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1a EDIÇÃO ORGANIZAÇÃO

BRASÍLIA Luiz Eduardo Sarmento Araujo


IAB-DF Mariana Roberti Bomtempo
2019 Daniel Bruno Vieira de Melo
Manuella de Carvalho Coelho
Sandra Maria França Marinho

Apoio: Patrocínio:
Dedicamos este registro de vivências à memória de Demetre Anastassakis e
Marielle Franco, que tanto lutaram para que as pessoas mais pobres tivessem
o direito à cidade e à moradia digna; à memória do mestre Clóvis Ilgenfritz,
que começou essa experiência toda e nos instigou a pensar modelos para
garantir que o direito à assistência técnica exista de fato e a Gilson Paranhos,
que nos liderou e muito nos ensina.
FICHA TÉCNICA Assistência Técnica em Urbanismo e Arquitetura de Interesse Social
Anotações sobre o processo de imersão da equipe técnica da CODHAB
nas periferias do Distrito Federal - 2015-2018

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Agência Brasileira do ISBN - Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971 organização Luiz Eduardo Sarmento Araujo entrevistas Luiz Eduardo Sarmento Araujo
Mariana Roberti Bomtempo Manuella de Carvalho Coelho
Daniel Bruno Vieira de Melo Mariana Roberti Bomtempo
A848 Assistência Técnica em Urbanismo e Arquitetura de Interesse Social: Anotações Manuella de Carvalho Coelho entrevistado: Gilson Paranhos
sobre o processo de imersão da equipe técnica da CODHAB nas periferias do Sandra Maria França Marinho
Distrito Federal: 2015-2018 / orgs. Luiz Eduardo Sarmento Araujo ... [et al.].
—— 1. ed. —— Brasília: IAB-DF, 2019. Caio Vinícius Sales Fiuza
700 p. ; 23 cm. textos Cristiane Guinâncio Manuella de Carvalho Coelho
Daniel Bruno Vieira de Melo entrevistada: Francisca Ambrósio
Inclui bibliografia. Elisabete França
ISBN 978-65-81385-OO-2 Erick Welson Mendonça colaboração Alfredo Bezerra
Fabiana Lemos Gonçalves Andressa Mendes Guedes de Azevedo
1. Planejamento urbano. 2. Política habitacional - Brasília. 3. Habitação popular. Gustavo Franco Guedes Ariel Francisco Aleixo de Araújo Sebastião
4. Levantamentos habitacionais. 4. Urbanismo. 5. Arquitetura. I. Araujo, Luiz
Isabel Cabral Alencar Caio Vinícius Sales Fiuza
Eduardo Sarmento. II. Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). III. Companhia
de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF). IV. Título. Jessica Costa Spehar Chico Monteiro
José Maycon Estanislau Gabriela Gomes da Silva
CDD 711.4O98174 Liza Maria Souza de Andrade Guilherme Castro
Lucélia Maria Cardoso Duda João Augusto Lima Guedes
Luisa de Lavor Luiz Henrique Ferreira
edição IAB DF dezembro de 2019 Luiz Eduardo Sarmento Araujo Nivaldo Vieira de Andrade Junior
Manuella de Carvalho Coelho Paolo Colosso
Mariana Estevão Pedro Rossi
Mariana Roberti Bomtempo Sofia de Freitas Portugal
Nayanne Moreira Marques
Paulo Silgueiro Cavalcante
* 1 Os conteúdos dos artigos desta publicação são de responsabilidade de seus autores e não neces-
sariamente refletem as opiniões dos organizadores.
Renan Davis
Renata Priscila Oliveira Fonseca
2 A maior parte das imagens foram produzidas pelos próprios autores. Sandra Maria França Marinho
Agradecemos aos fotógrafos Alfredo Bezerra e Luiz Ferreira por terem gentilmente cedido seus acervos,
que foram fundamentais para complementar o conteúdo desta publicação.
revisão textual Chico Monteiro projeto gráfico Daniel Bruno Vieira de Melo
3 Este livro é uma construção coletiva que mobilizou uma quantidade enorme de pessoas, arquivos e
Luisa de Lavor Luiz Eduardo Sarmento Araujo
informações. No caso de alguma eventual falha de creditação, entrar em contato com a organização
para correções e ajustes nas próximas edições.
revisão técnica Luiz Eduardo Sarmento Araujo diagramação Daniel Bruno Vieira de Melo
Contato:
luizeduardosarmento@gmail.com Mariana Roberti Bomtempo e capa
mariana.bomtempo@unb.abea.arq.br
danielbvmelo@gmail.com
manuella.coelho@unb.abea.arq.br
sandra.marinho@unb.abea.arq.br
APRESENTAÇÃO

por Luisa de Lavor, Mariana Bomtempo e Luiz Sarmento

(...) eu penso que realmente nossa arquitetura, como todas as arquiteturas


de sociedades divididas em classe, tem um caráter elitista.
Ela é feita para uma parcela da população, para o estado e, eventualmente para
atender necessidades de caráter social, mas social no sentido de hospitais,
escolas, teatros, estádios, etc. (...). Creio que uma linguagem nova, uma lin-
guagem arquitetônica popular só poderá surgir de uma prática de arquitetura
popular. Quer dizer, no momento em que os arquitetos brasileiros tiverem
oportunidades de exercer as suas potencialidades técnicas e artísticas, as
suas aspirações, como arquitetos, em obras voltadas fundamentalmente para
as classes deserdadas, mais desprovidas, vale dizer, para a maior parte da
população, creio que esta linguagem nascerá
dessa própria prática, desde que a população participe ativamente da formu- Aqui se encontram capítulos com relatos de profissionais que vivenciaram o
lação dos seus programas de necessidades. dia a dia das comunidades atendidas, trabalhando como responsáveis téc-
nicos nos Postos de Assistência Técnica da CODHAB, estruturas montadas
– EDGARD GRAEFF nas zonas de regularização de interesse social mais pobres, distribuídos em
Arquitetura Brasileira Após Brasília/Depoimentos diversas comunidades do Distrito Federal e que funcionavam como escritó-
Edição do IAB-RJ – 1978 rios de arquitetura, urbanismo e atendimento social para a população local.
Esses textos demonstram a diversidade de experiências e a necessidade de
Durante a gestão do arquiteto e urbanista Gilson Paranhos, entre os anos adequação do programa à realidade local e à conjuntura, de modo a garantir
de 2015 e 2018, na Companhia de Desenvolvimento Habitacional, uma sempre o funcionamento do posto, os resultados contínuos e a participação
comprometida equipe de jovens arquitetos e arquitetas-urbanistas partici- da população.
pou de uma inovadora empreitada para colocar em prática a Lei Federal nº
11.888/08 que determina assistência técnica pública e gratuita para famí- Há também artigos com temas adjacentes que fornecem informações sobre
lias de até três salários mínimos. As metodologias adotadas chamaram a o contexto em que a equipe atuou e que motivou a estruturação do trabalho
atenção de diversas entidades representativas da profissão e instituições de assistência técnica. Dentre os autores desses textos, encontram-se Elisa-
de ensino do Brasil e de outros países, para os quais fomos convidados a bete França, arquiteta e urbanista e figura de relevo no tocante à habitação
compartilhar nossas experiências e conhecimentos. Como percebemos o de interesse social e gestão pública do território; Mariana Estevão, arquiteta
quão relevante, diverso e ao mesmo tempo frágil foi esse processo, ao longo e urbanista, empreendedora social e fundadora da inovadora ONG Soluções
dos anos também registramos anotações sobre nossas vivências, e agora Urbanas; as professoras Liza Andrade e Cristiane Guinâncio da Faculdade
com a compilação, organização e revisão de alguns dos integrantes da equi- de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, que coordenam
pe original, construímos esta publicação cuja impressão foi viabilizada pelo grupos de pesquisa e laboratórios de arquitetura e urbanismo de interesse
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal por meio do Edital social; além de depoimentos de arquitetos ativistas, das fileiras do Instituto
de Chamamento Público nº 1/2019, em nome do Instituto de Arquitetos do de Arquitetos do Brasil e do Projeto BR Cidades, como Pedro Rossi e Paolo
Brasil, departamento do Distrito Federal. Colosso e o presidente nacional do IAB Nivaldo Andrade.
A publicação conta também com entrevistas com Gilson Paranhos e Dona Chica, Há um potencial enorme de trabalho e transformação social por meio da
liderança comunitária importante cujo depoimento fornece a perspectiva daqueles atuação de arquitetos e urbanistas imersos na complexidade e contradição
que foram não apenas nossos clientes, mas participantes ativos na transformação das periferias brasileiras, exatamente por essa razão, a Assistência Técnica,
de suas comunidades. além de ser um direito, é também a possibilidade de uma variedade enorme
de formas de atuação, sendo talvez a principal ferramenta para desconstruir
Ao final, apresentamos verbetes sobre temas que envolveram o trabalho da nossa a visão e a prática elitista da profissão.
equipe que complementam a leitura dos capítulos, situando o leitor sobre temas
da cotidianidade das comunidades mais periféricas de Brasília. Apesar de a atuação dessa equipe ter alcançado reconhecimento de im-
portantes entidades e profissionais, esta publicação não pretende fornecer
Esperamos que estas páginas possam ser úteis a quem se disponha a conhecer uma receita de operacionalização de assistência técnica, pelo contrário, ela
a realidade de Brasília para além do Plano Piloto, a vivência dessa equipe que apresenta alguns dos caminhos que adotamos dentre os vários possíveis e
transitava alguns quilômetros por dia para estar imersos nas comunidades que que precisam ser trilhados na implementação da Lei Federal nº 11.888. Há
eram seus objetos de trabalho. O leitor encontrará ainda informações relevantes muito por fazer e, aos poucos, a lei começa a sair do papel. Nos últimos anos,
sobre a nova capital que, em menos de 60 anos, é a terceira maior metrópole uma quantidade significativa de iniciativas de assistência técnica ao habitar
brasileira e da realidade urbana daqueles que vivem literalmente às margens do de origem social surgiram no país. É fundamental que essas experiências
urbanismo formal. sejam registradas e as informações circulem, sejam trocadas, ampliando e
fortalecendo a rede de arquitetos e urbanistas sociais que atuam diretamente
É importante informar que este livro nasceu sem pretensão e rigor acadêmico. É com moradores e comunidades de baixa renda, de modo a ajudar consolidar
antes de mais nada fruto de muita preocupação em registrar as ações oriundas da a prática de ATHIS no Brasil. Pretendemos que, com essas anotações, nosso
privilegiada oportunidade que tivemos de atuar com assistência técnica por meio trabalho seja ainda mais discutido, avaliado, criticado e melhorado. A prática
do Estado, com todas suas contradições, dificuldades e burocracias, mas também da ATHIS precisa ser dinâmica e colaborativa, assim como são as cidades,
com a responsabilidade de fazer o serviço público funcionar e chegar a quem mais e esse direito precisa ser amplamente difundido para ser experimentado e
necessita. Tentamos ser o mais fiéis possíveis ao narrar essas experimentações, reivindicado.
procurando não romantizá-las. Aqui foram expostos os percalços, as dificuldades
e as frustrações do caminho, assim como as recompensas, os avanços e as con- A todos que contribuíram para esta publicação, agradecemos a disponibi-
quistas, que foram muitas. Este é o retrato de um trabalho que, apesar de todos os lidade e o empenho, principalmente aos colegas que formavam a pioneira
desafios, foi recompensador para os técnicos e para as comunidades envolvidas. equipe de ATHIS da CODHAB/DF que tanto se empenharam para construir
A diversidade que irão encontrar nos textos reflete exatamente a diversidade da essa(s) experiência(s) no Governo do Distrito Federal, que ocuparam seus
composição de nossa equipe e do papel fundamental dos moradores das comu- finais de semana, férias e terceiros turnos para se dedicarem a elaboração
nidades atendidas em delinear o andamento dos processos e seus resultados. desse registro. Fica igualmente a nossa gratidão aos colegas que ajudaram
a sedimentar o trabalho o qual temos a satisfação de aqui registrar.
Pretendemos com este livro, em um momento tão conturbado e desanimador da
história do país, ser um incentivo para aqueles que desejam se inserir na construção
coletiva das cidades; para aqueles que pretendem compreender um pouco sobre
como a realidade urbana que afeta a vida das camadas de baixa renda e, principal-
mente, fomentar uma prática da arquitetura e urbanismo voltada para a realidade
da maior parte da população brasileira e para a realidade de nossas cidades, que
desesperadamente precisam de soluções inovadoras e rápidas para que essas
pessoas tenham o mínimo de dignidade. Acreditamos que apenas se atuarmos
diretamente e com a participação ativa da população mais pobre, podemos criar
uma forma nova de arquitetura e urbanismo, contribuindo na construção de
cidades mais justas, resilientes e sustentáveis.
PALAVRA DO IAB/DF

O Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamen- no início dos anos 1960; a criação do capítulo Por isso, apoia esta publicação, que registra um recorte temporal de um
to do Distrito Federal tem a honra de inaugurar pelas políticas urbanas na Constituição de 1988; trabalho, encabeçado por agentes e lideranças que estão em nossas fileiras
sua editora com o lançamento deste livro As- a criação do Estatuto das Cidades; e finalmente a de luta, profissionais que aproveitaram a oportunidade e os instrumentos
sistência Técnica em Urbanismo e Arquitetura edição da Lei 11.888/08, conhecida como Lei da de que dispunham, entre 2015 e 2018, e conseguiram colocar em prática
de Interesse Social - anotações sobre o proces- Assistência Técnica, tema central desta publicação. bandeiras históricas da instituição.
so de imersão da equipe técnica da CODHAB
nas periferias do Distrito Federal 2015-2018. Como entidade mais antiga dos Arquitetos e Urba- As gestões do IAB/DF de 2017 a 2019 e de 2020 a 2022 têm orgulho de editar
nistas brasileiros, o IAB segue na luta pela demo- parte da memória da implantação da assistência técnica em arquitetura e
Ao longo de sua história, o IAB sempre lutou por cracia, pela cultura e pelo direito ao acesso irrestrito urbanismo no DF, cientes de que a ATHIS é um caminho que precisa ser, a cada
cidades mais justas e pela democratização da aos serviços dos profissionais arquitetos e urbanis- dia, incentivado e debatido, para que a prática emergente em nosso campo
arquitetura. Nesse contexto, o IAB/DF protagonizou tas. Enquanto instituição e principal braço político profissional possa encontrar mais terrenos férteis para sua disseminação.
ou fez parte de alguns importantes marcos na e cultural da categoria, o IAB reafirma, portanto,
história do país, a saber: as manifestações contra o que uma de suas principais funções é reverberar O IAB/DF reitera que segue, sem medir esforços, na luta por uma arquitetura
golpe de 1964; as manifestações pela Universidade práticas que vão ao encontro daquilo que acredita e urbanismo sociais, executando e apoiando projetos que reposicionem a pro-
de Brasília e por sua autonomia; a idealização do ser papel dos profissionais perante a sociedade. fissão ao encontro das necessidades da maior parte da população brasileira,
Seminário de Habitação e Reforma Urbana, ainda que é de baixa renda e não encontra soluções para seus problemas sócio-espa-
ciais na prática hegemônica da arquitetura. O Instituto acredita que é possível
avançar na luta pela qualidade arquitetônica, por cidades mais inclusivas e
pela ampliação do conhecimento, da ciência, da democracia e da tecnologia
em relação ao espaço edificado, à construção e ao planejar e transformar.

O urbanismo e a arquitetura pública de qualidade para todas e todos, bandei-


ra histórica e razão da existência do IAB, que luta, desde 1960, em Brasília,
pelos anseios de arquitetos e urbanistas progressistas pela democracia
e por um país melhor, segue sendo a causa principal da instituição. Com
esta publicação, fruto de uma experiência em que a entidade esteve di-
retamente envolvida, por meio de representantes de seu conselho dire-
tor, almejamos ampliar a troca de informações e potencializar os debates
em relação à pratica de uma arquitetura pública, democrática e popular.

Boa leitura.

– INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL, Departamento do Distrito Federal


Célio Melis jr., presidente da gestão Responsabilidade Coletiva (2017-2019)e
Heloisa Moura, presidenta da gestão (Re)existência (2020-2022)
PALAVRA DO CAU/DF

O Deficit Habitacional Urbano no Distrito Federal previsto para 2020 está entre Um exemplo dessa interação é a realização da Jornada de Assistência Téc-
125.990 e 133.839 domicílios. Para 2025, a situação tende a se agravar e nica em Habitação de Interesse Social – JATHIS pelo CAU/DF e entidades
a previsão é que esse haja uma demanda de 151.276 novos domicílios. Os parceiras que, em 2019, alcançou sua terceira edição. Foram sensibilizados
dados são da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e estudantes, professores e coordenadores de Instituições de Ensino Superior
mostram que profissionais, instituições e governantes precisam se mobilizar do Distrito Federal de Arquitetura e Urbanismo e áreas afins em oficinas,
para assegurar a qualidade e o direito à moradia nas cidades. palestras e ações comunitárias que proporcionaram melhorias habitacionais
em Áreas de Regularização de Interesse Social (ARIS).
A Assistência Técnica em Habitações de Interesse Social – ATHIS é um ca-
minho a ser considerado, apesar de ser uma conquista recente da população A repercussão do trabalho desenvolvido e os resultados alcançados com a
brasileira que, em 2008, presenciou a promulgação da Lei Federal n° 11.888 JATHIS têm contribuído não apenas para melhorar a qualidade de vida de
(Lei de Assistência Técnica Pública e Gratuita) assegurar o direito das famílias famílias, trazendo dignidade e moradia adequada a elas, mas também des-
de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto, cons- pertado uma reflexão nos arquitetos e urbanistas sobre o seu papel social
trução, reforma e ampliação de habitação de interesse social. Anos antes, e suas responsabilidades, ampliando sua percepção dos espaços, a fim de
o Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257) regulamentava os instrumentos atender demandas profissionais sem territorialização ou qualquer distinção.
de política urbana da Constituição Federal de 1988. No papel de agentes transformadores das realidades urbana e social, arqui-
tetos e urbanistas têm o compromisso de prestar serviços técnicos sem
Apesar de caminharmos a passos lentos, no intuito de transformar a ATHIS barreiras, porque o valor que a ATHIS traz aos seus beneficiários é mais que
em uma Política de Estado há tempos, de maneira a sistematizar a promoção material, é humanitário. E essa afirmação pode ser constatada no conteúdo
permanente de moradia digna a populações de baixa renda, temos conseguido desta publicação, que está em suas mãos. O livro retrata a história da ATHIS
algumas vitórias importantes. Diante da relevância do tema, os Conselhos no país, com foco no Distrito Federal, seus principais desafios e conquistas,
de Arquitetura e Urbanismo (CAU) de todo o país têm dedicado, desde 2017, mostrando o quão importante e necessária é a assistência técnica para
um percentual de seu orçamento para apoiar iniciativas nessa área no Brasil, a sociedade. Façam uma boa leitura desse material, pois ele pode mudar
tornando a Assistência Técnica mais acessível ao seu público-alvo. também a sua vida pessoal e profissional.

No Distrito Federal, destinamos, inicialmente, 2% da verba orçamentária do


CAU/DF para a implementação de iniciativas que contemplem esse propósito.
Em 2020, esse percentual passará para 3%. Por meio de editais e chamamentos
públicos, buscamos envolver arquitetos e urbanistas, instituições acadêmi-
cas e seus interlocutores, cooperativas, associações, coletivos urbanos e
a sociedade como um todo em intervenções de ATHIS que dialogam com – DANIEL MANGABEIRA é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo
políticas públicas. do Distrito Federal (CAU/DF) durante o triênio 2018-2020.
SUMÁRIO

6 APRESENTAÇÃO

8
10 PALAVRA DO IAB/DF
12 PALAVRA DO CAU/DF
16 PRIMEIRAS IMPRESSÕES
20 A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO DE BRASÍLIA A CONSTRUÇÃO
696 PALAVRA DOS ARQUITETOS DO ARCABOUÇO
698 AGRADECIMENTOS LEGAL E AS

1 2 4
PERSPECTIVAS
PARA O FUTURO

5
682 A CONSTRUÇÃO DO
ARCABOUÇO LEGAL
E AS PERSPECTIVAS

7
PARA O FUTURO
ASSISTÊNCIA 690 PROGRAMA DE

3
ASSISTÊNCIA
TÉCNICA ATORES E
TÉCNICA AO
AÇÕES EXPERIÊNCIAS ESTRATÉGIAS DA PROJETO E

6
CONSTRUÇÃO
36 HISTÓRICO DA URBANAS NO TERRITÓRIO CONSTRUÇÃO
DE MORADIA
ASSISTÊNCIA
COMUNITÁRIAS 140 POSTOS DE POPULAR ECONÔMICA - ATME
TÉCNICA NO BRASIL
ASSISTÊNCIA (1999)
74 AÇÕES URBANAS 536 A ARQUITETURA ENTREVISTAS
TÉCNICA
COMUNITÁRIAS PÚBLICA E SEUS
50 ATHIS — MELHORIAS E DEPOIMENTOS 691 PROGRAMA DE
ATORES
INTRODUÇÃO À ASSISTÊNCIA
78 O PROGRAMA HABITACIONAIS 148 SOL NASCENTE 632 UM PAPO COM
EXPERIÊNCIA NO TÉCNICA À
TRECHO 1 GILSON PARANHOS
DISTRITO FEDERAL 79 OBJETIVOS 114 MELHORIAS 544 ASSISTÊNCIA MORADIA
HABITACIONAIS TÉCNICA COMO ECONÔMICA - ATME
84 QUEM PARTICIPA 218 SOL NASCENTE INVENTÁRIO 662 CONVERSA COM
EXTENSÃO (2002)
TRECHO 2 DONA CHICA
54 ASSISTÊNCIA 84 COMO SE DÁ A 115 O DIREITO À DO COTIDIANO
TÉCNICA NA PARTICIPAÇÃO MORADIA
246 SOL NASCENTE 556 O PONTO DE VISTA 564 SÉRIE DE 694 LEI NACIONAL
CODHAB —
TRECHO 3 + QNR DAS ENGENHARIAS PERCEPÇÕES DE ASSISTÊNCIA
2015-2018 86 A ESCOLHA DO 118 O PAPEL DA
SOBRE O TÉCNICA PÚBLICA
LOCAL COMPANHIA E
274 PÔR DO SOL 560 MOBILIZAÇÃO NA COTIDIANO NA E GRATUITA EM
A ASSISTÊNCIA
COMUNIDADE E PONTA ARQUITETURA E
60 DA IMPORTÂNCIA 88 AS FRENTES DE TÉCNICA COMO 300 ESTRUTURAL
INTERDISCIPLINARIDADE URBANISMO (2008)
DE O PROFISSIONAL TRABALHO PROGRAMA DE
334 PORTO RICO
DE ARQUITETURA GOVERNO
E URBANISMO 104 VOLUNTÁRIOS 380 VILA CAUHY
ESTAR IMERSO:
105 RESULTADOS 122 ESTABELECENDO 420 BURITIZINHO
DA ARQUITETURA E
UMA METODOLOGIA
URBANISMO PARA 110 COMUNIDADES QUE 434 FERCAL
DENTRO DOS
O URBANISMO E CONTINUARAM O
TRÂMITES 486 BRAZLÂNDIA
ARQUITETURA PROCESSO DA AÇÃO
GOVERNAMENTAIS
URBANA 500 SÃO SEBASTIÃO
PRIMEIRAS
IMPRESSÕES

por Mariana Estevão


anteriormente. Pode ser que favoreça a contrata- pela sociedade e isso não será mudado pelo
ção de arquitetos por uma parcela considerável dos combate ao exercício ilegal da profissão, pois
85% que constroem sem profissional habilitado e para a maior parte da população, o arquiteto é, de
que não o fazem por uma falsa ideia de economia. fato, financeiramente inacessível. E somado ao
Entretanto, algumas vezes esse discurso é com- desconhecimento sobre o que o profissional faz,
plementado pela conclusão de que “quem tem ainda existe a crença de que um arquiteto só pro-
16 17
Não precisamos daquilo que não conhecemos. Há quem aponte como causa desse problema a dinheiro para fazer obra, tem dinheiro para pagar jeta, não constrói e que tem como foco soluções
Se a sociedade desconhece a função do arquite- falta de fiscalização, já que o desconhecimento não um arquiteto”, mas essa não é uma argumentação meramente estéticas, tornando-se dispensável.
to, deixamos de ser necessários. Por outro lado, pode ser usado como argumento para justificar verdadeira. Existe uma parcela considerável que Por isso, talvez a ideia de que é um serviço caro
se continuarmos ignorando a enorme parcela da uma prática ilegal. Caberia, então, aos Conselhos constrói por conta própria, na medida das suas prevaleça até mesmo para um eventual cliente
população que constrói por conta própria e vive de Arquitetura e Engenharia, como autarquias Fe- possibilidades e que não tem mesmo como abrir que pudesse pagar pelo serviço. O fato é que
em condições precárias de moradia, “afirmamos” derais, a responsabilidade de impedir essa prática, mão da compra de um saco de cimento para pa- nós arquitetos nos mantemos muito distantes
para a sociedade que o nosso conhecimento e os que se configuraria como exercício ilegal da pro- gar por um projeto. A mesma pesquisa do CAU/ das necessidades da maior parte da sociedade
nossos serviços são dispensáveis. fissão por parte do executor da obra. Digamos BR-Datafolha, revela que entre os entrevistados que e é a mudança dessa postura que fará com que
que os Conselhos, em cada Estado, possuíssem declararam ter contratado profissional habilitado alcancemos a almejada valorização profissional.
Pesquisa promovida pelo CAU/BR e Datafolha a estrutura necessária para regular essa prática para as obras, a opção por arquiteto ou engenheiro
em 2015 revela que 85% das obras no País são e que, com as suas equipes de fiscalização, sim- ficou equilibrada, mas que, apesar da experiência A produção informal que tem por consequência
executadas sem a orientação de arquitetos ou plesmente impedissem a execução de obras que ter sido positiva para quase 80% dos que opta- a precariedade dessas construções resulta em
engenheiros. Esse dado reflete um percentual su- não contassem com um responsável habilitado. O ram por um arquiteto, o perfil predominante foi de diferentes graus de impacto na vida dos usuários
perior à produção habitacional em assentamentos problema não estaria resolvido, pois a população pessoas das classes A e B e com maior nível de desses espaços. Em qualquer situação, uma obra
informais. No entanto, para uma obra ser regu- ainda não teria a quem recorrer para executar suas escolaridade. Em geral, os motivos que levaram sem projeto, sem planejamento e sem supervisão
larizada é exigida a responsabilidade técnica de obras dentro da legalidade, ao menos enquanto à contratação foram o desejo pelo conhecimento técnica representa riscos à segurança durante
um profissional habilitado. As consequências da não fosse efetivada a Lei Federal nº 11.888/2008 específico do profissional. O que não correspon- e após a obra. Esses impactos negativos são
ausência de projeto, planejamento e orientação que, por responsabilidade dos Municípios, garante de aos motivos que levaram à contratação pelos mais duradouros e, em geral, mais graves, tanto
adequada para a realização de obras são fáceis de à população com renda inferior a três salários clientes da classe C, que revelaram terem feito pela quanto menor é o poder aquisitivo da família, pela
identificar e mensurar: baixa qualidade no resulta- mínimos para o projeto o acesso gratuito aos servi- necessidade de cumprimento de exigências legais. impossibilidade de reparar os danos causados
do final em diferentes graus, obras interrompidas ços de arquitetos e engenheiros, para construção A análise criteriosa desse quadro é importante para pela ausência de orientação técnica e pela rápida
por falta de recursos ou de profissionalismo dos e reforma da própria moradia. Ainda assim, um conhecermos o perfil do público que usa os servi- deterioração das obras não concluídas pela falta
executores, desperdício de recursos, adoção de enorme público com renda superior à definida pela ços de um arquiteto, mas ainda mais significativo de recursos.
materiais impróprios ou aplicados sem a técnica Lei permaneceria desassistido. é o resultado das respostas dos que não buscaram
adequada. Mas é nas causas que levam a esse um profissional e os motivos pelos quais não o São poucas as pesquisas que comprovam os
quadro de informalidade e irregularidade com nú- Há quem defenda a fiscalização contra o exercício fizeram e não o fariam: questões financeiras, por riscos à saúde associados às precariedades
meros tão expressivos e com consequências tão ilegal da profissão como forma de promover a acreditarem ser um serviço caro. Outros tantos das moradias, mas alguns dados podem dar a
graves de inadequação habitacional que devemos valorização profissional. Essa fiscalização é uma revelaram julgar desnecessário ou desconhecer dimensão desse problema: em 2007 o Hospital
nos ater para tentar revertê-lo. atribuição do CAU e pode evitar algumas das con- o que faz o profissional. Esses são os motivos da Estadual Mário Covas publicou1 o resultado de
sequências da construção informal mencionadas baixa valorização do profissional de arquitetura uma pesquisa realizada entre 2003 e 2006 que
concluiu que 25% dos atendimentos de lesão do reformar para que cada família viva em condições a construção dessa relação de confiança ao longo do tempo, gerando a “con-
segmento cervical da medula teriam sido causadas mínimas de habitabilidade, que pode nos dar a taminação positiva” de práticas que levam à qualificação gradual e definitiva
por quedas de laje, acometendo jovens do sexo sensação de guerra perdida. A verdade é que en- do ambiente construído.
masculino, em sua maioria. A Secretaria de Saúde quanto não encararmos a nossa responsabilidade
de São Paulo afirma2 que a cada três dias essa pelas áreas onde há produção habitacional e não Os relatos a seguir mostram as dificuldades e sucessos, pela ótica dos arqui-
mesma causa leva uma pessoa a óbito no estado. nos fazemos presentes, estaremos contribuindo tetos que foram responsáveis por cada núcleo instalado nas comunidades
As patologias construtivas relacionadas à umidade para que mais e mais pessoas vivam em condições periféricas do Distrito Federal entre os anos de 2015 e 2018, dessa que é a
são recorrentes em moradias autoconstruídas e inadequadas, e não valorizaremos o nosso poten- experiência mais corajosa e mais realista de política pública de intervenção
a proliferação de fungos leva ao adoecimento do cial de contribuição para a melhoria da qualidade em assentamentos informais que já tivemos no país. Uma experiência que
sistema respiratório, com diferentes níveis de gra- da vida de quem mora nos assentamentos infor- deve servir de exemplo para gestores públicos e para quem defende a viabi-
vidade. Uma pesquisa publicada pela Associação mais. Certamente também não teremos o nosso lização da Lei Federal nº 11.888/2008, de Assistência Técnica pública para
Brasileira de Psicopedagogia associa3 o descon- conhecimento e capacidade de transformação do que famílias de baixa renda tenham orientação técnica no projeto, construção
18 19
forto respiratório do sono da criança a prejuízos ambiente valorizados pela sociedade. e reforma do seu imóvel. A Lei, que em 2018 completou 10 anos, é apontada
no aprendizado e no desempenho escolar. Existem como o SUS da arquitetura. Os textos contidos nessa publicação, no entanto,
ainda estudos que apontam para a relação entre As “Anotações do processo de imersão da equipe comprovam que ela é parte fundamental do que pode vir a ser um Sistema
ambiente e a saúde emocional, desenvolvimento da CODHAB na periferias do Distrito Federal”, reve- Único de Arquitetura e Engenharia, mas que não pode ser defendida como
na primeira infância e desospitalização. Todas lam o tamanho do desafio que temos pela frente medida única para equacionar a gama de questões a serem abordadas no
essas correlações mostram que a inadequação da para tratar adequadamente as áreas de ocupação que diz respeito à garantia do Direito à Moradia. A experiência dessa gestão
moradia traz impactos à saúde que se desdobram informal desse país afora, mas mostram o quão da CODHAB nos mostra uma diretriz e nos dá um panorama sobre como
em impactos econômicos, no desenvolvimento e acertada foi a estratégia de instalação de equipes devemos nos posicionar enquanto classe profissional para garantir a possi-
nas relações sociais. de atuação permanente em cada território, favore- bilidade de exercermos a nossa função social para que tenhamos cidades
cendo a construção em conjunto com a população mais justas, inclusivas e seguras. Cidades melhores e com mais qualidade
A formação tradicional em arquitetura não prepara de cada local, as soluções de intervenção mais de vida para todos.
para o atendimento às reais necessidades desse criativas, mais eficazes e com maior impacto. O
público. Não somos preparados para lidar com papel mais significativo da Assistência Técnica
situações de vulnerabilidade social e com a escas- para Habitação de Interesse Social (ATHIS) não Referências
sez de recursos. Não temos soluções prontas para é regular e determinar o que é possível ou não
corrigir inadequações construtivas decorrentes da de ser executado com base em normas criadas 1. ALEKSANDRA MENDES TEIXEIRA GONÇALVES, LUCIANA NOVAIS ROSA,
construção fora das normas. Também não esta- e aplicadas em áreas de ocupação formal. Para CARLA TEREZA D’ NGELO, CLÁUDIA LUNARDI SAVORDELLI, GISLENE LOPES
mos preparados para abrir mão de certos valores soluções em escala, onde a oferta de recursos é BONIN, ISABELLE MARTINS SQUARCINO, MILTON BORRELLI. Aspectos
associados ao que entendemos como o “papel infinitamente inferior à demanda, a enorme contri- epidemiológicos da lesão medular traumática na área de referência do
do arquiteto”, nem daquilo que entendemos como buição de equipes multidisciplinares de Assistência Hospital Estadual Mário Covas. Arquivos Médicos do ABC, Santo André/SP,
“modo de morar”. Na hora de equacionar os recur- Técnica está na possibilidade de transformação v. 32, no 2, pg. 64-6, 11/2007.
sos disponíveis diante de tantas demandas por dos processos que estão arraigados à cultura da
obras, temos que encarar o desafio de estabelecer construção pela informalidade e isso só é possível 2. NHAN – Nathália - A cada 3 dias, uma pessoa morre ao cair da laje em
prioridades, mas permanecerão sempre dúvidas por meio de processos participativos de fato. SP – 2012. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/a-cada-3-dias-u-
sobre: priorizar com base em quê? Ou como lidar ma-pessoa-morre-ao-cair-da-laje-em-sp/>. Acesso em setembro de 2019.
com todas as outras necessidades que ficarão De forma semelhante à Estratégia Saúde da Famí-
sem ser atendidas? Quando vivenciamos esse lia, em que a população sabe a quem recorrer para 3. RENATA C. DI FRANCESCO. A influência dos distúrbios respiratórios na
problema de perto, percebemos que estamos muito os cuidados do dia a dia com a saúde e passa a dificuldade de aprendizagem. Psicopedagogia – Revista da Associação
despreparados para lidar com suas complexidades. incorporar novos conceitos e práticas em termos Brasileira de Psicopedagogia, ISSN 0103-8486 ISSN (Online) 2179-4057 – v.
Cada casa de cada favela desse país tem tanto a de autocuidado, os núcleos de ATHIS possibilitam 20 – Ed. 63, 2003.
A CONSTRUÇÃO DO
TERRITÓRIO DE BRASÍLIA *

por Mariana Bomtempo

20 21
Brasília foi erguida do zero, e antes de sua construção, a área era ocupada Segundo o antropólogo James Holston, Brasília foi definida para ser uma
predominantemente pelo Cerrado – um dos maiores biomas brasileiros e cidade cujo propósito essencial é administrativo, “com uma absoluta predo-
considerado um dos mais ricos tipos de savana do mundo. Esse bioma foi minância dos interesses dos servidores públicos e suas famílias” (HOLSTON,
tratado como uma tabula rasa, completamente destruído e remodelado para 1989, p. 279, tradução nossa), não havendo a preocupação em receber
que a cidade fosse edificada. Houve muita polêmica em relação ao desloca- outros tipos de moradores. Ignorando o fato de as cidades serem locais de
mento da capital do Brasil a um território antes pouco explorado e distante construção coletiva, a Lei Orgânica de Brasília, à época, privava os habitantes
dos principais núcleos urbanos existentes. Naquele tempo, existiam alguns de qualquer tipo de participação social. Destacava-se o fato de não haver
pequenos municípios ao redor da área onde o Plano Piloto de Brasília seria eleições diretas para os representantes locais, sob o argumento de que “a
construído, que agora fazem parte da cidade de Brasília ou de sua região participação direta dos habitantes do DF em campanhas políticas impediria
metropolitana. Hoje em dia, Brasília é a terceira cidade mais populosa do que o governo federal se dedicasse inteiramente às soluções dos grandes
país e mais um triste reflexo da profunda desigualdade socioeconômica no problemas nacionais” (Ibidem, p. 276, tradução nossa). Até os anos 1990, a
tecido urbano brasileiro. figura do prefeito de Brasília, posteriormente governador do Distrito Federal,
era uma indicação direta do Presidente da República.
Grande parte das cidades do mundo foi e continua a ser desenvolvida sem
participação social. Brasília não apenas seguiu o mesmo modelo, como O Plano Piloto, principal núcleo da cidade, foi planejado de acordo com o
também teve aspectos peculiares que agravaram a falta de democracia ao projeto urbanístico de Lúcio Costa, que seguia os conceitos modernistas
longo de sua história. Os trabalhadores que se deslocaram para a construção de Le Corbusier e os manifestos dos Congressos Internacionais de Arquite-
de Brasília não tinham condições financeiras de adquirir um imóvel na nova tura Moderna (CIAMs). Os conceitos modernistas aplicados ao urbanismo
cidade, e a eles não era permitido viver no Eldorado que haviam construído. visavam produzir um espaço urbano cujas funções fossem setorizadas:
Grande parte das unidades habitacionais construídas nas superquadras do moradia, lazer e trabalho deveriam ocupar locais separados dentro da cida-
Plano Piloto eram financiadas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões de, a cidade máquina. Para o cidadão brasiliense, é evidente essa definição
e destinados aos trabalhadores associados, fossem eles bancários, indus- em seu cotidiano com endereços como Setor Comercial Sul, Setor de Áreas
triários, comerciários, dentre outros. Isoladas Norte, Setor de Habitações Individuais Norte, Setor de Diversões
Sul, entre outros. Brasília foi construída exclusivamente para ser uma cida-
de burocrática, habitada por trabalhadores do setor público. Essa decisão
definiu quem, mesmo trabalhando na construção, teria seu direito à cidade
negado, e quem, chegando posteriormente à cidade, teria a ela todos os
direitos. A segregação não deixou margem a outra interpretação: a primeira
cidade satélite, Taguatinga, foi construída dois anos antes do Plano Piloto,
* Trechos publicados no site <https://fabiofelix.com.br/projetos/a-construcao-da-metropole-brasiliense/> em 1958, e até o fim de 1961 outras três foram fundadas (HOLSTON, 1989).
A maior parte do território do Distrito Federal foi desapropriada pelo governo A criação de cidades satélites deu aos migrantes o direito à propriedade,
federal na época da construção, com exceção das áreas de Planaltina e refutando simultaneamente o cenário sociopolítico de participação e luta
Brazlândia, dois assentamentos existentes; outras áreas foram apropriadas desenvolvido pelas pessoas para alcançar esse objetivo. “A rebelião dos
pelo Estado, e os antigos donos posteriormente deram entrada em processos pioneiros forçou o Estado a reconhecer seu direito à cidade. Entretanto, não
contra o governo, havendo até hoje diversos processos na Justiça desenro- foi ao Plano Piloto em si, e sim às cidades da periferia da capital” (HOLSTON,
lando questões fundiárias locais. Essa decisão foi tomada para que as áreas 1989, p. 257, tradução nossa). Durante muitos anos, o Plano Piloto permaneceu
ao redor do Plano Piloto, que em seguida se tornaria a capital do Brasil, não com pouquíssimos habitantes. A construção de sua infraestrutura foi viabi-
ficassem disponíveis ao mercado e se mantivessem sob o controle do governo lizada pelos impostos pagos por todos os brasileiros, enquanto as pessoas
federal. Entretanto, com a posse das terras, o Estado passou a gerir o território que se mudavam para a cidade eram assentadas em locais sem conexão
protegendo de maneira feroz os interesses do mercado, dando privilégios de com o que era construído. Assim, garantiu-se a estratificação da sociedade
acesso às terras urbanas de acordo com o poder aquisitivo dos ocupantes e e, consequentemente, a intolerância à diversidade. Até hoje o Plano Piloto
22 23
dessa forma também conseguiu manter as disputas de classe bem distantes não chegou ao número de habitantes para o qual foi planejado, esperava-se
dos locais de poder. A segregação socioespacial que aconteceu em Brasília 500 mil pessoas e atualmente habitam menos de 300 mil.
foi promovida pelo próprio Estado para manter o controle e a ordem.
A narrativa da expansão urbana de Brasília é guiada por “ciclos de rebelião e
No início da construção da capital, as áreas destinadas a acampamentos dos legitimação, de mobilizações e dissoluções” (HOLSTON, 1989, p. 298, tradução
trabalhadores eram planejadas para serem destruídas posteriormente. Um nossa). Dez anos após a fundação de Brasília, cerca de 100 mil migrantes
dos primeiros assentamentos para os trabalhadores que chegaram a Brasília haviam se mudado para a cidade procurando por melhores condições de
é hoje o Núcleo Bandeirante, anteriormente chamado de Cidade Livre, por vida. A Região Administrativa do Guará foi construída pelos funcionários da
ser o único lugar onde era permitido o livre comércio, sem impostos, e onde Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP) entre 1967 e
os novos habitantes poderiam experimentar a cidade. Era à Cidade Livre que 1972, em sistema de mutirões, por isso sua localização era mais próxima do
chegavam os ônibus que transportavam trabalhadores em busca de emprego; centro da cidade. Em 1971, cerca de 80 mil pessoas foram movidas para a
também era onde estes compravam suas ferramentas e buscavam empresas cidade satélite de Ceilândia, cujo nome deriva de Campanha de Erradicação de
de recrutamento para trabalhar nas obras. De acordo com Holston (1989), os Invasões seguido do sufixo “lândia”, com origem na língua inglesa para designar
candangos, primeiros habitantes de Brasília, traziam para a capital a esperança terra. Atualmente, Ceilândia é a mais populosa região administrativa, com
de uma cidade diferente das demais, mas foram traídos pelos fundadores ao mais de 500 mil habitantes (PDAD, 2015) e, junto a Taguatinga e Samambaia,
serem censurados em suas demandas por melhores condições. forma a maior conurbação que existe no território fragmentado de Brasília.

Cidades são locais onde pessoas de diferentes classes socioeconômicas e


culturais se misturam (HARVEY, 2012). Em alguns casos, essas pessoas habi-
Taguatinga, a primeira cidade satélite construída pelo governo e para abrigar as pessoas que não tam um local belo e bem cuidado, com serviços de qualidade e infraestrutura;
eram bem-vindas ao centro da capital, foi consequência da remoção de ocupações construídas em em outros, tornam-se sobreviventes urbanos, sem acesso a infraestrutura,
proximidade ao Núcleo Bandeirante e reassentadas em uma área a 25 quilômetros do Plano Piloto. espaços públicos de qualidade, transporte público, além de outras necessi-
Desse modo, os migrantes foram forçados a comprar lotes nessa nova área, ainda sem nenhum tipo dades básicas do ambiente urbano. Com a distância física que existe em
de estrutura. Foram removidas mais de 4 mil pessoas, que, apesar de sua organização e resistência – Brasília, não há coabitação entre essas classes, o que cria um ambiente mais
chamaram, inclusive, a nova ocupação de Vila Sarah Kubitschek, para sensibilizar o presidente –, tiveram intolerante às diferenças. Não há o encontro, não há urbanidade. A discre-
seus barracos desmontados e transportados ao novo local. Todo o esforço do governo destinava-se a pância entre os bairros mais ricos e os mais pobres de Brasília é imensa. De
manter determinados tipos de pessoas o mais distantes possível da nova capital. Outro caso curioso acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), em
é a Vila Amaury, construída propositalmente em uma cota abaixo do nível do Lago Paranoá para que, 2013, uma pessoa no bairro Lago Sul – o mais rico da cidade – tinha renda
uma vez que a represa do Lago estivesse pronta e a água alagasse a área, as pessoas tivessem de sair. mensal em média dez vezes mais alta que uma pessoa nas quatro áreas
Os habitantes do local foram transferidos para Sobradinho e Taguatinga. mais pobres – Estrutural, Varjão, Fercal e Recanto das Emas.
outros permaneceram onde estavam e foram ur- informais, dentre outros problemas enfrentados
banizados, como a Estrutural, o Varjão e o Itapoã. pelos seus habitantes, ainda existe um sentimento
Novos parcelamentos surgiram nos últimos anos profundo de gratidão pelos moradores que antes
e continuam a crescer sem qualquer tipo de or- não possuíam nada e, por isso, atribuem a essa
denamento, sendo exemplos o Sol Nascente e os figura política a imagem de benfeitor.
novos bairros de São Sebastião. Algumas extensas
Fercal
áreas rurais compostas por chácaras cedidas pelo A elite de Brasília é composta principalmente pelos
governo para a produção local não resistiram à funcionários de alto escalão da máquina burocrá-
pressão imobiliária e foram parceladas em condo- tica do Estado. Para fazer parte desse grupo, há a
mínios horizontais para as classes baixa – como possibilidade de se passar em um concurso públi-
Pôr-do-Sol e Porto Rico – e média – como Vicente co. A caça por concursos públicos criou, em Bra-
Pires e Arniqueira. Enquanto isso, o Plano Piloto sília, gerações que passam a maior parte de suas
Estrutural Varjão 25
permaneceu sem muitas mudanças em relação vidas estudando em busca de carreiras estáveis e
ao que foi planejado, com grandes parcelas de com bons salários. Usualmente, a maior parte das
terra vazia sendo alvo de especulação, enquanto pessoas que conseguem os melhores salários é
toda a cidade efervesce com assentamentos por de famílias que lhes puderam dar condições de
todos os lados. De acordo com Holanda (2010), estudo e não precisaram se dividir entre tempo de
essa dinâmica urbana produziu um assentamento estudos e trabalho para sustentar a família, salvo
Lago Sul
caracterizado por fragmentação, baixa densidade, em raras exceções – o que deixa poucas possi-
excentricidade e segregação socioespacial. bilidades de mobilidade social para aqueles que
estão mais vulneráveis socialmente. Infelizmente,

Recanto das Emas


Além disso, a terra de Brasília que pertence ao em um ambiente individualista como esse, “ideais
Estado foi utilizada durante muito tempo como de identidade urbana, cidadania e pertencimento,
moeda de troca por aqueles no poder, especial- de políticas urbanas coerentes, já ameaçados pela
mente nos anos 90, quando os habitantes da ci- ética individualista neoliberal, tornam-se muito
dade passaram a poder votar para escolher seus mais difíceis de sustentar” (HARVEY, 2012, p. 15,
representantes locais. O Distrito Federal passou a tradução nossa). O trabalho e as distâncias tomam
ser loteado e doado, e assim foram construídas o tempo dos cidadãos em Brasília que, exaustos ao
Samambaia, Recanto das Emas, Santa Maria e final do dia, não conseguem sequer refletir sobre
Riacho Fundo I e II. Foi também durante os anos sua pobreza existencial, gastando seu tempo de
A dicotomia entre o Plano Piloto e as cidades sa- 90 que a economia brasileira se abriu ao mercado vida sem viver de fato.
télites é muito simplista para definir a complexa neoliberal, para o qual um dos principais objetivos
mancha urbana que é Brasília hoje. Cada parte é a proteção da propriedade privada. Esses dois As consequências dessa construção pautada pela
da cidade tem sua narrativa. Antes da construção fatores simultâneos produziram em Brasília a at- segregação socioespacial do território de Brasília
da capital, já existiam duas pequenas cidades e mosfera perfeita para que o valor da propriedade ficam mais claras nos mapas a seguir, elaborados
certos acampamentos de trabalhadores da cons- privada fosse uma “forma hegemônica de política, a partir de dados do IBGE resultantes do último
trução permaneceram como bairros, entre eles a mesmo nas classes mais baixas” (HARVEY, 2012, Censo, em 2010. O Censo é a melhor maneira para
Candangolândia, a Vila Planalto, o trecho inicial p. 15, tradução nossa). É importante observar que se visualizar detalhes da espacialização de dados
do Paranoá e o Núcleo Bandeirante. Alguns dos em uma sociedade patriarcal e desigual como a estatísticos, pois eles são atrelados a setores cen-
assentamentos de pessoas que vieram em busca nossa, apesar dessas lideranças políticas terem sitários, os quais são divisões do território menores
Média de renda mensal per capita
de novas oportunidades foram removidos e reas- realizado esses parcelamentos sem infraestru- do que divisões por distritos, bairros ou, no caso
Fonte: IBGE, Censo 2010
Mapa: Mariana Bomtempo (editado) sentados em novas cidades satélites, enquanto tura, sem urbanidade, distantes dos empregos de Brasília, regiões administrativas.
56.7% habitantes não-brancos 32.5% habitantes não-brancos
43.3% habitantes brancos 67.5% habitantes brancos
Brasília 10km do
centro comercial
15% do total
de habitantes

26 27

56.7% habitantes não-brancos 54.6% habitantes não-brancos


43.3% habitantes brancos 45.4% habitantes brancos
Brasília 10 a 20km do
centro comercial
32% do total
de habitantes

Segregação racial no território


Fonte: IBGE, Censo 2010
Mapa: Mariana Bomtempo (editado)

De acordo com a sequência de mapas acima e ao lado, à medida que o assenta-


mento urbano é mais afastado do centro da cidade, maior se torna a discrepância
na relação de proporção entre a população que se declara branca e a que se
declara negra (pretos e pardos, segundo o IBGE). Esse dado é um reflexo da
64.5% habitantes não-brancos
histórica exploração da população negra ao longo do período de escravidão
35.5% habitantes brancos
no Brasil, de forma que os privilégios socioeconômicos ainda permanecem
20 a 30km do
atrelados à população branca. Os 130 anos passados da abolição da escravi- centro comercial
dão ainda não foram suficientes para superar a relação casa grande-senzala, 40% do total
sendo esta perceptível inclusive na escala urbana da ocupação. de habitantes
Em um recente estudo publicado sobre segregação socioespacial, Divided Fica claro no gráfico a relação entre a profundidade das desigualdades so-
Cities - Understanding Intra-urban Inequalities, a OECD (Organização para ciais existentes no país e sua segregação espacial nas cidades, entretanto
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) classificou Brasília como a é ao mesmo tempo alarmante que a capital do Brasil, cujo território teve sua
cidade com a maior segregação socioespacial de toda a pesquisa feita que ocupação distribuída pelo Estado, seja muito mais segregada que as cida-
incluiu mais de 100 cidades de 12 países, e dentre eles a África do Sul onde des da África do Sul onde houve formalmente uma política de segregação
houve a política de segregação do Apartheid que perdurou de 1948 a 1994. social. Brasília é o reflexo da crueldade e da obscuridade da manutenção do
28 29
Para este estudo da OECD foram estabelecidos parâmetros numéricos para poder político e econômico centralizado, autoritário, branco e privilegiado tão
comparar as cidades, e os cálculos utilizaram dados georreferenciados quanto convencionado na sociedade que poucos reconhecem essa perversidade.
à renda da população e as distâncias entre elas. Os índices abaixo indicam “Quando existem altos níveis de desigualdade e segregação em uma região
que quanto maior a entropia (medida de variação do sistema) maiores os urbana, isto reduz a probabilidade de mobilidade socioeconômica e socio-
Income segregation across cities within
níveis de segregação socioespacial. espacial, reforçando os padrões existentes de desigualdade” (OECD, 2018,

countries p.146, tradução nossa).

Apesar de a maior parte da população viver nas regiões administrativas, antes


Income segregation levels vary greatly across and within countries chamadas de cidades satélites, a maioria dos empregos formais encontra-se
na região do Plano Piloto. Isso gera um intenso fluxo pendular na cidade, que
Income segregation levels across cities in each country é agravado pelo fato de o transporte público de Brasília não ser confiável, e a
Índice de entropia (1000m)Spatial entropy (1000m scale), 1 = perfect segregation cidade possuir atualmente um carro para cada dois habitantes. No cenário
Entropy index (1000m) de Brasília, com a divisão bem definida e a grande distância física entre as
0.25
Brasilia classes sociais, as classes mais altas trafegam em carros e nunca encon-
tram ou reconhecem a realidade das classes mais baixas, que transitam em
0.2
Emufuleni um sistema público ineficiente. Pode-se dizer que “tal ambiente desumano
promove exclusão social ao limitar a interação, prevenindo o ‘inesperado’ e
0.15 Memphis controlando o acesso e o uso, resultando em uma urbanidade estéril” (HEHL;
Paris
ANGELIL, 2014. p. 333, tradução nossa).
0.1 HamiltonManchester Tshwane
Rotterdam
Brisbane AarhusMonterrey
0.05 Auckland Dublin Cariri
St Etienne Portland
Amsterdam
Esbjerg Vancouver
Gold Coast
Acapulco de Juárez Bradford
0
NZL IRL AUS NLD DNK MEX CAN GBR FRA ZAF USA BRA

Níveis de segregação de renda nas cidades por país: maiores níveis de entropia indicam maior segregação
Fonte: OECD (2018), Divided Cities: Understanding Intra-urban Inequalities, OECD Publishing, Paris
(http://dx.doi.org/10.1787/9789264300385-en, p. 28)
Planaltina
30.144 habitantes
viagem diária de 40km
para o trabalho

Taguatinga
8% dos postos de trabalho
95.244 postos de trabalho

Ceilândia
51.428 habitantes
viagem diária de 30km Plano Piloto
para o trabalho 43% dos postos de trabalho
513.882 postos de trabalho

Samambaia
32.239 habitantes
viagem diária de 35km
para o trabalho Ceilândia
6.7% dos postos de trabalho
80.842 postos de trabalho

Deslocamento diário para o trabalho Densidade versus áreas urbanas com maior disponibilidade de postos de trabalho
Fonte: PDAD, 2013 Fonte: IBGE, Censo 2010; PDAD, 2013
Mapa: Mariana Bomtempo (editado) Mapa: Mariana Bomtempo (editado)
As desigualdades socioespaciais e as distâncias são barreiras difíceis de
superar, de forma a subverter a utopia da cidade sem diversidade que Bra- Referências
sília deveria ser. Os desafios da capital brasileira são imensos para que a
cidade, ao invés de ser um retrato da realidade do país, seja um exemplo BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demo-
de construção urbana que reflita o futuro que não chegou nos primeiros 60 gráfico, 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em setembro
anos depois da sua inauguração. Entretanto, há potencial na cidade princi- de 2015.
palmente partindo-se das forças sociais que atualmente buscam seu espaço
e identidade. Essas forças são necessárias para ocupar o espaço político COMPANHIA de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa Distrital por
de decisões e gestão para uma Brasília mais inclusiva para todos. Será um Amostra de Domicílios: Fercal. Distrito Federal, 2013. Disponível em: <https://
longo processo até que seja provado que a mudança necessária se dá pela goo.gl/fGRaeD>. Acesso em novembro de 2017.
inclusão social e ocupação da cidade, de modo a torná-la menos injusta com
seus habitantes. Será um longo processo até que seja provado que Brasília _____. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios: Fercal. Distrito Federal,
32 33
pode continuar sendo patrimônio com diversidade e densidade. Vale a pena 2015. Disponível em: <https://goo.gl/u3oV3G>. Acesso em novembro de 2017.
deixar os candangos tomarem Brasília de volta.
HARVEY, D. Rebel Cities: from the right to the city to the urban revolution.
Londres: Verso, 2012.

