limite, aposta na transformação do presente. Nas palavras de Foucault:

Grosso modo, eu diria que começar a análise pelo ‘como’ é introduzir a suspeita de
que o ‘poder’ não existe; é perguntar-se, em todo caso, a que conteúdos
significativos podemos visar quando usamos este termo majestoso, globalizante e
substantificador; é desconfiar que deixamos escapar um conjunto de realidades
bastante complexo, quando engatinhamos indefinidamente diante da dupla
interrogação: ‘O que é o poder? De onde vem o poder?’ A pequena questão direta e
empírica: ‘Como isto acontece?, não tem por função denunciar como fraude uma
‘metafísica’ ou uma ‘ontologia’ do poder; mas tentar uma investigação crítica sobre
a temática do poder (FOUCAULT, 1995a, p.240).

A investigação crítica faz-se, portanto, recorrendo à história e apontando como ao

longo dos séculos ou décadas existiram práticas diferentes. Mas Foucault adverte: não se trata

de encontrar na história uma alternativa, mas ver que, se as coisas foram diferentes, elas não

são necessárias (FOUCAULT, 1995b, p.256). Daí a possibilidade de transformação. Neste

sentido também a prática é política.

Embora não estejamos interessados em fazer uma história do estudo, mas sim

identificar como os estudantes de psicologia estão estudando na contemporaneidade, o

método foucaultiano nos inspira e ajuda no desenvolvimento da noção de práticas de estudo.

Com Foucault, podemos dizer que o estudo é aquilo a que as práticas dão lugar. Ele não existe

por si, mas como efeito de modos de relação que vão constituir o estudante e o material de

estudo. Colocar o problema deste modo possibilita acessar o estudo em sua multiplicidade e

evita que cometamos o equívoco de julgar e comparar o estudante de ontem com o de hoje.

Tendo em vista a noção de práticas, não podemos afirmar que o estudante de hoje estuda mais

ou menos do que o de ontem. O que podemos analisar são os efeitos das diferentes práticas.

Como Foucault nos ensina não é o objeto que determina as práticas, mas o contrário, as

práticas determinam o objeto. Foucault se preocupa com a investigação das práticas ao longo

do tempo. Em nossa tese procuramos a heterogeneidade das práticas de estudo num mesmo

tempo, a contemporaneidade.
37

1.3 - R.Chartier e as práticas de leitura

Na passagem do século XX para o XXI, diante das transformações nas formas de escrita

e de leitura desencadeadas pelas tecnologias eletrônicas, Chartier estabelece como objeto de

estudo as práticas de leitura. Seu problema não é a leitura ou o livro, mas práticas de leitura.

Aos historiadores que, pretendendo fazer história da leitura, falam sobre livros, argumenta:

“Falta às enumerações dos livros impressos ou possuídos, uma questão central, a dos usos,

dos manuseios, das formas de apropriação dos materiais impressos” (CHARTIER, 1996,

p.77-78). Assim, a noção de prática introduz concretude ao problema, apontando para a

multiplicidade. Através dela busca fomentar um estranhamento em relação àquilo que é tão

imediato que parece jamais ter sido diferente:

Com efeito, por um longo período, a leitura parece não ter colocado qualquer
questão: não é ela o resultado mais universalmente partilhado da aprendizagem
escolar? Não implica sempre uma relação íntima entre o leitor solitário e o livro ou
o jornal que é sua leitura? Uma prática cultural, portanto, mas que naturalmente é a
de (quase) todos e para todos idêntica. Além disso, podemos reconhecer o contraste
entre grandes leitores e leitores de ocasião, entre lectores profissionais, para os
quais ler é sempre mais ou menos gesto de trabalho, e todos aqueles para quem o
encontro com os textos é simplesmente informação ou puro divertimento. Os
primeiros, não há dúvida, têm dificuldade em aceitar que existem outras leituras
além da sua, ou ainda em conceber que entre sua leitura de douto e as da maioria
existem outras diferenças afora estas: ler muito ou pouco, rápido ou lentamente”
(CHARTIER, 1996, p.19).

Com o surgimento dos computadores pessoais, seguidos pela Internet, muitos

previram o desaparecimento da leitura. Afirmavam que algo essencial da relação leitor–livro

seria perdido comprometendo o sentido do texto. Diante deste cenário Chartier produziu uma

historicização do problema. Tal movimento aproxima-o do método foucaultiano. Refere-se às

práticas de leitura vinculando-as à história. Propõe três possibilidades para a investigação

(CHARTIER, 1996). É possível remontar à história e descobrir modos de leitura estranhos

aos nossos tempos. Para isso basta recorrer aos protocolos de leitura que são marcas deixadas

nos textos seja pelos autores, pelos editores ou mesmo pela forma como o material foi escrito

ou impresso. Ou ainda, às representações do leitor e da leitura eternizadas em textos e


38

pinturas. Outra forma de abordar as práticas de leitura é através das diferentes apropriações do

texto pelo leitor. Neste caso é preciso apelar às correspondências e autobiografias. Por último

defende a possibilidade de pensar as práticas de leitura a partir dos diferentes sentidos que o

termo leitura comporta. Conforme já argumentamos, apesar de interessados na potência da

noção de prática, não queremos realizar uma investigação histórica, o que nos conduz a uma

metodologia de pesquisa diferente. Através de entrevistas investigamos as diferentes práticas

de estudo que coexistem na contemporaneidade.

Para além da abertura desse campo de pesquisa, Chartier defende a tese de que o

dispositivo de leitura - livro em rolo 10, códex 11, tela do computador - não é apenas um

detalhe, mas produz constrangimentos. Não se trata, portanto, de uma questão de conteúdo.

Não é que o livro (códex) permita acesso a um conteúdo mais profundo em comparação com

o computador. A materialidade do dispositivo livro em códex ou computador produz

limitações ou permite movimentações diferentes, como conseqüência a produção de sentido é

também distinta. Vale destacar que Vygotski, através da noção de ação mediada, já sinalizava

este aspecto (VYGOTSKI, 1931/2000).

A respeito do impacto causado pelo texto impresso, Chartier afirma: “De modo geral,

persistia uma forte suspeita diante do impresso, que supostamente romperia a familiaridade

entre o autor e seus leitores e corromperia a correção dos textos, colocando-os em mãos

‘mecânicas’ e nas práticas do comércio” (CHARTIER, 1998, p.9). Tal afirmação chama

atenção, na medida em que revela um receio em relação ao impresso semelhante aquele que

10
O livro em rolo é próprio da antiguidade. Seu formato difere tanto do livro em códex, tal como o conhecemos,
quanto do livro da época de Gutenberg e pré-Gutenberg. O livro em rolo consiste numa longa faixa de papiro ou
de pergaminho que o leitor deve segurar com as duas mãos para poder desenrolá-la. O texto é distribuído em
colunas. Em função de seu formato não se pode escrever enquanto lê. As notas e reflexões são ditadas a um
escriba. (CHARTIER, 1998, p.24).
11
Desde a Idade Média, passando por Gutenberg e chegando aos dias atuais, a estrutura do livro é concebida a
partir do códex. O livro no formato de códex é composto por folhas dobradas certo número de vezes, arrumadas
em cadernos e, protegidos pela encadernação. O texto é distribuído na superfície da página e existem marcadores
como paginação, numeração e índice que facilitam a leitura. Na Idade Média o códex era manuscrito, com
Gutemberg surgiu o códex impresso o que facilitou a reprodução e distribuição. Atualmente isto que chamamos
livro é também códex impresso só que atualmente as folhas já vem soltas. (CHARTIER, 1998, p.7-8).
39

experimentamos na atualidade em relação ao texto eletrônico. Diante das transformações é

preciso seguir adiante, não se deixando paralisar por uma atitude nostálgica. A tese de

Chartier é interessante justamente porque ao invés de privilegiar um tipo de dispositivo de

leitura, defende que todos possuem ao mesmo tempo limitações e aberturas. A história das

práticas de leitura – seus usos, manuseios, formas de apropriação e leitura do material

impresso – não se faz sem que se leve em consideração a materialidade dos suportes de

leitura:

De um lado, o leitor da tela assemelha-se ao leitor da Antiguidade: o texto que ele


lê corre diante de seus olhos; é claro, ele não flui tal como o texto de um livro em
rolo, que era preciso desdobrar horizontalmente, já que agora ele corre
verticalmente. De um lado, ele é como o leitor medieval ou o leitor do livro
impresso, que pode utilizar referências como a paginação, o índice, o recorte do
texto. Ele é simultaneamente esses dois leitores. Ao mesmo tempo, é mais livre. O
texto eletrônico lhe permite maior distância com relação ao escrito. Nesse sentido,
a tela aparece como ponto de chegada do movimento que separou o texto do corpo.
O leitor do livro em forma de códex coloca-o diante de si sobre uma mesa, vira
suas páginas ou então o segura quando o formato é menor e cabe nas mãos. O texto
eletrônico torna possível uma relação muito mais distanciada, não corporal. O
mesmo processo ocorre com quem escreve. Aquele que escreve na era da pena, de
pato ou não, produz uma grafia diretamente ligada a seus gestos corporais. Como o
computador, a mediação do teclado, que já existia com a máquina de escrever, mas
que se amplia, instaura um afastamento entre o autor e seu texto. A nova posição
de leitura, entendida num sentido puramente físico e corporal ou num sentido
intelectual, é radicalmente original: ela junta, e de um modo que ainda se deveria
estudar, técnicas, posturas, possibilidades que, na longa história da transmissão do
escrito permaneciam separadas (CHARTIER, 1998, p.13-16).

Um aspecto importante da análise de Chartier é que ela é propositiva. Ele não se

contenta em afirmar que a diferença nos dispositivos repercute sobre as práticas. Sugere um

modo de intervenção. Não se pode voltar atrás na história, mas é possível mobilizar as novas

práticas em uma direção que se acredita ser mais potente. Não se trata de desqualificar as

novas práticas, mas de operar com elas no sentido de produzir novos efeitos. Citamos:

Encontramos ainda o discurso segundo o qual as classes mais jovens afastam-se da


leitura. Sim, se concordamos implicitamente sobre o que deve ser a leitura.
Aqueles que são considerados não-leitores lêem, mas lêem coisa diferente daquilo
que o cânone escolar define como uma leitura legítima. O problema não é tanto o
de considerar como não-leituras estas leituras selvagens que se ligam a objetos
escritos de fraca legitimidade cultural, mas é o de tentar apoiar-se sobre essas
práticas incontroladas e disseminadas para conduzir esses leitores, pela escola
mas também sem dúvida por múltiplas outras vias, a encontrar outras leituras. É
preciso utilizar aquilo que a norma escolar rejeita como um suporte para dar acesso
40

à leitura na sua plenitude, isto é, ao encontro de textos densos e mais capazes de


transformar a visão do mundo, as maneiras de sentir e de pensar (CHARTIER,
1998, p.103-104 – grifo nosso).

Embora exista uma estreita ligação entre leitura e estudo, as práticas de estudo não se

resumem às práticas de leitura. Por outro lado, não estamos interessados numa investigação

histórica. Assim, é preciso pensar com Chartier. Reencontramos aqui a idéia de que a noção

de prática traz concretude aos objetos de pesquisa, revelando suas multiplicidades. Neste

sentido Foucault e Chartier se aproximam. No entanto, para além desta conclusão, Chartier

chama atenção para a importância dos dispositivos. O formato de apresentação dos conteúdos

interfere na produção de sentido, seja porque restringe movimentos, seja porque abre novas

possibilidades. Portanto não existem práticas certas ou erradas. Porém, conforme aprendemos

a partir da colocação de Chartier citada, não devemos ficar indiferentes diante das práticas. Se

acreditamos que algumas são mais potentes que as outras, porque não promovê-las? O

caminho para isso não é negando ou menosprezando as práticas em ação, mas a partir delas

produzir os desdobramentos que acreditamos ser mais potentes.

1.4 – Um balanço da noção de práticas de estudo

Tendo em vista as contribuições dos teóricos da cognição e dos historiadores procuramos

compor neste capítulo a noção de práticas de estudo. Tomar o estudo a partir das práticas

implica considerá-lo em sua dimensão concreta e múltipla, atentando para como efetivamente

se está estudando. Toda prática produz efeitos, não existindo práticas neutras. Elas produzem

ao mesmo tempo estudante e estudo, cognição e mundo. É apenas a partir dos efeitos

produzidos que as práticas podem e devem ser avaliadas. Por isso representam um modo

político de colocar o problema do estudo. Tendo em vista os efeitos produzidos, falaremos de

práticas mais ou menos potentes e defenderemos a potência a partir do critério da experiência.

As práticas de estudo mais potentes são, para nós, aquelas que, ao incluir a

experiência, trabalham em favor de uma aprendizagem inventiva. Ao invés de valorizarem a


41

tarefa e, consequentemente a performance, enfatizam a problematização. A problematização

fruto da prática de estudo como experiência possibilita que a aprendizagem percorra caminhos

imprevisíveis não se limitando a resolver as tarefas e os problemas dados. Certamente a

resolução de problemas - via tarefas ou performances - possui um lugar nas práticas de

estudo. No entanto, quando ela se transforma no estudo por excelência, isto é, quando não é

precedida pela invenção dos problemas, torna-se estéril. Produz apenas repetição, sem

possibilidade de diferenciação. O estudo vira mera reprodução. Argumentamos então que o

problema da reprodução do conhecimento nas práticas de estudo deriva não apenas da

memorização, mas também de práticas que valorizam a tarefa e a performance em detrimento

da problematização e do pensamento. Em outras palavras, a potência das práticas decorre de

uma política cognitiva que privilegia a criação e não a reprodução, que se aproxima mais da

política autopoiética-enativa que da cognitivista. Afirmamos assim nosso compromisso com

uma política cognitiva criadora. Lembramos, porém, que nenhuma prática é eterna, podendo

através de seu próprio movimento engendrar transformações.

Com Vygotski e Chartier vimos que as práticas são configuradas no encontro com os

instrumentos e dispositivos. Considerar as práticas de estudo dos estudantes de psicologia na

contemporaneidade passa então pela análise dos dispositivos utilizados e seus

constrangimentos. A formulação de Chartier merece destaque na medida em que para ele os

constrangimentos dos dispositivos referem-se tanto às suas limitações quanto às suas

possibilidades. Assim, seguindo a orientação desse historiador, ao comparar, por exemplo, o

estudo que usa o livro em códex com aquele que usa o computador, encontramos limitações,

mas também devemos nos deparar com novas possibilidades. Vejamos alguns relatos 12 dos

estudantes sobre a percepção deles a respeito das diferenças entre o estudo com material

impresso e o estudo na tela do computador.

12
Os textos das entrevistas apresentados ao longo desta tese foram editados. Porém, respeitamos o conteúdo e
mesmo as ambigüidades. Retiramos apenas os excessos e as redundâncias que não comprometem o sentido da
narrativa.
42

E8 analisa que o estudo na tela traz dificuldade ao pensamento: Eu acho que no

computador não tem dificuldade de você ler as linhas, acho que é a mesma coisa. Mas eu

acho que a questão de você ficar voltando no texto, de você elaborar um pensamento em cima

do texto, é mais fácil no papel. Até porque é cansativo você ficar no computador lendo várias

vezes a mesma coisa - pra mim é cansativo. Então no papel é menos cansativo. É chato você

ler um texto várias vezes - eu não gosto muito -, mas às vezes é necessário. Aí você no papel,

você volta aquilo. E eu acho que também tem a ver um pouco com diagramação, porque na

tela você tem aquele papel ali e você geralmente tá vendo só uma parte do texto. Na folha

você já tá vendo o texto um pouco mais completo, você tem um raio de visão maior do que no

computador. E aí você tem como marcar mais também nesse sentido: tô lendo uma coisa aqui

e isso se relaciona com outra... Às vezes eu faço seta de uma coisa pra outra, acrescento

coisas que são... Se você botar no computador, por exemplo, uma nota de página, um negócio

de rodapé, você vai ter que descer aquele negócio todo pra você ver a sua nota. Na folha não,

tá ali, um negócio mais...acho que é uma gestalt mais completa. Talvez tenha a ver com isso.

E11 complementa referindo-se ao computador como um território de estudo repleto de

estimulações. Tal aspecto é visto como desconfortável para o estudo na medida em que

prejudica a concentração, mas extremamente bem vindo para a escrita: [...] Eu tenho o papel

na minha mão e eu tenho o domínio. [...] Não vou mudar ele, porque eu não posso apagar ele

como eu posso na tela, mas eu acrescento os meus comentários. [...]Que na tela eu também

posso acrescentar, mas pra mim não é a mesma coisa. Não sei se também por causa da

Internet você acaba sempre deixando uma janela aberta – MSN. Eu não sei. Fica uma coisa

muito... Ali Internet é, pra mim, lugar de pesquisa assim, claro, mas também lugar de

diversão, de lazer, tem Orkut. Fica uma coisa meio passando mal. Vou lendo o texto... Eu não

sei. Não é a mesma coisa que eu ir pra sala da minha casa, sentar na mesa, fazer um café e

ler um texto ali, assim. Eu acho que a concentração muda. [...] Eu dou mais importância,
43

mais atenção assim. Eu tô ali, eu sentei na sala pra estudar e eu tô com o texto na minha

frente. [...] Claro que isso é uma opção, porque... Isso é uma opção do usuário. Eu posso só

abrir o Word, só abrir, só estar no site que eu encontrei, não tá em MSN, não tá em mais

nada. Só que pra mim, ainda assim, é como se o computador tivesse esse astral de lazer.

Entende? [...] Mas também tem que lembrar que isso você tá me perguntando de estudar,

porque quando é pra fazer um trabalho acadêmico, eu faço no computador. Eu não prefiro

sentar na mesa e escrever tudo à mão. [...]

E1 avalia de outro modo, ressaltando que o estudo na tela funciona quase como uma

hipnose. Sua atenção fica fixa e totalmente focada: Nossa, eu ficava assim, é horrível porque

é uma coisa que te concentra muito... [...] Exato...e se você não prestar atenção você não se

mexe. Porque o texto você vira a pagina, mexe o texto pra cá, mexe o texto pra lá. O

computador não. O meu é notebook. Então eu deixo no meu colo e fico assim [gesto]. Aí

quando eu vou perceber são quase horas, aí quando eu vou me mexer...já era...

Vale ressaltar que na maioria das vezes o material impresso é, para os alunos,

sinônimo de “xérox” 13. Estas podem ser capítulos de livros e/ou artigos que os professores, na

sua maioria, disponibilizam em pastas. Outra possibilidade é que sejam artigos, textos de sites

ou até mesmo capítulos de livros retirados da Internet. Neste caso o material impresso poderá

ter sido enviado por e-mail ou recomendado pelo professor, mas também pode ser resultado

das buscas dos próprios alunos. Em geral, a busca autônoma na Internet e mais raramente na

biblioteca, é usada apenas em situações de elaboração de trabalhos. Por tudo isso, afirmamos

que o livro como dispositivo privilegiado de estudo tem perdido lugar entre os alunos.

Alguns relatam ainda uma preferência afetiva por ele, apesar disso ele tem sido preterido em

favor das “xerox” ou dos materiais - impressos ou não - da Internet.

13
A palavra xerox aparece entre aspas pois trata-se de uma marca registrada. Apesar do termo apropriado em
português ser fotocópia, a maioria das pessoas e, principalmente os estudantes referem-se às “xerox”. Inclusive,
xerox no vocabulário estudantil refere-se tanto a fotocópia quanto ao lugar onde estão as fotocopiadoras.
Optamos nesta tese por preservar o vocabulário cotidiano dos estudantes.
44

Sobre o dilema “imprimir ou não imprimir” e a questão do tempo: É chato, não gosto

muito de ler no computador não. Assim, eu fico naquela: preservar as árvores ou meu

conforto? Porque, assim, eu prefiro imprimir, ler, marcar, não sei o quê e tal. Mas às vezes é

mais rápido tá no computador porque eu já vou lendo e escrevendo ao mesmo tempo; lendo,

recordando, colando, fazendo as coisas ao mesmo tempo. Então às vezes é um trabalho mais

rápido se eu fizer direto no computador, mas é um trabalho mais bem feito se eu imprimir,

marcar, organizar. Então às vezes é questão de tempo mesmo. Se eu tiver mais tempo eu

imprimo, leio e tal, quando eu tenho menos tempo eu faço direto no computador. (E9).

E4 ainda reserva ao livro um lugar em seu estudo. Ressalta que quando o estudo não

possui um objetivo, ou seja, quando não visa resolver uma tarefa, o livro é um dispositivo

mais interessante pois dentre outras coisas permite mais articulações: [...] Quando eu uso

livro, eu sinto que tenho... É, eu sinto que tenho mais autoridade, eu sinto que eu li lá, na

fonte mesmo, então eu posso dizer, até certo ponto, que o que eu tô falando é certo. E quando

eu leio tipo uns textos avulsos e tal, é mais pra cumprir um objetivo. [...] Tipo eu leio o texto

do professor pra ele...pra responder a prova dele. [...] Mas...é, normalmente acho que eu

aprendo mais lendo os livros assim sem compromisso, sabe? [...] Eu acho que dentro do livro

tem uma diferença que é...que você tem mais articulação, sabe? Às vezes ele fala, por

exemplo: “conceito tal, que vai ser explicado mais adiante”. Também no livro você, por

exemplo, ver que aquele texto que você tá lendo tava inserido numa unidade maior que

tratava sobre outros assuntos diretamente relacionados com ele e tal. Acho que, geralmente,

quando você quer aprender um conceito específico assim, realmente é melhor texto avulso,

mas pra entender melhor a teoria, e é por isso que eu sinto que eu aprendo mais quando eu

leio no livro, eu acho que é interessante você ler as coisas no livro assim. Talvez até ler um

livro ou outro inteiro. Às vezes eu leio uns livros de psicologia inteiros, aos pouquinhos,

assim. (E4).
45

A partir das falas dos alunos vemos o quanto o computador-Internet comparece nas

práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município do Rio de Janeiro. Apesar dos

comentários que destacam que no acoplamento da cognição com o computador comparece

uma dificuldade de pensamento seja porque é cansativo ficar indo e voltando no texto na tela,

seja porque o computador não permite uma apreensão global do texto, ou ainda porque o

computador-internet oferece um excesso de estimulação, não é mais possível estudar sem esse

dispositivo. A falta de tempo – queixa que muitos alunos apresentam – combina-se ao excesso

de velocidade dos novos dispositivos, produzindo um encontro considerado bem vindo. Ainda

em relação ao acoplamento com os computadores, a fala de E1 aponta um aspecto que, a

princípio, parece destoar do restante dos estudantes e que será analisado mais adiante em

nosso trabalho. Para ela estudar no computador funciona quase como uma hipnose. Sua

atenção se mantêm fixa e focada. Além do computador-Internet, as “xerox” têm ganhado

destaque nas práticas de estudo, fazendo com que os livros se tornem cada vez mais raros

entre os alunos. A leitura de livros inteiros, por exemplo, aparece como uma prática

minoritária entre os alunos. Os professores não exigem e os alunos, por sua vez, também não

buscam. Em relação a isto, ressaltamos que as práticas de ensino também concorrem para a

produção das práticas de estudo e, consequentemente, para a formação das políticas

cognitivas dos alunos. Embora não seja o foco de nossa análise, é importante não perder de

vista esta ressalva. Ainda em relação ao livro, o comentário de E4 nos força a pensar. Sua

análise reverbera sobre as idéias do estudo como realização de tarefas e do estudo como

experiência. Ele argumenta que para cumprir objetivos específicos, prefere usar textos

avulsos. Estes, lembramos, podem ser tanto capítulos retirados de livros e reproduzidos como

“xerox” quanto artigos da Intenet. Porém, ao mesmo tempo afirma que aprende melhor com

os livros, pois em sua avaliação estes dispositivos permitem mais articulações. Dessa forma,

perceber que os livros têm sido preteridos nos faz perguntar: Então como é que fica o estudo?
46

Qual a relação que os estudantes estão estabelecendo com eles mesmos e com o material de

estudo na contemporaneidade?
47

Capítulo 2

Estudos sobre o estudo: diferentes práticas

O estudo faz parte de um grupo de atividades que, ao mesmo tempo, nos é bastante

próxima e estranha. Isto porque, a menos que nos deparemos com alguma dificuldade, não

costumamos nos ocupar dele em pensamento, de maneira refletida, mas apenas na ação.

Estudamos e pronto. Apesar disso, principalmente a partir da primeira metade do século XX,

em função das transformações sociais, econômicas e políticas, o estudo tornou-se alvo de

elaborações teóricas e pesquisas. Neste momento surge o tema da experiência como uma

alternativa às práticas de estudo pautadas na repetição mecânica e memorização. Raras são as

teorias e/ou autores que, a partir do século XX, não se referem ao estudo como atividade que

deva incluir a experiência. Uma vez que apostamos que a potência do estudo está na

possibilidade de afirmá-lo como uma prática que ao incluir a experiência favorece a

problematização, o pensamento e, a transformação tanto do estudante quanto do estudo, cabe

analisar como a experiência comparece em cada proposta. Apresentaremos neste capítulo um

panorama dos estudos sobre o estudo trazendo à cena as principais discussões que atravessam

esse campo. Lembramos que apesar de cada autor e/ou teoria acreditar que estão se referindo

ao estudo como objeto natural e unificado, a partir do argumento proposto no último capítulo,

defendemos que se trata de diferentes práticas de estudo. Como procuraremos demonstrar, o

que está em jogo é a produção de diferentes políticas cognitivas e não o mero confronto entre

maneiras distintas e supostamente neutras de entender o estudo.


48

2.1 – Uma breve história do estudo: da repetição mecânica à inclusão da experiência

Segundo P.A. Ronca (1982, p.61-62) o interesse pelo estudo e orientação do aluno é

bastante antigo. Nesta direção, apresenta formas como o estudo apareceu ao longo da história

do ocidente. Na Antiguidade, a preparação das novas gerações e a orientação do estudo era

feita de forma assistemática, ficando a cargo de patriarcas, chefes de tribos e sacerdotes. Na

Idade Média, já no contexto escolar, mais especificamente nas escolas conventuais, eram os

alunos mais avançados os responsáveis pela orientação dos estudos dos iniciantes. Existiam,

nessas instituições, horários dedicados exclusivamente ao estudo. Este consistia na repetição

da matéria, com esclarecimento dos pontos mal compreendidos e ainda no ensino de como

realizar as tarefas solicitadas. No Renascimento institui-se o “estudo geral”, que consistia

numa atividade de estudo formal, rígida e disciplinada, realizada pelos alunos e fiscalizada

por inspetores. A tarefa de fiscalização era apenas isto, não incluindo esclarecimento de

dúvidas ou revisão das dificuldades dos alunos. Voltando-se para o contexto brasileiro, o

autor destaca que nos colégios jesuítas os mestres ficavam à disposição dos alunos para

esclarecimentos de dúvidas e consultas individuais durante os recreios da tarde. Já nas escolas

conventuais do período colonial, havia a figura dos ‘mestres de reparação’. Estes eram

escolásticos ou jovens formados, porém ainda não ordenados, que assistiam às aulas dos

catedráticos pela manhã e, à tarde, repassavam a aula com os alunos, fazendo as “reparações”

no conteúdo, ou seja, retificações, esclarecimentos. No período Imperial, no Colégio Pedro II,

no Rio de Janeiro, havia o tempo de estudo e os mestres repetidores cuja função era

semelhante à dos mestres reparadores. Ronca ressalta que os relatos consultados sinalizam

que havia nesta época uma preocupação com o local, o tempo e modo do aluno estudar,

destacando a necessidade de haver sempre uma pessoa que servisse de repetidor ou revisor do

conteúdo. Assim, o estudo em seus primórdios relaciona-se principalmente às práticas de

memorização e de repetição do saber ensinado.


49

No início do século XX em função de transformações econômicas, sociais e políticas,

a preocupação com o ensino individualizado e com o estudo do aluno tornou-se uma questão

que exigia elaboração teórica. Esta foi uma época marcada por grandes acontecimentos -

Primeira Guerra Mundial, revolução industrial e suas novas formas de produção em massa e

divisão do trabalho, grande onda de migração do campo para a cidade – que dentre outras

coisas levaram não apenas a uma expansão da escola, mas também a um questionamento

sobre como educar as futuras gerações. A produção teórica de pensadores como Jean Piaget e

John Dewey ganhava espaço não apenas no contexto universitário, mas também entre os

educadores, criando as bases para novas propostas educacionais. É neste contexto que o

estudo é trazido à cena e explorado. Ronca (Ibid) destaca que nesta época surge nos EUA

muitas revistas pedagógicas em que se discutia a necessidade e os meios práticos de fornecer

ao aluno orientação em relação aos seus estudos. Data também desta época movimentos como

o Supervised Study – que propunha a implementação da técnica do Estudo Dirigido - e o

How-to-study – que focava na questão da orientação do estudo. Estes dois movimentos

marcaram inicialmente a sociedade americana, espalhando-se depois pelo mundo.

2.2 – Do Estudo Dirigido às orientações do estudo e suas derivações contemporâneas

Tanto a técnica do Estudo Dirigido quanto as técnicas de orientação do estudo -

antigas e contemporâneas - estão vinculadas às reformas na concepção de educação e ensino

que se fizeram sentir no início do século XX. Em especial, situam-se no contexto da defesa de

uma educação ativa e experiencial em oposição à educação tradicional. A educação

tradicional pensa o processo educativo como transmissão de informações pelo professor ao

aluno, cabendo ao aluno captar as informações e repeti-las. O estudar resume-se a atividades

de repetição mecânica e a técnicas de memorização. Com as novas teorias psicológicas e,

sobretudo, com teorias de J.Piaget e de J.Dewey, inicia-se o movimento da Escola Nova. Este
50

recoloca o problema do ensino a partir do desenvolvimento de métodos ativos, ressaltando a

importância de um estudo ativo, experiencial, contextualizado e não abstrato.

Conforme vimos no último capítulo, Piaget (2001) destaca em sua epistemologia

genética que o conhecimento se constrói a partir da ação. Esta articula o mecanismo de

assimilação-acomodação-equilibração fazendo com que o sujeito se constitua através de um

caminho que vai do sensório-motor ao lógico-formal. Já Dewey (1980) traz à cena o tema da

experiência, concebendo a educação como um processo de reconstrução e reorganização da

experiência. Em outras palavras, a educação afirma-se como experiências vividas

inteligentemente (Ibid, p.116). Para este pensador, a educação possibilita não apenas novas

experiências, mas principalmente a percepção de relações e continuidades antes não

percebidas. Anísio Teixeira (1980) explica que em função desta forma de colocar o problema

educativo o processo torna-se tão ou mais importante que o fim. A educação deixa de ser

concebida como uma preparação para algo diferente dela mesma, ela deixa de se limitar à

infância, aproximando-se da vida: “Enquanto vivo, não me estou, agora, preparando para

viver e daqui a pouco, vivendo. Do mesmo modo eu não me estou em um momento

preparando para educar-me e, em outro, obtendo o resultado dessa educação. Eu me educo

através de minhas experiências vividas inteligentemente” (Ibid, p.116). No caso da educação

formal, cabe à escola e ao educador darem uma direção, organizarem as experiências: “Não

pode haver atividade educativa, isto é, um reorganizar consciente da experiência, sem direção,

sem governo, sem controle. Do contrário, a atividade não será educativa, mas caprichosa ou

automática” (Ibid, p.120). Portanto educar não se confunde com treinamento. Enquanto na

educação estão em jogo experiências, o compartilhamento de um mundo comum, de um

sentido comum, no treinamento participam hábitos e práticas desvinculados de qualquer

sentido. Por isso Teixeira refere-se ao treino como uma educação incompleta. Nele não se vai

além de ações aparentes. Citamos:


51

O treino leva apenas a certa conformação externa com hábitos e práticas de cujo
sentido não participamos integralmente: é o primeiro resultado rude e áspero de
nosso contato com outras pessoas e com um meio social de convenções e de
fórmulas. Se eu levo, sob pena de certo castigo, uma criança a se curvar sempre
que tal ou qual pessoa entre numa sala, ela ganhará provavelmente esse hábito.
Malgrado todas as aparências externas de cortesia estarem presentes, é possível,
entretanto, não haver cortesia alguma no seu sentido genuíno. A criança não
participa da significação social do seu hábito. Ganhou, tão-somente, através dos
estímulos com que procuramos imprimir-lhe esse hábito, uma conformidade
mecânica. Pode chegar a ser um esplêndido exemplar de ‘bicho ensinado’, mas não
se educou (Ibid, p.120).

Dewey define a experiência como uma forma de interação entre o vivo e as coisas que

implica ação, padecimento e transformação. Num texto sobre arte, ele aprofunda a discussão,

fazendo uma distinção entre “experiência” e “uma” experiência (DEWEY, 1980). Se por um

lado a experiência é algo corriqueiro e cotidiano na medida em que por definição é interação,

por outro, a ocorrência de “uma” experiência requer uma atenção específica. Se houver

dispersão ou distração, ou seja, se não houver ligação íntima entre aquilo que observamos e o

que pensamos ou entre aquilo que desejamos e o que alcançamos a experiência não se

completa e, portanto não nasce a “uma” experiência.

Explica que a “uma” experiência apresenta-se como uma totalidade. Possui qualidade

única, sendo indivisível. É possível que durante a sua realização existam intervalos, mas estes

representam apenas pontos de descanso no interior de um todo maior. Não se trata de

interrupção. Dewey fornece belas imagens (Ibid, p.105): respiração, vôo do pássaro (exemplo

tomado emprestado de William James) e o avanço do exército. Como o respirar, a experiência

envolve um ritmo em que inspirações e expirações alternam-se. Quando uma fase cessa, a

outra já está latente, em preparação. Assim como os vôos e pousos dos pássaros não são

instantes desconectados, mas integram-se em um mesmo percurso, assim o são os momentos,

os descansos da experiência: “Cada lugar de descanso na experiência é um padecer em que

são absorvidas e abrigadas as conseqüências de um fazer anterior e, a menos que o fazer seja

o do total capricho ou o da rotina pura, cada fazer traz em si próprio um significado que foi

extraído e conservado” (Ibid, p.105). Por fim, como no avanço de um exército, é preciso
52

periodicamente consolidar os ganhos, os avanços sob pena de perder tudo o que foi alcançado.

Para que haja consolidação é necessário que haja tempo na justa medida: “Se nos movermos

rápido demais, afastamo-nos da base de suprimentos – dos significados acumulados – e a

experiência é aturdida, pobre e confusa. Se perdemos tempo demais após havermos extraído

um valor líquido, a experiência padece de inanição” (Ibid, p.105).

Sobre a qualidade única que há em toda “uma” experiência, trata-se da qualidade

estética. Toda vez que as atividades ocorrem de maneira integrada, como totalidade

indivisível, percorrendo um caminho que as conduza à culminância, existe qualidade estética.

Desse modo, a qualidade estética não se refere ao material utilizado na experiência, mas a

uma forma de relação, de interação que implica ação e padecimento em mútua relação.

Dewey ressalta que não basta para que se viva “uma” experiência que o fazer e o sofrer se

alternem, é preciso que eles estejam integrados em nossa percepção. Só assim a experiência

pode ser consolidada, integrando-se num todo com sentido, levando a transformações. O

excesso do fazer, assim como o excesso do padecer tornam a experiência limitada,

apresentando-se como inimigos do estético. O excesso do fazer traz como conseqüência a

pressa e a superficialidade. As experiências acabam sendo interrompidas antes de poderem se

completar. Já o excesso de receptividade não possibilita a criação de raízes. A ação é

importante para que a experiência possa caminhar no sentido de sua culminância. Nas

palavras de Dewey (1980, p.93): “O não-estético encontra-se entre dois limites. Em um pólo

está a sucessão lassa que não começa nem termina – no sentido de cessar – em nenhum lugar

particular. No outro pólo está a detenção, a constrição, provenientes de partes que mantém

somente conexão mecânica umas com as outras”. Portanto, podemos concluir com Dewey que

o estudo como “uma” experiência é uma forma de interação, de relacionamento entre o

estudante e o material de estudo. Esta implica um movimento contínuo no qual se alternam

ação e padecimento. O ritmo é fundamental, pois permite um tempo justo. Nem excesso de
53

ação, nem apenas lassidão. Ele não visa nada diferente dele mesmo. A resolução de tarefas, a

necessidade de uma performance específica apresentam-se como desdobramentos possíveis da

experiência, não sendo nem de longe o que é visado. Ao comentar sobre o currículo, Dewey

defende: “A origem de tudo que é morto, mecânico e formal em nossas escolas, está

precisamente aí: na subordinação da vida e da experiência da criança ao programa. É por isso

que ‘estudo’ tornou-se sinônimo de fadiga, e ‘lição’, sinônimo de tarefa” (DEWEY, 1980,

p.140).

Então, com base nas formulações de Piaget e Dewey, a Escola Nova ressignifica o

processo educativo: “A chamada Educação Nova apregoa, então, um esforço dos professores

para levar o aluno a participar ativamente no processo ensino-aprendizagem, como também a

vivenciar experiências significativas de aprendizagem” (RONCA, 1982, p.22). Isto repercute

sobre a concepção do estudo. Um ensino que valoriza a ação e a experiência não pode aceitar

que o estudo fique restrito às práticas de repetição mecânica cujos efeitos são, na melhor das

hipóteses, a memorização dos conteúdos transmitidos. Porém, muitas foram as dificuldades na

implementação dessas idéias (SAVIANI, 2001). Na prática, o apelo à atividade e à

experiência produziu algo diferente daquilo que Piaget e Dewey haviam concebido no plano

teórico. Embora a proposta escolanovista tenha aberto um precedente revolucionário em

relação às concepções de ensino e estudo, este ficou aquém do desejado.

2.2.1 - Estudo Dirigido

A técnica do Estudo Dirigido surge no contexto do referencial escolanovista, buscando

propiciar um estudo que estimulasse, através de seu formato, a iniciativa dos alunos. O

objetivo era, através da ação, proporcionar que o estudo se transformasse em experiência.


54

Uma das preocupações era criar uma estrutura capaz de dar conta das diferenças individuais e

ao mesmo tempo possibilitar que cada um seguisse seu próprio ritmo 14:

Na proposta inicial da técnica Estudo Dirigido, a inteligência era considerada como


algo que se desenvolvesse num ritmo próprio e individual a ser respeitado e
orientado pelo professor. Pela técnica, aprofundava-se o papel da experiência, visto
que o aluno não receberia nada pronto, mas passaria, aos poucos, a fazer e
manipular o que se propunha; mudava-se, também, o papel das transmissões
sociais e culturais; o professor não era mais visto como transmissor de
conhecimento e, sim, como orientador da aprendizagem (RONCA, 1982, p.69).

Se por um lado a técnica promoveu uma individualização do estudo, por outro não

necessariamente produziu um estudo ativo e, muito menos, experiencial. Uma das críticas

freqüentemente tecidas à Escola Nova é que ela, ao enfatizar a dimensão ativa e experiencial,

criticando a transmissão de conhecimentos, abandonou os alunos, deixando-os “soltos”

demais e sem segurança para enfrentar a tarefa da aprendizagem 15. Citamos: “Fazer calar o

professor e deixar o aluno mais livre não resolveria o problema da orientação do estudo a que

a técnica se propunha” (Ibid, p.70).

Embora não tenha alcançado seu objetivo, a técnica do Estudo Dirigido teve o mérito

de trazer para a discussão a necessidade de considerar o estudo como algo que envolve mais

do que a simples repetição mecânica. A partir de então, estudar envolve operações mentais,

implicando a utilização de habilidades operatórias, não podendo ser reduzido a uma atividade

mecânica, devendo ser contextualizado de modo a poder incluir a experiência: “Decorar não

significa operar. Existiria operação mental se o aluno pudesse ter ‘trabalhado mentalmente’ e

conseguido incorporar o objeto de estudo ao seu universo mental [...]” (Ibid, p.109). Vemos aí

os germes do lema “aprender a aprender”, na medida em que o objetivo do estudo desloca-se

da aquisição de conteúdos para o desenvolvimento de habilidades operatórias que permitam

operações mentais.

14
Para exemplos da técnica do Estudo Dirigido cf. Ronca (1982).
15
Para mais detalhes sobre as críticas à Escola Nova cf. Saviani (2001).
55

A partir de 1935, em função de novas transformações econômicas, políticas e sociais o

ensino foi democratizado. O número de alunos nas salas de aula aumentou, tornando difícil a

utilização das técnicas de Estudo Dirigido. Uma nova reforma nas estruturas e programas

educativos teve início. Apesar do declínio da técnica do Estudo Dirigido, o movimento que

defendia a necessidade da orientação do estudo dos alunos permaneceu atuante, propondo

novas técnicas. Segundo Ronca é nesta mesma época que o Estudo Dirigido começa a se

espalhar pelo mundo. No Brasil entre os anos de 1969 e 1971 aparece nas livrarias uma

grande variedade de livros destinados ao ensino e desenvolvimento da técnica 16. Contudo

muitos dos livros não necessariamente tinham por base a técnica do Estudo Dirigido tal como

formulada no início do século XX nos EUA, mas a confundiam com a instrução programada

derivada da teoria skinneriana, ou até mesmo com técnicas de auto-instrução baseadas na

memorização. Tal fato nos leva a concluir que, nesta época, ao menos aqui no Brasil, o que

estava em questão era mais a possibilidade de estudar sozinho do que um estudo ativo ou

mesmo experiencial.

2.2.2- Depois do Estudo Dirigido, novas técnicas

Tendo em vista o declínio do Estudo Dirigido em território norte americano, buscam-

se novas técnicas para orientar os estudos. Assim, surge nos EUA, por exemplo, o método

SQ3R de Francis Robinson que ainda hoje é usado 17. Este procura orientar o estudante no

próprio momento do seu estudo em casa ou na escola:

O método dizia que o indivíduo deveria empreender uma série de passos para
formar o hábito da leitura e para que pudesse estudar qualquer texto. Assim, as
fases deste método de estudo eram: 1º)Survey: fazer um levantamento das idéias do
texto, dar uma olhada rápida em tudo o que é proposto para ler; 2º.)Question:
retornar ao primeiro título ou à primeira parte em forma de pergunta, indagar;
3º)Read: ler para responder à questão proposta; 4º.)Recite: fechar o livro e tentar

16
Cf. Antunes (1970), Benemann (1973), Chaves (1970), Oliveira (1969). Para outras referências cf. Ronca
(1982).
17
Cf. Bilimário e Almeida (2008).
56

rever o que leu e, em voz alta, responder à pergunta; 5º)Review: quando terminar,
retornar e rever novamente (Ibid, p.72).

Embora a atividade e a experiência não sejam desconsideradas, cada vez mais são

submetidas à operacionalidade da tarefa. O estudo é concebido como uma tarefa a ser

resolvida onde a operacionalidade visa garantir um estudo eficiente e exitoso. Eficiência e

êxito significam resolver adequadamente o problema proposto, chegar aonde o professor

espera que se chegue. A atividade transforma-se assim em performance e a experiência torna-

se, quando muito, conseqüência da resolução adequada da tarefa.

Para além desta linha esquemática, em 1948, em território latino americano, o

professor Emilio Myra Y Lopes publica o livro Como estudiar y como aprender 18 cujo

objetivo é também orientar os estudos dos alunos. Para Myra Y Lopes a atividade de estudo

extrapola o contexto escolar e há uma diferença entre o estudo cultural e o estudo vital. Com o

primeiro busca-se cultura, sendo predominantemente teórico-conceitual. Já o segundo visa à

aquisição de experiência, sendo principalmente concreto-prático. Diferencia também os

estudos culturais dos estudos escolares cuja finalidade é a assimilação das matérias de um

programa e a obtenção de um diploma e os estudos livres que visam a satisfação do desejo de

querer saber. Sobre isso ele destaca:

Os que seguem os estudos com uma finalidade escolar, por desgraça costumam
preparar-se mais para prestar um exame com bom êxito do que para adquirir o
domínio da matéria. É por isso que todos os mestres ou educadores demonstram
sua oposição ao sistema das chamadas ‘provas de exames’, como meio de
comprovar a eficiência do estudo escolar. Se fizermos uma avaliação estatística
aproximada de sua composição, isto é, se marcarmos as porcentagens que
correspondem às diversas atitudes nele observáveis, talvez percebamos mais
claramente a heterogeneidade das atitudes e modalidades que se observam entre os
estudantes que concorrem às aulas dos centros de ensino (MYRA Y LOPES,
1968, p.6 – grifo nosso).

Esta afirmação adianta um problema em relação ao estudo que só será abordado nos

anos de 1970 por pesquisadores da Universidade de Gotemburgo, na Suécia. Trata-se da

relação que o estudante estabelece com aquilo que está sendo estudado. No entanto Myra Y

18
Estamos trabalhando com a versão de 1968 publicada em português.
57

Lopes se ocupa apenas do problema da orientação do estudo, defendendo-o como uma psico-

higiene. Sua questão não é nem a experiência e nem a tarefa ou a performance, mas a saúde

do estudante.

2.2.4 – Competências auto-regulatórias: orientação do estudo na atualidade

Avançando na história percebemos hoje, no século XXI, um interesse em relação à

orientação dos estudos dos alunos. Portugal se destaca neste campo, concentrando uma grande

quantidade de produções. Estas costumam ter como foco os processos auto-regulatórios 19.

Assim, a orientação dos estudos dos alunos na atualidade relaciona-se ao ensino ou

treinamento de estratégias que visam o desenvolvimento de competências e habilidades auto-

regulatórias. Citamos como exemplo os trabalhos de Rosário (2004); Rosário, Núñez e Pienda

(2006); Bilimário e Almeida (2008) e, Gomes e Torres (2005).

O destaque de Portugal pode ser explicado pelas reformas no ensino que vem sendo

realizadas no país. Em 2001 o governo português começou a implementar uma reorganização

curricular do Ensino Básico que, dentre outras coisas, criou o espaço do Estudo

Acompanhado (EA). A existência do EA obrigou que educadores e psicólogos escolares

elaborassem propostas de trabalho. Um novo campo de debates foi aberto, colocando o tema

do estudo em primeiro plano. O que caberia ser realizado no EA? Reforço escolar? Ensino de

técnicas descontextualizadas? Ensino de estratégias auto-regulatórias contextualizadas? Por

outro lado, no contexto universitário as mudanças estão ocorrendo em função da Declaração

de Bolonha assinada em 1999 20. Trata-se de um projeto de reforma do ensino superior

europeu que visa unificar o sistema de ensino no sentido de torná-lo competitivo e adequado

19
No site do Grupo Universitário de Investigação em auto-regulação (http://www.guia-psiedu.com) é possível
encontrar uma boa amostra desses trabalhos.
20
O site da Universidade Aberta de Portugal traz um documento que explica as questões relacionadas à
Declaração de Bolonha (http://www.univ-ab.pt/bolonha/). Para uma análise crítica da reforma universitária
portuguesa que caminha em consonância com o Processo de Bolonha recomendamos o artigo de Fernandes et.al.
publicado no LeMonde Diplomatique português disponível em http:/pt.mondediplo.com.
58

às demandas do mercado e da nova economia. Apesar de atingir toda a Europa, em Portugal

as mudanças já começaram a acontecer, exigindo que se dê conta do novo projeto de

formação, preparando os alunos para os novos desafios.

Sobre o uso do vocabulário das habilidades e competências - freqüentemente usado

pelos autores das novas propostas de orientação do estudo -, é interessante ressaltar o

argumento que Bendassolli (2000/2001) tece no contexto da filosofia neopragmática da

linguagem. Segundo ele, as habilidades e competências vinculam-se a um complexo

discursivo que articula noções como personalidade, ação individual, performance e learning

society, relacionando-se dessa forma à uma sociedade voltada para o conhecimento e

aprendizagem constantes. Nos nossos termos diríamos que se trata de um vocabulário

engajado na produção de uma cognição que se configura a partir de vetores hegemônicos da

contemporaneidade. Esta idéia ficará mais clara no sexto capítulo quando, com a ajuda de

autores como R.Sennett, A.Eherenberg, J.Larrosa e J.Caiafa, analisaremos as reverberações

do contexto contemporâneo sobre as práticas de estudo. Portanto, a escolha do vocabulário

sugere que o estudo aí se vincula à práticas que caminham em conformidade com as

exigências da contemporaneidade: ação individual, performance e learning society. Rosário

explica que apesar da grande riqueza e complexidade do constructo da aprendizagem auto-

regulada, todos compartilham de um pressuposto básico:

No entanto, apesar das diferenças que os distinguem, todos os modelos defendem o


pressuposto básico de que os alunos podem regular ativamente a sua cognição, a
sua motivação e o seu comportamento e, através desses processos auto-
regulatórios, alcançar os seus objetivos, melhorando o seu rendimento acadêmico
(ROSÁRIO, 2004, p.37 – grifo nosso).

Apesar das diferenças nos vocabulários que apontam para inserções temporais

diferentes, tanto a técnica de Estudo Dirigido quanto a orientação do estudante que visa o

ensino de estratégias que desenvolvam a auto-regulação inserem-se no contexto de crítica ao

estudo como atividade mecânica e repetitiva em favor de um “aprender a aprender”. De um


59

aprender que, pelo menos em tese, procura incluir a atividade e a experiência. Citamos

Rosário que ao apresentar sua proposta afirma:

Sugerimos, portanto, que as intervenções no domínio do ensino e da prática das


estratégias de estudo obedeçam a dois tipos de objetivos: por um lado, promover o
ensino de um elenco alargado de estratégias de aprendizagem para processar a
informação de uma forma profunda (Rosário, 1999, 2002c); por outro, os alunos
deveriam aprender, através da experiência e da prática guiada a ser estratégicos na
escolha, adaptação e implementação das estratégias de aprendizagem de uma forma
concertada. (ROSÁRIO, 2004, p.31).

No entanto os novos estudos sobre o estudo não se constituem como uma releitura da

técnica do Estudo Dirigido, mas incluem os avanços ocorridos no próprio campo dos estudos

sobre o estudo e também no da psicologia e das ciências da cognição. Sobre isso é

interessante notar a herança deixada pela produção teórica desenvolvida inicialmente pelos

pesquisadores da Universidade de Gotemburgo (Suécia), liderados por Ference Marton a

respeito da abordagem dos alunos à aprendizagem ou abordagem dos alunos ao estudo

(Students Approaches to Learning - SAL).

A partir da década de 1970 surgem trabalhos que se dedicam a compreender a

aprendizagem e o estudo da perspectiva do estudante. As mudanças na psicologia cognitiva -

em função da revolução cognitiva -, assim como a necessidade de estudar a aprendizagem

fora dos laboratórios - validade ecológica - exigiram uma reformulação teórico-metodológica.

Assim, os pesquisadores da Universidade de Gotemburgo, inspirados pela fenomenologia,

mas baseados nos estudos e teorias existentes, inventaram um novo modo de pesquisar a

aprendizagem e o estudo que tem sido nomeado como fenomenografia (MARTON, 1986).

Além da realização da tarefa experimental relacionada a uma situação de aprendizagem, este

incluía entrevistas semi-estruturadas que tinham por objetivo fazer com que os estudantes

descrevessem suas experiências durante a realização das tarefas. Tratava-se de um método

qualitativo. Através desse método Marton e Säjlo conduziram a pesquisa que deu origem aos

estudos sobre o estudo baseados na experiência dos estudantes (MARTON e SÄJLO, 1976a;

1976b; MARTON, HOUNSELL e ENTWISTLE, 1997). O constructo Students Approaches


60

to Learning (SAL) ou abordagem dos alunos ao estudo / aprendizagem foi formulado neste

contexto 21.

Interessados em entender as diferenças qualitativas e individuais nos processos de

aprendizagem, Marton e colaboradores elaboraram um experimento em ambiente natural.

Solicitaram aos estudantes que lessem no tempo que julgassem necessário um artigo

acadêmico e depois respondessem a perguntas. Estas se referiam não apenas ao conteúdo, mas

ao modo que utilizaram para ler. Ou seja, além das perguntas relacionadas ao conteúdo do

texto, foi pedido que os estudantes narrassem como eles lidaram com a tarefa e como esta

aparecia para eles. Marton e Säjlo (MARTON e SÄJLO, 1997) destacam que na ocasião não

havia qualquer modelo ou teoria pressuposta. Apenas uma premissa: se os resultados da

aprendizagem diferem entre os indivíduos, então os processos de estudo / aprendizagem

também devem ser diferentes. Através do experimento e das entrevistas, Marton e

colaboradores procuravam entender como os estudantes chegam a formas qualitativamente

diferentes de entendimento do texto. Deste estudo propuseram uma distinção que foi

inicialmente descrita como dois níveis de processamento: superficial e profundo e que depois,

recebeu o nome de abordagem à aprendizagem / estudo (approach to learning). A mudança

na nomeação procurou enfatizar que a diferença superficial e profunda não se referia apenas

ao funcionamento cognitivo - que aqui é entendido como processamento, revelando uma

concepção de cognição cognitivista 22 -, mas pressupõe a intenção e experiência dos estudantes

21
O livro The experience of learning (MARTON, HOUNSELL e ENTWISTLE, 1997) escrito em 1984, revisto
e ampliado em 1997, contém relatos de uma boa amostra de pesquisas realizadas entre as décadas de 1970 e
1990 que trabalham segundo o referencial da experiência do estudante. O foco é a educação superior. Os artigos
abordam diferentes aspectos do estudo e da aprendizagem como leitura de textos acadêmicos (Marton e Säjlo),
escrita de ensaios (Hounsell), tarefas de resolução de problemas (Laurillard), preparação para exames finais
(Entwistle e Entwistle), experiência de relevância em relação às aulas (Hogson), multimídia e a possibilidade de
melhorar a aprendizagem (Laurillard) e experiência que os estudantes têm das tutorias (Anderson).
22
Embora os pesquisadores não explicitem, é possível perceber a presença do paradigma cognitivista da
cognição na base da investigação. Este entende a cognição como processamento seqüencial e invariante de
informações. Apesar do silêncio dos pesquisadores, o editorial da revista que traz os artigos de Marton e Säjlo
faz referência à teoria de Broadbent, apontando-a como uma alternativa interessante para as pesquisas sobre
aprendizagem (EDITORIAL, 1976, p.1). Além disto, é importante não perder de vista que nesta época a
abordagem cognitivista era ainda hegemônica no campo dos estudos da cognição (VARELA, 1990). Dessa
61

(Ibid). Note-se que o apelo à intenção e à experiência vai de encontro ao paradigma

cognitivista. Para o cognitivismo a cognição é um processo invariante. Portanto, não existiria

espaço para termos como intenção e tampouco para a experiência. Apesar da ambigüidade, a

idéia permanece.

