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SUA HISTÓRIA ALÉM DO EGO

U m guia prático e filosófico para domar


sua obra e torná-la irresistível

Steven Pressfield

H anoi Editora
Copyright © 2021 Steven Pressfield

Título original: Nobody Wants to Read Your Sh*t: Why That Is And What You Can Do About
It (2016)

Copyright da edição brasileira © 2021 Hanoi Editora

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte das publicações poderão ser reproduzidas ou
utilizada de qualquer maneira, armazenada em sistema de recuperação, ou transmitida de
qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, fotocopiador, gravador ou de
qualquer outra forma, sem o consentimento por escrito do autor ou da editora

Coordenação editorial: Auriel de Almeida

Tradução: Gabriela Coiradas

Projeto gráfico e capa: Bruno Leandro Bezerra


sobre projeto original de Derick Tsai, Magnus Rex

Revisão: Regina Oliveira de Almeida

Direitos de tradução para a língua portuguesa adquiridos com exclusividade pela HANOI
EDITORA, que se reserva a propriedade literária desta tradução.
www.hanoieditora.com.br
E-mail: contato@ hanoieditora.com.br
Para Shawn Coyne,
q ue fez a minha carreira de muitas
maneiras
CONTENTS

Title Page
Copyright
Dedication
Prefácio à Edição Brasileira
1. A LIÇÃO MAIS IMPORTANTE QUE EU JÁ APRENDI
2. MINHA FAMÍLIA
3. UM EMPREGO DE ESCRITOR
4. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS
5. ÀS VEZ ES, VOCÊ TEM QUE SER O ESCRAVO DE ALGUÉM
6. “ESTAREI AÍ ÀS NOVE E MEIA”
7. STEVE, SEU EGO ESTÁ FICANDO FORA DE CONTROLE
8. DUAS VERDADES FUNDAMENTAIS
LIVRO UM – Publicidade
9. É DIFÍCIL ESCREVER UM ANÚNCIO
10. NÃO PENSE EM ANÚNCIOS, PENSE EM CAMPANHAS
11. PENSANDO EM CONCEITOS
12. APRESENTE UM CONCEITO
13. FLASHFORWARD: CONCEITO EM FILMES
14. FLASHFORWARD: CONCEITO EM LITERATURA
15. TUDO BEM SER CRIATIVO
16. A DOENÇA DO CLIENTE
17. ROUBE SEM VERGONHA
18. TUDO QUE VOCÊ FAZ O DIA TODO É PENSAR
19. COMO TER UMA IDEIA RUIM
20. PROBLEMAS E SOLUÇÕES
21. DEFININDO O PROBLEMA
22. FLASHFORWARD: DEFININDO O PROBLEMA NA FICÇÃO
23. CALL TO ACTION
24. ARTE É ARTIFÍCIO
25. TUDO BEM NÃO SER 100% PURO
LIVRO DOIS – Ficção, Parte Um
26. SEM RAÍZ ES
27. IGNORANTE
28. MEUS DEMÔNIOS
29. LEITURA
30. VOZ
31. CARTAS
32. TERMINAR
33. “DESCANSE EM PAZ , FILHO DA PUTA”
34. SUPERAR OBSTÁCULOS
35. MEUS AMIGOS
36. AINDA...
LIVRO TRÊS – Hollywood
37. ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
38. O CHEFE[30] DEMONSTRA A ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
39. FLASHFORWARD PARA FICÇÃO DE FORMATO LONGO: A
REGRA DAVID LEAN
40. FILMES SÃO SOBRE GÊNERO
41. TODA OBRA ENQUADRA-SE EM UM GÊNERO, E TODO
GÊNERO TEM CONVENÇÕES
42. A JORNADA DO HERÓI
43. A JORNADA DO HERÓI EM TRÊS ATOS
44. A JORNADA DO HERÓI, VERSÃO APROFUNDADA
45. POR QUE HISTÓRIAS FUNCIONAM OU NÃO
46. TODO GÊNERO É UMA VERSÃO DA JORNADA DO HERÓI
47. TODA HISTÓRIA TEM QUE SER SOBRE ALGO
48. TODO PRIMEIRO ATO PRECISA TER UM INCIDENTE
INCITANTE
49. COMO UMA HISTÓRIA COMEÇA?
50. O CLÍMAX ESTÁ EMBUTIDO NO INCIDENTE INCITANTE
51. O SEGUNDO ATO PERTENCE AO VILÃO
52. TODO PERSONAGEM PRECISA REPRESENTAR ALGO
MAIOR QUE SI MESMO
53. FILMES SÃO IMAGENS
54. COMECE PELO FIM
55. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO FICÇÃO:
COMECE PELO FIM
56. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO FICÇÃO: AS
REGRAS DE HOLLYWOOD AINDA SE APLICAM?
57. APOSTAS
58. RISCO
59. TEXTO E SUBTEXTO
60. DIGRESSÃO: NARRATIVA DE HOLLYWOOD
61. NARRATIVA DE HOLLYWOOD, PARTE DOIS
62. ESCREVA PARA UMA ESTRELA
63. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE DOIS
64. GRANDE TEMA = GRANDE ESTRELA
65. UM COROLÁRIO PARA “ESCREVA PARA UMA ESTRELA”
66. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE TRÊS
67. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE QUATRO
68. FLASHFORWARD: ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM
FICÇÃO
69. O MOMENTO TUDO ESTÁ PERDIDO
70. O MOMENTO EPIFÂNICO
71. DÊ UM DISCURSO BRILHANTE AO SEU VILÃO
72. MANTENHA A HUMANIDADE DO VILÃO
73. COMO NÓS APRENDEMOS
74. SAYONARA[57] , TINSELTOWN
LIVRO QUATRO – Ficção: A Segunda Vez
75. COMO A CARREIRA TOMA FORMA
76. MEU SUCESSO REPENTINO
77. FICÇÃO É REALIDADE
78. FLASHFORWARD: NÃO FICÇÃO É FICÇÃO
79. DISPOSITIVO NARRATIVO
80. ROMANCES SÃO SOBRE LONGO PRAZ O
81. ROMANCES SÃO SOBRE IMERSÃO
82. ROMANCES SÃO PERIGOSOS
83. DUELO COM O MONSTRO
84. PENSE EM BLOCOS DE TEMPO
85. PENSE EM VÁRIOS RASCUNHOS
86. ENTREGUE-SE AO MATERIAL
87. DOMINE O MATERIAL
88. O QUE O ROTEIRISTA ENSINOU À ROMANCISTA
89. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM UM CONCEITO
90. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM QUE SER SOBRE ALGO
91. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM QUE TER UM HERÓI
92. ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM FICÇÃO
LIVRO CINCO – Não Ficção
93. NÃO FICÇÃO É FICÇÃO, PARTE DOIS
94. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA
95. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA, PARTE DOIS
96. COMO ESCREVER UMA BIOGRAFIA CHATA
97. APLICANDO OS PRINCÍPIOS DA NARRATIVA A NÃO FICÇÃO
98. FAÇA NOSSO HERÓI ENCARNAR O TEMA
99. CORTE TUDO QUE NÃO ESTÁ DENTRO DO TEMA
100. IDENTIFIQUE O CLÍMAX
101. SOLUCIONE O CLIMAX ESTRUTURALMENTE
LIVRO SEIS – Autoajuda
102. O JEITO ERRADO DE ESCREVER UM LIVRO DE
AUTOAJUDA
103. A VOZ DA AUTORIDADE
104. A BAGUNÇA QUE SE TORNOU A GUERRA DA ARTE
105. COMO SHAWN ESTRUTUROU A GUERRA DA ARTE
106. FLASHBACK : CONCEITO EM A GUERRA DA ARTE
107. FLASHBACK : DISPOSITIVO NARRATIVO EM A GUERRA DA
ARTE
108. FLASHBACK : HERÓI E VILÃO EM A GUERRA DA ARTE
109. AUTOAJUDA É HISTÓRIA
LIVRO SETE - O Chamado do Artista
110. COMO A CARREIRA TOMA FORMA, PARTE DOIS
111. EXISTE UM DEMÔNIO
112. EXISTE UMA MUSA
113. JEAN-PAUL SARTRE ME DEIXOU MORTO DE MEDO
114. O MUNDO DO ARTISTA É MENTAL
115. A HABILIDADE DO ARTISTA
116. VOCÊ É UM ESCRITOR?
117. A BALEIA BRANCA
118. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS
LIVRO OITO - Pornografia
119. CENAS DE SEXO
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

Preciso começar por uma confissão. Serei breve, pois quero que
você invista o mínimo de tempo neste prefácio e chegue o mais
rápido possível no conteúdo valioso de Sua História Além do Ego,
de Steven Pressfield.
Confesso que senti o peso da responsabilidade de escrever um
prefácio para aquele que é reconhecido por muitos como o autor
dos autores e grande referência para o meu trabalho. Mesmo eu já
sendo um escritor Best Seller no Brasil, ainda assim, o peso de
encarar esta folha em branco foi tão grande ou maior do que o de
escrever meus próprios livros.
Eu estava, é claro, diante da Resistência.
Mas antes de falarmos um pouco deste conceito, presente nas
obras de desenvolvimento pessoal de Steven Pressfield, vamos
direto a algo igualmente valioso, ponto central deste livro: como
comunicar sua obra ao público de forma eficaz.

A Nova Forma De Comunicação


Há pouco tempo, a nossa comunicação era praticamente de um
para um. Ao fazer uma ligação por telefone fixo ou usando os
primeiros modelos de celular, ao mandar uma carta, um telegrama,
um e-mail, falávamos com uma pessoa de cada vez.
A comunicação em pequena escala era reservada para
professores e, numa escala maior, para autores de livros,
palestrantes, apresentadores de programas de televisão,
especialmente aqueles que se tornaram bem-sucedidos.
Os tempos mudaram, com as quase infinitas possibilidades que a
tecnologia nos trouxe, e a comunicação começou a se tornar
prioritariamente escalável. As conversas individuais deram espaço
para grupos de WhatsApp da família e de amigos, grupos do
trabalho, comunidades fechadas nas redes sociais, fóruns de
discussões, reuniões em plataformas digitais, como Z oom, Teams e
outras, que às vezes reúnem dezenas ou centenas de pessoas em
tempo real.
Hoje, contar a história dos momentos importantes da nossa vida
tornou-se algo escalável. Postamos parte das nossas vidas em
redes sociais, que ficam acessíveis a quantas pessoas quiserem ou
puderem ler, investigar, bisbilhotar ou buscar informações sobre nós.
Quando postamos numa rede social, estamos nos comunicando
e, mais do que isso, nos comunicando em escala e com poder de
alcance quase infinito. São incontáveis os casos de pessoas ditas
comuns que postaram algo de forma despretensiosa e
experimentaram uma viralização de algum dos seus posts.
Talvez você esteja se perguntando: mas o que isso tem a ver
comigo e com esse livro? Eu digo: tudo!
Seus próximos clientes, o próximo especialista de RH que vai
entrevistá-lo para uma oportunidade incrível de emprego, líderes,
pretendentes a iniciar um relacionamento amoroso contigo, todos
eles e muitos outros, em algum momento, tendem a checar suas
redes sociais e, adivinhe, sua comunicação pode ser a diferença
entre receber um sim ou um não para aquilo que você deseja
conseguir.
Então, seja você um influenciador digital, coach, médico,
advogado, palestrante, professor, escritor de livro, blogueiro ou
simplesmente uma pessoa que está em busca de crescimento
profissional, na era da comunicação em escala em que vivemos
hoje, a habilidade de comunicar a sua obra tornou-se indispensável
para aqueles que vão chegar lá, independentemente de onde ou o
que seja o seu "lá”.
Quando Steven Pressfield alerta o leitor, de forma 100% direta, de
que “ninguém quer ler suas merdas”, ele dá uma lição valiosíssima
não só a escritores, mas a qualquer tipo de profissional: as pessoas
estão ocupadas demais para doar seu bem mais escasso, o tempo,
a qualquer coisa que você escreva. É preciso simplificar a
mensagem, expressá-la de forma atraente (a ponto de uma pessoa
ter de “estar louca para NÃO ler”) e aplicar isso a todas as formas
de comunicação.
Para ajudar o leitor nessa missão, Steven usa toda a sua
experiência de vida como publicitário, roteirista de Hollywood e
escritor de ficção e não ficção para ensinar os fundamentos de um
bom storytelling, o que funciona ou não ao comunicar uma história,
ou mesmo a obra da sua vida.
Mas todas essas lições vêm junto com um bônus. Algo
extremamente valioso que o autor compartilha conosco.

Steven E Sua Ideia Fixa


Lembrei-me do final de semana em que a Paty, minha esposa, me
disse que tínhamos recebido um convite para escrever o prefácio da
edição brasileira de dois livros do Steven Pressfield. Antes mesmo
de receber os originais em inglês, meu coração já tinha dito sim. A
admiração que tenho pelo Steven e por seus conceitos, que
começou lá atrás quando li o seu livro de maior alcance mundial, A
Guerra da Arte[1], foi determinante. Precisava apenas do sim da
minha agenda, e é claro que ajustamos os prazos e tudo deu certo.
Recebi os dois textos e comecei por este livro, Sua História Além
do E go. Um livro de desenvolvimento pessoal que tem como cenário
a jornada do autor rumo à consagração artística, jornada essa que
eu poderia até chamar de épica. Eu não conseguia parar de ler o
livro. À medida que lia, me perguntava: "para onde o Steven quer
me levar ao longo desse trajeto?".
E então, tão logo terminei a leitura, comecei a escrever este
prefácio. Um prefácio sobre uma obra incrível, de um autor que
admiro, que aborda conceitos com os quais eu trabalho, voltada
para um público que desejo honrar. Por que, então, escrever foi tão
difícil? Era o que Steven chama de Resistência.
Esse conceito está presente em toda a obra de desenvolvimento
pessoal de Steven Pressfield, junto com outras mensagens
universais. Essa é a mensagem bônus com que o autor nos
presenteia: a busca do ser humano para exercer seu propósito de
vida, e a luta constante contra a Resistência, uma força destrutiva e
invisível que tenta nos bloquear a todo custo quando buscamos
progredir em qualquer aspecto.
Steven foi extremamente generoso ao longo do livro,
compartilhando sua vulnerabilidade, mostrando todos os “não
consegui” que teve na vida até finalmente conseguir o que
realmente desejava. E por isso preciso destacar, nesse prefácio, a
importância de dois elementos na vida: a clareza de saber o que se
quer e a obstinação de não desistir diante da Resistência, que
sempre se coloca entre a saída de onde estamos na vida atual até a
chegada na vida desejada, aquela que vale a pena ser vivida.
A combinação de clareza com obstinação forma uma ideia fixa. A
ideia fixa aumenta o foco e diminui as distrações da jornada.
Sempre que olho para a história da humanidade, percebo que todas
as pessoas que fizeram a diferença e deixaram um verdadeiro
legado ao final de suas existências tinham ideias fixas.
Poderia aqui escrever páginas e páginas de exemplos de pessoas
assim, mas só para não deixar de mencionar ao menos uma: existiu
um homem que dividiu a história da humanidade em antes e depois
dele. E não importa se você é ou não cristão, pois aqui estou
apenas trazendo um fato histórico, e não religioso. Jesus tinha
clareza plena do que deveria realizar, da mensagem que ele deveria
deixar e, inquestionavelmente, possuía uma obstinação invejável, ou
seja, ele tinha uma ideia fixa do que deveria fazer, e fez.
Assim foram tantos outros que vieram, como Martin Luther K ing,
Nelson Mandela, Thomas Edison... Não se trata, aqui, de fazer
comparação entre esses nomes, mas apenas de trazer referências e
inspirações para todos nós.
Ao conhecer a trajetória de Steven Pressfield ao longo deste livro,
fica fácil de perceber que ele também teve enorme clareza sobre o
que desejava realizar na vida e extrema obstinação na sua jornada,
especialmente diante das incontáveis ações e circunstâncias que a
Resistência impôs para que ele desistisse no caminho.
Eu não sei exatamente o que você ainda deseja realizar na sua
vida, mas claramente este livro vai inspirá-lo a perceber que em
todas as áreas existirão pessoas que desistem nos primeiros “não
consegui”, mas também existem aqueles que seguem e vão
continuar seguindo de forma obstinada até conseguirem.
Ler Steven Pressfield é incrível, conhecer a jornada obstinada
dele é revelador, perceber a sua generosidade ao descrever tantos
“não consegui” antes de finalmente conseguir o que desejava foi
inspirador e, além disso tudo, aprender a evoluir na forma de
escrever sua obra na era da comunicação em escala tornam este
livro um candidato a ser um dos melhores do gênero que você lerá.
Aproveite a jornada e não pare antes de conseguir.

Geronimo Theml
Coach, empresário e escritor
1. A LIÇÃO MAIS IMPORTANTE QUE EU JÁ
APRENDI

Em uma longa carreira como escritor, você se percebe trabalhando


em diferentes disciplinas. Cada uma ensina suas próprias lições.
Não surpreende que várias delas transitem de uma área para outra.
O que você aprende escrevendo roteiros de filmes ajuda quando
você passa a escrever romances, e o que você adquire escrevendo
ficção prova-se inestimável quando você muda para não ficção.
Meu primeiro trabalho com escrita foi na área que eu mais odiava
e menos respeitava – publicidade. Contudo, o ramo de anúncios me
ensinou muito, e foram coisas que me serviram de maneira
poderosa em cada encarnação subsequente.
Depois, eu tentei romances, mas aprendi praticamente nada
porque eu estava sozinho e continuava cometendo os mesmos
erros repetidamente. Só quando fui para Hollywood e comecei a
escrever para o cinema é que eu realmente comecei a entender o
que era uma história. Então, quando voltei aos romances depois
disso, eu tinha uma base sólida em estrutura narrativa – o que faz
uma história funcionar e o que não faz.
A mudança para não ficção ensinou outras lições, mas não as que
eu esperava. E escrever autoajuda me levou a uma outra área que,
sem nenhuma surpresa, era tanto sobre narrativa como sobre
conteúdo.
Mas de tudo que eu aprendi, a mais importante lição veio no
início, no meu primeiro dia no meu primeiro emprego. A lição era:
“ninguém quer ler suas merdas.” (Veja o capítulo 4).
2. MINHA FAMÍLIA

Não havia artistas na minha família. Todos estavam no mundo dos


negócios. Meu pai vestia um terno e ia trabalhar no escritório. Todos
os meus tios e os amigos dos meus pais também. Agora que penso
sobre isso, não havia artistas em toda a minha cidade
natal/escola/universo.
O pai do meu amigo Brad Holliday era ilustrador de revistas. Se
você fosse à casa de Brad às duas da tarde, seu velho estaria
descendo as escadas do escritório no sótão tropeçando, descalço,
com a barba por fazer, de pijama.
Ao crescer, essa era a minha ideia do que era um artista. Foi
terrível pra cacete.
3. UM EMPREGO DE ESCRITOR

Consegui um emprego na Benton & Bowles na cidade de Nova


Iorque. B&B era uma grande agência de publicidade com escritórios
no edifício Tishman, número 666, na Quinta Avenida. O ano era
1967. Eu era um redator júnior de vinte-e-três-anos ganhando 150
dólares por semana. Os clientes com quem trabalhei foram
Squibb[2], rações para cães Grave Train e o Chemical New York,
um banco. A Benton & Bowles tinha 10 ou 12 andares no edifício.
Eu me lembro da primeira manhã pegando o elevador para o
escritório. O painel iluminado acima das portas dizia:
DEPTO. DE GERENCIAMENTO DE CONTAS - 18º andar
DEPTO. DE GERENCIAMENTO DE CONTAS - 17º andar
DEPTO. DE CRIAÇÃO - 16º andar
DEPTO. DE CRIAÇÃO - 15º andar
DEPTO. DE MÍDIA - 14º andar
DEPTO. DE PESQUISA12º andar
O que fez meu coração bater mais forte foram aquelas palavras
mágicas: Departamento de Criação.
Aquilo era eu.
Eu era “criativo”.
Essa era a primeira vez na minha vida que aquela ideia me
ocorria.
4. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS

A primeira coisa que você aprende em publicidade é que ninguém


quer ler suas merdas.
Seus anúncios, quero dizer.
As pessoas odeiam anúncios. Eu mesmo os odeio. Odeio
comerciais de TV. Por que eu deveria gastar meu valioso tempo
assistindo àquele lixo mentiroso, tentando me vender porcarias de
que não preciso ou não quero?
Às vezes, jovens escritores adquirem, de seus anos na escola, a
ideia de que o mundo está esperando para ler o que eles
escreveram. Eles têm essa ideia porque seus professores tinham
que ler seus ensaios, trabalhos de conclusão de curso ou
dissertações.
No mundo real, ninguém está esperando para ler o que você
escreveu.
Sem terem visto, eles odeiam o que você escreveu. Por quê?
Porque eles podem ter que ler de verdade.
Ninguém quer ler coisa alguma.
Deixe-me repetir isso. Ninguém – nem mesmo seu cão ou sua
mãe – tem o menor interesse no seu comercial de Sucrilhos, pilhas
Duracell ou pomada para hemorroidas. Ninguém se importa com
sua peça de teatro em ato único, sua página no Facebook ou seu
novo lugar favorito para comer frango com gergelim.
Não é que as pessoas sejam más ou cruéis. Elas só estão
ocupadas.
Ninguém quer ler suas merdas[3].
Qual é a resposta?
1) Simplifique a sua mensagem. Foque e a restrinja à sua forma
mais simples, clara e fácil de entender.
2) Faça a sua expressão divertida. Ou sex y, ou interessante, ou
assustadora, ou informativa. Torne-a tão atraente que uma pessoa
teria de estar louca para NÃO ler.
3) Aplique isso a todas as formas de escrita, arte ou comércio.
Quando você entende que ninguém quer ler suas merdas, sua
mente torna-se poderosamente concentrada. Você começa a
entender que escrever/ler é, acima de tudo, uma transação. O leitor
doa seu tempo e atenção, que são mercadorias valiosíssimas. Em
troca, você – o autor – precisa dar a ele algo digno do presente
recebido.
Quando você entende que ninguém quer ler suas merdas, você
desenvolve empatia.
Você adquire a habilidade que é indispensável para todos os
artistas e empreendedores: a habilidade de transitar, em sua
imaginação, entre o seu ponto de vista como
escritor/pintor/vendedor e o ponto de vista do seu leitor/frequentador
de galerias de arte/cliente. Você aprende a se perguntar, com cada
sentença e cada frase: isso é interessante? Isso é divertido,
desafiador ou inovador? Estou dando o suficiente para o leitor? Ele
está entediado? Está indo para onde eu quero levá-lo?
5. ÀS VEZ ES, VOCÊ TEM QUE SER O ESCRAVO DE
ALGUÉM

Fui para Hollywood no início dos anos 1980, no auge do spec[4].


Era uma excelente época para ser roteirista, embora não
necessariamente para mim. Eu gastei meus primeiros cinco anos
fazendo specs – nove deles, seis meses de trabalho cada um.
Nenhum deles vendido.
Na época, eu tinha um agente chamado Mike Werner. Mike
acreditou em mim, mas estava ficando cansado de levar meus
specs para a cidade e assistir à morte deles.
Um dia ele disse: “Steve, você gostaria de trabalhar junto com
outro escritor? Um escritor já estabelecido”.
Mike tinha outro cliente, a quem chamarei de Stanley, que tinha
sido a força por trás de dois grandes sucessos.
“Eu sei que você quer fazer suas próprias coisas”, disse Mike.
“Mas trabalhando com o Stan, pelo menos você estará no jogo.
Você ganhará dinheiro e terá seu trabalho produzido”.
Eu disse sim.
Stan e eu trabalhamos juntos por cinco anos.
Sendo novato em uma equipe de trabalho, você precisa engolir
vários sapos. Mas, como Mike disse, agora você está no jogo.
Você tem um lugar à mesa.
6. “ESTAREI AÍ ÀS NOVE E MEIA”

Quando Stan e eu começamos a trabalhar juntos, ele disse: “Vamos


trabalhar na sua casa. Eu vou até aí às nove e meia e começamos”.
No primeiro dia, Stan apareceu 12:30.
No dia seguinte: 13:30.
E assim foi durante um mês. Eu continuava dizendo “Stanley,
estou sentado aqui fazendo nada! Qual é o problema? Por que você
não chega no horário?”
Em seis semanas de nossa parceria, Stan ainda chegava no meio
da tarde. Nós trabalharíamos por uma hora avulsa, então ficaríamos
tão cansados e desanimados que teríamos de parar.
Finalmente, em uma manhã, eu disse a mim mesmo: “Steve,
apenas comece. Não espere pelo Stan.”
Naquele dia, quando Stan chegou à uma e meia, eu tinha sete
páginas para mostrar a ele. Nós repassamos o trabalho. Stan tinha
um punhado de coisas inteligentes a dizer. Nós ajustamos as
páginas, fizemos planos para o próximo dia de trabalho, e então
Stan foi para casa.
No dia seguinte, eu tinha mais seis páginas. Nós fizemos um
ótimo trabalho novamente.
Comecei a perceber que era isso que Stan queria o tempo todo.
Ele não era realmente um escritor-escritor, era um produtor-escritor.
Ele precisava de um parceiro que fosse um escritor-escritor.
Stan nos trouxe trabalho. Em reuniões, ele que sempre falava.
Stan era um pouco doido, mas estúdios e produtoras estavam
loucos para trabalhar com ele. Ele havia entregado dois grandes
sucessos. Ele era a marca.
Escrevendo com Stan, pela primeira vez na vida, eu estava
ganhando dinheiro suficiente para realmente sobreviver.
7. STEVE, SEU EGO ESTÁ FICANDO FORA DE
CONTROLE

Com quatro anos de nossa parceria, comecei a perturbar por mais


crédito. Stan não me daria.
Nós tínhamos um amigo em comum chamado Gregory, que
agenciava escritores e diretores. Um dia, Gregory me disse: “Steve,
deixe-me levá-lo para tomar um café.”
Dirigimos até uma delicatessen chamada Brent’s, no vale.
“Steve”, começou Gregory, “você é um cara legal e eu gosto de
você, mas seu ego está saindo de controle. Quero conversar com
você antes que você acabe fazendo algo de que se arrependerá.”
A garçonete trouxe o reuben[5] do Gregory e o meu pastrami no
pão de centeio. Ao redor da delicatessen, mesas eram ocupadas
por outras conversas particulares de Hollywood, como a nossa.
Gregory esperou até que a garçonete servisse nossos pratos e
saísse.
Gregory disse que sabia que eu estava frustrado. Ele podia ver
que eu sentia que estava fazendo todo o trabalho e não recebia
crédito. Ele entendeu isso e não me culpou por me sentir assim.
Gregory citou três ou quatro equipes de roteiristas com que eu era
familiarizado, dois times de duplas que estavam conseguindo
trabalhos e tendo filmes produzidos. Um deles eu chamarei de Mike
& Jim. Na verdade, Mike estava sentado em outra mesa ali na
Brent’s agora mesmo, sozinho, examinando algumas anotações.
“Steve, todo mundo na cidade sabe que Mike faz todo o trabalho
naquela equipe. Jim sequer mora aqui. Ele está em Madison,
Wiscosin, para vir à cidade duas vezes por ano!”
Mas, disse Gregory, Jim tem o nome e teve sucessos por conta
própria. Jim é a estrela. Mike escreve, mas Jim traz os trabalhos.
Gregory estava me dizendo que se eu continuasse a pedir mais
crédito ao Stanley, eu poderia matar a galinha dos ovos de ouro. Ele
me aconselhou a abrir os olhos e ter uma visão realista da minha
posição.
“Steve, você poderia ter o roteiro de E o Vento Levou embaixo do
braço, escrito unicamente por você. Poderia levá-lo a cada um dos
estúdios da cidade. Você sabe o que aconteceria?”
Eu sabia.
“Mas se você levar o mesmo roteiro para os mesmos estúdios,
escrito por você e Stan, estaria descontando um cheque de sete
dígitos”.
“Stan é a marca”, Gregory continuou. “Ele tem sucessos. O nome
dele consegue as reuniões, e a reputação lhe consegue o trabalho”.
“Stan teve dois parceiros antes de você, Steve, e teve sucessos
com ambos. Você sabe o que isso significa nesta cidade? Significa
que Stan é visto como o elemento-chave. Ele é a variável que
produz sucessos de modo consistente.
Gregory percebia que estava me atingindo. Meu sanduíche de
pastrami restava intocado.
“Steve, eu entendo sua frustração, e você está certo de se sentir
assim. Você está ralando e está fazendo um trabalho excelente.
Mas Stan teve sucessos com parceiros antes de você e terá com os
depois de você. A conclusão é esta:
“Se você quer mesmo crédito, você tem que escrever um roteiro
por conta própria e ter sucesso.”
8. DUAS VERDADES FUNDAMENTAIS

Você reconheceu os dois princípios nessas primeiras páginas?


