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São Paulo
2019
Alice Barbosa
São Paulo
2019
Alice Barbosa
Data: ___________________
Nota:___________________
Ao Prof. Dr. Marcelo Augusto Monteiro de Carvalho, meu orientador, pela confiança e
pelas contribuições que enriqueceram este trabalho.
Aos professores Dr. Márcio Alves de Oliveira e Me. Thiago Antunes pelas valiosas
discussões acerca de Literatura e Ciências Sociais no Grupo de Estudos ‘Tensões na Ideia
de Cultura’.
Aos colegas do IFSP, pela amizade, em especial pelo carinho e disponibilidade nas horas
de necessidade de Gabriella Valério Chabaribery, Gustavo Bispo de Meireles, Mauro
Henrique Capp Forganes e Guilherme Colugnatti de Abreu Oliveira.
A meu pai, Laudelino Barbosa, que trouxe o hábito da leitura para dentro de minha vida.
A pesquisa aqui apresentada teve por objetivo levantar quais são os temas presentes em
“O Pequeno Príncipe”, clássico da literatura infantil universal, que podem ser
relacionados às categorias e aos conceitos-chaves utilizados para o ensino e aprendizagem
de Geografia para os alunos do Terceiro Ciclo do Fundamental II, com base nas
recomendações expressas nos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais. Pela linguagem
simples, direta e repleta de representações sobre os saberes geográficos que Saint-
Exupéry conseguiu abordar nessa narrativa, nós podemos ver potenciais predicados para
auxiliar o processo de ensino e aprendizagem na educação básica. A geograficidade
presente no livro é trabalhada na proposição de utilizá-lo como Recurso Didático. A
Geografia Cultural permite pensar numa construção interdisciplinar entre Geografia e
Literatura. Ao propormos a utilização de um objeto cultural, como o livro, no processo
de construção do conhecimento geográfico nos anos iniciais da segunda etapa do Ensino
Fundamental, vemos que a análise e comparação entre a representação espacial oferecida
por “O Pequeno Príncipe”, mediadas pelo professor, e a realidade espacial vivenciada
pelos alunos podem chegar a uma construção e apropriação dos sentidos de alguns
conceitos geográficos.
The research here presented aimed to raise what are the themes present in “O Pequeno
Príncipe”, one of the universal children’s classic literature, which may be related to the
categories and key concepts used for the teaching and learning of Geography for students
of the Third Cycle of Middle School, based on the recommendations expressed in the
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais. By the simple language, direct and full of
representations about the geographical knowledge that Saint-Exupéry managed to address
in this narrative we can see potential predicates to assist the process of teaching and
learning in basic education. The geographicity present in the book is worked on the
proposition of using it as a Didactic Resource. Cultural Geography allows us to think of
an interdisciplinary construction between Geography and Literature. By proposing the
use of a cultural object, such as the book, in the process of building geographic knowledge
in the early years of the Middle School we see that the analysis and comparison between
the spatial representation offered by “O Pequeno Príncipe”, mediated by the teacher, and
the spatial reality experienced by the students can come to a construction and
appropriation of the senses of some geographical concepts.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13
INTRODUÇÃO
1
O Piloto, personagem que narra a história, supõe que o Pequeno Príncipe habitava o asteroide B-612. Saint-
Exupéry, 2017, p.24
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2
Em 2015, encerrou-se o prazo de reserva de setenta anos estabelecido pela Lei 9610/1998, Artigo 41, que dispõe
a respeito dos direitos autorais sobre obras literárias. Desde então, o número de traduções e versões de “O
Pequeno Príncipe” tem se multiplicado no mercado literário brasileiro.
15
O trajeto que percorremos em busca desses objetivos teve como ponto de partida
a delimitação dos recortes e das fronteiras conceituais desse trabalho. No Capítulo 1
investigamos os conceitos de Geograficidade, como são discutidos os motivos para a
adoção de uma proposta interdisciplinar, o que é recurso didático. Pross eguimos na
análise dos PCNs buscando compreender como se dá a concepção do processo de ensino
e aprendizagem de Geografia no âmbito específico do Terceiro Ciclo e como a Geografia
tem trabalhado com o conceito de aprendizagem significativa. Finalizando esse capítulo
inicial, apontamos alguns dos caminhos percorridos no sentido de examinar relações
possíveis entre Geografia e Literatura.
No Capítulo 2, discutimos inicialmente a biografia de Saint-Exupéry: Quem foi o
homem que escreveu o clássico para crianças e jovens que inspira novas (re)criações até
os dias de hoje? Na sequência, levantamos em que contexto histórico e geográfico “O
Pequeno Príncipe” foi concebido e como o panorama conflituoso imprimiu seu impacto
sobre a narrativa. Trabalhamos com uma breve caracterização do tradutor da edição
selecionada por nós, Mário Quintana, e o papel desse autor no panorama literário
brasileiro. Trouxemos, então, um resumo de “O Pequeno Príncipe” e traçamos um perfil
das suas principais personagens. Discutimos a Geografia presente em “O Pequeno
Príncipe” e quais os potenciais didáticos que podem ser trabalhados em sala de aula com
o intuito de alcançar uma aprendizagem significativa no Terceiro Ciclo do Ensino
Fundamental.
No Capítulo 3 realizamos as análises das correlações entre os fatos narrativos, os
eixos temáticos e os aspectos geográficos que podem ser explorados no processo de
ensino e aprendizagem de Geografia a partir de “O Pequeno Príncipe”.