No artigo de 1976, Marton e Säjlo explicam a diferença superficial / profundo como

uma diferença naquilo que foi focado pelo estudante: “Esses dois níveis diferentes de

processamento, os quais podemos chamar de nível profundo e superficial, correspondem a

diferentes aspectos do material de estudo que foram focados pelo aprendiz” (MARTON e

SÄJLO, 1976a, p.7). A atenção desempenha assim um papel central nas práticas de estudo.

Neste caso, a partir do ajuste do foco, ela pode produzir uma abordagem superficial ou

profunda. Porém, para alguns teóricos nem sempre a atenção, no estudo, trabalha focada. Isto

não necessariamente implica em prejuízo. Conforme veremos Depraz, Varela e Vermersch

(2002), assim como Larrosa (2001, 2003a; 2003b) defendem uma atenção aberta, porém

concentrada na atividade de estudo. Assim, a defesa de uma atenção focada ou não se vincula

a práticas de estudo diferenciadas. Estas podem colocar em primeiro plano a tarefa - o que

conduzirá à ênfase na atenção focada -, ou a experiência – destacando a importância da

atenção aberta e sem foco. Percebemos então que a distinção superficial e profunda refere-se a

práticas de estudo onde o que está em questão é o estudo como realização de tarefa. Em outras

palavras, superficial e profundo são formas de classificar a relação do estudante com a tarefa

de leitura do texto. No primeiro modo – superficial - o estudante se concentra no texto de

maneira objetiva. Ele foca a atenção nas páginas e nas informações. Trata-se de um

relacionamento em que o foco da atenção é estreito e o objetivo é principalmente a

memorização e a reprodução. No segundo modo – profundo - o estudante volta a sua atenção

forma o silêncio em relação à abordagem da cognição utilizada poderia estar vinculada à aceitação do paradigma
do processamento da informação como única possibilidade de entendimento da cognição, portanto como algo
natural e inquestionável.
62

para o texto num sentido amplo. Seu interesse é compreender o texto. Ele lê nas entrelinhas,

procura por relações. Marton e Säjlo (1976a) afirmam que os estudantes que adotam a

abordagem profunda parecem conceber a si mesmos como criadores de conhecimentos, na

medida em que usam suas capacidades para fazer julgamentos críticos, tirar conclusões

lógicas e trazer suas próprias idéias. Um aspecto interessante da pesquisa de Marton e Säjlo é

que houve casos em que não foi possível identificar a abordagem utilizada e, casos em que

parece ter havido uma combinação das abordagens. A dificuldade de classificação, contudo,

não fez com que os autores revissem as categorias, que permanecem as mesmas. Apesar disso,

foi possível concluir sobre a existência de uma relação próxima entre processo e resultado. Os

alunos que adotaram uma abordagem profunda tiveram mais êxito na resolução das tarefas

propostas que aqueles que adotaram uma abordagem superficial. Estudar compreendendo é

melhor do que estudar decorando. Note-se que a distinção entre um estudo que se orienta pela

compreensão e outro que visa apenas a memorização é diferente daquela com a qual estamos

trabalhando. É possível, como estamos vendo, que a compreensão e a memorização estejam

vinculadas exclusivamente a práticas de estudo como realização de tarefas, não se abrindo

para o estudo como experiência.

A investigação da experiência do estudante é crucial, embora não seja um fim em si

mesmo:

Agora que se encontrou uma diferença importante na forma como os estudantes


estudam e aprendem, e uma vez que essa diferença implica duas abordagens onde
uma é claramente preferível à outra, não devemos fazer com que os estudantes que
tendem a adotar a abordagem menos preferível mudem suas atitudes? (MARTON e
SÄJLO, 1997, p.49) 23.

Uma vez entendida a experiência de estudo dos estudantes e suas conseqüências,

projetos e pesquisas passaram a se ocupar de produzir nos estudantes uma modificação de

suas abordagens. Neste contexto inserem-se os trabalhos de orientação do estudo que

23
A tradução deste texto, assim como de todos os outros textos em idioma estrangeiro citados ao longo desta
tese são responsabilidade nossa.
63

procuram ensinar e/ou treinar estratégias que desenvolvam competência e habilidades auto-

regulatórias 24. Assim, saber qual a abordagem seria o primeiro passo para a orientação do

estudante.

Esta poderia ser uma idéia interessante se as investigações sobre as abordagens ao

estudo permanecessem no mesmo estilo daquele de Marton e Säjlo. No entanto, após os

trabalhos seminais, alguns pesquisadores interessados em combinar metodologias qualitativas

e quantitativas, desenvolveram questionários e inventários para identificar as abordagens de

estudo/aprendizagem dos estudantes. Pautando-se na dicotomia superficial e profundo,

criaram escalas e desenvolveram perguntas objetivas. Em relação a isto destacamos o papel

importante do grupo de pesquisa da Universidade de Lancaster (Escócia), liderado por

N.Entwistle (ENTWISTLE e RAMSDEN, 1982), além de J.Biggs (1987), na Austrália.

Embora o uso de inventários e questionários para a detecção das abordagens ao estudo /

aprendizagem nos pareça uma subversão do deslocamento operado por Marton e

colaboradores, esta tem sido a forma mais comum de efetuar o mapeamento das abordagens.

A pesquisa de Rosário e Oliveira (2006), por exemplo, propõe mapear o estudar no ensino

superior usando o Inventário de Processos de Estudo para Universitários, elaborado por

Rosário e colaboradores. Este é composto por 12 itens representativos da abordagem

superficial e profunda. A conclusão a que chegam não vai, portanto, muito além desta dupla

de conceitos.

Em relação aos avanços no campo da psicologia e das ciências da cognição

assimilados pelos teóricos que visam ensinar a estudar através de estratégias auto-regulatórias,

destacamos a incorporação da própria noção de auto-regulação e o comparecimento do

paradigma cognitivista.

24
É possível perceber a relação entre os trabalhos que seguem a orientação SAL e aqueles que visam orientar o
estudo desenvolvendo estratégias auto-regulatórias através da citação que apresentamos na p. 47. Lá Rosário
(2004) apresenta a sua proposta de trabalho defendendo como um dos objetivos “promover o ensino de um
elenco alargado de estratégias de aprendizagem para processar a informação de uma forma profunda” (grifo
nosso). Ora, a forma profunda consiste numa referência a idéia de abordagem profunda.
64

Sobre a auto-regulação, trata-se de uma concepção bastante singular. A auto-regulação

é concebida como uma atividade colocada em ação por um sujeito na sua relação com o

conhecimento. A auto-regulação apoxima-se, assim, do auto-controle.

Apesar dos muitos modelos de auto-regulação – Rosário (2004, p.36) cita, por

exemplo, os de Boekaerts; Corno; Pintrich - o de Zimmerman tem ganhado destaque,

comparecendo na base da muitos projetos, em espacial naqueles conduzidos por Rosário e

colaboradores. Trata-se de um modelo multidimensional que procura explicar as relações

entre os componentes da auto-regulação – pessoais (cognitivos e emocionais),

comportamentais e contextuais – e, simultaneamente, especificar as tarefas que permitam aos

alunos tomarem decisões pessoais e refletidas a fim de exercerem controle sobre seu processo

de aprendizagem (Ibid, p.38-39). Assim, a auto-regulação em jogo nas novas propostas diz

respeito a processos levados a cabo pelos alunos onde eles devem ativar e sustentar cognições,

comportamentos e afetos, de modo a alcançar seus objetivos. Dessa forma afirma-se que a

auto-regulação pressupõe uma implicação metacognitiva, motivacional e comportamental dos

alunos no processo de aprendizagem com vistas ao sucesso acadêmico. Citamos:

A auto-regulação envolve o estabelecimento de objetivos, o desenvolvimento e a


adaptação de diversos métodos para os alcançar. Neste processo, os alunos
apresentam-se motivacionalmente envolvidos e metacognitivamente conscientes
das suas decisões, processos e produtos resultantes de sua aprendizagem
(Zimmerman e Martinez-Pons, 1988). Pensamos que é a tentativa de controle e de
monitorização dos processos cognitivos que distingue o processo auto-regulatório
da simples utilização de uma estratégia de aprendizagem. Aquele é, inclusive, um
aspecto-chave do processo de conhecimento sobre as condições em que é adequado
aplicar as diferentes estratégias de estudo às situações de aprendizagem com que os
alunos se confrontam (Ibid, p.30 – grifo nosso).

O estudo praticado desta forma faz com que cada vez mais o aluno seja responsável

pelo seu sucesso e/ou fracasso. Ele deve controlar sua cognição, seus afetos, dominar seus

comportamentos, articulando-os com as demandas do ambiente de modo a obter êxito. Não

existe espaço para que este aluno seja afetado e transformado pela experiência do estudo. O

estudo transforma-se numa grande batalha em que o aluno deve analisar a situação e então
65

elaborar estratégias de modo a atingir seu objetivo que aqui não pode ser outro senão o êxito

escolar. Não há para estes autores outra possibilidade. Diante deste quadro que reitera a

argumentação de Bensassolli (2000/2001) a respeito do uso do vocabulário das competências

e habilidades, a concepção de cognição como processamento da informação – cognitivismo -

torna-se essencial. O processamento de informação permite que a cognição seja pensada como

uma seqüência linear de passos que se sucedem, culminando numa resposta adequada. Apenas

dessa forma a auto-regulação pode ser concebida de forma tão (auto)controlada, sem produzir

desarranjo, problematização ou bifurcação.

As novas propostas vinculam-se fortemente ao ideal do “aprender a aprender”,

procurando ensinar a estudar a partir do treino de estratégias motivacionais, cognitivas e

metacognitivas de auto-regulação. Existem diferenças na estruturação das propostas, das mais

rígidas às mais flexíveis e, sua vinculação à teoria do processamento da informação, é mais ou

menos explícita. A idéia do ensino de estratégias de estudo (cognitivas, metacognitivas e

motivacionais) é transformar os estudantes em alunos autônomos através do controle da

informação (BILIMÁRIO e ALMEIDA, 2008; ROSÁRIO, 2004, GOMES e TORRES, 2005).

Citamos como exemplo a afirmação de Bilimário e Almeida acerca do programa SABER

(Saber Aprender Boas Estratégias de Regulação), realizado em Portugal com alunos do ciclo

básico:

Orientado para o desenvolvimento de um estudo e aprendizagem eficazes através


da apropriação de processos cognitivos, o programa assume uma seqüencialidade
nas funções mentais inerente ao processamento da informação, nomeadamente as
fases do planejamento, resolução e avaliação. Todo este treino é enquadrado no
objetivo da autonomia funcional do aluno, ou seja, a sua auto-regulação
(BILIMÁRIO e ALMEIDA, 2008, p.20).

O controle da informação ou, em outros termos, a atividade metacognitiva é chave no

treinamento das estratégias de estudo. Segundo Ribeiro (2002) para que um treino obtenha

sucesso é preciso não apenas conhecer a estratégia, mas saber o porquê da estratégia, como,

quando e onde utilizá-la. A motivação também é uma preocupação, conforme afirma Rosário:
66

“É possível, e desejável, ensinar estratégias de aprendizagem que capacitem os alunos para

saberem como aprender, contudo tal não é suficiente para incrementar a qualidade das suas

aprendizagens. Os alunos têm de querer aplicar esses ensinamentos estratégicos na prática”

(ROSÁRIO, 2004, p.73).

Neste cenário, a questão do contexto ganha importância. Cada vez é mais freqüente a

defesa do desenvolvimento de treinos específicos para certos públicos e/ou locais, embora

todo treinamento comporte uma dimensão de generalidade (BILIMÁRIO e ALMEIDA, 2008;

ROSÁRIO, 2004; HATTIE, BIGGS, PURDIE, 1996). É interessante perceber que a

necessidade de levar em consideração a dimensão contextual aponta uma insuficiência do

paradigma do processamento da informação. No entanto, ao invés da ruptura, ocorre uma

conciliação, em que a dimensão contextual e situada passa a ser sobrecodificada pelo

paradigma do processamento da informação. Assim, o construtivismo vygotskiano, a

aprendizagem significativa de Ausbel, além da própria idéia de auto-regulação

freqüentemente citados, passam a ser entendidos de forma restrita. Em função da

subordinação ao paradigma do processamento da informação, a construção e a auto-regulação

passam a ser orientadas pelo (auto)controle e pela tarefa. São os bons resultados que estão no

horizonte. Tal confusão faz com que pesquisadores como Newton Duarte (2001a, 2001b)

acabem por rechaçar o construtivismo em geral, que na realidade possui propostas

diferenciadas. Maturana e Varela, conforme vimos, defendem um construtivismo radical

(ALVAREZ, 1999). A construção da cognição se faz sem que haja um caminho pré-

determinado, um objetivo definido, mas através de ações, acoplamentos estruturais e,

principalmente, breakdowns (MATURANA e VARELA, 1995). Os breakdowns são

problematizações decorrentes da própria prática cognitiva que instauram bifurcações,

lançando os organismos em direções imprevisíveis e, conduzindo a desdobramentos

indeterminados (VARELA, 2003). Dessa forma é possível conceber um construtivismo


67

orientado pela invenção. Neste caso ao invés de um sujeito controlando o processo, destaca-se

um processo que possibilita o surgimento de sujeitos e mundos. Esta, inclusive, tem sido a

nossa proposta. Viemos nos dedicando ao tema da aprendizagem, chegando numa formulação

semelhante - em sua forma - a idéia do aprender a aprender e propusemos uma aprendizagem

circular (SANCOVSCHI, 2005). No entanto, é preciso diferenciar. Quando o aprender a

aprender opera a serviço da tarefa e até da performance, dá origem a trabalhos que visam o

desenvolvimento de competências e habilidades através do treinamento de estratégias

cognitivas, metacognitivas e motivacionais sejam elas auto-regulatórias ou não. Já a

aprendizagem circular, orientada pela invenção, pressupõe outro tipo de trabalho, o de cultivo

de sensibilidades e abertura para a experiência de problematização e conseqüente

transformação. Vale destacar o comparecimento, em ambas, da idéia de uma relação consigo

no processo de aprendizagem que em última instância visaria uma transformação. No entanto,

na primeira perspectiva essa relação é de (auto)controle, a atenção trabalha focada na tarefa e

a transformação é definida como otimização. Já na segunda perspectiva, a relação consigo

cultiva uma abertura para a experiência, a atenção abre-se para o encontro e a transformação

afirma-se como um desdobramento do encontro, sendo imprevisível. Kastrup (2008c) e

Vasconcelos (2009) nos ajudam no entendimento dessa segunda perspectiva. Num artigo em

que analisa o funcionamento atencional numa oficina de cerâmica de pessoas com deficiência

visual adquirida, Kastrup (Ibid) refere-se a essa relação consigo como atenção a si,

demonstrando que esta produz subjetividade. Já Vasconcelos (2009) analisa o problema da

atenção a si no contexto das metodologias de primeira pessoa, defendendo seu caráter

ontológico. Segundo ele, as metodologias de primeira pessoa permitem não apenas a auto-

observação, mas concorrem também para a auto-produção.

Os trabalhos que se dedicam a abordar o estudo a partir do ensino ou treinamento de

estratégias com o intuito de desenvolver competências e habilidades auto-regulatórias estão


68

focados não apenas nos alunos do ensino médio e fundamental, mas também nos

universitários. Em relação aos universitários, no Brasil, as pesquisas têm se concentrado,

sobretudo, sobre a leitura avaliando as estratégias utilizadas (MINERVINO et.al., 2005;

SANTOS et.al., 2006; PULLIN, 2007), mas não apenas. Andrade (2007), por exemplo,

procurou em sua pesquisa identificar as estratégias de aprendizagem dos alunos do curso de

especialização do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Existem algumas propostas de

intervenção como a de Sampaio e Santos (2002), no entanto as pesquisas parecem estar ainda

numa fase de levantamento da situação, sem propor ainda programas específicos de

treinamento.

2.3 - Outros estudos sobre o estudo: o desafio do estudo como experiência

2.3.1 - O estudo como becoming aware (devir-consciente)

Tendo em vista o interesse pelo estudo da experiência em sua dimensão pragmática,

Natalie Depraz, filósofa, Francisco Varela, cientista cognitivo e mestre de meditação e Pierre

Vermersch, psicólogo, escrevem o livro On becoming aware (2002). Afirmam: “Neste livro

buscamos as fontes e sentidos para uma abordagem prática e disciplinada para explorar a

experiência humana” (DEPRAZ, VARELA e VERMERSCH, 2002, p.1). A experiência é

entendida como ato de devir-consciente (becoming aware). O que singulariza este ato é o

movimento de trazer à consciência algo que nos habita de maneira opaca e não refletida. Em

outras palavras, tornar-se ciente da própria vida mental, da experiência presente. A

metodologia adotada pelos autores é a do aprendizado no caminho (learn on the job). Ao

invés de partir de conceitos, definições ou pressuposições, os autores apresentam exemplos de

atividades nas quais eles próprios vivenciam o ato de devir-consciente. Dos exemplos e suas

variações eles chegam à estrutura do ato de devir-consciente. Seis são os exemplos

trabalhados no livro: entrevista de explicitação, meditação budista (shamanta), visão


69

estereoscópica, oração do coração, sessão de psicanálise, sessão de escrita e, o que para nós é

de especial interesse, estudo de filosofia. Vale destacar que esta lista não é fechada. Os

autores argumentam a favor de que outros exemplos sejam trazidos à cena e pensados. Assim,

é interessante citar a tese de Cabral (2006) que, baseada na proposta desses autores, trabalha a

leitura de literatura como experiência de devir-consciente.

O ato de devir-consciente possui uma dinâmica em que a atenção ocupa papel central.

A estrutura é formada por um ciclo básico que inclui a epochè e a evidência intuitiva, além

das fases opcionais de expressão e validação. O contexto temporal que inclui tanto a

preparação quanto os pós-efeitos podem também ser acrescentados ao ciclo básico. É pela via

da atenção que a atividade de devir-consciente se inicia. Os autores distinguem na epochè três

etapas, em que a primeira deve ser continuamente reativada: a suspensão (da atenção), a

redireção (da atenção) e o deixar vir (letting go) ou acolhimento da experiência.

A suspensão refere-se a um gesto de ruptura em relação à atitude natural.

Suspendemos nossos julgamentos habituais, nossos preconceitos na medida em que estes nos

impedem de ter atenção àquilo que se passa no momento presente. Assim, a suspensão

consiste numa mudança da atitude atencional que também pode ser pensada como uma

mudança na política cognitiva. Ao invés de submeter a atenção à ação, passamos a observar

atentamente aquilo que fazemos. Note-se a referência a Husserl. Segundo os autores a prática

de devir-consciente consiste dentre outras coisas numa tentativa de tornar operacional a

epochè husserliana. Isto é, a colocação entre parênteses de todos os juízos a fim de acessar a

essência. A suspensão é condição para que o ato de devir-consciente se realize. Porém, não é

um gesto fácil, está na contramão de nossa atitude natural. Por isso a suspensão deve ser

continuamente reativada. Ela pode ser desencadeada por um evento externo, como por

exemplo, uma surpresa ou um choque, algo que acontece e que impõe outra forma de se

relacionar com o mundo; pode também ser realizada através da ajuda de um mestre ou modelo
70

que nos orienta em nossa prática; ou ainda, a suspensão pode ser conduzida por você mesmo

na medida em que pratica, ainda que isto seja mais difícil.

Na redireção da atenção o que está em jogo é a mudança na direção, normalmente

voltada para o exterior, para o interior. No entanto não se trata na redireção de encontrar o

“eu”. Se no movimento de redireção encontramos o “eu” significa que a suspensão da atenção

não se manteve. A volta para o interior deve ser realizada através de uma atitude suspensa,

pois apenas dessa forma será possível acolher a experiência que é o passo seguinte.

O deixar vir (letting go), ou acolhimento da experiência implica tanto a manutenção da

suspensão quanto a redireção e envolve uma mudança na qualidade da atenção. De uma

atenção que busca, passamos para uma atenção que encontra. Trata-se de um gesto de

abertura em relação a si e ao contexto caracterizado por uma espera ativa, receptiva, e com

um apagamento transitório da distinção dentro / fora. O desafio nessa fase é enfrentar o vazio,

o silêncio sem preenchê-lo com nenhum tipo de opinião ou julgamento a fim de deixar vir a

experiência. Quando encontramos com a experiência a sensação é de completamento. Os

autores referem-se também a uma sensação de certeza e de urgência. Trata-se da evidência

intuitiva – que é a segunda etapa do ciclo básico.

A sessão consiste no local e no tempo onde o ato de devir-consciente se realiza. No

caso do estudante, falaremos de uma sessão de estudo. A sessão inclui além do ciclo básico, a

expressão e a validação. Embora a expressão e a validação não sejam tão fundamentais quanto

o ciclo básico que é a estrutura nuclear do ato de devir-consciente, elas são importantes para a

transmissão desse saber fazer. O contexto temporal envolve tanto a preparação da sessão

quanto os pós-efeitos, ou seja, as conseqüências que a experiência de devir-consciente

desencadeou. Através dele encontramos as motivações para a realização da prática e, ao

mesmo tempo em função dele vamos modulando a prática que vai sofrendo pequenas

alterações de fundo.
71

Por tudo isso a prática de devir-consciente não é fácil de ser realizada. A estrutura

ajuda e orienta aqueles que têm o interesse em se lançar na investigação da experiência

(própria ou de terceiros), porém não é suficiente. É preciso praticar e, através da prática,

cultivar uma relação consigo e com o mundo que implica numa política cognitiva que não

visa a tarefa, mas a experiência. Não está pautada no controle, mas na abertura. Voltando-nos

aos exemplos dos autores, o importante não é responder a entrevista, pronunciar as palavras

da reza do coração, reproduzir o que os filósofos dizem, etc., mas acolher as experiências que

nascem nessas práticas. Isto passa pelo trabalho da atenção que aqui precisa operar de maneira

concentrada e aberta. Também no caso do estudante, não se trata de uma atenção focada, mas

aberta.

Trazemos o exemplo do estudante (Ibid, p.60). O estudo pode, segundo os autores,

constituir uma experiência de devir-consciente. O estudar implica então num cultivo de uma

certa atenção. Depraz, Varela e Vermersch referem-se ao caso do estudante de filosofia em

estágio inicial ou intermediário, mas acreditamos ser possível incluir o estudante de

psicologia. Assim eles apresentam o exemplo:

Contexto do exercício: O professor, ao preparar a aula, escolhe o assunto, orienta a

reflexão do aluno com questões e estimula discussões entre os colegas através de intervenções

precisas.

A estrutura geral da sessão: No caso, os autores referem-se à aula, mas podemos

pensar no estudo de forma ampla. Em geral dura entre uma e duas horas, numa sala, uma vez

por semana ou, uma vez a cada duas semanas 25. As sessões (aulas) são momentos isolados,

porém fazem parte do caminho de aprofundamento no estudo. Estar presente na duração do

curso assegura a constância no dar e receber e no estudo aprofundado. Os autores localizam

neste momento a operação de suspensão da atenção. Portanto, para que o estudo aconteça é

25
O exemplo toma por base o contexto francês. No entanto pode ser adequado, para fins de análise, às
singularidades de cada curso, instituição ou país.
72

preciso que haja um momento inicial de suspensão de nossos juízos e preconceitos para que

possa aparecer algo diferente daquilo que já sabíamos.

Os estágios do curso: O professor faz as coisas caminharem problematizando uma

questão ou um texto. O estudante escuta e toma notas. O movimento do professor provoca

uma resposta no estudante, mas esta permanece não expressa num primeiro momento.

Questões brotam dentro do estudante, mas restam não respondidas. O estudante está em um

estado de incerteza, instabilidade e abertura. Mais do que procurar uma forma de responder as

questões, o estudante se pergunta enquanto está escutando com uma mente crítica. O

estudante volta sua atenção para a forma como se pergunta, sua lógica. Aqui vemos a atitude

de redireção da atenção. Não se trata de (auto)controle, mas de abertura. A idéia não é

responder, mas fazer reverberar.

O estudante pára de procurar e um trabalho interior de maturação ou sedimentação

começa a se fazer, permitindo que ele encontre o jeito certo de fazer a pergunta. De repente,

um gatilho dispara e o estudante consegue pegar a questão que estava se escondendo. Tomado

por um sentimento de urgência, o estudante interrompe o professor, revertendo a ordem usual

das coisas na sala de aula. Inicia-se uma troca. Este é o momento da “expressão” na sessão.

Agora é a chance para os outros alunos intervirem, seja seguindo o caminho aberto por esse

estudante, seja colocando outra questão, seja voltando à discussão inicial. No melhor dos

casos, todos começam a discutir e a figura do professor assume caráter de fundo. Uma vez

que a discussão fique acalorada na sala de aula, o estudante poderá encontrar a si mesmo,

continuando a discussão nos corredores ou no café, com ou sem a presença do professor.

Trata-se dos pós-efeitos.

A descrição do exemplo nos remete a algumas situações semelhantes. Ela pode

também despertar o desejo de vivenciar o estudo dessa maneira. Neste sentido é que devemos

entender a afirmação dos autores quando dizem que através do exemplo buscam não apenas
73

falar do estudo como experiência de devir-consciente, mas esperam também poder ajudar os

alunos a desenvolver sua capacidade de perguntar e refletir. Vale notar a diferença desta

proposta em relação àquela do estudo como ensino ou treinamento de estratégias auto-

regulatórias com o intuito de desenvolver competências e habilidades. Nos dois casos espera-

se ajudar os estudantes a pensar e a refletir, nos dois casos encontramos a circularidade. No

entanto, conforme já tivemos oportunidade de comentar, a auto-regulação pressupõe o

controle do sujeito sobre sua cognição, comportamento e ambiente, de modo a conduzir a um

padrão de sucesso escolar. Ao focar na tarefa exclui a possibilidade da vivência da potência

da experiência. Assim não é raro que o estudo transforme-se em performance. Aqui, a

circularidade implica no cultivo do devir-consciente. Como tal, visa uma abertura para aquilo

que ainda não sabíamos que sabíamos. Assim, argumentamos que quando se fala que o que se

visa é treinar estratégias e competências que permitirão ao aluno uma aprendizagem auto-

regulada, a aprendizagem é entendida como solução de problemas ou cumprimento de tarefas.

O que se espera do aluno é principalmente que ele resolva os problemas de maneira eficaz. Já

no caso de Depraz, Varela e Vermesch o que se defende é auxiliar o estudante através de um

trabalho sobre a atenção de modo que ela ao invés de focar num objetivo exterior, volte-se

para si abrindo-se para o desconhecido. Afirmamos, então que neste caso a aprendizagem

passa a ser atividade de problematização. O que se espera do aluno é que ele possa através de

uma relação consigo problematizar o material apresentado fazendo nascer questões novas e

inpensadas. Nesta mesma direção caminha a argumentação de J. Larrosa.

2.3.2 - Estudo como experiência: contribuições da filosofia da educação

Embora Jorge Larrosa tenha textos escritos sobre o estudo e o estudar, sua

contribuição ao tema se faz de maneira tangencial ao da formação e da leitura, que são suas

questões por excelência. A favor de uma “pedagogia profana” (LARROSA, 2001), ou seja, de
74

uma pedagogia que visa não o consenso e a norma, mas a pluralidade de sentidos e a

transformação, contra uma concepção de educação tecnocientífica, Larrosa vai construindo

suas idéias. Neste contexto, o filósofo da educação recupera a experiência. É então a partir da

experiência que ele pensa a educação de um modo geral e a leitura, a formação e o estudo, de

maneira específica.

Esses termos - leitura, formação, estudo - se misturam e se atravessam ao longo dos

textos. Fala de uma concepção formativa da leitura, de uma formação como leitura e do

estudo como algo que se passa entre o ler e o escrever. Os jogos de palavras, quase sempre

poéticos e musicais, têm como finalidade ressaltar a experiência. Conforme argumenta o

próprio autor, não lhe interessa a definição de conceitos, mas o trabalho com as palavras,

fazendo-as ressoar e requisitando do leitor uma leitura que não a da compreensão ou a do

entendimento, mas a da experiência. Compreender não é experienciar. Citamos: “Em geral,

molesta-me a definição de conceitos, esse começar definindo os conceitos, esse começar pela

pergunta, o que é? Trabalho com palavras e não com conceitos” (LARROSA, 2004, p.330). A

escrita de Larrosa exige que seus leitores encarnem a política da experiência. Tal fato torna

seus textos ao mesmo tempo ricos em idéias e difíceis de serem explicados.

Através do vai e vem das palavras é possível depreender que o que está na base da

experiência é uma relação íntima que se faz entre o texto ou o material de estudo e a

subjetividade. Isto que se passa entre é responsável pela produção de sentidos e pela

possibilidade de nos formar, nos transformar e até nos deformar. Desse modo tanto o estudo,

quanto a leitura ou a formação afastam-se da busca por saber. O que está em jogo não é uma

compreensão adequada, conformada, certa, mas sim a multiplicidade de sentidos possíveis

que nascem no encontro, por exemplo, entre o estudante e o material de estudo. O estudo para

Larrosa, assim como para Dewey, não visa nada diferente do próprio estudar. Porém, Larrosa

destaca um aspecto que Dewey não havia mencionado. Nem sempre os efeitos do estudo são
75

no sentido da transformação, às vezes eles nos deformam. Eles nos desorientam, nos lançam

em movimentos incertos dos quais não podemos saber de antemão se sairemos e como

sairemos. A deformação é assim um risco que se corre ao fazer do estudo uma experiência.

No entanto é preciso lembrar que é apenas a partir da experiência que o novo e a diferença

poderão surgir na atividade de estudo.

Numa discussão sobre leitura Larrosa refere-se à escuta. Na leitura como experiência o

desafio do leitor é escutar o texto, e não compreendê-lo. Quando a experiência passa para

primeiro plano, são os sentidos e afetos, é o corpo inteiro que ganha destaque, e não a

racionalidade. É o encontro e não a tarefa. Isto não significa que a tarefa ou a compreensão

não sejam importantes, porém elas devem ser precedidas pela dimensão afetiva. Tal idéia

pode ser extrapolada tanto para as concepções de estudo quanto para a de formação. É sempre

de experiência que se trata. No entanto, a defesa da experiência pressupõe constrangimentos

no encontro com o texto ou com o material de estudo. Daí o destaque para a preposição entre.

Algo se passa entre (LARROSA, 2003, 2003b). Citamos:

Entender a leitura como invenção, como criação, como experimentação no sentido


que essa palavra tem nas ‘artes experimentais’, implica um rigor e uma exigência,
um ascetismo inclusive, que nada tem a ver com o individualismo brando e um
tanto preguiçoso de que cada um lê como lhe dá vontade (LARROSA, 2004,
p.340).

Três são os textos onde Larrosa reflete sobre o estudo: Imagens do estudar (2001,

2003a), Prólogo a nova edição do livro La experiência de la lectura (2003a) e Estudar,

Estudiar (2003b). Alguns se repetem, mas ao mesmo tempo se completam. Sobre estes textos

chama atenção a forma de escrita. Esta se aproxima mais de uma narrativa ou descrição do

que de um texto acadêmico. Contos e metáforas ajudam Larrosa a construir sua concepção do

estudo e do estudante. Outra coisa que nos faz pensar é que, apesar de constantemente
76

enfatizar a pluralidade e a multiplicidade do estudo, Larrosa apresenta uma descrição muito

precisa. 26

O estudante ao estudar, estuda. Não se prepara para provas ou realiza trabalhos,

estuda. Também não devaneia em pensamentos, estuda. O estudo é a sua única distração. Ele

não se lembra ou se preocupa com aquilo que o levou a estudar e nem tampouco com a

finalidade de seu estudo, apenas estuda. Algo se passa no estudo. Algo se passa entre o ler e o

escrever. A atenção tensionada ao máximo e um voltar-se para si mesmo são os gestos que o

autor identifica como convenientes ao estudante. O silêncio, por sua vez, seria o som do

estudo. Mas é preciso esclarecer que o silêncio do estudante não é um calar-se diante do

poder, mas um exercício de ascese, de desprendimento da verborragia, do excesso de cultura e

do excesso de si que impedem o estudo. O excesso de cultura e de si saturam as palavras,

estimulando respostas mecânicas e repetitivas. Ainda sobre o silêncio, ele aparece também na

figura do vazio, das margens e do fogo. Baseando-se em dois contos de M.Buber, o autor

defende a necessidade de pôr fogo aos livros e às palavras sábias. O elogio ao fogo não tem

nada a ver com o fogo da censura, mas refere-se à necessidade que todo o estudante tem de

em um momento específico criar para si um lugar. Como criar para si um lugar num espaço

no qual tudo já está escrito? Dito de outra forma: “O estudo só pode surgir no lugar em que as

respostas não saturam as perguntas, mas no lugar em que são, elas próprias, perguntas”

(LARROSA, 2003b, p.55). O estudo requer a criação de um espaço e de um tempo. Um

espaço que nada tem a ver com a extensão de lugares concretos e um tempo diferente do

tempo cronológico. O espaço do estudante é indeterminado, depende de seu estudo. Seu

tempo é o tempo presente. Larrosa vai mais além, propondo inclusive um jeito e um humor

que seriam adequados ao estudante: um jeito arisco e um humor melancólico. Isto porque o

estudante abandonou tudo aquilo que poderia tranqüilizá-lo, suas certezas, a certeza do saber

26
Aqui pedimos licença, pois na tentativa de aproximação da descrição de Larrosa, precisaremos muitas vezes
repetir algumas de suas palavras. No entanto nenhuma descrição é melhor do que a do próprio.
77

e, caminha instável no vazio. A descrição segue num ritmo envolvente e num tom poético.

Por tudo isso o estudante forma-se, deforma-se, transforma-se ao estudar. As provas, os

trabalhos, as certezas não pertencem ao estudo. O estudo não tem fim nem finalidade.

Apesar de belíssima e de muitas vezes fazer-nos reconhecer no lugar desse estudante,

é preciso admitir que se trata da descrição de um certo tipo de estudante e não do estudante

em geral. Talvez essa seja a descrição de uma forma de abordar o estudo como experiência, a

experiência de Jorge Larrosa. Ao falar sobre o estudo, o estudante e o estudar Larrosa parece

tomar sua própria experiência de estudo como base. Tal impressão nos surgiu na leitura do

prólogo da nova edição do livro La experiência de la lectura (2003a). É como se as suas

descrições sobre o estudar e o estudante fossem no fundo um relato em primeira pessoa de sua

experiência. Enfim, tal descrição nos remete a concepção de estudo tal como descrita por

Depraz, Varela e Vermersch e apresentada mais acima e se afirma como aquilo que estamos

chamando de potência do estudo.

A experiência de que fala Larrosa não tem nada a ver com a experiência que desejam

fomentar nos alunos os teóricos do estudo dirigido e da orientação do estudo. A diferença, a

nosso ver, está em que estes submetem a experiência ao desempenho nas tarefas. Apesar de

respaldados por pensadores como Dewey, os teóricos do estudo dirigido e da orientação do

estudo, ao enfatizarem em suas práticas uma performance ideal, acabam por esvaziar a

potência da experiência.

Encerramos com as palavras de Larrosa:

Estudar. Entre ler e escrever. Algo (se) passa. Perder-se em uma biblioteca em
chamas. Exercitar-se no silêncio. Habitar labirintos. Aprender a ler e a escrever
cada vez de novo. Defender a liberdade, a solidão, o desejo que permanece desejo.
Queimar o lido tão logo se leu e queimar o escrito tão logo se escreveu. Não ler
nem escrever nunca de tal forma que não se pudesse ler ou escrever de outra
maneira. Lembrar o futuro e caminhar em direção à infância. Não perguntar ao que
sabe a resposta, nem sequer a essa parte de si mesmo que sabe a resposta, porque a
resposta poderia matar a intensidade das perguntas. Fazer com que as perguntas
leiam e escrevam. Guardar fidelidade às palavras. Deslizar-se no espaço em
branco. Estudar. Sem por quê. Ser a gente mesmo o estudo. (LARROSA, 2003b,
p.115).
78

2.4- Estudo como tarefa VS Estudo como experiência: duas políticas

Ao final deste percurso, esperamos ter conseguido apresentar um panorama dos

estudos sobre o estudo e suas principais discussões. Vimos como o tema da experiência não é

estranho as discussões sobre o estudo. Pelo contrário, um estudo experiencial e ativo é o

objetivo da maioria dos estudos sobre o estudo, sobretudo a partir do século XX. As teorias de

Piaget e Dewey concorrem para isto. No entanto, nem sempre a experiência é contemplada

como tal, como “uma” experiência (DEWEY, 1980). Ou seja, como uma interação que

articula ação, padecimento e transformação. Como algo que não visa outra coisa senão o

próprio movimento com um ritmo preciso que possibilita, num tempo justo, que ocorra a

ação, que sejam sentidos seus desdobramentos e que depois, volte-se a agir, transformado

pelos efeitos daquilo que foi experienciado. As transformações fruto da “uma” experiência

não possuem destino pré-estabelecido. Desenham seu caminho a partir do vivido e sentido.

Muitas vezes então, o apelo à experiência nos estudos sobre o estudo representa apenas uma

estratégia de teorias e/ou autores para se contrapor ao estudo como práticas de repetição

mecânica e memorização. Dessa forma, submetem a experiência à resolução de tarefas e à

solução de problemas dados, contribuindo para transformar o estudo em performance. É

interessante perceber que ao submeter a experiência à tarefa, o estudar resta sendo

reprodução. Ao visar à tarefa, todos os problemas já estão dados. Nada novo é criado. As

respostas já são sabidas de antemão. Senão pelos estudantes que continuam estudando para

saber as respostas corretas, pelos professores. O apelo a Depraz, Varela e Vermersch, por um

lado e a Larrosa, por outro, nos parece fundamental. Permite delinear outro caminho nos

estudos sobre o estudo. Um caminho que recupera a proposta de Dewey, reintroduzindo a

“uma” experiência no estudo, fazendo do estudo uma experiência. Apenas assim o novo e a

diferença podem surgir nas práticas de estudo. Apenas dessa forma o estudante e o estudo

poderão sair transformados. É importante não perder de vista a advertência que Larrosa faz e
79

que aponta não apenas para a possibilidade de transformação, mas também de deformação no

estudo como experiência. Assumir a política cognitiva que coloca a experiência em primeiro

plano implica não apenas na possibilidade de transformação, mas também assumir o risco da

deformação. Deformação sendo entendida como um processo que nos lança em um

movimento sem fim. Nos termos de Dewey, a deformação seria não conseguir voltar à ação

depois do padecimento. Trata-se, portanto, de posicionamentos políticos distintos: permanecer

dentro das fronteiras seguras do já sabido ou trabalhar sobre os limites do saber, arriscando a

nos transformar, mas podendo também deformar. Em outras palavras privilegiar a segura

rigidez ou o imprevisível movimento. Entre a morte em vida ou a potência da vida

(SANCOVSCHI, 2009).

Gostaríamos de destacar o papel fundamental da atenção nas práticas de estudo e sua

contribuição para o estudo como tarefa ou o estudo como experiência. Os teóricos da

Universidade de Gotemburgo ao investigarem a experiência dos estudantes nas situações de

aprendizagem chegaram ao constructo Abordagem ao Estudo / Aprendizagem. Aí

distinguiram duas posturas que nomearam como superficial e profunda. Estas, por sua vez,

foram definidas em termos de foco da atenção. Se o foco é estreito, ou seja, se na realização

da tarefa o estudante foca em informações isoladas e específicas ele é classificado dentro da

abordagem superficial. Porém, se o foco é amplo, se o estudante preocupa-se em estabelecer

relações entre os assuntos tratados buscando a compreensão, então ele possui abordagem

profunda. Nos dois casos o estudo está a serviço da tarefa, a atenção trabalha focada. No

entanto no primeiro caso o foco é estreito e o efeito é a memorização enquanto no segundo o

foco é amplo e o efeito é a compreensão. Por outro lado, Dewey ao explicar a “uma”

experiência refere-se a necessidade de uma atenção que não se dispersa ou se distrai.

Poderíamos pensar que se trata novamente da defesa de uma atenção focada na tarefa. Porém,

a não dispersão ou distração nos parece ter mais a ver com o estabelecimento de uma ligação
80

íntima e imediata – nas palavras de Varela (1990), sem representação - entre aquilo que é

sentido e a ação, nas palavras do autor, entre aquilo que observamos e pensamos, entre aquilo

que desejamos e que alcançamos do que com a realização da tarefa em si. Neste sentido

relaciona-se mais com a concentração do que com o foco. Depraz, Varela e Vermersch

ajudam a entender a afirmação de Dewey ao proporem um “aprendizado da atenção”

(KASTRUP, 2004) através de práticas que conduzam a uma atenção concentrada e aberta.

Nesta mesma direção caminha a argumentação de Larrosa. Resumindo o papel da atenção nas

práticas de estudo: O estudo como realização de tarefas privilegia a atenção focada. O foco,

por sua vez pode ser estreito e amplo. Se estreito, relaciona-se a práticas de memorização, se

amplo, vincula-se a compreensão. Já o estudo como experiência trabalha com a atenção

concentrada, porém aberta. A abertura permite o acolhimento da experiência e o surgimento

do novo.

Uma vez dito isto avancemos em nossa tese. Lembramos que não se trata de um

trabalho teórico sobre o que é, ou o que deve ser o estudo, mas de uma investigação acerca

das práticas de estudo dos estudantes de psicologia na contemporaneidade. Dessa forma, o

estudo como tarefa ou o estudo como experiência serão pensados daqui para frente como

efeitos de práticas que por sua vez acreditamos estar marcadas pelo contexto contemporâneo.

Cabe agora investigar que práticas são estas e que tipo de relação com o estudo e consigo está

sendo produzida.
81

Capítulo 3

A cognição na contemporaneidade:

sobre o capitalismo cognitivo e a economia da atenção

Nossa investigação acerca das práticas de estudo dos estudantes de psicologia na

atualidade afirma-se a partir do assombro diante das mutações no mundo contemporâneo.

Conforme argumentamos na introdução a pergunta a respeito de como os estudantes estão

estudando hoje e, qual a relação que estão estabelecendo com eles mesmos e com o

conhecimento nesta atividade é feita tomando como pano de fundo as discussões a respeito da

contemporaneidade. Neste capítulo aprofundaremos esta questão concebendo a

contemporaneidade como momento de instauração e desenvolvimento do capitalismo

cognitivo. O termo capitalismo cognitivo é especialmente interessante, pois destaca o papel

fundamental da cognição para a nova economia. Certamente outro percurso poderia ser

traçado considerando a formulação do Capitalismo Mundial Integrado (CMI) desenvolvida

por F.Guattari no final dos anos de 1970 (GUATTARI, 1987). Os conceitos de CMI e o de

capitalismo cognitivo não se excluem, mas se atravessam, interpenetrando-se. No entanto o

segundo, na medida em que está ainda sendo desenvolvido, tem a vantagem de englobar as

considerações do primeiro e ir além 27. Sobre o CMI Guattari esclarece:

O capitalismo contemporâneo é mundial e integrado porque potencialmente


colonizou o conjunto do planeta, porque atualmente vive em simbiose com países
que historicamente pareciam ter escapado dele (países do bloco soviético, a China)
e porque tende a fazer com que nenhuma atividade humana, nenhum setor de
produção fique fora de seu controle (Ibid, p.211).

27
Para mais detalhes sobre o Capitalismo Mundial Integrado (CMI) cf. Guattari (1987); Guattari e Rolnik
(1986).
82

A importância da atenção aparecerá como um desdobramento do capitalismo

cognitivo, nos conduzindo a uma análise daquilo que tem sido nomeado como economia da

atenção.

3.1 – Capitalismo cognitivo: uma análise do contemporâneo

O capitalismo cognitivo surge como uma hipótese de trabalho desenvolvida por

pesquisadores como Maurizio Lazzarato, Antonella Corsani, Yann Moulier-Boutang, Carlo

Vercellone dentre outros (CORSANI, DIEUAIDE, LAZZARATO et. al., 2001). Embora não

seja de aceitação unânime, aos poucos vem ganhando espaço e se afirmando na medida em

que fornece entendimento para o momento presente. Em especial, a hipótese do capitalismo

cognitivo centra-se sobre as mudanças na economia, isto é, mudanças nos processos de

acumulação e de criação de valor. A idéia é que o momento atual não pode ser caracterizado

simplesmente como um desdobramento ou desenvolvimento do capitalismo industrial, mas

implica numa ruptura em relação a este: “A hipótese geral – já somos alguns a propô-la – é a

de que a longa crise atual, nomeada pelo termo ‘globalização’, traduz uma mutação radical e

estrutural do capitalismo, em que o pós-fordismo desemboca no capitalismo cognitivo”

(MOULIER-BOUTANG, 2003, p.37). Neste sentido teríamos o momento do capitalismo

mercantil, que se desenvolveu entre os séculos XVI e XVII e que tinha como base a

acumulação pautada sobre as trocas e o comércio e principalmente sobre o trabalho escravo.

Depois teria surgido o capitalismo industrial fundado sobre a acumulação do capital físico e

sobre a fábrica de produção em massa de bens padronizados. Com o capitalismo industrial

temos o surgimento e desenvolvimento do trabalho assalariado. E hoje estaríamos assistindo

ao aparecimento de outro tipo de capitalismo, baseado na acumulação de um capital imaterial

– o conhecimento - onde a difusão do saber desempenha um papel chave na economia e,


83

aonde o trabalho independente e autônomo vai aos poucos substituindo e transformando o

trabalho assalariado.

As discussões tecidas no Império por Hardt e Negri (2001) e a formulação do conceito

de trabalho imaterial (NEGRI e LAZZARATTO, 2001) tornaram possível o desenvolvimento

da noção de capitalismo cognitivo. A tese do Império de que a soberania assumiu uma nova

forma, não mais pautada sobre os Estados-nação, mas sobre uma composição de organismos

nacionais e supranacionais regidos por uma lógica única, está na base do capitalismo

cognitivo. Este não é específico de um país, sendo global. Isto não significa que se manifeste

da mesma maneira nas diferentes localidades. Vivemos um momento de transição e, como tal,

apresenta diferentes intensidades nas diferentes regiões:

A dinâmica social manifesta-se por tendências e ritmos de mudança diferentes, cuja


compatibilidade ou coerência são problemáticas. Em um sistema em mutação e no
qual o modo antigo de produção ainda é pregnante, a coerência das inovações e das
mudanças locais anuncia ou pré-figura o modo futuro (CORSANI, DIEUAIDE,
LAZZARATO et. al., 2001, s/p).

No Império não existem fronteiras e, conseqüentemente não existe mais fora. Apesar

da tese polêmica, o que Hardt e Negri procuram ressaltar é que nesta nova concepção de

mundo não existe um exterior de onde as lutas e as resistências poderiam ser travadas. Tudo é

imanente. A inexistência do fora não implica na impossibilidade de lutas, resistências e

transformações, mas exige que estas sejam realizadas por outros meios. Neste contexto surge

a aposta no poder constituinte da multidão (HARDT e NEGRI, 2005). A não fronteira diz

respeito também à forma de atuação do poder. Trata-se de um poder que opera em todos os

registros da ordem social, sendo a vida seu objeto de governo por excelência. O que está em

jogo no Império é aquilo que Michel Foucault chama de biopoder (FOUCAULT, 1999a).

O biopoder refere-se a um funcionamento do poder diferente tanto da soberania,

quanto da disciplina 28. A soberania representa um funcionamento do poder anterior ao século

XVII que se exerce sobre a terra e seus produtos. Sua finalidade é a apropriação de bens e de

28
Cf. Foucault (1999a; 1999b).
84

riquezas, permitindo transcrever em termos jurídicos, obrigações descontínuas e crônicas de

tributos. Ela fundamenta-se na existência física do soberano que detém o poder de fazer

morrer ou de deixar viver. A disciplina, por sua vez, desenvolve-se durante os séculos XVII e

XVIII. Trata-se de um mecanismo que incide sobre os corpos individuais através de uma

trama de coerções materiais. A disciplina, exercida continuamente através da vigilância,

permite extrair dos corpos, tempo e trabalho. Através do mínimo dispêndio de energia e de

poder, a tecnologia disciplinar produz o máximo de eficácia. Segundo Foucault (1999a) o

poder disciplinar foi fundamental na implementação do capitalismo industrial. Já o biopoder

desenvolve-se a partir da segunda metade do século XVIII e, como o próprio nome indica,

refere-se a um poder que atua sobre a vida e a população. Ele não exclui a disciplina, mas a

integra, modificando-a. Assim como a disciplina, ele visa o máximo de eficácia através do

mínimo dispêndio de energia e de poder. Porém, através da biopolítica, ele introduz

mecanismos mais sutis e racionais que aqueles da disciplina. Não se trata de coerções

corporais, mas de previsões, estimativas estatísticas e medições globais. Sua finalidade é a

regulamentação da vida da espécie humana. O objetivo é controlar e eventualmente modificar

a probabilidade de ocorrência de eventos fortuitos que podem acontecer a uma massa viva.

Como contraponto do poder soberano, o biopoder, através da biopolítica, faz viver e deixa

morrer. Para Foucault (Ibid, p.298) a disciplina e o biopoder constituem duas acomodações do

poder diante das transformações da sociedade, em especial da explosão demográfica e da

industrialização.

Para além de Foucault, Hardt e Negri (2001) e Lazzarato (2009) vão se debruçar sobre

os conceitos de biopoder e de biopolítica retrabalhando-os a partir do contexto

contemporâneo. O que ganha destaque em suas análises é a dimensão não apenas repressora,

mas principalmente produtora desse poder. Nos termos de Pelbart (2003) trata-se da

biopotência. Note-se que Hardt, Negri e Lazzarato reconhecem que já em Foucault estava
85

presente a dimensão produtora do biopoder. No entanto, segundo eles, Foucault não a

enfatizou devidamente. Assim, vão além e operam uma inflexão com a ajuda de Deleuze e

Guattari a partir da ressignificação do bios que compõe o biopoder e a biopolítica. Tanto para

Hardt e Negri quanto para Lazzarato o bios extrapola a dimensão materialista da vida

passando a incluir a vida como virtualidade e potência. Nossa atualidade cada vez mais chama

atenção para este fato:

O tempo da vida, no pós-fordismo, remete, não aos processos biológicos de que


nos fala Foucault, mas à ‘máquina-tempo’. Tempo de vida é também sinônimo da
complexidade das semióticas, das forças e dos afetos que participam da produção
da subjetividade e do mundo. Tempo da vida é também multiplicidade dos ‘atos-
sociais’ definidos como tendências e variações. Tempo da vida é o ‘tornar-se
minoritário’ das ‘subjetividades quaisquer’, não se define por sua ‘generalidade’,
mas por seu poder de singularização e de metamorfose. Tempo da vida é uma
definição do político que não remete mais à biologia, mas a uma política do virtual
(LAZZARATO, 2009, s/p).

Portanto o biopoder e a biopolítica no contexto do Império ou, nos termos do Deleuze

(2004), no contexto da sociedade de controle, afirma-se não apenas como o poder sobre a vida

biológica, mas, por um lado, como poder sobre a vida potência e, por outro, como potência da

vida. Apesar de o biopoder representar um tipo de funcionamento do poder que penetra nas

profundezas da consciência e dos corpos da população, tornando-se parte da vida, produzindo

e reproduzindo formas de vida (HARDT e NEGRI, 2001, p.43), ele, na medida em que incide

sobre a vida e não sobre uma massa inerte e passiva pode acabar por revelar a potência da

vida (PELBART, 2003, p.21).

Vale ressaltar – e neste ponto vemos nitidamente a herança deixada aos teóricos do

capitalismo cognitivo - que Hardt e Negri defendem como parte da proposta do Império que a

reconfiguração do poder é acompanhada por uma transformação nos processos produtivos.

Tal fato pode ser reconhecido na afirmação de Lazzarato citada acima. Esta relação entre

poder e produção não deve ser entendida como causa e conseqüência, mas como partes de um

mesmo processo. De acordo com os autores o papel da mão-de-obra industrial foi restringido,

dando lugar à mão-de-obra comunicacional, cooperativa e cordial. Daí a importância de um


86

poder imanente e que não necessite de uma vigilância permanente para se efetuar. Nos termos

dos autores essas mudanças na produção relacionam-se com a nova economia da informação

(HARDT e NEGRI, 2001, p.279) e com o aparecimento do trabalho imaterial. Citamos:

A construção dos caminhos e limites desses fluxos globais tem sido acompanhada
por uma transformação dos próprios processos produtivos dominantes, com o
resultado de que o papel da mão-de-obra industrial foi restringido, e em seu lugar
ganhou prioridade a mão-de-obra comunicativa, cooperativa e cordial. Na pós-
modernização da economia global, a produção de riqueza tende cada vez mais ao
que chamaremos de produção biopolítica, a produção da própria vida social, na
qual o econômico, o político e o cultural cada vez mais se sobrepõem e se
completam um ao outro (Ibid, p.13).