1) Ninguém quer ler suas merdas.
2) Se você quer escrever e ser reconhecido, tem que fazer isso
por conta própria.
A partir deles, originam-se todos os outros.
L IV R O U M – P U B L ICIDADE
9. É DIFÍCIL ESCREVER UM ANÚNCIO

Eu nunca fui digno de escrever anúncios. É difícil. Você tem de ser


muito bom.
Mas o aprendizado é sensacional.
Assim como ser um advogado, ou jornalista, ou prostituta, ser
publicitário te ensina uma maneira muito específica de pensar. Essa
maneira tem sido indispensável para mim nas áreas em que entrei
posteriormente – escrita de roteiros de cinema, ficção, não ficção,
ou mesmo autoajuda.
Os próximos dezesseis capítulos trazem lições que cada Mad
Man[6] (e Mad Woman) aprende.
10. NÃO PENSE EM ANÚNCIOS, PENSE EM
CAMPANHAS

Há uma expressão em publicidade: pool-outs[7]. É como os spin-


offs[8] na TV.
Isso significa que de um único conceito de campanha – se ele for
forte o suficiente – podem surgir dezenas de anúncios individuais e
comerciais (também conhecidos como “execuções”). Cada um
funciona como parte do conceito maior e reforça o tema em geral.
O quão grande é o seu conceito?
Resposta: quantos pool-outs ele vai gerar?
A Nike começou com Michael Jordan e o tênis Air Jordan. O
conceito era “Compre Nike e você será como Mike”. Isso foi em
1984. O conceito ainda impulsiona cada anúncio e comercial de TV
que a Nike veicula (embora agora sejam estrelados por Serena,
LeBron e Rory Mcllroy[9]).
Mesmo conceito, execuções diferentes.
11. PENSANDO EM CONCEITOS

Como todos odeiam ler anúncios ou assistir a comerciais na TV


(“Ninguém quer ler suas merdas"), o redator publicitário precisa
encontrar uma maneira engenhosa de tornar seu material
irresistível.
Não basta prender a atenção do leitor. Você pode fazer isso com
gatinhos fofos ou uma camiseta molhada.
Você também tem que vender o produto. Deve haver uma
mensagem, e a mensagem deve grudar. Deve ter significado em
termos de produto. Deve fazer o leitor/espectador pensar “Hmm,
isso faz sentido”, ou “Hmm, eu gosto disso”.
Se você acha que isso é fácil, tente algum dia.
12. APRESENTE UM CONCEITO

O que é um conceito?
Um conceito, em termos de publicidade, não é só um slogan
estúpido como “Traga Best Foods e traga o melhor”. Nem é uma
afirmação genérica e sem base como “deixa dentaduras mais
brancas”.
Um conceito faz uma releitura do convencional e dá a ela uma
interpretação.
Um conceito estabelece um marco de referência maior que o
produto em si.
Um conceito coloca o produto em um contexto que faz o
observador contemplar o produto com um novo olhar – e percebê-lo
com uma luz positiva e irresistível.
Um conceito configura (ou, mais frequentemente, reconfigura)
toda a questão.
Um dos conceitos referência na história da publicidade é o da
locadora de carros Avis: “Nós somos a #2, então nos esforçamos
mais”.
“Nós somos a #2, então nos esforçamos mais” transforma o
negativo (somos a segunda melhor, portanto, inferior) em positivo
(você terá um serviço melhor da gente porque vamos dar duro para
alcançar a #1 Hertz) ao nos fazer olhar para a questão (Qual é a
melhor empresa para se alugar um carro?) de uma nova
perspectiva.
A campanha heróis do esporte da Nike é um conceito.
“Um diamante é eterno”, da De Beers, é um conceito.
“Se você não está clareando, você está amarelando” é um
conceito. Um bom conceito faz o público ver o seu produto de um
ponto de vista bem específico e agradável e, por essa lógica (ou
falsa lógica), torna os outros pontos de vista e produtos
concorrentes questionáveis e impotentes.
Diamantes já foram vistos como mercadorias. Por que eu deveria
comprar um anel de noivado de diamantes? O que há de errado
com rubis e safiras? Mas quando os redatores, atendendo seu
cliente De Beers – a empresa de mineração sul-africana que
controlava 90% do estoque de diamantes do mundo –, vieram com o
conceito associando a indestrutibilidade do diamante (o material
mais duro do universo) a um símbolo de amor eterno – Uau!
Depois de “Um diamante é eterno”, se você comprasse para sua
noiva qualquer outro tipo de anel de noivado, você estaria dizendo
que não a ama.
Conceitos funcionam em política também
“Death panels[10]” é um conceito
“Job creators[11]” é um conceito.
“Pró-vida” é um conceito. “Pró-escolha” também.
Um conceito pode ser uma completa tolice. Pode ser mau
“A raça superior”.
“Destino manifesto”[12]
“Operação Liberdade do Iraque”[13].
Quando você, como escritor, leva e aplica esse modo de pensar a
outras áreas, como escrever romances, roteiros ou não ficção, a
primeira pergunta que você se faz no início de qualquer projeto é
“Qual é o conceito?”.
Todo trabalho artístico, da Capela Sistina à ponte de Golden Gate
e à Bíblia do Rei Jaime[14], é baseado em um conceito.
Uma dieta deveria ter um conceito.
Uma invasão a um país estrangeiro deveria ter um conceito. Uma
salada deveria ter um conceito.
13. FLASHFORWARD: CONCEITO EM FILMES

A década de 1980 em Tinseltown[15] foi a era dos filmes de alto


conceito. O exemplo referência foi Duro de Matar, estrelando Bruce
Willis, adaptado de um romance de Roderick Thorp, roteiro por Jeb
Stuart e Steven de Souza. Como em um anúncio publicitário, Duro
de Matar gerou não só uma onda de sequências e prequelas, mas
uma série de pool-outs.
Passageiro 57 era Duro de Matar em um avião.
Tempestade era Duro de Matar em um furacão.
Duro de Matar na prisão? Duro de Matar na Lua? Sem problemas.
O conceito é como uma chave. Insira, gire, funciona.
O que é exatamente um filme de alto conceito?
Um filme de alto conceito é um filme 1) cuja ideia da narrativa
pode ser transmitida em dez segundos ou menos (em outras
palavras, a frase feita perfeita para um anúncio ou uma
recomendação boca-a-boca), e 2) assim que você ouve a ideia,
você pode imaginar todas as cenas legais que certamente estarão
no filme (e que você quer ver).
Uma gangue de ladrões toma o controle de um arranha-céu
comercial à noite, planejando roubar a fortuna em ações no porão.
O que eles não sabem é que um detetive da polícia durão está no
prédio.
Assim que você ouve essa ideia, você vê o filme todo. Bruce Willis
luta com os bandidos em um poço de elevador. Briga no terraço.
Troca piadinhas sarcásticas com eles. No final, ele mata/captura
todos.
Eu estava em Hollywood durante essa época. Assim que ouvi a
ideia do filme de alto conceito, eu soube exatamente o que era. Era
as campanhas da Avis/Volkswagen/American Express feitas como
filmes para o cinema.
14. FLASHFORWARD: CONCEITO EM LITERATURA

Parece que eu estou tirando sarro da ideia de conceito. Não estou.


Game of Thrones é um conceito. Orange is The New Black é um
conceito. The Walking Dead é um conceito.
A Nona Sinfonia de Beethoven é um conceito.
Guernica é um conceito.
Hamlet é um conceito.
Eu acredito piamente em conceitos.
No começo de qualquer projeto, eu me pergunto: “Qual é o
conceito?”.
Eu não vou resolver nada até que eu conheça o conceito.
Conceito funciona para a mais alta literatura que existe.
Considere a Ilíada, de Homero. O assunto da Ilíada é a Guerra de
Troia, que durou dez anos. Homero poderia ter escrito a história da
porra toda se ele quisesse.
Mas mesmo em 900 a.C., grandes narradores entenderam o
conceito.
Então, em vez de narrar uma década de coisas repetitivas e
tediosas, o poeta reduziu o tempo de palco de sua história para
poucos dias, durante a guerra.
Ele apresentou um conceito:
A ira de Aquiles.
Esse é o tema da Ilíada. Esse é o gancho. É a ideia central.
O notável campeão da Grécia, Aquiles – um guerreiro invencível
contra quem nenhum herói inimigo pode resistir (e de quem a vitória
dos gregos dependia) – ofende-se com um insulto do rei da Grécia,
Agamenon.
Em fúria e com o orgulho ferido, Aquiles para a luta. Ele abaixa
sua lança e seu escudo e senta-se num canto.
“Deixe meus compatriotas descobrirem, com o sofrimento de
lutarem sem mim como seu campeão, que eu sou o melhor deles.”
Isso é alto conceito. Não ria.
Desta apresentação em dez segundos, nós podemos projetar
toda a epopeia. Nós vemos as lutas secundárias, protagonizadas
por Heitor, Odisseu, Ájax, Páris, Diômedes. Nós vemos os gregos
começarem a perder. Vemos o campeão de Troia, Heitor, crescendo
em tamanho e confiança. Vemos a batalha virando tanto a favor dos
troianos que eles haviam encurralado os gregos de costas para o
mar e atacavam os navios ancorados com tochas e lenha ardente.
E nós vemos Aquiles, no momento de extremo perigo, investindo
para salvá-los, derrotando os campeões troianos e salvando o dia.
E porque nós somos leitores inteligentes e experientes, nós
também sabemos que, desde que a ira de Aquiles representa o
pecado do orgulho, ele (e seus companheiros gregos) terão pagado
em oceanos de sangue antes desta hora da vitória final – e que a
vitória em si, para os gregos e para Aquiles, será no mínimo metade
tragédia.
Parece ótimo, não?
15. TUDO BEM SER CRIATIVO

Nos anos 1950 e início dos 1960, não havia coisas como “pessoa
criativa”. Até em publicidade não havia “criativos”. Redatores
vestiam terno e gravata, como Jon Hamm em Mad Men.
Tudo isso mudou em meados dos anos 1960, com a chegada de
Bill Bernbach, George Lois, Helmut K rone[16] e a nova geração de
redatores e diretores de arte.
Os redatores eram predominantemente judeus, e os diretores de
arte, italianos. Antes do seu advento, o ramo da publicidade tinha
sido terreno exclusivo de caras com sobrenomes como Ogilvy e
Bates.[17]
Do dia para a noite, ser criativo era descolado.
Para mim, isso foi revolucionário. Foi uma mudança de vida.
Lembro-me de entrar em reuniões e olhar para todos aqueles outros
esquisitos, geeks, aberrações e bárbaros.
Eu disse a mim mesmo “Tudo bem ser o tipo de pessoa que eu
sou.”.
Tudo bem ser ansioso.
Tudo bem não conseguir dormir.
Tudo bem ter problemas de autoestima.
Tudo bem ser um introvertido, procurar os cantos quietos em uma
festa, importar-se com qualidade, ter seu humor afetado pelos
arredores.
Os papéis que escolhi na vida e na carreira, eu me dei
conta, não eram limitados a homem de negócios, atleta e patriota
imbecil.
De repente, eu entendi porque eu estava tão mal-humorado,
neurótico, ao mesmo tempo paranoico e megalomaníaco,
desconfiado, inquieto, movido pela ambição, mas paralisado pela
culpa da minha ambição, excitado, obsessivo, compulsivo,
obsessivo-compulsivo, para não dizer tímido, retraído e com caspa.
Eu era criativo.
Todas as pessoas criativas eram assim!
16. A DOENÇA DO CLIENTE

Se você já teve um negócio, você atendeu clientes. Talvez tenha


sido um cliente.
Todos os clientes têm uma coisa em comum:
Eles são apaixonados pelos seus produtos/empresas/serviços. No
ramo da publicidade, isso é chamado de Doença do Cliente.
Tenho visto milhares de clientes serem presenteados com
campanhas brilhantes para seus produtos ou serviços e arruiná-las
com suas merdas bregas.
Vendo isso, jurei que se um dia eu estivesse na posição de cliente
– mesmo que fosse algo mundano, como contratar uma designer
para remodelar minha cozinha –, eu iria calar a boca e deixar a
profissional fazer o trabalho dela. Cumpri a promessa e isso nunca
falhou.
O que um publicitário entende e o cliente não é que ninguém está
nem aí com o cliente ou seu produto.
Você, o cliente, pode estar apaixonado por suas lingeries de
sustentação. E suas lingeries de sustentação podem ser, de fato, as
melhores do mundo.
Ninguém liga.
É a realidade do campo de batalha em que você está travando
uma guerra.
O que fazer se você for um cliente?
Caia fora. Cale a boca.
Chame os profissionais de Dover[18] e deixe-os fazer sua magia.
Os profissionais entendem que ninguém quer ler as merdas deles.
Eles partirão dessa premissa e empregarão toda sua arte e
habilidades para apresentar um raio brilhante que atravessará essa
indiferença, essa desordem, essa merda toda.
Eu estive em centenas de reuniões em que publicitários
bajularam, lisonjearam e deixaram o cliente de bom humor, como
eles devem, é claro. “Nós amamos seu novo detergente/SUV/creme
dental!”
Então, assim que o cliente dirigiu-se aos elevadores e as
portas fecharam atrás dele, redatores e diretores de arte voltaram-
se para o trabalho.
“Ok, como nós vendemos esta merda?”
17. ROUBE SEM VERGONHA

No ramo da publicidade, você trabalha em dupla – um redator e um


diretor de arte. Um é responsável pelo texto, o outro, pelas imagens.
O primeiro diretor de arte com quem trabalhei era um cavalheiro
da idade do meu pai, um veterano da Segunda Guerra chamado
Z oltan Medvecky. Med foi uma estrela, profissional premiado. Eu e
ele tínhamos recebido uma demanda para fazer um anúncio para a
divisão internacional do Chemical Bank.
Eu estava empolgado porque era a primeira vez que eu
trabalhava com alguém que realmente sabia o que estava fazendo
(ao contrário dos outros diretores de arte júnior com quem eu tinha
trabalhado até então). Eu estava preparado para observar e
aprender.
Med disse que deveríamos trabalhar em seu escritório por ele ser
cinco vezes maior que o meu cubículo e ter uma porta. Nós
elaboramos um título rapidamente (na verdade, Med elaborou) e um
conceito para o visual.
Então, Med abriu uma enorme gaveta de arquivos e
começou a examinar revistas e livros de fotografia. Perguntei o que
ele estava fazendo.
“Roubando”
Eu estava chocado. “Roubando? Você não pode fazer isso!”
Med folheou dezenas de livros e revistas até chegar a um
exemplar da LIFE do ano passado. “Ah”, ele disse. Ele havia parado
em um editorial de página inteira, com um terço de espaço branco
na parte de baixo, uma foto preto e branco granulada no topo, e
uma legenda de uma linha abaixo da foto.
Ele roubou aquele layout.
“Mas, Med, isso não é trapacear?”
“Este layout na LIFE”, Med disse, “é fotojornalismo puro.
Vê? Uma foto de guerra, com as figuras iluminadas e a fonte de luz
– o sol de fim de tarde – vinda de um lado, colocando o outro lado
em uma sombra dramática. Percebe como isso parece corajoso?
Um tiro de verdade.”
Med me mostrou como ele tinha ajustado o layout e o feito
funcionar como um anúncio. Tenho que admitir, parecia ótimo.
“Nós estamos pegando o olhar do fotógrafo da LIFE e o
reconcebemos, emprestando os aspectos que possuem gravidade –
e que ninguém tinha usado em um anúncio – para reforçar a
impressão que queremos transmitir, o que implica a coragem do
mundo real e a competência em um cenário exterior.”
Med esticou seu braço e o colocou no meu ombro. “Garoto, não é
roubo se você dá um significado.”
18. TUDO QUE VOCÊ FAZ O DIA TODO É PENSAR

Publicidade é um grande treino para a indústria do cinema, para


escrever romances e não ficção porque tudo que você faz o dia todo
é pensar.
É o seu trabalho.
Sente lá e apresente ideias.
Às vezes, pessoas que trabalharam em outras profissões tentarão
fazer a transição para a escrita. Elas têm dificuldade no início
porque nunca passaram o dia todo vivendo somente dentro de suas
cabeças.
19. COMO TER UMA IDEIA RUIM

O difícil na publicidade é que o trabalho não é só produzir boas


ideias, mas produzi-las sob demanda.
Mad Men estava certa.
O final de semana trabalhando. As noites viradas. Mesmo no fluxo
normal cotidiano das tarefas, você está trabalhando sob demanda.
É fácil ter uma ideia péssima sob demanda. Não é tão difícil ter
uma ideia medíocre. Mas uma boa ideia?
Trabalhei com publicidade, temporariamente, entre sete e dez
anos.
Eu não sei se alguma vez tive uma ideia realmente boa.
Aprendi muito sobre ter ideias ruins, entretanto. Quando você se
esforça muito, você tem ideias ruins.
Quando trabalha mecanicamente, você tem ideias ruins.
Quando segue fórmulas, você tem ideias ruins.
Quando está desesperado ou em pânico, você tem ideias ruins.
Aprendi que bons redatores e bons diretores de arte
frequentemente têm boas ideias. E redatores e diretores de arte
ruins têm ideias ruins frequentemente.
Eu sabia que tinha que descobrir como me tornar um dos bons
redatores.
20. PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Quando uma pessoa da publicidade aparece com uma ideia


extraordinária, ela é parabenizada com esta frase: “Ótima solução.”
Em publicidade, você pensa as tarefas como “problemas”.
Seu trabalho é apresentar uma solução.
Um problema típico:
O smartphone da Samsung, nosso cliente, é tecnicamente
superior ao Iphone 12 da Apple, mas o moderninho/nerd/ótimo
design/caso de amor dos clientes do Steve Jobs está nos ferrando.
Como podemos virar a mesa e fazer da Samsung o hype?
Ou:
Nosso cliente, a American Poultry Association[19], vende seis
zilhões de perus na Ação de Graças e nenhum o resto do ano.
Como nós transformamos peru na carne “favorita” do ano inteiro?
Problemas buscando soluções. Essa é uma maneira poderosa de
pensar o processo criativo.
Implícita neste ponto de vista está a ideia de que a resposta já
existe junto com a pergunta, de que a solução está embutida no
problema.
Se o seu trabalho é encontrar a solução, o primeiro passo é definir
o problema.
21. DEFININDO O PROBLEMA

No ramo da publicidade, 20% do nosso tempo é gasto buscando


novos negócios. Isso significa a agência saindo e buscando novas
contas.
Algumas contas parecem estar em jogo o tempo todo. Burger
K ing. 7Up. Chrysler.
Perguntar por que esses negócios sempre estão em apuros (e
sempre procurando por novos anúncios e campanhas para salvá-
los) é perguntar “qual é o problema?”
Resposta: essas companhias são vistas como perdedoras.
Elas são a segunda melhor, damas de honra eternas e
perdedoras. Burger K ing está atrás do McDonald’s, 7Up segue a
Coca, Chrysler fica para trás da Ford e da GM.
Quando, em 1967, pessoas muito inteligentes na conta da 7Up na
J. Walter Thompson vieram com a campanha chamada “A Não
Coca-Cola”, eles resolveram o problema.
O problema não era o sabor. O problema não era o preço.
O problema não era conter açúcar.
O problema era a percepção do público da 7Up como uma
perdedora.
Chamar a 7Up de “A Não Coca-Cola” posicionou a bebida não
como segunda melhor que a Coca ou Pepsi, mas como uma
alternativa equivalente. Tão boa quanto, apenas diferente.
Defina o problema e você está na metade do caminho para a
solução.
22. FLASHFORWARD: DEFININDO O PROBLEMA
NA FICÇÃO

Quando seu romance ou roteiro está desintegrando diante de seus


olhos, não é uma má ideia voltar a pensar como um cara da
propaganda.
Não pergunte “Qual é a solução?”, pergunte “Qual é o problema?”
O problema na ficção, do conturbado ponto de vista do escritor, é
quase sempre “Sobre o que é essa maldita coisa?”
Em outras palavras, qual é o tema?
Qual é o tema do nosso livro, da nossa peça ou do nosso roteiro
de filme?
Qual é o tema do nosso novo restaurante, nossa startup, nosso
videogame?
Quando não sabemos o tema, não sabemos o problema.
Você se lembra do piloto de Breaking Bad?
Naquela primeira hora de exibição em 20 de janeiro de 2008,
Walter White é atingido por muitas coisas. É diagnosticado com um
câncer inoperável. Para garantir o sustento de sua família após a
sua morte, ele decide começar a cozinhar metanfetamina. Ele junta-
se a um ex-aluno, vende seu primeiro lote e, ao longo do caminho,
mata dois criminosos seus concorrentes. Uau! Como Vince Gilligan,
criador da série, fez todas essas coisas terem coerência? E como
ele manteve tudo amarrado por seis temporadas soberbas?
A resposta está em uma cena do piloto, que acontece em uma
aula de química de Walter White no ensino médio.
Ele pergunta às crianças “O que é Química?”. Vários alunos dão
respostas chatas. Então, nosso herói, interpretado brilhantemente
por Bryan Cranston, responde à questão.
WALTER WHITE:
“Mudança. Química é o estudo da mudança. Elementos
combinam-se e tornam-se compostos. Isso é tudo na vida, certo?
Solução, dissolução. Crescimento. Desintegração. Transformação. É
realmente fascinante.”
Esse discurso não está lá por acidente. É a declaração do tema
de Vince Gillian.
Problema: Sobre o que é esta série?
Solução: Transformação.
A partir desse ponto da série, do piloto até a temporada final, cada
episódio e cada cena será sobre transformação. Quando os
roteiristas se perderem e sentirem que estão perdendo o controle do
seu material, eles retornarão a essa base.
“Faça este momento ser sobre transformação.”
E ninguém, é claro, se transformará mais do que nosso gentil
protagonista Walter White.
23. CALL TO ACTION

Todo anúncio ou comercial (ou mala direta, ou panfleto político, ou


postagem gratuita nos classificados) termina com uma call to action.
[20]
Compre!
Inscreva-se!
Faça seu pedido agora!
Eu odeio isso, você não? Mas esse único e extremamente óbvio
princípio (provavelmente posto em prática na Babilônia e milhares
de anos antes disso) pode ser o mais importante de todos.
Se você não pede a venda, como vai consegui-la?
O call to action também é, em termos de narrativa[21], o desfecho.
[22]

É o Terceiro Ato.
É o clímax.
Falaremos mais sobre isso quando chegarmos aos filmes, ficção
e não ficção.
24. ARTE É ARTIFÍCIO

Eu me lembro da primeira vez que vi um script para um comercial


de TV.
Havia os personagens, o diálogo e a descrição do que
aconteceria.
Eu fiquei pasmo.
Quer dizer que os atores não inventam suas falas na hora? Como
pode ser? É tudo planejado? Onde eles ficam? O que eles fazem?
O que eles dizem?
Fiquei tremendamente desapontado e, ao mesmo tempo, me senti
terrivelmente enganado. Como eu não soube disso? É claro que
existe um script. É claro que é tudo planejado detalhadamente.
Nada é espontâneo. Tudo é produto de análise de concepção, de
pensamento. Steve, você é um idiota por ter se surpreendido com
isso.
Essa foi uma grande lição que depois se aplicou a outras áreas
criativas.
Arte é artifício.
25. TUDO BEM NÃO SER 100% PURO