17
[...] o papel que o espaço e o meio têm na vida dos homens, sobre o sentido que
eles lhe dão e sobre a maneira sobre a qual eles os utilizam para melhor se
compreender e construírem seu ser profundo. (CLAVAL, 2006, p. 90)
3
O Homem e a Terra: Natureza da Realidade Geográfica com tradução de Werther Holzer foi publicada em 2011,
no Brasil, pela Editora Perspectiva.
18
sua geografia, ou seja, uma geograficidade.” (RAMOS, 2016, p.47), assumimos que é a
partir desse conceito – geograficidade – aqui compreendido como uma categoria, que
desenvolvemos a análise de “O Pequeno Príncipe” com vistas à sua utilização como
recurso didático para os anos iniciais do EF-II.
Esclarecemos que trataremos aqui apenas brevemente as informações sobre “as
transformações que abriram caminho para as diferentes correntes de pensamento” na
Geografia e que seus passos evolutivos não “ocorreram linearmente” (PONTUSCHKA;
PAGANELLI e CACETE, 2009, p.56).
Vimos também que o conceito de geograficidade compõe o repertório da Geografia
Humanística Cultural, sobre a qual discorreremos brevemente a seguir.
O Professor Paul Claval (2002) afirma que “...o interesse dos geógrafos pelos
problemas culturais, nasceu na mesma época da Geografia Humana, final do século
dezenove.” (p.19). Tomando essa afirmação como fio condutor desse raciocínio,
observamos que a longevidade dessa linha de pesquisa dentro da ciência geográfica é
bastante significativa.
Claval (2002, 2011) ainda indica que essa corrente do pensamento geográfico se
desenvolveu em três fases. A primeira fase, deu-se entre o desfecho do século dezenove
e os anos 1950 e a concepção de cultura tomada como parâmetro pelos geógrafos “dizia
respeito aos meios usados pelos grupos humanos para modificar o ambiente” (CLAVAL,
2011, p.19). Nesse período destacaram-se os estudos das paisagens humanizadas, das
relações sociais – os gêneros de vida – e da organização regional. Os trabalhos
geográficos dessa corrente de pensamento fundavam-se nesse entendimento do conceito
de cultura como um conjunto de técnicas e recursos para a ação humana sobre o ambiente,
revelando sua configuração espacial.
Na segunda fase, no período entre as décadas de 1960 e 1970, as pesquisas
geográficas focavam numa abordagem estruturalista da cultura. Mais especificamente, na
permanência das estruturas e “a subjetividade humana não apareceu mais como um
domínio fora do campo da pesquisa nas ciências sociais”. (CLAVAL, 2011 , p.7). A
cultura passou a ser entendida a partir de estruturas simbólicas coletivas e que
apresentavam características que persistiam por longa duração entre os grupos humano s
a que se referiam.
No período em que Claval denominou de terceira fase, a partir dos anos 1980, os
geógrafos lançaram mão de num novo entendimento do que é cultura. A partir das
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reflexões advindas dos trabalhos de Raymond Williams (1921-1988)4 e Stuart Hall (1932-
2014)5, que propuseram uma compreensão de cultura como “...um instrumento de
dominação, usado pelas classes mais altas para impor às classes mais baixas
comportamentos conforme seus interesses” (CLAVAL, 2011, p.08). Podemos notar que
houve a incorporação de concepções advindas do materialismo histórico, como, por
exemplo, os conceitos de classe social e dominação, como importante fator de análise
para a compreensão da espacialização dos fenômenos culturais. Ness e momento os
geógrafos culturais desenvolvem bases epistemológicas no sentido de superar a principal
crítica que enfrentavam: a subjetividade dos trabalhos produzidos. O ser humano
encontrou-se, então, no centro do processo de pesquisa e reconheceu-se os limites que
relacionam subjetividade e objetividade nas pesquisas geográficas. Depreende-se daí que
aquilo que é subjetivo e imaterial – a cultura – age sobre aquilo que é objetivo e material
– as relações de produção e organização social – influindo sobre a espacialização de
objetos. Esse processo de interrelação material/imaterial e objetivo/subjetivo, é
importante para a compreensão das relações de dominação no meio social pois
“...qualquer discussão geográfica deve originar-se do reconhecimento do ambiente como
um fenômeno culturalmente abrangido” (Crosgrove, 1998, p.17).
Sobre a Geografia Humanística Cultural trouxemos a seguir as palavras de Costa,
que assim nos explica:
A visão humanista na Geografia possui a tônica do homem como ser que sente
e possui diferentes imagens dos lugares onde vive ou já viveu, produzindo,
assim, novas perspectivas para o saber geográfico, não sendo apenas um mero
espectador estático que apreende dados físicos e reais. (COSTA, 2012, p.28)
Nossa escala de análise nesse trabalho foi recortada a partir dos sujeitos do
processo de ensino e aprendizagem: os seres humanos. No entanto, não é nossa intenção
produzirmos uma Geografia particular e subjetiva. Levamos em consideração as teorias
que, conforme veremos adiante, consideram o aluno como um ser social e histórico e que
seus saberes prévios provenientes do real vivido podem e devem participar da construção
de um conhecimento ampliado pela experiência escolar.
Corroborando essa perspectiva sobre essa corrente do pensamento geográfico
podemos citar as postulações de Claval:
4
Escritor e crítico inglês.
5
Sociólogo jamaicano.
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permitir a rearticulação, uma nova totalização consciente de suas partes, como foi
preconizado por Descartes (2004).
Para assumirmos a tarefa de ensinar geografia, leva-se em conta o pressuposto que
é essencial “[...] entender a experiência dos homens no meio ambiente e social,
compreender a significação que estes impõem ao meio ambiente e o sentido dado às suas
vidas” (CLAVAL, 2002, p.20). Sem considerar o sentido e o significado da Geografia
enquanto disciplina escolar na vida dos estudantes, a tarefa do Professor de Geografia
torna-se esvaziada para todos os atores do processo de ensino e aprendizagem.