HEHL, R.; ANGELIL, M. M. Minha Casa – Nossa Cidade!: innovating mass


housing for social change in Brazil. Zurique: Ruby Press, 2014.

HOLANDA, F. R. B. Brasília: cidade moderna, cidade eterna. Brasília: Faculdade


de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, 2010.

HOLSTON, J. The Modernist City: an anthropological critique of Brasília.


Chicago: University of Chicago Press, 1989.

OECD. Divided Cities: Understanding Intra-urban Inequalities. Paris: OECD


Publishing, 2018. Disponível em: <https://read.oecd-ilibrary.org/urban-ru-
ral-and-regional-development/divided-cities_9789264300385-en#page1> .
Acesso em: maio de 2018. 13 - 19.
1
assistência
técnica
1 HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA TÉCNICA NO BRASIL
2 ATHIS — INTRODUÇÃO À EXPERIÊNCIA
NO DISTRITO FEDERAL
3 ASSISTÊNCIA TÉCNICA NA CODHAB (2015-2018)
4 DA IMPORTÂNCIA DE O PROFISSIONAL DE ARQUITETURA E
URBANISMO ESTAR IMERSO: DA ARQUITETURA E URBANISMO
PARA O URBANISMO E ARQUITETURA
HISTÓRICO DA
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
NO BRASIL
por Luiz Sarmento

São criados o Serviço Federal de Habitação e Ocorre na favela Brás de Pina uma das primeiras
Urbanismo e o Banco Nacional de Habitação experiências em assistência técnica em arquitetura
(BNH), banco esse que incorpora parte das pro- e urbanismo no país, coordenada pelo professor
postas elaboradas pelo Seminário Nacional de Carlos Nelson Ferreira dos Santos e pelo escritó-
Habitação e Reforma Urbana em um projeto de rio Quadra. No local, são desenvolvidos projetos
36 37
financeirização da questão da moradia de inte- participativos para a consolidação da comunida-
resse social pelo regime militar, em clara oposição de, com a qualificação dos espaços públicos e o
A Declaração Universal dos Direitos Humanos às propostas de reforma urbana integrantes do assessoramento para melhoria habitacional. Este
reconhece a moradia digna como um direito da projeto Reformas de Base do governo João Gou- é um simbólico contraponto às constantes remo-
pessoa humana. lart, deposto pelo golpe militar desse mesmo ano. ções de favelas que ocorriam no Rio de Janeiro.

1948 1964 1967

1946 1963 1966

O Decreto-Lei 9.218, de 1º de maio de 1946, Realiza-se o Seminário Nacional de Habitação e Institui-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que objetiva
institui a Fundação da Casa Popular, que, com Reforma Urbana (SHRU), encontro promovido pelo financiar a construção de imóveis para os trabalhadores. O fundo, porém,
o objetivo de “proporcionar a brasileiros ou es- Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/BR) com substitui alguns direitos trabalhistas relevantes como os que, em alguns casos,
trangeiros com mais de dez anos de residência apoio do Instituto de Previdência e Assistência, garantiam estabilidade no emprego aos trabalhadores de empresas privadas.
no país ou com filhos brasileiros a aquisição ou no intuito de elaborar novas bases de uma política
construção de moradia própria, em zona urbana de habitação e urbanização nacional e de com-
ou rural”, estabelece que estatutos devem limitar preender as mudanças sociais e demográficas Da esquerda para a direita, de cima para baixo:
1. Seminário de Habitação e Reforma Urbana - SHRU
o valor dos imóveis para garantir seu caráter brasileiras. O Seminário do Quitandinha, como Fonte: Revista Arquitetura - IAB , n. 15, setembro de 1963, p. 17 a 24, em que o documento final do
social e veda “obras que não possam ser quali- fica conhecido, é base para políticas públicas Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963 foi publicado [Arquitetura n. 15, setembro, 1963] (editada)
2. Golpe militar de 1964
ficadas como de tipo genuinamente popular”. A subsequentes e norteador conceitual para vários Fonte: Arquivo Público/DF
ideia da Fundação da Casa Popular começou a movimentos sociais de luta por moradia e direito 3. Vista aérea do Conjunto Zézinho Magalhães - Cecap em construção, 1975.
Projeto de João Batista Vilanova Artigas, Fábio Penteado e Paulo Mendes da Rocha. Artigas repetia que
ser gestada no governo de Getúlio Vargas, como à cidade. “a casa não termina na soleira da porta” em uma tentativa de convencer o BNH a implantar equipamentos
forma de enfrentar a grave crise de moradia que públicos no Conjunto.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos/SP (editada)
afligia principalmente o então Distrito Federal
4. Favela Brás de Pina
e de garantir condições mínimas de vida aos Fonte: SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Movimentos urbanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro (editada)
trabalhadores.
Luiza Erundina é eleita prefeita de São Paulo e cria
o Fundo de Financiamento de Habitações (FU-
NAPS Comunitário), visando à disponibilização
de recursos para o financiamento da produção
de conjuntos de moradia feitos por autogestão,
e garantindo condições a fim de que a popu-
lação organizada possa: contratar assessoria
técnica em engenharia, arquitetura e urbanismo;
implantar o canteiro de obras, adquirir materiais e
ferramentas para construção das unidades; além
Publica-se a proposta do programa de Assistência da contratação de alguma mão-de-obra de apoio
Técnica à Moradia Econômica, (ATME), coordenado aos mutirões. O FUNAPS permite a consolidação
38 39
pelos arquitetos Clóvis Ilgenfritz da Silva, Newton É promulgada a Constituição Federal que traz de escritórios de assessoria, como o Usina – Cen-
Burmeister, Carlos Maximiliano Fayet e Claudio avanços em relação ao direito à cidade; porém, tro de Trabalhos para o Ambiente Habitado, e a
Casaccia e pelos advogados André da Rocha e O BNH é extinto e o direito à moradia, enquanto um direito social, construção de um grande número de edificações
Madalena Borges. Assim, acontece a primeira incorporado à Caixa só seria considerado com a aprovação de uma com maior qualidade e custos significativamente
experiência com a prefeitura de Porto Alegre. Econômica Federal. emenda no ano 2000. mais baixos que os do mercado da construção.

1976 1986 1988 1989

1971 1982 1987

Aprova-se a Lei Federal nº 5.762/71, que transfor- O engenheiro Guilherme Coelho organiza exi- Estabelece-se o Fórum Nacional da Reforma
ma o BNH em empresa pública de direito privado. bições de um filme produzido por ele sobre os Urbana (FNRU), com o objetivo de promover a
conjuntos habitacionais do Uruguai, construídos reforma urbana visando à garantia do direito a
por cooperativas e autogeridos. O filme motiva a moradia, ao transporte e a equipamentos pú-
Associação de Moradia Unidos de Vila Nova Ca- blicos. Sua constituição se dá graças a grupos
choeirinha, comunidade localizada no município e movimentos sociais engajados na luta pelo
de São Paulo, a pressionar a Cohab-SP para a direito à cidade.
construção de moradias. Uma casa-protótipo é
executada em regime de mutirão, transforman-
do-se em um marco da organização comunitária
e da autogestão na luta e produção de moradias. Da esquerda para a direita, de cima para baixo:
1. Capa do livro “Programa ATME” publicado em 1976 pelo Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul
Fonte: Site <http://iab-rs.org.br/noticia/programa-atme-sus-urbano> disponível em outubro de 2018 (editada)
2. Prefeita de São Paulo Luiza Erundina na inauguração do Centro de Convivência Popular da Vila Clara
Fonte: Soma (editada)
3 e 4. Obra do Mutirão 26 de Julho
Fonte: USINA CTAH (editadas)
Inicia-se o Programa de Urbanização de Assenta- O Favela-Bairro é formulado entre 1993 e 1995, em
mentos Populares do Rio de Janeiro (PROAP), mais uma parceria entre a Prefeitura do Rio de Janeiro, a
conhecido como Favela-Bairro, quando o arquiteto e Faculdade de Arquitetura da UFRJ e o Instituto de
urbanista e ex-presidente do IAB Luiz Paulo Conde Arquitetos do Brasil. O IAB organiza um concurso
é Secretário Municipal de Urbanismo e Sérgio Ma- público para definição de metodologias para nortear
galhães, também ex-presidente do IAB é Secretário as intervenções nas favelas.
de Habitação. O programa, financiado pelo Banco Criam-se os Escritórios Modelo de Arquitetura e
41
Interamericano de Desenvolvimento (BID), visa a Urbanismo, propostos pela Federação Nacional
O arquiteto e urbanista Clóvis Ilgenfritz, eleito integrar as favelas à cidade oficial e promove a ur- dos Estudantes de Arquitetura, com a intenção
vereador dois anos antes, consegue inserir a as- banização dos espaços públicos das favelas, obras de oferecer serviços de assistência técnica
sistência técnica para a moradia econômica na de infraestrutura urbana, acessibilidade e melhorias para comunidades de baixa renda e organizar a
Lei Orgânica de Porto Alegre (art. 233). habitacionais. extensão universitária.

1990 1993 1995

1992 1997

Ocorre a Conferência Mundial das Nações É criado o Movimento dos Trabalhadores Sem
Unidas pelo Meio Ambiente, que reconhece o Teto (MTST), pelos integrantes do Movimento
conceito de desenvolvimento sustentável. dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
para organizar a luta pela reforma urbana.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo:


1. Clóvis Ilgenfritz
Fonte: Site <http://ijuisuahistoriaesuagente.blogspot.com/2014/08/arquiteto-clovis-ilgenfritz-da-silva.html>
disponível em outubro de 2018 (editada)
2. Mapeamento dos Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo (EMAUs) no Brasil
Fonte: FeNEA (editada)
3. Favela Bairro
Fonte: Site <http://virtualbss.com/book/favela-bairro-integracao-de-favelas-no-rio-de-janeiro>
disponível em outubro de 2018 (editada)
4. MTST em manifestação por moradia
Fonte: MTST (editada)
Firma-se a Lei nº 10.257/2001, que regulamenta
os artigos 182 e 183 da Constituição e origina o
Estatuto da Cidade. A assistência técnica aparece
pela primeira vez em uma lei federal (artigo 4º,
inciso 5, letra r): “assistência técnica e jurídica
Clóvis Ilgenfritz aprova na Câmara Municipal de gratuita para as comunidades e grupos sociais
Porto Alegre o Projeto de Lei Complementar nº menos favorecidos”.
428, de 1998, de sua autoria, que regulamenta o
art. 233, inciso IV, da Lei Orgânica do Município, Cria-se o Escritório Público de Projetos da pre-
instituindo o programa de assistência técnica feitura de Salvador para atendimento de famílias
para o projeto e a construção de moradia eco- de baixa renda.
nômica para pessoas de baixa renda.
Funda-se o Programa de Aperfeiçoamento Pro-
Em Campo Grande (MS), inicia-se uma experi- fissional - Modalidade Melhorias Habitacionais,
ência chamada Construindo Legal, que, desde desenvolvido no Rio de Janeiro pelo Instituto de
42 43
então, conforme um Decreto Municipal, oferece Arquitetos do Brasil, de 2001 a 2003. Os profis-
assistência técnica de profissionais de arquitetura sionais que atuam no programa de assistência Cria-se o Ministério das Cidades, com o objetivo
e engenharia por preços simbólicos a famílias técnica são selecionados por concurso organi- de viabilizar a reforma urbana, garantir o direito
com renda de até cinco salários mínimos, para zado pelo IAB/RJ, a partir do que são feitos 394 à cidade e melhorar o planejamento e a gestão
construções de no máximo 70 metros quadrados. projetos e concluídas 116 obras. das cidades brasileiras.

1999 2001 2003

2000 2002 2005

O direito a moradia passa a ser reconhecido como Clóvis Ilgenfritz, então deputado federal pelo Promulga-se a Lei nº 11.124/2005, que dispõe sobre
direito social perante a Constituição de 1988, Partido dos Trabalhadores, propõe o Projeto de o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
segundo a nova redação de seu art. 6°. Lei nº 6.223/2002, o primeiro referente à assis- e cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse
tência técnica pública e gratuita em engenharia, Social (FNHIS).
arquitetura e urbanismo no Congresso Nacional.
Ocorre em Campo Grande (MS) o seminário Assis-
tência técnica, um direito de todos: construindo uma
política nacional. Em 2007, a relatoria desse evento
é publicada em livro: Experiências em habitação de
interesse social no Brasil. Organizada por Eglaísa
Micheline Pontes Cunha, servidora do Ministério
das Cidades, por Ângelo Marcos Vieira de Arruda,
arquiteto e urbanista da Federação Nacional dos
Arquitetos e Yara Medeiros, a publicação relaciona
experiências em assistência técnica que precedem
a Lei nº 11.888/2008.
A Lei de Assistência Técnica Pública e Gratuita
nas áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia
entra em vigor.

É lançado o programa Minha Casa Minha Vida,


com a meta de construir 2,75 milhões de mora-
dias. Ao todo, são mais de 5 milhões de unidades
habitacionais contratadas. Devido a reivindica-
ções de movimentos sociais, cria-se o Minha
Casa Minha Vida Entidades, formatado para ser
O deputado federal e arquiteto e urbanista autogerido pelas entidades de luta por moradia,
Zezéu Ribeiro reedita, por meio do Projeto de e que apresenta melhores resultados e qualidade
Lei nº 6.981/2006, o Projeto de Lei 6.223/2002, dos espaços construídos. Cria-se o curso de Especialização em Assistência
44 45
de Clóvis Ilgenfritz, que assegura às famílias de O Instituto de Arquitetos do Brasil publica o Técnica, Habitação e Direito à Cidade na Universi-
baixa renda assistência técnica pública e gratuita Cria-se o Programa Vivenda, negócio social se- Manual para a implementação da assistência téc- dade Federal da Bahia, um programa de residência
para o projeto e a construção de habitação de diado em São Paulo, que oferece serviços de nica pública e gratuita a famílias de baixa renda profissional em arquitetura, urbanismo e engenha-
interesse social. O PL é aprovado no mesmo ano pequenas reformas para melhorias habitacionais para projeto e construção de habitação de inte- ria, coordenado pela professora da Faculdade de
na Câmara dos Deputados. com baixos custos e pagamentos parcelados. resse social. Arquitetura e Urbanismo Ângela Gordilho.

2006 2009 2010 2013

2008 2011

É sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Inicia-se a primeira experiência em implemen- Institui-se o Conselho de Arquitetura e Urba-
Silva, em 24 de dezembro, a Lei Federal nº tação da Lei de Assistência Técnica em Brasília, nismo do Brasil (CAU/BR) pela Lei nº 12.378, de
11.888/2008, que assegura o direito à assistên- organizada pelo arquiteto e urbanista Gilson dezembro de 2010.
cia técnica pública e gratuita para a construção Paranhos e pela equipe de seu escritório, na re-
de habitação de interesse social, abrangendo cém-formada favela do Itapoã.
todos os trabalhos de
projeto, acompanhamento e execução da obra por Inicia-se o projeto Arquiteto de Família, com ex-
profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo periências em melhorias habitacionais no Morro
e engenharia, os quais devem elaborar os projetos Vital Brazil, em Niterói (RJ), por meio de um acordo
necessários para edificação, reforma, ampliação de cooperação técnico-científico com o Instituto
ou regularização fundiária da habitação. Vital Brazil.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo:


A assistência técnica gratuita nas áreas de ar- 1. Conjunto habitacional Parque do Riacho - Riacho Fundo/DF, 2015
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
quitetura, urbanismo e engenharia é incluída nos
2. Lei do Conselho de Arquitetura e Urbanismo - CAU sancionada pelo presidente Lula, 2010
programas de habitação de interesse social be- Fonte: Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto (editada)
neficiados com recursos do Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social.
A 56ª Plenária do Conselho de Arquitetura e
Urbanismo do Brasil define que no mínimo dois
por cento da arrecadação do Conselho devem
46
ser alocados para ações de assistência técnica.

A Codhab/DF cria a Diretoria de Assistência


Técnica, organizando institucionalmente o
programa de assistência técnica da companhia.

2016

2015 2017

Inicia-se, na Companhia de Desenvolvimento A cota mínima de dois por cento da arrecadação


Habitacional do Distrito Federal (Codhab/DF), do CAU/BR e das representações das unidades
presidida pelo arquiteto e urbanista Gilson Pa- federativas do Conselho começa a ser investida
ranhos, a implementação do programa de assis- em atividades relativas a assistência técnica em
tência técnica pública e gratuita em arquitetura e todo o país, possibilitando diversas experiências
urbanismo, por meio dos Postos de Assistência na implementação da Lei Federal nº 11.888/2008.
Técnica, localizados nas áreas de regularização
de interesse social do DF.

O CAU/BR publica edital e fornece recursos para


fomento de projetos experimentais de assistência
técnica.

Posto de Assistência Técnica do Sol Nascente Trecho 1 - Ceilândia/DF, 2015


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
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em outubro de 2018.
ATHIS — INTRODUÇÃO À EXPERIÊNCIA
NO DISTRITO FEDERAL

por Cristiane Guinâncio

50 51
A precariedade das condições de moradia se impõe atualmente como um Paralelamente às ações institucionais, a população não atendida encontrou
desafio a ser enfrentado, demandando ações de caráter multidisciplinar e a sua solução habitacional ocupando locais que são rejeitados pelo mercado,
articulação de saberes em prol da população menos favorecida. Esse contexto como áreas de proteção ambiental ou de risco. O resultado tem se apre-
resulta de um processo histórico de exclusão socioespacial e inadequação sentado como territórios nas cidades em que a moradia se estabelece de
de soluções, agravado pela rápida urbanização pela qual passou o país. forma inadequada, caracterizada pela precariedade das construções, pela
ausência de infraestrutura e serviços urbanos e por riscos provenientes da
O direito à moradia digna é assegurado a todos os cidadãos brasileiros ocupação. Esse contexto não é diferente no Distrito Federal, em que cidades
como preceito constitucional. Significa garantir o acesso à habitação e a se consolidaram a partir da ocupação irregular do solo.
espaços urbanos adequados, visto que a dignidade do habitar se estabelece
pela satisfação de necessidades humanas nos âmbitos privado e público. Diante desse cenário, a prestação de assessoria técnica para melhoria das
Entretanto, parcela significativa da população encontra-se à margem desse condições de moradia apresenta-se como alternativa. Iniciativas relevantes
direito, mesmo com a diversidade de formas de atendimento à habitação foram observadas no Brasil a partir da década de 1970, sendo desenvolvidas
que têm sido implementadas. metodologias de escuta das famílias e a observação de redes estabelecidas.
Reconheceu-se que nos aglomerados habitacionais as famílias estabelecem
Ao longo do século XX, programas públicos voltados à Habitação de Inte- laços sociais e de apoio mútuos responsáveis pelo suporte em situações de
resse Social (HIS) promoveram o acesso a unidades habitacionais ou, em dificuldades. No espaço da casa são acolhidas atividades geradoras de renda
momentos específicos, a oferta de lotes urbanizados, muitas vezes exigin- diante da informalidade e instabilidade das relações de trabalho.
do reassentamentos ou regularização fundiária. Realizaram-se soluções
quantitativamente significativas, embora com alcance limitado em face das Esses saberes orientaram a articulação da produção de habitações com a
proporções da demanda. urbanização desses assentamentos precários. Entendeu-se que a solução
habitacional perpassava a fixação das famílias onde as condições físicas e
Na última década, as ações caracterizaram-se, predominantemente, pela ambientais permitissem. Gestores públicos em parceria com movimentos
produção de empreendimentos em grande escala construídos nas periferias populares viabilizaram a emergência de experiências distintas. Ações volta-
das cidades. As soluções pautaram-se pela repetição de padrões urbanísticos das à prestação de assessoria técnica para a construção, ampliação ou a
e arquitetônicos que desconsideram as particularidades regionais e locais. regularização de habitações foram observadas a nível nacional.
O público alvo é composto pelos excluídos do mercado formal da habitação
e o atendimento resulta, em muitos casos, no afastamento de famílias de No Distrito Federal, em fins da década de 1990 foram criados programas
seus núcleos sociais prévios e de vínculos de trabalho, sem a oferta de uma para ampliação do acesso a soluções habitacionais. No âmbito do “Programa
estrutura urbana e de serviços adequada. Morar Legal” promoveu-se a prestação de assessoria técnica a movimentos
organizados para a construção de moradias com qualidade e baixo custo por
meio do regime de autoconstrução em terrenos ou projeções administradas A implementação da Lei da Assistência Técnica no Distrito Federal destaca-se
pelo gestor público. Para famílias residentes em ocupações irregulares no cenário nacional a partir da instalação de dez escritórios de prestação de
históricas o programa previu a urbanização com regularização fundiária ou serviços nas comunidades mais carentes, viabilizando o acesso à assistência
reassentamento com solução adequada de moradia. O “Programa Casa da social, de arquitetura e engenharia, para elaboração de projetos e execução
Gente” consistiu na prestação de assessoria técnica para construção de de obras. As equipes em Postos Avançados disponibilizaram soluções téc-
novas habitações e qualificação de moradias inseguras e insalubres situ- nicas para os problemas urbanos e de arquitetura, facilitando o atendimento
adas em áreas passíveis de regularização, com financiamento de material à população e promovendo métodos participativos e democráticos para a
de construção. gestão territorial.

Experiências pontuais para a prestação de assessoria técnica à população São experiências que apontam a prestação de assistência técnica pública
menos favorecida foram continuadas em contextos específicos do país, e gratuita como ação efetiva para se viabilizar condições de moradia digna,
fortalecendo o debate em torno das dificuldades legais e operacionais para contemplando-se necessidades e expectativas no âmbito da habitação e
52 53
sua implementação. Em 2008, a aprovação da Lei Federal nº 11.888 – Lei do espaço urbano. Respeitadas as restrições físicas e ambientais, a asses-
da Assistência Técnica - coroou um histórico de lutas para se assegurar às soria técnica favorece a fixação das famílias em seus locais de ocupação,
famílias de baixa renda o direito à assistência técnica pública e gratuita para permitindo a preservação de laços sociais e, em muitos casos, do acesso a
o projeto e a construção da HIS, estabelecendo o marco regulatório para sua oportunidades de geração de renda, fundamentais à sustentação da vida.
realização. Percorridos dez anos de vigência, a implementação se restringe a Um caminho de consolidação da dignidade da moradia para a população
programas administrados por governos locais, destacando-se o pioneirismo menos favorecida.
das ações em maior escala realizadas entre 2015 e 2018 pela Companhia de
Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF).
ASSISTÊNCIA TÉCNICA NA CODHAB
2015-2018

por Lucélia Duda

54 55
“Assistência técnica” é uma expressão difícil de ser entendida como algo Em 2015, o Governo do Distrito Federal definiu a gestão do território como um
relacionado à melhoria de espaços edificados, ainda mais por comunidades de seus eixos estratégicos de ação. Enquanto território que possui situação
em áreas de vulnerabilidade social que estão tão distantes dos serviços da ocupacional singular, o DF necessitava, além de engajamento político, do olhar
profissão de arquitetura e urbanismo. O termo é ainda muito comumente técnico de profissionais que tivessem sensibilidade para a causa. O governo
entendido como atividade de conserto de equipamentos eletrônicos, como distrital nomeou então dois arquitetos renomados para gerir e executar as
o celular ou a TV. No entanto, no Distrito Federal esse entendimento pôde decisões referentes à ocupação do território e ao deficit de habitação do
ser trabalhado por um período, e muitas pessoas puderam compreender a Distrito Federal: Thiago Andrade e Gilson Paranhos.
assistência técnica como um direito constitucional básico, que prevê o acesso
de todo e qualquer brasileiro à moradia digna. De maneira mais robusta entre Thiago Andrade foi nomeado Secretário da Secretaria de Estado de Gestão
2015 e 2018, a Codhab desenvolveu um trabalho com muitos desafios que do Território e Habitação (Segeth, atual Seduh) e Gilson Paranhos, diretor-pre-
permeiam a segregação socioespacial nas cidades brasileiras, trabalho esse sidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal
que concede ao território do Distrito Federal a sua função social. (Codhab). Criada em 2007 pela Lei nº 4.020/2007, a Codhab foi incumbida de
coordenar e executar ações relativas à política de desenvolvimento habitacional
Ao longo das últimas décadas, a preocupação com a qualidade de moradia do DF, garantindo provisão, regularização e requalificação de moradias, bem
nas principais áreas de vulnerabilidade social foi pauta de discussões impor- como fornecimento de assistência técnica às mesmas.
tantes no Brasil. Os anos 2000 mostraram grandes avanços e sensibilidade
quanto ao problema quando consolidaram, por meio da legislação, a Reforma Diante da realidade do terceiro maior deficit habitacional do Brasil, o presi-
Urbana e os debates oriundos ainda da década de 1960. Em 2001, a criação dente da companhia decidiu por fazer uma política de gestão inédita no DF.
do Estatuto das Cidades pela Lei Federal nº 10.257/2011 disciplinou o solo Com visão técnica aguçada de arquiteto e urbanista e sensibilidade social,
urbano quanto à função social da cidade e da propriedade. Em 2008, a Lei resolveu focar não apenas em fazer construções, mas em fazer cidades.
Federal nº 11.888 legitimou os serviços de assistência técnica como sendo Talvez a sua principal decisão gerencial tenha sido a implantação da as-
públicos e gratuitos para famílias com renda de até três salários mínimos. sistência técnica pública e gratuita em arquitetura no âmbito da Codhab,
Pode-se acrescentar que a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo investindo em compor uma equipe de profissionais engajados na causa da
(CAU), por meio da Lei Federal nº 12.378/2011, possibilitou que os profissio- vulnerabilidade habitacional.
nais arquitetos – historicamente engajados com a problemática da moradia
no Brasil – pudessem atuar mais diretamente na busca por soluções para Implantar a assistência técnica no tempo proposto pelas circunstâncias
prover condições mínimas de habitabilidade a todas as famílias brasileiras políticas foi desafiador, pois, decorridos sete anos da promulgação da Lei
em áreas de interesse social. de Assistência Técnica naquele momento, poucos eram os modelos implan-
tados no Brasil que poderiam ser aplicados no Distrito Federal. Ademais,
os materiais existentes limitavam-se a propostas de atuação dentro da
unidade habitacional; enquanto isso, no Distrito da Cidade) Sol Nascente, na Região Administrativa Os trabalhos desse escritório se destacavam O escritório da ARIS Pôr do Sol, também em Cei-
Federal os arquitetos identificaram in loco grandes de Ceilândia, em 4 de abril de 2015. A localidade sobremaneira, se comparados aos dos outros lândia, foi aberto quando uma especial líder co-
problemas circunstanciais, urbanísticos, sociais e passava por um início de urbanização, cujo projeto Postos de Assistência Técnica instalados, devido munitária, Dona Chica, protocolou um ofício na
ambientais, que agravavam a questão inerente à fora desenvolvido em 2009 para uma realidade à ao diferencial no acompanhamento das obras de Codhab solicitando a abertura da unidade no local;
habitação em si. qual não mais se aplicaria. Isso causou forte im- urbanização de projetos que foram definidos quase o mesmo fez a comunidade da ARIS Vila Cauhy,
pacto social e espacial na área – a execução das uma década antes da execução. A assistência no Núcleo Bandeirante. A Codhab identificou nas
Fez-se necessária uma atuação no aspecto macro- obras desse projeto afetaria a vida de quase 100 técnica se configurava como um forte elo entre duas comunidades problemas em potencial que
habitacional. Não é possível atuar em melhorias mil famílias. O apelo popular ao Governo ensejou o Governo e a comunidade local e passava então justificavam a presença da companhia: a iminência
habitacionais quando a maior parte das habitações maior presença da Codhab na execução das obras, a ser um importante instrumento para reuniões de a comunidade do Pôr do Sol receber obras de
existentes não corresponde ao projeto urbanístico na tentativa de amenizar os impactos sociais e e decisões governamentais cujas pautas eram o urbanização e o impacto ambiental na Vila Cauhy,
aprovado, ou quando tal projeto inexiste para uma habitacionais. próprio Sol Nascente. que dificultava o processo de regularização da área.
área já densamente ocupada. Diante do desafio, Considerando a oportunidade única de atuar junto
56 57
a Codhab tentava responder à seguinte questão: à comunidade como um agente direto nas ações,
como levar dignidade e qualidade habitacional para não hesitou em abrir os dois postos.
as famílias que tanto necessitam delas, a partir de
circunstâncias totalmente adversas?

A gestão anterior da Codhab havia realizado prá-


ticas voltadas a interesses alheios aos que os
arquitetos identificavam como importantes e es-
tratégicos. Além de herdar um cenário de prática
corruptiva nos cadastros de provisão habitacional
e regularização da companhia, o arquiteto Gilson
Paranhos teve de lidar com mais de 60% de re-
dução do quadro de pessoal, devido à contenção
de gastos do Governo a fim de amenizar a grave
crise econômica que assolou o início da gestão
política em 2015.

As tomadas de decisão precisavam ser imediatas e


assertivas. A Codhab decidiu definir seu modelo e
metodologia de assistência técnica (AT) investindo
no relacionamento social e espacial, a partir da
abertura de escritórios dentro das comunidades.
Para isso, foram identificadas áreas com altos
índices de vulnerabilidade habitacional do DF e
problemas emergenciais que a companhia neces-
sitava solucionar.

O primeiro escritório foi instalado na Área de Re-


gularização de Interesse Social (ARIS – que seria
correspondente à definição de ZEIS no Estatuto
O mesmo critério utilizado para abertura do escritório na ARIS Sol Nascente Surgiu então o programa Ações Urbanas Comunitárias, que usou da meto-
se repetiu nas áreas do Porto Rico / Setor Habitacional Ribeirão, em Santa dologia da Acupuntura Urbana para iniciar mudanças na realidade espacial,
Maria; e em Buritizinho, situado em Sobradinho II. O Governo iniciou o plano a partir de intervenções pontuais. Foram identificadas áreas que poderiam
de obras de urbanização para essas duas localidades e isso levou a Codhab ser melhoradas, cujos projetos eram desenvolvidos durante a semana pelo
a acompanhar e dar o suporte necessário às comunidades. escritório com a comunidade; aos sábados, eram executados em sistema de
mutirão. Esse programa possibilitou melhor relacionamento entre a equipe
Em setembro de 2015, a Companhia de Planejamento do Distrito Federal de AT e as comunidades.
(Codeplan) lançou uma pesquisa que mapeou as famílias do DF considera-
das mais pobres e que estariam sujeitas a condições mais críticas de habi- Em 2016, a Codhab alterou sua estrutura organizacional e implantou uma
tabilidade. Estavam no topo da lista as áreas de Brazlândia, São Sebastião diretoria com a função exclusiva de coordenar a prestação de serviços de
e Fercal. Foi então que se decidiu por abrir escritórios de AT em cada uma assistência técnica. As atribuições foram definidas a partir das experiências
58 59
dessas localidades. ao longo dos anos de 2015 e 2016 e consistem em apoio – direto e em campo
– à elaboração de projetos urbanísticos para fins de regularização fundiária;
O Posto de Buritizinho foi fechado em setembro de 2016, em virtude do rápido projetos e execuções de obras para melhorias nas habitações, focando na
processo de urbanização e regularização pelo qual passou a área. Isso gerou segurança e salubridade dos indivíduos que as ocupam; e projetos e execuções
uma especulação que resultou na troca da comunidade local, que vendeu em mutirão, visando à revitalização de espaços públicos, para apropriação da
seus imóveis e migrou para outras áreas irregulares. O mesmo ocorreu na comunidade local. As equipes que desenvolvem os serviços eram da própria
ARIS QNR, em Ceilândia, que conta com uma população em ascensão social. companhia, mas também eram contratadas empresas para aumentar o fluxo
Diante dessa realidade, a Codhab decidiu atuar em outras áreas: dois novos de produção dos projetos de melhorias e suas respectivas obras.
escritórios foram abertos na ARIS Sol Nascente, oficialmente dividida em
três trechos, passando esta a ter um escritório em cada trecho. Ao longo do ano de 2017, agora com uma diretoria e uma estrutura definida,
a equipe consolidou suas metodologias tanto das rotinas da promoção das
A companhia chegou a possuir 10 Postos de AT ativos: (1) Sol Nascente Ações Urbanas Comunitárias, quanto do Programa de Melhorias Habitacionais,
– Trecho I, (2) Trecho II e (3) Trecho III, em Ceilândia; (4) Santa Luzia, na Es- o que tornou os processos mais qualificados e dentro dos parâmetros burocrá-
trutural; (5) Pôr do Sol, em Ceilândia; (6) Vila Cauhy, no Núcleo Bandeirante; ticos exigidos para a máquina pública funcionar de maneira transparente. No
(7) Porto Rico, em Santa Maria; (8) São Sebastião; (9) Fercal; e (10) Vila São último ano da gestão, em 2018, a equipe batalhou para que as metodologias
José, em Brazlândia. e processos legais necessários para o funcionamento da Assistência Técnica
permanecessem, uma vez que é recorrente a descontinuidade de projetos a
A convivência com os problemas espaciais e sociais nas 10 comunidades cada nova gestão. Foram também implantados postos em contêineres que
obrigou os arquitetos da Codhab a achar caminhos técnicos para melhorar as pudessem permanecer ou serem deslocados de acordo com as eventuais
condições habitacionais. A atuação pontual por meio de projetos de melhorias necessidades de cada território.
habitacionais mostrava-se impotente diante de uma dura realidade urbana.
Havia não apenas dificuldades técnicas para o projeto, mas principalmente
dificuldades sociais, frente a uma comunidade desconfiada do trabalho dos
arquitetos e na situação iminente de ter de sair de suas casas por causa da
urbanização tardia.
DA IMPORTÂNCIA DE O PROFISSIONAL DE
ARQUITETURA E URBANISMO ESTAR IMERSO:
DA ARQUITETURA E URBANISMO PARA
O URBANISMO E ARQUITETURA *
por Mariana Bomtempo

A implementação da assistência técnica pública e gratuita em arquitetura As equipes foram enviadas às comunidades, inicialmente, para colocar em
e urbanismo pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional de Brasília funcionamento um escritório de arquitetura que deveria atender os moradores
iniciou-se em 2015, momento em que a presidência da companhia foi as- como seus clientes. Ao mesmo tempo, algumas das localidades estavam
60 61
sumida pelo arquiteto Gilson Paranhos, nomeado pelo então governador do em obras de drenagem e pavimentação urbana, como Sol Nascente e Porto
Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, no início de sua gestão. As atividades Rico. O Posto pôde então acompanhar de perto o andamento dessas obras,
foram iniciadas quando um pequeno grupo de jovens arquitetos, que já havia já que a Codhab é a instituição pública responsável pelo projeto urbanístico
trabalhado com Paranhos anteriormente, foi convidado a incorporar a equipe e regularização fundiária dessas localidades.
da companhia e buscar formas de levar o trabalho às comunidades e aos
assentamentos informais de menor renda no DF. No princípio, a falta de infraestrutura e de capacidade técnica para desen-
volver o trabalho eram os principais desafios à equipe. Não faz parte da
O primeiro Posto foi aberto no Sol Nascente, em um espaço cedido por um formação do arquiteto lidar com as demandas de comunidades em situação
morador da comunidade. O Posto iniciou seus trabalhos em 06 de abril de de vulnerabilidade, apesar de tais comunidades necessitarem do suporte
2015, e a primeira equipe de arquitetos composta foi enviada para trabalhar desse tipo de profissional. Além disso, há o estigma social de serem lugares
no local. Por se tratar de uma área que não está regularizada, não é possível perigosos e inacessíveis a pessoas que moram em outros locais da cidade,
que o governo possua ou alugue espaços nesses assentamentos, o que atra- agravando-se a circunstância pela falta de conexão de transporte público
palha bastante não só a existência do Posto de Assistência Técnica (PAT) da entre esses pontos e os demais.
Codhab no local, como também a chegada de qualquer outro equipamento
público necessário à qualificação do assentamento. Dentro da companhia, essa nova estratégia também não era vista com bons
olhos por todos. Muitos funcionários temiam ser enviados para trabalhar
No início, não havia infraestrutura adequada ao trabalho, a qual foi chegando dentro das comunidades; outros achavam que esse tipo de trabalho era
aos poucos com a instalação de mobiliário, computadores, internet móvel, uma grande perda de tempo ou demagogia; e havia os que simplesmente
placa de sinalização e água potável. Ao final do ano de 2016, a Codhab alugou não queriam que a ideia desse certo, fazendo o possível para dificultar o
contêineres que foram instalados em algumas das comunidades nas quais cotidiano da equipe que estava na ponta. Essa equipe, cabe ressaltar, era o
o espaço de trabalho teve de ser devolvido ao responsável. Internet de alta principal alvo das demandas da população em relação à falta de compro-
velocidade e impressoras para todas as equipes representaram um feito misso e qualidade de trabalho que o Estado tem representado ao longo dos
alcançado na segunda metade de 2017. Diante das dificuldades, não foram anos para essas pessoas.
poucas as vezes em que os arquitetos responsáveis pelos Postos tiveram
de arcar com recursos próprios os custos de infraestrutura, manutenção e Outra barreira a ser transposta pela equipe foi a resistência da própria co-
funcionamento do local de trabalho. munidade em receber uma instituição do governo no local, principalmente
porque até aquele momento a presença do Estado era apenas repressiva: tanto
em relação à violência urbana quanto à própria existência das ocupações,
que já haviam sido derrubadas por diversas vezes de maneira truculenta e
* Apresentado no III Seminário Nacional sobre Urbanização de Favelas - UrbFavelas, Salvador, 21 a 23 de novembro de 2018. inconsistente.
Posto Posto Posto Posto Posto Posto
Sol Nascente Trecho 1 Estrutural Pôr do Sol QNR Porto Rico Vila Cauhy
(Ceilândia/DF) (Estrutural/DF) (Ceilândia/DF) (Ceilândia/DF) (Santa Maria/DF) (Núcleo Bandeirante/DF)
aberto em abril/2015 aberto em abril/2015 aberto em setembro/2015 aberto em setembro/2015 aberto em abril/2016 aberto em janeiro/2016

Posto Posto Posto Posto Posto Posto


Buritizinho Fercal Vila São José São Sebastião Sol Nascente Trecho 2 Sol Nascente Trecho 3
(Sobradinho/DF) (Fercal/DF) (Brazlândia/DF) (São Sebastião/DF) (Ceilândia/DF) (Ceilândia/DF)
aberto em março/2016 aberto em março/2016 aberto em junho/2016 aberto em abril/2016 aberto em outubro/2016 aberto em março/2017

O cotidiano de uma sala aberta dentro da comunidade foi capaz de apazi- Apesar das dificuldades, desde o início a equipe foi movida a paixão e a ideais
guar os ânimos, conforme a população foi questionando e entendendo o de que o trabalho do arquiteto e urbanista também deve estar nas áreas mais
trabalho a ser realizado naquele espaço. Além disso, algumas reuniões foram desprovidas da cidade, e há muito a ser feito nesses locais. Faltam espaços
convocadas pelas lideranças comunitárias, e assim a ponte entre governo e públicos de qualidade, não há infraestrutura ou equipamentos públicos, e as
moradores passou a ser direta. Para alguns membros da equipe que estudam casas possuem sérios problemas construtivos que implicam insegurança
e desenvolvem trabalhos sobre participação popular, foi muito interessante e insalubridade para as numerosas famílias que se abrigam sem dignidade.
a vivência cotidiana dentro da comunidade, a partir da compreensão de que Conviver e levar esses problemas às gestões do Governo do Distrito Federal
muitas vezes não há real representatividade por parte das pessoas que se foram a raiz do trabalho da equipe de arquitetos, que buscou meios de mitigar
intitulam lideranças comunitárias, e muitos cidadãos não têm seus anseios a realidade existente.
repassados às camadas mais altas do governo.
64 65
UMA FORMA DE SERMOS BEM-VINDOS:
CUIDAR DO ESPAÇO PÚBLICO PARA ENTÃO
CUIDAR DA CASA DAS PESSOAS

Uma vez dentro da comunidade, algumas ideias que fazem parte do enten-
dimento da assistência técnica foram sendo remodeladas e revistas. Muitas
vezes fomos questionados pelos moradores se faríamos “só o projeto” ou se
Dona Irene em sua residência - Sol Nascente, Ceilândia/DF, 2015
seria fornecido o material de construção, seja por doação, seja por financia- Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
mento. Além disso, a falta de compreensão do papel do arquiteto e urbanista
é recorrente na sociedade, o que faz da profissão um “bibelô” que reforça
A arquiteta Mariana Bomtempo com dona Luzia em frente a seu novo lote - Porto Rico, Santa Maria, 2016
a desigualdade econômica entre aqueles que podem ou não podem pagar Fonte: Mariana Bomtempo
esse profissional. Portanto, aos olhos da sociedade, o projeto arquitetônico
de uma moradia é só um papel, e o arquiteto um profissional que cuida da
estética. Para as famílias que não possuem condições financeiras de exe-
cutar os projetos, esses papéis representam um sonho distante que não se
tornará realidade tão cedo.

Algumas famílias puderam executar os projetos oferecidos pelos Postos


de Assistência Técnica. Na comunidade do Sol Nascente, a senhora Irene
Pinheiro concretizou o projeto de reforma desenvolvido pelo Posto e teve
acompanhamento técnico da equipe durante a obra. Na comunidade do
Porto Rico, a senhora Débora Bento e sua mãe, dona Luzia Bento, foram
reassentadas devido a necessidade de obras de infraestrutura, uma vez que
sua casa estava bloqueando a rua. Receberam então o lote e o projeto de sua
residência, conforme o programa de necessidades para reassentamento. No
mais, como exigir de famílias que sobrevivem com até três salários mínimos
que tenham economias para executar obras em suas residências? Essa re-
serva financeira é rara: geralmente os que estão em vias de executar obras
possuem renda um pouco superior e não estão incluídos na Lei nº 11.888/08,
não havendo, portanto, respaldo para o atendimento prestado pela Codhab.
Durante a vivência, a partir da perspectiva do trabalho de assistência técnica Enquanto a pequena equipe de um/a arquiteto/a e um/a estagiário/a por
provido pelo governo, foi possível observar algumas diferenças fundamentais Posto foi absorvida pelas demandas relacionadas aos aspectos urbanos das
na abordagem do tema. Em casos de iniciativas do terceiro setor, não existe comunidades, buscando identificar e dar encaminhamentos aos problemas
processo burocrático para o desenvolvimento do projeto, como comprovação de infraestrutura, regularização e espaços públicos, bem como aos impasses
de moradia e renda, situação cadastral da família em programas de assistên- relacionados às disputas políticas dos locais, pouco se conseguiu avançar
cia do governo e toda a documentação exigida, além de relatórios técnicos em relação à execução da assistência técnica conforme a Lei nº 11.888/08.
66 67
e sociais para abertura de processo. Ademais, apesar de tanto os arquitetos Além disso, para o desenvolvimento de um projeto adequado de melhoria
técnicos do governo quanto os arquitetos que trabalham em uma iniciativa habitacional, seria importante ter equipes multidisciplinares, compostas
social serem vistos com desconfiança – uma vez que são seres estranhos também por assistentes sociais, engenheiros e estagiários. Portanto, até o
naquele espaço –, as percepções da comunidade sobre esses profissionais final de 2017, a equipe progrediu pouco em relação aos projetos de reforma
são diferentes. O arquiteto funcionário do governo é uma figura que, na pers- das residências.
pectiva da população, muitas vezes representa o poder vertical do Estado,
composto de instituições corruptas e de interesses escusos e do tecnicismo Para conseguir dar vazão aos projetos de melhorias, foram promovidas
acima das relações humanas; já o trabalho de uma iniciativa privada ou do licitações para cinco das dez localidades onde a Codhab estava trabalhando
terceiro setor é percebido de maneira menos opressora. naquele momento, a fim de que empresas privadas com equipes multidisci-
plinares pudessem realizar o trabalho de assistência técnica. Cada empresa
A partir dessas dificuldades, pensou-se como estabelecer algum tipo de passou a ser responsável pelos projetos do programa de Melhorias Habita-
relação para aproximar a equipe técnica dos moradores e provocar uma trans- cionais em uma comunidade, com um determinado número de clientes a
formação imediata do espaço, para materializar o potencial dessa parceria. serem atendidos. As empresas deveriam ter pelo menos um assistente social
Assim, iniciaram-se as Ações Urbanas Comunitárias: atividades promovidas para fazer as visitas e o relatório técnico-social da família, além de recolher
aos sábados, por meio de mutirão, para transformação do espaço urbano os documentos que comprovassem o atendimento aos critérios pré-esta-
desses assentamentos. Os arquitetos responsáveis por cada comunidade belecidos pela legislação e pelo programa de Melhorias Habitacionais da
mapearam e escolheram espaços com potencial para serem transformados Codhab. A equipe técnica composta por arquitetos e/ou engenheiros deveria
e ativados para o uso comunitário. Eram feitos projetos de intervenção e fazer o levantamento construtivo da residência que apontasse problemas
reuniões com a comunidade para apresentação da proposta, além de serem de insegurança e insalubridade, com o objetivo de determinar se aquela
promovidos alguns sábados de trabalho conjunto para execução. construção necessitava de reparo ou ampliação, para melhor qualidade de
vida dos residentes.
As Ações funcionaram como um catalisador que exalta as potencialidades
dos espaços e aumenta a autoestima da comunidade, o que sempre repre- No início, houve grande dificuldade por parte das empresas em entender o
sentou a vontade dos técnicos. Frente aos problemas coletivos dos locais, que deveria ser feito naquele trabalho. Então, os arquitetos da Codhab apre-
os problemas individuais – que são foco do trabalho de assistência técnica sentaram as comunidades, e juntos levantaram domicílios que pudessem ser
– pareciam muito pequenos, e com as Ações Urbanas foi possível plantar beneficiadas pelo programa. Houve muita desconfiança dos moradores, pois
uma semente sobre a importância do coletivo. Os mutirões foram feitos com era um trabalho inédito e, apesar do potencial, não foi maciçamente divulga-
técnicas simples e materiais baratos e reciclados, para que pudessem ser do para não gerar filas de espera. A quantidade de projetos também não foi
facilmente replicáveis em outras áreas dos assentamentos, por iniciativa muito ampla, com o objetivo de que o programa-piloto desse os primeiros
dos próprios moradores. resultados e, posteriormente, mais dinheiro fosse investido.
Por ser um projeto pioneiro, algumas das empresas Depois de assimilado o processo, a maior dificul-
que participaram da licitação não entenderam o dade passou a ser a materialização do projeto por
que é a assistência técnica e colocaram preços meio de um orçamento restrito frente a todas as
muito abaixo do que seria tecnicamente susten- necessidades técnicas levantadas e os anseios
tável para a realização de projetos personalizados das famílias, que eram muito mais amplos. Como
caso a caso, impactando a velocidade e a quali- estratégia, a equipe preferiu desenvolver o projeto
dade do trabalho prestado. Foi necessária muita completo da residência e, a partir daquilo que era
paciência e jogo de cintura da equipe de arquitetos julgado como prioridade, fazia-se o corte do que
da Codhab até que o processo fosse claramente seria executado pelo subsídio. Essa estratégia foi
compreendido e concretizado pelas empresas. adotada porque o projeto da residência é direito
do cidadão, e para a equipe significava um norte
Uma vez que a primeira obra em cada comunidade para o dimensionamento das intervenções. En-
68
foi concluída, mais pessoas se interessaram pelo tretanto, para algumas famílias, aquele projeto
programa, e a divulgação de boca em boca foi de continuação era um sonho muito distante, e
suficiente para que o número de projetos licitados apesar de ser explicado inúmeras vezes que seria
tivesse mais interessados. Foi intrigante observar executado somente o que cabia no orçamento, a
o poder das conexões sociais entre os moradores família ficava frustrada, pois criava a expectativa
que divulgavam o projeto para um vizinho, amigo da execução completa do projeto.
ou parente – esse tipo de publicidade do projeto
também serviu como termômetro da necessidade
do programa para a localidade e da qualidade dos
serviços prestados.

Inicialmente, a Codhab possuía uma verba de 10 mil reais por família para Mesmo com todos os percalços do processo de instalação dentro da co-
pagamento de material e mão de obra, seguindo a tabela do SINAPI e o munidade e de entendimento da lógica daquele espaço para conseguir
percentual dos benefícios e despesas indiretas (BDI). Posteriormente, após propor intervenções urbanas, estabelecer relações de confiança com os
constatado que o desconto do BDI atrapalhava o bom resultado das obras, moradores do local, ouvir as infinitas demandas que existem e confrontar
o valor do subsídio foi aumentado para 13,5 mil reais, que, com o desconto diariamente a realidade da maior parte da população brasileira, somente
do BDI, resultava em aproximadamente 10 mil reais em material e mão de vivenciando o cotidiano do local a equipe técnica passou a compreender
obra. Esse valor conseguiu melhorar significativamente o conflito entre a riqueza de iniciativas e propostas que poderiam ser feitas para aqueles
expectativa e realidade do projeto; entretanto, os valores orçados para os lugares. É essencial uma postura ativa dos profissionais da Arquitetura para
insumos costumam ser superiores ao valor com que os moradores arcam buscar meios de transformar as moradias e as cidades. Somente quando se
por meio da autoconstrução, e há desconfiança em relação à equipe técni- coloca em prática o que está na lei é possível identificar estratégias e definir
ca. Quando esse trabalho é comparado com aquele desenvolvido por uma metodologias que melhor se adequem à realidade das pessoas e dos locais.
iniciativa de empresa social, a compreensão dos limites do que pode ser Desenvolver projetos que visem à qualidade das áreas públicas é primordial
feito dentro de um orçamento é claro e tangível, pois é a família que arca à aplicação do trabalho de assistência técnica de maneira holística, pois não
com os próprios custos da construção. Dessa forma, tem sido realizado o faz sentido aplicar dinheiro público para melhoria da habitação das famílias
programa Melhorias Habitacionais, cujo processo será detalhado em outro se os moradores, ao saírem de casa, encontram ruas sem pavimentação e
capítulo desta publicação. esgoto a céu aberto.
MUDANÇA DE PERSPECTIVA: DE ATHIS PARA ATUAIS
(ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM URBANISMO E ARQUITETURA DE INTERESSE SOCIAL)

Existe muita ignorância entre os responsáveis pelas cidades que estão no E dessa prática inovadora, propomos que o trabalho de assistência técnica
topo. Não há escapatória, pois as grandes cidades são simplesmente grandes deve ativar as nesgas de espaço urbano que sobram dos assentamentos
e complexas demais para que sejam compreendidas em detalhe de qualquer informais, para torná-las espaços públicos de qualidade; criar arborização
perspectiva - quer a das altas esferas, quer a de qualquer ser humano. Mesmo urbana que acompanhe as ruas e calçadas, contribuindo para cidades mais
assim o detalhe é fundamental. Os integrantes de um grupo distrital do East bonitas e com temperaturas mais amenas; desenvolver meios para a mobi-
Harlem, antes de um encontro com o prefeito e seus secretários, (...) fizeram lidade coletiva e principalmente para a mobilidade ativa, a fim de que não se
70 71
o seguinte comentário: ‘Devemos salientar que constatamos frequentemente dê preferência ao transporte individual; desenvolver projetos de melhorias
que nós, que moramos e trabalhamos no bairro, o vemos de maneira bem habitacionais de forma a qualificar e valorizar o esforço das pessoas que
diferente (...) daqueles que apenas passam por ele a caminho do trabalho ou recorreram à autoconstrução; promover meios de buscar a educação urbana,
leem a respeito dele nos jornais ou, mais ainda, acreditamos, daqueles que para que as pessoas se tornem mais conscientes e ativas quanto à realidade
tomam decisões sobre ele em repartições no centro da cidade.’ (...) É uma de nossas cidades e sobre como torná-las melhores. Todas essas e outras
queixa que não deixa de se repetir em todas as nossas grandes cidades. atividades não são necessariamente atribuições de uma mesma pessoa:
o trabalho complexo exige uma equipe e redes multidisciplinares que não
– JACOBS, J. 2009, p. 133 dependam somente das forças do governo, mas que envolvam iniciativas
privadas, terceiro setor, coletivos, empresas sociais, organizações não go-
vernamentais, entre outros. Nesse contexto, o entendimento da assistência
técnica deve passar a ser mais amplo, e é papel dos arquitetos e urbanistas
valerem-se de sua formação generalista para serem capazes de costurar as
A partir da experiência de campo, acreditamos que Como dito por Jane Jacobs, as decisões sobre a relações entre tantos campos disciplinares, de maneira a promover cidades
a assistência técnica em habitação de interesse cidade não devem ser feitas a partir de repartições de qualidade e mais justas com seus habitantes.
social deve ter sua prática reformulada. Deve ser públicas no centro da cidade onde não há convi-
assistência técnica de urbanismo e arquitetura de vência com a realidade, e a assistência técnica
interesse social, pois a intervenção dos arquitetos deve abordar essa necessidade como estratégia
apenas na moradia não é o suficiente. Esse fenôme- em sua raiz. O profissional de Arquitetura que trata
no tem sido recorrente desde os tempos do Banco de questões urbanas deve ser um articulador de
Nacional de Habitação (BNH) e foi ampliado pelo processos complexos, que se entrelaçam de ma-
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). A neira transdisciplinar. Esse trabalho faz parte da
moradia sem cidade não funciona e é desumana, disciplina de assistência técnica e deve ser feito de
a casa não deve ser desvinculada das relações baixo para cima, em parceria com a comunidade,
sociais que compõem a cidade. Os problemas a costurando os diversos segmentos que compõem
serem tratados pelos profissionais técnicos que os complexos sistemas que articulam a lógica
estão dentro de comunidades de baixa renda são urbana. O entendimento da assistência técnica
complexos, mas somente a partir de uma pers- precisa, portanto, ser atualizado.
pectiva de imersão se torna possível abordá-los Referências
de maneira mais próxima da realidade.
JACOBS, J. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
2
equipe arq. urb. Luiz Sarmento // abr 2015 - dez 2018
arq. urb. Manuella Coelho // jun 2016 - dez 2018 ações
urbanas
arq. urb. Daniel Melo // jan 2016 - dez 2018
ass. social Telma Souza // jun 2018 - dez 2018
ass. social Késsia Santana // mai 2018 - dez 2018

comunitárias
ass. social Renata Fonseca// ago 2018 - dez 2018

estagiários Luiz Ferreira, Caio Fiuza e Guilherme de Castro

1 AÇÕES URBANAS COMUNITÁRIAS


2 O PROGRAMA
3 OBJETIVOS
4 QUEM PARTICIPA
5 COMO SE DÁ A PARTICIPAÇÃO
6 A ESCOLHA DO LOCAL
7 AS FRENTES DE TRABALHO
8 VOLUNTÁRIOS
9 RESULTADOS
10 COMUNIDADES QUE CONTINUARAM
O PROCESSO DA AÇÃO URBANA
AÇÕES URBANAS
COMUNITÁRIAS

por Manuella Coelho, Luiz Sarmento e Mariana Bomtempo

74 75
a ação é atividade
política por excelência

– HANNAH ARENDT

A necessidade de apropriação do espaço urbano pela comunidade é um Ao contrário do pensamento mais “higienista” defendido por Robert Moses
assunto que ganhou importância nos debates sobre as cidades ao longo amplamente seguido, inclusive nos países periféricos, um dos argumentos
do século XX, após as consequências de uma profunda transformação dos defendidos por Jacobs é o entendimento de que o sentimento de segurança
espaços urbanos com a revolução industrial e a popularização do automóvel, nas cidades se dá pelos “olhos na rua” e pelo uso dos espaços urbanos, ou
que modificaram substancialmente a relação das pessoas com o espaço seja, quanto mais diversas são as possibilidades de uso do espaço - que não
público onde vivem, gerando um processo de abandono das áreas comuns deve ser entendido apenas pela lógica dos fluxos - mais protegidas estão
e a propagação de uma quantidade enorme de áreas residuais no tecido as diferentes pessoas que habitam a cidade. Os olhos na rua representam
urbano. O livro da jornalista estadunidense Jane Jacobs - Morte e Vida das a presença de moradores que exercem o papel de vigilantes do espaço pú-
Grandes Cidades, publicado em 1961 - foi um dos principais contrapontos ao blico, de cuidadores e observadores da comunidade, algo fundamental para
pensamento tecnicista e segregador do urbanismo modernista impulsionado combater a principal razão da não ocupação das áreas urbanas nos países
por Le Corbusier. Lançado exatamente um ano após o último grande ato do mais pobres: a violência urbana e o discurso do medo que a acompanha.
modernismo internacional, que foi a inauguração de Brasília, o livro estabele- Um desafio atual é garantir cidades com características impulsionadoras
ceu um novo olhar sobre as cidades e uma ruptura com a lógica modernista do uso da rua para permanência e não somente para passagem, retomando
de pensar e fazer cidades. Os debates de Jacobs sobre a vida cotidiana das uma tradição de vida pública que o Brasil possui e que foi se perdendo por
cidades partiam principalmente de suas observações e vivências de seu bairro, influência dos países hegemônicos na forma de se fazer e viver as cidades.
Greenwich Village em Nova York. Na época, eram recorrentes processos de Esses territórios populares, em grande parte, não são violentos ou a origem
remodelação das cidades americanas para permitir maior fluxo de carros, o da violência urbana, e sim são territórios violentados pelo Estado, por sua
que para Jacobs era o principal motivo de morte das cidades. O urbanista ausência ou presença militarizada.
Robert Moses conduzia essas iniciativas rodoviaristas em Nova York, e, por
isso, o título original do livro em inglês é “Life and Death of the Great American Muitas estratégias podem ser pensadas para favorecer e melhorar o uso
Cities”, já que a autora identificou que essa lógica funcionalista destruía a dos espaços públicos, mas é essencial que se desenvolva a diversidade. O
vida cotidiana urbana. incentivo a múltiplos usos leva mais gente para a rua, já que as dinâmicas
no tempo e os interesses de ali estar são diferentes.
Atualmente, existe um enorme conjunto de práticas de projeto, planejamento
urbano que pensam, planejam e desenvolvem cidades com o foco no usuá-
rio e na sua participação em todas essas etapas, norteados por processos
colaborativos de construção urbana que optam por estruturas horizontais
e reconhecem os valores e a abundância da diversidade de saberes. Os
métodos participativos apresentam a vantagem de incluir a população nas
tomadas de decisão e na construção dos espaços públicos, reforçando a
ideia de que o que é público é de todos e não de ninguém, sendo talvez a
parte mais importante do processo justamente por desenvolver processos
cognitivos que, não sendo facilmente mensurados, são muitas vezes descon-
siderados por iniciativas públicas ou privadas quando tratam da reabilitação
dos espaços urbanos.
76 77
A participação e construção colaborativa de espa-
ços urbanos objetivam atendimento às demandas
comunitárias bem como ao caráter técnico exigido
pelos órgãos de controle e planejamento da cidade.
A conexão dos atores que atuam no processo de
construção urbana se faz eficiente quando propor-
ciona a abertura aos interesses e necessidades
diversos, empoderando efetivamente os usuários
do espaço como parte ativa no processo de trans-
formação. Tais usuários, ao estarem inseridos nas Nas zonas de regularização de interesse social do DF, em geral assentamen-
atividades decisórias, sentem-se reconhecidos, tos formados por processos céleres de urbanização informal, as áreas livres
contemplados e integrantes da comunidade. comuns não são formalmente construídas ou delimitadas, sendo formadas
por pequenas áreas residuais em um tecido urbano parcelado de modo a
garantir a maior quantidade possível de lotes. Há também casos em que
glebas maiores são entendidas como espaços públicos e reservadas pela
comunidade para que sejam consolidados como tal. Eles existem por algum
acordo informal coletivo firmado entre seus moradores que conseguiram
garantir que não fosse ocupado. Essas áreas maiores apresentam maiores
chances de conflitos territoriais entre os moradores que as protegem e os
grileiros.