Eu trabalhei com publicidade em três momentos diferentes, sempre


guardando dinheiro para escrever um romance. Sem essa grana e
liberdade, eu nunca seria capaz de ir atrás do trabalho que eu
amava.
E mesmo que trabalhar nas trincheiras da Mad Ave[23] possa ter
sido estar me vendendo, trabalhando para o chefe, prostituindo
talento de alguém etc., se eu tivesse tentado ser genuíno e trabalhar
apenas com escrita de verdade, meu cadáver teria sido encontrado
em um abrigo de papelão embaixo de um viaduto.
Ridley Scott trabalhou com publicidade, assim como Satyajit Ray,
Scott Fitzgerald e Salman Rushdie, e centenas de outros que
produziram coisas imortais no mundo artístico real.
Tudo bem trabalhar para o Senhor Charley[24] de vez em quando.
Nem todos podem ser Bob Dylan ou Neil Young.
L IV R O DO IS – FICÇÃO , P AR TE U M
26. SEM RAÍZ ES

Quando tinha 24 anos, eu saí da publicidade pela primeira vez e


parti para escrever um romance. Eu não estava mais preparado
para embarcar nisso do que estaria um típico jovem de 24 anos para
ir para a guerra ou pular do topo do Empire State.
Quatro anos depois, eu estava quebrado, divorciado etc., tendo,
nesse ínterim, cruzado os Estados Unidos treze vezes na minha van
Chevy 65, me sustentando de várias maneiras – como motorista de
táxi, bartender, professor substituto, atendente em um hospital de
saúde mental, motorista de caminhão empregado de exploração de
petróleo, imigrante coletor de frutas[25]. A gota d’água veio em uma
rodovia devastada pelo vendaval, em novembro de 1972, em
Amarillo, Texas, quando um amigo que eu acabara de fazer – um
fazendeiro que viajava com sua nova esposa e todos os seus bens
materiais em dois sacos de papel – me convidou para trabalhar com
gado no sítio de seu irmão, no leste de Lubbok. Por alguns
segundos, eu pensei nisso.
Um caubói.
Isso completaria minha odisseia americana?
Deixei pra lá e vim para casa em Nova Iorque, onde encontrei
novamente trabalho como redator publicitário.
27. IGNORANTE

Eu tinha vinte e nove anos quando saí da publicidade pela segunda


vez e, também pela segunda vez, parti para escrever um romance.
Aqui estão coisas que eu não conhecia e de que nunca tinha ouvido
falar:
Gênero.
Dispositivo narrativo.
Tema.
Incidente incitante.
Estrutura de três atos (ou atos múltiplos).
Conflito, clímax, resolução.
E todo o resto.
Eu tinha 2.700 dólares em economias. Pus minhas coisas na
minha van Chevy e me mudei de Nova Iorque para Carmel Valley,
Califórnia. Aluguei uma pequena casa atrás de uma casa
ligeiramente maior por 105 dólares o mês. Eu tinha meu gato, Mo,
uma mesa e minha máquina de escrever Smith Corona.
Eu mergulhei.
28. MEUS DEMÔNIOS

Eu não tinha ideia de Resistência naqueles dias. Eu não sabia que


existia dentro da minha cabeça uma força invisível, insidiosa,
intratável, infatigável cujo único objetivo era me impedir de fazer
meu trabalho, ou seja, terminar o livro que eu vinha tentando
escrever ao longo de sete anos – e finalmente me destruir, física,
psicológica e espiritualmente.
Tudo que eu sabia é que eu não conseguia terminar nada.
Meu padrão era desistir.
Falhar.
Cancelar.
Eu pegaria a bola por todo o caminho até a linha final. Então, eu
pararia.
Esse era o meu padrão.
Isso era que eu sempre fiz.
Esse era o demônio com quem eu lutava naquela edícula atrás da
casa maior.
Ou eu mataria aquele dragão, ou ele me mataria.
29. LEITURA

Há uma biblioteca local[26] em Carmel Valley. Eu comecei a


emprestar alguns livros. Peguei cada livro que eu deveria ter lido na
escola, mas não o fiz porque estava muito ocupado jogando sinuca
e poker.
Eu li Guerra e Paz. Li Crime e Castigo. Li Pais e Filhos. Li O
Vermelho e O Negro, de Stendhal; Fome, de K nut Hamsun. Eu li
Proust, Balzac e Andre Malraux. Li Madame Bovary; li U m Dia na
Vida, de Ivan Denisovich; e Nada de Novo no Front. Li Joyce, Yeats,
Dylan Thomas, Hemingway, Fitzgerald, Steinbeck, Henry Miller, Jack
K erouac, William Burroughs. A cada dia, eu terminava de escrever,
pegava outro clássico e mergulhava nele.
O que eu aprendi?
Porra nenhuma.
Eu sequer sabia que havia algo a aprender.
Ainda...
Ainda.
30. VOZ

Eu estava tentando encontrar uma voz. A minha voz.


Eu era realmente um “escritor”? Não.
O que eu estava fazendo era “escrita”? Não.
Eu estava tentando salvar minha alma.
Eu estava no saco de papel da minha própria insanidade e estava
tentando escrever a minha saída.
Por que eu estava tentando encontrar uma voz? Não tenho ideia.
Se você tivesse me perguntado, eu não teria sequer articulado a
ideia de que existe algo como uma “voz”.
Eu estava extremamente ciente, no entanto, não apenas de que
minha escrita não era autêntica, mas de que eu mesmo não era
autêntico.
Cada palavra que escrevi gritou esforço e fraude. Eu estava
constrangido. Estava mentindo. Eu não sabia sobre o que estava
falando.
Mesmo quando estava escrevendo a mais absoluta “verdade”,
eventos reais da minha vida real, os parágrafos saíam vazios e
falsos.
Eu li Turgenev, Hemingway e Henry Miller. Cada frase soou como
ouro. Até mesmo as vírgulas (ou a falta delas) era perfeita. Eram
eles falando. Por que eu não podia fazer aquilo?
Eu li Shakespeare, Marlowe, John Donne. Mesmo quando esses
escritores não estavam falando como eles mesmos, quando
escreviam no personagem, as vozes vinham de uma personalidade
que era tão profundamente inserida e realizada que soava até mais
verdadeira que a própria fala dos autores. A experiência de leitura
foi hipnótica. Foi uma cura. Até quando eu não entendia o que
aqueles caras estavam dizendo, eu sentia meus ossos regenerando
apenas com a cadência e o ritmo do trabalho.
Por que eu não podia fazer aquilo?
Por que minhas coisas eram tão fajutas, tão falsas?
Eu costumava sentar à máquina de escrever com Trópico de
Capricórnio ou O Sol Também se Levanta abertos ao meu lado. Eu
literalmente copiava os livros, palavra por palavra, parágrafo por
parágrafo.
Estava tentando experimentar uma voz real, mesmo que não
fosse a minha.
31. CARTAS

O que ajudou, curiosamente, foram minhas próprias cartas. Isso foi


em uma época em que pessoas escreviam cartas. Escrevi algumas
extensas aos meus amigos. Quando as revisava, corrigindo erros de
digitação, às vezes eu parava e dizia “Uau, isso soa como eu”.
Como nós nos formamos?
Por quais meios descobrimos quem somos?
A resposta para nós é a mesma que para os personagens na
ficção. Descobrimos quem somos pelo que dizemos e fazemos.
Revelamos nossa natureza por meio das ações.
Comecei a ler minhas cartas novamente, devagar e com cuidado.
Em qual estado de espírito entrei quando escrevi a um amigo? Eu
estava “pensando”? Estava “tentando”? Estava “escrevendo”?
Talvez haja uma pista aqui.
Talvez seja assim que você escreve.
32. TERMINAR

Além da “voz”, eu estava focado em uma coisa: terminar


Devido a ter cagado 99.9% do caminho na minha primeira
tentativa de escrever um romance (e por causa do preço da
vergonha pessoal e da dor que meu fracasso causou às pessoas
que eu amava), eu estava obcecado com a conclusão do Livro #2
custe o que custar, a qualquer preço, ou faço isso ou me enforco.
Tive que vencer meus demônios. Tive que enfrentar meus
dragões.
Um amador, eu sabia, desistia na linha de chegada.
Um profissional... Quem eu estava enganando? Eu não tinha ideia
do que um profissional fazia.
33. “DESCANSE EM PAZ , FILHO DA PUTA”

Eu escrevi sobre este momento em A Guerra da Arte.


Trabalhei por vinte e seis meses direto, tirando apenas dois de
folga para um período de trabalho temporário no estado de
Washington, e, finalmente, um dia cheguei à última página e digitei:
FIM
Nunca encontrei um comprador para o livro. Nem para o próximo.
Passaram-se dez anos antes que eu fosse pago por algo que
tivesse escrito e mais dez antes que um romance, The Legend of
Bagger Vance, fosse realmente publicado. Mas aquele momento em
que eu apertei as teclas para digitar FIM foi marcante. Lembro-me
de pegar a última página e adicioná-la à pilha que era o manuscrito
terminado.
Ninguém sabia o que eu tinha feito. Ninguém se importou. Mas eu
sabia. Senti como se um dragão contra quem lutara por toda a
minha vida tivesse caído morto aos meus pés e dado seu último
suspiro sulfúrico.
Descanse em paz, filho da puta.
Na manhã seguinte, fui à casa do meu amigo escritor Paul para
um café e disse a ele que tinha concluído.
“Bom para você”, ele disse sem levantar os olhos. “Comece o
próximo hoje”.
34. SUPERAR OBSTÁCULOS

Se terminar foi a Obsessão #1, superar obstáculos foi a #2.


O que eu quero dizer com isso? Posso não ter começado a
articular isso na hora, mas senti em cada célula, ao acordar e
adormecer.
Eu sabia que não estava realmente escrevendo. Não como
escritores reais escreviam. Eu estava me sentando na frente da
máquina de escrever e batendo páginas, até mesmo livros
completos, mas o que eu estava fazendo não tinha nada a ver com
escrever de verdade.
O que eu estava fazendo?
Eu estava usando o ato de escrever (eu deveria dizer a farsa ou
simulação da escrita) como pretexto para fincar meu próprio ego no
planeta, assim poderia acreditar que existi realmente. Você já tirou
uma selfie? Era isso. Isso é o que eu estava fazendo. Era como o
que as pessoas fazem hoje no Facebook e no Instagram.
Eu era o herói dos livros que escrevia. Era o protagonista. Era o
ponto de vista. Tudo acontecia comigo.
Eu sabia que isso era uma merda. Sabia que isso era doentio,
triste, patético. Sabia que precisava superar isso. Eu tinha que
superar esse obstáculo ou me matar.
Qual era o obstáculo?
Uma maneira de defini-lo seria dizer que era o divisor de águas
entre o amador e o profissional. Mas isso não seria profundo o
bastante.
Um verdadeiro escritor (ou artista, ou empreendedor) tem algo a
oferecer. Viveu, sofreu e pensou profundamente o suficiente sobre
sua experiência para ser capaz de transformá-la em algo de valor
para os outros, mesmo que apenas como entretenimento.
Um escritor falso (ou artista, ou empreendedor) está apenas
tentando chamar a atenção. A palavra “falso” pode ser muito cruel.
Vamos dizer “imaturo” ou “evoluindo”.
Esse era o obstáculo.
Para superá-lo, o aspirante precisa crescer. A mudança precisa
acontecer no nível celular.
Eu escrevi um romance, e outro, e outro. Sete anos em tempo
integral, com algumas pausas para conseguir dinheiro. E ainda não
consegui superar esse obstáculo.
Há alguns anos, eu reli dois desses três primeiros manuscritos.
Ainda os tenho. Não são terríveis, mas são insuportáveis.
Analisando um parágrafo, eu queria me jogar contra uma parede e
me estapear, e poderia se não tivesse compaixão por todos nós que
somos compelidos pela natureza da vida e pela estrutura do
universo interno a passar por essa provação e iniciação.
Parece não haver maneira de tornar a passagem mais fácil, nem
método para eliminar a dor. As lições não podem ser ensinadas.
Não há vacina para a agonia. O processo é sobre dor. As lições vêm
do jeito mais difícil.
35. MEUS AMIGOS

Eu tive amigos durante essas etapas. Tive namoradas. Eu não


estava sozinho em uma bolha.
Mas estava claro para todo mundo que eu conhecia que eu sabia
estar viajando no metrô para lugar nenhum, e estava claro para mim
que isso estava claro para todo mundo que eu conhecia. Quando
obriguei meus amigos a ler minhas coisas, a natureza tensa e
gelada dos seus sorrisos e os contorcionismos nas frases que eles
eram forçados a usar para evitar me dizer a verdade eram
angustiantes.
Pobre Steve.
O que será dele? Como isso vai terminar? Será que vamos
acabar pescando o corpo dele do Hudson?[27] Qual de nós irá
reconhecer seu corpo em Bellevue?[28] Ele vai se tornar um
daqueles maníacos babando na Canal Street?[29] Nossas esposas o
reconhecerão por trás do rodo enquanto ele lava nosso para-brisa,
quando estivermos na cidade para ir a um show?
Isso estava 100% claro para mim.
Mesmo assim, eu não conseguia parar de escrever.
Cada vez que eu saía de um emprego na publicidade ou em
qualquer outra área, meu chefe (que sempre era um amigo também)
me chamava em seu escritório, fechava a porta e, com as melhores
intenções do mundo, fazia O Discurso.
Ele me ofereceria um aumento, uma promoção. Steve, fique aqui
no planeta Terra. Ouça a razão. Não jogue sua vida na privada.
Eu sabia que meu chefe estava certo. Meu amigo estava me
jogando um colete salva-vidas. O que havia de errado comigo? Por
que eu não podia pegá-lo?
Por que eu não podia?
36. AINDA...

Você ainda está aprendendo. Você não sabe o quê. Não pode dizer
como. Mas os meses e anos, os milhões de rasuras e teclas batidas
vão para o banco de alguma maneira. As células se lembram. Algo
muda.
Eu tinha trinta e seis anos, em Nova York, quando terminei o
terceiro desses livros de vários anos. Houve um vislumbre? Faça-
me o favor.
No mercado de roteiros, existe um conceito chamado momento
“Tudo está Perdido”. Esse momento costuma acontecer lá pelos três
quartos do filme. É o ponto da história em que o protagonista está o
mais longe do seu objetivo.
No mundo celuloide, o momento “Tudo está Perdido” é sempre
seguido de um avanço, um ritmo de reviravolta, quando o desespero
torna-se esperança (ou é mesmo o equivalente a esperança) e
impulsiona o protagonista para a ação no Ato Três.
Aqui estava o meu: Hollywood.
Pensei: “Venho escrevendo comerciais de TV por anos. Eu sei o
que é filme. Consigo pensar visualmente e amo filmes”.
Um roteiro.
Vou escrever um roteiro e me mudar para Tinseltown.
LIVRO TRÊS – HOLLYWOOD
37. ESTRUTURA EM TRÊS ATOS

Em Los Angeles, eu passei fome por cerca de cinco anos. Escrevi


nove roteiros spec. Levei mais ou menos seis meses em cada um.
Não vendi nenhum deles.
Mas aprendi o que é um roteiro.
Aprendi os princípios da estrutura do roteiro.
Um script para um filme é composto de três atos. Ato Um: página
um até 25. Ato Dois: página 25 a 75-85. Ato Três: até o final, página
105 a 120.
Quando alguém me disse isso pela primeira vez (sem dúvida
outro escritor inexperiente), eu imediatamente pensei “Que merda
previsível! Não serei escravo disso!”
Errado.
Se existe um princípio que é indispensável para estruturar
qualquer tipo de narrativa, é este: divida a peça em três partes –
começo, meio e fim.
Por que a estrutura em três atos é essencial em um filme? Porque
um filme (ou uma peça) é experienciado pelos espectadores em um
único bloco contínuo de tempo. Não é como um romance ou um
ensaio, que podem ser abandonados e retomados pelo leitor
inúmeras vezes antes do final. Com um filme ou uma peça, o
público entra na sala de cinema e se acomoda por 90 ou 120
minutos ininterruptos. Você, o roteirista, tem que mantê-los colados
em suas cadeiras por esse período de tempo.
Como você faz isso?
Prendendo-os (Ato Um), construindo a tensão e as complicações
(Ato Dois), e fazendo o desfecho de tudo isso (Ato Três).
É assim que se conta uma piada. Situação inicial,
desenvolvimento e quebra de expectativa.
É como se conta qualquer história.
Você já tentou seduzir alguém? O gancho, o desenvolvimento e o
desfecho.
Já tentou vender algo a alguém?
Já se meteu em confusão e tentou escapar dela?
O gancho, o desenvolvimento e o desfecho.
Eurípedes trabalhou em três atos. Shakespeare também.
Você sabe alguma coisa que eles não sabem?
38. O CHEFE[30] DEMONSTRA A ESTRUTURA EM
TRÊS ATOS

ATO UM
Eu a conheci em um bar em K ingstown.
Nós nos apaixonamos. Eu sabia que isso tinha que acabar.
ATO DOIS
Pegamos o que tínhamos e destruímos.
ATO TRÊS
Agora cá estou eu, em K ingstown novamente.
39. FLASHFORWARD PARA FICÇÃO DE FORMATO
LONGO: A REGRA DAVID LEAN

David Lean foi o magistral diretor de Lawrence da Arábia, Doutor


Jivago, A Ponte do Rio Kwai e muitos outros. Ele tinha um princípio
que se aplica perfeitamente não só aos filmes, mas também aos
romances e outros formatos longos de ficção e não ficção.
Lean disse “toda obra pode ser dividida entre oito e doze
sequências principais.”
Essa é uma alternativa à ideia de Estrutura em Três Atos.
A Estrutura em Três Atos funciona bem em filmes e peças, ou
seja, obras que são experienciadas pela plateia em um único gole
de 90 a 120 minutos.
Mas romances não são assim. TV em formato longo não é assim.
Esses formatos são pegos pelo leitor ou espectador em intervalos,
por períodos de dias, semanas, meses. O ritmo de consumo é mais
lento, com uma menor necessidade de ritmo ou dinâmica.
Além disso, o leitor ou espectador que está sintonizando o
episódio 12 precisa de um tempo para lembrar tudo o que
aconteceu nos episódios 1 a 11.
Assista Lawrence da Arábia cuidadosamente. Você verá que
David Lean seguiu sua própria regra. O filme é constituído de
sequências focadas, de construção lenta e sem pressa, podendo
conter, cada uma delas, dez, quinze, vinte cenas.
Cada sequência é como um filme dentro do filme, e cada
sequência prepara o palco para as seguintes.
Por causa disso, a história se desenrola com uma grandeza épica.
Parece imponente, majestosa, monumental.
40. FILMES SÃO SOBRE GÊNERO

Quando eu e meu parceiro de roteiro Stanley estávamos


procurando por uma ideia nova, a primeira pergunta que nos
fizemos foi “que tipo de filme nós queremos ver?”
Queremos ver um filme suspense?
Uma história de amor?
Uma saga apocalíptica de super-herói?
Em outras palavras, nós estávamos debatendo gênero.
Qual gênero seria divertido escrever? Qual gênero está
bombando as bilheterias? De quais gêneros não devíamos nem
chegar perto?
Eu amo faroestes e filmes noir. Infelizmente, ambos estão mortos
como gêneros há anos.
Gênero talvez seja o mais importante fator individual, do ponto de
vista do escritor, tanto na elaboração do trabalho como na tentativa
de encontrar um mercado para ele (para a discussão definitiva sobre
esse assunto, leia The Story Grid[31], de Shawn Coyne).
Por que o gênero é tão importante para o escritor?
Porque todo filme (e romance e peça) enquadra-se em um
gênero, e todo gênero tem suas próprias regras rígidas e
inquebráveis.
41. TODA OBRA ENQUADRA-SE EM UM GÊNERO,
E TODO GÊNERO TEM CONVENÇÕES

Bater no herói sempre funciona. Rebeldia Indomável. As Vinhas da


Ira. Todo filme do James Bond.
A cena do Herói à mercê do Vilão funciona porque é uma
convenção de gênero.
Se nosso Faroeste tem dois pistoleiros, eles têm que atirar na
cena final. Se nossa História de Detetive tem um policial e um
criminoso, os rivais têm que se encontrar no clímax. Se nossa
História de Amor traz um casal de amantes, os dois devem se
separar no meio da história antes de ficarem juntos no final.
Isso não é fórmula.
São convenções de gênero.
O roteirista deve saber com que gênero está trabalhando e suas
convenções exatamente como um construtor de pontes deve
entender a ciência da integridade fundacional e os meios de mitigar
o estresse do aço esticado.
Por quê?
Porque uma história (seja um filme, seja uma peça, um romance
ou um texto de não ficção) é experienciada pelo leitor com a alma. E
a alma tem uma estrutura universal de receptores narrativos.
Jung[32] estava certo. Existe um inconsciente coletivo. Joseph
Campbell estava certo. Mitos e lendas constituem o tecido do self.
A alma julga a verdade da história pela sua proximidade com os
modelos narrativos que são parte de nossa psique desde o nosso
nascimento. A Jornada do Herói. Odisseu. Gilgamesh. Buffalo
Wallow Woman.[33]
Tudo bem misturar gêneros (na verdade, é ótimo se você puder
alcançar isso), mas antes que o façamos, nós, os escritores, temos
que saber as regras do gênero, assim como um neurocirurgião
entende a topografia do cerebelo e a arquitetura sináptica do
neocórtex.
42. A JORNADA DO HERÓI

O primeiro Star Wars estreou quase dez anos depois que comecei
a trabalhar na indústria do cinema. Naquela época, o conceito de
“jornada do herói” (na qual George Lucas havia baseado a odisseia
de Luke Skywalker) permeava Hollywood da cabeça aos pés.
O megassucesso de Star Wars fez todo executivo de estúdio
perguntar, sobre todo potencial projeto de filme, “onde está a
jornada do herói? Qual cena representa ‘o Chamado’? Qual
personagem é ‘o Mentor’? Quais ‘aliados e inimigos’ o herói
encontra ao longo do caminho?”
Afinal, o que é a Jornada do Herói?
A jornada do herói é a história original de cada indivíduo, de Adão
e Eva a Z iggy Stardust. É o mito primário da raça humana, o padrão
cósmico que cada uma das nossas vidas (e mil incrementos disso)
segue, quer saibamos ou não, quer gostemos ou não.
Aqui está a versão resumida:
1) Herói começa em um Mundo Normal.
2) Herói recebe o Chamado para Aventura.
3) Herói Recusa o Chamado.
4) Herói encontra o Mentor. O Mentor dá a ele coragem para
aceitar o Chamado.
(Se você está acompanhando, este é o Luke na fazenda de
umidificação. Luke encontra R2D2, abre o holograma angustiado da
Princesa Leia e leva R2D2 para Obi-Wan K enobi.)
5) Herói cruza o Portal, entra no Mundo Especial.
6) Herói encontra inimigos e aliados, sofre provações que servirão
como sua Iniciação.
7) Herói confronta o Vilão e ganha Recompensa.
8) O Caminho de Volta. Herói foge do Mundo Especial, tentando
“voltar para casa”.
9) Vilão persegue Herói. Herói precisa lutar/fugir novamente.
10) Herói volta para casa com a Recompensa, volta para o Mundo
Normal, mas agora como alguém que mudou, graças às provações
e experiências em sua jornada.
Pegue qualquer filme, de Casablanca a Perdido em Marte,
incluindo filmes com estruturas aparentemente transgressoras,
como Pulp Fiction, ou Adaptação, de Charlie K aufman.
No cerne de cada um, de uma forma ou de outra, você encontrará
a jornada do herói.
43. A JORNADA DO HERÓI EM TRÊS ATOS

Você está começando a perceber os contornos do que faz uma


história ser uma história? Consegue ver a arquitetura universal que
está por trás de cada conto, das sagas nórdicas ao South Park e
Keeping U p with the Kardashians?
Estrutura em Três Atos + Jornada do Herói = História.
44. A JORNADA DO HERÓI, VERSÃO
APROFUNDADA

Além da sua utilidade como “cola” para escrever filmes de sucesso,


o que é exatamente a jornada do herói?
Quem a inventou?
De onde veio? Qual é o seu propósito?
De acordo com Carl Jung, a jornada do herói é um elemento do
inconsciente coletivo. Joseph Campbell a identificou em mitos e
lendas de praticamente cada cultura no planeta. Jung descobriu que
ela surgia espontaneamente nos sonhos e neuroses de seus
pacientes psiquiátricos.
A jornada do herói surgiu, os dois homens especularam, da
experiência acumulada da raça humana por milhões de anos. A
jornada do herói é como um sistema operacional (ou um software
em um sistema operacional) que cada um de nós recebe ao nascer,
enraizado em nossas psiques, para nos ajudar a navegar nesta
passagem pela vida.
A jornada do herói atua como um modelo ou um manual de
usuário. Ela nos diz “Assim é como as coisas funcionam, como a
vida funciona. Este é o mapa para o caminho que a sua vida
trilhará.”
(Leituras necessárias/sugeridas: O Herói de Mil Faces – Joseph
Campbell; E nsaios Sobre Psicologia Analítica, v. 2 – C. G. Jung;
Símbolos da Transformação – C. G. Jung; e para os verdadeiros
detalhes de Hollywood, A Jornada do E scritor – Christopher Vogler).
45. POR QUE HISTÓRIAS FUNCIONAM OU NÃO

Quatro capítulos atrás, escrevi que a história “é experienciada pelo


leitor com a alma. E a alma tem uma estrutura universal de
receptores narrativos.”
O que eu quis dizer é que o modelo da jornada do herói está
infiltrando-se em nossas psiques 24 horas por dia, sete dias por
semana (estejamos cientes disso ou não), e que,
inconscientemente, colocamos todas as outras histórias – cada livro
que lemos, filme a que assistimos – ao lado dela e nos
perguntamos, também inconscientemente: “esta história soa
verdadeira?”
A jornada do herói é nosso marco.
Quando o livro que lemos ou filme a que assistimos corresponde
a essa história original, dizemos “funciona”.
Nós sabemos que isso funciona não com a nossa mente, mas
com nossas entranhas.
A história nos comove. Ela nos satisfaz emocionalmente.
Chegamos ao seu final nos sentindo como se tivéssemos acabado
de comer um prato de carne com batatas.
Quando a história não se ajusta ao modelo da jornada do herói
(mesmo que, novamente, estejamos completamente inconscientes
disso ou nunca tenhamos ouvido falar da jornada do herói), nós
deixamos o livro de lado ou saímos do cinema insatisfeitos e
vagamente irritados.
“Sei lá”, nós dizemos. “Parece que algo ficou faltando na
história. Não me pegou. Eu estava entediado. Desandou tudo no
final”.
46. TODO GÊNERO É UMA VERSÃO DA JORNADA
DO HERÓI

Por que gêneros têm convenções?