É, portanto, a partir da perspectiva dos pressupostos teóricos da Geografia
Humanística Cultural que passaremos a considerar a Aprendizagem Significativa como a
meta do professor de Geografia.
Até esse ponto, conceituamos e exploramos o significado de geograficidade e a
história desse conceito, propondo tratá-lo enquanto categoria de análise. Na sequência,
colheremos elementos que poderão subsidiar para a operacionalização de nossas análises
no contexto do ensino e aprendizagem de Geografia.
de texto são fundamentais para a compreensão das matérias escolares, quaisquer que
sejam essas matérias. A possibilidade de situar uma questão geográfica num texto literário
se apresenta como uma forma de estimularmos o raciocínio espacial, que transcende as
fronteiras das disciplinas escolares.
Sobre a transversalidade e a interdisciplinaridade, Pontuschka, Paganelli e Cacete
(2009) afirmam que, para atingir-se os objetivos de aprendizagem que dispõem os PCNs
(BRASIL, 1998a) quando se referem à disciplina geográfica, “uma disciplina parcelar não
consegue lidar com todos esses tipos de conteúdo, e disso decorre a necessidade de pensar
em outros métodos e princípios que conjuguem esforços integrados para conseguir formar
o homem inteiro, propiciando uma educação integral” (p.109). A proposição que
trouxemos nesse trabalho de conclusão de curso foi motivada pelo interesse em explorar
as possíveis conexões interdisciplinares entre Literatura e Geografia no âmbito do EF-II.
Mas, o que é interdisciplinaridade?
Sommerman (2006) afirma que a interdisciplinaridade é mais do que juntar duas
ou mais disciplinas num projeto de ensino. É propor um método de pesquisa e de ensino
em que seja possível integrar mutuamente e intencionalmente a comunicação de ideias,
de conceitos, de epistemologia, de terminologia e de procedimentos. Portanto, podemos
afirmar que interdisciplinaridade é um trabalho coletivo tanto de professores, que
necessitam trocar coordenadamente entre si seus aportes teóricos e metodológicos para
que possam construir propostas de trabalho que atinjam os resultados esperados, quanto
um trabalho coletivo dos estudantes, que trocam também ideias e saberes que possam
contribuir na sistematização dos conhecimentos inter-relacionados. É a construção de
diálogos entre as disciplinas e entre os sujeitos com o objetivo de promover a efetividade
da aprendizagem.
Nesse sentido, ainda, Sommerman constata que: “O interdisciplinar consiste num
tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente
estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente,
ao mesmo tempo diversificado e unificado.” (SOMMERMAN, 2006, p. 30). Quando
pensamos no ambiente escolar e em sua heterogeneidade, consideramos que as propostas
interdisciplinares têm grande potencial para dinamizar e fortalecer o processo de ensino
e aprendizagem, processo esse que modifica-se na medida em que também se modificam
as aspirações dos grupos sociais e, assim sendo, deve sempre ser objeto de discussão,
(re)construção, ampliação e qualificação. Reorganizar os saberes escolares conjuntamente
24
Ou seja, da mesma maneira que fracionamos uma matéria para que essa possa ser
analisada e compreendida em sua especificidade, é necessário que a escola proporcione
as condições para uma nova síntese na construção do conhecimento. Propostas
interdisciplinares são ferramentas para auxiliar o aluno no desenvolvimento do olhar
espacial, uma vez que buscamos observar o mesmo objeto – o livro – por dois ângulos
diferentes – o literário e o geográfico – e complementares. A comparação entre a narrativa
ficcional e a realidade que rodeia os sujeitos é importante exercício no desenvolvimento
desse olhar espacial e, por conseguinte, geográfico.
As professoras Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) indicam que muitas das
instituições de ensino, tanto públicas quanto particulares, encontram dificuldades em
implementarem ações pedagógicas que superem o parcelamento disciplinar de seus
currículos e, com elas concordamos.
No processo de reflexão sobre esse assunto, assentimos também as considerações
de Callai, quando argumenta:
Vemos, a partir desse enunciado, que recurso didático pode ser todo o instrumento
do qual o professor pode valer-se numa situação de aprendizagem que possa contribuir
pedagogicamente com a construção do conhecimento escolar. Podemos depreender,
ainda, que recurso didático é o material selecionado para que o processo de ensino e
aprendizagem possa se concretizar, mediando-o e tornando-o acessível e significativo.
6
Entre os educadores brasileiros, faz-se comum a compreensão que os PCNs são componentes de políticas
curriculares produzidas num contexto histórico, político e socioeconômico de avanço neoliberal, aqui
consideradas as análises tecidas por Zanardini (2003) e Pontuschka, Paganelli, e Cacete (2009) e, pelo exposto,
essas políticas estão mais alinhadas com os objetivos dos atores dominantes da atual fase do modo de produção
capitalista do que com aspirações de formação integral dos seres humanos.
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7
É difícil conceber que possa haver ainda na superfície da Terra algum meio alheio às interações humanas, por
isso o nosso estranhamento quanto à denominação ‘meio natural’.
