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PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
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GAROTA MISTERIOSA
Copyright © 2018 Evy Maciel
Todos os direitos reservados.
Criado no Brasil.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua


Portuguesa.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento por escrito da
autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Arte de Capa: Evy Maciel


Revisão : Margareth Antequera
Diagramação Digital: Evy Maciel

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Esse é o segundo livro de uma duologia, para


entender a história é necessário ler o primeiro livro:
GAROTO PROBLEMA!
Disponível na AMAZON!

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Eles tinham tudo para ser um romance clichê


entre universitários. A garota certinha e reservada,
o garoto tatuado e pinta de bad boy. Até o famoso
esbarrão aconteceu, ele quase ficou pelado na
frente dela, e ela não resistiu em verificar cada
pedacinho do que estava exposto, catalogando
todos os desenhos que conseguia enxergar
espalhados pelo corpo dele.
Se Amy soubesse que Hunt faria seu mundo
girar ao contrário, talvez jamais se aproximasse do
garoto encrenqueiro. Mas quem poderia imaginar
que apesar de todos os espinhos, um cacto também
era capaz de dar flores? Ela mesma era como uma
lagarta em um casulo, passando pelo processo de
metamorfose.
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Seriam ambos mais do que aparentavam ser?


Hunter Stevens era um garoto problema, mas
talvez a solução que ela precisava para colocar sua
vida no rumo certo.
Amelia Turner era uma garota estranha e
misteriosa, mas nenhuma outra o fez sentir
borboletas no estômago.
Essa pode ser apenas mais uma das muitas
histórias de amor já contadas, porém, de um jeito
próprio, irá te fazer intercalar entre erros e acertos,
amor e ódio, mágoa e perdão.
Esta, na verdade, é uma história sobre a
vontade de recomeçar, mesmo quando um coração
partido ainda está em processo de cicatrização e
cura.
GAROTA MISTERIOSA é o segundo livro da
duologia TROUBLEMAKER e encerra a história
de Amelia Turner e Hunter Stevens, dois jovens
que pareciam totalmente opostos, mas que na
verdade se completavam.

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CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
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CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
EPÍLOGO

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Para todas as garotas que, assim como Amelia Turner,


precisam que seus gritos por socorro sejam ouvidos a tempo
de serem salvas.
Vocês são pequenos anjos de asas enormes!

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Eu pensei que ela fosse estranha, mas na


verdade, ela era extraordinária.
Quando Amelia Turner surgiu em meu
caminho, eu não fazia ideia que a garota de camisa
xadrez e óculos horrorosos se tornaria tão
importante em minha vida.
Na verdade, ela se tornou muito mais que
isso.
Por causa dela havia uma enorme borboleta
em meu estômago.
Eu sabia que Amy se escondia em um casulo,
que era muito mais do que aparentava ser. Mas algo
dentro de mim sentia que a metamorfose pela qual
minha garota estava passando, a faria com que se
tornasse ainda mais forte.
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Mesmo que não quisesse mostrar o quanto


era bonita por fora, eu enxerguei, a tempo, o quanto
ela era, ainda mais linda por dentro.
Foi por isso que me apaixonei.
Era por isso que a amava.
Nunca me passou pela cabeça que a garota
americana poderia ser tão misteriosa. Até descobrir
que sua história era tão fodida quanto a minha.
Eu até poderia ser o seu problema favorito,
mas ela era a solução que eu precisava.
Bastasse que Amy acreditasse em mim, em
nós, e tudo ficaria bem.

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“Estou pensando em como as pessoas


se apaixonam de maneiras misteriosas
Talvez seja parte de um plano
Eu continuarei a cometer os mesmos erros
Esperando que você entenda...”
Thinking Out Loud ~ Ed Sheeran

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Observá-la enquanto dormia em meus braços,


me parecia algo precioso. Sabia que Amy se
entregou a mim porque finalmente eu havia
conquistado seu coração, tornando-me merecedor.
O tesão que sentia por ela, me perturbando
sempre, que o clima entre nós esquentava, me
deixava ansioso para que dessemos o próximo
passo em nossa relação. Tudo era muito novo e
talvez estivessemos indo rápido demais, visto que
eu não consegui guardar, dentro de mim, meus
sentimentos, e indo contra tudo o que acreditava,
confessei o amor que sentia por ela.
Se fosse esperto, não teria dito em voz alta,
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nem me aberto de forma tão profunda. Talvez isso


fizesse com que Amy não cedesse e continuaríamos
naquele namoro de beijos e amassos sem
chegarmos as vias de fato, trocando algumas
carícias, enquanto deitados no sofá da sala
assistíamos à filmes aleatórios. Seria mais seguro,
mas reprimir emoções era uma grande merda.
Não foi apenas Amelia Turner que se
entregou a mim, eu me entreguei a ela por
completo. Entreguei em suas mãos a melhor parte
de mim, uma parte que pensava nem possuir, além
do amor fraterno que nutria por Hanna. E estava
morrendo de medo do futuro.
Se eu obedecesse as minhas próprias regras,
lhe daria as costas, após ter conseguido atingir meu
objetivo. Transar com ela e seguir em frente, cada
um por um caminho diferente e oposto. Mas
qualquer regra que havia quebrado já não existia
quando se tratava de Amy, o que houve entre a
gente foi além disso.
Hunter Stevens, o babaca que se achava o
fodão, queria repetir a dose. Contudo, sabia que
precisava ir com calma. Amy ainda colecionava
feridas não cicatrizadas.
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Seu cheiro estava impregnado em minha pele


e a serenidade em sua feição, enquanto dormia,
acalentou meu coração, permitindo-me fechar os
olhos e então, repassar em minha mente cada
detalhe de nossa entrega.
Quando ela se virou para mim, após me
revelar a tatuagem em suas costas, segurando meu
rosto para que nossos olhares se conectassem, senti
o roçar de seus seios contra o meu corpo já
desperto, e o ar me faltou nos pulmões. Era como
se voltasse a ser um garoto inexperiente, ansioso
por fazer novas descobertas. Tudo o que vivi com
Amy até aquele momento era novidade para mim, e
tê-la tão perto assim, desnudando não apenas seu
corpo, mas também a sua alma, fez com que a
amasse ainda mais.
— Eu te amo, Hunter Stevens...
Ah, porra!
A maldita borboleta gigante em meu
estômago começou a se debater, rebelando-se
contra a calma que eu tentava demonstrar, me
fazendo falhar miseravelmente.
Minhas mãos tocaram sua cintura fina e nua,

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subindo gradativamente, conforme me inclinava


para selar nossos lábios em um beijo que já
começou intenso, e foi o gatilho para que
parássemos de adiar o inevitável. Éramos um do
outro, sem mais.
Trouxe Amy para o meu colo sem nenhum
esforço, sentindo suas pernas envolverem o meu
quadril. Em poucos passos eu a escorei na parede
do quarto, ao lado da janela. Não podíamos ser
vistos por ninguém lá fora, daquele ângulo, mas
ainda assim era excitante imaginar que, se
quiséssemos, daríamos um belo show a algum
voyeur. Só que eu não estava, nenhum pouco, afim
de dividir com outro a visão espetacular que era
Amy e suas asas tatuadas.
Ela gemeu em meus lábios e aprofundei o
beijo, forçando o quadril para que sentisse o quanto
eu estava duro. Isso fez com que Amy soltasse
outro gemido, despertando minha fera interior que
não se sentia raivosa naquele instante, mas
alucinada de desejo. Eu queria ser carinhoso e não
apenas me deixar levar pela libido, só que minha
garota não estava facilitando as coisas.
— Porra, Amy... — Interrompi o beijo e
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encostei minha testa na sua, respirando com


dificuldade.
— Por favor, Hunt. Não pare agora. — Amy
pegou uma de minhas mãos que prendia sua cintura
e a subiu até que alcançasse um dos seus seios.
Umedeci os lábios com a língua e fechei
meus olhos com força, sentindo a maciez da sua
pele e a rigidez do mamilo ao beliscá-lo de leve. Eu
a queria mais do que qualquer coisa no mundo, e
ela estava se entregando a mim.
— Eu te amo, garota misteriosa.
Não havia mais timidez em seus toques e os
gemidinhos que Amy soltava involuntariamente,
me instigavam a seguir adiante. Já sobre ela,
deitados na cama, sem nem mesmo me dar conta de
como fomos parar ali, tirei as peças de roupas que
faltavam para apreciá-la totalmente nua.
Tão linda e tão... gostosa!
Sua pele clarinha e corpo delgado me atraíam
de uma forma que não sabia explicar. Amy não era
voluptuosa, mas a curva de seu quadril me fez
fantasiar por noites, mesmo quando nós ainda
vivíamos em pé de guerra. Por mais que naqueles
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momentos eu não admitisse, não perdia a


oportunidade de reparar em suas pernas longas e
apreciar o gingado dela ao caminhar. Mesmo que
tentasse se esconder com suas roupas largas, de
certa forma, toda aquela produção, não sexy, só
atiçava ainda mais minha curiosidade. Curiosidade
essa, que chegou ao fim e não desperdicei a
oportunidade de passear minhas mãos por cada
centímetro do seu corpo.
— Quero ver você — murmurou ela,
mordendo o lábio inferior. — Te tocar...
Com sua ajuda, logo também fiquei nu. Meu
pau sedento para estar dentro dela. Quando Amy
me encarou, perscrutando meu corpo, o fogo em
seus olhos me pegou de surpresa. Claro que eu
sabia que a afetava, mas acho que nunca pensei no
quanto ela poderia ser ousada em demonstrar seu
desejo por mim. Mas quando Amy se sentou na
cama e inclinou-se em minha direção, se ajeitando
para escarranchar as pernas e se posicionar em meu
colo, precisei ser forte para não gozar ali mesmo.
Ela me beijou nos lábios e desceu para o meu
pescoço, suas mãos se espalhando em meu tórax, e
o quadril remexendo numa simulação do que
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faríamos em breve. Fechei os olhos e joguei a


cabeça para trás, me permitindo usufruir do seu
toque, minhas mãos acariciando sua bunda e
ajudando-a se embalar naquele ritmo cadenciado.
Quando senti uma de suas mãos envolver meu pau,
instantaneamente abri os olhos, deparando-me com
um sorriso safado e cheio de promessas silenciosas.
— Puta merda — Soltei, sem esconder o
meu fascínio.
Amelia Turner não parava de me
surpreender.
Como foi que chegamos até ali?
Como foi que a garota estranha tornou-se
aquela mulher sexy, e totalmente dona do meu
corpo e alma?
Eu estava dominado.
Quis ir devagar, tentar ser romântico, fazer
daquele momento especial e inesquecível, como
imaginei que uma garota sonhava que seria sua
primeira vez. Mas foi Amy quem me conduziu ao
paraíso. Foi ela quem nos guiou naquela dança
entre nossos corpos.
Então, eu soube que não fui o primeiro.
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Mas eu sabia que era único, senti que foi


especial.
Foi a nossa primeira vez, juntos, a primeira
vez que nos despimos de todos os medos e
inseguranças e permitimos que um invadisse o
outro, até que nos tornamos um só.
Foi a primeira vez que fiz amor com uma
garota.
Enquanto acariciava seu corpo adormecido e
beijava sua pele macia, percebi que as lindas asas
tatuadas em suas costas não eram apenas um
símbolo do seu desejo de liberdade. Haviam
pequenas e discretas cicatrizes espalhadas e
camufladas pela tinta preta. Asas de anjo.
Havia tantas perguntas permeando meus
pensamentos, e uma raiva crescente ao me dar
conta de que não pude defendê-la do mal que
sofreu, antes de vir para Londres.
Não pude defendê-la, como defendi Hanna.
Qual seria a história de Amelia Turner? Por
que ir para tão longe de casa a fim de ingressar na
universidade? De quem fugia? Por que sofria com o
afastamento do pai? Por que se incomodava com a
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preocupação exagerada da mãe? Quando estaria


pronta para me contar tudo? Quando permitiria que
eu fizesse parte do seu mundo de uma vez por
todas?
Eu sabia que precisava ser paciente, mas era
fodido demais conter toda essa curiosidade, e não
extrapolar a frustração que cutucava o meu lado
inconstante, ansioso para ceder a raiva que
alimentava dentro de mim por anos. Era como se eu
tivesse uma besta presa em meu interior, uma
espécie de maldição, precisava conviver com a fera,
dividindo o meu corpo em duas personalidades:
uma que queria a pacifidade, e a que queria gritar
“foda-se o mundo”, sem pensar nas consequências.
Depositei um beijo em sua testa e me afastei
devagar, tomando todo o cuidado para não acordá-
la. Procurei por roupa limpa no cesto, que havia
deixado no quarto, desde a última vez que fui à
lavanderia. Ultimamente eu passava mais noites no
apartamento das garotas do que no meu.
Vestindo a boxer e o jeans que estavam
jogados no chão ao lado da cama, puxei a toalha de
banho de um gancho na parede e silenciosamente
me encaminhei até o banheiro para tomar banho. Se
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Amy estivesse acordada, adoraria tê-la convidado


para se juntar a mim. Depois do que fizemos, talvez
ela acabasse aceitando. Não havia mais motivos
para se envergonhar, eu já conhecia cada pedacinho
do seu corpo.
Estar com aquela garota me fazia sentir
coisas boas, únicas que, eu sabia nunca ter sentido
antes. Como pude ser tão cego, e demorado a
enxergar o quanto ela era especial?
Passei minha vida toda protegendo Hanna de
qualquer um que pudesse lhe fazer mal, mas ao
mesmo tempo fui um desses filhos da puta e não
perdia tempo em ser um merda para Amy.
Que irônico.
Eu protegia minha irmã de caras como eu. E
quando me de dei conta que estava perdendo a
chance de ter uma garota que realmente mexia
comigo e fazia meu mundo girar ao contrário, quis
a todo custo fazer com que Amy acreditasse em
minha repentina mudança. Mas eu não havia
mudado realmente, só acordei para a vida.
Enxerguei em outra pessoa uma importância que
nunca pensei que fosse possível. Mas mudar? Não,
ainda era o mesmo. O mesmo cara fodido de
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sempre.
Amy finalmente acreditou em mim. Eu não
podia desperdiçar essa oportunidade.
Prometi a mim mesmo, enquanto deixava a
água percorrer meu corpo que, protegeria Amy e
cuidaria dela como eu cuidava de Hanna. Elas eram
as pessoas mais importantes da minha vida, e faria
o que fosse preciso para que minhas garotas nunca
sofressem.
A parte mais difícil e desafiadora, seria eu
não ser o culpado de magoá-las. O que me fazia
lembrar que Hanna e eu não estávamos nos falando
há alguns dias.
Terminei o banho e vesti a roupa limpa, após
me secar com pressa. Tinha em mente bater à porta
do quarto de minha irmã para que pudessemos
conversar, e acertar as coisas entre nós. Enquanto
escovava os dentes, ponderei como havia sido
negligente com ela ao não demonstrar sua
importância, e permitir que se mantivesse distante,
porque estava distraído curtindo meu lance com a
Amy.
Não podia deixar minha irmã de lado, só

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porque me apaixonei.
Segurando minhas roupas em uma trouxa
debaixo do braço, bati de leve na porta do quarto de
Hanna e não ouvi nada. Ela tinha o péssimo hábito
de usar fones de ouvido no último volume e talvez
não tivesse me escutado chamar. Girei a maçaneta e
abri a porta destrancada, acenando para que
percebesse minha presença e mais uma vez não
obtive nenhum tipo de reação. Curioso, espiei pelo
vão da porta e encontrei o quarto vazio.
— Onde ela se meteu?
Estava tarde, não era costume de Hanna sair à
noite e ficar fora sem que me avisasse aonde
estaria, porque nas raras vezes em que isso
acontecia eu me comprometia a buscá-la aonde
quer que estivesse.
Em plena segunda-feira, minha irmã não
poderia ter ido longe.
Talvez esteja em um apartamento vizinho...
Uma das garotas que estudava com ela
morava no apartamento do segundo andar, porque o
dividia com mais dois irmãos e uma prima.
Lembrei-me de Hanna mencionando que havia
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convidado a colega para se mudar para o quarto


vago, mas a garota não podia, porque os pais não
tinham como bancar moradias separadas.
— Jane, Lane, Payne... — Tentei me lembrar
o nome da garota do andar de cima, mas não tinha
certeza.
Vou ter que conversar a sério com Hanna,
não gosto de ficar sem notícias.
Insatisfeito, voltei ao meu quarto provisório a
fim de pegar o celular e ligar para ela.
Silenciosamente, joguei as roupas sujas em um
canto do quarto, e fui até o velho criado-mudo e
verifiquei no smartphone se havia uma mensagem
ou ligação perdida de minha irmã.
Nada.
Que porra, Hanna!
Soltei uma lufada de ar, começando a ficar
inquieto e tentando controlar os pensamentos
negativos a respeito do que poderia ter acontecido.
Tem alguma coisa errada!
Dando o máximo de mim para não surtar,
voltei minha atenção para Amy que ainda dormia.

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Vestida de calcinha e sutiã, envolta pelo lençol


emaranhado, distraiu-me o suficiente para que eu
me acalmasse e diminuísse o nível de estresse.
Amy era tão bonita.
Como foi que demorei tanto para me dar
conta de que ela era perfeita para mim?
Eu quis me aproximar e acariar seu rosto,
mas acordá-la não era uma opção. Sabia que depois
do treino de muay thai Amy ficava esgotada, ainda
mais depois do que fizemos.
Ainda era estranho admitir que estava
apaixonado.
Sorri ao me lembrar de como ela ficara
encabulada quando sugeri que tomássemos banho
juntos, assim que chegou do treino. Amy
avermelhou como pimenta, e eu só consegui rir até
que lágrimas saíssem dos meus olhos e ela correu
para o banheiro, após vestir minha t-shirt. Enquanto
ela estava no banho eu admirava as fotografias que
havia tirado dela e também de nós dois, lado a lado.
Eram incomparáveis.
Aquele sorriso e o brilho em seus olhos não
se assemelhavam em nada com os das garotas que
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pendurei em meu mural.


Até mesmo a minha expressão era diferente.
O meu sorriso era genuíno. Feliz. Real.
Apaixonado.
O seu sorriso era perfeito. Verdadeiro.
Amoroso. Inigualável.
Comece se desfazendo daquelas malditas
fotos penduradas na parede do seu quarto, Hunt.
Você sabe que já deveria ter feito. Não faça com a
Amy o que morre de medo que um cara faça com
sua irmã. Não parta o coração dela...
As palavras de Zach inundaram meus
pensamentos e senti um aperto no peito com a
possibilidade de Amelia descobrir o que eu fazia
com as fotografias das garotas com quem já transei.
Zach tinha razão.
Eu precisava me livrar do passado.
Aquelas fotografias não significavam mais
nada para mim, Amy preenchia todo o vazio que
um dia senti. Ela me permitiu fazê-la sorrir, me deu
a oportunidade de mostrar que eu era capaz de ser
bom para alguém, além de Hanna, bom para ela.

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Sendo cuidadoso para não a despertar, reuni


nossas fotos. Peguei as chaves no criado-mudo e saí
rumo ao meu apartamento. Ao atravessar o
corredor e colocar a chave na fechadura, percebi
que estava destrancada e girei a maçaneta
esperando dar de cara com os rapazes jogando X-
Box, mesmo que não estivessem fazendo a
costumeira algazarra.
O silêncio no apartamento me surpreendeu,
mas não tive tempo de especular aonde os caras
poderiam estar, pois a cena que presenciei tão logo
coloquei os pés na sala, fez com que minha mente
revivesse um momento do passado, ativando um
dos meus gatilhos emocionais, me desnorteando
subitamente.
— Eu vou te matar, seu desgraçado! — gritei,
deixando cair no chão as chaves e as fotos, indo em
direção ao sofá para afastar aquele filho da puta
para longe da minha irmã.
— Hunter, espera...
Não deixei que ele terminasse a porcaria da
frase. Puxando Neville pela camisa, rasgando-a
sem sequer me importar, o tirei do sofá e o
empurrei para o chão, me jogando por cima dele e
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começando a lhe desferir socos, sem que o


desgraçado tivesse a mínima chance de se defender.
— Seu filho da puta! — Urrei,
descontrolado. — Ela é só uma menina!
Ver Hanna deitada naquele sofá, dormindo,
enquanto Neville lhe acariciava o pescoço e beijava
seus lábios, me causou ânsia de vômito e me cegou
de cólera.
Como um dos meus melhores amigos teve a
coragem de abusar de uma garota tão doce como
Hanna? Uma garota que o adorava como se ele
fosse seu próprio irmão?
— Deixe eu explicar...
Eu não queria ouvir, só queria matá-lo.
— Hunter, pelo amor de Deus! Pare!
Reconheci a voz de Hanna, apavorada e
desesperada, logo atrás de mim. Senti suas mãos
tocarem meus ombros, mas a raiva superava a razão
e minha preocupação com ela. Sabia que estava
bem porque o cara que lhe fizera mal estava
debaixo de mim, imobilizado e levando todos os
socos que eu conseguia desferir em seu rosto.

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— Solta o Neville, Hunt! Vai matá-lo! —


gritou ela, puxando-me para tentar me afastar dele.
— Puta, merda! Hunt, o que você fez cara?
— Parecia ser a voz do Leon, e só tive certeza
disso, quando senti seus braços me puxarem com
força descomunal, me arrastando para longe de
Neville.
— Me solta, porra!
Leon era forte e parecia mais do que disposto
a me impedir de acabar com a raça de Neville. Eu
não conseguia me soltar e isso me deixou ainda
mais puto. Observei Hanna aos prantos, se
aproximando do traíra que abusara dela.
— Sai de perto dele, Hanna!
Mesmo que Neville estivesse grogue por ter
levado uma surra, nada o impedia de tentar se
aproveitar de minha irmã outra vez.
Por que Leon não enxerga que Neville é
quem deve ser imobilizado e não eu?
— Cala a boca, Hunt! — revidou Hanna, o
rosto encharcado pelas lágrimas. — Olha a merda
que acabou de fazer. Podia tê-lo matado!

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Balancei a cabeça, confuso, sem entender o


porquê minha irmã estava tão próxima de Neville,
parecendo preocupada com o bem-estar dele ao
invés de sentir medo e repulsa.
— Ah, porra! O que houve aqui? — Zach
havia acabado de entrar no apartamento, seguido de
Lewis.
Os dois correram na direção de Neville, que
tinha sangue escorrendo pelo nariz, boca e o
supercílio inchado.
Ainda era pouco, eu queria desfigurar seu
rosto traidor!
— Me solta, Leon! Eu vou encher este
moleque de porrada — resmunguei entredentes,
voltando a me contorcer para tentar me livrar dele.
— Para com isso Hunt, o Neville não fez
nada de errado — murmurou Hanna, ajudando o
irlandês a se sentar.
Estreitei o meu olhar na direção dos dois.
Neville abraçou Hanna e acariciou seu rosto,
tentando acalmá-la.
Ela não estava com medo dele.

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Meu Deus...
— Passou dos limites, Hunt! Que merda,
cara! — Ralhou Lewis, ajudando Hanna a levantar
Neville.
— Me solta, Leon! Por que estão defendendo
este desgraçado? — Agitei-me, tentando me
libertar. — Ele estava abusando da minha irmã, se
eu não tivesse chegado a tempo...
— Cale a porra da boca, Hunt! — O grito de
Hanna atingiu meus ouvidos com violência e a
peguei me encarando com uma raiva que nunca
testemunhei antes.
Era para Neville que ela devia estar olhando
assim, não para mim.
Aquele filho da puta mexeu com a cabeça
dela!
— Chame a Amy! — Leon pediu,
esforçando-se ao máximo para evitar que eu
escapasse.
— Seus amigos de merda! — gritei, puto da
vida.
Lewis e Hanna ajudaram Neville a se

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levantar e eu os observei, impotente, enquanto iam


para o quarto que o irlandês dividia com Leon.
Minha irmã entrou com ele e Lewis ficou do lado
de fora, fechando a porta assim que os dois
passaram sozinhos.
— Você tá maluco, Lewis? Não deixe a
minha irmã sozinha com aquele filho da puta!
Ele apontou o dedo em riste na minha
direção, uma expressão severa em seu rosto.
— É melhor se acalmar, Stevens — disse
com calma calculada — e rezar para que nenhum
dos vizinhos tenha chamado a polícia ou vai
precisar do seu avô pra te tirar desta encrenca.
Senti meus olhos marejarem e minha
respiração ficou pesada. Saber que Hanna estava
sozinha com Neville, trancada naquele quarto, fez
com que eu reunisse toda a minha força e
conseguisse me soltar de Leon, após dar uma
cotovelada em sua costela.
Ignorei seu gemido agudo e me levantei às
pressas, correndo até a porta do quarto onde Neville
havia se trancado com Hanna. Comecei a desferir
socos e pontapés na porta, tentando arrombar.

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— Abre essa porta, seu fodido de merda!


Seja homem e me encare!
Como era possível que apenas eu tentasse
ajudar minha irmã, e meus amigos agissem como se
eu estivesse fazendo algo de errado, no momento
em que mais precisava de ajuda? Por que a vida era
tão escrota com a gente?
— Pare com isso, Hunt! — Hanna gritou lá
de dentro. — Está conseguindo me fazer te odiar!
Suas palavras foram absorvidas com dor, e
como se fosse um soco contra o meu estômago, me
pegou desprevenido. Dei um passo para trás, e de
repente, foi como se o passado tivesse vindo à tona,
trazendo todas as lembraças que guardei somente
para mim, recordando o dia em que precisei me
tornar um herói para proteger minha irmã e me
tornei um vilão para o meu pai, sem que ele
soubesse.

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“O silêncio coloca-se como o laço em torno da


minha mente
Delicado abraço que eu preciso às vezes
Guia-me quando estou no meu caminho de volta
pra casa
Me diz quando estou realmente sozinha...”
Better ~ Maggie Rogers

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Gritos me despertaram de um sono exaustivo.


Abri os olhos e estiquei o braço para então, me dar
conta, de que Hunter não estava comigo na cama.
Aquela voz, era dele.
Aqueles gritos, eram dele.
Cocei meus olhos, ainda sonolenta. Sentei-
me na cama e bocejei quando uma forte batida na
porta do quarto ao lado me fez sobressaltar.
— Amy, você precisa vir logo!
Zach?
Havia certo pânico em sua voz, e isso foi
suficiente para que eu me levantasse às pressas e
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começasse a vestir uma legging e t-shirt.


Olhei para a janela e constatei que ainda era
noite. A voz de Hunter, exaltada, podia ser ouvida
ao fundo. Ele estava no apartamento vizinho e ao
que parecia, Lewis tentava acalmá-lo.
— Porra, Amy! Acorda! — As batidas na
porta tornaram-se mais agressivas e seu tom de voz
desesperado.
— Já vou! Já vou! — Terminei de me vestir e
prendi o cabelo num coque, antes de abrir a porta.
— O que está acontecen...
Mal tive tempo de questioná-lo.
— Deu merda, Amy. Tira ele de lá! — Zach
me puxou pelo braço sem que eu tivesse a chance
de calçar um par de chinelos, e o segui até o
apartamento vizinho mesmo não entendendo nada.
— Hunter pegou Neville e a Hanna juntos...
Assim que meu olhar identificou Hunter, eu
parei abruptamente, sentindo o sangue congelar e
um medo estrondoso tomando conta de mim. Tinha
algo muito errado acontecendo, ele não se parecia
em nada com o garoto que esteve comigo horas
antes.
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— Eu vou te matar! — seu grito era furioso.


— Me deixe entrar, seu desgraçado!
Ele distribuía socos na porta do quarto, onde
deduzi que Neville estava trancado com Hanna.
— Hunter, se acalme por favor! — pediu
Lewis, tentando afastá-lo.
— Eu não quero me acalmar, quero arrancar
as bolas daquele imbecil. Ele se aproveitou da
Hanna! — Empurrou Lewis, me assustando.
Hunter sempre foi agressivo com as palavras,
mas chegar ao ponto de tocar um de seus amigos,
demonstrava o quanto estava fora de si.
— Hunter, por favor... — Não consegui
esconder o medo em minha voz, mas me afastei de
Zach e caminhei em sua direção.
Ele se virou ao ouvir minha voz e, assim que
me viu, começou a piscar freneticamente, como se
estivesse com dificuldade para enxergar ou até
mesmo despertando de um pesadelo... não sei
explicar.
Seus olhos verdes estavam escuros e as
olheiras avermelhadas por causa do choro que não
cessava, o deixavam com uma aparência insana.
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Por dentro, eu me senti receosa de chegar mais


perto, porque já provei uma vez da sua ira
impensada e sabia que ali era bem pior do que
quando brigou comigo no campus da universidade.
Mas por fora, tentei demonstrar calma e segurança,
porque imaginei que ele precisasse de um porto
seguro, alguém que entendesse pelo que estava
passando e disposto a ajudá-lo no que precisasse. A
súplica silenciosa em seus olhos desamparados, me
despertava o instinto de zelo.
— Ela é a minha irmãzinha, Amy. Eu devia
tê-la protegido e veja só no que deu. — Seu olhar
perdido voltou-se para a porta do quarto trancado, e
Hunter escorou suas costas nela para em seguida
escorregar até se sentar no chão, parecendo
derrotado.
A forma como falava, era como se algo muito
ruim tivesse acontecido com Hanna. Mas se ela
estava no quarto com Neville, é porque estava
segura... o que aconteceu antes de eu chegar?
Sentei-me no chão, de frente para ele. Estendi
uma de minhas mãos com cautela, tocando um de
seus joelhos. Seu corpo estremeceu ao meu toque e
pensei que Hunter fosse me repelir, mas sua mão
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repousou sobre a minha e me incomodou sentir que


estava fria.
— Hanna está bem — falei num sussurro,
com medo de fazê-lo surtar outra vez. — Ela
pediria sua ajuda se estivesse em perigo.
Não entendia o porquê era tão difícil para ele
aceitar que Hanna estava em um relacionamento,
principalmente porque Hunter sabia que Neville era
um cara legal. Ele próprio reconhecera que seu
amigo estava apaixonado de verdade, mas aceitar
que a irmã era a pessoa a quem o irlandês amava,
lhe parecia inconcebível.
— Ela estava dormindo, ela não viu nada...
— Sua voz trêmula denotava medo. — Mas eu
cheguei a tempo e a protegi. — Sua mão apertou a
minha com mais força do que deveria. — Por que
ninguém aqui entende isso?
Retirei minha mão e Hunter se deu conta do
que havia feito, mas nada disse. Permanecemos em
silêncio por um tempo, eu, ele, todos ali.
— Hanna é sua irmã, Hunter. E Neville é um
dos seus melhores amigos.
Seu olhar perdido enquanto fitava as próprias
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mãos e as lágrimas que voltaram a cair, me fizeram


entender que Hunter não prestou atenção ao que eu
acabara de dizer. Era como se estivesse em uma
redoma, sua mente vagava em alguma lembrança.
— Eu devia tê-la protegido, e-eu falhei desta
vez...
Nunca pensei que um dia eu o veria tão...
destruído.
— Do que está falando, Hunt?
Os caras ainda estavam ali. Apenas nos
observavam e se mantinham alerta caso
precisassem intervir. Hunter voltou sua atenção
para a porta do quarto de Neville, levantando-se
outra vez e recomeçando os socos, a fim de
arrombá-la.
— Abra essa maldita porta, Neville! Eu quero
a minha irmã!
Sem saber ao certo o que fazer para acalmá-
lo, levantei e me aproximei de Hunter, determinada
a tirá-lo dali. Agarrei seus braços com toda a força
que consegui reunir, surpreendendo a mim mesma
pela coragem ao enfrentar alguém tão fora de si.
Sabia que não era prudente, mas precisava intervir
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antes que ele cometesse alguma loucura da qual se


arrependesse depois, e poderia ser tarde demais.
Quando Hunter percebeu que era eu a tocá-lo,
seu olhar perdido encontrou-se com o meu e, aos
poucos, seu semblante foi amenizando.
— Você estava certa esse tempo todo, Amy.
Eu sou um grande problema.
Toquei o rosto úmido pelas lágrimas, mas
mantive seu outro braço cativo. Eu sabia que o
contato entre a gente exercia um grande poder de
atração em Hunter, porque ele tinha o mesmo efeito
sobre mim. Mas daquela vez foi ainda mais intenso,
pois parecia que Hunter estava dividindo comigo
um pouco da escuridão que habitava em seu
coração.
Eu queria ser luz para ele.
Queria ser paz.
— Você é o meu problema favorito.
Mesmo com toda a tensão e raiva que o
garoto de olhos verdes e cabelos encaracolados
emanava para fora de si, eu sabia que dê certa
forma, estava contribuindo para que ele se
acalmasse. Como Natasha Romanoff sussurrando
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seu mantra para que Hulk voltasse a ser Bruce


Banner: “O sol já vai se pôr, o sol já vai se pôr”[1]...
— Eu te amo — sussurrou em um tom fraco
e cansado.
Assenti com um sorriso e segurei seu rosto,
encaixando minha boca na sua, sentindo os lábios
trêmulos tentarem me mostrar com um beijo as
palavras que acabara de me dizer. Seus braços
envolveram minha cintura e percebi sua
vulnerabilidade. Correspondi àquele beijo com todo
o amor que eu sentia, sabendo que daria tudo de
mim se ele precisasse.
Queria expurgar sua raiva.
— Vai ficar tudo bem — sussurrei assim que
nos afastamos, transmitindo-lhe confiança com o
olhar. — Vamos sair daqui, venha comigo, por
favor.
Eu sabia que poderia colocar tudo a perder,
mas ainda assim quis tentar tirá-lo dali.
— Para aonde? — Ele parecia tão perdido.
— Meu mundo... — Ofereci a mão para que
Hunter segurasse e assim que seus dedos se
entrelaçaram aos meus, comecei a caminhar
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devagar em direção à porta, temendo que ele


mudasse de ideia.
Os rapazes nada disseram, mas percebi o
alívio em seus olhares e a tensão se dissipando.
A porta do meu apartamento estava aberta.
Entrei levando Hunter comigo e a tranquei para que
ninguém nos interrompesse. De toda forma, sabia
que Hanna não saíria de perto do Neville tão cedo,
e nenhum dos caras se atreveria a chamar Hunter,
não depois do que houve.
Talvez em outra época eu também o julgasse
e ficasse contra ele, contudo, de todos nós, eu era a
que o conhecia por menos tempo, mas
possivelmente a que o melhor compreendia, mesmo
que tivesse muito sobre Hunter que ainda não sabia.
— Hanna... — murmurou ele, olhando em
volta.
— Ei, ela está bem, O.K.? Confie em mim.
— Sorri, tentando confortá-lo, mesmo me sentindo
tensa com a possibilidade de ele surtar de novo.
— Eu confio, Amelia.
— Obrigada por isso.

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Assim como Hunter dizia que eu era uma


lagarta em meu casulo, sabia que ele também
passaria por uma metamorfose mais cedo ou mais
tarde. Talvez o momento houvesse chegado, afinal.
Caminhei pelo corredor e senti sua mão
apertar a minha assim que abri a porta do meu
quarto. Ele me encarava confuso e sorri outra vez,
transmitindo coragem.
Hunter sabia o quanto era importante aquele
momento. Sempre deixei claro que só o deixaria
entrar em meu mundo, quando ele fosse digno de
toda a confiança. Embora com tudo o que
aconteceu, parecia ser uma válvula de escape, mas
Hunter entendeu que eu só abri aquela porta e o
convidei para entrar porque o considerava
realmente digno. Não era apenas mais um dos
cômodos do apartamento e sim uma parte
importante de quem eu era e ainda escondia das
pessoas, talvez por medo ou covardia.
Soltei minha mão da sua, para que ele desse o
primeiro passo por livre e espontânea vontade.
— Tem certeza? Podemos ficar no outro
quarto.

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Fiz que sim com um balançar de cabeça.


Em passos lentos, Hunter entrou e ao
observá-lo de uma certa distância, reparei que suas
mãos estavam feridas e manchadas com um pouco
de sangue. Ele havia batido muito forte na porta e
provavelmente também poderia ter sangue de
Neville em suas mãos, o que fez meu estômago se
contorcer.
Nunca o vi tão descontrolado.
— Eu já volto — avisei em um tom suave.
Ele não disse nada, continuando a perscrutar
cada detalhe do meu pequeno mundo.
Fui até o banheiro e peguei a toalha de rosto,
molhando-a com água morna e retornando para o
quarto. Fechei a porta atrás de mim e aguardei em
silêncio, enquanto Hunter reparava em cada
detalhe, olhando em volta, assimilando,
memorizando.
— Tão simples, bonito e misterioso —
comentou, sorrindo. — Como você.
— Como você me vê — retruquei,
mostrando-lhe a toalha e fazendo um gesto para ele
entender o que eu pretendia ao me aproximar.
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Hunter fitou suas mãos calejadas e deu-se


conta do sangue em sua pele. Reparei seu
semblante se tornar sombrio outra vez, mas já não
havia a mesma raiva de antes, apenas tristeza e o
que parecia ser arrependimento.
— O que foi que eu fiz, Amy? — Ele se
sentou na beirada da cama, ajeitando-se para ficar
de frente para mim, permitindo-me começar a
limpá-lo. — Em que momento me tornei tão
descuidado com Hanna? Como permiti que as
coisas chegassem a esse ponto? Um dos meus
melhores amigos a tocando...
Abri minha boca para questioná-lo, mas
então me dei conta de que Hunter não estava
preocupado por ter ferido Neville. Ele acreditava
que seu amigo havia tocado Hanna sem que ela
consentisse.
— A culpa é toda minha! — Voltou a ceder
às lágrimas, começando a me assustar outra vez. —
Quebrei minha promessa.
— Hunt...
Ele encarava suas mãos, enquanto eu as
limpava, balançando a cabeça sem se importar que

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as lágrimas escorressem livremente.


— Sou tudo o que ela tem, Amy. Você não
faz ideia. Somos sozinhos, ninguém vai protegê-la
como eu e agora estraguei tudo.
— Pare de se culpar, Hunter! — Implorei,
sentindo sua dor me afetar, mesmo não entendendo
seu jogo de palavras.
— Como vou explicar ao meu avô? — Puxou
a toalha molhada de minha mão e a levou até o
rosto, curvando seu corpo enquanto o choro
aumentava e os soluços o faziam estremecer.
— Vai ficar tudo bem, Hunt. — Senti as
lágrimas brotarem em meus olhos e meu coração se
apertar. — Eu estou aqui, vai ficar tudo bem...
Envolvi os braços em torno dele e me
aproximei mais, aninhando-me para acolhê-lo.
Hunter soltou a toalha e se encolheu na cama,
repousando a cabeça sobre minhas pernas e me
abraçando pela cintura. Estávamos embolados de
uma forma desconfortável, mas que naquele
momento parecia fazer todo o sentido. Enquanto
ele chorava descontroladamente, o que eu podia
fazer era sussurrar que tudo ficaria bem, torcendo

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para que minhas palavras soassem verdadeiras


quando eu mesma não estava certa sobre aquilo.

Abri meus olhos e constatei que estava


sozinha na cama. Já não fazia noção alguma de que
horas eram, se a manhã chegara ou ainda estávamos
em plena madrugada. Hunter foi vencido pelo
cansaço após sua crise de choro incessante, e pelo
visto acabei cedendo a exaustão, cochilando
também.
Sentando-me no colchão, logo o vi de pé,
parado em frente ao mural de fotos. Senti um
friozinho na barriga devido ao nervosismo. Eu não
havia levado comigo nenhuma fotografia, pois
queria lembranças novas. A única exceção foi uma
foto tirada há mais de dois anos nos bastidores de
um show, que encontrei por acaso no bolso de uma
jaqueta assim que ajeitei meu quarto ao chegar a
New Cross. Colei no mural os bilhetes de Hunter,
com os trechos de música. Eu também havia
impresso a selfie que Neville tirou de todos nós,
durante um dos ensaios da banda. Zach, Leon,
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Lewis, Neville, Hanna e Hunter tornaram-se parte


importante da minha nova vida. Eu os amava.
Vislumbrar aquela fotografia todos os dias para
mim remetia à família.
Percebi o exato instante em que Hunter
reparou a foto mais antiga.
— Você o conhece. — não foi uma acusação,
apenas um comentário de alguém bastante surpreso.
Então ele sorriu e tocou a imagem impressa,
na qual eu recebia um abraço de Big Ted, o
vocalista da Conect Six e seu ídolo musical. Não
bastasse estar abraçada ao vocalista bonitão,
considerado um deus do rock nos anos 2000, eu
vestia uma t-shirt com os dizeres em letras
garrafais: “FÃ NÚMERO UM”.
— Ele é um chato — debochei, dando de
ombros.
Parando ao seu lado, encarei a velha
fotografia e a nostalgia me pegou de jeito.
Bons tempos aqueles...
— Está tão diferente — comentou com o
olhar compenetrado na imagem.

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— Eu tinha dezessete anos. Essa não era eu


de verdade, não totalmente.
Hunter franziu a testa e deu um passo para
mais perto de mim. Seus olhos verdes tinham o
poder de me hipnotizar se ele quisesse.
— Me deixa ver quem você é de verdade,
Amy. — Segurou meu rosto entre suas mãos, e
depositou um beijo casto em minha testa, antes de
colar seus lábios nos meus.
A atmosfera a nossa volta já não era tensa e
pesada como no apartamento dele. Minhas mãos
passearam por suas costas, debaixo da camiseta. Eu
gostava de tocar seu corpo, era difícil me conter
quando estávamos assim tão perto e a forma como
Hunter me beijava atiçava o meu lado despudorado.
Eu já havia me contido tanto, evitando demonstrar
que o desejava e me recusando a aceitar aquela
atração, mas no instante em que me permiti aceitá-
lo e me entreguei a ele, nada mais me impediria de
tomá-lo para mim e fazê-lo entender que, quando
desejava muito alguma coisa, eu não tinha receio
algum de persistir até conseguir. E eu o desejava
como nunca desejei outra coisa na vida, outra
pessoa, o que era assustador e maravilhoso ao
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mesmo tempo.
— Me deixa te fazer sentir-se bem, Hunt. —
Mordisquei seu lábio inferior ao interromper o
beijo e puxei sua camiseta até que ele levantou os
braços e me ajudou a despi-lo.
Talvez o sexo não fosse a melhor escolha,
dada as circunstâncias, mas Hunter estava excitado
e eu queria fazê-lo esquecer tudo o que o deixara
mal, além de também, estar com meus hormônios à
flor da pele. Tê-lo assim tão perto, sentir seu cheiro
e provar seu beijo, não facilitava em nada manter o
autocontrole.
Logo eu estava nua da cintura para cima e a
passos trôpegos fomos parar em minha cama.
Hunter usou o joelho para afastar minhas pernas e
se encaixou sobre mim, pressionando seu corpo ao
meu sem desconectar nossos lábios. Nossas mãos
estavam entrelaçadas acima da minha cabeça e nem
por isso me senti retraída ou com medo de deixá-lo
no controle. Considerando meu passado, nem tão
distante, eu me peguei pensando em como as coisas
com Hunter Stevens havia progredido em tão pouco
tempo, pois para permiti-lo estar assim sobre mim,
é porque ele era o único em quem eu confiava de
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olhos fechados.
Ele soltou nossas mãos para tirar o jeans e a
boxer com pressa, enquanto eu me desfiz da
legging e calcinha, ansiosa pelo contato pele contra
pele. Novamente sobre mim, com as pernas
entrelaçadas nas minhas, senti sua ereção e sorri
para ele.
— O que foi? — perguntou curioso, abrindo
um sorrisinho antes de me dar um beijo estalado.
— É que eu havia pedido para me deixar
fazê-lo se sentir bem, mas é você quem está
fazendo isso por mim.
O sorriso de Hunter se expandiu, cheio de
malícia.
— Posso fazer melhor que isso, você sabe. —
Piscou um dos olhos.
Umedeci os lábios com a língua e anuí com
um gesto de cabeça.
— Você é bem convencido, sabe disso, hum?
— Seus gemidos não mentem, Amelia.
Revirei os olhos, mas meu sorriso entregava
o jogo. Hunter voltou a me beijar, e novamente me
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enveredei em sua teia de sedução. Ambos


estávamos sedentos um pelo outro, mas ele parou
de repente e me encarou fazendo uma careta, a testa
franzida como se estivesse se lembrando de algo
nada agradável.
— Não tenho camisinha.
— Eu tomo pílula.
Ele soltou uma lufada de ar e mordeu o lábio
inferior, um tanto pensativo.
— Ah, porra! Tem certeza? — Eu já podia
senti-lo em minha entrada, ele estava se contendo
ao máximo.
Assenti outra vez e ergui meu quadril para
que não tivesse dúvida da minha resposta.
— Só vem, Hunt. Eu preciso de você, agora.
Nossos corpos se fundiram e fechei meus
olhos com força, apreciando a plenitude que me
atingia, ao ter Hunter dentro de mim. Ele soltou um
gemido rouco e permaneceu parado, como se
precisasse de um tempo antes de continuar.
— Isso é tão... diferente e... gostoso pra
caralho!

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Abri meus olhos que logo encontraram os


seus, vidrados em uma expressão cheia de desejo.
O olhar de Hunter em mim, era tão intenso que me
fez engolir em seco, deixando-me ligeiramente
desnorteada.
— A gente já fez isso antes, lembra? —
Tentei descontrair.
— Não assim... eu... — Balançou a cabeça
rapidamente, como se estivesse tentando retomar o
controle. — Nunca estive com uma garota sem
usar camisinha, Amy. E nunca senti isso antes, só
acontece quando é com você. Porque eu te amo pra
caralho.
— Eu também te amo... pra caralho!
Ele riu, mas eu o calei com um beijo,
remexendo o quadril para estimulá-lo a continuar o
que havíamos começado.
Naquele instante nada mais importava, a não
ser a conexão dos nossos corpos e corações.

— Você é o único que já me viu como sou,


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Hunt.
Sentia-me exausta e sonolenta depois de
tomar banho acompanhada de um namorado
insaciável e criativo, que não poupou esforços para
me proporcionar um orgasmo debaixo do chuveiro.
Já deitados em minha cama, recostei a cabeça
no peito de Hunter, que me abraçava com posse e
carinho. Eu logo cederia ao sono, mas não antes de
fazê-lo entender que, apesar de pouco tempo, ele
era a pessoa que melhor me conhecia.
— Então por que ainda esconde o seu
passado de mim?
— Na verdade, eu escondo ele de mim
mesma.
— É tão doloroso assim?
— Me envergonha.
Diante daquela revelação, Hunter entendeu
que eu ainda não estava pronta. Aconchegando-se
em meus braços e depositando um beijo em meu
queixo, senti sua respiração se acalmando conforme
se permitiu deixar levar pelo sono e somente então
fechei os olhos.

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Despertei de repente, mas ainda mantive os


olhos fechados. Já não me sentia tão cansada como
quando peguei no sono, contudo, a preguiça
matinal, se ainda fosse de manhã, tomava conta do
meu corpo e estado de espírito.
Foi uma noite e madrugada longa, com picos
altíssimos de fortes emoções, fossem as mais
intensas e perfeitas, as ainda mais intensas e
dolorosas. Era quase como ter sido atropelada por
um rolo compressor, imaginei que seria a
comparação mais próxima, em um sentido
metafórico, é claro.
Podia sentir os braços de Hunter me
envolvendo e a sua respiração tranquila, mas antes
mesmo que pudesse abrir os olhos para fitá-lo, tive
o corpo empurrado para o lado e a movimentação
brusca me fez sobressaltar na cama.
— Você já sabia! — gritou. — Mentiu pra
mim esse tempo todo! Todos mentiram!
O tom raivoso estava de volta.
— Hunter... — Eu o encarava confusa,
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tentando assimilar sua súbita mudança de humor.


— Quando disse que Hanna tinha borboletas
no estômago, insinuando que ela estava
apaixonada, você já sabia sobre o Neville e
escondeu de mim! — vociferou, começando a
andar de um lado ao outro.
— Eles não estavam juntos quando eu disse
aquilo! — Sentei-me, coçando os olhos e tentando
me concentrar na conversa.
— Juntos? Não minta, Amelia. Você sabia
que Neville estava se aproveitando da minha irmã e
não me contou!
Balancei a cabeça freneticamente, negando
sua acusação absurda.
— Hunter, você está deturpando as coisas e...
— Cale essa maldita boca! — Passou as
mãos pelos cabelos com força o bastante para
arrancá-los, se quisesse. — Mentirosa! Me fez de
idiota esse tempo todo. Aposto que foi você que
colocou Neville no caminho dela, não foi? Desde
que chegou a Londres tudo o que tem feito é
bagunçar a porra da minha vida!
Minha boca se abriu em um “O” perplexo.
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Ele não podia estar falando sério. Não depois


de tudo o que fizemos e dissemos um ao outro na
noite passada. Seu descontrole emocional estava de
volta e Hunter não pensava com clareza quando se
tratava do que presenciou entre Hanna e Neville.
Pensei que tivesse conseguido acalmá-lo, mas pelo
visto a fera dentro dele acordou novamente, de mau
humor e pronto para a briga.
— Meça suas palavras agora! — Alterei
minha voz, me preparando para enfrentá-lo.
Eu sabia que Hunter estava fora de si outra
vez, mas não permitiria que descontasse em mim a
sua raiva e nem transferisse para mim a culpa que
dizia sentir.
— Como pude ser tão cego? — Continuou
gritando. — Estive tão absorto em você que deixei
a pessoa mais importante da minha vida de lado, e
não enxerguei um dos meus melhores amigos me
apunhalando pelas costas, enquanto os outros
testemunhavam e agiam como cúmplices!
— Pare de falar como se o Neville tivesse
feito mal à Hanna! — Tentei fazê-lo perceber o
absurdo de suas palavras. — Você não enxerga o
quanto sua irmã está feliz? Ela o ama e é
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correspondida na mesma proporção!


— Ela não sabe o que é amor! — Socou a
parede, ao lado do mural de fotos, me assustando.
Levantei-me da cama, mas não me aproximei
dele.
— Como pode dizer isso, Hunter? Está se
ouvindo agora? — Soltei uma lufada de ar. — Em
nenhum momento você se perguntou porque Hanna
ficou lá com ele? Se Neville tivesse feito mal para
ela, sua irmã estaria te agradecendo agora e não te
odiando.
Eu me arrependi daquelas palavras no exato
momento que terminei de proferi-las, mas ele
precisava engolir a verdade, mesmo que fosse
amarga e intragável, o que não era exatamente o
caso.
Hunter me encarava possesso. A fúria em
seus olhos era a mesma da noite anterior, quando
eu o encontrei esmurrando a porta do quarto de
Neville. Doía constatar que essa fúria toda estava
voltada para mim.
— Ele mexeu com a cabeça dela, Hanna é
ingênua e Neville a manipulou...
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Neguei com veemência, balançando a cabeça.


— Pare de criar desculpas para justificar o
que fez ontem, Hunt. Neville ama sua irmã, e
Hanna é louca por ele, desde o Ensino Médio. Os
dois merecem uma chance de viver essa história,
por que não entende isso?
— Você sabia, Amy... por que mentiu pra
mim? — De repente, sua raiva se tornou tristeza e
eu engoli o choro, pois sentia que estávamos indo
para à beira de um precipício, onde não demoraria
muito tempo para que despencássemos.
— O segredo não era meu — sussurrei,
fitando-o para que enxergasse a verdade em meus
olhos.
A decepção estampada em seu rosto fez meu
coração se apertar dentro do peito.
O que eu mais temia estava acontecendo.
O segredo de Hanna também me atingiu.
— Está admitindo que sabia. — a frieza em
sua afirmação foi implacável.
Ergui minha postura defensiva e me preparei
para enfrentá-lo. Mesmo o amando, jamais

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permitiria que Hunter pisasse em meu coração. Eu


não daria este poder a ninguém, nunca mais.
— Não estou negando, estou? Eu não menti.
Ele assentiu com um gesto de cabeça.
— Omitiu... assim como omite toda a sua
vida de mim.
Apontei o dedo em riste em sua direção.
— Não vá por este caminho, Stevens! —
Adotei o mesmo tom de frieza que ele usou
comigo. — Fui sincera desde o início, inclusive
falamos sobre isso há algumas horas... Já esqueceu
o que dissemos um pro outro? O que fizemos? Não
estou te reconhecendo agora. Não se parece em
nada com o cara incrível que despertou em mim o
desejo de pertencer a alguém...
Hunter deu um passo para trás, como se
tivesse sentido o impacto das minhas palavras.
Franziu o cenho e seu rosto assumiu uma expressão
de dor, mas então ele balançou a cabeça de um lado
para outro, passando novamente as mãos pelos
cabelos desgrenhados e voltou a me encarar. Havia
decepção em seus olhos e senti meu coração se
esmagando dentro do peito.
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Como chegamos a tal ponto, depois de tudo o


que passamos?
— Sou mesmo um idiota por ter me deixado
levar por você! — gritou outra vez, caminhando
apressadamente até a porta, sem se incomodar em
vestir a t-shirt que tirou antes de dormirmos. — Eu
que sempre fui tão esperto com as garotas, caí
como um patinho. Isso é tão patético!
— Está sendo injusto comigo... — Não
consegui controlar as lágrimas.
— Eu sei que grande parte da culpa é minha,
Amelia. Fui eu quem insistiu tanto até você ceder,
não foi? Então de certa forma eu meio que mereci
esse tapa na cara que a vida tá me dando agora. Eu
acho...
— Vai mesmo virar as costas pra mim?
— Confiei em você e traiu essa confiança —
acusou com rispidez, abrindo a porta. — Eu me
ceguei pelo amor que você despertou em mim e
deixei de lado a única pessoa que realmente
importa na minha vida, e deu no que deu... Porra!
Eu esqueci Hanna naquele quarto com o Neville,
pra ficar aqui contigo! Simplesmente me desliguei

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daquela dor e me perdi em você. Não posso


permitir que exerça tanto poder sobre mim, não a
este ponto, Amy.
Eu sabia que Hunter usava as palavras para se
defender e o quanto ele era bom naquilo. Mas
depois de abrir meu coração para aquele garoto,
ouvi-lo dizer o que disse era mais doloroso do que
as cicatrizes que eu tinha em meu corpo.
Ele também exercia poder sobre mim, e o
estava usando para me machucar. Mas eu não
queria simplesmente aceitar que me virasse as
costas sem que tentássemos entender o que estava
acontecendo entre a gente, e talvez, encontrarmos
uma saída, uma esperança.
Amar alguém assim, não deveria ser tão
doloroso. Tinha que ter uma perspectiva de final
feliz, certo? Qual seria o propósito de tudo, afinal?
Eu não queria desistir dele, não na primeira
dificuldade.
— Se sair do meu mundo agora, não entra
nele de novo — alertei em alto e bom tom,
fazendo-o virar o rosto em minha direção, me
encarando com perplexidade. — Sei que está com

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raiva, mas se sair pela porta sem conversarmos e


esclarecermos tudo, não precisa me procurar
quando essa tempestade emocional dentro de você,
passar.
— É isso mesmo? — Sorriu com escárnio. —
Está me ameaçando, Amelia?
Neguei entre lágrimas, sentindo a exaustão
me dominar outra vez.
— Estou te dando uma escolha — murmurei
com tristeza.
— Hanna sempre estará em primeiro lugar na
minha vida.
— Nunca tentei ocupar o lugar dela nas suas
prioridades.
Eu podia sentir a brisa batendo em meu rosto,
enquanto despencava do precipício.
— Eu que fui tolo e perdi o foco. Não vou
cometer esse erro de novo. — Deu um passo à
frente, parando no corredor. — Amo você, de
verdade, Amelia. Mas perdi a confiança.
Passei minhas mãos pelo rosto, tentando
secar as lágrimas.