O conceito de trabalho imaterial é formulado no contexto das discussões sobre a

reestruturação produtiva ocorrida em função da transição do fordismo para o pós-fordismo.

Ele opera dentro de um referencial marxista 29, embora também inclua contribuições de

pensadores como M. Foucault. O trabalho imaterial opõe-se ao trabalho material em ação nas

fábricas (regime fordista-taylorista). Enquanto o trabalho material caracteriza-se pela

cooperação fruto da divisão do trabalho, onde o que está em jogo são atividades repetitivas

que mobilizam principalmente a força física e, cujo objetivo é a reprodução dos produtos –

bens materiais -, o trabalho imaterial envolve a cooperação dinâmica baseada na circulação da

informação e privilegia processos de invenção e de criação, mobilizando especialmente as

funções cognitivas. É preciso ressaltar que não se trata da invenção ou da criação de uma

pessoa em especial, mas de uma rede social, que em sua cooperação dinâmica, torna-se

criadora. O trabalho imaterial não existe senão sob a forma de rede e fluxos. As novas

tecnologias da informação e comunicação (NTIC) desempenham um papel chave nesta

circulação e criação. Além disto, as NTIC, na medida em que são usadas, perturbam as

fronteiras entre quem é o produtor e quem é o consumidor. Elas são ao mesmo tempo

ferramentas de trabalho e objetos de consumo, suas funções não são pré-determinadas fazendo

29
A noção de trabalho imaterial é desenvolvida no contexto da corrente neomarxista italiana da década de 1960
nomeada operaismo. O operaismo representou um movimento não apenas teórico mas também de atuação social
e político que se desenvolveu na Itália entre o final dos anos de 1950 e início de 1970 (LAZZARATO e NEGRI,
2001).
87

com que os usuários tornem-se também produtores. Por isso é cada vez mais difícil a

distinção entre o tempo da produção e o tempo do lazer. A partir de agora a produção envolve

todo o ciclo reprodução-consumo. Diz-se, portanto, que o trabalho imaterial envolve uma

atividade abstrata, cada vez mais intelectualizada que implica não mais ou não somente a

força física, mas também e principalmente a subjetividade através das funções cognitivas.

Ao trabalho imaterial corresponde uma intelectualidade de massa – o “cognitariado”

(LAZZARATO, 2006) - cuja característica é não depender da organização do trabalho e da

divisão de classes para impor sua força. É sobre sua autonomia que eles estabelecem a relação

com o capital. Nasce assim um processo de subjetivação diferente daquele dos operários das

fábricas. O que está na base deste novo processo são a independência e a autonomia e não a

disciplina. Trata-se de um processo de subjetivação característico do biopoder. O biopoder

pressupõe a autonomia dos sujeitos para se exercer. É importante chamar atenção, então, para

o fato de que a liberdade e a tão defendida autonomia da atualidade se inscrevem dentro da

lógica do biopoder e da biopolítica. Tendo em vista esta autonomia é que Hardt, Negri e

Lazzarato defendem que o biopoder pode também desdobrar-se em biopotência. Assim, o

novo processo de subjetivação que dá margem à afirmação de relações de trabalho

revolucionárias, vem também articulado com uma nova forma de controle. O poder é

introjetado passando a controlar de dentro através da modulação das funções cognitivas e da

subjetividade.

Dessa maneira, o trabalho imaterial procura dar conta das especificidades do trabalho

numa economia da informação. Ainda não se fala aí de um novo capitalismo, mas

simplesmente numa mudança da economia. É justamente esse o passo dado pelos teóricos do

capitalismo cognitivo. Embora eles incluam em suas discussões questões relacionadas ao

Império e, sobretudo, ao trabalho imaterial, é preciso ir além. Não basta falar de uma

economia da informação e continuar operando dentro de um referencial do capitalismo


88

industrial. Como explicar o processo de acumulação e valorização dos produtos quando estes

deixam de ser bens materiais e passam a ser conhecimentos? Como dar conta de uma

produção que trabalha com a lógica da invenção?

O capitalismo cognitivo surge como uma forma histórica emergente, que rompe com o

capitalismo industrial na medida em que visa qualificar um novo regime de acumulação

pautado não mais sobre produtos, mas sobre o conhecimento. É preciso destacar, conforme

argumenta Rullani (2000), que a ligação entre economia e conhecimento não é uma novidade

do nosso tempo, sendo própria do capitalismo. Desde a revolução industrial que o

conhecimento foi incorporado ao processo de produção, seja através da técnica de controle da

natureza – máquinas – seja através da técnica de controle dos homens dentro das fábricas -

disciplina 30. No entanto, tratava-se até então de um sentido bastante restrito de conhecimento

vinculado a uma otimização do processo produtor que produz algo diferente do próprio

conhecimento. O que é novo hoje e exige que se pense num terceiro momento do capitalismo

é que o conhecimento produzido tornou-se desincorporado. No capitalismo cognitivo o que

está em jogo é um conhecimento que produz conhecimento e, não mais um conhecimento que

produz coisas. A noção de capitalismo cognitivo transborda a esfera produtiva, instaurando

uma nova dinâmica econômica que inclui como fonte de acumulação não apenas a parte

reprodutora da ação – as mercadorias – mas também a parte criadora e inventiva. Aquilo que

era externalidade, que era exceção no antigo sistema de produção – a invenção - passa a ser

incluído como fonte de acumulação, ocupando lugar central. Em função desta redefinição a

própria atividade de consumo é modificada, confundindo-se com a produção, pois no

capitalismo cognitivo a atividade de consumo inclui uma dimensão ativa e criadora. Exemplo

disto é o uso criador que se pode fazer dos computadores pessoais. Aliás, as NTIC assumem

papel de destaque neste processo de produção de conhecimento por conhecimento. Conforme

30
A esse respeito, os escritos de Simone Weil acerca da condição operária são bastante ilustrativos cf. Bosi,
(1979).
89

já ressaltamos quando apresentamos a noção de trabalho imaterial as NTIC potencializam

através de suas estruturas e modos de uso a cooperação e a circulação fundamentais para a

nova concepção de acumulação. No entanto, os teóricos do capitalismo cognitivo (CORSANI,

DIEUAIDE, LAZZARATO et. al., 2001) advertem que o progresso técnico e científico não

pode ser concebido como causador das mutações a que assistimos. Estes pensadores

trabalham com uma concepção de sociedade auto-regulada, portanto a relação entre

capitalismo cognitivo e desenvolvimento tecnológico é entendida como uma co-evolução que,

ao se fazer, modifica a todos que nela estão envolvidos 31.

O conhecimento não é uma mercadoria como as outras e é isto que a idéia de produção

de conhecimento por conhecimento coloca em relevo. Houve um momento – durante o

capitalismo industrial – em que o conhecimento estava submetido à lei da repetição e à

produção de mercadorias e então seu processo de valorização era submetido ao processo de

valorização das mercadorias. No entanto, cada vez mais o conhecimento se desincorpora dos

suportes materiais, desequilibrando as teorias do valor existentes – marxistas e liberais –

exigindo novas formulações. Este é o desafio contemporâneo que mobiliza diversos

pensadores, dentre os quais destacamos Maurizio Lazzarato e sua tentativa de recriar uma

teoria do valor com base na contribuição de Gabriel Tarde. Esta tarefa tem início em seu livro

Puissances de l’invention (2002) quando defende a psicologia econômica de Tarde em

oposição a tradicional economia política como referencial para pensar a sociedade e a

economia de nosso tempo. Depois, em As revoluções do capitalismo (2006) Lazzarato já

operando com o referencial tardeano, argumenta que a grande vantagem de Tarde é que ele se

filia às filosofias do acontecimento e não às filosofias do sujeito como K.Marx. Lazzarato

31
Vale destacar a diferença entre essa forma de conceber a auto-regulação daquela dos teóricos dos estudos
sobre o estudo que visam orientar os estudos dos alunos através do ensino de competências auto-regulatórias.
Aqui a auto-regulação representa uma co-criação. Aproxima-se do conceito de autopoiese (MATURANA e
VARELA, 1995). Lá, ao contrário, a auto-regulação afirma-se como um processo controlado pelo sujeito. Aqui,
a auto-regulação traz imprevisibilidade. Lá a auto-regulação é justamente aquilo que permite chegar ao resultado
ótimo.
90

rompe com a tradição marxista o que o leva a desconsiderar o trabalho como categoria

econômica central. Neste contexto a própria distinção entre trabalho material e imaterial que

ele formulou junto com Negri (LAZZARATO e NEGRI, 2001) perde força e importância.

Gabriel Tarde é um pensador francês do final do século XIX, que escreveu sobre

diferentes campos do saber tais como criminologia, filosofia, sociologia, “interpsicologia”,

economia, política, estética e opinião pública. Apesar da heterogeneidade de campos e de

temas, uma idéia central atravessa seus textos: trata-se de uma concepção microssociológica

da constituição do social (DELEUZE, 2006, p.120). Ao invés de tomar o social e suas

semelhanças como a prioris, Tarde problematiza-os. Ele vai interessar-se pelo infinitesimal:

“Não há como parar nessa ladeira que leva ao infinitesimal, que devém, fato certamente

inesperado, a chave de todo o universo” (TARDE, 2003, p.24). E ainda: “A fonte, a razão de

ser, a razão do finito, do segmentado, está no infinitamente pequeno, no imperceptível” (Ibid,

p.24). A microssociologia não se refere aos indivíduos. Vargas explica:

É preciso ter em vista que nessa passagem do macro ao micro não está em jogo
apenas uma mera mudança de escala. O micro não é uma simples miniaturização
dos fenômenos macrossociais, nem se confunde com o plano dos indivíduos, mas
constitui outro domínio, um domínio irredutível que instaura novos tipos de relação
(VARGAS, 2000, p.199).

Para Tarde o social não é constituído por sujeitos e objetos, mas por relações ou por

cooperações. Vale destacar a presença da filosofia leibniziana em seus textos. É ela, através

do conceito de mônadas, que permite que seja formulada uma concepção de social não

dicotômica, mas múltipla. Sujeitos e objetos são efeitos de relações e não fundamentos. Uma

das metáforas utilizadas por Tarde para se referir ao social é a do cérebro. A sociedade sendo

um grande cérebro coletivo composto por cérebros individuais que funcionariam como

células.

Apoiado em Tarde, Lazzarato explica o valor como resultado da cooperação

intercerebral, de forças como o desejo e a crença, e não como derivado da divisão do trabalho:
91

Tarde que colocou os fundamentos de um modo de ler o fenômeno econômico a


partir do ‘sistema da diferença’. Tarde fez do poder de criação dos homens, no
momento em que eles co-produzem compondo suas diferenças segundo uma lógica
imanente à sua cooperação simpática, a chave mestra de sua ‘psicologia
econômica’. Ao invés de partir do assujeitamento das forças sociais à divisão
capitalista do trabalho, a psicologia econômica supõe sua cooperação autônoma e
independente, e sua potência de criação, como prévio ontologicamente e
historicamente à valorização econômica e à divisão do trabalho (LAZZARATO,
2002, p.8).

Tarde afasta-se da dialética de Hegel e, como defende Lazzarato, afasta-se também da

concepção econômica de Marx. Contra a lógica da contradição, propõe a lógica da

multiplicidade. A vida caminha por invenções e imitações sem que isto implique qualquer

força transcendental. Invenções e imitações são imanentes ao viver: “A invenção é uma co-

criação em que se engaja uma multiplicidade de mônadas, uma co-criação que é sempre uma

captura recíproca entre mônadas: captura dos cérebros, dos desejos, das crenças que circulam

pela rede” (LAZZARATO,2006, p.44). Sobre a invenção e a imitação, Lazzarato explica: Por

invenção entende-se uma operação de desvio em relação a hábitos constituídos, produzindo

novos modos de agenciar desejos e crenças. Já a imitação dá consistência à invenção na

medida em que a faz perpetuar pela repetição.

É a partir desta dupla de conceitos – invenção e imitação – que Lazzarato recoloca os

problemas da economia e vê alternativas para pensar a economia contemporânea:

Do ponto de vista econômico a invenção e a imitação não reenviam à raridade,


mas à irradiação mútua. Aquele que inventa não priva os outros de nada, ao
contrário; e aquele que imita se apropria daquilo que copia sem, contudo, retirar
isso do outro. Ações com rendimentos crescentes, dizem os economistas (Ibid,
p.17).

O critério de raridade não é suficiente para dar conta do problema econômico. A

economia em Tarde inclui o que tradicionalmente seria extra-econômico: a dimensão social,

afetiva, cognitiva e comunicacional das relações interpsicológicas. Em função disto, a

invenção passa a fazer parte do ciclo econômico. Não a invenção de produtos, ou a invenção

de novas soluções, mas a invenção em sua radicalidade, a invenção como um processo de

diferenciação: “Tarde coloca no centro da análise do fenômeno econômico não o trabalho ou


92

a utilidade, mas a vida enquanto diferença, heterogeneidade e sua potência de invenção

enquanto dinâmica da cooperação entre cérebros” (Ibid, p.74). Estas idéias caminham ao

encontro das questões colocadas pela hipótese do capitalismo cognitivo onde o conhecimento

se destaca como um bem de tipo especial:

Os conhecimentos são bens cujas propriedades se opõem ponto por ponto às


características dos mercados materiais. Conhecimentos, opiniões, sentimentos
estéticos, paixões são bens ‘ininteligíveis, inapropriáveis, intangíveis e
inconsumíveis e, por definição, divididos e valorizados na medida em que são
colocados no terreno comum, enquanto mercadorias são bens tangíveis,
apropriáveis, cambiáveis e consumíveis (Ibid, p.150).

Lazzarato, a partir de um agenciamento com o pensamento de Gabriel Tarde, procura

dar conta do desenvolvimento e funcionamento do novo capitalismo, o capitalismo cognitivo.

Assim, destaca novas forças em jogo na economia como é o caso do desejo, da crença, da

cooperação intercerebral, da invenção e da imitação. Ele faz ver que a questão do

conhecimento não é estranha à produção econômica. E, com Tarde, reflete sobre a

singularidade do conhecimento como um tipo específico de produto.

No entanto a análise de Lazzarato e, de um modo geral, de todos os teóricos do

capitalismo cognitivo, por se fazer no campo da economia, deixa de lado questões que para

nós psicólogos chamam atenção. Se do ponto de vista da economia é suficiente a afirmação de

que o conhecimento é um tipo de bem, de produto singular que “se opõe ponto por ponto às

características dos mercados materiais”, do ponto de vista da psicologia não é assim. Quando

trabalhamos, como é o nosso caso, com uma concepção de cognição radicalmente

construtivista, o conhecimento pode assumir tantas formas quanto forem as práticas. Trata-se

do problema das políticas cognitivas. O conhecer envolve uma posição em relação ao mundo

e a si mesmo. Neste sentido, é preciso insistir: Que cognição é esta que está se constituindo

em tempos de capitalismo cognitivo? Qual a relação que estamos estabelecendo conosco e

com o conhecimento? E aí surgem questões importantes.


93

O capitalismo cognitivo articula-se com a presença de um tipo de tecnologia – as

NTIC – e um certo funcionamento do poder – o biopoder - no sentido de promover a criação e

invenção de cada vez mais e diferentes conhecimentos. As funções mentais que, embora

sempre tenham estado presentes nos trabalhadores, assumem a partir de agora lugar de

destaque na medida em que são elas que produzem. Portanto, são elas que devem ser

controladas e moduladas de modo a, por um lado criar e, por outro, gerar mais produção.

Diferente do capitalismo industrial, que controlava a produção através da disciplinarização de

seus trabalhadores, controle esse que se fazia, sobretudo, através de coerções corporais, o

capitalismo cognitivo controla através de um poder interiorizado, modulando as funções

cognitivas que por sua vez produzem subjetividade:

Para o poder, o problema não é mais o de aprisionar o fora e disciplinar as


subjetividades quaisquer (depois de tê-las apartadas do virtual e da criação). Como
tanto o fora e a potência de proliferação da diferença rompem o regime de
encerramento, essas forças podem apenas ser moduladas. Não se trata, portanto, de
discipliná-las em um espaço fechado, mas de modulá-las em um espaço aberto
(Lazzarato, 2006, p.72).

Lazzarato (2006) apoiando-se nas contribuições não apenas de Tarde, mas também de

Bergson, defende ser a energia intensiva da memória, ou seja, a atenção, o que entra em jogo

na produção criativa, ou seja, na produção de conhecimento por conhecimento:

Segundo Tarde, sem memória, sem essa força – uma duração que conserva -, sem
essa seqüência fecunda que contrai o antes no depois, não existiria o sensível, a
vida, o tempo, a acumulação e, portanto, não haveria agregação. Para Bergson,
primeiro ‘discípulo’ de Tarde, sem esta duração, o mundo estaria condenado a
recomeçar a todo o momento. O mundo seria um presente que se repetiria
indefinidamente, sempre igual a si mesmo. A própria matéria não seria possível
sem esta duração. A criação e a realização do sensível pressupõem a atividade da
memória e da atenção, e sua potência de atualização e de repetição (Ibid, p.82-83).

As empresas contemporâneas querem a criação ou a invenção, mas apenas na medida

em que conduzam a uma maior produtividade e ao lucro. Nos termos de Rolnik (2003) trata-

se da invenção cafetinada pelo capital. Citamos:

O destino da potência de criação, dissociada do acesso ao corpo vibrátil e separada


do afeto político é formar um manancial de força de trabalho de invenção “livre” –
liberdade aqui consistindo em estar inteiramente disponível para ser
instrumentalizada pelo mercado, ou seja, para ser cafetinada pelo capital, e
94

corresponde a um estado de impotência para apropriar-se desta força e investi-la. É


precisamente esta força de invenção ao mesmo tempo intensificada e dissociada
que o capitalismo contemporâneo descobriu como um manancial inteiramente
virgem para explorar e dele extrair mais valia, fenômeno que Toni Negri e cia
detectaram e circunscreveram (Ibid, p.5).
Kastrup (1999, p.15-17), por sua vez, desfaz este paradoxo contemporâneo

diferenciando a criação da criatividade. Afirma que a criatividade é uma forma limitada de

colocar o problema da criação. A criatividade reduz a criação a uma habilidade ou

desempenho, trabalhando a serviço da solução de problemas dados. Em nossos termos a

criatividade estaria voltada para a tarefa. Ela limita-se a criar novas soluções para os

problemas que a sociedade ou a empresa propõe, não conduzindo a criação às últimas

conseqüências. Nas palavras da autora:

Os estudos de criatividade não chegam a identificar no seio da cognição uma


potência de criar problemas e de divergir em relação aos interesses da sociedade.
Por isso, acabam por subsumir a função de criação, em sua natureza imprevisível, a
uma finalidade bem determinada, a solução de problemas (Ibid, p.17).

Desse modo, pensando com Kastrup, o que estaria em jogo no capitalismo atual é

muito mais a criatividade do que a criação. Trata-se de uma criação efetuada dentro de

padrões e limites pré-estabelecidos que visa resolver problemas dados. Aí, segundo Lazzarato

(2006), a atenção e a memória desempenham um papel fundamental. Para o autor, a atenção e

a memória são os processos cognitivos que as forças do capitalismo mais mobilizam: “A

memória, a atenção e as relações pelas quais elas se atualizam tornam-se forças sociais e

econômicas que devem ser capturadas para que se possa controlar e explorar o agenciamento

da diferença e da repetição” (Ibid, p.84). A atenção sendo, portanto, um processo que permite

criar, mas também controlar a criação. Note-se que a atenção sempre foi um processo

cognitivo importante para o capitalismo (CRARY, 1999; WEIL, 1979). Porém se antes a

potência de criação da atenção era sufocada através da disciplina com vistas ao aumento da

produtividade e do lucro, hoje ela é colocada em cena. No entanto, a idéia não é deixá-la livre,

mas controlá-la através da modulação. A situação contemporânea é extremamente paradoxal.

A atenção e a memória ganham destaque na medida em que permitem a criação. No entanto,


95

como para o capitalismo o que interessa é apenas a criatividade, ou seja, uma criação que

favoreça ao aumento da produtividade e do lucro, que seja rentável, então a atenção e a

memória não podem trabalhar totalmente livres. Precisam ser capturadas a fim de que a

criação oriente-se no sentido desejado. Assim quando nos perguntamos sobre que cognição é

esta que está se constituindo em tempos de capitalismo cognitivo, isto é, como os estudantes

estão estudando na contemporaneidade, as proposições de Lazzarato sugerem que algo deva

estar em mutação fundamentalmente no que diz respeito à atenção e, em especial à atenção

como potência de criação. Note-se que a potência de criação da atenção vincula-se aquilo que

no último capítulo nomeamos de estudo como experiência. Neste sentido, seguindo a

argumentação de Lazzarato e os teóricos do capitalismo cognitivo, sugerimos que algo deve

estar em mutação em relação ao estudo como experiência. Que tipos de funcionamentos

atencionais estão sendo produzidos nas práticas de estudo contemporâneas?

E9 ao relatar uma de suas práticas de estudo, revela um estudo acoplado com as NTIC

e em circulação. Percebemos dessa forma um funcionamento da atenção que se mantém fixo

na tarefa, portanto focado, mas que não dura muito tempo, dificultando a experiência: [...]Eu

fui pro computador, abri o arquivo que já tinha a metodologia, né? Já tinha o espaço pra

introdução. Abri, foi a primeira coisa que eu fiz – foi abrir aquele arquivo. Depois eu deixei

meu e-mail aberto, abri o Google. [...] Porque o arquivo tava no e-mail. Aí o Google, aí

digitei várias formas: ‘tarefa de seleção de Wason 32 e contrato social’; ‘ contrato social e

Wason’; ‘artigos acadêmicos sobre tarefa de seleção de Wason’; Ida Cosmos, não sei o quê,

o nome dos autores que o professor tinha indicado. Fui abrindo várias janelas. Aí fui lendo:

‘Ah! Isso serve; isso não serve; isso serve; isso não serve’. Aí deixei aberto alguns artigos e

fui tentar montar o texto. Não me saí muito bem porque eu tava muito confusa algumas coisas

na minha cabeça, porque era muita informação. Às vezes me dá uma agonia quando tem

32
A tarefa de seleção de wason foi proposta em 1966 por Peter Cathcart Wason. Ela visa examinar o raciocínio
hipotético-dedutivo através de condicionais do tipo “Se P, então Q”. Para mais detalhes cf. Wason (1966).
96

informação demais. [...] E me deu agonia, porque, assim, o que a professora tinha me dito

era que tinha a tarefa de seleção de Wason, que tinha um cara que tinha inventado isso, que

não sei o quê, que tinha testado e que tinha essa Ida Cosmos que tinha feito isso com o

contrato social. Só que nesse meio do caminho tinham vários autores que fizeram a tarefa de

seleção de Wason com várias outras variações. [...] Então várias coisas no meio do caminho.

Então eu enlouqueci quando eu comecei a ler tudo que eu: ‘Putz! Como é que eu vou explicar

isso tudo em um texto de duas páginas?’, porque a professora queria mais ou menos duas

páginas. Eu fiquei doida. Aí, assim, fiz um parágrafo tipo iniciando assim, jogando,

resumindo assim: ‘Ah, os seres humanos são racionais, não sei o quê e tal. Existe... Como

funciona a lógica humana, não sei o quê’, levantando o problema. Mandei pra N[colega que

deveria fazer o texto com E9]: ‘N toma aqui que o filho é teu!’. Aí ela construiu, me mandou

de volta e eu refiz o que ela fez, porque algumas coisas que ela fez tavam meio

desencadeadas, faltavam coisas, aí eu fui completando. Aí a gente levou pra professora, ela

escreveu... riscou algumas coisas, escreveu outras.

3.2 – Economia da atenção: outra perspectiva

[...] Sim. A vida de estudo é você saber lidar com isso sim. É você saber o que...é você

escolher o que é que você vai ler determinada coisa, é... às vezes é você escolher o que é que

é melhor: se é você assistir determinada aula, ou você em casa descansar ou mesmo estudar,

é...ou até mesmo você conciliar: o que é que é mais importante é você assistir a determinada

aula de uma disciplina, ou assistir uma palestra, um evento tal no mesmo horário. (E7).

Por um caminho diferente daquele traçado pelos teóricos do capitalismo cognitivo e

em especial por Lazzarato, alguns autores, como por exemplo, Pierre Lévy (2004), Thomas
97

Davenport e Jonh Beck (2001) e, Michael Goldhaber (1997), a partir de diferentes campos 33,

têm defendido a proposta de que estamos vivendo numa economia da atenção.

Com base na definição de economia como estudo de como a sociedade usa seus

recursos escassos esses teóricos sugerem que saímos da economia da informação para entrar

numa economia da atenção. O que está cada vez mais raro não é a informação, mas a atenção.

O problema não é mais aquele do acesso à informação, mas principalmente, diante de tanta

informação como e onde investir a atenção e, por outro lado, como chamar atenção para si?

Cabe observar que esses teóricos recorrem às teorias psicológicas para corroborar a tese de

que a atenção é um bem escasso e que a possibilidade de prestarmos atenção a muitas coisas

ao mesmo tempo - isto que tem sido chamado de capacidade de multitarefa 34 - é limitada.

Como conseqüência, embora a economia da atenção ressalte a importância da atenção na

contemporaneidade, o que está em questão é muito mais o prestar atenção – marca das teorias

psicológicas - do que a potência de criação da atenção – a atenção como energia intensiva da

memória. É muito mais a atenção envolvida na realização de tarefas que aquela que permite a

criação e a experiência. Desse modo a proposta da economia da atenção ao mesmo tempo se

aproxima e afasta daquela do capitalismo cognitivo e, em especial de Lazzarato.

Davenport e Beck (2001, p.3) ao refletirem sobre as implicações da atenção para o

mundo empresarial afirmam: “Os problemas para as pessoas de negócio residem em ambos os

lados da equação atencional: como capturar e prender a atenção de consumidores, operadores

de mercado, empregados potenciais e, como dividir sua própria atenção face ao excesso de

opções”. Defendem que entender e gerenciar a atenção torna-se cada vez mais importante

para o sucesso tanto dos negócios quanto pessoal. Caliman (2006) refere-se ao aparecimento

33
Pierre Lèvy (2004) trabalha a economia da atenção a partir de uma perspectiva filosófica, sociológica e
política, enquanto Davenport e Beck (2001) e Goldhaber (1997) focam mais nas conseqüências empresariais.
34
O termo multitarefa nasce no cenário tecnológico para se referir à capacidade que alguns sistemas possuem de
processarem simultaneamente informações. Atualmente tem sido empregado também para nomear a capacidade
dos seres humanos realizar muitas coisas ao mesmo tempo. O artigo de C.Wallis publicado na revista Time em
2006 tenta, entre outras coisas, explicar no que consiste a capacidade multitarefa. O artigo cujo título sugestivo é
The multitasking generation está disponível em http://www.time.com/time/magazine.
98

da figura antropológica do “eu empreendedor” que é no fundo um “gestor de si”. A história

dessa figura tem inicio, segundo a autora, nos anos de 1970 com as modificações no mundo

do trabalho que visavam a uma maior democratização. O trabalhador deixava de ser

concebido como organismo psicofísico ajustável ao ambiente de trabalho para ser pensado

como indivíduo singular, ativo, motivado que busca realização pessoal e existencial no

trabalho. Destacamos que estas mudanças operam-se no sentido da necessidade econômica de

aumento da produtividade. Enfim, a figura do “eu empreendedor” atravessa os anos de 1980 e

1990, chegando até nós, quando o que ganha destaque é o manejo eficiente da atenção com

vistas à obtenção de lucro. Por manejo eficiente da atenção entende-se por um lado saber

direcionar a atenção para as informações mais relevantes, saber o que fazer com elas e, por

outro, saber chamar atenção para si e/ou para a empresa e produtos. A gestão da atenção é,

portanto, um dos principais desafios dos empreendedores atuais.

Davenport e Beck (2001) alertam para o fato de que o não gerenciamento da atenção

ou, um gerenciamento ineficiente, têm custos tanto para os indivíduos quanto para as

organizações. Propõem então que se conceba, através de um paralelo com o problema

individual, uma “Desordem de Déficit de Atenção (ADD) organizacional” (Ibid, p.7). É

curioso notar que para esses autores o “ADD organizacional” seria uma situação inerente ao

contexto atual das organizações. Segundo eles, todos nós entendemos do problema do déficit

de atenção em algum nível na medida em que o vivenciamos diariamente (Ibid, p.6) 35. A

questão passa a ser como gerenciá-lo. Os principais sintomas do ADD organizacional seriam:

aumento da perda de informações chaves para a tomada de decisão; tempo reduzido para

refletir ou fazer qualquer coisa que não seja simplesmente transações informacionais como e-

mail e correio de voz; dificuldade de prender a atenção de terceiros; diminuição da habilidade

35
Vale notar que para estes autores o déficit de atenção aparece antes como uma manifestação do contexto
contemporâneo que como uma patologia.
99

de focar quando necessário. Defendem que conceber o “ADD organizacional” é importante,

pois só assim um tratamento pode ser efetuado, evitando maiores problemas para a instituição.

No contexto das discussões sobre a economia da atenção as NTIC e em especial a

Internet também ganham destaque. A Internet ao mesmo tempo, multiplicou infinitamente a

quantidade de informação disponível, inventou novas possibilidades de comunicação e,

tornou possível que todos possam potencialmente se tornar visíveis, passíveis não apenas de

atentar, mas também de receberem atenção. Goldhaber (1997) chega a afirmar que a

economia da atenção é a economia natural do ciberespaço.

Lévy (2004), ao refletir sobre a movimentação da atenção na rede, destaca um aspecto

que passa despercebido nas análises de Davenport e Beck (2001) e na de Goldhaber (1997).

Segundo ele, o movimento da atenção reflete nossos desejos e de algum modo orienta a

economia:

Materializada por fluxos de visita nas páginas da web e taxas de participação nas
comunidades virtuais, a atenção coletiva se abre, desce, desloca-se, divide-se em
milhões de canais e correntes largamente distribuídas no espaço virtual de
significações de uma humanidade em via de unificação. A atenção viva e
multiforme dos humanos traça um movimento fractal cada vez mais denso e rápido
no ciberespaço. Esse movimento desenha a imagem virtual, labiríntica,
hipertextual, multidimensional e viva do que queremos, do que procuramos
coletivamente. O espaço da atenção coletiva se abre cada dia mais à extraordinária
diversidade do que pode interessar à humanidade (LÉVY, 2004, p.179-180).

A partir dessa premissa sugere uma política de atuação frente à economia da atenção.

É preciso prestar atenção para aquilo que atentamos! Aí reside a diferença da análise de Lévy.

Ao se debruçar sobre a economia da atenção ele se preocupa em destacar como podemos atuar

nessa economia no sentido de transformar o mundo em um espaço melhor para se viver:

Mas em vez de tentar atrair a atenção dos outros ou de deixar a nossa ser conduzida
por especialistas da hipnose coletiva e da prestidigitação, podemos nos dar conta de
que é a nossa atenção que forja e faz crescer o mundo que nos engloba, que temos
assim em nós mesmos a fonte de poder e que nos falta apenas tomar posse dela
(Ibid, p.183).

Apesar de importante e interessante, a proposta de Lèvy não é simples de ser

praticada. Como o próprio autor reconhece, a atenção é existencializante. A nosso ver a


100

transformação só seria possível caso algo no funcionamento atencional regular produzisse

estranhamento, causando uma bifurcação. Para isso seria importante pensar a atenção não

apenas como o faz a economia da atenção, como “prestar atenção”, como uma atenção que

visa tarefas dadas, mas também como potência de criação – característica da atenção

ressaltada pelos teóricos do capitalismo cognitivo e, em particular, por Lazzarato. A atenção

como potência de criação pressupõe uma subjetividade aberta aos encontros que, por sua vez,

favorece experiências de bifurcações, produzindo novas subjetividades. De todo modo, a

proposta de Levy permite ver que por meio da atenção podemos ser capturados pelas forças

do capitalismo atual, mas também evitar tal captura.

3.3 – Do capitalismo cognitivo à economia da atenção: a atenção em questão na

contemporaneidade

Lazzarato, baseado em Gabriel Tarde, defende que o critério de raridade não é

suficiente para dar conta do problema econômico. Já os teóricos da economia da atenção

continuam trabalhando com um referencial que pensa a economia como gerenciamento da

raridade. Para além dessa diferença – que não é pequena e que traz desdobramentos

importantes -, todos concordam que a função cognitiva da atenção tem sido alvo de maciços

investimentos pelas forças capitalistas, enfatizando o importante papel das NTIC. Na

contemporaneidade, a atenção produz. Por isso ela é cada vez mais desejada, tornando-se alvo

de técnicas de gerenciamento que visam à eficiência. Por eficiência leia-se aumento nos

lucros e na produtividade. Dessa forma acreditamos que os teóricos da economia da atenção

reiteram por outras vias a afirmação de Lazzarato de que é a atenção o processo cognitivo

mais mobilizado na contemporaneidade. Os primeiros enfatizam que é a capacidade limitada

da atenção que está em questão, enquanto o segundo defende que se trata de sua potência de

criação. No entanto, conforme argumentamos a criação está perdendo espaço para a


101

criatividade. Em outras palavras a tarefa está ganhando cada vez mais destaque. Dessa forma,

apesar das diferenças que separam a proposta do capitalismo cognitivo da economia da

atenção, o resultado é próximo. Portanto é principalmente sobre a atenção que vamos nos

concentrar daqui para frente em nossa investigação acerca das práticas de estudo dos

estudantes de psicologia. Procuraremos analisar tanto a questão dos limites da atenção quanto

sua dimensão de potência de criação.


102

Capítulo 4

Sobre a atenção e a aprendizagem da atenção

Vimos a pouco que a atenção, seu funcionamento e gerenciamento têm se tornado

centrais no mundo contemporâneo. Seja porque permite um tipo de controle sobre os sujeitos

que se faz através de modulações e não mais por coerções, seja porque permite criar o novo, a

atenção aparece com destaque. Vamos agora nos deter sobre este processo cognitivo que de

saída afirmamos ser paradoxal e complexo a fim de construir as bases para analisar as falas

dos estudantes entrevistados no que diz respeito às suas práticas de estudo. Em especial

interessa-nos deslocar o problema da atenção para o da aprendizagem da atenção.

4.1 - Singularidades da atenção

Quando comparada com outros processos cognitivos, a atenção apresenta

singularidades importantes. Diferente de processos como a percepção e a memória, ela não

possui um produto específico, mas participa de todas as atividades mentais modulando-as

(VERMERSCH, 2002; MIALET, 1999; CAMUS, 1996). Parafraseando Vermersch (Ibid), a

atenção seria o fundo de flutuação da cognição 36. Dessa maneira, a análise do funcionamento

atencional nos informa não apenas sobre a atenção, mas também sobre o funcionamento

cognitivo. Este, em função das características da atenção, pode ser mais ou menos aberto à

experiência, ao pensamento, enfim à criação e à transformação, configurando políticas

cognitivas distintas.

36
A frase original de Vermersch (2002) pronunciada no contexto dos estudos fenomenológicos afirma que a
atenção é o fundo de flutuação da consciência. Porém, para os fenomenólogos, não há nada para além da
consciência. Toda a cognição efetua-se no campo da consciência. Certamente a noção de consciência não se
restringe aquilo de que somos conscientes, ao foco da atenção. Daí a importância da idéia de campo da
consciência. Para mais detalhes cf. Vermersch (2002), Arvidson (2000).
103

A atenção atravessa nossa relação com o mundo articulando de diferentes maneiras o

pólo sensorial ao motor. Desse modo ela pode tanto encurtar o intervalo que separa a sensação

da ação quanto prolongá-lo. No primeiro caso, a atenção toma o mundo como algo pré-

concebido, repleto de problemas a serem resolvidos. Apropria-se do mundo de maneira

prática e utilitária. É absorvida pelas tarefas a cumprir. Não deixa espaço para a hesitação

própria da problematização. Os problemas nascem como dificuldades na realização das

tarefas e não como bifurcações capazes de instaurar diferenças. Kastrup (2004) refere-se a ela

como uma atenção cuja característica é trabalhar focada. Em outras palavras, restringe-se ao

“prestar atenção”. Nos termos de Bergson (1934/1962) trata-se da atenção à vida prática. No

segundo caso, quando a atenção aumenta o intervalo que separa a sensação da ação, ela ao

mesmo tempo afasta-se da tarefa e permite sentir a sensação. A sensação deixa de ser

estímulo para agir e assume a forma de signo a ser decifrado (DELEUZE, 2006). Instaura-se

assim outra temporalidade. Ao invés da responsividade e da prontidão para a ação, a duração.

Lazzarato (2002, p.180) ao comentar Bergson ressalta a importância da atenção à duração

como aquela que permite desatar os mecanismos de captura da ação finalizada, fazendo

aparecer o novo. Argumenta que a atenção a duração representa, por um lado, uma forma de

resistir à lógica do capitalismo cognitivo e, por outro, a atenção que o capitalismo traz à cena

para capturá-la, modulando-a no sentido da criatividade e não da criação.

A idéia de signo é apresentada por Deleuze no livro em que analisa a obra de Marcel

Proust, especificamente a Recherche du temps perdu 37. Segundo Deleuze, a recherche, a

busca em questão se refere a um aprendizado que se faz no tempo e que se apresenta como

um aprendizado de signos a serem decifrados: “Aprender diz respeito essencialmente aos

signos. Os signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender

é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem

37
Em busca do Tempo perdido, publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras.
104

decifrados, interpretados” (Ibid, p.4). Vale destacar que a decifração ou interpretação dos

signos passa mais pela violência do encontro – em nossos termos pela experiência – que pelo

esforço da inteligência:

O que nos força a pensar é o signo. O signo é o objeto de um encontro; mas é


precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele
faz pensar. O ato de pensamento não decorre de uma simples possibilidade natural;
é, ao contrário, a única criação verdadeira (Ibid, p.91).

Não que a inteligência não seja importante, mas ela deve seguir a violência do

encontro: “Em arte ou em literatura, quando a inteligência intervém, é sempre depois, nunca

antes. [...] Em primeiro lugar, é preciso sentir o efeito violento de um signo, e que o

pensamento seja como que forçado a procurar o sentido do signo” (Ibid, p.21-22). Deleuze

argumenta também que ser sensível aos signos, ou seja, adotar essa atenção que não se

apropria do mundo de maneira prática e utilitária – nos termos de Bergson (1934/1962),

atenção à duração -, é um dom que corre o risco de permanecer oculto. Sentir a sensação ao

invés de reagir a um estímulo pode ser dificultado pela ausência de encontros, ou ainda por

incapacidade de acolher os efeitos dos encontros.

Vemos, portanto, que a atenção é um processo heterogêneo cujos efeitos podem

caminhar em duas direções principais: tarefas e performances ou, criação e transformação. Se

no século XIX – época áurea dos estudos sobre a atenção (MIALET, 1999) 38, período anterior

ao veto behaviorista 39 - as teorias sobre a atenção contemplavam a multiplicidade deste

processo – destacamos como exemplo as formulações de H.Bergson (1934/1962) e, até

mesmo as de W.James (1890/1952) -, no século XX a psicologia da atenção se concentrou no

entendimento da atenção como aquilo cujo principal objetivo é permitir responder

38
Conforme destacam Mialet (1999) e Crary (1999, 2000), o século XIX é considerado o século por excelência
dos estudos sobre a atenção. Isto não significa que antes este processo não era estudado, mas que no século XIX
a atenção ganha estatuto de objeto científico. Assim, adotamos o século XIX como marco dos estudos sobre a
atenção. Para uma discussão sobre atenção no século XVIII cf. Hagner (1999). Para as diferenças nos estudos
sobre a atenção nos séculos XVIII, XIX e XXI cf. Caliman (2006).
39
O veto behaviorista afirma-se no contexto de desenvolvimento do movimento behaviorista ou
comportamentalista. Diz respeito à impossibilidade da psicologia estudar aquilo que não é passível de
observação ou medição.
105

adequadamente aos apelos do mundo. Neste sentido ressaltou como função principal a

seletividade e, estabeleceu como problema fundamental a questão dos limites da atenção que,

por sua vez, trabalha constantemente focada. Na atualidade – final do século XX e início do

XXI – em função dos avanços das ciências cognitivas, o tema da atenção passou a ser

estudado também no contexto dos estudos da consciência. Tal fato possibilitou recuperar a

dimensão criadora da atenção através da idéia de uma atenção que trabalha não apenas focada,

mas principalmente aberta (KASTRUP, 2004). Destacamos aí as contribuições de Arvidson

(2000), Vermersch (2002) e Varela, Thompson e Rosch (2003).

Arvidson (2000) a partir da fenomenologia de Aron Gurwitsch, busca ampliar o

conceito de consciência. Defende que ela não se limita ao foco da atenção, mas é composta

por uma organização tridimensional. Esta inclui além do tema que corresponde ao foco

atencional, o campo temático e a margem. No tema encontra-se o que é dotado de interesse,

no campo temático, o que se relaciona ao tema e, na margem tudo o que é irrelevante ao tema.

Explica que a atenção desliza entre essas três dimensões num movimento de vai e vem.

Portanto, ela não trabalha apenas focada, mas também, e principalmente, aberta. A abertura da

atenção permite que elementos de dimensões distintas sejam trazidos ao tema, possibilitando

novos arranjos e entendimentos. O trabalho de Vermersch (2002) caminha numa direção

semelhante ao de Arvidson. Vermersch inclusive cita-o no texto em que analisa os elementos

teóricos da dinâmica atencional. Já Varela, Thompson e Rosch (2003) inspiram-se nas

práticas de meditação budistas para defender a potência da atenção aberta. Segundo eles, as

práticas de meditação visam à expansão do campo atencional, fazendo com que a atenção se

torne mais sensível e aberta ao presente. A conseqüência é que hábitos cristalizados e no

limite até o próprio Eu como entidade rígida e unificada são abandonados em favor do

acolhimento da experiência. A atenção que busca, ou seja, focada dá lugar a uma atenção que
106

encontra, portanto aberta. A prontidão para a ação dá lugar à vivência de um tempo necessário

ao acolhimento da experiência.

Em relação ao trabalho de William James, é interessante notar suas ambigüidades.

James ainda hoje é citado como uma referência importante no campo da atenção (MIALET,

1999; CRARY, 1999; ARVIDSON, 2000; PARASURAMAN, 2000; DAVENPORT e

BECK, 2001; CALIMAN, 2006b; FERRAZ e KASTRUP, 2007). No entanto existe pouco

consenso em relação a como interpretar suas contribuições. A psicologia da atenção do século

XX, por exemplo, reteve deste pensador apenas a idéia de que a função da atenção é operar

uma seleção movida pelo interesse cujo objetivo principal é a ação eficaz (MIALET, 1999;

KASTRUP, 2007). Outros teóricos, porém, acreditam que esta é uma leitura bastante restrita.

Para Arvidson (2000), esta interpretação desconecta a teoria jamesiana da atenção do contexto

do fluxo do pensamento ou consciência que singulariza a obra do autor americano. O conceito

de fluxo da consciência foi cunhado por James como uma alternativa às psicologias

elementaristas e associacionistas, sendo a pedra fundamental a partir da qual erige a sua teoria

(JAMES, 1890/1952). Não levá-lo em consideração é reduzir o alcance de suas formulações.

Neste sentido autores como Ferraz e Kastrup (2007) propõem uma releitura da atenção em

James a partir do conceito de fluxo da consciência. Aí, revela-se uma atenção distinta daquela

com a qual a psicologia vem trabalhando. Em especial a atenção deixa de ser vista como um

processo homogêneo. Pensar a atenção a partir do fluxo do pensamento implica considerar

sua dimensão de flutuação. Ao invés da lógica binária 0-1, atenção-desatenção (KASTRUP,

2004), revela-se uma lógica dinâmica que é tomada em sua positividade. A flutuação da

atenção não é simplesmente algo a ser evitado, mas pode também revelar a presença de ritmos

diferenciados.
107

4.2 – Psicologia da atenção e o problema das tarefas e performances

Após o período áureo dos estudos sobre a atenção que marca o século XIX (MIALET,

1999), este processo cognitivo ficou relativamente esquecido, sendo recuperado na segunda

metade do século XX através da psicologia da atenção. Segundo Mialet (Ibid) e Camus (1996)

a revolução cognitiva teve um importante papel na recuperação da atenção para o cenário

científico. Na segunda metade do século XX, em função do aparecimento das primeiras

máquinas inteligentes, a ciência retoma objetos de estudo considerados antes obscuros e

difíceis de serem examinados. Dentre estes se destaca a atenção. Para além da revolução

cognitiva, Camus (Ibid) recorre também às transformações econômicas e sociais para explicar

a recuperação da atenção pela ciência. Refere-se ao aparecimento de “novas” tecnologias e à

demanda que estas operam sobre a atenção, articulando isto à necessidade de performances

eficientes. Cita, por exemplo, a sofisticação dos painéis de controle que passam a equipar as

cabines de diferentes meios de transportes solicitando dos condutores processos psicológicos

complexos. Segundo Camus, era preciso então investigar se estes painéis poderiam ser

multiplicados infinitamente, se a atenção poderia ser dividida sem prejudicar a performance,

enfim, se haveria limites para a atenção. Assim, podemos dizer que a recuperação da atenção

pela psicologia em meados do século XX é atravessada por uma perspectiva utilitarista e

adaptadora. A atenção aparece principalmente como um processo necessário à realização

eficiente de tarefas. Trabalha, portanto, focada na tarefa. Diante do avanço tecnológico que

exige cada vez mais atenção, a questão dos limites surge como problema central desta

psicologia da atenção.

Note-se que o apelo às “novas” tecnologias não é suficiente para explicar a ênfase na

performance que singulariza a psicologia da atenção do século XX. A relação entre atenção e

tecnologias não é uma novidade do século XX, mas atravessa boa parte dos estudos sobre a

atenção. J.Crary (1999) ao realizar uma genealogia da atenção, tomando como referência o
108

século XIX, busca detalhar o papel das práticas atentivas na constituição da subjetividade

moderna, trazendo a cena papel das tecnologias. Ele argumenta que a atenção tornou-se um

problema em função da impossibilidade de, nesta época, se pensar numa presença na

percepção. A atenção seria um substituto pragmático, simulando uma presença. Ao explicar a

impossibilidade de presença na percepção, revela o impacto, dentre outras coisas, do

surgimento e popularização das tecnologias de observação como a fotografia, o cinema, o

estereoscópio que eram naquela época uma novidade. Estas colocaram em xeque a

transparência na relação sujeito-mundo (CRARY, 1991). Assim, a ênfase nas tarefas e

performance revela outros interesses. Trata-se antes de um problema político e não de algo

inerente ao conceito de atenção. Ainda sobre a relação entre a atenção e as tecnologias, cabe

lembrar, como bem nos mostraram os teóricos do capitalismo cognitivo e da economia da

atenção, que agora se trata das NTIC. Estas nos colocam cada vez mais diante da

possibilidade/necessidade das multitarefas. Conforme observa Wallis (2006), embora a

capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo não seja algo novo, na era da web ela

alcança limites inimagináveis. Através dos computadores conectados à Internet podemos

conversar com várias pessoas através de dispositivos como o MSN enquanto assistimos a

algum programa que passou na TV e ainda pesquisamos algo no Google e checamos

informações na Wikipédia e escrevemos um texto e.... O conectivo em questão não é mais o

ou – do “ou isto ou aquilo” que Cecília Meireles eternizou em sua poesia (MEIRELES, 1990)

– mas o e. Trata-se agora do isto e aquilo e, mais aquilo outro e tudo o mais que existir. Por

outro lado, não se pode esquecer que as NTIC potencializam a criação e a invenção através da

rede e da circulação.

Voltando a psicologia da atenção, tendo em vista que seu desenvolvimento é marcado

teoricamente pela revolução cognitiva, a atenção é freqüentemente apresentada como um


109

processo cuja função é possibilitar o tratamento eficiente das informações pertinentes 40

(MIALET, 1999; CAMUS, 1996). Tal definição deixa em aberto duas questões. Por um lado,

o que seria um tratamento eficiente? Por outro, o que são informações pertinentes? Conforme

teremos oportunidade de ver, o adjetivo eficiente está intimamente relacionado ao êxito na

realização de tarefas dadas. Ou seja, de fazer bem aquilo que é solicitado. Já a idéia de

pertinência é um pouco mais complicada. Se a atenção é o tratamento das informações

pertinentes, o que seria o tratamento das informações não pertinentes? Distração? Esta é a

observação de Mialet (1999, p.44). Segundo ele, a distração é ainda uma forma de atenção,

mas uma atenção não pertinente. Seguindo sua argumentação, vemos que a distração não é

ausência ou déficit de atenção, mas uma atenção que vai numa outra direção. Portanto, é

preciso reconhecer que a distração não é estranha ao campo atencional. Sobre a pertinência,

Mialet (Ibid) explica que no caso da vida cotidiana ela é produzida na relação do sujeito com

o mundo, sendo difícil decidir a priori o que seria e o que não seria pertinente. No entanto,

nas situações experimentais, mas poderíamos ampliar e dizer também nas situações de

trabalho e escolares, a pertinência é atribuída previamente por um outro, seja o pesquisador, o

chefe ou, o professor. Neste último contexto a distração seria então uma forma de classificar

uma atenção que não compartilha dos mesmos critérios de pertinência dados pelo

pesquisador, chefe e/ou professor. Em tempos de TDAH esta é uma observação que merece

ser pensada. O que significa déficit de atenção? Tendo em vista estas questões Kastrup

positiva a distração considerando-a como facilitadora da aprendizagem inventiva. Ou seja, de

uma aprendizagem que não se limita a resolver problemas dados, mas que também

problematiza:

Enquanto atenção concentrada, a distração pode ter um papel positivo no processo


de aprendizagem inventiva, não sendo mera desatenção e encarnando, em certa
medida, o funcionamento da atenção como modulação da intencionalidade da

40
Percebe-se aí a presença da metáfora computacional que marca de maneira hegemônica o início das ciências
cognitivas e também a psicologia cognitiva. Sobre as ciências cognitivas cf.Varela (1990); em relação a
psicologia cognitiva cf. Kastrup (1999).
110

consciência. Representando um afastamento das tarefas pré-definidas e das


informações externas, o funcionamento errante da atenção pode dar lugar a
experiências de problematização (KASTRUP, 2004, p.14).

Existem na psicologia três grandes conjuntos de teorias atencionais. As teorias do

filtro, as teorias dos recursos e as teorias que trabalham com a diferenciação dos tratamentos

automático e controlado. Elas procuram dar conta do funcionamento atencional concebendo-o

como um processo necessário a realização eficiente de tarefas cuja característica principal é

ser limitado e trabalhar focada. Seu critério é o da performance.

4.2.1- Atenção como um filtro

As teorias do filtro têm início com o modelo de D.Broadbent proposto em 1958. Para

Broadbent o tratamento das informações é realizado de maneira linear e seqüencial. A atenção

atua aí como um filtro situado entre o sistema sensorial e perceptivo. Sua função é evitar uma

sobrecarga do sistema cognitivo, permitindo que as tarefas sejam realizadas com eficiência. A

atenção funciona assim através da lógica binária atenção – desatenção (KASTRUP, 2004). De

acordo com este modelo a possibilidade da multitarefa, ou seja, de fazer várias coisas ao

mesmo tempo, só pode ser concebida como uma alternância ou oscilação muito rápida do

foco atencional. Em função dos experimentos cujo principal protocolo é o da escuta

dicótica 41, os pesquisadores começaram a perceber os limites da teoria de Broadbent. A

atenção parecia extrapolar o prestar atenção. Palavras que possuíam importância para os

sujeitos, ou seja, palavras significativas, como por exemplo, seus nomes, eram percebidas,

ainda que apresentadas para o ouvido não atento (OI). Assim foram propostos

desdobramentos.

41
Nos protocolos de escuta dicótica fones de ouvido são colocados no sujeito experimental e são apresentadas
duas informações diferentes aos sujeitos. Cada informação num ouvido. Então, investiga-se como ele reage, o
que ele percebe. Será que consegue perceber e reagir à informação pertinente? Através destes protocolos pode-se
estudar a atenção focalizada, neste caso o experimentador informa ao sujeito a existência de um ouvido atento
(OA) e de um ouvido não atento (OI), ou a atenção dividida, neste caso observa-se a divisão da atenção nos dois
ouvidos. Cf.Camus (1996). Cabe observar que este protocolo foi criado por E.Cherry em 1953, sendo usado por
pelo menos 15 anos pelos estudos da atenção (CAMUS, 1996).
111

A teoria dos atenuantes de A.Treisman substituiu a idéia de um filtro que funcionaria

segundo o critério de tudo ou nada, pela de atenuador. O atenuador reduz as entradas no

sistema sem, contudo excluir completamente os estímulos significativos. Para Treisman

haveria uma hierarquia na análise dos estímulos. O nível mais baixo consistiria na extração

dos índices físicos e o mais alto implicaria na análise semântica. A idéia é que se a capacidade

do sistema é ultrapassada, o tratamento do estímulo é interrompido não chegando ao nível de

entendimento semântico, mas possibilitando algum tratamento. Treisman propõe que a

expectativa introduz um viés perceptivo pré-ativando as unidades de tratamento do estímulo e

acelerando seu processo.