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Ou seja, podemos depreender que o professor pode e deve lançar mão das diversas
possibilidades de ampliar as fontes de estudos que contribuem com a construção do
conhecimento geográfico de forma que esses conhecimentos se articulem com os
conhecimentos adquiridos nas outras disciplinas escolares. As diversas formas de
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[...] algo delineador de uma Geografia Escolar processual, ou seja, para além de
um mero produto estatal. Uma Geografia capaz de discutir ontologicamente o
papel do sujeito na sociedade, não porque efetua apenas a crítica, mesmo sendo
possivelmente construtiva, mas sim, porque (re) lembra o ser humano
(professores e alunos em especial, pois falamos do espaço escolar) do seu papel
criativo na sociedade, fato esse fomentador da mudança. (CAVALCANTE,
2010, pp.7-8).
conhecimento não se dá de maneira uniforme, por mais que essa seja a esperança dos
professores e demais envolvidos no processo de escolarização. Cada aluno desenvolve -se
e constrói seu aprendizado em tempo e modo próprios, num processo único. Nesse
sentido, a incorporação da diversidade de metodologias e estratégias didáticas e
pedagógicas no ensino em geral, e particularmente em Geografia, representa um
acréscimo nas chances desse processo alcançar os objetivos de aprendizagem.
Seguimos adiante reunindo os elementos epistemológicos que alicerçaram nossa
discussão, aprofundando-nos nas disposições veiculadas pelos PCNs.
Considerando que o aluno que cursa o Terceiro Ciclo do EF-II deve ter
desenvolvido um certo domínio da comunicação pela escrita, bem como um certo grau de
compreensão pela leitura, esses recursos operatórios devem ser estimulados através de
atividades que permitam a socialização de seus pensamentos e opiniões através produções
textuais quer seja de maneira individual ou coletiva (BRASIL, 1998b, p.52) a fim de que
esses alunos conquistem desenvoltura na execução dessas atividades. Tais exercícios são
de vultuosa relevância tanto no processo de ensino e aprendizagem de Geografia quanto
nas demais disciplinas escolares para uma formação que propicie autonomia aos sujeitos
da educação básica.
Diante dessas considerações, optamos por reproduzir as sugestões curriculares
presentes nos PCNs para a área de Geografia, enquanto disciplina escolar, através da
elaboração do Quadro 1 - Conteúdos Sugeridos pelos PCNs para o Terceiro Ciclo. Dessa
forma, concebemos que nos é permitida uma visualização objetiva das temáticas e dos
conteúdos propostos para o Terceiro Ciclo do EF-II.
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David Ausubel (1918-2008) apresentou, em 1968, sua teoria sobre aprendizagem significativa na obra
intitulada: ‘A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel’. A obra foi publicada no Brasil em 1982
pela Editora Moraes.
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Ou seja, a autora nos alerta para a premissa que deve estar contemplada no
horizonte dos professores, em seus planos de trabalho, que, ao estabelecerem como
objetivo a aprendizagem significativa, haverá diversas possibilidades de conflito. Diante
dessas possibilidades, o professor precisa preparar-se para a mediação desses conflitos
antes de lançar mão de alternativas metodológicas que fujam daquelas habitualmente
estabelecidas no âmbito escolar.
Antunes (2001) indica o uso de “associações e contextualizações” como
ferramentas para atingir a aprendizagem significativa. A proposta de Furlan (2005)
designa a construção de projetos intencionalmente desafiadores sobre questões presentes
no cotidiano do aluno. Castellar (2005) analisa a aprendizagem significativa em Geografia
à luz da teoria piagetiana da aprendizagem e propõe a Cartografia como potencial
procedimento ou estratégia para trabalhar o “pensamento simbólico representacional”
(p.45). Já Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) estabelecem a transversalidade e
interdisciplinaridade, o tema gerador como articulador de projetos, o estudo do meio e a
incorporação, no ensino de Geografia, de diversas linguagens, como a literatura, o
cinema, as representações gráficas e cartográficas para além do livro didático como forma
de propiciar aos alunos condições para chegarem a uma aprendizagem significativa.
Após reunirmos os elementos teóricos que balizam nossa discussão, partimos para
o ponto que representa o principal sustentáculo da ação propositiva desse trabalho: como
trabalhar com literatura para atingir os objetivos de ensino e aprendizagem de Geografia
no Terceiro Ciclo do EF-II? Nesse ponto, nossos esforços direcionam-se para dirimir essa
questão.
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[...] assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o
sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura.
[...] Vista deste modo a literatura aparece claramente como uma manifestação
universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem
que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com
alguma espécie de fabulação. (CÂNDIDO apud PETIT, 2009, p.42)9
9
Tomamos contato com “O Direito à Literatura”, ensaio datado de 1998 e escrito pelo Professor, Sociólogo e
crítico literário, Antônio Cândido (1918-2017) através das citações presentes em “A Arte de Ler: ou como resistir
à adversidade”, de Michèle Petit, antropóloga e pesquisadora do Laboratório de Dinâmicas Sociais e
Recomposição dos Espaços, do Centre National de la Recherche Scientifique, na França.
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consequência, almeja-se que esse aluno deixe de depender das explicações externas para
compor o seu repertório de interpretação do mundo e da realidade social, dando-lhe ainda
condições de interagir autonomamente com essa sociedade em que está inserido.
Com base em Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) podemos levantar algumas
das finalidades da análise textual em aulas de Geografia, como por exemplo, o
aprendizado da leitura, a familiarização com conceitos e com o vocabulário técnico
específico da ciência geográfica, bem como a compreensão de raciocínio, argumentação
e conclusões dos autores.