O principal desafio da atuação de arquitetos e urbanistas no programa de


Assistência Técnica foi o de identificar, mapear, monitorar e garantir que as
potencialidades desses espaços públicos fossem, no processo de regulari-
zação fundiária, desenvolvidas, garantindo áreas verdes e de convívio para a
população. A atuação dos técnicos da Companhia imersos nessas localidades
por meio do Posto de Assistência Técnica foi fundamental para a sensibilização
para o desenvolvimento de metodologias participativas e para a elaboração
de estratégias para a rápida consolidação desses espaços, apresentando
resultados bastante satisfatórios na geração de infraestrutura social.
O PROGRAMA OBJETIVOS

No intuito de promover melhores cidades e contribuir para processos de O programa tem como objetivo prioritário qualificar os moradores a se fazerem mais presentes e a
regularização mais participativos e próximos à população, durante a gestão áreas livres que ainda não dispõem de elementos ocuparem também esses espaços, construindo
2015-2018 da Codhab iniciou-se um programa de (re) qualificação urbana que favoreçam ou prejudiquem seu uso, bem como possibilidades para uma revisão das noção acerca
baseado na participação social: as Ações Urbanas Comunitárias. O objetivo identificar e intervir em áreas residuais para melho- do espaço público, usualmente compreendido
foi intervir em vazios urbanos para consolidá-los enquanto áreas verdes rar seus atributos. Assim, duas grandes linhas de como espaço de violência. Não existe o vácuo,
de uso público e melhorá-los, por meio da participação da comunidade, atuação estiveram presentes: consolidar espaços sempre haverá alguém se utilizando dos espaços
a fim de protegê-los de parcelamentos e ocupações irregulares futuras, públicos com condições precárias de utilização e públicos, nesse sentido, é fundamental garantir os
bem como combater depósitos irregulares de resíduos urbanos e permitir a ainda identificar locais nas periferias com poten- usos mais adequados e a maior diversidade de
78 79
apropriação das pessoas para seu uso de acordo com seus reais desejos. cial para serem áreas comuns dotadas de lazer pessoas usufruindo desses locais.
As Ações permitiam a colaboração entre organizações sociais, voluntários, e arborização, além de garantir, por meio do uso
moradores e poder público por meio da presença dos técnicos do Posto de imediato, que não sejam ocupadas irregularmente. Um primeiro mutirão das Ações Urbanas Comunitá-
Assistência Técnica. Além dos ganhos físicos e urbanos, o programa rias ocorreu no Sol Nascente trecho 1 ainda sob o
busca, também, trabalhar com os moradores o nome de Se Essa Rua Fosse Minha1 em outubro de
A ausência de áreas urbanas de uso comum com o mínimo de qualidade, e entendimento da cidade e da rua enquanto espa- 2015. Foram realizadas pinturas de fachadas e um
a falta de entendimento sobre o papel do arquiteto do Posto de Assistência ços de vivência comunitária, além de noções de painel artístico. Essa experiência foi bastante exito-
Técnica na comunidade convergiram para estabelecer as primeiras relações educação ambiental e alfabetização urbana. sa, principalmente em relação a mobilização social
entre as equipes da Codhab e a comunidade local por meio das iniciativas e entrosamento entre os técnicos e a comunidade.
para esses espaços. Essa atuação também tinha como objetivo estabelecer Dentro da lógica capitalista, o ócio no espaço A partir dessa primeira ação, ficou clara a eficácia
e reforçar vínculos dos moradores com a rua e promover condições de mo- urbano não é considerado produtivo, somado à dos mutirões para iniciar um processo participativo
radia mais saudáveis e seguras, uma vez que a rua e as relações humanas alienação promovida pelas distâncias entre o tra- mais amplo, e foi estabelecida uma coordenação
que se dão nesses espaços fazem parte do habitar a cidade. Ter acesso à balho e a moradia, sobra pouco tempo para os para desenvolver um programa, que ficou a cargo
moradia é também ter acesso à cidade e seus serviços como transporte, moradores da periferia viverem a sua cidade, e do arquiteto e urbanista Luiz Eduardo Sarmento.
infraestrutura, equipamentos de educação, saúde, bem como áreas comuns os encontros acabam prejudicados pela falta de Após a formulação do Programa Ações Urbanas
de lazer com qualidade. tempo e espaço. Nessa perspectiva, comumente Comunitárias (AUC) a partir dessa experiência
quem utiliza a rua é visto como desocupado, o que inicial, foi composta uma pequena equipe para ficar
A Lei de Assistência Técnica, Lei Federal nº 11.888, foi aprovada 11 anos após gera desconfiança entre os que estão dentro e fora à frente dos mutirões que deveriam ocorrer com
a inclusão da moradia como direito social na Constituição e é uma das ferra- de casa. Essa visão é reforçada por programas regularidade nas áreas onde existiam postos de
mentas para o acesso a esse direito. Ainda que o foco da legislação esteja na sensacionalistas de televisão, e mais recentemente Assistência Técnica. Ficou estabelecido que todos
habitação, a lei também afirma que é objetivo da assistência técnica “propiciar por vídeos de redes sociais, que repetem casos deveriam adotar a mesma base metodológica,
e qualificar a ocupação do sítio urbano em consonância com a legislação ur- de violência urbana à exaustão, esvaziando ainda criando uma unidade para o projeto, inclusive em
banística e ambiental”. Este aspecto da lei reforça um entendimento de que a mais as ruas daqueles que realmente podem fazer suas visualidades.
moradia urbana faz parte de um contexto que deve ser entendido de forma um uso mais saudável.
unitária. Por isso, a estratégia de atacar primeiramente os problemas das áreas
coletivas foi importante para dar início ao processo de implementação da lei O processo de mobilização é, assim, ferramen-
nas comunidades, funcionando como uma etapa prévia às ações de melhorias ta de mudança de paradigma na cultura urbana 1 Inicialmente, o Ações Urbanas Comunitárias se chamava Se
Essa Rua Fosse Minha. Com o passar o tempo e a ampliação
habitacionais, em um processo de construção de confiança e aprendizado entre brasileira frente ao que se entende e como se das atividades de atuação além de pintura em fachadas,
técnicos e moradores, já que as intervenções dentro das moradias requeriam utilizam os espaços públicos na cidade. O discur- optou-se por alterar a denominação do programa e conside-
rar o nome inicial apenas como um dos eixos de atuação do
uma relação de maior familiaridade entre as partes. so de apropriação da rua vem, assim, convencer trabalho.
A partir da segunda experiência do mutirão, o programa definiu a ação como
estratégia de mobilização social e introdução do programa de ATHIS nas co-
munidades, reforçando o entendimento da atuação por meio de parcerias entre
diferentes agentes, tendo sempre na uma coordenação governamental, uma
coordenação técnica voluntária (ONGs, Coletivos, etc.) e uma coordenação
formada por lideranças locais. Entes governamentais como a Companhia
Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e a Administração Regional da
Ceilândia se mostraram valiosos e interessados em apoiar a transformação
do local escolhido com mão de obra e insumos.

80 81

cuidados importantes:
_ tempo para envio de ofícios;
_ cronograma para adequação
dos trabalhos com capacidade
da equipe de obra;
_ escolher áreas compatíveis
com os prazos internos e
recursos humanos para
execução;
_ quando um mutirão não for
suficiente para concluir a ação,
ela deve ser planejada em
etapas.

Fluxograma das etapas do programa Ações Urbanas Comunitárias, 2016 Ação-piloto do programa Ações Urbanas Comunitárias - Sol Nascente, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
82 83

reunião para
apresentação do projeto

Ação-piloto do programa Ações Urbanas Comunitárias: mobilização, preparação e mutirão


Praça da Quadra 501, Sol Nascente, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
QUEM PARTICIPA
O principal responsável pelo andamento da Ação Ur- Durante o período que antecedia o mutirão, às
bana era o/a arquiteto/a coordenador/a do respecti- vezes até um mês antes da intervenção, uma equi-
vo Posto de Assistência Técnica da localidade. Além pe de funcionários da Codhab, trabalhadores da
disso, uma equipe de gerenciamento do programa construção civil, realizava a preparação do local se
composta por arquitetos/as também apoiava o houvesse a necessidade de trabalho especializado.
processo acompanhando diariamente o andamento Eram pedreiros, pintores, eletricistas, marceneiros e
das atividades e orientando as equipes da ponta. Os serventes que apoiavam as atividades necessárias
mutirões ocorriam sempre aos sábados para que para a realização do trabalho.
os moradores que trabalham em horário comercial
pudessem participar. Arquitetos de outros postos Assim, a transformação desses assentamentos era
84 85
também participavam do mutirão, o que tornava proporcionada pela construção coletiva, o tempo
o processo mais rico e de aprendizado para toda e o suor dos voluntários dão sentido ao trabalho
equipe, com troca de experiências. Havia Ações que tem como objetivo desconstruir a lógica ca-
que contavam também com outros funcionários da pitalista de responsabilidade pelo espaço público,
Codhab, entidades locais, estudantes e voluntários que deve ser de todos.
em geral, inclusive estrangeiros.

COMO SE DÁ A
PARTICIPAÇÃO
AUC #8, 2016
A participação da comunidade se dava, inicialmente, pela Numa segunda reunião, também com ampla divulgação,
Um bom exemplo ocorreu na
criação, manutenção e fortalecimento de vínculos entre era apresentado o anteprojeto para avaliação e discus- comunidade de São Sebastião
os técnicos e as lideranças comunitárias por meio do são com a comunidade. São alinhadas as expectativas para a realização de intervenção
na praça central do Residencial
contato cotidiano com a presença do Posto. Os locais e, caso o projeto fosse aprovado, dava-se início à or- Vitória, posteriormente denominada
com potencial de se tornarem espaços verdes de per- ganização das próximas etapas, visando promover o pelos moradores como Praça da
Vitória. Em encontros promovidos
manência eram identificados via imagens de satélite e mutirão, definindo as frentes de trabalho e a logística pelo programa Ações Urbanas
apresentados aos moradores que, juntamente com os da ação. Se, durante a reunião, surgissem necessidades Comunitárias com caráter
educativo e participativo, a
técnicos, escolhiam o local mais estratégico para a Ação a de alteração da proposta, o projeto era ajustado e então arquiteta responsável à época,
ser realizada, avaliando conjuntamente alguns fatores. Ao reapresentado à comunidade até que houvesse um Sandra Marinho, desenvolveu
atividades interativas no sentido
se definir o local da ação, os moradores da proximidade consenso. Outras dinâmicas também eram realizadas de elaboração de desenho para a
são convidados a conversar sobre o espaço, seja por para absorver dos moradores suas principais deman- praça e identificação de desejos
para a transformação do lugar. Foi
meio de visitas de casa em casa, convites distribuídos, das, ainda que muitas vezes elas não estivessem claras feita maquete colaborativa e um
carros de som, rádios comunitárias, cartazes, ou grupos para os próprios moradores. Construção de maquete “varal dos sonhos” para as crianças
compartilharem seus anseios em
em redes sociais, visando validar o local escolhido por colaborativa, apresentação de imagens de referência forma de desenho. Também foi
uma quantidade maior de pessoas da região, além de para o projeto, visitas in loco mediadas pelos técnicos, desenvolvida árvore dos desejos com
os adultos a fim de demonstrarem
elaborar um programa de necessidades para a área, entre outras metodologias, eram utilizadas para garan- suas vontades mais importantes
bem como um diagnóstico, mapeando pontos fortes tir amplo entendimento do espaço, das necessidades, para o espaço).
e fracos para a qualificação do sítio. A partir de então, potencialidades e possibilidades para o local.
Fonte: Acervo Equipe de
algum desenho síntese era esboçado. Assistência Técnica CODHAB
A ESCOLHA DO LOCAL INTERESSE E ARTICULAÇÃO DA COMUNIDADE
E DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL

ÁREA ESTÁ EM ACORDO COM PROJETO URBANÍSTICO, REGULARIZADA


A presença diária da equipe técnica na comunidade ou tenham potencial de organização para se em- OU APRESENTA FACILIDADE DE REGULARIZAÇÃO OU INCLUSÃO EM
de trabalho permitiu identificar e apreciar diversas penharem na busca de apoios e patrocínios para PROJETO DE REGULARIZAÇÃO
necessidades de consolidação de espaços públicos custeio de atividades e materiais da intervenção
já existentes ou de construção de novas áreas e manutenção posterior ao mutirão.
para uso coletivo. A partir de estudos técnicos EXISTÊNCIA OU IMINÊNCIA DE
juntamente com os responsáveis pelo desenho No aspecto urbano, os itens avaliados levavam em IMPLANTAÇÃO DE INFRAESTRUTURA
do projeto urbanístico (quando o responsável não consideração a inserção da área escolhida dentro
86 87
seja o próprio arquiteto do posto), da experiência e de poligonal de área de regularização, de maneira
vivência na localidade e ainda de desejos e mapea- que estivesse previsto ali uso como espaço público POSSIBILIDADE DE PAISAGISMO
mentos feitos pelos próprios moradores foi possível ou que fosse viável sua inclusão no projeto como E/OU ARBORIZAÇÃO URBANA
localizar as áreas potenciais para eventuais Ações. tal. Em escala mais próxima, pensar sua posição
nessa poligonal auxiliava na reverberação da in-
Alguns critérios precisaram ser verificados tendo tervenção para outros pontos na comunidade. ÁREA É OU POSSUI CONEXÃO COM PRAÇAS, EQUIPAMENTOS
em vista as demandas comunitárias, as necessi- Estar em ponto de grande visibilidade local auxi- PÚBLICOS E ÁREAS DE GRANDE FLUXO/PERMANÊNCIA
dades técnicas e ainda as diretrizes institucionais liava que os moradores pudessem conhecer e se
e de governo. Para tanto, foi preciso ter atenção e apropriarem melhor da intervenção.
avaliar o local escolhido em itens de caráter social EXISTÊNCIA DE ESPAÇOS RESIDUAIS QUE POSSAM SER
e participativo, técnico e urbanístico e ainda do Também era importante reconhecer espaços INCORPORADOS E QUALIFICADOS ENQUANTO ESPAÇO PÚBLICO,
ponto de vista estratégico para todos os envolvi- residuais que pudessem ser ressignificados e PERMITINDO, POR EXEMPLO, INSTALAÇÃO DE MOBILIÁRIO URBANO
dos. Para nortear os trabalhos, foi elaborado um utilizados como áreas públicas com oferta de
documento com “20 passos para fazer uma Ação lazer e conforto por meio da instalação de mobi-
Urbana Comunitária”, auxiliando a coordenação liários urbanos, além de prever ainda paisagismo LOCAL APRESENTA QUALIDADES QUE POTENCIALIZAM A AÇÃO,
nas comunidades do projeto. e arborização urbana para assegurar qualidade e GERANDO IMPACTO E TRANSFORMAÇÃO SIGNIFICATIVA COM BAIXO
agradabilidade no conforto bioclimático. CUSTO - APRESENTA POSSIBILIDADE DE REVERBERAÇÃO DA AÇÃO
Na busca pela garantia de maior envolvimento DENTRO DA LÓGICA DA ACUPUNTURA URBANA
comunitário no processo e consequente utilização Outras ações governamentais poderiam ser incor-
ampla e de qualidade do local transformado, era poradas ao processo de intervenção para garantir
imprescindível levar em consideração as organiza- melhor resultado para os moradores e para o local. COMUNIDADE ESTÁ MINIMAMENTE ORGANIZADA COM POTENCIAL
ções e engajamentos já existentes no cenário local. Fazer mudanças e alterações nos espaços públi- PARA CONSEGUIR APOIO/PATROCÍNIO PARA CUSTEAR PARTE DAS
O interesse e articulação dos moradores pela cos é assunto delicado nessas comunidades que ATIVIDADES E MELHORIAS, ALÉM DE ESTAR DISPOSTA E APRESENTAR
participação no processo era fator importante na ainda não estão completamentamente regulariza- CONDIÇÕES PARA MANUTENÇÃO E CONTINUIDADE DA AÇÃO
escolha de um local de Ação Urbana, pois facilitava das, pois pode gerar expectativas e desencadear
os procedimentos de participação e era ferramenta situações e processos indesejados. Assim, era
de maior alcance dentro da comunidade, além de interessante que a área já apresentasse infraes- ÁREA POSSUI AÇÕES GOVERNAMENTAIS PREVISTAS OU
ser um requisito importante para garantir o uso dos trutura urbana instalada ou estivesse em vias de EM DESENVOLVIMENTO, COMO IMPLANTAÇÃO DE
espaços após a intervenção. Considerar, ainda, que ser instalada para complementar o processo de INFRAESTRUTURA, REGULARIZAÇÃO, ETC.
estejam disponíveis, minimamente organizados urbanização por meio da apropriação.
AS FRENTES
DE TRABALHO

SE ESSA RUA FOSSE MINHA

A principal frente de trabalho em uma Ação Urbana e a que iniciou o programa


na primeira atuação no Sol Nascente (Ação #1 - Quadra 400) é a intervenção
em fachadas residenciais com reboco e pintura. O eixo denominado Se Essa
Rua Fosse Minha1 compunha o quarteto de atuação e permitia o entendimento
88 89
da moradia para fora do lote — da complexidade e do potencial da interface
público-privado. Os moradores entendiam como poderiam contribuir para
a melhoria do espaço público ao mesmo tempo em que melhoravam suas
próprias residências.

Durante as semanas de preparação que antecediam o mutirão, cada residência


era informada sobre a ação, e um responsável autorizava ou não a intervenção
Se Essa Rua Fosse Minha: primeiro mutirão de requalificação de fachadas no Sol Nascente, 2015
no muro, já indicando cores de preferência para a pintura. Cada morador era Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
convidado a interagir com a comunidade realizando a própria pintura e/ou
reboco em seu muro. Muitas vezes este era o pré-requisito para participação.
Se Essa Rua Fosse Minha: eixo de requalificação de fachadas do programa AUC
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
O mapeamento prévio das cores era feito com os moradores e posteriormente
refeito e articulado para possíveis mudanças, buscando efeito de cor mais
interessante e com maior impacto visual.

Com essa possibilidade de intervenção garantida na ação teste ocorrida


em 2015 no Sol Nascente, foi possível pensar em extrapolar as atividades e
sair das fachadas para atuar na consolidação e transformação do espaço.

1 Inicialmente as Ações tinham o nome Se Essa Rua Fosse Minha e foi realizada de maneira
piloto no Sol Nascente. Após percepção da necessidade de atuação ampliada no espaço público,
o programa ganhou o nome Ações Urbanas Comunitárias, visando absorver demandas de plantio,
paisagismo e instalação de mobiliários urbanos.
90 91

Se Essa Rua Fosse Minha: Estrutural, 2017 Se Essa Rua Fosse Minha: Fercal, 2017
Fonte: Mariana Bomtempo Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
BOTANDO VERDE

A zona central do DF apresenta, desde sua conceituação modernista, áreas verdes


superdimensionadas e grandes vazios projetados, típicos das cidades jardins da
primeira metade do século XX. Um cenário muito discrepante das zonas periféricas
que possuem deficit de arborização e de áreas verdes, além de problemas com
o serviço público de coleta de lixo. Tal contexto leva a situações de acúmulo de
resíduos em áreas não ocupadas.

Um dos principais objetivos do programa era transformar essas áreas de acúmulo


de lixo e focos de doenças em áreas verdes que contribuíssem para a melhoria da
habitação no local. Assim, na necessidade de oferecer conforto e agradabilidade
92 93
às áreas livres e de uso coletivo, a arborização e o paisagismo são cruciais para
ocupar os vazios urbanos de maneira mais saudável e sustentável. Por isso, esse
eixo foi denominado Botando Verde. O plantio de árvores nos mutirões de ocupa-
ção imediata das áreas seguia o projeto executivo aprovado pelos moradores e
por outros órgãos do governo, de modo que quando as obras definitivas fossem
executadas, as árvores previstas no projeto já estariam lá.

A construção de hortas e agroflorestas tem papel relevante para introduzir a


temática do paisagismo produtivo e da agricultura urbana nessas comunidades.
A manutenção e o cuidado desses espaços provocam os moradores a estarem
nas ruas promovendo encontros e transformando essas hortas em pontos de
educação e de vivência comunitários.

Outro fator relevante diz respeito a ressignificar a imagem dessas comunidades em


relação aos cuidados com o meio ambiente. Esses moradores são estigmatizados
por grande parte da população como inimigos da preservação ambiental e invasores
de áreas públicas. Sabemos que,apesar dos problemas decorrentes da ocupação
informal, não são as pessoas pobres as que mais ocuparam irregularmente áreas
de preservação ambiental no DF, e sim as mais ricas, em áreas sensíveis como a
Orla do Lago Paranóa, a bacia do São Bartolomeu e a as regiões norte da metrópole
brasiliense, abrangendo o entorno do Parque Nacional e a Serrinha do Paranoá. Ou
seja, o problema ambiental, apesar de sempre recair sobre os mais pobres, que
foram morar em áreas irregulares por necessidade, é algo que perpassa todas as
classes, com o agravante que as classes mais altas ocupam áreas irregulares não
porque precisam garantir o direito à moradia, mas por conveniência, ganância e
até má-fé. Nesse sentido, as Ações Urbanas Comunitárias tiveram um importante
papel em ativar e conectar lideranças locais que já mantinham ações isoladas
de educação ambiental, monitoramento de APP e reflorestamento. Isso auxiliou
na construção de uma imagem fidedigna e não preconceituosa da relação dos
Botando Verde: eixo de plantio do programa AUC
moradores das comunidades com o meio ambiente. Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
Botando Verde: São Sebastião, 2016
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento

94 95

Botando Verde: Brazlândia, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
RECICLO URBANO

O reaproveitamento de resíduos acumulados e sua ressignificação a ponto


de se tornarem novamente itens de uso e de valor coletivo tem como obje-
tivo trabalhar na limpeza das áreas, na educação ambiental e na quebra de
paradigma acerca do lixo, já que por meio dele é possível a construção de
mobiliários urbanos.

O uso de elementos de fácil acesso, abandonados em terrenos baldios ou


em depósitos do governo por exemplo, para confecção de novos itens era
uma estratégia de intervenção de baixo custo e ainda de convencimento dos
moradores sobre as possibilidades de replicação e reprodução em demais
96 97
situações. Pneus, material absolutamente abundante na metrópole rodoviarista
que é Brasília, foram reutilizados para montagem de bancos e de canteiros
de flores e hortaliças; paletes e madeiras velhas foram transformados em
cercas para hortas e em bancos; manilhas residuais de obras puderam ser
ressignificadas e se tornaram brinquedos infantis e canteiros; assim como
parquinhos danificados que estavam depositados nas Administrações Re-
gionais foram reformados e utilizados nos projetos.
Reciclo Urbano: eixo de mobiliário urbano com material reciclado do programa AUC
Fonte: Sandra Marinho

Reciclo Urbano: eixo de mobiliário urbano com material reciclado do programa AUC Reciclo Urbano: eixo de mobiliário urbano com material reciclado do programa AUC
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
Reciclo Urbano: Buritizinho, 2016 Reciclo Urbano: Pôr do Sol, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Luiz Ferreira

98 99
GALERIA URBANA

Em comunidades com milhares de pessoas, sem endereçamento oficial,


Galeria Urbana: eixo de pintura de paineis artísticos do programa AUC
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB qualquer marco visual é importante para a apreensão do território e definição
de referências espaciais. Visando criar marcos visuais na paisagem e pro-
mover intercâmbios artísticos, foi pensado sempre incluir um mural artístico
executado por um artista convidado ou planejado pela equipe dos Postos
para ser executado com participação da comunidade.

Assim como em todos os momentos de construção e da própria Ação, a


proposta era sempre apresentada previamente aos moradores. Uma das
experiências mais exitosas foi a dos painéis feitos por camadas de cor,
100 101
adotando técnicas de tape-art, onde as formas a serem pintadas eram dese-
nhadas na parede com fita adesiva branca delimitando as áreas por cor, em
uma estética que retomava, de certa forma, as especulações abstracionistas
experimentadas nos primeiros anos de Brasília para a arte pública. Também
foram feitos murais executados por artistas e associações locais, buscando
um diálogo e resultado estético já adotados pelos moradores.

A produção de peças gráficas de divulgação das Ações tinha a preocupação


de já ser um elemento estético de intervenção urbana, com deliberada in-
tenção artística, visando introduzir cores na paisagem árida, transformando
visualmente esses espaços e criando contrastes visuais.
102 103

Galeria Urbana: Sol Nascente Trecho 2, 2017 Galeria Urbana: Vila Cauhy, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
VOLUNTÁRIOS RESULTADOS

Além dos moradores, poder público e demais parceiros na construção da 73


Ação Urbana, estiveram presentes com expressiva atuação os voluntários ações urbanas
externos à comunidade. Motivados pelos valores de participação e solidarie- comunitárias
dade, disponibilizaram conhecimento e tempo de maneira não remunerada
para melhorar a qualidade de vida de outras pessoas.

104
De maneira geral, a maioria dos voluntários que participavam de uma Ação
eram jovens estudantes de arquitetura que buscavam experiência pessoal
1 25 39 8
ação urbana ações urbanas ações urbanas ações urbanas
no trabalho social e, ainda, experiência profissional no tocante à realização
em 2015 em 2016 em 2017 em 2018
de trabalho em urbanismo de caráter emergente e colaborativo.

Ser voluntário é praticar empatia, é colocar-se no lugar do outro e ver o


problema com seus próprios olhos. Porém é, além de conscientização das
problemáticas, inquietação frente à realidade e instinto resolutivo para ir de
163 55 438
ruas painéis fachadas
encontro às injustiças e enfrentá-las. O aprendizado vem da convivência com
transformadas artísticos requalificadas
o diferente, do respeito ao próximo e da crença nas práticas colaborativas
como ferramentas de construção de uma sociedade mais inclusiva e justa.

227 4995
famílias famílias
beneficiadas beneficiadas
diretamente indiretamente

Para além de resultados físicos e numéricos, o pro-


grama foi capaz de mobilizar pessoas, comunidades
e instituições a partir da participação nos processos
de engajamento comunitário e de transformação
urbana e social. Os impactos mensuráveis demons-
tram apenas parte do êxito logrado nos mais de três
anos de Ações Urbanas Comunitárias.
106 107

DOWNLOAD
DISPONÍVEL:

Manual Ações Urbanas Comunitárias, 2017


Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo
01

108
02 109

03

04

Imagens de maquete representativa do programa Ações Urbanas Comunitárias


exposta na XX Bienal de Arquitetura do Chile, ocorrida em Valparaíso, Chile,
em 2017, sob a temática Diálogos Impostergables. O programa foi um dos 218
projetos selecionados dentre os mais de 400 recebidos em convocatória aberta.
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
COMUNIDADES QUE CONTINUARAM
O PROCESSO DA AÇÃO URBANA

Diversas comunidades, imbuídas do desejo de intervir do córrego Riacho Fundo, que separa a comunidade Inicialmente, a praça era tida como terreno baldio e Mais de uma dezena de palmeiras imperiais adultas
em seus bairros e torná-los melhor habitáveis, deram do bairro oficial. As margens do córrego, tratadas por isso acumulava resíduos urbanos e funcionava foram salvas e, ao executar por completo o projeto
prosseguimento ao processo de transformação do como espaço violento que deveria ser evitado, foram como depósito de materiais de construção para lojas desenvolvido junto aos moradores em contraponto
espaço após a finalização da Ação Urbana. Além da o local escolhido para as ações, que tiveram caráter vizinhas, além de servir como estacionamento de ao projeto de 2008 que desconsiderava o local e
visão de cuidado e manutenção dos itens instalados educativo e ambiental. Equipes especializadas em caminhões. Ainda que apresentasse um parquinho as palmeiras, reflete a importância de ter técnicos
e/ou renovados em mutirão, novos elementos foram preservação ambiental foram convidadas a integra- infantil e uma parada de ônibus e contasse com arquitetos e urbanistas atuando em conjunto com as
110 111
inseridos na dinâmica dos espaços a partir de inicia- rem os trabalhos, dando apoio em oficinas educati- enorme fluxo de pessoas (praticamente toda a co- comunidades na defesa dos interesses locais e no
tivas próprias da vizinhança. vas, no plantio de mudas de árvores nativas de matas munidade que utiliza transporte coletivo passava por desenvolvimento de projetos e obras mais sensíveis
ciliares e no fornecimento de mudas. ali), a área não contava com qualquer infraestrutura, aos desejos, necessidades e espírito do lugar.
A primeira experiência em que isso pôde ser percebi- sendo, inclusive, alvo de ocupações irregulares por
do foi na comunidade Buritizinho, em Sobradinho 2. Durante o primeiro mutirão, o espaço de intervenção grileiros por diversas vezes, existindo um conflito As Ações Urbanas Comunitárias também apresen-
A área estava passando por obras de infraestrutura passou por extensa limpeza e transformou-se em permanente entre os moradores e os posseiros que taram bons resultados na governança do território,
urbana que tornavam o momento propício para a área de estar e passagem de pedestres à beira do reivindicavam a terra. ao promover intervenções que elucidavam o caráter
construção comunitária de áreas públicas já que o córrego. Algumas semanas após a Ação, a equipe público do lugar, e, portanto, foi potente ao evitar ocu-
sentimento de renovação e esperança tomava con- técnica do Posto, em visita de monitoramento, iden- Após reiteradas denúncias de tentativas de grilagens, pações irregulares, mantendo sem edificações esses
ta dos moradores. Foram feitas, assim, três Ações tificou que novas mudas de árvores haviam sido o Posto, atendendo a demandas e denúncias dos espaços identificados como relevantes do ponto de
Urbanas Comunitárias em uma das praças do bairro plantadas no local pelos moradores, demonstrando moradores, desenvolveu projeto urbano e paisagístico vista urbano, ambiental ou que foram categorizados
em que os moradores, sem auxílio de técnicos ou do que faltava apenas uma energia de ativação para participativo e iniciou processo de mobilização com como zonas de risco. O Estado exerceu então suas
governo, já estavam executando. O projeto potenciali- desencadear um processo de ressignificação da a comunidade para criar meios para a utilização da atribuições de ser informativo, educativo e profiláti-
zou o processo ao conectar o conhecimento técnico área coletiva. Ainda que potencialmente algumas área (afastando os grileiros) enquanto atuava junto à co, evitando a necessidade de remoções futuras e
ao desejo e engajamento da população, qualificando das mudas, plantadas ou não na Ação, não tenham Administração Regional para viabilizar a execução do garantindo espaços minimamente qualificados para
os resultados e acelerando o trabalho. sobrevivido, a iniciativa dos moradores reafirmou o projeto. Assim, foram realizadas quatro Ações Urba- o usufruto coletivo no presente.
entendimento daquele vazio outrora residual como nas, objetivando a mudança da leitura e compreensão
Alguns dias após o grande mutirão final, em visita espaço de estar e de preservação ambiental a ser daquele espaço pelos moradores do bairro. Nessas
ao local, a arquiteta responsável pela área identificou apropriado por eles. ações, dentre outras várias atividades, foi construído
novos bancos na praça que não estavam lá quando campinho de futebol utilizando pneus reutilizados
foi realizada oficialmente a Ação Urbana. O aspecto Outro caso emblemático a ser citado para ilustrar para definição dos limites. Em apenas um dia, a área,
artesanal de produção deixava claro o improviso e esse sucesso é o processo de consolidação da Praça que era depósito de resíduos de construção civil,
carinho que haviam sido empregados para elabora- da Vitória, entrada da comunidade Residencial Vitória tornou-se ponto de encontro e lazer dos moradores
ção daqueles mobiliários. em São Sebastião. Fruto de ocupação irregular, o que não possuíam outro equipamento de esporte.
bairro praticamente não dispõe de espaços na cidade
Outra situação ocorreu na comunidade Vila Cauhy, que possam ser convertidos em praças públicas e A Rua das Palmeiras, no Trecho 1 do Sol Nascente,
pertencente no Núcleo Bandeirante, com localização áreas coletivas de lazer. Assim, com olhar técnico e que talvez tenha sido o mais bem sucedido resultado
privilegiada em relação ao centro. Seu processo de apurado, a equipe do Posto de São Sebastião pron- do projeto Ações Urbanas Comunitárias, consolidou
regularização é complexo, tendo em vista a localiza- tamente reconheceu a área como passível de se um largo que foi organicamente construído pela po-
ção ambiental sensível, interferindo na preservação transformar em uma gregária praça urbana. pulação e que seria transformado em uma via banal.
3
equipe arq. urb. Lucélia Duda
arq. urb. Sandra Marinho
// abr 2015 - jul 2017
// jul 2017 - dez 2018 melhorias
habitacionais
adm. Rosane Almeida // jun 2015 - mai 2018
adm. Stéphany Moura // jan 2017 - dez 2018
adm. Amanda Santos // out 2017 - dez 2018
adm. Mozzer Andrade // jun 2017 - dez 2018
ass. social Rosalina Couto // jan 2018 - dez 2018

estagiários Gabriela Gomes, Andressa Guedes, Bruna Izidoro,


Marina Vasconcelos e Junior Fortes

1 MELHORIAS HABITACIONAIS
2 O DIREITO À MORADIA
3 O PAPEL DA COMPANHIA E A ASSISTÊNCIA TÉCNICA
COMO PROGRAMA DE GOVERNO
4 ESTABELECENDO UMA METODOLOGIA
DENTRO DOS TRÂMITES GOVERNAMENTAIS
MELHORIAS O DIREITO À MORADIA
HABITACIONAIS

por Mariana Bomtempo e Sandra Marinho

O deficit habitacional brasileiro é estimado em 5,572 milhões de domicílios O direito à moradia foi estabelecido no âmbito internacional como direito
nas áreas urbanas, sendo que no Distrito Federal esse número é de 131.537 humano desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada
114 115
unidade habitacionais, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP) . Outros 1
em 1948. No Brasil, foi definido como um dos direitos sociais por meio da
15,476 milhões de domicílios são considerados inadequados, ou seja, são Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, ao ser inserido de
moradias já existentes que não oferecem condições saudáveis para os usu- forma expressa no caput do art. 6º o direito à moradia, in verbis:
ários. É primordial que haja a melhora na habitabilidade dessas edificações.
Estima-se, ainda, que cerca de 70% das moradias são construídas de maneira ART. 6º
informal por meio da autoconstrução e/ou da autogestão, bem como 77% São direitos sociais a educação, a saúde, a alimen-
das operações de reforma e ampliação2. tação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e
Segundo pesquisa realizada pelo CAU/BR e Instituto Datafolha (2015), no à infância, a assistência aos desamparados, na
Brasil, mais de 80% das construções são executadas sem suporte profissio- forma desta Constituição.
nal de um engenheiro e/ou arquiteto. Dessa forma, é recorrente problemas
técnicos oriundos da autoconstrução desassistida que têm consequências Isso configura a moradia como um direito fundamental que deve ser as-
como insegurança ou insalubridade da residência para as famílias. segurada pelo Estado a todos os cidadãos brasileiros. A moradia pode ser
assegurada por meio de programas de construção de novas unidades, como
Problemas estruturais, instalações elétricas e hidrossanitárias inadequadas, também por estratégias políticas de fomento à moradia como aluguel social,
alagamento da residência, além de excesso de pessoas por dormitório, falta urbanização e regularização de assentamentos precários, e assistência téc-
de ventilação e iluminação naturais em cômodos de longa permanência nica gratuita para mitigar os problemas da autoconstrução.
foram problemas oriundos da autoconstrução desassistida que a Política
Habitacional aplicada pela equipe de Assistência Técnica da CODHAB durante No intuito de viabilizar a assistência técnica, a sua instrumentalização legal
a gestão 2015-2018 buscou resolver. foi viabilizada no âmbito Federal por meio do Estatuto das Cidades – Lei n°
10.257 de julho de 2001 e no âmbito Distrital por meio do Plano de Habitação
Tais problemas colocam em cheque a habitabilidade dessas casas e, muitas do Governo Federal (PLANHAB). Mais recentemente, também foi aprovada
vezes por conta dessas características, engrossam os números do deficit uma lei específica sobre o assunto, a Lei Federal nº 11.888 – Lei de Assistên-
habitacional. cia Técnica, de 2008, que garante às famílias com renda de até três salários
mínimos assistência técnica gratuita para legalização, construção, reformas
e ampliações nas residências1.
1 FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (2015)

2 ANAMACO & LATIN PANEL. (2008). Tendências Latin Panel - Para onde caminha o consumi-
dor? Disponível em: <http://www.anamaco.com.br/resumo_dados_materiais.ppt> [Consult. 18 1 MICHELLI GARRIDO SILVESTRE E LUIZ REYNALDO DE AZEVEDO CARDOSO,
março 2010]. Incentivo À Melhoria Habitacional
ALVENARIA EXPOSTA ESGOTAMENTO INADEQUADO COBERTURA DANIFICADA AUSÊNCIA DE FECHAMENTOS

116 117

INSTALAÇÕES INADEQUADAS INSTALAÇÕES INADEQUADAS RISCO ESTRUTURAL VENTILAÇÃO E ILUMINAÇÃO


INSUFICIENTES

INSTALAÇÕES INADEQUADAS

FALTA DE ACESSIBILIDADE INFILTRAÇÕES E MOFO PÉ-DIREITO BAIXO CÔMODOS INSUFICIENTES

Patologias típicas encontradas nas moradias, 2015-2018


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
O PAPEL DA COMPANHIA
E A ASSISTÊNCIA TÉCNICA
COMO PROGRAMA DE GOVERNO

118 119
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional comunidades, uma vez que possuem relações observando-se que nesse último caso obrigato- Já na segunda etapa da ATHIS, o subprograma
do Distrito Federal (CODHAB-DF) é uma empresa estabelecidas entre seus habitantes. riamente deveria haver o atendimento a critérios “Melhorias Habitacionais” tinha como objetivo tirar
pública que tem por finalidade executar a Política vinculados à questão de insegurança e insalubri- a proposta de reforma do papel e transformá-la em
de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Fe- A partir de uma mudança de postura quanto ao dade, inexistência mínimas de habitabilidade ou obra executada com recursos públicos, conside-
deral abarcando a execução de projetos sociais e real propósito da companhia, foram definidas re- inadequação em relação ao número de integrantes rando um valor de subsídio para todas as famílias
intervenções urbanas de forma a proporcionar a gras para operacionalizar Assistência Técnica em da família e/ou número de cômodos utilizados para o custeio do material e da mão de obra para
otimização da qualidade da habitação. A lei que Habitação de Interesse Social (ATHIS) por meio da como dormitórios. No caso das novas unidades, execução dessas intervenções habitacionais.
estabelece o papel da companhia estipula também sua equipe técnica de arquitetos e urbanistas que a maior parte dos projetos desenvolvidos estavam
que os programas habitacionais de interesse social, atuavam, naquele momento, em dez escritórios relacionados a situações de reassentamentos de Esse programa almejava sanar ou mitigar proble-
além de outras atribuições, devem abranger a me- técnicos instalados nas comunidades mais pobres famílias devido às obras de infraestrutura urbana mas relacionados à salubridade e à segurança das
lhoria habitacional e o fornecimento de Assistência do Distrito Federal. Esses escritórios ficaram mais ou ao risco que suas moradias expunham a seus habitações que foram construídas sem o devido
Técnica (AT). conhecidos como Postos, em alusão aos Postos ocupantes anteriormente. suporte técnico. Apenas as famílias que recebes-
dos SUS, tendo em vista o papel que deveriam sem até três salários mínimos poderiam ser alvos
Ao longo das suas gestões, na maior parte do tem- cumprir dentro do território. Assim, esse programa foi operacionalizado para dessa política. O programa foi estabelecido nesse
po, a companhia produziu somente habitação em que as famílias, conforme determina a Lei Fede- formato no último semestre de 2016, inicialmente,
larga escala por meio de programas como BNH e A ATHIS para as famílias do DF foi dividida em ral nº 11.888/08, tivessem acesso a uma equipe em cinco localidades nas quais estavam implanta-
Minha Casa Minha Vida (MCMV). Entretanto, esses duas fases bem distintas. Na primeira, o objetivo técnica multidisciplinar, composta por arquitetos, dos os Postos de Assistência Técnica, sendo: Porto
formatos não se enquadram nas necessidades das era fornecer o projeto arquitetônico por meio da engenheiros e assistentes sociais que tinham a fun- Rico (Região Administrativa de Santa Maria), Fercal,
populações que vivem nas áreas de interesse social iniciativa “Projeto Na Medida” que resumidamente ção de realizar o levantamento da situação social QNR e Sol Nascente (Região Administrativa da
já consolidadas e que ainda fazem parte do deficit visava a qualificar o uso e o aproveitamento racio- da família e da construção, quando existente, de Ceilândia/DF), e Estrutural (Região Administrativa
habitacional devido à precariedade das constru- nal do espaço edificado de modo a formalizar o forma a possibilitar o desenvolvimento de projeto do SCIA). Esse primeiro contrato durou até o início
ções das residências. Para esses, seria necessário processo da edificação, podendo ser ofertado para de arquitetura personalizado às necessidades de de 2018. Já no fim 2018, o programa passou a
prover a melhoria das suas construções em suas (i) novas habitações ou (ii) habitações existentes, seus usuários. atender as cidades de São Sebastião e Estrutural.
FERCAL

120 121

ESTRUTURAL
QNR

SOL NASCENTE (TRECHOS 1, 2 E 3)

SÃO SEBASTIÃO

Áreas atendidas entre 2016 e início de 2018


(somente 1º contrato)

Área atendida a partir do final de 2018


(somente 2º contrato)

Área atendida entre 2016 e início de 2018, cujos


trabalhos foram retomados a partir do final de 2018
(1º e 2º contratos)

Mapa das áreas contempladas pelos contratos de Melhorias Habitacionais


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

PORTO RICO
ESTABELECENDO UMA
METODOLOGIA DENTRO DOS
TRÂMITES GOVERNAMENTAIS

Em março de 2015, os arquitetos iniciaram o processo de ATHIS por meio dos Esse primeiro contrato conseguiu abarcar as cinco comunidades licitadas,
Postos dentro das comunidades socialmente mais vulneráveis e passíveis de entretanto, nem todas as empresas que venceram a licitação compreenderam
regularização do Distrito Federal. Desse modo, foi possível iniciar o relaciona- que se tratavam de projetos personalizados à demanda de cada família e
mento com os moradores, lideranças comunitárias e demais membros que colocaram seus preços muito abaixo do que seria viável para a prestação de
participavam desses territórios e, assim, identificar as principais demandas um serviço adequado. Alguns contratos passaram por muitas dificuldades
desses locais. A experiência comprovou que é de suma importância esse e algumas empresas foram punidas. Os contratos bem sucedidos foram
122 123
contato inicial para esclarecimento da comunidade quanto à finalidade do primordiais para desenvolvimento e consolidação de uma metodologia para
trabalho, visando estabelecer relações de confiança, de forma que a equipe o provimento de assistência técnica por meio do Estado em parceria com
não seja vista como um elemento estranho àquele ambiente. empresas privadas.

Assim, após identificado que havia problemas de irregularidade e risco aos As falhas e dificuldades encontradas puderam ser ajustadas para a segunda
moradores em relação às suas habitações, foi realizada uma parceria, por licitação, já em 2018. Nessa nova contratação, passou-se a utilizar a con-
meio de licitação, com empresas do setor privado para atuar nessas locali- corrência por técnica e preço, de maneira que as empresas concorrentes
dades como representantes da Companhia. Essa contratação foi necessária deveriam comprovar experiência com atendimento de assistência técnica
devido à diversidade de procedimentos estabelecidos para possibilitar o uso de baixa renda para participar do processo. Os pagamentos foram mantidos
de verba pública nas obras de melhorias residenciais. por área do projeto, e foram acrescidos custos para o pagamento quanto à
elaboração dos orçamentos, memorial descritivo, levantamento arquitetô-
A primeira licitação foi realizada por meio de pregão eletrônico pela técnica nico e coordenação/compatibilização de projetos. Além disso, ao invés de
de menor preço. Foram estimados cerca de 40m² de reforma por residência determinar um limite de metragem de atuação por residência, determinou-se
e estabelecidos valores máximos de pagamento por metragem quadrada um limite de valor por projeto e assim uma estimativa de residências para
para os projetos arquitetônico, estrutural e complementares, e fiscalização estabelecer o valor global de contrato. Esse valor total é consumido conforme
de obras. Também foi estimado uma meta de residências para serem aten- desenvolvimento dos projetos e suas complexidades, podendo abarcar a mais
didas por comunidade, além da obrigatoriedade da empresa em abrir um ou menos unidades conforme andamento do atendimento.
escritório no território, contratar parte administrativa e assistente social. O
contrato era para prestação de serviço por empreitada global, levando-se em A partir do firmamento do contrato, iniciavam-se as contagens dos prazos. A
consideração a metragem a ser atendida por residência, multiplicada à quan- empresa parceira primeiramente operacionalizava um escritório físico na comu-
tidade de residências previstas, e paga à empresa conforme desenvolvesse nidade para a qual venceu a concorrência, e por meio das redes estabelecidas
e entregasse os projetos para as famílias e para a Companhia. O pagamento pela equipe de Assistência Técnica iniciava os atendimentos àquelas pessoas
com limite de área dificultava uma justa remuneração das empresas que que tivessem interesse em participar do projeto, atendendo aos critérios es-
muitas vezes lidavam com obras muito maiores que 40m² e que precisavam tabelecidos em lei. A metodologia utilizada para implementar o programa de
de um projeto como um todo para atacar o que seria mais viável dentro do projetos e obras foi desenvolvida e aperfeiçoada pela própria equipe de arqui-
orçamento pré-definido. tetos que ao decorrer do programa buscaram superar os gargalos do processo
para obter melhores resultados e eficácia na prestação do serviço, bem como
adaptar o programa às leis que regulamentam obras públicas, pois não era
possível a aplicação da legislação ipsis litteris de algo tão delicado quanto a
reforma de casas construídas completamente fora de norma.
antes onde acontecem as
melhorias habitacionais
6

11
4 2
10
9
1
3
8

durante
5

1 Sol Nascente - Trecho 1 Ceilândia/DF


2 Estrutural /DF
3 Pôr do Sol Ceilândia/DF
4 QNR Ceilândia/DF
5 Ribeirão - Porto Rico Santa Maria/DF
6 Fercal /DF
7 Expansão Vila São José Brazlândia/DF
8 São Sebastião /DF
9 Sol Nascente - Trecho 2 Ceilândia/DF
10 Sol Nascente - Trecho 3 Ceilândia/DF
11 Itapoã /DF

depois
Localidades atendidas
pelo programa em 2016/17
124 Localidades com programa em 125
andamento durante 2017 e 2018
Localidades a serem atendidas
pelo programa em 2018

(61) 3214 1818 // 3214 1831


www.codhab.df.gov.br/assistencia_tecnica/melhorias_habitacionais

conheça o programa etapa de habilitação (Família pode ou não receber a obra?)