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— Se não confia em mim, então de nada vale


o seu amor. Pode ir embora, Hunter. E nem pense
em voltar.
Ele não disse nada, apenas assentiu em
silêncio, fechando a porta atrás de si logo em
seguida.
Sentei-me na beirada da cama e observei sua
t-shirt jogada no chão, próxima aos meus pés.
Inclinei-me o suficiente para pegá-la e levei o
pedaço de tecido ao meu rosto, sentindo o aroma do
seu perfume e usando-a para absorver as lágrimas
do choro descontrolado que se iniciou.
Eu sabia que ele era problema, que juntos
seríamos um desastre total. Mesmo assim, permiti
que fizesse parte da minha vida. Hunter Stevens
chegou de mansinho, invadiu o meu coração, fez
bagunça e foi embora.

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“É claro que ela quer atenção


Porque você nunca diz
O que ela significa pra você
Não deveria ser novidade
Que ela quer ser importante pra você
Então não banque o idiota...”
I Told You So ~ Kathryn Dean

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— Cadê minha irmã? — perguntei ao Lewis


assim que entrei no meu apartamento e o encontrei
fumando perto da janela da sala.
Caminhei até a entrada do quarto do Neville,
mas meu amigo respondeu antes que eu começasse
a esmurrar a porta.
— Hanna acompanhou o Nev até o hospital,
Leon os levou no meu carro. — Seu tom apático
me fez franzir o cenho. Lewis encarava a rua
enquanto falava comigo. — Você teve sorte porque
nenhum dos vizinhos ligou para a polícia e o
Neville disse que não vai prestar queixa.

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Soltei uma gargalhada enquanto me escorava


na parede. Lewis ainda não olhava para mim,
concentrado no seu maldito cigarro.
— Tá rindo do que, idiota? — gritou,
jogando a bituca apagada pela janela e vindo na
minha direção. — Acha engraçado espancar um
dos seus melhores amigos a troco de nada?
Eu não estava preparado para encarar um
Lewis puto da vida, muito menos imaginei que ele
fosse agressivo ao ponto de me segurar pelos
ombros, me pressionando ainda mais contra a
parede.
— Nem parece que a surra que você levou do
namorado da Diana te serviu para alguma coisa.
Continua o mesmo idiota de sempre, talvez tenha
piorado!
— Me solta, porra! — revidei, tentando
afastá-lo de mim, mas sem sucesso.
— Ou o quê? Vai me espancar também? Seu
valentãozinho de merda! — Lewis estava mesmo
determinado a me conter.
— Neville estava beijando minha irmã
enquanto ela dormia! — gritei ainda mais alto,
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tentando fazê-lo entender. — Por que está


defendendo o cretino?
— Eles são namorados, porra! — Soltou uma
lufada de ar, demonstrando que estava começando
a ficar cansado de me manter preso. — Será que
você é tão burro ao ponto de não entender? Neville
jamais tocaria em Hanna sem que ela permitisse,
aqueles dois são loucos um pelo outro.
— Tá mentindo! — Empurrei Lewis,
conseguindo finalmente me soltar.
— O pior cego é aquele que não quer ver,
Stevens.
Passei as mãos pelos cabelos, puxando-os
com força para tentar focar em outra coisa, que não
fosse a raiva crescente dentro de mim.
— Hanna não namora.
— Por sua causa! A garota nunca pôde
assumir um relacionamento, Hunter. E justamente
por isso que ela e Neville mantinham segredo. Sua
irmã tinha medo da forma como você reagiria
quando soubesse. O Nev até queria conversar
contigo, mas ela pediu que esperassem mais um
pouco.
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Balancei minha cabeça de um lado para o


outro de forma frenética, tentando assimilar as
palavras de Lewis, juntando lembranças de
momentos em que estive com o Neville e ele falara
a respeito do seu namoro, também de quando
Hanna estava ausente e eu cogitava que ela estava
com as amigas, porque me distraí demais pensando
em Amy.
— Você disse que eles se amam? Que Hanna
ama o Neville?
Amy tinha me falado algo assim, mas eu não
assimilei aquilo como uma verdade. Não podia ser
verdade, podia?
Lewis sempre foi o cara que dizia a verdade
por mais dolorosa que fosse. Ele não me enganaria
a tal ponto, só para defender Neville e livrá-lo de
qualquer coisa ruim que o irlandês pudesse ter feito
com minha irmã.
Era tão difícil assimilar a ideia de que Hanna
estivesse apaixonada por Neville, não porque ela
fosse incapaz de amar, como eu havia falado
quando discuti com Amy, mas porque nunca pensei
nesta possibilidade.

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Tudo o que nos aconteceu quando éramos


crianças fez com que eu não acreditasse no amor
como sendo uma coisa boa. Fugi de tal sentimento
como o diabo fugia da cruz, e sempre me mantive
por perto para evitar que Hanna também se
deixasse levar por este sentimento, com medo das
consequências. Mas se até mesmo eu havia me
apaixonado e deixado este medo de lado para
assumir o amor que sentia por Amelia Turner, por
que minha própria irmã, a minha versão feminina,
doce e carinhosa, não podia sentir o mesmo por
Neville?
Meu amigo irlandês, entre os caras e eu, era o
mais propenso a levar uma garota a sério. Ele não
aprovava minhas atitudes e apesar de nunca o ter
visto namorando, sabia que Neville era o
queridinho das garotas, porque elas o consideravam
uma espécie de príncipe moderno que, ao invés de
montar seu cavalo branco, tocava violão e passava
horas cuidando daquele topete loiro. Ele não era um
cavaleiro de armadura, mas certamente o namorado
dos sonhos de qualquer menina.
— Por que é tão difícil pra você assimilar,
Hunter? — Lewis parecia mais calmo. — Desde

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que nos conhecemos você tem essa obsessão


maluca em evitar que Hanna se aproxime de
qualquer garoto que não seja eu e os caras.
Balancei minha cabeça outra vez, negando-
me a dizer em voz alta os motivos. Nunca contei a
ninguém. Nem ao meu pai, nem ao meu avô, nem à
assistente social, quando o meu pai estava prestes a
perder nossa custódia. Eu confiava em Lewis, mas
só de me imaginar falando em voz alta o que houve
no passado, a raiva crescia dentro de mim com uma
força que eu não podia controlar.
— Tudo bem, tudo bem! — Acho que ele
enxergou a batalha que eu estava travando
internamente. — Não fala nada. Só reflita um
pouco, Hunt. Você passou dos limites ontem à
noite, se não fosse a Amy te tirar daqui...
— Não fale o nome dela! — gritei com a voz
esganiçada, como se tivesse sido atingido por um
soco no estômago.
Da mesma forma que afastei os pensamentos
de que Hanna e Neville estavam trancados no
mesmo quarto, e me permiti por um tempo
esquecer todo o conflito dentro de mim, assim que
fechei a porta do quarto de Amy, tratei de reunir
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toda a bagunça emocional que estava prestes a me


deixar louco e guardei em um canto escuro da
minha mente. Eu não queria repassar cada palavra
dita, nem ter que me lembrar de como ela parecia
ferida... porque eu também estava destroçado e a
forma com que lidava com meus problemas era um
tanto covarde, mas funcionava para mim. Eu
preferia esquecer, talvez fazer de conta que nem
tivesse acontecido, ao menos até me sentir forte o
suficiente para tentar lidar com o estrago.
Eu não queria pensar em Amy, porque
precisava me concentrar no que aconteceu com
Hanna e Neville. Era a minha prioridade naquele
momento.
— Ah, cara! Estragou tudo, não foi? —
acusou em tom de reprimenda. — Descontou na
Amy a raiva que tá sentindo pelo Neville.
— Ela mentiu pra mim, isso foi o bastante —
justifiquei, caminhando até a porta do meu quarto.
— Todos vocês mentiram, até mesmo a Hanna.
— Ninguém precisaria esconder se você não
fosse tão obcecado em isolar a sua irmã.
Abri a porta e dei um passo para dentro, mas

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não antes de dar a última palavra.


— Vão se foder! Todos vocês!
Chaveei a porta do quarto e olhei em volta,
como se não reconhecesse mais aquele lugar. Os
dias que passei no apartamento de Hanna e Amy,
me fizeram considerar aquele quarto provisório, o
meu novo canto e enxergar minhas coisas com
estranheza.
A cortina estava afastada e a claridade
entrando pela janela, me fez perceber que eu sequer
tinha noção de que horas eram. Vi que meu celular
estava em cima da cama, junto com minhas chaves
e as fotos que tirei de mim e Amy com a Polaroid.
Eu não queria ficar sozinho remoendo a noite
passada e nem minha briga com Amy. Peguei o
smartphone sem prestar atenção nas fotografias e
verifiquei as horas. Passava do meio-dia, eu tinha
perdido as aulas. A bateria do celular estava quase
acabando, mas o enfiei no bolso traseiro do jeans e
fui até o meu armário, peguei uma camiseta
qualquer e vesti.
Droga! Deixei minha mochila no “limbo”!
Mesmo que eu não fosse para a faculdade,
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tinha o hábito de levá-la sempre comigo. Meu


caderno de composições estava lá e minha câmera
fotográfica também. Mas eu não ia voltar àquele
apartamento. Precisava de um tempo sozinho para
colocar meus pensamentos em ordem e digerir toda
aquela merda.
Hanna estava com Neville e eu não iria atrás
deles. Não depois de saber que espanquei o cara
por achar que ele estava abusando da minha irmã,
quando na verdade os dois namoravam às
escondidas.
As coisas entre mim e Amy estavam
estremecidas. Nosso namoro não havia sobrevivido
a todo drama que eu carregava em minha bagagem
emocional, nem ao fato de ela ter escondido coisas
importantes de mim.
Quando saí do quarto não encontrei Lewis.
Escovei meus dentes com pressa e ao abrir a porta
do apartamento, me deparei com duas caixas de
papelão, uma mochila e um cesto de roupa que
reconheci serem meus. Senti um nó em meu
estômago ao me dar conta do que aquilo
significava.
Acabou. Puta merda, acabou mesmo.
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Não haveria aquela desculpa esfarrapada de ir


ao apartamento delas só para recolher meus
pertences, e então ter a oportunidade de conversar e
talvez acertar as coisas entre nós.
Entre Hanna e eu.
Entre Amy e eu.
Fiz aquilo que mais temia, acontecer.
Parti o coração das garotas mais importantes
da minha vida.
Mas elas também partiram o meu, quando
mentiram para mim.
Soltei uma lufada de ar e peguei as duas
caixas, levando-as até meu quarto. Depois voltei e
peguei o cesto e a mochila, colocando-as em cima
da cama. Meus olhos ardiam e eu não entendia o
porquê da súbita vontade de chorar. Encarei o cesto
de roupas e reconheci a t-shirt que usei na noite
passada, havia a tirado quando me deitei com Amy
em seu quarto e a deixara no chão.
Então foi ela que recolheu minhas coisas, me
expulsou do seu mundo.
— Não, Hunter, foi você que quis ir embora.

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Ela avisou o que aconteceria se você saísse. —


dizer em voz alta não tornava mais fácil a
compreensão.
Eu ainda estava puto por ela ter acobertado
Hanna e Neville, mas não tão puto quando achei
que Nev estava se aproveitando da minha irmã.
Amy e Hanna eram amigas. Minha irmã sempre
esteve do lado dela quando eu agia como um
babaca. Nada mais justo que Amy a protegesse.
“O segredo não era meu”.
Ela estava certa.
Peguei a t-shirt do cesto e a usei para secar
meus olhos úmidos pelo choro silencioso. Não
sabia se chorava por Hanna ou Amy, talvez pelas
duas. Ou por mim e minha vida fodida.
Era recente demais, e eu já me sentia um
merda.
Como seria dali em diante?

Entrei no meu carro e perambulei por


Londres com o rádio ligado deixando que as
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músicas me enviassem seus recados.


Estava tudo uma grande confusão.
Voltei para New Cross, mas não fui para
casa. Estacionei no Fordham Park e ao sair do
carro, me escorei no capô, deitando de costas para
encarar o céu. Passava das três da tarde e o Sol
estava entre as nuvens, mas os óculos escuros que
encontrei guardado no porta-luvas me ajudaram
com a claridade excessiva.
O que eu faço agora?
Sentia-me perdido, sem saber que rumo
seguir dali em diante.
Hanna estava namorando Neville e pela
forma como o defendeu, eu sabia que não
adiantaria de nada me opor ao relacionamento
deles. Apesar de ter sido um imbecil e não perceber
o que estava diante dos meus olhos, não era tão
burro ao ponto de acreditar que bastasse a minha
objeção contra aquele namoro para que os dois se
afastassem.
Eu me sentia enganado por todos que sabiam
e não contaram.
Provavelmente deram boas risadas pelas
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minhas costas.
Mas esse não era o verdadeiro problema.
Será que ele a faz feliz? Será que cuida bem
dela?
Lewis disse que Neville queria me dizer a
verdade, mas foi Hanna quem não permitiu.
Por que ela não quis me contar? Depois de
tudo o que eu fiz... mesmo que ela não soubesse,
deveria me entender.
Era fim de tarde quando decidi voltar ao meu
apartamento para encarar o que quer que viesse
pela frente.
Não fazia ideia de como seria quando
reencontrasse Neville.
Após pensar muito a respeito e entender que
precisaria conviver com o fato de Hanna estar
apaixonada, me dei conta que de todos os caras que
eu conhecia, foi o loirinho irlandês o sortudo que
conquistou minha irmã, o que a tornava sortuda
também, porque Neville era um cara do bem e
desde que começou a namorar tornou-se um bobão
apaixonado.

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Eu teria que me adaptar a essa nova


realidade. Dividir Hanna com outra pessoa.
Alguém que a amava tanto quanto eu, embora
fossem amores diferentes.

Tão logo alcancei o último degrau e pisei no


corredor que dava acesso ao meu apartamento,
avistei Hanna abrindo a porta do seu.
— Ei, precisamos conversar. — Minha voz
era calma embora eu estivesse tenso pra caralho.
Assim que me aproximei, ela se virou,
ficando de frente para mim.
— Eu não tenho nada pra falar contigo.
Hanna certamente havia chorado, pois seus
olhos estavam vermelhos e inchados e as olheiras
bastante profundas. Mas apesar da aparente tristeza,
sua voz soou fria e cortante, me deixando
ligeiramente alarmado.
— Sabe que isso não é verdade, Hanna. O
que houve ontem à noite...
— Nada justifica o que houve ontem à noite,
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Hunter! — Interrompeu, usando um tom agressivo


que nunca tinha usado antes, não comigo, pelo
menos. — O que fez é imperdoável. Ultrapassou
todos os limites aceitáveis. Já chega dessa merda,
hum? Isso acaba aqui.
Franzi o cenho, observando-a com cautela.
— Do que você tá falando?
Hanna soltou uma forte lufada de ar e
posicionou as mãos na cintura.
— Tô falando de nós dois. Essa redoma que
você coloca em volta de mim. O ciúme descabido,
a proteção em excesso, toda a merda para a qual
você me arrastou desde que nossa mãe foi embora!
Acabou, Hunter. Eu não te quero mais por perto,
não quero falar contigo, nem te ver, não quero você
achando que é dono da minha vida, nem
escolhendo quem deve ou não fazer parte dela!
Minha boca se abriu em choque.
Não acredito que essa merda está mesmo
acontecendo...
— Hanna, eu não... como pode dizer isso? —
Não consegui gritar, embora fosse o que eu
gostaria. Minha voz saiu quase em um sussurro.
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— Você destruiu a única coisa boa que me


aconteceu em anos! — Ela estava possessa.
— Neville? — Pestanejei, pego de surpresa.
— Ele é a sua única coisa boa? E quanto a mim?
Hanna deu um passo adiante e me empurrou
com tanta força que cambaleei para trás, mesmo
assim, não fiz nada para revidar nem me defender.
Permiti que extravasasse a raiva que sentia de mim,
pois era o mínimo que eu poderia fazer depois da
noite passada.
— Não deturpe minhas palavras, Hunter!
Você é meu irmão e sempre esteve comigo, mas
preciso seguir meu caminho. — Vi as lágrimas
surgirem em seus olhos e ela tentar contê-las em
vão. — Neville era o meu caminho, até você
estragar tudo e ele me deixar!
Um nó se formou em minha garganta e o
medo me assolou repentinamente.
O que foi que eu fiz?
Lembrei-me de Hanna gritando enquanto eu
desferia socos contra meu amigo, me alertando que
eu poderia matá-lo.
Eu mesmo disse em voz alta que queria fazê-
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lo.
Mas não fui tão longe, não podia ter ido...
— Como assim, te deixar? — O medo em
minha voz foi inevitável.
Hanna secou os olhos com a manga do
moletom que vestia.
— Ele terminou comigo, por sua causa. —
Respirou fundo antes de continuar. — Vai trancar a
faculdade e se mudar pra Irlanda. Morar com os
avós. Eu nunca mais vou vê-lo. E tudo por causa do
que você fez! Seu egoísta de merda!
Tive que segurá-la pelos pulsos quando ela se
jogou contra mim, querendo me agredir. Eu bem
que merecia, mas conhecendo minha irmã, sabia
que mesmo me odiando naquele momento, ela
detestaria se lembrar de ter usado de violência.
Hanna era todo o lado bom que eu não tinha.
— Se ele está indo embora é porque não te
ama! — acusei, sentindo a raiva brotando dentro de
mim, puto porque Neville havia partido o coração
da minha irmãzinha.
— Pelo contrário, seu imbecil! Ele me ama

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tanto que prefere renunciar a mim ao saber que, por


causa dele, você e eu brigamos, porque sabe da
importância que tenho pra você. Neville te
considera um irmão! E você quase o matou! —
Sacudiu os braços, tentando se afastar de mim.
Permiti que ela o fizesse, soltando-a.
Ambos olhamos para a porta do meu
apartamento assim que ouvimos o ruído dela se
abrindo. Leon nos encarou com cautela, mas logo
em seguida fechou a porta.
— Eu fiquei muito puto quando o vi em cima
de você. — Tentei explicar, sem entrar em detalhes.
— Não fazia ideia que era algo consensual,
Hanna...
— E por que mais eu estaria no apartamento
dos caras, deitada no sofá com o Neville, Hunter?
— Ela riu em deboche. — Sabe, você é tão esperto
pra muita coisa, mas não percebeu o óbvio? Acha
mesmo que se o Neville fosse abusar de mim, ele
faria isso logo no apartamento onde você e os
caras, que sempre cuidaram de mim, vivem? Onde
bastasse eu gritar e a ajuda apareceria?
— Ele poderia ter dopado você... — Tentei

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argumentar, sem muita convicção.


— É, mas ainda assim, no seu apartamento?
Na sala? — Arqueou uma sobrancelha, fitando-me
com sarcasmo. Muito diferente da Hanna que eu
conhecia a vida toda. — Esse seu ciúme descabido
em relação a mim é doentio, Hunter. Eu não sou
sua garota, sou sua irmã!
Não escondi a expressão de repulsa ao ouvi-
la fazer tal insinuação.
— Eu não amo você desse jeito, está louca?
Ela soltou uma gargalhada, totalmente sem
humor.
— Acho que se tem alguém louco aqui, esse
alguém não sou eu. É você quem precisa de ajuda,
Hunter, porque não pode ser normal agir desse jeito
comigo, muito menos o surto que teve ontem
quando me viu com o Neville. E é por isso que não
quero mais te ver, porque não vou me isolar de
todos só porque você pode surtar sempre que me
ver com um cara... E não quero olhar pra você e me
lembrar que por sua culpa, o amor da minha vida
foi embora...
Se ela tivesse cravado uma faca no meu peito
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a dor seria menor, eu tinha certeza daquilo. Nunca


pensei que Hanna pudesse sentir tanta repulsa
assim por mim. Cada palavra era como um caco de
vidro se encrustando no meu coração, fazendo-o
sangrar incessantemente.
— Eu renunciei ao que sinto por Amy porque
você é minha prioridade, Hanna...
— Não venha com essa pra cima de mim! —
Balançou a cabeça freneticamente, apontando o
dedo em riste no meu peito. — Você renunciou à
Amy porque é orgulhoso demais pra assumir que
fez besteira! Preferiu acusá-la de traição por
guardar meu segredo, ao invés de assumir que agiu
sem pensar quando partiu pra cima do Neville, sem
dar a ele o benefício da dúvida. E não bastasse
arruinar meu relacionamento, sabotou o seu. Jogou
sua felicidade no lixo e partiu o coração da única
pessoa capaz de te amar pelo que você é de
verdade. Porque aquela garota era a única capaz
disso, Hunter. E me culpar por tê-la deixado, só
mostra o quanto você é um egoísta do caralho que
não assume as consequências das merdas que faz!
Sim, a verdade dói. Dói pra caralho.
— Hanna...
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Minha irmã recuou e abriu a porta do seu


apartamento, mas me encarou outra vez para
terminar de partir o meu coração.
— Não precisa me devolver as chaves, o
chaveiro já trocou a fechadura.
Isso não pode estar acontecendo...
— Você não precisava ter ido tão longe, eu
entregaria se me pedisse.
— Isso já não vem ao caso. Está feito. Agora
te peço pra me deixar em paz, eu quero seguir meu
caminho sem você me sufocando.
— Não fala assim.
— É o que sinto, Hunter. Aprenda a
respeitar. A partir de hoje eu penso e ajo por mim
mesma.

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“Eu não quero te tocar


Eu não quero ser
Outra ex que você não quer mais ver
Não quero sentir sua falta
Como as outras garotas sentem
Eu não quero te machucar...”
End Game ~ Taylor Swift ft. Future & Ed
Sheeran

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Quando me apaixonei por Adam eu jamais


pensei que aquele amor todo seria como um rolo
compressor me esmagando. Entreguei minha
inocência, meus sonhos mais românticos e toda a
fidelidade que uma pessoa poderia dar a outra.
Eu tinha dezesseis anos e era como se o
impossível tivesse acontecido. Um homem como
ele interessado por uma garota como eu? Quem
pensaria na possibilidade? Não quando Adam era
lindo e dono de uma voz sexy que fascinava todas
as suas fãs, mesmo que não fosse o vocalista da
banda que integrava. Mas as garotas ficavam
enlouquecidas pelo guitarrista que fazia backing

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vocal e adorava ficar nu da cintura para cima no


palco.
O que inicialmente foi meu sonho encantado,
tornou-se o maior pesadelo. Quase me permiti ser
destruída, quase desacreditei da minha importância
como pessoa e... quase desisti da vida.
Não me orgulhava dos erros que cometi, mas
sabia que foi por causa deles que dei a volta por
cima e enxerguei que precisava finalmente dar meu
grito de liberdade.
Achei que estivesse me reinventando, mas
descobri quem eu era de verdade desde que cheguei
a New Cross. Conheci meu melhor lado e
conseguia me olhar no espelho sem vergonha de
quem era, embora ainda tivesse vergonha das
coisas que fiz.
Pensei que ninguém mais me machucaria
como Adam fez.
Eu me enganei.
Eu não podia compará-los. Mas os avisos
estavam ali o tempo todo e ignorei. Hunter não era
o tipo de cara que passava despercebido pela vida
de uma garota. Era mais do que óbvio que faria
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estragos, só não enxergava quem não quisesse e eu


não quis. Não, não! Eu havia enxergado sim, mas
me recusei a acreditar. Ou talvez quisesse pagar
para ver e perdi a aposta. Apostei minhas últimas
esperanças no amor que sentia por Hunter Stevens.
E o que restou? Uma maldita camiseta jogada no
chão do meu quarto.
— Você fez uma escolha, Stevens! —
Levantei-me, disposta a dar um fim naquele
sentimento de derrota. — Eu não vou ficar na
merda por sua causa, não vou mesmo!
Saí do meu quarto e invadi o que ele já
considerava seu. As coisas dele estavam todas ali
ainda, Hunter foi embora sem se preocupar em
levar nada.
Em um surto de raiva, comecei a recolher
todos os seus pertences e os reuni em cima da
cama. Recusava-me a ficar lamentando por um
relacionamento fracassado, principalmente, quando
eu tentei conversar e ainda assim, não fui ouvida.
Depois de tudo o que passei antes de me mudar
para New Cross, não permitiria que um garoto me
colocasse para baixo por mais que o amasse.
— Eu me amo mais!
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Peguei duas caixas que estavam esquecidas


em um canto próximo à janela e guardei os
pertences de Hunter. Não queria vê-lo, nem sentir
seu cheiro e muito menos ouvir a sua voz. As
palavras ditas por ele ainda permeavam meus
pensamentos e me decepcionavam à medida que
assimilava sua falta de confiança em mim, depois
de eu ter permitido que entrasse em minha vida,
avisando o quanto estava frágil por não ter me
recuperado cem por cento de mágoas passadas.
Ele foi injusto comigo, me julgou, desistiu de
nós no primeiro obstáculo, mesmo após todas as
coisas bonitas que me disse. Eu me entreguei de
coração, ignorei minha vulnerabilidade e confiei no
garoto que um dia me tratou mal, porque entendi o
quanto foi difícil para Hunter lidar com seus
sentimentos em relação a mim.
Quando abri a porta do apartamento e encarei
o outro lado do corredor, não tive coragem de bater
e lhe entregar as caixas pessoalmente. Não queria
confrontá-lo outra vez, só precisava esquecê-lo o
mais rápido possível. Deixei as caixas no chão, ao
lado da sua porta e voltei ao quarto somente para
buscar o cesto de roupas e a mochila.

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Mesmo que Hunter estivesse de cabeça


quente e falado coisas das quais pudesse se
arrepender, para mim era tarde. Fiquei do seu lado
quando precisou de mim, mas ele preferiu enxergar
tudo por um ângulo diferente e acreditar na verdade
que era mais fácil para si mesmo aceitar.

Mesmo sentindo que o mundo havia


desabado sobre minhas costas, tomei um banho
rápido, e percebendo que havia perdido as aulas na
universidade, acabei me distraindo faxinando o
apartamento.
Enviei mensagem para Hanna a fim de saber
como estava Neville e ela não me respondeu.
Depois de praticamente ter esterilizando tudo
e tomar outro banho, eu sabia que permanecer em
casa só me faria pensar besteira e precisava me
distrair, tentar dissipar a revolta que ainda estava
sentindo por conta dos últimos acontecimentos.
Tentei falar com Leon, mas ele também não
retornou.
Como será que está o Neville? Por que eles
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não me respondem?
Decidi sair, caminhar por Lewisham sem um
rumo certo, apenas conhecer melhor os arredores.
— Ei, Amy! Espere!
Virei-me ao ouvir Lewis chamar e aguardei
que me alcançasse.
— Você parece péssimo. — Tentei soar
engraçada, mas sem sucesso.
— Não tanto quanto você. — Piscou um dos
olhos e deu um sorriso fraco. — Também não
conseguiu ficar em casa?
Continuamos a caminhar, lado a lado.
— Perdi as aulas de hoje. — Dei de ombros.
— Não consegui falar com Hanna, queria notícias
do Neville. Achei que dar uma volta por aí me
distrairia um pouco.
— Leon levou Neville para o hospital e
Hanna o acompanhou. Eles foram no meu carro. A
última vez que tive notícias foi através de Leon, o
Nev ficou em observação esta noite, mas pelo visto
ainda não recebeu alta. Tem algumas horas que não
consigo falar com eles. Deve ter acabado a bateria

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do celular.
— Pode ser.
Não dissemos nada por um tempo, mas era
perceptível a inquietude de Lewis. Era como se ele
quisesse me dizer algo, mas não soubesse como.
— O Hunter que vi ontem à noite era um
estranho pra mim — murmurou com cautela,
olhando-me de soslaio enquanto seguíamos
caminhando.
Parei de andar e o encarei, esquecendo de
erguer minha barreira de “menina durona”. Sentia-
me tão cansada de ter que disfarçar as emoções, de
fingir que estava bem, quando não era verdade.
Desde que cheguei a New Cross eu não precisava
agir daquele jeito e não queria começar a fazê-lo,
mesmo sabendo que talvez fosse melhor
simplesmente dizer que eu estava pronta para
seguir em frente numa boa e tudo bem, porque nem
me importava tanto assim. Mas seria um passo para
regredir em meu progresso, iniciar outra vez um
ciclo vicioso de mentiras e sorrisos insinceros,
aonde o único objetivo seria agradar a todos, menos
a mim mesma.

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— Não quero falar sobre ele agora — pedi,


odiando o fato de que apenas a menção do nome de
Hunter já fizesse meus olhos arderem.
— Foi foda, Amy! Eu ainda estou tentando
entender como tudo desandou de uma hora pra
outra.
Soltei uma lufada de ar.
— Desculpa, Lewis. Sei que estou sendo
egoísta. — Toquei seu braço e o puxei para que
voltássemos a caminhar. — O que aconteceu ontem
não envolveu apenas Hunter, Hanna e Neville.
Todos que convivemos com eles entramos no olho
do furacão.
— Principalmente você.
Neguei com gesto de cabeça.
— Principalmente o Neville. Ele não
merecia, a Hanna também não.
Ele passou as mãos pelo rosto, evidentemente
frustrado.
— Cara, não faço ideia de como vai ser daqui
pra frente. Nunca brigamos, desde que começamos
a morar juntos e até mesmo na época de

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Manchester. Éramos inseparáveis e é estranho


pensar no quanto o futuro tornou-se incerto.
— Eu nem sei o que dizer, Lewis. Mas torço
muito para que Hanna e Neville fiquem juntos, eles
se amam e merecem ser felizes.
— Você também merece ser feliz, Amy.
Sem combinarmos qualquer coisa, Lewis e eu
acabamos indo para o Café New Cross e nos
sentamos em uma das poucas mesas desocupadas.
Encarei o garoto de olhos castanhos e cabelo
bagunçado.
Lewis era um bom amigo para todos,
inclusive para mim, mesmo que nos conhecêssemos
há pouco tempo. Ele tinha aquela aparência de
quem não queria nada da vida, além do necessário
para a sobrevivência. Era bonito e gentil, dava os
melhores conselhos e não se intimidava quando
precisava dizer o que pensava, mesmo que não
fôssemos gostar do que ouvíssemos. Certo que foi
através de como Hunter enxergava Lewis que eu
aprendi a conhecê-lo melhor — a parte de achá-lo
bonito era coisa minha —, mas nas poucas vezes
em que tivemos a oportunidade de conversarmos eu

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apenas tive a prova de que ele era uma das


melhores pessoas que já tive a oportunidade de
conhecer.
— Eu vou ficar bem. — Tentei acreditar em
minhas próprias palavras.
— Não estou defendendo o que ele fez,
porque nada justifica. Mas tem algo na história do
Hunter, algo do passado, que o fez ser desse jeito
— confidenciou em voz baixa, olhando em volta
para saber se alguém prestava atenção a nossa
conversa. — Ele não se abre e não é normal esse
comportamento em relação a irmã. Nunca pensei
que um dia chegaria a esse ponto, principalmente
porque Neville é um dos melhores amigos dele e
jamais faria mal à Hanna. — Passou as mãos pelo
rosto outra vez, parecendo cansado. — Mas o que
não entendo mesmo é porque Hunter estragou tudo
entre vocês dois, quando você foi a melhor coisa
que já aconteceu pra ele.
A garçonete foi até nossa mesa e mesmo sem
fome nos forçamos a comer algo. Depois de entrar
em consenso, pedimos uma porção de batatas fritas
para dividirmos.
— Ele não quis me ouvir, Lewis. Eu tentei,
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mas...
— Eu sei, Hunter não é uma pessoa fácil de
lidar.
— Acho que não estávamos prontos para dar
certo — peguei-me confessando, com um suspiro
exasperado.
— Como assim, Amy?
— Hunter e eu... foi um erro. Nós não
devíamos ter acontecido, acho que forçamos a
barra.
Lewis revirou os olhos e balançou a cabeça
em negativa.
— Não diga bobagens!
— Só tô dizendo a verdade — falei em tom
de sussurro. — Hunter era uma bomba-relógio
prestes a detonar. Eu devia saber que em algum
momento a explosão me atingiria. Agora é tarde
demais.
Ele não disse nada por um tempo. A
garçonete serviu nossa porção de batatas e
comemos em silêncio, sem mesmo trocarmos
olhares. Depois de muito insistir, Lewis pagou a

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conta e já estávamos na rua quando voltamos a


tocar no assunto que eu mais queria evitar.
— Acha mesmo que não tem volta?
Engoli em seco. A raiva que estava sentindo
mais cedo, quando reuni todos os pertences de
Hunter e os coloquei na porta do seu apartamento,
já não estava mais ali. Havia, porém, a mágoa e
uma tristeza imensa, além de um sentimento de
conformismo, pois, acabei por compreender o
motivo de aquilo tudo ter acontecido.
— Não era para ter sequer começado, Lewis.
Foi um erro, mas agora que o destino se encarregou
de corrigir, eu vou seguir em frente.

As caixas e o cesto de roupas, que deixei no


corredor, já não estavam ali, quando retornei ao
apartamento.
Soltei uma lufada de ar e tratei logo de entrar,
para evitar um encontro inesperado e inoportuno
com meu vizinho e ex-namorado. Assim que fechei
a porta e a tranquei, percebi que não estava sozinha,
pois ouvi o choro de Hanna vindo da sala. Ela
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estava deitada, abraçada a uma almofada enquanto


suas lágrimas encharcavam o rosto e fungava o
nariz para conter a coriza.
Pensei que estava péssima depois de tudo o
que aconteceu entre Hunter e eu, mas era óbvio que
minha amiga se sentia muito pior.
De repente, recordei-me de Lewis tentando
conversar comigo, enquanto meu pedido egoísta era
para não tocar no assunto. Poxa, eu não era a única
que sofria ali! Por mais que quisesse esquecer logo
e dar continuidade a minha vida, precisava parar de
olhar para o meu próprio umbigo e ser uma boa
amiga. O que era novo, porque realmente sentia
que tinha amigos de verdade ali.
— Ei, querida... — Sentei-me no chão, à sua
frente, e usei a manga de minha blusa para secar
suas lágrimas, em um gesto solidário. — Fiquei
preocupada com você, não consegui te contatar
pelo celular.
Sabia que perguntar a ela se estava tudo bem
seria ridículo. Era óbvio que não estava, mas não
queria pressioná-la.
Hanna me pegou de surpresa ao estender seus

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braços e inclinar-se em minha direção, pedindo


silenciosamente por um abraço. Retribuí o gesto e
assim que a garota apoiou seu rosto em meu ombro,
o choro até então, silencioso tornou-se audível e
ainda mais triste. Não, triste não seria a palavra
adequada, doloroso fazia muito mais jus.
— Por que o Hunt tinha que estragar tudo,
Amy? Por que ele tinha que destruir a única coisa
boa que me aconteceu nos últimos tempos?
Eu nem sequer poderia pensar em lhe dar
uma resposta. Não defenderia o que Hunter fez,
mas também não queria acusá-lo, culpá-lo. Apesar
do que houve, simplesmente não conseguia dizer
nada contra.
— Como foi lá no hospital? — Tentei uma
abordagem diferente. — Neville teve alta?
Levou algum tempo para Hanna me
responder. Ela se afastou e desfez o abraço, usando
as mãos para secar o rosto em um gesto nada sutil.
Somente então quebrou o silêncio, mas me
preocupou o tom apático com o qual me relatou o
que acontecera.
— Felizmente não teve nenhuma lesão

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interna, esse era o meu maior medo. Mas o rosto


dele... — Fechou os olhos com força, como se
estivesse tendo uma recordação bem ruim. —
Hunter foi com tudo pra cima do Neville, o mataria
a socos se o Lewis não o tivesse impedido.
— Sinto muito, Hanna. — Segurei suas mãos
e as apertei, num gesto de conforto.
— A gente estava assistindo televisão e
acabamos pegando no sono. O Hunt mal aparecia
por lá, passava a maior parte do tempo contigo,
então eu sugeri que ficássemos na sala. — Fechou
os olhos de novo, enquanto balançava a cabeça em
negativa. — Como fui burra em me arriscar tanto?
— Hanna, não fale assim...
— A culpa foi toda minha, Amy! — Puxou
suas mãos para voltar a secar o rosto, tentando
impedir o choro voltar com toda força. Estava se
contendo ao máximo, era perceptível. — Neville
queria conversar com o Hunt, mas eu não deixei.
Fui medrosa! Veja no que deu... Perdi o único cara
que amei na vida. Agora ele não me quer mais,
Amy... Neville terminou nosso namoro e pediu que
o Leon o levasse para Manchester. Ele vai
comunicar aos pais que decidiu trancar a faculdade
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e quer morar com os avós maternos, em Galway.


— Oh... — Eu não sabia o que dizer.
— Assim que os pais dele o virem, não
duvido que permitirão que Neville vá morar na
Irlanda. Ele disse no hospital que foi assaltado...
não quis prestar queixa contra o Hunter, mesmo
depois do que houve.
— Dê um tempo a ele, Hanna. Vocês todos
se conhecem há anos. Neville, os caras... Imagino o
quanto deve ser difícil para todos, mas ainda é bem
recente e perfeitamente compreensível que cada um
tenha seu momento para pensar no que houve e...
— Balancei a cabeça com força. — Desculpe! Nem
sei o que estou dizendo, você desabafando comigo
e eu tentando bancar a conciliadora. — Soltei um
longo suspiro. — Só posso dizer que sinto muito,
muito mesmo. Neville é um cara incrível e ama
você, não acho que ele desistiria tão fácil, não
depois de ter descoberto que você retribui seus
sentimentos e...
— Ele está fazendo isso por causa do Hunter
— interrompeu. — Mesmo depois do que houve,
Nev não quer ser o motivo de desavenças entre meu
irmão e eu... Escolhi ficar do lado dele, Amy. Não
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ia permitir que Hunter estragasse tudo de novo,


estava mais do que disposta a lutar por nós, a deixar
claro para o meu irmão que ele não tem poder
algum sobre mim, nem de decidir como devo levar
minha vida, a quem eu possa ou não amar. Ainda
assim, Neville desistiu de nós, não quis lutar, pois
já se sente derrotado. Isso está acabando comigo.
Hanna desabou outra vez e eu não consegui
fazê-la se acalmar. Acabei me deixando levar pela
onda de tristeza que a invadia e chorei com ela.
Talvez não por ela, não totalmente, talvez tenha
chorado um pouco por mim também, não poderia
afirmar com certeza.
— Eu sei que você e Hunter estão namorando
e passando bastante tempo juntos aqui em casa,
mas... — Hanna começou receosa, mas não permiti
que ela continuasse.
— Seu irmão e eu terminamos, Hanna. —
Tratei logo de esclarecer.
Os olhos arregalados de minha amiga
evidenciaram o quanto ela foi pega de surpresa.
— O quê? Por quê? Eu ouvi vocês ontem lá
no apartamento dos caras, foi graças a você que

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Hunter se acalmou.
Eu já havia chorado tudo o que tinha para
chorar, ao menos isso. Portanto, me mantive firme
enquanto contei tudo à Hanna. Era bom ter com
quem desabafar, pois não teria coragem de contar à
minha mãe que havia me apaixonado outra vez e as
coisas não terminaram bem. Ela provavelmente
pegaria o primeiro voo disponível para Londres,
quem sabe até fretasse um jatinho, só para me
convencer a voltar para casa, com medo de que eu
desabasse outra vez e voltasse a me autodestruir.
— Ah, Amy... Eu sinto tanto! Por favor, me
desculpe por toda essa confusão.
— Hanna, já chega! — Fiquei de pé e apoiei
as mãos na cintura, usando uma expressão
confiante e determinada para convencê-la de que
íamos superar tudo aquilo. — Vamos parar de
procurar um culpado para toda essa merda, hum?
— Só há dois culpados — insistiu. — Hunter,
por sempre agir antes de pensar e estragar tudo.
Além dessa superproteção exagerada que ele tem
comigo. E eu, por não ter dado um basta quando
percebi que ele estava extrapolando, invadindo meu
espaço. Mas isso acaba hoje, Amy!
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— O que quer dizer com isso, Hanna? —


Franzi o cenho.
A garota se levantou e pegou seu celular em
cima da mesinha de centro, pesquisou alguém no
contato e efetuou a ligação.
— A partir de agora, Hunter não vai mais se
meter na minha vida — disse enquanto quem quer
que fosse não havia atendido ainda. — E o primeiro
passo é proibi-lo definitivamente de entrar aqui.
— O que pretende?
— Trocar a fechadura. Eu me recuso a pedir
que me devolva a chave, não quero vê-lo. Estou
com tanta raiva!
Não consegui dizer nada, pois logo em
seguida Hanna começou a conversar e percebi que
falava com um chaveiro. Sinalizei que estaria no
meu quarto e me despedi com um aceno de mão.

Hanna me entregou a nova chave e preferi


não expressar nenhuma opinião a respeito. Eu já
não tinha mais nada a ver com Hunter e quando
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tive um conflito com ele, antes de namorarmos,


Hanna ficou do meu lado e o proibiu de frequentar
nosso apartamento para que eu não tivesse que lidar
com sua presença inconveniente. Era a minha vez
de entender que ela precisava se manter afastada do
irmão e apoiá-la, afinal, eu também não queria ficar
me encontrando com ele.
Estávamos seguindo em frente, juntas, mas
cada uma com sua própria tristeza. Da minha parte,
sentia que estava prestes a explodir a qualquer
momento. Há muito tempo eu não me sentia assim.
Quer dizer, nem tanto tempo assim, a última vez foi
no Halloween e deu no que deu.
Por que tudo tinha que remeter àquele garoto
problema?
Droga! Que raiva!
Após um banho, vesti uma das roupas que
costumava usar durante meus treinos de muay thai.
Praticar um pouco me ajudaria a espairecer. Eu não
costumava treinar à tarde, nem sabia se conseguiria
um espaço naquele horário, mas de toda forma iria
para a academia e se não pudesse ter aulas, faria
uma corrida pelos quarteirões vizinhos, até me
sentir exausta o bastante para cair em um sono
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pesado, após, tomar outro banho. Eu só queria me


desligar um pouco.
— Academia? Tá falando sério? — Hanna
tinha acabado de sair do banheiro quando avisei
que iria treinar um pouco.
— Preciso bater em alguém, e é melhor que
esse alguém seja um saco de areia.

Assim que entrei na academia, olhei em volta


procurando por Cameron, meu instrutor. Tamanha
foi minha surpresa ao encontrá-lo de manopla,
servindo de parceiro para Zach que treinava socos e
ganchos.
Pensei que ele tivesse parado.
Por um momento, Zach se distraiu e olhou
em minha direção, franzindo o cenho antes de
voltar sua atenção ao treino. Deixei meu par de
chinelos ao lado do tatame e já descalça comecei os
exercícios de aquecimento.
— Que surpresa te ver aqui a essa hora. —
Cameron se aproximou enquanto eu terminava a
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última sequência de abdominal.


Ele estendeu a mão para me ajudar a levantar.
— Obrigada. Se tiver uma vaga disponível,
eu bem que preciso dar alguns socos e chutes. —
Sorri sem graça, coçando a nuca, e em seguida,
enrolando meu cabelo preso em um rabo de cavalo
para que ficasse em um coque.
— Está tudo bem?
— Já estive pior, só preciso me concentrar
em algo.
— O.K. Importa-se de Zach te auxiliar? Vou
para o meu intervalo do lanche.
— Sem problemas.
Acenei para Cameron enquanto ele saía do
tatame, após chamar Zach e instruí-lo. Ele me
olhou de soslaio enquanto ouvia nosso professor, e
não demorou muito para se aproximar, de cabeça
baixa, olhando-me somente quando parou a minha
frente. Nenhum de nós disse nada por um tempo até
que decidi quebrar o silêncio.
— Se tiver algum problema pra você, eu estar
aqui agora, posso voltar mais tarde.

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— Amy, não! Está tudo bem — franziu a


testa e deu um sorriso pesaroso. — Eu quis dizer
que, tudo bem a gente treinar juntos hoje.
— Obrigada.
Durante uma hora e meia eu estive
completamente absorta no treino, executando as
sequências que Zach me passava. Segundo ele,
eram os mesmos exercícios que Cameron havia lhe
passado no seu próprio treino, visto que eu e ele
começamos a praticar na mesma época.
— Pensei que tivesse desistido — revelei,
após sairmos do tatame e juntos caminhamos até o
bebedouro.
Aguardei enquanto ele abastecia sua garrafa
de água e quando chegou minha vez, bebi direto do
bebedouro.
— Parei uma semana, mas senti falta. Não
quis continuar à noite porque me sentia cansado
demais para as aulas de manhã, então mudei meu
horário.
Terminei de beber água e o encarei.
— Sabemos que não foi só por isso, não é
mesmo? — Desafiei.
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Zach desviou o olhar.


— Em parte foi, mas eu também não queria
ficar perto de você — confessou, encarando o chão.
Embora eu já soubesse, ouvir em voz alta não
tornava aquela verdade menos triste.
— Sinto muito por tudo, Zach.
Eu realmente sentia e não apenas porque as
coisas entre Hunter e eu deram errado, mas porque
considerava Zach um bom amigo e tê-lo se
afastando de mim, deliberadamente, não era algo
com que eu conseguisse lidar com facilidade.
— Vai pra casa agora? — Ignorou o pedido
de desculpas.
Soltei a respiração antes de responder.
— Tem alguma sugestão diferente?
— Podemos dar uma volta se não for
problema.
— Por que seria? — Peguei-me sorrindo.
— Hunter pode não gostar de te ver comigo,
agora que estão oficialmente juntos.
Meu sorriso se desfez e ele me encarou

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confuso.
Comecei a caminhar em direção à saída,
acenando para Cameron que já estava de volta à
academia. Zach seguiu ao meu lado e quando
alcançamos a calçada, indo na direção oposta do
prédio aonde morávamos, ainda sem destino certo,
parei um pouco e ele fez o mesmo, observando-me
com curiosidade.
— Hunter e eu não estamos juntos, Zach.
Acabou. — Retomei a caminhada, arrependida de
não ter levado comigo uma jaqueta de moletom.
Era fim de tarde e o friozinho começava a dar
o ar de sua graça.
— Por causa do que houve ontem? — Sua
voz soou pesarosa.
Dei de ombros e continuei caminhando, sem
coragem de encará-lo.
— Hunter considera uma traição da minha
parte eu saber sobre namoro da Hanna e não ter
contado nada a ele. Enfim, você o conhece bem e já
deve ter imaginado que não foi nenhum pouco
agradável a maneira como ele explanou seus
sentimentos.
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Tentei ao máximo não demonstrar o quanto


me sentia arrasada por dentro, porque eu precisava
acreditar que tudo ficaria bem e era um bom
começo que mostrasse isso as pessoas ao meu
redor.
— Foi por isso que me afastei — confessou
Zach. — Perdoe a franqueza, Amy. Mas era
previsível o desastre. Você e Hunter, não consigo
entender como aconteceu.
Balancei a cabeça em negativa, abrindo um
sorriso sem emoção.
A regra era sorrir para não chorar.
— Pra falar a verdade, nem mesmo eu
entendo.
— É uma merda não mandar no coração, não
é mesmo? — Sua pergunta foi feita em um tom
triste.
Bastou que nossos olhares se encontrassem,
ali parados na calçada, para que eu soubesse o
verdadeiro significado de suas palavras.
— Zach, eu sinto muito. De verdade. —
Toquei seu ombro, mas ele se afastou dando um
passo para trás.
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— Não sinta, Amy. Porra, eu é que sinto


muito! — Balançou a cabeça com pesar. — Você
nunca me deu esperanças, eu que alimentei isso
dentro de mim. Sabia que Hunter ia te magoar,
mais cedo ou mais tarde e por isso me afastei,
esperei que acontecesse, e veja só, aconteceu. Só
que detesto te ver assim tão triste. Além disso, ter
seu coração partido por ele não faria você me amar
de um dia pro outro.
— Se eu pudesse escolher quem amar...
— Não diga! Por favor — Implorou —
Apenas não diga o que sabemos o que não irá
acontecer. — Aproximou-se e segurou-me pelos
ombros, depositando um beijo em minha testa. —
Eu vou superar, Amy. Não é como se nunca mais
pudesse ser capaz de amar uma garota, depois de
você. Quero dizer, espero que consiga, senão vai
ser uma droga.
Soltei a respiração gradativamente,
começando a sentir a exaustão pela qual tanto
busquei.
— Não fale assim, Zach.
Ele riu, sem humor.

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— Vou superar, mas me preocupo com você.


Em um gesto instintivo, o abracei.
— Sei disso, também me preocupo contigo.
Zach retribuiu o abraço e senti o beijo
delicado no topo da minha cabeça.
— Você vai ficar bem, depois de tudo?
— Espero que sim, já sofri por amor antes.
Dói pra caramba, mas acho que consigo dar a volta
por cima de novo.
— Você é uma garota forte.
— Obrigada.
Assim que nos afastamos do abraço, Zach
tirou sua jaqueta e a ajeitou sobre os meus ombros.
— Estou suado do treino, mas se não se
importar... sei que está com frio.
— Valeu, Zach. — Vesti a jaqueta e coloquei
minhas mãos nos bolsos laterais. — Ainda não te
devolvi a outra jaqueta, mas prometo fazer isso
logo.
— Sem problemas, ficou bem em você. —
Piscou-me um dos olhos.

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Recomeçamos a caminhada, mas alguns


passos depois Zach tornou a parar e me encarou
intrigado.
— Por acaso Hunter tirou alguma foto sua
naquela Polaroid?
Franzi o cenho, não entendendo como e o
porquê ele saberia de algo tão pessoal entre mim e
Hunter. Quer dizer, por que Zach deduziria aquilo?
Era comum que namorados tirassem fotos juntos,
mas meu sexto sentido me pôs em alerta.
— Como sabe? — Um nó se formou em meu
estômago e cerrei os punhos, tentando controlar a
ansiedade e o súbito nervosismo.
— Aquele idiota! — Rosnou entredentes,
fechando os olhos com força, demonstrando raiva.
De toda forma, seja lá o que aquilo
significava, eu podia sentir que não era nada bom.
— Zach, por que me fez essa pergunta?
Assim que seus olhos voltaram a encarar os
meus, percebi que sua raiva não havia ido embora.
— Por mais que odeie te dizer isso, acho
melhor você ver com seus próprios olhos.

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Estava escurecendo quando retornei onde


morava e subi às pressas pela escada. Apesar de
Zach ter insistido em me acompanhar, dispensei
sua companhia e saí correndo para descobrir o que
quer que fosse preciso.
Faltava-me fôlego quando finalmente
alcancei o corredor e parei diante da porta do
apartamento vizinho, tentando controlar a
adrenalina, e o presságio de que estava prestes a
testemunhar algo que me machucaria. Mas não
havia como evitar, precisava fazer aquilo.
Depois dos últimos acontecimentos, nada
mais poderia me surpreender. Ao menos era o que
eu pensava.
Que garota tola eu era!
— Ele está aí? — Fui direto ao ponto, assim
que Lewis abriu a porta, após eu bater
insistentemente.
— Não o vejo desde hoje cedo. Está tudo
bem? — Deu-me espaço para entrar, e eu o fiz
antes que mudasse de ideia e saísse correndo dali.
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Não respondi sua pergunta, tão grande era


meu grau de estresse. Caminhei a passos largos em
direção ao quarto de Hunter, e assim que toquei a
maçaneta da porta, a voz de Lewis me fez hesitar:
— Tem certeza que quer ver isso? — Seu
tom era de alerta.
Que merda havia naquele quarto para que os
amigos de Hunter se tornassem tão cautelosos?
— A não ser que neste quarto tenha corpos
de mulheres mortas pelo lendário Barba Azul, eu
vou entrar e você não vai me impedir. — Encarei
Lewis com ares de desafio e ele assentiu com um
gesto de cabeça.
— Por sua conta e risco, Amy.
Cansada de protelar e ansiosa para descobrir
logo o que havia naquele quarto que poderia ser tão
ruim, abri a porta e de imediato senti o perfume de
Hunter impregnar meu olfato. Foi um baque, pois
mesmo que não quisesse admitir, já sentia falta
dele.
Olhei em volta e me surpreendi com a
organização do cômodo mediano e aconchegante.
Dei alguns passos para dentro e comecei uma
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varredura ocular, decorando os detalhes de cada


canto até que finalmente encontrei o que estava
procurando.
— Oh meu Deus... — Cobri minha boca com
as mãos, abafando um gemido de dor.
Era o meu coração se partindo mais um
pouco, sem que eu pudesse fazer qualquer coisa
para evitar.
Que merda é essa?
Ao sentir um par de mãos tocarem meus
ombros, afastei-me bruscamente e encarei Lewis
com raiva.
— Você sabia dessas fotografias o tempo
todo! — acusei, sem medo de estar sendo injusta.
— Zach também sabia... Leon e Neville também?
Lewis desviou o olhar, sem responder.
— Mas é claro que sim — concluí em um
tom amargo. — Aposto que até mesmo Hanna
sabia que ele coleciona garotas como se fossem
figurinhas!
— Amy, por favor...
— O que eu fiz pra vocês? — interrompi,
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gritando. — Pensei que gostassem de mim, que


fossem meus amigos! Como permitiram que eu me
tornasse mais uma nessa coleção? — apontei para o
mural cheio de fotografias, onde inúmeras garotas
sorriam, e em algumas delas, Hunter também
aparecia sorrindo lhes fazendo companhia.
Nós havíamos tirado algumas fotos no
mesmo estilo no dia anterior.
— Sabe que não foi assim que aconteceu,
Amy. Sei que está chateada, mas não pense que nós
temos alguma responsabilidade nisso.
Lewis me encarava com tristeza e eu não
sabia se me sentia agradecida por sua compaixão,
ou ficava com mais raiva por ele saber o quanto
aquilo era insano e ainda assim ter me escondido o
fato.
— Não posso acreditar que fui tão burra,
mais uma vez... — murmurei para mim mesma,
inconformada. — Sempre tentando ser a voz da
razão, hum Lewis?
Pensei que tivesse aprendido a lição do jeito
mais doloroso possível. Mas a quem eu queria
enganar? Todos os sinais de que Hunter era um

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problema estiveram diante de mim desde o início.