Por que pistoleiros têm que duelar no final de um Faroeste? Por
que o casal tem que se separar antes de ficarem juntos em um
Romance? Por que nós, como contadores de histórias, não somos
criativos e simplesmente quebramos essas convenções?
Porque cada uma delas (e todas as outras convenções em todos
os outros gêneros) é uma parada na versão da jornada do herói
daquele gênero. E a psique humana capta e avalia cada narrativa
que vê ou ouve de acordo com o quão intimamente ela se ajusta ao
ritmo e estrutura da jornada do herói.
Seja inovador; experimental, se você quiser. Mas lembre-se: a
psique humana é profundamente conservadora e rígida como uma
rocha.
Agora – quais são exatamente os princípios da narrativa?
47. TODA HISTÓRIA TEM QUE SER SOBRE ALGO

Os princípios da narrativa às vezes são tão óbvios que nós não os


vemos.
Claro, você diz, uma história tem que ser sobre algo. Mas eu o
desafio. Leia milhares de roteiros escritos por aspirantes a
escritores. Noventa e nove por cento deles será sobre nada (e eu
não digo isso de modo positivo, como Seinfeld[34], o qual, a
propósito, nunca foi sobre nada).
O que significa “ser sobre algo”?
Hamlet é sobre algo.
O Poderoso Chefão é sobre algo.
The Walking Dead é sobre algo.
Por baixo das perseguições, cenas de sexo e efeitos especiais,
um livro ou filme que funciona é sustentado por um tema.
Uma única ideia mantém o trabalho coeso e o torna coerente.
Nada naquele livro ou filme está fora do tema.
48. TODO PRIMEIRO ATO PRECISA TER UM
INCIDENTE INCITANTE

Fiz um curso de Robert McK ee. Chamava-se Estrutura de Roteiro,


à época. O curso durava três dias – metade da sexta e todo o
sábado e domingo. Custou-me 199 dólares, eu acho.
A turma estava cheia de outros aspirantes a roteiristas, bem como
de atores e atrizes, executivos de estúdio, caras e garotas de
desenvolvimento.
Todos estávamos desesperados para descobrir o que fazia um
filme funcionar.
McK ee cumpriu.
Na aula de sexta à noite, na primeira hora, ele apresentou o
conceito de Incidente Incitante.
O que foi revolucionário para mim não foi tanto aquela ideia
específica (embora de fato tenha mudado tudo sobre meu modo de
trabalho), mas sim o pensamento de que tais coisas poderiam ser
ensinadas.
Você pode estudar.
Você pode aprender.
Você pode melhorar.
O Incidente Incitante é o evento que faz a história começar.
Ele pode ocorrer em qualquer lugar entre o Minuto Um e o Minuto
Vinte e Cinco. Mas precisa acontecer em algum lugar do Primeiro
Ato.
Nunca tinha me ocorrido que uma história precisa começar. Eu
pensava que ela começava por si mesma.
E certamente eu nunca tinha me dado conta de que o escritor
tinha que construir conscientemente aquele momento específico em
que a história começa.
49. COMO UMA HISTÓRIA COMEÇA?

Pat Solitano (Bradley Cooper) está recebendo alta de um hospital


psiquiátrico em Baltimore. Nós percebemos, desde os primeiros
minutos do filme, que ele tem sérios problemas psiquiátricos.
Esses problemas reúnem-se em torno da obsessão de Bradley
em reatar o relacionamento com a sua esposa Nikki, que tem uma
ordem de restrição contra ele e morre de medo de sua loucura.
Mas Bradley tem um plano. Ele provará a Nikki que entrou no
eixo. Ele está são agora, é um novo homem. Começou a fazer
exercícios, perdeu peso. Ele tem um lema de autoaperfeiçoamento:
“E x celsior.[35]” Dedicou-se a manter uma “atitude positiva”. Com
isso, ele está certo de que pode encontrar o “lado bom” e reconstruir
seu casamento.
Esses são os primeiros nove minutos de O Lado Bom da Vida, de
David O. Russell.
Tudo isso é ótimo. Cada pedaço de informação é necessário para
a história.
Mas até agora é apenas a Preparação.
A história não começou ainda.
Ela começa lá pelos dez minutos do filme, quando o amigo de
Brad Ronnie (John Ortiz) e sua esposa Veronica (Julia Stiles)
convidam Bradley para um jantar em casa e lá apresentam a ele a
irmã de Veronica, Tiffany (Jennifer Lawrence), que, a propósito,
também tem problemas psicológicos significativos.
Bradley conhece Jennifer de vista, da vizinhança. Mas ela era
casada com um policial chamado Tommy. Tommy faleceu. Jennifer
agora é viúva, ou seja, disponível.
Minuto Dez:
Jennifer entra na sala e encontra Bradley.
Bradley olha para Jennifer.
Jennifer percebe o jeito que Bradley está olhando para ela e olha
de volta da mesma maneira.
Como espectadores, nós sabemos nesse instante que o plano de
Bradley de voltar com sua esposa Nikki acaba de ir pro espaço.
Esse é o Incidente Incitante.
Agora a história começou.
Assistindo, nós não temos ideia de como Bradley e Jennifer
ficarão juntos (e na verdade, os obstáculos entre eles parecem
esmagadores), mas nós sabemos pela faiscante química romântica
entre eles que isso vai acontecer.
A história está fluindo.
50. O CLÍMAX ESTÁ EMBUTIDO NO INCIDENTE
INCITANTE

Como podemos saber que temos um bom incidente incitante?


Quando o clímax do filme está embutido nele.
Apollo Creed escolhe Rocky Balboa no livro dos lutadores e diz
“Vou dar a esse idiota uma chance do título”. Esse é o incidente
incitante de Rocky I. Assim que o ouvimos, sabemos que o clímax
do filme será Apollo e Rocky lutando pelo cinturão mundial de pesos
pesados.
Em Busca Implacável, traficantes sexuais sequestram a filha de
Liam Neeson. No momento em que Liam consegue falar ao telefone
com os sequestradores, diz a eles para soltarem-na ou então... Ele
é, percebemos, um assassino treinado. “Eu tenho um conjunto de
habilidades muito específicas e vou usá-las para caçá-lo e matá-lo”.
Os vilões desejam “Boa sorte” e desligam.
Embutido nesse Incidente Incitante está o clímax de Busca
Implacável: Liam pega os bandidos e, bem, você sabe o que
acontece.
A antecipação da experiência do clímax é o que nos puxa – o
público – através do filme. Nós mal podemos esperar para ver Linda
Hamilton estar frente a frente com o Exterminador, ou Clint
Eastwood duelar com Gene Hackman, ou Neo e Morpheus abrirem
caminho para fora da Matrix.
Se o seu Clímax não está embutido no seu Incidente Incitante,
você não tem um Incidente Incitante.
51. O SEGUNDO ATO PERTENCE AO VILÃO

Eu aprendi isso com meu amigo Randall Wallace (que escreveu


Coração Valente), que aprendeu com Steve Canell[36], o mestre
dos milhões de enredos de The Rockford Files a Baretta a 21 Jump
Street.
Novamente, isso não é uma fórmula. É um princípio da narrativa.
Uma vez que o Alien estiver a bordo de Nostromo, uma vez que o
Grande Tubarão Branco começou a cruzar as águas de Amity, uma
vez que os Tripods de Guerra dos Mundos tiverem aparecido em
Nova Jersey, mantenha-os à frente e ao centro. Quanto mais
assustador o monstro, quanto mais profundo o risco, mais emoção
será produzida nos corações dos espectadores.
Isso funciona para vilões abstratos também, como a iminente
crise do mercado em Margin Call – O Dia Antes do Fim. Uma vez
que esse monstro foi introduzido, os cineastas voltam nele de novo
e de novo, e cada vez que o fazem, a história fica mais tensa e a
audiência é envolvida profundamente.
(Ou se você acredita que o verdadeiro vilão de Margin Call – U m
Dia Antes do Fim é a catástrofe moral implícita na iminente decisão
do grupo de executivos de afundar a economia mundial para salvar
a si mesmos e suas empresas [sim, eu acredito nisso], então os
cineastas responderam a isso também. Cada cena do segundo ato
fede a essa decisão iminente e a calamidade da alma que ela
implica.)
O vilão em O Lado Bom da Vida é interno. É a obsessão de
Bradley Cooper por voltar com sua esposa Nikki.
No final do Primeiro Ato, Bradley conheceu Jennifer Lawrence.
Claramente ela o ama. Claramente os dois foram feitos um para o
outro.
Bradley estragará essa potencial coisa boa com Jennifer porque é
obcecado em voltar com sua distante esposa?
TIFFANY
Fale sobre essa coisa de Nikki. Esse “Amor pela Nikki”. Eu quero
entender isso.
O filme volta para esse Monstro várias vezes durante o Segundo
Ato. Nenhum herói de ação teve mais pavor de um vilão do que
Jennifer Lawrence tem desse antagonista que só existe na cabeça
do jovem problemático por quem ela está apaixonada. Sua dor e
risco ao longo do Segundo Ato nos mantêm presos e torcendo por
ela.
Mantenha o vilão na frente durante o segundo ato.
52. TODO PERSONAGEM PRECISA REPRESENTAR
ALGO MAIOR QUE SI MESMO

Eu estive em Los Angeles mais ou menos por seis meses. Meu


olhos tinham sido abertos para os princípios da narrativa. Quando
assisto a um filme agora, eu o estudo. Quando leio um livro, eu o
coloco no microscópio.
Debrucei-me sobre os clássicos. Como Billy Wilder produziu tanto
drama em Pacto de Sangue? Por que Shakespeare fez o incidente
incitante de Hamlet ser a aparição do fantasma do pai do
protagonista?
Tornei-me um estudioso.
Eu poderia sentar em cafeterias com outros acólitos de
Tinseltown, dissecando diálogos de Robert Towne [37] ou analisando
a construção de personagens de David Webb Peoples[38], e Julius e
Philip Epstein[39].
53. FILMES SÃO IMAGENS

Blake Snyder (que morreu tragicamente em 2009, aos 51 anos) é


um dos meus roteiristas de cinema favoritos. Se você ainda não leu
Save the Cat! e Save the Cat! Goes to the Movies[43], pegue-os
imediatamente.
Um dos princípios de Blake é Mantenha Simples. Um grande
filme, ele acredita, precisa ser tão básico, tão alicerçado na alma,
que poderia ser compreendido por um homem das cavernas.
Em outras palavras, sem linguagem verbal. Sem diálogo.
Você já viu um filme com o som desligado? Os grandes
sustentam-se completamente. Matar ou Morrer. Os Sete Samurais.
Os Imperdoáveis.
Dizer “Mantenha Simples” é dizer “Conte a história em imagens”.
Pensar em imagens o força a manter as apostas da sua história
primordial. Nós vemos os Barões Malvados humilharem os
Camponeses Honestos em Coração Valente. Nossos olhos nos
mostram Meryl Streep deixando seu marido Dustin Hoffman com
seu filho pequeno Justin Henry em Kramer vs. Kramer. Vemos Matt
Damon abandonado no Planeta Vermelho em Perdido em Marte.
Cada um desses arranjos evoca uma emoção primária. Eles nos
envolvem. Eles nos fazem torcer por um desfecho específico. E
embora os diálogos sejam dignos de Oscar em todos esses filmes,
as cenas, incluindo o clímax, funcionam quase tão bem quando
MOS[44] (sem som).
Filmes são imagens.
54. COMECE PELO FIM

Cada negócio tem seus truques. Aqui está um que você aprende
como roteirista em Hollywood: Comece pelo fim.
Comece com o clímax, então trabalhe de trás para frente, até o
início.
Carrie, a E stranha.
O Grande Gatsby. Thelma e Louise.
O final dita o começo.
Sou um grande fã deste método “de trás para a frente”. Funciona
para qualquer coisa – novelas, peças, apresentações de novos
negócios, álbuns de música, coreografias.
Primeiro, descubra onde você quer terminar.
Então, trabalhe no sentido contrário para construir tudo o que
você precisa para chegar lá.
55. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO
FICÇÃO: COMECE PELO FIM

Em 2014, a Sentinel/Penguin publicou meu livro A Porta dos Leões:


nas linhas de frente da Guerra dos Seis Dias, sobre a Guerra Árabe-
Israelense de 1967. O livro era não ficção. Cada pessoa era real,
cada evento realmente aconteceu. A natureza do material não
poderia ser mais diferente daquela da ficção ou de um filme de
fantasia.
Mesmo assim, eu usei exatamente o mesmo princípio: comece
pelo final.
Não só comecei pelo final ao escrever o livro, comecei pelo final
escrevendo a Proposta do Livro, ou seja, o documento de cinquenta
páginas que seria enviado às editoras com a intenção de obter um
contrato, para que eu tivesse dinheiro para escrever o livro.
Funcionou.
Se eu e você sabemos o clímax de Perdido em Marte (Mark
Watney [Matt Damon] volta a salvo para a Terra com uma ajudinha
dos seus amigos), nossa tarefa ao escrever o livro/roteiro torna-se
exponencialmente mais fácil. Nós só temos que ir escalando os
obstáculos que Mark/Matt (e seus aliados na Terra e no espaço)
precisam vencer.
56. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO
FICÇÃO: AS REGRAS DE HOLLYWOOD AINDA SE
APLICAM?

Trabalhando na estrutura para o não ficção A Porta dos Leões, eu


me fiz as mesmas perguntas que teria feito se estivesse fazendo um
pitch do material para a 20th Century Studios.
Qual é o gênero?
Qual é o tema?
Qual é o clímax?
Quem é o herói?
Quem é o vilão?
Quais são as apostas?
Qual é o risco?
Exatamente como na escrita de roteiro, eu comecei pelo final e
trabalhei no sentido contrário.
Você é um CEO preparando um discurso para seus acionistas?
Escreva-o como um romance ou um filme. Use os princípios da
narrativa.
Escreva sua tese de doutorado da mesma maneira. E a sua
proposta de concessão. E o seu pedido ao senhorio para que não
aumente o seu aluguel.
Histórias funcionam.
Conte isso para mim como uma história.
57. APOSTAS

Meu primeiro trabalho pago em Hollywood foi escrever um script


para o diretor Ernie Pintoff. Trabalhamos lado a lado na grande
mesa de carvalho da cozinha do Ernie.
Cada vez que travávamos, Ernie dizia a mesma coisa: “Faça um
corpo cair no chão”.
Ele estava falando de apostas.
Por que tantos personagens são mortos (ou ameaçados de morte)
nos livros e nos filmes? Porque isso aumenta as apostas da história
para vida e morte.
O quão altas devem ser as apostas na sua história? O mais altas
possível.
Apostas altas = grande envolvimento emocional da audiência.
É por isso que tantos filmes são sobre o fim do mundo. Invasores
alienígenas, pestes, colisão com asteroide, apocalipse zumbi.
Todos eles funcionam para aumentar as apostas. Truque barato,
você diria. Sim. Mas funciona.
Faça as apostas de vida ou morte para o seu herói ou para
alguém que ele/ela ama. Ou vá além da morte e da vida, para a
danação. Extinção da alma. Um destino pior que a morte. O Homem
do Prego. A Outra Volta do Parafuso. No Vale das Sombras.
Isso soa como fórmula, eu sei. Mas é a medula e o tendão da
narrativa, e se você não acredita em mim, por favor, confirme com o
Sr. W. Shakespeare.
58. RISCO

Esta é outra metáfora de Tinseltown que, apesar de soar estúpida,


funciona.
Ponha seus personagens em perigo o mais rápido possível e
mantenha-se aumentando esse risco ao longo da história.
Quanto maior o risco aos seus personagens, mais os
espectadores vão se importar e mais envolvidos ficarão.
Risco não tem que significar balas e bombas. Em As Patricinhas
de Beverly Hills, o perigo é ser considerado fora de moda. Em
Curtindo a Vida Adoidado, é ficar em apuros com mamãe e papai.
Mas esses perigos são de vida ou morte nos mundos de Alicia
Silverstone e Matthew Broderick.
Riscos e apostas são os dois lados da mesma moeda.
Nossos personagens precisam, com desespero de vida ou morte,
querer ou necessitar de algo ou de um resultado (apostas). Então,
essa vontade ou esperança de obter esse algo ou resultado precisa
ser lançado em um grave-e-ficando-mais-grave perigo (risco).
Alan Alda, em uma aula inaugural de atuação na HBO, pediu a
um de seus alunos que realizasse um exercício. Ele encheu de água
um copo até a borda e o colocou nas mãos da estudante. “Se uma
gota derramar,” disse a ela, “cada pessoa na sua cidade morrerá.
Agora, ande nove metros pelo palco e coloque o copo a salvo em
cima daquele piano.”
Confie em mim, nem uma alma sequer naquela plateia deu um
suspiro até que a estudante tivesse feito todo o percurso. Ela
mesma parecia que estava à beira de ter um ataque cardíaco.
Apostas.
Riscos.
Eles funcionam.
59. TEXTO E SUBTEXTO

Há um exercício que atores fazem em aulas: um homem e uma


mulher (ou podem ser duas pessoas do mesmo sexo) sentam-se um
ao lado do outro no palco. O professor dá a eles um roteiro fraco,
inócuo, algo sobre uma confeitaria, digamos, ou assistir a um gato
brincando com uma bola de lã.
Mas o professor orienta os alunos a fazerem a cena como se eles
estivessem seduzindo um ao outro.
JANE
... sim, o fio continuou rolando pelo tapete...
JIM
Não brinca. De que cor era?
O roteiro é o texto.
A sedução é o subtexto.
O desafio dos atores é comunicar de modo não verbal o
desdobramento de uma narrativa que está o mais longe do texto
possível.
Você já viu o filme Confissões Verdadeiras? Robert De Niro e
Robert Duvall interpretam irmãos, na Los Angeles de 1940. Duvall é
um detetive de homicídios muito-comprometido, De Niro é um
poderoso monsenhor, uma estrela em ascensão na arquidiocese de
Los Angeles.
A relação dos irmãos é tensa durante a película, com De Niro
aparentemente reprovando o mundo corrupto de Duvall – até o
momento próximo do final do filme, quando, sentados no balcão de
uma lanchonete, De Niro, o monsenhor, confessa que seu mundo
interior aparentemente perfeito está, na verdade, fatalmente
perturbado.
Duvall ouve essa revelação, para por um longo momento,
então aponta com uma das mãos a prateleira de sobremesas no
balcão.
ROBERT DUVALL
Quer alguma coisa? Torta?
Tenho certeza de que não fui o único espectador que engoliu o
choro naquele momento.
Isso é escrita.
Isso é escrever filmes.
(E uma excelente atuação de Robert Duvall).
O poder da performance vem do contraste entre dois níveis de
expressão: o que está sendo dito (texto) e o que está sendo
comunicado por meios não verbais (subtexto).
Quanto maior o contraste, mais poderosa é a emoção produzida
no público.
O prazer que nós, cinéfilos, obtemos desta justaposição de texto e
subtexto vem do fato de podermos participar do momento. Nós
assistimos e pensamos “Tá vendo, Robert Duvall realmente ama
seu irmão. Apesar de todas as coisas ruins entre eles, no fim, Duvall
se importa.”
A segunda parte do exercício de atuação do início deste capítulo
ocorre quando o professor interrompe a cena de sedução e orienta
os dois estudantes a usar o mesmo script fraco, mas, desta vez,
fazerem a cena como se um deles estivesse prestes a assassinar o
outro, e o outro sabia disso.
JANE
... sim, o fio continuou rolando pelo tapete.
JIM
Não brinca. De que cor era?
Quando fui para Hollywood pela primeira vez, escrevi cenas que
eram “diretas”. Esse é o crime mais hediondo que um roteirista pode
cometer. Diálogos que são “diretos” expressam exatamente o que
será retratado de forma não verbal pelos atores.
ROBERT DUVALL
(coloca o braço em torno de Robert De Niro) Irmão, apesar de
todos os nossos problemas, eu realmente me importo com você. Há
alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?
60. DIGRESSÃO: NARRATIVA DE HOLLYWOOD

Os princípios de história que você aprende em Hollywood têm uma


qualidade primordial em comum: eles são muito americanos.
Por que existem filmes franceses, ou feitos no Japão, Irã ou
Israel, tão diferentes das películas nativas dos EUA? Porque
histórias estrangeiras surgem de águas alienígenas. Os cineastas
não compartilham as mesmas premissas que nós, ianques.
1) Filmes americanos acreditam no Sonho Americano.
Histórias americanas começam com base na igualdade e
liberdade. Para nós, esses elementos são universais. Nós os
consideramos garantidos.
Histórias americanas compram (e vendem) o Sonho Americano –
você poder ser o que quiser se estiver disposto a trabalhar por isso.
E eles lidam com o Pesadelo Americano – e se tentarmos e
falharmos?
Essas não são verdades universais, nem mesmo aspirações
universais.
O Talibã não acredita neles.
O ISIS rejeita-os completamente.
Espectadores americanos amam filmes sobre azarões de sucesso
– Rocky, ou Rudy, ou Free Willy. Filmes dos EUA glorificam os
excêntricos e os esquisitos. Nós amamos nerds, geeks e serial
killers (se eles forem simpáticos), vampiros, lobisomens e zumbis.
Amamos rebeldes, com causa ou sem. Amamos mutantes. O
mutante é o indivíduo supremo, extremamente incompreendido. X -
Men, Quarteto Fantástico, até Nebraska e Big Bang Theory. Seja
você mesmo, dizem os filmes americanos. Confie na Força.
Filmes russos atingem maiores profundidades. América é
adolescente; Rússia é anciã. Os russos sofreram com a fome e
doenças; suportaram a derrota na guerra, uma revolução violenta e
uma contrarrevolução ainda mais violenta, e todas as calamidades
pessoais e coletivas que vêm com levantes políticos e sociais em
grande escala. Os Muppets não evoluíram na URSS. Não existe um
Mickey Mouse russo.
Filmes iranianos buscam por individualidade e peculiaridade em
nível universal. Filmes israelenses são complexos e moralmente
excruciantes. Películas japonesas ascendem a arquétipos lendários
e atemporais.
2) Filmes americanos acreditam em causa e efeito.
De Tocqueville [45] chamou a nós, ianques, de “raça de
mecânicos”. Inventamos a máquina a vapor, o descaroçador de
algodão, o avião. Entendemos engrenagens e polias. Nós sabemos
como usar uma chave de roda.
O Sonho Americano é mecânico também. Ele acredita em justiça.
Se eu e você trabalharmos duro e jogarmos conforme as regras,
teremos sucesso. Isso é um artigo de fé nos EUA (e cada onda de
imigrantes que migra para a costa dos EUA acredita nele com
fervor).
Filmes americanos refletem essa crença otimista. Assim como eu
e você podemos consertar nosso Ford V-8 se aplicarmos fielmente
as leis da mecânica, também podemos encontrar o amor de nossa
vida, entregar o vilão à justiça, salvar o mundo do apocalipse. Nós
apenas temos que resolver o problema. Como Tim Gunn[46] diz,
“faça funcionar”.
A vida realmente segue as leis de causa e efeito? Se você está
fazendo essa pergunta, sem dúvida você está fazendo filmes em
Budapeste ou Rangum.
3) Filmes americanos são (com notáveis exceções) sem ironia.
Hollywood busca o Gran Finale. O nó na garganta, o órfão salvo
da tempestade, o gol aos 45 minutos do segundo tempo.
Isso porque nossas películas nativas acreditam (e trafegam) no
Sonho Americano. Então Harry encontra Sally, Luke explode a
Estrela da Morte, Ripley derrota o Alien. Em Walla [47]ou West
Village[48], o público teria ficado furioso se esses filmes tivessem
terminado de outro jeito.
Quando você vê um filme americano com um final irônico ou
trágico, quase sempre ele foi escrito ou dirigido por um estrangeiro.
Chinatown, de Roman Polanski, Pacto de Sangue, de Billy Wilder.
Até Sindicato dos Ladrões foi feito por Elia K azan, que era greco-
americano, mas bem mais grego que americano. E Os Brutos
Também Amam é a exceção que confirma a regra.
Portanto, eu não estou fazendo lobby para os axiomas nestes
capítulos como princípios atemporais da narrativa que se aplicam
em todas as galáxias e estações do ano. Esses são os princípios de
Stars and Stripes.[49] Eles surgiram – e refletem – em um lugar e
clima bem específicos.
Devemos ter isso em mente quando nos voltamos ao “modo
romance” e procuramos ir além dos três atos e além de causa e
efeito.
61. NARRATIVA DE HOLLYWOOD, PARTE DOIS

Robert McK ee[50] profere este mandamento: “Não tomarás o


clímax das mãos do protagonista.”
O que ele quer dizer (e eu concordo completamente) é: não deixe
o seu herói passivo no ápice da crise do filme. Não faça outro
personagem resgatá-lo(a). Vin Diesel tem que salvar o dia em
qualquer filme que tenha Furioso no título. James Bond precisa
derrotar Spectre e mais ninguém.
Mas este axioma também é completamente americano.
Ele adere e celebra o Sonho Americano.
Filmes franceses violam o mandamento de McK ee com
frequência, assim como filmes da Escandinávia, África, Rússia. Irã,
Paquistão, ou qualquer país do Oriente Médio.
Filme indianos não (pelo menos os famosos), mas aí o Sonho
Indiano é mais americano até do que o Sonho Americano.
62. ESCREVA PARA UMA ESTRELA

Às vezes, quando queremos deixar nossa história “real”, nós


reduzimos as dimensões dos nossos personagens. Faz sentido,
certo? Pessoas reais são normais. Vamos escrever um herói
normal.
Errado.
Meu primeiro agente costumava me surrar por causa disso. “Por
que você está escrevendo um personagem principal que nem este?
Que ator vai querer interpretar esse babaca? Posso dar isso ao
K evin Costner? Você está me matando!” O público quer ver uma
estrela. Brad Pitt. Angelina Jolie. George Clooney.
Até Bruce Dern em Nebraska ou Jack Nicholson em As
Confissões de Schmidt. Esses personagens não poderiam ter sido
mais perdedores. Mas eram estrelas.
O que faz um papel para uma estrela?
1) Os problemas dele ou dela conduzem a história. Os deles e de
ninguém mais. Cada personagem na história gira em torno dele ou
dela.
2) Seu desejo/problema/objetivo é (para ele, no contexto do seu
mundo) imenso. As apostas para ele são vida ou morte.
3) Sua paixão por seu desejo/problema/objetivo é insaciável. Ele
perseguirá isso até, como Joe Biden poderia dizer, os portões do
inferno.
4) No ponto crítico da história, suas ações ou necessidades (e de
mais ninguém) ditam o rumo que a história toma.
5) Ela termina quando os problemas dele são resolvidos, e não
antes.
Aqui estão três papéis interpretados por Matthew McConaughey
nos últimos anos: Ron Woodroof em Clube de Compras Dallas, Mud
em Amor Bandido, Rust Cohle em True Detective.
Cada problema do personagem conduz a história. Cada
paixão dele é insaciável. Cada personagem é uma estrela.
Coloque esse tipo de papel no centro de sua história e todo o
resto se encaixará.
63. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE DOIS

O motivo que você tem para escrever para uma estrela em


Hollywood é que um roteiro não é nada até que seja rodado como
um filme.
A mídia são os filmes, não os roteiros.
E para fazer um filme (tê-lo financiado, produzido, distribuído),
você precisa de uma estrela.
O que isso significa para você e para mim, os escritores?
No capítulo anterior, nós elencamos um número de qualidades
que um papel digno de uma estrela requer. Aqui está outra:
A personagem precisa passar por uma mudança radical desde o
começo até o final do filme. Ela deve ter um arco. Ela deve evoluir.
Pense nos papéis que Meryl Streep tem interpretado – K aren
Blixen em E ntre Dois Amores, K aren Silkwood em Silkwood – O
Retrato de uma Coragem, Francesca em As Pontes de Madison.
Não é por acaso que cada um desses personagens passa por uma
transformação quase total ao longo do filme. A Senhora Streep não
teria dito sim para o papel se não fosse assim.
Mas isso começa com o escritor. Ele escreve para a estrela e
criou um papel digno de uma estrela.
64. GRANDE TEMA = GRANDE ESTRELA

Como escrevemos para uma estrela?