Uma das formas da psicologia da atenção trabalhar a questão das expectativas é

através das reações de orientação da atenção. Estas podem ser tanto exógenas - como na

captura da atenção por um estímulo exterior - ou endógenas - orientação deliberada pelo

sujeito. Na orientação endógena, o sujeito voluntariamente volta a sua atenção em alguma

direção. As reações de orientação exógenas dão origem a processos atencionais efêmeros,

enquanto as endógenas estão relacionadas com processos sustentados. A discussão sobre a

orientação da atenção repercute sobre aquela que veremos mais adiante da diferença entre

processos atencionais automáticos e controlados. Um aspecto interessante da dinâmica

atencional é que a orientação endógena pode tanto ser produzida independentemente quanto

pode “pegar carona” na orientação exógena. A orientação exógena garante um primeiro

direcionamento - que no caso da orientação visual envolve, em geral, o direcionamento da

cabeça e do olhar. Nota-se algo, mas não necessariamente percebemos do que se trata.

Algumas vezes, isto é suficiente, outras vezes não, sendo necessária a orientação endógena.

Esta mantém por mais tempo a atenção naquela direção, fazendo aparecer uma atenção

sustentada que, por sua vez permite um tratamento aprofundado daquilo que foi apenas

notado. Uma vez que para a psicologia o problema da atenção vem articulado ao da
112

performance e ao da atenção focada, o tratamento aprofundado é, em geral, entendido como

processo de reconhecimento (cf. MIALET, 1999, p.45-50). No entanto, como bem nos mostra

Kastrup (2007) no texto em que discute o funcionamento da atenção no trabalho do

cartógrafo, o tratamento aprofundado conseqüência da sustentação atencional proporcionado

pela orientação endógena pode também fazer aparecer o ainda desconhecido. Neste caso não

se trata de recognição, mas de invenção (KASTRUP, 1999). A respeito da diferença entre

orientação exógena e endógena citamos Camus (1996, p.29): “A orientação exógena produz

uma faísca que incita a chama, mas que não é suficiente para esclarecer o acontecimento que a

produziu. Apenas a chama, por sua duração, permite esclarecer a informação interessante”. E

conclui (Ibid, p.29): “Uma sucessão de faíscas não produz chamas”. Portanto para a

sustentação da atenção e um tratamento aprofundado é preciso mais do que múltiplas

estimulações. Esta relação entre a orientação exógena e endógena da atenção pode nos ajudar

a pensar numa das funções da música nas práticas de estudo.

Chama atenção a freqüência com a qual os estudantes relatam em suas entrevistas a

associação da música com as práticas de estudo. Certamente esta assume diferentes funções

desde abafadores de sons externos como comenta essa estudante: [...] É uma facilidade que

me ajuda a estudar, às vezes quando eles tão fazendo muito barulho eu ligo música. A música

não me distrai. Se eu ligar a música, às vezes me tira o som deles e eu abstraio – estudo com

música. Todo mundo fica me questionando: “ah, mentira, você não estuda”. Cara, eu estudo,

porque às vezes quando é uma coisa que eu tenho que prestar atenção, a música eu consigo

ainda abstrair mais do que fulaninho subindo e descendo a escada. [...](E5). Passando por

relaxantes, como explica essa outra: [A música] Ajuda. Porque relaxa. Você fica mais

relaxada, você consegue absorver mais aquele conteúdo (E1). Até algo que ajuda os

estudantes a se concentrarem no estudo. Sobre isso E4 comenta que a música, assim como o

cafezinho, são distrações que não distraem: [...] É, eu acho que o café, ele ajuda a manter a
113

atenção e tal. Pra estudar duas horas, normalmente pega ali e tal. É o tipo de coisa, por

exemplo, que não teria na biblioteca, mas é um estímulo externo que, tipo, ao invés de

distrair, te ajuda a focar no texto. Igual uma música, por exemplo, às vezes mais leve e tal,

mais lenta, é...não uma, tipo, que o cara mude o ritmo de repente, que tenha uma letra muito

complicada... (E4). E continua: É, o cafezinho é um tipo de distração que não distrai, sabe?

Porque aí você fica lá lendo o texto, aí você bebe um cafezinho e tal. É uma distraçãosinha

menor que evita que você disperse, perca o interesse, sabe? (E4). Diante disto nos

perguntamos: Será que a música não poderia estar atuando em alguns casos como um

estímulo externo capaz de puxar e fixar a atenção do aluno num contexto diferente dele

mesmo? Porém, é importante não perder de vista que apesar dos estímulos exógenos poderem

ajudar na captura da atenção, eles não devem ser excessivos sob pena de produzirem o efeito

contrário. Isto que já havia sido sinalizado na fala de E4 é retomado por E1 de outro modo:

[...] Geralmente quando é mais tranqüilo, assim, eu até ligo o rádio...deixo baixinho. Mas,

por exemplo, televisão é impossível. Eu não consigo estudar com televisão. Porque é um

atrativo auditivo e visual, aí então, é demais para mim (E1).

Depois da formulação de Treisman, J.Deutsch e D.Deutsch perceberam que havia

casos em que as informações “ignoradas” (apresentadas para o ouvido não atento) eram

tratadas não apenas superficialmente, mas em profundidade. Este fenômeno era observado

quando, por exemplo, era apresentada para o ouvido atento (OA) uma história ou palavra

ambígua e para o ouvido não atento (OI) um contexto. Com freqüência acontecia do sujeito ao

invés de ficar em dúvida em relação à história ou palavra apresentada à OA, ele a interpretava

segundo àquilo que havia sido apresentado à OI. Desse modo Deutsch e Deutsch formularam

a teoria do filtro tardio. Esta postulava que a atenção interfere apenas tardiamente, efetuando

uma seleção com base na importância da mensagem. Segundo observação de Mialet (1999),

Deutsch e Deutsch parecem ter esquecido que o sistema cognitivo possui capacidade limitada
114

de tratar informações. Esta foi a razão de D.Norman reelaborar a teoria propondo a teoria do

filtro movente. Esta buscava conciliar a idéia de tratamentos múltiplos - que já havia sido

assimilada desde a teoria dos atenuantes - com a capacidade limitada do sistema cognitivo.

4.2.2- Atenção como um recurso limitado

Nos anos de 1970 aparecem os modelos que adotam uma concepção econômica e

dinâmica da atenção. Trata-se da teoria dos recursos cujo principal representante é

D.Kahneman. De acordo com Camus (1996) esta teoria permite sublinhar o componente

intensivo da atenção, enquanto as teorias do filtro davam conta apenas dos aspectos

qualitativos.

Mialet (1999) refere-se aos aspectos quantitativos e qualitativos como dimensões da

atenção. Na dimensão qualitativa se destaca a atividade de seleção. Esta pode levar em

consideração diferentes qualidades privilegiando, por exemplo, uma modalidade sensorial ao

invés de outra, ou privilegiando aspectos físicos, ou ainda adotando critérios categoriais ou

conceituais. A dimensão quantitativa está relacionada com a intensidade da atenção aplicada a

uma determinada situação ou objeto. A intensidade, explica Mialet, dá à concentração uma

profundidade variável podendo ser mais ou menos resistente à distração. Note-se que a

distração está sendo pensada novamente no contexto das informações não pertinentes, onde a

pertinência é dada a partir de um referencial externo. Assim, a questão da atenção na

realização de tarefas não é com concentração ou sem concentração, mas níveis diferentes de

concentração. Repercutem sobre a intensidade, a motivação, os fatores fisiológicos e os

fatores intrínsecos à tarefa. A intensidade ou concentração é também afetada pela divisão da

atenção e, pelo esforço. Através do esforço é possível superar situações que a princípio

implicariam numa menor quantidade de atenção. Por exemplo, através do esforço é possível

manter a atenção em uma tarefa considerada desinteressante. A temática do esforço e de sua


115

repercussão sobre a atenção vem desde os estudos de William James no século XIX (JAMES,

1924/1899). Ao distinguir a atenção passiva ou involuntária da atenção deliberada ou

voluntária no contexto das discussões sobre a atenção sustentada, defende a necessidade da

participação do esforço nesta última. Na atenção passiva o interesse substitui o esforço. Além

da dimensão qualitativa e quantitativa, Mialet propõe uma dimensão dinâmica que aponta

para o caráter flutuante da atenção.

Voltando à teoria dos recursos, nela a atenção passa a ser entendida como um recurso

cognitivo que pode ser mais ou menos investido nas operações mentais e, cujo efeito é a

melhora na eficiência do tratamento informacional. Quanto mais recursos são investidos,

quanto maior é a concentração, melhor será o tratamento. No entanto é preciso não perder de

vista que os recursos são limitados. Através de experimentos em situações de dupla tarefa

procura-se investigar o que acontece com as performances dos sujeitos. Observa-se que, em

geral, quando as performances de uma tarefa baixam, as da outra melhoram e vice e versa.

Este fato é interpretado como transferência de recursos de uma tarefa à outra. Porém, a

melhora não é infinita. A teoria dos recursos opera com uma metáfora energética. A melhora

nas performances relaciona-se ao dispêndio de energia ou, em outras palavras, ao esforço.

Note-se que esforço não é sinônimo de dificuldade. Conforme explica Camus (1996), a noção

de esforço é cognitiva. Corresponde à quantidade de recursos destinados a um tratamento

informacional. Dessa forma o modelo dos recursos atencionais responde positivamente à

possibilidade da multitarefa. É possível realizar várias coisas ao mesmo tempo sem

deterioração da performance desde que não exijam mais recursos do que aqueles disponíveis

no reservatório. Se a demanda acumulada de esforço atencional requerido para duas ou mais

tarefas não excede a capacidade total do reservatório, estas podem ser executadas

simultaneamente sem que haja prejuízo na eficiência. Trata-se de um avanço em relação às

teorias do filtro. Estas ao conceberem o tratamento informacional como seqüencial


116

impossibilitam pensar num processamento simultâneo com manutenção da performance.

Apesar do avanço em relação às teorias do filtro e em especial ao modelo de Broadbent, a

teoria dos recursos também é alvo de críticas. Dentre as críticas destacamos a que se refere

aos efeitos da aprendizagem sobre a alocação dos recursos. Através de nossa experiência

percebemos haver diferença na necessidade de atenção para que se obtenha uma performance

eficiente em tarefas que ainda não dominamos e nas tarefas já dominadas. Como pensar a

alocação dos recursos nestas duas situações? Os processos de tratamento da informação se

transformam com a aprendizagem? Como explicar essa diferença?

4.2.3 – Atenção e a diferença entre os processos automáticos e controlados

Hirst e colaboradores (1980) ao refletirem sobre o papel da aprendizagem na alocação

de recursos atencionais durante o tratamento da informação argumentam que a capacidade de

desenvolver competências em situações específicas é muito grande. Concluem, então, ser

difícil estabelecer limites para as capacidades cognitivas. Explicam que a repetição e o

exercício permitem uma melhora na performance em função da reorganização das estratégias

de codificação e do desenvolvimento de processos de automatização. Trata-se de aprender a

fazer melhor e mais rapidamente o mesmo. São a performance e a eficiência que estão em

questão. A aprendizagem assim entendida não prevê surpresas ou hesitações que poderiam

levar a um ser-fazer diferente. Aprender é desenvolver competências que articulem

estratégias eficientes e que no final, conduzam a um fazer automatizado, isto é, sem pensar.

Lembrando dos estudos sobre o estudo, a proposta dos teóricos que pensam o estudar como

desenvolvimento de competências de auto-regulação parece caminhar nesta direção. Contudo

é importante dizer que em nenhum momento eles afirmam abdicar do pensamento dos alunos.

Ao explicar as mudanças que ocorreram em sua forma de estudar ao longo da universidade E6

comenta sobre a reorganização de suas estratégias de codificação e sobre os processos de


117

automatização que tornaram possível “se dar bem nas provas” sem maior envolvimento com

os temas e, conseqüentemente sem perda de tempo. A impossibilidade de perder tempo

atravessa as entrevistas marcando o funcionamento atencional e, conseqüentemente, o

funcionamento cognitivo dos estudantes. Diferente da aprendizagem de Proust em sua

Recherche du temps perdu (DELEUZE, 2006), o que parece estar prevalecendo no cenário

contemporâneo é um aprendizado sem perda de tempo. Esta idéia será melhor trabalhada nos

próximos capítulos. Passemos a fala de E6: Então, quando eu entrei na faculdade, os

primeiros períodos, não sei, eu tava fresquinha: não tinha trabalho, não tinha nada, estágio,

não tinha nada. Então eu passava a tarde estudando pra uma prova, lendo textos. Não tinha

a manha ainda de sacar o que o professor ia querer. Então eu lia. Com o tempo, você já sabe

o que o professor vai querer. Quando ele põe o topicozinho lá no quadro você já sabe...você

mesma fala: ‘isso vai cair na prova’. Ele não precisa nem dizer, você já sabe que aquilo vai

cair na prova. Então você anota aquela informação que vai cair na prova. E aí na véspera da

prova, de praxe, você pega aquela informação e decora, escreve na mão, põe cola no bolso e

tal. E aí você vai ter aquela informação contigo pra prova. [...](E6). Através deste relato

percebemos o quanto a realização eficiente de tarefas e a performance são critérios

insuficientes para abordar o problema do estudo em sua potência.

A proposição de Hirst e colaboradores aponta para um aspecto que será trabalhado

pela psicologia da atenção através da diferenciação de processos de tratamento da informação

automáticos e controlados. Por mais elaborado que fosse o modelo dos recursos atencionais,

ele não permitia responder ao problema da mudança na estrutura dos processos que

acompanhavam o desenvolvimento de tarefas. Nas palavras de Camus (1996, p.77):

“Ignoramos como a energia mental se transforma em mecanismo de funcionamento”. Para dar

conta disto surgem teorias que vão propor dois tipos de tratamento das informações. Um

automático e outro controlado. Dentre estas destacamos a de W.Schneider e R.M.Schiffrin.


118

Segundo estes autores os tratamentos automáticos são inicialmente aprendidos através de

processos controlados. Desenvolvem-se graças à repetição. Eles trabalham sobre informações

ligadas em uma cadeia solidária, aprendida e estocada na memória de longo prazo. Inputs

apropriados desencadeiam o tratamento de modo imediato que passa a operar independente do

controle do sujeito. Os tratamentos automáticos não requerem uma atenção especial, não

ocupando a memória de curto prazo. Shiffrin e Schneider referem-se a este processo como

detecção automática. O custo zero que permite a realização em paralelo de diversos

tratamentos informacionais tem como contrapartida uma rigidez do processo. Dificilmente

podem ser interrompidos e não são modificáveis. O que está em jogo são processos

encapsulados. Sua ativação pode ser extremamente breve o que acarreta a perda da

informação. O sujeito não é consciente que ocorre.

Os devaneios que invadem a vida mental podem ser descritos como sendo

desencadeados por automatismos. No caso dos estudantes entrevistados muitos relataram a

ocorrência deste fenômeno durante suas atividades de leitura. Citamos: Ah, eu tô estudando e

daqui a pouco me pego pensando em uma coisa totalmente, que não tem nada a ver com o

que eu tava estudando, aí eu fico: ‘Pô, não. Tenho que estudar isso aqui’. Aí vou lá... Aí eu

volto. Mas por diversas vezes eu me pego pensando em outras coisas que não tem nada a ver

com o que eu tô estudando(E10). Vale ressaltar o aspecto súbito e repentino deste processo:

Exatamente. Porque eu não sei há quanto tempo isso tá acontecendo. Isso é uma coisa tão

sutil que quando você percebe você não sabe onde foi que você começou a viajar e onde foi

que você parou de viajar (E13). A conseqüência é, em geral, uma mecanização da atividade

que estava sendo realizada.

Os automatismos não se restringem ao devaneio, incluindo as diversas situações às

quais nos referimos em nosso cotidiano como tendo sido realizadas no “piloto automático”,
119

isto é, enquanto prestávamos atenção à outra coisa. Aliás, liberar a atenção para ser

empregada em outros lugares é uma das funções dos automatismos.

Já os tratamentos controlados, estes sim nomeados como atenção controlada, implicam

linearidade, sendo demorados e estando a serviço de tratamentos aprofundados. Consistem em

ativações temporárias de muitos nós que compõem uma série cuja ligação não está ainda

fixada pela aprendizagem. Diferente do tratamento automático, o controlado é relativamente

fácil de interromper e modificar em função da situação. Ele ocupa lugar na memória de curto

prazo e exige esforço, isto é, recursos atencionais. Como o controle atencional é necessário

para reunir os nós que formam a seqüência, apenas uma seqüência de cada vez pode ser

controlada sem interferência. O tratamento controlado é assim de capacidade limitada. Apesar

disso é extremamente flexível podendo ser facilmente modificado e aplicado às novas

situações. Comparando os tratamentos automáticos e controlados temos que os primeiros são

rapidamente ativados na medida em que dependem apenas de um estímulo apropriado. São

classificados como processo ascendente ou botton-up. Os segundos por dependerem do

controle cognitivo, são ativados lentamente. Fala-se aí de um processo descendente ou top-

down. O controle pode ser efetuado a partir de uma orientação exógena e/ou endógena. Pode

ser realizado através da captura da atenção por uma estimulação externa - como no exemplo

do papel da música no estudo que mencionamos no início do capítulo – e/ou através da

atenção sustentada. Já os automatismos não demandam orientação, mas estimulação.

Com a continuidade das pesquisas começou-se a perceber que ao invés de uma

oposição rígida entre automatismos e atenção controlada era mais adequado pensar num

funcionamento sinergético em que ambos encontram-se reunidos. Revela-se aí a dimensão

dinâmica da atenção que flutua e alterna-se entre o controle e o automatismo e, onde o

controle afirma-se muitas vezes como controle sobre os automatismos.


120

E2, ao descrever o que se passa em sua relação de estudo, revela uma dinâmica em que

processos atencionais controlados tornam-se automáticos: Ah, sim. Porque acaba sendo meio

inevitável...Acho que de tanto você ler uma coisa você acaba tornando aquilo, aquela coisa,

vamos dizer assim. Se eu pegar um assunto e ele o tempo todo eu estou sempre estudando ele,

acaba se tornando muito natural. Então assim, ele já tá no automático pra mim. Mas quando

é um assunto novo, é natural que algumas partes talvez, você inicialmente, pelo menos seja

decoreba, vamos dizer assim. E aí ao longo do uso ou não daquele material você vai

naturalizando ele ou esquecer assim. Vai ser um material de prova ou vai ser um material

pra vida, dependendo do uso dele, eu acho... (E2). É interessante perceber na fala desta

estudante a tentativa de explicar a diferença entre o estudo que envolve conteúdos já sabidos e

aquele que nos coloca diante do novo. Sobre esse último ela se refere à necessidade do uso da

memória – “decoreba”. No entanto, pelo próprio tom da fala, percebemos que não se trata

simplesmente de decorar mecanicamente, mas de um uso da memória que implica atenção.

Assim, podemos concluir que a memória, ou pelo menos um uso atento da memória, faz parte

do processo de estudo e de aprendizagem. Neste caso a relação entre memória e aprendizagem

extrapola a simples oposição. Por outro lado, nos parece importante refletir sobre isto que a

estudante está chamando de automatização do conteúdo e, conseqüentemente do estudo. Com

a repetição e o tempo o conhecimento torna-se automático ou corporificado? A idéia de

corporificação do conhecimento é apresentada por Varela (2003; VARELA THOMPSON e

ROSCH, 2003) para dar conta de uma relação íntima e imediata – sem representação - que se

estabelece entre o sujeito e o objeto, entre o estudante e o estudo. Se a princípio poderíamos

supor que corporificação e automatização referem-se a um mesmo processo ou a processos

semelhantes, uma análise cuidadosa revela diferenças fundamentais. A corporificação do

conhecimento implica numa fina sintonia que é estabelecida entre o sujeito e o objeto. Esta

não é rígida e imutável, mas prevê mudanças e reorientações nas ações em função do
121

contexto. Varela, Thompson e Rosch (2003) referem-se ao exemplo da aprendizagem de um

instrumento musical. Não se trata aí do aprendiz repetir até automatizar seus gestos, mas de

repetir diferentemente estabelecendo uma relação íntima e imediata com o instrumento. O

automático produz comportamentos mecânicos, isto é, comportamentos que não variam,

repetem sempre da mesma forma. A corporificação, por sua vez, pressupõe na repetição o

surgimento de microdiferenças. Estas emergem no processo de aprendizagem e produzem

pequenas alterações nos resultados. Assim, quando afirmamos que um assunto tornou-se

automático significa que o repetimos sempre da mesma maneira. Em outras palavras, não

conseguimos acessar as suas nuances e tampouco os problemas que podem advir do encontro

com ele. Para sermos mais precisos não poderíamos nem falar de um encontro. Trata-se antes,

nos automatismos, de uma relação dual - sujeito-objeto – em que o que está em questão é uma

relação do tipo estímulo-resposta. Dessa forma afirmamos que a automatização dos

conteúdos, embora potencialize a capacidade de multitarefa, é extremamente nociva ao estudo

como experiência e ao processo de problematização e pensamento.

Em relação à performance diante da multitarefa, a diferenciação entre os automatismos

e a atenção controlada coloca outras alternativas. Apenas a atenção controlada exige esforço

e, portanto, implica no gasto de recursos atencionais. Neste sentido é possível realizar

diversas tarefas ao mesmo tempo sem que isto implique diminuição na eficiência, a única

condição é que parte do processamento seja realizada de maneira automática. O automatismo

aparece então como uma forma de lidar com o excesso de coisas a serem realizadas.

Automatizar as ações surge como uma alternativa interessante na medida em que permite

continuar realizando as tarefas conservando minimamente uma performance eficiente. Sobre

isso a observação de Franco Berardi (2009) faz pensar. Berardi não é um teórico da atenção,

mas um pensador da contemporaneidade que se interessa pelas modificações nos processos

cognitivos. Num texto cujo título é Cognição e sensibilidade no hipermundo (Ibid) ele propõe
122

que em nossa atualidade os signos têm se proliferado muito além de nossa capacidade de

recepção atenta e além de nossa capacidade de decodificação consciente. Por isso ao invés de

interpretarmos os signos, navegamos por eles através de cadeias associativas. Essa

superestimulação traria como conseqüência um obscurecimento da atenção cujo efeito seria

seu desligamento. A presença dos automatismos em detrimento de processos em que a

vontade humana faz-se sentir representaria a face visível de todo esse processo. Portanto para

Berardi a superficialidade de nossa relação com o mundo na atualidade seria resultado de um

excesso de automatismos. Embora nos pareça que o principal problema hoje não seja

simplesmente a oposição entre processos voluntários e automáticos, mas principalmente a

oposição entre processos que permitam um aprofundamento mínimo capaz de provocar

pensamento ou não, a observação de Berardi aponta para um aspecto crucial: a

superficialidade das relações. Aí podemos incluir desde as relações sociais – assunto do qual

Sennett (2001, 2006) irá se ocupar - até as relações com o conhecimento – nossa preocupação.

4.3 – Da atenção à aprendizagem da atenção: deslocando o problema

Um aspecto que se evidencia na discussão sobre as diferenciações entre os processos

automáticos e controlados, mas que de algum modo atravessa boa parte das teorias

psicológicas da atenção, é a subsunção da atenção ao prestar atenção. Ao se referirem aos

processos automáticos, por exemplo, muitos autores como é o caso de Shiffrin e Schneider,

afirmam que eles não requerem atenção na medida em que não são conscientes e não exigem

esforço (recursos atencionais). No entanto a atenção extrapola o prestar atenção. Vimos com

Mialet (1999) e Kastrup (2004) que a distração não é ausência de atenção, fazendo parte do

campo atencional. Também vimos que percebemos o mundo mesmo para além de nosso foco

atencional. Isto para não dizer das contribuições dos teóricos que pensam a atenção como um

processo heterogêneo (BERGSON, 1934/1962; JAMES, 1890/1952; ARVIDSON, 2000;


123

VERMERSCH, 2002; VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003). Desse modo é mais rico e

preciso analisar os automatismos, as distrações e os outros processos que extrapolam o prestar

atenção como diferentes funcionamentos ou regimes atencionais do que como ausência de

atenção, desatenção ou déficit. Apenas do ponto de vista da multiplicidade dos

funcionamentos atencionais poderemos dar conta de analisar as mutações da atenção que

estão na base da cognição contemporânea. Portanto ao invés de atenção e déficits de atenção

falaremos de diferentes regimes atencionais que por sua vez revelam diferentes políticas

cognitivas. Nos termos de Kastrup (2004), o que está em jogo é o deslocamento da atenção

requerida nos processos de aprendizagem para a colocação do problema da aprendizagem da

atenção.

Kastrup (Ibid), num texto em que procura discutir a aprendizagem da atenção na

cognição inventiva 42, recorre ao trabalho de Depraz, Varela e Vermersch (2002). Conforme

vimos no segundo capítulo, esses autores, com o intuito de investigar a experiência,

desenvolvem o método do devir-consciente. Este se afirma como um desdobramento

pragmático da époché husserliana ou método da redução fenomenológica. Embora

considerem a époché uma via de acesso à experiência, percebem a dificuldade que os agentes

cognitivos concretos têm de colocá-lo em ação. Como realizar a suspensão da atitude natural

que ao voltar-se para o mundo realiza julgamentos? Como colocar entre parênteses nossos

juízos? Formulam então a prática do devir-consciente cujo fundamento reside numa

aprendizagem da atenção. A prática do devir-consciente não é estranha às nossas práticas

cotidianas. Depraz, Varela e Vermersch referem-se à meditação budista (shamanta) 43, à

sessão de psicanálise, à oração do coração, à entrevista de explicitação, à visão


42
O conceito de cognição inventiva é outra forma de nomear aquilo que estamos chamando nesta tese de
cognição construtivista radical. Cf.Introdução.
43
É interessante perceber que a relação entre aprendizagem da atenção e a prática da meditação é apontada por
outros autores. B.Wallace, por exemplo, propõe em seu livro A Revolução da Atenção (2008) que a meditação
pode oferecer uma via para pensar o treinamento da atenção. Segundo ele, apesar dos vários estudos sobre a
atenção que marcam o campo científico desde o século XIX, muito pouco é sabido sobre a sua plasticidade.
Sugere, portanto, que nos voltemos para as tradições contemplativas como é o caso do budismo no sentido de dar
conta desta lacuna nos estudos atencionais.
124

estereoscópica, à sessão de escrita e, inclusive, conforme vimos, ao estudo. No entanto, para

que todas estas práticas e outras mais que possam ser incluídas nesta lista – como é o caso da

leitura de literatura, proposto por Cabral (2006) - dêem lugar ao devir-consciente é necessário

certa atitude cognitiva. Em outras palavras, é necessária certa aprendizagem da atenção que

descrevem a partir de três gestos. Estes se desenvolvem como num círculo que continuamente

se entrelaça e se reativa Apesar da circularidade, para fins explicativos, propomos uma ordem.

O primeiro gesto envolve a suspensão da atenção que deve ser sustentada ao longo da prática

e que implica numa ruptura em relação à atitude natural, o segundo diz respeito a uma

redireção da atenção do exterior para o interior realizada sob suspensão e, por fim o deixar vir

(letting go) ou acolhimento que pressupõe uma atenção concentrada porém sem foco 44. Em

função da articulação com Depraz, Varela e Vermersch, Kastrup pensa a aprendizagem da

atenção do ponto de vista do devir-consciente: “A questão é como cultivar o ato de devir-

consciente que é composto desses três gestos, através de práticas concretas” (KASTRUP,

2004, p.11). Em outras palavras, a aprendizagem da atenção está sendo pensada a partir de

uma política cognitiva da invenção capaz de fazer frente aos regimes atencionais que,

segundo a autora, se apresentam como hegemônicos na contemporaneidade:

O método proposto através das práticas de redução exercita o mecanismo circular


que está na base da cognição inventiva. Por outro lado, ele fornece pistas da
participação da atenção neste processo, além de fornecer indicadores do trabalho
sobre a atenção que parece necessário na contemporaneidade (Ibid, p.14).

E ainda:

O papel especial da atenção na preparação da ação sensório-motora explica


certamente o grande interesse que este tema desperta nos dias atuais. É por ocupar
este lugar privilegiado que a atenção é tão visada pela mídia, pela propaganda e
pelo mercado. Mas é também exatamente por este motivo que é tão urgente
desvendar seu papel na cognição inventiva e apontar caminhos a serem trilhados
através de práticas comprometidas em reativar outras atenções que, fazendo parte
de um funcionamento complexo, constituem vias de resistência ao excesso de
focalização que nos asfixia no tarefismo fatigante dos dias atuais (Ibid, p.15).

44
Cf. Capítulo 2, p.55.
125

Apesar de concordarmos com Kastrup no que diz respeito à necessidade deste tipo de

aprendizagem da atenção e de sua importância na contemporaneidade, em função de nosso

problema, somos obrigados a ampliar a idéia. Em nossa tese tomamos a aprendizagem da

atenção como algo inerente à vida. Da mesma forma que a prática do devir-consciente tem

como efeito a produção de um regime atencional inventivo (KASTRUP, 2004), outras

práticas produzirão outros regimes atencionais. Portanto, a aprendizagem da atenção é aqui

entendida como algo que se opera através de práticas cotidianas e cujos efeitos são

conseqüências dessas práticas. Assim, perguntamos que tipo de atenção as práticas de estudo

estão produzindo?
126

Capítulo 5

Práticas de estudo contemporâneas e a aprendizagem da atenção

5.1 – Estudo de duas horas: sobre a temporalidade da atenção

A análise dos relatos dos estudantes de psicologia acerca de suas práticas de estudo fez

emergir o problema da temporalidade atencional. Ao se referirem ao tempo máximo que

conseguem permanecer estudando, a unanimidade das respostas causou estranhamento. Os

estudantes realizam no máximo duas horas de estudo seguidos: [...] Às vezes eu consigo

estudar um dia inteiro, mas não horas seguidas. Paro um pouco. Aí vejo outra coisa que não

tem nada a ver e depois eu volto. Assim, consigo, dependendo da necessidade. Se eu sei que

eu tenho uma prova amanhã e eu tenho que estudar hoje então assim, e se eu sei que eu não

consegui estudar antes, fazer esse preparo e tal. Provavelmente eu vou conseguir...como já

aconteceu de eu virar a noite estudando, mas é...depende muito da necessidade. Eu consigo,

mas não é uma coisa...Eu consigo as horas seguidas, mas com intervalos no meio com coisas,

vamos dizer, aleatórias. Um e-mail...um orkut...alguma coisa que quebre essa... (E2). Depois

disso, a pausa é necessária a fim de assegurar um bom funcionamento da atenção: Não.

Horas, horas não. No máximo umas três horas. Depois eu começo a ficar dispersa e as coisas

não começam a entrar mais. Então, prefiro estudar: ‘Ah, vou estudar duas horas hoje,

amanhã eu estudo mais duas horas’, do que ficar em casa um dia inteiro estudando, que eu

sei que eu não vou dar conta (E10). É certo que o limite de duas horas para o estudo vai ao

encontro daquilo que os teóricos consideram ideal (MIRA Y LOPES, 1968; ROSÁRIO,

2004). No entanto, tomar a atenção a partir de sua aprendizagem implica em recolocar o

problema. A incapacidade de ultrapassar as duas horas de estudo seguidas e a necessidade de

pausas passam a ser vistas como uma produção e não como algo dado ou como um fato
127

natural. Tornam-se aspectos da cognição contemporânea que merecem ser analisados de

perto.

A investigação acerca da temporalidade da atenção afirma-se na psicologia como

estudo da vigilância ou da atenção sustentada. É considerado de fundamental importância na

medida em que as variações atencionais pressupõem diferenças na eficiência das atividades,

repercutindo sobre as performances dos sujeitos. Portanto, para a psicologia da atenção - tal

como tem sido realizada – o problema da sustentação da atenção resume-se a como fazer com

que a atenção se mantenha de maneira a garantir que a tarefa a ser realizada seja cumprida

com eficiência. Trata-se antes de uma questão de performance e não de um tempo necessário

a vivência da experiência.

O termo atenção sustentada nasce na psicologia como uma derivação prática do

conceito de vigilância. Gómez-Iniguez, Carbonell-Vayá e Martin Del Rio (1999) explicam

que embora o conceito de vigilância seja tomado na atualidade praticamente como sinônimo

de atenção sustentada, ele surgiu no início do século XX para dar conta do problema da

ativação neuronal. Henry Head introduziu o termo vigilância no campo da medicina

concebendo-o como um estado de alto grau de eficiência do sistema nervoso central (SNC)

subjacente aos processos físicos e psicológicos, passível de alteração em função das mudanças

estruturais produzidas no SNC (Ibid, p.418). Nos anos de 1940, em função de problemas

práticos surgidos durante a II Guerra Mundial, Norman H.Mackowrth começou a pensar a

vigilância como atenção sustentada. Era preciso dar conta do funcionamento atencional dos

controladores de radar aéreo. Como sustentar a atenção por períodos de tempo prolongados

mantendo a capacidade de detecção de sinais que apareciam de maneira imprevista nas telas

do radar? (Ibid, p.419). Desde então as pesquisas psicológicas sobre a atenção sustentada têm

sido relacionadas às atividades de monitoramento 45. Situações em que um observador ou

45
Além das tradicionais pesquisas efetuadas no campo militar, têm sido freqüentes as pesquisas que investigam
o funcionamento atencional no trânsito. Citamos como exemplo o trabalho de Inocente et.al., (2009).
128

ouvinte deve continuamente sustentar a sua atenção a fim de vigiá-la, não deixando escapar

eventos previamente identificados – alvos - que podem aparecer ou desaparecer a qualquer

momento no campo perceptivo. Então, para a psicologia – psicologia da atenção do século

XX - a atenção sustentada confunde-se com a vigilância, configurando uma atenção contínua,

com foco bem definido – o alvo -, capaz de prontamente detectar seu aparecimento no campo

perceptivo e desencadear uma ação adequada. Assim, concluí-se que a ação adequada

depende sempre de uma vigilância eficiente.

Mackowrth verificou através de testes – Clock Test, Synthetic Radar Test e Main

Listening Test - que após os trinta primeiros minutos de execução das tarefas a capacidade de

detecção de sinais se deteriora. Como conseqüência sugeriu que os controladores de radar não

prolongassem suas atividades além de uma hora sem interrupção sob pena de prejudicar a

eficiência do trabalho. O limite de duas horas proposto pelos teóricos do estudo aos

estudantes parece-nos se inserir no contexto dessas descobertas. Podemos supor então que,

para eles, o estudo é tomado como uma atividade que requer uma atenção vigilante. Em outras

palavras a relação do estudante com o estudo assemelha-se a do controlador de radar com o

radar. O estudante vigilante deve manter sua atenção concentrada, ciente daquilo que precisa

saber, sendo capaz de detectar seu aparecimento, não deixando escapar nada. Disso depende

seu êxito. Esta proposta se afasta radicalmente do estudo como experiência. Do ponto de vista

da experiência o importante não é detectar o alvo, mas sustentar a atenção a fim de deixar-se

afetar pelo texto ou por qualquer outro material de estudo. Não se trata de controle ou de foco,

mas de concentração e abertura. Lecerf (2006, p.61) explica como seria uma leitura que

adotasse a atenção vigilante: “Para pegar o exemplo da leitura, ser vigilante significaria

reencontrar tudo o que sabemos que devemos encontrar. Isso implicaria tomar o livro como

objeto cuja escritura já está acabada e cujo campo de interpretação já está balizado”. A

vigilância, apesar da concentração, em função do foco pré-definido, impede o aparecimento


129

da diferença inesperada e, portanto da experiência. Vale argumentar que do ponto de vista dos

controladores de radar e de pessoas que realizam funções semelhantes a hesitação diante da

ação e a problematização podem representar risco de vida. Nestes casos a atenção

extremamente focada e concentrada pode ser mais interessante que a aberta. Porém, este não

nos parece ser o caso do estudante para quem a abertura atencional pode garantir a

possibilidade de fazer do estudo uma atividade de transformação de si e do mundo.

Apesar dos avanços da psicologia da atenção do século XX, é nas formulações

W.James que encontramos um rico material para analisar as falas dos estudantes

contemporâneos. Sobretudo porque estamos interessados não apenas no estudo como tarefa,

mas principalmente no estudo como experiência, a contribuição do psicólogo americano é

fundamental.

A teoria atencional jamesiana parte da distinção entre uma atenção passiva ou

involuntária e, uma atenção ativa ou voluntária. Através dela, aborda diferentes problemas,

inclusive, o da atenção sustentada. Apresenta duas possibilidades para sustentar a atenção:

pela via do esforço ou pela via do interesse. Através do esforço, a atenção voluntária

consegue, ao menos por algum tempo, manter a atenção em um assunto e/ou lugar. No

entanto, o esforço esgota-se com facilidade, além de causar fadiga. Nos termos da psicologia

do século XX, o esforço implica em gasto de energia através da perda de recursos atencionais,

fazendo aparecer a sensação de exaustão (MIALET, 1999; CAMUS, 1996). Citamos James

(1899/1924, p.117): “A atenção voluntária é, realmente, uma questão momentânea” (James,

1899/1924, p.117). Desse modo, apesar de ser possível sustentar a atenção através do esforço,

esta via apresenta notáveis limitações temporais. É interessante perceber o quanto a

explicação jamesiana da sustentação atencional pela via da vontade e do esforço aproxima-se

da fornecida pelos trabalhos sobre vigilância. Lá a idéia para manter a atenção funcionando de

modo eficiente é assegurar que de tempos em tempos haja um intervalo em função do


130

esgotamento atencional/cognitivo. James, no entanto, segue outro percurso. Ao invés de

defender a necessidade de intervalos regulares, aposta no interesse. Destaca que através do

interesse é possível sustentar a atenção sem lançar mão do esforço. Cita o exemplo do gênio.

O gênio é aquele que fica horas entretido no mesmo assunto, refletindo sobre suas questões,

sem demonstrar qualquer sinal de cansaço e também sem desviar a atenção. Como explicar

esse comportamento? De acordo James, a sustentação da atenção do gênio é realizada através

da atenção passiva e não da voluntária. Por isso não requer esforço e dura mais tempo.

Explica:

A atenção sustentada do gênio que se mantém fixa em um objeto por horas e horas,
é, na maior parte, de natureza passiva. A mente genial abunda em associações
numerosas e originais. O tema mental uma vez em ação desenvolve todo o tipo de
conseqüências fascinantes e a atenção vai de uma a outra segundo a via mais
interessante sem que tenha que se desencaminhar (James, 1899/1924, p.117).

No caso do gênio, o interesse, na medida em que produz associações, faz redes,

substitui a necessidade do esforço. A sustentação é obtida através da produção da rede e não

pelo esforço exercido. Tendo em vista o contexto contemporâneo sentimos necessidade de

tecer algumas considerações a respeito da hipótese jamesiana. A rede formada pela cognição

do gênio é produzida transversalmente, ou seja, em relação a um mesmo assunto. Produz

densidade e consistência. Não se trata apenas de profundidade, mas de um estudo que se faz

em diferentes níveis e em múltiplas dimensões. Trata-se de uma variação no mesmo tema.

Seria diferente se a rede fosse realizada horizontalmente, pulando de um assunto a outro,

como na navegação pela Internet. Neste caso teríamos uma abrangência maior de temas,

porém tratados superficialmente. Poderíamos dizer que ao invés de sustentação da atenção

teríamos, no segundo caso, uma atenção que se mantém fixa e saltitante. A atenção se mantém

na medida em que os assuntos vão variando, mas não se sustenta no sentido de conseguir dar

conta da variação num mesmo assunto. Ela não dura, mas é capturada. Assim nos parece que

embora James refira-se a atenção sustentada do gênio como uma atenção sem esforço, se

concebemos o esforço não como dificuldade, mas como sinônimo de concentração – tal como
131

faz a psicologia cognitiva (CAMUS, 1996) –, então teríamos que admitir a existência também

de um certo esforço na atenção do gênio. O que queremos dizer é que, apesar de não ser

difícil para o gênio sustentar a sua atenção, esta sustentação implica concentração. O próprio

James nos informa sobre isso ao afirmar que a dificuldade do gênio reside em sua

incapacidade de desviar a atenção. Portanto o problema não é simplesmente fazer rede.

Embora a rede seja importante, a questão que precisa ser colocada é como a rede é tecida.

Esta será uma idéia importante. Voltaremos a ela no ponto seguinte ao discutirmos a questão

da aprendizagem da atenção no acoplamento da cognição com as NTIC.

Por hora gostaríamos de avançar um pouco mais nas contribuições jamesianas,

reunindo as formulações da sustentação atencional com o conceito de fluxo do pensamento.

Isto nos ajudará a pensar numa outra dimensão da temporalidade atencional que é a do ritmo.

Lembramos que Dewey (1980), ao se referir à vivência da “uma” experiência assinala a

presença de um ritmo específico. Este permite que num tempo justo – nem excessivamente

rápido, tampouco lento demais – ocorra uma ação, que sejam sentidos seus desdobramentos e

que depois se volte a agir, transformado pelos efeitos daquilo que foi experienciado. Sem este

ritmo, a vivência da experiência torna-se, senão impossível, muito difícil. Mais

especificamente interessa-nos explorar a metáfora jamesiana a qual Dewey faz referência ao

explicar o ritmo necessário à “uma” experiência. Trata-se da metáfora que compara o

pensamento ao vôo de um pássaro. Citamos James (1890/1952, p.158): “Quando temos, de

fato, uma visão geral do maravilhoso fluxo de nossa consciência, o que nos espanta, em

primeiro lugar, é essa diferente rapidez de suas partes. Como a vida de um pássaro, ele parece

ser feito de uma alternância de vôos e pousos”.

O pensamento, assim como o vôo do pássaro, é contínuo. Sua continuidade, porém,

não exclui as paradas. Observando os pássaros percebemos que seus vôos são entrecortados

pelos pousos. Porém, menos do que interrupção, os pousos são intervalos intimamente
132

conectados ao vôo. Kastrup (2007, p.16) ao analisar essa mesma metáfora comenta que o

pouso não deve ser entendido como uma parada do movimento, mas como uma parada no

movimento. Portanto, podemos dizer que a continuidade do pensamento é efeito justamente

das articulações entre vôos e pousos. Inspirados por essas idéias, afirmamos que a sustentação

da atenção não é uniforme, mas revela um ritmo que alterna tensão e distensão, fechamento e

abertura. Dessa forma a diferença entre a atenção sustentada do gênio e a atenção fixa e

saltitante não é apenas a geografia da rede – transversal ou horizontal – que num caso

privilegia a densidade e no outro a abrangência, mas também a presença ou ausência de ritmo.

A rede do gênio segue o fluxo do pensamento, sendo tecida num ritmo que apesar de poder

assumir diferentes velocidades, coordena vôos e pousos, tensão e distensão. As paradas são

momentos de abertura. Já a rede da atenção fixa e saltitante é tecida por sobressaltos, não tem

ritmo, mas instantes. Neste caso, as paradas antes de abrirem a cognição, representam

deslocamentos de foco.

A fim de melhor entendermos essa questão do ritmo, trazemos Simone Weil, uma

filósofa e operária que, no início do século XX, também trabalhou a questão da atenção. Weil

ao falar dos movimentos dos operários nas fábricas fordistas-tayloristas refere-se à diferença

entre o ritmo e a cadência. Explica que o primeiro supõe um intervalo que ao mesmo tempo

pausa e re-conecta o movimento, enquanto o segundo é formado pela justaposição de

movimentos desconectados. Sobre o ritmo e a cadência:

A sucessão de seus gestos não está designada, na linguagem da fábrica, pela


palavra ritmo, mas pela palavra cadência, isto é correto, visto que esta sucessão é o
contrário de um ritmo. Todas as seqüências de movimentos que participam do belo
e se cumprem sem degradação incluem momentos de parada, breves como o
relâmpago, que vêm a ser o segredo do ritmo e dão ao espectador, por sua própria
extrema rapidez, a impressão de lentidão (WEIL, 1979, p.134-135).

Para ela o ritmo é fundamental na medida em que participa da constituição da

experiência:

É natural para o homem e conveniente para ele deter-se quando fez algo, nem que
seja pelo espaço de um relâmpago, para tomar consciência, como Deus no Gênese;
133

este clarão do pensamento, de imobilidade e equilíbrio, é o que é preciso aprender a


suprimir totalmente na fábrica, durante o trabalho. As manobras em máquinas não
atingem a cadência exigida, se os gestos de um segundo não se sucederem
ininterruptamente e quase como o tique-taque de um relógio, sem algo que marque
que alguma coisa acabou e outra está começando (Ibid, p.135).

O conceito de fluxo do pensamento e a metáfora do vôo do pássaro fazem ver então

que por mais sustentada que a atenção se mostre, ela não exclui as paradas. Assim como o

pássaro necessita do pouso para descansar e se reorientar em relação ao vôo, nossa cognição

precisa das pausas. Não se trata da parada defendida pelos estudos sobre vigilância. O que

está em jogo não é uma interrupção em função de um esgotamento atencional que visa

restaurar a capacidade cognitiva. As pausas, antes de tudo, conectam e articulam. Após as

pausas não voltamos “zerados” às atividades, mas conservamos o já vivido e isto é

fundamental para os desdobramentos da ação como experiência. Dessa maneira, no caso do

funcionamento atencional do gênio, as pausas não interrompem, mas conectam, conferem

ritmo, tornando possível a experiência e, o que nos interessa aqui, o estudo como experiência.

Isto é, um estudo que não seja pautado pela ênfase na tarefa, na solução de problemas dados e

na performance, mas que inclua problematizações e pensamento. Weil nos ajuda na

argumentação ao defender que o intervalo que confere ritmo não implica simplesmente num

não fazer, mas principalmente num ativo padecer. Não se trata simplesmente de parar, mas de

estabelecer outra relação com o mundo e consigo capaz de deixar-se afetar pelo trabalho feito.

Nos termos da autora, tomar consciência. Portanto a pausa que confere ritmo não se opõe à

sustentação da atenção. Pelo contrário, graças a ela a atenção não apenas se mantém, mas é

capaz de acolher a experiência. Depraz, Varela e Vermersch (2002) referem-se a uma atenção

suspensa que descrevem como concentrada e aberta.

Voltando às falas dos estudantes a respeito de sua temporalidade atencional,

percebemos que as paradas às quais se referem não se encontram a princípio em oposição a

idéia de sustentação da atenção. Tanto do ponto de vista da psicologia do século XX quanto

da psicologia jamesiana, a sustentação atencional pressupõe pausas. A questão então que nos
134

parece importante analisar é a qualidade dessas pausas. O que os estudantes fazem ao parar?

Será que as pausas interrompem o estudo ou será que conferem ritmo? A partir daí poderemos

caminhar no entendimento das práticas de estudo contemporâneas.

Conforme os relatos apontam, após duas horas de estudo seguidas, uma pausa é

necessária. Esta é preenchida de diferentes maneiras. Desde atividades que parecem contribuir

para a distensão e abertura da atenção, introduzindo ritmo ao estudo, como por exemplo, o

levantar-se para olhar a paisagem, comer e até tirar um cochilo, até atividades que solicitam

ainda mais atenção e em especial o foco da atenção como é o caso de interromper o estudo e ir

checar os e-mails e ver o Orkut. Citamos as falas dos estudantes. E12 refere-se a sua parada

no estudo como uma pausa para ver a paisagem: Eu tenho que parar um pouquinho e ir do

lado de fora. Porque geralmente eu estudo no meu quarto, então ele é todo fechado. Eu vou,

abro a porta, vou pro quintal, olho pras árvores e depois volto. [...] (E12). E1 prefere comer:

É na hora que eu não agüentava mais ler o texto. Aí você fala: “Não, agora eu vou comer”.

Aí você pára, esfria um pouco a cabeça e depois você volta. Você consegue terminar a leitura

mais tranqüilamente e absorver melhor o que tá sendo apresentado sem ser...né? Aquela

leitura rápida (E1). E9, porém, assim como a maioria dos estudantes – vale observar a fala de

E2 apresentada no início deste capítulo -, preenche a pausa com atividades que tensionam

ainda mais a atenção, demandando foco: [...]‘Enchi o saco, vou dar um intervalo, vou dar um

recreio pra mim’. Eu chamo de meu recreio. Aí eu vou assistir TV, aí eu volto depois pra

estudar. Aí eu me dou outro recreio pra, por exemplo, abrir o Orkut e abrir o e-mail. Aí abro,

acabou o recreio eu volto. [...] (E9). Aí, a pausa menos do que instaurar um ritmo,

interrompe. Assim, com exceção do “olhar a paisagem” e, talvez do “comer” que parecem

instaurar um funcionamento atencional aberto e sem foco, capaz de acolher os efeitos daquilo

que foi realizado até então, as outras pausas são preenchidas por atividades que implicam

movimento, estimulação e responsividade. A atenção ao descansar, permanece tensionada e


135

focada. No primeiro caso podemos falar da existência de um ritmo que se alterna entre a

tensão do estudo e a distensão da contemplação. Já no segundo, parece haver sobressaltos ao

invés de ritmo. A atenção não distensiona, não se abre, não permite circular o fluxo do

pensamento. Neste sentido, no segundo caso - que é justamente a orientação da maioria dos

estudantes -, a possibilidade do estudo desdobrar-se em experiência através de pensamento e

problematizações é praticamente inexistente. É interessante notar que alguns estudantes

parecem sentir a insuficiência deste tipo de funcionamento atencional marcado pela ação e

pela velocidade acelerada, o que os leva a recorrer a estratégias que visam atenuar os efeitos

dessa ausência de ritmo. E14, por exemplo, tem dificuldade em conseguir produzir um ritmo

no estudo em função do excesso de velocidade. A solução encontrada foi então repetir até

conseguir entender. Citamos: [...] Quando eu pego um artigo... depende do tamanho, mas um

artigo médio – dez páginas, quinze páginas. Já que eu tenho esse tempo, eu pego, leio, marco,

depois leio de novo. Se tiver uma coisa que eu não marquei, eu marco novamente. Porque é

questão pra percepção, parece que a primeira vez que você lê, parece que você tá muito fora,

tá muito disperso ainda. Mas, pelo menos comigo é assim, quando eu leio já na segunda vez,

na terceira vez eu consigo...parece que as coisas funcionam melhor pra mim. Parece que o

pensamento começa... igual engrenagem, vai começando...entendeu? Então eu sei que tem

que ler duas no mínimo aí vai.[...] Livro não. Livro, por exemplo, só quando a professora, o

professor diz: ‘Oh, capítulo tal’. Aí sim. Mas o livro inteiro é raro na maioria das vezes. Mas

o livro inteiro, mas o livro eu já faço diferente pra ler, eu já leio devagar. [...]Por exemplo,

eu leio, vou tentando meditar naquilo que foi escrito ali pra pegar realmente, pra ter o

entendimento daquilo, pra não passar. É claro, pô, tem dia que eu leio direto e quando você

vai ver o que o livro fala: ‘Ih, caraca!’. Entendeu? [...] Aí tu improvisa (risos). Sempre surge

alguma coisa. Mas eu não gosto disso. (E14).


136

Outro aspecto da temporalidade atencional dos estudantes que se destacou em nossa

análise foi o reconhecimento de uma diferença entre estudar e fazer trabalhos. Os próprios

estudantes ao comentarem a respeito da duração de sua atenção nas atividades de estudo

trazem à cena a diferença: Horas seguidas talvez não, porque eu acho que eu não...eu não...

Quer dizer, quando eu estudava no Ensino Médio assim, eu costumava ficar muito tempo,

assim horas seguidas e tal, resolvendo exercícios: de matemática, de física, etc., né? Mas,

mais agora na faculdade , mais com textos, eu não fico assim muitas horas seguidas. [...] É,

mais ou menos isso. Eu estudo um pouco, vou fazer alguma outra coisa, às vezes tenho que

estudar outra coisa também, né? Isso acontece. É basicamente assim: eu estudo, vou fazer

alguma coisa... (E7). E ainda: Consigo ficar no máximo uma hora, uma hora e meia. Pra

fazer trabalho até consigo mais, às vezes eu consigo ficar três horas, quatro horas [...](E9).

As falas sugerem a existência de funcionamentos atencionais diferenciados para o estudo e

para a realização de trabalhos. Estes repercutem de maneira distinta sobre a manutenção da

atenção. É mais fácil ficar mais tempo fazendo trabalhos que estudando. Em relação a isso é

preciso notar a presença de um certo movimento na realização de trabalhos que está ausente

no estudo. A própria expressão fazer trabalhos e/ou exercícios enfatiza a questão da ação

motora. No caso do estudo, o que se destaca não é o movimento, mas uma relação consigo

que implica justamente numa paralisação física. Enquanto no fazer exercícios e trabalhos o

que predomina é a relação com estimulações externas, no estudo – principalmente no estudo

como experiência - é preciso sustentar a atenção, fazendo durá-la sem preenchê-la. Ao invés

de responder a estímulos, trata-se de acolhê-los.

Portanto a afirmação da incapacidade de ultrapassar as duas horas de estudo é

insuficiente para compreendermos o que está se passando na cognição dos estudantes na

contemporaneidade. Vimos o quanto a análise das pausas e paradas é importante. Elas têm

funcionado menos como distensão e abertura para que o pensamento flua e mais como
137

interrupções para fazer coisas que exigem ainda mais uma atenção focada. Ao invés de uma

atenção sustentada e com ritmo, os estudantes funcionam cada vez mais por sobressaltos.

Aliás, o apelo da ação parece explicar o porquê dos estudantes afirmarem sentir mais

facilidade na realização de trabalhos que no estudo em si. Percebemos, assim, que as práticas

de estudo tal como tem sido realizadas dificultam o estudo como experiência. Vamos agora

investigar mais de perto o funcionamento atencional em jogo nestas duas horas de estudo nas

práticas de estudo. Aí, a questão do acoplamento da cognição com as NTIC aparecerá com

destaque.