Só não passou pela minha cabeça que ele pudesse
descer tão baixo.
— Veja bem o que fala e como fala, garota.
Está me julgando da mesma forma que Hunter fez
com você hoje cedo — repreendeu.
Engoli em seco, sentido o peso da verdade
me atingir com força.
— Desculpe, eu... — Não consegui concluir.
Fechei meus olhos e quando os abri outra vez, as
fotografias estavam todas ali ainda.
— Eu juro que não sabia que Hunter ainda
possuía essas fotos, até ontem à noite, quando
trouxe as coisas dele pra cá depois daquela
confusão — Interveio Lewis outra vez. — Pensei
que ele tivesse jogado fora depois que vocês
começaram a namorar. Os caras sabiam que Hunter
tinha o hábito de pendurar fotografias com garotas
em um mural, mas não era algo que pudessem se
lembrar o tempo todo, sabe? Com Hanna a mesma
coisa. Não é como se entrássemos neste quarto para
conferir quantas delas estavam penduradas ali,
Hunter é bastante reservado. Além disso, se em
algum momento eu ou os caras desconfiássemos
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que Hunter estava apenas brincando com seus


sentimentos, Amy, com certeza não teríamos
permitido. Você também é nossa amiga. Mas não
acredito que seja o caso, ele gosta mesmo de ti.
Eu me aproximei da parede aonde havia o
mural de fotos penduradas em varais de barbante,
presas com prendedores de roupa.
— Isso é tão errado, Lewis... em uma
proporção imensa.
Senti as lágrimas assumirem o controle,
rolando mornas pelo meu rosto. Nem me dei ao
trabalho de controlá-las.
E eu que pensei não ter mais nenhuma
gotinha sobrando depois das últimas horas...
Ouvi os passos de Lewis logo atrás de mim.
Embora ainda estivesse chateada por todos eles
saberem, menos eu, compreendi que, assim como
guardei o segredo de Hanna e Neville, todos eles
fizeram algo bem parecido em relação ao Hunter.
— Ele te ama, Amy.
— Assim como ama todas elas? — Olhei-o
por sobre o ombro, minha visão embaçada pelo
choro.
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Ele negou com um gesto de cabeça e apontou


com o dedo em riste para o maldito mural.
— Olhe com atenção. Sua foto está ali?
Cheguei mais perto e procurei atentamente
entre as fotografias ali penduradas.
— Não está.
— Deve haver um motivo para isso, não
acha? — A suavidade em sua voz era apaziguadora.
Virei-me para encará-lo e passei as mãos pelo
rosto encharcado.
— Não vou alimentar nenhum tipo de
esperança, Lewis. Meu namoro com Hunter
acabou. Isso aqui já não importa, porque é só mais
uma prova de quanto eu ainda não o conheço, de
como estivemos cegos por causa de uma atração
que não é saudável para nenhum de nós. —
Respirei fundo antes de continuar. — Hunter me
acusou de ter traído sua confiança, de ter feito com
que se distraísse em relação à Hanna e... que merda
é essa? — Apontei para o mural. — Como pode me
acusar quando seu próprio teto é de vidro?
— Ele está perdido, só isso.

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— Nem você tem argumentos para defendê-


lo.
— Não acho que Hunter precise ser
defendido. — Ele me encarou com uma seriedade
assombrosa, caminhando rumo a porta do quarto.
— Ele precisa ser salvo...
Não entendi e acho que a expressão em meu
rosto deixou isso bem claro, pois antes de sair e
fechar a porta, Lewis completou:
— ...de si mesmo.

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“Deixa-me te contar uma coisa sobre essa garota


Eu achei que ela reorganizaria o meu mundo
É necessário um tipo particular de garota
Para prender meu coração
Então por que estou sentindo isso em meu peito?”
This Must Be My Dream ~ The 1975

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— Você é um fodido de merda!


Eu nem tive tempo para assimilar de onde
Zach havia aparecido, pois o cara veio com tudo
para cima de mim, me segurando pela camiseta e
me pressionando contra a parede do nosso prédio.
— Me diga algo que eu ainda não saiba,
Zachary! — Não me dei ao trabalho de afastá-lo.
Eu meio que estava precisando levar alguns
socos, talvez ele pudesse me ajudar.
— Por que você é assim, cara? — Continuou,
furioso. — Ferrou tudo com as pessoas que mais se
importam contigo!

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— Isso também não é nenhuma novidade pra


mim.
Eu já havia refletido o suficiente naquele dia
para me dar conta de todas as merdas que fiz e falei
nas últimas vinte horas. O pior de tudo é que um
pedido de desculpas não adiantaria, nem mesmo
ficar de joelhos e implorar perdão. Isso porque eu
sabia que estragar tudo era praticamente meu
modus operandi. Um comportamento que não
mudaria do dia para a noite, porra!
Depois do que Hanna me disse, foi como se o
chão tivesse desabado sob os meus pés e fui
engolido por uma escuridão que me deu medo pra
caralho. Era a rejeição da única pessoa que nunca
quis decepcionar na vida, a única família que eu
tinha de verdade.
Acabei voltando para o meu carro e
perambulei por Londres outra vez, tentando colocar
os pensamentos em ordem. Nada que eu fizesse
reverteria os estragos que causei à Hanna e
Neville... a Amy.
Perdi minha garota... Não, eu lhe dei as
costas!

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— Eu te avisei, Hunter! — Zach se afastou, e


passou as mãos pelos cabelos, com força, tentando
controlar sua raiva.
Queria ter coragem o bastante para pedir que
ele me batesse. Mas não era justo. Não com Zach.
Envolvê-lo nas minhas merdas seria egoísmo
demais e eu tinha que parar de cometer idiotices.
Lewis já tinha sido afetado, Leon também.
— O que está acontecendo aqui?
Por falar em Lewis, eis que ele surgiu, saindo
do prédio. Encarou a mim e Zach com ligeira
desconfiança, mas percebi o quanto estava tenso e
não parecia ser por nossa causa.
— Seria mais uma sessão de lição de moral,
se você não tivesse interrompido — respondi com
sarcasmo, não conseguindo evitar. — Quer se
juntar ao Zach e jogar na minha cara o quanto fui
um babaca, escroto, idiota, e todos os adjetivos de
merda que não consigo me lembrar agora?
— Você é um filho da puta! — gritou Zach,
vindo para cima de mim outra vez, mas sendo
impedido por Lewis que o segurou.
— É, eu sou sim!
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Por mais que não quisesse provocá-los, não


conseguia me controlar. Era mais forte que eu.
— Você não a merece! Amy é boa demais
pra você — resmungou Zach, ainda sendo segurado
por Lewis. — Como teve coragem de fotografá-la
como fez com todas as outras?
Do que ele estava falando?
— Não fala merda, Zachary! — revidei,
aproximando-me dele e Lewis. — Amy nunca foi
como as outras, ela é especial.
Mesmo com tudo o que aconteceu e a forma
como terminei meu namoro com Amelia, dizer que
ela não era importante para mim, ou diferente em
relação às outras garotas com quem já fiquei, seria
uma grande mentira. Eu já guardava segredos
demais, não precisava de mais um para pesar em
minha consciência. Custei a admitir meus
sentimentos por ela, mas depois que o fiz, não
voltaria atrás. Mesmo que não estivéssemos mais
juntos, o que era culpa minha.
— Pois, saiba que ela não está se sentindo
nem um pouco especial, Hunt. — Foi Lewis quem
respondeu, em um tom de pesar que me deixou

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cauteloso. — É melhor você ir até o seu quarto


agora.
Sem me dar ao trabalho de especular o que
Lewis quis dizer com aquilo, saí em disparada para
dentro do prédio, subindo os degraus de dois em
dois, mal respirando direito.
Amelia? Meu quarto? Não, não, não... Isso
não, porra!

— Em que momento você ia pendurar minha


foto neste mural?
Amy estava sentada em minha cama,
segurando uma das fotografias dela que tirei na
Polaroid. Assim que abri a porta do meu quarto e
nossos olhares se cruzaram, soube que a havia
quebrado de forma irreparável. Ao me deparar com
essa realidade, desejei ser chutado na bunda direto
para o inferno.
Fechei a porta atrás de mim, mas não me
aproximei dela. Continuei a observando, o rosto
úmido pelas lágrimas, os olhos e nariz
avermelhados, sua expressão de tristeza iminente.
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— Não, Amy...
Ela se levantou de supetão e foi até a parede
onde estava aquele maldito mural.
— Nem precisa se dar ao trabalho, eu mesma
faço isso por você.
Somente quando percebi o que Amelia estava
prestes a fazer é que meu corpo reagiu e consegui ir
até ela, segurando seus pulsos, tomando o cuidado
para não a machucar.
— Eu juro que não ia fazer isso, Amy!
Ela reagiu e começou a forçar os braços com
as mãos fechadas, tentando distribuir socos em meu
tórax. Acabei permitindo, pois já que Zach não
havia me batido, ao menos Amelia me faria sentir
um pouco de dor física... eu queria que essa dor se
sobressaísse a que sentia por dentro, na alma. Só
que não chegava nem perto.
— E o que pretendia fazer com minhas fotos?
— gritou, a voz rouca por causa do choro. —
Colocar na sua carteira? Pois saiba que não acredito
em você!
— Eu ia jogar fora... — Tentei explicar,
afastando-a para impedi-la de continuar me
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batendo.
Amy soltou uma risada cheia de sarcasmo e
deu alguns passos para se distanciar de mim.
— Não sou digna do seu mural ridículo? Por
quê? Sou mais uma garota que você fez sorrir antes
de partir o coração...
— Eu estou me referindo as fotografias do
mural, Amy! — interrompi, sentindo meus olhos
arderem. — Vim para jogá-las fora ontem à noite,
mas então encontrei Neville e minha irmã... —
Passei as mãos pelo rosto, já sentindo a umidade
das lágrimas. — Não aja como se você não fosse
importante pra mim!
— Eu não sou, Hunter — revidou. — Não
sou mesmo!
— Você é sim! — gritei, já não me
importando em ceder ao choro.
Minha vida estava virada de pernas para o ar,
mas eu não podia permitir que Amy acreditasse
naquilo, quando tudo de mais bonito que já senti
era destinado a ela.
— Pelo amor de Deus! Você objetificou
essas garotas, Hunter! Pendurou suas fotos em um
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mural, como se elas fossem troféus.


— Não são troféus, são lembranças! Os
sorrisos... — Tentei mais uma vez fazer com que
ela entendesse.
Mesmo que eu nunca tivesse levado aquelas
garotas a sério, todas sempre estiveram cientes de
que nosso envolvimento era passageiro. Nunca
iludi nenhuma delas, fui sincero desde o primeiro
momento. Cada garota representada naquele mural
sabia que não seríamos namorados, conheciam e
aceitavam minha regra de que, após uma transa nós
não tornaríamos a nos encontrar. Nenhuma
fotografia as expunha de forma imprópria. Eram de
momentos descontraídos, na maioria das vezes
tirados entre uma conversa casual. Não havia nada
de pervertido ali, eu só gostava de ter a recordação
dos momentos em que as fiz sorrir para mim.
— Disse a elas que as amava? Que elas
faziam seu mundo girar ao contrário? — Amy
também chorava, o que me colocava ainda mais
para baixo. — Tudo o que me disse ontem, já disse
para todas elas, não foi? — Cobriu o rosto com as
mãos. — Como pude ser tão ingênua?
— No fundo do seu coração você sabe que
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isso não é verdade, Amelia. Tudo o que vivemos é


só nosso...
— Foi só nosso! Não é mais, porque já
acabou!
— Eu sei, tá legal? E por minha culpa, como
sempre. Não devia ter ido embora hoje cedo, nem
te falado aquelas merdas...
— Pode parar por aí, Hunter — Interrompeu,
me encarando com frieza. — Você teve a
oportunidade de conversar comigo e me deu as
costas, estou aqui por outro motivo, um que só
reforçou minha certeza de que a melhor coisa que
fizemos foi terminar o nosso namoro.
Suas palavras me atingiram em cheio e fiquei
novamente sem ação, digerindo o significado
daquela sentença. Amy caminhou até o mural e
desta vez não a impedi. Observei enquanto ela
pendurava sua foto no meio das outras e então
passou por mim, parando em frente a porta.
— Não chegue perto de mim, não me dirija a
palavra. Já conseguiu o que queria, Hunter Stevens,
transou comigo e agora já tem minha fotografia
enfeitando o seu mural. — Abriu a porta e saiu.

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Não, não, não... isso não pode acabar assim!


Eu me apressei em alcançá-la, impedindo que
Amelia abrisse a porta do apartamento, segurando
um de seus pulsos e fazendo com que seu corpo se
chocasse contra o meu. Foi um gesto brusco, mas
ela apoiou a mão livre em meu peito e inclinou o
rosto para que o seu olhar encontrasse o meu.
Estávamos um desastre total, físico e
emocionalmente esgotados.
— Sei que você está muito puta comigo
agora, e com toda a razão — murmurei com a voz
cansada, quase um sussurro. — Mas não posso te
deixar sair daqui acreditando que eu te usei.
— Não faz diferença alguma.
— Faz sim, toda a diferença. — Acariciei
seu rosto, interrompendo o trajeto de uma lágrima.
— Porque eu podia deixar que pensasse o pior de
mim. Todos me acusam de ser especialista em
machucar as pessoas com as palavras... sei que faço
isso. Mas não agora, Amelia. Não posso permitir
que se machuque com algo que não é verdade.
Mesmo que não estejamos mais juntos, e mesmo
que eu mereça ter você me odiando e evitando

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minha presença, seria mais fácil te deixar acreditar


que tudo não passou de um jogo, mas não foi.
Ela soltou um suspiro exasperado, causado
pelo choro que continuava silencioso, encharcando
seu rosto e deixando seus olhos brilhantes de
tristeza. Cada lágrima derramada por ela
significava um palmo mais fundo para o inferno
onde meu coração se enterrava.
Amy não disse nada, apenas fechou os olhos
com força.
Soltei seu pulso e segurei o rosto dela entre
minhas mãos, inclinando-me para apoiar a testa
contra a sua. Amy não recuou, mas seus braços
permaneceram inertes ao lado no corpo, pois ela já
não me tocava mais.
— Eu te amo, Amy.
— Você nem sabe quem sou.
Afastou-se de mim e voltamos a nos encarar.
Eu já sabia que a tinha perdido no instante
em que fechei a porta do seu quarto, no instante em
que encontrei meus pertences em caixas do lado de
fora do meu apartamento, mas me recusava que
fosse por causa daquelas malditas fotografias.
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— Sei tudo o que importa, e amo cada


pedaço seu.
Não me envergonhava por dizer em voz alta.
Era a mais pura verdade. Eu amava aquela garota e
seria ainda mais idiota se recusasse aceitar minha
realidade. O resto do mundo que se fodesse!
Poderíamos estar sozinhos ou diante de uma
plateia, eu nunca mentiria a respeito dos meus
sentimentos por Amelia Turner.
— Só que amor não é suficiente, Hunter. E
você diz isso porque não conheceu a pessoa que eu
fui. — Deu alguns passos para trás, em direção a
porta da sala.
— Não me importa quem você foi, Amy.
Mas quem você é. Assim como aquelas fotos no
mural, elas não importam mais, porque pertencem a
quem eu era antes de ter você pra mim. — Passei
as mãos pelos cabelos e soltei uma lufada de ar. —
Ontem você disse que sentia vergonha do seu
passado... pois bem, saiba que também me
envergonho do meu. Principalmente daquele mural
e da forma como costumava agir com as garotas.
Amy secou o rosto com a manga da jaqueta e
só então me dei conta de que era uma peça
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masculina.
Porra! Essa jaqueta é do Zach!
Engoli meu ciúme, fechando as mãos ao
ponto de cravar as unhas na pele. Forcei o maxilar,
me mantendo calado para não fazer novamente o
que fazia de melhor: machucar com as palavras.
— Tudo bem, Hunt. Eu acredito em você. —
Assentiu, soando sincera em sua declaração. —
Mas isso não muda nada entre nós.
— Eu já disse que...
— Sei o que disse, e estou dizendo a você
que acredito — Interrompeu, adotando novamente
sua postura impassível. — Mas nosso namoro já
havia terminado.
Amy abriu a porta, mas ainda não havia saído
para o corredor.
— Eu estava muito puto com o lance do
Neville e Hanna, minha mente se embaralhou com
todas as merdas que venho guardando durante tanto
tempo... porra, Amy! Você era quem estava mais
perto e... descontei em você. Sinto muito por isso,
de verdade!

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Ela já não chorava, mas seu rosto estava


pálido e eu sabia que, assim como eu, Amy estava
prestes a desabar.
— Eu nunca mais vou escolher outra pessoa
antes de mim, Hunter. Eu te avisei o que
aconteceria e você fez sua escolha. — Virou-se em
minha direção, mas permaneceu com a mão na
maçaneta. — Precisa admitir que tem problemas.
Não apenas admitir, mas buscar ajuda.
— Não tem nada de errado comigo! — Eu
sabia que era mentira. Sempre soube o que havia de
errado, só não queria admitir.
— Tá tudo errado! — insistiu Amy, em tom
baixo. — O fato de você não enxergar ou fingir que
não enxerga, é o pior dos problemas, Hunter. Não
vou entrar nessa, tá legal? E nem é porque eu não
te amo o suficiente. — Balançou a cabeça em
negativa, sem desviar o olhar do meu. — É só que
não posso te ajudar a se encontrar, se pra isso vou
me perder no processo. Não agora que finalmente
sei o que quero pra minha vida.
Ela tinha razão, porra!
Com tudo desabando a minha volta, eu

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precisava aceitar que havia chegado a hora de


tomar uma atitude ou acabaria por me autodestruir,
já que de certa forma acabei destruindo aqueles a
quem eu mais estimava. Protelei por tempo demais,
achando que daria conta sozinho. Preferi agir como
se não tivesse acontecido nada, fiz questão de
proteger Hanna e ergui uma barreira para que
ninguém me alcançasse, porque precisava ser forte
para minha irmã. Mas Amy conseguiu se infiltrar,
rompendo meus escudos emocionais, mostrando
que ainda havia coisas boas para alguém como eu,
para alguém com uma história como a minha.
Tudo o que eu precisava fazer era admitir, e
finalmente, me permitir. A constatação deste fato
foi como um belo soco de direita. Eu perdi Hanna e
Amy, mas ainda não tinha me perdido por
completo. Talvez houvesse um fio de esperança,
um pequeno feixe de luz no fim do longo e escuro
túnel.
— Você pode pelo menos acreditar que eu te
amo, de verdade? Que você é diferente das outras,
que eu não ia pendurar sua foto naquele mural...
Que aquela merda nem tem mais significado pra
mim? — Precisava ouvi-la uma última vez dizendo

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que acreditava.
— Isso já não importa mais.
— É claro que importa!
— Não, não importa! Porque amar não é o
bastante. E não é porque amamos alguém que
nunca iremos magoar essa pessoa. É preciso mais
que amor, Hunter. É preciso confiança e respeito. E
mesmo que ainda te ame e acredite no que disse
sobre as fotografias, já não confio em você. Quanto
ao respeito, se lembra das merdas que disse hoje
cedo, não lembra? Porque acredite, eu não esqueci
nenhuma fodida palavra.
— Não foram sinceras.
— Pior ainda! Você usa as armas que tem.
Então você machuca de propósito, usando as
palavras certas pra isso. E não vou permitir que
faça de novo. Não comigo.
Assenti, balançando a cabeça e fechando os
olhos com força. Constatar o quanto a feri estava
acabando comigo. Eu a fiz desistir de nós.
— Amy, eu sinto muito.
— Não tanto quanto eu sinto, Hunter.

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— Vou procurar ajuda, prometo. — Mantive


os olhos fechados e a cabeça baixa. Minhas mãos
ainda fechadas, as unhas enterradas na pele
provavelmente me fazendo sangrar.
— Eu preciso ir agora.
Assenti outra vez, tornando a olhá-la.
— Tá partindo meu coração em mil pedaços,
garota.
Ela deu um passo para fora do apartamento,
olhando-me por sobre o ombro.
— Sei bem como é isso. Mas vai por mim,
tem conserto. Consegui uma vez e posso fazer de
novo, então acho que você também consegue.
Permaneci ali por mais um tempo, encarando
a porta fechada e sentindo a solidão invadindo o
espaço tão logo Amy foi embora.
Eu tinha uma promessa a cumprir.
A partir daquela noite, me tornei um cara
com uma missão.

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Lewis entrou no meu quarto assim que joguei


o emaranhado de fotos, barbantes e prendedores,
dentro de uma caixa de papelão. Não demorei
muito para desmontar o mural, tudo o que mais
queria naquele momento era observar a caixa
pegando fogo e transformando em cinzas aquelas
lembranças, que já não surtiam efeito algum sobre
mim.
— Vocês conversaram?
Anuí, exausto demais para dizer qualquer
coisa. Eu me inclinei para pegar a caixa nos braços
e saí do quarto carregando-a, sem me dar ao
trabalho de comunicar a Lewis aonde iria e o que
pretendia fazer.
Se ele quisesse saber, que me seguisse.
Bem, foi o que ele fez.
Percebi que estava sendo seguido, enquanto
descia a escada e logo saí do prédio rumo ao
estacionamento. Depositei a caixa no chão, em um
local mais afastado, e só então me dei conta de que
não havia providenciado o principal: uma caixa de
fósforos.
— Aqui, eu tenho um isqueiro, se você
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quiser.
Fitei-o por sobre o ombro, me mantendo
agachado. Ele estendeu o objeto e assim que o
peguei, foquei imediatamente em fazer o fogo
prosperar. Já era noite e a temperatura começava a
abaixar naquela época do ano, mas não foi difícil,
as chamas se espalharam pelas fotografias
amassadas, trazendo certo alívio.
Um problema a menos com que me
preocupar.
Fiquei de pé e me afastei por segurança,
ficando ao lado de Lewis que também observava
com demasiada atenção as labaredas tomarem
conta da caixa. Cruzei os braços e soltei o ar dos
pulmões, inalando um pouco da fumaça.
— Se você ainda tem um isqueiro, é porque
não parou de fumar — comentei o óbvio.
— Um dia eu paro, deixa rolar.
— Você que sabe.
Não dissemos mais nada até que a caixa se
desmanchasse por completo, tornando-se cinzas.
Lewis me fez companhia até que a última fagulha
se apagasse.
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— Vou sumir por um tempo — falei


enquanto retornávamos para o apartamento. — Só
tô avisando pra vocês não pensarem que eu morri
ou fui sequestrado, essas merdas que passam em
seriados policiais. Mas não precisa comentar com
ninguém. Quero dizer, lá na faculdade, porque
Amy e Hanna obviamente ligaram o botão do
“foda-se” pra mim.
— Como assim, cara? Você não é de faltar
aula, e seu emprego na danceteria? Quanto tempo
pretende ficar fora? Pra aonde vai?
Parei assim que entramos no prédio e me
virei para Lewis. Não queria correr o risco de
alguém nos ouvir lá em cima.
— Perguntas de mais, Lewis. Tenho umas
paradas pra resolver depois das merdas que fiz.
Deixar vocês em paz por um tempo, é o mínimo
que posso fazer. — Começamos a subir os degraus.
— Não sei o que dizer.
Dei uma risadinha.
Sim, eu achei engraçado!
— Tá aí uma novidade — retruquei com um
bom humor que estava longe de sentir.
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— Pra você ver como estou confuso, cara.


Chegamos ao corredor e engoli em seco
quando encarei a porta do apartamento vizinho.
Hanna não havia me pedido a chave, preferiu trocar
logo a fechadura e evitar falar comigo. Amy
recolheu todos os meus pertences do limbo e os
deixou em minha porta, também me evitando. As
duas garotas mais importantes da minha vida, não
queriam mais que eu fizesse parte das suas.
O que vai ser de mim a partir de agora?
— Se você acha que está confuso, então não
sei bem que palavra usar para descrever como estou
me sentindo — confessei num sussurro cansado. —
Na verdade eu sei.
A passos largos fui rumo ao nosso
apartamento e abri a porta que estava destrancada.
Nem me dei ao trabalho de olhar em volta e
constatar se Leon ou Zach estavam por ali, fui
direto para o meu quarto.
— Qual é? — perguntou Lewis, assim que
abri a porta. Encarei-o sem entender. — A palavra
que descreve como está se sentindo agora.
— Perdido.
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“Finalmente nos afetamos


E partimos nossos corações
Se queremos viver um amor jovem
Melhor começarmos hoje...”
Not Today ~ Imagine Dragons

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Hunter Stevens não saía da minha cabeça,


assim como não saía do meu coração e eu estava
começando a me odiar por isso.
Queria entender como é que funcionava esse
tipo de coisa. Razão e emoção, a linha tênue entre o
amor e o ódio, o amor próprio e a vontade louca de
correr desesperadamente para os braços de alguém,
que já foi o motivo de lágrimas e muita mágoa.
Eu aprendi do jeito mais difícil que o amor
pode machucar. Não só quando a pessoa que dizia
me amar fez coisas para me ferir, mas também
quando eu achava que para ser amada, tinha que
aceitar ser ferida. Achava que merecia ser ferida
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para ser digna do amor daquele que dominava, não


apenas, os meus sentimentos, mas minha mente. No
final, quando consegui me libertar, prometi a mim
mesma, diante de um espelho, que me amaria em
primeiro lugar e isso seria mais que o suficiente.
Eu me amava! E justamente por este motivo
sabia que não podia ceder a saudade que sentia de
Hunter, nem ao desejo de perguntar a um dos seus
amigos por onde ele andava, já que há dias não o
via por aí. Nenhum encontro casual pelo corredor
do prédio ou na lavanderia, nem pelo Café New
Cross ou até mesmo no campus da Goldsmiths.
Ele havia simplesmente desaparecido de
vista.
Tão contraditório! Deixei claro que não
queria vê-lo, nem o ouvir ou falar com ele. E
quando meu desejo se realizou, era como se eu
estivesse em abstinência. Isso me deu medo, pois
não queria, mais uma vez, estar dependente
emocionalmente de outra pessoa.
“Não foi o que eu imaginava
O que eu esperava de um grande amor
Se foi e não me restou nada
A não ser as lágrimas que trouxeram dor
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Você não quis ficar comigo


Não me deu abrigo quando eu precisei
E eu perdi o meu sorriso
Que você achava lindo quando eu te dei

Agora eu não quero nada


Não me ofereça nada
Eu não te peço mais nada
Já não me importa mais nada

E a camiseta jogada no chão do meu


quarto
Eu vou te devolver
Porque eu não quero ter nada
Que um dia tenha pertencido a você...”
(Nothing Else – Amy Turner).
Ele não deveria me inspirar canções.
Mas a quem eu estava tentando enganar?
Não era como se o meu coração pudesse ser
reprogramado.

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O Dia de Ação de Graças havia finalmente


chegado e seria o primeiro que eu passaria longe de
minha mãe. Com as emoções à flor da pele, devido
a tensão pré-menstrual e todo o drama que passei
nos últimos dias, me sentia carente de colo
materno. Para isso eu não podia negar o quanto
mamãe era maravilhosa. Embora na maior parte do
tempo detestasse seus excessos, naquela quinta-
feira em especial, o que eu mais desejava no mundo
era estar em meu quarto, em Old Bel Air, deitada na
enorme cama e sendo paparicada pela única pessoa
que me amava acima tudo e todos.
Tal constatação me fez perceber duas coisas.
Primeiro: aquela era a última semana do mês
de novembro.
Segundo: eu precisava ligar para minha mãe
antes que ela me acusasse de ser uma filha
negligente.
Estive concentrada demais nos estudos, me
preparando para as aulas de desempenho e
workshops práticos antes do recesso de Natal e
Réveillon. Nas horas vagas, para extravasar a
tristeza iminente, eu usava a música como forma de
expurgar a mágoa e dar voz aos pensamentos
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conflitantes de minha mente e sentimentos


contraditórios do meu coração. O resultado eram
composições melancólicas e alguns textos sem
conotação musical, mas que serviram como forma
de desabafo, quase transformando meu caderno de
música em um diário pessoal.
“Não era para ser mais uma canção de
amor, mas o que fazer quando o seu
coração só consegue se lembrar de um
sorriso perigoso? Eu devia ter dito não,
mas o sim fluiu tão naturalmente, e
cada vez que me olho no espelho não me
reconheço mais.
Era para ser mais uma canção de amor,
mas agora estou chorando. Então, o que
aconteceu com aquela canção de amor?
O que aconteceu com o ‘eu quero você
para sempre’? Ele foi embora junto
com as promessas vazias.
Então, o que aconteceu com aquela
canção de amor? Ela se perdeu no
caminho da solidão ou talvez ela nunca
tenha existido?”
Eu preferia escrever e cantar ao invés de
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conversar com Hanna sobre como estava me


sentindo, principalmente porque ela também sofria
o término do seu namoro com Neville. Além disso,
minha amiga havia rompido o contato com Hunter,
impedindo-o de interferir em sua vida e o excluindo
de sua rotina. Em comum acordo, consideramos
que para superarmos logo nossa fase ruim, não
lamentaríamos uma com a outra, a respeito do que
aconteceu naquela noite e o dia seguinte a ela.
Talvez fosse por isso que minha inspiração
praticamente exalava pelos poros. Uma pena era o
melancolismo das canções, mas ainda assim não
deixava de ser um trabalho do qual me orgulhasse.
Compor era algo que eu fazia com a alma, acima de
qualquer técnica. Música, para mim, precisava
expor os sentimentos que não queriam permanecer
ocultos, fossem eles tristes ou felizes.
Cogitei mostrar ao Leon as composições
novas, e talvez pedir sua ajuda para aprimorar os
arranjos. Mas logo descartei a ideia.
Hanna e eu também demos um tempo aos
garotos do apartamento vizinho, evitando até
mesmo frequentar o Café New Cross. Eles eram
próximos demais daqueles a quem decidimos não
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saber mais sobre, e para evitar cedermos a


eventuais momentos de fraqueza e questioná-los
em busca de qualquer informação sobre Hunter e
Neville, consideramos que o mais sensato seria
mantermos distância de Leon, Lewis e Zach. Eu até
parei de frequentar as aulas de muay thai naquela
semana, pois perdi a empolgação. Os rapazes
ficaram chateados, mas acabaram por nos entender
e respeitaram nossa decisão.
E os dias que se seguiram quase beiravam a
normalidade. Uma normalidade estranha, a bem da
verdade, mas era apenas o período inicial de
adaptação à nossa nova rotina.
— Amy, meu amor! Pensei que tivesse me
esquecido! — O tom teatral de mamãe, do outro
lado da linha, vinha carregado de uma pitada de
humor. — Feliz Dia de Ação de Graças, querida.
Aqui ainda não é quinta-feira, mas sei que foi por
isso que me ligou.
— Feliz Dia de Ação de Graças, mãe. Perdão
por não ter ligado antes, está bem corrido por aqui e
são oito horas de diferença, lembra? Mas eu sabia
que estaria acordada ainda.
Sua risada só fez com que eu sentisse mais
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saudade.
— Verdade, isso significa que enquanto estou
prestes a ir dormir, você está prestes a se arrumar
para ir à universidade.
— Sim. E então? Tudo organizado para o
almoço de Ação de Graças? — Eu sabia o quanto
ela adorava se envolver com os preparativos.
Houve um momento de hesitação antes que
mamãe voltasse a falar.
— Ah, querida! Sem você aqui eu não estou
animada para comemorações. — Soltou um suspiro
exasperado. — Sinto-me nostálgica, sabe? E não
vejo a hora de te ver! Pensarei em algo especial
para nosso Natal e Réveillon.
Até que seria interessante ver como me sairia
em Bel Air, depois da minitemporada em New
Cross, na pele de uma simples universitária. Uma
ex-patricinha, por assim dizer, frequentando outra
vez um ambiente ao qual não sentia mais que se
encaixasse.
Eu estava enxergando aquele momento como
um teste. Depois de tudo, seria bom saber se era
apenas uma fase onde optei me manter reservada
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por um tempo, ou talvez a chama do meu antigo eu,


reacendesse e perceberia que, no final das contas,
sempre fui aquela garota mimada, que amava fazer
compras e desfilar por Los Angeles na companhia
de pessoas que só gostavam de mim por conta de
quem eu era, ou melhor, quem meus pais eram.
Tudo bem, sabia que não fazia sentido algum
pensar desse jeito. Poucos meses longe de casa
foram suficientes para que me desse conta da
fraude que fui por muito tempo. Nunca me senti tão
eu mesma como em New Cross, apesar de estar um
pouco para baixo depois dos últimos
acontecimentos. Ainda assim, aquela ali era a
verdadeira Amelia Janet Turner. Ou quase. Mais
cedo ou mais tarde teria que me abrir com Hanna e
até mesmo com nossos vizinhos, a quem eu
considerava meus amigos. Já não tinha receio de
que pudessem ter se aproximado com intenções
escusas, acho que nunca tive de fato. Em
contrapartida, quem se escondia, de certa forma,
era eu. Não que precisasse gritar no meio do
campus da Goldsmiths anunciando minha filiação...
— Amy, querida. Você ainda está por aí?
Pegou no sono, foi?

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Definitivamente, minha mãe estava com um


excelente humor.
— Desculpe! Eu meio que estava divagando.
Foi mal.
— Sabe, achei que tinha voltado a dormir.
Você nunca foi do tipo matinal, me surpreendeu
quando optou por esse horário do curso.
— Verdade! Mas aqui eu não tenho uma
vida badalada, regada a festas que duram até
amanhecer. E gosto de ir para a universidade de
manhã.
— Já reparou que nunca entra em detalhes
sobre como estão as coisas por aí? — Não foi um
tom de cobrança. — Temos nos falado tão pouco,
Amy. Tenho me controlado para não ultrapassar o
espaço que me pediu, mas... pode parecer bobagem,
querida, só que sexto sentido de mãe é coisa séria.
Está tudo bem? Quero dizer, realmente bem?
Engoli em seco e acabei me deitando de
novo. Estava sentada na cama quando peguei o
celular para fazer a chamada internacional. Ainda
era bem cedo, mais cedo do que eu costumava
acordar, contudo, dormir havia se tornado um luxo

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naquela última semana. Era bom ocupar minha


manhã de insônia falando com a mamãe.
Talvez eu devesse ligar para ela mais vezes.
Acabei fazendo um resumo sobre minha
rotina em New Cross e na Goldsmiths, contando
como era morar com Hanna e até mesmo sobre
minha amizade com nossos vizinhos, excluindo
Hunter daquela equação. Eu até queria que minha
mãe soubesse, mas preferia contar pessoalmente.
Depois do que houve com Adam, ela ficaria
inquieta demais por saber que me envolvi
profundamente com outro cara, em tão pouco
tempo de convivência.
Pouco tempo... sim! Como Hunter Stevens
conseguiu se infiltrar no meu sistema daquele jeito,
em um curto período? Principalmente, agindo como
um babaca na maior parte das vezes?
Era inevitável que de um jeito ou de outro,
aquele garoto problema acabasse invadindo meus
pensamentos.
Pare de pensar nele, Amy! Ralhou meu
subconsciente.
— Eu adoraria te ver nessa nova rotina, mas
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já entendi seu ponto e estou lidando com isso da


melhor forma que posso — comentou mamãe. —
Ah, isso me fez lembrar de algo!
— Hum...
— Você disse que eu poderia pedir a Alisson
que organizasse sua viagem para Los Angeles. Mas
ela não sabe que está em Londres, querida. Tudo
relacionado a você está sendo cuidado por mim,
com o máximo de discrição possível.
Uau!
Senti meus olhos arderem. Eu havia mesmo
me transformado em uma manteiga derretida, era a
única explicação!
Mas não era só isso.
Acabei percebendo o quanto fui egoísta ao
simplesmente decidir me mudar para Londres,
exigindo não apenas que minha mãe me desse
espaço, mas que se afastasse de mim.
Tudo bem que ela era dramática demais para
o meu gosto e eu não aprovava seu comportamento
em relação a muitas coisas, divergíamos muito de
opinião, e ela tinha o péssimo hábito de tomar
decisões que cabiam me consultar antes, pois
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diziam respeito a minha vida, fazendo com que eu


me sentisse uma marionete.
Só que acima de tudo, ela era minha mãe! A
mulher que enfrentava qualquer pessoa para me
proteger. A queridinha da mídia, mas que não
pensava duas vezes nas consequências, caso
precisasse lidar com qualquer merda quando o
assunto em pauta era eu. E bem... eu já fui muito o
assunto em pauta.
Quando a minha vida teve seu plot twist[2],
mamãe foi a única que ficou do meu lado e não me
julgou. Pelo contrário, esteve mais do que disposta
a expor Adam e a tomar medidas legais contra ele,
não se importando que a repercussão de um
escândalo pudesse afetar sua carreira de forma
negativa. Foi ela quem confrontou meu pai e tentou
apaziguar o clima tenso entre nós. Mesmo que
papai tenha se recusado a conversar comigo depois
do que houve, mamãe ainda tentava mediar uma
reconciliação.
Dos dois, sempre fui mais ligada ao meu pai.
Eu o idolatrava e considerava meu melhor amigo.
Talvez por me dar mais liberdade e me tratar como
se fosse uma miniadulta. Mas quando meu mundo
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caiu, foi mamãe quem se mostrou a verdadeira


heroína e a melhor amiga que eu tinha a sorte de
ter. E não dei o devido valor!
— Mãe, eu te amo tanto — murmurei entre
as lágrimas, não conseguindo conter o soluço por
conta do choro que se agravou. — Sinto muito por
ter te decepcionado, sinto muito por ter ido embora
como se isso fosse apagar meus erros. Mas acima
de tudo, eu sinto muito por ter te afastado sem levar
seus sentimentos em consideração, agindo como se
a sua preocupação comigo fosse drama em excesso
e até mesmo te considerando egoísta e fútil, por
querer minha atenção voltada só pra você... Como
fui idiota ao pensar assim, eu... tô morrendo de
vergonha!
— Oh, Amy... — Ela também estava
chorando. — Eu não fazia ideia de que você se
sentia assim a meu respeito.
Havia tristeza em sua voz, mas pela primeira
vez eu não julguei que fosse drama ou atuação da
parte dela.
— Por favor, me perdoe mãe — Implorei,
usando a mão livre para tentar secar meu rosto, em
vão. — Estive tão ocupada tentando chamar a
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atenção do Adam que me mantive cega para todo o


resto. A egoísta e fútil era eu o tempo todo...
— Amy, não! Você nunca foi assim, meu
amor.
— Sim, eu fui. E sinto vergonha, muita
vergonha.
— Filha, me escute — pediu, adotando um
tom mais polido. — Sei que na maioria das vezes
parecia que eu pretendia colocar uma redoma a sua
volta, como se quisesse ter você só pra mim. Não
sou perfeita, querida, mas minha principal missão
na vida é te proteger.
“Mesmo que não soubesse o que estava
acontecendo entre você e aquele escroto do Adam,
sexto sentido de mãe é algo realmente poderoso. Eu
sabia que que alguma coisa acontecia, mas não
conseguia te alcançar para que se sentisse
confortável ao ponto de me contar.
Nunca fui sua amiga da mesma forma que
seu pai era. Mas posso te garantir que você jamais
foi uma menina fútil ou egoísta, Amelia Janet
Turner. Podia até tentar aparentar ser assim, diante
de alguns, mas eu sempre soube que mais cedo ou

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mais tarde você ia se impor ao mundo que seu pai e


eu vivemos, para descobrir seu próprio lugar, aonde
quer que ele seja. E eu tenho muito orgulho de
você.
Talvez meu pecado tenha sido o excesso, sou
sim muito dramática, é um dom e uma maldição ao
mesmo tempo. Peço perdão por ter feito você se
sentir sufocada. Só queria evitar que levasse uma
rasteira da vida.”
— Foi essa rasteira que me fez acordar a
tempo, mãe.
— Eu sei, amor. Mas daria um pedaço de
mim para que você não precisasse passar por nada
daquilo.
— E eu te amo ainda mais por cauda disso.
Aquele telefonema havia se tornado a
conversa mais sincera que já tive com a minha mãe,
durante toda a vida. Era realmente uma pena que
estivéssemos em continentes diferentes, tão longe
uma da outra. Tudo o que eu mais queria era poder
olhar em seus olhos e agradecer por ser a melhor
mãe do mundo, para depois abraçá-la com todo o
arrependimento, amor e gratidão que sentia naquele

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instante.
— O espírito do Dia de Ação De Graça tocou
nossos corações, não foi? — Voltou a adotar um
tom ameno, bem-humorado. — Adoraria que essa
conversa tivesse sido pessoalmente, Amy.
— Eu também, mãe. — Sentei-me na cama,
já mais calma. — Mas assim que chegar a Los
Angeles, teremos a oportunidade. Certo?
— Claro! Estou contando os dias. Já avisei
Alisson para não marcar nenhum compromisso
enquanto você estiver por aqui. Podemos ficar na
casa em Malibu, o que acha?
A “casa” na qual ela se referia, era uma
mansão de oito quartos e quinze banheiros, que
pertencia ao papai e lhe servia de residência quando
passava férias nos Estados Unidos. Era a casa onde
passei muitos momentos com Adam. Onde
inclusive, foi o nosso fim.
Eu fugi, mas sabia que precisava voltar lá.
Encerrar meu passado de uma vez por todas, ter
novas lembranças.
— Estou mesmo precisando de um
bronzeado.
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Falei com mamãe por quase duas horas, o


que certamente seria um belo rombo na fatura
telefônica. Mas fiquei feliz por termos a chance de
nos abrir e esclarecermos questões pendentes há
tempos demais.
Quando nos despedimos e finalizei a
chamada, senti que um peso enorme havia saído de
minhas costas. Mesmo que muita coisa precisasse
ser falada e mais sentimentos expostos, saber que
podia confiar e me abrir com minha mãe, fez com
que a vida ficasse mais colorida, de certa forma. Eu
sabia que não podia manter toda a sujeira debaixo
do tapete para sempre, metaforicamente falando,
mas uma brecha tinha acabado de surgir, dando-me
coragem para começar a enfrentar as consequências
dos meus erros passados, e quem sabe, finalmente
alcançar minha redenção.
“Nem tudo é metáfora, doçura. Às vezes a
vida estará pronta para te foder e você não
conseguirá se defender sozinha sempre, então
nessas horas é bom ter quem te proteja.”
As palavras de Hunter nunca fizeram tanto
sentindo antes.

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“Agora estou procurando em cada lugar solitário


Cada esquina, chamando seu nome
Tentando te encontrar, mas eu realmente não sei
Para aonde vão os corações partidos?”
Where Do Broken Hearts Go ~ One Direction

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HUNTER>>>
Grudou em mim como uma tatuagem
Pele contra pele e desejo no olhar
Você quebrou minhas regras
Eu te entreguei meu coração
E agora que você se foi, já não sei
mais quem sou
Eu vejo suas asas mesmo quando
tenta escondê-las
Porque você é meu pequeno anjo
E eu sou seu problema favorito
E agora que você se foi
Já não sei mais o que fazer...

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~ Com todo o amor, H.


Digitar a mensagem foi tão fácil, porque era
tudo o que eu estava sentindo naqueles dias que
passei longe dela. Era tudo o que queria dizer
olhando nos olhos acinzentados e misteriosos da
única garota que me fez sentir borboletas no
estômago.
Mas eu podia ser chamado de Hunter
Covarde Stevens, numa boa.
Não enviei nenhuma delas.
HUNTER>>>
Um cara que jamais pensou que fosse
amar alguém
Ele conhece a garota, ele diz que a
odeia
Mas ele está errado
Ela usa óculos e se esconde do mundo
Ela não sabe que é especial para ele
Porque ele não diz
Ele acha que o amor é um problema
Ele não acredita em final feliz
Mas ele sabe que está apaixonado
E então ele apenas estraga tudo
Ele quebra o coração da garota
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Antes que ela quebrasse o dele


Porque ele acha que o amor é um
problema
Mas ele sabe que está apaixonado.
~ Com todo o amor, H.
Sabia que precisava dar espaço para Amy.
Mas acima de tudo eu também precisava de um
tempo, a fim de resolver minhas merdas.
Havia três dias que eu chegara em
Manchester, na casa de meu avô. Foram mais de
quatro horas na estrada, de carro, devido às minhas
paradas durante do trajeto. Quando bati à porta de
Jamie Stevens, pensei que ele fosse me repreender
ou algo do tipo, mas, para minha total surpresa,
vovô me puxou para um abraço e me convidou para
entrar, dizendo inclusive que sentiu minha falta.
Talvez ele tivesse interpretado o quanto eu devia
estar péssimo, visto que minha aparência não era
das melhores.
Desde que saí do apartamento que dividia
com os caras, coloquei minhas coisas no porta-
malas do carro, sem esquecer o caderno e até
mesmo a porcaria daquela Polaroid, dando o fora
de New Cross. Passei na danceteria para acertar
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uma grana que tinha a receber com Josh e avisei


que ficaria fora por um tempo, logo depois caí na
estrada.
Dirigi sem destino por dois dias antes de
finalmente ir rumo ao meu antigo lar. Dormi dentro
do carro. Tomei banho em banheiros nos postos de
conveniência e me alimentei de fast-food.
Foi uma experiência e tanto.
A única coisa que me fazia não surtar era a
música soando nos alto-falantes do carro. Na
companhia de The Smiths, Joy Division e New
Order, dirigi por quilômetros focado na estrada,
apreciando o som das bandas que se originaram em
Manchester e me influenciaram e inspiraram desde
que me descobri apaixonado por música.
O mais irônico, senão frustrante, era que
aquelas canções da década de setenta e oitenta,
parecia falar comigo de alguma forma.
É como dizem por aí: a música toca você.
No rock alternativo do The Smiths, a voz de
Morrissey, em There Is A Light That Never Goes
Out, me fez pensar em como eu destruí aos poucos
as coisas em casa, ao ponto de sentir que era um
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estranho para os meus amigos, fazendo Zach,


Neville, Leon e Lewis não reconhecerem o cara em
que fui me transformando nos últimos tempos. Até
mesmo Hanna, para quem eu estraguei tudo...
Então, cheguei a imaginar por um momento que, se
acontecesse algo comigo, algo bem fodido e fatal,
será que eles sentiriam a minha falta?
“Me leve para sair esta noite
Porque quero ver gente
E eu quero ver luzes
Sendo levado no seu carro
Oh, por favor, não me deixe em casa
Porque esta não é minha casa, é a casa deles
E eu não sou mais bem-vindo...”
Pode ser que a música em si nem tivesse a
ver com o que passei ou sentia, mas era fato que me
serviu para momentos de reflexão.
Não, eu não cogitei fazer nenhuma besteira
em relação à minha integridade física ou até mesmo
minha vida. Havia sim uma nova motivação
relacionada ao rumo que queria para o futuro,
porém, se tratava de recomeço, quiçá algum tipo de
redenção, se eu fosse digno de algo assim, depois
de tudo.
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E foi quando ouvi Ian Curtis, interpretando


Heart And Soul, no pós-punk do Joy Division, que
tive a certeza de que estava tomando a decisão certa
em dar o primeiro passo rumo a enfrentar os
fantasmas do passado, a fim de expurgar qualquer
sombra que pairasse sobre o meu coração,
atormentando-me a alma e influenciando as ações
de autosabotagem.
“Existência...bem o que ela significa?
Eu existo nas melhores condições que posso
O passado é agora parte do meu futuro
O presente está bem fora de controle...
... Coração e alma, um irá queimar.”
Foi uma análise cem por cento empírica de
minha parte, sem nenhum contexto religioso,
contudo, diretamente relacionada ao meu estado de
espírito naquele momento.
Francamente, eu estava cansado pra caralho.
Mas ao contrário do que diziam a respeito de Ian
Curtis, que se suicidou aos vinte e três anos de
idade, eu não desejava morrer jovem. E justamente
por isso é que precisava dar um jeito na minha vida,
para fazê-la valer a pena.
Já em Manchester, enquanto trafegava rumo
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à Didsbury, onde residia meu avô, foi a vez de


Bernard Sumner me inspirar, com a mistura de rock
e música eletrônica do New Order, basicamente a
nova formação do Joy Division, após a morte de
Ian Curtis, com Gillian Gilbert como a nova
guitarrista da banda.
Plastic trouxe à tona as lembranças de todos
os momentos que passei ao lado de Amy.
“Se eu me quebrar, você vai me consertar?
E se eu estou sentindo sua falta, você vai
sentir a minha?
Vou me arrepender até o dia que eu morrer
Até você sabia que isso estava na minha
cabeça...”
Tinha que reconhecer o incontestável:
Amelia Turner tornou-se minha maior motivação.
“Este amor é veneno, mas é como ouro...”
Só que no final das contas, ela quem foi
embora quando eu a queria, porque eu não
significava nada, porque eu era tão artificial como
plástico.
E se tratando da garota misteriosa, a palavra
que melhor descrevia o que eu sentia, depois de

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tudo o que vivemos, desde que Amy chegou a New


Cross era: arrependimento.
— O jantar está pronto, querido — avisou
Margareth, aparecendo na varanda, secando as
mãos em uma toalha de louça.
Desviei a atenção do celular, onde eu acabara
de salvar mais uma mensagem como rascunho não
enviado, para em seguida me levantar e
acompanhá-la para dentro de casa.

“Garota da Califórnia
Minha ‘Barbie Sexy Malibu’
Deixa eu brincar com você?
Vamos fazer um filme de amor...
Garota da Califórnia
Com seu sorriso de Hollywood
Nas suas curvas eu vou me perder
Vou mergulhar em seus olhos azuis...
Garota da Califórnia
Princesinha de Old Bel Air
Venha se unir ao meu reino europeu

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Sou um garoto de Liverpool...”[3]

Parei de cantar assim que percebi meu avô se


aproximando, porém continuei tocando o violão
mais um pouco. Não queria parecer intimidado ou
algo do tipo, mas de certa forma era isso mesmo.
— Ei, você tem talento, garoto. — Ele se
sentou ao meu lado na varanda, apoiando os braços
nos joelhos.
Vovô nunca tinha me ouvido cantar ou tocar
violão antes.
— Valeu. — Era estranho, mas fiquei feliz
em saber.
— Essa música é da sua autoria? — Mostrou-
se genuinamente interessado. — Hanna comentou
comigo que você compõe.
— Eu componho sim, mas essa não é minha.
É de uma banda inglesa que estourou no final dos
anos noventa, mas faz sucesso até hoje. Conect Six.
Já ouviu falar? — O sorrisinho cínico brotou em
meus lábios espontaneamente.
— Vagamente.

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Acabei dando uma risada.


— Eles são ícones do rock inglês. Lendas
vivas, como The Rolling Stones.
Vovô e eu jamais conversamos sobre música.
Se eu parasse para analisar bem à fundo, acho
que na verdade nós mal conversávamos,
independentemente de qual fosse o assunto.
Também confesso minha culpa, nunca facilitei as
coisas.
Desde que o meu pai perdeu nossa custódia e
Hanna e eu tivemos que nos mudar para a casa de
meu avô, me tornei muito mais introspectivo que o
habitual. A única pessoa com quem me abria um
pouco era minha irmã, principalmente porque eu
sentia uma necessidade incontrolável de protegê-la.
Tínhamos nos mudado de escola e uma garota
bonita como ela chamava a atenção dos garotos. Só
de pensar na possibilidade de qualquer um ousar
tocá-la, eu ficava puto, pronto para arrumar briga.
Mas com exceção desses momentos, eu costumava
ser sossegado.
Meu interesse por música se aprofundou
quando comecei a andar com os caras e aceitei o

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convite para assisti-los ensaiando, na garagem da


casa do Neville. Eles faziam cover dos Beatles, The
Clash, U2 e outras bandas irlandesas que o Nev era
fã. Foi então que comecei a rabiscar em cadernos,
arriscando rimas, tentando encaixar as palavras que
expressavam sentimentos que eu evitava
demonstrar, dando a elas melodia e, por fim,
contando uma história sem revelar que o
protagonista se tratava de mim mesmo. Talvez por
isso sempre relutei em cantá-las, preferindo que
Neville ou Zach as interpretassem. E dessa forma
nunca me tornei oficialmente um membro daquela
banda sem nome.
Foi Leon quem me ensinou a tocar violão e o
primeiro para quem mostrei minha primeira
composição. Ele que fazia os arranjos para as
canções que eu escrevia. Zach já curtia música
eletrônica e arriscava algumas mixagens, com ele
aprendi a mexer nos softwares de música e a usar
um sintetizador. Neville foi quem me desafiou a
cantar em alguns ensaios, só topei porque não
tínhamos uma plateia. Ele tinha um dom, nasceu
para a música. Seria um desperdício de talento se
Nev não tentasse seguir carreira. Já Lewis, deixou
claro desde o início que jamais me ensinaria a tocar
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bateria, pois não arriscaria perder seu lugar na


banda para mim. Em contrapartida, ele tinha um
dom de observação incrível e uma percepção
aguçada, que no começo me assustou um pouco.
Isso porque Lewis parecia me decifrar, sempre
dando seus conselhos sem que eu pedisse, e
noventa e nove por cento das vezes o idiota estava
certo. Ele podia até não querer me ensinar nada,
mas na convivência, aprendi muita coisa com o
cara.
Porra! Voltar a Manchester me deixou
nostálgico e reflexivo.
Foi fazendo essa regressão mental que me dei
conta de alguns pontos importantes, inclusive
minha falta de comunicação com vovô. Muito do
que eu acreditava, em se tratando dele, eram
conclusões que tirei sozinho e nunca considerei
questioná-lo. Havia aquela raiva dentro de mim,
alimentada por acontecimentos que nunca
compartilhei com ninguém. E foi essa raiva que me
impediu de enxergar com clareza, se havia ou não,
mais alguém que se importasse comigo e Hanna,
além de nós mesmos.
— Quando você e sua irmã escolheram a
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Goldsmiths, eu soube que era uma forma de


manterem distância das velhas lembranças. Afinal,
temos a Universidade de Manchester e ainda assim
nem cogitaram se inscrever. Sabia que estavam
tentando recomeçar, iniciando a vida adulta em um
lugar diferente. Quis que tivessem essa liberdade de
escolha, depois de tudo o que aconteceu.
Eu não disse nada, pois senti que ele ainda
queria falar mais. E eu queria muito ouvir. Acho
que precisava.
— Eu sabia que Hanna estava bem, que
estava pronta para dar esse passo — continuou. —
Minha preocupação sempre foi você, filho.
— Por que eu escolhi Música ao invés de
Direito? — resmunguei contrariado, remexendo-me
desconfortavelmente. Coloquei o violão de lado
antes que, em um acesso de raiva, eu acabasse
descontando no instrumento que um dia pertenceu
ao meu pai.
— É o que você pensa, garoto? — Sua
expressão era de desafio.
Dei de ombros.
— Foram tantos sermões, por que eu não
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chegaria a essa conclusão?


— Você fez quatro cursos de curta duração
no ano passado. Todos relacionados à área musical,
mas nenhum deles de graduação. É claro que fiquei
chateado. Não sabia se tinha verdadeiro interesse
ou se era apenas algum tipo de provocação,
rebeldia da sua parte.
Por um motivo desconhecido, me senti
envergonhado por ele ter pensado aquilo a meu
respeito. Eu não era um cara vingativo, só nunca fui
bom em expressar minhas vontades. A verdade é
que, assim como não tive oportunidade de ser
próximo do meu pai, de não poder contar com ele
como amigo, pensei que seria da mesma forma com
o vovô. Então apenas me mudei e o informei a
respeito dos cursos através da Hanna. Era ele quem
administrava nossa grana, e bem, eu não podia
reclamar, Jamie Stevens nunca nos negligenciou.
— Eram bons cursos, eu queria começar a
graduação com uma boa bagagem de experiência.
Fazer parte de alguns programas que a Goldsmiths
oferece e tal...
— Sei que leva a sério, filho. Respeito sua
escolha. Só quero que você e Hanna tenham um
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futuro promissor, Hunter.


