Você está na página 1de 6

1

ASTROLOGIA



Estar Presente
Valdenir Benedetti

Tenho observado a dificuldade constante que algumas pessoas têm para


"estar aqui", estar presentes. Tenho constatado principalmente em mim essa
dificuldade.
Creio que essa foi um dos maiores obstáculos em minha historia para que eu
me conectasse com meu próprio crescimento.
Estou reconhecendo que quase sempre estive ausente, sempre estive em
outro lugar qualquer, menos onde eu realmente estava. A mente divagando,
indo para o futuro, mergulhando no passado, buscando referências lógicas,
emocionais, surreais às vezes, qualquer coisa para que eu me ausentasse do
momento a ser vivido, do lugar a ser de fato ocupado.
Esse estado de "ausência" tornou-se um modo de vida, transformou-se na
única realidade possível. O Eu ausente transformou-se, com o tempo, na
única coisa a ser reconhecida como o verdadeiro Eu.

MEIO-DO-CÉU
ASTROLOGIA
Valdenir Benedetti
2
Aprender sobre essa ausência foi, e continua sendo, uma tarefa áspera.
Perceber o quanto sou incapaz de me sintonizar com o presente, com o
momento vivido; o quanto é difícil ouvir os sons e vozes do lugar em que
estamos; como é complicado se relacionar com o "outro", sem me abstrair
com meus próprios pensamentos, sem me deslumbrar com os sentimentos
que transbordam. Perceber que estar presente é muito difícil porque
depende sempre de ter consciência do "outro", reconhecer no "outro" tudo
que existe em mim e que tantas vezes não quero ver, por isso a mente
escorrega para labirintos lógicos ou para recantos obscuros que não tem
talvez o menor vínculo com o que está acontecendo no presente.
Todo esse processo de desviar o foco de atenção para algum lugar que não
seja "aqui", é necessário para alimentar a ilusão que foi construída ao longo
do tempo a respeito de si próprio. Se eu me focalizar na realidade mesma do
que está acontecendo, terei que reconhecer que talvez Eu não seja
exatamente o que penso ser, o que espero ser. Perceber que talvez nós
sejamos outra coisa diferente de tudo que aprendemos, tudo que
construímos dentro de nós mesmos é muito forte, representa às vezes um
processo de perder a identidade.
Acontece que essa "identidade" é, --em função da falta de conexão com a
realidade--, totalmente falsa, artificial, construída com fragmentos de idéias
que nem sempre nos pertencem, elaborada com dogmas, conceitos,
verdades que talvez pertençam a outra realidade, a outras pessoas, e que
não afinam com nosso coração, com nossa essência.
Perder a identidade, aquela, pode ser o caminho para encontrar a
identidade.
O processo de estar presente se torna cada dia mais doloroso, na medida em
que temos que tirar a roupa, tirar as vestes todas, ficarmos definitivamente
nús das ilusões que nos acobertavam e aqueciam. Olhar-se no espelho do
"outro" totalmente nú de preconceitos, justificativas e julgamentos é
descobrir a própria identidade, é descobrir quem realmente somos, quem
sou Eu.
Essa caminhada nada suave traz uma recompensa. Traz a consciência de si
mesmo, traz a pessoa verdadeira à tona, traz a verdade para a superfície, nos
transforma em pessoas de verdade, que é o primeiro passo para a evolução,
provavelmente o princípio de um conhecimento maior, de uma conexão com
a realidade divina.
Enquanto eu for um personagem forjado pela necessidade de dar significado
à minha existência, dentro de um contexto ilusório, não posso de fato
MEIO-DO-CÉU
ASTROLOGIA
Valdenir Benedetti
3
progredir. Estarei circulando em torno de mim mesmo, em torno de minhas
idéias e das idéias que me foram destiladas pela vida, estarei voando
aleatoriamente como mariposa em volta da luz, sem jamais poder ter um
contato real com a Luz.
Despir-se do personagem que criamos, não significa abrir mão das defesas
básicas, do instinto de sobrevivência; não significa também tornar-se anti-
social ou alienado. O que acontece é que, na medida em que vamos nos
desnudando de nossa história e nossos disfarces, e caminhando ao encontro
de nossa essência, começamos a nos relacionar com o que é mais essencial
no "outro", estabelecemos uma relação mais verdadeira com o mundo que
nos cerca, entramos em contato com a natureza real das coisas, nos
tornamos pessoas reais.