Não necessariamente inventando perseguições de carro
másculas ou deixando as cenas de sexo mais picantes na tela.
Nós estabelecemos um tema digno de uma estrela.
Lembre-se, o protagonista incorpora o tema.
Quanto mais poderoso o tema, mais poderoso o papel principal
que o carregará.
Considere a personagem Baronesa K aren Blixen (Meryl Streep)
no filme E ntre Dois Amores.
O tema de E ntre Dois Amores é posse.
É possível, o filme questiona, que um ser humano realmente
possua algo – um namorado, uma fazenda, um sonho?
K aren acredita que é possível. Na verdade, toda a sua vida é
baseada nesta convicção. Seu namorado Denys Finch-Hatton
(Robert Redford) a provoca sobre isso em uma cena, repreendendo-
a pelo seu hábito de se referir a “minha escola, meu K ikuyu[51],
minhas Limoges[52].”
K aren também deseja que Denys seja “dela”. Ela o proíbe de ir a
um safari com outra mulher e quando ele não tolera isso, ela termina
o relacionamento.
No fim do percurso, K aren perde tudo – sua fazenda, seu sonho
da África, bem como Denys, que morre tragicamente em uma queda
de avião.
K AREN BLIXEN
Agora, pegue de volta a alma de Denys Finch-Hatton. Ele nos
trouxe alegria e o amamos. Ele não era nosso. Ele não era meu.
No final, a vida ensina a K aren que ela não pode “possuir” nada.
Ninguém pode. Derrotada, ela vende sua fazenda e navega para a
Dinamarca, para nunca mais voltar à sua amada África.
Mas a genialidade da concepção do filme/tema/ protagonista não
acaba aqui, pois nós na audiência sabemos o que a K aren da vida
real fez nos anos seguintes – reinventou-se como “Isak Dinesen” e
passou a escrever uma sólida série de obras de ficção e não ficção,
sendo a principal entre elas o livro no qual o filme é baseado, Out of
Africa.
O tema do filme não só é profundo e maduro, mas também foi
concebido e analisado pela pessoa que sofreu suas agonias na vida
real.
A mulher K aren Blixen pode ter sido vencida pelos imprevistos da
vida, pelo menos em seu sonho de possuir alguma coisa que
provasse ser permanente. Mas a artista Isak Dinesen triunfou, tanto
quanto essa palavra pode ser aplicada nesta história, produzindo
um trabalho profundo e belo sobre aquela tragédia.
De fato, Meryl Streep, a atriz, trouxe seu próprio poder de estrela
para o papel de K aren Blixen.
Mas o papel, como apresentado pelo roteirista K urt Luedtke e pelo
diretor Sydney Pollack, já tinha o brilho de superstar devido à sua
posição no epicentro da arquitetura temática do filme.
É por isso que Meryl Streep quis interpretá-lo.
65. UM COROLÁRIO PARA “ESCREVA PARA UMA
ESTRELA”

Não tenha medo de fazer seu herói sofrer.


Sofrimento é drama.
Atores amam sofrer, e o público ama assistir ao seu tormento.
Quanto maior a provação a que submetemos nosso protagonista
(Rebeldia Indomável, Filadélfia, O Regresso), mais o ator ou atriz
vai querer interpretar essa parte.
66. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE TRÊS

Dê à estrela uma jornada interior e uma exterior.


Perseguições e casos de amor tórridos são excelente diversão na
tela, mas por si mesmo eles não atrairão uma estrela.
Uma estrela quer um arco interior também.
Por que filmes do James Bond, amados e lucrativos como são,
são tão entediantes? Porque o Sr. B. nunca muda. Ele não tem uma
jornada interior. Você pode culpar Sean Connery (e agora, Daniel
Craig) por procurarem outros papéis mais suculentos? Se 007 fosse
todos esses performers conhecidos por interpretá-lo, eles nunca
seriam levados a sério como atores.
Jack Nicholson, Meryl Streep, Tom Hanks, Julianne Moore, Jeff
Bridges (e poderíamos nomear muitos outros) não tocarão num
papel, mesmo um cômico, que não tenha pelo menos uma (e
preferencialmente mais de uma) dimensão interior.
67. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE
QUATRO

A última e provavelmente mais importante qualidade que o escritor


deve incluir ao escrever para uma estrela é:
Uma estrela quer ser inesquecível.
Atores, lembre-se, estão pensando em suas carreiras. Eles
querem acumular papéis que, com o tempo, criem uma personagem
cinematográfica que perdure.
Tom Hanks em Splash, Quero Ser Grande, Filadélfia, O Resgate
do Soldado Ryan, Forrest Gump, Apollo 13, O Náufrago, Capitão
Phillips, Sintonia de Amor, Ponte dos E spiões. Nem todos os
personagens que Hanks interpreta nesses filmes são “heróis”. Nem
todos “vencem”. Nem todos são “bons”.
Mas todos eles têm dimensão. Têm profundidade. Seus diálogos
são incríveis. Eles são únicos.
São inesquecíveis.
Diane K eaton em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, O Poderoso
Chefão I e II, Manhattan, Interiores, Crimes do Coração, Alguém tem
q ue Ceder.
Jack Nicholson em Cada um Vive como Quer, Chinatown, Reds,
U m E stranho no Ninho, A Honra do Poderoso Prizzi, Laços de
Ternura, A Ú ltima Missão, sem falar de O Iluminado, Melhor é
Impossível e Sem Destino.
É um exercício de capacitação para nós, escritores, avaliar
nossos protagonistas de acordo com os critérios que uma estrela
aplicaria ao considerar o papel.
Jack Nicholson interpretaria esta parte? Bradley Cooper? Denzel
Washington?
Nós atrairíamos Julia Roberts? Reese Witherspoon? Jennifer
Lawrence?
Nossa protagonista tem um arco de estrela? Demos a ela cenas
de estrela? Ela sofre como uma estrela? Evolui como uma estrela?
Ela é única?
É inesquecível?
68. FLASHFORWARD: ESCREVA PARA UMA
ESTRELA EM FICÇÃO

Tudo que é verdadeiro para os heróis nos filmes é verdadeiro para


os protagonistas em romances.
Na verdade, nosso livro é independente – não temos que escalar
um ator. Mas o herói ou heroína de nossa obra de ficção precisa ter
a mesma dimensão e profundidade, a mesma qualidade,
centralidade, arco e sofrimento de uma estrela, como se ele ou ela
fossem protagonistas em Hollywood.
Huck Finn. Emma Bovary. Capitão Ahab. Anna K arenina. Hamlet.
Atticus Finch. Holden Caulfield.
Esses são estrelas. E suas passagens, provações e triunfos são
matéria de papéis principais.
Sim, podemos tirar sarro de Hollywood e sua previsibilidade e
convenções baseadas em fórmulas. Mas os antigos magnatas (e até
sua variedade contemporânea, mitigadora de riscos, guiada pelo
Twitter, dependente do grupo focal) sabiam de algo que nós, tipos
literários, esquecemos às vezes.
A história tem que ser contada.
Tem que fazer as bundas ficarem nos assentos.
E nada melhor do que ter, no centro da história, uma grande
estrela fazendo sua grande coisa de estrela.
69. O MOMENTO TUDO ESTÁ PERDIDO

Continuando o assunto dos heróis, vamos olhar um segundo para o


momento mais sombrio do nosso protagonista.
O Momento Tudo Está Perdido acontece próximo do final do Ato
Dois de qualquer filme. Procure por ele. Minuto 72 a minuto 78. Ele
estará lá.
E não pense que Jennifer Lawrence, Scarlett Johansson, Chris
Pratt e Chris Hemsworth não vão direto nessas páginas quando eles
lerem o seu roteiro.
Por que o Momento Tudo está Perdido é tão importante?
Porque quanto mais sombrio o momento do herói ou da heroína,
mais poderoso será o seu triunfo/salvação/resolução – e mais
emocional será a identificação e o envolvimento do público com ele
ou ela.
No Momento Tudo Está Perdido, a Mocinha sabe, com certeza,
que ela nunca ficará com o Mocinho; o Bêbado está certo de que
nunca vencerá sua dependência do álcool; o Cara Compassivo das
Nações Unidas sabe que ele não tem a menor chance de parar o
apocalipse zumbi.
A vida é assim, não é?
É por isso que nós, na plateia, nos identificamos.
Quantos Momentos Tudo Está Perdido nós mesmos tivemos?
Seu trabalho como escritor é dar ao seu herói o mais profundo,
sombrio e infernal Momento Tudo Está Perdido possível – e então
encontrar uma saída para ele.
70. O MOMENTO EPIFÂNICO

O Momento Tudo Está Perdido é seguido quase que imediatamente


pela ruptura de um insight ou epifania, um despertar para o herói,
um momento “Aha!”
A partir daí, há um impulso para o Ato Três e o clímax da história
começa. Esse momento de epifania dá combustível e define esse
impulso.
Aqui está o momento de epifania no primeiro Rocky:
ROCK Y
É verdade, Adrian. Eu não era ninguém. Mas isso não importa,
saca? Porque eu estava pensando, realmente não importa se eu
perder essa luta. Pouco importa se esse cara abrir a minha cabeça.
Por que tudo que eu quero é terminar a competição. Ninguém foi até
o fim com Creed, e se eu puder terminar, veja, e aquele gongo tocar
e eu ainda estiver em pé, eu saberei, pela primeira vez na minha
vida, saca, que eu não era mais um vagabundo da vizinhança.
Esse é um dos momentos epifânicos mais satisfatórios e
perspicazes da história do cinema. Porque:
1) É totalmente orgânico: vem apenas do Rocky, sem nenhuma
contribuição externa.
2) Não oferece nenhuma solução mágica para o dilema de Rocky.
Em vez disso, indica que ele, nosso herói, reconhece que nenhuma
resolução positiva convencional é possível com seu dilema.
O problema do Momento Tudo Está Perdido (“Quem eu estou
enganando? Eu nunca vou vencer o campeão. Ele vai limpar o chão
comigo”) não é resolvido pela sua epifania. A luta permanece. Rocky
ainda tem que entrar no ringue e lutar com o campeão.
3) Isso traz a verdade que o herói negava até agora. Ele encara a
verdade diretamente e para de negá-la.
4) Essa verdade é dolorosa e, em um primeiro momento, parece
que faz o herói recuar. Mas também é tremendamente
empoderadora, porque o herói está com os pés no chão. Quando
ele a aceita e segue adiante, está agindo com base na realidade.
O Momento Tudo Está Perdido em Corações de Ferro aparece
quando o Sargento Don “Wardaddy” Collier (Brad Pitt) e sua
tripulação do tanque, incluindo Boyd “Bible” Swan (Shia LaBeouf)
têm seu tanque inutilizado por uma mina exatamente quando o
batalhão da SS alemã é visto marchando pela estrada em direção a
eles. Os ianques decidem ficar e lutar, mesmo sabendo que isso
significará a sua morte. Dentro do tanque, a alguns momentos do
confronto fatal, a equipe divide uma garrafa de uísque.
BRAD PITT
(brinda ao tanque e à tripulação)
Melhor emprego que já tive.
A tripulação ri com um tom sombrio. Esse bordão é algo que nós
na plateia ouvimos a equipe dizer uns aos outros, com humor negro,
em péssimos momentos anteriores do filme. Pitt então passa a
garrafa a LaBeouf.
SHIA LABEOUF
Melhor emprego que já tive.
Esse momento epifânico preenche os quatro pontos citados
anteriormente.
Na epifania de Rocky, a plateia está fazendo uma só pergunta:
“Rocky será capaz de terminar com o campeão peso-pesado, Apollo
Creed?”
Da epifania em Corações de Ferro, nós na plateia estamos
imaginando só uma coisa: “Como esses caras vão morrer e quanto
estrago eles farão antes disso?”
Um bom momento epifânico não só define as apostas e o risco
para o protagonista e o público, mas também reafirma o tema e
responde à questão “Sobre o que é esta história?”
71. DÊ UM DISCURSO BRILHANTE AO SEU VILÃO

O ponto é, senhoras e senhores, que ganância, na ausência de


uma palavra melhor, é bom. Ganância é certo, ganância funciona.
Esclarece, atravessa e captura a essência do espírito evolutivo.
Ganância em todas as suas formas – pela vida, por dinheiro, por
amor, conhecimento – marcou a ascensão da humanidade. E
ganância, guarde minhas palavras, não só salvará Teldar Paper[53]
como também outra corporação defeituosa chamada EUA.
O discurso “Ganância é bom”, de Michael Douglas/Gordon Gekko
em Wall Street, talvez seja o melhor discurso de vilão dos filmes.
Tiro o chapéu para Stanley Weiser e Oliver Stone, que o
escreveram.
Um discurso clássico de vilão deve cumprir pelo menos dois
objetivos:
1) Deve permitir que o/a antagonista exponha seu ponto de vista
da maneira mais clara e poderosa possível.
2) Deve ser exposto de um modo tão racional e convincente em
sua lógica que nós, o público (ou pelo menos parte dele), nos
pegamos pensando: “Hmm, este vilão é mau feito o diabo – mas
temos que admitir, ele/ela tem um ponto.”
Por que um discurso brilhante do vilão é tão importante? Porque
quanto maior e mais interessante o vilão, maior e mais interessante
o herói – e mais satisfatório seu triunfo sobre o inimigo.
Quando Satã tentou Jesus no deserto, qual foi o argumento que
ele usou? Qual o exato texto do seu discurso?
Eu não sei, mas eu teria amado ouvi-lo. Você não?
72. MANTENHA A HUMANIDADE DO VILÃO

Lembre-se, o antagonista conduz o contratema. Quanto mais claro


e poderoso nós, escritores, pudermos articular isso em um discurso
(ou por outros meios puramente visuais ou não verbais), mais
profundamente a audiência será puxada para dentro da história e
mais fortemente envolvidas estarão suas emoções.
JAK E GITTES
Quanto você vale? Dez milhões?
NOAH CROSS
Uau, sim!
JAK E GITTES
Por que você está fazendo isso? O que você poderia comprar que
já não pode pagar?
NOAH CROSS
O futuro, Mr. Gittes! O futuro! Agora, onde está a garota? Quero a
única filha que me resta. Como você descobriu, Evelyn está perdida
para mim há muito tempo.
JAK E GITTES
Quem você culpa por isso? Ela?
NOAH CROSS
Eu não me culpo. Veja, Mr. Gittes, a maioria das pessoas nunca
tem que encarar o fato de que na hora certa, no lugar certo, elas
não são capazes de NADA.
Se o valor da aposta em uma história de detetive é justiça, e o
detetive/herói (Jack Nicholson na cena clássica de Robert Towne, de
Chinatown, acima) representa a busca por esse bem, então o vilão
deve representar o oposto.
Mas fazer do vilão um puro monstro é trapaça. Ele deve ser
reconhecida e relacionavelmente humano. Se a nossa história
quiser alcançar o poder máximo, nós, escritores, devemos entregar
para o público a arrepiante percepção de que parte deles também
acredita que ganância é bom, e que eles também, sob certas
circunstâncias, seriam capazes de performar o indizível.
73. COMO NÓS APRENDEMOS

Você não aprende de verdade uma arte ou habilidade na escola.


No mundo real, o processo é mais como um aprendizado, múltiplos
aprendizados com vários mestres. Isso acontece na rua e no
estúdio. Acontece na cama. Acontece sóbrio e chapado. Acontece
acordando cedo e acontece virando noites.
Você muda para Los Angeles, Nova Iorque, Londres.
Faz novos amigos.
Você constrói laços em seu próprio nível, a classe dos novatos. E
faz amigos no nível dos mentores, acima de você. Você puxa saco.
Trabalha de graça. Faz coisas que ninguém mais faria.
Você trabalha sozinho ou com outros. Economiza seus trocados.
Decide que fará uma websérie, ou produzirá seu próprio filme, ou
escreverá um roteiro ou um spec. Dia Um, seu colega diz, “Qual é o
nosso ventre da baleia? [54]”
“Ventre de baleia? Que merda é essa?”
É como você aprende.
Você faz aulas. Inscreve-se para um webinar. Talvez literalmente
volte a estudar e faça uma graduação. Você lê milhões de roteiros e
livros sobre roteiros. Você envia material e pessoas o criticam.
Em outras palavras, você está nas trincheiras, sendo metralhado,
batendo cabeça, sendo dispensado e ignorado. Você é invisível. É
tratado com desprezo. É explorado.
Pessoas no topo da cadeia alimentar tomam seu tempo, sua
energia, seu corpo. E você permite. Você quer que eles tomem tudo
isso. É o preço que você paga para aprender.
Eu amo programas como Project Runway ou Top Chef.[55] Você
nem precisa do som ligado. “Faça funcionar”, diz Tim Gunn.
É assim que você aprende.
Você começa com amigos que são tão falidos e perdidos quanto
você. Então alguém consegue um emprego. É a mesma coisa no
ramo da música, da moda, dança, fotografia ou do design de jogos.
Aquele amigo impulsiona os outros. Ele liga para você para uma
reescrita não paga. “Você consegue para amanhã?”. Claro que você
consegue.
É assim que você aprende.
Por estar falido, você pega trabalhos que nunca pegaria se
tivesse algum orgulho, respeito próprio ou dinheiro. Eu fiz uma
reescrita do filme pornô mais desprezível de todos os tempos. Perdi
uma namorada por isso.
Mas aprendi mais em quatro dias do que em um semestre na
Escola de Teatro de Yale.
Portanto, é assim que você realmente aprende:
Sozinho no seu teclado.
Sozinho no estúdio de dança.
Sozinho na câmara escura.
Tentando responder à Eterna Questão: “Por que essa porra não
está funcionando?”
Trabalho criativo pode ser um inferno, mas pode ser o paraíso
também. O que pode ser melhor que ferver seu cérebro com um
problema que é exatamente o problema que você precisa resolver
para melhorar?
Nós aprendemos por incrementos. Uma palavra, uma imagem,
uma parte do código de cada vez. Uma roteirista pode ter cinquenta
roteiros no armário. Ela pode levar você a uma fala no #3 ou #17, ou
a uma cena no #31, ou a todo o Ato Dois no #47, e dizer-lhe como
ela levou todo o dia, toda a semana ou todo o mês para resolver
aquele problema específico.
É assim que você aprende.
Uma questão eterna: Devo me mudar para Los Angeles se eu
quero escrever para o cinema ou TV? Devo fazer as malas para
Nova Iorque se desejo trabalhar com moda? Meu sonho é estar em
filmes adultos; devo me mudar para San Fernando Valley?[56]
Você deve.
É assim que você aprende.
74. SAYONARA[57] , TINSELTOWN

Eu trabalhei sozinho por mais cinco anos como roteirista. Eu


melhorei. Estava escrevendo coisas muito mais inteligentes do que
escrevi com Stanley e me senti melhor por ser tudo meu. Eu podia
fazer isso. Eu me sentia como um profissional. Eu era um
profissional.
Então eu tive a ideia para o The Legend of Bagger Vance.[58]
A história me veio pronta. Eu podia vê-la do começo ao fim.
Só havia um problema. A ideia veio como livro, não como filme.
A versão resumida é que contei ao meu agente e ele me demitiu.
Ele me disse que não podia se dar ao luxo de me esperar enquanto
eu saía para satisfazer minhas fantasias literárias.
Tomei outra decisão.
Foda-se meu agente.
Eu vou escrever o livro.
LIVRO QUATRO – FICÇÃO: A SEGUNDA VEZ
75. COMO A CARREIRA TOMA FORMA

Meu amigo David Leddick costuma dizer que você nunca pode
planejar sua vida porque inúmeros imprevistos surgem. “Você
conhece alguém e termina morando em outro país, falando outro
idioma.”
Ainda assim...
Ainda assim, o arco de uma carreira não é totalmente aleatório ou
moldado por fatores além da sua compreensão ou controle. Eu senti
a vida toda que estava em um processo e sendo guiado, mesmo
que não soubesse exatamente pelo quê.
Comecei Bagger Vance com um receio enorme. Será que eu
falharia de novo, como todas as outras vezes que tentei escrever
algo com mais de 120 páginas? O que era diferente desta vez? Eu
tinha aprendido alguma coisa?
Para o meu espanto, a história jorrou de mim. Claro que eu estava
certo de que ninguém estaria interessado nela. Uma história de
golfe? Com dimensões místicas? Faça-me o favor.
Mas eu não me importei. Estava possuído.
Quando prosperei, quatro anos depois, eu tinha terminado e
publicado no mais alto nível profissional três sucessos consecutivos
– The Legend of the Bagger Vance, Portões de Fogo e Tempos de
Guerra, este com 120.000 palavras, narrando todos os sete anos da
Guerra do Peloponeso.
Que porra é essa?
O que aconteceu?
76. MEU SUCESSO REPENTINO

Tenho cinquenta e um anos e meu primeiro romance está sendo


publicado.
Foi fácil. Por quê?
Porque escrevendo aquela obra, eu estava trazendo para o
campo da ficção todos os princípios que havia aprendido em vinte e
sete anos trabalhando como escritor em outras áreas, ou seja,
escrevendo anúncios, filmes, ficção impublicável...
1) Todo trabalho deve ser sobre algo. Deve ter um tema.
2) Todo trabalho deve ter um conceito, ou seja, uma visão, um
viés ou dispositivo de enquadramento únicos.
3) Todo trabalho deve começar com um Incidente Incitante.
4) Todo trabalho deve ser dividido em três atos (ou sete, oito ou
nove sequências de David Lean[59]).
5) Toda personagem deve representar algo maior que ela mesma.
6) O protagonista encarna o tema.
7) O antagonista personifica o contratema.
8) O protagonista e o antagonista entram em conflito no clímax,
em torno da questão do tema.
9) O clímax resolve o conflito entre tema e contratema.
Eu tinha adquirido essas habilidades de narrativa.
Mas outras capacidades que eu também tinha adquirido nos vinte
e sete anos anteriores foram ainda mais importantes.
Essas foram as habilidades necessárias para me conduzir como
profissional – as capacidades internas de gerir suas emoções,
expectativas (suas e do mundo) e o seu tempo.
1) Como começar um projeto.
2) Como continuar adiante em um meio horrível.
3) Como terminar.
4) Como lidar com a rejeição.
5) Como lidar com o sucesso.
6) Como receber notas editoriais.
7) Como falhar e continuar tentando.
8) Como falhar de novo e continuar tentando.
9) Como se automotivar, autovalidar, autofortalecer.
10) Como acreditar em você mesmo quando ninguém mais no
planeta acredita.
Então, o que nós aprendemos sobre escrever ficção desta vez?
77. FICÇÃO É REALIDADE

Eu nunca escrevi nada bom até parar de tentar escrever a


realidade. Tampouco tive alguma diversão de verdade.
A realidade não é a realidade.
Ficção é a realidade.
O senso comum é “Escreva o que você conhece”. Mas algo
misterioso e maravilhoso acontece quando escrevemos o que não
conhecemos. A Musa entra na arena. Coisas saem de nós de
lugares muito profundos.
De onde isso vem? Do “inconsciente”? Da “área de aprendizado”?
Eu não sei.
Mas eu tive a mesma experiência várias e várias vezes. Quando
eu escrevo algo que realmente aconteceu, as pessoas leem e dizem
“isso parece mentira”.
Quando eu puxo algo completamente do nada, eu ouço “Uau, isso
foi tão real!”
78. FLASHFORWARD: NÃO FICÇÃO É FICÇÃO

Quando você trabalha com fatos, trate-os como ficção.