Senti sua mão tocar o meu ombro e por um
momento me retraí, mas assim que o observei, vi
em seus olhos um misto de compreensão e tristeza,
então percebi que meu avô, assim como Hanna e
eu, também foi afetado de alguma forma.
— Diferente dos meus pais?
— Sim, bem diferente. — Soltou uma lufada
de ar. — E se te fiz pensar que não aprovava sua
escolha, me perdoe por isso. A verdade é que
sempre tive a sensação de que você estava preso a
algo. Que sair de Manchester seria uma fuga
temporária, pois certamente os fantasmas que te
assombravam aqui te perseguiriam aonde quer que
fosse.
Cerrei os punhos e prendi o maxilar com
força, chegando a ranger os dentes. Soltei minha
respiração pelo nariz e fechei os olhos.
Eu estava ali por um motivo, afinal. Não
podia dar pra trás. Só não imaginava que fosse tão
difícil.
— O senhor estava certo.
Vovô me encarou. Eu não tive coragem de
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fazer o mesmo.
— Achei que as consultas com a psicóloga
ajudariam vocês a lidarem melhor com a separação
dos seus pais, a partida da sua mãe e depois... a
morte de Nicholas. Eu mesmo tive algumas sessões
de terapia, sabe? Perdi meu único filho para o vício
do álcool, e assumi a responsabilidade por dois
adolescentes que me odiavam por eu ter lhes tirado
do pai.
— Nunca te odiei por isso, vô. O senhor fez
o que era melhor pra gente. — Fiz questão que ele
soubesse, e foi nesse momento que o encarei, pois
queria que ele enxergasse a verdade em meus
olhos. — E Hanna não demorou a perdoá-lo. Acho
que por fim a terapia fez bem a ela. Então obrigado
por isso.
Ele assentiu, mas deu um sorriso triste.
— Queria ter feito mais.
— Eu sei, vô. — Eu sabia que ele estava
falando sobre o meu pai.
Ficamos em silêncio por um tempo,
observando a noite nublada. Logo os dias se
tornariam mais curtos com a chegada do inverno, o
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sol se esconderia antes das cinco da tarde, e as


noites seriam mais longas e frias. Talvez nevasse
um pouco naquele ano, não que eu fizesse questão,
detestava o inverno. Principalmente os feriados de
Natal e Réveillon onde votos de felicitações eram
distribuídos aos montes e promessas renovadas
para mais uma vez não serem cumpridas, durante
um novo período de trezentos e sessenta e cinco
dias. Um ciclo sem fim, ou melhor, um ciclo que se
repetia, até que o nosso fim chegasse.
Seria esse o propósito da vida? Fazer
promessas para passar boa parte de nossos dias
tentando cumpri-las, muitas vezes em vão?
— Agora vai me contar por que está aqui?
Não acho que esteja de férias da faculdade, e até
onde sua irmã me contou, não é do seu feitio faltar
aulas.
Engoli em seco antes de tornar a encarar o
meu avô. O momento havia chegado. Não havia
porque adiar. Se eu quisesse mesmo descobrir se
podia ter em meu avô um amigo, com quem
pudesse contar, a hora era exatamente aquela.

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— Você se lembra como foi que nos


tornamos amigos? Eu, você e os caras? —
perguntei ao Neville, assim que me sentei em uma
das banquetas de frente para o balcão que ele
limpava.
Os pais do Nev eram proprietários de um
Irish Pub[4], em Northern Quarter. Estive na casa
dos Donnelly, que moravam a quatro quadras do
meu avô, mas fui informado pela senhora Brigite,
mãe do Neville, que seu filho estava cuidando da
limpeza do estabelecimento que logo abriria as
portas para receber os turistas que insistiam em
visitar Manchester, por mais feiosa e cinzenta que
ela pudesse ser, tudo por causa de sua riqueza
cultural, é claro. Os amantes do rock inglês e do
futebol europeu certamente eram o público
principal.
Estive relutante, desde que cheguei a
Manchester, mesmo que tivesse um propósito
definido quando decidi que deveria voltar. Mas
precisava fazer aquilo. Desde que abri o jogo com o
meu avô na noite anterior, sabia que faltava apenas
um assunto a ser resolvido e não havia a menor
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possibilidade de retornar a New Cross sem


esclarecer alguns pontos com Neville Donnelly.
Não seria a coisa mais difícil que eu teria que
fazer, contudo, engolir o orgulho e assumir em voz
alta meus erros, nem de perto era fácil. Mas
necessário.
Ele parou de lustrar a madeira envernizada e
me encarou, sua face expressando claramente o
misto de confusão, receio e curiosidade por me ver
ali. Fiquei em silêncio, aguardando que dissesse
alguma coisa. Escorei os cotovelos no balcão e
apoiei meu queixo nas mãos, entrelaçando meus
dedos, e encarei Neville fixamente.
Dialogar era um dom que eu não possuía,
mas estava me esforçando para aprender. Com meu
avô, descobri que ficar em silêncio e ouvir o que a
outra parte tem a dizer é a primeira regra de uma
boa conversação. Quando as duas partes respeitam
o momento de cada uma se expressar, as chances
dos problemas se resolverem eram muito maiores.
Torcia para que, com Neville, eu obtivesse
sucesso.
Seu rosto já não estava tão machucado,

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mesmo que eu não me lembrasse com clareza


daquela noite de merda, sabia que tinha feito um
belo estrago com meus socos descontrolados e
raivosos. Ele tinha pontos perto da sobrancelha
esquerda e havia uma pequena mancha roxa no
lado direito do seu maxilar. As olheiras estavam
bem escuras. Já havia se passado uma semana, ou
melhor, estava completando uma semana naquele
dia. Talvez eu conseguisse convencê-lo a voltar
para New Cross e ele pudesse retornar às aulas no
dia seguinte. Quem sabe ele e Hanna também
tivessem uma nova chance, sem que eu estragasse
tudo para os dois.
— Nós já tínhamos a banda — começou,
ainda se mantendo afastado. — Eu conheço os
caras desde que me entendo por gente. Nossos pais
são amigos há anos e com isso crescemos todos
juntos. Mas você, sim eu me lembro. Foi por causa
da Hanna. Ou melhor, por causa de uma briga que
você se meteu, porque um babaca da escola tinha se
engraçado pra cima da Hanna.
“Eu e os caras estávamos marcando o
próximo ensaio quando ouvimos Hanna chorar,
pedindo que você parasse, suplicando que fossem

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embora. Na hora que percebi ser uma briga, saí


correndo e te tirei de cima do garoto. O babaca
ainda teve a ousadia de rir e falar umas merdas
sobre sua irmã, então eu mesmo dei um soco na
cara do imbecil. Depois disso, fomos todos lá pra
casa ensaiar uma música do The Clash, para
acalmar os ânimos.
— Should I Stay or Should I Go…
— Isso aí.
— Seria uma ironia bem fodida que nossa
amizade terminasse justamente por uma briga, por
causa da Hanna. Não acha?
Neville abaixou o olhar.
— Eu amo sua irmã, cara... — Voltou a me
encarar e senti um nó no estômago. — Não é o tipo
de coisa que dá simplesmente pra ignorar, não
quando se sabe que é correspondido.
Ele estava sofrendo, da mesma forma que eu
sofria por ter perdido Amy. Ao menos era assim
que me enxergava quando olhava no espelho.
Neville tinha o reflexo de um coração partido, o
meu reflexo. E por minha culpa.
— Então por que você a deixou e foi
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embora?
Neville saiu de trás do balcão e se acomodou
em uma banqueta ao meu lado, imitando meu gesto
ao apoiar o queixo em suas mãos. Ambos fitávamos
as prateleiras carregadas de todos os tipos de
bebidas.
— Você perguntou se eu me lembro de
quando nos tornamos amigos. Agora eu vou te
contar sobre o dia em que me apaixonei por Hanna,
porque isso aconteceu antes daquela briga. A gente
tinha catorze anos e Hanna sempre foi a garota
mais linda do mundo, aos meus olhos.
Aquela era a minha vez de escutar, embora
eu me sentisse completamente desconfortável.
— Ela lanchava sozinha, perto do campo de
futebol da escola. Eu estava jogando e fui buscar a
bola que tinha sido arremessada para perto dela. Foi
então que percebi Hanna chorando. Joguei a bola
de volta ao campo, mas me aproximei e perguntei
se estava tudo bem.
“Já tinha visto vocês juntos algumas vezes, só
não sabia que eram irmãos, pensei que
namorassem. Com isso concluí que podiam ter

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brigado, terminado... sei lá! Só senti a necessidade


de falar com ela. Então soube que eram não apenas
irmãos, mas gêmeos.
Hanna ficou nervosa com minha
aproximação, avisou que eu devia ir embora, pois
se você nos visse juntos, poderia arrumar confusão
já que não deixava nenhum garoto se aproximar
dela. Mesmo assim, eu fiquei. Então descobri que o
motivo de Hanna estar chorando era porque o
garoto de quem gostava, havia lhe chamado para ir
ao cinema, mas ela teve que recusar porque sabia
que você não ia reagir nada bem. Com isso, o
garoto chamou uma outra menina, justamente a
única amiga que Hanna tinha feito durante aquelas
semanas de aula na escola nova.
Eu disse a ela que uma garota tão bonita não
devia desperdiçar lágrimas por causa de um garoto
medroso. Porque se ele gostasse dela de verdade,
nada o impediria de lutar por ela, nem mesmo um
irmão metido a valentão. Então Hanna sorriu e
secou as lágrimas, se levantou e me agradeceu,
disse que eu tinha razão e prometeu que não ia mais
chorar por quem não merecia.
Depois daquele dia, comecei a prestar mais
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atenção em vocês. E era mesmo esquisito o jeito


que você se comportava quando algum carinha
tentava se aproximar da Hanna. Mas sabe de uma
coisa? Eu ia convidá-la pra ir ao cinema e foda-se
você...”
Não consegui evitar a risada e Neville me
acompanhou. Bati meu ombro no dele, mas não
com tanta força. Foi só um jeito de descontrair.
— Nunca contei isso pros caras, sempre
mantive comigo os meus sentimentos por Hanna.
Mas acho que dei bandeira tantas vezes que eles
certamente desconfiaram de algo, em algum
momento. Mesmo que não dissessem.
— Vocês foram ao cinema?
— Não. Dias depois aconteceu aquela briga
e então você começou a fazer parte da nossa turma,
ir aos ensaios, e permitir que nós te ajudássemos a
cuidar da Hanna. Mesmo sem entendermos os
motivos para toda a superproteção, meio que
adotamos sua irmã. E depois que eu soube sobre
sua mãe ter ido embora e o senhor Nicholas estar
passando por problemas com álcool... enfim,
imaginei que seu comportamento tinha algo a ver
com os problemas familiares, sabe? Que você e
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Hanna tinham apenas um ao outro e por isso você


cuidava tanto dela. Aí seu pai morreu...
— Porra! — Acabei dando um soco não
balcão. Mas Neville não se intimidou, se o fez,
disfarçou muito bem.
— Nós éramos os únicos amigos que você
tinha, Hunt — continuou. — E eu te considerava
um irmão. Então achei melhor fazer o mesmo em
relação a Hanna. Nem sabia se ela gostava de mim
da mesma forma que eu gostava dela, um motivo a
mais para deixar isso de lado, não queria estragar a
amizade.
— Nunca percebi — confessei. — Sempre
confiei em você e nos caras quando se tratava de
Hanna. Eram os únicos que eu permitia se
aproximarem dela... bem, isso até nos mudarmos
para New Cross. Não sou cego, sei que minha irmã
é uma gata e vocês nunca foram monges do Tibete.
— Você é um idiota. — Foi a vez de Neville
bater seu ombro contra o meu. — Olha, cara, eu já
tinha me conformado que Hanna não era pra mim.
Mas cheguei a um ponto onde estava cada vez mais
complicado disfarçar meu amor por ela. É foda! É
foda pra caralho, se quer saber. Desde que Amy
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chegou, foi como se o brilho em volta da Hanna


aumentasse cem vezes. Eu nunca tinha visto ela tão
radiante assim, com nenhuma outra colega de
apartamento. Testemunhar o bem que uma estava
fazendo a outra... Ah, eu não conseguia mais olhar
pra ela sem sorrir como um bobão apaixonado.
Então notei que ela, às vezes, me olhava da mesma
forma. Aí já era, Hunter. Quando dei por mim,
estava confessando a Hanna o quanto ela me tinha
nas mãos.
Eu não podia culpá-lo. Sentia a mesma coisa
em relação à Amelia. Também foi daquele jeito que
as coisas aconteceram para mim, só que
acrescentando todas as minhas babaquices e a
forma escrota como agi com Amy muitas vezes. O
fato é que, cheguei a um ponto onde não dava mais
para negar meus sentimentos, principalmente ao
constatar que ela me correspondia. Eu seria muito
hipócrita se condenasse Neville por ir ao encontro
do que seu coração mandava, quando fiz o mesmo.
— Não vou jogar a culpa pra cima da Hanna,
mas eu quis te contar, Hunter. Desde que a pedi em
namoro e ela aceitou, eu estava pronto para bater de
frente contigo, se fosse necessário. Mas sua irmã

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me pediu que esperasse por mais um tempo.


Soltei uma lufada de ar.
— Acredito em você, Neville. E não sei se eu
ia surtar menos se as coisas tivessem acontecido de
outro jeito. Se você tivesse me contado numa boa,
com Hanna ao seu lado para confirmar e amenizar
o clima tenso. — Passei as mãos pelos cabelos. —
Talvez eu não tivesse quebrado a sua cara, só que
ainda ficaria muito puto da vida contigo. Mas com
certeza os estragos seriam menores, e digo isso
porque eu fodi com tudo, cara. Eu fiz tanta merda
em um espaço tão curto de tempo, machuquei tanta
gente... me machuquei também. Sinto muito por
isso, de verdade, Nev. Eu sinto tanto, tanto, tanto.
Cobri meu rosto com as mãos, senti o ar
começando a me faltar e meu coração acelerar,
como se quisesse saltar para fora do meu peito.
— Quando você partiu pra cima de mim... —
Neville fez uma pausa, sua voz embargada
denunciava o quanto ele estava afetado também. —
Eu não entendi porra nenhuma! Tudo bem, estava
com sua irmã às escondidas, mas mesmo que não
soubesse disso, você sabia que eu namorava
alguém por quem me sentia completamente
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apaixonado. Mesmo que não revelasse o nome da


minha garota, nunca escondi o quanto ela era
especial e o quanto eu estava envolvido.
— Eu sei.
— A forma como agiu quando nos viu juntos,
foi como se eu tivesse forçado Hanna a algo que ela
não quisesse! — Sua voz se alterou, denotando
frustração e um pouco de raiva. — Você agiu como
se eu fosse um estuprador de merda e isso me
machucou muito mais do que qualquer um dos
socos que me deu.
Ao ouvir aquilo, fiquei com tanta vergonha.
Abaixei meu olhar e senti os olhos arderem, nem
me dando ao trabalho de evitar as lágrimas. Eu
nunca tinha chorado tanto em minha vida, como
havia feito durante aquela maldita semana. Mas
entendi que, não era feio para um homem chorar,
quando cada lágrima derramada significava dor e
arrependimento sincero. Nem sempre palavras
eram suficientes para expressar os sentimentos
mais profundos, então chorar meio que era um
reflexo dos argumentos impronunciáveis.
— Porra, Nev! Eu nem sei como começar a
me desculpar... porque não acho que eu mereça.
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— Então veio aqui por quê?


Voltei a encará-lo e soltei o ar dos pulmões,
em uma respiração pesada, me preparando para
mais uma vez, em menos de vinte e quatro horas,
repetir uma história que até aquele momento,
somente meu avô além de mim, sabia.
— O que te fiz, não tem como ser revertido
— justifiquei. — Mas quero que saiba o porquê
surtei daquele jeito. Preciso começar a me abrir
com as pessoas que machuquei, por causa de tudo o
que venho guardando dentro de mim há muito
tempo. Fiz isso com meu avô, ontem. Foi por isso
que vim para Manchester. E estava disposto a pegar
um trem rumo à Irlanda, se você já tivesse ido pra
Galway. Não vou conseguir contar pra Hanna, mas
se ao menos você souber... quero que cuide dela
agora que ela me excluiu da sua vida.
— Ela não vai voltar pra mim, Hunter.
— Por que diz isso?
— Porque fui medroso. Dei pra trás na
primeira dificuldade. Fiz aquilo que não devia ter
feito: abri mão do meu amor por ela. Porque a fiz
chorar quando não lutei por nós. E ela prometeu

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que não choraria por quem não merecesse, lembra?


Eu não a mereço.

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“Me vença, me derrube como uma cachoeira


Pois posso enfrentar mais do que eu sonhava...”
Invincible ~ Kelly Clarkson

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— Por que faz isso comigo, Adam? —


sussurrei, para que não fôssemos ouvidos.
— Ah, branquinha. Eu sou a porra de um
rock star, tenho uma reputação a zelar. Entende?
Engoli a vontade de chorar.
— Não, eu não entendo. Se precisa mostrar
para todos que não pode ver um rabo de saia na
sua frente, então por que insiste em me procurar?
Por que não me deixa em paz? Assim eu tento te
superar logo.
Ele riu, e sem que eu tivesse tempo de
desviar, roubou-me um beijo rápido. Adam gostava

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de correr riscos, ele brincava com o perigo sempre.


— Porque você não precisa de paz, AJ. Você
só precisa de mim. — Olhou a nossa volta,
verificando se estávamos realmente sozinhos e
constatando que sim, puxou-me pela t-shirt,
fazendo meu corpo ir ao encontro do seu.
Ele estava muito excitado e naqueles
momentos eu sentia que poderia tê-lo só para mim,
algum dia. Talvez quando completasse dezoito
anos e não precisássemos esconder nossa relação.
Quem sabe quando pudéssemos assumir o que
tínhamos, Adam parasse de se envolver com as
groupies que cercavam a banda?
— Tá sentindo como você me deixa louco,
AJ? — murmurou ao pé do meu ouvido, antes de
mordiscar o lóbulo da minha orelha. — Tudo o que
precisa fazer é ficar na minha frente, e meu corpo
reage a sua presença. Me diz que não está
morrendo de tesão também.
Sim, eu estava. Porque bastava um toque
dele e meu corpo parecia que arderia em chamas.
— Estou cansada de você me usar e depois
jogar fora, Adam.

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— Cale a boca, branquinha. — Apertou


meu queixo com uma de suas mãos, a ponto de me
causar dor. — Se eu te uso, você também faz o
mesmo comigo. Não te obrigo a nada que não
queira, obrigo?
Neguei com um gesto de cabeça.
— Isso mesmo, você se joga pra cima de
mim. Eu morro de tesão por você, não resisto. Mas
sabe que não posso ser exclusivamente seu ou os
caras podem desconfiar de algo. Adam Benson não
é homem de uma mulher só. Ainda não.
— Eu sei.
Ele soltou meu queixo e segurou meu rosto
entre suas mãos, sua boca roçando na minha.
— Quer me deixar? Consegue viver sem
mim, AJ? — Seus olhos estavam fixos nos meus,
encarando-me com uma intensidade que me tirava
o chão debaixo dos pés.
— Não, eu não consigo viver sem você.
Ele riu e mordiscou meu lábio inferior,
pressionando seu quadril contra o meu.
— Que tal me provar isso, se ajoelhando e

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fazendo aquilo que sabe fazer tão bem, hum? Essa


boquinha linda não deveria falar tanta merda, AJ.
Você sempre pode usá-la para me fazer derreter.

Sobressaltei na cama assim que senti a bile


subindo pela garganta, me despertando do sono.
Consegui chegar a tempo no banheiro para me pôr
de joelhos diante da privada e vomitar.
Não foi um pesadelo. Foi uma lembrança.
Uma recordação vívida de um dos momentos que
tive com Adam, durante os quase dois anos que
ficamos juntos. A diferença é que antes eu não
enxergava o quanto nosso relacionamento era
tóxico e errado, o que me deixou ainda mais
envergonhada de tudo o que fiz para tentar mantê-
lo comigo, acreditando que ele seria só meu um dia.
Assim que terminei de eliminar o jantar da
noite anterior, levantei e dei a descarga, indo para a
pia lavar o rosto e escovar os dentes. Era uma
segunda-feira e logo eu teria que ir para a
universidade.
— Ei, está tudo bem? Você tá doente ou
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algo assim? — perguntou Hanna, escorando-se no


batente da porta do banheiro, que eu nem tive
tempo de fechar.
— Uhum — murmurei, não conseguindo
falar por estar escovando os dentes.
— Quer um chá? — Ela parecia mesmo
preocupada.
Anuí com um gesto de cabeça e então ela
saiu.
— Vou tomar banho — avisei assim que
terminei de fazer gargarejo, fechando a porta do
banheiro em seguida.

— Você, por acaso, não está grávida... está?


Quase cuspi o chá que havia acabado de
ingerir. Estávamos sentadas à mesa da cozinha,
prontas para ir à universidade após fazermos o
desjejum.
— Claro que não! Estou naqueles dias, se
isso tanto te interessa. — Revirei os olhos e ela riu.
— Sei lá, só pensei que talvez eu fosse me
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tornar titia...
Deixei a xícara de lado e a encarei com
seriedade.
— Eu tomo pílula, Hanna. E como disse,
estou menstruada. Gravidez nessa fase da minha
vida, ainda mais quando não há a menor
possibilidade de seu irmão e eu ficarmos juntos,
seria uma tremenda falta de sorte. Vire essa boca
pra lá!
— Por que diz isso?
Soltei minha respiração que até aquele
momento não percebi estar contendo.
— Está falando sério? Eu só tenho dezenove
anos.
— Não é isso. Quero dizer, por que afirma
com tanta certeza que você e Hunter não vão
voltar?
— Porque é a verdade, Hanna. Acabou tudo.
Não sou o tipo de garota que se envolve em um
relacionamento ioiô. Seu irmão tem problemas que
precisa resolver, eu vim a Londres justamente para
me livrar de qualquer tipo de problema. Entendeu o
ponto no qual quero chegar? Somos incompatíveis.
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— Mas ele te ama, de verdade.


Levantei às pressas, me sentindo irritada, mas
não querendo descontar em Hanna o fato de que
minha consciência não parava de lembrar o que eu
tanto me forcei a deixar para trás.
— Só que o último cara que me amou, quase
me fez esquecer como era eu amar a mim mesma.

“Você disse: 'venha aqui'


Mas você apenas me chamou
porque ela foi para longe por um tempo
Eu disse: 'sem essa, não vou te dar outra
chance
porque ser a outra não faz o meu estilo’
Cedo ou tarde você tem que se ligar
Não seja um otário perdedor...”
Ao som de Chooza Looza, da Maria Willson,
eu aguardava, sentada em cima da mesa da
lavanderia, que minhas roupas terminassem de
centrifugar e secar. Aquele era o melhor dia,
principalmente à tarde, já que a maioria do pessoal
usava a lavanderia no fim de semana.
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Estava me sentindo péssima, sobrecarregada.


Quando não pensava em Hunter e na falta que
sentia dele, me pegava relembrando momentos que
tive com Adam. Como se estivesse enfrentando
uma batalha entre quem eu era e o que sentia no
presente, versus quem fui e o que senti no passado.
Parecia que, de alguma forma, partes de mim
conflitavam. O coração apaixonado pelo cara
errado e a consciência culpada pelos equívocos que
cometi por um outro cara errado.
Fiquei com medo de quem poderia me tornar,
no fim das contas. A pessoa que eu queria e estava
me esforçando para ser, seria capaz de lidar com
quem já fui? Com o que já fiz?
Não quero me odiar outra vez.
— Você não me parece bem.
Virei na direção da voz e vi Leon se
aproximar, se impulsionando para sentar ao meu
lado. Já tinha alguns dias que não nos falávamos,
isso porque ainda estávamos evitando uns aos
outros.
— Acho que estou enganando a mim mesma,
sabe? — Fechei o aplicativo de música no celular e

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encarei Leon.
— Como assim? — Ele negou com um
balançar de cabeça.
Umedeci os lábios com a língua enquanto
pensava de que forma poderia desabafar um pouco,
sem necessariamente ter que despejar toda a minha
história em cima dele.
— Sei lá, talvez esteja forçando a barra,
tentando ser quem eu gostaria de ser, mas sem
saber se é realmente possível.
Leon riu e bateu seu ombro contra o meu.
— Isso não faz o menor sentido pra mim,
Amy.
— Em Los Angeles, eu costumava ser outra
pessoa. — Ponderei alguns instantes antes de
continuar. — Desde minha aparência física, a
forma de me vestir, mas principalmente o
comportamento. E eu não gosto de me lembrar
como era superficial e egoísta.
— Você era mesmo assim? Superficial e
egoísta? — Ele não parecia muito crédulo.
— Minha mãe disse que não, que apesar de

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eu tentar parecer assim diante de algumas pessoas,


aquilo era algum tipo de máscara... sei lá. Eu só não
queria ter sido daquele jeito. E tenho medo que, ao
voltar para Los Angeles durante o feriado, acabei
me dando conta de que não adiantava fugir, e nem
tentar um recomeço, porque sempre serei aquela
garota que comete uma burrada atrás da outra.
Senti o braço de Leon repousar sobre meus
ombros e acabei me aproximando dele, recostando
a cabeça, usando-o como apoio.
— Você é jovem demais para uma crise de
identidade, Amy. E talvez eu não seja tão bom
conselheiro quanto o Lewis, mas sou bom ouvinte.
Então, quer saber o que penso, mesmo?
— Uhum.
— Você não é superficial e egoísta, porque se
fosse, não conseguiria esconder por muito tempo.
Esse tipo de pessoa não consegue fingir ser a amiga
que você é, nem sente da forma como você sente. E
desculpe a sinceridade, mas você está uma droga
nesses últimos dias.
Acabei rindo e ele me acompanhou.
— Tô falando sério — insistiu. — Todos
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cometemos erros, mas nem todos nós aprendemos


com eles. Pelo que me disse, acho que você
aprendeu algumas lições. Então, que tal se esforçar
para passar na prova final?
— A viagem a Los Angeles?
— Isso aí, garota. Sei que está magoada com
o Hunter e até mesmo comigo e os caras, por nunca
termos mencionado aquela porcaria de mural de
fotos. Mas não deixe que isso te tire do rumo que
escolheu pra sua vida. O erro não foi seu, Amy. Foi
nosso. Enfrente o que quer que precise enfrentar,
mesmo com medo. Fugir não é a saída.
— Você tem razão. Obrigada, Leon. — Soltei
uma lufada de ar.
— Não há o que agradecer, é o que amigos
fazem, certo? Dão os melhores conselhos, mesmo
quando não enxergam a solução para seus próprios
problemas. — Afastou seu braço e desceu da mesa,
ficando de frente para mim.
— Está tudo bem contigo?
— Sim, sim. Só tentei parecer tão sábio
quanto o Lewis. — Ele deu de ombros e sorriu.
Desci da mesa e fui até Leon, abraçando-o.
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Ele retribuiu o gesto e permanecemos assim por um


tempinho.
— Você é mesmo a garota misteriosa, da
música que Hunter escreveu. Mas isso nunca foi
uma coisa ruim.
— Obrigada — disse, me afastando. —
Quero que saiba que não estou mais magoada com
você, nem com os caras. Hunter e eu já tínhamos
conversado sobre aquelas fotos, e bem... não foi por
causa daquilo que nós terminamos. Então, não é
justo que eu culpe vocês de qualquer forma. Pode
dizer isso ao Lewis e ao Zach, por favor?
— É claro.

— Tinha correspondência pra você na nossa


caixa de correio — avisou Hanna assim que entrei
no apartamento, segurando o cesto de roupas
limpas. — Coloquei em cima da mesa.
— Obrigada. — Deixei o cesto no chão e fui
verificar o que era.
Desde que chegara a New Cross, não havia
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recebido nada do correio, afinal ninguém, com


exceção de minha mãe, sabia que eu morava
naquele endereço. O envelope não tinha nenhum
selo ou carimbo, apenas meu nome em uma
caligrafia bonita, que não reconheci.
— Eu tinha esquecido que seu segundo nome
era Janet. — Hanna se aproximou, sentando-se à
mesa.
Nós estávamos numa boa, mesmo depois
daquela conversa esquisita durante o café da
manhã.
— Às vezes até eu me esqueço. — Abri o
envelope e encarei o par de ingressos, sentindo meu
coração querendo fugir pela boca.
Não havia mais nada com exceção dos
ingressos VIPs que dava acesso aos bastidores e ao
camarim da banda. Nenhum bilhete, nenhuma
menção a quem poderia tê-lo enviado. Mas eu sabia
quem o tinha feito.
Papai...
Ele sempre me enviava ingressos quando não
podia entregá-los pessoalmente. Mas desde que
rompemos um com o outro, não tive notícias suas.
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Será que está tentando fazer as pazes?


Minha mãe havia mencionado sobre ele estar
na Inglaterra.
Por que não me ligou? Por que não assinou
o maldito envelope?
— Amy, você está pálida... vai vomitar de
novo?
Senti meus olhos arderem, uma súbita
vontade de chorar.
— Não, eu estou bem.
— São ingressos? — Hanna apontou para a
minha mão.
— Sim. Show de uma banda que nem curto
mais.
— Isso significa que você não vai?
— Exatamente isso.
Mas eu sabia de alguém que adoraria ir
naquele show idiota.

— Então, já está sentindo nossa falta ou vai


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continuar nos ignorando por mais tempo? —


provocou Lewis, assim que abri uma fresta da porta
do apartamento, numa quarta-feira à noite.
Hanna tinha saído com duas colegas da
faculdade. Como era dia de semana, eu preferi ficar
em casa mesmo. Estava terminando o arranjo de
uma música e gostava de fazê-lo quando ficava
sozinha.
— Ei, boa noite — murmurei, surpresa por
tê-lo ali.
— Não vai me convidar pra entrar? —
Arqueou a sobrancelha e em seguida ergueu uma
caixa. — Eu trouxe pizza, oferta de paz.
Acabei sorrindo e abrindo espaço para que
Lewis pudesse entrar. Ele foi direto para a mesa na
área da cozinha e abriu a caixa, o que fez com que
o cheiro do queijo e calabresa se espalhasse.
— Fugindo dos caras? — provoquei, me
aproximando.
Lewis foi até a pia e lavou a mãos e acabei
fazendo o mesmo. Busquei dois copos no armário e
refrigerante na geladeira, enquanto ele colocava o
rolo de papel toalha na mesa, se sentando e
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pegando uma generosa fatia de pizza.


— Quem está fugindo de nós são você e a
Hanna, esqueceu? Mas acho que já chega dessa
merda. Então, quando Leon me contou que falou
contigo na segunda-feira, decidi que havia chegado
o momento de impor minha presença também.
Terminei de mastigar um pedaço da pizza
antes de dizer qualquer coisa.
— Não é como se nós nunca mais fôssemos
nos falar, então tudo bem. Onde estão o Zach e o
Leon?
— Tem certeza que é sobre eles que quer
saber? — Deu-me um sorriso cínico. — Zach está
tocando na danceteria e Leon foi com ele.
— E você não estava afim de festa, hoje?
Ele negou com um gesto de cabeça, pois
estava mastigando. Fiz o mesmo e não voltamos a
falar até que terminamos de comer.
— Prometo que não vou mais tocar no
assunto, mas eu não seria eu se não te contasse...
— Lewis... — interrompi.
— ... que Hunter saiu do nosso apartamento
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depois daquele lance com as fotos. — Ignorou


minha interrupção. — Ele estava diferente. Parecia
determinado, não sei ao certo. Só me avisou que ia
dar um tempo pra gente, e ia dar um tempo a si
mesmo, eu acho. Resolver suas merdas, foi o que
ele disse.
Seria mentira se eu dissesse que não achei
estranho o fato de não ter visto Hunter durante
todos aqueles dias, nem ao menos por uma vez.
Estávamos prestes a completar a segunda semana
desde a briga com Neville.
— Ele está matando aula? — Não escondi
meu tom de preocupação.
— Sim. E não tenho ideia de onde possa
estar. Quer dizer, Hunt não se dá bem com o avô e
os únicos amigos dele somos nós e... Josh
comentou com Zach que Hunt passou na danceteria
pra receber uma grana. Essa foi a única notícia que
tivemos.
Onde será que ele se meteu?
— Não falou com o avô dele? — Balancei a
cabeça, começando a ficar nervosa. — Hanna
sabe? Não seria melhor avisar a polícia ou algo

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assim, sei lá...


— Ei, Turner. Não surta, tá legal? Não falei
com o senhor Jamie, porque não quis preocupá-lo.
E não, a Hanna não sabe. Só Leon, Zach, eu e agora
você.
— E você está numa boa com isso? — Meu
tom era de reprimenda e Lewis ignorou isso dando
de ombros.
— Se ele precisava desse tempo para colocar
a cabeça no lugar, então sim, estou numa boa —
revelou, despreocupado. — Só pensei que você
gostaria de saber, sobre ele estar fazendo algo a
respeito, depois de tudo o que houve.
Levantei da cadeira, me sentindo inquieta.
— Não entendi, Lewis. O que Hunter poderia
estar fazendo? Faltando aula? Não indo trabalhar?
Deixando seus amigos sem dizer para aonde
pretendia ir? Isso é uma puta irresponsabilidade!
— Me diz você, Turner! — Levantou-se
também. — O que veio fazer em Londres?
— O que isso tem a ver? — Alterei minha
voz, ligeiramente frustrada. — Vim a Londres para
estudar música.
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— Só isso? — Desafiou. — Tem certeza?


Coloquei as mãos na cintura e o encarei,
desafiadora.
— Aonde está querendo chegar com isso,
Lewis?
Ele bufou e passou as mãos pelos cabelos
antes de imitar minha postura e me encarar com
aquele jeito estranho, como se estivesse lendo
minha alma.
— Você está recomeçando, mas também está
fugindo de algo que provavelmente se arrepende —
disse ele, em um tom mais ameno. — Também se
afastou das pessoas de quem gosta, estou errado?
Não respondi, mas acho que nem precisava.
Lewis era meio bruxo. Não sei como, mas parecia
que sempre sabia das coisas.
— Eu não pretendia me estender no assunto,
de verdade. Me desculpe, Amy. Achei que fosse
entender. Hunt também fugiu, se afastou de quem
gosta... nos deu um tempo, porque quer recomeçar
também. Ele se arrependeu.
De repente, era como se alguém estivesse
esmagando meu coração, como se fosse uma
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esponja. Eu podia sentir o aperto sufocante, mas


não era uma dor física e sim aquele tipo de dor na
alma.
— Tá dizendo que Hunter não vai mais
voltar? — Levei um tempo até conseguir proferir a
pergunta.
— Eu não sei.
Assenti.
— Acho melhor você ir agora, Lewis. Eu
preciso ficar sozinha.

Era sexta-feira quando finalmente terminei o


arranjo da música nova. Hanna havia saído outra
vez e aproveitei para ficar na sala, tocando meu
violão. Ela se sentia tão mal quanto eu, mas a
forma com que lidava era diferente. Enquanto optei
em ficar sozinha, Hanna buscava por companhia
constante.
O que eu tanto queria era arrancar de dentro
de mim a saudade que tomava conta, e a tristeza
que insistia permanecer, por mais que eu tentasse
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sorrir e dizer a mim mesma que ia ficar tudo bem.


Só que cada dia de incerteza, sobre Hunter não
voltar a New Cross, era como tortura. A
preocupação com sem bem-estar, o fato de Hanna
sequer perguntar se tive notícias dele,
demonstrando total indiferença, minha própria
culpa por ter sido dura demais com ele, em nossa
última briga... era uma soma de fatores que
resultava em uma angústia crescente.
Eu o amava. Mesmo que não pudesse ficar
com ele, eu o amava.
“Você não pode fugir sem dizer adeus
Depois voltar e fingir que nada aconteceu
Nem sempre estarei aqui pra quando você
sorrir
Eu cansei de me machucar, você só me faz
chorar...

As linhas estreitas não compensam as


tortas
Pra que tentar ser perfeita se você não se
importa?

Você entrou no meu mundo

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E por um segundo achei que ia ficar


Você bagunçou tudo
Deixou minha vida de pernas pro ar

Mas quando você se foi sem me dizer


adeus
Foi quando descobri que a culpada fui eu
Eu te peço uma última vez
Ao menos que você tente
Pensar um pouco antes de agir
Eu não vou te perdoar sempre

Você e eu, duas metades que não se


completam
Você e eu, um livro entreaberto
Você e eu, por favor, feche a porta
Você e eu, um caminho sem volta

Conheço cada pedaço seu


Sei muito bem quando você mente
E confesso que gostaria
Mas não vou te esperar pra sempre

Não vou te culpar, mas vou desistir


É que eu cansei de tentar te fazer feliz...
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( Messy – Amy Turner )


Deixei o violão de lado e sem pensar duas
vezes peguei meu celular, digitando uma
mensagem que sabia que não deveria enviar, mas
enviei.
Coração: um.
Razão: zero.

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“As gotas de chuva caem em todas as direções


Esse silêncio incômodo me deixa louco
O brilho interior a ilumina
Eu vou tentar te beijar, se você deixar
(isso não pode ser o fim)
Maremotos quebram em cima de mim
Lágrimas de olhos cansados, frios e tristes
Me anime agora, eu preciso tanto de você...”
Down ~ Blink 182

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AMY>>>
Mais uma lágrima caiu no chão esta noite
e eu jurei que seria a última.
Porque sofrer por amor não é uma coisa
boa.
Machuca a alma e esmaga o coração.
Eu não queria me apaixonar,
nem me lembro de ter permitido.
Mas um coração teimoso procura por
encrenca,
e ele só relaxa quando o estrago já está
feito.
Eu bem que tentei resistir,
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mas você fez um bom trabalho.


Tirou um A+.
Então ouça a voz ao fundo sussurrando:
‘coração despedaçado com sucesso’.
Perdi as contas de quantas vezes li a
mensagem de Amy, de quantas vezes quis ligar e
perguntar porque, depois de todos aqueles dias, ela
estava entrando em contato daquele jeito. Mas
novamente o Hunter Covarde Stevens preferiu ficar
em silêncio.
Quando percebi que meu maior sentimento
em relação a tudo o que vivi desde que Amelia
chegou a New Cross era arrependimento, não
significava que me arrependia de amá-la. Pelo
contrário, me arrependia de não ter sido o cara que
ela merecia que eu fosse.
Sentia falta do sorriso que demorei para
conquistar o direito de receber, da sua voz que
tinha um dom incrível para a música... até a forma
como ela fazia questão de se camuflar, era algo que
eu admirava, mesmo que ficasse frustrado por não
saber o que Amy tanto queria deixar para trás. Os
óculos ridículos que não escondiam o brilho
audacioso do seu olhar; a camisa xadrez que podia
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até disfarçar suas curvas, mas não a deixava menos


atraente; o par de All Stars um tanto surrados, que
provavelmente eram usados com a intenção de que
ela parecesse desleixada, mas acabava por ser cool.
Tudo em Amelia Turner me fascinava.
Eu precisava voltar logo para New Cross,
queria vê-la, mesmo que não pudesse falar com ela
ou tocá-la. Só sentia necessidade de saber se estava
bem, contudo, não perguntaria. Talvez um dos
caras pudesse me contar, ou eu verificasse mesmo
de longe. Tinha que dar espaço a nós dois e sabia o
quanto seria difícil.
Também queria ver minha irmã, mesmo
ciente de que qualquer tentativa de uma
aproximação não surtiria efeito. Eu tinha que
libertar Hanna e me libertar em relação a ela.
Protegê-la não podia mais ser o mesmo que sufocá-
la, impedi-la de se relacionar com outras pessoas,
fossem amigos ou até mesmo um romance.
Porra! Precisou que tanta merda acontecesse
para eu finalmente enxergar o que deveria sempre
ter sido óbvio. Mas sabia também que se não
tivesse acontecido, provavelmente eu continuaria
sendo o mesmo idiota de antes.
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Foi uma reação em cadeia dolorosamente


necessária e eu estava lidando com as
consequências.

— Pronto pra voltar? — perguntei ao Neville,


assim que terminamos a limpeza do pub.
Não pensei que seria tão complicado
convencer os pais do Nev a mudarem de ideia sobre
ele se mudar para Galway, com isso se passou mais
uma semana entre conversar com meu avô e
Margareth, perambular por Manchester e trabalhar
no Irish Pub dos Donnelly. Eu não podia perder
mais aulas, já seria um milagre se conseguisse
recuperar os créditos que perdi, pela minha
ausência e não entregar de trabalhos importantes.
— Vai ser uma merda e eu deveria socar a
sua cara, para no mínimo, me sentir menos pior ao
ver a Hanna. — Começou a apagar as luzes para
irmos embora.
Contar ao Neville sobre uma parte do
passado, demandou muito esforço da minha parte.
Não entrei em detalhes sobre alguns pontos, contei
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somente o que dizia respeito à Hanna, para que


assim ele entendesse um pouco meu lado. Somente
ao vovô eu abri o jogo por completo, porque
precisava tirar de dentro de mim aquele fardo. E
não foi nada fácil, achei que não conseguiria, que
surtaria outra vez e acabasse pegando a estrada
rumo a nem sei para onde.
O que estava feito não podia ser revertido. E
da mesma forma que perdi Amy, Neville achava
que tinha perdido Hanna. Com isso, nossa
reconciliação ainda era frágil, embora ele tivesse
me desculpado e aceitado voltar para o apartamento
que dividíamos.
— Você se sentiria melhor caso eu te
deixasse me socar? — Já estávamos na calçada,
indo para o meu carro.
— Não, isso não faria sua irmã me aceitar de
volta.

— Então, desde que o pai morreu... teve


notícias dela?
Era domingo de manhã quando terminei de
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ajeitar minhas coisas no carro, para passar na casa


do Neville e então voltarmos a New Cross. Já havia
me despedido de Margareth, e vovô me
acompanhou até o portão, quando decidi tirar uma
última dúvida.
— Michelle? — Assenti, porque dizer o
nome dela era uma das minhas maiores
dificuldades. — Não, filho. Não vejo sua mãe
desde que ela foi embora. Seu pai tentou encontrá-
la, mas sem sucesso.
— Eu queria que ela estivesse morta, sabe?
— confessei ligeiramente envergonhado, ao ponto
de não conseguir encarar meu avô. — Não sei o
que isso diz sobre mim, mas a odiei por tanto
tempo. Então só queria que ela não existisse mais,
assim poderia parar de odiá-la por todo o mal que
fez a nossa família.
Jamie Stevens me pegou de surpresa ao me
puxar para um abraço, mas foi o fato de eu ter
retribuído com tanta intensidade que me abalou.
Bem, ele era minha família. A única que eu
dispunha, pelo menos até que Hanna me incluísse
em sua vida outra vez. Não que eu contasse com
isso, minhas esperanças em relação a minha irmã
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eram quase nulas.


Talvez com o tempo...
— Quando Michelle foi embora, fiquei feliz
— murmurou meu avô, ainda mantendo nosso
abraço. — Ela sempre foi sinônimo de encrenca,
mas seu pai não enxergava dessa forma. Então não
o ajudei quando me pediu para tentar encontrá-la.
Se eu soubesse que isso causaria a derrota do seu
pai para o vício...
— Não, vô! — Afastei-me para finalmente
encará-lo. — Se ela voltasse, continuaria nos
ferrando com suas merdas.
Ele anuiu com um balançar de cabeça.
— Mas se quiser, eu posso tentar descobrir
aonde ela está ou o que houve. Podemos tomar
medidas legais e fazê-la pagar pelo que fez...
— Não! — interrompi, passando as mãos
pelos cabelos, sentindo-me inquieto e frustrado. —
Nunca mais quero vê-la. Espero mesmo que tenha
morrido de tanto se drogar.
— Filho...
— Já disse que não. Sei que ela não deveria

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ficar impune, mas trazer isso à tona agora vai


machucar a Hanna e acho que já a magoei o
bastante. De toda forma, se ela nunca deu as caras
depois de ter fugido, é melhor que continue longe
das nossas vidas.
— Tudo bem, se é o que deseja, vou
respeitar sua vontade. Mas, Hunter, por favor, entre
em contato com Amber o mais rápido possível. Não
adie esse momento. Vai fazer bem pra você.
— Vou entrar em contato com ela sim, sou o
principal interessado. Obrigado por tudo, vô.
— Obrigado por confiar em mim, filho.

— Eu tô morrendo de fome, a gente devia ter


parado naquele drive- thru — resmungou Neville
enquanto subíamos as escadas rumo ao nosso
apartamento.
— Não faz drama, irlandês. A gente pode
chamar os caras e ir até o Café New Cross.
— Só preciso de um banho antes.
Quando Neville parou no corredor de
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supetão, quase esbarrei nele e estava pronto para


soltar um palavrão quando entendi o porquê. Hanna
estava diante de nós e parecia tão surpresa e
abalada quanto Neville e eu. Acho que nenhum dos
três estava preparado psicologicamente para um
encontro inesperado.
Não disse nada, mas também não saí do
lugar. Eu podia ver a emoção nos olhos de Hanna
enquanto ela encarava fixamente meu amigo.
Como foi que nunca percebi o quanto esses
dois se gostam? É tão óbvio.
— Oi, Hanna — murmurou Neville, ainda
hesitante.
Ela não respondeu, continuou fitando-o como
se não acreditasse que ele estava mesmo à sua
frente.
— Com licença, eu preciso ir — disse minha
irmã, após ter se dado conta de que não estava
alucinando ou coisa parecida, esgueirando-se por
Neville e passando por mim como se eu nem
estivesse ali.
Nós dois viramos para acompanhar o andar
de Hanna até o fim do corredor, perdendo-a de
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vista assim que ela começou a descer os degraus.


— Quer saber? Perdi a fome — resmungou
Neville.
Observei-o entrar no apartamento e deixar a
porta aberta para que eu entrasse, mas não o fiz de
imediato. Encarei a porta em frente a nossa e foi
inevitável não pensar em Amy.
Se já foi difícil ser ignorado por minha irmã,
não quero nem pensar em como vai ser quando eu
reencontrar Amelia.

Os caras estavam jogando videogame quando


chegamos naquele começo de tarde, no domingo.
Confesso que fiquei um tanto sem jeito, o que
parecia ridículo considerando que aquele
apartamento era do meu avô e eu era o anfitrião.
Mas também tinha adquirido uma puta consciência
nos últimos quinze dias e nada mais parecia como
antes, nem mesmo a forma espontânea e debochada
com a qual interagia com meus melhores amigos.
Isso porque eu sabia que tinha pisado feio na bola,
até mesmo, para os meus padrões de babaquice.
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Lewis ajudou a quebrar o gelo e então


Neville tomou a iniciativa, contando que estava de
volta, que ele e eu havíamos resolvido nossas
questões. Tive a decência de me desculpar e
garantir que uma merda daquelas não ia tornar a
acontecer, prometendo que me esforçaria a fim de
ser uma companhia melhor. É, foi bem
constrangedor, afinal, tive que engolir meu orgulho
que não era nada pequeno. Mas íamos ficar bem.
Assim que entrei em meu quarto, olhei
diretamente para a cama, tendo uma sensação de
déjà vu, do momento em que vi Amelia aguardando
para me confrontar a respeito do mural de fotos.
Balancei a cabeça com força e deixei minha
mochila em cima da cama antes de voltar à sala e
convidar os caras para irmos até o Café New Cross.
Eu ainda não conseguia ficar ali sozinho.

— Você é o único que tem um quarto todinho


seu e escolhe passar a noite nesse sofá velho?
Encarei Zach assim que ele entrou no
apartamento e se jogou na poltrona livre. Acabei
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desistindo de encontrar uma posição confortável,


visto que eu era maior do que aquele móvel
estofado, me sentando e jogando a cabeça para trás,
apoiando-a no escoro.
— Veio da danceteria? — Considerei que
mudar de assunto era mais oportuno.
— Yep! Estou guardando uma grana, então
acabei assumindo os dias que você não pôde tocar.
Cansativo pra caralho.
— Não sei se tô pronto pra voltar — revelei
um pouco sonolento. — Também nem sei se o Josh
me quer de volta.
— Ah, ele quer sim. Pode crer. Josh curte teu
som e a galera também.
Fiquei satisfeito em saber daquilo, era sempre
bom ter uma alternativa caso pretendesse voltar a
trabalhar logo.
Soltei uma lufada de ar e usei as mãos para
pentear minha cabeleira, que precisava ser aparada.
Meus cachos estavam um tanto rebeldes e eu já
conseguia fazer um coque igual ao que muitas
garotas usavam na faculdade.
— Ei, Zachary. Amelia está bem? — Fui
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direto ao ponto e pelo seu olhar desgostoso ficou


claro que ele não ficou feliz com a pergunta. Bem,
talvez fosse porque usei seu nome de batismo, que
tanto odiava.
— Não falo com ela desde aquela segunda-
feira. Parou de ir aos treinos de muay thai e
também pediu, através do Leon, que nós três nos
mantivéssemos afastados dela e de Hanna por um
tempo. Os caras já voltaram a falar com Amy, mas
eu ainda não tive a oportunidade.
Anuí em silêncio e ambos permanecemos
assim por um tempo.
— Pensei que você tivesse ido embora de
vez, sabe?
Sorri, daquele jeito cínico que não conseguia
evitar.
— E deixar minha garota disponível pra você
tentar a sorte? — Desdenhei, me arrependendo em
seguida. — Porra! Quer saber? Esquece o que eu
disse. Foi ridículo.
Zach riu e jogou uma almofada em minha
direção, errando a mira.
— Vai se foder, Stevens! — Mostrou-me o
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dedo médio, em um gesto obsceno. — Amy não é


mais a sua garota, e de toda forma, já superei.
— Sério? — Arqueei uma das sobrancelhas e
ele assentiu. — Podia me dar uma dica, quem sabe
consigo superar também? Porque estou uma merda
desde que ela me deixou...
— Nem rola, Hunt. Eu superei porque nunca
tive chances com ela, então não havia motivos para
alimentar qualquer esperança. No seu caso é
diferente.
— Diferente como? — Engoli em seco.
Zach se remexeu no sofá, inclinando-se para
frente e apoiando os cotovelos nos joelhos.
— Não é algo que possa ser explicado. Mas
aquela garota te ama, mesmo que não queira amar.
E você... cara! Nunca te vi tão desesperado por
causa de uma mulher, mas quando se trata de Amy,
sei lá. Não me parece o tipo de sentimento que se
supera do dia pra noite.
— Azar o meu, se quer saber.
— Por que diz isso, Hunt?
Dei um soco de leve, no lado esquerdo peito.

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— Porque dói, Zach. Dói pra caralho aqui


dentro.

Eu estava bem ferrado em relação as minhas


faltas na faculdade, mas teria que correr atrás do
prejuízo de qualquer forma. Ao menos estava de
volta às aulas e Tom e outros colegas se
propuseram a me dar uma força para recuperar as
matérias. Sempre fui um bom aluno e isso contou
pontos ao meu favor.
No próximo ano talvez eu começasse a
estudar em período integral, podendo concluir o
curso mais cedo e me formar antes do planejado.
Seria bom me distrair nos estudos e com isso eu
teria mesmo que dar uma pausa no trabalho da
danceteria. Foi pensando nisso que achei melhor
não conversar com Josh sobre voltar a tocar.
Após as aulas na segunda-feira, liguei para
Amber e marquei um horário para conversarmos.
Eu poderia procurar outra pessoa, mas por
indicação de meu avô acabei me sentindo mais
confortável em falar com alguém que não era uma
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completa estranha. De toda forma, se não me


adaptasse, pediria que me recomendasse alguém
com quem nunca tive contato antes.
Amber Willians era sobrinha de Margareth, e
atuava como psicóloga em um consultório na zona
1 do centro de Londres. Eu a havia visto uma ou
duas vezes, quando morava com meu avô e ela
visitara sua tia, mas nunca depois que se formou.
Ao mencionar que gostaria de tentar terapia, vovô
me falou a seu respeito e considerei que seria
alguém em quem eu pudesse confiar. Era um
grande passo para mim, afinal, passaram-se mais de
cinco anos até que finalmente decidi falar a respeito
do que tanto me atormentava.

— Então é verdade que você está de volta.


Engoli em seco e a encarei, tentando ao
máximo conter o desejo de puxá-la para mim e
abraçá-la.
Amy descia a escada do nosso prédio no
exato instante em que eu subia. Tinha acabado de
voltar do consultório da Dra. Willians — como fui
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aconselhado a chamar minha psicóloga — e estava


um tanto distraído, pensando em tudo o que
conversamos durante aquela infindável uma hora.
Eu não a tinha visto no campus durante a
manhã de aula e considerei um pouco de sorte que
o universo estivesse conspirando para que não nos
encontrássemos tão cedo. Mas ali estávamos, quase
esbarrando um no outro a dois degraus de distância.
Coloquei as mãos nos bolsos da minha
jaqueta de moletom e me escorei em uma das
paredes estreitas. Amy continuou onde estava e
imaginei que logo ela fosse se afastar.
Como senti sua falta, porra! Ela estava tão
bonita. Os cabelos presos em um rabo de cavalo, o
jeans justo e o velho par de All Star contrastando
com a blusa de moletom cor-de-rosa onde a
logomarca do Blink 182 estava estampada bem na
frente.
De onde ela tira essas coisas? Pensei, quase
deixando um sorriso escapar dos meus lábios, não
fosse a tensão que era quase palpável entre nós.
— Eu precisava de um tempo — foi o que
consegui dizer, dando de ombros.

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— É, foi o que fiquei sabendo.


Nenhum de nós disse nada por um tempo
que, provavelmente foram segundos, mas soando
clichê ao extremo, pareceu uma eternidade. Soltei o
ar dos pulmões e umedeci os lábios ressecados pelo
frio, encarando-a para perceber que ela não fazia o
mesmo.
— Como Hanna está? — Achei melhor não
falar sobre a gente, nem mesmo a respeito da
mensagem que ela me enviou outro dia.
Amy finalmente me encarou e eu não gostei
do que vi em suas íris acinzentadas: tristeza,
cansaço, desamparo.
“coração despedaçado com sucesso”, dizia a
mensagem.
— Melhor do que o esperado, eu acho —
respondeu, desviando o olhar em seguida. — Ela
tem saído bastante com as amigas do curso de
História, parece estar se divertindo.
— Isso é bom.
— É sim.
E você? Quis perguntar, mas não consegui.

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— E você? — perguntou Amy, mordendo o


lábio inferior em um gesto que denotava
nervosismo. — Como você está?
Ah, sim! Eu estou muito na merda, sabe?
Bem fodido mesmo, sem parar de pensar em você
por um minuto sequer.
— Estou bem.
Ela assentiu e tentou sorrir, falhando
miseravelmente.
— Que bom, Hunter.
— E você?
— Estou bem, também.
— Ótimo.
Não sei se foi Amy quem desceu o primeiro
degrau rumo à saída ou eu quem subiu em direção
ao corredor, mas logo estávamos de costas um para
o outro e sem olhar para trás, cada um seguiu seu
caminho.
Dois péssimos mentirosos!