Contam os árabes que Alah certo dia resolveu mudar todas as águas do
mundo e, aquele que bebesse da nova água se esqueceria de sua porção
divina, se esqueceria que era parte de Deus. Um único homem prestou
atenção às palavras do profeta, que revelou a intenção de Alah, e foi até a
fonte e encheu muitos barris de água, que escondeu em uma caverna que só
ele conhecia. Veio um imenso diluvio que inundou toda a terra e lavou a água
que existia, todas as águas foram trocadas e, cada um que bebia da nova
água imediatamente se esquecia que era parte de Deus, se esquecia que era
uma criatura divina, porque era filho da Divindade. O homem que ouviu o
profeta não bebeu da nova água, ia todos os dias a seu esconderijo e bebia
da velha água, aquela que não fazia esquecer, e ele era o único que sabia a
verdade, o único que não havia esquecido quem ele era na verdade.
Depois de muito tempo, o homem que lembrava começou a se incomodar
com a solidão, com o isolamento ao qual era submetido por todos os outros
que não o compreendiam, não sabiam o que ou quem ele era na verdade. A
pressão da solidão foi muito grande, a vontade de se relacionar, de trocar
com as pessoas começou a imperar, e o homem acabou bebendo da nova
água. Imediatamente se esqueceu de quem ele era e se tornou igual a todos
os outros, e nesse dia houve uma grande festa para comemorar a milagrosa
cura do louco que retornou de sua loucura, para o convívio dos homens de
bem...

A questão é essa, bebermos da água que nos faz lembrar quem somos na
verdade, aceitarmos quem somos, sermos nós mesmos em conexão com a
natureza, em sintonia com as leis do universo, pode representar um
MEIO-DO-CÉU
ASTROLOGIA
Valdenir Benedetti
4
movimento em direção à solidão e isolamento por parte de pessoas que nós
amamos. Nos tornarmos nós mesmos pode representar sermos alvo de um
julgamento duro e ácido de que nos alienamos, ou estamos com algum
desequilíbrio, pois a referencia de todos será sempre o mundo ilusório dos
personagens que cada um criou para sobreviver. Talvez por isso seja tão
difícil optarmos por beber a velha água, e nos lembrarmos de nossa conexão
com Deus.
Aquele que se despe de seus disfarces, que deleta o personagem
conveniente, fica presente, se relaciona com o momento, com o agora, com o
instante que está vivendo, e ai então percebe que não está só, que tem
muitas pessoas fazendo isso, tem gente se despindo dos julgamentos e do
medo de ser julgado e se posicionando no mundo, ficando presente.
Não estamos sós. Aqueles de nós que estão atendendo ao apelo do Eu
verdadeiro e se transformando e se libertando, encontram pelo caminho
muitas pessoas que estão vivendo o mesmo processo, que também estão se
desnudando da ilusão e procurando serem verdadeiras. Cada dia mais
pessoas estão compreendendo que é necessário quebrar as regras que nos
prendem a um mundo ilusório, que nos aliena de nós mesmos, que nos
transforma em personagens e caricaturas de pessoas. A cada instante tem
gente rompendo com acordos sociais, compostos de infinitas cláusulas de
certo e errado, e que foram celebrados sem nossa presença e sem nossa
concordância, e que por isso, não temos que obedecê-los.
Dizem os xamãs e videntes Toltecas que no mundo material, o semelhante
repele o semelhante como os pólos de um imã. Os opostos se atraem nesse
universo. No plano transcendente, onde circulam forças espirituais, onde
apenas a Luz e a verdade prevalecem, o semelhante atrai o semelhante e por
isso, aqueles que se libertam da necessidade de ser aceito de acordo com as
regras dos outros, aqueles que se conectam consigo mesmos e com a
Realidade, se sentem atraídos e se ligam e se unem com os que estão
fazendo a mesma caminhada em direção à Luz.
Por isso não é preciso sofrer de solidão, não é preciso se apegar à formulas e
comportamentos que nos dêem a ilusão de aceitação, não é necessário ter
medo de estarmos separados do mundo, pois o mundo real está se
apresentando para os que experimentaram o desapego, os que venceram o
medo e ousaram ser eles mesmos.
Felizmente não estamos sós.

MEIO-DO-CÉU
ASTROLOGIA
Valdenir Benedetti
5
Vou complementar essas idéias com um saboroso e iluminado poema de
Paulo Cesar Pinheiro:

SOLIDÃO

Eu sozinho sou mais forte


Minha alma mais atrevida
Não fujo nunca da vida
Nem tenho medo da morte

Eu sozinho de verdade
Encontro em mim minha essência
Não faço caso de ausência
E nem me incomoda a saudade

Eu sozinho em estado bruto.


Sou força que principia
Sou gerador de energia
De mim mesmo absoluto

Eu sozinho sou imenso


Não meço nunca o meu passo
Não penso nunca o que faço
E faço tudo que penso

Eu sozinho sou a esfinge


Pousada no meio do deserto
Que finge que sabe o que é certo
E sabe que é certo o que finge

Eu sozinho sou sereno


E diante imensidão
De toda esta solidão
O mundo fica pequeno

Eu sozinho eu meu caminho


Sou eu ,sou todos, sou tudo
E isto sem ter contudo
MEIO-DO-CÉU
ASTROLOGIA
Valdenir Benedetti
6
Jamais ficado sozinho.

MEIO-DO-CÉU
ASTROLOGIA
Valdenir Benedetti

Você também pode gostar