Escreva seu livro de não ficção como se fosse um romance. Não
quero dizer invente coisas. Isso é proibido. Quero dizer dê a ele um
Ato Um, Dois e Três. Faça-o coerente com um tema.
Dê-lhe um herói e faça-o encarnar o tema.
Dê-lhe um vilão e faça-o representar o contratema.
Faça a narrativa escalar até um clímax e faça esse clímax
resolver o conflito da narrativa em termos de tema.
Assim como estou escrevendo este livro que você está lendo
agora, que não tem história nem personagens, estou construindo-o
como se fosse ficção, de acordo com as convenções de um
romance.
79. DISPOSITIVO NARRATIVO

Estamos em Monroeville, Alabama, você e eu, assistindo a Harper


Lee sozinha em sua máquina de escrever assim que ela senta para
começar O Sol é para Todos. “Como eu conto esta história?”,
pergunta-se a Senhora Lee.
“Escrevo em terceira pessoa, como narrador onisciente? Ou eu
deveria ter Atticus narrando em primeira pessoa? Funcionaria se
Tom Robinson contasse a história? Bob Ewell? Boo Radley? Oh,
meu Deus. Scout!”
A ruptura de Philip Roth em O Complex o de Portnoy foi Portnoy
contar a história – e fazer isso em um livro do tamanho de um
monólogo, como se estivéssemos em uma sessão com seu
psiquiatra.
Johnny Depp encontrou a voz para o Capitão Jack Sparrow
quando decidiu interpretar o papel como se ele fosse o K eith
Richards[60].
O dispositivo narrativo faz quatro perguntas:
1) Quem conta a história? Pelos olhos de quem (ou de que ponto
de vista) nós vemos os personagens e a ação?
2) Como ele/ela narra? Em tempo real? Em memórias? Em uma
série de cartas? Como uma voz do além?
3) Qual o tom empregado pelo narrador? Confuso como Mark
Watney em Perdido em Marte? Irônico e sábio como Binx Bolling em
The Moviegoer[6 1]? Melancólico como K aren Blixen/Isak Dinesen em
E ntre Dois Amores?
4) Para quem a história é contada? Diretamente para nós,
leitores? Para outro personagem? Nosso serial killer deve se dirigir
ao detetive que acabou de prendê-lo? À sua santa mãe, que
acredita que ele é inocente? Ao júri que está prestes a sentenciá-lo
à cadeira elétrica?
Essas questões são “ou vai ou racha”. Se tivermos nosso
dispositivo narrativo correto, a história se contará por si só.
Este é um princípio que me ajudou: o dispositivo narrativo deve
trabalhar no tema.
O Sol é para Todos é uma história de decência e ação honrosa
tomada frente à assustadora, e até mesmo terrível, adversidade.
Seu herói, Atticus Finch, encarna o ideal de masculinidade
americano, como Daniel Boone, Abe Lincoln ou qualquer
personagem interpretado no cinema por Gary Cooper ou Jimmy
Stewart, em que ele não tem pedigree; entra em cena sem escolta,
sem comitiva; passa pela sua provação de honra em uma arena
longe da multidão e prova seu valor diante de um número modesto
de pessoas, e destas, é apreciado, ou mesmo entendido por muito,
muito poucas.
Scout é perfeita como dispositivo narrativo porque nós, leitores,
estamos destinados a ver Atticus pelos olhos de sua filha, que o
adora. E essa filha não é a Scout no momento, não é a Scout de 6 a
9 anos que ela é nos eventos do livro, mas é a Scout como mulher
adulta, amadurecida pela sua própria tristeza, relembrando e
refletindo sobre a história a uma distância de quilômetros e anos.
O dispositivo narrativo encarna o tema.
Praticamente por si só, produz sucesso para O Sol é para Todos,
assim como para Crime e Castigo, O Sol Também se Levanta ou A
Ilíada.
80. ROMANCES SÃO SOBRE LONGO PRAZ O

Um romance pode levar dois anos para ser escrito. Ou três, quatro,
cinco.
Você pode fazer isso?
Você pode se sustentar financeiramente? Emocionalmente?
Seu cônjuge e filhos podem lidar com isso?
Você consegue manter sua motivação por esse período de
tempo? Sua autoconfiança? Sua sanidade?
Se necessário, você consegue abandonar seus primeiros dezoito
meses de trabalho e começar do zero?
81. ROMANCES SÃO SOBRE IMERSÃO

Escrever um romance é uma aventura. Realmente é.


Tiro meu chapéu para qualquer um que embarca nessa jornada e
a vê até o final, porque é um divisor de águas. Você não pode
escrever 290 páginas, ou 380, ou 976, e não deixar que isso o
altere.
Um romance é muito longo para ser organizado de modo eficiente
como um roteiro. Não existem fichas pautadas 3x5 suficientes no
mundo.
Muita merda acontece.
Novos personagens aparecem. Novas ideias surgem. A história
inteira pode ser desviada pela aparição do Mr. Micawber[62], do
fantasma de Hamlet ou do Ursinho Pooh.
Um romance é tipo uma viagem de ácido. Nos primeiros quarenta
e nove minutos você está pensando “Hmm, isso não é tão intenso,
eu posso lidar”. Então você olha para suas mãos e há chamas
saindo delas.
82. ROMANCES SÃO PERIGOSOS

Escrever um romance não é para os de coração fraco.


Considere no que você está se metendo: um cerco de dois-a-três-
anos, sem validação externa ou reforço, sem pagamento e sem
rotina além daquela que você mesmo se impuser.
Apoio de amigos e da família? Discutível. Recompensas futuras?
Incertas, na melhor das hipóteses. E nem estamos falando sobre o
trabalho.
Sua pessoa amada entenderá? O melhor conselho para o cônjuge
de um romancista é sentar, servir-se de um conhaque forte e
certificar-se, com seu coração, de que essa é a nave na qual você
está realmente pronto para embarcar.
Confie em mim, ninguém consegue escrever um romance sem
ficar completamente imerso nele. Você tem que fazer isso ou não
poderá continuar.
Pense como isso é doido.
Você, o escritor, está tendo conversas todo dia (e toda noite) com
personas que não existem. Aqueles com quem você passa cada
hora de trabalho e com quem você se preocupa mais
apaixonadamente não possuem realidade corpórea. Você é como
Walter Pidgeon[63] duelando com os Monstros do Id em Planeta
Proibido (se você ainda não viu, procure nos serviços de streaming).
Você entrou em um reino cujas dimensões e profundidades são
conhecidas só por você. Você pode tentar envolver seu cônjuge,
claro, mas aquele olhar vítreo, quase em pânico, nos olhos dele/dela
é real. Ele/ela acaba de perceber que estão ligados para sempre
com uma pessoa que não conhecem.
Uma das coisas mais esquisitas do mundo é olhar no espelho (e
eu quero dizer realmente olhar) quando você está na agonia de
escrever um romance.
Você sequer se reconhece.
Você está lidando com a Musa agora. Você está no território dela.
Ela te domina.
Você cedeu a sua autonomia psíquica a forças baseadas em uma
dimensão diferente da realidade. Isso é a Legião Estrangeira[64],
baby, e não estou falando da França.
É uma correria. É adrenalina. Mas também pode espantar a
merda toda de você.
Não estou brincando quando digo que seu mais próximo e
provavelmente único confidente seja seu gato, cachorro ou peixe
dourado. Eles tampouco entendem você, mas pelo menos não são a
mãe ou pai dos seus filhos.
Por que tantos romancistas se tornam bêbados ou viciados?
Por que tantos tiram a própria vida?
Você está brincando com dinamite quando digita:
CAPÍTULO UM.
83. DUELO COM O MONSTRO

Como nós lidamos com a quantidade de tempo e o grau de


dedicação necessários para completar qualquer projeto de longo
prazo?
Os próximos capítulos detalham princípios que funcionaram para
mim.
84. PENSE EM BLOCOS DE TEMPO

Escrever um romance é tipo cruzar o continente em uma carroça


coberta.
Você, o pioneiro, deve dominar a arte da gratificação tardia. Você
tem que quebrar a jornada na sua mente em minijornadas cujas
distância e demandas sua sanidade precisa aguentar.
Você consegue fazer um primeiro rascunho em três meses?
Muito assustador? Que tal um esboço em três semanas?
Ainda muito assustador? Talvez um esboço do esboço em sete
dias?
Lembre-se, o inimigo em um empreendimento de resistência não
é o tempo.
O inimigo é a Resistência.
A Resistência sempre usará o tempo contra você. Ela o intimidará
com a magnitude da tarefa e a massa de dias, semanas e meses
necessários para completá-la.
Mas quando pensamos em blocos de tempo, adquirimos
paciência. Nós quebramos essa jornada transcontinental
esmagadora em trânsitos diários ou semanais viáveis. Dirigir nossa
carroça Conestoga[65] três mil quilômetros de Independence,
Missouri, até Oregon City, Oregon? Nem fodendo!
Mas podemos chegar a Topeka em dez dias, e de lá a Fort Riley
em mais doze.
85. PENSE EM VÁRIOS RASCUNHOS

Eu farei entre dez e quinze rascunhos de cada livro que escrever. A


maioria dos escritores farão.
Isso é positivo, não negativo.
Se eu estragar o Rascunho #1, ataco de novo no Rascunho #2.
Invocarei a regra de Jack “Top Gun” Epps[66]:
Você não pode arrumar tudo em um rascunho.
Pensar em vários rascunhos tira a pressão. Não estamos
tentando erguer Roma em um dia.
Pensar em vários rascunhos é o resultado de pensar em blocos
de tempo. Se sabemos que vamos fazer quinze rascunhos antes de
terminar, não entramos em pânico quando o Rascunho #6 ainda é
uma bagunça.
“Relaxe, ainda temos mais nove tentativas para fazer isso
funcionar”. A coisa boa sobre escrever (ao contrário de escalar o
monte Evereste, ou criar filhos, ou ir para a guerra) é que o trabalho
fica como o deixamos.
O que fizemos ontem fica intacto na página, e podemos repensá-
lo, revisá-lo, trabalhar nele novamente amanhã.
86. ENTREGUE-SE AO MATERIAL

Um roteiro, como já dissemos, pode ser controlado. Podemos


eliminar a estrutura. Podemos rabiscar sessenta cenas em fichas
pautadas 3X5 e pendurá-las na parede. Podemos ter a coisa toda
na cabeça. Podemos vê-lo inteiro.
Mas um romance é muito grande para isso. Séries de TV com
várias temporadas, como Homeland ou The Walking Dead, são
muito grandes para isso.
Grandes ficções têm vários personagens, muitas reviravoltas,
muitas descobertas fortuitas pelo caminho.
Você precisa render-se ao material.
Você precisa se pôr a serviço da ideia.
Se existe uma alegria em escrever (e existe), para mim, é isso.
Quando eu tinha 29 anos, como disse antes, mudei-me de Nova
Iorque para Carmell Valley, Califórnia, com dinheiro suficiente
(economizado durante o trabalho com publicidade) para alugar uma
pequena casa e dedicar um ano a terminar o romance. Sem TV,
sem música, sem sexo. Não fiz nada a não ser escrever o dia todo e
ler a noite toda.
Havia dois seres vivos naquela casa – eu e o material.
Foi uma luta na jaula até a morte.
Mas, ao mesmo tempo, foi um caso de amor.
Você pode lutar com o material, pode amaldiçoá-lo, chutá-lo com
seus joelhos ou roê-lo com seus dentes, mas, cedo ou tarde, você
não tem escolha a não ser render-se a ele.
Como artistas, você e eu estamos lutando todos os dias para
dominar o material, para moldá-lo em um todo coesivo com começo,
meio e fim. Mas, ao mesmo tempo, a entidade “inacabado” nos
desafia. É uma coisa viva, com seu próprio poder e destino. Ela
“quer” ser algo.
Nosso trabalho é descobrir o que é esse algo – e ajudá-la a se
tornar isso.
87. DOMINE O MATERIAL

Quando você se rende à saga da Rainha Boudica do início da Grã-


Bretanha, você se debruça sobre o material histórico com o objetivo
de encontrar aquela história, aquela versão encoberta da verdade
que ressoa com sua própria alma pessoal, peculiar, idiossincrática.
É uma história de amor? Uma história de redenção? Um hino
vigoroso, grande, patriota?
Mas uma vez que você encontrou a história, você precisa vencê-
la.
Como?
Recorrendo aos princípios da narrativa e convenções do gênero.
Você tem que domar sua história, domesticá-la. Tem que torná-la
apta para o consumo humano.
Autoindulgência “escritiva” termina aqui. Agora, nós devemos
servir o leitor.
88. O QUE O ROTEIRISTA ENSINOU À
ROMANCISTA

A romancista tem muitas ferramentas e truques que o roteirista não


tem.
A romancista pode escrever um livro inteiro composto de nada
além de cartas de amor. Pode escrever um livro que é todo de
receitas.
Ela pode divagar. Pode sair pela tangente. O imperativo rígido,
guiado pelo ímpeto dos noventa minutos do filme, não se aplica a
ela. Ela tem tempo. Explicação? Passado? Ela pode simplesmente
contá-los a nós, com sua própria voz ou uma das de seus
personagens. Pode levar-nos para dentro da cabeça deles (tudo
isso são coisas que o roteirista não pode fazer). Pode nos dizer o
que os personagens estão pensando, ou deixar que eles mesmos
nos contem ou mostrem.
E ela pode usar seu domínio da linguagem. Pode enfeitiçar-nos
com a genialidade da sua prosa. Pode nos seduzir com o charme da
sua voz ou com a de seu narrador. Ela não é acorrentada como o
roteirista de um filme, que só é capaz de mostrar um personagem, e
mesmo a narrativa, pelo lado de fora.
Essas são as vantagens que a romancista possui.
Mas seu colega de Tinseltown, roteirista de filmes ou TV,
aprendeu um truque que a romancista pode não conhecer.
Ele aprendeu a usar a estrutura.
William Goldman, em Adventures in the Screen Trade[6 7], declarou
abertamente que roteiros são estruturas.
Ele estava certo.
O que faz a cena final de Perdido em Marte funcionar (ou o
episódio final de Downton Abbey, ou a cena em que o gatinho
encontra Orson Welles na entrada em O Terceiro Homem) é a
estrutura.
O que vem antes constrói o que vem em seguida. O momento
rende devido ao que o escritor definiu na Cena 4, Cena 19 e Cena
41.
Isso o roteirista pode controlar.
A romancista pode controlar isso também.
Às vezes, escritores que começam suas carreiras trabalhando
com ficção literária ou narrativa de não ficção passam a depender
tanto do seu domínio da linguagem e outras habilidades do
comércio das palavras-no-papel que acabam falhando em explorar
completamente o poder da estrutura.
Roteiristas pensam em estrutura porque é uma das poucas
ferramentas que eles têm.
Roteiristas começam pelo final. Eles solucionam o clímax da
história primeiro. Então, trabalham de trás para a frente. Eles
colocam em camadas todo o material básico de que o clímax
precisa para dar seu golpe temático e emocional.
Essa é uma poderosa habilidade quando você passa a começar a
suas coisas com
CAPÍTULO UM
em vez de
FADE IN.[6 8]
89. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM UM
CONCEITO

Vamos voltar por um momento aos nossos dias no ramo da


publicidade.
Uma campanha publicitária, nós aprendemos então, deve ter um
conceito.
Como isso se aplica à ficção? O que isso significa?
Significa que não podemos contar a história da vida da nossa
tataravó só porque ela atravessou Oklahoma em um carroção e
quase foi escalpelada pelos Comanches.[69]
Não podemos simplesmente narrar um relato de nossas duas
viagens ao Afeganistão.
Por que não?
Por que ninguém quer ler suas m*rdas.
Não podemos dar minério para nossos leitores. Devemos dar ouro
a eles.
Herman Melville foi para o mar caçar baleias. Ernest Hemingway
dirigiu uma ambulância na Primeira Guerra. Mas o conceito de Moby
Dick não é “X ô te contar o que aconteceu quando fui caçar baleias”.
E o conceito de O Sol Também se Levanta não é “Tivemos um
momento difícil na guerra”.
Lembre-se, um conceito é uma volta ou uma reviravolta, um
enquadramento único e original do material.
O conceito de O Grande Lebowski é “Vamos pegar o gênero de
Private Eye Story[70], mas fazer de nosso herói não um detetive
amargurado, mas um doce, amável cara chapado.
O conceito de As Aventuras de Huckleberry Finn é “Vamos
satirizar o racismo feroz, brutal e mesquinho do Sul pré-Guerra Civil
contando uma história de amizade verdadeira entre um garoto
branco e um escravo fugitivo através do irônico vernáculo (mesmo
que ele não saiba disso) cracker[71] do garoto.
Um grande conceito dá a cada palavra e cena um giro
interessante, esclarecedor. Transforma um material comum e muito
usado em algo novo.
O conceito de O Sol Também se Levanta é “Vamos descrever a
devastação causada em toda uma geração pela Primeira Guerra
Mundial, não contando uma história de guerra, mas sim uma história
de pós-guerra”.
Seu romance tem um conceito?
Mad Men tem um conceito. House of Cards tem um conceito.
Breaking Bad tem um conceito.
Assim como Dom Quix ote, As Correções e Graça Infinita.
Seu romance tem um conceito?
90. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM QUE SER
SOBRE ALGO

Nós estamos aplicando princípios agora que aprendemos em


publicidade e em Hollywood.
Estamos falando de tema.
Tema é sobre o que é a história.
Tema não é o mesmo que conceito.
Um conceito é externo. Ele concebe o material e nos faz olhar
para cada elemento dele de um ponto de vista específico.
Um tema é interno. Quando removemos todos os elementos do
enredo, os personagens e diálogos, o que sobra é o tema.
O conceito de Os Sopranos é “Vamos pegar um mafioso e
mandá-lo a um psiquiatra. Quando ele agride alguém, se sente
culpado. Mostraremos um chefe da máfia sofrendo internamente”.
É um conceito excelente. Além de Máfia no Divã, que tratou essa
ideia de outra maneira, isso nunca tinha sido feito antes.
Esse é o conceito de Os Sopranos.
O tema é “Todos nós somos loucos de alguma maneira. O
tormento interno de um mafioso é o mesmo que o de cada
suburbano rico com uma família e um emprego. A única diferença é
que nosso protagonista mata pessoas regularmente”.
É possível para mim e para você escrever um romance de mil
páginas e não ter ideia do tema. Fiz isso mais de uma vez.
Mas se não podemos articulá-lo, temos que ter um instinto
inconsciente robusto de qual é.
Desde o primeiro dia em que começo a pensar sobre uma ideia
para um romance, eu me pergunto “Sobre o que é essa porra?”
Quando eu posso responder a isso, tenho a chave para cada
cena e cada capítulo.
91. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM QUE TER UM
HERÓI

Em algum lugar dos anos 1990, eu estava lendo História, de


Heródoto (por prazer), quando encontrei esta passagem:
“Se bem que todos os lacedemônios e téspios se tivessem
conduzido com grande bravura, dizem que Dieneces, de Esparta, a
todos suplantou pelo seu valor e desprendimento na luta, citando-se
dele uma frase memorável. Antes da batalha, tendo ouvido um
traquínio dizer que o sol seria obscurecido pelas flechas dos
bárbaros, tão grande era o número deles, respondeu-lhe sem
perturbar-se: “Nosso hóspede da Traquínia nos anuncia toda sorte
de vantagens. Se os medos cobrirem o sol, combateremos à
sombra, sem ficarmos expostos ao seu ardor ”.[72]
Isso foi a gênese de Portões de Fogo. Eu soube
instantaneamente que havia achado meu herói e que dele e desta
breve passagem fluiriam conceito, tema, ponto de vista, dispositivo
narrativo, vilão, estrutura em três atos e conflito/clímax/resolução.
Eu só tinha que fazer o que havia aprendido trabalhando no
cinema.
Escreva para uma estrela.
92. ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM FICÇÃO

Se nós estivéssemos fazendo um filme, poderíamos trapacear e


simplesmente escalar uma estrela.
Não podemos fazer isso em um romance. Nós temos que criar a
estrela.
Mas como?
Considere Huck Finn.
Huck é um papel de estrela por definição. Mas o que o faz ser?
Resposta: o tema e o conceito da obra em geral.
Para fazer do protagonista uma estrela, faça do tema e do
conceito estrelas
O conceito de Mark Twain para As Aventuras de Huck Finn foi
atacar a questão do racismo contando a história da amizade entre
um garoto caipira do Missouri e um escravo fugitivo pelos olhos do
menino – um analfabeto, mas decente e com um grande coração,
cuja cultura regional o havia condicionado a ser reflexivo e
inflexivelmente racista.
Se isso não é um conceito brilhante, eu não sei o que é.
Conforme Huck e Jim se aproximam por meio de várias aventuras
juntos e Huck começa a entender em seu coração o amigo leal que
Jim é, além de corajoso, honrado e nobre, mais culpado Huck se
sente.
Sua educação sulista de 1840, que ele vê como “apropriada” e
“boa”, o instruiu, sob pena de danação eterna, que ele não deve ser
amigo de Jim, não protegê-lo e certamente não ajudá-lo a fugir.
No clímax moral da história, Huck pega o bilhete que ele havia
acabado de escrever a Miss Watson, que tornaria Jim um fugitivo:
Era um lugar próximo. Eu peguei [a carta] e a segurei em minhas
mãos. Eu estava tremendo, pois tinha que decidir, para sempre,
entre duas coisas, e eu sabia disso. Ponderei por um minuto, meio
que segurando a respiração, e então disse a mim mesmo: Certo,
então, irei para o inferno” – e a rasguei.
Em outras palavras, o poder de estrela do papel de Huck Finn
vem da dimensão e do peso moral do conceito e tema do livro.
Huck é o protagonista. Ele encarna o tema. É a personificação do
tema.
Devido ao tema ser profundo e poderoso, e o conceito brilhante e
efetivo, Huck, como seu veículo humano, é repleto de emoção,
poder e autoridade moral.
Ele é uma estrela.
Ou seja, o poder do protagonista deriva diretamente do poder do
tema e do conceito.
Quem se importa se nós, romancistas, não temos o luxo de
escalar George Clooney ou Cate Blanchett?
Nós podemos criar um papel principal escrevendo-o. Escreva
Moby Dick e teremos Ahab.
Escreva Crime e Castigo e teremos Ralkolnikov.
Escreva O Apanhador no Campo de Centeio e teremos Holden
Caulfield.
LIVRO CINCO – NÃO FICÇÃO
93. NÃO FICÇÃO É FICÇÃO, PARTE DOIS

O primeiro trabalho de não ficção que escrevi foi A Guerra da Arte.


A primeira narrativa de não ficção foi A Porta dos Leões: nas linhas
de frente da Guerra dos Seis Dias.
Nenhum deles tinha personagens que podiam ser manipulados
como os da ficção. Nenhum possuía uma narrativa óbvia, nem um
herói ou vilão, um Incidente Incitante, um Momento Tudo está
Perdido, uma estrutura em três atos, nem conflito/clímax/resolução
imediatamente aparentes.
Ainda assim, escrevi ambos como se eles tivessem, e funcionou.
É isso que quero dizer com não ficção é ficção.
Se você quer que sua história baseada em fatos reais,
autobiografia, proposta de financiamento, dissertação ou TE D
talk[73] sejam poderosos e envolventes e prendam a atenção do
público, você precisa organizar o seu material (mesmo que
tecnicamente não seja uma história e não ficção) como se fosse
uma história e ficção.
94. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA

O que é exatamente uma história?


Como – uma pergunta razoável possível – eu posso pegar minha
dissertação de mestrado em metafísica do heterogêneo na obra de
Joseph Conrad, ou meu discurso da aula de jardinagem sobre
preparação do solo de inverno para gerânios, e transformá-los em
uma narrativa?
Confie em mim, você pode.
Vamos começar revisando os princípios universais da narrativa
(isso é realmente a essência de tudo o que aprendemos até aqui por
meio da publicidade, ficção e cinema).
1) Toda história deve ter um conceito. Ele deve inserir uma volta,
reviravolta ou dispositivo de enquadramento únicos no material.
2) Toda história deve ser sobre algo. Ela precisa ter um tema.
3) Toda história deve ter começo, meio e fim. Ato Um, Ato Dois,
Ato Três.
4) Toda história deve ter um herói.
5) Toda história deve ter um vilão.
6) Toda história deve começar com um Incidente Incitante,
embutido no clímax da história.
7) Toda história deve escalar pelo Ato Dois em termos de energia,
apostas, complicação e sentido conforme ele progride.
8) Toda história deve construir um clímax ao redor do conflito
entre o herói e o vilão que faça o desfecho de tudo o que veio antes
e do tema.
Não há nada nesses princípios que não possa ser aplicado a não
ficção, incluindo sua apresentação sobre gerânios na aula de
jardinagem.
95. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA, PARTE
DOIS

Vamos dividir esses princípios a seguir em algo um pouco mais


palatável.
Quais são os elementos universais da estrutura de todas as
histórias?
Gancho
Desenvolvimento
Desfecho
Esse é o formato que qualquer história deve ter.
Um começo que prenda o ouvinte.
Um meio que progrida em termos de tensão, suspense, apostas e
excitação.
E um final que traga tudo isso para casa com uma explosão.
Isso é um romance, é uma peça, é um filme. Isso é uma piada,
um flerte, uma campanha militar.
Também é seu TE D talk, seu argumento de venda, sua
dissertação de mestrado, e a verdadeira saga da vida da sua
tataravó, em 890 páginas.
96. COMO ESCREVER UMA BIOGRAFIA CHATA

Sua tataravó atravessou a pradaria em uma carroça Conestoga.


Você tem fotos dela, que parecia bastante com a Julia Roberts.
Vovó Julia lutou contra guerrilheiros e saqueadores Comanches.[74]
Ela deu à luz na estrada. A gêmeos. Ao todo, ela criou onze filhos,
enterrou três maridos, viveu até os 106 anos e foi eleita prefeita de
Pocatello, Idaho, duas vezes.
Ok. Vamos pegar essa ótima história e arruiná-la
majestosamente.
1) Começaremos com o nascimento de Vovó Julia.
2) Continue pela sua infância e educação.
3) Inclua o período da carroça Conestoga.
4) Descreva seus vários casamentos, suas experiências com a
criação dos filhos, sua carreira política.
5) Termine com Vovó Julia falecendo em uma casa de repouso
em Mar Vista, Califórnia, cercada pela sua amorosa família.
Z zZ zZ zZ zZ z.
O que fizemos de errado? Nós contamos a história, certo?
Colocamos cada detalhe nela. Por que até mesmo os mais
admiráveis descendentes de Vovó Julia pegam no sono quando
leem nossas páginas?
O que fizemos de errado foi violar as regras da narrativa.
97. APLICANDO OS PRINCÍPIOS DA NARRATIVA A
NÃO FICÇÃO

Comece com o tema.