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“Eu pensei: ‘os céus não me ajudarão agora


Nada dura para sempre
Mas isso vai me derrubar’.
Ele é tão alto e impossivelmente lindo
Ele é tão mal, mas faz do jeito certo
Já dá para ver o fim enquanto isso começa...”
Wildest Dreams ~ Taylor Swift

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— Tire a calcinha e me espere na casa da


piscina, em quinze minutos — sussurrou Adam,
quando puxou-me para um abraço, na frente de
todo o pessoal da banda, meus pais e alguns
amigos. — Feliz aniversário, AJ.
Sorri como uma garotinha apaixonada, não
conseguindo disfarçar minha euforia diante do que
ele tinha acabado de me pedir. Transar com Adam
era uma coisa louca, assim como o amor que eu
sentia por ele. Não havia muito tempo que eu
perdera minha virgindade, pouco mais de um mês
desde que nós transamos pela primeira vez, em
meu quarto, na casa do papai em Malibu. Foi a

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semana mais intensa de toda a minha vida,


aprendendo com um homem de verdade tudo o que
tinha curiosidade de saber em relação ao sexo. E
eu queria muito mais.
Cumprimentei a todos, recebendo as
felicitações pelos meus dezessete anos
completados. Foram inúmeros abraços, seguidos
de presentes caros. Fotografias para as redes
sociais que deixariam os sites de fofocas eufóricos,
especulando sobre tudo o que havia acontecido
naquela noite, em uma mansão lotada de gente
famosa.
Quando finalmente consegui me desvencilhar
de todos, desci as escadas de acesso ao salão de
festas que ficava na cobertura da mansão,
esgueirando-me até a parte de trás da imensa
propriedade, até chegar à casa da piscina, onde
Adam ficava hospedado quando passava férias em
Los Angeles.
Eu havia feito o que ele tinha me pedido, e
assim que o vi sentado no sofá, vestindo apenas seu
jeans surrado, nu da cintura para cima e exibindo
a coleção de tatuagens coloridas, me aproximei
sorrateiramente e arremessei minha calcinha em
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sua direção. Ele percebeu o movimento e começou


a rir, agarrando a peça íntima e minúscula no ar,
cheirando-a antes de voltar seu olhar para mim,
cheio de malícia.
— Até que às vezes você consegue ser uma
garota obediente, AJ.
— Sou um espírito livre — falei em tom de
deboche.
— Não, você me pertence.
Mordi o lábio inferior e cheguei até ele,
sentando com as pernas escarranchadas em seu
colo, podendo sentir o quanto Adam estava duro
quando o volume do jeans roçou diretamente na
minha parte mais sensível. Soltei um gemido e ele
ficou sério, me encarando de um jeito sombrio,
estranho até.
— Você me corrompeu, fazendo com que eu
corrompesse você — murmurou em um tom
intimista. — Por que não passa de uma vadiazinha
manipuladora, não é AJ?
Engoli em seco e tentei me afastar, mas
Adam cravou suas mãos em meus braços, me
fazendo soltar um gemido que não foi de prazer. Eu
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usava um vestido ‘tomara que caia’, bem justo ao


corpo. Pela posição em que me encontrava, o
tecido havia subido, deixando minhas pernas
expostas e exibindo uma seminudez.
— Adam...
— Calada! — rosnou entredentes. — Não
quero ser enfeitiçado mais do que já estou. Cada
vez que ouço a sua voz, assim tão perto, me sinto
como um pescador à mercê do canto da sereia.
Aquilo era algum tipo de declaração
romântica, do jeito torto de Adam. Só podia ser.
Ele sempre foi debochado e não era do seu feitio
me iludir com palavras doces. O jeito dele
conquistar era mais ousado e um tanto sujo,
sempre jogando com erotismo e me provocando
com olhares mal-intencionados, prometendo o
pecado se eu mergulhasse com ele no inferno. E eu
gostava que fosse assim, porque esse era o Adam
que eu amava mais do que a mim mesma.
— Você sabe o risco que corremos estando
aqui agora? — Continuou enquanto suas mãos
desciam pelo meu corpo, acariciando-me sem
censura. — Eu sendo bem mais velho e você menor
de idade, sua pestinha!
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— Eu jamais permitiria, Adam. Fui eu que te


seduzi, esqueceu? Além disso, já tenho dezessete
anos. — Mordisquei seu queixo, sabendo que ele
ficava ainda mais excitado com o gesto provocante.
— Ainda assim, sou culpado. Não importa o
que a lei permite, AJ. Eu poderia ter dito não.
— Nunca pra mim. Eu sou irresistível —
brinquei, minhas mãos indo ao encontro do zíper
do seu jeans. — Só precisamos ser discretos.
Quando eu completar dezoito anos não teremos
mais que nos esconder.
— Pensa que é fácil disfarçar o quanto você
me deixa louco? Principalmente quando algum
daqueles seus amiguinhos idiotas ficam passando a
mão pelo seu corpo.
Consegui abaixar sua calça, mesmo que de
um jeito atrapalhado, me encaixando sobre Adam,
encarando-o com um sorriso sem vergonha.
— Ciúmes, querido?
Ele soltou um gemido alto assim que o senti
bem fundo dentro de mim. Suas mãos apertaram
meu traseiro com força e eu também gemi, me
deliciando com o poder que exercia sobre ele.
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Como amava fazer aquilo, tê-lo à minha mercê, ao


menos por um tempo e mesmo que às escondidas.
— Como eu disse, você me pertence.
Com a adrenalina de estarmos fazendo algo
errado, aos olhos dos outros, e em um local onde
poderíamos ser flagrados, caso alguém decidisse
aparecer na casa da piscina, não senti nada além
do imenso prazer que ele me proporcionava, nem
mesmo a dor. Somente depois, já saciada e exausta
por tudo o que fizemos, foi que senti a ardência em
minhas costas, enquanto tomava uma ducha antes
de voltar para a festa.
Verificando no espelho, assustei-me com as
marcas de arranhões, mordidas e chupões que
Adam havia feito quando trocamos de posição.
Como não senti isso na hora em que foram
feitas?
— Agora sim, você é só minha, AJ —
murmurou Adam, enquanto fumava aquele maldito
baseado. — A partir de hoje eu não quero você
exibindo o seu corpo delicioso por aí. Mantenha-se
coberta e se exiba somente para mim, estamos
entendidos?

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Eu devia ter dito não, afinal, era o meu


corpo.
Mas eu disse sim e o fiz acreditar que ele era
meu dono.

Se eu continuasse vomitando daquele jeito,


logo Hanna me traria um teste de gravidez. Mas
como explicar a ela que aquilo era uma reação do
meu organismo ao nojo que eu sentia de mim
mesma, cada vez que lembrava de Adam e do
quanto fui uma garota estúpida?
As lembranças estavam mais frequentes e o
retorno de Hunter havia tornado tudo pior. Não que
ele fosse culpado, porque a culpada era eu. Achei
que ao me afastar de Los Angeles e de Adam,
estaria enterrando de vez o meu passado e ficaria
livre para seguir em frente, mas estava mais do que
claro que não seria assim. E ter Hunter por perto
era um lembrete constante de como querer tanto
alguém podia ser desgastante emocionalmente.
Eram dois sentimentos completamente
diferentes o que sentia por Hunter e o que já senti
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por Adam. Mesmo que fosse difícil, talvez


impossível, colocar em palavras, conseguia
distingui-los em meu coração.
Talvez o problema fosse eu, não eles. O meu
sentir demais, o achar que duraria para sempre, o
acreditar que não suportaria lidar com um
rompimento definitivo.
Eu era fraca e instável.

— O jatinho particular estará esperando por


você, querida. Já providenciei tudo. Não te quero
em um voo comercial às vésperas do feriado, se
atrasar, você pode nem chegar a tempo.
— Tudo bem, mãe. — Seria bom passar
algumas horas sozinhas, tentando assimilar o fato
de que estava prestes a voltar para a minha casa,
minha antiga realidade, ainda que fosse por poucos
dias.
Havíamos nos falado com bastante
frequência desde o Dia de Ação de Graças. Mesmo
por telefone eu podia sentir que estava mais
próxima de minha mãe, como se tivéssemos nos
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tornados amigas de verdade. Ainda assim, não


conseguia me abrir o suficiente para contar sobre
Hunter ou minhas crises de consciência
relacionadas à Adam.
O Natal seria em poucas semanas e os dias
passaram tão rápidos que mal percebi, pois estive
concentrada demais em meus dramas pessoais,
lidando com o estranho bom humor de Hanna e
tendo que aprender a conviver com Hunter, ambos
nos comportando como se fôssemos estranhos um
para o outro.
Ele nem ao menos mencionou minha
mensagem ridícula... parecia ter se conformado
com nosso término e seguido em frente. Bem, era o
que eu também deveria fazer, não era?
— Você vai ao show, no próximo sábado?
Com meu foco voltado para os estudos e a
dificuldade em continuar me mantendo indiferente
ao meu vizinho e ex-namorado, nas poucas vezes
em que nos vimos durante aqueles dias, eu havia
esquecido completamente do show. Isso porque não
pretendia ir, mas saberia como fazer bom uso
daqueles ingressos.

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Bem lembrado, mamãe!


— Não vou. Por acaso sugeriu ao papai me
enviar os ingressos? Pensei que somente a senhora
tinha meu endereço aqui em New Cross.
Ouvi a risada dela do outro lado e acabei
sorrindo, mesmo sem entender o motivo da graça.
Eu gostava de ouvi-la tão contente, era diferente de
quando vivia repreendendo-a por ser sempre tão
espontânea e alegre, como se estivesse atuando o
tempo todo. Mas na verdade, era mamãe sendo ela
mesma e eu um tanto amarga por ter que me conter
para evitar chamar a atenção para mim, porque
Adam preferia que eu fosse mais discreta, me
soltando somente quando estivéssemos juntos e à
sós.
— Eu me sinto tão mais velha do que sou
quando você me chama de senhora — explicou,
ainda rindo. — Mas respondendo sua pergunta, eu
não passei seu endereço ao Theodore. Apenas
pensei que você fosse aproveitar a oportunidade de
ir até ele para que conversassem. Sempre amou ir
aos shows da banda.
— Não amo mais.

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— Tudo bem, querida. Vamos mudar de


assunto, sim?
Como meu pai havia conseguido o endereço?
Se não foi mamãe, alguém mais sabia onde eu
morava e isso me deixou bastante intrigada. Não
que estivesse em um programa de proteção a
testemunhas ou algo do tipo, apenas não queria que
a informação vazasse e chegasse até aqueles que
viviam farejando notícias, para circular as mais
variadas especulações a respeito da vida alheia. De
todo modo, eu não iria ao show e também duvidava
que meu pai se daria ao trabalho de ir até New
Cross me encontrar. Foi pensando assim que acabei
não mencionando a mamãe a respeito de ter
recebido dois ingressos.

Na quinta-feira à tarde, tomei coragem e bati


na porta do apartamento vizinho, sendo atendida
por Lewis que, desde a noite em que me contou
sobre Hunter ter ido embora, não havíamos nos
falado outra vez.
Eu pensei muito a respeito antes de
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finalmente decidir ir até ali, mas assim que o olhar


de Lewis se encontrou com o meu, tudo o que mais
queria era não ter tomado aquela decisão.
— O gato comeu sua língua? — debochou,
escorando-se no batente da porta.
Revirei os olhos e ele sorriu, demonstrando
um pouco mais de simpatia, fazendo com que eu
não me sentisse tão arrependida assim. Gostava
muito de Lewis, mesmo que nem sempre o que ele
tinha a dizer fosse o que eu esperava ou gostaria de
ouvir.
— O Hunter está por aí? — Fui direto ao
ponto, pois quanto antes resolvesse aquilo, melhor.
— Está perguntando isso porque se ele
estiver você voltará outra hora ou porque ele é a
pessoa por quem está procurando? — Cruzou os
braços, parecendo se divertir as minhas custas.
Fechei os olhos e soltei a respiração, tentando
manter a paciência e não ser grosseira.
— Sim ou não, Lewis? — Cruzei os braços
também, mas me mantive impassível.
— Não, ele tem desaparecido por algumas
tardes. Sabe como é o Hunter, não costuma dar
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satisfações a ninguém.
— É, eu sei. — Umedeci os lábios com a
língua. — E você? Pensei que estivesse trabalhando
no Sebo Alternativo.
— Preocupada comigo, Amy? — Outra vez o
tom de deboche. — Bem, já que quer tanto saber,
tenho prova amanhã então pedi uma folga, porque
preciso desesperadamente entender a matéria.
Engoli em seco e o encarei, cansada daquele
joguinho ridículo. Nós dois estávamos sendo
infantis e ao menos um teria que dar o braço a
torcer.
Tudo bem, eu me rendo!
— Olha, me desculpe por aquela noite. Eu
estou lidando com algumas questões pessoais e...
não tinha apenas a ver com Hunter. Às vezes você
dá a entender que sabe muito mais sobre mim do
que eu mesma e isso é um tanto assustador.
— Sou apenas um cara observador e
perceptivo, Amy. Então me desculpe por ser um
enxerido. Você é uma das poucas pessoas que
tenho em estima elevada, se falo mais do que
deveria é porque me preocupo e quero o seu bem.
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— Eu sei. E está tudo bem, mesmo que


pareça um pé no saco às vezes.
Ambos rimos e então Lewis abriu mais a
porta, me incentivando a entrar no apartamento.
— Pretendia falar com o Hunt, mas pode ser
com você também — expliquei, continuando no
corredor, deixando subentendido que não ia entrar.
Tirei os ingressos do bolso traseiro do meu jeans e
estendi em sua direção. — Tenho um par de
ingressos VIPs para o show da Conect Six que
acontecerá no próximo sábado, na ArenaO2.
Percebi os olhos de Lewis brilharem de
expectativa assim que encarou os tickets em minha
mão.
— Uau! São para o Hunter? Quer dizer, você
veio convidá-lo para ir contigo ao show?
— O quê? — Balancei a cabeça um tanto
rápido demais. — Não! Eu não pretendo ir ao
show, é por isso que estou dando os ingressos para
vocês dois irem. Bem, sei que ele é fã do Ted T. e
achei que você também curtisse a banda.
— Eu curto sim, mas... porra, Amy! São
ingressos VIPs! Deve ter custado uma fortuna.
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— Ganhei numa promoção de rádio — menti


descaradamente.
Lewis franziu o cenho, nem um pouco
crédulo, mas pareceu entender que eu não queria
falar a respeito.
— Acho que o Hunt vai surtar... no bom
sentido da palavra, é claro! — Riu ao se dar conta
de que, Hunter surtando não era sinônimo de coisa
boa. — Por que você mesma não entrega a ele?
Dei um passo para trás, hesitante com aquela
sugestão.
— Melhor não, Lewis. Já foi bem difícil vir
até aqui, sabe? E o fato de ele não estar em casa
meio que facilitou as coisas pra mim. Por favor,
aceite os ingressos e fale com Hunter. Nem precisa
dizer que fui eu que os dei, pode dizer que foi você
que os ganhou na promoção...
— Não vou mentir pra ele, Amy. — Estendeu
a mão e pegou os ingressos. — Mas te ajudo nessa,
O.K.? Afinal, é algo que vai deixá-lo feliz, tenho
certeza. Já tem muito tempo que a Conect Six não
faz shows em Londres e acho que o Hunter nunca
foi a um.

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— Legal! — Gostei de saber que aquele seria


um presente que Hunter gostaria muito de ganhar.
— Obrigada, Lewis. Espero que se divirtam.
— Valeu, Amy!
— Bem, eu tenho que ir agora. Dia de lavar
roupas — justifiquei.
Apesar de não ser o dia da semana em que
costumava lavar minhas roupas, aquela não era
outra mentira.
— Boa sorte com isso. — Piscou-me um dos
olhos e acenou um tchau.
Assim que Lewis fechou a porta, entrei às
pressas no meu apartamento, com receio de que
Hunter pudesse chegar a qualquer momento.
Hanna não estava em casa, o que
ultimamente era algo normal. Recolhi as roupas de
cama para lavá-las e as coloquei no cesto. Passar
um tempo na lavanderia era sempre uma ótima
distração.

— O que será que o papai e a sua


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mamãezinha vão fazer quando descobrirem que a


menina de ouro deles é só mais uma das vadias do
Adam?
Estava saindo do meu quarto, onde fui
buscar uma jaqueta para cobrir as marcas que
Adam deixara em minhas costas. Continuar apenas
de vestido já não era uma opção. Minha meia-irmã
estava escorada na parede do corredor, bem de
frente para minha porta. Os braços cruzados e um
sorriso desdenhoso que já era sua marca
registrada.
— Por que me odeia tanto, Kim?
Nós nunca nos demos bem, desde crianças.
Kimberly se ressentia do fato que nosso pai nunca
se casou com a mãe dela, mas casou-se com a
minha, mesmo que tivessem se separado tempos
depois. Era a única coisa que eu conseguia pensar,
já que tentava manter um relacionamento amigável
com ela e sempre recebi hostilidade em troca.
— Não te odeio, só tenho pena.
Tive que rir daquele comentário. Era mesmo
ridículo.
— Pena por quê, irmãzinha?
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— Acha mesmo que o Adam vai assumir um


relacionamento público com você, quando for
maior de idade?
— Isso não é da sua conta!
— Não é mesmo, mas apesar de não
acreditar, eu me preocupo contigo e não quero te
ver machucada, AJ.
Machucada? Será que ela sabe das marcas
que Adam fez em mim?
— Muito hipócrita da sua parte, Kim. Você
nunca se importou em me machucar, me tratando
mal desde que éramos pequenas.
— Está cega por ele. Como não enxerga o
quanto você é muito mais do que Adam merece?
Ele só está te usando!
— Você não sabe de nada! — Tentei passar
pelo corredor, pretendendo voltar ao salão de
festas.
Kimberly segurou meu pulso com força,
impedindo-me de seguir adiante.
— Eu sei sim, já estive no seu lugar antes!
Reuni toda a força que tinha e a empurrei,
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liberando-me do seu toque.


— Então é isso, está explicado. Não aceita
que Adam te deixou pra ficar comigo? Sinto muito,
Kim... Bem, na verdade, não sinto! Eu quis o Adam
pra mim e você sabe que sempre consigo tudo o
que quero. Lide com isso e me deixe em paz!

Relembrar uma das muitas discussões que


tive com a minha meia-irmã a respeito de Adam só
me fez perceber o quanto Kimberly estava certa.
Como fui tão cega?
Os sinais estavam todos ali, mais do que
sutilmente. Eu nem podia me dar ao luxo de dizer
que nunca fui alertada sobre Adam.
Depois daquela noite, não tornei a encontrar
Kim. Ela voltou para Londres com o papai e a
banda, no jatinho particular. Quando tudo veio à
tona, ela não estava por perto e de todo modo até
foi bom porque eu detestaria que me sorrisse
daquele jeito, dizendo o famoso “eu te avisei”.
Nem mesmo pude perguntar o que quis dizer
quando mencionou já ter estado no meu lugar antes.
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Sim, ficou óbvio que Kim e Adam tiveram algum


tipo de envolvimento, mas será que minha meia-
irmã também o seduziu da forma que eu fiz?
Provocando-o e o tentando sempre que possível,
mesmo ciente de que ele era muito mais velho?
“Pai, eu sei que você vai ficar chateado
Pois sempre fui a sua garotinha
Mas você já deveria saber que
Eu não sou nenhum bebê...”
Assim que meu celular começou a tocar Papa
don’t Preach, da Madonna, em cima da mesa na
lavanderia, sobressaltei-me e deixei minhas
divagações de lado.
Aquele era o toque que eu havia escolhido
para o número do meu pai. O que obviamente
significava que era ele me ligando. Mesmo que eu
não tivesse mais nenhuma intenção de entrar em
contato, ainda assim mantive seu número em minha
agenda. Não sabia que ele tinha meu número novo,
o que só comprovava que mamãe o atualizava a
meu respeito.
Encarei o aparelho que continuava tocando e
fiz uma oração mental para que minha voz não
falhasse assim que eu atendesse. Não nos
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falávamos há mais de um ano, e eu não fazia ideia


do porque ele estava entrando em contato, depois
de tanto tempo.
Talvez queira saber se irei ao show.
— Alô — murmurei ressabiada, tentando não
demonstrar tensão e nem expectativa.
Na verdade, eu nem sabia direito o que estava
sentindo naquele instante.
— O que está fazendo em Londres, AJ?
O quê? Como? Adam?
Assim que reconheci sua voz, meu corpo
começou a tremer involuntariamente, reavivando o
mal-estar que vinha sentindo desde que as
lembranças do tempo em que estive com ele
começaram a me assombrar.
A primeira vez que Adam entrou em contato
comigo depois que nos separamos, eu já estava em
Londres e não reagi nada bem. Por sorte, só havia
eu na lavanderia. Da outra vez acabei atendendo
sua ligação enquanto caminhava pelo campus da
Goldsmiths e entrei em pânico.
Ele não pode mais exercer esse poder sobre

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mim! Não vou deixá-lo me desestabilizar outra vez.


— Isso não é da sua conta — respondi
categórica, mantendo meu autocontrole.
Nunca tive medo de Adam e não permitiria
que ele entrasse em meu caminho outra vez. O fato
de já não sermos mais um casal não o tornava meu
inimigo, mas desde que me dei conta do quanto ele
me fez mal, me fazendo acreditar que merecia ser
tratada da forma como me tratava... desde que abri
os olhos para o quão errado era o tipo de relação
que mantínhamos e o quanto abri mão do meu amor
próprio, todo o encantamento que um dia senti por
aquele homem se transformou em asco. Por isso
não queria tornar a vê-lo, nem sequer ouvir sua voz.
Mas precisava encarar aquele momento de cabeça
erguida, sem demonstrar o quanto me sentia
horrível por dentro.
— Não seja malcriada — desdenhou. — Eu
já sei porque veio, mas quis te testar para saber se
me contaria numa boa.
Como assim, ele sabe? Não, não! Adam está
tentando colher informações, mas eu não vou cair
nessa!

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— Você precisa parar de me ligar, Adam. —


Usei um tom entediante, sabendo o quanto ele
detestava quando eu agia assim.
— Recebeu os ingressos pro show?
— Pensei que tivesse sido o papai —
murmurei confusa, o que devia ter sido um
pensamento, mas acabei dizendo em voz alta.
Droga!
Consegui ouvir sua risada debochada, pois
ele fez de propósito.
— Seu pai não dá a mínima pra você, garota.
— Como descobriu meu endereço, Adam?
Novamente aquela risada idiota.
— Eu sou a porra de um Rockstar, baby. Eu
consigo tudo o que quero. E ainda quero você.
Meu coração parecia que ia sair pela boca e
eu sabia que não demoraria muito até que ele
conseguisse me abalar ao ponto de eu sucumbir às
lágrimas. Já podia sentir meus olhos ardendo.
— Adam, por favor! Nossa história já está no
passado. Será que é tão difícil assim me deixar em
paz? — Usei um tom irritado, porque era melhor do
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que suplicar.
— Não faz ideia do quanto, AJ.
— Pare de me chamar assim!
— Você costumava amar quando eu te
chamava assim... aliás, você costumava me amar
também.
Fechei os olhos com força e senti quando
uma lágrima escapou sorrateira.
— Não amo mais, Adam. Acabou. — Soltei
uma lufada de ar. — Você sabe que não tem volta,
não depois do que aconteceu. E pare com o drama,
porque não é seu estilo. Você só está frustrado
porque cansei de ser seu brinquedinho.
— Uau, desde quando você se encheu de
atitude, AJ? Estou impressionado com esse seu
jeitinho arisco... — seu tom jocoso me deixou
nauseada.
— Vá se ferrar!
— Ah, eu já estou bem ferrado, baby. Por
isso preciso que você volte pra mim.
— Isso não vai acontecer, Adam. Nunca.
— Nunca... é uma palavra muito forte, não
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acha?
— É a primeira palavra que me vem à mente
quando se trata de você.
— O.K., AJ. A gente se fala depois do show.
Pode trazer uma amiga, foi por isso que te mandei
dois ingressos.
Adam mandou os ingressos! Isso significa
que ele sabe aonde moro.
— Não vai rolar, Adam. — Voltei a
expressar tédio, retomando meu autocontrole, ao
menos para que ele pensasse assim.
— É melhor você aparecer, AJ!
— Não me espere. — Desliguei, jogando o
celular contra a parede da lavanderia, permitindo
que o choro cedesse por fim, mas orgulhosa de não
o ter deixado perceber que eu estava desmoronando
outra vez.

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“Todo o lugar que eu vou


Todo mundo que eu conheço
Toda vez que eu tento me apaixonar
Todos eles querem saber
Porque eu estou tão quebrado
Porque eu sou tão frio
Porque eu sou tão duro por dentro
Porque eu estou com medo,
Do que tenho medo
Eu nem sei!
Esta história nunca ia ter fim
Eu fiquei esperando
Eu fiquei procurando
Eu fiquei torcendo
Eu fiquei sonhando que você voltaria
Mas eu sei o fim da história
Você nunca voltará
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Nunca, nunca, nunca...”


Predictable ~ Good Charlotte

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Fiquei ligeiramente atordoado assim que vi


Amy arremessando o celular contra a parede da
lavanderia.
Eu tinha acabado de falar com Lewis sobre os
ingressos para o show da Conect Six e precisava
tirar aquela história a limpo com Amelia. Ela devia
ter gastado uma pequena fortuna para nos
presentear, principalmente porque eu desconfiava
que o fato de ter comprado dois ingressos podia ter
ocorrido antes de terminarmos. Ainda assim, Amy
quis que eu fosse ao show, e mesmo tentando me
manter distante, não era algo que pudesse
simplesmente ignorar.

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Sabia que havia uma chance de encontrá-la


na lavanderia, onde Lewis disse que ela poderia
estar. Não fazia muito tempo desde que Amy tinha
falado com meu amigo então eu quis conferir antes
de bater à porta do apartamento delas, e acabar
tendo um momento chato com Hanna. Desde nosso
encontro por acaso no dia em que Neville e eu
voltamos, não tornei a ver minha irmã, mas por
incrível que pareça até que estava lidando bem com
isso. A terapia estava me ajudando a enxergar as
coisas por ângulos diferentes.
Ver Amy chorando aos soluços, apoiada
contra a mesa, cobrindo o rosto com as mãos,
mexeu com algo dentro de mim. Não havia a
remota possibilidade de eu deixá-la sozinha para
lidar com suas próprias merdas, fossem quais
fossem. E nenhum psicólogo no mundo me faria
acreditar nisso naquele momento.
Assim que entrei no cômodo, fechei a porta e
passei a tranca. Foi um gesto rápido e instintivo,
não havia pensado em pormenores, só imaginei que
ela não gostaria que ninguém mais a visse daquele
jeito. Em passos largos a alcancei e a puxei ao
encontro do meu corpo, abraçando-a e inclinando

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meu rosto para se apoiar no emaranhado de cabelos


castanhos que tinham um cheiro tão gostoso de
xampu. Foi nostálgico e reconfortante, porque eu
amava o cheiro do cabelo dela. Porra! Eu amava
tudo naquela garota. Vê-la tão desolada era
doloroso, principalmente se fosse por minha causa,
então me peguei rezando mentalmente para que não
fosse.
— Ei, amor... Vai ficar tudo bem — sussurrei
para confortá-la, lembrando que foi Amy quem me
disse aquilo uma vez.
Ela não falou nada, apenas envolveu seus
braços em torno da minha cintura e afundou o rosto
em meu peito, chorando descompassadamente
enquanto eu lhe acalentava. Também quis chorar e
quase o fiz, se não fosse minha intenção de dar
força a Amy. Com tudo o que passamos, sucumbir
às lágrimas muitas vezes parecia a melhor coisa a
fazer. Demonstrar o quanto éramos sensíveis...
humanos. Mas alguém tinha que tomar as rédeas e
assumir o controle das emoções, a fim de passar ao
outro a sensação de que, por pior que parecesse
uma situação, ela iria se resolver.
— Sempre que dizemos isso, as coisas só
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parecem piorar — murmurou depois de um tempo,


já mais calma.
Eu não queria soltá-la, mas quando Amy se
afastou para enxugar o rosto com a manga de sua
blusa de moletom, acabei dando um passo para
atrás, me escorando em uma das máquinas de lavar
roupas.
— A vida pode ser uma merda às vezes —
falei, resistindo ao impulso de me aproximar dela
de novo.
— A culpa é nossa na maioria dos casos.
Assenti. Amy me encarou, os olhos
avermelhados e os cabelos ainda mais
desgrenhados pelo cafuné que eu havia feito a fim
de lhe consolar. Prendi meu olhar no seu,
lembrando que precisava me esforçar para
continuar inspirando e expirando o ar se não
quisesse sufocar.
— É o segundo celular que você perde, desde
que chegou aqui — comentei, tentando de alguma
forma saber o que houve para ela reagir daquela
forma.
— Seria perfeito se ao destruí-lo eu também
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tivesse resolvido a questão que me fez perder o


controle, não é? — Balançou a cabeça em negativa.
— Lidar com fantasmas vivos é tão assustador
quanto seria se fosse algo sobrenatural.
— Sei bem como é. Você quer conversar
sobre isso?
— Não acho que esteja pronta ainda. Mas
estou me esforçando, talvez meu próximo celular
dure mais tempo. — Deu uma risadinha.
— Odeio te ver assim. Só me diga que dessa
vez eu não fui o culpado.
— Não, Hunt. Não foi você. Nós mal nos
vimos ultimamente e nem temos nos falado, então...
Cortei a distância, ficando muito próximo,
segurando uma de suas mãos e levando até onde ela
pudesse sentir a batida do meu coração.
— Não pense nem por um segundo que já te
esqueci. Só estou tentando fazer a coisa certa, Amy.
Pela primeira vez na vida, tô tentando pensar antes
de agir. E eu sinto muito por ter despedaçado o seu
coração, porque com isso acabei despedaçando o
meu também.
Amy umedeceu os lábios trêmulos e o
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movimento de sua língua me fez agir sem pensar,


fazendo de mim um hipócrita do caralho. Inclinei-
me até que minha boca roçou de leve na sua e
mordisquei seu lábio inferior, me afastando de
supetão ao perceber que estava prestes a estragar
tudo.
— Desculpe! — supliquei, com medo de ela
fugir. — É só que já era difícil ficar longe antes,
quando ainda não te amava. Mas depois de ter
você, não poder te tocar... ficar longe é como tentar
arrancar meu coração de dentro do peito com as
próprias mãos.
Amy tocou seus lábios, como se ainda
estivesse assimilando o que acabara de acontecer.
— São só palavras, Hunter. — Sua voz saiu
fraca.
— Descrever o quanto me sinto arrasado não
é nada fácil, Amy. Então, sim são só palavras.
Porque não dá pra ser fielmente literal quando se
trata do que sinto por ti.
Amy se afastou, virando-se de costas. Eu a vi
passar as mãos pelos cabelos e ir na direção da
porta.

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— Pare com isso, Hunter.


Fui até ela, ficando à sua frente a fim de
impedir que me deixasse ali sozinho. Nós ainda
nem conversamos a respeito dos ingressos e já
estávamos indo para uma outra discussão, sendo
que eu não queria brigar outra vez.
— Não paro! — Segurei-a pelos ombros,
mas sem obrigá-la a permanecer sob meu toque,
bastasse um sinal de recuo e eu a liberaria. — Sei
que fiz muita merda, Amelia. Sei que disse coisas
das quais voltar atrás não apaga a dor que te causei.
Mas eu te amo pra caralho, e nunca, vê se coloca
isso na sua cabeça: nunca vou esconder de ninguém
como me sinto a seu respeito. E vou jogar isso na
sua cara sempre que tiver oportunidade, até que
entenda de uma vez por todas!
— Não se trata de entender ou não, Hunter.
— Se trata de que, então? — Eu me inclinei
para encostar a testa na sua, mantendo os olhos
fixos nos seus.
— Você, dizer isso em voz alta só dificulta
tudo, droga! — Soltou a respiração pesadamente,
evidenciando o cansaço e frustração.

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— Como assim?
Perceber que ela estava chorando outra vez
foi como receber um soco no estômago. Se antes
não era por minha causa, eu havia providenciado
para que fosse.
Achei que Amelia finalmente cortaria o
contato e se afastaria de mim, mas ela me pegou de
surpresa quando segurou meu rosto entre suas
mãos.
— Preciso te esquecer, Hunt. Estou mesmo
tentando arrancar de mim o que sinto por você,
então por favor, pare de me dizer essas coisas!
Balancei minha cabeça, não aceitando suas
palavras.
— Nunca, Amelia. Eu nunca vou deixar de te
amar. Nem de te fazer acreditar nesse amor.
Quando Amy grudou sua boca na minha e
pressionou o corpo contra o meu, eu realmente
considerei que estava sonhando e logo o
despertador me tiraria daquele momento. Então
deslizei minhas mãos até prendê-las em seu quadril
e a impulsionei para que montasse em mim,
envolvendo suas pernas em torno da minha cintura.
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Sua língua buscando pela minha foi o que me


deu certeza de que não era um sonho. Nós
estávamos realmente ali, naquela lavanderia, nos
beijando como se o mundo pudesse acabar a
qualquer momento.
Eu a sentei sobre a mesa e intensifiquei o
beijo, minhas mãos afundaram em seus cabelos, até
prender sua nuca, a fim de não permitir que se
afastasse, enquanto ambos tivéssemos fôlego.
Que saudade eu estava de sentir seu gosto! Te
ter suas mãos em meu corpo, explorando e
acariciando... Mesmo indo contra todo o meu
progresso em relação ao controle das emoções, me
permiti ceder ao desejo que sentia ao ter Amelia
outra vez em meus braços.
— O que estamos fazendo, Amy? — Ainda
consegui resistir por um infame segundo, dando a
ela a oportunidade de mudar de ideia.
Amelia me afastou um pouco, apenas o
suficiente para conseguir tirar sua blusa de
moletom, exibindo o sutiã e a pele clara, levemente
arrepiada. O outono já estava sendo uma amostra
grátis do inverno que viria dentro de alguns dias,
mas acho que ambos estávamos fervendo ali,
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ignorando todo o resto.


— Ligando o foda-se por um tempo —
argumentou, me puxando pela jaqueta e me
roubando um beijo que não demorei a retribuir.
Aquela já conhecida sensação de borboletas
no estômago estava ainda mais intensa do que todas
as outras vezes, o que me fez desligar a razão e me
concentrar exclusivamente na emoção, no tesão que
era ter Amy se entregando para mim de novo. Com
sua ajuda, me despi da cintura para cima e a cada
beijo que ela dava, passeando sua língua por
minhas tatuagens, eu me perdia novamente... e me
encontrava outra vez. Porque Amelia Turner era o
meu lugar.
Não dissemos mais nada, apenas nos
permitimos sentir.
Estar dentro dela era o prazer dos prazeres, e
talvez por estarmos em um local inapropriado,
ambos consumidos por um desejo desenfreado e
emoções à flor da pele... eu não saberia descrever
com perfeição o quanto foi sublime, apesar de nada
digno de romance. Foi visceral e um tanto louco,
desesperado, quase como se buscássemos um no
outro, nossa tábua de salvação. Mas nós tínhamos
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que voltar a realidade em algum momento, e


quando ela chegou...
— Desculpa... Por favor, me desculpa! —
Amy recomeçou a chorar assim que terminei de
ajudá-la a vestir sua blusa. — Eu te usei e... eu não
sou mais assim! E-eu não quero mais ser esse tipo
de pessoa. — Cobriu o rosto com as duas mãos,
chorando como se tivesse acabado de cometer o
pior erro da sua vida. — Ai meu Deus!
Ajeitei minha boxer e fechei o zíper do jeans,
abraçando-a em seguida, acariciando seus cabelos e
embalando-a.
— Ei, Amy, está tudo bem.
Ela não retirava as mãos do rosto e comecei a
ficar um tanto desesperado. Quando se tratava de
nós dois, parecia que estávamos sempre dando
voltas e voltas, mas acabávamos no mesmo lugar.
— Não, não, não... não está tudo bem. —
Finalmente me encarou, ainda em lágrimas. — Viu
só o que fiz? Nós terminamos, eu te pedi pra
manter distância em um momento, e no outro,
estava tirando a roupa. Usar sexo pra esquecer os
problemas é tão errado!

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Amy estava envergonhada, arrependida do


que tínhamos acabado de fazer e a constatação
disso me magoou. Bem lá no fundo eu sabia que
não devíamos ter cedido, que não voltaríamos a ser
um casal e superaríamos qualquer obstáculo. Mas
ainda assim, preferi deixar de lado o que viria
depois. A última vez que estivemos juntos, não
fazíamos ideia de que o mundo desabaria sobre
nossas costas logo em seguida. Contudo, ali
naquela lavanderia, estávamos cientes de que era
apenas um momento. Um momento de fraqueza ou
de nos fazer enxergar que nada seria como antes.
Foi assim que passei a enxergar a verdade tão
nitidamente.
— Não chora, Amy. Ah, porra! Não chora...
— Desculpa.
— Tá tudo bem. — Eu sabia que não estava.
— Não, não tá. — Foi a vez dela me dar um
sorriso fraco e acariciar meu rosto.
O jeito que Amy me olhava... não conseguia
esconder que também me amava. Mas ela tinha
razão. Amor nem sempre era suficiente.
— Mas vai ficar. — Eu queria que fosse
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verdade.
— Quando, Hunt?
— Eu não sei, mas acho que o tempo pode
cuidar disso, no ritmo dele.
Ela concordou, balançando a cabeça em
afirmativo, descendo da mesa e começando a
ajeitar sua calça. Nós havíamos tirado apenas o
suficiente para treparmos feito desesperados.
— Tomara que sim.
Nós nos recompomos o quanto era possível.
Ambos cheirávamos a sexo. Amy prendeu seus
cabelos em um coque improvisado com as próprias
madeixas e eu usei os dedos para tentar dar um
jeito nos meus.
— Não se culpe, O.K.? Você não me usou —
Eu disse, segurando-a pelos ombros mais uma vez,
encarando-a com seriedade. — Acho que é normal
ter uma recaída... o fato de não estarmos juntos não
significa exatamente que não gostamos um do
outro, nem que a atração foi embora. Vamos só
considerar que essa foi a nossa despedida. Tá
melhor assim? Eu concordo se você concordar.
Sua expressão de incredulidade quase me fez
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sorrir.
— Por que está fazendo isso, Hunter?
Acariciei sua bochecha avermelhada.
— Porque eu te amo, garota. Só não se culpe
pelo que aconteceu. Vamos ficar bem. — Por favor
Deus, que isso seja verdade!
— Obrigada.
Eu me afastei dela, para meu próprio bem.
A realidade se fazendo notar.
— Amy... hum, a gente não usou proteção.
— Nunca fui descuidado antes, então não sabia
como tocar no assunto, mas era necessário. —
Você disse naquele dia que tomava pílula e... só
quero que saiba: desde que ficamos juntos, não
estive com mais ninguém. Mesmo agora,
separados. Tô limpo, sabe?
Nunca fiquei tanto tempo sem sexo, desde
que comecei a me envolver com garotas. Não era
um vício, mas precisava sentir que estava no
comando, que meu corpo tinha necessidades e eu
podia saciá-las ao meu modo, sempre que
desejasse.

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— Eu continuo tomando pílulas, para o


controle do meu ciclo — murmurou, claramente
envergonhada. — Também não fiquei com
ninguém.
— Certo. — Soltei uma lufada de ar. —
Acho melhor eu ir... na verdade, vim te agradecer
pelos ingressos. O Lewis me falou que foi um
presente seu e...
— Sim, é um presente e não aceito devolução
— interrompeu. — Hunt, não vamos mais estender
essa conversa. Por favor, eu preciso de um banho
e...
— Ah, O.K.! — Não deixei que ela
terminasse. — Não diz mais nada, Amy. Eu já tô
indo.
— Tá.
Não dava mais para ficar ali. Vê-la tão
envergonhada estava me quebrando. Dei-lhe as
costas e destranquei a porta da lavanderia, saindo às
pressas. Ao entrar no meu apartamento, quase
esbarrei em Zach, prestes a sair. Ele franziu a testa
e fez uma careta, me encarando com curiosidade e
talvez desdém.

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— Você está cheirando a sexo, cara!


— Eu sei — resmunguei, indo em direção ao
meu quarto. Precisava pegar uma toalha e ir direto
para o banho.
— Uau! Não perdeu tempo, hum? — Reparei
o tom de reprimenda. — Mal terminou seu namoro
com a Amy e já voltou a velha rotina.
O quê?
Parei abruptamente, virando para encará-lo.
Zach havia conseguido me deixar puto em questão
de segundos! Nem deu tempo de contar até dez a
fim de me acalmar.
— Não que seja da sua conta, mas se te
interessa tanto saber... — calculei cada palavra. —
Eu não tenho transado com mais ninguém além da
minha garota. Seja ela ou não minha namorada. E
você sabe muito bem de quem estou falando.
Então... que bom que já superou, não é mesmo?
Pode cuidar da sua vida agora, Zachary.
Ele mereceu aquilo e... ah, vá se danar! Eu já
estava me sentindo mal o suficiente, para ter que
aceitar ser julgado por mais alguém àquela altura
do campeonato.
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— Que show foda, cara! — gritou Lewis,


para ser ouvido entre todas aquelas vozes eufóricas.
— Ted.T é uma lenda!
Concordei, embora não me sentisse tão
animado quanto ele.
Desde que estive com Amy, eu me sentia
uma verdadeira bagunça. O fato de ter esbarrado
em Hanna na sexta-feira à noite, onde ela mais uma
vez ignorou minha existência, não ajudou para que
meu humor melhorasse. Com isso lembrei que o
Natal seria dali há alguns dias, e assim como eu, ela
também pretendia ir para Manchester. Era um
turbilhão de pensamentos me atormentando, entre
saber que Amelia logo iria para os Estados Unidos
e que minha irmã me rejeitaria na frente do nosso
avô e Margareth.
Havia também a culpa pelos caras terem
decidido dar um tempo com a banda sem nome.
Desde a briga que tive com Neville, os ensaios
foram suspensos e não retomados depois que o
irlandês voltou. Não alongamos a discussão quanto
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a isso, mas estava implícito que o motivo principal


era o fato de eu ter abalado o clima de amizade
entre todos nós. Nev não estava nada bem pelo
término com Hanna e isso era muito fodido. Minha
irmã estava dando a ele o mesmo tratamento que
dava a mim. Zach começou a me evitar depois do
nosso pequeno confronto. Apenas Leon e Lewis
continuavam numa boa.
O show da Conect Six durou cerca de uma
hora e meia e eu juro que tentei curtir. Nós
estávamos indo para o acesso aos bastidores onde
teríamos direito a fotos com a banda, na sessão de
Meet & Greet, além de uma after party no camarim
dos caras. Seria uma chance de conhecer de perto
um dos meus ídolos e quem sabe trocar uma ideia
com ele. Ted.T ou Big Ted, vocalista da banda, não
era apenas cantor e líder da Conect Six, como
também um dos compositores mais talentosos da
história do rock, além de produtor musical. O cara
já havia apadrinhado alguns artistas que estouraram
nas paradas de sucesso nos últimos cinco anos.
Meu sonho era apresentar a ele uma demo dos meus
amigos, cantando uma de minhas canções. Mas ali,
enquanto aguardava com Lewis a nossa vez de
cumprimentar Ted.T, Adam, Sam e Dick, eu nem
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mesmo me sentia tão empolgado quanto deveria


estar.
— Somos os próximos — avisou Lewis.
Uau! Tudo bem, eu podia estar uma confusão
por dentro, mas assim que coloquei os olhos nos
caras da Conect Six, meu lado fã falou mais alto e
acabei cedendo à tietagem.
Dick Stanton foi o primeiro. O baterista da
banda era um cinquentão com cabelos compridos e
grisalhos, sempre presos em duas tranças, se
parecendo com um índio norte-americano.
Sam Irons, o baixista, era definitivamente o
mais caladão, mas ainda assim muito receptivo.
Adam Benson não era exatamente o meu
guitarrista favorito. Estava bem longe disso, na
verdade. Ele jamais chegaria aos pés de Jimi
Hendrix, Eric Clapton, Jimmy Page, Van Halen,
ou... porra! Eu poderia citar outros cem antes que
finalmente chegasse a vez dele. Mas as garotas se
amarravam no sex appeal do cara, e bem, ele era
um puto! Isso pude notar ao observá-lo por menos
de cinco minutos. O homem parecia abominar a
existência de camisetas e adorava ser tocado pelas

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groupies e fãs ensandecidas. Só não o evitei por


questão de educação, o que foi bem surpreendente
vindo de mim.
Ted.T quase me fez tremer na base. Puta
merda! Eu apertei a mão do cara! E ele era gente
boa pra caralho. Atencioso, brincalhão, paciente.
Não deu para conversar muito, mas enquanto
éramos fotografados ele fazia o máximo para que
nos sentíssemos à vontade. Foi um momento que eu
não iria esquecer tão cedo e... nossa! Quase
entendia o porquê de aquelas groupies se
pendurarem no pescoço do homem. Ele era...
intenso.
Merda! O que estou pensando?

— Nunca pensei que você faria “cara de cu”


diante dos seus ídolos, Hunt — debochou Lewis,
quando já estávamos no after party.
Acabei rindo, tentando não ser a pior
companhia do mundo.
— Vamos combinar, o cara é um babaca.

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Lewis sabia exatamente de quem eu estava


falando. Isso porque ele até podia não confessar em
voz alta, mas era bem provável que pensasse o
mesmo.
O camarim da Conect Six era espaçoso e
havia umas cem pessoas circulando por ali, a
maioria mulheres e umas bem gostosas por sinal.
Meu amigo não demorou a puxar assunto com
algumas garotas e apesar de ser chamado para fazer
parte da “rodinha”, acabei me esquivando e ficando
num canto, bebericando uma cerveja cujo o sabor
eu nem sentia.
Porra, Hunter Stevens... quem te viu, quem te
vê! Mentalizei, surpreso com meu próprio
comportamento.
Nunca, em um milhão de anos, eu sequer
poderia sonhar que agiria assim no dia em que
finalmente conheceria uma das minhas bandas
favoritas.
— Tá tentando imitar o Jagger? — Ouvi a
voz debochada e encarei o guitarrista, Adam,
acompanhado de duas loiras bem atraentes. — Seja
mais original, cara. Esse cabelo só funciona com
um Stones.
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Franzi a testa e fiz um gesto de


desentendimento com as mãos, preferindo não dizer
nada ao idiota. Que porra foi aquela?
Estou mesmo sofrendo bullying de um
roqueiro por causa do meu cabelo?
— Não liga pra ele — disse outra garota,
parando do meu lado, os braços cruzados e um
olhar de desprezo na direção do guitarrista que já se
afastava. — Adam tem o hábito de ser um escroto
com qualquer um que não tenha uma boceta entre
as pernas.
— Ele nunca foi meu favorito.
Ela deu de ombros e sorriu.
— Nem o meu. Deixe-me adivinhar, Ted.T?
Ou também é da turma que prefere chamá-lo de Big
Ted?
— Não tenho preferência quanto ao nome,
mas ele definitivamente é meu favorito.
O sorriso dela se alargou.
— Meu também, mas sou suspeita. Afinal,
ele é o meu pai.
Minha boca se abriu, mas não falei nada.
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Eu era sim fã do cara, mas não aquele tipo de


fã que sabe tudo sobre a vida do ídolo, como a
árvore genealógica inteira e outras merdas. Lógico
que sabia sobre Ted.T ser divorciado e ter duas
filhas de mães diferentes. Mas aí me lembrar o
nome delas ou reconhecê-las caso as encontrasse?
Já era pedir demais.
Tentei fazer um esforço para me recordar. Eu
tinha assistindo algumas entrevistas onde Ted.T
citava o nome das filhas. Elas tinham o hábito de
viajar em turnê com a banda. Só não saberia
distinguir quem era quem.
Eu não podia negar, a garota era muito
bonita. Tinha os cabelos bem compridos, quase
alcançando sua cintura, em um loiro platinado
incrível, desses que é preciso frequentar algum
salão de beleza caro para manter. E tinha aquela
mexa cor-de-rosa na parte da franja, que podia ser
uma amostra da sua personalidade. Ela usava um
vestido preto, bem justo ao corpo esbelto, e havia
um decote discreto, o suficiente para que seus seios
fossem notados... as pernas branquinhas deixavam
claro que não era adepta a bronzeado e nem sei
porque pensei sobre isso. Talvez tenha sido porque

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fiz uma análise minuciosa, dos pés à cabeça? É,


sim, talvez!
Mas foram seus olhos que me chamaram a
atenção: azuis acinzentados... destacados pela
maquiagem pesada, onde muita sombra preta foi
aplicada, deixando-a um tanto pálida por ser
clarinha demais e não usar batom.
Porra! Fazia algum tempo que eu não
prestava tanta atenção em uma garota que não fosse
Amy. Até me senti mal por ter reparado demais na
filha de Ted.T.
— Você é a AJ? — Lembrei que esse era o
apelido de uma das filhas. Torcia para ter chutado
certo.
Ficou bem claro que errei feio. A garota
revirou os olhos e negou com um gesto de cabeça,
evidentemente desgostosa com minha gafe.
— Eu sou a Kim.
— Foi mal, é que não sou muito ligado
nessas informações. Sabia que ele tinha duas
filhas...
— E como a AJ é filha da Emily, a diva de
Hollywood, foi mais fácil se lembrar dela, certo?
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Ela havia se ofendido. Que porra!


— Ei, desculpe por isso! — Levantei as
mãos em rendição. — Não quis ser um babaca. Eu
só não presto muita atenção...
A garota se inclinou para frente e começou a
gargalhar. Mas não um gargalhar discreto, foi uma
coisa espalhafatosa, fazendo com que várias
pessoas olhassem para nós.
— Qual é a graça, porra? — Sim, eu fiquei
irritado e não consegui esconder.
Ela podia ser a filha do Trump, eu não dava a
mínima.
— Desculpe, é que você realmente se sentiu
culpado por não saber meu nome — explicou ainda
entre uma risada e outra. — Relaxa, cara! Eu só
estava brincando.
— Ei, qual o nome do garoto que fez minha
princesa de gelo rir?
Encarei Ted T. um tanto estupefato, pois
ainda estava assimilando que fui zoado pela tal
Kim.
— Boa pergunta, pai. — Ela me encarou, já

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sem rir. — Qual seu nome?


— Hunter Stevens.
Ted ficou entre sua filha e eu, escorando-se
na mesma parede aonde estávamos. Então ele
estendeu sua mão para me cumprimentar.
— Muito prazer, Hunter Stevens. Eu sou
Theodore Turner e essa menina que não ria há mais
de um ano é minha filha mais velha, Kimberly.
Encarei o homem que eu considerava uma
lenda viva do rock, ainda sem aceitar seu
cumprimento. Em seguida, fitei os olhos
acinzentados de Kimberly.
Minha garota era mesmo um quebra-cabeças
de quinhentas peças embaralhadas e eu achei que
havia acabado de encaixar algumas delas.
— Você é o pai da Amelia. — Foi a vez de
Ted.T parecer estupefato. Então encarei Kimberly,
que já não sorria. — E você é a meia-irmã dela.

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“Sem você eu vivo um pouco mais a cada dia.


Sem você eu estou me vendo tão diferente.
Eu não queria acreditar nisso naquela época
Mas tudo deu certo no fim.
Enquanto eu via você indo embora
Nunca pensei que fosse dizer isso
Eu estou bem sem você...”
Without You ~ Hinder

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— Poxa, Amy... eu sinto muito por tudo isso!


— Hanna me abraçou e em seguida secou minhas
lágrimas usando a manga de sua blusa.
Estávamos na sala, sentadas no meu tapete
preferido, enquanto eu desabafava com minha
amiga sobre tudo o que guardei desde que cheguei
a New Cross.
Sim, eu havia contado toda a verdade sobre
quem eu era, quem meus pais eram e o que fiz para
estar me sentindo daquele jeito, tão derrotada. Falar
abertamente sobre Adam e o que passei, enquanto
mantive um relacionamento com ele, foi libertador.
Hanna era a primeira pessoa que conhecia toda a
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história. Nem mesmo minha mãe sabia de tudo,


Kim até desconfiava de algo e meu pai tinha uma
visão completamente diferente e distorcida, pois o
que presenciou não lhe deu margem para pensar o
contrário, nem mesmo dar a oportunidade de contar
minha parte da história.
Em poucos dias eu retornaria a Los Angeles e
não queria continuar escondendo nada de Hanna.
Nem mesmo minha “recaída” com Hunter.
— Eu ainda amo seu irmão, Hanna. Sinto
muito que sua relação com ele tenha se deteriorado,
te compreendo. Você mais do que ninguém sabe o
quanto eu apoiava seu namoro com Neville e...
mesmo sem entender o porquê você não o quer
agora que ele voltou, não acho que posso te dizer o
que deve ou não fazer a respeito.
— Amy, não estou te julgando pelo que
houve entre você e meu irmão no outro dia. Acha
que está sendo fácil pra mim? Também amo o
Hunt, mesmo depois de tudo. Só preciso de um
tempo, estou tão confusa a respeito de tantas coisas.
Não o quero mais se metendo na minha vida.
Quanto ao Neville... — Soltou uma lufada de ar. —
Ele desistiu de nós quando Hunter surtou, e não
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vou perdoá-lo tão cedo por isso. O fato de ter


voltado não muda nada, principalmente porque
Neville voltou junto com Hunter. É como se ele
precisasse de alguma autorização para ficar
comigo. Pra mim, é decepcionante.
— Eu sei.
— E tem o Tom, agora. A gente se
aproximou muito e... claro que não deixei de amar
o Nev. Mas pela primeira vez eu me sinto livre,
sabe? Então quero explorar mais essa liberdade.
— Fiz isso quando vim pra cá —
confidenciei. — Aqui me sinto livre. Fiz amigos
que gostam de mim por eu mesma, não por quem
são meus pais ou porque posso viver cercada de
luxo ou conheço pessoas famosas. Só quis
experimentar o anonimato, mas sei que me
equivoquei em acreditar que meus erros ficariam
para trás. Adam me achou e sei que em breve terei
que enfrentar essa realidade. Assim como quando
retornar a Los Angeles e ver meus ex-amigos,
contar tudo o que eu disse a você para que minha
mãe também saiba e o principal: me preparar para
falar com o papai em algum momento.
— É por isso que não quer se envolver outra
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vez com o Hunt?


Assenti.
— Não é justo, Hanna. Eu preciso lidar com
as minhas merdas, sabe? E Hunter está fazendo o
mesmo, ele me parece diferente.
— Ele não me procurou desde que o
expulsei. E admiro o esforço que deve estar
fazendo para respeitar minha escolha, porque
conheço meu irmão. Hunt não desistiria tão fácil
assim de mim. Ele sempre me protegeu e sinto que
agora está me protegendo de si mesmo.
— Isso mostra certo amadurecimento, não é
mesmo?
Ela sorriu.
— Conta pontos positivos sim.

Assim que abri os olhos no domingo pela


manhã, fui em busca do celular para verificar as
horas. Apesar de ter comprado um novo aparelho,
decidi que manteria o número.
Não poderia me esconder para sempre.
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Eram nove da manhã e havia cinco


mensagens não visualizadas no aplicativo. Não
eram muitas as pessoas que tinham meu contato: os
vizinhos, e isso incluía Hunter. Hanna. Minha mãe.
Meu pai, por intermédio de minha mãe. E Adam.
Impossível que não salvasse o número após ter me
contatado através do celular do papai.
Curiosa para saber quem deles seria, tratei
logo de verificar.
A primeira mensagem havia sido enviada
durante a madrugada.
3:17: HUNTER>>>
Precisamos conversar.
6:42: HUNTER>>>
Amelia, é sério. Nós precisamos
REALMENTE conversar.
7:23: HUNTER>>>
Sei que estou sendo insistente e chato,
você obviamente ainda está dormindo.
Mas assim que acordar, por favor, entre
em contato comigo. A gente tem que
conversar, Amy.

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8:39: HUNTER>>>
Eu fui ao show da Conect Six ontem. E
acho que você gostaria muito de saber o
que descobri por lá.
8:55: HUNTER>>>
Vou ficar sentado aqui no corredor,
aguardando você abrir a porta do seu
apartamento e finalmente falar comigo,
AJ. Ah, só pra você saber: odiei esse
apelido.
Chegou a hora de encarar a realidade,
Amelia Janet Turner!