5.2 – Estudo acoplado com as NTIC: muitas questões para a atenção

Abordar o problema do funcionamento atencional nas práticas de estudo na

contemporaneidade implica considerar os acoplamentos da cognição com as NTIC. Em

particular, destaca-se o acoplamento da cognição com o computador. Note-se que o

computador hoje inclui a Internet e todas as suas possibilidades de comunicação e conexão.

Guattari em um texto publicado pela primeira vez em 1988 já apontava para a necessidade de,

cada vez mais, pensarmos numa subjetividade produzida na interdependência com a

infinidade de sistemas maquínicos que, naquele momento, começavam a se desenvolver e

popularizar: “Nenhum campo de opinião, de pensamento, de imagem, de afectos, de

narratividade pode, daqui para frente, ter a pretensão de escapar à influência invasiva da

‘assistência por computador’, dos bancos de dados, da telemática etc...” (GUATTARI, 1993,

p.177).

Como dispositivo disparador, apresentamos o relato de E4 a respeito de sua prática de

estudo:
138

E4: Foi por causa do P 46, que o P... fiz a pergunta pra ele. A pergunta era: qual era a

diferença, exatamente a diferença entre um mapeamento cerebral dinâmico, que é o do Luria,

e o mapeamento cerebral funcional específico, que é o do Brocat. Ele falou: “Essa resposta é

complexa. Eu já tô descendo, aula que vem a gente fala disso”. Eu falei: “tá bom”. Só que aí

eu cheguei em casa, tava com isso na cabeça e resolvi ler.

B: Aí você chegou em casa, você foi direto procurar o livro pra ler?

E4: Não. Eu cheguei em casa, eu..., é...acho que eu liguei o computador, é...tomei banho...

B: Você ligou o computador e tomou banho?

E4: É, pra ficar descansado, pra não chegar da rua e ir direto ler.

B: Mas primeiro você ligou o computador, depois você tomou banho?

E4: Não. Eu tentei ligar o computador, o computador não engrenava, porque aquele

computador tá uma carroça. Aí eu tomei banho, dando um tempo, voltei e o computador ligou

milagrosamente dessa vez. E aí eu peguei o livro pra ler.

B: Com o computador ligado?

E4: Sim.

B: Mas você tava fazendo alguma coisa no computador também?

E4: Não, naquela hora não.

B: Não? Você só queria deixar o computador ligado?

E4: É, eu queria deixar ligado pra... é... não...é..só força do hábito, eu ligo pra se entrasse

alguém e tal.

B: O MSN tava ligado?

E4: Tava, mas tava no offline, sem falar com ninguém sabe? Tava aparecendo pras outras

pessoas que eu tava offline, só que eu tava lá na janelinha pra quando entrasse alguém que

valesse a pena conversar eu falava com a pessoa.

46
Para preservar o sigilo substituímos o nome do professor pela letra P.
139

B: Entendi. Aí você pegou o livro do Luria [...] Aí o que é que você fez?

E4: Eu peguei e...é, eu botei música e comecei a ler 47.

B: E aí você foi lá para a página que tava o capítulo?

E4: Eu fui pra página.

B: Quando você chegou na página do capítulo que você queria ler, como é que você fez?

E4: Eu olhei e tal, aí... comecei. Li alguns parágrafos e tal. Eventualmente eu olhava pra tela

do computador, talvez...é...sabe? Meio que...não surfar, no sentido de ficar procurando coisa,

mas clicava num link ou outro que tava na janela, sabe? Tinha algumas...era...É, eu ficava

meio que surfando, tipo, olhava o Orkut, clicava e continuava lendo. É.

B: Mas assim que você chegou no capítulo, você deu uma folheada no capítulo antes? Você

falou “dei uma olhada”, você deu uma passada de páginas?

E4: Eu vi o tamanho. Porque é... É, eu vi o tamanho do que é que eu tava prestes a ler.

[...]

B: Aí você começou a ler, aí foi lendo, lendo, lendo e de vez em quando parava...

E4: É, não parar exatamente. Tava com o livro aqui. Aí às vezes olhava pra tela do

computador, dava um clique, continuava lendo. (gesticula).

B: E aí você parava...

E4: É, só teve uma hora que eu me lembro que eu marquei o livro, mexi em alguma coisa no

computador e peguei de novo.

B: Aquilo que você tava mexendo no computador era o quê?

E4: Eu lembro que eu tava pesquisando...era o Orkut e tinha também a Wikipédia aberta em

alguma página que eu não consigo me recordar exatamente qual.

B: Tinha relação com o assunto?

47
Destacamos que na maioria das entrevistas quando os estudantes se referem à música trata-se da música
escutada através do computador.
140

E4: Não, não tinha nada a ver com o assunto. Mas eu me lembro que era alguma coisa

teórica também, só que nada a ver com o assunto. [...] Ah é! E outra coisa, tinha o Wikipédia,

o Orkut, tinha uma página do Google aberta que eu boto “define” e as palavras em inglês

quando eu não sei exatamente o que ele tá falando, que aí ele dá a definição.

[...]

Sobre a atenção durante o processo E4 argumenta: Vai parecer engraçado, mas tipo, eu

dispersava porque eu pensava em outra coisa, mas era raro nessas minhas saídas do texto,

era raro eu perder o que eu tava pensando, sabe? Normalmente... [...] É. Tipo de olhar pra

cima e voltar, é raro, mas às vezes eu tava lendo um tempo e começava a dispersar, sabe?

[...] Eu sentia indo e puxava de novo, voltava pro início do parágrafo, tipo “opa! Peraí, eu já

tô aqui, eu não lembro do que tinha nessas frases antes”, aí começava tudo de novo, sabe?

Sobre a dinâmica atencional na divisão entre o texto a ser estudado e o computador: É,

normalmente a atenção fica no texto e aí, eu olho assim, vejo se tem alguma coisa na tela e

volto à atenção pro texto. É, mas eu tomo cuidado pra não ter coisa demais na tela, sabe?

Pra não ficar “PA PA PA”, se não eu não consigo estudar e quando eu não consigo estudar,

eu prefiro deixar de estudar do que estudar aos trancos e barrancos.

5.2.1 - Ligar o computador: um hábito de acesso a um universo múltiplo

E4 refere-se ao hábito de chegar em casa e ligar o computador. Antes o movimento

habitual era chegar em casa e ligar a luz. Em outra época falava-se de chegar em casa e

imediatamente ligar a TV, deixando-a falar sozinha. Hoje, além da luz e da TV, ou talvez até,

ao invés da luz e da TV, liga-se o computador. Este hábito, é preciso dizer, não é uma

particularidade de E4, mas comparece em outras entrevistas. Num texto em que analisam

como os jovens de hoje fundem os domínios do real e do virtual por meio de recursos

tecnológicos - dentre os quais se destaca o computador através da Internet -, Almeida e


141

Eugenio (2006) revelam este mesmo comportamento: “Conectados permanentemente à

Internet, através de computadores que muitas vezes não são desligados por dias a fio, estes

jovens transitam para ‘dentro da tela’ como quem se move por mais um cômodo da casa”

(Ibid, p.58 – grifo nosso). Na nossa pesquisa, percebemos que não é raro o computador estar

ligado numa situação de estudo sem que necessariamente esteja sendo usado para esse fim.

E13 comenta a respeito de sua prática de estudo: Eu tenho esse vício também de ter o

computador ligado para poder estudar (E13). Na fala deste estudante não se trata apenas de

um hábito, mas de um vício. A seqüência de seu relato indica que a palavra vício não é força

de expressão: [...] Eu ficava horas no computador, era a minha diversão. Eu só me sentia

bem no computador. Tinha que tá ligado, sempre na internet, sempre em contato. Porque eu

me sentia vivo com isso, eu me sentia ligado ao mundo com isso. [...](E13). Chama a atenção,

a idéia de que hoje o estar ligado, em contato com o mundo através da Internet é muito mais

do que apenas diversão, trabalho ou estudo é uma questão existencial, aquilo que nos faz

sentir vivos. Isto nos remete à discussão dos teóricos da economia da atenção que vimos no

terceiro capítulo. Conforme mostramos, nesta nova economia, todos, não apenas querem, mas

precisam de atenção para viver. Chamar atenção para si passa a ser tão importante quanto

saber como e onde investir a atenção. A Internet aparece assim como um dispositivo

privilegiado na medida em que permite através das conexões atentar e ao mesmo tempo

chamar atenção.

Num artigo publicado em 2006 na revista Time (WALLIS, 2006), a psicóloga Patricia

Wallace, diretora do Johns Hopkins Center of Talent Youth program reflete sobre o fascínio

que o e-mail - poderíamos pensar também no Orkut e similares - exerce sobre jovens e

adultos. Para ela seria algo parecido com a máquina de moedas. Explica usando termos

behavioristas: Você tem um reforço intermitente variável, ou seja, você nunca sabe quando

receberá a recompensa, se a cada vez que entrar ou, de quanto em quanto tempo, então você
142

continua acessando. Citamos a fala de E5 a esse respeito: [...] Liguei o computador, não

adianta, eu tenho que ir no Orkut. Então eu vou primeiro no Orkut. Porque [se não] eu vou

ficar estudando e vou pensar no Orkut. Aí eu vou primeiro no Orkut, respondo o que eu tenho

que responder, aí acabou, morreu. Aí fico só estudando. [...] Porque se não vou falar: “será

que fulano me mandou recado?”. Porque às vezes eu...por exemplo... porque como eu sempre

vou estudar e depois eu vou sair pra alguma coisa, aí se dependia do Orkut, por exemplo, aí

eu vou ficar “poxa, e se fulano desmarcou?, eu posso estudar mais”, ou “e se fulano

adiantou?, eu vou me atrasar”. Aí isso vai começar a me dispersar, então eu já elimino

qualquer coisa que vá me dispersar pra eu não: “E5, vai estudar nesse seu tempo mesmo que

não vai ter nenhum contratempo”. (E5).

Voltando ao problema do computador ligado enquanto se estuda. Percebemos que a

questão dele estar ou não sendo usado para estudar é mais complicada do que suspeitávamos.

E2, por exemplo, narra um episódio em que estava estudando para uma prova de fisiologia

enquanto seu computador estava ligado. De repente seu amigo da turma a avisou através do

MSN que outro garoto havia postado na comunidade do Orkut uns slides que ele pegou na

Internet justo sobre o mecanismo que era o tema da prova. Neste momento, o computador e a

comunicação virtual deixaram de ser apenas diversão e/ou distração para entrar no circuito

daquilo que estava sendo estudado. Citamos parte: Pode ser que sim e pode ser que não. Por

exemplo, nesse dia que eu descobri esse vídeo no orkut, eu tava com o orkut aberto, era...não

me lembro se era véspera da prova... Não faltava acho que tipo dois dias para prova assim.

Aí o menino me mandou o link. Então por acaso eu tava com o orkut aberto e naquele mesmo

momento eu já utilizei para uma coisa que aparentemente eu não ia usar.[...] Serviu para eu

adicionar no resumo que eu tava fazendo. (E2). Destacamos que esta prática aponta para um
143

modo de estudar que tem se tornado comum. Trata-se do estudo em circulação. No terceiro

capítulo a fala de E9 remete também ao estudo em circulação 48.

No entanto, nem todos os estudantes conseguem conciliar o uso do computador e da

Internet com o estudo. Para alguns o ambiente virtual é excessivamente estimulador o que

dificulta e, algumas vezes impede a concentração. Numa fala em que E11 comenta a diferença

entre a leitura na tela e do texto impresso, citada no primeiro capítulo, ela se refere à Internet

da seguinte forma: Internet é, pra mim, lugar de pesquisa assim, claro, mas também lugar de

diversão, de lazer, tem Orkut. E conclui: Fica uma coisa meio passando mal. Esse “passando

mal” parece estar vinculado ao excesso de coisas que vão surgindo incessantemente na tela e

capturando a atenção. Como se fosse impossível parar e respirar. Neste contexto somos

forçados a pensar mais uma vez que menos do que ritmo, o que está cada vez mais em jogo

nas práticas de estudo são velozes sobressaltos. Ao invés da atenção funcionar tensionando e

distensionando, focando e abrindo, ela parece trabalhar constantemente tensionada. Salta de

foco em foco dando a sensação de sufocamento ou, nas palavras da estudante de se estar

“passando mal”. E14 tenta explicar como acontece: Porque se ele tá ali... Não, é porque... às

vezes você foge, né? (risos) A internet é uma peste. Mas às vezes você foge. Mas normalmente

quando eu estou estudando com o computador ligado, que é em casa, se é em casa é no

momento anterior à prova, eu procuro me concentrar o máximo ali. [...] Claro. É ela que

desvia, não tem como não desviar. Às vezes não é nem isso. Às vezes você abre uma outra

página lá do Word pra escrever alguma coisa. Entendeu? Mas a internet atrapalha sim.

Atrapalha sim, sem dúvida atrapalha. (E14). Por isso alguns alunos que também trabalham e

se divertem com o computador e com a Internet, acabam desenvolvendo estratégias de

autocontrole, o que nos remete ao problema do biopoder: Uso. Quando eu tenho que fazer

pesquisa, só. Mas não chego em casa, tenho que ler textos e textos, mas aí eu vou ligar o

48
Cf.capítulo 3, p.77.
144

computador. Eu sento e leio, não ligo o computador. Porque se não eu vou ficar no

computador e não vou ler. Vou ficar ligada em outras coisas no computador e: ‘Ah, depois eu

leio isso aqui’. Então, eu prefiro sentar, se eu tiver que digitar alguma coisa, primeiro eu

leio, faço meu resumo, aí depois eu pego e digito o que eu tenho que fazer. (E10).

5.2.2 - Novas tecnologias e a captura da atenção: atenção dividida e atenção suficiente

Ao final da entrevista E4 comenta que ele, em seu estudo, se dispersava mais com seu

próprio pensamento, do que com as idas e vindas para o computador. O interessante é que

através de sua fala notamos que o próprio estudante acha isso surpreendente. Ele usa a

expressão: “Vai parecer engraçado” para introduzir seu comentário. Isto nos faz pensar sobre

o tipo de atenção que as novas tecnologias mobilizam. Parece tratar-se de uma captura que

prende a atenção e a faz saltar entre focos distintos, impedindo que ela desvie.

Voltando às idéias desenvolvidas por James, o computador parece favorecer a

construção de redes de pensamentos, o que a princípio apontaria para possibilidade de uma

atenção sustentada. No entanto, ao analisar o modo como essas redes estão sendo constituídas,

vamos percebendo que se tratam de redes horizontais que articulam, num tempo acelerado,

temas sem relação. A fala de E4 mencionada anteriormente é exemplar. Repetimos: [...]

Eventualmente eu olhava pra tela do computador, talvez...é...sabe? Meio que...não surfar, no

sentido de ficar procurando coisa, mas clicava num link ou outro que tava na janela, sabe?

Tinha algumas...era...É, eu ficava meio que surfando, tipo, olhava o Orkut, clicava e

continuava lendo. Mais adiante E4 comenta sobre aquilo que estava sendo acessado junto

com a leitura do texto de Luria: Não, não tinha nada a ver com o assunto. Mas eu me lembro

que era alguma coisa teórica também, só que nada a ver com o assunto. [...] Ah é! E outra

coisa, tinha o Wikipédia, o Orkut, tinha uma página do Google aberta que eu boto “define” e

as palavras em inglês quando eu não sei exatamente o que ele tá falando, que aí ele dá a
145

definição. Desse modo, ao invés de densidade e consistência, as redes estão produzindo

abrangência. Menos do que uma atenção sustentada, o que parece se manifestar neste

funcionamento cognitivo é uma atenção que se mantém fixa - pelo próprio apelo dos

estímulos - e saltitante. Compreende-se então o porquê é mais fácil dispersar com o próprio

pensamento do que nas idas e vindas do computador.

É interessante perceber que para E4 as idas e vindas do computador não representam

necessariamente paradas em seu estudo, sugerindo um modo de estudar também saltitante. Tal

observação nos faz pensar no problema da atenção dividida. Menos do que uma exceção a

atenção dividida parece participar cada vez mais do funcionamento atencional

contemporâneo. Citamos Almeida e Eugênio a esse respeito:

Importa chamar a atenção, aqui, para o fato de que tanto a mídia atual quanto os
especialistas vêm apontando a particular aptidão dos jovens de classe média dos
grandes centros urbanos em fazer uso simultâneo de dispositivos eletrônicos, tais
como telefone celular, computador, som e TV. O uso simultâneo desses recursos
também se estende à realização de tarefas e obrigações que exigem concentração,
como estudar (ALMEIDA e EUGÊNIO, 2006, p.54).

Alguns chegam a se referir a uma geração multitarefa (WALLIS, 2006). Este

funcionamento dividido repercute sobre a concentração e a sustentação atencional. Os

teóricos da atenção defendem que a atenção dividida conduz a um declínio tanto da

concentração quanto da possibilidade de sustentação da atenção. No entanto a análise das

entrevistas faz ver que para além da diminuição da concentração e da sustentação atencional,

está surgindo uma nova relação entre atenção e estudo. Trata-se da aceitação de uma atenção

suficiente. Isto é, uma atenção que não é plena, mas que também não está ausente. Citamos

E4: [...] Eu acho que eu estudo melhor quando eu tô...é...prestando não atenção demais, nem

de menos no estudo. Quer dizer, quando tem...se tiver só um silêncio absoluto e eu com o

livro, eu não vou conseguir ficar focado muito tempo. [...] Ao mesmo tempo, se tiver muito

barulho e tal, distração, eu também não vou conseguir ficar focado. Então eu acho que teria

que ter moderadamente com algum, sabe? Outras coisas e tal, outros estímulos. Sabe? Pra
146

poder dar uma, sabe? É. Normalmente não coisa de mais nem coisa de menos me

estimulando assim. (E4). Ainda sobre isso E3 comenta: [...] É raríssimo eu me concentrar

cem por cento. E raríssimo também eu não me concentrar em nada. É sempre uma

concentração ali: entre o nada e o cem por cento. E sempre acontece. Quando tá no nada aí

eu vou: “Pera, parou, vamos lá”, volto pro texto. Quando tá no cem por cento, aí é

fantástico, algo tá acontecendo, aí você pode ter certeza que algo tá acontecendo de

fantástico na minha vida. E fora isso, é o normal. Não me incomodo porque é o normal. É o

normal pra mim. (E3).

E11 ao explicar a divisão da atenção através de sua experiência corrobora a hipótese

dos teóricos da atenção de que menos do que realizar várias coisas ao mesmo tempo, sua

atenção oscila rapidamente entre uma coisa e outra: Eu tô ali pra estudar, até porque eu não

gosto muito de ver televisão, não vejo mesmo, nunca ligo televisão, não tenho muito hábito –

não tenho hábito nenhum. Mas quando eu tô lendo... Ah, me chama a atenção também o que

tá acontecendo: é o comercial da Globo, o Jornal Nacional. Aí eu não acho que...eu nem sei

se é possível que minha atenção se divida ao mesmo tempo nas duas coisas. Oscila, assim, eu

tô lendo aí me chamou...sei lá, eu ouvi na televisão alguma coisa aí me chamou a atenção,

mas é...aí eu tenho que voltar pro texto, sabe? Aí eu volto. Aí é aquela coisa que eu leio três

vezes a mesma frase. Eu falo: ‘Meu deus, eu to há dois minutos na mesma frase’, pra ver que

eu não conseguindo me concentrar. Acontece isso assim, mas... (E11).

A fala de E13 caminha no mesmo sentido, porém ao invés de se referir à oscilação que

nos remeteria mais às teorias do filtro, ele se refere a uma distribuição dos recursos

atencionais: Depende. Se eu tiver querendo só colocar uma idéia no papel, alguma coisa que

eu acho que não exige tanto de toda a minha atenção, eu até faço com Orkut, música, MSN.

Faço, paro... Meio que divido em várias partes a minha atenção e vou fazendo várias coisas

ao mesmo tempo. Mas isso quando é alguma coisa que na minha consciência eu vou
147

conseguir o meu objetivo mesmo com aqueles fatores que com certeza não ajudam. Mas

quando eu realmente vejo que precisa de toda a minha atenção, eu.., no máximo música,

porque música pode estimular. [...]. (E13).

5.2.3 – Políticas cognitivas: sobre as atitudes em relação ao conhecimento

E4 nos mostra uma relação com o conhecimento que não se contenta com as respostas

dadas - no caso específico com as respostas não dadas – sendo a pesquisa algo necessário. O

aluno perguntou ao professor e este não pode ou não quis responder na hora. Aqui seria

interessante pensar também o quanto as práticas de ensino repercutem sobre as práticas de

estudo e, consequentemente sobre a produção da atenção. Conforme já mencionamos, embora

esse não seja o foco de nossa tese, convém não perder de vista este importante aspecto. No

caso de E4, ao invés de se conformar com a limitação imposta pelo professor, ele foi procurar

saber a resposta para o seu problema. Esta nos parece uma atitude a ser valorizada. Tinha o

livro, o que facilitou a sua busca. Mas muitas vezes a pesquisa é realizada no computador

através das ferramentas de busca da Internet. Sobre isso é interessante o que E11 diz: Ah, eu

boto no Google. E aí vem o Wikipédia, vem o site de pessoas que falam sobre isso também ou

que escreveram. Aí eu até fico sabendo de gente que tá estudando esses temas que eu me

interesso mas que ainda não, que aqui na PUC não tem, não escuto falar. Por aí eu vou mas

sem essa... sem esse enquadramento assim da...sem nenhum método, sem nada, só porque eu

quero. E eu faço isso quando eu tenho tempo, quando eu quero e sem essa pressão também de

ter que... Pressão não, mas, assim, essa exigência de eu ter que tá apresentando pra alguém.

[...](E11).

E11, diferente de E4, sente que muitas vezes aquilo que a sua faculdade oferece é

insuficiente, porém através da Internet e do tipo de acesso à informação que este dispositivo

permite, consegue se aventurar por outros assuntos. Entretanto não se trata de nada muito
148

sistemático ou aprofundado, conforme a própria estudante relata. Existe uma curiosidade e

talvez até uma necessidade de saber mais. Como tudo o que se deseja está à distância de um

clique, então, clica-se. Isto não significa que este clique terá maiores desdobramentos.

Vejamos a fala de E5: Ah! É. Às vezes eu escuto uns nomes assim que eu não sei. Todo mundo

fala muito do Kant, “aí gente, quem é Kant? Pelo amor de deus”, (risos) aí chego na

Internet...aí chego em casa vou na Internet pesquisar. Ou às vezes a professora fala uma

palavra que eu não sei assim, aí eu anoto pra poder pesquisar. Isso eu faço. Aí antes eu

ficava meio desesperada que todo mundo sabia todas as linhas da psicologia e eu não sabia

nada. Qual a diferença de uma e outra pra não sei o quê? Eu falei: “o que é isso?”. Aí eu

comecei a pesquisar assim. Mas mais por interesse de eu não...sabe? De você poder

conversar e saber conversar, não ficar igual a uma idiota, sabe? Sem ter o que falar. Isso eu

faço (E5). Neste caso a curiosidade pelo saber é importante apenas para conectá-la às outras

pessoas, para fazer circular – poder conversar. A idéia aí é, talvez, parecer que sabe, mais até

do que saber – “não ficar igual a uma idiota”. Veremos no próximo capítulo como estas

questões estão vinculadas à nossa contemporaneidade.

As novas tecnologias parecem ter uma importante função na produção deste tipo de

política cognitiva orientada pela curiosidade e pelo desejo de saber. Ao permitirem um acesso

rápido às informações, às vezes até de forma sintética como no caso da Wikipédia –

enciclopédia virtual de escrita coletiva -, ferramenta bastante utilizada pelos alunos, elas

concorrem para o estabelecimento de relações singulares entre o estudante e o conhecimento.

Sobre a relação com o conhecimento: [...] Eu vou usar no trabalho só o que é científico, mas

eu vou ler diversas coisas, entendeu? Eu vou ler Wikipédia, eu vou ler às vezes um negócio

que saiu, não sei nem direito onde é que é, mas eu vou ler aquilo. Vou tentar comparar aquilo

com outras coisas. Aquilo pode me ajudar a escrever de forma mais simples. Eu leio aquilo

também. Livro, eu uso livro. Minha mãe, ela fez curso de psicologia, então ela tem muito
149

livro. Então eu posso pedir ajuda a ela com material bibliográfico. Tenho livro em casa,

compro livros quando o professor indica e eu acho que devo comprar, porque comprar tudo

que o professor indica é inviável. Mas compro livros também, então leio também negócio na

mão. Xérox. (E8).

Ressaltamos, porém, que esta facilidade no acesso às informações tem dupla

implicação para a cognição. A política cognitiva orientada pela curiosidade e pelo desejo de

saber possui diferentes desdobramentos. Por um lado suscita a curiosidade e o desejo de saber

e, por outro, como tudo está ali não é preciso ir muito além ou tentar entender algo mais

profundamente, pensar a respeito, deter-se por mais tempo naquilo, afinal quando quiser saber

novamente, basta clicar: Eu acabo... “ah, tá achei isso interessante”, aí guardo. Aí guardo

nos favoritos, aí guarda...De alguma maneira arquiva aquilo para em algum momento, ah,

tipo, tá, vou ler...enfim...Não tenho tido nem...às vezes recebo e-mail mesmo

interessante...não tenho tido tempo de...dar conta disso tudo. Mas eu dou alguma, dou um

jeito de arquivar aquilo ali pra num momento posterior tentar pelo menos...ver aquilo de

novo (E2).

Tendemos a concluir então que o não aprofundamento nos assuntos do qual tantos

professores se queixam tem menos a ver com a tradicional oposição entre um estudo que

envolve a compreensão e outro que envolve memorização e mais com a consciência de que o

conhecimento está à distância de um clique. Uma das conseqüências disso se manifesta,

talvez, através do espanto dos alunos diante da pergunta sobre como eles realizam a seleção

das coisas que precisam ser estudadas. Como assim? - eles respondem. Somos levados a

entender que isto não é questão para eles. Estudam, na melhor das hipóteses, tudo aquilo que

o professor dá, e que, conseqüentemente, está nas pastas das “xerox” ou nas apostilas 49.

49
Existe uma diferença institucional na forma como os professores disponibilizam o material para os alunos. Em
função da lei dos direitos autorais os locais que fazem fotocópia na UVA não copiam sequer capítulos de livros.
Neste caso os professores recomendam que os alunos comprem os livros e disponibilizam apostilas. Já na PUC,
UFRJ e UERJ a “xérox” já virou parte da instituição. Todo o material que o professor trabalha e exige para
150

Percebam como esta postura se revela nas falas destas duas estudantes a respeito de como

lêem os textos recomendados: Mais ou menos linkando o texto com a aula. Basicamente isso.

Alguma coisa não tinha ficado muito clara aí eu lembrava da aula...algo nesse sentido.

Ou...poxa isso reflete exatamente ou muito bem o que foi dado em sala, o conceito que foi

explicado. Então, eu destaco. Mas é mais ou menos isso. Não chego a fazer muitas dúvidas ou

a questionar...nada nesse sentido. Eu vou lendo o que foi apresentado (E1). Nesta fala

comparece a diferença abordada por Larrosa e que veremos no próximo capítulo entre

informação e conhecimento. A aluna ao tomar o material de estudo sem fazer muitas dúvidas

ou questionar parece apontar para uma relação com o conhecimento que aponta para o

consumo de informações. Citamos ainda: É porque, geralmente, assim, eu me baseio nas

aulas pra estudar, então eu acho que o que o professor fala, como a matéria é muito ampla, o

que ele fala é relevante. Então, é com base na fala dele que eu me baseio pra...[...] Eu leio,

mas é uma leitura meio dinâmica ou se o texto for muito grande e o professor não tiver dado

enfoque naquilo, eu deixo passar. Estudo o que ele disse e depois, mais pra frente, se tiver um

tempo, eu leio aquilo como algo complementar. (E12).

A questão do tempo é outro aspecto que interfere na relação do estudante com o

conhecimento. Reler um texto, por exemplo, é raro. Melhor do que reler é ler outra coisa: É

uma leitura, exato. Porque é aquela leitura em casa e você já trabalhou aquele texto em sala.

Não é necessário para mim voltar ao texto porque eu já apreendi a idéia dele. Então...seria

perda de tempo, digamos assim (E1). Ou ainda: Não. Não é muito comum não. A não ser em

casos específicos, quando eu quero consultar alguma coisa, ou então quando eu tô estudando

pra prova. Se eu li o texto eu vou reler pra fixar alguma coisa. Mas, via de regra, não, porque

geralmente, via de regra, eu penso: ‘eu não vou ler algo que eu já li, eu vou ler uma outra

coisa’ (E7).

avaliação – no caso da PUC – ou quase todo – no caso da UFRJ e UERJ – está disponibilizado na forma de
xeróx.
151

Além disso, o estudo se limita ao mínimo necessário. Leituras complementares são

tomadas praticamente como sinônimos de desnecessárias. Embora esta não seja uma

particularidade do funcionamento cognitivo contemporâneo, seus desdobramentos apontam a

nosso ver para singularidades dos tempos atuais. Sobretudo no que diz respeito ao tempo. A

frase de Ana Maria Nicolaci-da-Costa, pesquisadora brasileira que há muito investiga os

impactos das novas tecnologias na subjetividade nos parece intuir o movimento atual. Ela

afirma: “Pois mesmo uma vida já é pouco quando tudo pode ser conhecido” (NICOLACI-

DA-COSTA, 2006, p.31).

Algumas vezes os alunos até revelam uma disposição em relação à bibliografia

complementar. Eles anotam aquilo que é recomendado esperando algum dia poder dar conta

de tudo. No entanto conforme eles mesmos comentam as listas vão se acumulando sem

nenhuma perspectiva de converterem-se em estudo: Mas eu sempre anoto quando eles falam

filmes ou textos ou livros. Eu sempre anoto na minha agenda. Mas até agora eu não comprei

nenhum. Mas tá anotado porque eu tenho interesse, mas a vida é tão corrida que eu não fico

assim: ‘Eu preciso comprar o livro que ela falou que é muito bom. Eu preciso ir atrás desse

texto’. Até porque ela não apresenta como se a gente precisasse. Entende? Não é necessário

para a prova (E11). E mais: [...] Eu sempre faço um papelzinho lá, onde eu coloco os outros

livros que eu gostaria de ler, as outras coisas que seriam legais, mas eles vão se acumulando

ano após ano e eu não chego nunca a pegar eles. (E3). Sobre isto nos parece importante

valorizar esta disposição que a nosso ver pode ser investida e trabalhada no sentido de

promover efeitos potentes. A dificuldade dos estudantes está em saber como dar conta de

tudo. Talvez o desafio seja operar sobre esta questão tentando problematizar o que significa

dar conta de tudo.

Porém, alguns não conseguem dar conta nem do mínimo necessário: É angustiante,

né? [...] Mas quando eu vejo que o tempo não tá dando e tudo. Por exemplo, pra estudar pra
152

uma prova, quando eu vejo que eu não vou conseguir ler tudo que eu tenho que ler, eu tento

priorizar determinadas coisas, eu tento...e aí eu faço resu...leitura dinâmica de um texto, ou

então vou selecionando partes, coisas que eu vejo que tão mais relacionadas com o que foi

falado em aula. Eu procuro é...fazer isso, né? Eu procuro também sempre deixar os textos

das disciplinas juntos, né? E aí, vamos supor: eu tô na semana da prova, provavelmente

esse...eu ponho tudo junto num plástico e vai ficar na minha mochila, quando eu tiver um

tempo, seja até mesmo aqui na UERJ - algum tempo - eu vou tentar aproveitar pra estudar

(E7).

A prática de leitura dinâmica não tem a ver apenas com a questão de tempo. Alguns

estudantes como é o caso de E9 fazem dela um modo de estudar que pode algumas vezes

substituir o estudo aprofundado: Ah, eu sempre pergunto pro professor qual que é mais

importante, qual eu deveria começar, ‘por qual você sugere que eu comece?’. Então, às vezes

ele passar quatro textos e fala: ‘Mas lê nessa ordem.’, aí eu numero um, dois, três, quatro. Às

vezes eu leio só o um; às vezes eu leio o um e o dois. Então eu faço assim. Às vezes eu passo

os olhos em todos eles, dou uma... faço uma leitura superficial de todos. Mais ou menos assim

(E9). O importante é “se dar bem na prova”. Se isto é conseguido, então, não importa se a

leitura foi dinâmica ou se não deu para ler todos os textos: Ao pé da letra, tudo que eu tinha

que ler, não. Teve texto que eu não li, mas meu desempenho na prova foi... A prova era com

consulta também. De certa forma isso alterou a minha metodologia de estudo, NE? Mas eu

fui bem nessa prova, tirei nove na prova. [...] Sim, fui bem sucedido. (E7).

5.2.4 - Território de estudo: ambientes super-estimulados e estudo nos transportes

Baseados em referências etológicas, Deleuze e Guattari (1997b) pensam o território

como a delimitação de um espaço - não necessariamente físico – que ao garantir o mínimo de

familiaridade permite movimentos que conduzam a realizações. Em outras palavras o


153

território refere-se a um “estar em casa” que se constrói a partir de repetições – ritornelos -

que agenciam ritmos e objetos. Citam como exemplo o caso de uma criança que no escuro, é

tomada pelo medo e, então, tranqüiliza-se cantando. A música cria um território familiar à

criança, protegendo-a contra o escuro ameaçador. Assim, o movimento de construção do

território implica num afastamento em relação às forças do caos possibilitando realizações:

“Eis que as forças do caos são mantidas no exterior tanto quanto possível, e o espaço interior

protege as forças germinativas de uma tarefa a ser cumprida, de uma obra a ser feita” (Ibid,

p.116).

No caso do estudo, o território é aquilo que garante ao estudante um ambiente para

estudar. Este, não é universal ou geral, mas construído de modo singular. A partir da

perspectiva do território, não há ambientes ideais, mas aqueles onde nos sentimos em casa e

onde o trabalho é realizado. Porém, é preciso considerar que os trabalhos recebem as marcas

de seus territórios. A fala de E12 ajuda a entender o que estamos chamando de território de

estudo: Assim, eu acho que se preparar pra estudar pra mim tem esse sentido assim: ‘Ah,

agora eu vou estudar. Agora não vou brincar com minha irmã, não vou entrar no

computador, não vou jogar nada. Eu vou estudar’. Então, sentar na cama com a prancheta e

com... E com os textos todos separados e organizados é indicação de que agora é sério, não

vou brincar, vou estudar mesmo. (E12). E11 aponta para o fato de que seu território de estudo

se modifica: Então, eu costumo estudar na minha casa, na sala – na sala de estar, na sala

(né?) da minha casa. Na mesa de jantar mesmo. Eu sento, boto meus livros todos, os textos

em volta de mim. Ou... É, a maioria das vezes é assim, só que quando eu tenho...quando eu tô

na PUC e eu tenho buracos entre horários, entre aulas, eu às vezes já até deixei de ir pra

casa pra estudar aqui. Às vezes eu aturo estudar na biblioteca. [...] É. Que é silencioso e tal.

Mas ultimamente eu tenho estudado mais em casa. Mas eu lembro que eu tive momentos que

eu estudei muito na biblioteca. Aí eu fico aqui, até porque era uma época que eu me
154

dispersava mais. Não sei. Mas eu me sentia assim: ‘Vou ficar na biblioteca porque aí fica um

estudo sério mesmo’, sabe? Assim, eu não tô em casa, não tem a televisão que minha irmã ta

ouvindo, não tem minha mãe. Nada vai me interromper, só meu celular se tocar, mas eu

tô...melhor estudar na biblioteca assim. [...] Porque eu pensava muito assim, que quando eu

chegava em casa, é a minha casa, pode ser um local de estudo, mas a minha casa é um local

de muitas coisas mais que o estudo. Então, eu chegava em casa e lembrava de outras coisas

que eu tinha que fazer. Um e-mail que eu tinha que mandar, outros interesses, outras coisas a

fazer na minha casa. Sei lá. Aí, então, eu retardava a hora que eu ia começar a estudar.[...]

(E11).

O afastamento em relação ao caos produzido inicialmente pelo movimento de

construção do território não significa isolamento. Depois do território constituído essas forças

podem em alguma medida ser retomadas, produzindo variações nesses mesmos territórios:

“Agora, enfim, entreabrimos o círculo, nós o abrimos, deixamos alguém entrar, chamamos

alguém, ou então nós mesmos vamos para fora, nos lançamos” (Deleuze e Guattari, 1997b,

p.116). Estas variações são resultados daquilo que Deleuze e Guattari (Ibid) chamam de

desterritorializações. As desterritorializações produzem mudanças. Estas podem ser relativas -

quando o que ocorre é a produção, num mesmo território, de novos agenciamentos – ou

absolutas - quando o território habitado não é mais suficiente para dar conta das mudanças.

No caso de E11, a desterritorialização foi relativa. Implicou apenas novos agenciamentos sem

exigir a construção de um novo território.

Tanto a construção dos territórios quanto as desterritorializações são efeitos de

práticas e não produtos da vontade de um sujeito consciente de si. Sobre as

desterritorializações relativas: “Não há necessidade de deixar efetivamente o território para

entrar nesta via; mas aquilo que há pouco era uma função constituída no agenciamento
155

territorial, torna-se agora o elemento constituinte de um outro agenciamento, o elemento de

passagem a um outro agenciamento” (Ibid, p.133). Sobre as desterritorializações absolutas:

Sejam quais forem as causas de cada um desses movimentos, vê-se efetivamente


que a natureza do movimento muda. Não basta mais nem mesmo dizer que há
interagenciamento, passagem de um agenciamento territorial a um outro tipo;
diríamos antes que se sai de todo agenciamento, que se extrapola as capacidades de
todo agenciamento possível, para entrar num outro plano (Ibid, p.136).

Diante das desterritorializações duas conseqüências são possíveis: uma é a

reterritorialização, seja através da produção de novos agenciamentos, seja através da criação

de um novo território, a outra, é a volta ao caos, o que implica numa destruição da potência

criadora (Ibid, p.147). Para haver desterritorialização é preciso ter havido antes território. E é

justamente sobre o território que nos deteremos aqui.

Acreditamos que o conceito de território nos ajuda a retomar as questões trabalhadas a

respeito do funcionamento atencional dos estudantes em suas práticas de estudo na

contemporaneidade e até ampliar nossa discussão. Trata-se agora de pensar o território de

estudo na contemporaneidade.

A presença das novas tecnologias e, em especial, do computador e da Internet estão no

centro da construção deste território. Conforme já discutimos, muitas vezes o computador

com acesso à Internet precisa apenas estar ali. Não necessariamente ele estará sendo usado,

mas é como se a sua simples presença, ligado e conectado, garantisse aos estudantes seguir

adiante em seus estudos. Os estudantes conectados seriam então como a criança do exemplo

de Deleuze e Guattari (Ibid) que canta para se tranqüilizar diante do medo do escuro. A

presença da música relatada nas entrevistas e analisada no capítulo anterior, poderia talvez ser

interpretada também no sentido da construção do território de estudo. Para além de sua função

como “auxiliador atencional”, ela marcaria um território, como se compusesse o clima

necessário para o estudo. Vamos percebendo que menos do que um ambiente silencioso,

quieto e sem muitas estimulações, o território de estudo dos estudantes contemporâneos

mostra-se marcado pelo movimento, agitação e, por um excesso de estimulação. Não se trata
156

apenas do computador ou da Internet, mas do computador com muitas janelas abertas, com

Internet, com MSN, com Orkut, e-mail, Google e seus dispositivos, música, celular, etc. Em

função disto somos levados a acreditar que a atenção tende cada vez mais a trabalhar dividida,

seja essa divisão entendida como simultaneidade ou como oscilação entre as tarefas. Talvez

por isso os estudantes sintam dificuldade em sustentar a atenção, de fazê-la durar para além

do limite das duas horas, fazendo aparecer, inclusive, uma atenção nem plena e tampouco

ausente, mas suficiente. Kastrup descreve a subjetividade contemporânea:

Não é difícil perceber que alguns fatores participam da produção desse tipo de
subjetividade. As imagens e textos constantemente veiculados pela mídia, bem
como a explosão recente das tecnologias da informação, como é o caso da Internet,
torna disponível uma avalanche de informações, atravessando grandes distâncias
em alguns segundos. Por sua vez, os celulares são também fatores importantes,
atravessando sem cessar o fluxo da vida cotidiana. Observa-se que há neste quadro
de coisas algo que é da ordem da quantidade. Há na sociedade contemporânea um
excesso de informação e uma velocidade acelerada que convoca uma mudança
constante do foco da atenção, em função dos apelos que se multiplicam sem cessar
(KASTRUP, 2004, p.7).

A respeito do MSN, um aspecto curioso. Ao serem perguntados se usam o MSN como

ferramenta de estudo alguns alunos responderam afirmativamente dizendo que usam para

fazer trabalhos de grupo ou tirar dúvidas: Com certeza. Porque já existiu pesquisas aqui na

faculdade que tinha que se fazer e vieram feriados enormes, assim, cinco dias sem vir na

faculdade e o grupo não se reunia. Pelo fato de todo mundo morar muito longe e não querer

se disponibilizar a sair de casa pra se reunir, ia acabar não fazendo nada, ia acabar

surgindo assim ‘Ah, vamos na praia, em outro lugar’ e não estudar. Então, o MSN é uma

ferramenta importante. (E12). E explica como é usado: Ah, é assim. Geralmente um adiciona

o outro na caixinha pra ficar uma caixinha só, e não várias caixinhas piscando. Aí

geralmente as pessoas trabalham ou no modo ‘ocupado’, ou no modo ‘ausente’, ou no modo

‘off-line’ e as pessoas sabem que você tá online, mas para que outras pessoas, pra não

precisar bloquear outras pessoas essas coisas.[...] Por exemplo, tem que fazer

fundamentação teórica. Todo mundo sai pesquisando na Internet artigos científicos. Aí pega
157

uma parte do artigo que acha que tem a ver com o trabalho, manda por e-mail ou,

então...[...] É. Recorta e cola e manda por e-mail pra ver se tem a ver, essas coisas. Se o

grupo achar interessante aquilo, pede pra mandar o artigo inteiro. E vai tudo por e-mail.

Então, às vezes faz assim: ‘Ah, olha o que eu acho sobre esse comentário’, aí escreve um

comentário, como se fosse uma resenha, aí manda pelo MSN. ‘Ah, interessante. Então, vamos

colocar isso no trabalho. Guarda isso aí no seu computador, então’. Copia e cola da janela

do MSN num documento do Word e depois vai meio que montando o trabalho.[...] Então, o

MSN no fim de semana anterior a entrega do trabalho é uma ferramenta incrível. (E12).

Note-se que a linearidade parece não fazer parte dessa subjetividade. Outros responderam

negativamente, não usam o MSN enquanto estudam. No entanto, relatam que o MSN fica

ligado – em geral no modo offline, como nos informa E4 - apesar de não estar sendo usado.

Justificam dizendo que ele “entra automático”. Citamos: Não, primeiro eu dou prioridade ao

que eu tenho que fazer. Ligo o MSN porque ele já entra automático, mas eu nem respondo.

Vou, acabo o que eu tenho que fazer e depois que eu vejo quem tá falando e depois eu vou ver

outras coisas, se não eu vou ficar dispersa e não vou acabar o que eu tenho que fazer.

Entendeu? [...](E10). Tal afirmativa nos surpreende e nos força a indagar: Como assim entra

no automático? Não é possível desconectá-lo ou até mesmo desativá-lo? O que esta afirmação

nos diz sobre o funcionamento cognitivo e social desses estudantes?

Este cenário pode nos ajudar a explicar o porquê da biblioteca estar perdendo espaço

como lugar de estudo. Sobre a biblioteca E2 afirma: Talvez na biblioteca seja um pouco mais

fácil de manter a atenção porque não tem computador. Então, assim, não tem como você

fugir daquilo ali. Quando você tá ali então só tem você e o livro e o caderno, então assim, vai

ter que ficar ali. Não vai ter e-mail, orkut e afins pra..., “eu vou ver rapidinho”, e às vezes

não é tão rapidinho e tal...[...] (E2). Trazemos agora as falas de E5 e E8 que informam sobre

a dificuldade que é estudar na biblioteca justamente porque é um espaço quieto, silencioso,


158

sem tanta estimulação. Quando dizemos que a biblioteca é um ambiente sem tanta

estimulação o fazemos por comparação aos outros territórios de estudo que são marcados pela

presença das NTIC: Não vou à biblioteca, não sei porquê. [...] Eu vou assim pra pesquisar,

mas tipo, tem gente que vai pra biblioteca pra estudar. Eu não sei, me incomoda ficar lá. [...]

O silêncio me incomoda. É porque eu sou muito curiosa. Se eu ficar num lugar que tem um

monte de gente em silêncio, eu vou ficar olhando em volta, sabe? [...] Eu prefiro ficar no

meio do pátio estudando do que ir pra biblioteca. [...] (E5). E ainda: Não. Muito raro.

Quando eu vou. Às vezes eu vou. Se tiver um tempo..., se tiver, por exemplo, um professor

tiver faltado e eu não tiver na turma, eu quiser estudar, tiver alguma prova, alguma coisa em

breve que eu tenha que fazer, eu vou, passo na biblioteca. Mas muitas vezes eu vou preferir

estudar em sala de aula, por exemplo, se for o horário que tá as pessoas na turma, eu vou

preferir ficar ali no meio do barulho, da bagunça do que ir pra biblioteca estudar. [...] Eu

consigo estudar no silêncio. Eu já fui pra biblioteca estudar, entendeu? Mas eu fico meio

inquieta. (E8).

Como contraponto desse território de estudo super-estimulado as falas sugerem haver

uma intolerância em relação ao silêncio. Sobre isso é interessante o comentário do professor

de comunicação Donald Roberts da universidade americana de Standford a respeito de seus

alunos (WALLIS, 2006). Ele se espanta com a incapacidade dos alunos de ficar sem falar em

seus celulares entre uma aula e outra. E, conclui: “Isso parece para mim que existe quase um

desconforto em não ser estimulado – um tipo de ‘eu não suporto o silêncio!” (Ibid, s/p). Em

seu livro Como estudar e Como aprender, publicado pela primeira vez em 1948, Mira y

Lopes (1968) argumenta que nem sempre o ambiente ideal para o estudo é o ambiente

silencioso e, que para alguns o silêncio pode ser tão perturbador quanto o barulho excessivo.

No entanto, nos parece que o que está em jogo na contemporaneidade é algo diferente daquilo

à que Mira y Lopes se referia. Neste sentido somos levados a concordar com o professor
159

Roberts, entendendo que a intolerância em relação ao silêncio e a dificuldade de habitar um

território sem tanta estimulação, melhor dizendo, sem uma estimulação específica, são

aspectos aprendidos. Referem-se a uma aprendizagem da atenção.

Embora o silêncio incomode, nem todo barulho compõe o território favorecendo ao

estudo. E12 conta, por exemplo, que o som dos pássaros de seu pai assim como a voz de sua

irmã a desconcentram, atrapalhando seus estudos: Assim, quando eu tô aqui na faculdade eu

preciso ver movimentos na hora de estudar. Estudar na sala individual da biblioteca me dá

sono, porque é silêncio demais, eu não gosto disso – aqui na faculdade. [...]Então eu estudo

na sala em grupo que as pessoas falam, fica o som das pessoas falando ao fundo, mas isso

não me dispersa. Antigamente eu tinha o costume de estudar com a televisão ligada pra ouvir

vozes enquanto eu tô estudando, só que agora eu preciso me concentrar muito e qualquer

coisa em casa me atrapalha. Meu pai cria passarinhos, então o canto dos passarinhos dele

me incomoda; minha irmã que é pequena entrando no quarto toda hora, falando comigo o

tempo todo, porque é pequenininha, me incomoda também. Às vezes desconcentra. (E12). Por

que justo os pássaros do pai e a voz da irmã atrapalham? Isto nos faz pensar na qualidade dos

barulhos. A partir da distinção gestaltista - condição para a percepção - figura e fundo

poderíamos dizer que o estudo assume o lugar da figura enquanto os barulhos são apenas

necessários para dar destaque a figura. Dessa forma, talvez os sons que possuam significados

como, por exemplo, o som dos pássaros do pai ou a voz da irmã, não estejam funcionando

como um bom fundo na medida em que interferem na figura, ou seja, no estudo. Sobre isso a

psicologia da atenção de Treisman nos ajuda ao defender a partir de experimentos que

palavras significativas, mesmo quando apresentadas ao ouvido não atento, são processadas,

chegando à consciência 50.

50
Cf. capítulo 4, p.88-89.
160

Existem, porém, aqueles que ainda hoje continuam estudando em bibliotecas. No

entanto, é preciso destacar que são exceções. Citamos duas falas: Estudo. Uso muito a

biblioteca pra estudar. Não pra consultar os livros da biblioteca, porque muitas vezes não

tem os livros que eu preciso, mas pra estudar eu uso muito.(E9). E também: Geralmente em

época de prova ou quando tem algum tempo livre, assim, eu vou lá. Quando eu tenho alguma

coisa atrasada pra ler, eu vou lá, sento e leio. Não é todo dia, porque também se eu ficar aqui

o dia inteiro, eu também não consigo chegar em casa. (E10).

Ressaltamos que a intolerância ao silêncio e a necessidade de ambientes estimulantes

não implica desorganização. Diversos estudantes relatam sobre a necessidade de uma

preparação para o estudo que em geral envolve separar e ordenar aquilo que será estudado: Eu

arrumo... Eu tenho que tá num lugar, num ambiente arrumado. Eu não consigo estudar em

ambiente bagunçado. Então se eu tiver no quarto, eu arrumo meu quarto; se eu tiver na

biblioteca eu arrumo o meu material: guardo tudo na mochila, deixo em cima só o que eu vou

usar; ou se eu tiver numa sala vazia ponho umas cadeiras, as minhas coisas, deixo em cima,

na posição que eu vou usar. Então eu arrumo, eu ligo o ar condicionado porque eu não

consigo estudar com calor também. Então eu ligo o ar condicionado, é... eu separo os lápis,

as canetas, as coisas que eu vou usar pra quando começar a estudar nada me atrapalhar

assim. [...] Se eu não arrumar, eu não vou conseguir me concentrar com um monte de coisa

bagunçada a minha volta. Atrapalha, polui a minha mente. [...]. (E9). Nas palavras de E12:

Eu já tentei estudar, assim, com o material desorganizado. Só que eu fico olhando assim. Me

desconcentra ver todo o material desorganizado, tudo misturado. Porque eu saio da

faculdade, os textos tão todos misturados das aulas que eu tive. Então, separar textos por

matéria, a ordem que eles foram dados, foram indicados. Pra mim é importante ter essa...ter

organização, até pro estudo sair coerente. (E12).


161

Ao mesmo tempo em que os estudantes estão deixando de lado as bibliotecas - e aqui é

preciso dizer que elas estão sendo deixadas de lado num sentido mais amplo e não apenas

como local de estudo: A biblioteca da PUC, por incrível que pareça, eu só fui lá uma vez

visitar. Eu não tenho esse hábito, não tenho esse costume... Eu não sei o que ocorre, mas é

uma boa coisa pra pensar. Eu não sei. (E13) - eles estão fazendo cada vez mais, dos

transportes, um ambiente de estudo. A justificativa principal para a prática de estudo em

ônibus e metrô é principalmente tempo. Mais uma vez o tempo atravessa e interfere nas

práticas de estudo: [...] Mas é porque eu penso muito também na questão do tempo mesmo,

porque realmente eu tenho muito texto pra ler. Um dia eu falei: ‘Pô, se eu for lendo no ônibus

já me poupa bastante.’, porque no ônibus eu não faço nada, fico sentada. Eu já leio, então...,

pra mim otimiza meu tempo, assim. Claro que tem gente que pensa... Meu namorado já me

perguntou: ‘Como é que você consegue ler no ônibus?’, sabe? Porque ele não consegue.

‘Como é que você se concentra? Como é que você presta atenção no que você tá lendo?’. Pra

mim vai numa boa, assim. E mais: Porque eu moro em Campo Grande, então... demoro. Eu

chego cansada, aí quero tomar um banho, descansar, aí vou e pego pra ler alguma coisa.

Mas de manhã também eu pego ou, então, vou lendo no ônibus.[...] É, porque não dá tempo.

Meu dia é curto por causa do...passo muito tempo na condução pra vir pra cá. (E10).

No entanto estudar no ônibus requer mais atenção, como explica esta estudante: [...]

No ônibus você tem...no ônibus você tem que ter muito mais atenção, eu acho. Porque você

tem que tá com atenção no que você tá lendo, você tem que ter aquele poder de abstração de

não prestar atenção em nada do que tá em volta.[...] Eu abstraio mesmo, eu apago qualquer

coisa em volta. Você vai falar comigo, é a mesma coisa daquele comercial do wiscas sachê,

sabe? Você vai tá falando e eu:“humhum”. (E5). Isto que poderia parecer um contra-senso

pode estar nos mostrando que, para esses estudantes, é mais fácil sustentar a atenção em

oposição a algo – a um fundo de barulho - do que no silêncio. A diferença pode estar


162

relacionada a uma dificuldade no estabelecimento da relação consigo exigida pelo estudo.