Antes que façamos qualquer outra coisa, vamos decidir sobre o
que é a história.
O que significa a vida de Vovó Julia?
Sua história é sobre empoderamento feminino? É sobre o
arquicrime do homem branco de aniquilar indígenas e a cultura
nativa americana? É sobre algo específico da família dela? Uma
briga entre homem-mulher, talvez com o pai ou um marido? Um
grande amor? É algo religioso? Pessoal? Político?
Temos que trabalhar duro aqui.
Esta é a mais difícil e importante parte do projeto.
Por que queremos escrever sobre esse assunto? O que nos pega
na história de Vovó Julia? Queremos apenas nos gabar sobre nossa
família? Ou há alguma questão enterrada aqui que cremos ser
poderosa, convincente, significativa?
Encontre essa questão.
Decomponha-a em uma única frase.
Vou ajudar você. Vamos escolher um tema arbitrariamente, para
fins de ilustração.
Digamos que a história da Vovó Julia é sobre o Destino Manifesto.
O sonho de uma geração de fazer uma vida melhor indo para o
Oeste.
Isso é bom.
Isso é grande. Isso progride. É muito americano, mas também soa
como qualquer outro grande épico de escala continental/histórica.
Poderia ser Terra dos Deuses. Poderia ser Reds. Poderia ser Doutor
Jivago.
Vovó Julia sofreu. Perdeu maridos, filhos. Ela perdeu sua
juventude, sua beleza. Começou doce e inocente; terminou grisalha
e durona. Ela prevaleceu. Viveu para ver seus netos estabelecidos,
prósperos. Mas pagou um preço terrível.
Estamos chegando perto.
A história é sobre... o quê?
O preço humano de um grande, visionário, sonho nacional.
Agora sim.
Agora temos algo.
Não só “temos algo” em termos de um tema convincente para a
história, mas, se estivermos certos, apontamos o dedo para o
verdadeiro sentido e significância não só da vida de Vovó Julia, mas
também das vidas de milhões como ela, nos EUA e no mundo, e
não só em sua época, mas em todas as épocas e lugares.
98. FAÇA NOSSO HERÓI ENCARNAR O TEMA

Nós já fizemos isso sem que você nem se desse conta.


Deixamos que o tema surgisse da história de Vovó Julia sozinho.
99. CORTE TUDO QUE NÃO ESTÁ DENTRO DO
TEMA

O que sobrar, apresente como dentro do tema.


Quando escrevemos sobre a juventude da Vovó Julia passando
fome em Boston, depois daquela travessia infernal do mar da
Irlanda, quando relatamos seu sofrimento, a perda do primeiro
marido morto em uma epidemia de tifo, do seu próprio
embrutecimento nas mãos daqueles que tiravam vantagem dos
imigrantes. Quando escrevemos sobre isso, colocamos tudo no
contexto do Sonho do Oeste.
As angústias de Julia no Leste servem como estrutura e
motivação para a decisão perigosa e desesperada de aventurar-se
no Oeste rumo ao desconhecido.
Corte tudo que não está dentro do tema.
E o que você mantiver, faça funcionar dentro do tema.
100. IDENTIFIQUE O CLÍMAX

Agora, estamos seguindo o axioma dos roteiristas de “começar pelo


fim”.
Qual, nos perguntamos, é o clímax da história de Vovó Julia?
Para que cena ou sequência a saga toda se constrói? (Lembre-se,
ela não precisa ser a última cronologicamente). Novamente, com
fins de ilustração, vamos escolher algo arbitrariamente.
Um rio cruzando o Oeste em algum lugar.
No inverno.
Com um ataque dos Comanches.
Em algum lugar, cruzando o continente, o comboio de carroças
encontra seu teste final. Um rio congelado, inimigos atacando,
cavalos e carroças afundando. Vovô Seth (amado segundo marido
de Julia) é atingido e escalpelado diante dos olhos dela. Metade do
comboio é massacrado. Julia tem que sacrificar Anne, sua filha de
seis anos, deixando a correnteza do rio levá-la, para salvar os
outros dois meninos e duas meninas.
Em outras palavras, a cena em que Vovó Julia paga o preço final
que uma mãe pode pagar em nome do Sonho do Oeste de uma vida
melhor para sua família.
Esse é o nosso clímax.
Esse é o cerne da história de Júlia.
É excelente não só pela visceral, comovente, heroica e trágica
qualidade do momento, mas também porque está REALMENTE
dentro do tema.
Consegue perceber como nós, como escritores, tendo decidido
nada mais que o tema e o clímax, já podemos dizer que temos uma
história sensacional?
E, melhor ainda, uma história que não apenas é específica para a
narrativa pessoal de Vovó Julia, mas também é universal para toda
uma geração, e para uma nação, geração após geração?
101. SOLUCIONE O CLIMAX ESTRUTURALMENTE

Como nós estruturamos a história de Vovó Julia de modo a guardar


a cena da travessia do rio para o final?
Provavelmente, não podemos.
Esse momento é muito importante para pulá-lo ou guardá-lo.
Temos que posicioná-lo no fluxo cronológico, provavelmente três
quartos do caminho da biografia.
Mas podemos usar outras técnicas estruturais para trazê-lo de
volta no final.
Podemos “passar” a cena como um teaser ou um flashback
recorrente na memória de Julia. Isso pode assombrá-la, atormentá-
la. Os últimos quarenta anos de sua vida podem ser moldados pela
busca de autoperdão, de autoentendimento.
Melhor ainda, podemos trazer Vovó Julia de volta naquele rio
atualmente e fazer disso o clímax da nossa história.
E se ela retornasse, quatro décadas depois daquele massacre,
acompanhada das crianças que ela salvou?
Uma moderna ponte jaz sobre a travessia agora. Julia viaja em
um carro último modelo. O sol está brilhando. Pequenas cidades
apinham-se em ambas as margens (ou seja, o Sonho do Oeste
realizou-se). A travessia do rio parece irreconhecível devido à forma
como apareceu no dia da matança.
Mas na memória de Vovó Julia – e na nossa, os leitores –
permanece o horror daquele momento terrível. A culpa de Julia. Sua
angústia. Sua luta de quarenta anos para ficar em paz com o que
fez.
Ela vê uma placa marcando o vau do rio. O local é chamado
“Travessia Comanche”. Ou talvez tenha sido nomeado depois da
conquista das carroças. Ou mesmo depois do marido Seth, que
pereceu lá junto à filha de seis anos Annie.
Estruturar a narrativa desta forma nos dá algo ainda melhor que o
clímax do massacre em tempo real. Isso nos dá aquele momento da
consumação do tema na memória de Julia.
Observe, por favor, que não violamos fatos históricos nesta
versão. Na verdade, temos sido mais fiéis aos acontecimentos reais,
ao seu espírito, do que se tivéssemos simplesmente contado a
história em ordem cronológica direta.
Agora, continue aplicando os princípios da narrativa ao restante
da história de Vovó Julia.
Identifique o vilão (lembre-se, ele pode estar dentro da cabeça de
Julia).
Divida a narrativa em três atos etc.
Usando os princípios da narrativa, não apenas permanecemos
fiéis ao material histórico real, mas também identificamos a sua
essência – nosso tema – e demos um sentido universal para a
história e vida de Vovó Julia.
LIVRO SEIS – AUTOAJUDA
102. O JEITO ERRADO DE ESCREVER UM LIVRO
DE AUTOAJUDA

Não tenho certeza se eu classificaria A Guerra da Arte como


autoajuda.
Mas já que aparentemente esse é o pensamento sobre o livro,
vamos adiante com isso.
Como você estrutura um livro de autoajuda? Aqui está o jeito
errado:
1) Apresente a tese (primeiros três capítulos).
2) Cite exemplos que embasem a tese (próximos cem capítulos).
3) Recapitule e resuma o que você apresentou até agora
(próximos cinco capítulos).
Em outras palavras, “diga o que você dirá, diga, então diga o que
você acabou de dizer”.
Há uma história sobre uma embaixada que foi enviada uma vez
aos antigos espartanos. Os enviados estrangeiros falaram por horas
diante dos cidadãos reunidos, pedindo sua ajuda.
Quando terminaram, os espartanos declararam: “Não
conseguimos lembrar o que vocês disseram no início, ficamos
confusos com o que disseram no meio, e no final estávamos todos
dormindo.”
103. A VOZ DA AUTORIDADE

Se você é uma mulher escrevendo um livro sobre emagrecimento


para mulheres, é melhor você ter manequim P, com abdômen de
tanquinho e ter fotos suas exibidas proeminentemente ao longo do
livro. Do contrário, nós, leitoras, teremos dificuldade de aceitá-la
como uma autoridade.
A autoridade é crítica em autoajuda não só porque é a voz dirigida
diretamente a nós, leitores, pelo autor (ao contrário do personagem
na ficção ou o narrador em terceira pessoa contando uma história),
mas também porque aquela voz está nos prescrevendo algo – uma
nova mentalidade, um modo de agir – e nos estimulando a mudar
nossa vida conforme essa prescrição.
Como uma voz estabelece autoridade?
1) Ela pode vir pelo peso da reputação na área, como Stephen
K ing em Sobre a E scrita ou Twyla Tharp em The Creative Habit.[75]
2) Pode ser embasada por extensa pesquisa acadêmica, como
Susan Cain fez em O Poder dos Quietos.
3) Pode citar suas próprias credenciais profissionais ou
acadêmicas, como Dr. Phil, Dr. Oz ou Dr. Gupta[76].
4) Ou pode ser recorde de vendas e sucesso, como Tony Robbins
ou Eckhart Tolle.
5) A voz em autoajuda pode transmitir credibilidade em seus
programas na TV ou na web, em seu podcast, blog, canal no
Youtube, seu número de seguidores no Facebook, Twitter e
Instagram, ou pela presença dominante nas redes sociais.
Olhe quanta credibilidade uma garota de nome K teve devido a
um único vídeo pornô. Eu falo sério. Nesta área especificamente,
um flash de pornografia amadora estabeleceu autoridade. Definiu
um padrão.
6) A mais difícil – e talvez a melhor – maneira de estabelecer
autoridade é por meio da qualidade e integridade da própria voz.
A natureza não pode ser trapaceada ou feita de boba. Ela lhe
dará o objeto das suas lutas somente depois que você tiver pagado
seu preço.
Cá estamos novamente nas lições de publicidade, cinema, ficção
e não ficção.
Conceito.
Tema.
Dispositivo narrativo.
Se você realmente quer ouvir sobre isso, a primeira coisa que vai
querer saber é onde eu nasci, como foi minha infância miserável,
como meus pais eram ocupados e tudo antes de eles terem a mim,
e todo aquele tipo de porcaria de David Copperfield.[77]
Feito corretamente, uma voz pode transmitir uma autoridade
incontestável, apoiada por nada além da sua própria credibilidade.
De todas as pessoas que conhecerá na vida, você é a única delas
que nunca abandonará ou perderá. Para a questão da sua vida,
você é a única resposta.
Napoleon Hill em Pense e E nriq ueça, Rich e Jo Coudert em
Advice from a Failure[78], estão usando os mesmos princípios que J.
D. Salinger usou em O Apanhador no Campo de Centeio.
104. A BAGUNÇA QUE SE TORNOU A GU E RRA DA
ARTE

Posso me gabar deste porque eu não tive nada a ver com isso.
Todo o talento foi fornecido por Shawn Coyne, que editou e publicou
(e intitulou) o livro.
Eu entreguei a Shawn uma pilha de páginas. A pilha era sobre a
batalha eu-contra-eu-mesmo que acontece dentro do crânio de
qualquer romancista. Eu a chamei de A Vida do E scritor.
Shawn disse “Deixa eu pensar sobre isso”.
Então ele fez o que qualquer magnífico editor faria: transformou
aquela pilha de páginas em uma história.
105. COMO SHAWN ESTRUTUROU A GU E RRA DA
ARTE

O que especificamente Shawn fez?


Primeiro, ele espalhou os capítulos no chão.
Então, ele organizou-os em três seções.
Gancho. Desenvolvimento. Desfecho.
Ato Um, Ato Dois, Ato Três.
Shawn decidiu que o gancho seria os capítulos descrevendo o
que eu chamei de “Resistência”, ou seja, a força negativa invisível
da autossabotagem que todos os escritores (e pessoas criativas em
todas as áreas) enfrentam.
Por que esse foi o gancho?
Porque quando o leitor percorresse esses capítulos – Shawn tinha
certeza –, ele poderia estar pensando “Oh, meu Deus, eu senti a
mesma força negativa quando sentei para escrever! Pressfield está
descrevendo meu mundo pessoal, minha luta interior. Eu nunca
tinha pensado naquela força como ‘Resistência’, mas o termo soa
absolutamente verdadeiro. É o inimigo diabólico que vem me
fodendo há anos!”
O leitor está fisgado, neste caso, não pela história, por exemplo,
de um mistério de assassinato ou um suspense de espionagem,
mas por sua experiência compartilhada (comigo, o autor do livro) de
um monstro interno que tem causado estragos na sua vida artística,
mas que até agora ele nunca identificara.
Terminando esta seção (o gancho), o leitor naturalmente quer
saber mais. “De onde vem essa força negativa de Resistência? Qual
é a sua natureza? Como posso lutar com ela e superá-la?”
Shawn juntou uma segunda pilha de capítulos.
Ele pensou nela como o desenvolvimento.
Ele intitulou essa pilha, devido ao seu conteúdo, “Tornando-se
Pro”. Esses capítulos eram a minha resposta para a pergunta
“Como nós superamos a Resistência?”
Você vê os princípios da narrativa em ação? Vê o livro tomando
forma?
Ato Dois, ou seja, a elaboração, atinge um ponto alto em que o
problema foi definido e a resposta foi dada.
O que leva inevitavelmente à próxima série de questões na mente
do leitor.
“O que tudo isso significa? Por que essa força negativa de
Resistência existe? Qual é a sua relevância no esquema maior das
coisas?”
Ato Três.
O desfecho.
Shawn intitulou esses capítulos “O Reino Superior”.
Esta seção final, como Shawn a criou organizando capítulos
existentes, mas esparsos, foi onde eu entrei em águas mais
profundas no assunto de autossabotagem. Esses foram os capítulos
“positivos”, os inspiradores, porque:
1) Eles colocam o fenômeno da Resistência em um contexto mais
amplo, cósmico (que, para mim, é uma grande batalha miltoniana[79]
entre céu e inferno, Deus e Satã), que incluía as forças positivas de
inspiração, descobertas, autodisciplina, entusiasmo, paixão, e o
conceito de vocação artística, todos eles serviram para enfrentar a
força negativa de Resistência.
2) Eles fecham o gancho e o desenvolvimento reforçando a
crescente autoestima do leitor de que não só identificou o inimigo e
agora sabe como enfrentá-lo, mas também conectou-se com forças
invisíveis, espontâneas, mas poderosamente fortalecedoras que
viriam inevitavelmente em seu auxílio assim que ele se
comprometesse com sua vocação e aceitasse o desafio.
Se o gancho em A Guerra da Arte é “Aqui está o problema”...
Se o desenvolvimento é “Aqui está a solução”...
Então, o desfecho é “Sr. Escritor, seu papel nessa atemporal,
épica batalha é nobre, valoroso e necessário. Ouça o chamado do
seu coração. Levante-se e siga adiante”.
106. FLASHBACK : CONCEITO EM A GU E RRA DA
ARTE

Voltando ao que aprendemos em publicidade:


Todo anúncio deve ter um conceito.
E ao que aprendemos em Hollywood:
Todo filme deve ter um conceito.
Em ficção:
Todo romance deve ter um conceito.
E não ficção:
Toda obra de não ficção deve ter um conceito.
O conceito em A Guerra da Arte é “Esqueça Gerenciamento de
Tempo e Conversas Estimulantes Motivacionais e dicas sobre Como
Sonhar Alto, Perseverar e ter Sucesso. Ao invés disso, vamos cavar
sob tudo isso e afirmar, direto e reto, algo que todos nós sabemos,
mas nunca ousamos dizer:
Existe uma Força do Mal que está constantemente derrotando-
nos como artistas e reduzindo nossos sonhos a nada. Vamos
nomear essa força, aceitá-la como nossa inimiga e descobrir como
superá-la.”
107. FLASHBACK : DISPOSITIVO NARRATIVO EM A
GU E RRA DA ARTE

Lembra do nosso exemplo de dispositivo narrativo em O Complex o


de Portnoy e O Sol é para Todos (sem falar em Piratas do Caribe e
Perdido em Marte)?
Um livro de autoajuda também precisa de um dispositivo
narrativo.
Em A Guerra da Arte, minha intenção era criar um personagem
que servisse como dispositivo narrativo. Esse personagem não seria
exatamente “eu”. Seria uma versão de mim, focada totalmente em
compartilhar minha própria experiência “nas trincheiras”, objetivando
ajudar e motivar o leitor.
Muitas coisas foram pensadas para definir esse personagem.
Finalmente, eu decidi:
1) O personagem tem que ser direto.
2) Ele tem que ser duro com o leitor como eu sou comigo mesmo.
3) Tem que estabelecer autoridade por meio de sua própria
experiência como escritor. Tal experiência tem que incluir sucesso
suficiente para ter credibilidade e fracasso o suficiente para gerar
identificação/empatia.
4) O personagem tem que falar de perto com o leitor. Eu queria
falar como se estivesse me dirigindo a mim mesmo tanto pelo
desejo de respeitar o leitor quanto por acreditar que esse tom era o
que o leitor respeitaria.
5) Para isso, o personagem não daria “dicas” ou “exercícios”. A
questão, eu acreditava, era muito importante para ser abordada de
modo trivial.
6) O personagem tem que ser totalmente franco, essencialmente
sobre suas próprias fraquezas e defeitos. Não só para ser
agradável, mas também para motivar o leitor – igualmente sujeito à
falha – e fazê-lo sentir que não está sozinho em sua luta.
7) O personagem tem que acreditar verdadeira e
apaixonadamente no valor da vocação artística – a de todos os
artistas e criativos – e acreditar com a mesma convicção no valor
supremo da arte em si.
Felizmente, isso é basicamente o que eu sou e o que acredito.
Assim que peguei o ritmo e o tom, tudo fluiu perfeitamente.
Minha conclusão:
Dispositivo narrativo é extremamente importante em autoajuda.
Você, o escritor, é o leitor. O leitor o ouvirá somente se souber que
você sabe sobre o que está falando e que está ali apenas para
ajudar.
108. FLASHBACK : HERÓI E VILÃO EM A GU E RRA
DA ARTE

A Guerra da Arte é não ficção. Como sua TE D talk ou sua


apresentação sobre gerânios, não há personagens. Não há história.
Sem herói. Sem vilão. Sem mentores arquetípicos ou espíritos
animais. Sem Momento Tudo Está Perdido.
Ou não?
O herói de A Guerra da Arte é o leitor.
O vilão é a Resistência.
O Momento Tudo Está Perdido aconteceu no coração do leitor
muito antes de ele pegar o livro.
Eu? Eu sou o Obi-Wan K enobi.[80]
Minhas últimas palavras para você são “Confie na Força, Luke.”
109. AUTOAJUDA É HISTÓRIA

A Guerra da Arte aplicou todos os princípios da narrativa da ficção


e do cinema, bem como algumas ideias vindas da publicidade.
Ele teve um conceito e um tema. Empregou a estrutura em três
atos. Teve um herói e um vilão, um dispositivo narrativo, uma voz.
Teve um Incidente Incitante, um Momento Tudo Está Perdido e teve
um desfecho dentro do tema.
Em outras palavras, como outros tipos de não ficção, autoajuda
pode ser tratada como história e ser concebida e estruturada
conforme os princípios da narrativa.
LIVRO SETE - O CHAMADO DO ARTISTA
110. COMO A CARREIRA TOMA FORMA, PARTE
DOIS

Aconteceu comigo de dentro para fora.


Fui tomado por uma ideia. Eu a segui. Ela falhou.
Fui tomado por outra ideia. Eu a segui, e ela falhou.
Fiz isso uma centena de vezes. Quinhentas vezes.
Finalmente, uma ou duas ideias tiveram sucesso.
Enquanto eu estava me batendo de uma ideia a outra, não
consegui identificar nenhum padrão. Tudo parecia aleatório. Cada
trecho era único.
Mas quando olhei para trás, pude ver não só um padrão.
Eu pude ver uma carreira.
Estava ali o tempo todo, desenvolvendo-se infalivelmente.
111. EXISTE UM DEMÔNIO

A Resistência é real. Autossabotagem é um fato.


Irradiando da página branca, da tela vazia, da lata de filme não
exposto está uma força do mal implacável, cruel e multifacetada que
faria o Imperador Ming parecer sua doce tia Edna.
Isso é Realidade #1.
Qualquer um que lhe disser algo diferente é um mentiroso.
112. EXISTE UMA MUSA

Tão poderosa quanto é a força negativa e destrutiva a que


chamamos Resistência, também é a positiva e criativa força que
chamamos de Musa.
Sente-se. Abra a torneira. As coisas que aparecerão, pelo menos
às vezes, excederão suas melhores visões.
Você vai encarar o material e exclamar “De onde diabos veio
isso?”
113. JEAN-PAUL SARTRE ME DEIXOU MORTO DE
MEDO

Lembro-me de estudar os Existencialistas no Ensino Médio. Sr.


Wittern (ou talvez tenha sido Mr. Lund) escreveu no quadro:
DEUS ESTÁ MORTO
TUDO É ALEATÓRIO
A VIDA NÃO TEM SENTIDO
Mesmo assim, eu sabia que isso era uma besteira.
114. O MUNDO DO ARTISTA É MENTAL

A esfera do artista é a mente.


Sua moeda é a imaginação.
Ele pergunta (e como poderia não fazê-lo?): “De onde vêm as
ideias?”
115. A HABILIDADE DO ARTISTA

Nós sabemos o que um carpinteiro faz. Entendemos o trabalho de


um cirurgião. Mas o que um artista faz? No que consiste sua
habilidade?
É esta:
O artista entra no Vazio com nada e volta com alguma coisa.
Sua habilidade é desligar a autocensura. É pular do precipício.
Sua habilidade é acreditar.
Como artistas, em que nós acreditamos? Acreditamos em uma
concepção do universo (ou pelo menos de uma consciência com
este universo) que não é aleatória, nem sem sentido, nem
desprovida de significado.
Acreditamos em uma realidade mental que é ativa, criativa, auto-
organizada, que se autoperpetua, infinitamente diversa e, ainda
assim, coesiva, governada por leis que não estão além do alcance e
da compreensão humana.
Acreditamos que o universo tem um dom guardado
especificamente para nós e que, se aprendermos a nos colocar à
sua disposição, ele o entregará em nossas mãos.
Acredite em mim, isso é verdade.
116. VOCÊ É UM ESCRITOR?