Esperei que Hanna saísse para o seu encontro com


Tom. Avisei minha amiga que ela encontraria o
irmão assim que abrisse a porta, mas Hanna
garantiu que continuaria a ignorá-lo, portanto seria
eu quem deveria tomar a iniciativa e ir falar com
ele. Após um banho demorado, não consegui nem
mesmo ingerir um gole de café, tamanha a
ansiedade e nervosismo.

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Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que


contar minha história ao Hunter. Talvez não toda,
ao menos quem eram os meus pais. Já havia
decidido que faria isso assim que retornasse de Los
Angeles, mas queria contar à Hanna antes de viajar.
Não queria que soasse como se estivesse mentindo.
Digamos que eu precisava confiar neles antes de
finalmente me abrir. Entretanto, depois do meu
encontro com Hunter na lavanderia, e
principalmente por ele ter descoberto sozinho que
eu era AJ, continuar guardando o passado como se
ele nunca tivesse acontecido já não era uma
alternativa a se considerar.
Precisava jogar limpo, mostrar que aquela garota
estranha que Hunter considerava uma borboleta em
um casulo, nada mais era que uma grande farsa.
Não estava passando por uma fase de
transformação, estava me escondendo de mim
mesma.
Logo eu que tanto o critiquei por suas atitudes... ao
menos Hunter não escondia de ninguém os seus
defeitos, ele era quem era, gostassem ou não.
Agradar quem quer que fosse não estava em suas
prioridades, porque Hunter era assim: intenso,

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sincero, um tanto babaca e meio idiota, mas sempre


verdadeiro em sua essência. E ele tinha medo do
amor, justamente porque nunca teve um bom
exemplo em se tratando desse sentimento. Foi por
isso que evitou ao máximo assumi-lo, mas quando
o fez, mergulhou de cabeça e se entregou de corpo
e alma. Perdeu o medo de explanar o que sentia, e
mesmo que se sentisse envergonhado, aprendeu a
reconhecer seus erros, propondo-se a buscar algum
amadurecimento, lidando com as consequências de
suas ações. E o que eu fiz enquanto isso?
— Amelia, por favor...
Eu estava encarando a porta há algum tempo,
quando ouvi as suaves batidas e em seguida a voz
de Hunter. Sobressaltei-me, saindo de meus
devaneios, respirando fundo e me preparando para
olhá-lo nos olhos e enxergar a decepção em suas
íris verdes, que tanto me atraíam.
— Oi, Hunt. — Abri uma fresta da porta para tê-lo
a dois passos de distância.
Ele me encarou, a testa franzida, as mãos nos
bolsos do sobretudo de lã batida, as feições
cansadas por uma evidente noite em claro. Hunter
estava todo vestido de preto, jeans apertado e t-shirt
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por debaixo da proteção contra o frio de Londres,


nos pés um par de All Stars ao invés das
costumeiras botas de camurça. Seu cabelo estava
preso em um coque, com alguns fios rebeldes soltos
esporadicamente. Ele estava tão bonito, de um jeito
tão... tão Hunter de ser!
— Você é famosa.
Não era uma pergunta, tampouco uma acusação.
Hunter apenas mencionou aquilo como sendo uma
verdade que acabara de assimilar, sem expor
claramente como se sentia a respeito.
— Meus pais são — mencionei o óbvio, porque eu
não fazia ideia de como prosseguir com aquela
conversa até chegar ao ponto que realmente
interessava.
— Você também é.
— Por que eu sou? O que fiz para ser? — Dei de
ombros. — Sou só o espermatozoide campeão.
Ele deu uma risadinha, mas não havia nenhum
traço de humor.
— Fala como se fosse horrível ser filha de quem é.
Soltei um longo suspiro e me escorei no batente da

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porta.
— Amo meus pais, Hunter. Porém, odeio a
necessidade que a mídia tem de querer saber cada
passo que dou, apenas por ser filha deles. Ambos
estão acostumados à essa exposição. Minha mãe
adora, meu pai aprendeu a lidar, mas eu não tive
escolha.
Assentiu, mordendo o lábio inferior, como se
estivesse hesitando dizer algo que pudesse me
magoar, sei lá! Talvez fosse impressão minha.
— Vem, entre. A gente tem muito o que conversar.
— Abri mais a porta e me afastei para que Hunter
me acompanhasse para dentro do apartamento.
Ele fechou a porta atrás de si enquanto eu pensava
a respeito de onde deveríamos ter aquela conversa.
Sem dizer nada, segui pelo corredor até o quarto
vago, aquele que já chamamos de “limbo”, onde
deixávamos nossas diferenças porta à fora e
focávamos apenas um no outro, em nos conhecer e
entender.
Meu quarto não era uma opção, pois fui muito clara
quando alertei Hunter sobre não permitir que ele
voltasse ao meu mundo outra vez, caso me desse as

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costas. Por mais que tenhamos conversado e


esclarecido alguns pontos, minha decisão
continuava a mesma quanto a isso... Nós havíamos
dado alguns passos para trás, desde aquele dia, e
mesmo que continuássemos dando voltas,
progredindo e regredindo, aquele era um caminho
vetado para se seguir. Por tempo indeterminado,
muito provavelmente, definitivo.
— Você é AJ Turner — disse, fechando a porta do
quarto.
Caminhei até a janela e virei para observá-lo
enquanto Hunter sentava na beirada da cama,
repousando os cotovelos nos joelhos, seu olhar
encontrando o meu, aguardando pacientemente.
Confesso que quando li suas mensagens eu
imaginei que estaria muito puto da vida comigo.
Estive me preparando para encontrar um Hunter
irritado, grosseiro, cheio de acusações na ponta da
língua. Por isso hesitei em ir até ele. Mas sua
serenidade me surpreendeu.
— Não foi de caso pensado, mas acho que
intimamente, lá no fundo do meu subconsciente, eu
desejava que você descobrisse a verdade sobre
mim, durante o acesso aos bastidores do show —
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mencionei, tentando manter a calma e não me


atropelar nas palavras. — Quer dizer, uma
possibilidade bem remota, visto que não era
garantido você conhecer e conversar com o meu
pai, algo que te fizesse juntar dois mais dois.
— Contra todas as probabilidades? — Ele sorriu.
— Eu juntei algumas peças importantes do quebra-
cabeça que é você, Amelia. Então de repente, tudo
ficou meio óbvio... sei lá! As informações estavam
todas ali, jogadas aleatoriamente, aguardando
serem interpretadas.
Franzi o cenho.
— Por que está sorrindo? — Não que eu desejasse
aquilo, mas Hunter deveria estar no mínimo,
chateado.
Ele deu de ombros.
— Eu disse que toparia um encontro com Emily
Turner... Porra! Ela é sua mãe! — Gargalhou. — O
quanto isso foi idiota? O que pensou de mim
quando te disse isso?
Hesitei, mas acabei sorrindo.
— Que você era um idiota.

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— Não tinha como saber.


— É, não tinha.
Hunter voltou a ficar sério. Sua postura controlada
me deixou um pouco mais calma, embora eu ainda
estivesse cautelosa. Podia sentir que logo os ânimos
inflamariam um pouco, talvez fosse apenas uma
impressão boba de quem sempre esperava o pior
quando se tratava de Hunter, mas eu não queria
baixar a guarda cem por cento.
— Amelia Turner... Emily Turner… Nunca me
atentei a coincidência do sobrenome. Também não
me lembrava que o T do Ted.T vinha do sobrenome
que sua mãe herdou dele quando se casaram e ela
manteve mesmo depois do divórcio. Você disse que
sua mãe era americana e o pai, inglês. Ah, e
mencionou uma meia-irmã Kimberly, a quem se
referiu como Kim. Também tem aquela fotografia
no seu quarto, onde você está muito diferente em
aparência, usando aquela t-shirt de “FÃ NÚMERO
UM” ... Bastou seu pai se apresentar a mim com o
nome verdadeiro dele. Minha mente se iluminou,
sabe? Dava para ver a lâmpada se acendendo sobre
minha cabeça no momento em que descobri tudo.
Então, um filme se passou pela minha mente, desde
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o dia que te conheci.


— Um filme, é?
Ele anuiu.
— Conte-me mais, Sherlock. — Fui até ele,
sentando-me ao seu lado na beirada da cama.
— As roupas largas, como se escondesse seu corpo.
Acho que em parte era pela tatuagem nas costas e
para parecer o oposto de como costumava se vestir
antes. Os óculos medonhos ajudaram nessa tarefa
também, assim como o cabelo mais curto e escuro.
Você era loira como a Kim, estou certo?
— Sim, nós duas sempre gostamos de platinar o
cabelo, mesmo sendo loiras naturais — revelei.
— E a maquiagem pesada...
— Você reparou bem na minha irmã, pelo visto —
resmunguei, sem conseguir esconder o quanto
aquilo me incomodou.
Hunter se virou para mim e colocou uma mecha do
meu cabelo para trás da orelha, então se inclinou e
me deu um beijo na bochecha, inspirando com
força em seguida.
— Adoro o cheirinho de sabonete na sua pele —
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sussurrou, afastando-se e voltando a manter uma


curta distância, contudo, sem me tocar. — Eu seria
um babaca se mentisse sobre isso, Amy. Reparei
em cada detalhe da sua irmã, e quando percebi, me
senti desconfortável. Pareceu errado. É de você que
eu gosto e... não foi como se tivesse me sentido
atraído por ela, sexualmente falando...
— Hunter...
— Não, deixe eu falar, porra! — Encarou-me,
fazendo uma careta. — Desculpe. Não quis ser
grosseiro. Só me deixe continuar, sim?
Assenti.
— Reparei em cada detalhe dela, porque algo me
chamava a atenção. Principalmente os olhos, e você
sabe o que tô falando, não sabe? Vocês têm a
mesma cor de azul acinzentado. E na hora não me
atentei, só que após juntar as peças e tal... Kim me
chamou a atenção porque ela se parece muito
contigo, naquela fotografia que eu tinha visto.
Ele tinha razão. Isso porque, mesmo não me
dando bem com Kimberly, sempre a achei linda.
Queria ser tão bonita quanto ela, principalmente
porque ela era mais velha e estava com a banda o

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tempo todo, perto de Adam o tempo todo.


— Não ficou bravo comigo? — perguntei,
não conseguindo mais conter minha ansiedade. —
Por eu ter escondido tudo isso de você?
Hunter sorriu e... havia compaixão em seus
olhos!
— Em nenhum momento, Amy. —
Acarinhou meu rosto. — Você disse que não estava
pronta para dividir sua história ainda. Mas assim
que eu entendi tudo, só queria te ver, entender seus
motivos. Por que você disse que se envergonhava?
Desviei o olhar, encarando meus pés
descalços, aquecidos pelo par de meias de lã.
Hunter pegou minhas mãos entrelaçadas e as
segurou entre as suas, em formato de concha.
Estavam quentinhas, porém, mais que isso, aquele
gesto era de apoio. Fosse o que fosse, senti que ele
estava do meu lado, pronto para me ouvir e tentar
compreender.
— Eu fiz algumas coisas erradas, Hunt. É
disso que me envergonho — confessei, ainda sem
ter coragem de encará-lo. — Quando escolhi me
mudar para Londres e começar o curso de Música

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Popular, foi porque acreditei que seria mais simples


deixar tudo pra trás e recomeçar do zero, sem a
influência de ser a filha de um astro do rock e uma
diva de Hollywood. Sem os paparazzi me seguindo
a fim de descobrirem qualquer coisa que pudesse
render notícia nos sites e revistas de fofocas. Em
Los Angeles, eles estavam sempre à espreita.
Mesmo que não fosse uma celebridade, eles
insistiam em me pintar assim. E por ser mimada e
imatura, muitas vezes acabei vacilando e dando a
eles a munição que tanto buscavam.
— Nunca fui antenado nessas revistas e sites.
— A internet é uma forma de o mundo todo
saber de tudo, de qualquer lugar. Mas fiquei feliz
em chegar aqui e não ser reconhecida, nem mesmo
por fãs do meu pai.
— Eu sempre desconfiei que havia algo
estranho com seu comportamento, Amy. Você
parecia estar se escondendo.
— E estava. Levei um tempo para me sentir
confortável entre vocês, principalmente contigo.
— Eu não facilitei. — Deu uma risadinha.
— Não mesmo. — Bati meu ombro contra o
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dele.
— Me desculpe.
Soltei o ar dos pulmões e fiz uma prece
silenciosa, pedindo coragem a todos os seres
superiores que pudessem existir no Universo. O
momento oportuno estava ali, aguardando que eu o
aproveitasse para finalmente assumir em voz alta
todas as verdades, que ainda eram difíceis para eu
assimilar.
— Toda garota passa pela fase de paixonite
por alguém famoso, né? — Encarei Hunter, e
desviei minhas mãos das suas, apenas para invertê-
las e ser eu a segurar as dele. — Quando eu tinha
quinze anos, comecei a enxergar de forma
romântica um astro do rock. O que seria
completamente normal, se ele não fosse um dos
membros da banda do meu pai, e quinze anos mais
velho. Ainda assim poderia ser normal, porque
geralmente esse tipo de fase passa logo e vira
lembrança a ser compartilhada com filhos ou netos,
muito tempo depois... Não no meu caso.
“Quando o Adam entrou para a Conect Six,
eu já tinha cinco anos. Ele não faz parte da
formação original. O ex-guitarrista não aguentou a
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pressão da fama e pulou fora. Adam é o caçula da


banda, tinha vinte anos na época. Eu cresci ouvindo
os caras ensaiarem, convivia com eles e suas
famílias, porque eles sempre fizeram parte da
nossa. Mas nunca enxerguei Adam como um tio,
não da mesma forma que enxergava o Dick e o
Sam... Era diferente.”
Recolhi minhas mãos, evitando o toque de
Hunter, porque estava para entrar na parte mais
delicada daquela história, onde a repulsa que sentia
por minhas atitudes fazia com que me achasse
indigna de receber qualquer tipo de amparo.
— Eu via a forma como Adam tratava a Kim,
que já tinha dezoito anos. Ele estava sempre por
perto, elogiando o quanto nós duas estávamos nos
transformando em mulheres lindas e como o papai
teria trabalho para lidar com os garotos movidos
por hormônios, correndo atrás da gente. Mas com
ela, eu sabia que havia mais malícia... percebia os
flertes, e me peguei completamente com ciúmes.
“Foi nessa época que comecei a mudar o
estilo de me vestir, tentando aparentar ter mais
idade. Kim sempre foi o meu exemplo de perfeição.
Convenci mamãe a me levar em um salão para
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platinar os cabelos, também comecei a andar com


garotas mais velhas, ir às compras, festas
badaladas. Queria mostrar ao Adam que já era uma
miniadulta. — Soltei uma gargalhada amarga. — O
que era muito ridículo da minha parte, pois ele nem
se dava ao trabalho de reparar em mim. Enquanto
isso, os paparazzi se aproveitavam ao me fazer
assunto de notícias sem grande importância, mas
que rendiam atenção aos seus blogs e revistas.
Minhas roupas, as gafes de moda, os vexames em
festas e toda aquela baboseira fútil.
“Kim já acompanhava os caras da banda em
alguns shows da turnê, logo comecei a ir também.
Desse jeito teria mais oportunidades de estar com
Adam e fazê-lo me enxergar como mulher. Por
conta da escola eu não pude viajar tanto, mas
aproveitava sempre que surgia a chance. Observava
a forma como as groupies se comportavam diante
dos quatro, e chorei muito às escondidas vendo
como Adam adorava aquele tipo de atenção. Ter
que disfarçar meus sentimentos diante do papai e
toda a equipe que os acompanhavam era bem
difícil, mas acho que herdei um pouquinho do dom
que minha mãe possui para atuar.

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Fiquei um tempo em silêncio, ouvindo


apenas a respiração de Hunter e a minha própria.
Ele também encarava os próprios pés, enquanto
mantinha as mãos entre os joelhos.
— Continue.
Assenti, mesmo que ele não estivesse me
olhando.
— Eu já estava com dezesseis, quase
terminando o segundo ano... quando finalmente
consegui que Adam reparasse em mim. Ele estava
um tanto bêbado e me confundiu com a Kim.
Estávamos na mansão do meu pai, em Malibu. Me
aproveitei totalmente da situação e o beijei. Foi
assim que começamos, furtivamente, a nos
envolver cada vez mais.
Hunter me assustou quando se levantou de
forma abrupta e caminhou até a janela,
permanecendo de costas para mim, apoiando sua
testa contra o vidro transparente. Eu não sabia se
devia continuar ou se ele precisava de um tempo
para absorver aquelas informações, então optei por
aguardar alguns minutos. Seu silêncio me
atordoava, mas permitiu que eu organizasse os
pensamentos para dar sequência a minha história.
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Agora que havia começado não tinha o porquê


interrompê-la.
— Ficamos alguns meses entre beijos e
amassos às escondidas, até que semanas antes de eu
completar dezessete anos, nós acabamos transando.
Perdi minha virgindade com Adam. Eu era
loucamente apaixonada por ele e qualquer migalha
de atenção que recebia, para mim, era o paraíso na
Terra. Achei que me entregar pra ele o faria
perceber o quanto era especial para mim. No fundo,
quis que ele parasse de ser visto com as groupies
ou alguma celebridade. Tentava mantê-lo
interessado em mim, aproveitava cada
oportunidade para seduzi-lo.
— Você era uma adolescente apaixonada e
um tanto desmiolada, e ele o adulto que deveria ser
responsável. O fato de que foi você a tomar
iniciativa, mesmo que insista em dizer que o
seduziu... — Encarou-me por cima do ombro,
visivelmente irritado, mas sem alterar o tom de voz
que era de uma paciência que nunca vi antes, se
tratando de Hunter. — Ele sabia que era errado.
Isso não o isenta de nada, Amelia.
— Não foi ilegal, Hunter — fiz questão de
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salientar. — Mesmo que Adam seja mais velho, eu


já tinha idade suficiente. Dezesseis é a idade
mínima para consentimento, e um médico já não
pode avisar aos pais sobre uma garota que esteja
grávida ou tenha perdido a virgindade...
Ele assentiu.
— Entendi, está colocando toda a
responsabilidade em cima de você mesma. Ele não
te estuprou, é isso o que quer deixar claro pra mim?
— A mágoa em sua voz me fez hesitar um pouco,
mas eu levaria aquela conversa até que tudo fosse
dito.
— Sim. Meu relacionamento com Adam era
consensual.
— Então por que não assumiram
publicamente? — indagou, vindo em minha direção
a passos lentos. — Por que sentir vergonha de ter se
apaixonado por um cara mais velho? Só por que ele
é um babaca egocêntrico?
Eu me senti intimidada por seu olhar
perscrutador, pois Hunter era alto, e o fato de eu
estar sentada o deixava ainda maior. Abaixei a
cabeça outra vez, voltando a encarar minhas meias,

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até que senti um par de mãos em meus joelhos e vi


Hunter se abaixar, sentando-se no chão, sobre as
próprias pernas, bem diante de mim.
— Desculpe por não conseguir disfarçar o
quanto estou puto da vida agora. Não com você,
mas com aquele escroto do Adam Benson! —
Segurou minhas mãos outra vez. — Eu não fui nem
um pouco com a cara daquele imbecil, e digamos
que ele não deu motivos para me fazer mudar de
ideia. Saber que ele teve você... — Soltou um longo
suspiro, de olhos fechados e balançando a cabeça
em negativa. — Não é só a porra de um ciúme
infernal, mas também a percepção de que Adam
não merecia a sua inocência, Amelia. Ele te roubou
isso, porque você fez de tudo para se tornar adulta
antes da hora, só para impressioná-lo. Consegue
entender minha revolta com esse merda de homem?
Assenti e me dei conta de que estava
chorando quando Hunter usou o polegar para
enxugar uma lágrima em meu rosto. Ele se colocou
de joelhos e me puxou para um abraço forte, onde
me vi encaixando o corpo ao seu, sentindo o quanto
estava aquecido pelo sobretudo de lã. Ao nos
afastarmos, suas íris verdes se prenderam nas

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minhas e senti a confiança que precisava. A


confiança que ele despertava em mim novamente,
depois de eu ter acreditado que tal elo entre nós
havia se rompido de forma irreparável.
— Adam não abusou de mim, sexualmente
— afirmei outra vez. — Mas física e
psicologicamente, sim.

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“Pois eu te amo
Mais do que você acha que amo
E eu te amo
Agora que você não se importa mais...”
I Love You ~ Alex & Sierra

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Mais um pedaço da minha alma havia se


rompido, se é que fosse possível depois de tudo.
Mas daquela vez não era por algo feito contra mim.
Foi por algo feito contra alguém que eu amava.
Assim que me dei conta de que Amelia era
filha de Ted. T, não quis saber a versão dele para
aquela história. Antes de qualquer coisa, era Amy
quem eu tinha que ver, e somente dela que
precisava ouvir a verdade. Saí do camarim,
ignorando Kimberly e o próprio Big Ted me
chamarem. Nem mesmo me dei ao trabalho de
avisar Lewis, pois meu amigo estava bastante
distraído enfiando sua língua na garganta de uma
garota. Peguei um táxi, pagando uma pequena
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fortuna para que me levasse de volta a New Cross e


assim que cheguei ao meu apartamento, me enfiei
debaixo do chuveiro por quase uma hora.
Não me senti enganado, nem irritado ou
chateado com Amelia, o que foi surpreendente, até
mesmo para mim. Talvez minhas conversas com
Amber estivessem me ajudando de verdade a não
agir por impulso. Mas também sabia que Amy
precisava de tempo para se abrir, que havia algo a
ser contado, e principalmente: perdi a confiança
que ela tinha depositado em mim para que eu
merecesse saber de tudo.
Entretanto, os minutos se passando no relógio
não diminuíam minha ansiedade em falar logo com
ela para podermos esclarecer as coisas. Acabei lhe
sobrecarregando com mensagens e achei que se a
chamasse de AJ, ela não hesitaria em falar comigo
quando verificasse o celular. Só depois me lembrei
que Amy havia jogado seu aparelho na parede, mas
tive uma ponta de esperança sobre ela já ter
providenciado outro. Torci para que o número
ainda fosse aquele, e quando não consegui dormir,
vesti minhas roupas e um sobretudo e montei
guarda em frente a porta do apartamento dela. Soou

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bem desesperado da minha parte, indo contra a


intenção de não agir por impulso, porém eu tinha
que falar com Amy o quanto antes e ficar ali me
deixou mais calmo.
Confesso que ouvi-la contar sobre Adam
mexeu com algo dentro de mim. Senti ciúme por
Amy já ter se apaixonado por alguém antes, quando
a única que despertou tal emoção em mim, entre
todas as garotas com quem já trepei, foi ela. Saber
que perdeu sua virgindade com aquele escroto que
detestei desde o primeiro momento, me causou
repulsa só de imaginá-la ao lado dele. Tê-la
admitindo o quanto se sentia envergonhada por ter
usado de artimanhas a fim de seduzir o babaca, me
fez querer abraçá-la até que minha garota pudesse
esquecer que já amou outro cara na vida, além de
mim.
O que isso dizia a meu respeito? Não fazia a
menor ideia. Se fosse egoísmo exacerbado, então
eu era um filho da puta egoísta! Mas ainda assim,
tal desejo não fazia com que fosse real, não
apagaria o passado de Amy nem as coisas ruins
pelas quais ela passou.
E foi nessa parte que me senti ainda mais
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impotente.
Hanna teve a mim para protegê-la, Amy não.
— Começou no meu aniversário de dezessete
anos — ela disse, quando eu ainda estava sentado
no chão, posicionado a sua frente. — Eu me
encontrei com Adam às escondidas e a gente... só
depois senti a dor e reparei que ele havia
preenchido minhas costas com arranhões e
mordidas. Adam disse que estava me marcando,
que a partir daquele dia eu não deveria mais exibir
meu corpo para ninguém além dele. Eu fiquei
assustada sim, mas considerei um gesto
desesperado de amor, sabe? Porque estava cega e
era uma idiota...
— Não, Amy. Você não era idiota, O.K.? —
Apertei suas mãos que eu mantinha mais uma vez
sob as minhas. — Não se menospreze.
Os lábios trêmulos dela denunciavam a
vontade de chorar, mas Amy me encarou,
assentindo.
— Durante aquele ano, sempre que nos
encontrávamos e as marcas começavam a sumir,
Adam me machucava de novo. De arranhões e

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mordidas, começou a usar velas com a desculpa de


ser algum tipo de fetiche BDSM, essas coisas... As
queimaduras eram leves, doloridas sim, mas
sumiam com o tempo também. — Soltou uma
lufada de ar. — Eu queria agradá-lo, não podia
pensar na hipótese de ele me deixar. Adam fazia
questão de dizer o quanto eu era uma menina
mimada e fútil, que meus amigos não gostavam de
mim, apenas se aproveitavam do que eu podia
oferecer por ter dinheiro e meus pais serem
famosos, que os garotos davam em cima de mim
por interesse, não porque eu era bonita ou atraente.
Dizia que eu era promíscua e me oferecia somente
para lhe causar ciúmes. Ele me fez acreditar que era
o único capaz de me amar, mesmo que eu nunca
chegasse aos pés de Kim ou das modelos com
quem ele saía...
— O que Kim tem a ver com isso? —
Lembrei-me que Amy mencionou algo sobre a
meia-irmã não gostar dela.
— Kim é garota que eu sempre quis ser. —
Desviou o olhar e percebi que se sentia
envergonhada por confessar aquilo. — Nós nunca
nos demos bem, mas era coisa de criança, disputa

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de atenção. Meu pai ainda estava casado com a


mamãe, enquanto ela não o via com frequência.
Então sempre que passava férias com a gente, Kim
queria mais tempo com o papai, porém eu também
queria a atenção dela... e Kim acreditava que eu
queria tirar a atenção do papai sobre ela.
“Conforme fomos crescendo, comecei a me
espelhar em minha irmã, achando que se
tivéssemos bastante coisas em comum, Kim me
enxergaria, não como um parentesco pela metade,
mas uma irmã por inteiro. Eu sonhava com o dia
em que nos tornaríamos melhores amigas, mas isso
não acontecia nunca. Em algum momento,
gradativamente, acabei transformando meus
sentimentos em algo ruim. Já não queria mais tê-la
como amiga, porque comecei a enxergá-la como
rival. Eu tinha certa necessidade em competir com
ela nas coisas mais idiotas.”
“Levei um tempo para enxergar a verdade
que, no fim das contas, meu amor por Adam nasceu
de um desejo insano de mostrar a Kim que eu era
melhor que ela. Eu via a forma como ele a olhava,
o jeito como se comportava, sempre tentando
chamar a atenção de minha irmã. Não a via

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retribuir, mas acho que só percebi isso depois.


Parecia que um véu negro havia sido tirado dos
meus olhos e foi a partir desse momento, depois de
toda a merda ter acontecido, que comecei a me
envergonhar de tudo o que fiz em nome desse amor
louco que sentia.”
Pensei em Kim e projetei sua imagem em
minha mente, tentando me recordar o breve instante
que conversamos. Ted.T havia se referido a ela
como “princesa de gelo”. Havia dito algo sobre sua
filha não rir há mais de um ano... Aquela história
podia ser ainda mais complexa do que eu ou até
mesmo Amy poderíamos imaginar. Kim deixou
bem claro para mim que Adam estava longe de ter
sua simpatia, quem dirá afeto. Ela parecia desprezá-
lo, tanto quanto eu já o desprezava.
— Acha que sua irmã e Adam tiveram algum
tipo de envolvimento?
— Talvez, não posso afirmar com certeza.
Nem faço ideia de quando pode ter acontecido...,
mas Kim deu a entender que sim.
Eu não deveria me envolver naquilo, tinha
minhas próprias merdas para lidar. Mas algo me
intrigava sobremaneira, não conseguia explicar
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aquela sensação. A história de Amy era tão fodida


quanto a minha!
— Como foi que isso acabou, Amelia? Por
que Adam ainda está na banda depois de ter feito
isso contigo? Por que nunca vi nada na mídia sobre
ele ser um agressor filho da puta? E por que, porra!
Por que seu pai não quebrou a cara daquele
escroto? Eles ainda trabalham juntos! — Levantei-
me, inquieto e irritado demais para conseguir ficar
parado.
Eram tantos porquês não respondidos.
Amy cobriu o rosto com as mãos e desabou
em lágrimas. Eu me senti um babaca por tê-la feito
chorar, mas droga! Precisava entender o que havia
acontecido para que no final minha garota acabasse
por se esconder em New Cross.
— Meus pais não sabem, Hunt. — Passou as
mãos pelo rosto antes de continuar. — Tudo o que
minha mãe acha que aconteceu entre Adam e eu é
que tivemos um romance. Eu estava prestes a
completar dezoito anos, mas ainda assim ela queria
tornar público, expô-lo pelo que houve. Mas não
permiti que fizesse isso, deixei muito claro que
negaria até a morte, caso tentasse prejudicá-lo.
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Adam não me forçou a nada, até mesmo quando me


machucava, eu sentia que merecia aquilo...
Meus olhos ardiam, não apenas de raiva e
vontade de quebrar a cara daquele homem nojento,
mas por ver nos olhos dela o quanto parecia
perdida... Como Amy podia pensar que de alguma
forma merecia aquilo? Aquele canalha filho da puta
mexeu com a cabeça dela ao ponto de fazê-la se
sentir tão pequena!
— Você merecia que ele beijasse o chão onde
seus pés pisassem, Amy. Nada menos que isso,
porra! — Fui até ela e me sentei ao seu lado na
cama, virando-a para mim, segurando seus ombros.
— Como foi que seus pais descobriram sobre você
e Adam?
Amelia levou algum tempo para dar
continuidade e eu sabia que estava sendo difícil.
Admitir em voz alta era se lembrar de momentos
que se fosse possível apagar da memória, seria a
primeira opção.
Eu mesmo apagaria meu passado se pudesse.
— Foi uns oito meses depois do meu
aniversário. Nesse tempo eu já carregava algumas

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cicatrizes que estavam demorando a sair. Adam me


queimou com ponta de cigarro umas quatro ou
cinco vezes, sempre se desculpando, alegando que
tinha sido sem querer. As mordidas tinham ficado
mais fortes, os arranhões mais fundos. E acho que
finalmente eu estava começando a me dar conta de
que aquela merda era muito errada...
Sequei seu rosto outra vez, enquanto ela se
acalmava um pouco. Não conseguindo resistir ao
meu instinto de proteção, cheguei um pouco mais
perto e beijei sua testa, acariciando seu rosto de
leve e assentindo com a cabeça, como se dissesse:
“ei, está tudo bem. Tô aqui contigo.” Ela pareceu
entender e até tentou me dar um sorriso fraco, que
não vingou.
— Nós estávamos brigando com muita
frequência. Não conseguia mais aceitar que ele se
envolvesse com outras mulheres publicamente,
enquanto eu era o segredo sujo... ao mesmo tempo
Adam se mostrava mais ciumento e possessivo. O
sexo era nossa válvula de escape, parecíamos nos
entender apenas na cama. E era nesses momentos
que ele aproveitava para me punir, me marcar.
Fechei os olhos com muita força, senti que
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cedi ao choro. Um misto de emoções conflitantes.


Uma vontade insana de sair dali e dar um jeito de
descobrir aonde aquele homem estava, a fim de
socá-lo até que desmaiasse ou coisa pior.
— Deixei que Adam fizesse uma tatuagem
em minhas costas. — Ela desviou olhar, encarando
nossas mãos entrelaçadas. — Ele disse que se
sentiria mais seguro a respeito de nós dois.
Prometeu que assumiríamos publicamente o quanto
estávamos apaixonados. Me garantiu que falaria
com meus pais, que não haveria mais groupies nem
supermodelos... Eu fui tão burra! — Levantou, se
afastando de mim e indo até a janela, espalmando
as mãos nos vidros enquanto observava a rua, seu
choro podendo ser ouvido, mesmo que baixinho.
Minha vontade era ir até ela e abraçá-la, mas
entendi sua necessidade de não ser tocada, de
manter certa distância. Amy estava enfrentando
seus fantasmas... eu sabia como era. Ela tinha que
fazer aquilo sozinha, por mais doloroso que fosse.
Aquele era um passo muito importante rumo ao
caminho da superação.
— Permiti que ele escrevesse seu nome em
minha pele... — sussurrou em um fio de voz. — A
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que ponto cheguei? — Riu em um tom amargo. —


Como se mais uma marca que ele deixava em meu
corpo fosse capaz de tornar verdadeira as
promessas mentirosas que saíam da sua boca...
Acreditei que toda a dor valeria a pena no final das
contas, mas só me destruiu por dentro. Eu não me
enxergava mais em um mundo aonde Adam não
fizesse parte da minha vida. Meu maior medo era
de ele me deixar... quem mais se apaixonaria por
mim além dele?
Amy permanecia de costas para mim, mas eu
estava atento a cada movimentação sua, por mais
sutil que fosse. Todos os meus sentidos estavam
voltados para ela e só consegui pensar em como foi
que, depois de todas as merdas que Amelia Janet
Turner passou nas mãos de um canalha como
Adam... ela conseguiu se entregar a mim? Como
permitiu seu coração a amar outra vez? Logo eu
que não merecia. Logo eu que fui um babaca,
quando tudo o que ela precisava para se reerguer
era se sentir especial, valorizada... Enquanto Amy
tentava se reconstruir, agi como um valentão do
ensino fundamental, que precisava ser um otário
com todos para se sentir superior, quando na
verdade se sentia um merda em busca de
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autoafirmação.
Ela era um milagre inesperado em minha
vida.
Eu não merecia alguém tão especial assim.
Como Amy podia se sentir tão pequena e
indigna de amor, quando tudo o que eu pensava a
seu respeito era: quem não se apaixonaria por
aquela garota? Quem seria digno de tê-la em sua
vida, ouvindo-a dizer “eu te amo”?
Eu não era digno.
— Minha mãe estava trabalhando nas
filmagens de um filme. A banda estava de folga,
após um mês inteiro de shows pela Europa... Adam
foi pra Los Angeles, nós nos encontrávamos na
mansão do papai em Malibu. Eu não sabia que meu
pai pretendia aparecer, ele costumava avisar com
antecedência.
“Aquela noite nós discutimos, estava irada
por causa de umas fotos que saíram nos sites de
fofoca. Adam e mais um dos seus casinhos. Eu
estava cansada, sabe? Começando a me dar conta
de que aquele relacionamento não era saudável,
ainda que fosse difícil aceitar essa verdade. Foram
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vislumbres, levei tempo para assimilar o quanto


éramos tóxicos juntos. Adam me fazia mal, mas
acho que também fiz mal a ele... afinal de contas,
fui eu quem o seduzi.
“Estávamos na sala. Nunca fomos tão
descuidados antes. Mas depois de brigarmos, o foco
era a reconciliação e o sexo sempre foi a forma de
voltarmos a nos entender. Como se eu já não fosse
estúpida o bastante... meu Deus! Que vergonha!”
Levantei e fui até Amelia, novamente
segurando-a pelos ombros. Era um gesto de
amparo. Fiquei aliviado por ela não se esquivar.
— Tudo bem, Amy. Você não precisa me
dizer mais nada...
Ela balançou a cabeça em negativa.
— Ontem, quando contei a Hanna, achei que
havia dito tudo. Até então ela era a única que
conhecia a verdade sobre Adam e eu. Mas agora,
está tão nítido pra mim... os detalhes, os sinais que
me recusei a enxergar com clareza. É como se uma
parte da minha mente tivesse adormecido e se
forçado a esquecer certos momentos. Preciso ir até
o fim, Hunter. Desculpe por te fazer ouvir tanta

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sujeira e...
— Shhhh... Não peça desculpa. — Envolvi
meus braços em torno dela, enlaçando-a de forma
protetora, repousando minha cabeça em seu ombro
para que ficasse próximo ao seu ouvido. — Só não
quero que se sinta pressionada a me contar tudo,
O.K.? Mas estou aqui, e não vou virar as costas pra
você de novo.
Quando ela inclinou o corpo para se escorar
em mim, virando o rosto de lado, sua bochecha
roçando a minha, eu senti um formigamento em
todo o corpo, uma sensação de que era ali que
deveríamos estar. Saber que, mesmo sem ser
merecedor, era em mim que Amelia estava
confiando para desnudar sua alma.
Ela afastou a cabeça, desfazendo nosso
contato, mas ainda se manteve em meus braços.
Apoiei meu queixo no topo da sua cabeça,
aguardando que concluísse aquela história.
— Meu pai entrou na casa e nos flagrou no
sofá... Eu estava só de lingerie, Adam tinha vestido
o jeans e eu nem vi em que momento fez isso, pois
acabei pegando no sono. Ouvi um grito do meu pai,
e quando abri os olhos, me deparei com Adam
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terminando de cheirar uma carreira de pó em cima


do meu abdômen. Foi tudo tão rápido... o choque
em vê-lo fazer aquilo na minha frente, usando meu
corpo... meu pai furioso o arrancando de cima de
mim para em seguida arremessá-lo contra o chão,
começando a socá-lo desenfreadamente, gritando
que iria matá-lo...
“Acho que o papai nem tinha percebido que
era eu ali, mas estava tão puto por Adam se drogar
na casa dele, quando a principal regra entre os caras
da banda era não levar as merdas da turnê para o
ambiente familiar. Eu não fazia ideia que Adam
usava aquela porcaria, sabia que fumava maconha,
pois algumas vezes ele chegava a fazer na minha
frente. Ele dizia que tinha receita pro uso
medicinal, por conta da enxaqueca. Na Califórnia é
liberado. Mas eu sei que fui ingênua em acreditar
em Adam. Como pude permanecer tão alheia?
Cada vez que me pego pensando nisso, me sinto tão
ridícula.
— Pois saiba que você não é — fiz questão
de afirmar isso a ela. — Pessoas assim, Amy, são
manipuladoras. Conseguem interpretar um papel,
fingir tão bem.

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Ela soltou um suspiro longo.


— Eu me senti uma otária por tanto tempo.
Encarar isso é muito constrangedor.
Fechei meus olhos e apertei o abraço em
torno de Amy. Acabei revivendo o momento em
que agredi Neville, sentindo toda a fúria dentro de
mim ser exalada para fora, a cada soco que desferia
contra meu amigo. Lembrei dos gritos de Hanna,
desesperada, pedindo que eu parasse... E assim
consegui de certa forma entender um pouco do
pânico que devia ter tomado conta de Amy naquele
momento.
— Meu pai não quis me ouvir, simplesmente
deduziu que eu também me drogava. Foi o que
disse a mamãe quando ligou para ela naquela noite,
exigindo que me mandasse para uma clínica de
reabilitação. Por mais que eu ligasse, ele não me
atendia. Não respondia minhas mensagens, proibiu
minha entrada em qualquer lugar que estivesse.
Recusou-se a me ver, mesmo depois de eu ter
prometido que nunca mais me envolveria com
Adam, e isso eu disse para minha mãe, pois papai
me cortou da vida dele. Meu pai, meu melhor
amigo, virou as costas para mim e não me deu a
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chance de explicar qualquer coisa.


Porra! Eu fiz o mesmo com Amy, naquela
segunda-feira dos infernos. Dei as costas para ela,
não quis ficar e conversar, não quis ouvi-la, nem a
entender. O homem por quem tinha admiração e
certa idolatria havia desmoronado no meu conceito.
Como um pai era capaz de rejeitar sua filha?
Justamente quando nem mesmo ela ouvia o próprio
grito de socorro?
Quanto a mim, o que me fazia uma pessoa
diferente dele?
Eu cometi o mesmo erro.
Mais peças daquele quebra-cabeça confuso
estavam se encaixando.
— Eu sinto muito, Amy.
Ela negou e se afastou de mim.
— Você devia me odiar, estar com nojo de
mim...
— Não, Amelia. Pelo contrário. Eu sou a
pessoa que mais compreende você — falei
categórico, virando-me para encará-la.
— Não te entendo, Hunt.
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— Mas sente que digo a verdade, certo?


— Uhum.
— Isso é bom.
Ela foi até a cama e se deitou, ficando de
costas para mim. Não havia um cobertor, apenas o
lençol estendido e um travesseiro.
Será que é uma deixa para eu ir embora?
Não quero ir, não posso!
— Deita aqui comigo, Hunt.
Não hesitei e fiz o que ela pediu,
aconchegando-a em meus braços assim que me
deitei ao seu lado. Meu corpo se aqueceu, não por
excitação sexual, mas pelo calor humano. Estar
outra vez com Amy, deitado naquela cama, remetia
aos poucos bons momentos que tivemos.
Eu poderia tê-la comigo ainda, se não tivesse
cometido tantos erros.
— Obrigada por estar aqui — ela murmurou,
chorosa e sonolenta. — Tem sido dias difíceis.
Estou exausta.
— Dorme um pouco, descanse. — Acariciei
seus cabelos, não consegui resistir.
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Fiquei em silêncio, atento a sua respiração


que aos poucos se suavizou. Ela dormiu em meus
braços e não demorou muito para que eu também
pegasse no sono, devido as horas que passei
insone.

— Ei — ela sussurrou. Havia um sorriso


lindo em seu rosto.
— Ei. — Retribuí o sorriso, um tanto
emocionado. Aquele era diferente, não triste. —
Acho que apaguei.
— É. Parece que estava mais cansado do que
eu.
Amy estava virada de frente para mim, então
percebi sua mão em minha nuca, seus dedos
emaranhados entre os meus cabelos que havia se
soltado do coque. Eu devia ter me mexido durante
o cochilo.
— Obrigado por me contar, Amy. — eu
precisava dizer aquilo.
O sorriso dela não vacilou.
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— Obrigada por me ouvir, por ficar.


Acariciei seu rosto, colocando uma mecha do
seu cabelo para trás da orelha.
— Eu não devia ter fugido. Nem seu pai.
— Eu decepcionei ele, Hunt. — O sorriso
desapareceu aos poucos, o olhar começou a ficar
perdido.
— Você é filha dele e era menor de idade,
estava em um relacionamento abusivo. Tudo o que
precisava era ser protegida, não julgada. Nossos
pais deveriam ser os heróis, nunca nossos algozes
ou os juízes, mas sim os cavaleiros de armadura
brilhante, dispostos a nos defender de todo e
qualquer mal.
— Ainda é difícil pra mim, Hunt. Mas
entendi seu ponto, ele faz todo sentido. Por isso
quero contar tudo à minha mãe, assim que chegar a
Los Angeles. Ela esteve do meu lado, acreditou em
mim, me deu um voto de confiança quando falei
que não era usuária de nenhum tipo de droga.
Brigou com papai e estava disposta a tudo para
expor Adam, mesmo sem saber que ele me
machucava. Ela só não fez por minha causa, pois

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mesmo depois de toda aquela confusão e de eu ter


dito ao Adam que estava tudo acabado entre nós,
ainda assim, eu o defendi perante ela. Não permiti
que nosso romance se tornasse público, quando
passei meses desejando isso. Preferi deixar algumas
páginas da minha história em branco e recomeçar
em um capítulo novo.
— New Cross.
— Uhum. Passei o próximo ano construindo
meu casulo, pronta para a metamorfose que
desejava tanto. Mesmo que não fosse uma viciada
em drogas, era viciada em Adam, e a fase de
desintoxicação foi dolorosa e perturbadora. Mas
estou limpa, finalmente. Não existe nenhuma parte
de mim que anseia experimentar aquilo de novo.
Senti vontade de contar a ela minha história,
mas depois de ouvi-la, sabia que ainda não era o
momento. Amy havia tirado um peso enorme das
costas e eu não podia sobrecarregá-la com o meu.
Ela estava dando os primeiros passos rumo a sua
superação, assim como eu, mas nosso ritmo era
diferente. Contudo, queria motivá-la.
— Assim como você me disse uma vez, eu
também tenho algumas feridas não cicatrizadas. Eu
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não contei ao meu pai o que houve, nem ao meu


avô, nem a ninguém que pudesse fazer algo para
me ajudar. Isso moldou a pessoa que sou hoje,
Amy. Não permita que isso molde você de forma
negativa. Não faça como eu, que alimentei um
trauma por tempo demais, antes de gritar por
socorro. Você está se dando essa chance de
recomeço, e vai superar, mas não sozinha. Fico
feliz em saber que sua mãe possa vestir a armadura
brilhante.
Ela sorriu outra vez.
— Hoje enxergo que toda a proteção dela em
relação a mim, depois do que aconteceu, é porque
ela sente que falhou como mãe. Não vai ser fácil
ver a dor nos olhos dela, mas acho que nós duas
poderemos enfrentar isso juntas.
— Você é muito mais forte do que imagina,
Amy.
— Estou começando a acreditar que sim.

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“Tivemos outra conversa


Sobre onde estamos errando
Mas ainda somos jovens
Não sabemos para aonde estamos indo
Mas sabemos onde pertencemos...”
Sweet Creature ~ Harry Styles

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Hunter já não estava mais ao meu lado na


cama quando acordei. Ainda sonolenta, fui até o
meu quarto pegar o celular e vi que já passava das
duas. Hanna ficaria o dia todo fora e eu não tinha
nada planejado para o domingo.
Uau, estava mesmo cansada!
Joguei-me preguiçosamente no sofá da sala, e
liguei a televisão em um canal aleatório, sem de
fato prestar a atenção. Por incrível que parecesse eu
me sentia aliviada em ter contado tudo ao Hunter.
Não havia mais segredos a esconder, nem dele e
nem de mim mesma.
Sim, foi difícil e doloroso, mas essencial. A
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forma como Hunt encarou minhas verdades me


pegou de surpresa. Quando se tratava dele, era
imprudente tirar qualquer conclusão precipitada.
Talvez estivesse mesmo mudando, a cada novo
encontro estava mais perceptível.
Não sei o que pensar...
O garoto que mais detestei, desde que
cheguei a New Cross era o único que parecia me
conhecer de verdade. Até mesmo quando eu me
sentia suja e envergonhada das coisas que fiz, ele
não me julgou. As palavras de Hunter continuavam
ressoando em minha mente, como uma espécie de
mantra, me dando mais força e coragem para levar
adiante a ideia de contar tudo para a minha mãe.
Quem sabe eu procure Kim também...
Fazia muito tempo que eu não tinha notícias
de minha irmã. Nós não mantivemos contato e
depois que papai e eu rompemos, ela não voltou
aos Estados Unidos.
Um passo de cada vez, Amy!
Uma batida na porta me fez sobressaltar.
Levantei, e ao verificar no olho mágico, estranhei,
pois não conseguia ver quem era.
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— Leon, eu já disse que não tem graça


quando você faz isso! — ralhei enquanto abria a
porta.
— Oi AJ. Posso entrar?
Aquele maldito sorriso continuava igual ao
que eu me lembrava.
— Não, você não pode! — Tentei fechar a
porta, mas Adam era rápido e forte o bastante para
me impedir.
Tão logo percebi que não conseguiria evitar
aquele encontro, me afastei. Ao menos manteria
distância, não queria que ele me tocasse, acho que
não suportaria.
— Quem é Leon? O cara com quem você
anda trepando? — perguntou em um tom
sarcástico, fechando a porta atrás de si — É por
isso que não foi ao show, ontem?
Soltei uma lufada de ar e ponderei por alguns
instantes. Eu conhecia Adam, sabia exatamente
como costumava agir, caçando um motivo para
brigarmos. Antes, tudo resultava em sexo, era
assim que extravasávamos toda a raiva acumulada
enquanto brigávamos. Não podia dar munição a ele.
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Não mais.
— Leon é meu vizinho, só isso — expliquei,
calma. — Eu disse a você que não iria ao show,
Adam.
Ele havia mudado pouco desde a última vez
que nos vimos. Perdeu bastante peso, apesar dos
músculos definidos, tinha mais tatuagens pelos
braços e pescoço. Sua camiseta justa e a calça
colada mantinham o mesmo estilo que eu já
conhecia. Todo de preto, inclusive o par de
coturnos em um couro bem lustrado, Adam
continuava tão bonito e atraente como antes. Mas
seu olhar estava diferente.
— Achou mesmo que poderia continuar me
evitando? — Deu um passo em minha direção e
achei prudente recuar. — Você virou minha vida de
pernas pro ar, fodeu com tudo, e depois fugiu de
mim como se eu fosse uma das pragas do Egito!
Ele parecia com raiva, muita raiva. Não
apenas sua voz entregava, mas o olhar também.
Pela primeira vez na vida, eu realmente senti medo
de Adam.
— A gente precisava se afastar um pouco.

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Sua risada me assustou e acho que ele notou,


gostando de ter me sobrepujado. Mas foi quando
suas mãos se prenderam em meus braços que tive a
certeza de que as coisas entre nós poderiam não
acabar bem.
— Um pouco? Foram mais de dois anos, sua
piranha manipuladora! — vociferou, começando a
chacoalhar meu corpo com força, deixando-me
apavorada. — Achou que ia se livrar de mim como
faz com as roupas que enjoa depois usar?
Comecei a chorar, meus lábios tremiam e
meu corpo formigava. Adam ainda exercia um forte
poder sobre mim, não de atração ou paixão, mas
conseguia me fazer sentir fraca, inferior... pequena.
— Olhe só pra você, tão sem graça! Apagada.
Por isso eu te chamava de branquinha. Sem mim
você não é nada, AJ.
— Pare, Adam... — Tentei me desvencilhar,
mas ele me empurrou contra a parede da sala.
Acabei batendo a cabeça e sentindo uma forte
pontada de dor.
— Eu sei que quando você me diz pra parar,
é porque deseja que eu continue. Não se preocupe,
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AJ. A gente ainda vai chegar nessa parte.


Meus olhos se arregalaram diante daquela
insinuação.
— Não quero mais nada com você! Será que
é tão difícil assim me deixar em paz? — gritei, a
voz já rouca pelo choro incontrolável, somada ao
pânico. Continuei fazendo força para me soltar,
mas isso só o estimulava a me manter presa.
— Ah, mas nós éramos tão bons juntos! —
Riu outra vez.
Não consegui prever seu movimento. Quando
sua mão espalmou em meu rosto com força
exagerada, minha cabeça bateu novamente contra a
parede. Nem tive tempo de absorver o que havia
acontecido, pois ele me agarrou pelos cabelos e me
puxou, indo pelo corredor até a porta do último
quarto, o meu.
— A gente vai precisar de privacidade,
branquinha.
— Me solta, Adam! Eu vou gritar!
— Não vai gritar porra nenhuma! — rosnou,
cobrindo minha boca enquanto chutava a porta do
quarto para abri-la.
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— Vou te marcar de um jeito tão profundo


que nenhum outro cara vai se dar ao trabalho de
olhar pra você, menina!

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Eu não quis que tivéssemos outro momento


constrangedor, como aconteceu na lavanderia
depois que transamos. Assim que Amelia pegou no
sono outra vez, mesmo que parte de mim desejasse
desenfreadamente permanecer ali com ela, me
levantei e saí do quarto, tomando cuidado para não
a acordar.
Depois de saber toda a verdade, algo entre
nós havia mudado mais uma vez. Eu não fazia ideia
do que isso significava, mas era como se
tivéssemos estreitando laços novamente, tornando a
nos conectar de uma forma especial, não apenas no
sentido de amarmos um ao outro, porque eu não
tinha dúvidas de que ela me amava, mas era algo
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como estarmos em sintonia emocional...porra! Não


conseguia colocar em palavras. Só que finalmente
eu entendia os motivos que levaram minha garota
misteriosa a se esconder em um casulo invisível.
De toda forma, não alimentaria a ilusão de
que pudesse tê-la de volta como namorada, não por
enquanto. Precisávamos dar continuidade ao nosso
processo de cura... ambos estávamos permitindo
que feridas do passado cicatrizassem.
— Vocês voltaram? — perguntou Leon,
enquanto Lewis e Neville me encaravam curiosos.
Estávamos no Café New Cross, eu os havia
encontrado assim que saí do apartamento vizinho e
acabei por acompanhá-los.
— Não, a gente só conversou. — dei de
ombros, terminando de beber meu café. — Eu não
sei se teremos outra chance. Estraguei tudo e agora
nós dois estamos ferrados demais pra tentar um
recomeço. Somente o fato de Amy não me odiar já
é algo grande pra mim. Vou ter que me contentar
com isso por enquanto.
— Uau! Quem te viu quem te vê, Stevens —
ironizou Lewis, beliscando uma porção de batatas

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fritas. — Alguém aqui está evoluindo como ser


humano.
Dei uma risadinha involuntária. Eu sabia que
ele estava me provocando, tentando arrancar de
mim alguma ofensa gratuita. Pois perdeu tempo,
não caí naquele joguinho infame. Acho que nunca
falei tão sinceramente com os caras, em se tratando
de minha vida pessoal, principalmente sobre o meu
relacionamento com uma garota.
— Parece que minhas consultas com a
psicóloga estão servindo pra alguma coisa, afinal.
— Achei que aquele era o momento certo de
revelar.
Não me envergonhava de ter procurado
ajuda, assim como sabia que eles jamais
debochariam disso.
— Puta merda! — Leon foi o primeiro a se
manifestar.
— Por isso os sumiços durante a tarde? —
indagou Lewis.
Assenti.
— Alguns males vêm para o bem, certo? —
foi Neville quem falou.
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— Acho que sim.