Citamos: Tem porque se você, por exemplo, no quarto já tá silêncio então já tá propicio pra

você prestar atenção. Se no ônibus, se você não tiver focada naquilo pra estudar, você vai...

com certeza você vai parar porque fulano tossiu, porque tocou o celular. No ônibus, pode

explodir o ônibus que eu não vou olhar pro lado, entendeu? Tem que ter mais atenção por

isso, de você realmente querer estudar, querer tá focado. Se você tiver um pouquinho não a

fim, aquele um pouquinho não a fim vai te tendenciar a prestar atenção no celular que tá

tocando, na buzina, na não sei o que, entendeu? É mais disso de você, não é nem tá... é mais

atento na questão do seu foco: “oh, eu vou estudar, eu vou estudar e acabou.”, então

ninguém vai te tirar daquilo. Aí é mais por isso, que você tem muito mais coisas pra te tirar

do seu foco do que quando você tá trancado num quarto sozinho. (E5).

5.2.5 – Computador, estudo e escrita

Além da questão do território, outro aspecto da contemporaneidade e em especial das

novas tecnologias, parece estar fazendo com que a biblioteca fique em segundo plano quando

se pensa em estudo. Se antes a biblioteca era o local por excelência das pesquisas, hoje o

computador através da Internet ocupa este espaço. As falas desses estudantes revelam uma

nova forma de estudar, de fazer pesquisa e de escrever:

E5 destaca que a busca na Internet não necessariamente substitui as idas à biblioteca

ou à livraria: Até pra achar o nome do livro que eu vou ter que comprar, mas eu vou usar a

Internet. Eu perdi esse hábito de ir na livraria primeiro. Eu primeiro vou na Internet, pra

depois ir na biblioteca, pra depois ir na livraria. (E5). Seguindo o mesmo argumento E11

explica: [...] Bom, eu preciso saber o nome do autor, da pessoa que escreveu o texto, aí pode

ser que eu vá à biblioteca. Mas eu acho que não. Eu boto no Google, porque ali aparece os

livros que esse autor...entendeu? Antes de vir pegar o livro aqui na biblioteca eu vou tá lendo
163

sobre o autor ou vendo outros livros que ele escreveu, ou quando não é livro é texto. Sempre

é a Internet primeiro, ver o que tá sendo falado do assunto. [...] É tipo uma garimpada antes.

(E11).

E14 apesar de continuar preferindo livros, admite não ser possível descartar a Internet.

Explica: Não. Primeiro são os livros. Eu sempre vou primeiro nos livros, que eu acho os

livros mais confiáveis. Fonte, né? Fonte de estudo bem mais confiável. Mas é claro, não dá

pra descartar a internet. É uma ferramenta importante pra você estudar hoje em dia, ainda

mais em termos de informação. Informação hoje em dia ela... Você tem muita informação

num período curto e às vezes o livro não tem essa variedade, às vezes o livro não vai se

atualizando com essa rapidez, aí que entra a internet. Mas eu gosto dos livros. (E14).

E4, apesar de gostar de estudar em livros, pois acredita que através deles tem acesso a

um panorama mais amplo de conhecimento, para os trabalhos não abre mão da pesquisa na

Internet: [...] Eu uso mais pra...quando tô pesquisando bibliografia pra trabalho. Pra

trabalho científico eu uso porque eu pesquiso artigo, eu prefiro lá do que no periódico de

papel mesmo. Uso pra estudar também as vezes que você quer...é às vezes... É às vezes você

procura no Google mesmo e pede quando você quer uma informação mas não quer se

aprofundar, sabe? Você só quer só pra não ficar no ar aquilo, sabe? [...] É, normalmente,

pra pesquisar artigo científico ou pra pesquisar uma informação que eu não queira me

aprofundar. Que aí, no caso de artigo científico tem scielo e tal, e quando não quero me

aprofundar, a Internet tá cheia de informação assim. (E4).

E3 não apenas conta que realiza suas pesquisas através do computador, mas também

comenta sobre o processo de elaboração de um trabalho cujas principais características são a

fragmentação e a composição de partes. Trata-se do famoso “corta e cola” que, de comando

do computador, assumiu a função de gíria entre os estudantes. Cada vez mais, fazer trabalho

assemelha-se a construção não linear de um quebra-cabeças cuja figura vai sendo definida a
164

medida que os pedaços vão sendo encontrados, recortados e colados: [...] Normalmente eu

busco no computador, por isso, também, eu não vou tanto à biblioteca, eu vou, boto lá... Sabe

aquela coisa bem básica? “Percepção”, aí leio, vou lendo, normalmente eu copio e colo o

que eu acho que me interessou e vou jogando, vou jogando. Depois que eu acho que eu joguei

bastante coisa interessante, eu leio aquilo tudo. Sempre jogo assim e sei mais ou menos de

que site o que eu tirei o que, né?! Pra não dividir também, se não depois eu vou, quando eu

vou escrever eu não sei mais o que eu tirei de cada site. Aí eu leio, leio aquilo tudo, aí eu

acho “pô, já dá pra escrever suficiente”. Aí às vezes eu uso... às vezes até a estrutura como

base, às vezes quando eu acho que não vai me ajudar, eu abro outra [janela] e vou fazendo

tudo de novo, vou escrevendo, escrevo do meu jeito, assim quando a estrutura que sobrou ali

for muito ruim. [...] (E3).

Enquanto para alguns a relação entre estudo e computador é realizada de forma

totalmente mediada pela tela e teclados, para outros ainda é importante imprimir. Neste ponto

as práticas mais ou menos se dividem: Aí leio, aí fico lendo e tal, aí às vezes anoto uma

coisinha que eu não sei. Pesquiso até na Internet uma palavra que eu não sei o que é que é -

pra entender o que é que é aquela palavra. Aí vou, leio e continuo indo assim, pesquisando.

Vou lendo e resumindo, e sempre naquele esquema de... Aí vou imprimir com certeza, vou

grifar e vou fazer o resumo. Sempre...o meu método de estudo vai ser sempre resumir assim,

porque eu fixo escrevendo e lendo. (E5). No entanto E4: Eu normalmente pego o mouse, tem

aquela...sabe aquele parece um i que fica iluminando um texto? [...] Eu vou passando aquilo

como eu passo meu dedo aqui, eu vou passando aquilo como se fosse meu dedo,

normalmente. Sem iluminar, só passando por cima e tal. Às vezes, tipo, eu deixo o parágrafo

bem justo da parte de baixo assim, pra ir separando e tal. [...] Normalmente eu leio linha por

linha, tanto que às vezes eu deixo separado assim, eu deixo tipo, eu leio a primeira pagina e

tal, aí eu deixo o parágrafo que eu to lendo, eu deixo por último. [...] Que aí eu vou
165

separando de pouquinho em pouquinho. (E4). Porém, mais uma vez é importante a distinção

entre o estudo e o “fazer trabalhos”. No caso da elaboração e redação de trabalhos, o uso

coordenado de tela, teclados e Internet é praticamente uma unanimidade entre os estudantes.

Mesmo aqueles que, para estudar, preferem ter em mãos o material impresso - seja sob a

forma de livros, xérox, ou mesmo material da Internet impresso – na hora de fazer trabalhos,

não querem outra coisa senão a mediação da máquina. Justificam argumentando em favor das

possibilidades de uma escrita fragmentada, da coordenação de escrita e pesquisa e até do não

cansaço das mãos. A repercussão sobre a cognição é inevitável, como nos mostra E5: [...]

Que eu não tenho muito esse problema de ficar em seqüência. Tem coisas que você precisa

fazer em seqüência, mas tipo, dois capítulos diferentes você pode ler a metade de um e

começar a ler metade do outro. Eu não tenho muito essa necessidade de ter uma

continuidade... aí eu faço assim. (E5).

Alguns ainda se lembram - sem saudades - da época em que primeiro elaboravam o

trabalho à mão para depois digitar: Agora que eu me acostumei a usar o computador não. No

início eu fazia muito isso. Eu já cheguei a, no início da faculdade, fazer trabalhos a mão pra

depois digitar. Mas depois que você se acostuma a usar o computador, você prefere o

computador. [...] Tudo no computador. A não ser assim que eu tenha uma... Não, mas mesmo

assim eu faço no computador. Por exemplo, se eu tiver assim uma idéia, um insight, eu

mesmo assim digito em um cantinho, sei lá, no final do texto eu digito em uma cor diferente.

Não costumo usar papel e caneta não. (E9).

E11 ressalta as possibilidades do acoplamento estudante-máquina na redação dos

trabalhos: [...] O computador permite que a gente vá escrevendo partes do nosso trabalho,

não necessariamente ter que seguir um raciocínio, você vai escrevendo partes, depois você

vai encaixando e vai... Então isso é muito vantajoso e aí na hora de escrever eu uso o

computador. [...] É, porque aí é muito mais prático, também cansa menos a mão – eu acho. E
166

também, e essa possibilidade de escrever partes. Sabe? Teve uma idéia, dá um monte de

espaço, escreve lá em baixo, deixa ela ali. Depois você vai juntar ela. Aí isso fica uma coisa

mais móvel, assim. No papel você pode fazer também, mas vai ficar uma bagunça

desordenada, assim. (E11).

Ao explicar como é que faz para escrever, E8 conta sobre a quantidade de janelas que

abre: Olha, eu abri nesse dia o Word, né? Pra trabalhar o texto. Eu abri a Internet pra fazer

pesquisas, em geral, das frases; eu abri o meu site de fotografias que eu exponho na Internet,

que tão as fotografias principais e abri a minha pasta de fotografias em geral, que tinha

umas fotografias que eu sabia que eu queria e que não tavam no site. (E8).

E9 também comenta o processo de montagem do singular quebra-cabeças que tem se

tornado o escrever: Às vezes eu recorto e colo e aí misturo. Por exemplo, às vezes recorto e

colo três, quatro parágrafos que falam a mesma coisa, aí eu vejo, tipo assim o que é mais

importante de cada um, misturo, deleto, escrevo. Por exemplo, pego as idéias, as palavras

principais, deixo só as palavras principais e escrevo em cima daquilo. Mudo a ordem lógica,

porque às vezes o autor fez uma ordem lógica meio confusa e aí eu organizo. (E9).

Tendo em vista a íntima relação que tem se estabelecido na contemporaneidade entre

os estudantes e as novas tecnologias, Claudia Koonz, professora de história da Universidade

de Duke, nos EUA, afirma como um dos aspectos positivos da geração multitarefas a

extraordinária habilidade em encontrar e manipular informações, além da facilidade para

analisar dados visuais (WALLIS, 2006). Sobre a habilidade de encontrar e manipular

informações vale citar E5. Esta estudante nos conta que sua turma achou o livro de genética

na Internet e divulgou de modo que todos agora têm acesso ao livro: [...] Quase todas as

matérias...a gente não vai comprar livro de anatomia, a gente pegou tudo em enciclopédia na

Internet. Então vai tudo da internet que a gente estuda. E eu tô com o CD agora justamente

com o livro de genética do Thompson e Thompson, que a gente achou o livro todo na Internet
167

e gravou num CD e rolou na turma inteira. Então, a gente meio que já viciou na Internet,

então todas as nossas formas de pesquisa a gente tenta buscar na Internet. [...] (E5).

Sobre a questão da visualidade, é interessante notar através das entrevistas que, não

apenas os estudantes têm tido mais facilidade em lidar com dados visuais, mas parecem

preferi-los: [...] E eu tenho uma certa dificuldade para acompanhar certas apresentações sem

o PowerPoint, sem uma coisa assim organizativa das idéias, né? Principalmente quando a

pessoa embola muito as coisas e tudo. Quando a pessoa é bem clara, quando o grupo é bem

claro e metódico, ele não é tão necessário assim. Mas eu considero que ele auxilia [...] (E7).

Diante desses aspectos Koonz comenta que nos EUA, na sua universidade, muitos professores

passaram a usar filmes, clipes e apresentações em Power Point para ajudar os estudantes e,

capturar sua atenção evanescente. Revela ainda que cada vez menos solicitam dos alunos que

leiam livros inteiros, privilegiando dessa forma os capítulos e artigos.

Frente às observações de Koonz muitas perguntas surgem: Será que este é o

movimento que devemos fazer? Será que se trata de simplificar os métodos tendo em vista

uma adequação às novas cognições e subjetividades? Quais poderiam ser os efeitos deste tipo

de prática de ensino? Sobre isso é interessante trazer um outro comentário de Koonz, este

apoiado também por S.Turkle (WALLIS, 2006). Estas professoras constatam que os alunos

estão cada vez menos tolerantes à ambigüidade. Ora, nos perguntamos, será que, talvez, os

professores, na tentativa de adequação às novas subjetividades através do apelo desmedido a

filmes, clipes e Power Points, não estão também contribuindo para a produção desta cognição

intolerante a ambigüidade? Trata-se certamente de um problema delicado e complexo, que

não pretendemos responder, mas que somos forçados a pensar. Conforme argumentamos em

outra ocasião com a ajuda da abordagem autopoiética-enativa, a idéia de adaptação como

adequação nos parece extremamente limitada e insuficiente (SANCOVSCHI, 2009). Do

ponto de vista da adequação nos encontramos sempre um passo atrás da posição a ser
168

alcançada. Em outras palavras estamos o tempo todo “correndo atrás”. Por outro lado, se a

adaptação é pensada como composição, então, ao invés de “correr atrás”, nos colocamos

diante do desafio de estabelecer encontros possíveis onde os dois lados acabam por se

transformar. A adaptação como composição aposta assim em práticas engajadas na produção

da subjetividade e não em práticas de formatação e conformadoras. Desse modo não faz

sentido procurar ajustar os alunos aos métodos de ensino pré-concebidos, porém tampouco

cabe conformar os métodos aos alunos. Nesse estranho equilíbrio entre a subjetividade dos

alunos e a subjetividade dos professores nos parece estar a solução. Portanto, apesar de

acreditar que filmes, clipes e Power Points são recursos interessantes, eles não devem ser um

fim em si mesmos.

5.3 – Práticas de estudo e a aprendizagem da atenção: uma breve síntese

A partir da idéia da aprendizagem da atenção, o objetivo deste capítulo foi apresentar e

analisar algumas das atuais práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município do

Rio de Janeiro. Neste momento interessa-nos fazer uma breve síntese dos principais aspectos

tratados ao longo do capítulo.

Diante do estranhamento em relação à temporalidade atencional que parece marcar o

estudo na contemporaneidade, demos início à análise. A unanimidade das falas em relação a

uma incapacidade de ultrapassar duas horas de estudo seguidas nos chamou atenção. Porém,

ao nos voltarmos para a psicologia – tanto aquela do século XX, quanto a jamesiana -,

percebemos que a sustentação da atenção não se faz sem pausas e paradas. Assim, nos

pareceu que a necessidade de parar o estudo de duas em duas horas não deveria ser vista, a

princípio, como uma limitação para um estudo como experiência. Com a ajuda de James

sugerimos que é a partir da análise daquilo que é realizado durante as pausas e paradas que

poderemos concluir sobre a possibilidade ou não do estudo ser vivido como experiência.
169

Diante disto fomos nos aproximando, através das falas dos estudantes, de um estudo que se

realiza sem ritmo, por rápidos sobressaltos, marcado principalmente por uma atenção focada e

saltitante. Dessa forma a possibilidade da vivência de experiências de problematização e

pensamento ao longo do estudo fica reduzida, embora, não seja impossível.

No momento seguinte passamos a análise daquilo que acontece durante as duas horas

em que se afirma estar estudando. Aí o acoplamento da cognição com as NTIC apareceu com

destaque, seja porque os estudantes estudam se valendo dos recursos do computador-Internet,

seja porque o computador-Internet está simplesmente presente. Sobre isso foi interessante

perceber que mesmo desligado, o computador interfere nas práticas de estudo. Alguns

estudantes, ao afirmarem sua incapacidade de estudar com o computador, revelaram a

necessidade de um autocontrole. Isto nos leva a pensar que mesmo desligado, o computador

está ainda presente na cognição dos estudantes. Além disto, pudemos perceber também o

quanto a linha que separa o uso recreativo do computador-Internet do uso para fins de estudo

e trabalho é tênue. De um segundo para outro – e a expressão “segundo” não é força de

expressão, mas diz respeito a uma temporalidade que é a do instante - pode surgir uma

mensagem no MSN que deslocará o uso do computador-Internet do circuito recreação-

diversão para o circuito estudo-trabalho. Aparece assim o estudo em circulação.

Deste acoplamento voltamos ao problema das temporalidades atencionais singulares.

Mais uma vez nos deparamos com uma atenção não se sustenta, mas se mantém na medida

em que é capturada por estímulos que vão rapidamente se alternando. Desse modo, ela não

distende, deslocando-se de foco em foco entre os variados assuntos. Seu efeito, concluímos, é

antes a abrangência que a densidade. Ao trabalhar todo o tempo tensionada e focada, esta

atenção não permite que o pensamento flua e traga à cena o novo como diferença. Neste

contexto surge um modo de estudar saltitante cuja característica é a divisão da atenção. Sobre

isso foi interessante perceber o aparecimento de uma modalidade de atenção que nomeamos
170

como suficiente. Trata-se de uma atenção que não é nem plena e tampouco ausente. Esta,

segundo os estudantes, é a atenção dominante no estudo.

Se por um lado, o acoplamento da cognição com as NTIC nos sugere a redução da

possibilidade do estudo ser vivido como experiência. Isto é, do estudo envolver mais do que

apenas a resolução eficiente de tarefas dadas, mas incluir principalmente problematizações e

pensamento. Por outro ele revelou uma política cognitiva que consideramos interessante e,

arriscaríamos a dizer, inclusive, que pode vir a ser uma política cognitiva potente. Trata-se de

uma política marcada pela curiosidade e pelo desejo de saber. Apesar de nos parecer que seus

desdobramentos reforçam uma relação com o conhecimento baseada na superficialidade, esta

pode ser uma via a ser investida no sentido da produção de um estudo potente. Aqui

retomamos uma formulação de Chartier apresentada no primeiro capítulo. Tendo em vista as

diferentes práticas de leitura realizadas a partir de diferentes dispositivos, afirma a

impossibilidade de voltar atrás na história. Contudo defende que isto não significa

impossibilidade de intervenção. Segundo este historiador, é possível mobilizar as novas

práticas para que operem a favor daquilo que se acredita ser mais potente. Conforme observa,

não se trata de desqualificar as novas práticas, mas de operar com elas. Pensando com

Chartier, talvez esta política cognitiva curiosa e desejosa de saber pode ser uma importante

aliada. Por ter sido atualizada no acoplamento com as NTIC, acaba redundando numa relação

com o conhecimento que privilegia o arquivamento ao aprofundamento. Como tudo está à

distância de um clique, arquiva-se ao invés de se aprofundar. Diante disto chegamos até a

sugerir que a freqüente queixa a respeito do não aprofundamento nos assuntos por parte dos

estudantes relaciona-se antes com essa atitude do que com a tradicional oposição entre estudo

que usa a memorização e estudo que visa a compreensão. Note-se que este é um

desdobramento desta política cognitiva, mas será que não é possível produzir outros? A

questão da vivência de um tempo acelerado acaba aparecendo e se mostrando intimamente


171

ligada a forma como a política cognitiva curiosa e desejosa de saber se manifesta. Anota-se as

bibliografias complementares, mas as listas se acumulam. Citamos novamente a frase de

Nicolaci-da-Costa que nos parece expressar com precisão a situação: “Pois mesmo uma vida

já é pouco quando tudo pode ser conhecido” (NICOLACI-DA-COSTA, 2006, p.31).

A partir de um deslocamento nos voltamos para o território de estudo. Este se mostrou

mais afeito ao barulho que ao silêncio. Aliás, é interessante notar o quanto o silêncio pode ser

vivido como um distrator para os estudantes contemporâneos. Desse modo sugerimos ser esta

uma das explicações para as bibliotecas estarem perdendo espaço como lócus privilegiado

para o estudo. Ao mesmo tempo, os transportes passam a ser vistos como locais possíveis

para se estudar. Esta mudança se relaciona, por um lado, a idéia de que o ambiente ideal para

o estudo é super-estimulado, mas por outro tem a ver também com a temporalidade acelerada

que atravessa a atualidade. Muitos estudantes referem-se ao estudo no transporte como uma

estratégia para otimizar o tempo. Mais uma vez a impossibilidade de perder tempo comparece

marcando as práticas de estudo.

Outra maneira de explicar o declínio do prestígio da biblioteca é fazendo referência às

muitas possibilidades de estudo e pesquisa trazidas pelo computador-Internet. Alguns

estudantes defendem que não se trata de substituir a biblioteca pela Internet, mas sim do

estabelecimento de uma outra relação em que a Internet, através de suas ferramentas de busca,

funcionam como um filtro. Procura-se na Internet para depois ir à biblioteca ou à livraria. Em

relação ao uso do computador-Internet para fins de estudo é interessante perceber o quanto

tem revolucionado não apenas o processo de pesquisa, mas principalmente a redação de

trabalhos. A partir da fala dos estudantes percebemos que se trata de uma escrita marcada pela

fragmentação e composição de partes. Assim, nos pareceu que fazer trabalhos assemelha-se

cada vez mais a montagem de um quebra-cabeças singular. Neste as peças não estão dadas,

mas vão sendo encontradas, recortadas e coladas num processo marcado pela indeterminação.
172

Tudo isto repercute sobre a cognição dos estudantes. A fragmentação, por exemplo, longe de

ser uma limitação, apresenta-se como o modo dominante de pensar e de estudar. Vemos

nascendo também uma preferência pelo regime da visualidade. Além disto, é preciso

reconhecer a grande desenvoltura desses estudantes para encontrar e manipular informações.

Aí um aspecto interessante é a circulação. Conforme foi possível observar encontrar a

informação é em geral um primeiro passo antes de repassá-la. Dessa forma o conhecimento e

a aprendizagem vão se fazendo, marcados pela abrangência e superficialidade.

No próximo capítulo veremos como estas práticas de estudo que promovem uma

aprendizagem da atenção, concorrendo para a produção de uma atenção saltitante e sem ritmo,

uma atenção dividida e uma atenção suficiente, não são idiossincrasias dos estudantes

contemporâneos, mas se inscrevem em nossa atualidade, configurando uma cognição

contemporânea.
173

Capítulo 6

Aprendizagem da atenção na contemporaneidade:

reverberações sobre as práticas de estudo dos estudantes de psicologia

O objetivo deste capítulo é mostrar que as práticas de estudo analisadas anteriormente,

assim como o tipo de atenção que produzem não são aspectos isolados dos estudantes ou da

juventude, mas se inserem no contexto de nossa contemporaneidade. Recorreremos a autores

como R.Sennett, A.Eherenberg, M.J.Farah, C.Forlini, E.Rancini, J.Larrosa e J.Caiafa. Estes, a

partir de campos distintos debruçam-se sobre a contemporaneidade na tentativa de explicá-la.

Ao fazerem isso nos mostram como nossa atualidade está atravessada por questões como a

ênfase na flexibilidade, o tempo de curto-prazo, culto da performance e dificuldade de

experiência.

6.1 – Flexibilidade e curto prazo: movimento como valor

Só realmente eu tava muito feliz porque desde o início do período foi o momento que parou

tudo. [...] Até foi uma situação incomum que...eu tava aqui não fui pra casa, meu namorado

não pode vir no sábado, então sábado eu fiquei o dia inteiro em casa. E isso, nossa...eu nem

lembro qual foi a última vez que sabe: Ah não hoje eu não tenho compromisso nenhum, vou

ficar em casa. Então foi bem gostoso, eu fiquei de bobeira. Foi muito bom. [...] ...fazia tempo

que eu não tinha isso. Aquela sensação de...Não hoje tal hora eu tenho que ir no cinema...ou

então estou em casa e tenho que dar atenção a minha mãe, atenção a minha irmã...Então foi

um momento meu, sozinha e à vontade. E foi bem legal. Eu acho que isso também me deu

bastante tranqüilidade pra pegar os textos...e estudar tranquilamente. (E1).


174

A flexibilidade e o fluxo apontam para um aspecto fundamental de nossa

contemporaneidade: o movimento como valor. Através da fala apresentada acima é possível

perceber como o movimento tem se tornado uma exigência, repercutindo não apenas sobre as

práticas de estudo e, conseqüentemente sobre o funcionamento cognitivo, mas também sobre

nossas relações sociais. Ficar em casa é inconcebível! No entanto, quando E1 experimenta

esta situação atípica, se dá conta do quanto é bom parar.

Richard Sennett (2001), sociólogo que tem se esforçado por pensar a atualidade,

sobretudo no que diz respeito à questão do tempo e dos laços sociais relacionados ao mundo

do trabalho, afirma que estamos vivendo tempos de capitalismo flexível. Segundo ele, a

ênfase na flexibilidade é o que melhor define as formas de produzir e de trocar no mundo

atual. A respeito da flexibilidade:

A palavra ‘flexibilidade entrou na língua inglesa no século quinze. Seu sentido


derivou originalmente da simples observação de que, embora a árvore se dobrasse
ao vento, seus galhos sempre voltavam à posição normal. ‘Flexibilidade’ designa
essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste de restauração de sua
forma. Em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma
força tênsil: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas.
A sociedade hoje busca meios de destruir os males da rotina com a criação de
instituições flexíveis. As práticas de flexibilidade, porém, concentram-se mais nas
forças que dobram as pessoas (Ibid, p.53 – grifo nosso).

Chama atenção na definição acima a vinculação entre flexibilidade e adaptação. Ser

flexível implica na capacidade de conformar-se, de adaptar-se às situações variáveis sem

deixar-se sucumbir. E1, por exemplo, tem que sair de casa. Ir ao cinema, dar atenção à mãe e

à irmã, até mesmo o encontro com o namorado, aparecem como obrigações a serem

cumpridas. Uma agenda à qual precisa adequar-se e conciliar com sua vida de estudante.

Poderíamos pensar a flexibilidade de outras formas. Flores e Varela (2003), por exemplo,

trabalham com a distinção entre hiperflexibilidade e flexibilidade autêntica. A primeira

envolve essa dimensão adaptativa, no sentido de conformação. Já a segunda implica processos

de transformação sem otimização, isto é, sem pressupor um mundo ao qual adequar-se. No

entanto, a definição de Sennett aponta justamente para a forma como a flexibilidade tem sido
175

pensada e praticada hegemonicamente: flexibilidade como capacidade de modificar-se de

acordo com as exigências do mundo, ou do mercado de trabalho. A expressão “valores de

camaleão da nova economia” (SENNETT, 2001, p.27) parece sintetizar de modo preciso tal

idéia. Se as práticas de E1 estivessem marcadas pela flexibilidade autêntica, seu discurso seria

outro. Provavelmente a ida ao cinema, a atenção a ser dada à mãe e a irmã, assim como o

encontro com o namorado, não seriam tomados como deveres a serem cumpridos. Aliás, um

dos aspectos que nos chamou atenção nessa fala foi como coisas que deveriam ser

consideradas prazerosas, momentos de lazer e de relaxamento são tomadas pela estudante

como obrigações, deveres, compromissos aos quais deve adequar-se.

Outra questão que aparece na citação de Sennett é a relação entre flexibilidade e

rotina. O regime flexível nasce de reivindicações e lutas onde se defendeu a eliminação da

burocracia e da rotina. Consiste, assim, numa resposta às demandas da modernidade 51.

Acreditava-se que a rotina e a burocracia eram um mal, uma jaula de ferro, na qual estávamos

presos e da qual era preciso libertar-se. A aposta na flexibilidade foi, dessa forma, também

uma aposta na liberdade. O desenrolar dos fatos, contudo, mostrou que a correspondência

entre flexibilidade e liberdade era ilusória, ou pelo menos não era direta. Se por um lado a

flexibilidade nos liberta da rotina e da burocracia, por outro, nos constrange em sua

mobilidade: “A repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas

estruturas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam” (Ibid, p.54).

Conforme vimos no terceiro capítulo, estamos diante do biopoder. Trata-se de um poder que

atua através de modulações e não por coerções ou punições. Aí, as funções cognitivas e, em

51
Vale a pena observar que no livro Império (2001), Michael Hardt e Antonio Negri, ao analisarem a nova
soberania que estaria surgindo – o Império – defendem que esta não nasceu por vontade própria, mas foi
convocada a nascer. Segundo eles foram as lutas políticas e culturais dos anos de 1960 e 1970 que de algum
modo criaram as condições para a emergência desta nova forma de poder. Marcio Goldman (2003) vê aí uma
característica importante da exploração capitalista contemporânea que consiste na captura das forças de protesto.
As mesmas palavras que animavam os protestos, hoje aparecem nos discursos das empresas e dos governos
(p.191).
176

especial a atenção, assumem papel de destaque na medida em que permitem controlar,

produzindo subjetividades.

Hoje, nas empresas de ponta, é cada vez mais comum que se evite a burocracia e a

rotina. Desde as roupas, passando pelos ambientes até chegar aos horários e locais de trabalho

tudo está sendo repensado e transformado 52. Certamente ainda existem espaços em que a

rotina e a burocracia reinam soberanas como é o caso de muitas fábricas. No entanto as

mudanças estão se fazendo sentir direta ou indiretamente. Como contraponto, as exigências

aos trabalhadores são muitas e, cada vez maiores. É preciso ser ágil, ver as mudanças como

algo positivo e necessário, adequar-se às mais diversas circunstâncias, assumir riscos,

atualizar-se, etc. Saímos da jaula de ferro, mas não nos libertamos dos constrangimentos que

se tornam cada vez mais sutis.

E10 ressalta a importância da rotina de estudo em sua vida. Destaca, porém, que esta

não é fruto de constrangimentos institucionais, mas de um autocontrole, revelando uma forma

de atuação do biopoder: É. Porque eu tenho que ter meio que uma rotina, se não...se não pra

mim não dá. [...] Eu tenho consciência. Eu tenho que ter consciência que se eu pegar alguma

coisa que me tire a atenção, eu vou dar prioridade a outra coisa, eu não vou dar prioridade

ao que eu tenho que fazer. [...] Então eu tenho que tá... Me controlo. (E10). Vale destacar o

papel das ciências humanas na produção da demanda deste autocontrole: Eu não percebi

sozinha. Eu fiz um estudo, eu fui pra um psicólogo. Tive uma reprovação no colégio e depois

que eu percebi. [...] Aí eu fui ver o que tava acontecendo, aí foi que eu era dispersa, que eu

era isso e que eu tinha que me policiar. Aí eu: ‘Bom, então eu tenho que me controlar’. (E10).

O poder atua sutilmente sobre E10. Ela não se sente coagida, mas sabe que para o seu próprio

bem deve estar continuamente se policiando seja em relação à rotina de estudo, seja em

relação ao uso do computador – conforme vimos no capítulo anterior. Em função disto, não se

52
Para mais detalhes cf. “A era do acesso” de Jeremy Rifkin (2001). Neste livro Rifkin, ao analisar nossa
atualidade, debruça-se sobre transformações nos ambientes de trabalho, lazer e moradia.
177

revolta, mas sente necessidade de adequar-se. Como dissemos esta modalidade de poder mais

do que restringir, produz subjetividade.

Além da flexibilidade, ou talvez como conseqüência dela, uma nova organização do

tempo tem se feito sentir. Trata-se do curto-prazo. Citamos: “Os manuais e revistas de

negócios hoje tendem a retratar o comportamento flexível como exigindo o desejo de

mudança; mas na verdade trata-se de um determinado tipo de mudança, com determinadas

conseqüências para nosso senso de tempo” (Ibid, p.55). Vivemos em uma sociedade

impaciente, que se concentra no momento imediato. O curto-prazo substituiu o longo prazo

como forma hegemônica de organização do tempo. Quase não existe mais espaço para a

vivência de um tempo linear, previsível, onde a conquista é cumulativa e, onde é possível

adiar projetos em prol de um objetivo maior. Em seu lugar aparecem os empregos temporários

e os contratos de curto-prazo. Estamos sempre em vias de recomeçar. Sennett constata: “Hoje,

um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego

pelo menos onze vezes no curso do trabalho, e trocar sua aptidão básica pelo menos outras

três durante quarenta anos de trabalho” (Ibid, p.21-22).

A consultoria tem sido pensada, então, como modelo paradigmático do trabalho

contemporâneo. O consultor não possui um papel fixo, mas corre de um lado para o outro em

resposta aos mutáveis caprichos ou idéias daqueles que o pagam (Ibid, p.18). Mesmo as

empresas estão modificando suas estruturas e seu modo de funcionamento de maneira a se

tornarem, elas próprias, mais flexíveis e, desse modo, se adequarem às exigências do curto-

prazo impostas pelo mercado. As redes têm substituído as pirâmides como modelo de

organização das empresas. A adoção do modelo de rede revela que as mudanças e

reestruturações na rotina empresarial estão deixando de se constituir como exceções. Uma das

singularidades da rede é a fragmentação e a sua possibilidade de expansão para todos os lados

redefinindo constantemente sua estrutura.


178

Conforme vimos no último capítulo, o curto-prazo também atravessa as práticas de

estudo dos estudantes de psicologia embora se manifeste de um modo diferente daquele do

universo empresarial. Gostaríamos agora de comentar a respeito da repercussão desta

temporalidade breve sobre as práticas de estudo no que diz respeito à relação do estudante

com seu futuro. Existe por parte dos estudantes uma preocupação com a conquista do futuro.

O que para eles envolve a impossibilidade de perder tempo. A errância não é uma opção.

Sabem que a vida está difícil e por isso não querem e não podem deixar nada para depois. Se

os estágios sempre foram objetos de desejo dos jovens universitários, hoje eles são uma

necessidade. Além dos estágios, cursos extracurriculares são realizados cada vez mais cedo.

Neste movimento os antigos grupos de estudo estão perdendo lugar, passando inclusive a ter

outro significado. Ao invés de um espaço para leitura e discussão de textos ou temas, tornou-

se um encontro para tirar dúvidas nas vésperas da prova.

E11 relata que se sente agoniada porque ainda não sabe em que área da psicologia

quer trabalhar. Comenta que perdeu muito tempo em seus intercâmbios na França e Inglaterra.

Não consegue enxergar estes movimentos como parte de sua formação. Seu relato sugere

haver uma a forte vinculação entre o tempo de curto-prazo e a lógica da performance: É por

isso que eu fico agoniada de, assim, de focar, porque... foi um semestre. Foi ótimo. Foi mais

assim, foi pro francês - ficar fluente no francês - e também para ter essa experiência de

estudar psicologia lá, porque eu gostaria de fazer mestrado fora. Que eu já morei também na

Inglaterra, mas não foi pra estudar. Eu tranquei a faculdade um ano e fiquei lá. [...] Mas

acabou que eu me atrasei e eu me sinto... Mesmo tendo feito intercâmbio na França, eu me

sinto perambulando, sem um foco, sem saber para onde eu vou...no que vai dar. [...] É

porque eu vejo muitas outras pessoas que...sei lá, há uns três anos já sabiam que queriam se

especializar em família. Aí você busca as pessoas que trabalham na área, os assuntos, os


179

cursos de extensão, você começa a criar. E eu tô sempre meio... Vou morar na Inglaterra, vou

fazer intercâmbio na França. São coisas maravilhosas, mas eu me sinto...sabe? [...] (E11).

Sobre a prática atual dos grupos de estudos: Eu já estudei em grupo, mas é aquela

coisa que eu...sabe? Não...eu não sentia como se eu estivesse estudando. As pessoas tavam lá

lendo o texto e tal e perguntavam: ‘pô, mas o que o que é isso?’, aí eu respondia, ou então

elas tavam lá lendo o texto em voz alta aí ‘ah! Eu tava pensando isso errado’. Não é nada

muito produtivo, sabe? Como se eu pegasse o texto e lesse, sabe? É uma coisa mais de

esclarecimento de dúvida do que estudo propriamente dito. E mesmo assim é muito difícil eu

estudar em grupo (E4). O grupo de estudos parece estar deixado de ser um espaço reservado

ao pensamento e às problematizações para assumir uma função pragmática e utilitária. Visa,

antes de tudo, tirar dúvidas. Dessa forma se mostra mais voltado para uma prática que toma o

estudo como tarefa a ser realizada cujo critério é a performance eficiente, do que como uma

prática que toma o estudo como experiência cujo critério seria a transformação de si e do

mundo.

Sennett argumenta que a flexibilidade e o curto prazo, assim como suas derivações

como a fluidez, o imediatismo, a fragmentação, a superficialidade, etc. têm conseqüências que

extrapolam o mundo do trabalho. Afirma que o curto prazo não favorece o estabelecimento de

laços fortes:

É a dimensão do tempo do novo capitalismo, e não a transmissão de dados high-


tech, os mercados de ação globais ou o livre comércio, que mais diretamente afeta
a vida emocional das pessoas fora do local de trabalho. Transposto para a área
familiar. ‘Não há longo prazo’ significa mudar, não se comprometer e não se
sacrificar (Ibid, p.25 – grifo nosso).

Não se comprometer e não se sacrificar são, portanto, comportamentos vinculados ao

imperativo contemporâneo da flexibilidade e da mudança. Sennett refere-se à vida familiar e,

nós pensamos imediatamente na questão escolar – universitária. Não existem fronteiras para

as modificações: trabalho, vida familiar, escola... Quais são os efeitos?


180

E7 revela efeitos sobre a sua forma de ler. Esta em função da pressa acaba

privilegiando o reconhecimento ao invés da problematização: Geralmente quando eu tenho

pouco tempo e muita coisa pra ler.[...] Você pegar uma coisa e você vai vendo o que é

importante, né? Vamos supor: termo de consentimento livre e esclarecido. Aí eu tô lendo

aqui, “ah já sei o que é isso”, aí vou pra um subtítulo aqui... [...] Pra pegar uma visão geral

do texto. [...] E extraio o que é principal. (E7).

E15 mostra que não vale à pena levar mais tempo fazendo o curso, mesmo que a

velocidade a impeça de estudar como gostaria: Quando dá tempo sim, mas quando não dá...

Eu sou mais é... como fala? Sucinta. Como eu faço também várias matérias não tem tempo

pra ampliar muito o que se... Porque a professora passa dois livros e é necessário um, eu só

utilizo um. [...] Eu faço nove matérias. [...] Ah, vou diminuir o semestre que vem porque eu

vou terminar.[...] Eu comecei a fazer... No início quando eu comecei... Eu tenho outro

diploma, né? Eu comecei a fazer com quatro, porque eu até que não iria... eu pensei que eu

não fosse gostar da psicologia. Eu fiz direito porque eu não queria fazer psicologia. Então eu

fiz quatro, depois foi cinco. Eu vou me embora, vou ficar com um pé lá na frente e um outro

atrás. Aí depois que eu vi que eu realmente me identifiquei com a psicologia, aí eu pensei:

‘Pra que eu vou ficar fazendo de quatro em quatro? Eu vou acelerar’. Foi aí que eu comecei

a acelerar. (E15).

Nos trabalhos em grupo, outro efeito, o grupo se transforma na soma de vários

indivíduos: [...] A gente, dando um exemplo. É um seminário de...é um seminário de um livro

tal, né? Então a gente combina de todos lerem todo texto, né? Todo o livro, e das pessoas

se...é...vão apresentar determinadas coisas. A gente divide, né? Pra cada um ler, quando tem

uma parte escrita, pra cada um fazer sua parte escrita, né? E aí alguém, geralmente eu faço

isso, vai organizar essa parte escrita toda, num todo coerente e tanto em termos do texto em

si, como em termos de formatação e tudo o mais. E...o ideal, tipo assim, o que a gente sempre
181

se propõe a fazer é ter um momento de discussão...de discussão coletiva do assunto. Por falta

de tempo nem sempre a gente consegue ter esse momento de discussão ou às vezes a nossa

discussão é bem assim...é...no corredor ou passando bilhete na hora da aula. (E7).

Tendo em vista estas falas somos levados a afirmar que no caso das práticas de estudo

um dos efeitos desse não compromisso ou sacrifício decorrentes da flexibilidade e da

mudança é que as práticas de estudo cada vez mais transformam o estudo numa tarefa a ser

cumprida. Por mais que os estudantes percebam as limitações dessas práticas, isto não parece

deslocá-los da lógica da performance.

Para Sennett as mudanças que estão em questão no capitalismo flexível são

extremamente negativas na medida em que produzem nos sujeitos sentimentos de

fragmentação, dificuldade em estabelecer laços afetivos fortes, dificuldades em construir

narrativas de vida, enfim, dificuldade em produzir um sentido para a vida. Daí a idéia de

corrosão do caráter que aparece como título de um de seus livros (Ibid). Para este sociólogo

algo se deteriora nas relações que se estabelecem na atualidade. Em seu outro livro, “A

cultura do novo capitalismo” Sennett (2006) não se cansa de perguntar: que tipo humano é

capaz de sobreviver nesse mundo. Embora a pergunta seja retórica por diversas vezes ele

encaminha uma resposta no sentido de afirmar uma impossibilidade de vida digna nesse

mundo:

Uma individualidade voltada para o curto prazo, preocupada com as habilidades


potenciais e disposta a abrir mão das experiências passadas só pode ser encontrada
em seres humanos nada comuns. A maioria das pessoas não é assim, precisando de
uma narrativa contínua em suas vidas, orgulhando-se de sua capacitação em algo
específico e valorizando as experiências por que passou. Desse modo o ideal
cultural necessário nas novas instituições faz mal a muitos que nela vivem (Ibid,
p.14-15).

Sem desconsiderar a tese de Sennett de que nossa atualidade produz mal estar nos

sujeitos e tendo em vista o público de nossa pesquisa – jovens universitários – ficamos nos

perguntando se ainda assim poderíamos falar num sofrimento em função da flexibilidade. Não

que não haja sofrimento, mas talvez seja de outra ordem. Nossos jovens já nasceram neste
182

“novo” mundo. A flexibilidade e todas as suas derivações como o curto prazo, a

fragmentação, o não compromisso, etc. fazem parte de sua constituição. Assim, mais

interessante do que refletir sobre o possível mal estar ou sofrimento que atravessa nossa

contemporaneidade, é perguntar sobre as conseqüências e os efeitos de todas essas mudanças.

Este tem sido o caminho que escolhemos percorrer.

Sobre os efeitos das mudanças, destacamos a análise que o autor faz a respeito do uso

de máquinas no trabalho. Ao entrarem em cena, as máquinas separam o trabalhador do

trabalho, tudo se resume ao apertar botões, digitar palavras, senhas, códigos. O trabalho torna-

se abstrato e por isso ininteligível. Se no passado falava-se que a rotina teria como efeito

perverso a alienação, o embotamento subjetivo, hoje, defende Sennett, muitas vezes o uso que

se tem das máquinas produz efeito semelhante. Aqui temos uma concepção diferente daquela

apresentada pelos teóricos do capitalismo cognitivo para quem o uso das NTIC coloca em

cena um uso criador das máquinas. Esses teóricos defendem que uma vez que as novas

máquinas apresentam uma estrutura cujas funções não estão previamente determinadas, o uso

delas implicaria na criação. Neste sentido, Sennett parece introduzir um problema semelhante

aquele que apresentamos: para além daquilo que é, existe sempre a questão de como usamos

e, como nos implicamos neste uso. A passagem que se segue é exemplar:

Como qualquer ato de pensar, a inteligência no uso de máquinas é chata quanto


mais operacional que autocrítica. A analista tecnológica Sherry Turkle conta que
entrevistou uma menina muito inteligente sobre como melhor jogar o SimCity, um
jogo de planejamento urbano para crianças no computador; uma das regras mais
eficazes era: ‘Elevar impostos sempre leva a motins’. A criança não questionava
por que elevar impostos sempre leva a motins; só sabia que essa regra tornava o
jogo fácil de jogar (SENNETT, 2001, p.86-87 – grifo nosso).

Mais do que simplesmente revelar uma relação que se tem estabelecido entre homens

e máquinas, esta citação nos coloca diante de um tipo de funcionamento cognitivo que traz à

cena uma política cognitiva performática e eficiente. A criança é expert no jogo, funciona

muito bem naquele universo, sabe as regras que vão fazê-la ganhar. No entanto em nenhum

momento ela pára para pensar o porquê daquelas regras: por que elevar impostos leva a
183

motins? Chamamos atenção para o grifo no verbo parar. Ele é proposital. Justamente o que se

revela nesta passagem é que o tempo de curto prazo e a ênfase na flexibilidade não nos deixa

parar para aprofundar nos assuntos, refletir e pensar. As paradas são vistas como pontos de

inflexão para novos deslocamentos, não conferem ritmo. Não há tempo para a criação de

densidade e consistência. É interessante perceber o quanto esta discussão nos remete a forma

como a atenção está sendo capturada na atualidade que abordamos nos últimos capítulos.

Acreditamos vislumbrar aspectos do funcionamento cognitivo revelado na fala da

criança entrevistada por S.Turkle nos estudantes: [...] Tem o ponto que eu considero de aula

mesmo, que aí eu vou...se eu não concordar eu vou entrar na discussão, vou tentar entender o

ponto de vista e tudo, mas eu vou fazer uma anotaçãozinha básica do que eu devo dizer na

prova, tem isso!(risos) Tem um ponto que eu olho e falo “por esse caminho aqui eu acho que

eu vou me dar melhor”. [...] Eu faço um pouco isso, às vezes com os textos também, de vestir

a camisa: pego uns conceitos que eu não concordo, coloco ali como verdade, e daí o resto faz

sentido, eu visto aquilo e vou. Depois que uma disciplina acaba, depois que a aula acabou, eu

volto aquilo tudo e não faz muito sentido de novo. [...] (E3). E3, assim como a criança que

joga o SimCity, sabe as regras que vão fazê-la ganhar. Não pára para pensar sobre aquilo que

está estudando, ou sobre o porquê, talvez, daquilo que o professor está propondo. Concorda

ou não com o que está sendo dito, mas não pensa com o professor ou com os textos.

No livro A cultura do novo capitalismo 53 Sennett (2006) se aprofunda nesta discussão

sem, contudo, se restringir a ela. De maneira resumida a cultura do novo capitalismo define-se

a partir do curto prazo, da valorização das potencialidades e de talentos pessoais e, do não

apego ao passado que deve vir aliado com uma disponibilidade para mudanças. Sennett fala

de uma personalidade que se assemelha a do consumidor. O consumidor é aquele que está

sempre a procura de novidades e freqüentemente descarta bens antigos, mesmo que eles ainda

53
É importante destacar que quando Sennett fala do novo capitalismo ele não está se referindo ao capitalismo
cognitivo. Sennett usa a expressão capitalismo flexível. No entanto, diferente dos teóricos do capitalismo
cognitivo que se esforçam por definir a nova forma de capitalismo, Sennett usa a expressão em sentido amplo.
184

sirvam. Partindo dessa definição, poderíamos dizer que a fala de E3, apresentada acima,

aponta para uma relação com o saber marcada pela política do consumo. Neste sentido a

política do consumo seria outra forma de falar de uma política performática e eficiente.

Citamos outra estudante que ao comentar sobre como aprende revela as marcas dessas

políticas em suas práticas: Olha, onde eu mais aprendo é na aula, que é ouvindo. Depois

lendo. Fazendo trabalho também você aprende porque você lê, assim, você lê várias coisas.

Tipo assim, eu não chego a ler muito, eu não sou muito disciplinada pra fazer isso. Porque

pra você fazer um trabalho, por exemplo, você lê três, quatro artigos mais um texto. Assim,

eu não leio um artigo inteiro, passo os olhos no artigo, vejo o que me interessa e leio aquele

pedaço. Mesma coisa, às vezes o capítulo de um livro, eu não leio o capítulo inteiro, eu passo

os olhos, julgo o que me interessa e leio a parte que me interessa. E aí vou montando o

trabalho. (E9).

Se há não muito tempo a educação e a capacitação eram sinônimos de empregos 54,

hoje isso nem sempre é verdadeiro. As novas tecnologias exerceram e exercem um importante

papel neste processo não apenas automatizando, mas diminuindo as distâncias, reduzindo as

mediações e acelerando as comunicações. Tal fato acaba por criar a idéia de que é preciso

estar constantemente se atualizando sob pena de tornar-se inútil. Citamos a fala de um

estudante que revela como esta preocupação interfere sobre seu planejamento: Eu me formo

aqui em 2010, melhor, 2009 – ano que vem. Pô, eu vou querer dar uma descansada. Uns seis

meses, entendeu? Refrescando a cabeça, dar uma descansada. Mas depois desse tempo eu

acredito que é mais do que necessário. As coisas vão se atualizando. Não tem como uma

pessoa que se formou... É igual advogado. Advogado é uma vida meio dura, porque, pô, a

54
Sennett reflete sobre a diferença entre as concepções de formação na época do capitalismo social (concebido
por Bismarck e analisado por Weber) e na atualidade (tempos de capitalismo flexível). O que está em questão é a
superação ou a reformulação da idéia da Bildung. A Bildung consiste no processo de formação pessoal que
prepara o jovem para o encaminhamento de toda uma vida. Segundo o sociólogo, no século XIX a Bildung
adquiriu contornos institucionais e seus resultados tornaram-se concretos no século XX. E o século XXI? Será
que podemos trabalhar ainda com a idéia de Bildung?
185

constituição...direto. Se o cara se formou lá há 30 anos atrás ele vai ficar ultrapassado. E

tem a questão de você querer se manter no mercado e ter uma visão: “Pô, quero ser

excelente naquilo que eu vou fazer’., não tem outra saída. (E14). O ideal hoje é: “Um

indivíduo constantemente adquirindo novas capacitações, alterando sua ‘base de

conhecimento’” (Ibid, p.47). Contudo, nos parece fundamental destacar que ao lado da

demanda de atualização constante e da formação permanente, vemos políticas cognitivas

marcadas pela superficialidade e o não pensamento como é o caso da política cognitiva do

consumidor, mencionada acima.

O trabalho também mudou. Menos do que funções pré-determinadas, estamos diante

de tarefas que se transformam a todo o instante. Neste contexto é preciso superar certas

formas de relação com o trabalho e, porque não dizer com o conhecimento. O sistema de

premiação também necessita ser repensado. Assim Sennett afirma que na cultura do novo

capitalismo onde se privilegia as organizações flexíveis, a perícia e a meritocracia

representam obstáculos a serem superados. Se, por um lado a meritocracia assume novas

formas a partir da noção de potencialidade, por outro lado, a perícia vai perdendo espaço neste

mundo onde o curto prazo e a circulação tornaram-se valores importantes.

A perícia seria a capacidade de fazer algo bem. Seria a capacidade de se aprofundar

numa tarefa ou num assunto. Em alguns momentos do texto as idéias de perícia e de perito

aparecem através das noções de artesanato e de artesão. Perito e artesão seriam maneiras de

falar de um modo de conhecer e de se relacionar com o mundo que não se contenta com a

superficialidade e que também não está disposto a abdicar do aprofundamento em prol da

velocidade. Mas como ter tempo para se aprofundar? Como conciliar a perícia com a

exigência de uma “predisposição mental para a livre circulação” (Ibid, p.50)? Hoje mais

importante do que conhecer é ter ou desenvolver a potencialidade para conhecer:

A ordem social que vem surgindo milita contra o ideal do artesanato, de aprender a
fazer bem apenas uma coisa, compromisso que freqüentemente revela-se
186

economicamente destrutivo. No lugar do artesanato, a cultura moderna propõe um


conceito de meritocracia que antes abre espaço para as habilidades potenciais do
que para as realizações passadas (Ibid, p.13-14 – grifo nosso).

Chamamos atenção para o verbo militar: a nova ordem social milita contra o ideal de

artesanato. Destaca-se aí uma dimensão política. Defendemos, assim, que a adoção do modo

de funcionamento cognitivo do artesão ou do perito é uma questão política. Revela uma

política cognitiva que como estamos vendo se mostra cada vez mais rara na atualidade.

Esta discussão acerca da perícia e do seu declínio no mundo contemporâneo nos

remete aquela da atenção sustentada e da dificuldade que tem sido fazer durar a atenção neste

mundo super-estimulante. Parece-nos então que a perda do espaço de um modo de funcionar

que Sennett nomeia como perito ou artesão encontra-se intimamente vinculado aquilo que

viemos discutindo nos capítulos anteriores a respeito do funcionamento atencional. Para que

sustentar a atenção se o que está sendo privilegiado é a circulação?

Em oposição ao modelo do perito e do artesão Sennett apresenta o modelo do

consultor e do consumidor. O consultor está constantemente entrando aqui e ali sem nunca se

estabelecer em lugar nenhum. Ele circula e faz circular. Sabe superficialmente muitas coisas,

porém não se detém e tampouco se aprofunda em nada. A noção de consumo poderia talvez,

descrever este tipo de relação que se estabelece com o mundo. O que para nós, representaria

um tipo de política cognitiva. Segundo Sennett “A questão do consumo leva-nos ao cerne da

nova economia” (Ibid, p.125) e, ela aparece não apenas nas empresas e no mundo do trabalho.

O autor analisa, por exemplo, a questão do consumo na política 55: a questão da relação entre

os políticos, o uso do marketing e seus efeitos, etc. Em relação a isto, interessa-nos reter o

significado deste modo de ser consumidor. O consumo pressupõe uma sedução, um tornar as

coisas fáceis, simples e acessíveis. O importante no consumo não é aquilo que será consumido

55
Política aí é entendida como macropolítica. Sobre diferença entre a macro e a micropolítica cf. (DELEUZE e
GUATTARI, 1995).
187

– até porque hoje será uma coisa e amanhã outra, e, depois outra, etc. – o importante no

consumo é a perpetuação do próprio movimento de consumir.

Percebam como este modelo do consultor e do consumidor marca também as práticas

de estudo dos estudantes de psicologia: [...] Agora eu já sei que certas coisas não me

interessam e certas coisas me interessam. Apesar de que mesmo aquilo que não me interessa,

se tiver um seminário, se tiver alguma coisa assim, que não vai me cobrar nada depois... A

sala de aula é muito...pra mim não funciona, então se for uma bolsinha, eu até vou. [...]