As famílias de baixa renda, asseguradas pela lei federal nº
NÃO NÃO
11.888/2008, têm direito à assistência técnica pública e
gratuita de profissionais de arquitetura, urbanismo e enge-
nharia para o projeto e a construção de habitação de interes- #1 #2 DOCUMENTAÇÃO
#3 FAMÍLIA
se social. O objetivo fundamental é promover dignidade e QUERO! BATE-PAPO COMPLETA? MEDIÇÃO HABILITADA?
qualidade à casa e ao espaço público, solucionando proble- E AGORA? COM A DA CASA
mas de salubridade, acessibilidade e segurança. FAMÍLIA
SIM SIM
Melhorias Habitacionais é um dos programas promovidos Família vai ao escritório da Família agenda e recebe a Família agenda e recebe a
pela CODHAB/DF como implementação da assistência técni- Empresa de Projeto e visita da Equipe de visita da Equipe Técnica de
ca no Distrito Federal. Vinculado ao eixo Projeto Na Medida, preenche o formulário de Assistentes Sociais para Arquitetura e Engenharia Família assina o
do Habita Brasília, programa habitacional do DF, o programa interesse. entrevista social e entrega para medir, registrar e termo de adesão
consiste em oferecer à população de baixa renda projetos e de documentação completa avaliar a residência. (projeto + obra)
obras de reformas residenciais no valor máximo de para habilitação.
R$13.500,00 (material + mão-de-obra + encargos legais).

quem pode participar? etapa de projeto


Para se beneficiar do programa, a pessoa deve: ** Importante: a entrega do Revisão única*
NÃO
TER RENDA FAMILIAR MENSAL projeto executivo não garante
o início da obra!
DE ATÉ 3 SALÁRIOS MÍNIMOS VIGENTES
#5 PROPOSTA
#4
MORAR NO DISTRITO FEDERAL HÁ, NO MÍNIMO, 5 ANOS DESENHO APROVADA? DESENHO
MORAR EM ÁREA DE INTERESSE SOCIAL REGULARIZADA FINAL INICIAL
OU PASSÍVEL DE REGULARIZAÇÃO Família
(dentre as atendidas pelo programa) SIM
assina o Família recebe o projeto Família conhece a * Caso a proposta
SER RESPONSÁVEL PELA RESIDÊNCIA termo de executivo da Equipe proposta de reforma, em não seja satisfatória,
(A CASA NÃO PODE SER ALUGADA OU CEDIDA) recebimento Técnica de Arquitetura e reunião com a Equipe a Família pode
NÃO POSSUIR OUTRO IMÓVEL NO DISTRITO FEDERAL (projeto executivo) Engenharia, com todos os Técnica de Arquitetura e solicitar alteração
desenhos necessários Engenharia, podendo (uma única revisão).
APRESENTAR PROBLEMAS DE para a obra**. aprová-la ou não.
SALUBRIDADE E/OU SEGURANÇA NA RESIDÊNCIA

o que pode ser feito? etapa de obra


DOWNLOAD
DISPONÍVEL:
#6 #7 #8
ANTES DURANTE REFORMA
COZINHA / BANHEIRO PAREDE TELHADO DA OBRA A OBRA PRONTA!
ÁREA DE SERVIÇO & PISO
Empresa de Obra Recomenda-se que a Empresa de Obra finaliza e Equipes de Assistentes Sociais e de
apresenta as condições Família adapte sua rotina à entrega a reforma para a Arquitetura e Engenharia
gerais da obra para a obra, a fim de evitar Família, que assina o acompanham o processo de
Família, que assina o transtornos. As Equipes de termo de recebimento da ocupação da Família na casa.
termo de início de obra. Assistentes Sociais e de obra.
REFORÇO AMPLIAÇÃO DE VENTILAÇÃO Arquitetura e Engenharia
ESTRUTURAL CÔMODOS & ILUMINAÇÃO acompanham esta etapa. Panfleto informativo para o público beneficiário do programa Melhorias Habitacionais, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Num primeiro momento, para comunicar às famílias do início do atendimento A família então, deixava seu contato no posto para Em seguida, realizava-se o levantamento técnico da
nas comunidades, algumas estratégias foram estabelecidas: sinalização do ser marcada a visita com a equipe de assistentes construção onde eram detectados os problemas de
posto indicando “projeto de reforma para os moradores”, reuniões com asso- sociais. Inicialmente, era feito o levantamento dos insalubridade e de segurança da casa. Sendo que
ciações, panfletagem, carros de som, participação em eventos comunitários, critérios socioeconômicos da composição de mora- no primeiro grupo se enquadravam principalmente
dentre outros. Entretanto, o boca a boca foi o procedimento mais efetivo. dores para identificar o cumprimento aos requisitos as seguintes características: espaços internos in-
Uma vez que uma família tinha suas obras concluídas, comunicava a seus legais: (1) a família deveria ter renda de até três suficientes e/ou inadequados para a habitação de
vizinhos e familiares que procuravam o posto. E antes de tudo isso, a relação salários mínimos, (2) ter no mínimo cinco anos de todos os moradores; ausência ou inadequação de
que já existia da comunidade com os arquitetos do posto foi o que fomentou moradia no DF, (3) estar em área regularizada ou ventilação e iluminação natural dos cômodos de
as primeiras obras. Em algumas comunidades, foi utilizada a metodologia de que fosse passível de regularização e, (4) cuja casa longa permanência; ausência ou inadequação das
mapear construções aparentemente vulneráveis e realizar uma abordagem dos não pertencesse a terceiros que não habitassem o áreas molhadas; infiltrações e mofo. Como carac-
moradores pela equipe social. Esta estratégia não foi aplicada em todos os local. Além desses critérios mais objetivos, levava- terísticas de insegurança eram recorrentes a falta
casos, pois em reuniões com as equipes de assistentes sociais, foi identificado -se em conta a dinâmica desses moradores e sua de instalações elétricas e hidráulicas adequadas;
126 127
que o ato de conscientização desencadeado pelo cidadão no momento em relação com a própria casa para compreensão da instabilidade ou ausência estrutural; problemas
que ele busca seus direitos seria mais empoderador. vulnerabilidade daquele contexto. com a fixação da cobertura.
Em um momento posterior, a situação da família era discutida pela equipe
multidisciplinar composta pelos membros do escritório parceiro e o arquiteto
gestor do contrato para que fosse dado o encaminhamento mais adequado
a cada caso. Desse encontro, eram estabelecidas as estratégias para atender
às demandas das moradias. Era importante ouvir cada parte do processo
para tentar traduzir da melhor maneira os anseios do morador em um pro-
jeto exequível dentro do orçamento disponível. Essa reunião multidisciplinar
era extremamente importante para que todos estivessem conscientes do
andamento do processo de cada cliente. Em alguns casos, também eram
necessários fluxos de trabalho específicos para o atendimento da residência.
Houve uma situação, por exemplo, em que foi necessário acionar a Defesa
Civil para emitir um relatório informando de que a estrutura existente era
128 129
muito precária, e o recomendado era a construção de uma nova moradia no
lote. Esse procedimento não estava previsto no escopo do contrato, mas foi
a forma que a equipe conseguiu para não deixar a família desamparada sem
incorrer em fuga ao objeto do contrato.

Equipe multidisciplinar discute o diagnóstico da casa


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
A partir dessa reunião, era desenvolvido o estudo preliminar, que era apresen- Nos primeiros casos, os projetos precisaram ser refeitos diversas vezes para
tado para a família, que poderia solicitar revisão, mas isso raramente acon- que se encaixassem na verba disponível. Esse procedimento segue uma lógica
tecia. Infelizmente, quando havia alteração, esta era feita já na obra, quando recorrente na arquitetura: como se não houvesse limite para construção, pla-
os moradores alegavam que não haviam entendido o que seria feito. Após a neja-se o ideal e no final descobre-se que é inviável. Isso atrasou o andamento
aprovação pelo responsável da residência, a equipe técnica procedia com o dos projetos e onerou a equipe técnica inicialmente. Em uma casa onde não há
desenvolvimento do projeto executivo acompanhado pelo respectivo orçamento instalações elétricas e hidráulicas adequadas e problemas estruturais graves, a
necessário para sua execução. equipe fazia diversas tentativas de projeto e orçamento até que fosse atendido
um dos problemas por completo, gastando-se tempo, dinheiro e sem retirar
Devido à precariedade das habitações, era comum que o orçamento das aquele caso dos números de deficit habitacional qualitativo. Com o passar
intervenções necessárias fosse muito maior que o que o subsídio oferecido do tempo, a equipe se habituou aos custos médios das intervenções neces-
pelo Estado. Uma saída encontrada por uma das equipes foi o desenvolvimento sárias nas construções. Esse processo foi primordial para a especialização
completo do projeto para a necessidade da família, e para a obra era feito um da equipe em entender os custos de suas decisões. Conforme mais projetos
130 131
recorte para execução do que era identificado como prioridade e que seria eram desenvolvidos, as soluções construtivas eram aprimoradas e decisões
executado nessa primeira fase com o subsídio fornecido. A assistência técnica consideradas inadequadas foram descartadas.
só faz sentido quando o projeto e o orçamento da obra andam juntos.
Com o pacote de projeto concluído e entregue para a família, todas as docu-
mentações, orçamento e desenhos eram entregues na CODHAB para análise.
Depois eram penhoradas notas para a liberação de verbas e, posteriormente,
acionadas as pequenas empreiteiras de execução de obras previamente creden-
ciadas para execução de grupos de residências dentro da mesma comunidade.

132 133

Entregas dos projetos para as famílias beneficiárias


Fonte: Equipe ARQBSB

Entregas dos projetos para as famílias beneficiárias Entregas dos projetos para as famílias beneficiárias
Fonte: Mariana Bomtempo Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
134 135
ACESSE ACESSE
O VÍDEO: O VÍDEO:

Caso Luiza Rosa: depoimento da moradora, 2017 Matéria sobre Assistência Técnica com destaque para o programa implementado pela CODHAB/DF no Fantástico, 2017
Fonte: Agência Brasília Fonte: Rede Globo

Caso Wilson de Souza Santos: depoimento do morador, 2017 Matéria sobre o programa de Assistência Técnica da CODHAB/DF no Jornal Hoje, 2017
Fonte: Agência Brasília Fonte: Rede Globo

ACESSE ACESSE
O VÍDEO: O VÍDEO:
Por se tratar, na época de um programa muito ino- Dentro do subsídio, eram considerados os gastos da Construção Civil), que também não possui uma foram atendidas pelo programa encontravam-se
vador e com poucas referências dentro do campo com material, mão-de-obra e o BDI da empreiteira relação tangível com os moradores que encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, e
prático, a equipe de arquitetos detectou algumas credenciada para a execução da reforma de cada material e mão de obra a preços mais acessíveis provavelmente esse investimento em suas habita-
dificuldades para uma boa execução do trabalho. famílias. De acordo com o acórdão 2369 do Tribunal no mercado quando se trata de obras de menores ções seria o único em uma perspectiva de alguns
A principal delas foi a restrição orçamentária por de Contas da União, eram utilizados valores de refe- proporções. Dentro desse contexto, infelizmente era anos a frente. Outras já se animavam com a obra e
família que primeiramente era de R$10.000 para rência segundo o risco, o porte e demais custos das recorrente que os moradores atendidos ficassem com algumas economias avançavam na melhoria
intervenções em aproximadamente 40m² (2016). empresas executoras para estabelecer o BDI de uma desconfiados quanto à execução das obras de suas de suas residências.
Depois, esse valor foi aumentado para R$13.500 obra de reforma de melhoria habitacional conforme residências e quanto à idoneidade da equipe técnica.
em 2017, e ao final de 2018 para R$15.000 com o programa. Para atender a esses parâmetros, era
a intervenção podendo chegar em até 50m². Em adotado um BDI por volta de 25% do total do custo Mesmo com os aumentos orçamentários e a me-
todos os casos, dentro desse orçamento deveriam por domicílio, restando à família a tangibilidade de lhoria dos procedimentos para o desenvolvimento
ser considerados mão-de-obra, material e o BDI um investimento de 75% em materiais e mão-de-o- do projeto, a situação precária da maioria das casas
136 137
(Benefícios e Despesas Indiretas) necessário para bra, ambos orçados de acordo com a tabela SINAPI atendidas necessitava de um investimento muito
a contratação da empresa por um órgão público. (Sistemas Nacional de Pesquisa de Custos e Índices maior que o estipulado. Muitas das famílias que
É importante ressaltar que, ao longo da realização da obra, a família era acom-
panhada pela equipe multidisciplinar que buscava atender e dar encaminha-
mentos às necessidades e dificuldades encontradas. Esse era o momento mais
delicado, pois infelizmente é na obra que o cliente acaba entendendo o projeto.
Independentemente da classe social, essa falha de comunicação é recorrente.
A equipe técnico-social deveria estar preparada para buscar meios de mitigar
os desentendimentos de maneira a mediar os conflitos com os moradores,
principalmente para não agravar uma situação de vulnerabilidade social.

Uma vez que a intervenção era concluída dentro do orçamento disponível pelo
programa de Melhorias Habitacionais, a equipe reforçava os potenciais da
família em ter em mãos o projeto completo da residência para dar continuidade
138 139
às obras conforme sua necessidade. Dessa forma, com o projeto completo,
as famílias passavam a ser capazes de se planejar melhor para concluir sua
construção e evitar gastos de serviços não previstos ou mal-planejados.

Em que pese os avanços advindos com esse novo formato de prestação


de assessoria técnica realizada pela CODHAB ao longo da gestão do então
presidente Gilson Paranhos (2015-2018), sabe-se que todo incremento con-
seguido ainda é insuficiente, tendo em vista o acúmulo de habitações em
situação de precariedade existentes dentro do território do DF. Um programa
como esse possui um potencial enorme, e com esta publicação almeja-se
compartilhar da experiência para que sejam registrados os aprendizados ad-
quiridos. Por meio da assessoria, é possível aproximar o Estado da população
para enfrentar o deficit habitacional qualitativo, proporcionando qualidade de
vida e autoestima às famílias cujas residências estão em situação precária.

Por fim, conclui-se que é necessário compreender que a política pública


habitacional da ATHIS prestada ao estoque de moradia pode ser de grande
valia para o combate ao deficit habitacional e entender que a escassez de
recursos disponíveis para os investimentos nessa área é um problema a ser
superado a nível municipal, estadual e federal, tendo em vista que materializar
uma proposta de projeto de reforma é importante para as famílias atendidas,
e que a construção de grandes empreendimentos habitacionais coletivos
como modelo principal de atendimento da demanda habitacional de baixa
renda não é mais o único caminho de tornar realidade um dos direitos sociais
Possibilidades de intervenção no escopo do programa Melhorias Habitacionais
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB básicos: a moradia.
4
a experiência
no território
1 POSTOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA
2 SOL NASCENTE TRECHO 1
3 SOL NASCENTE TRECHO 2
4 SOL NASCENTE TRECHO 3 + QNR
5 ESTRUTURAL
6 PÔR DO SOL
7 PORTO RICO
8 VILA CAUHY
9 BURITIZINHO
10 FERCAL
11 BRAZLÂNDIA
12 SÃO SEBASTIÃO
Os textos apresentados nesta parte do livro são relatos escritos sob a pers- forma mais espontânea e sincera em que foram escritos os relatos, com certa
pectiva pessoal e profissional dos arquitetos e urbanistas que, entre 2015 e subjetividade natural de quem esteve imerso(a) naquela realidade e linguagem
2018, trabalharam para efetivar a Lei Federal nº 11.888/2008 no Distrito Federal, que por vezes se aproxima do diário, refletindo a essência desse registro: menor
levando assistência técnica pública e gratuita em arquitetura e urbanismo às rigor acadêmico e maior preocupação em salvaguardar a memória do trabalho
regiões de maior vulnerabilidade social do DF. realizado. Essa característica, no entanto, não significa pouca consistência
técnica, empírica e mesmo teórica dos relatos sobre esse trabalho realizado
O contexto socioeconômico, urbano e até mesmo político de cada uma das em conjunto com a comunidade, em que a teoria fundiu-se com a prática.
comunidades afetou de maneira diferente o trabalho multidisciplinar dos profis-
sionais, que tiveram a oportunidade de viver uma imersão na realidade territorial Mais do que fonte para trabalhos acadêmicos, espera-se poder oferecer uma
de seus “clientes”, a partir da qual puderam planejar e executar os serviços. contribuição para novas iniciativas de assistência técnica, que já surgem em
diversas cidades brasileiras, atendendo aqueles(as) que mais necessitam e
Este registro das distintas experiências e desafios vividos para tirar a política que lutam nas mais adversas condições pelo direito constitucional de possuir
pública do papel é importante para compilar os problemas e as soluções uma habitação e morar com dignidade.
(criativas) encontradas ao longo da realização do trabalho, revelando a neces-
sidade de adaptações metodológicas, formais e burocráticas para atender de
forma mais assertiva as demandas dos moradores, muitas vezes em situação
de precariedade ainda maior do que inicialmente identificada pelas equipes.

Não houve edição de conteúdo nos textos. Por isso, algumas informações
são apresentadas por mais de um autor. A repetição incidental é resultado da

voluntários pelo arq. Ariel Aleixo, arq. Vanda Mavilacana,


convênio CIALP arq. Teresa Viage, arq. João Lebani, arq. Edvanio
Afonso e arq. Bernardo Minango

equipe de obras Robertson Lourenço, Germano Silva,


Wellington Conceição, Gleison Souza,
Suplinio Leitão e Dalton Lopes
10

POSTOS DE
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
NO DISTRITO FEDERAL
9
11

3
1 Sede CODHAB
Plano Piloto - RA I
2 ARIS Sol Nascente - Trecho I
Ceilândia - RA IX
5 1 3 ARIS Estrutural
SCIA/Estrutural - RA XXV
6 4 ARIS Pôr do Sol
13 Ceilândia - RA IX
5 ARINE QNR - Quadras 2, 3 e 5
2 Ceilândia - RA IX
4 6 ARIS Sol Nascente - Trecho III
Ceilândia - RA IX
8
7 ARIS Ribeirão - Porto Rico
Santa Maria - RA XIII
8 ARIS Vila Cauhy
Núcleo Bandeirante - RA VIII
12
9 ARIS Vila Buritizinho
Sobradinho II - RA XXVI
10 ARIS Fercal
Fercal - RA XXXI
11 ARIS Expansão Vila São José
Brazlândia - RA IV
12 ARIS São Sebastião
São Sebastião - RA XIV
13 ARIS Sol Nascente - Trecho II
Ceilândia - RA IX

7
SOL NASCENTE + QNR
CEILÂNDIA / DF
SOL NASCENTE TRECHO I
CEILÂNDIA / DF

33 km
SOL NASCENTE TRECHO I
CEILÂNDIA / DF

por Luiz Sarmento

início da ocupação Final dos anos 1990, intensificada nos primeiros anos dos anos 2000
população Aproximadamente 20 mil habitantes
área Aproximadamente 250,00 hectares
densidade 78,8 habitantes por hectare
renda média mensal R$ 622,30 per capita (PDAD, 2015)

inauguração Abril de 2015

equipe coordenação arq. urb. Isabela Gardés // abr 2015 - out 2016
arq. urb. Erick Mendonça // abr 2015 - abr 2016
arq. urb. Luiz Sarmento // jan 2017 - ago 2017
arq. urb. Lucélia Duda // jan 2017 - abr 2017
eng. Edson Cordeiro // ago - 2017 - dez 2018

estagiários João Felipe Suares, Camila Lelis, João Guedes


e Carolina Santos

principais atividades /atendimento à população /ações urbanas comunitárias


/projeto urbanístico /regularização fundiária
/acompanhamento das obras de infraestrutura e urbanização
potencialidades O Sol Nascente, principalmente o Trecho 1, está localizado em uma área com principais desafios O processo de urbanização do Trecho 1 (e do Sol Nascente como um todo)
enorme potencial de dinamização econômica, entre o P-Sul, onde termina precisa enfrentar alguns desafios do ponto de vista técnico e social. Em
a avenida Elmo Serejo, e o final da Avenida Hélio Prates, os principais eixos ambos os casos, é fundamental romper com paradigmas arraigados sobre
viários da Ceilândia e que passam pela área mais populosa do Distrito Federal. o espaço urbano. No aspecto técnico (e político) é importante introduzir
A morfologia urbana, resultado do loteamento irregular de antigas chácaras, novas formas de desenho e obra do espaço público, rompendo com a ló-
apresenta situações típicas do urbanismo tradicional luso-brasileiro, com gica rodoviarista e consolidando as vias existentes de modo a atender a
hierarquia de vias e a formação de largos. As áreas limítrofes da comunidade, mobilidade ativa, inserindo elementos de redução de velocidade de veículos
com maior fluxo de veículos e pedestres, tem enorme potencial de se tornarem automotores, como faixas elevadas de pedestre e vias compartilhadas.
espaços públicos dinâmicos, com presença de comércio de caráter local e Também se faz necessário demarcar - com elementos físicos - as áreas
regional, podendo ser, caso bem planejadas, importantes meios de geração de preservação permanente, de modo a evitar novas ocupações irregulares
de emprego e renda para a população. A Avenida das Palmeiras, por cortar nessas áreas verdes, que devem ser tratadas como parques urbanos. Em
diagonalmente o assentamento, tende a se tornar importante via comercial que pese todo o avanço na metodologia de projeto e acompanhamento de
152 153
e coletora dos fluxos das vias locais. É fundamental que os mananciais, obras, é fundamental avançar ainda mais na consolidação e ampliação dos
incrivelmente limpos e preservados, apesar das ações antrópicas, sejam processos participativos.
protegidos. A criação dos parques lineares, com rotas cicloviárias e pedonais
também podem ser interessantes estratégias para demarcar o limite da área
urbanizada (urbanizável) das áreas de preservação, servindo como marco
físico e pedagógico das áreas de preservação permanente.

Pintura de fachada durante AUC no Sol Nascente Trecho 1


Fonte: Luiz Eduardo Sarnento
INTRODUÇÃO – CEILÂNDIA Em Brasília dezenove horas
Era a informação ouvida no rádio outrora
Dava a impressão de tudo rigoroso
Bem definido, bem cuidadoso
Um sonho..., tudo perfeito,
Tudo organizado, todos com seus direitos e
O primeiro posto de assistência técnica da CODHAB foi instalado na comuni- Deveres? ...
dade do Sol Nascente, na Ceilândia, dando início a uma nova experiência na Vou para Brasília defender as causas
implementação da Lei Federal nº 11.888 de 24 de Dezembro de 2008. A Área Dos necessitados, dos representados!
de Regularização de Interesse Social (ARIS) Sol Nascente está localizada na A utopia se acendia quando, no palanque se dizia
borda oeste da Ceilândia, margeando em mais de 8km a cidade “oficial”, fazen- Resolverei, pleitearei e recursos de Brasília, trarei.
do parte da Região Administrativa IX, Ceilândia. A compreensão do processo
154 155
de urbanização do Sol Nascente parte de um entendimento da urbanização – MARIZE ROCHA
da Ceilândia e do crescimento urbano do Distrito Federal como um todo. 2013

Desde sua construção, Brasília atraiu uma imensa quantidade de trabalhadores


que, diferente dos funcionários públicos com salários mais altos que precisa-
ram receber a famosa “dobradinha” para para se mudarem para Brasília, logo
viram na capital em obras a oportunidade de melhorarem de vida. Diversos
acampamentos surgiram para abrigar os milhares de operários das obras do
Plano Piloto, que fixaram residência no Planalto Central após as principais
obras terem sido concluídas, e a demanda por mão-de-obra ter diminuído.

As tensões entre a cidade real e a cidade planejada ficaram ainda mais evi-
dentes, sendo enorme o contraste entre o urbanismo sofisticado que surgia
da prancheta e aquele que nascia espontaneamente pelas mãos dos próprios
moradores. As cidades informais “maculavam” a imagem que deveria ser
transmitida de Brasília: cidade ordenada que mirava o futuro. Os acampa-
mentos representavam a imagem de um Brasil passado muito presente. Os
assentamentos informais evocavam as enormes desigualdades sociais de
um país que queria se mostrar moderno, mas que continuava absolutamente
arcaico em muitos aspectos.

Primeiros assentamentos de Ceilândia, década de 1970


Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
De acordo com dados oficiais do GDF (Governo do Distrito Federal) disponi-
bilizados pela Administração Regional da Ceilândia , “em 1969, com apenas
nove anos de fundação, Brasília já tinha 79.128 favelados, que moravam
em 14.607 barracos, para uma população de 500 mil habitantes em todo o
Distrito Federal. Naquele ano, foi realizado em Brasília um seminário sobre
problemas sociais no Distrito Federal, no qual o ‘favelamento’ foi considerado
o mais urgente deles.”

156 157
Ceilândia foi planejada simplesmente para erradicar as “invasões”, diferen-
temente do Plano Piloto, que teve sua origem em um concurso público de
projetos, envolvendo em seu planejamento e execução diversos intelectuais,
arquitetos e urbanistas notáveis, com cuidado para construir uma cidade que
fosse referência em espaços urbanos.

A Ceilândia, hoje região administrativa com maior população do DF, com


aproximadamente 489.351 habitantes, de acordo com a Pesquisa Distrital
por Amostra de Domicílios (CODEPLAN, 2015), teve início no final da década
de 1960, com a criação da Comissão de Erradicação de Favelas, formada em
1969 a pedido do governador Hélio Prates, visando a apontar soluções para
a crescente “favelização” da nova capital. Foram criados quase 20 mil lotes,
de aproximadamente 10 x 25 metros, que receberam pessoas removidas
Traçado urbano dos primeiros assentamentos de Ceilândia, década de 1970
das “invasões” do IAPI, Vila Tenório, Vila Esperança, Bernardo Sayão, Morro Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
do Querosene, Morro do Urubu, e das regiões do Curral das Éguas e Setor
Placa Da Mercedes.

A Comissão, presidida pela primeira dama à época Vera de Almeida Silvei-


ra, realizou a Campanha de Erradicação de Favelas (CEI), que consolidou Com projeto elaborado por Ney Gabriel de Souza, mo oficial. Em suas bordas, nas últimas décadas,
no imaginário brasiliense uma aversão a novas e antigas “invasões”, o que arquiteto do quadro do GDF, o traçado urbano, que vimos surgir gigantescos assentamentos irregu-
contribuiu para a naturalização da remoção de assentamentos informais de conta com um eixo principal leste-oeste cortado lares, com índices de crescimento populacional e
baixa renda, com apoio da população. É importante ressaltar que as invasões por vias no sentido norte e sul, forma um desenho territorial pouco vistos. A Ceilândia, que surgiu para
das classes mais altas sempre ocorreram, sem que sofressem ações do que ficou conhecido como barril - um barril de “erradicar invasões”, segue subvertendo a lógica
governo no sentido de removê-las, e sempre com posterior regularização, pólvora, muitos moradores diziam. do planejamento burocrático, mercadológico e
sem maiores problemas com a opinião pública. Com as remoções na orla excludente. As comunidades do Pôr do Sol e do
do Lago Paranoá, parecia que esse paradigma seria quebrado, mas com a Apesar de todo o descaso com a qualificação dos Sol Nascente, com mais de 100 mil habitantes,
mudança de governo, não houve mais derrubadas em áreas nobres, ao con- espaços públicos, Ceilândia segue crescendo e se são filhas teimosas de uma realidade urbana cuja
trário de que continua a ocorrer em áreas miseráveis. Essa lógica dicotômica consolida como um polo emergente de cultura solução nunca foi e nunca será dada por meio de
construída ao longo dos anos ainda impacta negativamente nas iniciativas urbana muito rico. A cidade segue formando novas erradicações.
de regularização fundiária e consolidação urbana em áreas de baixa renda. comunidades e acolhendo os excluídos do urbanis-
CONSOLIDAÇÃO DA
OCUPAÇÃO HUMANA NO LOCAL

A ocupação urbana do Sol Nascente se iniciou A execução do projeto coincidiu com o lançamento
no final dos anos 1990, quando chácaras de agri- do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV),
cultura familiar, implantadas em terras cedidas que, graças aos vultosos recursos investidos pelo
temporariamente pelo Governo do Distrito Fede- Governo Federal, fez com que grande parte dos
ral começaram a ser parceladas irregularmente esforços da estrutura do GDF voltada ao desen-
em pequenos lotes urbanos. Sem que o Estado volvimento urbano e habitacional para áreas de
158 159
interviesse nesse processo de transformação de interesse social ficassem voltados à projetos de
áreas públicas rurais em áreas urbanas irregulares, provimento habitacional, deixando os projetos de
a urbanização se intensificou no início dos anos regularização de favelas em segundo plano, já
2000, quando a região se consolidou como área que esses eram mais complexos e contavam com
urbana ocupada majoritariamente por famílias menos recursos.
de baixa renda.
De 2009 à 2014, a CODHAB, empresa pública res-
Em 2006, atendendo ao Estatuto das Cidades, que ponsável pelas áreas de interesse social do DF,
regulamentou o capítulo Política Urbana da Cons- se especializou em executar grandes empreendi-
tituição de 1988, a Secretaria de Desenvolvimento mentos do Programa MCMV, fazendo a gestão de
Urbano e Habitacional do GDF elaborou levanta- obras de enorme escala e impacto territorial como
mento e mapeamento das ocupações irregulares o Paranoá Parque, na Região Administrativa do
de todo o Distrito Federal, o que permitiu a con- Paranoá - região nordeste de Brasília e o Parque
tratação de um estudo dos impactos ambientais do Riacho, que margeia impressionantes 9 km da
da ocupação urbana nas áreas de preservação DF-001, a Estrada Parque Contorno, na Região do
ambiental das Bordas da Ceilândia - que eram Riacho Fundo. Com obras dessa magnitude, não
basicamente as áreas planas que terminavam em é de se estranhar que a regularização fundiária
vales e bordas de chapada, permitindo o início das tenha ficado em segundo plano.
tratativas para a regularização da área.
A mudança significativa desse quadro acontece
Em 2008, a empresa Saint Germain Consultores em 2015 devido a dois fatores principais. O pri-
Associados foi contratada para elaborar o Projeto meiro deles foi a abrupta queda de contratação
Integrado de Regularização Fundiária, sendo o de novas unidades habitacionais, impactando no
projeto urbanístico de regularização do Trecho 1 funcionamento e nas atividades que a CODHAB
registrado em cartório nesse mesmo ano. havia planejado e estava habituada a executar.

Sol Nascente, 2018


Fonte: Luiz Sarmento
O segundo foi a escolha do arquiteto e urbanista Gilson Paranhos para presidir a
Companhia. Com trajetória reconhecida nacionalmente em prol da qualificação
da arquitetura e do urbanismo, ele assumiu a missão de promover, por meio
da CODHAB, ações que são bandeiras históricas de profissionais arquitetos
e urbanistas, como a contratação de projetos por concursos públicos (mo-
dalidade bem diferente da forma como os projetos dos empreendimentos
160 161
MCMV eram feitos, ou seja, elaborados pelas próprias construtoras que iriam
construí-los) e a implementação da Lei Federal nº 11.888/2008, que efetiva
o direito de toda família com renda mensal de até três salários mínimos
a ter o serviço de técnicos para elaborar projetos e acompanhar obras de
intervenção em suas moradias e entorno, visando a garantir o mínimo de
qualidade e salubridade para os assentamentos informais.

Quando iniciamos o trabalho no Sol Nascente, existia uma imagem ampla-


mente divulgada pela grande mídia de que a comunidade era a maior favela da
América Latina. Essa informação é baseada em estimativas de crescimento
populacional feitas pelo IBGE a partir do Censo de 2010, onde a Rocinha,
no Rio de Janeiro, foi identificada como o maior “aglomerado subnormal”
em população do País, seguido pela comunidade do DF. Porém, enquanto
a Rocinha já apresentava densidades elevadas e uma maior dificuldade de
receber novos moradores e novas edificações, a comunidade do Sol Nascente
estava em pleno crescimento populacional, com impressionante quantidade
de novas edificações sem qualquer controle, acompanhando a tendência
observada nas últimas décadas.

Por apresentar dados simbólicos e geográficos tão marcantes, o Sol Nas-


cente foi, naturalmente, a primeira comunidade a experimentar as novas
propostas de gestão para as Áreas de Regularização de Interesse Social do
DF, recebendo o primeiro Posto de Assistência Técnica da Codhab.

Sol Nascente, 2015


Fonte: Bento Viana - Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
2003 2008

162 163
2012 2016

2015 2017

Processo de urbanização:
Nota-se na primeira imagem,
de 2003, as palmeiras imperiais
marcando a entrada de uma das
várias chácaras da região. Na
sequência é possível identificar
a transformação de áreas de
2018 2018 produção agrícola familiar em
área urbana.
Fonte: Google Maps
A CODHAB NA COMUNIDADE

Em 4 de abril de 2015, foi aberto o Posto de As- A busca por um espaço físico passou por várias
sistência Técnica da companhia, localizado no possibilidades, como a de criar uma unidade mó-
prolongamento da Avenida P4, no Trecho 1 do vel - um ônibus adaptado para funcionar como um
Sol Nascente. escritório de arquitetura e urbanismo, ou um trailer,
o que teria um custo relativamente alto, com tempo
Essa foi a ação inicial da implementação de um significativo para elaboração de projeto e licitação,
164 165
programa de assistência técnica pública e gratuita e ainda criaria a necessidade de contratação de mo-
em engenharia, arquitetura e urbanismo. O objetivo torista. Não havia cargos e muito menos dinheiro
foi aproximar os técnicos do território e da popu- disponível para isso. Também foi cogitado instalar
lação para a qual deveriam trabalhar, facilitando o o Posto em uma das administrações regionais ou
desenvolvimento dos programas de acordo com em outros equipamentos do governo existentes na
as necessidades dos moradores a serem contem- região. O problema dessa segunda opção foi que
plados, bem como o acompanhamento das obras. praticamente nenhuma das comunidades possuía
Posto de Assistência Técnica do Sol Nascente Trecho 1, 2015
algum equipamento público governamental, e as Fonte: Bento Viana - Acervo CODHAB
Nessa etapa inicial, foi preciso enfrentar desafios administrações regiões estavam localizadas nas
significativos, como a impedimento de uma entida- áreas já regularizadas, portanto fora e distante
Apresentação do projeto de regularização fundiária para lideranças comunitárias no PAT Sol Nascente Trecho 1, 2015
de pública construir uma edificação para receber alguns quilômetros das comunidades. Havia ainda Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
as equipes. Também não era possível alugar um o óbvio risco de existir uma interferência das admi-
espaço no local para o escritório, já que a área nistrações no trabalho emergente (e por isso ainda
ainda não estava regularizada, além de não possuir frágil) que deveria ser eminentemente técnico e
abastecimento legal de água, energia elétrica e em contato direto com os moradores, sem outros
coleta de esgoto. Outra questão foi convencer os intermediários nem interferência política.
servidores públicos a atuarem em regiões periféri-
cas (finalidade de seus cargos), estigmatizadas e A solução para o problema foi alcançada com
com alarmantes índices de violência. Além disso, os próprios moradores após a apresentação dos
foi preciso enfrentar toda a sorte de problemas objetivos do programa e da intenção de realizar pro-
processuais em uma estrutura estatal que não jetos e obras de melhorias habitacionais, além de
estava habituada, e muito menos possuía rotina e coordenar os processos relativos à regularização
caminhos jurídicos-burocráticos, para atuar dentro fundiária e a obras de infraestrutura e urbanismo.
dessas comunidades. As lideranças comunitárias perceberam a potencia-
lidade do projeto para sanar diversos problemas,
tanto cartoriais quanto físicos da comunidade, e
conseguiram que um dos moradores emprestasse
uma sala comercial que estava sem uso para a
implementação do escritório.
Em poucos dias, a CODHAB fez algumas melhorias no espaço e realocou
equipamentos e móveis de escritório de sua sede, no Setor Comercial Sul,
no coração do Plano Piloto de Brasília, para seu novo posto avançado, no
coração do Sol Nascente.

166 167
Essa capacidade de articular com a comunidade e iniciar de forma imediata
um trabalho de assistência técnica, com poucos recursos, apenas realocando
equipamentos e cargos, realizando o trabalho em parceria com os moradores
atendidos e com os técnicos imersos na realidade em que atuam, talvez seja
a mais importante contribuição da Companhia para a implementação da Lei
Federal nº 11.888/2008.

Rotina no PAT Sol Nascente Trecho 1: dia de fazer limpeza, 2016


Fonte: Luiz Eduardo Sarmento

PAT Sol Nascente Trecho 1 em seu primeiro ano de funcionamento, 2015 PAT Sol Nascente Trecho 1 depois da reforma, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
UM TERRITÓRIO MARGINALIZADO
EM URBANIZAÇÃO ESPRAIADA

O Posto de Assistência Técnica da Codhab estava As distâncias a serem vencidas para o acesso Mas a distância mais significativa é impossível de ser vencida à pé (a não ser
localizado no prolongamento da Via P4, a principal aos equipamentos públicos eram significativas e que quem tente seja um maratonista disposto a se arriscar em acostamen-
via da região conhecida como P-Sul, na Ceilândia, refletem a escala territorial da comunidade do Sol tos de vias de alta velocidade). É aquela que melhor simboliza a segregação
e foi o primeiro equipamento público do governo a Nascente: absolutamente espraiada, como cresce socioespacial da metrópole brasiliense: a distância entre o Sol Nascente e o
chegar à região após o processo irregular de urba- a metrópole brasiliense. Para melhor compreen- Plano Piloto de Brasília (30 km), com essa distância é possível cruzar toda a
nização. Em todo o Trecho 1 do Sol Nascente não são da escala do território da comunidade e das ilha de Manhattan (21km) em sua maior extensão, e ainda sobrariam apro-
168 169
havia qualquer tipo de serviço público permanente distâncias a serem percorridas para os trajetos ximadamente 9 km para serem caminhados até chegar ao Plano Piloto. Isto
para seus mais de 20 mil habitantes. O transporte cotidiano dos moradores, é interessante comparar é, a população do Sol Nascente está a mais de uma Manhattan de distância
coletivo passava apenas por uma rua, localizada na com outras cidades. da área central da metrópole brasiliense.
borda do assentamento, a única onde um ônibus
convencional conseguia fazer as curvas (algo até Adotando o Largo das Palmeiras, na Rua das Pal- Essa enorme distância é tão marcante para os moradores que foi ironizada
então impossível no interior da comunidade). Não meiras no Sol Nascente, como ponto de partida, pelo cineasta Adirley Queirós no filme Branco sai, Preto fica, de 2015, em
existiam escolas, posto de saúde, coleta regular de é possível perceber que as distâncias equivalen- que a população da Ceilândia precisa apresentar passaporte para entrar no
lixo, sistema de abastecimento e nem esgotamento tes às percorridas em caminhos precários pelos Plano Piloto de Brasília.
sanitário. Mesmo a iluminação pública era inexistente moradores da comunidade seriam considerados
em diversos trechos. Os moradores do Sol Nascente excepcionais em cidades mais densas como di-
Sol Nascente Trecho 1, 2015
dependiam dos serviços públicos de Ceilândia para versas grandes capitais mundiais. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
praticamente todas as suas atividades rotineiras.

Saindo do nosso ponto de partida até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento)


mais próxima ao Sol Nascente, o cidadão terá caminhado a mesma distância
que teria de percorrer para sair da Praça Castro Alves e chegar ao Convento
do Carmo, em Salvador (1,4 km, aproximadamente). Se ao invés de ir à UPA,
o morador quisesse levar seu filho ao CAIC (Centro de Atenção Integral à
Criança), teria de caminhar um pouco mais: a distância seria a mesma da
Praça Castro Alves ao Largo do Santo Antônio do Além Carmo (2 km), con-
tinuando a comparação com trajetos soteropolitanos.

Para chegar a estação de Metrô mais próxima (Ceilândia Centro) na Avenida


Hélio Prates, a caminhada seria equivalente a sair do Masp, na Avenida Pau-
lista, e caminhar até a Praça da República, em São Paulo (2,3km).

Para ir ao centro cultural mais próximo, a distância é equivalente a caminhar


toda a Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro (3,5 KM). Para ir ao hospital, são
4,2 km, o mesmo que ir do Aeroporto Santos Dumont ao Sambódromo do
Rio de Janeiro.
MANHATTAN 1,645 milhão de habitantes

170 171

33 km

BARCELONA 1,609 milhão de habitantes

SOL NASCENTE
(TRECHOS 1, 2 E 3)
95 mil habitantes PLANO PILOTO
220,3 mil habitantes

PARIS 2,244 milhões de habitantes

ROCINHA 100 mil habitantes

COMPLEXO DA MARÉ 129 mil habitantes

Mapa comparativo entre as dimensões de manchas urbanas notáveis,


mostrando também a distância real entre o Sol Nascente e o Plano Piloto, 2019
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
172 173

Situação das vias encontrada antes da instalação do PAT no Sol Nascente Trecho 1, 2015
Fonte: Alfredo Bezerra

Situação das vias locais no Sol Nascente Trecho 1 após obras de urbanização, 2018 Simulação da proposta de 2008 para as vias locais “compartilhadas” no Sol Nascente Trecho 1. A lógica do
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB automóvel se impõe. Arborização urbana, ciclistas e pedestres não são priorizados, 2016
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo
174 175

Pensar ruas completas: espaços de permência para as pessoas, calçadas acessíveis, arborização e
paisagismo. Propostas de redesenho urbano para vias locais compartilhadas, 2016
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo
O POSTO COMO PRIMEIRO
EQUIPAMENTO PÚBLICO
INSTALADO NA COMUNIDADE

É muito simbólico que o primeiro equipamento público instalado em uma Esse processo inicial foi extremamente interessante. O contato direto com os
comunidade seja um Posto de Assistência Técnica Pública e Gratuita em moradores foi capaz de gerar soluções e projetos que não seriam possíveis se
Arquitetura, Urbanismo e Engenharia. Analisando a quantidade enorme de os técnicos estivessem distanciados do objeto de trabalho. O Programa Ações
planos, projetos e obras de que essas comunidades precisam, nada mais Urbanas Comunitárias, que apresentou excelentes resultados exatamente
lógico que o Estado reconhecer seu passado de ausência no local e iniciar por ter sido criado em parceria com a população e para responder questões
suas ações na área com uma proposta de transformação da realidade. In- urbanas específicas das favelas, é um exemplo de proposta emergente e
176 177
felizmente, sabemos que essa não é a metodologia estatal usual para lidar imbuída do caráter de urgência que as soluções urbanas e os conflitos sociais
com esses territórios, privilegiando e preferindo sempre ações punitivas às demandam nessas localidades.
propositivas.

No decorrer do processo, sempre dizíamos, com certa ironia, que o Posto era
a nossa versão das UPP1, só que ao invés de serem unidades repressoras
do Estado que se espalharam pelas comunidades no Rio de Janeiro (cuja
violência e contradições foram tão bem analisadas na dissertação de mes-
trado da vereadora carioca assassinada Marielle Franco), nossas UPP eram
“Unidades de Projetos Participativos”, espaços propositivos e participativos
implementados nas favelas do DF.

A distância foi um fator de dificuldade para o início dos trabalhos. Dentro da


lógica da mobilidade pendular, o transporte público fazia trajetos nos horários
comerciais, partindo da comunidade para as áreas mais ricas, sendo raro
o trajeto inverso para beneficiar quem dá expediente no Sol Nascente. A
equipe inicial, cuja maior parte vivia em áreas “mais nobres” da metrópole,
deparou-se com as dificuldades que a população local enfrenta em relação à
mobilidade. A ausência de comércio, calçadas e segurança também passou
a fazer parte da rotina desses profissionais treinados e habituados a viver e
a trabalhar em áreas consolidadas, atendendo as classes mais afortunadas.

1 As UPP (Unidades de Polícia Pacificadora) fazem parte de um programa da Prefeitura do Rio


de Janeiro que pretendia instaurar polícias comunitárias em favelas, visando a desarticular o
crime organizado. Em pouco tempo, o que deveria ser um projeto de segurança humanizado se
tornou em mais uma forma de violência estatal contra o povo pobre, reforçando o modelo de
Estado Penal. O desaparecimento do ajudante pedreiro Amarildo em 2013 foi o símbolo mais Diagrama do processo de implantação do programa de Assistência Técnica da Codhab-DF
emblemático dessa violência policial contra os moradores das favelas. Oito policiais foram elaborado por Lou Vendramini durante encontro, 2016
condenados pelo caso. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Reuniões diversas no PAT Sol Nascente Trecho 1: rapidamente o espaço se tornou um ponto de referência,
informação e de debate sobre os projetos e problemas da comunidade; Abaixo, Dona Bita, uma das moradoras
mais antigas da comunidade, e sua irmã, conhecendo os projetos de habitação de interesse social escolhidos
por meio de concurso público para a comunidade, 2015-2018
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento

178 179
IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA
— EXPERIMENTAÇÕES E RESULTADOS

O posto começou a funcionar contando com três que estávamos ali para mapear as edificações iniciadas em 2014. O Posto, por ser o governo na propostas para o prolongamento da via P4 (onde
arquitetos, uma assistente social, uma auxiliar com intenção de levantar dados para remoção comunidade, passou a desempenhar o papel de o posto estava localizado), do parque urbano e da
administrativa e estagiários. Nessa fase inicial, da comunidade. gestor de todas as operações na área, compatibi- Rua das Palmeiras.
praticamente todos os arquitetos da companhia lizando as atividades e cronogramas e mediando
atuavam direta ou indiretamente no posto. Isso Nos casos em que não havia esse receio, havia ou- eventuais conflitos entre os agentes do governo Na medida em que as obras se desenvolviam,
porque a CODHAB, apesar de ser uma companhia tra questão: a ausência de recursos para financiar e comunidade. ficava ainda mais clara a necessidade de se focar
180 181
com atribuições bastante técnicas, possuía poucos as obras, que deveriam ser arcadas pelos próprios nos espaços públicos, criando vínculos com a
profissionais arquitetos e urbanistas na época. moradores. Sendo assim, garantir os recursos para O início de programa de ATHIS nesse momento comunidade a partir das áreas compartilhadas e
a execução do projeto foi um elemento fundamen- em que estava ocorrendo a regularização e urba- apresentando resultados que impactariam positi-
Essa primeira etapa foi marcada por uma ruptura tal para a consumação do processo. nização foi bastante oportuno, já que as melhorias vamente várias pessoas da comunidade simultane-
da zona de conforto na instituição. Ao aproximar habitacionais iriam acontecer em um ambiente em amente e com grande visibilidade, diferentemente
os servidores e a atuação da Companhia do seu Resumindo: apesar da boa intenção, do planeja- que os problemas locais estavam sendo tratados das intervenções dentro das moradias, que tinham
público alvo, o trabalho enfrentou dificuldades tí- mento e da capacidade técnica, o desejo de iniciar em sua globalidade, resolvendo questões do espa- baixo potencial de comunicação. Ao se dedicaram
picas de um território novo e estigmatizado. Tanto a ATHIS na comunidade por meio de projetos de ço público e simultaneamente as insalubridades e às melhorias do espaço urbano, os arquitetos e
a equipe quanto a empresa pública não possuíam melhorias habitacionais não foi bem-sucedido. o risco estrutural das edificações privadas. urbanistas iniciaram diálogo e um processo partici-
experiência em trabalhar dentro de comunidade Quando existia entendimento entre o técnico e o pativo com os moradores, apresentando resultados
que, por sua vez, desconhecia o trabalho. Os pri- morador, e a fase de levantamento e projeto era Entretanto, a urgência das obras de infraestrutura, e diminuindo os receios. Foi um momento em que
meiros meses foram, portanto, um momento de concluída, dificilmente o que estava no papel se que incluíam a construção de bacias de retenção e os técnicos mediaram muitos conflitos, negociando
aclimatação, de superação de preconceitos, bem tornava obra. Apenas um projeto avançou: a Casa galerias para águas pluviais, sistema de abasteci- remoções para abertura de vias e infraestrutura e
como de elaboração de procedimentos de trabalho. da Dona Irene, que era vizinha do Posto e já pos- mento de água e coleta de esgoto e pavimentação, acompanhando as obras urbanas.
suía reservas financeiras para a obra, que ainda seguindo o projeto de regularização urbanística de
Na época, foram elencados alguns problemas das contou com significativas doações de materiais 2008, que não tinha sido elaborado com participa-
habitações que deveriam ser combatidos, como pela arquiteta responsável pelo Posto à época. ção social e que desconsiderava aspectos impor-
a construção de fossas, reforço ou reconstrução tantes do assentamento, demandaram enormes
de estruturas com risco de colapso, reparos ou Apesar de ter sido o único projeto concretizado esforços e foco da equipe do Posto nas adequa-
reconstrução de telhados, reforma ou construção no período, foi bastante relevante para divulgar ao ções e melhorias do projeto e na mediação dos
de banheiros e cozinha, nessa ordem de prioridade. restante do governo as possibilidades de atuação conflitos, ficando a proposta de executar melhorias
e os resultados que poderiam ser alcançados se habitacionais em segundo plano.
Apesar dos esforços, o programa não obteve o o programa tivesse recursos financeiros para as
êxito esperado. A desconfiança que ainda existia obras. Um dos primeiros trabalhos iniciados foi o de
por parte da comunidade em relação aos técnicos atualização desse projeto, com enfoque nas áre-
era uma barreira considerável. Desconstruir os Ao mesmo tempo, a questão urbana gerava de- as com maiores potencialidades para criação de
receios em relação ao governo por parte de uma mandas permanentementes. O Posto iniciou suas espaços públicos qualificados e que na proposta
população acostumada a só encontrar o lado re- atividades trabalhando em uma ação maior de inicial haviam sido tratados como qualquer outra
pressor do Estado não foi tarefa fácil. Nos primeiros intervenção na comunidade, cujo projeto foi fina- área, sem levar em conta o genius loci, o espírito
meses do trabalho, muitas pessoas imaginavam lizado em 2008 e as obras de urbanização foram do lugar. Nesse período, o foco foi desenvolver
182 183

Equipes de Harvard e da UnB em visita Equipes de Harvard, UnB e lideranças comunitárias em visita ao
ao Sol Nascente Trecho 1, 2015 Sol Nascente Trecho 1 durante as obras de infraestrutura, 2015
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
ETAPA 1 ETAPA 2

184 185

ETAPA 3 ETAPA 4

Proposta de habitação-modelo, 2017:

Prezando pelo uso de materiais de baixo custo nas


vedações e na cobertura, a estratégia adotada é a
ocupação da testada do lote, a fim de potencializar a
segurança nas esferas doméstica e urbana.
Mantém-se um único recuo lateral, área de solo permeável,
possibilitando ventilação e iluminação naturais.
No mesmo sentido, a estrutura da casa é pensada para
a construção em até cinco etapas, à medida que a
família disponha de recursos materiais e humanos para
a execução da fase seguinte. Dessa maneira, o primeiro
módulo é composto por sala e cozinha integradas,
banheiro e área de serviço; nas etapas seguintes,
acrescentam-se quartos e suíte.

O projeto tenta resolver o problema da maioria das


habitações das ARIS do DF: a construção proviória
feita no fundo do lote, de difícil expansão, que se torna
permanente. Ao iniciar a ocupação pela testada do
lote, a relação com a rua é melhorada (não sendo
simplesmente um muro com portão fechado) e a
ampliação do imóvel ocorre em etapas, de maneira
planejada. O modelo permite prever estrutura para
Sol Nascente Trecho 1: construção de um segundo pavimento.
parcelamento e ocupação típica com edificações provisórias nos fundos dos lotes, 2015
ETAPA 5
Fonte: Joana França - Acervo CODHAB Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo
186 187

Proposta de habitação-modelo, 2017


Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo
AÇÕES URBANAS
COMUNITÁRIAS

Se na etapa inicial do processo de criação e implementação de um programa Rapidamente percebemos que deveríamos ocupar essas áreas antes que
de assistência técnica realizar melhorias habitacionais era algo difícil, seja alguém as ocupasse como um espaço privado ou como depósitos irregu-
pela desconfiança dos moradores ou pela falta de recursos para financiar as lares de lixo ou ainda como estacionamento, reduzindo o potencial social e
obras, as questões relativas ao espaço público criavam demandas urgentes, ambiental desses espaços.
tanto pelas equipes do governo, pela população ou mesmo pela sensibilidade
dos arquitetos e urbanistas em contato com a comunidade. Há um caráter de emergência no trabalho de urbanização de favelas. Essas
188 189
áreas surgem, dentre outras razões econômicas, sociais e políticas, também
Oriundas de um processo de ocupação informal e processos de grilagem pela morosidade do Estado e seus processos burocráticos desconectados
de terras públicas, as áreas de regularização de interesse social no DF são da realidade de nossas cidades e da maioria da população. Ficou muito claro
carentes de espaços de uso comum e de áreas verdes, o que faz com que para a equipe que as estratégias utilizadas até então não se aplicavam a
as poucas áreas vazias tenham enorme importância para viabilizar espaços um território produzido pela autoconstrução que alcançou uma população
gregários. Esses espaços livres ganharam maior nitidez com as obras de de 100 mil habitantes em um período de pouco mais de dez anos. Por isso,
urbanização e, por isso, passaram a ser visados por grileiros ou utilizados precisamos adotar métodos que gerassem resultado na mesma velocidade
pelos moradores para expandirem seus lotes. com que essas pessoas iam construindo sua comunidade.

Ação Urbana Comunitária na Praça da Quadra 501 - Sol Nascente Trecho 1 (antes), 2016 Ação Urbana Comunitária na Praça da Quadra 501 - Sol Nascente Trecho 1 (depois), 2016
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
Era preciso caracterizar todos os vazios urbanos identificados enquanto
áreas públicas. Com um crescimento populacional de aproximadamente
10% ao ano, “terrenos baldios” ficam nessa condição por muito pouco tempo,
principalmente quando se é implantado infraestrutura urbana.

Ainda eram poucas as experiências de regularização e urbanização de favelas


no Distrito Federal, entretanto é possível observar um tratamento totalmente
inadequado na forma como esses projetos e obras são elaborados, focando
em grandes obras de infraestrutura básica e resolvendo as questões a nível de
solo, com uma lógica totalmente rodoviarista, qualificando os leitos carroçá-
veis das vias e deixando toda a área para além do meio feio sem tratamento
algum. Isso quer dizer que calçadas, ciclovias, praças, largos, não recebem
190 191
investimentos e nem mesmo projetos, de modo que quando são concluídas
as obras de urbanização, o espaço público continua extremamente precário.

Após a finalização das obras em uma rua próxima ao Posto, essa incom-
pletude da obra ficou bastante evidente. Provocada pela comunidade e pelo
presidente da Companhia, Gilson Paranhos, a equipe do Posto elaborou algu-
mas estratégias para, junto à comunidade, melhorar o aspecto da rua, com
tratamento das calçadas, inserção de vegetação e tratamento das fachadas.

Com o nome Se Essa Rua Fosse Minha, foi organizado o primeiro mutirão, em
24 de outubro de 2015. Com materiais de construção doados pela comunidade
e pela equipe, e reaproveitando itens encontrados em depósitos do GDF, o
mutirão começou pela manhã de um sábado e contou com mobilização da
comunidade nos dias anteriores. Alguns poucos moradores aceitaram ajudar
no projeto, inclusive cedendo suas casas como ponto de apoio logístico para
almoxarifado, acesso à água, uso de banheiros, montagem da mesa de café
e ponto de energia. A maioria da população estava descrente que a proposta
daria certo, lembrando o individualismo de seus vizinhos e frustradas tenta-
tivas anteriores de auto-organização.

As atividades do mutirão consistiram em um pequeno debate sobre educação


ambiental, seguido de ações de limpeza geral das ruas e dos espaços onde
deveriam ser executadas calçadas, que estavam tomadas de entulho, além
de pintura de fachadas. A experiência foi bastante exitosa e contou com a
presença de todo o novo quadro de arquitetos da CODHAB, do presidente da
Companhia e de voluntários técnicos sem vínculos com o governo ou com
a comunidade. À medida que as atividades ocorreram, a parte mais cética
dos moradores foi se entrosando, de modo que havia engajado nos trabalhos
um representante de praticamente todas as casas do trecho escolhido para
Primeiro mutirão Se Essa Rua Fosse Minha, 2015
a experiência. Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
Esse mutirão foi fundamental para experimentar moradores e grupos da sociedade civil organiza-
formas de aproximação e construção de confiança da que promovem ações de placemaking, como
com a comunidade. A partir de então, ficou clara a o Coletivo MOB. As equipes foram organizadas
necessidade de expandir a iniciativa, focando em em coordenações por frente de trabalho, como
áreas residuais e vazios urbanos localizados no paisagismo, mobiliário, parquinho, etc.
Trecho 1 do Sol Nascente, como forma de manter
a equipe e a comunidade permanentemente mobi- Nas três semanas que antecederam o evento, a
lizadas e empenhadas na transformação do local. equipe de arquitetos da CODHAB e o Coletivo MOB
(Movimente e Ocupe seu Bairro) promoveram reuni-
Para a segunda experiência do mutirão, foi reali- ões para discussão do projeto da praça da Quadra
zado um planejamento mais elaborado, visando 501, que ocorreram no início da noite, período mais
a criar um novo programa a ser executado pela conveniente para os moradores. Durante toda a
192 193
CODHAB que reunisse outros órgãos do governo, semana do evento, uma equipe de obras de órgãos
como a Novacap e a Secretaria de Obras, buscando diversos do GDF preparam o local do mutirão, re-
criar um maior envolvimento e engajamento da alizando atividades de maior dificuldade, como a
comunidade e fomentando um programa espe- retirada de entulho pesado e terraplanagem.
cífico para atrair voluntariado técnico. Em 30 de
abril de 2016, ocorreu a primeira edição do projeto Os procedimentos experimentados nesse muti-
Ações Urbanas Comunitárias no local que viria a se rão deram origem aos quatro eixos formadores
tornar a Praça da Quadra 501. Como na experiência do projeto Ações Urbanas Comunitárias: Botando
anterior, a ação foi realizada em um sábado (o que Verde, Pintura de Fachadas, Reciclo Urbano e Galeria
viria a se tornar um padrão), com a participação do Urbana, tratados com mais detalhes em capítulo
corpo técnico do Programa de Assistência Técnica, específico desta publicação.