Já, a partir de Castellar e Vilhena (2010), nos defrontamos com análise detalhadas
sobre os possíveis ganhos que os aportes textuais podem oferecer ao processo de ensino
e aprendizagem, como um todo, e suas contribuições específicas à disciplina geográfica,
como podemos observar a seguir, no ‘Quadro 2 – Operações e processos mentais
desenvolvidos no processo de construção da Competência Leitora’. As autoras propõem
a utilização de diferentes linguagens em sala de aula e oferecem orientações específicas
que podem balizar a construção de planos de aula, sequências didáticas ou mesmo projetos
educativos que articulam Literatura e Geografia, entre outros dispositivos culturais que
estão presentes no cotidiano dos alunos e, a partir do olhar pedagógico, podem adquirir
outra dimensão dentro dos processos que estruturam a construção do conhecimento.
Na própria redação dos PCNs há a referência à condição favorável que a associação
entre Geografia e Literatura pode manifestar quando utilizada no processo de ensino e
aprendizagem:
As relações espaciais que são desenvolvidas nas obras literárias podem ser
instigantes para os alunos porque permitem uma apreciação não usual da Geografia. Num
momento em que os professores disputam a atenção dos estudantes com tantas outras
situações que parecem mais atraentes, estratégias diferenciadas podem ser consideradas
com a finalidade de desenvolver-se aulas que mobilizem a atenção dos alunos.
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mesmo que ambos, sujeito e espaço, sejam ficcionais, e ativa a capacidade de pensamento
sobre o espaço que, por consequência, podemos dizer que ativa o pensar geográfico desses
leitores. Tuan, ao analisar as correlações entre habilidade espacial, conhecimento e lugar
(2013, p.89-108) afirma que “o conhecimento consciente pode até atrapalhar o
desempenho de uma habilidade” e ainda que “fazemos muitas coisas eficientemente sem
ter que pensar, por puro hábito”. Não concordamos com essas considerações desse
geógrafo, pois é necessário mobilizar-se continuamente o pensar geográfico tanto para o
desenvolvimento das habilidades espaciais quanto para a vivência humana, pois o espaço
geográfico não é estático e está inserido num movimento de constante construção e
reconstrução, dinamizado por um processo histórico. Seguindo essa linha de pensamento,
podemos sustentar que na ideia de ‘hábito’ já está traduzida uma rotina de práticas da
qual que o pensar – espacial – foi sistematicamente mobilizado.
Quando ajustamos nosso foco para a Literatura produzida para crianças e jovens,
vemos que Costa aponta que as obras desse gênero discursivo são pensadas para atingir
os leitores nessa faixa etária e “não só podem, mas devem ser utilizados como rico
material a ser interpretado à luz das várias representações do espaço.” (2012, p. 14).
Mas, dialogamos com a perspectiva de problematização quanto aos gêneros
discursivos que advém da análise de obras literárias levantada em ‘Violência e identidade
em ―O bife e a pipoca‖, de Lygia Bojunga’, na qual as autoras afirmam que “A liberdade
que a Literatura proporciona aos artistas dificulta o trabalho dos teóricos e críticos que
buscam maneiras de classificação formal dos textos, pois parece que sempre escapam
algumas exceções.” (DA ROCHA LARANJA e NIGRO, 2015, p.75). Assim observadas as
produções literárias tratam de construções narrativas cujo potencial pode abranger diferentes
públicos.
Voltando-nos novamente para os estudos produzidos na perspectiva interdisciplinar
para qual confluem Literatura e Geografia, podemos observar que:
10
A edição da Melhoramentos (2017) é enriquecida com capítulos que tratam da biografia de Saint-Exupéry e
Mário Quintana, além da história da tradução e do contexto em que obra e tradução foram elaboradas.
11
Disponível em <<https://www.antoinedesaintexupery.com/>>.
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Guerra Mundial, em 31 de Julho de 1944. Nesse contexto, foi dado como morto. Em 1988,
um pescador encontrou sua pulseira no Mar Mediterrâneo. Em 2000, os destroços do
Lockheed P-38 Lightning – mesmo tipo de aeronave que Saint-Exupéry pilotava quando
desapareceu – foram localizados próximo dali. Foi o terceiro filho de Marie Boyler de
Foscolombe de Saint-Exupéry (1875-1972) e de Jean Saint-Exupéry (1863-1904),
Visconde de Saint-Exupéry. O casal teve ao todo cinco filhos: Marie-Madeleine (1897),
Simone (1898), Antoine (1900), François (1902) e Gabrielle (1903). Seu pai, morreu
também subitamente em 1904, quando retornava de uma viagem.
Além de escritor, jornalista e ilustrador, Antoine de Saint-Exupéry também foi
piloto da aviação civil e militar.
A infância foi passada no castelo da família, onde descreveu em prosa poética a
paisagem que o circundava:
O quarto que Antoine partilhava com o irmão mais novo, François, em Saint -
Maurice-de-Rémens, virado a leste, dava para o imenso jardim do castelo, e, da
janela, distinguiam-se ao longe os cumes arborizados dos montes de Bugey a
despontar das faldas da cordilheira do Jura. É uma paisagem impregnada de uma
magia natural, em que as florestas densas se encontram sempre meio escondidas
pelo nevoeiro do outono ou pelas neblinas do verão, e por vezes cobertas de
neve. Na pureza cristalina do início da primavera, o vale granítico onde corre o
estreito e tumultuoso rio Albarine parece ao alcance da mão.
Aos olhos de uma criança, as colinas escuras eram uma terra estranha com os
seus próprios mistérios e segredos. Da sua janela, Antoine observava, mais além
das vinhas e das pastagens suaves que principiavam nos limites do jardim do
castelo da família, os distantes cerros escarpados onde o Homem, desde há dois
mil anos, se tinha entregado a combater a natureza ou as invasões inimigas.