Freqüento. Seminários, encontros. Até no encontro dos estudantes mesmo, tem muitas

palestras legais, tem muito debate. Isso tudo, qualquer assunto dentro da psicologia vai me

interessar. Agora, já estudar profundamente, aí eu já seleciono mais. [...] Eu acho muito

importante. É, uma ou outra palestra você vê que você, sabe assim? Já tá fazendo outra

coisa, mas você não ia saber se não assistisse. Mas tem muita coisa interessante que você se

surpreende ‘Nossa, isso tá acontecendo’, ou até identifica ‘Eu passei pelas mesmas

dificuldades’. Eu acho importante, porque nesses seminários se apresenta muito o resumo e a

conclusão e os resultados e o mais importante é o processo, né? Você entender o processo

todo. Então, fica superficial. Mesmo assim eu acho válido porque você tá sabendo o que tá

acontecendo. (E6). E ainda: Porque se o estudo é aula, por exemplo... Eu participo pra

caramba de evento, entendeu? Se evento for barato ou se for de graça, muitas vezes eu vou.

Eu gosto, adoro os eventos. Entendeu? Não é nada que tenha alguém que me diga pra ir; eu

vou sozinha, não vou com colega. Hoje eu fui, foi um lá na Fiocruz. Entendeu? [...] Quando

tem palestra, essas coisas, eu fico assim, eu sinto uma sensação quase religiosa. Eu gosto

muito. [...] Olha, hoje, por exemplo, eu perdi a parte da manhã, porque eu tinha uma reunião

lá no estágio e não podia faltar. E aí eu vi que foi muito bom e anotei várias coisas pra

pesquisar. A chance de eu pesquisar é muito pequena. Entendeu? Eu raramente pesquiso

alguma coisa além daquilo. Muito difícil. Mas se for o caso, se aquilo eu for usar pra outra
188

coisa, é capaz de eu olhar, mas a chance é pequena. [...] Mas eu vou dividir com outras

pessoas com certeza. Entendeu? Eu vou, por exemplo, conversar com outras pessoas que

gostam de saúde mental: ‘Ah, eu ouvi isso, eu ouvi aquilo’ e eles vão me dizer outras coisas,

e vai me acrescentar nesse sentido. (E8).

Através destas falas percebemos que a relação de consumo não se limita às matérias e

aos conteúdos a serem estudados. A universidade, seminários e congressos parecem também

estar sendo vividos dentro desta lógica. A universidade transforma-se assim num centro

agenciador de serviços onde os estudantes são clientes ou usuários. Note-se que este

movimento atravessa tanto as universidades públicas quanto as particulares. Aqui é

importante pensarmos no papel da própria universidade através de seus dispositivos e

professores na produção desse tipo de relação. Sobre isso é interessante retomar a discussão

tecida no último capítulo a respeito do uso indiscriminado de filmes, clipes e Power points.

Novamente nos parece fundamental defender que a idéia não é adequar-se às demandas, mas

talvez produzir novas demandas. Cabe, portanto pensar no papel da universidade e dos

professores na produção das práticas de estudo.

Sobre a diferença entre o modo de ser do artesão e do consumidor, citamos Sennett:

No trabalho, o bom artesão é mais do que um técnico mecanizado. Ele quer


entender porque um pedaço de madeira ou um código de informática não funciona,
o problema torna-se envolvente, gerando portanto um apego objetivo. (...) No
consumo, entretanto, é difícil pensar como um artesão, como propõe Zukin: nós
compramos um objeto quando ele é de fácil utilização, o que geralmente significa
que o usuário não precisa se preocupar com o funcionamento do objeto, seja um
computador ou um automóvel (Ibid, p.155).

Portanto, quando as pessoas agem como consumidores estão deixando de pensar como

artesãos. Sennett defende que a grande questão é como está sendo organizado o prestar

atenção (Ibid, p.154-155). A observação de Sennett vai ao encontro daquilo que temos

argumentado sobre a cognição contemporânea: a importância da atenção, a dificuldade na sua

sustentação e um funcionamento que ao saltar de foco em foco em alta velocidade, privilegia

a abrangência e a superficialidade.
189

Antes de avançar gostaríamos de destacar que a crítica ao modelo do consumidor

comparece apenas quando ele passa a recobrir todo o funcionamento cognitivo, tornando-se o

modo por excelência de relação conosco e com o mundo. Dessa forma é preciso diferenciar o

consumo físico do consumo como modo de relação.

A meritocracia representa um problema diferente para o novo capitalismo.

Inicialmente a meritocracia relacionava-se à premiação de pessoas pelo trabalho executado.

Hoje, contudo, tendo em vista os novos interesses, passou-se a premiar o talento, a

potencialidade e as aptidões. Aquilo que foi realizado não é tão importante quanto a

capacidade de poder fazer. Assim os testes e as avaliações psicológicas – “a maquinaria

burocrática da meritocracia” (Ibid, p.105) - invadiram as empresas com um duplo objetivo:

identificar e recompensar o talento e, legitimar o fracasso. A questão que precisa ser colocada

é: o que é que significa ou, como é que se entende talento e aptidão? O problema a nosso ver

não está na premiação do talento, mas sim naquilo que se entende como talento. Na atualidade

o talento tem menos a ver com a perícia do que com a capacidade de aprender constantemente

novas capacitações, ser flexível. Nos nossos termos, tem menos a ver com a experiência do

que com a performance.

No esquema da meritocracia, o processo de avaliação do talento tem portanto um


núcleo macio, que diz respeito ao talento entendido de uma forma específica, como
aptidão potencial. Em termos de trabalho, o ‘potencial’ humano de uma pessoa
define-se por sua capacidade de transitar de um tema a outro, de um problema a
outro (Ibid, p.108).

6.2 – Performance: agir como condição para o existir

[...] A gente acaba fazendo muito mais coisa com o estágio e com muita aula, aí o tempo pra

estudar em casa nem sempre é grande. Acabo fazendo mais coisa do que a gente tem tempo

de bastidores pra estudar. (E7).


190

Alain Eherenberg, sociólogo francês, em um livro onde procura descrever as

transformações da paisagem imaginária francesa na passagem do século XX para o XXI,

defende que esta vive hoje um momento de culto da performance (Eherenberg, 1991). Tal

afirmação é feita com base num amplo trabalho em que examina ideais como competição,

consumo e concorrência através da análise do esporte, do Clube Mediterranée e da empresa.

Eherenberg toma tanto o esporte quanto o Clube e a empresa como possibilidades de pensar

as transformações sociais ocorridas em especial na França. Para isso, procura refletir sobre o

lugar que eles ocupam na sociedade contemporânea, trazendo à cena seus significados e

demonstrando como isto aponta para uma mudança no imaginário francês: da sociedade de

classes à sociedade do “seja você mesmo: faça!”.

Destacamos através da fala do estudante apresentada no início da seção como esse

imperativo da ação está reverberando sobre as práticas de estudo. E7 constata algo que os

outros estudantes revelam em seus discursos sem dizer claramente: Estamos fazendo mais

coisas do que temos capacidade de absorver. A conseqüência como temos visto é a

abrangência em detrimento da densidade e consistência, a velocidade em detrimento da

duração e a superficialidade em detrimento de um aprofundamento. A problematização e o

pensamento são relegados ao segundo plano.

Se na sociedade de classes a identidade e o lugar de cada um estavam, de algum modo,

assegurados pelas classes, na sociedade do “seja você mesmo” é preciso que cada um assuma

para si a tarefa e a responsabilidade de ser alguém. Vale ressaltar que embora de maneira

menos aprofundada, os teóricos do capitalismo cognitivo também apontam para as

modificações, na contemporaneidade, dos processos de subjetivação. Segundo eles há um

deslocamento de um processo de subjetivação pautado na divisão do trabalho – sociedade de

classes - para um pautado na independência e na autonomia. Em função dos dispositivos

usados por Eherenberg – esporte, Clube Mediterranée e empresa – o processo de tornar-se


191

alguém, isto é a singularização aparece subordinada à adaptação 56. Levando-se em

consideração que é a independência e a autonomia que estão na base do processo, a adaptação

não seria uma exigência, mas uma possibilidade. Porém, é importante não perder de vista que

ao lado da independência e da autonomia comparece a biopolítica e o biopoder que, através de

suas práticas, fazem nascer nos sujeitos o desejo de conformação.

O esporte traz à cena a questão do tornar-se alguém através da justa concorrência

possibilitada pela competição. As regras esportivas permitem, sobre um fundo de igualdade

de condições, que as aparências sejam codificadas, dando visibilidade às qualidades e méritos

sempre tomados como pessoais. Quando um jogador faz um gol ou quando um time sai

vencedor, não há dúvida: ele é o melhor! Isso, contudo, não garante que ele sempre será o

melhor. É preciso estar continuamente se colocando à prova, competindo e afirmando-se.

Dessa forma, o esporte ressignifica o herói. O heroísmo moderno não é aquele das aventuras,

dos grandes feitos, mas é este do indivíduo qualquer que se singulariza, destacando-se da

massa por méritos próprios. Os méritos, por sua vez, manifestam-se sempre através daquilo

que é visível. A idéia implícita é que se o time venceu ou o jogador fez um gol é porque

houve trabalho, empenho e não porque já estava acordado o resultado. Neste sentido

Eherenberg defende que o heroísmo moderno é democrático na medida em que é acessível a

todos que queiram dele se apropriar.

O Clube Mediterranée é uma empresa-espetáculo, fundada na França dos anos de

1950, quando o país começava a se reerguer da Segunda Guerra Mundial. Diferente de tudo o

que existia até então, ela implementou um estilo de vida pautado no consumo e na aparência.

Numa época em que o consumo era considerado ainda alienação, o Clube Mediterranée o

propunha como desenvolvimento pessoal. Como um meio de tornar-se alguém diferente da

56
Nos termos de Guattari, o que está em jogo no culto da performance seria antes processos de serialização que
de singularização (GUATTARI e ROLNIK, 1986). Isto porque este pensador reserva o termo singularização a
processos de subjetivação marcados pela diferença e não pela adaptação. No entanto preservaremos neste ponto
a nomenclatura usada por Eherenberg.
192

massa. Neste contexto o consumo deixa de ser passivo para ser ativo. Ele afirma-se a partir de

então não apenas como posse que se esgota nela mesma, mas principalmente como

possibilidade de ativa singularização. O Clube Mediterranée prefigurou assim, a sensibilidade

individualista que hoje se torna banal. Segundo Eherenberg ele foi a primeira atividade de

consumo a realizar a democratização das aparências para seus clientes e pessoal. Assim como

o esporte, embora de maneira diferente, o Clube Mediteranée reenvia à experiência não

política da democracia na medida em que promove uma sensibilidade igualitária através de

práticas sociais que apontam para o consumo.

A empresa, por sua vez, responde por uma combinação na vida pública do ideal da

competição - trazido pelo mundo esportivo - e, do consumo - pensado como meio de tornar-se

alguém, de desenvolver-se pessoalmente. Dessa forma ela combina o esporte e o clube,

trazendo à cena a figura do empreendedor. Apresenta-a como referência para uma existência

vitoriosa. O empreendedor é o indivíduo-trajetória. Nada o define melhor do que o caminho

que percorre. Este deve ser encarado como uma aventura em que se precisa cavar as próprias

oportunidades, assumir riscos a fim de tornar-se alguém e sair vitorioso.

A fala de E5 aponta precisamente para a dimensão empreendedora de suas práticas de

estudo: Ah, acho que pensando nas notas, isso é básico (né?), assim, não querer repetir e tal,

porque... e também porque eu fiz um planejamento. Eu já meio que atrasei um pouquinho

minha entrada na faculdade, por opção de querer ficar um ano trabalhando. Então eu atrasei

minha entrada na faculdade, então agora eu vim muito focada em terminar nos meus cinco

anos, isso inclui não repetir em nada e tirar uma boa nota, até porque eu tenho vontade de

entrar nesses projetos... ou na empresa Junior, que é o...pra área que eu quero seguir, que é

de R.H.; e participar de outros prés, eu preciso meio que ter um currículo. Então eu fico

pensando na nota e no currículo, porque tem que ter um CR, tem que ter um CR alto e tal.

Então eu fico pensando nisso, assim. (E5).


193

Apesar de reconhecermos o culto da performance em nossa sociedade, Eherenbeg é

bastante cauteloso com suas observações ressaltando que seu trabalho está circunscrito à

situação francesa. Localiza o nascimento das transformações que desembocaram no culto da

performance no contexto político da França dos anos de 1980. Neste momento os franceses

viram a esquerda subir ao poder e por fim tanto à utopia de realização de um Estado

assistencial quanto à proposição de uma alternativa ao capitalismo. Era o fim das esperanças.

O lema “faça você mesmo” tornou-se um imperativo. A competição passou a ser encarada

como sinônimo de sobrevivência e, a ação empreendedora constituiu-se num modelo de

conduta. Não existia nada em nenhum lugar e nem ninguém capazes de assegurar qualquer

tipo de coisa. A humanidade estava abandonada à sua própria sorte. A generalização da

competição produziu-se, portanto, sobre esse fundo de fragmentação da existência dando

origem tanto ao neo-individualismo quanto ao neo-comunitarismo. Neo-individualismo e neo-

comunitarismo são duas faces de um mesmo problema: a fragmentação da existência diante

da percepção de que não existe porto seguro. A solução neo-individualista encontra

ressonâncias nas discussões de Richard Sennett na medida em que defende a valorização do

indivíduo flexível, autônomo, independente, um indivíduo que estabelece seus objetivos,

corre atrás deles e se realiza através de ações pessoais. Já o neo-comunitarismo aponta para

uma solução onde o indivíduo fecha-se num grupo, assumindo uma identidade muitas vezes

rígida e, compartilhando ideais algumas vezes fundamentalistas.

A performance diz respeito, então, a uma forma de tornar-se alguém num contexto em

que nada mais nos garante a não ser nós mesmos e nossas ações. Cada um é responsável por si

e por seu destino. Exigências como ser empreendedor, possuir um projeto pessoal, assumir

riscos, desenvolver potencialidades apresentam-se como necessidades. É preciso fazer e

mostrar-se sob pena de não ser ninguém: “Não existe identidade social senão divulgada no

espaço público onde um outro nos olha” (Ibid, p.41). Neste contexto é possível entender não
194

apenas o fascínio que os cada vez mais numerosos realities shows exercem sobre as pessoas,

mas também, no plano das práticas de estudo, a importância que o fazer e o mostrar-se vem

ganhando. Em relação às práticas de estudo é interessante notar a obsessão em fazer estágios,

participar de pesquisas, freqüentar eventos, ainda que não haja tempo de bastidores para

estudar. A performance nos remete assim ao tema da ação e das aparências: “Ela (a

identidade) é da ordem da figuração porque as coisas não recebem mais sua significação de

uma ordem preexistente e fechada onde tudo tem seu lugar, mas delas mesmas em uma ordem

aberta e movente onde os pontos de vista são múltiplos e as referências reversíveis” (Ibid,

p.41). A competição, o consumo e a concorrência são os principais meios de relacionamento.

Graças a uma comparação permanente podemos nos tornar alguém ou, desaparecer.

Vale destacar a preocupação de Eherenberg em relação à democracia e as novas

formas que ela assume. A democracia é ressignificada a partir dos ideais da concorrência, do

consumo e da competição. Trata-se de uma democracia que não passa pela representação

política ou pelas lutas de classes. Isto não significa que a macropolítica (DELEUZE e

GUATTARI, 1996), a política dos partidos, das eleições, tenha acabado, mas ela não aparece

mais como o lugar privilegiado das disputas pelos direitos e pela sobrevivência. Hoje, cada

vez mais, é a competição, o consumo e a concorrência que definem nossos direitos e deveres.

Se esta nova formação democrática parece garantir aos indivíduos condições mais igualitárias

- a competição, o consumo e a concorrência estão disponíveis a todos que delas queiram se

apropriar para tornar-se alguém – por outro lado ela tem levado à exaustão esses mesmos

indivíduos. A possibilidade de não entrar na concorrência, na competição, a opção pelo não

consumo é praticamente inexistente. Daí o esforço cada vez mais sobre-humano de adequação

e de superação tendo em vista a vitória em tornar-se alguém. Conforme sinaliza Eherenberg é

cada vez mais comum o aparecimento de doenças como a depressão nervosa, além de

problemas como estresse, insônia, angústia e nervosismo. Num livro de 1998 o sociólogo
195

francês aprofunda esta discussão analisando aquilo que ele nomeia como “a fadiga de ser você

mesmo” (EHERENBERG, 2000). Assim, a ênfase na performance assume um caráter

ambíguo.

Uma questão interessante levantada por Eherenberg e, que possui estreita ligação com

o ponto que discutiremos em seguida, diz respeito ao lugar ocupado em nossa sociedade pelos

medicamentos psicotrópicos. Menos do que instrumentos terapêuticos, eles tem sido tomados

como meios artificiais de enfrentamento da vida, estando inscritos dentro do ideal da

performance e da concorrência. Dessa forma, a discussão sai do domínio da medicina e da

saúde para entrar no espaço público, no terreno das drogas e do dopping. Os medicamentos

psicotrópicos surgem como possibilidade de auto-assistência num mundo em que nada mais

existe para nos socorrer. Ajudam no enfrentamento da realidade, permitindo de maneira

química que os indivíduos ultrapassem seus limites correndo atrás da sua realização. Em

outras palavras, são drogas da performance:

As condições da vida moderna, a concorrência e a competição desenfreadas dos


candidatos para obter um diploma, um posto, sucesso, reconhecimento profissional
ou gratificações afetivas testemunham muitas vezes o recurso aos produtos
tonificantes e estimulantes (EHERENBERG, 1991, p.268).

Eherenberg estabelece um paralelo entre estes medicamentos “auxiliadores do viver” e

o dopping do mundo esportivo. Assim como no dopping, os medicamentos psicotrópicos têm

se apresentado como meios de reforçar as capacidades corporais e psicológicas a fim de

possibilitar um melhor enfrentamento da competição (Ibid, p.259). Dentre os exemplos

apresentados, nos chamou atenção o caso de uma pesquisa realizada com 500 estudantes da

universidade de Besançon. Segundo a pesquisa, mais de um quarto dos estudantes usam

sedativos e/ou estimulantes em período de provas (Ibid, p.267). Tal fato reforça a idéia de que

não é apenas o mundo do trabalho que está sendo atravessado por todas estas questões como

flexibilidade, curto prazo e performance, mas que isto está mais ou menos disseminado no

espaço de vida. Repercutem sobre a universidade e as práticas de estudo.


196

Apesar da universidade – conforme estamos vendo - estar sendo atravessada pelo

contexto contemporâneo, é importante dizer que não encontramos entre os estudantes

entrevistados em nossa pesquisa a prática do uso de sedativos e/ou estimulantes como

auxiliadores de performance. Muito pelo contrário, o discurso de alguns mostra forte oposição

em relação a isso: [...] Eu não gosto de remédio, eu não gosto da psiquiatria, eu acho que...

Eu não sou muito a favor desse tipo de pensar, porque eu tive uma amiga minha que

receitaram rivotril pra ela. Eu experimentei o rivotril e acho uma sacanagem dar aquilo pra

pessoa. Acho que só deve dar um remédio daquele pra alguém que realmente tá precisando.

[...] Eu experimentei. Eu fiquei seis horas...eu levei três tombos no chão, eu cai na escada, eu

machuquei o joelho, eu não conseguia nem pensar. [...] Eu experimentei exatamente pra

saber o porquê. Tinha tanta gente que eu conhecia tomando esse remédio pra depressão. [...]

(E10).

6.3 – A cognição aditivada: sobre o enhancement cognitivo 57

Em época de vestibular eu tomava muito café. Mas é porque eu me forçava a ultrapassar o

meu limite assim. Porque você começa a ficar numas “nóias”, assim que você nunca tá

fazendo o suficiente. Então eu queria ultrapassar, ficava até cinco horas da manhã

estudando. Então era meio o meu corpo já desistindo. Aí eu me entupia de café, fiquei com

gastrite (E5).

O tema do ‘enhancement’ e, mais especificamente do ‘enhancement cognitivo’ (ou

‘otimização cognitiva’) tem ganhado novos contornos, tornando-se um assunto bastante

57
Não existe uma tradução exata para o português do termo ‘enhancement’. Alguns o traduzem como
‘aprimoramento’ (ITABORAHY, 2009), outros como ‘melhoramento’ (AZIZE, 2008) e há aqueles que preferem
‘otimização’ (KASTRUP e CALIMAN, 2008). Nós trabalharemos com otimização.
197

debatido no campo da neuroética 58. Embora se possa falar de ‘otimização cognitiva’ no

contexto médico como, por exemplo, no tratamento de doenças como a de Alzheimer ou de

transtornos como o de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), o que tem chamado

atenção e feito com que calorosos debates sejam travados é a prática de ‘otimização

cognitiva’ relacionada ao uso não médico por pessoas saudáveis de medicamentos como a

Ritalina (metilfenidato), o Adderoll (anfetamina), o Provigil (modafenil) com o objetivo de

melhorar a performance e, sobretudo a performance cognitiva 59. Ressaltamos, porém, que o

enhancement - ou otimização - farmacológico extrapola o domínio das funções cognitivas,

atingindo o humor e as funções vegetativas como o sono, o apetite e o sexo (FARAH, 2005).

O uso indiscriminado do Prozac e outros inibidores de recuperação seletiva de serotonina

(SSRIs) se inserem neste contexto, assim como o uso do Viagra (sildenafil). Além disto, a

otimização cognitiva não se faz exclusivamente através de psicofármacos. Se olharmos para o

futuro tem-se como esperança, em função do desenvolvimento das neurociências e das

neurotecnologias, a possibilidade de ‘otimização cognitiva’ através de, por exemplo,

implantes de chips e de técnicas de estimulação magnética transcranial (TMS). Se olharmos

para o presente e passado vemos que a educação, hábitos saudáveis como uma boa

alimentação, prática regular de exercícios, uma noite de sono adequada, as tecnologias da

informação e o café, como revela E5 no relato acima, também representam uma espécie de

otimização das funções cognitivas. Apesar de reconhecer tudo isto, estamos interessados em

58
A neuroética é um campo de estudo e pesquisa recente que nasceu em função dos avanços das neurociências.
Aborda questões relacionadas às implicações práticas das neurotecnologias para a vida dos indivíduos e da
sociedade. Como exemplo citamos as técnicas de imageamento cerebral e discussões acerca da privacidade e
alteração das funções cognitivas em pessoas saudáveis com o objetivo de otimização cognitiva. Vale destacar
que a inspiração para a neuroética foi a bioética – campo criado para a discussão das implicações éticas
relacionadas ao avanço da biologia molecular e da manipulação genética. Cf. Farah (2005).
59
Destacamos que nem sempre o uso não médico de medicamentos está referido à prática de ‘otimização
cognitiva’. Conforme defendem Rancine e Forlini (2008) além da ‘otimização cognitiva’, o uso não médico pode
estar relacionado ao abuso de drogas ou, a um estilo de vida.
198

analisar a forma mais recente, e que tem se tornado cada vez mais popular – sobretudo na

América do Norte -, de ‘otimização cognitiva’: o uso de psicofármacos.

Embora não tenhamos encontrado no relato dos estudantes entrevistados em nossa

pesquisa a referência a este tipo de prática, em função da relevância dessa discussão no

cenário contemporâneo e da forte vinculação que a literatura aponta entre os universitários e o

uso de psicofármacos com fins de otimização cognitiva, decidimos abrir um espaço neste

capítulo para analisar este problema.

Já há algum tempo que se conhece o potencial de otimização de alguns medicamentos

psiquiátricos e neurológicos. Contudo, os riscos de sua administração eram grandes, além de

inúmeros efeitos colaterais. Foi preciso haver um significativo desenvolvimento no campo das

neurociências e no conhecimento da neuroquímica cerebral, para que drogas mais precisas e

sem tantos efeitos colaterais surgissem. Hoje, portanto, vivemos uma situação em que temos a

disposição medicamentos altamente eficazes e precisos que praticamente não apresentam

efeitos colaterais.

No que diz respeito à otimização cognitiva Farah (2005) destaca serem as funções

executivas e a memória os principais sistemas alvo dessa prática. Tal fato nos chama a

atenção na medida em que vai ao encontro das formulações de Lazzarato (2006) sobre a

importância da modulação da atenção e da memória no capitalismo cognitivo e, de

Eherenberg (2001) sobre a ênfase na performance. A resposta dada por Forlini numa

entrevista em que apresenta a sua pesquisa 60 é exemplar. Quando perguntada sobre a relação

entre o alto nível de requisição de sucesso e performance esperados na atualidade e a prática

da otimização cognitiva, em especial o uso da Ritalina, a pesquisadora responde:

O tema da performance é bastante presente em nossa pesquisa. Algumas fontes


olham para isto como uma pressão colocada sobre os estudantes assim como sobre
os profissionais para maximizar o foco e a produtividade sendo essa uma causa do
mau uso do metilfenidato. Entretanto, no outro lado da moeda, os efeitos do

60
“Abuse, enhancement or lifestyle choice?: Stakeholder perspectives on ethics and misuse of methylphenidate”.
Cf. Kastrup e Caliman (2008).
199

metilfenidato são considerados como sendo uma ferramenta para otimizar a


performance humana possibilitando que trabalhadores possam desenvolver seu
máximo (KASTRUP e CALIMAN, 2008, p.174-175).

Apesar da presença na resposta da pesquisadora da discussão sobre se a otimização

cognitiva representa um bom ou um mau uso do metilfenidato é possível perceber a forte

vinculação entre a exigência de uma certa performance que poderíamos dizer adaptativa –

maximizar o foco e a produtividade - e o uso – seja ele bom ou mau – de medicamentos cujo

efeito é uma melhoria das funções cognitivas. Por isso acreditamos que a discussão sobre a

prática de otimização cognitiva merece ser inserida no contexto da discussão sobre a

contemporaneidade e, em especial sobre a cognição contemporânea.

Os estimulantes metilfenidato (Ritalina) e anfetaminas (Adderall) que são

medicamentos prescritos, sobretudo, para o tratamento do TDAH estão entre as drogas mais

usadas para fins de otimização cognitiva (FARAH, 2005; FORLINI, BOUVIER e RANCINE,

2007). Ao serem ingeridas elas aumentam a eficiência das funções executivas tanto em

pacientes quanto em pessoas saudáveis, melhorando a habilidade em focar a atenção,

manipular informação na memória de trabalho e no controle flexível das respostas. Além do

metilfenidato e das anfetaminas, existem também aquelas receitadas para o tratamento de

Alzheimer que atuam especificamente sobre a memória como o donepezil (Aricept).

No que se refere ao público usuário de drogas para fins de otimização cognitiva, os

estudantes, sobretudo os estudantes universitários, merecem lugar de destaque, embora não

possamos desconsiderar os profissionais inseridos no mercado de trabalho. Sobre isso vale

citar as pesquisas de K.Hall et. al. (2005) e de C.Teter et. al. (2005) que abordam a questão do

uso ilícito 61 de prescrições de psicoestimulantes por estudantes universitários norte

americanos. Em ambas, junto com a função de otimização cognitiva – ajudar na concentração,

aumentar o alerta, fornecer energia -, apareceu também a questão do uso recreativo associado

61
Tendo em vista a necessidade de prescrição médica para venda e consumo de medicamentos psicotrópicos, o
uso não médico representa um ato ilícito passível de punição.
200

ao consumo ilícito – não médico – em especial do metilfenidato. Um dado interessante

encontrado na pesquisa de Hall e colaboradores refere-se ao motivo relatado pelos estudantes

para usarem o metilfenidato: trata-se de uma forma de fazer frente à experiência de excessiva

pressão – relacionada em especial ao tempo – associada tanto aos compromissos acadêmicos

quanto aos não acadêmicos. Neste sentido os psicoestimulantes são vistos como meios para

aumentar o alerta e a energia:

Embora tenhamos encontrado algumas discrepâncias em relação aos sexos, ambos,


homens e mulheres, concordaram sentirem-se pressionados pelos compromissos e
indicaram que a ausência de sono e a fadiga poderiam tornar o estudo difícil. Essa
combinação de dormir pouco e sentir-se pressionado por demandas acadêmicas e
sociais pode conduzir os universitários a procurarem outras formas de disparadores
de energia e auxiliares de estudo (HALL, IRWIN, BOWMAN, et. al., 2005, p.172).

Associada a discussão sobre o uso ilícito de medicamentos como o metilfenidato os

pesquisadores ressaltam a questão da facilidade do acesso à essas drogas: “Com os estudantes

tendo motivos para usarem medicações estimulantes, o acesso torna-se uma questão

importante” (Ibid, p.172). Segundo relato dos estudantes é fácil conseguir este tipo de

estimulante nas universidades (norte americanas) seja através dos colegas, seja através da

dissimulação do transtorno. Nos EUA o diagnóstico de TDAH com conseqüente prescrição de

medicamento não é raro. Neste sentido existem nas universidades diversas pessoas que

possuem prescrição médica para medicamentos como a Ritalina e, que estão dispostas a

comercializá-la. Além disso, conforme comentam alguns estudantes não é difícil forjar os

sintomas do TDAH para conseguir uma receita médica. Itaborahy (2009) acrescenta ainda a

facilidade de se obter esses remédios através de sites na Internet.

É importante argumentar que o uso de metilfenidato e de anfetaminas por crianças e

adolescentes em geral é decorrência de uma demanda dos pais e/ou da escola. Neste caso está

fortemente vinculada ao diagnóstico de TDAH, o que não caracterizaria uma prática de

otimização cognitiva. No entanto conforme N.Rose (2006) e I.Singh (2006) apontam as

fronteiras são muito tênues entre aqueles que podem ou não ser diagnosticados como
201

possuindo/sendo TDAH. Tal fato faz com que se possa colocar sob suspeita os inúmeros

diagnósticos, o que sugeriria também uma prática de otimização cognitiva dando margem à

intensos debates éticos: Quais os efeitos a longo prazo deste tipo de droga? O acesso à

Ritalina deve ser um direito de todos?, etc 62.

Se nos EUA e em outros países da América do Norte e da Europa a discussão em

torno do uso não médico de medicamentos como a Ritalina está avançada, no Brasil ela

começa a ser realizada. O primeiro estudo acadêmico deste tipo está em andamento, sendo

realizado no Instituto de Medicina Social (IMS) da UERJ sob coordenação de Francisco

Ortega. No início de 2009 começaram a ser defendidas dissertações vinculadas a este projeto,

como, por exemplo, a de Itaborahy (2009). No domínio da mídia brasileira a questão se

repete, havendo poucas publicações que abordam questões referentes aos usos não médicos de

psicoestimulantes (KASTRUP e CALIMAN, 2008; ITABORAHY, 2009). Contudo, aos

poucos, elas vão aparecendo. Citamos as reportagens “Pílulas para ficar mais esperto” escrita

por Stephen Hall e, “Cérebros Turbinados”, escrita por Arthur Caplan, ambas publicadas na

revista Mente & Cérebro em dezembro de 2008.

Dentre as discussões relacionadas ao uso de psicoestimulantes para fins de otimização

cognitiva em pessoas saudáveis merece destaque aquela que aborda os problemas éticos dessa

prática. Farah (2005) refere-se a três categorias de questões éticas: relacionadas à saúde,

relacionadas aos efeitos sociais e às filosóficas. Listamos alguns problemas: O uso de

psicoestimulantes por pessoas saudáveis é segura para a saúde? Quais os efeitos do uso

prolongado deste tipo de medicamento? Como isto afetará a sociedade? E aqueles que não

quiserem aderir às práticas farmacológicas de otimização cognitiva? Os psicoestimulantes não

são acessíveis a todos igualmente. Será então que a liberação de seu uso para fins de melhoria

da performance cognitiva não irá acentuar as desigualdades já existentes? É justo alguém que

62
Para mais detalhes cf. Singh (2006).
202

não faz uso desses remédios competir com aqueles que usam? Será que haverá aumento nos

padrões de normalidade? Como ficará nosso entendimento do esforço pessoal? Neste contexto

o artigo de Greely et. al. (2008) merece destaque na medida em que defende a prática da

otimização cognitiva, porém a condiciona a realização de pesquisas e a elaboração de uma

regulamentação. Portanto enfrenta os dilemas éticos propondo soluções e não se escondendo

sob eles.

S.Rose num artigo escrito em 2002 reflete sobre as “drogas inteligentes” - smart

drugs” - analisando seus efeitos, as questões éticas e, o que nos parece de especial

importância, lançando uma pergunta fundamental: Será que queremos o enhancement

cognitivo? Citamos a parte final do texto que parece apontar para uma reorientação nas

discussões acerca da ‘otimização cognitiva’:

Minha aposta é que, assim como os esteróides para os atletas, eles (os
medicamentos psicofarmacológicos) se tornarão legalmente incontroláveis e como
sociedade precisaremos aprender a viver com eles. Mas alguma forma de regulação
será necessária e isto pode ser melhor obtido através de algum tipo de consenso
democrático, talvez através de discussões nas várias formas de júris cidadãos e
fóruns de tecnologia como aqueles que muitas cidades na Europa estão
experimentando no contexto de desenvolvimento da genética. Mas é importante
que tentemos ser proativos em relação ao desenvolvimento tecnológico ao invés de
estar constantemente fechado para as portas já abertas. E talvez devamos começar a
perguntar uma questão diferente: O que há com a forma que vivemos hoje nas
sociedades industriais avançadas que leva as pessoas a procurarem fixação
farmacológica? Deveríamos estar gastando menos tempo procurando ajustar
nossas mentes e mais em ajustar a sociedade? (ROSE, 2002, p.978 – grifo nosso).

A argumentação de Rose chama atenção para questões centrais: Os remédios estão aí,

não dá para voltar atrás. É preciso aprender a viver com eles. Neste caso a elaboração de uma

regulação é importante e, melhor que seja feita no coletivo de forma democrática. Dito isto,

ela opera uma inflexão trazendo a cena duas perguntas cruciais. Estas nos parecem reorientar

as discussões: “O que há com a forma que vivemos hoje nas sociedades industriais avançadas

que leva as pessoas a procurarem fixação farmacológica? Deveríamos estar gastando menos

tempo procurando ajustar nossas mentes e mais em ajustar a sociedade?”.


203

Tendo em vista estas considerações e voltando às nossas entrevistas sugerimos que,

talvez, a discrepância entre os dados da literatura e os nossos achados pode estar apontando

para aspectos singulares da subjetividade e das práticas de estudo dos estudantes brasileiros

em comparação com os norte-americanos. Apesar das pressões da vida contemporânea não é

raro os estudantes entrevistados por nós apontarem a necessidade de respeitar o próprio ritmo

e aceitar seus limites. Ao falar sobre sua preparação para estudar E4 destaca: [...] Então, eu

acho que eu me preparo no sentido de que eu procuro o silêncio e normalmente quando eu tô

estudando, eu me certifico de que eu tô com... como eu já disse, eu acho importante respeitar

os próprios limites, ou seja, eu me certifico de que eu realmente tô com interesse no que eu tô

fazendo, tô fazendo aquilo por alguma razão, de que eu tô...de que aquilo ta tendo um ganho.

Por exemplo, se eu começar a estudar com sono, eu paro de estudar e deixo pra ler outro dia,

que eu vejo que se eu ler aquilo vai ser como se eu não tivesse lido nada, e aí eu deixo pra

outro dia [...] (E4). Sobre o estudar E14 afirma: É preciso e eu faço. Porque é aquilo, né?

Não necessariamente porque um negócio é chato, não quer dizer que você não vai fazer. É

preciso, eu faço. Quando eu vejo que não está funcionando, eu falo: ‘Pô, hoje não vai render.

Tem que me preparar mais’. Às vezes são coisas da vida, você ta com uma dor de cabeça

daquelas, não dá. Às vezes, sei lá, minha esposa falou uma coisa que eu não gostei. São

coisas da vida, tá a mãe, alguém doente. Alguma coisa da vida que você não consegue... Hoje

não dá, vai ter um dia que dá. Eu também não extrapolo os meus limites. Entendeu? Como

por exemplo, ontem... Eu tô com um problema aqui no siso, eu to com uma dor de dente

horrível e deu dor de cabeça horrível. Eu falei: ‘Eu não vou estudar hoje. Não vai dar, eu vou

pra casa. Eu vou pra casa, vou ver minha televisão, vou descansar, tomar um banho, relaxar,

dormir cedo, tomar algum remédio pra ver se passa, porque não vai rolar’. É claro, estudar

requer sacrifícios, mas até os sacrifícios tem momentos pra serem aplicados. (E14). Esta

atitude em relação ao estudo nos faz pensar que talvez a presença desses aspectos da
204

contemporaneidade que estamos trabalhando como, por exemplo, a flexibilidade, o curto-

prazo, a ênfase na performance, etc. tenham pesos diferentes aqui e lá. Talvez o mercado

profissional americano seja mais competitivo que o nosso. Ou ainda, a cultura brasileira pode

estar amenizando o impacto desses aspectos. Outra hipótese que não exclui as anteriores, é

que os estudantes brasileiros não se preocupam tanto com os estudos quanto os americanos.

Porém, são apenas suspeitas que merecem ser investigadas de modo sistemático e

aprofundado em outra ocasião.

Sobre as diferenças culturais entre os estudantes brasileiros e os estrangeiros, vale citar

o depoimento de E11. Através de sua experiência de intercâmbio na França, essa estudante

chegou a conclusão que no Brasil o sistema de ensino facilita a vida do universitário: [...]

Porque eu fiz intercâmbio na França agora. E lá o ensino, o estudo é muito diferente no

sentido em que a carga horária das matérias é muito menor, mas muito. Aqui na PUC as

matérias padrão têm sessenta horas o semestre, cada matéria. Lá tinha matéria que tinha

doze horas o semestre inteiro. Teve uma matéria que eu tive quatro aulas no semestre. Então,

assim, o professor vai lá, ele vai falar uma vez. Se tiver lá que bom, se não tiver, perdeu. Na

aula seguinte ele não vai falar o que ele falou na aula passada nunca. Isso muda muito

porque aqui a gente fica, sei lá, duas semanas falando mais ou menos da mesma coisa.

Complementando, trazendo exemplos assim, mas o assunto é o mesmo. Lá ele fala uma aula,

na seguinte ele vai ta falando de outra coisa. Então... eu acho, foi o que eu entendi, o ensino

na França é muito do aluno no sentido de que é ele que vai ter que explorar lá no fundo do

texto, entendeu? Pelo menos foi o que eu percebi, posso tá falando...talvez não seja assim.

Mas como eu me senti, porque não tinha é...eu não tive como eu tenho aqui, assim, textos que

a professora fica debatendo e dando aula em cima de um texto durante duas semanas, sabe?

Não teve isso. É mais assim eles vão falar: ‘Leia o texto tal’. Você vai ler. Aí você vai em uma

aula. Aí naquela aula ele vai falar sobre esse texto, na segunda aula ele não vai mais falar
205

desse texto. [...] (E11). Mais uma vez somos obrigados a destacar que ao nos debruçarmos

sobre as práticas de estudo dos estudantes na contemporaneidade não podemos perder de vista

o papel das práticas de ensino.

6.4 - Dificuldade de experiência, laminagem da subjetividade e conformação

Também, porque você tá...meio que lendo um texto, concentrado numa coisa, mas você tá na

sua cabeça que você tem que estudar mil outras coisas, tem outro texto, tem outra aula, então

eu acho que às vezes é um pouco exacerbado sim, e acaba prejudicando...[...] Parece que

você tem que cumprir um conteúdo de quantidade, digamos assim e não de qualidade. Ainda

mais que eu costumo puxar um monte de coisas, então eu tô em sempre bem assoberbada com

isso. Por exemplo, do quinto período eu tô fazendo 3 matérias, aí já tô fazendo 4 do sexto,

então eu vou puxando muito, eu gosto de me sobrecarregar também... [...] Não digo

sobrecarregar, mas sentir que eu estou adiantando as coisas...Assim, se dá para eu fazer, por

que não? Então eu já vou adiantando... (E1)

O tema da experiência, de sua importância e, ao mesmo tempo, de sua dificuldade na

contemporaneidade é trabalhado por J.Larrosa (2004) e J.Caiafa (2000). Por caminhos

diferentes – Larrosa dialoga com o campo da educação e Caiafa com o da arte e da técnica –,

ambos argumentam em favor da experiência como possibilidade de transformação. Assegurar

a experiência como transformação permite escapar dos esforços de conformação do

capitalismo atual. Daí a relação entre dificuldade de experiência e laminagem da

subjetividade. A laminagem da subjetividade diz respeito a algo que exclui a singularização

do processo de subjetivação (GUATTARI, 1990). Em outras palavras a laminagem da

subjetividade articula-se a práticas de conformação. Note-se que a singularização é vista aí


206

como um processo de diferenciação, distinguindo-se, portanto, da singularização em jogo no

culto da performance (EHERENBERG, 1991). Como argumentamos, usando o vocabulário

de Guattari, seria preciso dizer que no culto da performance estamos diante de práticas de

serialização e não de singularização.

Em um texto em que procura refletir sobre a experiência e o sujeito da experiência

Larrosa (2004) chama atenção para a destruição que a contemporaneidade está operando:

A experiência é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos toca. Não o
que passa ou o que acontece, ou o que toca, mas o que nos passa, o que nos
acontece ou nos toca. A cada dia passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo,
quase nada nos passa. Dir-se-ia que tudo o que passa está organizado para que nada
nos passe (Ibid, p.154).

Uma vez dito isto, lista e analisa quatro razões que lhe parecem participar deste

movimento de destruição da experiência. Quatro motivos que impedem ou, ao menos

dificultam que algo nos aconteça. São elas: o excesso de informação, o excesso de opinião, a

falta de tempo e, o excesso de trabalho. A argumentação de Caiafa por vezes esbarra nestes

mesmos elementos, sobretudo, na informação e na falta de tempo. Tal forma de colocar o

problema permite que retomemos com esses autores as principais questões tratadas não

apenas neste capítulo, mas também ao longo da tese. Isto porque nossa investigação acerca

das práticas de estudo dos estudantes de psicologia na contemporaneidade foi conduzida a

partir de um balizamento que colocou num extremo o estudo como tarefa e, no outro, o estudo

como experiência. A idéia agora é pensar com Larrosa e Caiafa os efeitos da

contemporaneidade sobre a experiência. Assim, a partir deste momento a análise da

contemporaneidade nos fará refletir não apenas sobre como esta contemporaneidade atravessa

as práticas de estudo, mas também nos ajudará a ir além, no sentido de pensar como tudo isso

se articula com a experiência. Será que existe espaço na atualidade para o estudo como

experiência? Em que ocasiões o estudo pode aparecer como experiência?

Conforme a própria expressão sociedade da informação revela, existe hoje uma forte

ênfase na informação. É preciso estar sempre informado e sermos informantes. No entanto o


207

que Larrosa argumenta é que, não só a informação não é experiência, como também ela não

deixa espaço para que a experiência aconteça. Vejam o relato de E1 apresentado acima. A

estudante se queixa do excesso de coisas das quais tem que dar conta. Isto faz com que acabe

privilegiando a quantidade e não a qualidade. Apesar de atribuir a causa desse comportamento

a fatores externos, revela que gosta de se sobrecarregar. Jamais pensou em diminuir a

quantidade de matérias a serem feitas para que pudesse se aprofundar nos estudos. Adiantar as

coisas é o seu objetivo! Mais do que procurar as causas desse comportamento em fatores

internos ou externos, estamos enfatizando o surgimento de uma subjetividade produzida nos

encontros entre estudante, contemporaneidade, práticas de ensino, universidade, etc. cuja

característica, dentre outras, é lidar com o conhecimento como se fosse apenas informação.

O sujeito informado sabe muitas coisas afinal, passa boa parte de seu tempo buscando

informações. Ele tem receio de que algo lhe escape, de que não esteja suficientemente

informado. Em termos de funcionamento atencional, poderíamos dizer que privilegia a

atenção vigilante, isto é uma atenção que está o tempo todo focada naquilo que não pode

deixar passar. Porém este movimento incessante e obsessivo em direção à informação impede

que algo lhe aconteça, que haja, ou que viva a experiência. A atenção não se abre para aquilo

que não é previsto ou pré-suposto. Sobre isso Caiafa (Ibid) explica que a informação não

possibilita a experiência, pois se esgota ao ser consumida. Falta nela uma abertura para a

instauração de uma conversa, de ressonâncias e reverberações que a preservariam de esgotar-

se a si mesma no momento do consumo. A informação não cria densidade, é rasa e

superficial. Para que haja experiência é necessário um lapso temporal que permita a criação de

densidade tornando possível o pensamento. A experiência demanda assim uma atenção

sustentada.

Lembramos que James refere-se a duas possibilidades de sustentar a atenção, pelo

esforço e pelo interesse. Conforme argumentamos no capítulo anterior, a sustentação da


208

atenção via esforço aproxima-se da discussão sobre vigilância. Pela via do interesse aparece a

idéia da rede e é trazido o exemplo do gênio. Ora, a rede tecida pelo gênio que nomeamos

como rede transversal parece justamente materializar as idéias de Caiafa. Assim, juntando

James com Caiafa podemos afirmar que o funcionamento atencional do gênio extrapola o

domínio da informação. Diante de um tema, produz reverberações, encontra ressonâncias, faz

variar o mesmo, encontra diferenças na repetição. Daí a idéia de uma rede transversal e densa

em oposição à rede horizontal e superficial. Em relação a esta última, a partir de agora, com a

ajuda de Larrosa e Caiafa, podemos dizer que apenas articula informações.

Larrosa propõe uma distinção entre o saber das coisas (informação) e o saber da

experiência que é esclarecedora. Citamos:

Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou
uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola,
podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais
informação que antes sobre alguma coisa, mas, ao mesmo tempo, podemos dizer
também que nada nos passou, que nada nos tocou, que, com tudo o que
aprendemos, nada nos sucedeu ou nos aconteceu (LARROSA, 2004, p.154).

O recurso ao pronome reflexivo parece ser uma tentativa de encarnar na linguagem a

abertura para a densidade e as ressonâncias tão necessária para a vivência da experiência da

qual nos fala Caiafa. Ainda sobre a passagem anterior merece destaque a idéia de que o

assistir a uma aula ou a uma conferência, poderíamos incluir o estudar, são coisas que podem

ser feitas de muitas maneiras. Larrosa fala de dois tipos: da busca por informações que, a seu

ver, torna-se cada vez mais hegemônica e, da vivência de uma experiência. Neste mesmo

sentido Caiafa defende: “Tudo vai depender da qualidade dessas relações” (CAIAFA, 2000,

p.28).

O excesso de opinião acompanha o excesso de informação como se fossem dois lados

de uma mesma moeda. A opinião, assim como a informação tornou-se um imperativo. Não

existe pessoa informada que não opine. Se não opina é porque não está informada. Aqui a

discussão aproxima-se daquela realizada por Eherenberg. É como se as opiniões fossem a face
209

visível do sujeito informado. Além disto, assim como a informação, a opinião dificulta ou até

mesmo impede a experiência. Analisando a questão da informação e da opinião no universo

educacional Larrosa defende que ao longo de toda a nossa formação escolar estamos

submetidos a um dispositivo que funciona primeiro nos informando e, depois solicitando

nossas opiniões. Deste modo tornamo-nos sujeitos competentes em responder como se deve

às perguntas dos professores: “Diga-me o que você sabe, diga-me com que informações conta

e exponha à continuação sua opinião: esse é o dispositivo periodístico do saber e da

aprendizagem, o dispositivo que torna impossível a experiência” (LARROSA, 2004, p.157).

Talvez por isso, para evitar que o pensamento seja reduzido a opiniões, Caiafa (2000) defenda

a necessidade de um tempo diferente daquele do consumo para o pensamento: “A arte e o

pensamento se inscrevem nesse tempo em que os efeitos não se esgotam no momento da sede,

mas vão repercutir mais além e em seguida, muito depois, num lapso que é o domínio mesmo

da criação” (Ibid, p.23).

E6 ao propor um formato de aula que interessaria aos alunos defende a opinião:

Simplesmente os que não leram ficam calados ou ouvindo. Ou se o professor polemiza, ele

vai falar porque todo mundo tem uma opinião sobre alguma coisa ou se não tem, vai formar

opinião ali na hora. Mas essa questão de trazer a opinião do aluno sobre o assunto,

polemizar, funciona. Já participei de aulas em que o aluno não leu nada sobre o texto, mas

são assuntos...principalmente psicologia que fala dos seres humanos, fala da gente, fala do

nosso vizinho, fala da nossa mãe. Então, a gente tem opinião sobre a coisa (E4). Tal fato nos

surpreende, afinal estamos ou não falando do ensino universitário? A defesa da polêmica

parece substituir a problematização e o pensamento. Ao invés de pensamento, opiniões. Dessa

forma a aula transforma-se num talk-show onde o professor torna-se um animador de

auditório. Será que é disso que se trata? Será que agora ensinar psicologia será como realizar

programa de auditório? Não podemos negar a proximidade entre o saber psicológico e o senso
210

comum, no entanto se estudar psicologia se reduz a emitir opiniões, para que a universidade?

Diante disto, nos parece crucial pensar o papel da universidade - através de seus professores e

dispositivos - na produção deste tipo de subjetividade que acredita que a aula interessante é

aquela em que o professor demanda apenas opiniões e onde não é preciso nem mesmo ler os

textos. A formulação de Sennett a respeito da constituição de uma subjetividade que não se

compromete e tampouco se sacrifica parece, então, descrever com precisão essa face da nova

subjetividade.

Além do excesso de informação e de opinião, a falta de tempo representa o terceiro

fator que dificulta e, algumas vezes impede a vivência da experiência. A velocidade

transforma os acontecimentos em estímulos que estão continuamente sendo substituídos uns

pelos outros: “O acontecimento nos é dado na forma de choque, de estímulo, de sensação

pura, na forma de vivência instantânea, pontual e desconectada” (LARROSA, 2004, p.157).

Segundo análise de Caiafa as invenções técnicas que surgiram entre o final do século XX e

início do XXI são responsáveis por essa nova vivência temporal. Independente do motivo, o

que chama atenção é este tempo veloz, fugaz, que nos escapa e que mobiliza em nós uma

obsessão pela novidade. Esta é outra forma de abordar o tempo do curto-prazo analisado por

Sennett. A obsessão pela novidade manifesta-se em diversos domínios de nossa vida. Desde a

“necessidade” em obter os últimos lançamentos seja de roupas, acessórios ou tecnologias, até

em nossa formação:

Cada vez estamos mais tempo na escola (e a Universidade e os cursos de formação


do professorado formam parte da escola), mas cada vez temos menos tempo. Esse
sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da
reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma
mercadoria, um sujeito que usa o tempo que não pode perder tempo, que tem
sempre de aproveitar o tempo porque não pode ser que fique atrasado em alguma
coisa, não pode ser que não possa seguir o passo veloz do que passa, não pode ser
que fique para trás, e por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o passo
acelerado do tempo, já não tem tempo (Ibid, p.158).

Vejam o que E10 faz quando não tem nada para fazer: [...] Às vezes eu não tenho nada

para fazer, sento na Internet e fico olhando as novidades do mercado, essas coisas. [...] Ah,
211

eu busco no Google ou então... busco mesmo programa de estágio, né? Ver o que está mais

atual, cursos que podem ser feitos, essas coisas.

Não existe espaço para o “perder” tempo fundamental à experiência e, assim, tudo

passa. Os acontecimentos na forma de estímulos se substituem uns aos outros e, embora nos

choquem, dificilmente deixam marcas. Daí a conclusão de que essa falta de tempo que se

manifesta por um excesso de velocidade acaba por impedir a memória (Ibid, p.157). Nada se

conserva, tudo passa. Caiafa refere-se a um presente raso característico do capitalismo:

O capitalismo instaura essa temporalidade reacionária em sua estética e sua


política. É precisamente porque a atitude que deve organizar a experiência é, no
capitalismo, o consumo, que é necessário para ele criar uma recenticidade cega e
surda. Vale o último – ao mesmo tempo o mais recente e o mais encaixado. Cria-se
uma precariedade onde a relação de consumo é a única cabível. Consumir implica
ingressar nesse tempo sem densidade, espacializado na ordem social (CAIAFA,
2000, p.50).

O quarto e último fator analisado por Larrosa é o excesso de trabalho. Para ele, o

trabalho é toda a atividade que deriva da pretensão do homem em conformar o mundo ao seu

poder e vontade. As noções de ação e de atividade são fundamentais. Daí a afirmação de

Larrosa: “Não somos apenas sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e

superestimulados, mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos” (LARROSA, 2004,

p.160). Vale destacar que num mundo em que a ação é uma exigência – não se pode parar,

não se pode perder tempo – Larrosa apresenta a hiperatividade como um traço da

subjetividade e não como uma doença ou transtorno. Ele também nos fala de uma

impossibilidade de silêncio, o que está diretamente relacionado à destruição da experiência. O

silêncio seria neste caso o equivalente daquilo que Caiafa nomeia como densidade: “O que

chamei acima de ‘densidade’ (tempo preenchido pela experiência) é o que falta na pressa de

abreviar” (CAIAFA, 2000, p.19). Percebam como esta argumentação vai ao encontro das

questões analisadas nos capítulos anteriores a respeito das práticas de estudo dos estudantes e

suas repercussões sobre o funcionamento atencional. Em especial destacamos a questão do

silêncio, ou melhor, da incapacidade em tolerar o silêncio que se combina, no caso dos


212

estudantes, com um território repleto de estimulação que convoca a uma atitude reativa e não

sustentada.

No entanto conforme destaca Caiafa (2000, p.61) o obstáculo nunca é absoluto, nunca

veda sem frestas. Desse modo, apesar da experiência estar cada vez mais difícil por excesso

de informação, excesso de opinião, falta de tempo e excesso de trabalho, ela não é impossível.