Cartazes de
divulgação das AUC, 2016 Equipe de Assistência Técnica CODHAB, moradores, voluntários e Coletivo MOB
Fonte: Acervo Equipe de durante mutirão na AUC na Praça da Quadra 501, 2016
Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
194 195

Avenida das Palmeiras — Projeto do GDF de 2008: Avenida das Palmeiras — Projeto elaborado pela equipe do PAT Sol Nascente Trecho 1 em 2017:
Prolongamento do eixo viário preexistente, adequação dos lotes em função da via e retirada das palmeiras Desvio do eixo viário em função da preservação das palmeiras e das moradias construídas e tratamento do espaço público
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo

Em 18 de março de 2017, após as etapas de elaboração do projeto, que con- edificação, que possibilitou que o espaço fosse utilizado para a implantação
tou com a participação da comunidade e ampla divulgação do desenho final, de uma bacia de contenção e para a passagem da tubulação de drenagem
iniciaram-se novos mutirões para a construção de uma praça em um largo pluvial, identificamos ali a possibilidade de fazer uma edição ambiental do
da Rua das Palmeiras. Foram oito ações para finalização da praça. Poste- projeto, criando formas de confluir as intenções de agentes da comunidade
riormente, por demanda da própria população que pressionou o governador, na preservação ambiental, e experimentar metodologias participativas de
foram realizados outros quatro mutirões para reboco e pintura de todas as apreensão, valorização e conservação das APP, arborizando a área residual
fachadas da via. Por meio desse projeto e do empenho da comunidade, foi do entorno da bacia e da borda do córrego.
possível preservar as palmeiras imperiais existentes e consolidar a área verde,
complementando as obras com a execução de arborização e paisagismo, Também foi elaborado um projeto para a criação de um viveiro comunitário
além de mobilizar, pela primeira vez, uma grande parte dos moradores em para a produção de mudas de espécies ornamentais variadas para serem
um projeto comunitário. utilizadas nos logradouros públicos da comunidade e espécies arbóreas
nativas para a recomposição das APP. A ideia era propor um uso controlado
Houve ainda ações focadas na questão ambiental, visando a recuperar uma próximo à área de preservação, ocupando o espaço e evitando, assim, novas
área de preservação permanente às margens de um dos córregos que cortam construções irregulares e, em médio prazo, ampliar o projeto, arborizando
a comunidade. O local, localizado no final do prolongamento da Via P4, na também o entorno das lagoas de contenção e criando um espaço gregário
divisa entre o trecho 1 e 2 do Sol Nascente, até 2016 estava ocupado irregu- permanente para produção comunitária de mudas e educação ambiental:
larmente com um galpão que servia de depósito para uma loja de materiais o Centro de Convivência Ambiental do Sol Nascente. No entanto, devido a
de construção, sendo que a área é relevante do ponto de vista ecológico e conflitos entre lideranças da comunidade, não foi possível continuar o projeto.
de grande risco geológico, dada a topografia da gleba. Com a retirada da
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DF

Avenida das Palmeiras: situação encontrada em 2015


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
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196 197

Foto: Alfredo Bezerra

Situação encontrada em abril de 2015

Foto: Alfredo Bezerra

Situação encontrada em abril de 2015


2015

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2017

2018

Avenida das Palmeiras:


antes e depois
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
200 201

(Re)Projeto Largo das Palmeiras

Avenida das Palmeiras: antes e depois


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
202 203

Inauguração Praça das Palmeiras

Avenida das Palmeiras:


Festa de inauguração
organizada pela comunidade com
auxílio da equipe de Assistência Técnica
e uso diversificado do espaço viabilizado
após a conclusão das obras.

Fonte: Luiz Eduardo Sarmento

Inauguração Praça das Palmeiras


A partir das primeiras experiências no Sol Nascen- Pela eficácia na conexão entre técnicos, comu-
te, os mutirões demonstraram ser extremamente nidade afetada e voluntários de várias partes do
eficazes para mobilizar e introduzir à comunidade DF, e por acelerar o processo de construção de
o programa de assistência técnica. Os mutirões laços de confiança entre moradores e arquite-
também foram fundamentais na sensibilização dos tos e urbanistas, as Ações Urbanas Comunitárias
técnicos para as realidades urbanas e sociais dos passaram a fazer parte da estratégia de início de
moradores locais e para a importância da participa- implantação de programas de ATHIS nas Áreas de
ção comunitária na elaboração de políticas públicas Regularização de Interesse Social do DF, funcio-
de urbanismo para a área onde vivem, sendo uma nando como uma espécie de cartão de visita do
forma de iniciação de métodos e experiências de Posto de Assistência Técnica, de seus agentes e
projetos urbanísticos por imersão e participação. de suas atividades.

204 205

Equipe de Assistência Técnica CODHAB


e arquitetos voluntários Vanda Mavilacana e Ariel Aleixo
durante AUC na Avenida da Feira do Produtor, 2018
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
O POSTO COMO ESPAÇO DE DIÁLOGO
E ATENDIMENTO SOCIAL

A população de baixa renda que vive nas comunidades onde atuamos têm a comunidade e reduzindo a sensação de insegurança para a equipe técnica,
em comum uma enorme dificuldade de acessar serviços públicos. No caso visto que em alguns momentos do dia a região ficava pouco movimentada
dos moradores do Sol Nascente esse quadro é ainda pior, devido à extensão e já havia ocorrido um assalto à equipe.
de sua população e de seu território e à dependência dos equipamentos e
serviços públicos de Ceilândia, a região administrativa mais populosa do DF À medida que as obras de urbanização avançavam, os atendimentos foram
que também padece com equipamentos públicos precários e insuficientes. se tornando majoritariamente relativos à possibilidade de legalização fun-
206 207
diária dos lotes. Nessa época, tivemos a clareza da importância de existir
Após o reconhecimento pela população do Posto como equipamento público, marcos no território demarcando os limites da comunidade e de sua área
o número de atendimentos sociais passou a ser cada vez maior. Sem terem urbana; das áreas de preservação permanente; e das áreas reservadas para
conhecimento sobre a especificidade do serviço prestado, os cidadãos iam provimento habitacional.
ao posto em busca de informações e orientações sobre os mais diversos
tipos de serviços públicos. Algumas das demandas conseguíamos resolver, Os limites abstratos dos mapas funcionam muito bem para os técnicos, mas
mesmo não sendo de nossa atribuição imediata. Outros mais complexos são pouquíssimo eficazes na gestão local e na compreensão do território
encaminhávamos para o Centro de Referência de Assistência Social de pela população. As áreas de preservação permanente, absolutamente legíveis
Ceilândia. Esse tipo de atendimento tomou bastante tempo de trabalho nos mapas oficiais, são de difícil identificação no local, o que dificultava a
dos arquitetos, o que por vezes atrasou os trabalhos de projeto, mas foi apreensão desses limites pela população, já que grande parte já estava bas-
importante para fortalecer os laços com a comunidade e para compreender tante antropizada, prejudicando o entendimento desses locais como áreas
suas demandas, criando um canal de diálogo e confiança entre as partes. de interesse ecológico que precisavam ser mantidos como espaços non
aedificandi preservados ou reabilitados ambientalmente. Por não existirem
Nos primeiros meses, a população chegava com qualquer tipo de necessida- marcos claros e pelo fato da vegetação original ter sido removida, essas APP
des e dúvidas. Com o passar do tempo e o com o consequente entendimento eram compreendidas localmente como terrenos baldios “desperdiçados” que
acerca dos serviços prestados e dos limites de atuação dos técnicos e da poderiam ser ocupados por moradias.
própria CODHAB, a demanda de atendimento foi ficando mais específica e
relacionada principalmente a questões urbanísticas e arquitetônicas. A preservação ambiental “de prancheta” não evitou que centenas de famílias
se instalassem no local, e o que era uma área verde se transformou em área
Nesse processo de atendimento social, que ocorria mesmo de maneira de remoção, com enormes transtornos para todas as partes. É fundamental
precária, a movimentação do espaço foi importante para que a comunidade que as informações incluídas nos planos urbanísticos sejam traduzidas no
fosse se apropriando do escritório e criando ali um local de referência. O Posto território para a população, principalmente as relativas às áreas de preservação
foi ganhando ares de ponto de encontro, inclusive com a cotidiana visita de permanente, já que a preservação ambiental só irá ocorrer se os territórios
pessoas com mais tempo livre como idosos e desempregados que identifi- sensíveis forem identificados nos documentos burocráticos e mapas, mas
cavam ali um espaço gregário e acabavam passando diariamente algumas especialmente se houver a identificação e valoração dessas áreas pela co-
horas no local, aproveitando o fluxo de pessoas para conversar. Assim, a munidade. Isso pode ser promovido por meio de ações de educação urbana
equipe de obras da CODHAB fez uma pequena pracinha em frente ao posto, e ambiental e por meio de outras estratégias para demarcar essas áreas.
com bancos e jardineiras, aproveitando pneus descartados irregularmente na
região, formando um espaço de permanência na área de calçada, potenciali-
zando o local como ponto de encontro, ampliando os canais de contato com
208 209

Registro feito ao final da reunião com as lideranças comunitárias do Sol Nascente Trecho 1 Reportagem realizada pelo Fantástico sobre o trabalho
para tratar das áreas de preservação permanente e da implantação dos parques, 2015 da Equipe de Assistência Técnica nas ARIS do Distrito Federal, 2016
Fonte: Alfredo Bezerra Fonte: Luiz Eduardo Sarmento

Passada a etapa de obras com maior impacto no as- Com o processo de legalização fundiária e as obras Por fim, o Posto se consolidou como o ponto de Vários são os depoimentos de moradores que res-
sentamento, questões relativas à legalização fundiária de infraestrutura em fase de finalização, houve uma referência da comunidade para os assuntos relativos saltam as vantagens da CODHAB e suas equipes
continuaram recorrentes, com muitos atendimentos mudança no perfil das pessoas atendidas. Passamos a território e programas de moradia, de forma que foi técnicas estarem mais próxima de seus “clientes” e
sobre a entrega de escrituras e sobre o processo de a receber muitas pessoas que não moravam na natural que nos momentos de entrega de documen- das dificuldades que eles enfrentavam anteriormen-
escrituração em si. Nessa etapa, a presença do corpo comunidade e que, com a valorização fundiária de- tos e atualização cadastral para participar dos progra- te para se deslocaram ao Plano Piloto em horário
técnico da CODHAB in loco foi especialmente rele- corrente do processo de regularização e urbanização, mas de moradia do governo, o Posto centralizasse comercial para tentar um atendimento, que nem
vante para desenvolver o trabalho colaborativo com a buscavam informações sobre determinados lotes e o atendimento, não só dos habitantes da ARIS Sol sempre ocorria ou era incompleto, necessitando
população, visto que, ao identificar erros no processo áreas, com intenção de comprar imóveis no local. O Nascente, mas também aos moradores das regiões retorno. O acesso aos serviços e programas de re-
de endereçamento (o que era bem comum, dada a atendimento consistia em deixar claro a essas pes- administrativas mais próximas, como Ceilândia e gularização fundiária e moradia, a informações e aos
dinâmica urbana e o desmembramento constante soas a ilegalidade de se comprar imóveis em uma Samambaia. A criação de um aplicativo e a imple- responsáveis técnicos pelos projetos na comunidade
dos lotes, novas ocupações, etc) os moradores iam área de regularização de interesse social. Foi impor- mentação do SEI (Sistema Eletrônico de Informação) foram muito facilitados, permitindo que a CODHAB
ao Posto relatar tais inconsistências, o que permitiu tante identificarmos essa tendência para fazer um permitiram que todo o processo se tornasse digital, cumprisse suas funções legais de maneira mais
que o processo todo fosse muito mais rápido e eficaz, trabalho de educação urbana, munindo a população com a possibilidade de resolver todas as questões satisfatória para seu público-alvo. Com atendimentos
já que, relatado o equívoco, um técnico do Posto ia de informações sobre o processo de gentrificação, cadastrais sem sair de sua região ou comunidade. mais resolutivos, a busca pelos postos aumentou,
checar no local e já fazia as correções necessárias, especulação imobiliária e sobre as vantagens de Se antes essas pessoas precisavam percorrer cerca gerando a necessidade de haver um(a) servidor(a)
evitando que o processo prosseguisse com erro, o manterem o imóvel, garantindo a função social da de 30 km para esse tipo de procedimento, agora a dedicado exclusivamente a essas tarefas.
que iria comprometer toda a numeração das casas terra e valor justo em uma eventual venda posterior, proximidade facilitava muito o acesso a esses ser-
subsequentes e os documentos de escritura. dentro dos prazos legais estabelecidos. viços e o cumprimento dessas etapas burocráticas
para acessar as políticas de moradia social.
O trabalho mais próximo dos moradores gerou a Com a consolidação do programa de assistência As remoções, que até então eram feitas, não raras Se de modo geral as remoções são temidas, existiu
necessidade, não prevista inicialmente, de se fazer técnica da CODHAB, a comprovação da viabilidade vezes, sem aviso prévio aos moradores e aos fun- um caso em que a comunidade foi a principal de-
todo tipo de atendimento social. Isso demonstrou da proposta e o consequente aumento de pessoal cionários do Posto de Assistência Técnica, criavam fensora da medida: o de uma residência que bloque-
a eficácia do Posto enquanto ponto de encontro e recursos, em 2017 foi possível iniciar o trabalho situações complexas e que em vários momentos ava a rua, formando dois becos. Para a instalação
fixo entre o Estado e os moradores, avançando focado em Melhorias Habitacionais no Sol Nascen- fizeram retroceder o processo de construção de da rede de coleta de esgoto e de drenagem pluvial,
em práticas mais democráticas na gestão e con- te, com a abertura de mais dois postos na região, confiança entre os arquitetos e urbanistas e a co- essa casa deveria ser removida. Mesmo após acei-
solidação do território urbanizado, principalmente totalizando então três escritórios em atividade. munidade, já que esta, principalmente no primeiro tar os termos da negociação (que como em todas
nas periferias pobres. O Posto do Trecho 1 continuou concentrado em ano do Posto, acreditava que a CODHAB estava as negociações, por motivos de segurança, nunca
atender às enormes demandas de urbanismo, so- por trás das derrubadas. eram realizadas pela equipe de ATHIS) e de ter re-
Ficou evidente a importância de incluir atendimen- bretudo durante a fase de finalização das obras de cebido um novo lote na própria comunidade, dentro
tos para além do meramente urbanístico e a neces- infraestrutura, de modo que a gestão dos projetos O fato de existir jurisprudência e não existir uma da estratégia de reassentamento da Companhia,
sidade de uma pessoa trabalhando exclusivamente de melhorias habitacionais ficou a cargo da equipe lei que regulamentasse o processo de remoção o morador se negava a desocupar a residência.
210 211
para esse fim. Também ficou clara a efetividade da do Posto localizado no Trecho 2. Em 2018, ambos de edificações construídas em áreas irregulares, Segundo os moradores, ele estaria “segurando”
proximidade dos moradores - a parte mais interes- os Postos foram unificados, visando a otimizar o fazia com que as derrubadas de edificações mais o antigo imóvel na esperança de que, com uma
sada no processo - no acompanhamento de cada trabalho da equipe e permitir a transferência de recentes, que não eram incluídas na linha de corte possível mudança de governo, conseguisse ficar
etapa dos trabalhos técnicos, pois o controle social um dos arquitetos para ser responsável técnico do marco temporal da regularização, ocorressem com as duas casas. A comunidade temia que a
possibilitou que erros fossem sanados antes que o em outra comunidade. sem qualquer tipo de acompanhamento social. judicialização da questão atrasasse ainda mais as
processo avançasse, reduzindo a necessidade de Em um desses casos, o morador que teve sua obras ou as inviabilizasse. Após várias reuniões,
retrabalho, garantindo que os resultados fossem casa derrubada ficou, por vários dias, bastante foi estabelecido um cronograma entre as partes
aprimorados. perturbado psicologicamente e começou a fazer (consórcio da obra, GDF e moradores) e finalmente
ameaças constantes a equipe, como incendiar o a casa foi demolida e as obras concluídas. Mais
Posto, onde ele ia todos os dias. Por isso, tivemos uma vez, a pressão e capacidade de denúncia dos
de adotar medidas de segurança e tentar atender moradores, aliada a proximidade dos técnicos
sua principal demanda que era visitarmos o local do governo, permitiram que um problema fosse
PRINCIPAIS DESAFIOS onde era sua moradia. Isso foi feito com toda a resolvido da maneira mais justa e mais rápida,

E CONFLITOS EXISTENTES equipe do posto e com o apoio de outros mora-


dores que acompanharam a visita.
com os direitos de todos os moradores garantidos.

Outros problemas enfrentados diariamente pela


O morador, ao compreender que realmente não população local também foram vividos pela equipe
éramos responsáveis pela derrubada e que existe de assistência técnica. Falta de pavimentação nas
O grande desafio do trabalho no Sol Nascente, Trecho 1, sempre foi o de todo um sistema de monitoramento territorial pela vias e calçadas, esgoto a céu aberto, ausência
redesenhar o projeto urbanístico de 2008 enquanto as obras já ocorriam, Agência de Fiscalização, que legalmente tinha a de coleta regular de lixo e sistema de iluminação
visando a garantir que o potencial de algumas áreas urbanas da comunidade atribuição de promover remoções em áreas públi- pública precário passaram a fazer parte da rotina
não fossem perdidas caso as obras fossem executadas de acordo com o cas e de preservação ambiental, gostaria ao menos de profissionais que, apesar de planejarem cida-
projeto que não teve cuidado de tratá-las como pontos importantes para a que fôssemos ao local da remoção, no intuito de des, não estavam habituados a esses problemas
malha urbana. nos sensibilizar para uma solução imediata ao urbanos que atingem grande parte da população.
seu problema de moradia. Obviamente que não A questão da insegurança e precariedade no sis-
A mediação de conflitos fundiários e o problema das (poucas) residências havia muito o que fazermos enquanto servidores tema de transporte foi uma constante durante
que precisaram ser removidas para que a infraestrutura do bairro fosse im- públicos a não ser encaminhá-lo para Centro de todo o processo, já que dependem de soluções
plementada também tomaram bastante tempo da equipe. Aliás, a questão Referência de Assistência Social de Ceilândia e relacionadas com toda a metrópole brasiliense e
das áreas de remoções sempre gerou a necessidade de um atendimento orientá-lo sobre seus direitos. não apenas com o território de atuação. Com o
personalizado que demandou bastante atenção dos servidores. avanço das obras de regularização, a maior parte
dos problemas anteriores foram sanados, mas questão da segurança perma-
neceu durante todo o processo, ocorrendo um assalto e algumas tentativas
frustradas. Além disso, havia algumas (poucas) áreas da comunidade em
que não podíamos entrar, nem atuar por serem controladas por forças do
crime organizado.

Do ponto de vista de desenho, a principal dificuldade em qualificar os espaços


públicos da região estava em convencer diversos setores do governo sobre
a necessidade de incluir elementos infelizmente ainda poucos usuais na
metrópole brasiliense como faixas de pedestre elevadas e na necessidade de
modificar o projeto para incluir ciclovias, áreas verdes e calçadas, sendo que
usualmente as obras para urbanização na periferia nunca levam em conta
212 213
a importância da mobilidade pedonal e da vegetação no espaço urbano.

Mesmo quando a comunidade estava de acordo com os novos projetos, na


maior parte das vezes elaborados em processos participativos, era difícil
desconstruir certos paradigmas e preconceitos de técnicos que atuam no
planejamento urbano, mas que estavam muito distantes da realidade e do
espírito do lugar, de seus problemas e potencialidades e não conseguem
Reunião entre governador, lideranças comunitárias e equipe de Assistência Técnica no posto, 2016
compreender a importância da participação comunitária em projetos de Fonte: Alfredo Bezerra
infraestrutura de favelas. Apesar de tudo, o saldo dos trabalhos foi positivo
Resultado de concursos públicos: projeto de urbanismo e habitação de interesse social
e pedagógico. Os projetos podem ser avaliados in-loco e aqueles elaborados
no Setor Habitacional Sol Nascente em etapa de obra, 2019
na localidade, por arquitetos e urbanistas imersos na comunidade, apresen- Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
taram resultados mais satisfatórios. Outros projetos não tiveram tempo de
ser executados, como o prolongamento da via P4, um dos mais importan-
tes para a população local, pois conecta o terminal de ônibus da Ceilândia
P-Sul ao Sol Nascente, e a implantação dos parques que margeiam todos
os mananciais que cortam o bairro. Se implementados, serão a garantia de
preservação das APP e de lazer em uma área extremamente carente desse
tipo de equipamento.
PERSPECTIVAS

É fundamental que a lógica da imersão dos técnicos que desenvolvem os


projetos de urbanização da comunidade se mantenha e seja intensificada. O
Sol Nascente, apesar dos avanços em relação a infraestrutura, ainda possui
vários problemas e potencialidades urbanas que poderiam ser melhor desen-
volvidos se coordenados por arquitetos e urbanistas atuando cotidianamente
na e com a comunidade.

214 215
Conseguimos (re)planejar vários espaços importantes, alguns cujas obras
foram concluídas, outros que ainda estavam em obras, e ainda há espaços
em que elas ainda não começaram. É fundamental que o resultado alcançado
no caso da Rua das Palmeiras possa servir de referência para outras vias
tão importantes quanto, como o prolongamento da Via P4 (que ainda não
conta com calçadas, ciclovias e nem arborização, apesar do enorme fluxo
de pessoas, o prolongamento da Via P1 (onde foram executadas apenas as
áreas carroçáveis, sem nenhuma obra que beneficie pedestres ou ciclista, e
nem a arborização urbana foi iniciada) ou a Avenida da Feira do Produtor, para
qual propusemos um redesenho que potencializasse sua vocação comercial
Projeto para o Sol Nascente Trecho 1
e garantisse espaços generosos para as pessoas, privilegiando pedestres e Fonte: Luiz Eduardo Sarmento e Daniel Melo
ciclistas em um fluxo lógico, prevendo espaços para que o comércio coloque
mesas nas calçadas que deveriam ser sombreadas por árvores de grande Vencidas as várias etapas de acomodação da receber um Centro Cultural que atenderia não só
porte. Infelizmente, com a mudança de governo, não conseguimos acom- equipe na comunidade, com as diferentes fases os moradores do Sol Nascente, como também
panhar o desenvolvimento dessas propostas, que por não serem usuais no do trabalho, o natural é que, nos próximos anos, a população da Ceilândia. Ainda na CODHAB,
padrão de obras do GDF e questionarem certos paradigmas, é provável que a CODHAB, por meio do Posto do Sol Nascente, propusemos um concurso público nacional de
não sejam concluídas. se dedique a acompanhar as obras urbanas ainda projeto para escolher a melhor proposta para o
não finalizadas, chegando na etapa de execução equipamento. Porém, o certame precisou ser
Uma maior presença de outros órgãos nesse território também se faz neces- de paisagismo e arborização por meio de mutirões suspenso em atendimento a um decreto do go-
sário. Infelizmente, a maior parte da estrutura governamental atua muito mais em todas essas áreas, na coordenação do desen- vernador que suspendia todos as contratações
enquanto órgãos punitivos que propositivos. O Posto de Assistência Técnica volvimento do projeto e implantação dos parques ainda não consumadas em seus últimos meses
tem vocação de sediar ações de outros órgãos, nem que em alguns dias do lineares por meio de processos participativos e na de governo. A retomada desse concurso seria
mês, consolidando o espaço como uma forma de iniciar os serviços públicos ampliação do programa de melhorias habitacionais, de extrema importância para reparar um pro-
nessas áreas em que eles não chegavam. O Instituto de Meio ambiente e a para atacar o deficit qualitativo que é bastante blema de gestão que nunca se preocupou em
Agência de Fiscalização poderiam ter ali um ponto de referência para pro- alto na região. oferecer espaços adequados para a pulsante
gramas de educação ambiental e urbana. A Defensoria Pública poderia fazer cena cultural local.
atendimentos, e as universidades e outros órgãos que realizam projeto e obra A ausência de equipamentos culturais também
deveriam estar mais presentes ali para desenvolverem métodos de trabalho deve ser resolvida. A existência de uma grande área
mais adequados a essa realidade urbana que os gestores e pesquisadores pública, anteriormente ocupada irregularmente
ainda pouco conhecem. por uma grande rede de supermercados, poderia
Referências

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Disponível em: <http://www.ceilandia.df.gov.br/category/sobre-a-ra/conhe-
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CODEPLAN - Pesquisa Socioeconômica por amostra de domicílio 2015.


Disponível em: <http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/
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CODHAB. Ferrero, Caterina (Responsável Técnica). Memorial Descritivo de


Projeto de Regularização de Parcelamento Urbano: Setor Habitacional Sol
Nascente Trecho 02 - Etapa 2 - Região Administrativa de Ceilândia – RA IX.
216 Brasília, 2016. 217

CODHAB. Vaz, Miriam Cristina da Silva (Responsável Técnica). Memorial


Descritivo de Projeto de Regularização de Parcelamento Urbano: Setor
Habitacional Sol Nascente Trecho 01 – Etapa 1 - Região Administrativa
de Ceilândia – RA IX. Brasília, 2001.

FRANCO, Marielle. UPP - a redução da favela a três letras: uma análise da


Avenida das Palmeiras - Sol Nascente Trecho 1, 2019
política de segurança pública do estado Rio de Janeiro. 1ª edição. Rio de
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento Janeiro: N-1 edições, 2018.

GALVÃO, Laila Maia. O Projeto Promotoras Legais Populares: a Interferência


O contato quase diário com a comunidade, seus problemas, suas potencia-
Social na Construção do Espaço Urbano e o Aluno de Direito. Revista dos
lidades e seus moradores foram extremamente enriquecedores e decisivos
estudantes de direito da UnB, Brasília, 6ª edição, 2007.
no andamento e no resultado dos projetos desenvolvidos. A construção de
um sentimento de confiança se deu por meio da transparência nas decisões GRAEFF, Edgar. Edgar Graeff. Entrevista. Arquitetura Brasileira após Brasília:
projetuais e no permanente debate sobre eles. Percebemos a importância e depoimentos. Rio de Janeiro: Edição do Instituto de Arquitetos do Brasil,
a potência do projeto e da representação das ideias em papel. O fato de ter- Departamento do Rio de Janeiro, 1978.
mos os projetos de regularização, de habitações projetadas para as pessoas
ROCHA, Marize Raimunda dos Santos. Lado a lado: questão habitacional e
que seriam reassentadas e de conjuntos habitacionais cujos projetos foram questão ambiental num recorte sobre o Setor Habitacional Sol Nascente
escolhidos por concurso público nacional de projeto afixados nas paredes do e a Lagoa do Japonês em Ceilândia, no DF. Brasília: UnB, 2014. 84 f. Dis-
Posto possibilitava que a arquitetura e o urbanismo em sua representação sertação. Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
mais banal pudesse ser a mediadora do contato entre técnicos e comunidade.
Também funcionava como uma ferramenta de empoderamento social por SARMENTO, Luiz Eduardo; ANDRADE, Liza Maria de Souza. Ações Urbanas
Comunitárias: assistência técnica para famílias de baixa renda e participa-
meio do acesso e compreensão do que estava sendo feito em seu bairro.
ção popular em projetos de espaços públicos para a periferia de Brasília,
Brasil. In: Congresso Internacional - Projetar a Cidade com a Comunidade,
O Posto, além de ser um espaço de proposição, passou a ser um espaço de 2017, Lisboa.
mediação entre vários agentes que pouco dialogavam e espaço da transpa-
rência e acesso a informações oficiais, além de ter se tornado um potente SARMENTO, Luiz Eduardo; COELHO, Manuella; MELO, Daniel. Manual Ações
Urbanas Comunitárias. 1ª Edição. Brasília: CODHAB, 2017.
espaço de desenvolvimento de metodologias para as atividades do serviço
público no campo da regularização fundiária, programas habitacionais e SEDUH. Plano Diretor de Ordenamento Territorial. Disponível em: <http://
urbanização, aproximando os técnicos das pessoas e territórios e permitindo www.seduh.df.gov.br/plano-diretor-de-ordenamento-territorial/>. Acesso em
processos inovadores, dialéticos, sensíveis e democráticos. agosto de 2019
SOL NASCENTE TRECHO II
CEILÂNDIA / DF

33 km
SOL NASCENTE TRECHO II
CEILÂNDIA / DF

por Gustavo Guedes

início da ocupação Década de 1990 e intensificada a partir de 2000 (PDAD 2015)


população Aproximadamente 20 mil habitantes (dado do PAT)
área 299,794 ha (dado do PAT)
densidade 100,05 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal R$ 622,30 per capita (PDAD 2015)

potencialidades Tem limite norte com as quadras QNP e avenida P2 da Ceilândia, confronta-se
a leste com a feira do produtor da Ceilandia, e nordeste com o trecho 1 do
sol Nascente. A área é cortada pela Vicenal 311 que da acesso a DF -180
até a Ceilandia, sendo inserido em Zona Urbana de Expansão e Qualificação.

principais desafios Obras de infraestrutura em andamento.

inauguração Outubro de 2016

equipe coordenação arq. urb. Gustavo Guedes // out 2016 - dez 2018
arq. urb. Verônica Almeida // nov 2016 - jan 2017

estagiários Kariny Nery, Pedro Ivo Corado, Juliana Sousa,


Gabriel Bianchini e Jefferson Lopes

voluntários Pedro Ivo Corado

principais atividades /ações urbanas comunitárias /melhorias habitacionais


222 223

A REGIÃO E
O ASSENTAMENTO
O Setor Habitacional Sol Nascente (SHSN) localiza-se na Região
Administrativa de Ceilândia – RA IX, 40 quilômetros a oeste do Plano
Piloto. Segundo o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de
2009, a área está situada em Zona Urbana de Expansão e Qualificação e é
definida como Área de Regularização de Interesse Social (ARIS).

Devido à grande extensão territorial, o Sol Nascente foi divido em três


trechos. Conforme dados obtidos no Memorial Descritivo (MDE) do projeto
urbanístico, o Trecho 2, que está entre os demais trechos, possui 256.6672
hectares, representando 27,27% da poligonal do setor.

Sua região é formada basicamente de antigas chácaras concedidas


pelo governo, hoje improdutivas, que foram loteadas de forma irregular.
Atualmente, todo o Sol Nascente encontra-se em fase de regularização, e
Sol Nascente Trecho 2, 2016
estima-se que o Trecho 2 tenha mais de 20 mil habitantes. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
A CODHAB DENTRO
DA COMUNIDADE

O Posto de Assistência Técnica (PAT) do sol Nas- Um ano após a abertura, o posto foi transferido para
cente Trecho 2 foi o décimo primeiro Posto da um contêiner na avenida principal (antiga VC-311),
companhia, inaugurado no dia 15 de outubro de o que possibilitou mais visibilidade e acessibilidade
2016, em um espaço cedido pela comunidade na dos moradores ao local.
parte leste do bairro. No mesmo dia, ocorreu a pri-
meira Ação Urbana no trecho e vigésima terceira da As atividades ali desenvolvidas foram: gestão do
224 225
gestão. No evento ocorreu uma mesa redonda da Projeto na Medida e do programa Melhorias Habita-
qual participaram a comunidade, o administrador cionais, promoção de Ações Urbanas Comunitárias
regional de Ceilândia e os arquitetos da equipe, para e atendimento sobre o urbanismo do bairro. Essas
tratar da importância de um ponto referencial da atividades foram desempenhadas pela Diretoria de
companhia dentro da localidade. Para adequar o Assistência Técnica (DIATE), e o atendimento dos
local às necessidades do trabalho, foi promovida cadastros dos programas de moradia.
uma pequena reforma visando atender melhor a
Instalação do PAT Sol Nascente Trecho 2, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB comunidade.

Inauguração do PAT Sol Nascente Trecho 2, 2017 Segundo PAT Sol Nascente Trecho 2, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
REGULARIZAÇÃO ESPAÇOS PÚBLICOS
E INFRAESTRUTURA E PARTICIPAÇÃO

O Trecho 2 do Sol Nascente encontrava-se em um processo intenso de ade- Durante o tempo em que esteve presente na comunidade, coube à equipe
quação da malha para viabilização de infraestrutura. Devido à magnitude e do posto o auxílio no desenvolvimento de projetos complementares para a
urgência das questões relevantes ao processo urbanístico do bairro, todo o urbanização do local. A partir de processos participativos com a comunidade,
procedimento técnico e jurídico ficou na sede da Companhia, de modo que foi conjecturada, por exemplo, uma saída de carros da avenida principal do
o Posto fornecia apoio no contato com a liderança local e a comunidade. Sol Nascente Trecho 2 (antiga Vicinal 311) para acesso à avenida P2 – adja-
Nesse aspecto, o PAT era um importante instrumento informativo, por meio cente à Escola Classe 40 de Ceilândia. Sendo essa uma escola primária, sua
do qual os moradores buscam saber sobre regularização, infraestrutura, áreas diretoria e a comunidade requisitaram evitar ao máximo a proximidade do
públicas previstas, áreas de proteção permanente, entre outros. tráfego junto à portaria. Diante disso, o projeto teve como diretriz a criação de
226 227
uma praça que possibilita uma distância segura para o acesso das crianças
à escola, e a rua foi proposta de maneira sinuosa para a desaceleração dos
carros na localidade.

Sol Nascente Trecho 2 - Etapas 1 e 2 Debate de projeto entre equipe técnica e comunidade, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Mariana Bomtempo
PAT Sol Nascente
Trecho 2 Posto de Saúde

Escola Classe 40

228 Ruas AUC #48 229


diretamente
beneficiadas

Mapeamento da intervenção, 2017 Croqui do projeto elaborado em reunião com a comunidade, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Terreno livre adjacente à Escola Classe 40, 2017 Projeto para a área vazia adjacente à Escola Classe 40, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
230 231

Pintura coletiva de painel artístico durante AUC, 2017 Equipe durante Ação Urbana Comunitária, 2017
Fonte: Mariana Bomtempo Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Paralelamente à apresentação desse projeto,


foram também desenvolvidas algumas Ações
Urbanas Comunitárias com pinturas de fachadas,
painéis artísticos, brincadeiras para as crianças
e criação de bancos de pneu reciclável para a
escola, possibilitando a participação ativa da
comunidade no processo de urbanização do local.

Houve também outras duas Ações Urbanas, uma


AUC #48 no Sol Nascnte Trecho 2, 2017 para a construção de fossas sépticas e a outra
Fonte: Mariana Bomtempo para realização de painel artístico, ambas na
quadra 209 do setor.
Construção de fossas durante Ação Urbana Comunitária, 2017 Pintura de painel durante Ação Urbana Comunitária, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PROJETO NA MEDIDA E
PROGRAMA MELHORIAS HABITACIONAIS

Apesar de a Lei Federal nº 11.888/2008 determinar a assistência técnica


gratuita de arquitetura e engenharia para famílias de baixa renda, apenas no
último ano de gestão o setor do Sol Nascente pôde receber pela primeira vez
esse serviço por meio do Projeto na Medida (projeto de arquitetura e enge-
nharia) e do programa Melhorias Habitacionais (reforma). Para participar, os
requerentes deveriam residir em áreas passíveis de regularização, estar em
234 235
situação de vulnerabilidade habitacional, comprovar renda de até três salários
mínimos e residir há pelo menos cinco anos no Distrito Federal. O objetivo era
atuar sobre o problema de inadequação habitacional que enfrentam muitas
famílias da localidade.

O Posto do Trecho 2 do Sol Nascente coordenou os trabalhos que foram re-


alizados por uma empresa contratada para entregar 8 mil metros quadrados
Mapa de requerentes em etapa de pré-cadastro, 2017
de projeto em todos os trechos do Sol Nascente. Isso correspondeu a cerca Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
de 200 projetos com 40 metros quadrados de intervenção por habitação.

Mapa de obras concluídas, entregues e em andamento, 2018


A empresa contratada abriu um escritório no Trecho 2 em outubro de 2016, Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
a fim prestar os seguintes serviços: avaliação social das famílias, coleta de
documentos, elaboração dos projetos de arquitetura e complementares,
e acompanhamento de obras. A equipe local gerenciou o contrato com a
empresa, avaliou qualitativamente o material apresentado e conferia a do-
cumentação, e fiscalizava conjuntamente as obras desenvolvidas.

Para início das atividades, houve um pré-cadastro desenvolvido por meio do


trabalho em campo e da procura pelos moradores interessados que preen-
chiam um formulário. Contudo, era elucidado que, após essa etapa, haveria
avaliação técnica e social para possível admissão no programa. Assim,
foram levantadas, em um ano e meio de atividade, mais de 600 famílias.
Em seguida, era feito uma visita pela assistente social às residências dos
candidatos para fazer a avaliação social da família, coletar documentos, ave-
riguar as condições de habitabilidade e definir os domicílios que receberiam
atendimento prioritário.
Ademais, foram feitas as visitas técnicas edílicas, a fim de avaliar as condi-
ções construtivas da casa: patologias, ventilação, iluminação, salubridade
e acessibilidade. Era executado também todo o levantamento métrico e
fotográfico das casas e verificada a possibilidade de regularização por afe-
rimento georreferenciado. Não menos importante era a entrevista com as
famílias sobre suas necessidades e desejos para o futuro do lar. Esse ponto
é o diferencial do programa, pois, mesmo tendo de cumprir as obrigações
técnicas, o caráter humano é ponderado nas decisões de projeto.

O passo seguinte era a elaboração do estudo preliminar, que consistia em um


esboço das potencialidades da casa, levando em consideração as questões
já tratadas e uma breve estimativa de custos, essa etapa deveria ser apro-
236 237
vada pelo morador. Foram produzidos e aprovados cerca de 130 estudos
preliminares.

Por último, a finalização do projeto executivo, com a entrega de todo material


técnico ao beneficiário e à Codhab. Esse material deve ser adequado à refor-
ma proposta e à possível continuação da melhoria da casa pelo morador. O
cliente, no ato de recebimento do projeto, atestava a aceitação das soluções
propostas e assumia a responsabilidade de seguir as diretrizes do projeto,
com a possibilidade de não obter o benefício de reforma caso seja averigua-
do que, por conta própria, não seguiu o projeto. Contaram-se 119 projetos
executivos concluídos e, até outubro de 2018, mais de 80 se converteram
em obras concluídas ou em andamento.

Por fim, a etapa de obra é iniciada a partir de um consenso entre todas as


partes envolvidas – moradores, Codhab, construtora e empresa projetista –,
sobre o que será feito com o orçamento destinado. Contudo, como qualquer
obra, no decorrer da construção há alguns gargalos técnicos e sociais que
poderiam resultar no reordenamento orçamentário. Diante disso, quando
a obra é finalizada, as partes novamente atestavam as decisões tomadas.

Houve resultados interessantes e notáveis. Do ponto de vista do gestor desse


contrato em particular, houve casos em que, mesmo acatando-se as solici-
tações do morador, o nível de construção inacabado frustrou expectativas.
Em outros casos, por decisões técnicas, teve-se de refazer partes elétricas
e hidráulicas, remanescendo orçamento somente para concluir um cômodo
inacabado. Após testemunhar esses casos, os técnicos da equipe passaram
a se empenhar em esmerar a construção existente ou em investir com mais
primor na ampliação necessária. Outra decorrência vantajosa do programa
é a capacidade de girar a economia local, tanto com a compra de materiais
Beneficiárias convocadas para receber os projetos de Melhorias Habitacionais, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB em lojas da região como com a contratação de mão de obra local.
ADRIANA

238 239

Caso Adriana:
Levantamento cadastral e projeto (à esquerda)
1 2 5m e banheiro - antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
FELIPE LÁZARO

240 241

Caso Felipe Lázaro:


Levantamento cadastral e projeto (à esquerda)
1 2 5m e casa antes e durante a obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
JULIO CESAR

242 243

Caso Julio Cesar:


Levantamento cadastral e projeto (à esquerda)
1 2 5m e casa antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PERSPECTIVAS

Por ser uma experiência pioneira, muito foi debatido entre os próprios técnicos
da equipe e com as lideranças e população locais, foi importante iniciar as
experimentações e metodologias, principalmente para se compreender como
o poder público pode atuar nessa prática em uma legislação que já data mais
de dez anos. A iniciativa de assistência técnica e o programa Melhorias Habi-
tacionais podem, caso haja vontade política, evoluir para uma real alternativa
244 245
aos demais programas habitacionais propostos, movimentando a pequena
economia e tornando mais habitáveis e agradáveis os lares já existentes.

Painel artístico executado durante AUC #43, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
SOL NASCENTE TRECHO III + QNR
CEILÂNDIA / DF

33 km
SOL NASCENTE TRECHO III + QNR
CEILÂNDIA / DF
por Fabiana Lemos

início da ocupação Década de 1990 e intensificada a partir de 2000


população Aproximadamente 23.085 habitantes (dado do PAT)
área 380,48 ha (40,71% da população do Sol Nascente) (dado do PAT)
densidade 60,67 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal R$ 622,30 per capita (PDAD 2015)

potencialidades Tem limite norte com as quadras QNR e QNP da Ceilândia, confronta-se a
leste com o setor P Sul e nordeste com o setor P Norte da Ceilândia. A área
está enter as rodovias BR 070, DF180 e DF 085 (EPTG), sendo inserido em
Zona Urbana de Expansão e Qualificação.

principais desafios Maior favela linear da América Latina. Maior, mais populoso e com menos infra-
estrutura entre os 3 trechos do Sol Nascente. Trecho com grande extensão de
APPs ocupadas por moradia (risco ambiental e social grave). Trecho densamente
povoado, inclusive população em áreas de risco (erosão grave). Áreas de equi-
pamento ocupadas. Pouca “folga” territorial para equipamentos públicos, o que
prejudica a regularização da área. Grande parte do solo formado por gleissolo
(solo imprório para construção). Lideranças descentralizadas e extremamente
politizadas. Aproximadamente 3000 famílias fora da poligonal de regularização.
Extensa área de chácaras (ainda que improdutivas), aguardando liberação da
SEAGRI para ocupação habitacional (espera desde fev/17). Áreas de afastamento
de córregos e veios d’água ocupadas por habitação. Região com alto índice de
periculosidade. Existencia de número expressivo de habitações em condições
graves de insalubridade e insegurança, abaixo da dignidade humana.

inauguração Setembro de 2015 (QNR) // Março de 2017 (Sol Nascente Trecho III)

equipe coordenação arq. urb. Frederico Barboza // set 2015 - jan 2016
arq. urb. Fabiana Lemos // jan 2016 - dez 2018
ar. urb. Nayanne Marques // out 2018 - dez 2018

estagiários Jennifer Tibério, Naiara Chagas e Caio Nascimento

voluntários eng. Sellen Alexandre e Matheus Mesquita

principais atividades /ações urbanas comunitárias /melhorias habitacionais


/apoio em projeto urbanístico
A CODHAB
NA COMUNIDADE

O Posto de Assistência Técnica (PAT) do Sol Nascente Trecho 3 iniciou seu


atendimento em 27 de março de 2017 e foi um dos cinco postos a serem
abrigados em um contêiner de aproximadamente 12 metros quadrados. A
utilização dos contêineres serviu para facilitar a presença da Codhab dentro
da comunidade, objetivo que se deparou com grandes empecilhos, uma vez
que se dependia da disponibilidade e da boa vontade dos moradores, os quais
250 251
precisavam ceder o espaço físico para o funcionamento do Posto, além de
energia e água, o que são recursos escassos em situações informais. Uma
vez que a decisão de levar postos de atendimento às comunidades era ino-
vadora, fruto do pensamento revolucionário da gestão entre 2015 e 2018, não
havia procedimentos, padrões ou cartilhas de atuação que direcionassem a
imersão. A solução foi buscar alternativas para colocar em prática o objetivo
de oferecer à comunidade atendimento gratuito e de fácil acesso.

Antes do posto do Trecho 3 ser aberto, a equipe estava responsável pela


região da QNR, também em Ceilândia, ocupando um espaço no Projeto de
Trabalho Técnico Social (PTTS), que funcionava na QNR 2. A equipe, até
então composta apenas pela arquiteta coordenadora Fabiana Gonçalves e
pela estagiária Jennifer Tibério, ficou responsável por desenvolver trabalhos
na comunidade, incluindo o desenvolvimento de projetos, como a praça da
QNR 5 e a alameda da QNR; além de promover a Ação Urbana Comunitária
(AUC), ocorrida em outubro de 2016. Após a transferência do PAT para o
Sol Nascente Trecho 3, no mês de março de 2017, a equipe recebeu reforço
com a chegada da atendente Karollina Silva, do Núcleo de Atendimento, e
da jovem aprendiz Vanessa Almeida.

O contêiner esteve instalado na chácara 81, ao lado do acesso principal ao


Trecho 3 do Sol Nascente. O local é de grande movimentação, estando ao
lado da via de maior fluxo, tanto de pedestres quanto de transporte público
e privado. Essa avenida principal, também conhecida como Avenida Central
Norte, é margeada pelo comércio local, o que permite visibilidade ao posto.

Trabalhar no posto desta região foi um grande desafio em diversos aspectos,


e o principal deles é a constante sensação de insegurança. Considerada a
maior favela horizontal da América Latina pelo Instituto Brasileiro de Geografia
Localização do Posto de Assistência Técnica no Sol Nascente Trecho 3, 2018
e Estatística (IBGE) em 2016, e inserido na maior região administrativa do Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
252 253

Posto de Assistência Técnica na comunidade do Sol Nascente Trecho 3, 2017 Posto de Assistência Técnica na comunidade do Sol Nascente Trecho 3, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Distrito Federal, o Sol Nascente sofre constan- de alguma forma trouxe uma sensação de segu-
temente com a criminalidade, além da falta de rança para seguir o cotidiano de atendimento na
saneamento básico, poucas ruas pavimentadas e localidade, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.
iluminadas e o crescimento desordenado. Conviver
com essa realidade diariamente demanda muita A maioria do público que procurava a equipe de
empatia por parte da equipe que muitas vezes não assistência técnica eram mulheres, e as principais
conhece essa realidade. demandas da população local são: participação no
programa Melhorias Habitacionais e do Projeto na
Apesar de o Posto se localizar em área de grande Medida, questionamentos sobre o início das obras
circulação de pedestres e veículos, a equipe passou de infraestrutura urbana, regularização fundiária,
por um assalto a mão armada, ocorrido em junho além de pessoas interessadas em conhecer a situ-
de 2017. O episódio foi traumático para a equipe, ação de lotes à venda na região, conforme sugere o
composta exclusivamente por mulheres à época, gráfico a seguir. Também é recorrente moradores
e fez com que o posto ficasse fechado por um que participam de algum programa habitacional
mês. O contêiner possui uma arquitetura que não encaminharem-se ao Posto para tirar dúvidas sobre
se relaciona com o espaço externo, o que faz com sua situação cadastral. A partir desse atendimen-
que não veja a rua e a rua não veja a equipe. Ao ser to e do contato com a comunidade, foi possível
reaberto, o posto passou a contar com o estagiário identificar as necessidades e as demandas locais
Gráfico de atendimento do PAT Sol Nascente Trecho 3, 2017
Caio Nascimento e o atendente Daniel Braz, o que a serem abordadas pelos técnicos. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA

No início da década de 90, a área do Sol Nascente era ocupada predominan-


temente por chácaras e pequenas fazendas com produção agropecuária. A
partir de 1998, surgiram os primeiros focos de parcelamentos irregulares
das chácaras existentes, todas localizadas em zona rural, de acordo com o
Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) da época. Assim como os
primeiros moradores de Ceilândia, os moradores do Sol Nascente vieram de
outros assentamentos precários, porém, dessa vez, os lotes foram fracionados
254
por grileiros, um dos principais fatores que contribuíram para o crescimento
desordenado do local. Como consequência desse fracionamento desorga-
nizado, não foram previstos espaços para os equipamentos públicos, além
da falta de qualquer tipo de infraestrutura urbana básica para a população.

O Setor Habitacional Sol Nascente e a Área de Regularização de Interesse


Social (ARIS) Sol Nascente foram criados pela Lei Distrital nº 785, de 14 de
novembro de 2008, a qual concedeu a todo setor habitacional o tratamento
de Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), referendada nos termos da
Lei Federal nº 10.257, de 10 de junho de 2001 – Estatuto da Cidade. Essa
última lei tem como objetivo a regularização fundiária de assentamentos
informais ocupados predominantemente por população de baixa renda. O
enquadramento como ZEIS possibilita as adequações necessárias de um
meio à sua própria realidade, rompendo limitações para a atuação do Estado
e alimentando a possibilidade de investimentos em infraestrutura, a partir de
um urbanismo adequado à realidade local.

Informações do IBGE apontam que, em 2010, a região tinha 56,5 mil mora-
dores. Ainda segundo esses dados, o Sol Nascente estava abaixo somente Uso residencial unifamiliar
da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, em número de habitantes. Já de Uso misto
acordo com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Equipamento público comunitário
em 2013 o Sol Nascente e o Pôr do Sol, também em Ceilândia, somavam Espaço livre de uso público
78.912 moradores. Líderes comunitários afirmam que a área é atualmente Parque
ocupada por mais de 110 mil pessoas que, em grande parte, vivem sem Uso condicionado
nenhum tipo de infraestrutura básica. APP

O projeto urbanístico da ARIS Sol Nascente possui 940,099 hectares, sendo


que somente o Trecho 3 possui 380,4802 hectares, correspondendo a 40,71%
do total da área do Sol Nascente. Com população total estimada de 23.085
Projeto urbanístico do Sol Nascente Trecho 3, 2017
habitantes, a densidade é de 60,67 habitantes por hectare. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
256 257

Evolução da ocupação do Sol Nascente Trecho 3, 2008 Evolução da ocupação do Sol Nascente Trecho 3, 2012
Fonte: Google Earth Fonte: Google Earth

Evolução da ocupação do Sol Nascente Trecho 3, 2014 Evolução da ocupação do Sol Nascente Trecho 3, 2016
Fonte: Google Earth Fonte: Google Earth
SOBRE A ÁREA DE
RESTRIÇÃO À OCUPAÇÃO

Segundo a Pesquisa Censitária, constante do Relatório das Atividades de


Pesquisa Censitária do Trecho 3 do Sol Nascente, realizada pela empresa
Saint Germain para elaboração da proposta urbanística da região, foram ca-
dastradas 7.185 unidades imobiliárias em área não passível de regularização
(ocupações fora da poligonal estabelecida no PDOT de 2009, localizadas
em áreas de preservação ambiental, destinadas a parques urbanos ou a
258 259
chácaras). O número de pessoas que residem no local, conforme a referida
pesquisa, é de 21.672 habitantes, e a renda familiar da população moradora
do local é baixa. Abaixo segue imagem que ilustra as áreas ocupadas fora
do projeto urbanístico.

Áreas ocupadas não passíveis de regularização no Sol Nascente Trecho 3, 2014


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
MELHORIAS
HABITACIONAIS

Devido à proximidade, o PAT é responsável por coordenar o programa Melhorias


Habitacionais na região da QNR, em Ceilândia. O objetivo desse programa
é oferecer o benefício de reformas pontuais a núcleos familiares que se en-
quadrem nos critérios do programa. O trabalho é dividido em duas fases: a
primeira delas consiste na elaboração de projetos executivos, incluindo a visita
social, a averiguação dos critérios vinculados ao programa e a visita técnica;
260 261
também está incluída a produção de projeto executivo, memorial descritivo e
planilha orçamentária. A segunda fase trata-se da execução de obras.

Foram realizados 185 levantamentos sociais nas quadras 2, 3 e 5 da QNR e


produzidos 50 projetos executivos, dentre os quais 48 receberam a execução
de obras e dois desistiram. Em sua grande maioria, os projetos contemplam
intervenções na cobertura e nas áreas molhadas (cozinha, banheiro e área
Controle de obras de Melhorias Habitacionais finalizadas ou em andamento na QNR, 2017
de serviço) e áreas sem ventilação (quartos). Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Caso Rosimary: casa antes e depois da obra, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
LUIZA ROSA

262 263

Caso Luiza, 2017:


1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes, durante e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
APARECIDA XAVIER

264

Caso Aparecida, 2017:


1 2 5m 1 2 5m Levantamento cadastral (à esquerda) e projeto (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
266 267

Caso Aparecida: antes, durante e depois da obra, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
MARIA DIAS

268 269

P=1.10
P=1.10

Caso Maria, 2017:


1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes, durante e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
ALDEIRES LOPES

P=1.10

270 271

Caso Aldeíres, 2017:


1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes, durante e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PRINCIPAIS DESAFIOS
E PERSPECTIVAS

O trabalho dentro da assistência técnica é intenso Conquistar a confiança da população foi o desafio
e desafiador. Pela imersão na realidade da comuni- mais árduo, pois existe grande descrédito por par-
dade em que a equipe está atuando, fica-se com- te das comunidades – em especial das de baixa
pletamente vulnerável ao dia a dia do local. Dentro renda – em receber um serviço gratuito que visa
da comunidade, a equipe representa uma parcela aproximar os órgãos públicos das necessidades
do governo desprendida de rótulos ou burocracias, mais latentes da população. Além disso, muitos
272
e isso demonstra uma realidade extremamente moradores ainda têm o sentimento de que um
inovadora, que provoca curiosidade e desconfiança. posto não é capaz de resolver seus anseios, uma
Tal abertura, além de promover amadurecimento vez que em certas comunidades os problemas são
profissional e pessoal aos envolvidos nos postos, muito profundos. Além disso, é comum por parte
apresenta situações inesperadas, e as equipes são de quem esteve na ponta sentir-se desamparado
constantemente confrontadas por situações que por membros do governo, que estando fora de uma
fogem ao seu preparo emocional e profissional. perspectiva participativa, preferem omitir informa-
ções da população e do próprio corpo técnico. Deve
ser uma luta constante a construção de relações
entre técnicos e população para uma cidade mais
participativa e com qualidade.

Referências
SECRETARIA de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH),
Subsecretaria de Análise de Parcelamentos Urbanos do Governo do Distrito
Federal (SUPAR). Diagnóstico Preliminar dos Parcelamentos Urbanos
Informais no Distrito Federal, Brasília, 2006.

FARIA, R. Cidade mais populosa do DF, Ceilândia sofre com violência e inse-
gurança. Correio Braziliense, Brasília, Caderno Cidades, 09 de outubro de
2017. Disponível em: <https://goo.gl/UaVUHs>. Acesso em novembro de 2017.

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo


Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais – primeiros resultados,
2010. Disponível em: <https://goo.gl/Y4Nkt5>. Acesso em janeiro de 2018.

COMPANHIA de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa Distrital por


Amostras de Domicílios PDAD – Pôr do Sol - Sol Nascente. Distrito Federal,
2013. Disponível em: < https://goo.gl/ff8tpU>. Acesso em maio de 2018.