— Já que estamos abrindo nossos corações...
— Leon aguardou que eu e os caras o encarasse. —
Tenho que fazer uma confissão, Hunt.
Soltei uma lufada de ar e passei as mãos
pelos cabelos.
— Vocês estão testando minha paciência,
porra.
Eles riram.
— Não é nada grave. Só que o Neville me
enviou o vídeo daquele ensaio onde você e a Amy
fizeram um mashup, lembra?
— Não sabia que tinham filmado. Mas eu
gostaria de assistir.
Os três se entreolharam, parecendo receosos.
— Leon colocou o vídeo no nosso canal do
YouTube, ontem à noite. — revelou Lewis,
hesitante. — Já fazia um tempo que não
atualizávamos e...
— Que porra você está dizendo? — Alterei a
voz, sentindo o nervosismo tomar conta. Encarei
Leon. — Tem que apagar! Apaga essa merda
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agora!
— Você já sabia quem ela realmente era —
afirmou Leon, sorrindo. — Está estampado na sua
cara. Eu só não entendo porque Amy escondeu isso
da gente.
— Ela tem um motivo pra isso, Leon! —
Levantei, inquieto e irritado. — Apaga essa porra
de vídeo antes que ela descubra e...
— Tarde demais, Hunt — interveio Neville.
— O vídeo tem quase quinhentas mil visualizações
e a gente nem divulgou nas nossas redes sociais.
Foi através dos comentários que ficamos sabendo
que a Amy é filha do Ted.T.
— Apaguem o vídeo! — gritei, sem me
preocupar em chamar a atenção do restante da
lanchonete. — Vocês não sabem a merda que
fizeram, porra!
Saí do Café New Cross às pressas, fazendo
uma oração mental para que Amy ainda não
soubesse do vídeo. Se os caras descobriram de
quem ela era filha, através dos comentários na
internet, logo a notícia se espalharia e a mídia não
demoraria a encontrá-la. Tudo o que Amelia evitou,

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desde que chegara à Inglaterra, estava prestes a


acontecer, e eu não podia deixá-la enfrentar isso
sozinha.
— Ei, garoto. Espere aí!
Essa voz...
Diminuí as passadas, mas continuei andando
rumo ao prédio onde morava. Se Ted.T quisesse
conversar, que me alcançasse.
— Estou com pressa — desconversei sem me
dar ao trabalho de encará-lo.
Em outras circunstâncias, como ele não ser
um pai de merda para Amy, por exemplo, eu até
poderia tentar ser mais condescendente. Mas não
estava a fim de bancar o bom rapaz para
impressionar alguém que caiu no meu conceito de
“uma das pessoas mais incríveis do mundo atual”.
— Sabe aonde minha filha mora? —
Alcançou-me e manteve o mesmo ritmo de
caminhada que eu.
— É, sei sim. Estou indo pra lá agora mesmo.
— Ótimo, preciso conversar com ela. Peguei
o endereço com a Emily, mas acho que estou um

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pouco perdido.
Parei de forma abrupta, pegando-o de
surpresa. Eu estava nervoso por conta do vídeo,
mas Ted.T aparecer justamente naquele instante e
agindo como se fosse a coisa mais natural de todas,
ir visitar a filha que ignorou durante todo aquele
tempo, me deixou puto demais para conseguir
controlar os ânimos.
— Você ao menos ligou pra ela? — Não fiz
questão de ser gentil. — Sabe se quer te ver ou
conversar? Porque, na boa, depois de ter excluído
Amelia da sua vida, era o mínimo que deveria
fazer!
Ele me encarou com a testa franzida e fez
cara de poucos amigos.
Dane-se! Eu não queria ser seu amigo.
— Quem você pensa que é pra falar comigo
desse jeito, rapaz? Eu não preciso me justificar
contigo.
Dei de ombros.
— Acho que nada justifica as suas merdas
— revidei, mantendo um tom calmo, porém frio.
— Mas acredite em mim, porque quando se trata da
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Amy, um pedido de desculpa não é suficiente para


aplacar toda a dor que você causou.
Ele fechou os olhos com força, depois
olhou em volta, como se sentisse que estava sendo
seguido. Foi então que me dei conta de quem ele
era, além de ser o pai de Amy. Por sorte não havia
ninguém da mídia o seguindo, e foi aí que reparei
na forma como se vestia, parecendo se camuflar
para não ser reconhecido.
— Eu me afastei dela para protegê-la —
murmurou, a voz esganiçada. — Não que isso seja
da sua conta. Mas de todos os erros que já cometi
nessa vida, Amelia e Kimberly foram meus poucos
acertos.
Soltei uma lufada de ar.
Ted.T não sabia a verdade acerca do caso que
Amy teve com o idiota do Adam. Era bem provável
que também houvesse coisas das quais ela não
soubesse a respeito do pai. Não seria eu a impedir
que eles tivessem uma oportunidade de esclarecer
tudo, mesmo que minha vontade fosse dar um belo
murro na cara do homem que, em menos de vinte e
quatro horas atrás, era o meu maior ídolo.

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— Você tá sabendo do vídeo? — questionei,


retomando a caminhada. Estávamos a poucos
metros do prédio.
— Sim, a Kim me mostrou. Vocês formam
uma bela dupla, a propósito.
Não agradeci. Na verdade, me mantive em
silêncio, pois não queria falar com ninguém antes
de contar para Amy.
Assim que entramos no prédio, senti meus
músculos tencionarem. Não sabia se era porque
receava a reação de Amelia, ao saber sobre o vídeo
ter ido parar na internet, ou se a presença do pai a
afetaria sobremaneira, principalmente depois de
tudo o que ela me contou. Nem me preocupei em
verificar se Ted.T me seguia, subi os degraus como
se minha vida dependesse daquilo e senti o coração
quase sair pela boca quando ouvi um grito vindo de
dentro do apartamento.
Um grito dela.

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Estou viva.
Mantive os olhos fechados apesar de ter
retomado a consciência, ainda não me sentia pronta
para olhar em volta. Sabia que estava em um
hospital. Apesar de transtornada, me lembrava de
tudo e tais lembranças eram muito mais dolorosas
do que qualquer ferimento.
Adam esteve em meu apartamento, nós
discutimos e ele me agrediu. Daquela vez não foi
apenas com palavras, também não houve sexo de
reconciliação. Mas ele tentou ultrapassar os limites,
e teria ido adiante se eu não tivesse impedido ao me
lembrar das técnicas que aprendi nos treinos de
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muay thai. Com isso ganhei tempo e ele não


conseguiu abusar de mim, só que o deixei ainda
mais irado. Como consequência, Adam se
descontrolou.
Pensei que fosse morrer, estava quase
desistindo de lutar.
Quando senti os braços de Hunter me
envolverem, puxando-me para seu colo de um jeito
protetor, implorando desesperadamente para que eu
me mantivesse acordada, tive a nítida sensação de
estar sonhando. Meu corpo, apesar da dor, estava
adormecendo e minha consciência aos poucos indo
embora. Eu não queria mais desistir, só não tinha
forças para continuar acordada. Enquanto fechava
os olhos, senti os lábios do garoto problema
tocarem minha testa, e ao fundo, o que parecia ser a
voz do meu pai, muito, muito puto da vida.
O que papai estava fazendo no meu
apartamento?
Não deu tempo de perguntar.
Tive lapsos de consciência, enquanto passei
por exames e meus ferimentos foram limpos. Senti
a picada da agulha para receber o soro intravenoso,

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além dos pontos que levei no supercílio direito.


Talvez por isso eu não quisesse abrir os olhos,
sabia que ia doer e minha visão estava prejudicada,
devido ao inchaço causado pelo corte. Mas acima
de qualquer coisa, eu sabia que, tão logo acordasse,
precisaria falar.
Havia passado da hora. Esconder-me de
todos e de mim mesma já não era mais uma opção.
Eu tinha que ser corajosa.
— Ela ainda está dormindo — ouvi minha
irmã sussurrar após atender uma chamada. —
Passei a noite toda aqui, não preguei o olho.
Por que Kimberly está aqui?
Mantive os olhos fechados, para que ela não
percebesse que eu havia acordado.
— Emily, se acalme! — ralhou, ainda em um
sussurro. — AJ está segura agora. E o maldito do
Adam foi preso.
Oh, meu Deus!
— Eu passei o endereço do hospital por
mensagem, estarei aqui quando você chegar. Não
se preocupe. Também já acionei o advogado do
papai. A mídia está alvoraçada com a repercussão
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do que houve, tente não ser vista ao entrar.


Minha mãe está vindo para Londres... Adam
preso... mídia alvoraçada? Merda!
Abri os olhos e me virei de lado assim que
senti a bile subindo pela garganta. O enjoo súbito
quase me fez vomitar na cama, mas consegui evitar
um desastre maior. Kimberly deixou o celular de
lado assim que reparou em mim e correu para me
prestar auxílio, tocando a campainha que acionava
a equipe de enfermagem.
— Ei, maninha. Voltou em grande estilo,
hum? — brincou, acariciando minhas costas com
cuidado, e ajeitando meu cabelo assim que voltei a
me deitar.
Sorri, sentindo vergonha por ter vomitado no
chão. Kim foi até o banheiro anexo, voltando em
seguida com folhas de papel toalha.
— Se não for pra causar estrago, eu nem
apareço no show — respondi, tentando usar do bom
humor.
— Que tal um pouco d’água?
Limpei minha boca e assenti com um gesto
de cabeça.
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— Obrigada. — Bebi alguns goles,


enquanto observava Kimberly, sentando-se na
beirada da minha cama, do lado contrário de onde
eu havia feito uma bela sujeira.
Logo uma enfermeira apareceu e não tive
privacidade para falar com Kim. Passei a hora
seguinte respondendo perguntas e sendo examinada
novamente. Tomei um banho, sem precisar de
ajuda.
Apesar da dor, não havia nada quebrado,
nada físico pelo menos. Por dentro, eu sabia que
havia muitos cacos espalhados, eram pedacinhos da
minha alma.

— Sua mãe está histérica, deve chegar em


algumas horas — disse minha irmã, quando tornou
a me fazer companhia no quarto.
— Por que está aqui, Kim?
Ela me deu um sorriso triste.
— Sei que você não é minha maior fã, AJ.
Mas nosso pai foi preso e o advogado está cuidando
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disso. Sua mãe fretou um jatinho e logo virá te


fazer companhia, enquanto isso sou a única parente
por perto.
Franzi o cenho, ainda me sentia um pouco
zonza e confusa, mas acreditava que era mais
psicológico do que físico.
— Desculpe, não quero parecer ingrata —
murmurei, sentindo uma súbita vontade de chorar.
— É que a gente não se vê tem um tempão e...
— Ei, está tudo bem. — Levantou da
poltrona e se aproximou, sentando-se outra vez em
minha cama. — Você é minha irmãzinha, AJ. Não
importa a distância, nem o tempo que ficamos
afastadas. Eu nunca vou deixar de te amar. Por isso
estou aqui, então me deixa cuidar de ti um
pouquinho.
Cedi às lágrimas e fui amparada pelo abraço
fraterno e protetor de minha irmã mais velha. Acho
que nunca estivemos tão próximas como naquele
instante, eu nem sequer me lembrava quando foi a
última vez que nos abraçamos. Kimberly também
chorava, permanecemos assim por alguns bons
minutos, onde nada precisava ser dito, pois
conseguimos transmitir uma a outra o quanto
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sentimos saudades.
— Você estava certa o tempo todo sobre o
Adam — murmurei, tomando coragem para iniciar
uma conversa que traria à tona mágoas do passado.
— Eu era orgulhosa e mesquinha demais para
admitir, e ignorava os sinais diante dos meus olhos.
Kim se afastou do abraço, fitando-me com
compaixão. Acariciou meu rosto e tentou sorrir.
— Eu sinto muito pelo que ele fez, AJ.
Nunca quis estar certa, passei tanto tempo dizendo
a mim mesma que era coisa da minha cabeça.
Depois do que houve comigo...
— O que aconteceu, Kim?
Ela também chorava, mas preocupou-se em
secar o rosto rapidamente.
— Não quero falar sobre isso. Tenho feito
um bom trabalho em fingir que não aconteceu.
Engoli em seco. Sabia o que ela quis dizer
com aquilo, pois fiz o mesmo nos últimos dois
anos.
— Adam mordia, arranhava e queimava
minhas costas com cigarro — confessei em um fio

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de voz. — Me marcava para que eu não exibisse


meu corpo a ninguém. Também tatuou o nome dele
em mim, como se eu fosse sua propriedade.
Se quisesse que Kimberly confiasse em mim
para dizer qualquer coisa, eu precisava demonstrar
que confiava nela.
Ela soltou um lamento em forma de gemido,
foi quase como se estivesse sentindo a minha dor.
Seu olhar cheio de sofrimento capturou o meu que
implorava pela verdade. Precisava saber a sua
história.
— Adam tirou minha virgindade quando eu
tinha quinze anos — disse ela, fechando os olhos
com força. — Ele me embebedou e se aproveitou
da minha vulnerabilidade. Disse que eu quis, que
implorei para ele foder comigo, me fazer sua
mulher... — Tornou a abrir os olhos. — Mas se eu
tenho uma certeza em toda a vida, é de que nunca
quis me entregar pra ele.
— Eu vou matar aquele desgraçado!
Kimberly e eu sobressaltamos ao ouvir o urro
de nosso pai, vindo da porta do quarto.

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“Eu amo o modo


Como você me ama
Mas eu odeio o modo
Que deveria te amar de volta...”
Miss You Love ~ Silverchair

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Depois do que houve, anos atrás, acreditei


que nunca mais presenciaria algo tão horrível sendo
feito contra alguém que eu amava. Ainda assim,
quando vi Neville e Hanna juntos, surtei. Meu
instinto protetor agiu antes mesmo da própria
razão, e após toda aquela confusão e as
consequências dos meus atos impensados, achei
que não passaria por algo semelhante outra vez.
Eu podia jurar que Adam mataria Amy. Temi
por isso e foi a sensação mais apavorante que já
senti na vida.
Quando invadi o apartamento e corri até o
seu quarto, o desespero ao vê-la ser espancada por

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aquele escroto quase me cegou. Ainda assim, reuni


todas as minhas forças para empurrá-lo de cima
dela e a peguei no colo. Nem o homem mais forte
do mundo seria capaz de arrancá-la dos meus
braços. Seu rosto estava ferido, havia muito sangue
escorrendo e ela beirava à inconsciência. Eu me
senti impotente.
Ted avançou contra Adam e eu não fiquei ali
para testemunhar o que aconteceria. Saí com Amy,
gritando por socorro, e quando cheguei à sala, os
caras haviam escutado o meu chamado.
— Liga pra emergência agora! — berrei,
sentando no sofá com Amelia ainda em meus
braços.
Foi Neville quem ligou.
— Chama a polícia também — ouvi Lewis
gritando, indo na direção do quarto de Amy,
acompanhado por Zach.
Eu mal consegui processar as informações.
Os socorristas chegaram, Amy foi tirada de mim
para receber atendimento e só permiti porque Leon
e Neville intercederam. Foi quando vi Kimberly
por ali e nem me preocupei em saber como e

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porque ela havia aparecido.


A polícia algemou Adam e Ted.
Eu tentei acompanhar Amy até a ambulância,
mas fui impedido pelos socorristas. Kimberly foi
com eles. Nem mesmo soube para qual hospital a
estavam levando. Foi uma confusão do caralho.
Tudo o que eu queria era saber se minha
garota estava bem, na medida do possível. Mas o
universo parecia conspirar contra mim de forma
ferrenha.
Adam foi preso pelo que fizera a Amy.
Ted foi preso pelo que fizera ao Adam.
Os caras e eu tivemos que prestar
depoimento.
Não recebi notícias de Amelia e não fazia
ideia de como contatar Kimberly. A mídia em peso
já estava sabendo do ocorrido e todos os veículos
de comunicação tentavam a qualquer custo obter o
máximo de informações possíveis. O vocalista e o
guitarrista da Conect Six estavam presos e a filha
de Ted.T dera entrada no University Hospital
Lewisham, segundo especulações. Emily Turner
pegara um jatinho em Los Angeles, aterrissando em
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Londres na manhã de segunda-feira, recusando-se


responder a quaisquer perguntas.
— Eu tenho que vê-la! — Levantei, inquieto,
indo em direção a porta, mas fui impedido por
Leon.
— Esfria a cabeça, porra! A gente não tem
certeza se Amy está mesmo naquele hospital e eles
não vão passar a informação, já que a mídia está
fazendo de tudo para obter um furo de reportagem
— argumentou ele.
— Não posso ficar aqui parado! É claro que
ela está lá, a mãe dela foi vista entrando no
hospital. Por que todo esse sigilo? Eu só preciso
saber como Amelia está!
Passei as mãos pelos cabelos e continuei
perambulando de um lado ao outro, sabendo que os
caras tinham razão. Eu precisava esfriar a cabeça e
aguardar notícias. O fato de Amy ser filha de Ted e
Emily Turner, dificultava tudo. Com toda a
confusão em volta da banda, qualquer informação
era retida pela assessoria de imprensa. Tudo o que
eu sabia era que o pai de Amy havia sido solto sob
fiança, mas Adam continuava preso.

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Nenhum de nós foi a universidade na


segunda-feira. Fomos procurados por alguns
repórteres devido a repercussão do vídeo em que
Amy e eu cantávamos juntos, mas não quisemos
dar entrevistas e permanecemos no apartamento da
Hanna, que faltou aula. Minha irmã estava tão aflita
quanto eu, por não saber notícias da amiga.
— Eu não devia ter saído e deixado ela
sozinha — lamentou inconformada.
— Você não tem culpa de nada — justifiquei.
— Aquele homem estava disposto a fazer mal para
Amy, ter você no caminho dele não o impediria. É
bem possível que Adam acabasse te machucando
também.
— Hunt! — ralhou Neville, enquanto
prestava atenção a minha conversa com Hanna.
Após a polícia ir embora e os caras me
impedirem de tentar descobrir o paradeiro de Amy,
fizemos um belo trabalho em grupo ao organizar a
bagunça, enquanto Hanna esteve fora. Assim que
ela chegou, Lewis e Leon contaram o que houve.
Eu não quis deixá-la sozinha, então acabei
passando a noite no sofá da sala. Sem notícias de
Amy e com as lembranças vívidas de tê-la
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inconsciente em meus braços, naquele me mesmo


sofá, dormir estava longe dos meus planos, mesmo
me sentindo exausto física e emocionalmente.
Os caras bateram à porta perto do meio-dia,
Hanna estava no banho e eu os recebi. Leon e Zach
surpreenderam ao preparar o desjejum. Não fazia
ideia que eles sabiam cozinhar.
Eu me sentia um lixo humano. Precisava de
um banho antes de comer qualquer coisa. Havia
sangue de Amy em minha t-shirt e casaco, o que
tornava tudo mais difícil de esquecer.
Neville me trouxe roupas limpas e uma
toalha. Quando Hanna saiu do banheiro, eu entrei.
Minha mente estava tão focada em Amy que nem
me preocupei em explicar a presença dos caras para
ela.
Após o banho, me reuni à mesa com eles e
comemos em silêncio. O clima tenso não se parecia
em nada como costumávamos ser quando éramos
mais novos. Lewis e Neville cuidaram da limpeza
na cozinha quando terminamos o desjejum,
enquanto eu conversava com Hanna. Zach estava
escorado numa parede da sala e Leon perto da porta
de saída.
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— Não se meta, Neville! Essa conversa é


entre meu irmão e eu — interveio, Hanna, em um
tom distante. Ela nem mesmo olhou para ele. —
Acho melhor vocês darem o fora daqui.
Neville resmungou, mas não se impôs.
Lewis e Zach saíram em silêncio, acompanhados de
Leon. Encarei minha irmã uma última vez antes de
acatar o seu pedido.
— Você não, Hunt. A gente precisa
conversar. Sozinhos.

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Quando papai apareceu no hospital, ficou


claro que ouvira boa parte da conversa que tive
com Kim, a parte mais feia e triste. Vê-lo tão irado
me afetou, pois foi inevitável me lembrar do
momento em que ele me flagrou com Adam, em
Malibu. A sua raiva externada assustou tanto a mim
quanto minha irmã, mas a chegada de mamãe,
seguida por Alisson e o agente da banda, amenizou
tudo.
Minha mãe exercia um forte poder sobre meu
pai, bastava um olhar para que ele se calasse e
prestasse atenção nela, ouvindo-a e se acalmando.
Era como se fosse uma fera selvagem e ela a única

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capaz de domá-lo. Sempre achei bonita a forma


com que eles interagiam. Presenciar algo assim de
novo, depois de muito tempo, me remeteu aos
tempos felizes, onde éramos uma família menos
desestruturada.
— Quer ser preso de novo? Ou expulso do
hospital? Pare de agir como um menino mimado!
— disse mamãe, entredentes, assim que ouviu
papai gritar que mataria Adam. — Suas filhas
precisam de um pai, não de um Rockstar dando
uma de fodão.
Ele passou as mãos pelos cabelos, puxando-
os com força enquanto fechava os olhos e soltava o
ar dos pulmões, pesadamente.
— Você não ouviu a merda que acabei de
ouvir, Emy. — Ele estava prestes a chorar, sua voz
o entregava.
— Então permita que elas me contem.
Quando Kimberly falou sobre mamãe estar
histérica ao telefone, nunca me passou pela cabeça
que, quando eu estivesse diante dela, veria um
retrato de calma e sobriedade. Acabei sorrindo, ao
me dar conta do porquê de ela ser tão requisitada e

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aclamada em Hollywood. Emily Turner era uma


excelente atriz. Estava desempenhando um papel
naquele instante, impedindo meu pai de armar um
escândalo no hospital. Ela podia estar uma bagunça
por dentro, mas jamais permitiria que alguém a
testemunhasse tão vulnerável.
Alisson e Burke, o agente da Conect Six,
ficaram do lado de fora do quarto. Disseram algo
sobre elaborarem uma estratégia para lidar com a
curiosidade da mídia, eu não prestei muita atenção.
Assim que fechou a porta, mamãe veio ao
meu encontro e retirou a máscara de tranquilidade.
Então eu desabei novamente.

— Oh, querida... como passou por tudo isso


em silêncio? — O choro de minha mãe acabou
comigo e eu a abracei forte, ignorando a dor.
Eu consegui.
Contei toda a verdade.
Mais uma vez repassei em minha mente os
momentos que tive com Adam, enquanto revelava
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tudo aos meus pais e Kimberly, sentindo vergonha


e nojo pelo que permiti ele fazer comigo. Apesar de
todos dizerem que não era minha culpa, eu não
conseguia me isentar da responsabilidade pelas
escolhas erradas que fiz.
— Desculpa, mãe... eu não queria te
decepcionar.
— Por Deus, Amy! Não diga uma coisa
dessas, filha... — Acariciou meu rosto com carinho,
e o pesar estampado em sua face. — Sou eu quem
te deve desculpas, amor. Como pude ser tão
relapsa? Devia ter percebido e te protegido... você
nunca me decepcionou, querida. Eu tenho muito
orgulho da garota incrível que se tornou, apesar de
todas as coisas ruins que te aconteceram.
— Eu sinto muito... muito...
Perdi o controle das minhas emoções, desatei
a chorar e mesmo sentindo o ar me faltar, não
conseguia conter as lágrimas. Kimberly voltou a se
aproximar e se sentou ao meu lado, acariciando
minhas costas enquanto dividia comigo todo aquele
sofrimento. Nós duas choramos uma pela outra,
pelo mal que nos fizeram, e por todo o tempo que
guardamos dentro de nós a verdade que doía ser
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dita em voz alta.


Ela também contou sua história, e pude
compreender suas atitudes no passado. Os avisos,
os conselhos para que eu me afastasse de Adam.
Mesmo de forma diferente, ele nos marcou, nos
machucou, tirou de nós parte da nossa identidade.
— Nunca vou me perdoar por ter falhado
com vocês — murmurou meu pai, sentado em uma
poltrona, apoiando os braços nos joelhos, enquanto
encarava o chão, desolado. — Se existe um culpado
nessa porra toda, definitivamente sou eu.
O maior problema em relação à culpa, é que
ela não leva a lugar algum. Não modifica o
passado, nem corrige os erros.
A culpa atribuída a alguém não torna algo
difícil de assimilar, mais fácil de compreender.
Apenas corrói, deteriora a pessoa por dentro e afeta
também seu futuro.
A culpa pode ser a grande vilã de uma
história, derrota heróis e vence a batalha final,
quando se torna mais importante que a vontade de
seguir em frente e recomeçar.

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— Falei com o vovô ao telefone, ele


perguntou se precisamos dele aqui. Expliquei o que
aconteceu com a Amy e sobre os repórteres que
estão zanzando lá fora — contou Hanna.
Assenti, eu mesmo deveria ter ligado para
ele.
— Logo nos deixam em paz — argumentei.
— Assim que se derem conta que não vamos dizer
nada, sairão em busca de outras fontes. O Leon já
excluiu o canal da banda, mas devem ter baixado o
vídeo.
Hanna não disse nada, ficou me encarando
como se tentando me decifrar... foi estranho.
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— Você a ama de verdade. — Não foi uma


pergunta.
— Como nunca pensei que seria capaz de
amar.
— Então por que estragou tudo, Hunt? Por
que sabotar sua felicidade? — Não havia
repreensão em sua voz, estava mais para
inconformismo e frustração. — Amy também te
ama. Apesar do que passou com aquele... arg! Ela
entregou o coração pra você, mesmo depois de ter
agido mal com ela no começo. E aí, você o jogou
fora...
Passei as mãos pelo rosto, tentando manter a
calma e reunindo coragem para me abrir com ela.
Eu tinha como certo nunca contar a Hanna o
que havia acontecido no passado. Estava disposto a
tê-la me odiando pelo que fiz ao Neville. Mas
acabei percebendo que, mesmo me abrindo com o
vovô, e em partes com o Nev, mesmo tendo sessões
com uma psicóloga, eu continuava escondendo a
verdade da pessoa que mais importava: minha irmã.
Como seguir em frente e dar uma chance a
mim mesmo, se eu escondia um pedaço importante

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da vida dela também?


— Por mais que estivesse disposto a ficar
com Amy, eu sabia que não a merecia. Amá-la não
era o suficiente para apagar a raiva que sentia
dentro de mim. Um sentimento não anulava o
outro.
— Por que tanta raiva, Hunt? De quê? De
quem?
Dei de ombros.
— Nossa mãe, por não se importar com a
gente. Nosso pai, por amá-la mais do que a nós, e
com isso ter nos negligenciado e acabado com a
própria vida. Do nosso avô, mesmo que ele só
tenha pensado em nos proteger... Raiva do mundo,
da vida. — Engoli em seco e a encarei,
envergonhado. — Mas acho que nunca consegui
lidar com a raiva que eu sentia de mim mesmo.
Deixei que as lágrimas caíssem, era uma
nova parte de mim se revelando para Hanna. Não
me envergonhava por demonstrar fraqueza, não
diante das pessoas que mereciam saber quem eu era
de verdade, por dentro e por fora.
Cansei de me esconder atrás de uma casca
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grosseira.
— Tem algo que eu preciso saber, não tem?
— Ela alcançou minhas mãos em cima da mesa da
cozinha e entrelaçamos os nossos dedos. — Desde
que você voltou de Manchester com o Neville,
percebi que ele tinha te perdoado... Nev sabe de
algo que eu não sei. Algo que o fez entender seu
comportamento naquela noite.
Assenti, mordendo os lábios trêmulos para
conter a intensidade do meu choro.
— Preciso saber, Hunt.

Acordei sentindo o cheiro de Amy no


travesseiro. Nós estivemos juntos naquele domingo,
deitados na cama do quarto vago, e foi suficiente
para que o perfume dela impregnasse ali.
Mesmo agoniado pela falta de notícias, fui
vencido pela exaustão, após minha conversa com
Hanna. A seu pedido, passei a noite no apartamento
para não a deixar sozinha.
Depois de tudo o que foi dito, minha irmã
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parecia tão vulnerável. Ver a dor estampada em


suas íris era algo para o qual eu não estava
preparado. Passei anos protegendo-a, a fim de
evitar que isso acontecesse e, quando aconteceu, foi
justamente por minha causa.
Mas eu não podia continuar a poupá-la para
sempre, era fato. Hanna precisava encarar a vida
ciente de que não estamos livres da maldade e do
sofrimento. Queria minha irmã segura, mas
também desejava que fosse uma mulher forte e
soubesse lutar pela própria felicidade. Do mesmo
jeito que eu estava lutando pela minha.
Meu celular começou a vibrar, debaixo do
travesseiro. Eu havia ativado o modo silencioso,
mas ainda assim, era possível ouvir as notificações.
Franzi ao cenho ao ver o número restrito,
atendendo a chamada com receio.
Quem poderia ser?
— Bom dia, príncipe encantado. Que tal
vestir a armadura brilhante, montar no cavalo
branco e vir resgatar a sua princesa?

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“Dê uma volta e veja o sorriso dele


Feito de nada a não ser solidão
Apenas dê um passeio e seja um amigo
Para o homem sombra...”
Shadow Man ~ David Bowie

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— Você acha que pode me perdoar, AJ?


— Eu acho que sim, mas hoje não, pai.
Ele estava sentado em uma poltrona que fora
arrastada para perto do meu leito. Mamãe e Kim
haviam saído para que tivéssemos a oportunidade
de conversarmos a sós.
Depois de tudo o que minha irmã e eu
revelamos, tivemos que pensar a respeito sobre o
que faríamos a partir dali. Eu precisava tomar uma
decisão difícil, uma decisão que Kimberly já havia
tomado e dependia do meu apoio para seguir
adiante com mais chances de sucesso.

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Adam tinha que pagar pelo que fez a ela, pelo


que fez a mim.
Levarmos a público seus abusos, além da
agressão que sofri dias atrás, geraria grande
comoção na mídia. Talvez houvessem mais garotas,
meninas que se intimidaram pela fama de Adam,
achando que teriam suas verdades questionadas.
Talvez tivesse sido apenas comigo e Kim, mas
Adam não era o único homem que violentava física
e psicologicamente uma mulher. Trazer à tona algo
tão doloroso para mim e minha irmã, seria como
dar voz a todas as mulheres que se calaram por
temerem não ser ouvidas, por se sentirem
envergonhadas ou terem sido subjugadas ao ponto
de acreditarem que algo ruim lhes aconteceria se
contassem a alguém.
Ser essa voz seria uma grande
responsabilidade, e eu sentia medo.
Também estávamos cientes de que Adam
usaria sua influência para desacreditar tanto a mim
quanto Kimberly. Muito tempo havia se passado
desde que ele fizera mal a ela, e não havia um
exame que comprovasse. Porém, mesmo que
tivesse sido consensual, o fato de Kim ter somente
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quinze anos na época, já implicava em algo. Ainda


assim, ela manteria sua afirmação de que foi contra
a sua vontade.
Quanto a mim, fiz o exame de corpo de delito
com o médico legista, para constatar os ferimentos
causados pela agressão de Adam. Ele me
questionou sobre as marcas antigas nas costas e as
mencionou em seu relatório minucioso. Uma
denúncia havia sido feita por meu pai, que também
foi preso por ter agredido Adam. Eu sabia que logo
teria que prestar depoimento e o quanto antes me
decidisse a respeito de acusá-lo, pelo que me fez
quando mantínhamos um relacionamento, mais
rápido uma equipe de advogados seria acionada
para me representar. Minha mãe estava mais do que
pronta para começar uma guerra contra Adam
Benson, e meu pai também. Uma pena ele ter
levado tanto tempo para me ouvir, para acreditar
em mim.
— Sei que não devia ter me afastado daquele
jeito — continuou encarando as mãos entrelaçadas,
sem coragem de me olhar nos olhos. — Mas
quando vi Adam se drogando em cima de você...
Eu me deixei cegar. Uma parte egoísta dentro de

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mim preferia que fosse uma rebeldia sua, do que


minha falha como pai. Sei muito bem o que é se
sentir seduzido a usar aquelas porcarias, filha... por
isso pedi pra sua mãe te internar em uma clínica de
reabilitação. Eu não conseguiria, sou fraco quando
se trata de você e Kim. Mas queria te tirar daquela
merda, impedir que se tornasse uma viciada.
— Só que eu nunca me droguei — murmurei
em um tom amargo.
Ele assentiu.
— Quando sua mãe me contou que não te
internaria, que você nunca usou nada, eu acreditei.
— Então, por que continuou me evitando? —
Balancei a cabeça, inconformada.
Foi então que ele finalmente me encarou,
angustiado.
— Para te proteger. — Soltou uma lufada de
ar. — Sexo, drogas e rock’n roll pode ser divertido
quando não se importa com ninguém, nem consigo
mesmo. Mas eu não queria minhas filhinhas no
meio dessa merda. Sabia que a culpa era toda
minha. Precisava cortar o mal pela raiz. Te afastar
de mim e desse meu mundo louco, foi o jeito que
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encontrei de te manter a salvo.


— Você me abandonou, pai.
— Não, filha! — Balançou a cabeça em
negativa.
— Sim! Você fez! — alterei o tom,
começando a ficar agitada. — Não faz ideia de
como me senti, você era o meu melhor amigo.
Virou as costas pra mim enquanto saía pelo mundo
fazendo shows com o Adam!
Ele passou as mãos pelo rosto, secando as
lágrimas.
Nem mesmo ver papai chorando foi capaz de
amolecer o meu coração. Eu não fazia ideia de que
sentia tanta mágoa assim por ele ter se distanciado.
Achei que soubesse, mas foi muito mais doloroso
conforme ouvia suas justificativas. Para mim, não
eram suficientes.
— Eu não falo com Adam desde aquele dia
— revelou. — Quis sair da banda, mas precisava
honrar alguns contratos. Nosso empresário estava
surtando com toda aquela merda. Tínhamos um
álbum para finalizar e uma turnê com ingressos
esgotados. Fizemos um acordo que durou até nosso
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último show, sábado passado. A banda está para


anunciar uma pausa estratégica, mas a verdade é
que eu tô fora, AJ. Por isso fui te procurar no
domingo. Queria te contar tudo, pedir desculpas...
Engoli em seco.
Ele saiu da banda... por minha causa?
— Também mantive Kimberly longe dos
shows, com exceção desse último. Eu precisava de
vocês lá comigo, mas quando sua mãe me contou
sobre o curso de música popular e o quanto estava
feliz levando uma vida anônima, não tive coragem
de te pedir para ir ao show... e também tinha o
Adam. Ele nunca mais tocou no seu nome, depois
daquela noite, embora vivesse me provocando. Eu
não achei que seria uma boa ideia ter vocês no
mesmo ambiente, depois de tudo.
— Nunca achei que o senhor fosse tão
egoísta.
— Você tem razão, sou um egoísta do
caralho.
Permaneci em silêncio, absorvendo suas
palavras. Por incontáveis vezes me peguei
imaginando como seria aquela conversa. Estava
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muito longe do esperado.


Eu o idolatrei a vida toda, o grande Ted.T,
um ícone do rock.
Mas o Theodore Turner, este eu mal tive a
chance de conhecer.
— Eu te amo, pai. Mas não consigo esquecer.
Ainda mais agora com tudo vindo à tona, vai ser
barra pesada ter que lidar com a exposição que vem
de brinde, com o fato de ser sua filha e da mamãe.
Ele pigarreou e ficou de pé, assentindo outra
vez.
— Só quero que saiba o quanto você é
importante pra mim, filha. E que estarei ao seu lado
pro que der e vier, seja qual for a sua decisão. É o
mínimo que posso fazer. Sinto muito por não ter
chegado antes do Adam, naquele dia. Sinto muito
por tudo de ruim que já te aconteceu.
É, eu também sentia.

— Adivinha quem irá receber alta hoje? —


perguntou mamãe, ao entrar no quarto.
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Desde que chegou, na manhã anterior, ela


não saiu de perto de mim, com exceção das vezes
que precisou conversar com Alisson e Burke. Kim
também esteve comigo, mesmo eu insistindo para
ela ir embora descansar um pouco.
Meu pai ficou do lado de fora, a meu pedido.
Vê-lo me deixava nervosa e eu não queria ser
pressionada a ter que perdoá-lo, sem sentir em meu
coração que seria sincero.
Os golpes de Adam foram violentos, ele teve
um surto de raiva e veio com tudo para cima de
mim. Tive o corte no supercílio e perdi um dos
molares devido a força dos socos, por isso cheguei
ao pronto-socorro sangrando muito, além de estar
inconsciente.
Eu tive sorte por não ter nenhuma fratura
mais grave, e acho que o fato de ter conseguido me
defender um pouco, com as técnicas de muay thai,
ajudaram a diminuir os danos. Quando senti minhas
forças se exaurirem, Hunter me salvou.
Havia um corte pequeno no meu lábio
inferior, não levei pontos, mas era dolorido e
desconfortável sempre que eu falava. Meu rosto
ainda estava inchado e cheio de marcas escuras,
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minha aparência não estava das melhores. Ao


tomar banho, eu evitava me olhar no espelho, pois
me lembrava das palavras de Adam, sussurrando ao
pé do ouvido que me marcaria de uma forma bem
profunda.
Não eram as marcas em meu corpo que ele
estava se referindo.
— Isso é bom. — Tentei sorrir.
Eu havia dado meu depoimento na tarde
anterior, após a conversa com o meu pai. Estava
disposta a levar adiante as acusações contra Adam,
não apenas a agressão recente. Kim também
prestou queixa.
Meus pais dariam uma coletiva de imprensa
naquela manhã, a fim de esclarecer especulações e
confirmarem a denúncia contra Adam. Nossa
história estava prestes a se tornar pública, as irmãs
Turner, vítimas de abuso sexual, físico e
psicológico, por um astro do rock.
— Ficaremos no apartamento em Liverpool
até que...
— Não, não, não... — Agitei-me na cama,
fazendo minha mãe correr e se sentar ao meu lado,
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segurando-me pelos ombros.


— Querida...
— Eu preciso ver o Hunt. Por que ele não
está aqui?
Mamãe me encarou confusa.
— Quem é Hunt, Amy?
Contar a verdade aos meus pais, lidar com a
decisão de denunciar Adam, rever Kim e meu pai...
Não falei sobre Hunter com a mamãe!
— Ele me salvou do Adam... — Comecei a
ficar agitada. — Foi Hunter quem me tirou de lá e...
a Hanna... alguém avisou a eles que estou bem?
— Eu não sei, filha. Com toda essa loucura
acontecendo, a imprensa e ...
— Preciso ver o Hunter. Quero falar com ele,
agora!
Minha mãe me abraçou e retribuí o gesto,
procurando me acalmar. O fato é que eu não me
conformava de ter esquecido Hunter e me sentia
uma péssima amiga por não procurar saber se
Hanna havia sido informada do meu paradeiro.
— Você pode me passar o contato dele? Eu
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mesma ligo — pediu mamãe, em um quase


sussurro.
Eu não estava com o meu celular, mas sabia o
número dele de cor.
— Não quero ir pro apartamento de
Liverpool, mãe — falei, antes que perdesse a
coragem. — Minha vida está de ponta-cabeça, e vai
piorar quando vocês derem esta maldita coletiva de
imprensa. Eu já tomei a decisão de levar isso
adiante, por mim, por Kim e toda garota que já
passou pelo que passei.
— Você está se mostrando uma garota forte,
meu amor...
Neguei com um gesto de cabeça. Fechei os
olhos com força, sentindo o choro recomeçar.
— Achei que era, mas não me sinto assim
agora. Preciso ver o Hunter...
— Por que quer tanto ver esse rapaz?
— Porque ele não me deixa esquecer quem
eu sou de verdade.
Ela acariciou meu rosto do lado menos
inchado e me olhou com compaixão.

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— Amy, você não pode depender


emocionalmente de outra pessoa. Precisa acreditar
em si mesma, amar a si mesma.
— Eu me amo e acredito em mim! Foi por
isso que vim a Londres, por isso quis fazer
faculdade e viver sem me sentir a sombra da sua
fama e a do papai.
Ela abriu a boca, com evidente surpresa e
choque, mas não me interrompeu.
— Hunter me despertou para emoções novas.
Ele fez eu sentir raiva, e com isso coragem para me
fazer ser ouvida e não intimidada. Ele me magoou e
doeu demais, mas me deixou forte para lidar com
isso sem perder o meu amor próprio. Hunt me
enxergou antes mesmo de eu descobrir que estava
me escondendo de mim mesma... ele viu através do
casulo que construí, a minha volta, e acompanhou
minha metamorfose, mãe. — Respirei fundo e sorri
para ela. — Não é que eu dependa dele
emocionalmente, mas se estou aqui agora, viva, é
porque ele me salvou. E se tomei a decisão de fazer
com que Adam pague pelo que fez, é porque sinto
que sou capaz de superar mais este obstáculo.
Hunter Stevens me ajudou a perceber que, por mais
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fodida que tenha sido a vida, apesar de todas as


merdas pelas quais passamos, e todos os erros que
cometemos, é possível recomeçar, se nos
perdoarmos e estivermos dispostos a mudar.
— Amy...
— Eu mudei, mãe. Não por você, ou pelo
Adam... não por Hunter. Eu mudei por mim, porque
a pessoa que eu era antes não me fazia feliz.
— O que esse garoto significa pra você?
— Tudo. Hunter Stevens é o meu problema
favorito, mas foi através dele que eu encontrei a
solução que tanto procurava.
— Vou providenciar para que ele esteja aqui.
O que pretende fazer?
— Eu só quero passar um tempo com Hunt,
antes de ter que me despedir.

— Ei, dorminhoca.
Ele estava sentado ao meu lado na cama e
sorria de um jeito que nunca vi antes. Sua
expressão terna e o olhar intenso me pegou
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desprevenida.
— Você veio. — Minha mão tocou a sua
quando Hunter acariciou meu rosto. Foi um gesto
tão suave, como se ele temesse que eu pudesse
quebrar.
— Queria ter vindo antes, mas foi um tanto
impossível.
— Imagino que sim. — Sentei-me na cama e
voltei a segurar sua mão, entrelaçando meus dedos
nos dele. — Aconteceu tudo tão rápido e...
Não consegui continuar, engoli o choro
porque estava cansada de me debulhar em lágrimas.
Eu queria me sentir bem e ter Hunter ali me
deixava em paz.
— Shh... — Ele chegou mais perto e beijou
minha testa, sem se afastar depois. — Pensei que
fosse te perder, nunca senti tanto medo antes. E eu
já tive muitos momentos apavorantes.
— Você me salvou, tem noção disso?
Hunter me encarou com certo espanto e
quando seus olhos brilharam pelo choro contido,
mesmo que os lábios estivessem trêmulos, percebi
a força com que ele tentava reprimir as emoções.
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Ele se afastou, ficou de pé e virou-se de costas para


mim enquanto o vi passar as mãos pelos cabelos.
— Se não tivesse chegado naquele instante,
Hunt, algo muito pior poderia ter acontecido —
falei pausadamente, querendo que ele entendesse o
quanto aquilo era importante para mim. — Nunca
vou esquecer o que fez por mim.
Ele levou alguns minutos para me encarar de
novo e quando o fez, vi o quanto parecia atordoado.
— Hanna disse a mesma coisa.
Balancei a cabeça, confusa.
— Como assim?
Hunter respirou fundo e voltou a se sentar na
cama, mas manteve distância, acomodando-se aos
meus pés.
— Contei tudo a ela. — Ao perceber que eu
não entendia sobre o que ele estava falando,
complementou: — Sobre nossa mãe... e sobre o
porquê nunca permiti que outros garotos chegassem
perto dela.
Umedeci os lábios, sentindo uma leve
ardência no pequeno corte.

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— Hanna está bem? — Embora eu não


soubesse o que havia acontecido, acreditava que
devia ser algo difícil de assimilar, considerando o
quanto Hunter ficava transtornado por conta
daquilo.
— Não, mas vai ficar. — Deu de ombros. —
Se eu estou conseguindo superar, acho que ela só
precisa de um tempo. A propósito, Hanna te
mandou um abraço. Está preocupada e quer te ver.
Os caras também.
Assenti, estendendo minha mão e
convidando-o a se aproximar.
— Ninguém avisou a vocês, sinto muito por
isso.
Hunter me alcançou, abraçando-me com
cautela, não querendo causar dor. Apoiei minha
cabeça em seu ombro e permanecemos assim por
um tempo. Ele estava com os cabelos soltos,
penteados para trás, e alguns cachos teimavam em
se rebelar, o que o deixava ainda mais bonito.
Inspirei seu perfume e meu coração se inundou de
amor, mesmo que eu me sentisse ferida, magoada e
sensível, pelos últimos acontecimentos, tê-lo ali me
deu forças e fez com que eu acreditasse que tudo
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ficaria bem.
— Eu não queria que a nossa história fosse
uma tragédia grega — disse Hunter, ainda abraçado
a mim.
— Nenhum de nós é herói ou um deus, Hunt.
Ele beijou meu pescoço e senti meu corpo
inteiro arrepiar.
— Mas o final foi quase funesto.
Afastei-me um pouco, apenas o suficiente
para que seu olhar encontrasse o meu.
— Aquele não foi o final. Não, pra mim. —
Umedeci os lábios outra vez.
— O que pretende fazer agora?
— Denunciei Adam, quero que ele seja
punido por tudo o que fez contra mim e minha
irmã.
— Kimberly? — Franziu a testa.
— Sim, mas não quero falar sobre isso agora.
— Segurei seu rosto entre minhas mãos, olhando-o
fixamente.
Eu queria beijá-lo, mas não conseguiria fazer

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isso sem sentir dor. O que era uma droga.


— Sobre o que quer conversar?
Sorri.
— Acho que nunca te vi assim, tão solícito
— brinquei.
Ele riu.
— Acho que nunca fui tão solícito. — Beijou
a ponta do meu nariz, que por sorte, não havia
quebrado.
Soltei uma lufada de ar.
— Terei alta ainda hoje. Meus pais vão dar
uma coletiva de imprensa e quero aproveitar esse
período para sair do hospital sem chamar a atenção.
Ele pareceu compreender o que aquilo
significava, mas reforcei em voz alta:
— Quero que me leve para algum lugar onde
a gente possa esquecer de tudo, ao menos por um
tempo. Pode fazer isso por mim?
Seu sorriso se expandiu.
— Com certeza posso.

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— Se algo acontecer com ela enquanto


estiver contigo...
— Não acho que você seja a pessoa certa
para me dizer isso — interrompi Ted, encarando-o
com mau humor.
Amy teve alta e estava tomando banho para
que pudéssemos dar o fora daquele hospital. Seus
pais logo iriam para a tal coletiva de imprensa e
seria o momento ideal. Eu estava escorado na
parede, perto da porta de saída, enquanto observava
o pai dela fazendo o mesmo, na parede oposta.
Emily e Kim estavam sentadas em poltronas perto
da janela e eu me senti um tanto claustrofóbico por

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ser o centro das atenções daquelas duas.


O mais engraçado é que observando Emily
Turner, e deixando de lado o fato de que ela era
uma diva de Hollywood, pude notar as semelhanças
entre mãe e filha. Emily tinha os cabelos ruivos
atualmente, mas eu me lembrava de quando eram
de um tom loiro dourado, um pouco mais claro que
os de Ted, então eu não sabia dizer de qual dos dois
Amy havia herdado aquela característica. Os olhos
eram do pai, não havia dúvidas, porque a mãe dela
tinha as íris em um belo tom de verde. Mas era a
pele clarinha e os traços delicados do rosto,
principalmente o queixo e nariz, que denunciava de
um jeito óbvio o parentesco entre duas. Elas
também tinham a mesma altura, pelo que observei,
porém Emily era mais curvilínea.
Lembrei daquela brincadeira boba onde eu
disse a Amy que toparia um encontro com Emily
Turner. Ali, diante dela, eu podia jurar que seria
feito em pedacinhos a qualquer momento. A
mulher me observava minuciosamente e não
parecia nutrir nenhum tipo de simpatia por mim.
Kimberly, pelo contrário, parecia estar se
divertindo com o clima tenso. O sorrisinho discreto
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permeava seus lábios pálidos. Ela estava sem


nenhuma maquiagem e pude reparar no quanto
parecia mais jovem, e até indefesa, sem o ar de
superioridade que ela exibiu na noite em que a
conheci. Deduzi que aquele comportamento era
algum tipo de autodefesa. Eu mesmo fiz aquele tipo
de jogo por muito tempo, e ainda costumava fazer.
— Mas eu sou — disse Emily, levantando-se
e vindo em minha direção. — Estou confiando em
você, garoto. Porque minha Amy confia. Portanto,
cuide bem dela, enquanto estiverem juntos, e assim
que chegarem onde quer que pretendam ir, me
avise. Irei buscá-la na sexta-feira. Entendido?
“Enquanto estiverem juntos”... Aquilo
significava que nos separaríamos em breve.
— Sim, senhora. — Não hesitei por um
segundo sequer.

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Hunter havia preparado minha mochila com


alguns objetos de higiene pessoal e até mesmo
mudas de roupas, inclusive meu par de All Star.
Não sei se cogitou que eu precisasse ou se minha
mãe pedira a ele, mas fiquei grata por ter o que
vestir. O jeans surrado e a t-shirt do Pink Floyd me
deram a sensação de que eu ainda era a garota que
sonhava concluir a faculdade de música popular, na
Goldsmiths. Mas eu já estava certa quanto a abrir
mão desse sonho.
Encontrei meu celular em um dos bolsos da
mochila e acabei lendo as mensagens que tanto
Hanna, quanto os caras me enviaram, inclusive o

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Zach. Respondi a todos, avisando que estava bem e


agradecendo a preocupação. Logo eu tornaria a vê-
los, mas infelizmente seria para dizer adeus.
Ao guardar o celular de volta na mochila, um
pequeno objeto chamou minha atenção. Sorri ao
perceber o que era. Peguei-o e o guardei
temporariamente no bolso traseiro do jeans.
Saí do banheiro e estranhei o silêncio no
quarto, considerando que havia quatro pessoas ali.
Encarei meus pais, minha irmã e Hunter, mas
nenhum deles parecia disposto a iniciar uma
conversa.
— Estou pronta pra ir.
Hunter veio até mim e pegou a mochila,
ajeitando-a sobre um dos ombros.
— Eu te espero ali fora — avisou, retirando-
se do quarto.
— Você está parecendo um garoto
encrenqueiro — comentou Kim, bem-humorada.
Eu a abracei, sorrindo. Tinha prendido meu
cabelo em um coque, deixando as marcas do rosto
mais em evidência. Não era o que eu queria, mas
não havia muito o que fazer para disfarçar,
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maquiagem não era uma opção.


— Ei, Kim. Obrigada por tudo — falei
baixinho, mas sabia que meus pais estavam
escutando.
— Não me agradeça, apenas permaneça na
minha vida, O.K.?
Assenti e voltei-me para mamãe, que já
aguardava ao lado de minha irmã. Assim que me
afastei de Kimberly, ela tomou seu lugar e me
abraçou.
— Mãe, eu não estou indo embora para
sempre. — tentei brincar.
— Ah, pare com isso. Eu ainda estou
tentando lidar com o fato de que te permiti sair
daqui com um garoto que nem conheço, depois de
tudo o que aconteceu.
— Eu sou maior de idade, mãe — revidei ao
me afastar, sorrindo para tentar amenizar o clima.
— E acho que aprendi muito com todos os meus
erros... Só me dá um tempo com o Hunter, eu
preciso disso.
— Tudo bem, querida. Mas me mantenha
informada, pois irei buscá-la. Foi o combinado.
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— Eu sei... eu sei.
Meu pai estava escorado na parede, perto do
banheiro. Ele nos observava, um tanto receoso.
Acho que, talvez, estivesse pensando que eu não
fosse me despedir dele, então o peguei de surpresa
ao me virar e ir em sua direção.
— Hey, babe.
— Hey, papa. — Retirei o pendrive do bolso
e estendi para ele, com a palma da mão aberta. —
Eu quero que o senhor ouça a música. Tenho
certeza que muita gente adoraria ouvir essa banda
tocando nas rádios.
Ele pegou o pendrive e aproveitei a
oportunidade para puxá-lo, abraçando-o. Papai
soltou um longo suspiro e me ergueu do chão.
— Eu te amo, AJ.
— Também te amo, pai.

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“Levante, vá embora, saia de perto desses


mentirosos
Porque eles não entendem sua alma ou seu fogo
Pegue minha mão, entrelace seus dedos entre os
meus
E nós sairemos deste quarto escuro uma última
vez...”
Open Your Eyes ~ Snow Patrol

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— Pra onde estamos indo? — perguntou


Amy, após uma hora de viagem.
Conseguimos sair do hospital sem que ela
fosse reconhecida, graças ao moletom com capuz
que a fiz se vestir, camuflando-a. Aguardamos seus
pais iniciarem a entrevista e com isso não havia
muitos repórteres do lado de fora.
Amy tentava não demonstrar seu cansaço,
mas assim que liguei o rádio, pegou no sono.
Preferi ficar em silêncio e não puxar nenhuma
conversa, permitindo que ela dormisse. Eu já havia
avisado Hanna e os caras sobre onde estaria e eles
me encontrariam no sábado, pois todos passariam

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as festas de final de ano com as respectivas


famílias, em Manchester. Talvez Hanna chegasse
na sexta-feira, depois que conversamos, ela parecia
receosa em se afastar de mim.
“Por que não podemos ser amigos
Quando somos amantes?
Porque sempre termina
Com a gente se odiando?
Ao invés de me desafiar
Você deveria estar me trazendo para perto...”
O novo single do The 1975, Sincerity Is
Scary, tocava em uma rádio local, quando ela
acordou. Isso me fez sorrir, porque me lembrei do
dia em que Amy ouviu a banda pela primeira vez.
Foi ali que eu soube da sua mania de anotar trechos
de músicas em bilhetes.
— Manchester — avisei, atento ao trânsito.
— Estou te levando para a casa do meu avô.
— Não, Hunt! — Ajeitou o banco do carona
que estava inclinado demais, até ficar em uma
posição sentada. — Eu adoraria conhecer seu avô,
mas não assim, com o rosto machucado e...
— Relaxa, Amelia. Ele e Margareth estão na
Escócia, até sexta-feira. — Sorri para ela. —
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Seremos só nos dóis, melhor assim?


Ela sorriu e assentiu.
— Nunca viajamos juntos, como namorados
quero dizer — comentei despretensiosamente. —
Não te apresentei a minha família e nem você me
apresentou a sua. Mas veja só, estamos sozinhos,
pegando a estrada... só que não somos um casal e
nenhum de nós quer a família por perto no
momento.
— Tem razão — ela disse depois de um
tempo, onde pareceu estar ponderando sobre
minhas palavras. — Não somos mais um casal... só
que nunca me senti tão ligada a você como me
sinto agora.
Soltei o ar devagar, tentando manter minha
calma e a concentração na estrada.
— Seria perfeito, não fossem as
circunstâncias, e o fato de que você vai embora e
nem sei se vou te ver de novo.
Amy pestanejou.
— Como soube?
— Seu pai fez questão de jogar isso na minha

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cara. — Nem me dei ao trabalho de disfarçar o mau


humor.
— Depois de hoje, principalmente após a
coletiva, vou virar o centro das atenções, Hunt. —
Desligou o rádio. — Adam conseguiu ser solto,
pagando uma fortuna em fiança. Mas Burke disse
que há uma medida protetiva em meu favor,
impedindo-o de se aproximar de mim. Ainda assim,
todos já devem estar sabendo o que aconteceu. E
ficarão de prontidão para conseguir qualquer
informação que possam usar para vender seus
jornais e revistas.
— Isso tudo é uma grande merda!
— É sim. E foi por isso que tomei a decisão
de trancar a faculdade. Não quero me expor mais
que o necessário, nem a você e Hanna, nem aos
caras, ou qualquer colega de curso. Também quero
passar mais tempo com minha mãe e Kim, iremos
viajar juntas, só nós três. Eu preciso dessa conexão
com elas, passei tempo demais me esquivando.
— Acho que vai ser bom pra vocês —
comentei, não deixando transparecer o quanto me
magoava ouvi-la dizendo que ia embora.

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— Não posso prometer um prazo, Hunt.


— Eu sei.
Amy ligou o rádio outra vez e não dissemos
mais nada por um tempo. Tínhamos mais duas
horas e meia de viagem, e eu só queria aproveitar
os últimos momentos com ela.
— Você sabe que eu te amo.
— Porra, Amy! — Apertei o volante com
força. — Eu também te amo.
Ela sorriu.
— Você sempre será o meu problema
favorito, Hunter Stevens.