A análise das entrevistas sugere que o critério de tudo ou nada não é suficiente para

dar conta da relação entre estudo e experiência. Conforme observamos, muitas vezes um

espaço é aberto na relação entre o estudante e o estudo. Isto nos parece apontar para o

nascimento de uma experiência. A dificuldade, a nosso ver, está em fazê-la ganhar

consistência. Citamos a fala de duas estudantes que relatam situações onde vemos nascerem

os germes da experiência que logo acabam sendo abortados. E9 conta sobre a sua relação com

o texto: ...Não, às vezes eu acho o texto interessante, mas aí poxa, já deu - o texto é muito

grande, sabe? Aquela coisa assim, às vezes eu penso: ‘Poxa, dava pra falar isso em, sei lá,

cinco páginas. Pra que é que precisa de quinhentas, sabe?’. Assim, eu gosto do início, aí

depois vai ficando chato, vai começando a repetir muito, então... aí eu acho chato. Eu gosto

do início, depois eu canso (E9). E8 ficou muito satisfeita com um trabalho que realizou para

uma disciplina em que conseguiu conciliar o estudo com seu hobby que são as fotografias. O

professor também gostou daquilo que foi produzido pela aluna e por isso propôs outro

desafio, um novo trabalho. No entanto E8...: Ele tinha me sugerido que eu lesse um outro

livro e tirasse fotografias dele. Tipo, fazer como se fosse um outro trabalho. E aí eu achei o

livro hiper difícil, li metade do livro e não li mais, não tirei fotografia nenhuma. Nunca dei

retorno pra ele disso (E8).

O que acontece na relação de E9 e E8 que faz com que a experiência que começa a

despontar, morra por inanição e desapareça? Acreditamos que o exame de seus

funcionamentos atencionais nos ajude na formulação de uma resposta. Nos dois casos o que
213

parece estar em jogo é uma dificuldade na sustentação da atenção. As duas estudantes

começam bem. Parecem se envolver com aquilo que estão fazendo, dando início a produção

de uma nova relação com o estudo e consigo próprias. Mas depois de um tempo, “já deu!”. A

atenção não consegue estabelecer um ritmo em que alterna tensão e distensão. Permanece

tensionada e quando não dá mais..., desiste, pula para outra coisa. Assim a experiência que

começa a despontar, desaparece sem deixar marcas. Na melhor das hipóteses, como no caso

de E8 ela deixa uma certa saudade, que no entanto não é suficiente para ajudar na sustentação

da atenção.

Conforme viemos discutindo, essa dificuldade em sustentar a atenção não é inerente

ao funcionamento atencional, sendo aprendida através de práticas que, por sua vez, estão

inseridas num contexto mais amplo que estamos chamando de contemporaneidade. Porém, é

interessante notar que apesar das práticas serem atravessadas e marcadas por esse contexto,

em função de suas próprias características são também capazes de produzir bifurcações.

Vimos no primeiro capítulo que nenhuma prática se faz no vazio, sempre há um contexto que

a circunscreve. Contudo, vimos também que uma de suas características é produzir de

maneira co-engendrada sujeitos e mundos. Assim, o contexto circunscreve, mas não limita. A

prática pode pelo seu próprio movimento nos levar por caminhos inesperados e

surpreendentes. É justamente aí, nas bifurcações e nos caminhos inesperados e surpreendentes

que vemos surgir a possibilidade, apesar de tudo, do estudo transformar-se em experiência na

contemporaneidade. Neste caso a experiência nasce e ganha consistência, “ensinando” ao

próprio estudante outro modo de se relacionar com ele mesmo e com o estudo. Faz nascer,

assim, uma nova política cognitiva.

Citamos a fala de E6 que indica que apesar do excesso de informação, do excesso de

opinião, da falta de tempo e do excesso de trabalho, ainda é possível haver estudo como

experiência. Ela nos conta sobre seu processo de elaboração da monografia: Com certeza!
214

Uma monografia muda. Muda. Muda tua forma de enxergar. [...] Com certeza. Mudou,

mudou. Eu queria ter os livros pra ler, entendeu? Muitos livros eu peguei emprestado com a

supervisora, e eu queria aqueles livros pra mim (risos) (E6). A relação com o estudo também

muda: Muda. Muda, porque você começa a dialogar com os autores, tipo ver não sei o que ou

então, ‘aqui fala de sujeito objeto, relação sujeito-objeto’. Você vai querer falar depois. [...]

(E6).

Dada a importância disto que aconteceu com E6, vale acompanhar seu relato:

B: Onde é que você estava?

[...]

E6: É. Eu... Lá em casa tem uma mesa de vidro, né? Que é a sala, a mesa de jantar. E aí eu

sentei com aquele bando [ênfase] de texto com o computador – laptop da minha mãe – e

canetas e papéis e anotações, textos, livros e o computador.

B: Você se sentiu perdida em algum momento? Pensou, por onde vou começar?

E6: Me senti em muitos momentos. Muitos momentos eu pensei ‘O que é que eu faço agora?

Qual o próximo passo?’ Eu já tinha o roteiro da minha monografia e eu já tinha várias

anotações, então isso facilitou muito a minha vida, de lembrar coisas que eu teria perdido se

eu não tivesse anotado. Então..., a minha dificuldade maior era encaixar as coisas, formar

um texto corrido ou então dentro dos capítulos uma forma de dizer, passar o que eu queria

passar sem ser maçante, sem ser chata, sem ser repetitiva, sem ser sintética demais também.

B: E nesse dia você se sentiu perdida para começar?

E6: Me senti no início..., pensei, ‘Por onde eu vou começar?’, mas como eu precisava

produzir, eu não me deixei ficar muito perdida. Mesmo perdida eu comecei a fazer.

[...]

E6 conta que junto com ela na sala havia uma amiga que estava fazendo um outro trabalho,

então perguntamos: Aí vocês ficaram sozinhas lá na sala?


215

E6: É. Televisão nem ligou, computador era nosso material de trabalho mesmo. Não liguei

MSN, não liguei email, não liguei Orkut – esqueci disso tudo.

[...]

B: E você conversava com sua amiga enquanto estava escrevendo?

E6: Tinha horas que não. Tipo, a gente ficava hora e meia, duas horas em silêncio, aí às

vezes eu comentava alguma coisa do texto. Aí, se ela comentasse o que eu tinha comentado e

começasse a virar uma conversa, aí se eu tivesse muito cansada, eu dava asas a nossa

conversa pra distrair um pouco, se não eu falava: ‘Oh, vamos voltar, produzir, produzir’. Aí

cortava e voltava.

[...]

B: E como é que é essa sua escrita?

E6: As idéias eu já tinha colocado soltas, então eu já ia escrevendo no corpo do texto mesmo.

[...] É, eu abria janela lia. Eu usei também um PowerPoint que eu apresentei, que era um

PowerPoint sobre a monografia. Então eu usei o PowerPoint como roteiro também. Aí eu:

‘Tá, e agora? O que é que no PowerPoint eu falei nessa hora?’, aí eu ia lá no PowerPoint, aí

via ‘Agora eu falo disso. Ah, não, mas eu vou deixar isso pra falar depois.’, aí continuava,

assim, a escrever. Só que essa escrita, ela às vezes era suada, assim, né? Às vezes eu não

encontrava a palavra, aí o Word já te dá o sinônimo, sabe? Você clica no botão direito, vai

no sinônimo se você não quer repetir. E fui assim, fui construindo assim.

B: O fato de você abrir essas janelas todas mudava a sua atenção em relação ao texto?

E6: Não. [...] Na verdade tinha um zilhão de janelas abertas porque além das anotações,

além dos sites que eu busco, que tavam abertos também...Além disso ainda tinha as outras

monografias que eu tava vendo como é que era, como é que se escrevia monografia.

[...]
216

B: Aí você foi escrevendo. Escreveu também o capítulo 1. Você escreveu todo o capítulo 1

neste dia?

E6: Na verdade eu escrevi, eu não lembro direito, mas eu acho que eu escrevi, acho que são

mais ou menos uns sete capítulos ou oito capítulos, então eu acho que eu escrevi uns quatro

ou cinco capítulos.

B; Nesse dia?

E6: É. Depois eu fui arrumando direito. Eu tinha que escrever alguma coisa. Eu não lembro,

aquilo foram cinco dias, cinco noites escrevendo direto. Pode ser que eu esteja confundindo

alguma coisa, mas nesse dia, pelo menos... Quando eu terminei de manhã assim, já eram

umas seis horas da manhã faltava uns dois capítulos e a conclusão.

[...]

B: E você tomou alguma coisa para te manter acordada?

[...]

E6: De madrugada? Não. Eu me surpreendi, porque primeiro eu não bebo café, eu não gosto,

nem...eu até bebo coca-cola, mas não bebi coca-cola. Eu fiquei acordada com a minha

adrenalina de fazer a monografia. E, eventualmente ia na geladeira. Olha, eu comi arroz

puro (rs), eu ia na panela de arroz, metia a colher e comia arroz, aí voltava. Minha amiga:

‘Você ta comendo arroz?’ (rs), eu: ‘É, tô comendo arroz, é o que tem. Eu quero mastigar

alguma coisa, vou comer arroz.’ (rs) – Comia colheradas de arroz puro assim, sabe? Era o

que eu comia, porque eu nem...eu não tava com vontade de comer, a minha vontade de

escrever era maior que qualquer coisa. Mas aí também a vontade, às vezes, de se distrair um

pouco.

[...]

Quando acabou: Quinta-feira. Quinta-feira, e eu fiquei com uma ausência de alguma coisa

depois que eu entreguei. Falei: ‘Acabou?! Passou?!’ Eu tô desde de domingo, minha vida, eu
217

parei tudo, não fui à aula de violão, parei tudo. Parei tudo literalmente pra fazer essa

monografia. E ela saiu em cinco dias. E aí depois eu fiquei naquela ausência, eu falei pra

minha supervisora: ‘Eu quero continuar a trabalhar nela. Eu quero aprimorar. Eu quero...’,

ela falou: ‘Se você quiser, não tem como substituir pra secretaria municipal de saúde, mas

tem como trabalhar pra deixar aqui.’, eu falei: ‘Tá, eu quero’. (E6).

Como tivemos oportunidade de discutir ao longo da tese, a vivência do estudo como

experiência não parece estar sendo a orientação hegemônica na contemporaneidade. Em

alguns momentos chegamos até a vislumbrar a presença de políticas cognitivas que podem vir

a se desdobrar num sentido potente. Tal foi o caso da política marcada pela curiosidade e pelo

desejo de saber que discutimos no quinto capítulo. Em outros, vimos que a experiência até

aparece, no entanto em função, talvez, de um funcionamento atencional saltitante e sem ritmo,

não ganha consistência, desaparecendo antes de deixar suas marcas. Apesar disso E6 nos

revela que, apesar de tudo, ainda é possível a vivência do estudo como experiência. Mesmo

inserida no contexto da contemporaneidade, mesmo atravessada pelas tecnologias, pelas

informações excessivas, pela atenção que se alterna entre as inúmeras janelas abertas na sua

frente E6 sai de seu estudo transformada. Descobre não sem sofrimento – “Não sabia o que

fazer, mas tinha que começar”- o barato do estudo - “fiquei acordada com a adrenalina de

fazer a monografia”.

Através da análise de seu relato percebemos que a experiência não estava lá desde o

início. A vivência do estudo como experiência também não era a orientação de E6. Como

todos os estudantes entrevistados, E6 estava atravessada pelos ideais de flexibilidade, curto-

prazo e performance que caracterizam o contexto contemporâneo. No entanto, em função de

sua própria prática de estudo, a experiência se fez. Foi uma conquista nascida a meio caminho

entre a estudante e material de estudo. O profundo vazio sentido ao final do trabalho e o gosto
218

de quero mais podem ser interpretados como signos que revelam que algo diferente aconteceu

ali. O estudo desvinculou-se do dever, da tarefa e, da performance, para se articular com o

desejo de saber. No fim, tanto faz se é possível reescrever a monografia, receber uma nota

melhor, o que se deseja é continuar estudando. Mas o que tornou possível que o estudo de E6

assumisse uma dimensão experiencial?

Sem pretender dar uma explicação definitiva, acreditamos poder encontrar junto com

Larrosa (2004) algumas pistas. Para o filósofo da educação, apesar do caminho hegemônico

que a contemporaneidade parece traçar e que aos poucos vai limitando nossas oportunidades,

a experiência ainda é possível. Basta o cultivo de uma relação mais acolhedora e silenciosa.

Citamos:

A experiência, a possibilidade de que algo nos passe ou nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a
delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e
dar-se tempo e espaço (Ibid, p.160)

Apesar da crítica que podemos fazer à atitude de E6 de deixar para última hora a

elaboração de seu trabalho. Apesar dos atravessamentos da contemporaneidade sobre suas

práticas de estudo. Não resta dúvida que os cinco dias de escrita da monografia foram dias de

suspensão e, talvez por isso, de intensidade. A estudante revela: “Parei tudo”. Embora não

tenha chegado à situação ideal narrada por Larrosa, E6 instaurou o silêncio em seu cotidiano.

Talvez um pequeno silêncio, mas certamente um silêncio. O momento de estudo e escrita não

foi dividido com TV, e-mail, Orkut ou MSN. Ela fala: “Esqueci tudo”. Sua atenção mantinha-

se sustentada ali na tela do computador aonde ia escrevendo de maneira fragmentada sua

monografia. Às vezes era preciso parar para se distrair um pouco. Mas as paradas, reparem,

eram preenchidas por comentários sobre o próprio texto ou por colheradas na panela de arroz.

Distendiam a atenção, conferindo ritmo. Possibilitavam a abertura da atenção para a


219

circulação do pensamento. A prontidão para a ação e o imediatismo que caracterizam o estudo

como tarefa foram dando lugar a uma nova relação com o estudo e com ela mesma, cujos

efeitos apontam para um desejo de continuar estudando. Dessa maneira podemos afirmar que

houve na relação de E6 com seu estudo e consigo a produção de uma bifurcação. Esta não

estava prevista e tampouco garantida desde o início, mas nasceu e transformou E6 e sua

relação com o estudo. Não podemos saber se esta relação será mantida, mas certamente esta

experiência abriu caminhos impensados para E6.


220

Considerações Finais

Uma cartografia da cognição contemporânea

Nesta última década do século XX, podemos nos limitar a acomodar e a assimilar a
diferença e os desafios que nos confrontam em tantas frentes simplesmente
trazendo-os para dentro dos quadros de referência normativos atualmente
existentes? (GREEN; BIGUN, 1995, p.211)

Conforme explicam Deleuze e Guattari (1995) a cartografia não tem um início ou um

fim, sendo puro processo. Ela segue e se desenvolve por conexões, explodindo em variações,

quebrando em certos pontos e conectando em outros. Porém, como método de pesquisa,

permite que de tempos em tempos mapas sejam traçados, um contorno seja definido.

Certamente estes são parciais e sempre provisórios. Retratam um momento. Constroem uma

versão para o mundo a partir dos encontros estabelecidos. Assim, a idéia agora é retomar

algumas considerações acerca da versão da cognição contemporânea delineada por nós nesta

tese a partir da investigação das práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município

do Rio de Janeiro. Pretendemos com isto explicitar as conclusões a que chegamos depois

deste longo percurso realizado em seis capítulos. Lembramos, contudo, que numa cartografia

as conclusões representam tão somente pontos de amarração. Ao invés de fecharem, de

colocarem um ponto final, apontam para novas linhas a serem inventadas e percorridas. Como

os estudantes estão estudando? Qual a relação que estão estabelecendo com eles mesmos e

com o conhecimento enquanto estudam?

O desenvolvimento da noção de práticas de estudo permitiu o estabelecimento dos

alicerces a partir dos quais a tese foi tecida. Com a ajuda de autores como F.Varela,

H.Maturana, L.Vygotski, J.Piaget, M.Foucault e R.Chartier afirmamos que estudar é mais do

que a simples aquisição de conhecimentos, produz efeitos. Produz sujeitos e mundos. Produz

políticas cognitivas. Assim, toda e qualquer avaliação das práticas de estudo dos estudantes
221

deveria levar em consideração os efeitos produzidos. A partir de então ficou subentendido que

não acreditávamos haver formas naturais de estudar. Como nos ensina Foucault (1995a) o

estudo é aquilo a que as práticas dão lugar. Em outras palavras, explicitamos que a nossa

intenção não era julgar ou comparar o estudante de hoje com o de ontem, mas avaliar os

efeitos das práticas de estudo contemporâneas. Tentar compreender as novas manifestações da

cognição num mundo que traz para primeiro plano o conhecimento e a aprendizagem. Tratou-

se de uma colocação de problema política e não nostálgica. Tendo em vista os efeitos

produzidos esclarecemos que falaríamos de práticas mais ou menos potentes e que o nosso

critério seria a experiência. Ao incluir a experiência, as práticas de estudo mais potentes

trabalham a favor de uma aprendizagem inventiva, valorizando a problematização e o

pensamento ao invés da tarefa e da performance. Portanto, desde o início, estava posto o

nosso compromisso com uma política cognitiva que privilegia a criação e não a reprodução,

que se aproxima mais da política autopoiética-enativa que da cognitivista.

Além disso, percebemos também, em função da colaboração de Vygotski (1931/2000)

e Chartier (1996,1998), que investigar as práticas de estudo dos estudantes de psicologia na

contemporaneidade deveria passar por uma análise dos dispositivos utilizados e seus

constrangimentos. Neste momento as falas dos estudantes foram trazidas a cena, revelando a

forte presença do computador-internet nas práticas de estudo contemporâneas. Sobre o uso do

computador-internet foi interessante perceber que os estudantes reconhecem não apenas as

suas possibilidades, mas também as suas limitações. No entanto, para a nossa surpresa, isto

não os faz abandonar o computador-internet que parece ter vindo para ficar. Os comentários

dos estudantes apontaram, por exemplo, para uma dificuldade de pensamento no acoplamento

da cognição com o computador. Isto que poderia ser visto como um limite intransponível em

se tratando do estudo, sobretudo em se tratando daquilo que consideramos ser um estudo

potente, é facilmente relevado pelos estudantes quando comparam a agilidade que o


222

computador-internet permite. Aliás, a questão do tempo e da falta de tempo apareceu como

um aspecto importante da cognição contemporânea, atravessando de muitas formas as práticas

de estudo. Citamos, por exemplo, as práticas de leitura dinâmica, a impossibilidade de

errância e o estudo no transporte. Outro dispositivo bastante usado pelos estudantes são as

“xerox”. Estas são, em geral, artigos ou capítulos de livros selecionados pelos professores e

apresentados como material a ser estudado, disponibilizado em pastas em locais específicos

dos campus universitários. Desse modo percebemos que o livro tem perdido espaço nas

práticas de estudo contemporâneas. A leitura de livros inteiros se mostrou uma prática

minoritária entre os estudantes de graduação. Quais os efeitos? A fala de um estudante nos

chamou a atenção. Apesar de saber que aprende melhor usando livros, quando tem que

cumprir um objetivo específico, prefere textos avulsos. Ora, será que a preferência pelas

“xerox” estaria revelando que o estudo está sendo tomado pelos estudantes apenas como uma

tarefa a ser cumprida? Por outro lado, sua fala fazia ver que efetivamente parece haver na

contemporaneidade uma divisão que coloca de um lado o estudo como experiência e, do outro

o estudo como tarefa. Esta, é interessante notar, não retoma ou refaz a tradicional distinção

entre o estudo como compreensão e o estudo como memorização. Tanto a memorização

quanto a compreensão podem estar submetidas ao estudo como tarefa, não dando conta do

estudo como experiência.

No segundo capítulo as diferenças entre o estudo como experiência e o estudo como

tarefa foram melhor trabalhadas. Através da apresentação de um panorama dos estudos sobre

o estudo operamos uma distinção entre o estudo como tarefa e o estudo como experiência.

Vimos que muitas vezes o apelo à experiência é apenas uma estratégia de autores e/ou teorias

para se afastar de práticas de estudo que enfatizam a repetição mecânica e a memorização.

Contudo estas propostas como é o caso do Estudo Dirigido (RONCA, 1982) ou das técnicas

de orientação do estudo (ROSÁRIO, 2004) acabam submetendo a experiência à tarefa,


223

enfatizando no estudo a performance. As contribuições de Depraz, Varela e Vermersch

(2002), por um lado, e de Larrosa (2001, 2003a, 2003b), por outro, permitiram delinear outro

caminho nos estudos sobre o estudo, recuperando a potência do estudo como experiência.

No estudo como tarefa todos os problemas já estão dados. Nada novo é criado. As

respostas já são sabidas de antemão. Senão pelos estudantes que continuam estudando para

saber as respostas corretas, pelos professores. Dessa forma, mesmo que neste caso o estudo

envolva a compreensão, ele resta sendo reprodução. Sua preocupação recaí, em geral, sobre a

performance. Já no estudo como experiência é o pensamento e a problematização que estão

em questão. Portanto, é apenas no estudo como experiência que o novo e a diferença podem

surgir. O critério deixa de ser a performance para ser a transformação de si e do mundo.

Contudo, ressaltamos a advertência de Larrosa (2003b). Segundo esse filósofo, a experiência

pode não apenas nos transformar, mas também deformar. A deformação sendo entendida

como um processo que nos lança num movimento de problematização sem fim. Nos termos

de Dewey (1980) – precursor da aposta no estudo como experiência -, a deformação seria não

conseguir voltar à ação depois do padecimento. Afirmamos então que o estudo como tarefa e

o estudo como experiência representam posicionamentos políticos distintos: permanecer

dentro dos limites seguros do já sabido ou trabalhar sobre os limites do saber, arriscando a nos

transformar, mas podendo também deformar. Privilegiar a segura rigidez ou o imprevisível

movimento. A morte em vida ou a potência da vida (SANCOVSCHI, 2009). Com Dewey

(1980) aprendemos também que o estudo como experiência possui um tempo justo que pode

ser descrito como um ritmo que coordena ação, padecimento e transformação. A vivência da

experiência pressupõe tempo.

Em seguida nos voltamos para a contemporaneidade. Nossa pergunta acerca das

práticas de estudo dos estudantes de psicologia tinha se feito sentir a partir do assombro diante

das mutações no mundo contemporâneo que, dentre outras singularidades, parecia colocar em
224

evidência a aprendizagem e o conhecimento. Analisamos inicialmente a hipótese do

capitalismo cognitivo desenvolvida por pesquisadores italianos (CORSANI, DIEUAIDE,

LAZZARATO, et.al., 2001; LAZZARATO, 2006). Esta revelou a importância das funções

cognitivas e, em especial da atenção nas novas formas de produção. O que nos levou a

abordar a economia da atenção (LÉVY, 2004; DAVENPORT e BECK, 2001; GOLDHABER,

1997). Apesar das diferenças que separam as duas propostas concluímos que ambas

concordam que a atenção tem sido alvo de maciços investimentos pelas forças capitalistas.

Além disso, ambas enfatizam a presença e as transformações desencadeadas pelas NTIC.

Dessa forma sugerimos que os teóricos da economia da atenção reiteram por outras vias a

afirmação de Lazzarato (2006) de que é a atenção o processo cognitivo mais mobilizado na

contemporaneidade. Diante dessas constatações fomos levados a concentrar nossa pesquisa

sobre a atenção. Se a atenção é o processo mais mobilizado pelo capitalismo, então era lá que

deveríamos procurar as singularidades da cognição contemporânea. Era lá que deveríamos

encontrar as novidades nas práticas de estudo dos estudantes.

Ao nos debruçarmos sobre a atenção, nos deparamos com um processo cognitivo

singular e complexo. A atenção, diferente da memória ou da percepção, é o processo

responsável por modular a cognição. Parafraseando Vermersch (2002) a atenção é o fundo de

flutuação da cognição. Graças a ela a cognição pode abrir-se ao pensamento e a experiência

ou fechar-se na tarefa. Foi então que compreendemos o porquê de ser precisamente este o

processo cognitivo o mais investido pelas forças do capitalismo contemporâneo. Afinal, neste

capitalismo há, por um lado, uma valorização da criação, mas por outro, exige-se que esta

permaneça dentro dos limites seguros da produtividade e do lucro. Nos termos de Rolnik

(2003) trata-se da criação cafetinada pelo capital. Já para Kastrup (1999) não se trata de

criação, mas de criatividade.


225

Através da passagem pela psicologia da atenção do século XX, mostramos o quanto

esta restringe o entendimento deste processo ao se concentrar sobre as tarefas e performances.

Aproveitamos também para argumentar que esta forma de compreender a atenção é

insuficiente, e até mesmo, incompatível com a idéia do estudo como experiência. Dá conta e

fornece subsídios apenas para pensar o estudo como tarefa. Complementando e

exemplificando as discussões teóricas algumas práticas de estudo foram analisadas. Muitas

delas revelaram novamente uma forte orientação dos estudantes para um estudo como tarefa.

Vimos, por exemplo, que o freqüente comparecimento da música nas práticas de estudo

parece cumprir diferentes funções. Desde abafar os sons, relaxar até, o que nos pareceu mais

surpreendente, auxiliar na atenção. Referimo-nos então a função de “auxiliador atencional” da

música. É como se a música ajudasse os estudantes a manter a atenção no estudo. Por mais

estranha que esta idéia pareça – afinal, poderíamos pensar: como um som pode ajudar na

concentração? -, é precisamente nesta direção que parece caminhar o funcionamento

cognitivo dos estudantes na atualidade. Vimos também como, em alguns casos, o estudo ao

longo da vida universitária vai sofrendo acomodações que, com a ajuda dos teóricos da

atenção, descrevemos como processos de reorganização das estratégias de codificação e

processos de automatização. Em outras palavras, percebemos que alguns estudantes vão

desenvolvendo ao longo da vida universitária estratégias que tornam possível o “se dar bem

nas provas” sem maiores envolvimentos com os conteúdos. Nesses casos, assim como em

outros destacados ao longo da tese, ressaltamos que as práticas de ensino e os outros

dispositivos universitários mereceriam ser considerados. Esta foi uma linha indicada, mas não

percorrida em nossa cartografia. Talvez, em outro momento, seja interessante e importante

desenvolvê-la. Analisamos também os devaneios que, segundo os estudantes, são freqüentes

nas situações de estudo. Num momento se está lendo o texto e em outro... não se sabe mais

aonde está e nem como se foi parar lá. A atenção é absorvida por outros assuntos que, muitas
226

vezes, não possuem relação com aquilo que estava sendo estudado. Procuramos pensar então

os devaneios como automatismos, isto é como eventos que nos surpreendem e transformam

nossa atividade em algo mecânico, sem pensamento. O pensamento vai parar em outro lugar,

em lembranças ou preocupações, afastando-se do estudo. Dessa forma, os devaneios

colaborariam para despotencializar o estudo. Além disso, nos detivemos na transformação de

processos que envolvem uma atenção controlada para automatismos. Argumentamos ser

necessário avaliar se o que está em jogo é uma automatização ou uma corporificação do

conhecimento. Isto porque apesar da aparente semelhança, tratam-se de processos

radicalmente distintos que envolvem diferentes políticas cognitivas. Conforme

argumentamos, a idéia de corporificação do conhecimento é apresentada por Varela (2003;

VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003) para dar conta de uma relação íntima e imediata

que se estabelece entre o sujeito e o objeto. Nos nossos termos entre o estudante e o estudo.

Está sempre em movimento. Prevê mudanças e reorientações nas ações em função do

contexto. Implica a experiência. Já os automatismos pressupõem ações mecânicas, repetitivas

e sempre iguais. É resultado da relação dual sujeito-objeto. Enfatiza a performance. Aliás, nos

estudos sobre a atenção os automatismos são considerados interessantes justamente porque ao

mesmo tempo garantem uma performance eficiente e liberam a atenção para ser empregada

em outra tarefa.

No entanto, nosso interesse maior era operar um deslocamento do problema da

atenção para aquele do aprendizado da atenção. Apenas dessa maneira a discussão da atenção

na contemporaneidade – e, conseqüentemente da cognição - pôde aparecer em sua

multiplicidade e não como atenção e déficit de atenção. O deslocamento foi realizado com a

ajuda de Kastrup (2004) e de Depraz, Varela e Vermersch (2002). Kastrup apoiando-se em

Depraz, Varela e Vermersch refere-se à aprendizagem da atenção na cognição inventiva. Nós,

apoiando-nos em Kastrup, propusemos a aprendizagem da atenção como algo inerente à vida.


227

Argumentamos que da mesma forma que a prática de devir-consciente (DEPRAZ, VARELA

e VERMERSCH, 2002) tem como efeito a produção de um regime atencional inventivo,

outras práticas produzem diferentes regimes atencionais. Assim, passamos a propor a

aprendizagem da atenção como algo que se opera através de práticas cotidianas e cujos efeitos

são conseqüências dessas práticas. Desse modo a análise das práticas de estudo e a sua

avaliação se fez a partir da discussão sobre o tipo de atenção produzida.

Em seguida as práticas de estudo dos estudantes de psicologia foram abordadas de

perto. Procuramos aí destacar os regimes atencionais produzidos. A primeira prática analisada

referiu-se a incapacidade dos estudantes ultrapassarem duas horas de estudo seguidas.

Revelava-se a questão da temporalidade atencional dos estudantes. Esta foi trabalhada como

uma dificuldade na sustentação da atenção e também como ausência de ritmo. Ao invés de

uma atenção sustentada e ritmada, as práticas de estudo dos estudantes de psicologia estão

produzindo uma atenção saltitante e sem ritmo. As contribuições de James (1890/1952,

1899/1924) e de Weil (1979) foram fundamentais. O desenvolvimento do exemplo jamesiano

do funcionamento atencional do gênio foi de grande valia (JAMES, 1899/1924). Segundo

James a facilidade do gênio em sustentar a sua atenção reside na constituição de redes. O

gênio não se vale do esforço, mas do interesse para manter sua atenção num mesmo tema. Ele

faz variar o tema, produzindo uma rede. Diante do contexto contemporâneo fomos forçados a

desdobrar o exemplo. Passamos a falar de uma rede transversal e de uma rede horizontal. A

rede transversal é a do gênio. A partir da variação do mesmo, produz densidade, consistência

e também aprofundamento. Já a rede horizontal, a exemplo das redes tecidas na navegação

pela internet, salta entre temas sem relação. Produz abrangência e superficialidade.

Concluímos então que só era legítimo falar em sustentação da atenção no caso da rede

transversal. A rede horizontal longe de produzir sustentação da atenção, aponta para uma

atenção que se mantém fixa e saltitante. A partir da idéia de fluxo de pensamento (JAMES,
228

1890/1952) complexificamos a questão da temporalidade atencional, introduzindo o problema

do ritmo. Através do exemplo jamesiano do vôo do pássaro (Ibid) sugerimos que a atenção

não se sustenta de maneira uniforme. Ela vai e vem. No entanto, diferente da atenção

saltitante, suas idas e vindas implicam movimentos de tensão e de distensão atencionais, foco

e abertura, conferem ritmo, permitindo que o pensamento circule e traga o impensado, o novo

e a diferença para a consciência. No caso da atenção saltitante não há distensão. A atenção

permanece focada e tensionada. Não tem ritmo, mas sobressaltos. Daí a sensação de

esgotamento e cansaço. Como sugerimos em seguida, a atenção saltitante parece possuir

estreita ligação com os dispositivos usados pelos estudantes para estudar. Ou seja, parece estar

relacionada ao modo como as novas tecnologias capturam a atenção. Fixando e fazendo

variar.

Mas e o que acontece ao longo das duas horas em que se diz estar estudando?

Continuamos nossa análise. Vimos que a presença do computador nas práticas de estudo é

algo corriqueiro. Aí ele pode estar ou não sendo usado para estudar. Sobre isso foi

interessante notar que a linha que separa o uso lúdico do computador do uso para estudo e/ou

trabalho é bastante tênue. Como nos mostrou uma estudante, de um segundo para outro,

aquilo que era apenas diversão passa a fazer parte do circuito estudo-trabalho. Neste caso

ferramentas como Orkut, MSN e e-mail são fundamentais. Através delas os estudantes

estabelecem uma comunicação em tempo real, fazendo emergir um estudo em circulação.

Além do estudo em circulação nos deparamos também com práticas de estudo

saltitante. Aí, o que está em questão é o aparecimento de uma atenção dividida. Uma atenção

que se divide entre o estudo, o Orkut, o MSN, a leitura de algum artigo na internet, a música,

etc. Menos do que uma exceção fomos percebendo através das falas dos estudantes e também

através da colaboração de estudiosos como Almeida e Eugênio (2006) e, Wallis (2006) que a

atenção dividida parece participar cada vez mais do funcionamento atencional


229

contemporâneo. Diante disto sugerimos estar nascendo uma nova relação entre atenção e

estudo. Esta aponta para a presença de uma atenção suficiente. Isto é uma atenção que não é

plena, mas que tampouco está ausente.

Reencontramos a atenção suficiente pelo caminho do território do estudo. Menos do

que um ambiente silencioso e quieto, o território de estudo dos estudantes contemporâneos

tem sido marcado pelo movimento, agitação e por um excesso de estimulação. Neste contexto

vimos que a biblioteca está perdendo espaço como lugar privilegiado de estudo. É silenciosa

demais, causando desconforto e incômodo. Sobre isso é curioso perceber que paradoxalmente

para os estudantes contemporâneos o silêncio distrai. Ainda sobre o território, vale dizer que

os transportes aparecem como locais de estudo. Nesse caso, para além da presença do barulho,

surge também a questão do tempo. Não se pode perder tempo! Assim, estudar no ônibus, no

metrô ou nas barcas, permite otimizar o tempo do estudante que ao chegar ao seu destino -

seja ele a faculdade ou a casa - pode fazer outra coisa.

Buscamos outra explicação para o declínio do prestígio da biblioteca numa outra

prática desses mesmos estudantes. A prática de pesquisar na internet através, por enquanto, do

computador. Em alguns casos, ela não chega a substituir a ida a biblioteca ou a livraria.

Representa apenas um primeiro e importante passo. Atua como um filtro, poupando o tempo

dos estudantes. Estes ao chegarem à biblioteca ou à livraria já sabem o que querem encontrar.

Mais uma vez, é preciso dizer, não perdem tempo. Percebam que em prol da otimização do

tempo, talvez, esses estudantes estejam perdendo a oportunidade de fazer do estudo uma

prática de encontro e transformação. Aqui nos referimos não apenas a esta situação específica,

mas a todas aquelas ao longo da tese onde ficou explícito a impossibilidade dos estudantes se

deterem sobre algo por um tempo um pouco maior do que o instante. Lembramos, por

exemplo, de situações em que reler um texto, estudar no exterior, fazer um estágio de cada

vez de modo que se possa se dedicar integralmente aquilo, são tomados como perda de tempo.
230

Mais uma vez afirmamos: em prol da aceleração, talvez o que se esteja perdendo é a

possibilidade da vivência da experiência.

Por outro lado, a facilidade da pesquisa através da internet pareceu a nós estar

configurando uma nova e interessante política cognitiva. Trata-se de uma política que aqui

nomeamos como curiosa e desejosa de saber. Através das falas dos estudantes notamos que

eles dificilmente se contentam com a não resposta. Vão atrás procuram saber. Porém

percebemos também que isto nem sempre implica em sistematicidade ou aprofundamento na

relação com o conhecimento. Embora alguns recorram aos livros, a grande aliada nessas

buscas por saber é a internet. Esta permite através de cliques rápidos acessar o que se deseja.

Arquivam, mas não se aprofundam. Argumentamos então que, talvez, o não aprofundamento

nos assuntos do qual tantos professores se queixam tem menos a ver com a tradicional

oposição entre um estudo que envolve a compreensão e outro que envolve a memorização e

mais com a consciência de que o conhecimento está à distância de um clique. Além disto,

muitas vezes a curiosidade é resolvida com uma rápida consulta na enciclopédia virtual de

composição coletiva, a Wikipédia. Dessa forma a política cognitiva que a principio poderia

apontar para desdobramentos potentes acaba enfraquecida. No entanto menos do que ver nisso

uma derrota, esta nos parece ser uma brecha para investirmos e produzirmos deslocamentos

interessantes. Deslocamentos que promovam a recuperação da potência do estudo que, por

hora, tem se mostrado bem distante das práticas dos estudantes contemporâneos.

Ao indagarmos sobre as suas práticas de estudo, os estudantes abordaram também os

processos de elaboração e redação dos trabalhos. Sentimo-nos, então, autorizados a ampliar a

nossa análise, englobando também esse aspecto. Percebemos que praticamente todos os

estudantes elaboram e redigem seus trabalhos através do uso coordenado de tela, teclados e

internet. Se em relação ao estudo as práticas mais ou menos se dividem. Alguns preferem

estudar na tela e outros com material impresso. Em relação à redação de trabalhos, a mediação
231

do computador é praticamente inquestionada. Diante deste quadro e a partir da análise das

práticas sugerimos estar nascendo uma forma de escrita fragmentada que se faz através da

composição de partes. Para além da questão da escrita percebemos também que fazer trabalho

tem se assemelhado a construção não linear de um quebra-cabeças cuja figura é

indeterminada, sendo definida a medida que os pedaços vão sendo encontrados, recortados e

colados.

No último capítulo mostramos com a ajuda de pensadores como R.Sennett,

A.Eherenberg, M.J.Farah, C.Forlini, E.Rancini, J.Larrosa e J.Caiafa e dos próprios estudantes

que as práticas de estudo analisadas e o tipo de atenção que elas produzem estão inscritas em

nossa contemporaneidade. A atenção saltitante e sem ritmo engendrada em práticas de estudo

que se aproximam mais do estudo como tarefa do que do estudo como experiência não

representa uma idiossincrasia dos estudantes e tampouco da juventude. Estão inscritas em

nossa contemporaneidade, atravessando a todos. Porém, o que nos diferencia é que cada um

resolve diferentemente estes atravessamentos em função das políticas cognitivas que nos

constitui. Estas podem ser mais marcadas pela criação ou pela reprodução. Podem atuar mais

ou menos em conformidade com os vetores hegemônicos da contemporaneidade. No caso dos

estudantes, diante da percepção de que há um predomínio do estudo como tarefa, sugerimos

incidir, sobretudo, uma política cognitiva reprodutora. Contudo, é preciso não perder de vista

que estas políticas não são definitivas, podendo ser transformadas a partir das próprias

práticas, desdobrando-se em novas formas de lidar com os aspectos da contemporaneidade e

consigo mesmo, revelando diferentes funcionamentos cognitivos.

Sennett (2001, 2006), teórico do mundo do trabalho, destaca a ênfase na flexibilidade

e a presença do tempo de curto-prazo como aspectos da nossa atualidade. Estes, analisa,

repercutem sobre as subjetividades, dificultando o estabelecimento de laços sociais fortes,

produzindo atitudes de não comprometimento ou sacrifício. Argumentamos então, dentre


232

outras coisas, que as práticas de estudo que cada vez mais parecem transformar o estudo numa

tarefa a ser cumprida poderiam também ser pensadas como efeitos desse não compromisso ou

sacrifício. Além disso, percebemos, através das formulações de Sennett, haver na

contemporaneidade um confronto entre dois modelos de subjetividade. Este nos pareceu

refazer a idéia de uma política cognitiva que toma o estudo como tarefa e outra que toma o

estudo como experiência. Trata-se do modelo do consultor e do consumidor por um lado e, do

modelo do perito e do artesão, por outro. O primeiro é o modelo que segundo Sennett está em

ascensão e parece adequar-se às principais exigências do novo mundo. Representa um tipo de

pessoa que entra aqui e ali sem se comprometer com nada. É informado sobre várias coisas,

porém não possui conhecimento aprofundado de nada. Já o segundo, pouco presente na

atualidade, revela um modo de ser que não se contenta com a superficialidade, buscando

aprofundamento em tudo o que faz.

Poderíamos dizer que o estudante que toma o estudo como tarefa está atuando em

conformidade com o modelo do consultor e consumidor e, conseqüentemente em

conformidade com os vetores hegemônicos da contemporaneidade. Por sua vez, o estudante

que faz do estudo uma experiência segue o modelo do perito e artesão, não se conformando

com o estabelecido, buscando novas alternativas para poder viver neste mundo sem abrir mão

daquilo que considera importante. Esta comparação permite ver que há na experiência algo

que é da ordem do artesanal e que torna a experiência incompatível com a proposta da

performance. Há algo na experiência que aponta para um modo de relação que demanda

tempo e cuidado, sendo realizado um a um. Os produtos da experiência são sempre singulares

e imprevisíveis.

Com Eherenberg (1991) verificamos que o culto da performance é uma característica

da contemporaneidade e não apenas das práticas de estudo dos estudantes de psicologia.

Embora este autor restrinja sua análise ao contexto francês, a partir das falas dos estudantes
233

entrevistados tivemos a oportunidade de mostrar como a ênfase na performance, o apelo à

ação, ao parecer mais até do que ao ser atravessam também a nossa sociedade, marcando as

práticas de estudo. A título de ilustração citamos a obsessão dos estudantes em fazer estágios,

participar de pesquisas, freqüentar eventos, mesmo que não se tenha “tempo de bastidores”

para estudar. O modelo do empreendedor, por exemplo, está por toda a parte e, inclusive na

universidade. O empreendedor, explica Eherenberg, é o indivíduo-trajetória. Nada o define

melhor do que o caminho que percorre. Este deve ser encarado como uma aventura em que se

precisa cavar as próprias oportunidades, assumir riscos a fim de se tornar alguém e sair

vitorioso. Em função disso aponta como desdobramento do culto da performance, o

nascimento de um sentimento de fadiga de si (Eherenberg, 2001). Aí surge o tema da

medicalização da vida. Menos do que instrumentos terapêuticos, os medicamentos estão se

tornando meios artificiais de enfrentamento da vida. Neste contexto a discussão de

Eherenberg acabou puxando o tema do enhancement cognitivo. Este diz respeito a práticas de

otimização cognitiva através do uso de psicofármacos.

Embora os dados da literatura apontem ser cada vez mais comum entre os

universitários este tipo de prática - sobretudo entre os universitários norte-americanos -, nós,

em nossa pesquisa não encontramos nenhum relato que fizesse menção a ela. Sugerimos

algumas hipóteses que poderiam explicar a discrepância entre os dados da literatura e os

nossos achados. Referimo-nos às singularidades da subjetividade e das práticas de estudo dos

estudantes brasileiros em comparação com os norte-americanos. Trouxemos à cena um certo

discurso dos nossos estudantes que apontam para a necessidade de respeitar o próprio ritmo e

aceitar os limites. Conjecturamos sobre as diferenças entre o mercado profissional brasileiro e

o norte-americano e, ainda sobre as diferenças culturais que há entre esses dois povos. Estas,

porém, são apenas especulações que merecem um estudo aprofundado. Apontam para mais

uma linha passível de ser percorrida como desdobramento de nossa cartografia.


234

No final do capítulo trouxemos Larrosa (2004) e Caiafa (2000), teóricos que a partir

de campos de estudo e de trabalho distintos, trazem à cena o tema da experiência. Eles o

apresentam como uma alternativa para escapar dos esforços de conformação do capitalismo

atual que tem se tornado cada vez mais rara na atualidade. Segundo Larrosa (Ibid), a

contemporaneidade está destruindo a possibilidade da experiência por excesso de informação,

excesso de opinião, falta de tempo e excesso de trabalho. Em função desta maneira de colocar

o problema da relação entre experiência e contemporaneidade, aproveitamos a ocasião para

retomar as principais questões tratadas no capítulo e na tese. Será que existe espaço na

atualidade para o estudo como experiência? Em que ocasiões o estudo aparece como

experiência? Passamos a analisar os efeitos da contemporaneidade sobre a experiência

seguindo as questões listadas por Larrosa (Ibid): excesso de informação, excesso de opinião,

falta de tempo e excesso do trabalho. Procuramos fazer ver as intercessões com os problemas

tratados anteriormente. Mas, o mais importante dessa discussão foi reconhecer que apesar da

experiência estar cada vez mais difícil, ela não é impossível. Apesar das práticas de estudo

dos estudantes de psicologia na contemporaneidade estarem orientadas hegemonicamente

para o estudo como tarefa, o estudo como experiência não é impossível. Conforme destaca

Caiafa (2000, p.61) o obstáculo nunca é absoluto, nunca veda sem frestas.

Ao procurar as frestas nas falas dos estudantes, percebemos que a experiência não

funciona como tudo ou nada. Através da análise de exemplos percebemos que a principal

dificuldade dos estudantes é fazer com que o germe da experiência que por vezes desponta,

ganhe consistência. No entanto, em alguns casos a experiência consegue não apenas nascer,

mas ser acolhida, ganhando consistência. Foi justamente o que aconteceu com uma das

estudantes entrevistadas no momento em que enfrentava o processo de elaboração da

monografia de fim de estágio. Dada a singularidade e importância desta situação, resolvemos

investigar mais de perto, tentando identificar o que de diferente havia acontecido ali que
235

permitiu o nascimento do estudo como experiência. Notamos que embora essa estudante

estivesse também atravessada pelos vetores hegemônicos da contemporaneidade, ela havia

conseguido produzir uma bifurcação em sua prática, ao instaurar um mínimo de silêncio.

Conforme relata, por mais que seu estudo e escrita tivessem sido deixados para a última hora

e se fizessem a partir da mediação do computador, com muitas janelas abertas, este momento

foi dedicado exclusivamente ao estudo. Ela afirma: “Parei tudo!”. Analisando seu relato com

a ajuda de Larrosa e Caiafa, ponderamos que talvez este mínimo de silêncio tenha permitido

que a atenção ao invés de saltitar, ficasse sustentada, fazendo nascer um ritmo. Este, por sua

vez, foi possibilitando a experimentação de uma nova relação entre a estudante e o estudo que

apontava para a experiência, que passou a ser acolhida em função de uma nova relação da

estudante consigo própria. Sobre a potência do estudo como experiência, vale citar mais uma

vez a frase da estudante: “Uma monografia muda a vida de uma pessoa!”.

Após o percurso realizado afirmamos então que os estudantes estão estudando e que

suas práticas estão produzido regimes atencionais singulares – atenção saltitante e sem ritmo,

atenção dividida e atenção suficiente -, concorrendo para que o estudo como tarefa apareça

como orientação hegemônica. Note-se que esta orientação atua em consonância com os

vetores dominantes da contemporaneidade. Não é uma idiossincrasia dos estudantes ou da

juventude, mas concorre para a configuração da cognição contemporânea. Diante desta

situação não pretendemos deslegitimar as práticas de estudo desses estudantes. Sobre isso, é

importante dizer que o estudo como tarefa é tão legítimo quanto o estudo como experiência.

Porém, do ponto de vista da política criadora que nos orienta, somos obrigados a dizer que o

estudo como tarefa é menos potente que o estudo como experiência. Em outras palavras o

estudo como tarefa não permite que o estudante escape da lógica da reprodução. Estudar resta

sendo repetir o já conhecido. Assim, apesar de aceitarmos e defendermos a existência de uma


236

multiplicidade de práticas de estudo, não ficamos indiferentes a elas. As práticas produzem

efeitos.

Diante das práticas de estudo dos estudantes de psicologia do município do Rio de

Janeiro que adotam como principal orientação o estudo como tarefa, passamos a procurar

brechas passíveis de serem investidas de modo a possibilitar desdobramentos potentes. Sobre

isso, a proposição de Chartier (1998) é fundamental. Ao se referir as práticas de leitura, ele

argumenta que ao invés de condenar ou recusar as práticas existentes, é preciso compor com

elas no sentido de produzir novos desdobramentos. Localizamos, então, nas práticas de estudo

dos estudantes entrevistados uma política cognitiva curiosa e desejosa de saber, bem como a

idéia de que a experiência não funciona como tudo ou nada. Talvez possamos compor com

elas no sentido de fazer com que o estudo desdobre-se em experiência. Note-se que fazer do

estudo uma experiência não implica na recusa do uso do computador-internet e de todas as

outras tecnologias que, conforme dissemos, parecem ter vindo para ficar. O estudo como

experiência pressupõe sim uma outra relação consigo e com o mundo. Esta aponta para uma

abertura, trazendo a cena a problematização e o pensamento. Não se guia pelo critério da

performance, mas pelo da transformação.

Uma vez dito isto, retomamos a citação apresentada no início de nossas considerações

finais. Lá Green e Bigun (1995) perguntam se na última década do século XX, podemos nos

limitar a acomodar as diferenças nos quadros existentes. Mais uma vez Green e Bigun nos

desafiam com uma pergunta que atravessa o século. Será que nesta primeira década do século

XXI devemos acomodar as diferenças a que estamos percebendo em padrões já existentes?

Depois de tudo o que vimos e discutimos nos parece necessário e importante respondermos

negativamente. Não, não é possível, por exemplo, acomodar a cognição contemporânea aos

padrões de antes. Reconhecer as especificidades da cognição contemporânea que apontam

para uma atenção saltitante e sem ritmo, que trazem a cena um estudo em circulação e outro
237

saltitante, uma atenção suficiente, que se concentra mais com barulho do que no silêncio, etc.

nos parece fundamental. Só assim poderemos evitar o discurso do déficit e da falta tão em

voga na atualidade. Sugerimos que talvez a compreensão da cognição contemporânea - aqui

realizada através da investigação das práticas de estudo dos estudantes de psicologia do

município do Rio de Janeiro - possa lançar novas luzes sobre a profusão de patologias e

diagnósticos relacionados às questões cognitivas. A partir da cognição contemporânea

falaremos em novas formações subjetivas / cognitivas e não em déficit ou falta, enfim em

patologia.
238

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Jornal O Globo.Caderno Boa Chance. Onde você esconde a sua criatividade? Saiba que
inovação é essa, que empresas e países não param de estudar. 27/07/2008.
251

Anexo

Modelo básico da entrevista

Dados para serem registrados (Universidade; Idade; Período; Turno; e-mail; Participa de
algum estágio; Participa de Iniciação científica).

Parte I: Questões preliminares


O que costuma motivar você a estudar?
O estudo é (ou tem) uma rotina? Como?
O que considera importante para um bom estudo?
Você acha difícil estudar? Em que sentido?
Você tem gostado de estudar? Em que ocasiões?
Em qual o horário você costuma estudar?
Quanto tempo (do seu dia / semana) você costuma usar para estudar?
Você estuda horas seguidas? Horas seguidas um mesmo assunto?
Você sente o tempo passar quando está estudando?
Onde você estuda? (Estuda em casa? Na faculdade? Na Biblioteca? No ônibus?)
Você sente diferença em relação ao estudo quando você estuda nesses diferentes lugares? Em
que sentido?
Você estuda tudo o que é recomendado?
Como você costuma fazer a seleção das coisas que precisam ser estudadas?
Como costuma ser a posição do seu corpo quando você está estudando?
Quando você vai estudar, existe alguma preparação? Se tiver preparação. Você acha que essa
preparação é importante para o desenrolar do estudo? Como?
Você precisa estar isolado para estudar?
Você costuma estudar com barulho?
O barulho te atrapalha? Em que ocasiões e em que sentido?
Você costuma estudar ouvindo música? MSN? Você acha que isto a ajuda ou atrapalha?
Você desliga o celular?
Você levanta muitas vezes?
252

Você costuma estudar com o computador ligado? Se sim, o computador está ligado significa
que você está apenas utilizando-o como ferramenta de estudo ou ele pode está servindo para
outras coisas?
Você costuma utilizar o computador como ferramenta para auxiliar seu estudo? Como?
Quando te recomendam um texto, onde você procura primeiro? (Biblioteca ou Internet?) E
quando acha você lê?
Você faz muitas pesquisas através do computador?
Você costuma ler na tela ou você imprime os textos?
Você acha que tem diferença ler na tela ou impresso? Como?
Você lê tudo aquilo que você pesquisa?
Que outras ferramentas usa? (Livro? Caderno?) Como?
Você costuma freqüentar a biblioteca? Em que ocasiões?
Você costuma ler tudo aquilo que é recomendado? (Em que ocasiões?)
Busca outras fontes? (Em que ocasiões?)
Usa resumos? Como? Você faz os resumos? Usa resumos de outras pessoas?
Você costuma reler os textos? Em que ocasiões?
Com que freqüência você volta o texto ou relê o texto quando você não entende?
Você marca os textos quando estuda? Como é? Esta marcação ajuda você?
Você costuma estudar sozinho? Como é quando você estuda sozinho?
Você costuma estudar em grupo? Como é quando você estuda em grupo?
Como funcionam os trabalhos em grupo?
O MSN é uma ferramenta importante para o trabalho em grupo? Como?
Você prefere estudar sozinho ou em grupo?
Quando você está estudando, ou quando você precisa estudar você costuma beber café?
Fumar? Toma algum remédio?
Você acha que essas coisas te ajudam? Como?

Parte II: Entrevista de explicitação propriamente dita


Qual foi a última vez que você estudou?
Vamos tentar voltar a essa experiência. Como foi? Era para quê? Você estava aonde?
Barulho? Tinha mais alguém com você? Estava calor? Tinha muita coisa para estudar? Foi
difícil começar? Como foi difícil (atenção)? Houve alguma preparação sua? E do lugar?
Como você começou? O que foi a primeira coisa que você fez? E depois? E levantou? Em que
momento? E aí? ... E depois como passou a funcionar a atenção (focada, concentrada,
253

dispersa, dividida)? Como se relacionava com o objeto de estudo? Aquilo que estudava
entrava em conexão com outros assuntos? Anotava? Usava o computador? Como?
Bebia algo? Comia? Remédio?

Final
Gostaria de acrescentar algo que não falamos sobre o estudo e o estudar?
Como foi participar dessa entrevista?
Você falou de algo durante a sua entrevista que você nunca havia pensado?

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