Quase em frente do castelo, Antoine podia contemplar a imponente torre de
Saint-Denis, erguida como sentinela à entrada do estreito vale, e a antiga estrada
romana que ia de Lyon a Genebra. Mais oculta dos olhares, mas mais
impressionante, erguia-se uma enorme fortaleza quadrangular conhecida como
Les Allymes, cuja silhueta amarelada se destacava na floresta circundante.
(WEBSTER, 1994, p. 17)
[...] Guiados pelas estrelas, eles precisam decifrar o oceano, a costa, a selva,
cada curva, cada montanha.
As constelações, em uma época em que as previsões de tempo são apenas
palpites, substituem as bússolas instáveis. Os heróis desafiam as ventanias e as
cordilheiras, que cobram um alto preço pela audácia: a própria vida. (DRYZUM,
2009, p.32-33)
E, ainda sobre a ideia que resultará na história que até hoje cativa leitores mundo
afora, Dryzum reproduz o momento em sua narração:
2.1.1. Zé Perri?
arraial e que a palavra Campeche seria composta por camp, que significa arraial, mais
pêche, traduzida por pescaria. Em nossa pesquisa, verificamos que a descrição do Mapa
389 Santa Catarina, Ilha e Costa Catarinense de 1779 tem entre seus topônimos a Ilha do
Campeche (ULTRAMARINO, 2011, p.328), o que desmistifica a participação de nosso
autor e seus conterrâneos na escolha do nome que batiza esse lugar.
Nessa pesquisa, nos interessa particularmente os conhecimentos geográficos ,
empiricamente adquiridos, que permitiram aos pioneiros da aviação comercial guiar seus
aviões nas 11 escalas brasileiras: Natal, Recife, Maceió, Caravelas, Vitória, Rio de
Janeiro, Santos, Florianópolis, Porto Alegre e Pelotas, além da base de hidraviões em
Fernando de Noronha.
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12
Disponível em: https://amab-zeperri.com/exposicoes/santos/. Acesso em: 10/06/2019.
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Saint-Exupéry, nascido em 1900, teve a vida marcada por duas Guerras Mundiais.
Na Primeira Grande Guerra sua mãe o enviou para um colégio interno em Friburgo, na
Suíça. Sua adolescência transcorreu na distância da família.
Sobre a primeira metade do século XX, Hobsbawm (1991) reconhece a
singularidade da escala das guerras travadas nesse período dentro da experiência humana .
Os conflitos iniciados na Europa nesse início de século abarcaram geopoliticamente
quase a totalidade dos Estados-Nação, distribuindo suas nefastas consequências, em
maior ou menor grau, sobre todos os países.
Paxton (2007) conclui que a ascensão do totalitarismo, fenômeno intrinsicamente
vinculado à Segunda Guerra Mundial, somente se concretizou devido ao contexto
histórico, sendo resultado de “um declínio moral agravado pelos deslocamentos da
Primeira Grande Guerra” (p. 21), e, nesse entendimento, faz coro ao conjunto de
historiadores que consideram ambas as contendas como a continuidade de questões
surgidas de disputas territoriais que se relacionavam e não foram resolvidas ao final do
primeiro conflito.
Após sua primeira participação no conflito entre 1940 e o Armistício que dividiu
a França sob domínio nazista, Saint-Exupéry foi viver no exílio. Mas sua vivência foi
colorida pela militância antifascista.
Tal posição pode ser constatada em sua produção literária que precede “O Pequeno
Príncipe”, pois Terra dos homens (1939), Piloto de guerra (1942) e Cartas a Um Refém
(1943) fizeram enorme sucesso tanto pelo talento literário de seu autor, quanto pela
temática e a forma como foi tratada. O interesse do grande público e da crítica pelas obras
acima citadas também foi despertado por sua atualidade diante da conjuntura geopolítica.
Nos limitaremos, no âmbito desse estudo, a exemplificar a vinculação entre “O
Pequeno Príncipe” e o contexto histórico apontando dois elementos emblemáticos do
livro objeto dessa monografia.
O primeiro elemento que destacamos está presente na dedicatória: “a Leon Werth
[...] meu amigo [que] vive na França, onde agora está passando fome e frio. Necessita
53
O segundo elemento que despertou nossa atenção para o vínculo com a mensagem
historicamente datada de “O Pequeno Príncipe” advém da ilustração, da observação das
tantas estrelas amarelas que a aquarela de Saint-Exupéry perpetuou ao longo das páginas
- da ilustração da capa até à última página do livro.
A partir de 1941, na Alemanha de Hitler torna-se obrigatório o uso da braçadeira
com a Estrela de Davi na cor amarela para todos os judeus, adultos ou crianças. (DE
ALENCAR BARBOSA, 2016, p.4).
E, textualmente, Saint-Exupéry afirma sobre as estrelas:
- Todos os homens têm as estrelas – respondeu ele. – Mas as estrelas não são a
mesma coisa para todos os homens. Para alguns, os viajantes, as estrelas são
guias. Para outros não passam de coisinhas que brilham no céu. Para outros, os
sábios, são problemas. Para o homem de negócios eram riquezas. Mas essas
estrelas são todas silenciosas. Você.. apenas você.. terá estrelas como ninguém
nuca as teve...
- Que queres dizer tu?
- Em uma das estrelas estarei vivendo. Em uma delas estarei eu rindo. E, quando
à noite você olhar para o céu, será como se todas as estrelas rissem... Você...
apenas você... terá estrelas que podem rir! (SAINT-EXUPÉRY, 2017, p.101)
Quando começamos a esboçar o projeto que deu origem a esse estudo, deparamos
com uma dúvida: dentre todas as traduções e edições de “O Pequeno Príncipe”
disponíveis no mercado, qual seria a mais adequada para o nosso trabalho?