SAINT GERMAIN. Relatório das Atividades de Pesquisa Censitária do Trecho Painel artístico executado durante Ação Urbana Comunitária na QNR, 2017
3 do Sol Nascente. Brasília: Saint Germain, 2010. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PÔR DO SOL
CEILÂNDIA / DF

33 km
PÔR DO SOL
CEILÂNDIA / DF
PÔR DO SOL
CEILÂNDIA / DF

por Nayanne Marques

início da ocupação Década de 1990 e intensificada a partir de 2000


população Aproximadamente 15.262 habitantes (dado do PAT)
área 115.93 ha (dado do PAT)
densidade 131.70 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal R$ 622,30 per capita (PDAD 2015)

potencialidades O Pôr do Sol localiza-se ao sul da cidade de Ceilândia, junto à Área de Desen-
volvimento Econômico - ADE de Ceilândia Sul, praticamente envolvendo toda
a porção sul do Setor P Sul. Ocupa uma área de aproximadamente 115,9396
hectares e pertence à Região Administrativa de Ceilândia (RA IX). Possui como
limites, a norte a EPCL (Estrada Parque Ceilândia) ou Avenida Elmo Serejo
de Farias e o setor QNP da Ceilândia; a leste a Área de Desenvolvimento
Econômico – ADE de Ceilândia Sul, parte da zona de amortecimento da ARIE
Parque JK e; ao sul e oeste a ZP2 - Zona de Preservação Melchior da ARIE
Parque JK. O principal acesso a ARIS Pôr do Sol é feito pela via P5 e Avenida
Elmo Serejo de Farias, continuação da EPCL - Estrada Parque Ceilândia.

principais desafios A ARIS está situada parcialmente sobre a região de relevo caracterizada
como borda de chapada, tambem conhecida como as Bordas da Ceilândia.
Algumas áreas que foram ocupadas após os parcelamentos das chacáras
rurais, sofrem com falta de infraestrutura e estão em grande parte em áreas
condenadas pela defesa civil. (Áreas de risco por erosão grave). Lideranças
comunitárias muito politizadas, porém, nem todas possuem boa comunica-
ção com a comunidade.

inauguração Setembro de 2015

equipe coordenação arq. urb. Frederico Barboza // set 2015 - mar 2018
arq. urb. Nayanne Marques // mar 2016 - out 2018
arq. urb. Kariny Nery // out 2018 - dez 2018

estagiários Denys Mendes, Gabriel Bianchini, Aisha Mueji e Gabriel Costa

voluntários Marcelo Vaz e Lok Kwan Leung

principais atividades /ações urbanas comunitárias /apoio em projeto urbanístico


HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO

A Área de Regularização de Interesse Social (ARIS) Pôr do Sol localiza-se ao


sul da Ceilândia, envolvendo quase a totalidade da porção sul do Setor P Sul.
Ocupa uma área de aproximadamente 115,94 hectares e pertence à Região
Administrativa de Ceilândia (RA IX). Seu principal acesso se dá pela Avenida
Elmo Serejo de Farias, continuação da EPTG (Estrada Parque Taguatinga).
O Pôr do Sol tem uma estimativa de 4.585 unidades habitacionais, consi-
281
derando o valor de 3,44 (PDAD/2015) habitantes por unidade habitacional,
chegando-se à população estimada de 15.772 habitantes.

Até meados de 1990, a ocupação no Pôr do Sol era predominantemente


de chácaras e fazendas de pequeno porte com produção agropecuária.
Os primeiros residentes possuíam criações de gado e hortaliças que eram
comercializadas na Feira do Produtor de Ceilândia. No início dos anos 2000,
começaram os parcelamentos das chácaras, a princípio entre as próprias
famílias e, em seguida, com venda para outras pessoas, iniciando um pro-
cesso de grilagem das terras.

O Pôr do Sol foi reconhecido pelo Governo do Distrito Federal como parcela-
mento irregular. Ocupado predominantemente por população de baixa renda,
após a definição do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito
Federal (PDOT) de 2009 tornou-se a Área de Regularização de Interesse
Social (ARIS) Pôr do Sol, para a qual é prevista a regularização fundiária por
parte do poder público.

Em 2008, por meio da contratação de um estudo urbanístico, foi feito um


levantamento socioeconômico, além do cadastramento e da selagem dos
moradores e das unidades residenciais existentes até aquele momento. Em
2014, o projeto foi retomado pela atuação do Programa de Saneamento
Ambiental e Gestão Territorial – Brasília Sustentável II, com diretrizes de
adequação à nova poligonal da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE)
JK e restrições ambientais interpostas pela linha de ruptura do relevo (borda
de chapada).

Pôr do Sol, 2015


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
A CODHAB CHEGA À
COMUNIDADE

A comunidade do Pôr do Sol sempre foi muito Uma das principais qualidades do processo de des-
ativa quanto aos seus desejos para a cidade, lu- centralizar a Codhab nas áreas de interesse social
tando por seus interesses junto aos governantes. é vivenciar o local onde essas pessoas residem,
A regularização da área vem se arrastando há entendendo suas reais necessidades; deixar de en-
anos e passou por gestões de governo que não carar mapas e imagens de satélite e experimentar
conseguiram finalizar o processo. O projeto urba- a cidade como ela realmente é.
282 283
nístico teve início em 2008, feito por uma empresa
terceirizada, porém não foi aprovado, pois parte Inicialmente, o trabalho sofreu com a resistência
da região ocupava a Área de Interesse Ecológico da comunidade à atuação do governo dentro do
(ARIE) JK. Em 24 de julho de 2014, o Decreto nº 885 local. A partir daí, começou um período de trabalho
redefiniu a poligonal, fazendo uma readequação entre a equipe técnica e as lideranças comunitárias
da área que ocasionou a revisão do projeto, o qual para fortalecer o contato com os moradores e
aguarda licenças ambientais. buscar apoio para futuras ações. A mobilização
da comunidade foi feita inicialmente por meio das
O Posto de Assistência Técnica (PAT) do Pôr do Ações Urbanas Comunitárias, nas quais a Codhab
Sol foi o quarto Posto implementado pela Codhab requalificava espaços urbanos, com a recuperação
no Distrito Federal, a pedido direto de Dona Chica, de fachadas, pintura de painéis artísticos feitos pela
uma das lideranças comunitárias da região. Após equipe e parceiros; plantio de mudas; instalação
conhecer o Posto instalado no Sol Nascente Trecho de mobiliário urbano com materiais recicláveis,
1, ela buscou informações para compreender o entre outros.
motivo pelo qual a Codhab, enquanto representante
do governo, estaria alocada dentro de uma área A partir de fevereiro de 2018, o PAT passou a ser
de interesse social. Além disso, queria saber como supervisionado pela arquiteta e urbanista Nayanne
levar um Posto para a sua comunidade. A partir Moreira, fornecendo atendimento à comunidade
do seu interesse, ela redigiu um Ofício relatando por meio de projetos de arquitetura e urbanismo,
as carências da comunidade. Poucos meses de- atendimento cadastral nos programas de moradia,
pois, foi instalado o Posto de Assistência Técnica além de sanar dúvidas sobre o andamento do
dentro do Pôr do Sol e, a partir desse momento, processo de regularização fundiária e urbanização.
os problemas passaram a ser resolvidos dentro da
comunidade, com total participação das lideranças.

Em 11 de setembro de 2015, financiado exclusi-


vamente pela comunidade, foi instalado o Posto
na quadra 303, cuja supervisão ficou sob a res-
ponsabilidade do arquiteto e urbanista Frederico
Inauguração do PAT Pôr do Sol, 2015
Barboza até fevereiro de 2018. Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
AÇÕES URBANAS COMUNITÁRIAS

AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA NA QUADRA 603


Maio de 2016

No dia 21 de maio de 2016, foi feito o reboco de 13 casas e a pintura de outras


cinco. As obras haviam sido realizadas na semana anterior, sendo finalizadas
com a pintura. A estimativa é de que 40 pessoas tenham sido beneficiadas
284 285
diretamente pela Ação.

Como o trabalho de mutirão era algo novo para os moradores, a princípio eles
foram reticentes quanto ao funcionamento das atividades e ao trabalho em
conjunto com o governo. Como a maioria delas sofreu diversas desilusões
com o poder público, o trabalho da Codhab foi principalmente o de restabe-
lecer uma relação de confiança entre governo e população.
Reboco executado com ajuda dos moradores, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
O papel do arquiteto à frente desse trabalho se torna ainda mais importante,
pois o profissional pode explicar tecnicamente os problemas e conflitos das
Pinturas feitas pela equipe Codhab com a ajuda dos moradores, 2016
edificações. Muitas vezes, o técnico passa por momentos em que precisa Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
conciliar as demandas dos moradores e os problemas no espaço público.

Para a realização da primeira Ação Urbana, foram necessárias diversas reuni-


ões com a comunidade, a fim de explicar como funcionaria o processo, além
de frisar que os benefícios seriam feitos para todos de forma gratuita. Como
a maior parte da comunidade trabalha no centro da cidade e geralmente se
ausenta das residências durante o horário de expediente comum, foram feitas
reuniões noturnas, horário favorável à maior parte dos moradores.

A primeira parte da Ação na quadra 603 contou com a presença do presidente


da companhia, Gilson Paranhos, e de outros arquitetos. Da parte da comuni-
dade, os moradores que tinham experiência em construção civil auxiliaram a
execução dos rebocos, em conjunto com a equipe de obras da companhia.
A parte da pintura foi feita por todos, incluindo as famílias dos beneficiados,
com a presença das crianças, que se divertiram pintando as paredes de suas
próprias residências. A mobilização das crianças é importante para gerar
um sentimento de valorização do seu local de moradia e, a partir daí, formar
adultos mais zelosos de suas casas e do espaço público.
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA NA QUADRA 603
Junho de 2016

Dando continuidade à primeira Ação realizada em pelas suas moradias. O programa é um primeiro
maio do mesmo ano, foram feitas modificações passo para muitos deles, que dão continuidade
nas casas restantes da quadra 603, totalizando às melhorias, fazendo novos ajustes e finalizando
sete casas rebocadas e pintadas, beneficiando obras inacabadas.
aproximadamente 35 pessoas.
O mutirão também favorece o senso de bem co-
A pintura das residências pode parecer uma mu- mum, o pensamento comunitário e a valorização da
dança pouco significativa, já que elas possuem relação de vizinhança. Essa relação, intensificada
patologias mais urgentes. No entanto, pode-se nas reuniões e Ações Urbanas, faz com que os
286 287
perceber, em muitos locais que passaram por es- vizinhos discutam melhor sobre seus problemas
sas intervenções que os próprios moradores se e se preocupem mais com suas ações.
sentem mais valorizados e desejosos de fazer mais

Pinturas feitas pela equipe Codhab com a ajuda dos moradores, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Pinturas feitas pela equipe Codhab com a ajuda dos moradores, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Mobilização das crianças


residentes nas casas
que receberam as benfeitorias, 2016
Fonte: Acervo Equipe
de Assistência Técnica CODHAB
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #10 – PRAÇA DO MIRANTE
Julho de 2016

Com o intuito de transformar coletivamente o espaço público, os mutirões das


Ações Urbanas ocorrem em locais que não possuem infraestrutura adequada,
mas possem potencial de mudança por meio de arborização e paisagismo.

No Pôr do Sol, foi escolhido um local destinado a uma futura praça, onde havia
significativa quantidade de lixo e mato alto, e grande incidência de doenças
na comunidade adjacente, como dengue e hepatite. A equipe da Codhab fez
a limpeza do local com o auxílio de máquinas da Administração Regional de
Ceilândia, e iniciou-se uma obra de terraplanagem para dividir a área em dois
288 289
níveis, de acordo com o projeto proposto pelo Posto de Assistência Técnica.

A escolha do local de intervenção serve principalmente para valorizar a utili-


zação do espaço público e evitar vazios que são utilizados como depósitos
de lixo a céu aberto. A maior parte das ocupações irregulares não possuem
vazios urbanos nos quais possam ser utilizados como equipamentos ou
espaços públicos, e quando a equipe encontra essas nesgas é importante
Área de intervenção da Praça do Mirante na Quadra 603 do Pôr do Sol (1600m²), 2016
Fonte: Google Earth (editada) dar uma destinação.

O local da Praça do Mirante foi denominado assim por ter uma vista privi-
Proposta de leiaute para a Praça do Mirante, 2016
Fonte: Daniel Melo - Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB legiada. Além disso, possui imenso potencial como área de lazer para os
moradores da quadra 603. Até então, não era utilizado, por ser um ponto
baixo do terreno e com o perigo de erodir, havia muito mato e lixo.

O Setor Habitacional Pôr do Sol não possui nenhuma praça com equipamentos
de lazer adequados. Diante disso, são utilizadas as praças mais próximas,
como a do Setor P Sul de Ceilândia – um deslocamento de no mínimo 500
metros do Pôr do Sol, podendo chegar a 1 quilômetro da quadra 603, onde
está localizado o local de intervenção. Assim, estava justificada a necessidade
de uma área de lazer mais próxima para a comunidade.
Na Ação Urbana Comunitária do dia 9 de julho de 2016, foram reutilizados
120 pneus para a criação de um guarda-corpo para delimitar a área da praça,
devido à proximidade a uma borda de chapada, sendo necessário limitar por
segurança o acesso de crianças, por exemplo.

A utilização de pneus foi uma iniciativa para criar um guarda-corpo verde,


no qual seriam plantadas mudas de espécies como trepadeiras, a fim de
criar um visual mais próximo ao da paisagem de fundo. Além disso, foi uma
solução para a reutilização dos pneus, que comumente se tornam criadou-
ros de mosquitos transmissores de doenças como dengue e zika, quando
descartados a céu aberto.

290 291
Foram instalados 55 metros de meio-fio para barrar a grande quantidade de
esgoto que escorria para o centro da praça. Com a instalação do meio-fio, a
água passou a ser recolhida nas bocas de lobo no ponto mais baixo do local.

Início da instalação de 55 metros de meio-fio para o recolhimento das águas pluviais


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Terraplanagem feita na Praça doMirante, 2016 Pneus reutilizados como barreira para o entulho de lixo na área, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
292 293

Paredes de contenção feitas com a reutilização de pneus durante AUC #16, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #16 – PRAÇA DO MIRANTE


Setembro de 2016

Dando continuidade à qualificação do local, foram finalizadas a coleta do lixo


e a barreira de pneus que servia como guarda-corpo. Também foi iniciada a
barreira que delimitava as diferenças de níveis, como uma parede de conten-
ção. Foi necessário um total de 345 pneus reutilizados e 39 metros cúbicos
de terra para a conclusão da Ação.
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #18 – PRAÇA DO MIRANTE
Setembro de 2016

Na última Ação com montagem e reutilização de pneus, foram utilizados 570


pneus, 104 metros cúbicos de terra, 1,5 litros de solvente e nove latas de tinta
esmalte. Após a colocação de todos os pneus de acordo com o projeto feito
294 295
para a praça, todos eles foram pintados, para trazer maior vida ao espaço,
incentivando a comunidade a se apropriar dele.

Pintura feita nos pneus da Praça do Mirante durante AUC #18, 2016
Fonte: Luiz Ferreira

Pintura feita nos pneus da Praça do Mirante durante AUC #18, 2016 Pintura feita nos pneus da Praça do Mirante durante AUC #18, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Luiz Ferreira
AÇÕES URBANAS COMUNITÁRIAS #49 E #50 – REVITALIZAÇÃO DE FACHADAS NA RUA DO MEIO
Julho e Agosto de 2016

As Ações 49 e 50, realizadas na conhecida Rua do Monte, principal via inter-


na do Pôr do Sol, receberam a qualificação das fachadas e alguns painéis
artísticos feitos por voluntários de outros países, participantes de convênios
estabelecidos entre a Codhab e a AIESEC, ou com o Conselho Internacional
de Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP).

A área de intervenção das Ações foi de cerca de 2.700 metros quadrados,


sendo transformadas duas ruas. Foram qualificadas 60 fachadas com reboco
e pintura, e o mutirão contou com a participação da equipe da Codhab e de
296 297
moradores de todo o Pôr do Sol. Em conjunto com artistas convidados, foram
feitos cincos painéis artísticos, de modo a criar uma identidade e referenciar
o espaço urbano para seus usuários.

O total de participantes foi de aproximadamente 250 pessoas – um recorde


de interação entre a Codhab e a comunidade – em prol de melhorias urbanas.
Estima-se que 240 pessoas tenham sido beneficiadas diretamente.

Um dos paineis criados pelos voluntários AIESEC, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Um dos paineis artísticos criados pelos


voluntários AIESEC e revitalização de
fachadas com a comunidade, 2016
Fonte: Acervo Equipe
de Assistência Técnica CODHAB
PERSPECTIVAS

O trabalho realizado entre os anos de 2015 e 2018 foi de grande importância O trabalho de conscientização feito durante todo o período da presença do
para se pensar o futuro da comunidade. Além de buscar a aproximação do Posto dentro da comunidade tinha como objetivo solidificar a importância de
governo e facilitar a tomada de decisões sobre projetos, o Posto pôde auxiliar se ter o responsável técnico pelas decisões lidando e vivenciando as conse-
quanto a outras decisões a serem tomadas sobre o setor. A presença de um quências de suas decisões. Oferecia atendimento dirigido às demandas de
técnico dentro da comunidade também capacita os próprios habitantes a cada localidade, além de fazer com que os processos ganhassem celeridade
discutirem questões relevantes aos seus desejos e expectativas sobre re- e fossem melhor direcionados para que as necessidades dos moradores,
298 299
gularização e urbanização, entre outros assuntos que são de seu interesse de fato, fossem resolvidas. A equipe deixou um legado nas comunidades e,
para o local. com isso, todas as áreas que recebem a presença do Posto de Assistência
Técnica se tornaram mais capacitadas e prontas para buscar seus direitos,
A partir do momento em que o técnico passa a conviver com os moradores, embora enfraquecidas pela distância que separam a vida cotidiana desses
ele compreende melhor às necessidades e executa com maior qualidade espaços urbanos e as mentes que tomam as decisões.
o seu trabalho. Dentro da comunidade do Pôr do Sol, na qual as lideranças
já possuem melhor entendimento e discutem sobre diversos assuntos de
forma interessada e produtiva.

Os dois primeiros anos foram de intensos testes e tentativas de implemen-


Mais recente PAT Pôr do Sol, 2018
tar trabalhos pioneiros de assistência técnica no Distrito Federal, quando o Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
trabalho de imersão começou a atravessar um período de amadurecimento
de ideias e passou a ser mais valorizado pela comunidade e pela opinião
pública, foi interrompido pela troca da gestão e desmantelamento da equipe
de arquitetos. Havia grandes perspectivas quanto ao recebimento do progra-
ma de Melhorias Habitacionais e o andamento da regularização fundiária e
urbanização em uma perspectiva mais transparente, uma vez que havia o
contato direto entre técnicos e população. Após a troca da gestão, os técnicos
voltaram a se encastelar na distante sede da Companhia em um processo
sem contato com os reais interessados e despersonalizando os processos
de disputas por uma cidade mais humana.
ESTRUTURAL
SCIA - ESTRUTURAL / DF

17 km
ESTRUTURAL
SCIA-ESTRUTURAL / DF
ESTRUTURAL
SCIA-ESTRUTURAL / DF

por Isabel Alencar

início da ocupação 1960


população 39.015 habitantes (PDAD 2015)
área 741,75 hectares (PDAD 2015)
densidade 109,73 hab/hectare (PDAD 2015)
renda média mensal R$ 521,80 per capita (PDAD, 2015)

potencialidades Por volta de 1960, foi criado o “lixão da Estrutural”, lugar onde os moradores
do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA) começaram a
trabalhar com reciclagem de lixo, fator que estimulou o movimento migratório
de muitas famílias para próximo desse despejo sanitário. Assim, as primeiras
moradias foram barracos de madeira e papelão construídos pelos moradores
que catavam papel como meio de sobrevivência.

principais desafios A Estrutural possui duas importantes objeções: A proposta de Melhorias


Habitacionais e a Realocação dos Moradores de Santa Luzia. O Programa
de Melhorias Habitacionais vem com a necessidade de aprimorar arquite-
tônicamente as moradias de alvenaria que por muitas vezes foram indevi-
damente modificadas ou irregularmente construídas, gerando transtornos
de insalubridade para os atuais moradores. Devido a forma desordenada
do crecimento da cidade e de suas moradias irregulares, deu-se origem a
Comunidade de Santa Luzia, que ao habitar de forma irregular a região, põe
em risco a preservação ambiental local.

inauguração Abril de 2015

equipe coordenação arq. urb. Erick Mendonça // abr 2015 - jun 2015 | mar 2016 - mai 2016
arq. urb. Ana Cristina Ramos // jul 2015 - mar 2016
arq. urb. Isabel Alencar // jul 2016 - jul 2017
arq. urb. Aníbal Barbosa // out 2017 - mar 2018
eng. J. Maycon Estanislau // mar 2018 - ago 2018
arq. urb. Leandro Fernandes // abr 2018 - dez 2018

estagiários Udson Aguiar, Raquel Freire, Pâmella Barros,


Werlyson Argolo e Eduardo Prado

principais atividades /ações urbanas comunitárias /melhorias habitacionais


/regularização fundiária /apoio em projeto urbanístico
HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO Entre o Parque Nacional de Brasília e a Via Estru- zona habitacional de interesse social e público -
tural, a 5Km do Eixo Monumental do Plano Piloto, ZHISP. Esse projeto de fixação da ocupação apre-
a Vila Estrutural situa-se em área extremamente sentado por parlamentares enfrentou desde o início
privilegiada em termos de locomoção dentro do resistência dentro e fora da Câmara Legislativa do
Distrito Federal. Considerando a escala temporal Distrito Federal, inclusive de especialistas urbanis-
desde a fundação de Brasília, a cidade não é nova: tas que condenaram a insistência em transformar
originou-se no começo da década de 1970 com a área em Zona Habitacional de Interesse Social
a ocupação de catadores de lixo que construíram devido à fragilidade ambiental.
suas moradias em barracos de madeirite, lonas,
plásticos e papelão nos arredores do primeiro lixão Concomitantemente à criação da Lei Complemen-
da capital. O lixão da Estrutural já foi o maior da tar nº 530, foi criada a faixa de tamponamento
América Latina e suas atividades foram encerradas (amortecimento para proteção ambiental) de 300
307
em 2018, com a construção de um aterro sanitário metros entre o assentamento e o Parque Nacional
em Samambaia. de Brasília em fevereiro de 2002. Mas, somente
em 2006 a Vila Estrutural se tornou Zona Especial
Contínuas ocupações e remoções ocorreram com a de Interesse Social (ZEIS), após cumprir todas as
população que se fixava na área ao longo dos anos, exigências ambientais, entre elas, a elaboração
consequência de intensas disputas eleitorais na do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de
região e do deficit habitacional no Distrito Federal. Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para a região. Em
Segundo o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, 2012, foi aprovado e registrado o projeto urbanís-
no final de 1994, consta que a Estrutural passou tico de regularização da Vila Estrutural e até hoje
por inúmeras ocupações, algumas até lideradas a CODHAB prossegue compatibilizando o projeto
por deputados distritais. “O novo governo lutou para urbanístico registrado e o processo de escritura-
remover os invasores, mas o número de barracos ção de lotes.
só aumentava” (Estudos de Impacto Ambiental para
a Vila Estrutural). Com o intuito de conter essas A questão ambiental foi e continua sendo tema
invasões criou-se na época uma administração bastante recorrente e polêmico ao se tratar da
militar do local, mas em geral as tentativas do regularização fundiária da região, uma vez que
governo em retirar a população foram frustradas. as propostas de realocação das famílias, violên-
O GDF alegava defender e proteger a propriedade cia policial ou poder de fiscalização não foram
do Estado e o meio-ambiente, enquanto problemas o suficientes para coibir a ocupação e grilagem,
de ordem social vinculadas ao deficit habitacional restando portanto a regularização como a ação
só cresciam. menos nociva ao meio ambiente, em contrapartida
de manter-se a ocupação. O Parque Nacional de
Em 1998, o Governo do Distrito Federal sob gestão Brasília, que faz divisa com a Estrutural, é uma das
de Cristovam Buarque efetuou uma operação poli- pioneiras em conservação ambiental do Distrito
cial bastante violenta que resultou em três mortes Federal, além de possuir várias espécies da fauna
e muitos feridos. Consequentemente, diversos e flora ameaçadas de extinção, ajuda a abastecer
projetos de fixação da Vila foram apresentados até 30% de Brasília com água potável proveniente
à Câmara Legislativa, e em 2002 foi criada a Lei da Barragem de Santa Maria e do Ribeirão do Torto.
Complementar nº 530 que fixou a Vila e a declarou
Estrutural, 2015
Fonte: César Moura
Nos últimos anos, a Estrutural continuou sua expansão no sentido Norte de “Na invasão da ARIE Vila Estrutural é ocupada por cerca de 500 famílias. E
seus limites. A ocupação da Chácara Santa Luzia atualmente é o local de estas famílias serão removidas, considerando os dados do cadastro físico
maior vulnerabilidade social de toda a Estrutural devido a uma total falta de social realizado em 2004 e com os critérios dispostos na Política de Habitação
infraestrutura urbana. Vive em constante tensão de derrubadas a qualquer de Interesse Social do Distrito Federal, constantes na Lei Distrital nº 3.877
instante. Atualmente, o GDF e alguns órgãos como TERRACAP, IBRAM e DER de 26 de junho de 2006.”
sofrem ação civil pública movida pelo Ministério Público do Distrito Federal
- MPDF que exige a desocupação e recuperação ambiental da área, sendo o Estas informações foram obtidas em resposta à Carta Consulta por meio do
não cumprimento objeto de multa onerosa. No Plano de Manejo da ARIE da Ofício n. 100.001.223/2011 – PRESI/CODHAB de 08 de novembro de 2011.
Vila Estrutural (2006) é descrita a situação calamitosa e conflitante, além da
urgência dos órgãos governamentais na retirada de 500 famílias de Santa Luzia:

308 309

Chácara Santa Luzia, 2016


Fonte: Mariana Bomtempo
Portanto, por parte dos órgãos governamentais, Dentre os relatos das entrevistas, obtiveram-se
a retirada de toda a população do local é apenas informações de que toda a ocupação presente no
uma questão de tempo. A Administração Regional chamado Setor de Chácaras Santa Luzia (a porção
da Estrutural, por sua vez, alega que tem pouca que envolve a ocupação irregular presente), tornou-
inserção sobre a área, dada a sua irregularidade. -se um ponto perigoso para o trânsito de pessoas
Muitas vezes, os grupos organizados vêm até ela externas ao local, dado o contexto de violência
reivindicar providências e melhorias para o local, verificado, o que é resultado do desemprego, do
mas esta não pode agir, uma vez que a área, em- tráfico de drogas, do alcoolismo e outros problemas
bora esteja no SCIA, não está sob sua total gover- sociais. Todos esses aspectos compõem o quadro
nança administrativa. complexo que se formou na região. Os moradores
hostilizam, inclusive, a fiscalização feita cotidiana-
mente nos limites do PNB com a ARIE, pelo órgão
310 311
federal responsável, o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade – ICMBio, autarquia
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente – MMA.”

COMUNIDADE DE
SANTA LUZIA

Mesmo que atualmente a Vila Estrutural já possua infraestrutura básica insta-


lada, projeto urbanístico regularizado, e, inclusive, desenvolva a escrituração
dos lotes, o Estado não foi capaz de acompanhar a demanda habitacional
crescente e não conseguiu combater completamente a grilagem generalizada
ao norte da Vila Estrutural, emergindo desse processo a ocupação Santa
Luzia, como a invasão da invasão desde meados da década de 90.

Escutando atentamente a história da origem de Santa Luzia, contada por


alguns moradores, podemos entender que no princípio também participaram
da grilagem pessoas muito pobres, alguns catadores de lixo que construíam
e vendiam novos barracos. Situação que esmaece o conceito de lote diante
do pequeno lucro sobre a força de trabalho empregado na pequena constru-
ção de madeirite. Ao que tudo indica, a ocupação da área não teve princípio
por grilagem, o que pode ser observado tanto pelo seu traçado urbano irre-
gular, quanto nos diversos relatos de moradores. Santa Luzia foi povoada
predominantemente por famílias de gerações posteriores da Vila Estrutural Associação dos Moradores
de Santa Luzia, 2016
que buscavam a melhor solução para a coabitação familiar parental, e seus
Fonte: Acervo Equipe de
recursos eram poucos. Assistência Técnica CODHAB
312 313

acima:
Animais se alimentando e idosa coletando lixo em refugo na entrada de Santa Luzia, 2016
Fonte: Isabel Alencar

ao lado:
Criança brincando com cãozinho em Santa Luzia, 2016
Fonte: Isabel Alencar

Como o Estado é impossibilitado de garantir infraestrutura básica ao as- Tentaram executá-lo durante a noite dormindo e mesmo alcoolizado o idoso
sentamento devido à sua localização em glebas de caráter ambiental, seus reagiu contra os bandidos, resistindo às pancadas. Ele então conseguiu sair
moradores improvisam ligações clandestinas para o fornecimento de água, de casa, foi perseguido até uma esquina e brutalmente esfaqueado, próximo
energia elétrica e escavam fossas buscando condições mínimas para atender ao posto da assistência técnica. Seu barraco foi incendiado em seguida pelos
às cinco mil famílias, aproximadamente, de acordo com informações forne- bandidos, os vizinhos não o socorreram por medo, mas conseguiram conter
cidas em 2017 pela Associação de Moradores da Santa Luzia, colhidas por o fogo na madrugada. No dia seguinte, relataram em detalhes essa história
levantamento informal. Essas atividades servem para exemplificar os modos à equipe do posto, praticamente a única presença fixa do Estado no local.
de organização utilizados pelos moradores que buscam garantir soluções a
diversos problemas enfrentados, geralmente por meio de de grupos, asso- À primeira vista, Santa Luzia traz só desalento aos desavisados: vias improvi-
ciações e com iniciativas individuais. sadas por estradas de chão com muita poeira e lama que invadem os barracos
de madeirite - habitações em condições sub-humanas e com históricos de
Na contramão do bom senso e solidariedade dessas organizações, como muitos incêndios e outros problemas recorrentes de assentamentos infor-
relatado por diferentes moradores, existem também pequenas quadrilhas mais. Visivelmente sem infraestrutura, como a falta de iluminação pública
de grileiros que agem pontualmente, intimidam e ameaçam moradores noturna, por exemplo, além de muitos ratos e insetos transitando livremente.
sozinhos, famílias mais frágeis, toxicômanos, idosos, entre outros. Como Nesse contexto, a visão cotidiana que nos leva a refletir é a cena de crianças
exemplo para ilustrar o grau do terror sofrido pela comunidade, em meados brincando com lixo a céu aberto sobre o refugo localizado na entrada principal
de 2017 uma quadrilha detectou um morador idoso, alcoólatra e sozinho. da invasão, deixando escancarada e explícita a fragilidade dos pequenos.
Santa Luzia é povoada por muitas pessoas com histórias pessoais trágicas e
violentas. Mas ao se observar mais atentamente, em meio a essas histórias
de violência que se agravam mais ainda em meio à pobreza - relatos de as-
sédios, violência doméstica, abandono de lares entres outros - percebemos
a existência de exemplos de muita dignidade, solidariedade e bravura. Lá
existem aproximadamente 20 ONGs e entidades compostas por moradores
com iniciativas importantes como Educamar, Casa de Paternidade, Creche
da Tia Tata, Mjpop, entre outras. Elas atuam com atividades lúdicas e educa-
tivas às crianças, aconselhamento a jovens pais, atividades profissionalizan-
tes, etc. Também existem muitas iniciativas isoladas vindas de moradores
como, por exemplo, a catadora de lixo Rosânia que arrecada cestas básicas
para distribuir aos colegas de trabalho. Esse tipo de atitude individual não
314 315
é tão isolada como pode parecer, existe um sentimento de solidariedade,
é perceptível a amizade e companheirismo entre os vizinhos que temem a
ação de criminosos e protegem-se entre si. O próprio posto de assistência
técnica teve diversos voluntários residentes locais que buscam melhorias
à área, como os assistentes sociais Késsia Siqueira e Newton Souza. São
inúmeras essas histórias de luta, companheirismo e solidariedade dentro
desse contexto territorial complexo de Santa Luzia.
Arquiteta Isabel Alencar e Rosânia, amiga e entusiasta do posto, 2016
Fonte: Isabel Alencar

Voluntários do primeiro posto:


Késsya, Newton e Ceará segurando maquete de unidade habitacional, 2016 Estagiários do primeiro posto em Santa Luzia, 2016
Fonte: Isabel Alencar Fonte: Isabel Alencar
Para garantir os recursos hídricos e mitigar os lixão, a cidade do automóvel e o Parque Nacional.
efeitos dos impactos ambientais sofridos no Par- Olhando para esse problema, a CODHAB propôs
que Nacional de Brasília - PNB pelo processo de um projeto de edificações geminadas com quatro
ocupação e grilagem nessa região, foram criados pavimentos para realocação da comunidade em
o parque urbano da Vila Estrutural e as ARIE do alguns pontos próximos para não deslocar essas
Córrego Cabeceira do Valo e da Vila Estrutural famílias para longe de seu contexto. Projeto de
(Decreto 28.081/2007). Esta última, cuja área se partido linear que ocupa e margeia as bordas da
sobrepõe à faixa de tamponamento do PNB, foi poligonal da Vila e configura-se como muro de
utilizada como depósito de lixo (já aterrado) há separação física das partes ambiental e urbana
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algumas décadas e hoje é solo para Santa Luzia, da região. Os proprietários das glebas onde se
oficinas de veículos, galpões de estocagem, reci- sobrepõem em partes do projeto devem emitir
clagem de lixo e despejo de entulhos. autorização e permissão de uso habitacional em
suas áreas.
Em razão do baixo nível altimétrico, esta área foi
escolhida como ARIE da Vila Estrutural, recebe Estrategicamente posicionado como um start pro-
o escoamento e drena as águas pluviais da Vila vocativo e declarado de interesse público (decreto
Pequeno refugo de lixo e acúmulo de água em Santa Luzia, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Estrutural, o que agrava mais ainda a situação n° 39.293 08/2018), o projeto de arquitetura e obras
do assentamento pelo grande volume de água de um pequeno módulo deste longo edifício linear
que chega às vielas. Os moradores cavam valas e Santa Luzia, chamado de “Protótipo”, foi construído
Protótipo em Santa Luzia, 2018
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB constroem barreiras de terra na tentativa de evitar pela CODHAB no polígono da ARIE da Estrutural
que a água entre nas casas, e nem sempre são bem com a devida autorização ambiental concedida
sucedidos. A maior parte dessa área encontra-se pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram). Ficou
descaracterizada e sem cobertura florestal original condicionado a ele apenas usos de equipamentos
e, apesar de possuir baixa representatividade em públicos comunitários para atender à população
área e em habitats ecológicos para a conservação, local. Durante a gestão 2015-2018, uma nova
a sua relação de vizinhança com o Parque Nacional poligonal e o projeto urbanístico foram criados
confere uma condição bastante delicada de inte- e desenvolvidos pela CODHAB. O projeto urba-
resse social e ambiental. Por esses motivos, a ARIE nístico e arquitetônico chegou a ser analisado
possui o Plano de Manejo ARIE da Vila Estrutural. pela Central de Aprovação de Projetos (CAP). A
anuência do partido do Edifício Linear Santa Luzia
Como em um jogo intrincado de xadrez, onde as e de seu protótipo foram discutidas e verbalmente
peças perdem sua mobilidade, assim se apresenta declaradas em diversas reuniões na governadoria
a complicada situação de Santa Luzia. Diversas e de maneira essencial, e não menos importante,
famílias de baixa renda, em extrema vulnerabili- ele foi discutido com a comunidade em diversas
dade social e sem moradia habitam esse local de reuniões, cuja apreciação, críticas, compreensão
proteção ambiental e perdem a mobilidade nessa e apoio aconteceram graças à implementação
metáfora do jogo e da vida, pois além da impossibi- da Assistência Técnica no local. Atualmente, a
lidade de se regularizar, estão cercadas fisicamente proposta encontra-se parada e o novo governo já
pela própria e densa cidade Estrutural, o aterro do realizou novas derrubadas em Santa Luzia.
HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA
TÉCNICA NA ÁREA

O primeiro posto de Assistência Técnica na Estrutural instalou-se na Adminis- A imersão na área rendeu frutos através da comunicação com a comunidade e
tração Regional da cidade sob a coordenação do arquiteto Erick Welson em seus líderes, sempre politicamente ativa. Houve muita troca de conhecimento
sala temporariamente cedida à CODHAB. Gilson Paranhos, então presidente com a população, e um esforço enorme de levar à luz do entendimento popular
companhia, definiu a mudança do posto para a ocupação de Santa Luzia como muita informação técnica e jurídica relativa à complexidade relacionada às
estratégia de imersão, visando auxiliar na resolução do problema fundiário lá questões territoriais. A assistência técnica foi também politicamente ativa ao
existente, além de mobilização e diálogo com a comunidade. Nesse momento, reconhecer, provocar e empoderar novas lideranças para grupos sem repre-
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o posto ficou sob a coordenação da voluntária contratada posteriormente como sentatividade. Foram incitadas novas lideranças aos catadores de lixo de Santa
arquiteta: Isabel Alencar. Como não é permitido à companhia alugar imóveis Luzia, que não possuem um líder específico e também foram mediados muitos
em áreas não passíveis de regularização, foi gentilmente concedido o uso de conflitos entre governo e comunidade, além dos internos entre as próprias
um cômodo em um barraco de uma família em Santa Luzia para o funciona- lideranças comunitárias.
mento do posto durante oito meses até a instalação definitiva de containers.

Primeiro posto em Santa Luzia, 2016 Mais recente PAT em Santa Luzia; ao fundo, Protótipo, 2018
Fonte: Isabel Alencar Fonte: Niele Pires
Como detentores de certo conhecimento técnico A priori, o programa de Melhorias Habitacionais não
e político, temos o dever de não nos limitarmos poderia atender às casas em Santa Luzia, apenas
ao desígnio de nossa profissão como arquitetos e as áreas do DF passíveis de regularização, como é
urbanistas na atuação em assistência técnica, mas na Vila Estrutural, e que possuem posto de Assis-
buscarmos também conscientizar por completo a tência Técnica. A primeira impressão geral que se
população sobre sua situação fundiária, da situação tem das casas na Vila Estrutural, andando à deriva,
de suas moradias e da importância em questionar é que se tratam de habitações onde obviamen-
e enfrentar a manipulação política que sofrem nas te se preocupam com a segurança, além de não
áreas de regularização, que é comumente respal- aparentar estarem em situação tão precária. Mas
dada pelo apelo de alguns religiosos. Por exemplo, ao adentrarmos muitas dessas residências, prote-
em Santa Luzia alguns deputados e aspirantes a gidas do lado de fora pelos muros em alvenaria e
tal iludiam os moradores sobre a regularização da portões fechados, surpreendemo-nos com a grande
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área exatamente como está, ignorando as impo- quantidade de barracos em madeirite com o nível
sições ambientais, a troco de votos. Diferente do abaixo do da rua (devido ao asfaltamento posterior
esperado, o complexo problema da região continua a ocupação) em situação extremamente insalubre.
sem resolução e traz consigo grandes incertezas e Em geral, os problemas das casas e as soluções a
receios à população. serem tomadas na Estrutural são bastante similares
a outros assentamento precários no DF.

Pintura do primeiro posto em Santa Luzia: Leiaute do primeiro PAT Santa Luzia, 2016
cal e sobras de tinta oferecidas pelas famílias dos moradores, 2016 Fonte: Isabel Alencar
Fonte: Isabel Alencar
AÇÕES URBANAS
COMUNITÁRIAS

AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #14 — MOBILIZAÇÃO EM SANTA LUZIA


Dentre as atuações da Assistência Técnica, as mais alegres e vistosas foram
Agosto de 2016
as Ações Urbanas Comunitárias, que buscam dar um direcionamento aos
moradores a se apropriarem do espaço público e neles desenvolver o senso
de pertencimento ao lugar, paralelamente, ao processo de qualificar as ruas A primeira Ação realizada pelo posto da Estrutural foi na comunidade de Santa
e os espaços públicos com cuidado coletivo; como pinturas de fachadas; Luzia, de maneira bastante precipitada ao seguir estritamente a agenda esti-
construção de mobiliários. As Ações aconteciam em regime de mutirão: pulada pela companhia em relação à data da ação, pois era bastante recente
322 323
funcionários da CODHAB, em geral arquitetos, junto com as comunidades a instalação do posto, e os laços e comunicação com a comunidade ainda
que cuidam desses espaços públicos. não tinham ocorrido solidamente.

Primeira AUC na Estrutural:


apresentação de projeto proposto
e dinâmicas acerca de
unidades habitacionais, 2016
Fonte: Mariana Bomtempo
Nessa ação, houve ampla convocação da comunidade durante uma semana,
foi apresentado pela primeira vez o projeto do edifício linear Santa Luzia. Os
moradores reuniram-se em grande número para a ação, curiosos para sa-
ber se seriam removidos ou não e o que o governo queria com eles. Assim,
apareceram cerca de 200 pessoas. Nesse dia, tentou-se realizar dinâmicas
324 325
para fazer alterações na arquitetura interna das unidades habitacionais no
edifício proposto, e foi exibida a planta padrão representada em solo na escala
real. Como não houve tempo hábil para identificar e dialogar com todas as
lideranças locais, pois havia apenas poucas semanas da instalação do posto,
houve grande rejeição ao projeto nesse momento e apenas um sinal positivo
de diálogo aberto: ficando acertado com os líderes locais que se manifesta-
ram na ocasião a apresentação do projeto em reuniões na Associação dos
Reunião entre a Associação dos Moradores de Santa Luzia e CODHAB, 2016
Moradores de Santa Luzia - na época coordenada por Adaírton. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Após essa ação, discutiu-se paulatinamente o projeto junto às lideranças


Reunião entre lideranças comunitárias, supostos líderes e CODHAB, 2016
comunitárias e à própria comunidade, em reuniões locais diurnas e noturnas Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
para ter alcance maior, devido ao horário de trabalho geral dos moradores.
Numa primeira reunião noturna, sentimos uma fração ínfima do desgaste
e temor sofrido pela população com a falta de iluminação pública. Depois
de inúmeras reuniões, a liderança local decidiu por realizar uma votação
informal para averiguar a aprovação da proposta de solução elaborada pela
CODHAB e pelos moradores. Nessa averiguação, a maioria julgou ser boa a
escolha do projeto, mas foi substancial o número dos que não concordaram.

Desde então, outras reuniões foram feitas com líderes locais e a maior parte
dos interessados aderiu à ideia do projeto, contribuindo criticamente com
ele. De fato, não existiu, nem existe unanimidade de apoio, ainda mais ao se
tratar de uma interferência dessa dimensão na realidade territorial dessas
pessoas. Nesse projeto, devido à complexidade dos impedimentos territo-
riais, não foi possível a implantação de um urbanismo mais colaborativo,
didaticamente junto à população, e dessa maneira foi apresentada a solução
desenvolvida pela CODHAB. Apesar dessas dificuldades descritas, com a
experiência de quem está na ponta desse processo, vivenciando a realidade
do local, tornou mais fácil obter maior aceitação da comunidade à solução
proposta pela companhia.
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #28
Janeiro de 2017

A segunda ação urbana aconteceu na Vila Estrutural onde foram levantados


os problemas e as potencialidades da área escolhida através de muita comu-
nicação com os moradores. Na área escolhida para a ação, foi identificada
junto à comunidade como problema principal uma estrada informal feita
pelos carros que cruzavam uma área verde, o que gerava bastante lama e
poeira para as residências dos moradores. Como solução, foram utilizadas
manilhas de concreto para impedir o atalho de carros por essa estrada de terra.
Nelas foram plantadas diversas mudas de árvores. Também foram definidos
em projeto pontos estratégicos da praça existente para ter sombreamento.
326 327
Foram pintadas diversas fachadas, painéis artísticos, mobiliários urbanos e
arquibancada de quadra de futebol. Tudo foi feito em regime de mutirão, e
cabe salientar a importância desse exercício feito pela população, pois ela
analisa os problemas urbanos e cuida da própria cidade.

2ª AUC na Estrutural: pintura de mobiliário urbano, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

2ª AUC na Estrutural: pintura de fachadas e portões, 2017 2ª AUC na Estrutural: plantio em manilhas para interdição de estrada vicinais, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
AÇÕES URBANAS COMUNITÁRIAS #54 E #55
3ª AUC na Estrutural: novo mobiliário feito com pneus reciclados,
Setembro e outubro de 2017
plantio de árvores e pintura de fachadase e paineis artísticos, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
A terceira Ação Urbana da Estrutural aconteceu na Durante as ações urbanas, em meio às alegrias
rua em frente ao Centro Olímpico, em meados de das mudanças das cores externas nas casas, há
2017. Na época, o posto estava sob a coordenação integração entre técnicos e comunidade, contri-
de Aníbal Teixeira. Assim como na ação passada, buindo para mitigar a falta de informação quanto à
foram rebocadas e pintadas diversas fachadas e regularização do local, bem como ocorrem muitas
painéis, criado mobiliário urbano de pneus recicla- trocas de ideias que frequentemente nos levavam
dos, plantadas mudas além de entulhos retirados às reflexões em torno de políticas públicas mais
da área. Aníbal relatou enorme interesse nos dias efetivas e em um engajamento coletivo maior.
consecutivos à ação pelos moradores de ruas pró-
328 329
ximas, desejosos de uma organização, conforme
realizado pela CODHAB.
PRINCIPAIS PROJETOS,
DESAFIOS E CONFLITOS

Os dois eixos principais que norteiam as ativida- O segundo eixo de atuação da assistência técnica
des do posto de Assistência Técnica da Estrutural na Estrutural é o desenvolvimento e execução do
são o desenvolvimento do projeto arquitetônico/ programa Melhorias Habitacionais. Por se tratar
urbanístico para realocar moradores de Santa de uma área de regularização com muitos proble-
Luzia, cujos desdobramentos da decisão de seu mas sociais, a Vila Estrutural tem grande demanda
reassentamento ainda transcorrem em processo para a implementação desse programa que visa a
330
jurídico, assim como a execução do projeto pioneiro identificação de necessidades arquitetônicas para
de Melhorias Habitacionais na cidade Estrutural os lares e busca a devida resolução e execução
para trazer mais salubridade e segurança às famí- dos projetos e obras nessas residências. Essa
lias em suas residências na comunidade. Ambos experiência foi pioneira como iniciativa pública,
são estratégias de mitigar o deficit habitacional processo arduamente desenvolvido e aperfeiçoado
qualitativo da região. pela equipe. A despeito de alguns erros e falhas
no desenho inicial dessa metodologia pela equipe
Foram aproximadamente oito meses de intensa e em suas primeiras execuções, houve diversos
mobilização social feita pelo posto em Santa Lu- avanços positivos.
zia em meio a conflitos, para que a proposta do
edifício linear fosse compreendida e aceita, e os Algumas obras e projetos foram entregues em
projetos urbanístico e arquitetônico seguiram em 2018 no setor Oeste. Muitos desafios foram so- reassentamentos
desenvolvimento durante a gestão 2015-2018. Al- lucionados pela equipe, como o desenvolvimento
guns conflitos entre as próprias lideranças e delas dos projetos que excederam ao número máximo
com o governo ainda ocorreram. Sendo a maioria de contemplados previsto no contrato com a em-
dos conflitos de natureza de comunicação, foram presa de Melhorias, e que foram feitos pelo último
então solucionados pela então coordenadora do coordenador do posto, Leandro Fernandes. Outros
posto naquele momento, Isabel, e as dificuldades desafios ainda precisam ser vencidos para melhor
existentes em parte foram vencidas. Porém ainda atender aos beneficiários em termos gerais de pro-
resta uma grande parte que ainda está por vir: grama, como aumentar o limite da verba usada em
continuidade da obra e financiamento da mesma. cada melhoria de residência. Em síntese, apesar de
algumas dificuldades se repetirem em várias ARIS,
cada localidade possui suas particularidades com
seus desafios e conflitos próprios, e esses ajudam
a melhorar o processo como um todo, replicando
quando necessário as soluções em outras áreas.

Edifício Linear: proposta de reassentamento multifamiliar para as famílias de Santa Luzia, 2018
Fonte: Acervo Equipe de Projetos CODHAB

reassentamentos
PERSPECTIVAS

Antes de desenharmos um panorama geral da Longe de ter surgido ou ter se desenvolvido como Tal empreendimento pode ser um marco arquitetô- Enquanto sociedade, devemos voltar nossas pre-
atuação dos arquitetos na assistência técnica projeto autoral, o partido do Conjunto Linear St. nico na região e certamente aumentará a autoesti- ocupações também ao deficit habitacional quali-
da equipe, faz-se necessário mencionar o ama- Luzia resultou de um desdobramento feito pelo ma da população que muitas vezes é estigmatizada tativo. Muitas casas da Vila Estrutural, já regula-
durecimento de cada profissional durante suas ex-funcionário Lucas de Abreu de seu trabalho dentro da própria Vila Estrutural, que ironicamente rizadas, são bastante insalubres. Vemos famílias
imersões, trabalhando diariamente nos postos. final de mestrado na Universidade de Columbia, já foi invasão um dia. A ideia é que sejam entregues numerosas habitando (e coabitando) espaços que
Em tal imersão pudemos conhecer diariamente, EUA, pouco antes de ingressar na CODHAB, como aos moradores beneficiários unidades habitacio- os adoecem e deprimem, dificultando no trabalho
332 333
e com muita proximidade, outras realidades, de solução que alia necessidades ambientais e sociais nais com vedações externas e áreas molhadas e no desenvolvimento de atividades cotidianas.
classes sociais bem mais desfavorecidas. Certa ao complexo problema de Santa Luzia. Mas qual prontas, mas o restante da habitação ficaria seu Ao melhorar essas condições de pobreza e trazer
vez, uma moradora da Estrutural, Zulma, disse à é o significado da concretização desse projeto a cargo: que numa ocasião comum de realocação salubridade e mais autoestima a essas famílias
arquiteta Isabel sentir muita alegria em relação para as pessoas dessa ocupação e quais des- não ocorreria entrega similar. com as reformas, a Companhia foi uma impul-
à existência do posto, pois nós, funcionários da dobramentos pode ter? Significa uma chance de sionadora e provocadora do mercado regional de
CODHAB, “descemos do asfalto” e trabalhamos realocação em área próxima, respeitando o senso pequenas construtoras e escritórios de arquitetura
“onde a pobreza está”. Frase muito carregada de de pertencimento da comunidade ao local. Além e engenharia do Distrito Federal, abrindo alas e
simbolismos da segregação social sofrida pela de “entrar na legalidade”, como dizia um voluntário chamando a atenção a esse espaço de atuação
população. Na imersão, também rompemos muitas do posto conhecido como Ceará, é dignificante ter na Estrutural, assim como em todos os outros
concepções equivocadas sobre indivíduos, grupos acesso à infraestrutura básica que toda cidade assentamentos precários.
e problemas, aprendendo a relativizá-los mais e a deve ter para garantir mais segurança, salubridade
flexibilizar alguns conceitos diante dessas comple- e consequentemente muito mais saúde a seus
xas realidades que tentamos melhorar com boas moradores. Enfim, com essa mudança fundiária
Referências.
práticas em arquitetura e urbanismo. proposta e realocações para o Conjunto Linear, Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA da Vila Estrutural. 2003.
será possível trazer a presença positiva do Estado,
SOUZA, Késsya Siqueira da Silva de. O (não) direito à educação da comunidade Santa Luzia - Cidade
que atualmente está impedido de implementar lá
Estrutural - Universidade de Brasília, 2016.
alguns serviços básicos à população.
PDOT - Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal -
Documento Técnico – Versão Final – Novembro/2009.

Administração Regional do SCIA e Estrutural. Conheça a Administração. Disponível em: <https://goo.


gl/9AZuGG>. Acesso em março de 2018.

Decreto nº 28.081/2007, de 29 de junho de 2007. Dispõe sobre a criação da Área de Relevante Interesse
Ecológico do Córrego Cabeceira do Valo e da Área de Relevante Interesse Ecológico da Vila Estrutural.
Diário Oficial, Brasília, Distrito Federal, 02 de julho. 2007. Disponível em: <https://goo.gl/jt2KZx>. Acesso
em Novembro de 2018.

RA 25, SCIA, Vila Estrutural. Disponível em: <https://goo.gl/jz38m1>. Acesso em Novembro de 2018.

Fachadas requalificadas durante mutirão de Ações Urbanas Comunitárias, 2017


Fonte: Mariana Bomtempo
PORTO RICO
SANTA MARIA / DF

37 km
PORTO RICO
SANTA MARIA / DF
PORTO RICO
SANTA MARIA / DF

por Mariana Bomtempo

início da ocupação Entre 2000 e 2001


população Aproximadamente 12 mil habitantes (dado do PAT)
área 89,7 ha (dado do PAT)
densidade 133,77 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal Cerca de R$ 450,00 per capita (Censo 2010)

potencialidades O Porto Rico encontra-se muito próximo à divisa do Distrito Federal com
o estado do Goiás, por isso é um local de intensa troca comercial não só
com a região de Santa Maria e Gama, como também com o Novo Gama e
Valparaíso, o que traz para a cidade a facilidade de acesso a essas regiões
e o potencial de intercâmbio regional.

principais desafios O maior desafio do Porto Rico é superar a questão fundiária. A área onde
se encontra a comunidade não foi desapropriado pelo Estado na época da
construção de Brasília e seus herdeiros entraram na justiça contra aqueles
que ocuparam. A quantidade de partes envolvidas no processo dificulta a
resolução de maneira que seja reconhecida e assegurada a posse daqueles
que moram na localidade.

inauguração Abril de 2016

equipe coordenação arq. urb. Sandra Marinho // set 2015 - jul 2016
arq. urb. Mariana Bomtempo // jul 2016 - mar 2018
arq. urb. Paulo Cavalcante // mar 2018 - dez 2018

estagiários Luíla Fernandes, Nabil Lima e Filipe Paiva

voluntários Andressa Guedes, Cristina Nakamura e Suely Sá

principais atividades /melhorias habitacionais /ações urbanas comunitárias /projeto urbanístico


/regularização fundiária /acompanhamento de obras de infraestrutura
A REGIÃO

A Região Administrativa XIII de Santa Maria localiza-se a cerca de 26 quilô-


metros do Plano Piloto e possui pontos relevantes do Distrito Federal, como
o Pólo JK, o parque do Saia Velha e a área da Marinha. A principal parte
urbana da RA XIII encontra-se entre dois ribeirões, o Ribeirão Alagado e o
Ribeirão Santa Maria. O assentamento iniciou-se em fevereiro de 1991 e foi
oficializado em fevereiro de 1993, data em que é comemorado o aniversário
da cidade. Assim como outras regiões do Distrito Federal, a ocupação é fruto
de programas de distribuição de lotes do Governo do Distrito Federal e atual-
mente se estima que a população seja de mais de 120 mil habitantes. Vizinha
340 341
da Região Administrativa do Gama, Santa Maria possui forte relação com
aquele local, cuja ocupação é antiga e consolidada. As duas cidades são os
principais vetores de expansão ao sul do Distrito Federal, e pela proximidade
com os limites do Estado de Goiás possuem uma forte relação com cidades
goianas vizinhas, como Valparaíso de Goiás, Novo Gama e Cidade Ocidental.
Além disso, os serviços públicos do Distrito Federal frequentemente são
utilizados pelas comunidades dessas outras cidades e vice-versa.