— Este é o meu quarto, ao menos quando


venho pra cá.
A noite começava a dar o ar da graça quando
finalmente chegamos à casa do meu avô. Fizemos
algumas paradas durante o trajeto, para lanchar e
espairecer um pouco, aproveitando para
conversarmos sobre tudo e nada. Parecia que
estávamos em um primeiro encontro, foi diferente
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e... especial.
Eu sabia que Amelia Janet Turner
permaneceria em meu coração por muito tempo,
talvez a vida toda. Mesmo que não ficássemos
juntos. Mesmo que ela viesse a se apaixonar por
outro cara, alguém que a valorizasse e percebesse
de primeira, o quanto era uma garota incrível e
então fizesse o impossível para dar a ela o mundo e
fazê-la feliz. Quanto a mim, talvez viesse a me
apaixonar outra vez e aceitasse o sentimento com
mais facilidade, sem me boicotar, sem ser um
babaca. Mas sempre teria Amy comigo, pois foi ela
quem me enxergou além dos espinhos, pois
segundo sua analogia, eu era um cacto. Havia força,
beleza e resistência no que muitos acreditavam ser
apenas uma planta que poderia machucar.
— Agora sim, um mural de fotos que vale a
pena ver — murmurou, sorrindo e me encarando
com os olhos brilhando de emoção.
Na parede onde ficava a cabeceira da minha
cama, no pequeno quarto que eu mantinha na casa
do vovô, havia diversas fotografias feita com a
Polaroid que Hanna me deu. Tinha foto dos ensaios
da banda, os caras cantando e tocando seus
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respectivos instrumentos, algumas delas eram no


estilo selfie, onde eu aparecia com eles, tiradas no
Café New Cross e no campus da Goldsmiths. A
maioria das fotografias eram minhas com Hanna,
nos passeios que costumávamos fazer, de vez em
quando.
— Você guardou... — Amy acariciou a
fotografia que colei no mural quando estive em
Manchester, da última vez.
Eu não tive coragem de me desfazer dela. Era
minha lembrança favorita, nós dois, sorrindo um
para o outro, um por causa do outro.
Caminhei devagar até ela, posicionando-me a
suas costas e segurando-a pelos ombros. Amy ainda
usava o moletom, mas eu pude sentir seu corpo
reagir ao meu toque. Ela estremeceu e amparou-se
em mim, permitindo que eu a prendesse pela
cintura, enquanto ficávamos ali, observando todas
aquelas fotografias.
— Esse é o meu mundo, Amy. E você faz
parte dele. Por muito tempo evitei vir para cá, mas
tudo o que é importante pra mim de verdade, eu
guardo aqui.

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O quarto era simples, com as paredes em tom


de verde musgo e a única janela, ao lado da cama,
marrom. O violão que foi do meu pai e me
pertencia, estava guardado em uma capa de
proteção, em cima da poltrona, ao lado do guarda-
roupas. O chão acarpetado era cuidadosamente
limpo por Margareth, que preservava tanto o meu
espaço quanto o de Hanna. Ela trocava as roupas de
cama e abria a janela para arejar, mas nunca mudou
nada de lugar, respeitando nossa privacidade.
Amy se virou, e ficando nas pontas dos pés,
me pegou de surpresa ao beijar meu queixo. Era um
gesto tão íntimo. Mesmo que não fôssemos mais
namorados, parecia difícil para nós, mantermos
certa distância. Durante a viagem, estivemos
sempre tocando um ao outro, por mais sutis que
fossem os gestos. Eu não queria pensar em como
seria depois que ela voltasse para os Estados
Unidos... teria que aprender a viver sem tê-la
comigo e ainda assim, ser uma boa pessoa, não
descontar minha saudade e tristeza e raiva nos
outros.
— O que foi?
— Não estou preparado para te deixar ir,
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Amy.
— Mas eu ainda estou aqui, Hunt. —
Acariciou meu rosto e acabei fazendo o mesmo
com ela, sempre cuidadoso para não lhe causar dor.
— Acabou mesmo, não é? Nós dois. — Não
deu pra disfarçar a voz embargada.
Porra, eu ia chorar na frente dela!
Acho que nós dois choraríamos.
— Eu não posso lutar por você, agora. —
Seus lábios estavam trêmulos. — Me perdoe por
isso, mas tenho que lutar um pouco por mim,
enquanto ainda dá tempo de me salvar.
Beijei sua testa e a abracei, sentindo o calor
do seu corpo me causar frisson. Era involuntário.
Sabia que nada aconteceria entre nós ali, Amy
estava machucada e... não sei como eu reagiria
depois, sabendo que teria sido nossa última vez.
— Não há o que perdoar, Amy. O que eu
mais desejo no mundo é que você seja feliz de
verdade.
— Obrigada por abrir meus olhos, Hunter
Stevens.

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Inclinei-me até que nossos lábios roçassem,


morrendo de vontade de beijá-la até perder o
fôlego.
— Obrigado por existir, Amelia Janet Turner.

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— Você parece preocupado — mencionei


assim que entrei no quarto, após o banho.
Hunter foi o primeiro, deixando-me sozinha
para falar com mamãe ao telefone. Ele me
emprestou uma de suas t-shirts e era só o que eu
estava vestindo além da calcinha de algodão. O
inverno começaria dali a alguns dias, o
aquecimento da casa estava ligado e eu dormiria
com ele, usando apenas aquela peça de roupa.
— Pensando na Hanna. — Ajeitou-se na
cama, dando-me espaço para deitar ao seu lado e
logo me enfiei debaixo das cobertas. — Liguei para
ela enquanto você estava no banho. Acho que eu
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não devia ter contado nada, sabe? Talvez viver na


ignorância do que houve no passado a mantivesse
intacta de algum a forma.
— Como assim, intacta? — Ficamos de
frente um para o outro, minha mão tocando seu
braço e a dele, o meu.
Seu olhar parecia perdido, desamparado.
— Por muito tempo eu senti que tinha
obrigação de impedir que qualquer coisa de ruim
acontecesse à minha irmã. Bem, ainda tenho um
instinto protetor, mas sei que não sou um super-
herói e agora percebo que não posso invadir o
espaço da Hanna, nem a isolar ou impedi-la de
viver sua vida da forma que achar melhor. E é claro
que em algum momento ela vai cometer erros, fazer
escolhas equivocadas... é o que todos fazemos. Isso
é viver.
— Fico feliz que veja as coisas dessa forma
agora, Hunt.
— Foi difícil assimilar, mas é como se uma
névoa tivesse se dissipado e me permitido enxergar
tudo a minha volta.
— E o que te preocupa, agora?
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Hunter umedeceu os lábios antes de


responder e acho que dei atenção demais ao gesto,
fazendo com que ele sorrisse ao perceber.
— Agora ela parou de me odiar, mas acha
que tem uma dívida comigo. Por tudo o que passei,
por tê-la protegido. Tenho medo que Hanna se
isole, ou no pior das hipóteses: que se sinta culpada
de alguma forma.
Balancei a cabeça.
— Desculpe, mas não consigo entender.
Hunter acariciou meu rosto e chegou mais
perto, aconchegando-se e me abraçando. Engoliu
em seco e beijou o topo da minha cabeça.
Levou um tempo para que começasse a
falar.
— Nossa mãe era uma viciada, pra ela o pó
era mais importante que os próprios filhos. Nem sei
como conseguiu enganar o papai por tanto tempo,
talvez ele se fizesse de bobo para não a perder.
Eu me encolhi em seu abraço, sentindo que
algo ruim viria em seguida.
— Não foi uma ou duas vezes que levou

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outros homens pra dentro de casa, quando o meu


pai tinha alguma viagem a trabalho. Ela achava que
ninguém sabia o que estava fazendo, porque a
maldita era uma boa atriz.
Vê-lo falar da mãe com tanto desdém fez
meu estômago revirar.
— Ela se prostituía em troca de pó, Amy.
Dentro da nossa casa. A Hanna não fazia ideia
disso... porra! Minha irmãzinha não fazia ideia de
uma porção de coisas!
Eu queria dizer que sentia muito, mas ele
nem me ouviria. Era como se Hunter tivesse
entrado em uma espécie de transe.
— Um dia eu a flagrei discutindo com um
cara, na sala. A Hanna estava na casa do vovô, eu
deveria estar lá também, mas voltei para pegar um
CD de jogos. Era o traficante que fornecia o pó
para ela e já tinha algum tempo que não recebia a
grana que minha mãe devia. Eu ainda me lembro da
risada nojenta dele, dizendo que não gostava de
boceta velha, que sexo não pagaria sua dívida.
Minha boca se abriu em perplexidade, soltei
um soluço esganiçado, esquisito até. Foi como se

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alguém tivesse chutado minhas costelas e perfurado


o pulmão. Merda! Eu sabia que as próximas
palavras dele seriam ruins, muito, muito ruins
mesmo.
— Eu amava minha mãe. — Ele se afastou
um pouco e assim que seu olhar encontrou o meu,
enxerguei a derrota em suas íris. — Se Hanna
sempre foi minha princesinha, aquela puta
desgraçada era minha rainha. Apesar de todas as
merdas, acreditava que ela superaria aquela fase
ruim, porque quando que eu a via fazendo mal a si
mesma ou traindo o meu pai, ela me pedia perdão e
prometia que ia parar, que buscaria ajuda. Eu
sempre acreditava.
De certa forma, eu o compreendia. Adam
também me fazia acreditar nele, por mais que suas
palavras não passassem de mentiras.
— Quando entrei no quarto com aquele
homem... — Hunter desviou o olhar, sua vergonha
estampada no rosto.
— Ai meu Deus! Não! — Cobri minha boca
com as mãos, evitando o grito, mas não consegui
evitar as lágrimas sorrateiras.

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— Ela era velha demais pro gosto dele, mas


eu não. Achei que depois daquilo estaria tudo
acabado, porque porra! Eu era seu filho e tinha
quase catorze anos, nem havia dado meu primeiro
beijo ainda! Como ela não enxergou que foi longe
demais? Que ultrapassou uma linha muito fodida?
— Você contou pra alguém? — Eu precisava
ouvi-lo dizer que sim, precisava que Hunter me
contasse que alguém o defendeu e o livrou daquela
merda.
Quando ele balançou a cabeça em um gesto
negativo, ainda sem coragem de me encarar, uma
parte de mim perdeu a esperança de ouvir um final
no mínimo justo para aquela história tão
desgraçada.
— A pior parte é que acreditei nela, achei
mesmo que havia chegado o fim. A dívida foi paga.
Mas para minha mãe isso significava que ela teria
crédito novamente.
Tentei acariciar seu rosto, mas ele se
esquivou. Foi como se sentisse que era outra pessoa
e não eu que pretendia tocá-lo. Acabei recuando,
deixando as mãos debaixo do travesseiro.

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— Ah, Hunter...
— Na segunda vez me dei conta de que ela
finalmente tinha encontrado um jeito de conseguir
o pó sempre que quisesse. Eu só queria salvá-la!
Mas minha mãe viu em mim uma moeda de troca.
— Eu sinto muito.
Ele negou outra vez, ainda sem me olhar.
— Por duas vezes permiti que aquilo
acontecesse, mesmo sabendo que era errado e me
sentindo sujo... eu deixei. Mas quando entendi que
ela não ia parar, que aquele escroto voltaria mais
vezes e cobraria seu preço... eu disse não. Pensei
que ela entenderia, que se daria conta de como era
errado e nojento. Só que a verdade é que minha
mãe nunca se importou comigo, nem com Hanna.
Ah, merda! Hanna... então é por isso que...
Hunter cobriu o rosto com as duas mãos. Sua
respiração estava pesada e eu não sabia como agir,
não fazia ideia do que dizer ou se deveria tentar
acalentá-lo de alguma forma.
— O meu pai estava em uma de suas viagens
e a Hanna não tinha ido à escola porque pegou um
resfriado forte, ficou de cama. Eu acabei matando
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as duas últimas aulas para chegar mais cedo e ficar


com ela, a gente sempre foi muito ligado um ao
outro. — Ele continuava de olhos fechados. —
Estranhei a música alta assim que coloquei os pés
em casa, larguei a mochila no chão e corri pro
quarto dela. Foi quando vi aquele homem nojento
beijando as pernas da Hanna...
Sobressaltei, me sentando e o abraçando para
que soubesse que eu estava ali com ele.
Hunter se encolheu na cama.
— Eu soquei tanto aquele cara que podia tê-
lo matado! — rosnou. — Não sei de onde tirei tanta
força, talvez em um surto de adrenalina, sei lá!
Tudo o que passou pela minha cabeça foi que eu
não podia deixá-lo tocar minha irmãzinha, não
podia permitir que fizesse com ela o que fez
comigo. E por sorte eu tinha chegado a tempo,
antes que ele fizesse qualquer merda, mas ainda
assim ele a havia tocado, aquela boca asquerosa
percorreu as pernas da Hanna e se eu tivesse
demorado cinco minutos mais...
Ele salvou a irmã de ser abusada por um
pedófilo, mas não conseguiu se salvar. Não era à
toa que Hunter fosse tão protetor com Hanna. Tudo
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passou a ter sentido, depois que aquela verdade


horrenda foi revelada.
— Aquela puta que se dizia nossa mãe,
vendeu minha irmã para um traficante em troca de
pó! A merda do pó que já tinha arruinado nossa
família. Quando ela entrou no quarto e viu o que eu
fazia, me tirou de cima dele antes que eu acabasse
com a raça do maldito!
— Nem sei como aquele lixo de ser humano
conseguiu se levantar depois da surra que dei, e
nem sei como não me matou por ter feito o que fiz.
O cara era barra pesada, devia estar armado. Só que
ele foi embora, mas antes disso deu um soco em
minha mãe e gritou na cara dela para que
procurasse outro fornecedor, porque ele estava
dando o fora. E deu mesmo, pois nunca mais vi
aquele monstro.
Ela tinha dopado a Hanna, acredita? Mesmo
com toda a confusão, Hanna continuou desacordada
e quando coloquei minha mãe contra a parede, ela
confessou tudo. Mas também me culpou. Disse
que, se eu não tivesse me recusado, o traficante
nem chegaria perto da Hanna. Argumentou que não
teve opção porque estava devendo pra ele de novo e
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eu não quis ajudá-la.


— Só que a culpa não foi sua, Hunter.
— Porra! Eu sei disso! Mas por que ela não
enxergava as merdas que estava fazendo? Consigo
mesma, e com os próprios filhos! Que porcaria de
mãe faz isso? — Afastou-se, sentando na cama e
passando as mãos pelo rosto a fim de enxugar as
lágrimas.
Ele estava desolado.
— E-eu não sei... — Funguei, pois também
chorava.
— Foi retórica, desculpe. — Franziu o cenho.
— Eu estava prestes a chamar a polícia e jogar toda
a merda no ventilador. Mas minha mãe fez uma
cena e... Por fim, pra evitar que Hanna soubesse o
que tinha acontecido e eu não precisar contar o que
aquele homem fez comigo, aceitei ficar calado em
troca de que pegasse suas coisas e fosse embora,
sem nenhuma explicação, desculpa ou despedida. E
então minha mãe se foi e a gente nunca mais ouviu
falar dela.
— Sei o que você deve estar pensando agora,
Amy..., mas eu tive que fazer uma escolha. Entre
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dizer a todos que fui molestado por um homem, e


ter que passar por exames e depoimentos
constrangedores... e entre fazer minha irmã sentir
nojo de si mesma, como eu sentia de mim, escolhi
poupá-la. Não queria nos expor, principalmente,
não queria expô-la. Foi por minha irmã que me
mantive em silêncio esse tempo todo. Não dava pra
reverter o que aconteceu comigo, mas felizmente
não havia acontecido com ela. E eu cuidei para que
nunca acontecesse.
Quando meu pai voltou pra casa e descobriu
que nossa mãe o tinha abandonado, pensei que,
mesmo sendo apenas nós três, finalmente seríamos
uma família de verdade. Só que não aconteceu, ele
afogou sua mágoa em álcool. A gente se livrou de
uma viciada e ganhou outro no lugar. — Virou-se
para me encarar, o semblante transtornado. — O
que eu podia fazer? Contar a verdade e torcer pra
ele acreditar? O meu pai era completamente louco
por ela. E tudo o que eu não queria pra mim era
sentir aquilo por uma mulher... e... — Abaixou o
olhar, encarando as mãos apoiadas no colchão. —
E ainda tinha o fato de que eu não sabia se depois
do houve... Como disse antes, sequer tinha beijado
uma garota.
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Ouvir tudo aquilo desmanchou qualquer


muralha que eu pudesse ter erguido em volta do
meu coração no que dizia respeito a Hunter
Stevens. Não fazia ideia de como devia ter sido
horrível, enfrentar a maldade humana quando se é
apenas um garoto. Tiraram seu direito de escolha,
roubaram sua inocência, usaram seu corpo contra
sua vontade e o fizeram amadurecer precocemente,
pulando etapas do seu desenvolvimento
adolescente.
A negligência dos pais, o abuso sofrido, lidar
com o peso daquele segredo e seu senso de
responsabilidade com a irmã... eram peças do
quebra-cabeça que compunham a personalidade de
Hunter, que explicava muito do seu comportamento
e até mesmo justificava algumas de suas ações.
Ali, olhando para o meu garoto problema,
tentando assimilar cada uma de suas revelações,
pensava em como poderia confortá-lo. Mesmo que
nada do que eu dissesse revertesse o efeito colateral
do seu passado, tive ainda mais certeza do amor
que sentia por ele. Mesmo depois de Hunter ter me
magoado tanto, e feito com que eu desacreditasse
de um futuro em que ficaríamos juntos, eu queria

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muito ser capaz de fazê-lo feliz para que


esquecesse tanto sofrimento.
— Você foi corajoso em segurar essa barra,
sozinho, Hunt.
Ergui minha mão para tocá-lo e senti alívio
quando ele permitiu que eu acariciasse seu rosto.
Sua mão tocou a minha e a mantive ali, sob a dele.
— É. Foi bem fodido.
Ficamos um tempo em silêncio. Hunter
fechou os olhos e parecia estar apreciando meu
toque. Levei o polegar até seus lábios e fiz o
contorno, soltando uma risadinha quando ele
mordiscou a ponta do meu dedo, fazendo com que
eu afastasse a mão em um gesto instintivo. Mas
Hunter não permitiu que eu me afastasse, tornando
a segurar minha mão entre as suas.
— Eu quis ter certeza de que aquela merda
não afetaria minha vida, nem a da Hanna. —
recomeçou, ainda com o olhar fixo ao meu. — Nós
mudamos de escola depois que meu avô obteve a
custódia e fomos morar com ele. Até foi bom,
éramos novatos e aproveitei que ninguém ali nos
conhecia para fazer minha reputação, deixando bem

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claro a qualquer moleque que Hanna era intocável.


Em contrapartida, acabei me testando com as
garotas. — Deu de ombros, mas eu entendi a
referência. — Foi nessa época que conheci os caras
também. Meses depois meu pai morreu e... o resto é
história.
— Eu sinto muito, Hunt. De verdade.
Nenhuma criança no mundo deveria passar pelo
que você e Hanna passaram.
Ele sorriu e foi sua vez de acariciar meu
rosto.
— Sabe como eu amo isso? Quando você me
chama de Hunt. — Umedeceu os lábios com a
língua, fazendo-me desviar o olhar. — Vou sentir
tanto a sua falta, Amelia.
Voltei a encará-lo, mas revirei os olhos.
— Você insiste em me chamar pelo nome —
resmunguei, sem conseguir conter o sorriso.
— Seu nome é lindo. Como tudo em você.
Soltei a respiração que nem percebi estar
prendendo. Engoli em seco e busquei coragem para
me afastar, desfazendo o contato.

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— Está tão machucado quanto eu, não é? Eu


posso ter as marcas pelo corpo, mas as suas estão
dentro de você. Agora consigo te entender... e
percebo o porquê também me entende.
Ele assentiu.
— Depois do que fiz com Neville e o que
aquilo desencadeou, me dei conta que precisava dar
um jeito de superar... ao menos tentar. Fui longe
demais, poderia ter matado um dos meus melhores
amigos num surto de raiva. Então vim pra cá,
contei tudo ao meu avô. Ao Neville revelei apenas
a parte sobre a Hanna, para que ele entendesse o
que me motivou a agir como louco.
— Por isso ele voltou contigo para New
Cross.
— Sim. E também comecei a fazer terapia.
— Uau! — Fui pega realmente de surpresa.
Ele riu.
— Dra. Amber Willians. — Buscou
novamente minhas mãos, e as segurou,
entrelaçando nossos dedos. — Eu segui seu
conselho, Amy. Procurei ajuda.

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Eu jamais poderia imaginar que Hunter


pudesse tomar uma iniciativa como aquela.
— Ter que lidar com as merdas que fiz foi
muito fodido, Amy... e me manter longe de você e
da Hanna, um inferno. Eu não contei tudo logo de
cara, ela também não me pressionou. Mas entendi
que precisava tirar aquele peso das costas e ver o
que aconteceria... foi libertador pra caralho, só que
nem um pouco fácil. Exorcizar meus demônios,
relembrar um passado que jurei que tinha
esquecido, assumir que toda aquela merda guiou
meus passos e fez com que eu chegasse ao fundo
do poço... Porque foi assim que me senti depois
daquela noite, Amy. Depois do que fiz ao Neville e
Hanna, do que fiz contigo. Machuquei as pessoas
que eu mais amava e as que eu mais queria
proteger. Posso não ter me entregado a nenhum
vício, como meus pais fizeram, mas me entreguei a
uma raiva autodestrutiva... e não era só a mim que
estava destruindo afinal.
Impossível conter as lágrimas. E como me
manter impassível diante do garoto que era dono do
meu coração, abrindo as páginas do livro da sua
vida? Hunter desfez o contato de nossas mãos e

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usou a manga de sua blusa de moletom para secar


minhas lágrimas, em seguida, depositou um beijo
suave na ponta do meu nariz e então tornou a
entrelaçar nossos dedos.
— Sei que ainda preciso trabalhar muita
coisa, e estou focado nisso — continuou. — Não
pretendia contar à Hanna, mas depois do que Adam
te fez, e o fato de, por sorte, eu chegar a tempo de
evitar o pior, senti a necessidade de que ela ficasse
sabendo. É a história dela também. E agora que
você vai embora, achei que, o mínimo que eu
poderia fazer era te mostrar porque sou tão fodido...
Assenti, mas não consegui dizer nada. Então,
quando Hunter me puxou para si, envolvendo seus
braços em torno de mim, permiti me entregar
àquele momento de coração aberto, retribuindo o
abraço e deixando que as lágrimas caíssem
livremente.
— Eu sinto muito, muito, muito, Amy. Por
tudo, porra!

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Alternei o olhar entre Amelia dormindo em


minha cama e o celular que eu segurava, lendo a
mensagem de Emily, avisando que estaria
chegando em menos de duas horas.
Nosso tempo havia acabado.
Depois de tudo o que contei a ela, Amy
permaneceu abraçada a mim durante toda a noite.
Sem dizermos mais nada, apenas ouvindo nossas
respirações, adormecemos.
Com tudo o que estava acontecendo em
nossas vidas ultimamente, ficarmos juntos deixou
de ser uma possibilidade. O que era uma puta ironia
do destino, já que nos amávamos.
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Eu teria que abrir mão dela, para continuar


me curando por dentro. Ela teria que ficar longe de
mim, para recomeçar sua vida, livre de problemas.
Que Deus me ajude...
— Por que já está acordado? — murmurou
ela, sonolenta e ainda de olhos fechados.
— Como sabe? — Deixei o celular de lado e
me inclinei sobre ela, apoiando os braços no
colchão, meu rosto pairando sobre o seu.
Amy abriu os olhos e sorriu. A garota tinha
os cabelos desgrenhados, o rosto machucado e
ainda assim, com sua carinha de sono, era a
perfeição para mim.
— Senti falta do seu corpo colado no meu,
mas sabia que estava aí me encarando. — Mordeu
o lábio inferior, fazendo com que eu não
conseguisse segurar um gemido.
Porra, que tesão!
— Você é sensitiva agora? — brinquei,
beijando a ponta do seu nariz.
Tomei cuidado de não roçar minha ereção
contra ela.

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Não podíamos...
— Quase isso, doçura. Meu corpo queima de
dentro pra fora quando você me olha desse jeito,
Hunt. Mesmo que não esteja vendo, eu sinto.
— Amy... merda! — Fechei os olhos com
força e balancei a cabeça, tentando me livrar
daquele desejo inoportuno.
— Eu quero você. Nem que seja uma última
vez.
— Não quero te machucar. — Colei meu
corpo ao seu, deixando que ela percebesse o que
estava fazendo comigo.
— Tenho certeza que será cuidadoso. —
Ergueu quadril e segurou meu rosto entre as mãos,
roçando nossos lábios. — Só vem, Hunt.
Ah, porra! Eu fui.

— Quero te dar um presente — disse a ela,


assim que voltei para a cama, após pegar a caixinha
de madeira que eu mantinha em meu guarda-roupa.
Amy se sentou, usando o cobertor para cobrir
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os seios. Beijei seu pescoço e me afastei antes que


repetisse o que tínhamos feito há pouco.
Precisava contar que sua mãe estava vindo, e
o porquê. Isso me fez sentir um babaca, por ter
cedido ao tesão e adiado uma notícia que
certamente a deixaria abalada.
— O que é? — Sorriu, não escondendo a
curiosidade.
Entreguei a caixinha e esperei que ela a
abrisse.
Quando Amy observou o pingente de
coração, em ouro envelhecido, eu sabia que estava
fazendo a coisa certa. Ela segurou o colar em uma
das mãos e me encarou.
— É lindo.
— Comprei quando eu tinha treze anos —
revelei, atento a forma como Amy reagia. — Era
para ser um presente de Dia Das Mães. Esse
pingente simboliza meu coração, meu amor. Eu
queria que minha mãe soubesse o quanto eu a
amava. Assim como Hanna e nosso pai também.
Mas depois do que houve...
Amy fechou a mão, envolvendo o colar,
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levando-o ao peito.
— Eu não queria ser como meu pai, nem
sentir o que ele sentiu por ela... — Cheguei mais
perto e envolvi a mão dela que segurava o colar,
colocando-a em meu tórax, para que sentisse o
coração batendo. — Uma vez, você me disse que
não era minha mãe, nem eu o meu pai. E isso é
bom, não é?
— É sim, Hunt.
— Então estou fazendo a coisa certa,
entregando a você este colar. Porque meu coração e
meu amor, eles são seus, Amy.
— Por que está fazendo isso? Agindo como
se nunca mais fossemos nos ver de novo...
— O futuro é incerto, Amelia. Tudo o que
sei, é que agora nossos caminhos são diferentes. E
não vou esperar que eles se encontrem outra vez,
pra dizer o que sinto. Prefiro que vá embora
sabendo o quanto é importante pra mim.

— Pode colocá-lo em mim? — perguntou

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Amy, após sairmos do banho e nos vestirmos.


Eu não tinha mais tempo.
Emily chegaria a qualquer momento.
Amy deixou o celular desligado, para que
ficássemos sozinhos antes de ela ter que ir embora,
no que acreditava ser sexta-feira. Era o plano
inicial, mas o inesperado aconteceu e sua mãe
entrou em contato comigo, quando não conseguiu
falar com a filha.
Fui incumbido de dar a ela uma notícia.
Peguei o colar que Amy segurava e abri o
fecho. Seus cabelos estavam presos em um coque,
então foi fácil. Ela vestia jeans, uma das minhas t-
shirts e também uma camisa de flanela xadrez.
Minha garota incrível.
— Sua mãe está vindo te buscar, Amy —
falei em um sussurro, cada palavra doendo em
mim. — Deve chegar a qualquer instante.
Amy se virou e vi a confusão em seu olhar.
Segurando-a pelos ombros, contei o que
fiquei sabendo mais cedo, quando Emily ligou.
— Adam cometeu suicídio.
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“Eu tenho uma queda por uma garota


Eu não consigo nenhum sono
Eu não consigo nenhuma paz
Pensando nela sob os seus lençóis
A maneira em que ela está sussurrando
A maneira em que ela está te puxando
Deus sabe que eu tentei
Mas eu não posso tirá-la da minha mente...”
Girl Crush ~ Little Big Town

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SEIS MESES DEPOIS…

— Por que ainda não fez as malas, querida?


— perguntou minha mãe, ao me ver sentada no
chão do quarto, encarando as caixas de papelão,
ainda lacradas.
Mamãe começaria a filmar um longa-
metragem dentro de alguns dias, em Sidney.
Havíamos combinado que eu viajaria com ela e
Kimberly partiria de Londres, nos encontrando lá.
O jatinho decolaria na tarde seguinte, mas algo me
impediu de fazer as malas.

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Aquelas caixas continham todos os meus


pertences do tempo que vivi em New Cross,
dividindo o apartamento com Hanna. Roupas,
sapatos, acessórios, objetos de decoração, material
de estudo... As únicas coisas que não foram
encaixotadas eram meu violão, o caderno onde eu
anotava minhas composições e o laptop. Mamãe
cuidou de tudo, eu nem mesmo tive a chance de me
despedir pessoalmente de Hanna, nem dos meus
amigos.
O único a quem pude abraçar e dizer adeus
foi Hunter, com certeza o momento mais difícil e
doloroso da minha vida. Nada se comparava, nem
mesmo as coisas ruins que Adam fizera comigo.
Foi como se estivessem arrancando um pedaço de
mim.
Eu não devia ter partido.
Mesmo com toda a repercussão da denúncia,
o fim da Conect Six e a morte de Adam por
overdose, eu ainda assim, deveria ter ficado e
enfrentado de cabeça erguida qualquer que fossem
as circunstâncias.
Esse pensamento esteve me corroendo há
semanas, desde que voltamos para nossa casa em
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Los Angeles, e eu dei de cara com aquelas caixas.


Não tive coragem de abri-las.
Não parecia certo.
Se eu as desfizesse, estaria tornando real o
meu afastamento. Algo dentro de mim interpretava
aquilo como inacabado. Não tirar meus pertences
daquelas caixas me dava a alternativa de enviá-las
de volta, para onde elas realmente pertenciam. Para
onde eu queria voltar a pertencer.
— Desculpe, mãe. Não posso.
Num piscar de olhos eu havia tomado minha
decisão.
Quando fui embora da Inglaterra, mamãe,
Kimberly e eu passamos três meses seguidos
viajando por diversos países. Estivemos nas ilhas
gregas, muralhas da China, pirâmides do Egito e
até nos aventuramos por Machu Picchu. Foi
memorável, nos tornamos melhores amigas e
durante aquele tempo, eu deixei de lado as
especulações, fofocas e julgamentos alheios, não
me importando com o que a mídia dizia sobre meu
relacionamento com Adam ou acusações de fãs
sobre eu ter sido responsável pela morte dele e o
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fim da banda.
Eu não era quem eles especulavam. Não
precisava provar nada a ninguém, além de mim
mesma. Depois de tudo o que passei, só queria
seguir minha vida e ser feliz, estava me esforçando
para isso.
Ao retornar a Los Angeles, comuniquei meus
pais que estava disposta a falar abertamente sobre o
que havia acontecido entre mim e Adam. Pensei
que se eu relatasse minha versão dos
acontecimentos, sem ninguém me representando, as
pessoas sanassem suas curiosidades e deixariam o
assunto de lado. Não que sentisse obrigação de me
explicar, mas queria saber se conseguiria falar
sobre o passado sem sentir culpa ou nojo de mim
mesma.
Antes disso acontecer, comecei a fazer
terapia. Hunter foi minha inspiração para essa
decisão.
Um dos motivos por eu ter decidido
denunciar Adam, foi o desejo de dar voz a outras
garotas que passaram ou ainda passavam por algo
semelhante. Com a morte dele, isso não aconteceu.
Muitos o pintaram como vilão, mas também fui
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considerada culpada. É fácil para as pessoas saírem


por aí dizendo os seus achismos sem se
preocuparem com o efeito de cada palavra jogada
ao vento. Eu não queria ver nenhuma mulher que
apanhava do marido, achando que merecia aquilo.
Nenhuma garota que era repreendida pelo
namorado, achando normal que ele decidisse por
ela o que vestir, com quem conversar, de quem ser
amiga. Nenhuma menina ou menino deixando de
ser criança antes da hora, contra sua vontade. Não,
eu não podia fingir que não havia acontecido
somente porque meu agressor não seria punido pela
justiça. Havia outros lá fora. Agressores,
abusadores, homens que se achavam no direito de
subjugar mulheres, fazendo-as acreditar que não
mereciam nada melhor do que eles.
Passei dois meses contando minha história
em programas de rádio, televisão, mídia impressa e
digital. Participei de eventos voltados a arrecadar
fundos para instituições que amparavam mulheres e
crianças vítimas de violência. Ouvi outras vozes,
conheci outras histórias, vi pessoalmente a
vergonha no rosto de cada garota que passou por
algo semelhante. Foi libertador. Eu me sentia forte
outra vez, determinada.
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Mas sabia que faltava alguma coisa.


Ainda me sentia incompleta.
HUNTER>>>
“É difícil ouvir seu nome quando faz
tanto tempo que eu não te vejo. É como se
nós nunca tivéssemos acontecido. Era só
uma mentira? Se o que tínhamos foi real,
como você pode estar bem?”
~ AMNESIA – 5SOS ~
Na noite anterior, recebi a mensagem de
Hunter, com um trecho de música. Meu coração se
apertou dentro do peito. Nós havíamos prometido,
um ao outro, que não manteríamos contato por
telefone, nem redes sociais. Apesar de eu ter criado
um novo perfil, não seguia o dele, mas isso não
significava que eu estivesse alheia às suas
postagens.
Costumava conversar com Hanna e os caras,
por mensagem. Não com tanta frequência como
gostaria, mas sempre que possível. Em nenhum
momento eles falaram sobre Hunter. Em nenhum
momento eu perguntei, por mais difícil que fosse.
Li e reli a mensagem incontáveis vezes,
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deitada em minha cama, ouvindo a música que ele


escolhera para falar o que estava sentindo. Desde
que voltei para casa eu não fazia aquilo, acho que
nem mesmo estive ouvindo músicas. Não toquei
meu violão, não escrevi nenhuma canção nova.
Havia deixado de lado aquela parte de mim, a parte
que eu considerava a mais verdadeira.
Como não percebi antes?
AMY>>>
“Queria que eu pudesse acordar com
amnésia. Esquecer as pequenas coisas
estúpidas. Como a sensação de adormecer
ao seu lado. E as memórias das quais eu
não consigo escapar. Porque eu não estou
nem um pouco bem.”
~AMNESIA – 5SOS ~
Desejei que Hunter iniciasse uma conversa,
assim que respondi usando um outro trecho da
mesma música. Mas acabei pegando no sono,
sabendo apenas que ele havia visualizado minha
mensagem.
Assim que acordei, a primeira coisa que fiz
ao abrir os olhos foi verificar o celular.
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Nenhuma mensagem dele.


Levantei-me, frustrada, e tomei um banho
demorado. Vesti uma calcinha de algodão e a t-
shirt que Hunter havia me emprestado em nosso
último dia juntos. Eu precisava arrumar as malas
para a temporada na Austrália, mas assim que
reparei nas caixas que vieram de Londres, não
consegui. Passei mais de uma hora ali, sentada, sem
coragem de abri-las, até que minha mãe chegou.
Foi tempo o bastante para decidir o que
precisava fazer.
— Eu estive questionando quanto tempo você
levaria para perceber... — Mamãe sorriu,
aproximando-se e se sentando ao meu lado no chão.
— Perceber o quê? — pestanejei.
Ela bateu seu ombro no meu.
— Você sabe o que, amor. E eu te apoio.
Inclinei-me para abraçá-la e ficamos ali por
um tempo.
— Obrigada, mãe.
— De qualquer maneira, você precisa fazer
as malas, certo?
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Afastei-me, assentindo com um gesto de


cabeça.
— Sim. Vou começar agora mesmo.

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— Tudo certo pra hoje à noite? — perguntou


Zach, após o treino.
— Claro.
Era meu retorno à pickup, depois de meses
sem tocar.
— Legal. Josh tá empolgado por ter você de
novo na casa, e eu vou ter mais tempo pra me
dedicar a banda, agora que estamos de volta.
— E com um nome.
Rimos, enquanto saíamos da academia.
Desde que Amy foi embora, estive buscando
uma forma de lidar com minhas frustrações, para
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não agir por impulso e entrar no primeiro avião


com destino a Los Angeles. Mesmo que ela
estivesse em algum lugar que não sua casa, eu
ainda não conseguia tirar da cabeça a ideia de ir
atrás dela. Dra. Amber sugeriu que eu voltasse a
tocar na danceteria ou encontrasse um novo hobby,
algo que me distraísse para tirar o foco de uma
atitude precipitada. Ao contar para os caras, Zach
sugeriu que eu tentasse o muay thai e acabei
concordando. Não imaginei que fosse gostar tanto,
desde então, nunca faltei a um treino.
Um ano. Esse foi o prazo que estipulei para
mim e Amy ficarmos separados. Quando a fiz
prometer que não entraríamos em contato um com
o outro, já tinha em mente que seria durante esse
período e nem um dia a mais. Depois disso, eu iria
até ela, não importasse em que lugar do mundo. Só
que ela não sabia dessa parte do plano.
Era preciso que nos afastássemos um pouco,
eu estava apenas começando a lidar com meus
traumas e Amy tinha toda aquela confusão sobre o
Adam e também questões familiares para resolver.
Por mais que amássemos um ao outro, não
podíamos anular todos os nossos problemas e não

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estávamos prontos para um relacionamento.


Vê-la entrar no carro com seus pais foi como
receber uma martelada no peito. Eu não achei que
fosse superar. Tive sorte por poder contar com
meus amigos, depois de tudo. Nunca fui o cara
mais legal, simpático ou prestativo, mas ainda
assim, Lewis, Leon, Neville e principalmente Zach,
me deram a maior força. Hanna também foi
essencial, tê-la novamente, fazendo parte da minha
vida, ajudou bastante. Ela inclusive participou
comigo de algumas sessões com a Dra. Amber.
Depois que Amelia saiu do apartamento, que
dividia com Hanna, minha irmã não havia alugado
os quartos vagos para outras garotas. Após alguns
pedidos de que eu dormisse por ali, o convite
oficial para que me mudasse de forma permanente
foi feito. Nunca estivemos tão ligados um no outro
como agora, e de um jeito diferente de antes. Eu já
não sentia medo de vê-la interagindo com os outros
rapazes, até aceitei numa boa o namoro de Hanna
com Tom, meu colega de curso, embora
desconfiasse que ela ainda nutria sentimentos por
Neville. Ele sim não havia lidado bem com aquilo.
Mas nenhum dos dois dava o braço a torcer e tanto

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eu, quanto os caras, éramos meros espectadores.


Muita coisa aconteceu durante os seis meses
que se passaram.
Com toda a repercussão, por conta da morte
de Adam, o vídeo onde Amy e eu cantávamos
juntos tornou-se notícia velha, me permitindo
seguir em frente sem chamar a atenção. Ninguém
ligou ela a mim e eu era grato por isso, ao menos
durante essa trégua pela qual passávamos.
Há pouco mais de dois meses, os caras
decidiram retomar a banda e criaram um novo
canal no YouTube. Eles finalmente tinham um
nome que, segundo Neville, foi escolhido em
minha homenagem. Com o quarto que deixei vago
no apartamento, e o fato de estarem acostumados a
dividirem os seus, acabaram transformando o
espaço livre em um estúdio para os ensaios. Foi
divertido ajudá-los a ajeitar tudo, inclusive o
isolamento acústico. Lewis até comprou uma
bateria e não parava de se gabar. A próxima meta
da banda era conseguir lugares para se
apresentarem ao vivo.
— Você me dá uma carona pra danceteria?
— perguntou Zach, quando já estávamos no
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corredor, em frente aos apartamentos.


— Claro. Te envio mensagem quando
estiver saindo.
Assim que entrei, encarei aquele monte de
caixas de papelão enfileiradas no corredor dos
quartos.
— Hanna? Que porra de caixas são essas?
Minha irmã saiu às pressas do quarto e coçou
a nuca, parecendo pensar no que me responderia.
— São algumas coisas que separei para
doação.
Franzi a testa.
— Ainda sobrou alguma coisa no seu quarto?
— provoquei.
Minha irmã revirou os olhos e mostrou o
dedo médio para mim, me fazendo gargalhar. Ela
me surpreendia quando agia assim, pois fazia parte
da “nova Hanna” e eu ainda estava me
acostumando com isso.
— Tô indo pro banho — avisei.
— Eu tô saindo, a gente se vê mais tarde?

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— Começo a tocar na danceteria hoje.


Aparece por lá?
— Claro. Vou convidar o Tom — disse,
saindo e fechando a porta atrás de si.
O treino foi puxado. Zach não pegava leve
comigo. Era quase como se aproveitasse aquela
uma hora para se vingar de todas as merdas que já
falei para ele, desde que nos conhecemos. Mas eu
gostava, distraía minha cabeça de pensar nela...
principalmente depois da mensagem que enviei no
outro dia, com o trecho de uma música.
— Será que eu aguento mais seis meses? —
Debaixo do chuveiro, ficava imaginando onde Amy
estaria e com quem.
Morria de medo que ela encontrasse um cara
que valesse a pena e se esquecesse de mim. Foi por
isso que não resisti e digitei aquela mensagem, me
arrependendo assim que vi sua resposta. Não ligar
para ela foi um puta sacrifício, eu sentia falta de
ouvir sua voz, falta dela, de estar com ela. Mas
sabia que, se tivesse ligado, não conseguiria
continuar respeitando o prazo estipulado. Eu ligaria
o foda-se e usaria a grana da minha poupança para
atravessar o oceano a fim de encontrá-la e implorar
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que voltasse para mim.


Desliguei o chuveiro e me sequei às pressas,
enrolando a toalha banho em volta da cintura.
Acabei pegando a toalha de rosto para secar meus
cabelos, mesmo sabendo que Hanna detestava
quando eu fazia aquilo. Saí do banheiro ainda
esfregando a cabeça quando esbarrei o corpo contra
o de minha irmã.
— Porra, Hanna! Não me dá um susto desses
— resmunguei, pendurando a toalha em meus
ombros.
O par de mãos que tocava meu tórax e descia
gradativamente até parar em minha mais recente
tatuagem, não pertencia a Hanna. Ela contornou as
asas com o dedo indicador e... merda! Eu estava
ficando duro e não teria como disfarçar.
— Uma borboleta gigante... no estômago —
sussurrou Amy, encarando o desenho como se
fosse a coisa mais incrível que já havia visto na
vida.
— Eu queria uma lembrança constante, da
forma como você me faz sentir — expliquei,
segurando seus pulsos por dois motivos: primeiro

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para ter certeza de que Amy estava realmente


diante de mim, e segundo, porque eu não queria
que parasse de me tocar.
Seu olhar alcançou o meu e ela umedeceu os
lábios com a língua.
Fiquei hipnotizado, não conseguia parar de
admirá-la.
Seus cabelos estavam longos, próximo ao
decote que o vestido exibia, eram loiros agora,
parecendo-se com seu pai e cogitei que era a
tonalidade natural. Não havia marcas dos
ferimentos que ela tinha quando nos despedimos e
fiquei feliz por isso, por Amy não ter que lembrar
do que houve cada vez que se olhasse no espelho.
— Você também me faz sentir borboletas no
estômago, Hunter Stevens. Isso, e muito mais.
Aquilo foi demais para mim.
Soltei seus pulsos, e com agilidade, a segurei
pelo quadril, impulsionando seu corpo, trazendo-a
para meu colo. Amy envolveu as pernas em torno
da minha cintura, fazendo ambas as toalhas caírem
no chão. Eu estava completamente nu e muito
excitado. Ela prendeu seus braços em torno do meu
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pescoço e deu um beijo rápido em meu queixo, me


atiçando.
Sem continuar me contendo a beijei,
enquanto caminhava até o quarto, aquele que um
dia foi dela. Abri a porta desajeitadamente, sem
parar de beijá-la e me deliciar com o seu gosto. No
fundo, temia ser apenas um sonho do qual acordaria
logo.
Amy parecia tão desesperada quanto eu. As
mãos prendiam meus cabelos com força, a língua
buscava a minha, sedenta, e os gemidinhos que
soltava me deixava ainda mais louco de tesão.
Mas apesar de querer me enterrar dentro dela,
o quanto antes, eu não podia ceder ao desejo como
gostaria. Quer dizer, nós passamos meses sem nos
ver ou nos falar e... precisava saber o motivo dela
ter voltado. Embora estivesse mais do que óbvio o
quanto Amelia também ansiava por mim... eu
queria ouvi-la dizendo.
Afastei minha boca da sua e gemi alto
quando ela deslizou a mão pela lateral do meu
corpo, até envolver meu pau, começando a acariciá-
lo. Mordisquei seu pescoço, mas reuni forças para
prender os pulsos dela lado a lado de sua cabeça.
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Afastei-lhe as pernas com o joelho e me encaixei


ali. O tecido do vestido com estampa floral que
Amy usava havia se emaranhado acima da cintura,
exibindo a calcinha de algodão. Mesmo simples,
era sexy pra caralho. Porque tudo naquela garota
me atraía, principalmente por dentro. Seu coração,
sua personalidade. Sua alma linda.
— Por que voltou, Amelia? — Sorri, não
querendo que ela se sentisse pressionada. — Este
quarto agora é meu.
Ela riu, mordendo o lábio inferior e me
encarando com tanta intensidade que me fez engolir
em seco.
— Eu o quero de volta.
— O quarto? — Arqueei uma das
sobrancelhas.
Amy me pegou desprevenido quando
envolveu as pernas em torno da minha cintura outra
vez, prendendo-me com força. Dessa forma, minha
ereção se encaixou em sua entrada, sobre o tecido
da calcinha.
— Você me disse um dia, que seu maior
desejo na vida era que eu fosse feliz de verdade. Eu
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tenho tentado, juro. Mas sem você na minha vida,


Hunter, a felicidade não é verdadeira.
— Amy... — Minhas mãos afrouxaram o
toque em seus pulsos e ela aproveitou para se
esquivar e tocar o meu rosto.
— Será que é tarde pra lutar por você?
Inclinei-me para ela, roçando minha testa na
sua. Nossos lábios se tocando de leve.
— Não precisa lutar, Amelia. Você venceu.

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Ao ter Hunter dentro de mim outra vez, eu


me senti finalmente completa. Não havia dúvidas
de que ele era parte importante da felicidade que
tanto busquei encontrar.
Eu sabia que nunca haveria outro.
Sempre seria Hunter Stevens.
— E agora? — perguntou ele, acariciando
minha lombar. Eu estava deitada sobre ele,
repousando minha cabeça em seu peito.
— Agora nós temos um impasse — falei
devagar. — Este quarto é meu.
— Pois ele é meu também.
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— E o que vamos fazer a respeito, doçura?


Ele riu ao ouvir o antigo bordão e beijou o
topo da minha cabeça.
— Um duelo até a morte? O sobrevivente
fica com o quarto e os pertences daquele que perder
— sugeriu bem-humorado.
— Você disse que eu não precisava lutar —
argumentei, ajeitando-me para sentar sobre o seu
abdômen.
Reparei novamente na borboleta que ele
havia tatuado, contornando seus traços com o dedo
indicador. Já havia reparado o quanto Hunter
gostava quando eu fazia aquilo.
— Bem, nesse caso a gente pode dividir. —
Sorriu com malícia, as mãos nunca parando de me
tocar, subindo sem pressa até alcançarem meus
seios e se fixarem ali. — Aquelas caixas no
corredor são suas?
Assenti.
— A Kim e o papai me ajudaram com a
mudança. Hanna me contou que você estaria no
treino de muay thai, com Zach. — Pestanejei e abri
um sorriso ao me lembrar de minha irmã. — A
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propósito, ela se apossou de duas jaquetas que ele


havia me emprestado e não tive a oportunidade de
devolver. Espero que Zach não as peça de volta.
— Eles podem duelar até a morte e o
vencedor fica com as jaquetas.
Dei um tapinha em seu ombro.
— Por que essa insistência em duelos
mortais?
— Talvez eu esteja assistindo séries
medievais em excesso. — Deu uma piscadinha. —
Sabe como é, eu tinha que me manter distraído para
não correr atrás de você antes do prazo que
estipulei.
— Que prazo? — Balancei a cabeça sem
entender.
Hunter se mexeu na cama, se sentando
comigo escarranchada sobre ele.
— Achou mesmo que te deixaria partir, se eu
não pretendesse te trazer de volta? — Seu sorriso
terno me emocionou.
— Ah, Hunt. Eu senti tanto a sua falta!
— Eu também, Amy. Mais do que possa
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imaginar.
Colei minha boca na sua, abraçando-o para
que Hunter entendesse que eu havia voltado para
ficar.
Porque ali era o meu lugar, mas acho que ele
já sabia.

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“Mas eu quero te dar um amor selvagem


Daquele tipo que nunca desacelera
Eu quero te levar ao máximo
Deixar que os nossos corações sejam o único som
Eu quero ir aonde as luzes acendem e você é só
minha...”
Wild Love ~ James Bay

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5 ANOS DEPOIS...
— Eu ainda acho que devíamos ter ido.
Eu a olhei como se estivesse me dizendo o
absurdo dos absurdos, o que de fato era. Pelo
menos para mim.
— Com você prestes a parir minha filha?
Nem pensar! — Revirei os olhos, sabendo que ia
deixá-la irritada.
— Ainda não está na hora, falta mais de uma
semana.
— E se ela estiver tão ansiosa para me
conhecer e decidir vir ao mundo antes? — Sorri,
daquele jeito que a deixava doida... de tesão.
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Uma das melhores partes da gravidez de


Amy era sua libido. Nós passamos boa fase da
gestação dela trepando feito loucos e eu amava
isso.
— Você é um convencido, Hunter Stevens!
— Ela riu e se aconchegou a mim no sofá,
apoiando a cabeça em meu ombro, beijando-me no
pescoço, fazendo cócegas.
— E você me ama mesmo assim, Amelia
Stevens. — Eu a envolvi em meus braços,
moldando meu corpo ao dela para deixá-la
confortável o máximo possível.
— Isso eu não posso negar.
Eu estava contando os dias para o nascimento
do nosso primeiro bebê, a quem escolhemos
chamar de Emilia. Foi uma junção de Emily e
Amelia, deixando minha sogra exultante.
Acompanhar cada fase daquele momento era com
certeza a experiência mais incrível da minha vida.
Desde que Amy me mostrara o teste de gravidez e
eu encarei aquele palito sem entender o
significado... compreendi que a partir daquele dia
teríamos que nos acostumar com a ideia de sermos
pais e nos preparar para receber em nossa vida um
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pequeno ser que dependeria de nós para sobreviver,


crescer e se tornar uma boa pessoa. Foi apavorante!
Mas ao mesmo tempo eu sentia que estava
recebendo o presente mais precioso que a vida
poderia me dar, depois de tudo.
— Acha que seremos bons pais? — perguntei
à minha garota.
Ela soltou um longo suspiro, eu sabia que se
sentia exausta e logo pegaria no sono.
— Acho que daremos o nosso melhor para
sermos tudo o que a Emilia precisar que sejamos.
— Você vai me ajudar, certo? — Amy se
remexeu, ajeitando-se para me encarar, sua testa
franzida a deixava fofa. — Nós iremos amá-la e
protegê-la e dar a ela a certeza de que somos seus
melhores amigos, com quem ela poderá contar
sempre que precisar. É o que quero ser para minha
filha, Amy. O melhor pai do mundo.
— Ah, Hunt. Pode ter certeza que você já é.
Eu a beijei, emocionado, mas assim que a
programação da 44ª edição do Brit Awards
retornou, voltamos a prestar atenção na televisão.
Amy estava ansiosa e isso me deixava preocupado
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ao extremo.
E ela ainda queria ter ido ao evento! Nem
fodendo!
A Conect Six havia recebido um dos prêmios
especiais de reconhecimento, como sucesso global.
Ted.T, Sam e Dick haviam aproveitado a
oportunidade para revelar que a banda voltaria aos
palcos para uma turnê de despedida. O público
aplaudiu eufórico.
Mas a ansiedade da minha garota não era por
causa da banda de seu pai, mesmo que tivessem
feito as pazes há alguns anos.
— Ei, não fica nervosa O.K.? — Fiz carinho
em sua barriga e ela sorriu.
— É que eles merecem tanto!
A programação na Arena O2 já estava
terminando quando finalmente anunciaram as
nomeações que Amelia tanto aguardou.
— E o prêmio de Álbum Britânico do Ano,
vai para... Favorite Girl! Do The Troublemakers.
— Isso! — Comemorei de forma comedida,
para não incentivar Amy a se agitar efusivamente,

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porém estranhei seu silêncio.


Enquanto Zach, Leon, Lewis e Neville
subiam outra vez ao palco para receber mais um
prêmio, eu observei Amy ao meu lado. Ela dormia
tão tranquilamente que não tive coragem de acordá-
la para ver os caras fazerem o discurso de
agradecimento.
Era o segundo álbum da banda, o primeiro
disco que produzi em minha gravadora. Eles já
haviam vencido na categoria Single Britânico do
Ano, com a música Hanna, escrita por Neville, e
também o de Vídeo Britânico do Ano, com o clipe
daquela mesma canção. Não levaram o Grupo
Britânico, aumentando o nervosismo de Amy, mas
antes que a noite terminasse, nossos amigos haviam
levado o prêmio que mais aguardávamos desde a
nomeação.
Sorri ao vê-los tão felizes e agitados, mal
acreditando que aquilo estava mesmo acontecendo.
Zach foi o último a falar e me emocionei ao
ouvi-lo dizer:
— ... em especial para nosso amigo e
produtor, Hunter Stevens, que não pôde estar aqui

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hoje, pois suas meninas preciosas precisavam dele.


Enfim, cara, talvez nós deixemos você tirar uma
foto com essa belezinha aqui — levantou o troféu
— para o seu mural. Obrigado!
Desliguei a televisão e voltei a observar
Amelia. Levantei-me e a peguei no colo, levando-a
para o nosso quarto, com todo o cuidado.
Eu tinha o mundo em meus braços, naquele
momento.
Eu tinha tudo o que precisava para me sentir
completo e feliz.

FIM

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NOTA DA AUTORA
Obrigada a todos os leitores que aguardaram
pacientemente ou mega ansiosos por esta
sequência!
Foi difícil assimilar que a história de Hunter e
Amy estava mesmo chegando ao fim, eu acho que
minha demora foi um pouco pela dificuldade em
dizer adeus.
Aí cheguei a uma conclusão de que não é
realmente um fim, eu poderei vê-los mais vezes,
mesmo que em segundo plano. Afinal, ainda temos
alguns caras que precisam ter suas histórias
contadas, certo? Eu não posso simplesmente deixá-
los sem seus finais felizes. Lewis, Leon, Zach e
Neville são garotos incríveis. Também há duas
garotas que querem contar suas histórias. Kimberly
e Hanna pediram para serem ouvidas... me
prometeram que valeria a pena. Quem sou eu para
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duvidar delas?
Rosemeire Molan, Elaine Silva, Evelyn
Santana, Margareth Antequera e Bárbara Dameto:
parabéns por me aguentarem durante o processo de
escrita! Obrigada por estarem comigo nessa!
Até a próxima aventura ♥

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EVY MACIEL
Evy Maciel é gaúcha,
nascida em Osório-RS, no dia 5 de
abril de 1989. Escreveu seu primeiro

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romance em 2012, intitulado O


HOMEM DOS MEUS LIVROS, mas
só começou a se autopublicar na
Amazon em dezembro de 2014. Hoje
acumula mais de 18 milhões de
páginas lidas na plataforma digital.
Tem dois livros publicados pela
Qualis Editora: O QUE ACONTECE
EM VEGAS FICA EM VEGAS, e
VLAD: SEDUZIDA POR UM
IMORTAL. Lançou em 2018, na
Bienal-SP, o thriller erótico RUDE:
ENCONTROS & CONFRONTOS,
pela Editora Pandorga. Atualmente
se dedica exclusivamente a escrever e
publicar seus livros.

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[1]
Referência ao universo cinematográfico da MARVEL
COMICS, a franquia de filmes Vingadores.
[2]
Plot Twist: “Reviravolta de enredo”. É um termo
geralmente usado em livros, filmes, séries, quadrinhos e jogos
para descrever uma mudança radical na história, saindo
totalmente do esperado, pegando seu público de surpresa.
[3]
Trecho de música fictício, criado pela autora Evy Maciel.
[4]
Pub Irlandês.

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