Tendo em vista que essa monografia pretende resultar numa proposta
interdisciplinar e considerando que Suzuki (2006) indica como as análises geográficas
poderão ser adensadas com recursos de descrição e caracterização trabalhados nas obras
literária, optamos pela edição traduzida por Mário Quintana (1906-1994).
Desde 1934, Quintana publicou traduções de obras de autoria de Virgínia Wolf,
Guy de Maupassant, André Gide, Aldous Huxley, Voltaire, Honoré de Balzac e Marcel
Proust, entre outros (SAINT-EXUPÉRY, 2017, p.127). Sua produção própria também foi
reconhecida por crítica e público. A contribuição de Quintana no panorama literário
brasileiro é de inestimável expressão:
O currículo literato de Quintana, tão reconhecido por suas traduções, aliada à sua
disposição em escrever para o público infantil, são os fatores que consubstanciaram a
seleção da edição de 2017:
O narrador começa por falar dos acontecimentos de sua infância: “uma esplêndida
estampa em um livro intitulado Verdadeiras Histórias da Natureza, à cerca da floresta
primitiva” (Saint-Exupéry, 2017, p.13).
O fascínio exercido pelas descobertas proporcionadas pelo livro serve de incentivo
para seu primeiro desenho.
Tratava-se de uma cobra do tipo jiboia – boa na tradução de Quintana - que havia
engolido um elefante inteiro.
Embora muito satisfeito com o resultado, o seu desenho não é compreendido. O
narrador é dissuadido da ideia de produzir desenhos e é aconselhado a dedicar-se a coisas
mais importantes como geografia, história, aritmética e gramática.
Desse modo, escolhe pilotar aviões.
Já adulto, é vitimado por um acidente enquanto sobrevoava o deserto do Saara.
No amanhecer do dia seguinte à queda de seu avião, é acordado por um garotinho
que lhe pede para desenhar um cordeirinho. Assustado, o narrador pergunta -lhe o que
está fazendo ali, mas o garoto insiste no pedido pelo desenho sem responder.
Após algumas tentativas e rejeições de desenhos que não atendiam ao pedido –
cordeirinho pesteado, carneiro adulto e com chifres ou muito velho – o narrador desenha
uma caixa e oferece a explicação: “- Isso é apenas a caixa dele. O cordeiro que o
amiguinho encomendou está aí dentro” (Saint-Exupéry, 2017, p.20).
Para sua surpresa o garoto aceitou e ficou felicíssimo com o cordeiro dentro da
caixa, rapidamente afeiçoando-se ao animal.
O garotinho - ao qual nos referiremos daqui por diante pela alcunha de Pequeno
Príncipe - deixa escapar, enigmaticamente que vem de um pequeno planeta. O narrador
supõe que o planetinha seja o asteroide B-612.
Dia a dia, a amizade entre o narrador - que chamaremos de Piloto - e o Pequeno
Príncipe vai crescendo. O Piloto descobre, numa conversa com seu novo amigo, que o
cordeirinho teria a função de comer os pequenos arbustos que nasciam, em especial os
baobás, cujas raízes ameaçavam a continuidade de seu pequeno planeta.
57
que assim a torna tão importante” [...] “somente com o coração é que se pode ver direito;
o que é essencial é invisível para os olhos” (Saint-Exupéry, 2017, p.85).
Partindo, o Pequeno Príncipe conhece o guarda-chaves, responsável pelo
embarque de passageiros no trem, e um comerciante que vendia pílulas para matar a sede.
Ambos demonstram a preocupação com a passagem do tempo.
No oitavo dia após o acidente, o Piloto e o Pequeno Príncipe partiram em busca de
um poço. Sedentos, ambos caminham até o anoitecer, quando o menino adormec e e o
Piloto o carrega. No amanhecer do dia seguinte, encontram o poço.
Após saciarem a sede, o garotinho convence o Piloto a voltar para consertar a
aeronave. Fazia um ano que o Pequeno Príncipe havia chegado à Terra e, saudoso de seu
planeta, resolveu retornar.
O Piloto compreendeu, por fim, que o garotinho havia decidido recorrer à Cobra
para viajar de volta ao seu planetinha. Apesar dos argumentos do amigo, o Pequeno
Príncipe justificou sua decisão afirmando que sua flor precisava dele para proteg ê-la.
Despediu-se do Piloto e caminhou resoluto para o destino que havia escolhido. O Piloto
deduz que seu amigo foi picado pela cobra em silêncio e tombou na areia. Porém, o Piloto
afirma que sabe que o Pequeno Príncipe retornou ao seu planeta porque não encont rou o
corpo na areia, no dia seguinte.
Ao voltar para seus companheiros, resgatado, o Piloto esconde a tristeza da
ausência de seu pequeno amigo, alegando cansaço.
O Piloto encerra sua narrativa com a apreciação do desenho de uma paisagem, “a
mais querida e a mais triste paisagem do mundo” (Saint-Exupéry, 2017, p.108) mas
conserva a esperança de reencontrar o amigo de cabelos de ouro e apela aos viajantes do
deserto africano:
Esperem algum tempo, exatamente debaixo da estrela. Depois, se aparecer uma
criaturinha que ri, que tem cabelos de ouro e que se recusa a responder
perguntas, já saberão quem é. Se isso acontecer, queiram tranquilizar -me logo.
Mandem-me dizer que ele voltou. (Saint-Exupéry, 2017, p.108).
59
2.4.1. As Personagens
Os temas reunidos sob o Eixo 1 são a Geografia como uma possibilidade de leitura
e compreensão do mundo; a construção do espaço: os territórios e os lugares (o tempo da
sociedade e o tempo da natureza); a conquista do lugar como conquista da cidadania.