O ASSENTAMENTO
Comunidade do Porto Rico, 2016
Fonte: Mariana Bomtempo
O Setor Habitacional Ribeirão, mais conhecido como Porto Rico, é um assen-
tamento informal surgido em meados dos anos 2000, resultado do parce-
lamento das chácaras 17 e 18 do Núcleo Rural da Região Administrativa de
Santa Maria. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
de 2010, foram contabilizados 6.822 habitantes, sendo que desse levanta-
mento mais de 70% se declararam negros (pardos e pretos), e hoje estima-se O processo de regularização fundiária e urbanização do Setor Habitacional
que morem no local cerca de 12 mil habitantes. Durante muitos anos, a área Ribeirão teve como marco inicial a contratação da empresa Topocart, por
foi palco de disputas e de resistência dos moradores, que mesmo com as meio de licitação por parte da Companhia de Desenvolvimento Habitacional
dificuldades encontradas lutaram pela permanência do assentamento. Com do Distrito Federal (Codhab). A empresa foi contratada para a elaboração
o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de 2009/2012, passou a dos estudos geográficos, ambientais, topográficos e sociais da região, e a
ser considerada uma Área de Regularização de Interesse Social (ARIS), o que partir desses estudos foram desenvolvidos os primeiros projetos. O projeto
permitiu o avanço de algumas melhorias. As instalações de redes elétricas, de urbanístico chegou a ser aprovado em 2009, mas devido a pendências fun-
água potável e de iluminação pública foram realizadas em meados de 2008 e diárias não houve registro, de modo que perdeu sua validade. Desde então,
2009, quando também foi iniciado o processo de regularização urbanística da o foco da Codhab foi resolver a questão da dominialidade do local onde se
área. O esgotamento começou a funcionar em 2017 e as obras de drenagem encontra o assentamento, e pouco foi modificado ou revisado do projeto
e pavimentação foram concluídas em 2018. desenvolvido em 2009.
A CODHAB
NA COMUNIDADE

342 343
O Posto de Assistência Técnica (PAT) do Porto Rico O escritório é vizinho ao Posto anterior, encontran-
foi aberto em abril de 2016. Nos três primeiros do-se novamente na Avenida Principal – rota de
meses, a coordenadora Sandra Marinho se dividiu entrada dos moradores e do transporte público.
entre os Postos do Porto Rico, em Santa Maria, e do Ao final de 2017, o posto retornou para a adminis-
Residencial Vitória, em São Sebastião. Em julho de tração regional, onde ficou os primeiros meses de
2016, o Porto Rico passou a ter uma coordenação 2018, quando depois finalmente mudou-se para o
própria, com a presença da arquiteta e urbanista contêiner definitivo na entrada da comunidade. A
Mariana Bomtempo, contando ambas as arquitetas equipe foi toda desmantelada no início de 2019 e
com o auxílio da estagiária Luila Fernandes. No o contêiner está abandonado desde então. Com
primeiro semestre de existência, o Posto funcionou o novo governo os arquitetos foram exonerados,
na Avenida Principal, em um imóvel emprestado entretanto nenhum corpo técnico foi contratado,
por um morador que pertencia a uma das lideran- ficando apenas funcionários cuja formação em
ças da região e era amigo do administrador local. nada tem a ver com desenvolvimento habitacional.
Essa parceria inicial foi fundamental ao começo
do trabalho na comunidade e à compreensão das Além disso, ali se localiza a maior parte do comér-
relações locais. Ao final do sexto mês de operação, cio, o que traz visibilidade ao trabalho e atrai os
o morador solicitou o imóvel de volta, uma vez que moradores a procurarem espontaneamente enten-
precisava utilizá-lo. O Posto mudou-se para a sede der o que é oferecido pelo Posto. A maior parte do
da Administração Regional e permaneceu no local público que procura o PAT é composta de mulheres,
por três meses. Entretanto, apesar das facilidades e as principais demandas da população local são
advindas das instalações mais adequadas e da boa por obras de infraestrutura urbana, regularização
relação com a Administração, o local é de difícil fundiária e reassentamento de famílias moradoras
acesso aos moradores da comunidade do Porto das áreas de proteção ambiental permanente ou
Rico e distanciou a relação construída enquanto de risco. Também é recorrente moradores que
o trabalho era feito dentro da localidade. participam de algum programa habitacional da Co-
Fachada do Posto de Assistência Técnica quando foi inaugurado na comunidade do Porto Rico, 2016
dhab encaminharem-se ao Posto para tirar dúvidas Fonte: Alfredo Bezerra
Ao final do ano de 2016, o Posto da Codhab retor- sobre sua situação. A partir desse atendimento e
nou à comunidade e passou a dividir espaço com do contato com a comunidade foi possível identi-
a empresa contratada para dar andamento aos ficar as necessidades e demandas locais a serem
projetos de melhorias habitacionais no Porto Rico. abordadas pelos técnicos da companhia.
TRABALHOS REALIZADOS
NA COMUNIDADE

Dentro da comunidade, o Posto desenvolveu uma série de projetos que visavam


trazer melhores condições de vida aos moradores do local. O projeto urbanís-
tico foi atualizado levando-se em consideração o cotidiano e as necessidades
diárias dos habitantes, aspectos antes ignorados, como a definição de trajetos
para transporte público; o desenho de ciclovias e ciclofaixas; o projeto de áreas
verdes e as diretrizes para arborização do local; a diminuição de remoções
para abertura de vias; o respeito à ocupação consolidada; a maior flexibilidade
de usos; e a consideração das ocupações fáticas. Todos esses aspectos são
344
desafiadores, por não serem práticas recorrentes nos métodos tradicionais
da Administração Pública, a qual usualmente não desafia o status quo dos
parâmetros de desenvolvimento de projetos urbanos na cidade.

2005 2008 2011

REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA
A regularização fundiária do Setor Habitacional Ribeirão é um assunto muito
delicado, pois depende da resolução de uma disputa fundiária de muitos anos
na Justiça, com um grande número de envolvidos. A terra onde está o Setor
foi ocupada sem a desapropriação pelo Estado, ainda na época da constru-
ção de Brasília, e os herdeiros dos antigos proprietários foram identificados
após uma extensa pesquisa, ultrapassando o número de 300 pessoas. Como
forma de mitigar o complexo enredo da posse do terreno, a Codhab estuda
maneiras de viabilizar de algum modo o reconhecimento da ocupação por
meio oficial, para que os moradores se sintam mais seguros em relação a
suas moradias. A permanência da ocupação e de toda a infraestrutura que
está em construção é assegurada por meio de um Termo de Ajustamento
de Conduta (Resolução nº 18, de 16 de dezembro de 2010). Esse documento
serve de base ao encaminhamento de uma solução para a questão fundiá-
ria local, uma vez que estabelece e reconhece a Área de Regularização de 2014 2016
Interesse Social Ribeirão como uma área de ocupação consolidada de baixa
Crescimento urbano de Porto Rico, 2005-2016:
renda que deve ser regularizada, a fim de evitar o agravamento do conflito
a linha roxa delimitava a área de remoção e demonstra que sempre houve ocupações no local
social entre os moradores, os proprietários e o Estado. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
DA INFRAESTRUTURA

A execução de obras de infraestrutura urbana foi de responsabilidade da


Secretaria de Estado de Infraestrutura e Serviços Públicos (SINESP), e a
Codhab era a empreendedora. As obras foram iniciadas em agosto de 2016
e concluídas em 2018, com entrega de drenagem, pavimentação de vias e
calçamento, além de esgotamento sanitário em funcionamento. O Posto
acompanhou as obras e fez as alterações necessárias a fim de adaptar o
projeto à realidade do local, uma vez que o projeto era de 2009 e encontra-
va-se desatualizado do contexto da ocupação atual. O acompanhamento
próximo da Secretaria e da comunidade reduziu o número de remoções e
346 347
reassentamentos de 15 a apenas uma unidade.

O único reassentamento realizado foi necessário à abertura de duas ruas que


estavam sem saída, o que beneficiou mais de 50 unidades habitacionais ali
localizadas. A família reassentada foi acompanhada de perto pelo Posto e,
assim que se deu a destinação de um lote a tal objetivo, o PAT desenvolveu
um projeto de arquitetura completo, para que a moradora pudesse realizar
seu sonho de morar com seus filhos por perto. O programa do projeto era
complexo, envolvendo duas unidades habitacionais, além de área para quintal,
garagem e um salão de beleza – tudo dentro do lote que a família recebeu da
Codhab. Com o projeto da casa dos sonhos em mãos, Dona Luzia uniu forças
com os filhos Débora e Paulo para tornar o projeto realidade. O Posto fez
algumas visitas para acompanhar a obra e sanar dúvidas quanto ao projeto.

Obras de urbanização em Porto Rico, 2017 Projeto (acima) e obra (abaixo) da casa de Dona Luzia, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
348 349

Área consolidada do Porto Rico em 2015 Área considerada para remoção do Porto Rico em 2015
Fonte: Luiz Eduardo Sarmento Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
DA ÁREA DE RESTRIÇÃO
À OCUPAÇÃO
APP

Na comunidade do Setor Habitacional Ribeirão/ a questão, cuja etapa inicial se deu por meio de um infraestrutura que foram feitas com base no projeto
Porto Rico existem áreas que são consideradas de levantamento da situação legal que levou à condi- de 2009. A estação elevatória de esgoto foi instalada
proteção ambiental permanente ou de risco para ção mencionada. Nesse momento, identificou-se numa cota acima de algumas das moradias e a lici-
ocupação, as quais foram mapeadas pelo estudo que as restrições à ocupação do local estavam tação de pavimentação e drenagem não abarcava a
ambiental desenvolvido pela empresa Topocart, defasadas em relação à legislação vigente. área. O que traz ainda uma sensação de abandono
à luz da legislação vigente na época. Também para essas famílias que agora já investiram suas
350 351
fazia parte do escopo do estudo a orientação dos Na época do estudo desenvolvido pela Topocart economias ao construir moradias em alvenaria na
moradores quanto à situação, e por muito tempo havia uma restrição de ocupação em declividades esperança de ter sua área urbanizada. Entretanto,
uma grande área foi chamada de “área de remo- superiores a 10% – restrição essa revogada pelo as redes elétricas ainda são irregulares e o esgota-
ção” pela comunidade, gerando as mais diversas novo Código Florestal em 2013 –, e passou a ser mento é feito por fossas. A instalação das redes de
consequências para as pessoas que habitavam ou vigente a restrição de declividades acima de 30%. água se deu em 2017, quando em uma ação para
tentavam habitar aquela área. Foram recorrentes as Na Área de Regularização de Interesse Social do cortar ligações irregulares diante de uma crise hídri-
derrubadas no local, enquanto outras ocupações Porto Rico delimitada pelo PDOT 2009/2012, não ca, a concessionária de água chegou com a polícia
permaneceram ou tornaram a ser construídas; foi identificado nenhum local ocupado com declivi- desligando os “gatos” do moradores que em seguida
alguns lotes que continuaram vazios foram ven- dade superior a 25%. Portanto, a área de restrição acionaram o posto e a administração regional. A
didos mais de uma vez por grileiros, gerando dis- à ocupação, que continha 233 unidades em 2017 arquiteta do posto levou o ofício no momento em
putas entre os interessados, algumas envolvendo a serem removidas e reassentadas, foi reduzida que acontecia o desligamento que informava que a
violência; várias famílias que não ocuparam ou para 49 unidades que atualmente se encontram concessionária estava ciente de que deveria ligar as
tentaram ocupar aguardam serem reassentadas, em área de brejo e nascentes, o que coloca em casas para regularizar a situação daquelas famílias.
mas são de difícil identificação, uma vez que não risco essas moradias. A ação foi parada e nas semanas seguintes foram
estão na área; aos residentes que permaneceram cadastrados e instalados hidrômetros das residên-
e resistiram sempre foi negada a instalação de Grande parte das casas que estão na área é ante- cias. Esse evento só demonstra que a morosidade
infraestrutura básica, como água potável, energia rior a 2011, o que demonstra que a necessidade do governo é reflexo muitas vezes de funcionários
elétrica ou esgotamento. Mantinham-se então de moradia é maior que a falta de qualidade de que não entendem a importância de seu trabalho
instalações inadequadas, as quais expõem os vida no local, além disso, observa-se que quando para a comunidade.
habitantes ao risco. informados da remoção nenhuma das famílias in-
Redução da área de restrição a ocupação
vestiu suas economias na construção de uma casa no Porto Rico, 2016
Desde que o Posto foi aberto, houve uma forte permanente, aguardando seu reassentamento, e De cima para baixo:
pressão popular para que o contato mais próximo por estarem em construções de madeirite foram 1. Demarcação de APP baseada no antigo Código
de técnicos da Codhab com a comunidade aten- julgados diversas vezes pelos técnicos como in- Florestal, contemplando áreas com declividades
superiores a 10%;
desse melhor às demandas dos moradores locais. vasores recém-chegados.
O Posto promoveu reuniões com os habitantes e 2. Área com declividades inferiores a 30% APP
cujas 184 ocupações puderam ser preservadas
ouviu suas demandas, fez levantamentos e visitas Uma vez confirmado que não havia restrição de com base no novo Código Florestal;
de campo, sem que ficassem claros os parâme- ocupação naquele local, a equipe do posto informou
3. Demarcação de APP baseada no novo Código
tros que restringiam a ocupação de toda a área. aos moradores sobre o novo projeto de regulariza-
Florestal, contemplando áreas com declividades
Iniciou-se então um estudo que visou encaminhar ção, entretanto já era tarde demais para as obras de superiores a 30%.

Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB


ESPAÇOS PÚBLICOS E
PARTICIPAÇÃO

As Ações Urbanas Comunitárias eram trabalhos timular os moradores a participarem do projeto. Ao


também realizados pelos Postos de Assistência longo do trabalho, identificou-se que a área do jardim
Técnica da Codhab e tinham como objetivo aproxi- em questão estava sendo disputada pela comunidade
mar a comunidade da equipe técnica, para que os da rua e pelo pastor vizinho, o qual queria tomá-la
moradores entendam o potencial do projeto, tanto para o lote para a igreja. O pastor foi informado da
de arquitetura quanto de urbanismo, além de fun- situação e o conflito foi mitigado durante o período
cionar como catalisador da mudança. Em Porto de trabalho.
Rico, houve uma Ação Urbana Comunitária iniciada
352 353
em 16 de julho e concluída em 23 de julho de 2016. Requalificaram-se as fachadas das moradias e cons-
A área da Ação foi escolhida pela arquiteta Sandra truiu-se um jardim comunitário, numa parceria entre
Marinho, que selecionou uma rua onde havia um órgãos do governo (Administração Regional de Santa
início de jardim comunitário feito pelos moradores, Maria, EMATER e Codhab) e comunidade. A partir da
mas que parecia abandonado. A arquiteta Mariana doação de mudas, o jardim se transformou em uma
Bomtempo foi incumbida de desenvolver um projeto uma horta cultivada segundo orientação de servi-
de requalificação das fachadas e de ocupação do dores da EMATER. Depois da colheita dos vegetais,
Reunião com lideranças comunitárias e Administração Regional
para discutir a instalação de infraestrutura urbana na área recém-incluída no projeto, 2017 jardim comunitário, além de mobilizar a comunidade os moradores plantaram mudas de árvores e flores,
Fonte: Mariana Bomtempo com reuniões, fazer levantamentos em campo e es- mantendo o local cuidado após um ano da Ação.

Reunião com a comunidade para informar do estudo para a permanência das ocupações no local, 2016 Pintura de painel artístico durante Ação Urbana Comunitária, 2016
Fonte: Mariana Bomtempo Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
354 355

Plantio da horta comunitária, 2016 Rolos utilizados para pintura das fachadas da rua, 2016
Fonte: Alfredo Bezerra Fonte: Alfredo Bezerra

Comunidade dando seus toques criativos na horta comunitária, 2016 Horta comunitária mantida pela comunidade, 2017
Fonte: Mariana Bomtempo Fonte: Mariana Bomtempo
MELHORIAS HABITACIONAIS

Enquanto o Posto dava prioridade a temas coletivos da localidade e lidava com


situações políticas e sociais adversas à presença do Estado na comunidade,
pouco se conseguiu desenvolver dentro do conceito de Assistência Técnica
conforme definido na Lei Federal nº 11.888/08, segundo a qual o arquiteto
deve desenvolver projetos de arquitetura para famílias de baixa renda. Com
isso, a Codhab reconheceu que não haveria força de trabalho dentro da pe-
quena equipe para lidar com todas as frentes e decidiu contratar escritórios
que ficassem responsáveis pela demanda dentro das comunidades.
356 357

Em novembro de 2016, após processo licitatório, o Posto de Assistência


Técnica do Porto Rico passou a trabalhar em parceria com o escritório de
Arquitetura e Engenharia ARQBSB, cujos sócios são Luiz Caio Diniz e Ricardo
Fakhouri. O escritório abriu um espaço de trabalho e atendimento dentro da
comunidade, que foi compartilhado pelo Posto. O escritório era responsável
pelo desenvolvimento dos projetos de Melhorias Habitacionais, que visa
reduzir o déficit habitacional por meio da adequação das moradias em áreas
que possuem previsão de regularização fundiária.

A pré-existência do trabalho da Codhab na comunidade foi fundamental ao


início dos projetos por parte da empresa. A ponte foi feita por meio da apre-
sentação de moradores e de lideranças comunitárias, a fim de que fossem
identificados potenciais clientes para os projetos de melhorias. O início do
trabalho foi muito complexo devido à falta de metodologia preestabelecida e
ao desconhecimento dos profissionais, tanto da Codhab quanto da empresa,
sobre como dar andamento aos projetos de melhorias. Tais projetos visam
combater o déficit qualitativo habitacional – objetivo com pouca prática no
Brasil até então. Inicialmente, os potenciais clientes foram informados dos
requisitos estabelecidos pelo programa: morar há pelo menos cinco anos
no Distrito Federal em área passível de regularização, ter renda de até três
salários mínimos e o imóvel não ser alugado ou cedido. Dessa triagem, a
equipe de assistentes sociais contratada pela empresa de arquitetura visitou
as famílias com o objetivo de traçar os perfis e auxiliar no recolhimento da
documentação para comprovar os requisitos; em seguida, a equipe técnica
visitava a residência para fazer o levantamento técnico. A partir daí, munida
das informações recolhidas, a equipe se reunia para dar encaminhamentos
Ventilação e iluminação naturais: caso a caso. O trabalho em uma equipe multidisciplinar foi essencial para que
resultado do programa Melhorias
cada um dos atendimentos pudesse ser tratado da maneira mais completa
Habitacionais no Porto Rico, 2017
Fonte: Mariana Bomtempo possível, trazendo toda a sua complexidade à tona.
358 359

Inauguração do escritório de Melhorias Habitacionais e assistentes sociais apresentando o programa Apresentação do projeto na associação de moradores, 2017
em um evento organizado pela comunidade na Escola Classe 1 do Porto Rico, 2017 Fonte: Mariana Bomtempo
Fonte: Mariana Bomtempo
Apresentações e entregas de projetos aos moradores, 2017
Fonte: Equipe ARQBSB

A partir daí, foram desenvolvidos os projetos para solução dos problemas


técnicos identificados. No início foi muito difícil, pois dentro do edital havia
um corte de área de projeto de 40 metros quadrados por residência – critério
esse que não atendia à situação de várias famílias do Porto Rico. Portanto, a
equipe definiu que o projeto seria mais eficaz se atendesse a toda a neces-
sidade dos moradores e decidiu que as demandas prioritárias da residência
seriam atendidas pelo subsídio para obra. Dessa forma, são desenvolvidos
o projeto de arquitetura e todos os projetos complementares necessários
à realização daquela melhoria habitacional. Ao final, o projeto é entregue
à família, independentemente da disponibilidade de verba para execução.
360 361
A família recebe a orientação de que aquele caderno é um documento da
residência e um direito que está sendo cumprido pela Codhab.

Vistoria de obras de Melhorias Habitacionais no Porto Rico, 2017


Fonte: Equipe ARQBSB
362 363

Apresentações e entregas de projetos aos moradores e vistorias de obras no Porto Rico, 2017 Apresentações e entregas de projetos aos moradores e vistorias de obras no Porto Rico, 2017
Fonte: Equipe ARQBSB Fonte: Mariana Bomtempo
Também fica a cargo da empresa ARQBSB desenvolver o orçamento para O trabalho com a equipe ampliada foi essencial para o crescimento da escala
execução da melhoria habitacional. Esse foi outro processo complexo, pois de produção do programa Melhorias Habitacionais. A empresa, depois de
apenas alguns serviços do projeto completo seriam passíveis de execução compreender a metodologia e o relacionamento com a comunidade, conse-
com a verba disponibilizada pela Codhab. Isso gera uma dificuldade de enten- guiu escoar o fluxo de projetos. A experiência também trouxe às empresas
dimento, não só para o morador, mas também para a própria equipe técnica, privadas a sensibilidade e a expertise necessárias para que mais práticas
que está habituada a desenvolver orçamentos completos. Inicialmente, o como essa se estabeleçam no mercado, e assim seja reduzido o percentual
programa previa uma verba de 10 mil reais de subsídio por família, sendo de problemas decorridos da autoconstrução, que atualmente corresponde
que desse valor também deveriam ser subtraídos os benefícios e despesas a 85% das construções nas cidades brasileiras. Essa experiência foi extre-
indiretas da empresa que executava os serviços. Depois de reconhecer que, mamente enriquecedora para o Posto, pois aconteceu por meio do auxílio
após o desconto, o valor materializado para a família estava muito abaixo de uma equipe composta de arquitetos, engenheiros e assistentes sociais,
da expectativa gerada, a Codhab alterou o valor total para 13.500 reais em permitindo uma troca de experiências e percepções da ecologia urbana do
2017 e para 15mil em 2018. Finalmente, toda a documentação compilada Porto Rico, além de melhorar o atendimento e ampliar a confiança da comu-
364 365
era apresentada à Codhab, que após análise contratava uma pequena em- nidade no trabalho que antes parecia tão utópico.
preiteira para executar grupos de três residências, respeitando o projeto e o
orçamento preestabelecidos.

Comparativo antes e depois de obra com ampliação de cômodos, 2017


Fonte: Mariana Bomtempo
ERNESTO DINA

367

Caso Ernesto:
1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB e Equipe ARQBSB
IVETE

368 369

Caso Ivete:
1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB e Equipe ARQBSB
MARIA FRAZÃO

15.00

371

15.00

Caso Maria:
1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB e Equipe ARQBSB
PROJETOS
PARALELOS

Com a consolidação do Posto na comunidade e o crescimento da equipe, foi O estudo preliminar das unidades habitacionais dos edifícios multifamilia-
possível também abrir novas frentes de trabalho, sendo as principais delas: res foi desenvolvido pela voluntária Andressa Guedes, com a orientação da
(1) o estudo preliminar de unidades multifamiliares para a área do assenta- arquiteta Mariana Bomtempo e o apoio da equipe do Posto. O projeto tem
mento que ainda está desocupada; (2) o plano de vegetação para o Porto como objetivo estruturar a melhor proposta de unidades independentes, mas
Rico; (3) o plano de reassentamento de moradores; e (4) o desenvolvimento com qualidade arquitetônica e bioclimática. Foram desenvolvidas unidades
do plano de mobilidade ativa do Porto Rico. Todos esses trabalhos se tor- de dois e três quartos, com modelo adaptado à acessibilidade em alvenaria
372 373
naram viáveis com a ajuda de estudantes de Arquitetura voluntários, que se estrutural e passarelas externas, como calçadas elevadas para o acesso às
dispuseram a trabalhar no posto. Foram eles: Suely Sá, Cristina Nakamura, unidades. A implantação permitia aproveitar o que há de melhor em termos
Andressa Guedes e Nabil Lima. de insolação na área e facilitar os fluxos de pedestres no local.

Estudantes da USP/São Carlos visitam a comunidade e aprendem sobre o


trabalho de Assistência Técnica em Arquitetura e Urbanismo baseado na imersão, Porto Rico, 2017 Andressa apresentando o projeto para a equipe do Posto, Porto Rico, 2017
Fonte: Renan Davis Fonte: Mariana Bomtempo
O plano de vegetação foi desenvolvido pela volun- A voluntária Cristina Nakamura, junto à estagiária
tária Suely Sá, em parceria com a estagiária Luila Luila Fernandes, auxiliou o andamento dos estudos
Fernandes, ambas orientadas pela arquiteta Maria- para o projeto urbanístico; também fez projeto
na Bomtempo. O plano tem por finalidade mostrar para Ação Urbana e, principalmente, desenvolveu
o potencial de se aproveitarem nesgas de espaço o plano de reassentamento dos moradores. Esse
público para a criação de áreas verdes públicas de plano incluía o estabelecimento de quais áreas de-
qualidade. Atualmente, a comunidade não possui veriam ser removidas e quais seriam destinadas ao
áreas verdes, parquinho para crianças, ponto de reassentamento, além de orientações sobre como
encontro comunitário ou qualquer outro tipo de deverá ser feito o processo, de modo a respeitar o
área pública com mobiliário urbano. O plano traça direito daqueles que ocuparam áreas ambiental-
diretrizes para a arborização de vias e identifica áre- mente frágeis e que se expõem ao risco da falta
as com potencial para atendimento da comunidade de estabilidade estrutural de suas residências.
374 375
em curto e longo prazo. A partir da conclusão das
obras de pavimentação, aproveitam-se áreas que
não mais serão utilizadas como vias e evita-se o
avanço sobre essas áreas públicas.

Plano de vegetação desenvolvido para o Porto Rico, 2017 Planejamento de Ação Urbana Comunitária no Porto Rico, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
376 377

Nabil Lima e Mariana Bomtempo, respectivamente: voluntário e coordenadora do Posto do Porto Rico, 2017
Fonte: Mariana Bomtempo

Finalmente, o Posto contou com o trabalho do voluntário Nabil Lima, depois


contratado como estagiário, que auxiliou a equipe no ajuste do projeto urba-
nístico, para que sejam abarcados mobilidades ativas. Os ajustes englobam
detalhamentos de vias compartilhadas, demarcação de ciclovias e ciclofaixas
e estabelecimento de vias com caixa para rota de transporte público dentro
da comunidade. Esse trabalho tinha como objetivo ser incluído no projeto
urbanístico da área, visando fortalecer os fluxos não motorizados no local.

A experiência de estagiar em um dos postos de assistência técnica da Codhab


foi muito importante para minha formação acadêmica. Durante os dois anos
em que estive em contato direto com a Comunidade de Porto Rico (DF), pude
observar muita precariedade quanto ao atendimento em serviços públicos
no local, e isso me fez enxergar a arquitetura social de uma outra forma, até
então pouco discutida no âmbito acadêmico. A convivência com as famílias
e conhecer seus respectivos problemas sociais, urbanísticos e de moradia,
me fizeram ver o quanto a arquitetura pode mudar o bem estar desses mora-
dores, e isso tornou o meu trabalho muito gratificante, pois notava em suas
falas o quanto se sentiam bem após acolhimento da Codhab. Tenho muito a
agradecer por ter tido a oportunidade de fazer parte desse projeto, às famílias
que conheci e à equipe incrível que esteve comigo.
Painel artístico executado durante Ação Urbana Comunitária, 2017
– Luíla Fernandes, estagiária do Posto entre 2016 e 2018 Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PRINCIPAIS DESAFIOS
E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

O trabalho do Posto de Assistência Técnica é desafiador todos os dias: há A atuação na comunidade é complexa exatamente por se tratar de relação
uma grande desconfiança da população, que já teve muitas expectativas entre pessoas, o que, ao mesmo tempo, é o ponto mais forte da assistência
frustradas por diversas gestões de governo; muitos membros da comuni- técnica. É enriquecedor trazer para a Administração Pública – responsável
dade acreditam que a equipe tenha interesse eleitoreiro; a falta de estrutura pela regularização do território de comunidades de baixa renda e pelos de-
para realizar determinados tipos de trabalho é cotidiana; a burocracia é um mais aspectos que visam à sua integração com as outras áreas urbanas – a
desafio, e muitas vezes faz a população se sentir abandonada pelo Estado; perspectiva da vivência do local e das relações sociais que acontecem nesse
378 379
além de diversos outros desafios que poderiam ser descritos e elaborados espaço, incluindo-a nos processos. Tal perspectiva frequentemente falta à
até a exaustão. gestão pública em Brasília, em que as decisões, na maioria das vezes, são
tomadas de maneira tecnicista e/ou política, de uma distância física imensa
É necessário à equipe desenvolver maturidade emocional para lidar com as e cuja observação não não passa de imagens de satélite, sem considerar as
dificuldades vividas pelos moradores, que estão às margens da sociedade. consequências para a vida cotidiana das pessoas que habitam esses locais.
São recorrentes os casos de famílias com problemas de violência doméstica
e sexual, abandono de menores, assassinatos, tráfico ou vício em drogas, O Posto é um local que aproxima o profissional arquiteto-urbanista, para que
prisões e todas as mazelas que assolam aquelas pessoas, exploradas e esque- as pessoas possam entender como este pode contribuir para transformar
cidas pelo capital, e deixadas de lado no jogo pelo espaço dentro da cidade. suas cidades e casas. Acreditamos que o Posto pode ser o início de um
extenso processo para democratizar as decisões relacionadas às cidades,
A construção da cidade é um processo extenso e contínuo. A vivência de um como um ponto de referência especializado para que os moradores possam
ano e meio dentro da comunidade foi só o começo, e o Estado deve reconhecer compreender como funcionam os processos burocráticos e como podem
a força que esse trabalho tem. É triste ver que uma equipe tão engajada foi se apropriar deles e intervir. Trata-se de um constante processo de cons-
cada vez mais desestimulada e posteriormente completamente exonerada cientização da população sobre seus direitos e deveres na construção das
pelo novo governo. Antes tivesse sido substituída por novos técnicos tão cidades de maneira coletiva, esse ponto territorial não deve ser abandonado.
engajados quanto, mas muitas vagas foram preenchidas por profissionais
que nem são engenheiros ou arquitetos. Essa constante descontinuidade de
programas de governo a cada gestão só demonstram o quão longe estamos
de entender a diferença entre política de governo e de Estado.

O sonho do Posto era ser um escritório de arquitetura em que os moradores


chegassem e pedissem um projeto para suas residências ou para uma área
pública que ainda não existe. Ao longo dos anos em que funcionou, houve uma
série de problemas mais urgentes a serem resolvidos, de modo que levará
anos para que o sonho seja possível – por isso é importante a constância
do trabalho, e não essa descontinuidade. Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Disponível em: <https://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm>.
Acesso em setembro de 2015.
VILA CAUHY
NÚCLEO BANDEIRANTE / DF

14 km
VILA CAUHY
NÚCLEO BANDEIRANTE / DF
VILA CAUHY
NÚCLEO BANDEIRANTE / DF

por Paulo Silgueiro Cavalcante

início da ocupação Década de 1970/1980 (dado do PAT)


população Aproximadamente 3 mil habitantes (dado do PAT)
área 34,0 ha
densidade 88 hab/ha
renda média mensal Não há pesquisas nesse sentido - Informalmente, sabe-se que há grande
variedade de renda

potencialidades A Vila Cauhy está muito bem localizada, entre o Núcleo Bandeirante e o Park
Way, com acesso fácil através da EPIA. Por conta dessa localidade privilegia-
da, as edificações previstas em projeto para realocação de moradores, após
estudos ambientais e projeto urbanístico aprovados, podem ter um grande
resultado, criando um excelente local de moradia próximo ao Plano Piloto.

principais desafios A questão ambiental certamente é a parte mais complexa da ARIS, já que
está situada próxima ao córrego Riacho Fundo e, além disso, possui algumas
nascentes, áreas com risco de enchentes, erosão, etc. Há, portanto, uma
enorme “área de risco”, obrigando que a área de projeto seja muito reduzida,
gerando grandes remoções e relocações.

inauguração Janeiro de 2016

equipe coordenação arq. urb. Frederico Barboza // jan 2016 - mai 2016
arq. urb. Fabiana Lemos // jan 2016 - mai 2016
arq. urb. Paulo Cavalcante // jun 2016 - dez 2018

estagiárias Carolina Simões, Danielle Scardini e Sofia Portugal

voluntárias Melissa Saqueto, Monique Costa e Nathália Pereira

principais atividades /ações urbanas comunitárias /projeto urbanístico


/regularização fundiária /endereçamento
NÚCLEO BANDEIRANTE
— RA VIII

O Núcleo Bandeirante foi uma das primeiras ocupações a abrigar os candangos


que vieram para a construção da nova capital. Inicialmente com o nome de
Cidade Livre, já que era o único assentamento onde eram permitidos usos
comerciais, foi polo comercial e administrativo, onde os operários chegavam
e eram encaminhados para as construtoras das obras da cidade. A ideia do
Governo Federal era que, uma vez concluídas as obras do Plano Piloto, os
386 387
comerciantes se mudariam para as quadras de comércio local, entretanto,
graças a um movimento de luta, estes puderam permanecer onde estavam
e ainda durante a década de 60, o Núcleo Bandeirante recebeu infraestrutura
e as construções que antes eram de madeirite, passaram a ser de alvenaria.

Após um longo período como parte da Região Administrativa (RA) de Brasília,


em 1989 passou a ser a RA VIII, junto ao Riacho Fundo e à Candangolândia,
Núcleo Bandeirante em seus primórdios, ano desconhecido
e somente em 1994 foi delimitado como a Região Administrativa mais próxi- Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal
ma ao que conhecemos hoje. Atualmente, a cidade é bastante consolidada,
Antigo mapa das áreas que compõem a RA Núcleo Bandeirante;
contando com um comércio tradicional e equipamentos públicos suficientes
A área marcada com uma interrogação mais tarde passou a ser chamada de Vila Cauhy
para a sua população. Fonte: Lista telefônica Listel

Segundo a Companhia de Planejamento do Distrito


Federal (Codeplan), atualmente o Núcleo Bandei-
rante é formado por: Núcleo Bandeirante original;
Vila Metropolitana, Setor de Clubes, Vila Nova Di-
vinéia, Agrovila Vargem Bonita, Colônia Agrícola
Núcleo Bandeirante I e II e Área Isolada Vargem
Bonita, além da Área de Regularização de Interesse
Social (ARIS) Vila Cauhy, uma área de Parcelamento
Urbano Isolado (PUI).
389

VILA CAUHY
A Vila Cauhy é um assentamento irregular localizado na região administrativa
do Núcleo Bandeirante (RA VIII), entre a Estrada Parque Indústria e Abaste-
cimento (EPIA), o córrego Riacho Fundo e a via NB 03. A Vila encontra-se
em posição privilegiada, próxima ao Núcleo Bandeirante, ao Aeroporto JK
e ao Setor de Múltiplas Atividades Sul (SMAS) – principais polos geradores
de emprego e facilmente acessíveis, principalmente com a implantação do
BRT, que possibilita a chegada dos moradores ao Plano Piloto em no máximo
20 minutos. Tal localização é privilegiada em relação às demais áreas de
interesse social de Brasília que usualmente encontram-se bastante distantes
do centro econômico da cidade.

A área hoje ocupada pela Vila Cauhy era antigamente conhecida como Co-
lina do Lobo e, em 1961, foi destinada ao Clube de Regatas do Guará para a
construção do seu respectivo estádio. Ao longo do tempo, a área foi ocupada
por chácaras que aos poucos foram griladas e parceladas, o que gerou a
ocupação urbana existente. Sempre foi foco de interesse político devido à
sua localização, deixando a população por vezes esperançosa e por vezes
desapontada, o que torna cada vez mais difícil a construção de uma relação
com a comunidade. Além das questões políticas, e dentre outras restrições,
a questão ambiental sem dúvidas é o maior desafio para a regularização
fundiária e urbanização da Vila. Os estudos já desenvolvidos apontam que
a região tem grande quantidade de áreas de preservação, possui nascentes
Ponte da Obra de Maria, um dos acessos para a Vila Cauhy, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB e é uma área de veredas com grande quantidade de água no solo.
A CODHAB
NA COMUNIDADE

390 391

Praça da Vitória: principal acesso da Vila Cauhy, 2017 Vila Cauhy, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

A experiência de imersão do Estado dentro da Vila Cauhy se dava principal-


mente por meio do programa Saúde da Família até a chegada da Codhab na
comunidade, e além de buscas policiais e participações menores da Adminis- Quanto à questão urbanística, até 2015 haviam sido iniciados dois projetos
tração Regional em relação à limpeza e à infraestrutura. Cabe ressaltar que, para a regularização fundiária da Vila Cauhy, ambos contratados pela Codhab,
apesar de o Estado ser pouco presente, a população é relativamente bem os quais não foram finalizados por motivos contratuais e burocráticos. Em
atendida pelos diversos equipamentos públicos da vizinhança. 2009, contratou-se o Projeto Integrado de Regularização Fundiária. A empresa
vencedora do processo licitatório, Topocart, entregou todos os produtos em
No ano de 2009, em uma ação do Governo do Distrito Federal (GDF), a março de 2010, finalizando-se o contrato nessa data. Todavia, os projetos de
Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) inaugurou a urbanismo e de infraestrutura tiveram sua aprovação condicionada ao aceite
Praça da Vitória, uma conquista importante para os moradores, já que é o do estudo ambiental pelo Grupo de Análise e Aprovação de Parcelamentos do
único espaço público com infraestrutura razoável, servindo como marco de Solo (GRUPAR), o que não ocorreu, tornando-se necessário um novo contrato
entrada da Vila. Lá existem um pequeno coreto, bancos, um parque infantil, para o serviço. Cabe destacar que, apesar de ter sido vetado, esse projeto teve
além de uma boa área com grama e algumas árvores. O espaço é comumente grande aceitação na comunidade, já que propunha poucas alterações na ocu-
utilizado para as festas da região e também para encontros. De toda forma, pação da época. Ainda hoje, o assunto gera um diálogo difícil, pois é preciso
a praça precisa de manutenção constante e de mais investimentos para que provar constantemente que o projeto era inviável e que profundas alterações
seja aproveitada em todo o seu potencial. são realmente necessárias, devido às áreas sensíveis.
Em 2011, o governo definiu como prioridade a regularização fundiária da
Vila Cauhy e, consequentemente, a implantação do projeto já iniciado. Após
numerosas análises conjuntas entre o GRUPAR e a extinta Diretoria Técni-
ca da Codhab, constataram-se obstáculos à aprovação do projeto pelos
órgãos competentes do GDF, comprometendo a posterior implantação.
Existiam conflitos quanto à proposição de parcelamento, uso e ocupação
do solo urbano, dadas as fragilidades socioambientais da área, e quanto às
mudanças dos marcos legais, especialmente as traduzidas pela Lei Federal
nº 11.977/09 e pelo Novo Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012).
Em março de 2014, a Codhab, por meio de pregão eletrônico, contratou a
empresa Zago Engenharia e Meio Ambiente para a elaboração de um estudo,
a fim de analisar a viabilidade ambiental e técnico-financeira da fixação da
392 393
ocupação existente. Após a aprovação dos estudos técnicos, a Codhab, a
partir de 2015, assumiu o desenvolvimento do projeto urbanístico da área e
prosseguiu com a implantação do Posto de Assistência Técnica dentro da
Vila Cauhy. A presença da Codhab na Vila foi importante para construir um
diálogo direto entre esta e a população, e a partir daí transmitir suas neces-
sidades aos setores competentes.

Córrego Riacho Fundo, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Vila Cauhy, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Com as grandes chuvas do final de 2015 e início de 2016, a Vila Cauhy sofreu
muito com inundações e deslizamentos das margens do córrego Riacho
Fundo. Várias casas foram alagadas e seus moradores tiveram de ser retira-
dos pela Defesa Civil. Na ocasião, criou-se uma força-tarefa em todo o GDF
para recuperação da área e melhoria das condições para os moradores. Foi
Posto de Assistência Técnica da Vila Cauhy, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB nesse contexto que a Codhab fundou seu sexto Posto de Assistência Técnica
(PAT), em janeiro de 2016. O PAT Vila Cauhy, que prestava uma homenagem
394 395
ao importante arquiteto Nauro Esteves, foi aberto para atuar em conjunto
com a comunidade, tendo como meta tanto ajudar no importante problema
da enchente daquele momento quanto assumir todo o processo de regulari-
zação da área, além de levar os outros trabalhos da companhia para o local.

Em seu início, o Posto contou com a coordenação do arquiteto Frederico


Barboza e com o apoio da arquiteta Fabiana Lemos. Pouco menos de seis
meses após sua abertura, com o trabalho ainda começando, a coordenação
foi passada ao arquiteto Paulo Cavalcante, que permaneceu à frente até o
final da gestão. Durante esse primeiro momento, o principal trabalho foi a
criação e desenvolvimento de vínculos com os moradores e as principais
lideranças comunitárias da Vila, a fim de entender as demandas e os possíveis
avanços. A partir desse primeiro envolvimento é que se pôde comunicar a
expectativa de trabalho do Estado e mitigar certas angústias dos moradores,
construindo-se uma relação de confiança. Cabe ressaltar que tal confiança
deve ser fruto de um trabalho constante, desenvolvido a cada momento, sem
deixar rusgas ou ilusões para nenhum dos lados, já que a real intenção era
a imersão e o trabalho coletivo – sem confiança e parceria, dificilmente se
terá um bom resultado. Devido à mudança de coordenador, novos vínculos e
relações precisaram ser desenvolvidos. Felizmente, esses laços avançaram
com maior facilidade, dado o bom trabalho que havia sido desenvolvido ante-
riormente. A partir de diversas reuniões, contando a presença das lideranças
comunitárias, da Administração Regional e dos moradores, o trabalho do
Posto foi sendo moldado.
Um aspecto importante a ser citado é a disputa política entre as lideranças
comunitárias do local, que dificilmente chegavam a um acordo, ainda que
isso atrapalhasse o desenvolvimento de um trabalho que visasse ao bem
coletivo. Essa relação sempre foi complexa, fazendo com que os diálogos
entre o Posto e a população fossem cautelosos e abrangentes, evitando
privilégios de informações entre os envolvidos, em busca de minimizar
problemas futuros entre eles próprios. Ao final da gestão, a relação era bem
mais próxima e transparente, e essa confiança trouxe maior tranquilidade
ao desenvolvimento do trabalho, além de uma cobrança – necessária e
importante no processo – mais sadia.

As constantes reuniões proporcionaram uma relação excelente entre a Admi-


396 397
nistração Regional do Núcleo Bandeirante e a companhia, tanto quanto com
a população da Vila Cauhy. As equipes técnica e política sempre estiveram
disponíveis, auxiliando conforme o possível. Nesse contexto, as primeiras
atividades puderam ser desenvolvidas diretamente no Posto, com a espera-
da imersão do Estado na comunidade. Além do trabalho inicial de entender
a enchente e sua área, pensando em soluções em curto e longo prazos, os
principais eixos de trabalho para o PAT Vila Cauhy eram: desenvolver o projeto
Reunião com moradores da Vila Cauhy, 2016
urbanístico e tratar do processo de regularização, promovendo o máximo de Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
transparência possível; implantar o programa Ações Urbanas Comunitárias;
e prestar atendimento aos moradores, tentando encaixar suas mais diversas
Apresentação da proposta de intervenção da Ação Urbana Comunitária #44, 2017
demandas em atividades praticáveis para a companhia. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

A equipe do Posto foi formada por, além dos profissionais já mencionados,


Priscylla Oliveira e Luana Castro – colaboradoras do Núcleo de Atendimento
da Codhab –, Carolina Simões, Danielle Scardini e Sofia Portugal – estagiárias
da companhia – e Melissa Saqueto, Monique Costa e Nathália Pereira – que
atuaram como voluntárias. É importante ressaltar o valor dessa equipe,
pois o trabalho de imersão na comunidade, mesmo que difícil e com pouca
infraestrutura, sempre foi desempenhado com muita vontade. Além disso,
o Posto contou com o auxílio de diversos setores da companhia, tanto para
manutenção como para solução de outros problemas. A Prefeitura Comu-
nitária também forneceu apoio de diversas maneiras, uma vez que ela é a
responsável pelo espaço que era ocupado pelo Posto.
PROJETO URBANÍSTICO

O projeto urbanístico da Vila Cauhy tem por objetivo viabilizar a regularização Sabendo-se das imensas dificuldades ambientais, comunicadas por meio
das ocupações já existentes e possibilitar novas ofertas habitacionais, con- do estudo técnico, foi necessário separar uma área com medida próxima de
siderando ainda o grande deficit de habitação no Distrito Federal. Buscou-se metade da poligonal, por motivo das áreas de risco – sendo elas caracteri-
ordená-las, contribuindo positivamente para reparar os danos ambientais do zadas como Áreas de Proteção Permanente, incluídas a margem do córrego
setor e proteger os recursos naturais ali existentes. Para isso, é necessário Riacho Fundo e cinco nascentes, ou como áreas com risco de enchente ou
fixar padrões de ocupação do solo compatíveis, em termos de localização erosão. No perímetro restante, existe uma porção que, segundo a Agência
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e densidade, com a sensibilidade físico-ambiental de todo o local, de modo de Fiscalização do Distrito Federal (AGEFIS), deveria ser livre, mas que hoje
a proporcionar aos seus habitantes uma elevação do padrão de qualidade constitui a chamada ocupação da Lona Branca. Tal área foi destinada no
de vida. projeto a novas habitações, as quais devem receber os moradores realocados
de áreas de risco e da referida ocupação, reduzindo o deficit quantitativo e
A área apresenta uma população de aproximadamente 2 mil habitantes e não qualitativo das habitações e justificando o adensamento. Destinou-se a área
dispõe de serviços de esgotamento sanitário e drenagem pluvial, porém conta de risco, dada toda a sua problemática, à construção de um parque extenso,
com pavimentação asfáltica parcial, além de redes de iluminação pública, porém de baixo impacto, onde ocorrerá a recuperação da vegetação e das
energia elétrica domiciliar e abastecimento de água potável parcialmente im- margens do córrego, além das atividades de lazer que ficarão disponíveis
plantadas. Todos esses elementos devem fazer parte do projeto urbanístico, para a população. A Praça da Vitória será preservada e outros espaços
inserindo os respectivos órgãos responsáveis no processo de regularização. públicos serão criados, melhorando a relação das áreas residenciais com
os espaços abertos.
O projeto, ainda em desenvolvimento, resultará na formatação de um total
de 204 lotes (contando com os já existentes a serem regularizados e com os Há grande preocupação com a mobilidade do local, já que as vias existentes
lotes criados pelo plano), sendo 197 para Uso Misto 1 (residencial, unifamiliar são estreitas, fazendo que com que algumas, após aprovação, virem ruas
e comercial), 5 para Uso Misto 2 (residencial coletivo e comercial) e 2 para compartilhadas, permitindo melhor circulação entre automóveis e pedestres
uso coletivo (equipamentos públicos comunitários – EPC). Os lotes com uso e garantindo segurança e fácil circulação. Está prevista também uma ciclo-
residencial coletivo serão ocupados por edifícios de quatro pavimentos, com via nas áreas novas, que será ligada às futuras ciclovias do Park Way e do
apartamentos de 50 metros quadrados. Conforme mencionado, a escolha Núcleo Bandeirante. Quanto aos equipamentos públicos, espaços voltados
desses usos se justifica pela característica atual da área – a qual se espera à segurança e educação serão criados, beneficiando os que moram na Vila.
que seja mantida após a regularização –, com grande foco residencial, porém
com um comércio que supra as necessidades cotidianas. Os lotes de uso O posto imerso consistia em propiciar total transparência ao processo de
misto devem, obrigatoriamente, ter a função residencial. regularização, incluindo os moradores de forma jamais ocorrida. Foram
feitas mais de dez reuniões com as lideranças comunitárias e a população,
buscando fornecer o máximo de informações possível sobre os aspectos
legais, burocráticos e projetuais. A partir das apresentações foram considera-
das as demandas da população e do Governo, para que seja viável começar
um trabalho conjunto – envolvendo a sociedade civil e a equipe técnica do
Estado –, a fim de chegar a um resultado positivo para todos.
400 401

Projeto urbanístico da Vila Cauhy versus área existente hoje


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Uso misto 1
Uso misto 2
Equipamento público comunitário
Espaço livre de uso público
Praças
Parque
APP

Área de remoção

Áreas com restrição à ocupação Projeto urbanístico da Vila Cauhy


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Atualmente, a Vila Cauhy possui dois endereçamentos diferentes: um histó- O endereçamento provisório proposto é de autoria do PAT da Codhab e da
rico, realizado pelos moradores mais antigos, e outro desenvolvido em um Divisão de Informações Geoprocessadas da Secretaria de Estado de Gestão
trabalho de graduação da Universidade de Brasília pelo estudante Pedro do Território e Habitação (Segeth) e prevê uma distribuição a partir de quadras
Ernesto, denominado “Plano de bairro da Vila Cauhy vol. 01” – implementado e conjuntos, visando à padronização de todas as áreas de regularização do
pela Associação de Moradores da Vila Cauhy (AMOVIC). Notam-se prejuízos Distrito Federal. Preservando algumas relações de vizinhança já existentes,
para a população, já que não há um consenso sobre qual deve ser utilizado. a proposta buscou de maneira simples e de fácil entendimento organizar o
Dificuldades para recebimento de correspondências e preenchimento de fo- loteamento da Vila. A área ocupada foi dividida em cinco grandes quadras
lhas de cadastro, falhas na comunicação devido à falta de referência, dentre numeradas de 1 a 5, tendo em vista a melhor distribuição e coerência. Cada
outros, são problemas constantes na vida de cada morador da Vila Cauhy. quadra é subdividida em no máximo cinco conjuntos, de acordo com a ne-
Os entraves são dos mais simples aos mais sérios, desde pedir comida em cessidade, os quais são nomeados por letras de A a E. A numeração dos lotes
casa até precisar chamar uma ambulância em caso de emergência, e não cabe aos moradores durante a implantação, apenas se sugere a utilização
conseguir informar exatamente o local para socorro. de números pares de um lado e ímpares do outro.
402 403

Surgiu então a demanda para que o Posto de Assistência Técnica da Codhab Com o projeto finalizado e após reuniões com os Correios para organizar a
auxiliasse na resolução desse problema. Para isso, foi criada uma proposta de questão de novos CEPs, a proposta foi levada pela Codhab e pelos moradores
endereçamento provisório, a qual abrange todos os moradores atuais e tenta à Administração Regional do Núcleo Bandeirante. Lá ficou acertado que a
simplificar o endereçamento, reduzindo os danos causados pela falta dele. própria Administração se ocuparia do endereçamento novo, com fornecimento
Pretendeu-se criar um referencial para que a comunicação ocorra livremente. de placas e outros equipamentos.
Diversas reuniões e apresentações para a comunidade foram feitas, com o
objetivo de agregar ao plano o interesse dos moradores, e também para que
esse endereço provisório pudesse ser aproveitado e tornado oficial durante
o projeto urbanístico e o processo de regularização.
AÇÕES URBANAS
COMUNITÁRIAS

Ocorreram em três Ações Urbanas na Vila Cauhy –


duas em 2016 e uma em 2017. As Ações contaram
com um bom número de participantes, mudando
a realidade das áreas escolhidas e contribuindo
para a autoestima dos moradores.

404 405

AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #13 – AÇÃO AMBIENTAL #1


Agosto de 2016

A área escolhida possui duas funções: passagem, pois liga a Vila Cauhy ao
Setor de Oficinas do Núcleo Bandeirante por meio de uma ponte de pedestres;
e espaço para manobra de automóveis no final da rua, em um cul-de-sac 1im-
provisado. O local era tomado por mato e lixo, deixando-o pouco convidativo
para uso da população, além de aumentar a insegurança de quem passasse ali.

Devido à necessidade de preservação do meio ambiente – fato a partir do


qual surgiu o título de Ação Ambiental –, a iniciativa envolvia criar uma inte-
ração entre a comunidade e o córrego Riacho Fundo, a fim de despertar um
sentimento de preservação e cuidado em relação a um espaço que poderia
ser usado não apenas como passagem, mas também como local de per-
manência. Com o apoio do Jardim Botânico e da própria comunidade, em
forma de mutirão várias pessoas desceram ao córrego para efetuar a limpeza,
retirando mais de 20 sacos de lixo. Durante a semana de preparação, com o
apoio da Novacap e da Administração do Núcleo Bandeirante, uma equipe
foi chamada para capinar e limpar a área, facilitando o acesso à margem,
mas levando em consideração as espécies importantes a serem mantidas.

Cartazes da Ação Ambiental #1 (AUC #13), 2016


Fonte: Luiz Eduardo Sarmento 1 Beco sem saída.
Para criar uma praça, um banco de pneu foi colocado e mudas de árvores
foram plantadas para um futuro sombreamento. Além disso, placas foram
pintadas e posteriormente presas ao cercamento para proteger a área do
avanço dos carros, com mensagens de cuidado e apoio. Um grande painel
foi pintado na fachada logo em frente à ponte, objetivando criar um ponto
de referência e identidade. Houve grande participação popular, tanto das
associações quanto dos moradores próximos, que participaram ativamente
da limpeza e do plantio, ficando inclusive responsáveis por cuidar de cada
espécie plantada.

Ainda que o cuidado não tenha sido totalmente efetivo em longo prazo, é fato
que o local pós-intervenção ganhou uma nova cara, muito mais colorida e
406 407
agradável para quem passava. O painel permaneceu sem nenhuma pichação
– coisa rara em qualquer outro muro da Vila –, o que sinaliza a importância
de ações como essa. A área virou também ponto de referência;

Limpeza do córrego Riacho Fundo, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Pintura das lixeiras, 2016 Resultado da AUC #13: requalificação da zona que conecta a Vila Cauhy e o Núcleo Bandeirante, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #15 – AÇÃO AMBIENTAL #2
Agosto de 2016

Pouco depois da Ação Ambiental #1, ocorreu a segunda edição do projeto no O dia da Ação coincidiu com o Dia do Voluntariado e, juntamente ao programa
local. A área dessa outra também possui uma ponte de pedestre que conecta social Brasília Cidadã, do GDF, foram desenvolvidas diversas atividades, como
a Vila Cauhy ao Setor de Oficinas do Núcleo Bandeirante. A vantagem dessa batalha de rap, exposição de objetos da Polícia Militar, oficina da Empresa
área é a existência de um espaço com árvores grandes, que proporcionam de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater) de
uma sombra muito agradável. criação de jardineiras com garrafas pet, distribuição de mudas pelo Jardim
Botânico, entre outras.
Como na primeira Ação, o intuito principal era limpar uma parte do córrego
Riacho Fundo, a fim de promover a conscientização ambiental e despertar a A segunda ação teve maior participação popular que a primeira, devido à
população para o cuidado e a preservação deste, além de criar um pequeno associação dos outros órgãos com o evento, mostrando a importância de
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espaço de convivência mais prazeroso nessa importante área de passagem. se elevar a escala dessa iniciativa. Muita gente ajudou a pintar os bancos e
A divisão por uma curva forma duas áreas separadas, das quais a menor é a o muro, realizou o plantio das mudas e participou das rodas de conversa.
entrada da garagem de um morador vizinho. Por isso, esse local foi definido A equipe de obras da Codhab finalizou o cercamento de toras de eucalipto
para o plantio de mudas, que, além de proporcionarem sombra, servem como antes do dia da Ação, para garantir a segurança no dia do evento. Além
barreira de proteção para a margem do córrego. A área maior é mais sombre- disso, a ponte que estava danificada, faltando um pedaço do corrimão, foi
ada, convertendo-se em espaço para a colocação dos bancos de pneus e a consertada pela própria comunidade com o intuito de evitar acidentes. O
pintura do painel, e em cujas margens foi erguida uma cerca para proteção. dia foi muito animado, com música e participação de equipes voluntárias
de dança e de hip-hop.