Eu sempre quis ser escritor. Por anos, talvez décadas, eu não


aplicava esse termo a mim mesmo. Não me considerava digno.
Eu estava tentando ser um escritor.
Estava aspirando a ser um escritor.
Mas eu não era um escritor.
Nem mesmo tenho certeza do que quero dizer com esse termo. É
alguma posição elevada, como “piloto de caça” ou “monge Z en”?
Ainda não sei dizer.
Mas eu sou um escritor agora.
Paguei minhas dívidas. Ganhei minhas asas. Talvez eu não seja
um grande escritor, nem mesmo bom, mas sou um escritor.
Eu quis isso e, para melhor ou para pior, fiz com que se
realizasse.
117. A BALEIA BRANCA

Questão #1 que escritores fazem a si mesmos: “Eu tenho um


milhão de ideias. Como saberei qual delas funcionará?”
Resposta: escreva sua Baleia Branca.
Qual ideia, de todas as que estão nadando no seu cérebro, você
está impelido a perseguir da mesma maneira que Ahab foi para
caçar Moby Dick?
É assim que você sabe – você morre de medo dela.
É bom ter medo. Você deveria ter medo. Ideias medíocres nunca
elevam a frequência cardíaca. As grandes o fazem suar em bicas.
A cena final de Moby Dick é uma das mais poderosas e
envolventes já feitas, não só como clímax da história, uma aventura,
uma tragédia, mas como uma metáfora para o chamado do artista e
sua interminável e repetitiva luta. Você se lembra dessa cena? (Na
verdade, essa é do filme, escrito por Ray Bradbury, que eu acredito
que fez o Melville melhor).
Ahab tinha perseguido Moby Dick ao redor do Chifre e por todos
os oceanos do mundo. Finalmente ele aproximou-se do leviatã,
afundando seu arpão na grande besta.
Mas no choque da baleia com o barco baleeiro, Ahab foi
emaranhado nas cordas do arpão e jogado por cima da beirada do
navio.
Ele está amarrado agora, fisicamente, à Baleia Branca – tão
enredado nas cordas que não pode se libertar. Ahab pode ver o olho
de Moby Dick, e a baleia pode vê-lo. Claramente o monstro
reconhece seu algoz; em momentos ele vai soar, arrastando Ahab
centenas de metros nas profundezas do oceano.
Ahab sabe disso. Ele sabe que sua perseguição obsessiva levou
inexoravelmente à sua própria extinção. Mas essa consciência não
diminui em nada a sua fúria. Agarrando o arpão com as duas mãos,
ele mergulha a ponta da lança de aço mais uma vez, e outra, na
carne dessa criatura que ele odeia, mas que nunca pode matar.
AHAB
Avanço em tua direção, baleia destruidora e inconquistável; luto
contigo pela última vez; apunhalo-te do coração do inferno; pelo
ódio que te devoto, sobre ti lanço meu último suspiro.[82]
Essa é a síntese da vida do escritor.
Mas eu inverteria o conceito de Melville. Eu não acho que você
odeia a baleia.
Eu acho que você a ama.
A baleia é seu livro não escrito, sua canção não cantada, seu
chamado como artista. Você morre lutando com isso, açoitado por
isso, batalhando mesmo enquanto isso o derruba.
Mas sua morte não é a mortal. Você morre a morte do artista, que
leva a uma ressurreição em uma forma mais nobre, superior, e que
o recruta para a próxima caçada, a próxima perseguição, a busca da
próxima Coisa que Você Ama.
Existe uma Baleia Branca para você lá fora? Existe, ou você não
estaria lendo este livro.
Você conhecerá a baleia por estas qualidades:
Sua realização parecerá além dos seus recursos.
Sua busca o levará para águas que ninguém navegou antes.
Caçar essa besta exigirá tudo o que você tem.
Você pode ter começado, como eu, como um Mad Man júnior,
escrevendo jingles de ração para cães. Não tem nada de errado
nisso. Você pode ter prostituído seu talento, vendido ao dono da
agência. Eu fiz, mil vezes.
Isso não importa. Eu perdoo você e a mim mesmo. Cada
encarnação é um aprendizado, se você vive desta maneira.
Você está trabalhando como escravo, em algum emprego
explorador? Está vivendo uma carreira falsa em vez da sua
verdadeira vocação?
Tudo bem. É parte da jornada.
O que você aprende na Carreira Errada #1 servirá na Carreira
Destoada #2 e na Carreira Fora do Eixo #3, e a sabedoria que você
obterá na #1, #2 e #3 formará a base da Verdadeira Vocação #4 (ou
#5, #6 ou quanto tempo levar.)
118. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS

O que Ninguém Quer Ler Suas M*rdas quer dizer é nenhum de nós
quer ouvir suas egoístas, egocêntricas e não refinadas demandas
por atenção. Por que deveríamos? É chato. Não há nada nelas para
nós.
Você pode cantar um blues? Pode fazer um sapato? Torne isso
belo. Torne divertido, sex y e interessante, e eu comprarei. Eu
vestirei. Falarei sobre isso aos meus amigos. Seu livro, seu poema,
seu filme podem até ser desesperadores, contanto que sejam
profundamente concebidos e levem minha compreensão da vida um
pouco mais a fundo.
O que Ninguém Quer Ler Suas M*rdas quer dizer é que
você/nós/todos nós, como escritores, precisamos aprender a deixar
espaço para o leitor, a trabalhar em nossas ofertas como um mineiro
refina o minério, até que o que surja na página seja ouro sólido e
reluzente.
Se é da nossa alma que estamos falando (em vez de apenas O
Que Escrevemos), então nossa passagem pelas diversas disciplinas
desta vida, se estivermos realmente prestando atenção, é uma
educação para eliminar o ego, nos afastar do medo, da
preocupação consigo mesmo, de aspirações por reconhecimento,
recompensas materiais e terrenas, até que nos movamos ao reino
do dom, onde o que oferecemos é para o bem do leitor, não para o
nosso.
Quer que eu leia suas merdas? Faça isso e lerei.
AP ÊNDICE
E nosso campo literário final...
LIVRO OITO - PORNOGRAFIA
119. CENAS DE SEXO

Uma vez eu fiz a reescrita de um filme pornô. Antes de me deixar


começar, o produtor quis me encontrar para um café da manhã, a
fim de dar as instruções sobre o trabalho e certificar-se de que eu
não atrasaria o projeto cometendo algum erro de principiante (Quem
sabia como ajustar um filme pornô?).
Nós nos encontramos em uma cafeteria em Santa Mônica. Nessa
reunião, eu tive duas das melhores lições de escrita que já recebi.
A primeira coisa que o produtor disse foi que ele odiou
praticamente todo filme pornô que já tinha visto. Eram todos, ele
disse, muito chatos e previsíveis.
“Todos são iguais: papo, papo, foda, foda. É por isso que são tão
péssimos. Não há uma boa narrativa. Eis o que quero de você –
quando chegar na cena de sexo, não deixe a história parar do nada
enquanto vemos duas pessoas transando.”
Uau, eu pensei, isso é inteligente.
“Faça a cena da transa avançar a história”, disse o produtor.
“Onde quer que a história pare quando os atores começam a pular
um em cima do outro, quero que isso vá para outro nível quando
eles terminarem.”
Ele me deu um exemplo. “Digamos que os personagens são um
detetive particular e sua linda cliente. Eles pulam na cama. No
momento em que eles saem dela, eu quero que a história tenha
avançado para um novo estágio. Ela conta alguma coisa sobre o
crime, ele revela algum segredo de seu passado, não importa. Faça
a história ‘virar’ e caminhar para um nível mais alto.”
Confesso que tinha ido a essa reunião esperando o pior – e até
sendo condescendente mentalmente com o produtor e o projeto. De
repente, minha cabeça explodiu. Meu empregador tinha se tornado
um mentor! Imediatamente percebi que o princípio do não-
interrompa-a-história poderia ser aplicado a outros gêneros mais
populares.
Filmes de ação. Quantas perseguições de carro, pensei, eu tinha
visto em que a história parava do nada enquanto assistíamos a
Mustangs baterem e caminhões-tanque explodirem? (Na verdade,
eu estava trabalhando em um filme de ação naquele exato momento
e estava cometendo esse exato erro). Nota mental: reescrever
aquela primeira luta e fazer a história andar.
Musicais. Toda música deve avançar a história.
Flashbacks. Cada digressão precisa trazer algo que impulsiona a
narrativa adiante.
“Ok, garoto, esse é o Ponto #1. Entendeu? Agora, a segunda
questão. Nunca escreva para mim uma cena de sexo em que nada
acontece além do sexo. Sempre tenha algo acontecendo ao mesmo
tempo.”
“Digamos que a esposa está transando no quarto com um
carpinteiro tesudo. Agora o marido chega em casa sem avisar. Ele
entra pela porta da frente. O marido não sabe que a esposa e o
carpinteiro estão no quarto. Eles não sabem que o marido chegou
na porta da frente. Agora nós temos algo! Quando editarmos o filme,
podemos fazer alguns cortes para frente e para trás, de modo a
alimentar o suspense. Não são só duas pessoas trepando, percebe?
Adicionamos uma segunda dimensão. E quando o marido descobrir
o que sua mulher está fazendo, nós avançamos a história!”
Puta merda, na mosca outra vez! Esse segundo princípio, eu
pude ver, também poderia ser aplicado a todos os tipos de situação
em longas-metragens.
Uau!
E eu estava sendo pago para isso!
Fui para casa e reescrevi o roteiro, seguindo rigorosamente os
princípios do produtor. Funcionou. Eu estava impressionado com o
quanto aquele roteiro melhorou.
No fim das contas, infelizmente, o filme nunca foi feito. O
financiamento não deu certo. E eu (surpresa nenhuma) nunca fui
pago. Não me importei. Eu tinha aprendido alguma coisa. Tinha
avançado no domínio da minha arte.
Alguns anos depois, eu estava jantando em um restaurante
diferente quando vi o produtor chegando com sua esposa e duas
crianças. A história ficaria mais colorida se eu pudesse descrevê-lo
como um filisteu de Tinseltown com um charuto na boca, mas a
verdade é que ele era um cara doce, um homem de família normal.
Eu quis agradecê-lo pelo que ele me ensinou. Usei esse
conhecimento várias vezes, em outros projetos não proibidos para
menores. Mas eu pensei, observando-o com seus filhos a tiracolo,
que talvez a discrição fosse mais ética. Saí sem tentar chamar a sua
atenção.
Mas obrigado, Andy. Eu aprendi mais sobre narrativa com você
em meia hora do que poderia ter aprendido em quatro anos na
Escola de Teatro de Yale.

[1] Lançado originalmente pela Ediouro em 2001 e reeditado com o título Como Superar

Seus Limites Internos pela Cultrix em 2021. [2] Bristol-Myers Squibb, também conhecida
como BMS, é uma biofarmacêutica global sediada em Nova Iorque, atuante em vários
ramos de pesquisa farmacológica, com filiais em diversos países, inclusive o Brasil. [3]
N.T.: Nobody Wants To Read Your Sh*t, o título original do livro em inglês, pode ser
traduzido como Ninguém Quer Ler Suas M*rdas. Como um “mantra”, a frase é repetida ao
longo da obra. [4] N.T.: Spec script é um roteiro que objetiva buscar a inserção do roteirista
no mercado. É elaborado a fim de tentar que o trabalho seja produzido na indústria
cinematográfica/televisiva. É chamado apenas de spec no Brasil. [5] Reuben é um
sanduíche popular nos EUA que combina pastrami, queijo suíço e chucrute. [6] N.T.:
Referência à série de televisão Mad Men, exibida pelo canal AMC, que tem como foco uma
agência de publicidade e o mundo dos profissionais da propaganda nos anos 1960,
período em que publicitários (Mad Men) e publicitárias (Mad Women) se intitulavam desta
forma. Também é referência à Madison Avenue. [7] N. T.: Material publicitário produzido em
torno do tema da campanha de uma empresa ou produto, de um conceito básico. Podem
usar a mesma abordagem, cores etc. da ideia principal. Também são chamados de
execuções. [8] N. T.: Spin-off é uma obra derivada de outra já existente, com foco distinto
da original. Por exemplo, os diversos CSI (Miami, Las Vegas, NY) são spin-offs de CSI:
Crime Scene Investigation. [9] Serena Williams, considerada uma das maiores tenistas da
história; LeBron James, um dos maiores jogadores de basquete da história da NBA; Rory
McIlroy, jogador de golfe irlandês mais jovem a figurar no top 50 mundial. [10] N.T.:
Expressão cunhada pela ex-governadora do Alaska Sarah Paulin, em 2009, ao referir-se
ao programa de assistência de saúde proposto por Barak Obama. Segundo Sarah, o
projeto “escolheria” quem tem direito à assistência de saúde segundo critérios subjetivos.
[11] N.T.: Organização de pequenos empreendedores e startups. [12] Crença muito
difundida nos EUA no século XIX de que os colonizadores americanos deveriam espalhar-
se pelo continente, pois eram eleitos de Deus para civilizá-lo. [13] Nome oficial para a
Guerra do Iraque, que teve início em 2003 e término em 2011, encabeçada por EUA e
Inglaterra. O conflito resultou na captura e morte de Saddan Hussein. [14] Livro mais
publicado em língua inglesa, é a tradução da bíblia para a Igreja Anglicana, por ordem do
rei Jaime I, no século XVII. [15] N. T.: Nome informal para Hollywood, normalmente para
referir-se de modo pejorativo ou fazer chacota. [16] Bill Bernbach é fundador da agência
DDB, mundialmente famosa por campanhas publicitárias como a do Fusca, em 1960;
George Lois é um diretor de arte famoso por ilustrar as capas da revista Esquire por 10
anos; Diretor de Arte na DDB por trinta anos, foi responsável pelo conceito da campanha
do Fusca de 1960. [17] Os nomes são referência a duas companhias de publicidade
famosas nomeadas a partir de seus donos, a Bates (fundada por Ted Bates, em 1940) e a
Ogilvy (fundada por David Ogilvy, em 1948). [18] N. T.: Gíria americana para consultoria
externa em empresas. O termo vem do livro M*A*S*H, de Richard Hooker. No livro, o
personagem Hawkeye finge ser um profissional vindo de Dover, Inglaterra, para conseguir
acesso gratuito a campos de golfe. [19] Organização avícola mais antiga da América do
Norte. [20] N. T.: No Brasil, principalmente em marketing de conteúdo, o termo é expresso
com a sigla CTA. [21] N. T.: O termo storytelling é, atualmente, muito utilizado pela área do
marketing e marketing de conteúdo, no sentido de produzir histórias que gerem
identificação com o cliente e fazer mais conversão em vendas, conceito distinto da área de
escrita literária. [22] N. T.: O termo original é payoff, utilizado pelos roteiristas para
especificar o processo em que o escritor “planta” as tensões no espectador e depois
“colhe”. Também pode ser interpretado como “pagar” ao espectador tudo o que prometeu.
[23] N. T.: No episódio piloto de Mad Men, é dito que “Mad” foi o modo cunhado pelos
publicitários de 1950 para chamarem a si mesmos, que seria uma redução de Madison
Avenue. [24] N. T.: Termo cunhado pela sociedade afro-americana para referir-se a donos
de escravos ou homens brancos poderosos vistos como exploradores de mão de obra
barata. [25] Profissão muito procurada por imigrantes em fazendas, nos períodos de
colheita de frutas e vegetais. [26] Um tipo de biblioteca menor, comunitária, mas que faz
parte do sistema central de bibliotecas americanas. [27] Rio Hudson, Columbia, NY. [28]
Hospital público mais antigo da cidade de Nova Iorque, onde foi instalado o primeiro
necrotério em 1866. [29] Rua que liga Nova Jersey e o Brooklyn, muito conhecida por ser
reduto de vendedores ambulantes e local comum de comércio de produtos falsificados.
[ 3 0 ] “O chefe" em questão trata-se de Bruce Springsteen. Steven Pressfield escolheu o
trecho da letra da música Hungry Heart do artista para ilustrar a estrutura e compor o
capítulo. [31] N. T.: Livro ainda não publicado no Brasil. [32] Carl Gustav Jung, psiquiatra e
psicoterapeuta fundador da psicologia analítica. Em grande parte de seu trabalho, utilizava
o conceito de arquétipo em suas teorias sobre a psique humana. [33] Personagem
indígena Cheyenne do filme Pequeno Grande Homem (1970), do diretor Arthur Penn.
Também consta uma personagem de mesmo nome na literatura da escritora indígena
Pawnee/Otoe Anna Lee Walters. [34] N. T.: Sitcom americano protagonizado por Jerry
Seinfeld que tinha como base situações cotidianas, sem foco em um tema específico, o
que o levou a ser conhecido como “um programa sobre nada”. [35] N. T.: Palavra em latim
que significa grandioso, superior. No filme, o personagem de Bradley a utiliza como mote
para manter a positividade e lidar com problemas psiquiátricos. O termo também foi
bastante utilizado por Stan Lee, criador de vários heróis da Marvel. [36] Famoso roteirista,
produtor, escritor e ator americano, conhecido por sua enorme produção de conteúdo para
TV entre 1970 e 1990. [37] Roteirista americano responsável por trabalhos como
Chinatown, O Poderoso Chefão e Missão Impossível. [38] Roteirista americano
responsável por trabalhos como Blade Runner e Os Doze Macacos. [39] Coautor do roteiro
de Casablanca. [40] Personagem do filme Chinatown. [41] Personagem do filme Os
Imperdoáveis. [42] Personagem do filme Casablanca. [43] N. T.: Livros ainda não
publicados no Brasil. [44] N. T.: Termo utilizado por cineastas para nomear sequências de
filmagens sem áudio síncrono. Não há um consenso na área sobre a exata origem ou
palavras que formam a sigla. [45] Alexis de Tocqueville, historiador francês célebre por
análises da Revolução Francesa. Uma das maiores referências da filosofia política liberal.
[46] Consultor de moda americano apresentador do programa Tim Gunn: Guru de Estilo, do

canal Discovery Home & Health. [47] Cidade do estado de Washington. [48] Bairro de
Nova Iorque conhecido por ser reduto artístico e de moda. [49] Marcha Nacional dos EUA.
[50] Autor, palestrante e consultor de roteiro. Autor do livro Story : substância, estrutura,

estilo e os princípios da escrita de roteiro. Arte & Letra, 2017. [51] Grupo étnico mais
populoso do Quênia. [52] Porcelana fina produzida na cidade de Limoges, França. É
conhecida mundialmente por sua qualidade, à semelhança da encontrada em porcelanas
chinesas. [53] Empresa ficcional do filme Wall Street. [54] N. T.: No original, há a citação do
termo Break Into Two, de Blake Snyder, que sinaliza a entrada no Ato Dois. Optamos por
utilizar o termo da jornada do herói, mais popular no Brasil. [55] Reality shows americanos
sobre moda e culinária, respectivamente. [56] Vale urbanizado pioneiro na indústria de
filmes adultos, sendo o maior polo de produção de pornografia do mundo. [ 5 7 ] N. T.: Do
japonês, “adeus”. [58] N. T.: O livro de Steven Pressfield tem como título The Legend of
Bagger Vance. Mais tarde, a adaptação para o cinema foi intitulada Lendas da Vida. [59]
Cineasta, diretor e roteirista britânico famoso por produções clássicas como Doutor Jivago,
A Ponte do Rio Kwai e Lawrence da Arábia. [60] Guitarrista da banda The Rolling Stones,
conhecido pelo abuso de drogas ilícitas nos anos 1960 e 1970. Participou de dois filmes da
franquia Piratas do Caribe como pai de Jack Sparrow. [61] N. T.: Obra ainda não publicada
no Brasil [62] Personagem da obra David Copperfield, de Charles Dickens, tido como
otimista incurável e, por vezes, alívio cômico. [63] Ator canadense-americano com vasta
filmografia que interpretou o arrogante Dr. Morbius em Planeta Proibido. [64] Tipo de
destacamento militar que permite o alistamento de estrangeiros para o exército nacional. A
mais conhecida é a francesa, que ainda existe nos dias de hoje, sendo uma das poucas
restantes e ativas. [65] Tipo específico de carroça coberta com um tecido, grande e
pesada, muito utilizada no leste dos EUA na época da colonização. [66] Escritor e roteirista
responsável pelo roteiro de Top Gun e outros sucessos como Kojak e Havaí 5.0. [67] N. T.:
Obra ainda não publicada no Brasil. [68] N. T.: Fade in é o termo utilizado para fazer a
abertura de roteiros de cinema e televisão. [69] Grupo étnico indígena americano. [70]
Gênero que consiste em investigação criminal e histórias detetivescas. [71] N. T.: Termo
utilizado de modo pejorativo para se referir a pessoas brancas e pobres em zonas rurais do
sul dos EUA. Seria o equivalente ao nosso “caipira”, de certo modo. [72] N. T.: Optamos
por transcrever a tradução para o português de J. Brito Broca. HERÓDOTO. H istória.
Traduzido do grego por Pierre Henri Larcher. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1950.
Clássicos Jackson. Vols. XXIII e XXIV. Disponível em:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/historiaherodoto.html. [73] TED (Tecnologia,
Entretenimento e Design) é formato de conferências e/ou palestras organizadas pela
empresa Sapling, que acontecem no mundo todo e são disponibilizadas on-line. [74] Grupo
étnico indígena dos EUA. [75] Twyla Tharp é bailarina e coreógrafa norte-americana
referência em dança contemporânea. O livro citado ainda não tem publicação no Brasil.
[76] Médicos que atuam em telejornais e programas de TV nos EUA. [77] Obra de Charles

Dickens, publicada em 1850. [78] N. T.: Livro não publicado no Brasil. [79] N. T.: Relativo
ao poeta John Milton, autor do célebre Paraíso Perdido. [80] Personagem de Star Wars
mestre Jedi, mentor de Anakin e Luke Skywalker. [81] Compositor de jazz norte-americano
que teve músicas nos espetáculos da Broadway e gravadas por artistas como Ella
Fitzgerald e Frank Sinatra. [82] N. T.: Trecho da edição bilíngue de Moby Dick, de Herman
Melville, publicada pela editora Landmark em 2012.
Table of Contents

Title Page
Copyright
Dedication
Contents
Prefácio à Edição Brasileira
1. A LIÇÃO MAIS IMPORTANTE QUE EU JÁ APRENDI
2. MINHA FAMÍLIA
3. UM EMPREGO DE ESCRITOR
4. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS
5. ÀS VEZ ES, VOCÊ TEM QUE SER O ESCRAVO DE ALGUÉM
6. “ESTAREI AÍ ÀS NOVE E MEIA”
7. STEVE, SEU EGO ESTÁ FICANDO FORA DE CONTROLE
8. DUAS VERDADES FUNDAMENTAIS
LIVRO UM – Publicidade
9. É DIFÍCIL ESCREVER UM ANÚNCIO
10. NÃO PENSE EM ANÚNCIOS, PENSE EM CAMPANHAS
11. PENSANDO EM CONCEITOS
12. APRESENTE UM CONCEITO
13. FLASHFORWARD: CONCEITO EM FILMES
14. FLASHFORWARD: CONCEITO EM LITERATURA
15. TUDO BEM SER CRIATIVO
16. A DOENÇA DO CLIENTE
17. ROUBE SEM VERGONHA
18. TUDO QUE VOCÊ FAZ O DIA TODO É PENSAR
19. COMO TER UMA IDEIA RUIM
20. PROBLEMAS E SOLUÇÕES
21. DEFININDO O PROBLEMA
22. FLASHFORWARD: DEFININDO O PROBLEMA NA FICÇÃO
23. CALL TO ACTION
24. ARTE É ARTIFÍCIO
25. TUDO BEM NÃO SER 100% PURO
LIVRO DOIS – Ficção, Parte Um
26. SEM RAÍZ ES
27. IGNORANTE
28. MEUS DEMÔNIOS
29. LEITURA
30. VOZ
31. CARTAS
32. TERMINAR
33. “DESCANSE EM PAZ , FILHO DA PUTA”
34. SUPERAR OBSTÁCULOS
35. MEUS AMIGOS
36. AINDA...
LIVRO TRÊS – Hollywood
37. ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
38. O CHEFE[30] DEMONSTRA A ESTRUTURA EM TRÊS ATOS
39. FLASHFORWARD PARA FICÇÃO DE FORMATO LONGO: A
REGRA DAVID LEAN
40. FILMES SÃO SOBRE GÊNERO
41. TODA OBRA ENQUADRA-SE EM UM GÊNERO, E TODO
GÊNERO TEM CONVENÇÕES
42. A JORNADA DO HERÓI
43. A JORNADA DO HERÓI EM TRÊS ATOS
44. A JORNADA DO HERÓI, VERSÃO APROFUNDADA
45. POR QUE HISTÓRIAS FUNCIONAM OU NÃO
46. TODO GÊNERO É UMA VERSÃO DA JORNADA DO HERÓI
47. TODA HISTÓRIA TEM QUE SER SOBRE ALGO
48. TODO PRIMEIRO ATO PRECISA TER UM INCIDENTE
INCITANTE
49. COMO UMA HISTÓRIA COMEÇA?
50. O CLÍMAX ESTÁ EMBUTIDO NO INCIDENTE INCITANTE
51. O SEGUNDO ATO PERTENCE AO VILÃO
52. TODO PERSONAGEM PRECISA REPRESENTAR ALGO
MAIOR QUE SI MESMO
53. FILMES SÃO IMAGENS
54. COMECE PELO FIM
55. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO FICÇÃO:
COMECE PELO FIM
56. FLASHFORWARD PARA NARRATIVA DE NÃO FICÇÃO: AS
REGRAS DE HOLLYWOOD AINDA SE APLICAM?
57. APOSTAS
58. RISCO
59. TEXTO E SUBTEXTO
60. DIGRESSÃO: NARRATIVA DE HOLLYWOOD
61. NARRATIVA DE HOLLYWOOD, PARTE DOIS
62. ESCREVA PARA UMA ESTRELA
63. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE DOIS
64. GRANDE TEMA = GRANDE ESTRELA
65. UM COROLÁRIO PARA “ESCREVA PARA UMA ESTRELA”
66. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE TRÊS
67. ESCREVA PARA UMA ESTRELA, PARTE QUATRO
68. FLASHFORWARD: ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM
FICÇÃO
69. O MOMENTO TUDO ESTÁ PERDIDO
70. O MOMENTO EPIFÂNICO
71. DÊ UM DISCURSO BRILHANTE AO SEU VILÃO
72. MANTENHA A HUMANIDADE DO VILÃO
73. COMO NÓS APRENDEMOS
74. SAYONARA[57] , TINSELTOWN
LIVRO QUATRO – Ficção: A Segunda Vez
75. COMO A CARREIRA TOMA FORMA
76. MEU SUCESSO REPENTINO
77. FICÇÃO É REALIDADE
78. FLASHFORWARD: NÃO FICÇÃO É FICÇÃO
79. DISPOSITIVO NARRATIVO
80. ROMANCES SÃO SOBRE LONGO PRAZ O
81. ROMANCES SÃO SOBRE IMERSÃO
82. ROMANCES SÃO PERIGOSOS
83. DUELO COM O MONSTRO
84. PENSE EM BLOCOS DE TEMPO
85. PENSE EM VÁRIOS RASCUNHOS
86. ENTREGUE-SE AO MATERIAL
87. DOMINE O MATERIAL
88. O QUE O ROTEIRISTA ENSINOU À ROMANCISTA
89. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM UM CONCEITO
90. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM QUE SER SOBRE ALGO
91. FLASHBACK : UM ROMANCE TEM QUE TER UM HERÓI
92. ESCREVA PARA UMA ESTRELA EM FICÇÃO
LIVRO CINCO – Não Ficção
93. NÃO FICÇÃO É FICÇÃO, PARTE DOIS
94. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA
95. UMA NÃO HISTÓRIA É UMA HISTÓRIA, PARTE DOIS
96. COMO ESCREVER UMA BIOGRAFIA CHATA
97. APLICANDO OS PRINCÍPIOS DA NARRATIVA A NÃO FICÇÃO
98. FAÇA NOSSO HERÓI ENCARNAR O TEMA
99. CORTE TUDO QUE NÃO ESTÁ DENTRO DO TEMA
100. IDENTIFIQUE O CLÍMAX
101. SOLUCIONE O CLIMAX ESTRUTURALMENTE
LIVRO SEIS – Autoajuda
102. O JEITO ERRADO DE ESCREVER UM LIVRO DE
AUTOAJUDA
103. A VOZ DA AUTORIDADE
104. A BAGUNÇA QUE SE TORNOU A GUERRA DA ARTE
105. COMO SHAWN ESTRUTUROU A GUERRA DA ARTE
106. FLASHBACK : CONCEITO EM A GUERRA DA ARTE
107. FLASHBACK : DISPOSITIVO NARRATIVO EM A GUERRA DA
ARTE
108. FLASHBACK : HERÓI E VILÃO EM A GUERRA DA ARTE
109. AUTOAJUDA É HISTÓRIA
LIVRO SETE - O Chamado do Artista
110. COMO A CARREIRA TOMA FORMA, PARTE DOIS
111. EXISTE UM DEMÔNIO
112. EXISTE UMA MUSA
113. JEAN-PAUL SARTRE ME DEIXOU MORTO DE MEDO
114. O MUNDO DO ARTISTA É MENTAL
115. A HABILIDADE DO ARTISTA
116. VOCÊ É UM ESCRITOR?
117. A BALEIA BRANCA
118. NINGUÉM QUER LER SUAS M*RDAS
LIVRO OITO - Pornografia
119. CENAS DE SEXO

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