Dentro desse eixo temático, vemos a possibilidade de criar uma situação de ensino
e aprendizagem a partir dos fatos narrados no capítulo XIX, por exemplo, em que o
personagem principal sobe uma montanha na expectativa de ver toda a Terra e seus
habitantes, mas, ao não avistar as pessoas e observar somente picos rochosos, o
personagem conclui que a Terra é um planeta estranho ( SAINT-EXUPÉRY, 2017, p.76).
A partir da leitura desse trecho, o professor pode indagar como esse personagem apreende
e descreve uma determinada porção do espaço, abarcada pelos seus sentidos, e solicitar
aos seus alunos que registrem suas conclusões. Para realizar essa ação, o estudante estará
desenvolvendo operações e processos mentais atrelados à competência leitora e à
produção de texto apontadas por Castellar e Vilhena (2010), como identificar, isolar,
reproduzir, decodificar e ordenar ideias.
Sabendo-se que essa descrição é uma das formas de representação do espaço
geográfico, vemos a viabilidade de começar a construir, em conjunto com a turma, o
conceito de paisagem e buscar identificar quais os elementos que a compõe, fazendo sua
leitura, mobilizando-se a capacidade do aluno de ordenar ideias, levantar hipóteses e
64
viagem até a Terra. Cada um dos planetas visitados tem características e habitantes
diferentes entre si. É verossímil estabelecer uma analogia entre planetas – como
apresentados no livro – e Estados Nacionais. Nesse exercício, vemos elementos que
apontam para a delinear estratégias que levem à construção dos conceitos de território e
lugar, por comparação e diferenciação, e novamente, voltamos a trabalhar com o
desenvolvimento e operacionalização de processos mentais organizados no Quadro 2 –
Operação e processos mentais desenvolvidos no processo de construção da Competência
Leitora.
Considerando-se ainda as especificidades dos espaços apontados na sequência dos
Capítulos X a XVI de “O Pequeno Príncipe”, pode-se explorar temáticas relacionadas às
transformações do espaço geográfico derivadas da Revolução Industrial e do sistema de
produção capitalista, como especialização produtiva, divisão internacional do trabalho e
sobreacumulação. Tais temas podem ser retomados na leitura do Capítulo XXIII, que trata
do vendedor de pílulas para matar a sede, cujo objetivo é economizar tempo, e as
considerações do personagem principal, que rebate o vendedor afirmando que preferia
usar o tempo para encontrar uma fonte de água fresca ( SAINT-EXUPÉRY, 2017, p.88).
Vemos nesse trecho, ser possível tratar também de temas como o tempo social e tempo
da natureza. Levantar o assunto do consumo responsável, a partir da leitura desses
capítulos também é um diálogo possível com os temas transversais indicados nos PCNs
(1998a).
Sob o Eixo 2 do Terceiro Ciclo dos PCNs, agrupam-se os temas sobre o estudo da
natureza e sua importância para o homem; os fenômenos naturais, sua regularidade e
possibilidade de previsão pelo homem; e a natureza e as questões socioambientais.
Nesse âmbito, enxergamos que algumas possibilidades podem ser contempladas
em conjunto com o que já delineamos no item anterior, como as relações com o clima e
com o relevo.
Pensando-se na regularidade dos fenômenos naturais, transcreveremos a seguir um
diálogo, um trecho do capítulo VI:
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
suicida do personagem principal. Isso nos atentou para o fato que existem t emas
classificados como impróprios na Literatura para crianças e jovens, como os chamados
“temas fraturantes” 13 ou as obras classificadas como “sick-lit”14. Assuntos até
recentemente considerados tabus, não devem ser negados ou escondidos dos sujeitos que
ainda não atingiram a idade adulta, mas a sua leitura deve ser mediada pelos pais ou
professores. Mesmo que, em nossa interpretação, não encontramos com clareza que
elementos que demonstrem o suicídio do Pequeno Príncipe, estamos diante da
possibilidade de discutir a temática da conscientização da valorização da vida e da
prevenção do suicídio. Tal responsabilidade deverá estar subsidiada por orientação de
profissionais da saúde mental e por políticas públicas orientadas para esse fim.
13
De acordo com BARROS e AZEVEDO em Literatura infantil e temas difíceis: mediação e recepção (Em Aberto,
v. 32, n. 105, 2019), assim são denominados temas como guerra, morte e bulling.
14
Conforme SILVEIRA e SILVEIRA, em Doença e Juventude na Sick-Lit.(Em Aberto, v. 32, n. 105, 2019),
“sick-lit” é um subgênero da literatura contemporânea para jovens adultos, que tem se popularizado entre os
leitores adolescentes que leem, escrevem críticas nas redes sociais e aguardam ansiosamente por adaptações
cinematográficas das obras literárias.
72
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74
1. Identificação
Disciplina: Geografia
2. Tema
Fusos Horários
3. Conteúdos
4. Objetivos
5. Desenvolvimento
5.2 Problematização
A partir do mapa de Fusos Horários Brasileiros (Figura 2), apresentar quantos e quais
são os fusos horários adotados no Brasil, em função da extensão longitudinal e dos
meridianos que cortam o território brasileiro e explicar a adoção mais de um fuso horário.
Indicar quais as unidades da federação adotam mais de um fuso horário como hora
oficial e o porquê.
Apresentar o mapa da Hora Legal utilizada no Brasil (Figura 2 – Hora Legal
Brasileira).
Recursos: Giz, lousa e Mapas: Figura 1 - Fusos Horários e Figura 2 – Hora Legal
Brasileira.
77
6. Avaliação
7. Referências