Plantio de árvores, 2016 Área de encontro com mural e bancos: produto da AUC #15, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #44
Junho de 2017

Já para a terceira Ação na Vila Cauhy, o foco foi mudado para o programa Se
Essa Rua Fosse Minha. A ideia foi transformar uma rua de muito movimento,
que funcionasse como passagem para boa parte de seus moradores, e fazer
a qualificação das fachadas e dos espaços abertos. A escolha do local se
baseou em conversas com os moradores, analisando as opções possíveis,
e chegando à conclusão de que a melhor escolha seria o início da rua que
leva à área da Ação Ambiental #1, criando um vínculo importante entre as
intervenções.

410 411
O eixo de ação Se Essa Rua Fosse Minha foi, então, aplicado na rua atrás da
Praça da Vitória, que possui 14 casas (sete de cada lado), fora um pequeno
beco com mais cinco casas. É uma área de bastante movimento, o que
tornaria o caminho agradável, além do fato de que todos poderiam visua-
lizar a atuação do Posto de Assistência Técnica. Dois outros eixos podem
ser combinados a esse: Botando Verde, com plantio de espécies nas áreas
verdes, e Reciclo Urbano, com a criação de bancos e mesas com caixas de
Equipe técnica com voluntários da AUC #44, 2017
madeira que seriam jogadas fora. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Pintura de fachadas, 2017 Oficina de stêncil, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Durante a semana, a equipe de obras da Codhab sas pessoas quanto aos espaços públicos. Pedidos
preparou as casas, deixando-as todas rebocadas dos moradores para intervenção em outras ruas
e, com o auxílio da Administração, limpou todo o são comuns, e há sempre um incentivo para que
entorno. No dia da Ação, com bastante envolvimen- eles mesmos possam fazer isso em suas fachadas.
to dos moradores da rua, aconteceu a pintura das
fachadas e a criação de dois painéis artísticos, um Também na semana da Ação, um grupo de mo-
em cada ponta da rua, gerando pontos de referên- radores solicitou à Codhab a disponibilização de
cia para o local. Um desses painéis foi totalmente material para ajudar outro morador que vivia em
planejado e executado por cerca de 30 alunos de uma casa extremamente precária, feita apenas de
Arquitetura e Urbanismo de todo o Brasil, que esta- madeirite. Com o material cedido, eles próprios,
vam em Brasília para um encontro de estudantes a partir de um projeto de arquitetura elaborado
da área. Os outros participantes continuaram com pelo Posto de Assistência Técnica, construíram as
412 413
o plantio, a disposição do mobiliário e as demais paredes da casa e o contrapiso, além de reformar
atividades. o pequeno banheiro. Isso simboliza fortemente o
intuito das ações comunitárias, levando o espírito
A diferença de realidade, comparando-se o antes e de mutirão, com o envolvimento da sociedade e do
o depois da Ação, é impressionante: a passagem Estado, trabalhando juntos para alcançar resulta-
fica mais agradável, os moradores aproveitam mais dos fundamentais para quem realmente precisa.
o espaço livre e isso ajuda na conscientização des-
Oficina de mobiliário urbano com material reciclado, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Pintura coletiva de painel artístico, 2017 Pintura de fachadas, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
OUTRAS ATIVIDADES APOIO DO CRAS — PROJETO DE DRENAGEM
PLUVIAL NA RUA DA MINA

Entre as demais atividades que ocorreram no Pos- aprofundado sobre a adequabilidade das soluções No primeiro semestre de 2017, com as fortes chuvas, ocorreram novamente
to, destaca-se o projeto de saneamento básico, que de esgotamento adotadas pela comunidade. problemas de drenagem das águas pluviais, que, dessa vez, afetaram a Rua da
foi baseado na dissertação de mestrado elaborada Mina. O problema se iniciou com a construção do muro de uma casa no final
por Viviane Virgolim, como conclusão do curso Durante a fase de coleta de dados, a Codhab dis- da rua, impedindo que a água seguisse seu percurso natural para o córrego.
de Saneamento Urbano, com especialização em ponibilizou uma lista de voluntários dispostos a Ficando acumulada, essa água invadiu as casas próximas, afetando inclusive
Esgotamento Sanitário, pelo Instituto UNESCO-IHE apoiar a aplicação da enquete na Vila, além de as fossas. O problema passou a ser pessoal entre os moradores, podendo
(Delft, Holanda). A dissertação, intitulada “Decen- iniciar a interlocução com os moradores. Em con- ter acabado em tragédia, haja vista as brigas constantes. Tal ocorrência
414 415
tralized sanitation in informal settlements: linking trapartida, os resultados e discussões da tese, resultou na presença do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)
technology to planning and management practices”, que são diretamente relacionados à Vila Cauhy, do Núcleo Bandeirante, para auxiliar na mediação do problema. A Codhab
datada de abril de 2017, tinha como objetivo en- contribuíram para um relatório de uso da Codhab, auxiliou os moradores no projeto de drenagem, para que a água pudesse
tender os fatores que afetam o desenvolvimento, ampliando a base de dados do Governo. O intuito ser desviada para a rua lateral, sem gerar acúmulo. O CRAS negociou junto
o fornecimento e a adoção de esgotamento sani- dessa parceria foi mostrar a necessidade de in- aos moradores e à Codhab para que o projeto pudesse ser implantado pela
tário urbano descentralizado em assentamentos vestimentos na comunidade, visando a melhorias própria comunidade.
informais de baixa renda no Brasil, a partir de um de infraestrutura, principalmente no que tange a
estudo de caso em Brasília. Para isso, a Vila Cauhy esgotamento sanitário.
foi escolhida como um dos locais para estudo mais

Requalificação da rua por meio de mutirão de reparo e pintura de fachadas, 2017 Enchente na Rua da Mina - Vila Cauhy, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PERSPECTIVAS CONCLUSÕES

Com o avanço dos trabalhos e pela presença na comunidade, foi perceptível O trabalho da assistência técnica, com a imersão do arquiteto dentro de
a diferença na relação entre esta e a companhia em nível pessoal, ao lidar uma comunidade, mostra-se cada vez mais importante para o nosso País
com os funcionários do PAT; a relação entre moradores e líderes comunitários – claramente na questão de mercado, mas principalmente no que se refere
também melhorou. Em termos de credibilidade, o Governo avançou em relação à necessidade da nossa população. Só estando presente é que se pode,
ao trabalho e à confiança dos moradores. Processos de imersão contribuem realmente, conhecer as demandas e os problemas da comunidade.
em localidades onde há disputas internas e permitem o acesso direto aos
416 417
técnicos de assistência técnica que podem fazer o contrabalanceamento de O que foi realizado na Vila Cauhy rendeu diversos frutos, como o desenvolvi-
forças. Para isso, a transparência no trabalho é fundamental para o enten- mento do processo de regularização, o novo endereçamento, a recuperação
dimento dos moradores em relação a todo o processo; da mesma forma, de espaços públicos. Ainda assim, o mais importante é a conscientização
é necessário que o trabalho da companhia seja claro, tornando possível a dos moradores acerca do trabalho do Estado e da imersão dos agentes
cobrança e o desenvolvimento constante, buscando o avanço da qualidade, públicos nesse objetivo. A continuidade do trabalho e sua expansão são
em todos os sentidos, da Vila Cauhy. fundamentais para um retorno ainda maior. Os percalços também devem
ser levados em conta, até para que o se aprimore as condições de trabalho
em imersão. Sem os riscos ou os erros cometidos, pouco se teria aprendido,
e menos teria sido feito.

Voluntários em pintura coletiva de painel durante Ação Comunitária, 2017


Fonte: Mariana Bomtempo
Acredito que a palavra para explicar a experiência de trabalho na Vila Cauhy
seja amadurecimento. Independente de qualquer experiência anterior em
outros estágios, o trabalho do Posto de Assistência Técnica é único. Primeiro,
trabalhamos imersos na realidade em que atuamos, o que significa dividir
com os moradores o medo da enchente nas ruas e a alegria de uma ação
concluída. Significa ficar preocupado quando qualquer atividade acontece
na comunidade sem que estejamos sabendo, como se fôssemos os guardi- Referências
ões da Vila. Aconteceu, por exemplo, com uma reportagem sobre a volta da
estação chuvosa, que questionava se a Vila estaria ou não preparada para BARBOSA, P. E. C. Plano de Bairro da Vila Cauhy vol. 01. 275f. Diplomação
recebê-la. Fingi ser uma moradora curiosa para, depois de entender situação, (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de Brasília, 2015.
dizer que era estagiária do Posto e que eles podiam contar com a gente caso
precisassem de alguma ajuda.
COMPANHIA de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa Distrital por
Amostra de Domicílios – Núcleo Bandeirante – PDAD 2015. Distrito Federal,
418 Segundo, a estrutura do espaço de trabalho é condizente com a realidade 419
em que estamos inseridos – no caso da Vila Cauhy, o espaço é dividido com 2015. Disponível em: <https://goo.gl/fw6mWU>. Acesso em junho de 2018.
a Prefeitura. A estrutura é de placas de concreto que funcionam no “padrão
8 ou 80”, como eu costumava dizer. É muito frio quando o dia é frio e muito VIRGOLIM, V. Decentralized sanitation in informal settlements: linking
quente quando o dia é quente. Essa é a realidade de muitos moradores, porém technology to planning and management practices - study case in Brasília
não só durante o horário de trabalho – o que significa que também dividimos (Brazil). 155f. Tese (Master of Science) – Instituto UNESCO, 2017.
com eles os anseios por melhoria e infraestrutura.

O momento em que eu percebi essa relação foi durante o planejamento da


terceira Ação Urbana Comunitária da Vila, que coincidiu com um mês de muita
atividade no Posto. Eu e o arquiteto Paulo Cavalcante dividimos as tarefas, e
fiquei encarregada de cuidar de grande parte do planejamento da Ação. Estive
todos os dias, durante duas semanas, nas ruas conversando com a popu-
lação e com a equipe de obras. Tive de tomar decisões, resolver problemas
de última hora e explicar o projeto para os moradores quantas vezes fossem
necessárias. Explicava não só a Ação, mas o trabalho da Codhab como um
todo. Senti que realmente era responsável pelo que acontecia ali e percebi
como aquela dinâmica era importante, não só para o meu amadurecimento
profissional, mas para a vida de todas aquelas pessoas.

O cuidado, portanto, manifesta-se em forma de trabalho, dedicação ao projeto,


planejamento adequado e até de suor na testa nos dias de Ação Comunitária.
Tudo é feito de forma a avançar. Definem-se estratégias e propõem-se melho-
rias. A ferramenta é a Arquitetura e o Urbanismo, e os efeitos são sentidos
em todos os âmbitos.

O amadurecimento veio pelo choque de realidade, pelo carinho construído com


a comunidade e pelo sentimento de querer fazer melhor, além da experiência
adquirida na dinâmica de trabalho. Deixo agradecimentos pela oportunidade
ao Paulo e à Priscylla, meus companheiros nessa jornada.

Painel artístico de Ação Urbana Comunitária, 2016


– Carolina Simões, estagiária do Posto entre 2017 e 2018 Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
VILA BURITIZINHO
SOBRADINHO II / DF

30 km
VILA BURITIZINHO
SOBRADINHO II / DF
VILA BURITIZINHO
SOBRADINHO II / DF

por Jéssica Spehar

início da ocupação -
população -
área 21,6762 ha (dado do PAT)
densidade 116 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal -

potencialidades A poligonal encontra-se no limite da Região Administrativa de Sobradinho II


– RA XXVI, Distrito Federal, e faz divisa com o Parque Recreativo e Ecológico
Canela de Ema Etapa Ie II, bem como próxima as vias de entorno imediato,
que são: DF 420, DF 215, DF 150, DF 425 e BR 020.

principais desafios Por estar em área de preservação ambiental, requer mais ateção em relação
as novas ocupações irregulares. Outro desafio é a aprovação do Projeto
Urbanístico URB 111 que já foi feito porém aguarda a avaliação da Central
de Aprovação de Projetos (CAP).

inauguração Março de 2016

equipe coordenação arq. urb. Jessica Spehar // mar 2016 - dez 2018

estagiárias Naiara Farias

principais atividades /ações urbanas comunitárias /projeto urbanístico /regularização fundiária


HISTÓRICO
Buritizinho, situado na Região Administrativa de Sobradinho II – RA XXVI,
é composto pela Área de Regularização de Interesse Social (ARIS) da URB
111/2009, constituída pelas quadras 1, 2 e 3 – conjunto N. Atualmente, passa
por um processo de revisão por parte da Codhab, para posterior regularização.
A região é majoritariamente residencial, composta por 1.364 lotes desse tipo,
todos do Governo do Distrito Federal. As obras de drenagem e pavimentação
foram finalizadas em 2017.

Também faz parte da região a URB 099/2009, que foi ocupada a partir da
remoção de famílias da Vila Rabelo. Essa região é constituída pelos demais
426 427
conjuntos da quadra 3 e pelas quadras 4 e 5, cujo projeto encontra-se ainda
em processo de regularização. O principal problema é que o parcelamento
dessa área não faz parte da ARIS, ou seja, para dar andamento ao processo,
o Plano Diretor de Ordenamento Territorial precisaria passar por uma nova
revisão ou aprovação de Lei Complementar para que as duas áreas compo-
nham o mesmo projeto de regularização.
Área de Regularização de Interesse Social - ARIS
Áreas de atuação da CODHAB, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Novas Áreas de ZEIS

A CODHAB Voluntários e comunidade local durante AUC, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
NA COMUNIDADE
O Posto de Assistência Técnica da Codhab iniciou seus trabalhos com a co-
laboração de um morador local que cedeu temporariamente um cômodo de
sua residência, situada na QR 3. Durante esse período, foram desenvolvidas
atividades como acompanhamento de obras de infraestrutura – drenagem
e pavimentação –, estudo preliminar de projeto de melhorias habitacionais
por demanda espontânea, mobilização social e demais assuntos relativos
ao local, além das Ações Urbanas Comunitárias (AUCs). Essas últimas, de
iniciativa da Companhia, contaram com o apoio de diversos órgãos e da
comunidade, para revitalização de espaços urbanos – praças e fachadas –,
aconteceu na Praça do Ipê, da quadra 04.

Também foi possível auxiliar o processo de regularização, realizado pela


Diretoria de Regularização de Interesse Social da Codhab, o que foi muito
positivo para a região. Cerca de mil moradores receberam as escrituras
públicas de reconhecimento de ocupação de suas moradias.
HISTÓRICO DA AÇÕES URBANAS COMUNITÁRIAS
ASSISTÊNCIA TÉCNICA NA ÁREA
AÇÕES URBANAS COMUNITÁRIAS #6, #7 E #9
Junho e Julho de 2016

O posto de Buritizinho prestou serviços técnicos Devido à sobrecarga da equipe do posto, tendo As primeiras Ações realizadas em Buritizinho foram divididas em três etapas,
à comunidade, de março a outubro de 2016. Ini- que dividir a atenção entre Buritizinho e a Fercal, com a intenção de qualificar um espaço que estava abandonado e transfor-
cialmente, a Codhab contou com a ajuda do líder onde iniciou-se as obras do programa de Melho- má-lo em uma praça. Dessa forma, foi feito o projeto da Praça do Ipê, situada
comunitário local, o morador Jedson da Silva Nas- rias Habitacionais, optou-se por fechar o posto de na QR 4, com área de aproximadamente quatro mil metros quadrados. Os
cimento, que cedeu a garagem de sua residência, Buritizinho no final de 2016. Além disso, o bairro de moradores foram convidados a transformarem de forma colaborativa suas
localizada na QR 3, próxima ao canteiro de obras, Buritizinho passou por um processo de substitui- casas, em um grande mutirão de pintura das fachadas ao redor da praça.
428 429
para abrigar a equipe. Sob a coordenação da ar- ção da população de baixa renda, que viram seus
quiteta Jessica Spehar – também coordenadora lotes valorizados após as obras de infraestrutura Na Ação do dia 18 de junho, foram pintados cerca de 120 metros quadrados
das atividades na comunidade da Fercal –, com urbana, os venderam e saíram do local. Concluídas de fachadas. No dia 25 de junho, o trabalho com a pintura das fachadas foi
a contribuição das estagiárias Gabriela Heusi e as obras de drenagem e pavimentação, a principal continuado, contando com 30 participantes e 240 metros quadrados de novas
Naiara Farias, o Posto realizou estudos iniciais para demanda no Buritizinho era de escrituração. cores nas fachadas. Já no dia 2 de julho, além do eixo mencionado, também foi
residências, atendendo a demandas espontâneas, realizados um parquinho infantil com espaço para artistas criarem exposição
além de realizar Ações Urbanas Comunitárias, com as peças e painéis produzidos para o local. Foram reutilizados pneus,
responsáveis pela qualificação de algumas áreas manilhas e paletes doados. O evento contou com atividades educativas para
da região. as crianças e a ajuda de 150 participantes. Essas etapas geraram grandes
resultados para a comunidade e beneficiaram aproximadamente 1.600 pes-
Posto de Assistência Técnica da Vila Buritizinho, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB soas. Depois do fim da Ação, os moradores se organizaram e prosseguiram
com algumas melhorias urbanas.

Participação das crianças


durante AUC #9, 2016
Fonte: Acervo Equipe
de Assistência Técnica CODHAB
Participação da comunidade na confecção da Praça do Ipê - AUC #9 Participação das crianças na AUC #9
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Local da Praça do Ipê antes da Ação, 2016 Praça do Ipê finalizada, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
INFRAESTRUTURA
URBANA
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #26
Novembro de 2016

Ocorrida na QR 3 – conjuntos E e F, a Ação visou a realizar o paisagismo No período em que o Posto esteve ativo, também foram desenvolvidas ati-
em um espaço sem ocupação pública. No mutirão, foi realizado o plantio vidades de acompanhamento de obras de infraestrutura no local, por meio
de mudas de árvores, hortaliças e mudas de flores; a implantação de uma de reuniões semanais com o órgão executor e os demais envolvidos no
horta; e a aplicação de grama. Foi também proposta a pintura de um painel processo. Foi feito o acompanhamento das obras de drenagem das águas
artístico de cem metros quadrados durante a Ação, que contou com a ajuda pluviais e da pavimentação, com limpeza e desobstrução de algumas áreas.
de cerca de 20 participantes.

Ação Urbana Comunitária #26 - Instalação de canteiros, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Referências

COMPANHIA de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal.


RA 26 – Sobradinho II – ARIS Buritis – quadras 1 e 2 e quadra 3 conj. N.
Disponível em: <https://goo.gl/gvpztU>. Acesso em agosto de 2018.

COMPANHIA de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal.


RA 26 – Sobradinho II – ARIS Buritis – quadras 3, 4 e 5.
Disponível em: <https://goo.gl/mRoq9p>. Acesso em agosto de 2018.

SECRETARIA de Estado de Gestão do Território e Habitação. Geoportal – mapa de Buritizinho.


Disponível em: <https://goo.gl/vzBvE9>. Acesso em agosto de 2018.
FERCAL
FERCAL / DF

30 km
FERCAL
FERCAL / DF
FERCAL
FERCAL / DF

por Jéssica Spehar

início da ocupação 1956 (dado do PAT)


população 8.746 habitantes (PDAD 2015) // 32.096 (ADM XXXI)
438
área 1.134 ha (DIUR/2017)
densidade 28 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal R$ 625,64 per capita (PDAD 2015)

potencialidades Está situada na APA Cafuringa, uma região muito rica em recursos minerais
e que se destaca pela beleza geográfica e outras riquezas naturais e cultu-
rais que servem de atrações turísticas. Considerada a “1ª Cidade Operária
do Distrito Federal”, Empresas produtoras de cimento, usinas de asfalto e
derivados, dentre outras, contribuem com a oferta local de emprego e com o
crescimento econômico da região, resultando em uma das maiores geradoras
de impostos do Distrito Federal.

principais desafios O Projeto de Regularização Fundiária, uma das principais demandas da


comunidade, enfrenta diversos entraves tais como a questão fundiária, uma
vez que as Áreas de Interesse Social Urbana estão, em sua maioria, em áreas
consideradas particulares, não possui levantamento topográfico e também
por estar em sua maioria em Área de Risco, não só devido a sua característica
territorial mas por estar em área de grande indice de poluentes consequente
das fábricas e ao transporte de caminhões na região.

inauguração Março de 2016

equipe coordenação arq. urb. Jessica Spehar // mar 2016 - atual

estagiárias Gabriela Heusi, Amanda Figueiredo e Giovana Azevedo

voluntária Amanda Figueiredo

principais atividades /ações urbanas comunitárias /melhorias habitacionais


/apoio em projeto urbanístico
HISTÓRICO

Com 63 anos completados em 11 de setembro de trativa (RA) de Sobradinho – das quais seis são
2019, a Fercal está situada na Região Administrativa rurais. Em 2001, foi criada a RA XVI (Sobradinho
XXXI, próxima a Sobradinho. A área é marcada por II), e suas terras passaram a compor a cidade da
suas riquezas naturais e culturais, assim como pelas Fercal, que se tornou sede da RA XXXI a partir da
fábricas produtoras de cimento, que impulsionaram Lei nº 4.745, de 2012.
sua ocupação.
Segundo os dados da Pesquisa Distrital por Amos-
440 441
O turismo local, ainda tímido e pouco explorado, tra de Domicílios (PDAD) de 2015, realizada pela
conta com cachoeiras, trilhas, córregos, turismo Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), a
rural e ecovilas, além de alguns eventos tradicionais população urbana estimada era de 8.746 habitantes,
como a Folia de Reis, a Folia do Divino, os Arraiais, possuindo a menor renda per capita – R$625,64 –
a Festa da Pamonha e a Feira de Empreendedores dentre as 16 regiões administrativas analisadas.
e a de Produtores Rurais. Essas festividades bus- Em relação aos trabalhadores residentes nessa
cam também resgatar e preservar culturas, como comunidade, 53,64% trabalhavam na própria Fercal,
o Grupo das Rezadeiras, os Grupos de Catiras e os 15,04%, no Plano Piloto e 11,85%, em Sobradinho.
Grupos de Cavalgadas. As demais regiões administrativas recebem parce-
las pouco significativas de trabalhadores oriundos
Pela abundância de recursos minerais encontrados dessa comunidade, assim como o Plano Piloto – ca-
em seu território, como é o caso do calcário, sua racterística muito peculiar, se comparada às demais
principal atividade econômica é extrativista. Orga- cidades do DF –, uma vez que tais trabalhadores
nizações produtoras de cimento, usinas de asfalto recorrem primeiramente a Sobradinho para atender
e derivados, dentre outras, contribuem para a oferta a suas necessidades básicas.
local de emprego e resulta em uma das maiores
gerações de impostos do Distrito Federal. A grande responsável por esse dado é a oferta de
empregos gerada pelas fábricas da região, igual-
A Fercal colabora, ainda, para o abastecimento de mente causadora da ocupação progressiva. Tal
Fercal, 2015
produtos agrícolas nas feiras da própria região e ocupação formou-se inicialmente pela chegada Fonte: Joana França - Acervo CODHAB
de Sobradinho I, Sobradinho II, Grande Colorado constante de migrantes, em sua maioria nordesti-
e Centrais de Abastecimento do Distrito Federal nos, buscando por trabalho e melhores condições
(Ceasa-DF). de vida – o que posteriormente provocou um cres- Atualmente, de acordo com a Administração Regional da Fercal, a região
cimento urbano desordenado. Além do contexto conta com os seguintes órgãos governamentais: dez escolas públicas, das
Trata-se de um local que tem como característica urbanístico inadequado, a região é considerada quais uma atende do 6º ao 9º ano e ensino médio, outra do 1º ao 9º ano, e as
particular a familiaridade entre habitantes, comu- imprópria para habitação, por estar em área de demais do 1º ao 5º ano; uma praça com espaço de eventos; um campo de
nidade escolar, empreendedores locais, líderes preservação ambiental e área de risco, estando grama sintética; seis quadras de esporte; quatro postos de saúde; um Centro
comunitários e governo. A cidade, que margeia também sujeita a grande poluição, devido à proxi- de Referência em Assistência Social (CRAS); um posto policial; uma feira livre;
as rodovias DF-150 e DF-205, é composta por 14 midade das fábricas de cimento, o que representa e uma feira cultural, que funciona todas as sextas-feiras à noite.
comunidades que pertenciam à Região Adminis- uma séria ameaça à saúde dos moradores.
A CODHAB
NA COMUNIDADE

De acordo com o Estudo Técnico 05/2017 para Diretrizes Urbanísticas do Setor


Habitacional Fercal, elaborado pela Secretaria de Estado de Gestão do Território
e Habitação (Segeth), as Áreas de Regularização de Interesse Social (ARIS)

442 443
[...] inseridas no setor Habitacional da Fercal são
caracterizadas por uma malha urbana irregular
e desconectada, com usos predominantemente
residenciais e a presença de alguns comércios
locais. O parcelamento irregular é desprovido de
infraestrutura urbana adequada, apresenta em sua
maioria, ruas não pavimentadas ou com pavimen-
tação precária além da inexistência de calçadas,
ciclovias e áreas livres públicas urbanizadas. (p. 9)

Na Fercal há uma baixa tendência a verticalização, usos predominantemen-


te residenciais e presença de poucos comércios locais. É notável, ainda, a
ocupação desenfreada de áreas de risco, a despeito do relevo acidentado. A
ocupação de áreas de preservação ambiental também se destaca, por serem
constituídas de grandes recursos minerais e hídricos. As consequências pa-
tentes dessa ocupação são a poluição de córregos, a extinção de nascentes,
a contaminação do lençol freático – uma vez que a Fercal não possui sistema
de esgotamento, sobrecarregando o solo com fossas negras –, o acúmulo de
lixos, o esgoto a céu aberto, as constantes queimadas – devido à queima de
lixos em lugares impróprios – e a péssima qualidade do ar – em decorrência
da presença de indústrias poluentes, do grande fluxo de veículos pesados
movidos a diesel e da ressuspensão de poeiras.

O projeto de regularização fundiária, uma das principais demandas da co-


munidade, não foi iniciado devido a diversos entraves. As áreas de interesse
social urbanas localizam-se em sua maioria em regiões particulares e, além
disso, não se tem até o presente momento o levantamento topográfico da
região. Vale lembrar que o estudo ambiental, necessário ao andamento do
Fercal, 2015
processo, também não foi realizado. Fonte: Joana França
Em fevereiro de 2014, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab)
solicitou à Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) infor-
mações sobre a situação fundiária para dar início à demarcação urbanística,
ainda sem sucesso. Essa solicitação se deu a fim de que, posteriormente, a
companhia possa realizar a contratação de empresa responsável pela ela-
boração de projeto de regularização fundiária para as áreas desapropriadas.
Apesar de todos esses obstáculos, um avanço alcançado recentemente foi a
aprovação das Diretrizes Urbanísticas (DIUR) 05/2017 da Fercal pela Portaria
nº 105, de 03 de agosto de 2017. Elaboradas pela Segeth, tais diretrizes visam
a orientar ações no sentido de promover a ocupação ordenada do território,
fundamentada pelas Diretrizes Urbanísticas no Plano Diretor de Ordenamento
Territorial do Distrito Federal (PDOT).
444 445

Ainda segundo o Estudo Técnico elaborado para as DIUR do Setor Habita-


cional Fercal,

Dada a sensibilidade da região, verificou-se a necessidade de conclusão de es-


tudos abrangentes que atestem a qualidade do ar do Setor como um todo e que
estabeleçam critérios de desenvolvimento sustentável tanto para a ocupação
Fercal, 2017
urbana quanto para as fábricas de cimento e usinas de concretagem visando a Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
compatibilização das atividades econômicas existentes e a qualidade de vida
da população da Fercal. Desta forma, é importante que as Diretrizes Urbanís-
Fercal, 2017
ticas para o Setor Habitacional Fercal, aqui expostas, fiquem condicionadas Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
à elaboração de Estudo Ambiental que indique critérios acerca da densidade
populacional possível para os parcelamentos, que defina os limites e raios
de restrição à implantação de Equipamentos Públicos Comunitários – EPC e
que aponte as restrições quanto à ocupação urbana no entorno das fábricas
ali existentes. (p. 33)

Assim, as aprovações de projetos de novos parcelamentos de solo urbano


inseridos no Setor Habitacional Fercal só devem ocorrer mediante a conclu-
são do estudo ambiental, a ser elaborado pelo parcelador, e que contenha
as informações acima dispostas.

Em suma, apesar de ter quase a idade da capital, ações governamentais


efetivas são ausentes na região, que se encontra atualmente em situação
precária, dificultando o avanço desejado na infraestrutura. Apenas em 2016,
com a presença do Posto de Assistência Técnica (PAT) da Codhab, realizou-se
um trabalho mais concreto, principalmente por meio dos programas Melhorias
Habitacionais e Ações Urbanas Comunitárias.
ASSISTÊNCIA TÉCNICA

A instalação do Posto contou inicialmente com a ajuda da Administração


Regional local, que lhe cedeu uma pequena edícula de madeira situada no
Engenho Velho, ao lado do CRAS. Esse local esteva sob a coordenação da
arquiteta Jessica Spehar – também coordenadora da Área de Regularização
de Interesse Social (ARIS) Buritizinho, situada em Sobradinho II – até outubro
de 2016, e contou com a essencial colaboração das estagiárias Gabriela
Heusi e Naiara Farias.

446 447
Constantes episódios de furto dos equipamentos ocorreram, tornando-se
necessário mudar o local de trabalho. Por fim, o escritório esteve em um
contêiner – ainda sem a infraestrutura ideal – localizado na Praça do Engenho
Velho e voltado para a rodovia DF-150, trazendo mais visibilidade à presença
da companhia e maior segurança aos serviços prestados.

Um dos grandes desafios de atuar na região foi desfazer, infelizmente, a


Antiga instalação do Posto de Assistência Técnica no Engenho Velho, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB expectativa criada pelos moradores de que com a presença da Codhab seria
realizada a tão esperada regularização. Em decorrência da distribuição demo-
gráfica, foi um trabalho constante manter aproximação com as lideranças,
Instalação do Posto de Assistência Técnica em contêiner, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB dispersas e não tão ativas, das diversas comunidades que compõem a ARIS
da Fercal. Isso reforça o dado fornecido pela PDAD em 2015, segundo o qual
a participação da população da RA XXXI nos movimentos sociais é pouco
expressiva: apenas 4,2% dos moradores afirmaram participar de sindicatos
ou associações.

Dentre os serviços técnicos prestados esteve o programa Melhorias Habita-


cionais, cujo objetivo principal é o atendimento a famílias que construíram
suas residências de maneira informal, com insegurança e insalubridade para
seus ocupantes, e que não dispõem de meios ou recursos para qualificar
sua moradia. Pretende-se, assim, promover a participação social e a devida
orientação técnica à sociedade, visando à regularização edilícia da habitação.

Contando com a participação da equipe técnica da companhia, bem como


da comunidade e de voluntários, o Programa Ações Urbanas Comunitárias
constituiu outra frente de trabalho para qualificar espaços urbanos residuais,
realizar o plantio de mudas – proporcionando melhor conforto térmico – e
criar mobiliário urbano utilizando materiais recicláveis. Existe ainda o eixo Se
Essa Rua Fosse Minha, com a pintura das fachadas – trazendo mais cores à
área residencial – e a confecção de painéis artísticos nas paradas de ônibus.
Ao longo do trabalho, almejou-se alcançar como benefícios a redução de
fatores de risco à saúde e ao bem estar da população; a otimização e qua-
lificação de uso do espaço residencial e público; a promoção da ocupação
ordenada, diminuindo o risco de surgimento de novas invasões; a qualifica-
Obra do programa Melhorias Habitacionais na Fercal, 2018
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB ção da ocupação do sítio urbano; e a conscientização da sociedade quanto
à necessidade de contar com um profissional técnico especializado para a
elaboração de projetos e execução de obras.

A fim de registrar a vivência do posto da Codhab na comunidade, desenvol-


veu-se o Livro de Memórias da Fercal. Trata-se de uma compilação de todos
os momentos de intervenção vivenciados entre a companhia e a população,
com fotos, histórias, experiências e depoimentos, tanto dos moradores
448 449
beneficiados quanto dos profissionais envolvidos nas atividades. A ideia foi
distribuí-lo à comunidade, com o propósito de apresentar o trabalho realizado
e de que dessa divulgação surjam novas possibilidades de interagir com a
população. Consiste também em uma forma de transparência quanto aos
serviços prestados, além de um agradecimento pelas parcerias e momentos
tão importantes para a Codhab na Fercal.

Ação Urbana Comunitária na Fercal, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
MELHORIAS
HABITACIONAIS

Proposto pela Codhab, o programa Melhorias Habitacionais visa à execução


de projetos e obras de reforma para edificações insalubres ou em estado
450 451
de habitabilidade precário, proporcionando aprimoramentos à qualidade de
moradia das famílias contempladas. O atendimento dessa frente é elaborado
pelo Programa de Assistência Técnica, cujas diretrizes gerais foram estabe-
lecidas pela Lei Federal nº 11.888/2008:

O direito à assistência técnica [...] abrange todos os


trabalhos de projeto, acompanhamento e execução
da obra a cargo dos profissionais das áreas de ar-
quitetura, urbanismo e engenharia necessários para
a edificação, reforma, ampliação ou regularização
fundiária da habitação. (Art. 2º, § 2º, inc. I)

Ainda segundo essa lei, as famílias com renda mensal de até três salários
mínimos, residentes em áreas urbanas ou rurais, têm direito a assistência
técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de
interesse social, para sua própria moradia.

Tendo em vista esses parâmetros, em outubro de 2016 foi iniciado na Fercal


o referido programa, com a atuação da empresa vencedora da licitação, cujo
contrato teve como objetivo a prestação de serviços de arquitetura, enge-
nharia e assistência social. Intervindo em uma área com total estimado de 2
mil metros quadrados (significando, aproximadamente, projetos de reforma
de 50 habitações).

As atividades desempenhadas na Fercal simbolizam uma ação governamental


inovadora, tanto por ser essa uma das primeiras comunidades a receber o
projeto piloto, quanto pela presença do Estado, até então ausente. Para que a
meta pudesse ser atingida, a equipe do posto, por meio da arquiteta Jéssica,
acompanhou o processo de desenvolvimento dos projetos e a execução das
Caso Maria Helena: troca de telhado durante obra, 2017
obras dessas residências. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Após a instalação do escritório na comunidade, o programa foi divulgado As dificuldades encontradas foram muitas. Inicialmente, por ser um programa
em diversos canais de comunicação, como cartazes, panfletos e carros de inovador, não havia diretrizes e metodologias definidas, as quais tiveram de
som, mas sua maior divulgação foi “boca-a-boca”, principalmente quando ser aprimoradas no decorrer dos projetos mediante muitos erros e acertos
foram executadas as primeiras obras. Os interessados buscam o escritório de todos os envolvidos, atrasando o cumprimento da meta. Outro entrave
para conhecer melhor o programa, fazer a inscrição e levar a documentação encontrado se deve ao fato de que a área é passível de regularização, ou
exigida. Preenchidos os critérios sociais, as famílias recebem a visita da as- seja, ainda sem documento legal dos imóveis. Existem apenas registros,
sistente social, que analisa a situação da família e faz um parecer conclusivo. quando muito, da Certidão de Compra e Venda do lote. Para atender ao
A próxima etapa é uma visita técnica da arquiteta, que avalia a situação da edital, resolveu-se pela assinatura de termos que comprovem a ocupação
moradia, sobretudo o atendimento aos critérios de segurança e salubridade. de boa-fé. Também era comum o fato de muitos moradores demorarem a
entregar toda a documentação exigida, atrasando a habilitação que permite
A maioria dessas casas é caracterizada pela falta de estrutura, ventilação continuar com as demais etapas do processo.
e iluminação, além da presença de infiltrações, mofos e de coberturas e
452 453
fossas danificadas. Falta de caixa d’água, cômodos pequenos, rachaduras A Fercal, por possuir topografia muito peculiar, com relevos acidentados – se
e falta de acessibilidade, dentre outros problemas, são recorrentes. Esse comparada às demais ARIS –, teve de passar por levantamento técnico mais
contexto é desafiador para o profissional, pois é preciso projetar melhorias aprimorado e cuidadoso. Muitas casas estão em áreas de risco e próximas de
em habitações tão precárias com orçamento limitado – a princípio de 10 córregos, impossibilitando muitas vezes o recebimento do benefício, cabendo
mil reais, incluindo mão de obra, material e benefícios e despesas indiretas, apenas a ação da Defesa Civil. Sobre esse órgão, vale destacar a atividade
o que era pouco significativo diante do cenário encontrado. Sendo assim, o realizada na Fercal quanto ao levantamento e à atualização de zonas de áreas
limite foi alterado para R$13.500 posteriormente, permitindo ampliar a área de risco na RA XXXI. A Codhab foi convidada a colaborar com esse trabalho
de intervenção, ainda que não fosse o orçamento ideal para se alcançarem uma vez que conheciam os endereços após vivência e imersão no local.
as melhorias necessárias.
É importante salientar a relevância de se ter na equipe um assistente social,
Para facilitar o entendimento dos moradores quanto ao projeto, são utilizadas assim como prevê a Lei de Assistência Técnica, pois esse profissional tem
diversas ferramentas, como linguagem técnica simplificada e mais acessí- a sensibilidade necessária para lidar com a comunidade, seja no sentido
vel, utilização de maquete eletrônica e memorial descritivo mais objetivo e de amparar pessoas que, de alguma forma, não têm acesso a cidadania e
claro. Apesar de todos esses cuidados e depois de repetidas explicações, moradia digna, seja na mediação de conflitos em relação ao programa, entre
durante a obra há muitos pedidos de mudanças pelo beneficiário, atrasando outras demandas espontâneas. Lucimar, assistente social, notou a quanti-
o cronograma da empresa executora – que só tem sua nota fiscal atestada dade significativa de moradores desempregados da região, que ou estavam
para pagamento mediante a conclusão das obras previstas em seu contrato. inscritos no programa habitacional ou apenas recorriam ao escritório em
Além disso, é gerado um retrabalho para a empresa responsável pelo projeto, busca de oportunidades de emprego. Sendo assim, criou um banco de dados
impactando, consequentemente, a produção de novos projetos. Foi necessá- desses interessados e repassou às empresas responsáveis pelas execuções
rio, portanto, realizar reuniões antes da obra e durante sua execução, com a das obras, o que viabilizou a contratação de quatro moradores da Fercal. Ou
presença da fiscal de contrato e das empresas licitada e credenciada, a fim seja, o programa tem capacidade não apenas de melhorar a qualidade da
de alinhar estratégias e melhorar o diálogo com os moradores. Um exemplo moradia, mas também de fomentar a economia local.
das técnicas adotadas é visitar a casa antes da execução e explicar o projeto
espacialmente, por meio de desenhos feitos com giz no chão, de modo a O interessante desse trabalho é não apenas colaborar com a comunidade,
demonstrar o que foi planejado e atingir a satisfação da família. mas também poder compartilhar a experiência vivida com profissionais e
estudantes da área, de modo a promover o estudo e contribuir com a arqui-
tetura social.
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Caso Maria Nair: fachada antes e depois da obra


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
MARIA NAIR

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Caso Nair:
1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
VERACI DOS SANTOS

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Caso Veraci:
1 2 5m Levantamento cadastral e projeto (à esquerda) e casa antes e depois da obra (acima)
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
AÇÕES URBANAS
COMUNITÁRIAS

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AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #17
Setembro de 2016

A primeira Ação Urbana Comunitária da Fercal teve um foco ambiental de muita


importância para a região. O problema do lixo e do esgoto é muito recorrente
nessa área, e a necessidade de buscar soluções adequadas é fundamental
para gerar espaços públicos agradáveis e salubres – foco do Programa de
Ações Urbanas da Codhab. A Ação #17 foi promovida em uma localização
importante e de significativa vulnerabilidade ambiental. Nesse contexto, em
parceria com a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico
do Distrito Federal (Adasa), foi realizada no dia da Ação uma palestra intitulada
“Monitoramento dos corpos hídricos do Distrito Federal – Bacia do Maranhão”,
para fornecer embasamento sobre os principais conceitos atrelados a essa
iniciativa e conscientizar a respeito da importância do desenvolvimento das
atividades propostas.

Diante disso, foi sugerida para essa Ação uma oficina de fossa sustentável,
constituída por três módulos. O primeiro funciona como sumidouro, o segundo
como fossa e o terceiro como reservatório de água parcialmente tratada, po-
dendo ser reutilizada para lavar garagens, carros e aguar o jardim. Os passos
seguidos durante o processo construtivo da fossa foram: execução da vala
com retroescavadeira; desativação da fossa antiga e conexão até a nova;
execução do desnível do piso e posicionamento dos pneus; perfuração dos
pneus, colocação da manta aluminizada entre eles. Esse processo se repetiu
nos dois outros módulos, até a finalização da fossa. A proposta do projeto
é tornar viável à própria comunidade executar a fossa sustentável em sua
casa, com um mínimo de recurso, e economizar água. Todo o trabalho foi
possível em uma parceria com funcionários da Administração Regional local.

Oficina para construção de fossa sustentável, 2016


Fonte: Mariana Bomtempo
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Ação Urbana Comunitária para construção de fossa sustentável, 2016


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
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Revitalização de parque feita pela equipe CODHAB com ajuda de crianças da comunidade, 2017 Revitalização de parque feita pela equipe CODHAB com ajuda de crianças da comunidade, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Resultado de Ação Urbana Comunitária, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #33


Março de 2017

A ideia para esta ação foi qualificar a praça do ponto Nessa Ação, em especial, a presença das crianças
de encontro comunitário (PEC) da comunidade Alto da comunidade foi bem intensa, o que favoreceu
Bela Vista na Fercal e, consequentemente, fazer a execução de propostas mais lúdicas para a re-
com que a mesma voltasse a ser utilizada, visto vitalização da área. Alguns voluntários também
que estava totalmente degradada e já sem utilidade contribuíram positivamente para que os resulta-
para a população. Dessa forma, foram propostas dos fossem alcançados, algo muito significativo
a limpeza da praça, localizada na rua principal da para uma ação comunitária que visa à interação
comunidade, em situação crítica e utilizada como de pessoas de fora e de dentro da comunidade.
depósito de lixo das casas do entorno; a poda da
vegetação da área; a pintura do mobiliário, das
calçadas de acesso, da escada e das muretas
do campo de futebol e do parquinho; a pintura
de um painel na fachada de maior visibilidade da
praça; a restauração do parquinho; e a retirada dos
equipamentos danificados do PEC.
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #39
Abril de 2017

A proposta da Ação #39, instigada pelo programa distrital Cidades Limpas, foi
promover uma intervenção na praça do Engenho Velho – a de maior visibilida-
de na Fercal –, que fizesse com que as melhorias executadas abrangessem
toda a comunidade. Tal objetivo se fez presente, porque essa praça contém
equipamentos públicos e instituições que atendem a toda a RA, como a Admi-
nistração, o posto policial, o posto da Codhab, as vias comerciais e as paradas
de ônibus de maior conectividade. Assim sendo, foi proposta a pintura dos
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mobiliários da praça (13 bancos e 6 conjuntos de mesas e bancos); a pintura
do piso do pergolado e das calçadas das áreas de lazer (parquinho e PEC); e
a reforma das três paradas de ônibus da rodovia DF-150, que atendem a essa
área. Além da equipe da assistência técnica, a participação dos voluntários
e moradores da comunidade foi acentuada e de grande importância para o
desenvolvimento das atividades de forma satisfatória.

Pintura de mobiliário durante AUC, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Revitalização de parada de ônibus durante Ação Urbana Comunitária, 2017 Resultado de pintura no piso após AUC, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #51 E #52
Agosto de 2017

O foco desta Ação Urbana se baseou no eixo Se essa Rua Fosse Minha,
abarcando a qualificação da rua principal da Fercal II e da praça do Pon-
to de Encontro Comunitário (PEC), adjacente a essa mesma rua, e, ainda,
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a pintura das duas paradas de ônibus que mais atendem à comunidade.
Nessa etapa, foram executados o reboco e a pintura de 20 fachadas da rua
principal, que estavam em situação mais crítica, além da limpeza da rua e
pintura de meio-fio, fornecendo conforto e bem-estar aos transeuntes da
via de fluxo mais intenso da Fercal II. A praça do PEC, localizada no meio da
rua principal, também passou por mudanças e teve sua revitalização feita a
partir da limpeza e poda da vegetação, da pintura de painéis nas fachadas
mais imponentes da área – sendo um deles todo feito pelos moradores da
comunidade – e da construção de mobiliário com paletes doados pelas
fábricas a uma moradora.

Para fortalecer a interação com a comunidade, foram desenvolvidas ativi-


dades culturais com o intuito de entreter crianças e adultos da região, entre
um trabalho e outro, com danças, oficina de nó ministrada pelos escoteiros,
oficina de pipa, cinema ao ar livre e reuniões sobre o andamento da Ação,
sendo a maior parte dessas atividades promovida pela Secretaria de Segurança
Pública do Distrito Federal. Para que tudo acontecesse conforme o descrito,
foi de grande importância a contribuição dos moradores da comunidade e
do grupo de escoteiros, que ajudaram com mão-de-obra para as pinturas e
para a construção dos mobiliários; já a limpeza do espaço público foi pro-
porcionada pela Administração Regional da Fercal.

Pintura de painel artístico durante Ação Urbana Comunitária, 2017


Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
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Pintura de fachadas e de painel artístico durante Ação Urbana Comunitária, 2017


Fonte: Luiz Eduardo Sarmento
AÇÃO URBANA COMUNITÁRIA #58
Novembro de 2017

O foco da Ação #58 desenvolvida na Fercal estava na revitalização das pa-


radas de ônibus da rodovia DF-150, como continuação do projeto Circuito
das Paradas da Fercal.

Nesse contexto, foram escolhidas as duas paradas referentes à comunidade


da Expansão da Fercal, um pouco abaixo da Administração da cidade. As
pinturas das mesmas foram feitas com o apoio da equipe da Codhab e de
voluntários e moradores da comunidade, que encontraram, nessa interação,
uma motivação em comum: a busca por melhorias que favorecessem o dia
472 473
a dia da população. As atividades foram desenvolvidas com satisfação e o
resultado foi muito positivo.

Revitalização de parada de ônibus, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Equipe CODHAB e voluntários após conclusão de pintura de parada de ônibus, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Revitalização de
parada de ônibus, 2017
Fonte: Acervo Equipe de
Assistência Técnica CODHAB
CIRCUITO DAS
PARADAS DA FERCAL

Durante o processo de desenvolvimento das atividades do posto da Codhab


na Fercal, foi possível observar como a rodovia DF-150 exerce grande influ-
ência na trajetória de crescimento e expansão da cidade e no cotidiano dos
moradores. Seus efeitos se estendem à interação dessa comunidade com
as outras regiões do Distrito Federal e às demais dimensões favorecidas
por esse contato. Diante disso, foi elaborado pelo PAT da Codhab na re-
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gião um projeto denominado Circuito das Paradas da Fercal. O objetivo era
melhorar – tanto em termos de conforto quanto visualmente – as paradas
da rodovia que dá suporte à população que percorre esse trajeto e utiliza o
abrigo, bem como gerar pontos de referência nesse percurso que conecta
a região como um todo.

Das 13 paradas de ônibus selecionadas para esse projeto, 11 foram pintadas.


Para sua execução, a pintura das mesmas foi incorporada às atividades
realizadas pela equipe da Codhab e por voluntários nas Ações Urbanas
Comunitárias. Assim, a interação com a comunidade proporcionada pelas
atividades do posto foi intensificada por meio desse projeto, cujo resultado é
de uso e interesse geral da própria população. Os efeitos foram satisfatórios
e proveitosos, e a todo tempo é possível observar pessoas utilizando paradas
mais agradáveis e confortáveis, à espera dos ônibus. Os interessados também
zelam por esse espaço, não permitindo a colagem indevida de panfletos que
danifiquem o trabalho realizado.

DF 150
ARIS
paradas a revitalizar
Mapa do Circuito das Paradas da Fercal, 2017
paradas revitalizadas Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Nesse cenário, é importante reforçar o interesse manifestado por outras
regiões da Fercal na revitalização de suas paradas internas (fora da rodovia
DF-150). É o caso do pedido feito ao PAT por parte da liderança da Rua do Mato,
direcionado às paradas de ônibus dessa comunidade, onde recentemente o
artista brasiliense Toninho de Souza havia feito trabalho semelhante. Porém,
dado o uso de colagem, o trabalho desfez-se em pouco tempo, devido ao tipo
de técnica artística. Sendo assim, a coordenação do PAT entrou em contato
com Toninho e, pelo intermédio da vontade local, firmou-se uma parceria para
a pintura das três paradas de ônibus. Todos colaboraram: artista, comunidade
e governo. Tal interesse demonstra que o projeto estava alinhado às reais
necessidades dos moradores locais.

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Para complementar o projeto, foi desenvolvido o Manual das Paradas de
Ônibus, com o intuito de expor à comunidade o processo de revitalização
das paradas, por meio de um passo a passo que descreve cada uma de suas
etapas. A ideia é facilitar os meios para que essas qualificações possam ser
realizadas pelos próprios moradores em suas comunidades.

Parada de ônibus #11 revitalizada, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Parada de ônibus #12 revitalizada, 2017 Parada de ônibus #18 (Rua do Mato) revitalizada com mural do artista Toninho de Souza, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
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Parada de ônibus #15 revitalizada, 2017 Paradas de ônibus #9 e #10 revitalizadas, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Parada de ônibus #16 revitalizada com mural do artista Toninho de Souza, 2017 Parada de ônibus #17 revitalizada com mural do artista Toninho de Souza, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
É um grande desafio lidar com tamanha precariedade e não ter recurso suficiente O trabalho de estagiária no posto da Fercal me
para atender a todas as necessidades, como também é um grande desafio con- engrandeceu muito. Lembro que, quando entrei,
viver com as famílias, saber de suas histórias e lutas sociais, e não se envolver já tinha ideia de como seria, devido à experiência
emocionalmente. Por essas razões é que a Assistência Técnica proporciona não que tive como voluntária na Ação Urbana da Vila
só crescimento profissional, como também pessoal, uma vez que essas comu- Cauhy; mas foi muito mais gratificante do que eu
nidades carentes – de recursos e infraestrutura – são ricas em seus saberes, em poderia esperar. Estar todos os dias em contato
sua simplicidade e de experiências de vida, tendo muito a ensinar. com uma comunidade que precisa e anseia pelo
trabalho que está sendo feito é muito motivador.
– Jessica Spehar, arquiteta coordenadora do Posto Seja no programa de Melhorias Habitacionais, no
qual pude vivenciar o cotidiano de famílias com
realidades tão diversas e inspiradoras; nas Ações
Urbanas, em que experienciei a força de um traba-
lho em equipe por uma causa tão nobre; ou até no
480 dia a dia no posto, com a equipe da Codhab e da Ter a oportunidade de estagiar em um dos postos 481
Petrus, todos estes momentos marcaram muito a da Codhab foi um divisor de águas na minha vida.
minha trajetória e me fizeram acreditar na Arqui- Em um momento em que estava desesperançosa
tetura como ponte para a melhoria da qualidade com o curso de Arquitetura e Urbanismo, entre ou-
de vida de uma comunidade inteira. tras dúvidas internas, a vaga de estágio abriu meu
horizonte de formas inimagináveis. A própria rotina
– Giovana Azevedo, estagiária do Posto do local, lidar com as famílias da Fercal, conhecer
outra realidade e poder fazer a diferença, mesmo
que mínima, nesse processo foi maravilhoso. Me
fez crescer e renovar esse amor pela Arquitetura
e Urbanismo em que eu acredito. Nada paga os
cafezinhos da comunidade, as histórias contadas
nas visitas de campo e a gratidão imediata após
alguma intervenção.

– Gabriela Heusi, estagiária do Posto

Participar como voluntária das ações urbanas na Fercal foi muito inspirador.
Além de ter a oportunidade de trazer mais cor e mais identidade para a cidade,
o que mais me marcou na Ação em que pintamos duas paradas de ônibus na
DF-150 foi a contribuição do Wendel, um rapaz em regime semiaberto que está
em processo de ressocialização. Ele participou da pintura de uma das paradas
desde sua concepção e foi muito gratificante o orgulho e a felicidade dele ao
ver o resultado final! Acredito que esse processo de requalificação do espaço
urbano dê uma sensação enorme de pertencimento a quem realmente vive a
cidade no dia a dia, inspirando a população a cuidar cada vez mais do espaço
que é de cada um e de todos nós.

– Amanda Figueiredo, voluntária do Posto

Pintura de fachadas com crianças durante AUC, 2017


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Descrever a experiência da arquitetura social na Meu nome é Sebastião Rosa, tenho 65 anos e moro Uma casa nova é uma emoção muito grande. Era
região da Fercal é ir além da profissão e ter um na Fercal há 38. Vim de Minas Gerais pra Fercal, na o meu sonho ter a minha cozinha, minha casinha
olhar humano, rompendo com o afastamento social Minha experiência como assistente social no Pro- época uma área muito pequena, e o que me atraiu arrumada, que nunca dava pra eu fazer. Eu pedi
entre clientes populares e arquitetos. Deparei-me grama de Melhorias Habitacionais deu a mim a foram as fábricas de cimento e a oportunidade de muito a Deus e, de repente, Deus colocou as pes-
com diferentes realidades, no contexto social e apreensão da realidade social e de suas contradi- emprego. Consegui adotar essa cidade como um soas certas para fazer, e eu fui contemplada. É
cultural, que eram desconhecidas para mim. Pude ções. A equipe da Petrus Engenharia acompanhou local muito importante pra mim. Ainda trabalho na uma emoção muito grande, desculpa por eu chorar.
percebê-las com as visitas técnicas, a carência das desde o início o processo de reforma das casas região e agradeço muito por morar nessa cidade. Eu tenho muito a agradecer a vocês, todos vocês
famílias e a condição de suas moradias, e assim inscritas no programa, realizando visitas às obras Gostaria de ver essa cidade sendo boa pra morar, que vieram até aqui. Muito obrigada, Deus. E muito
comecei a aproximação com a comunidade e a e documentando da evolução. Como assistente bem bonita. Tenho que agradecer a pessoas como obrigada a vocês.
conhecer sua realidade. Lembro-me de que quan- social, também estive presente nesse acompanha- vocês, o pessoal da Codhab, por terem vindo aqui
do fiz a primeira visita técnica, a da cliente Veraci mento, possibilitando uma aproximação maior com fazer um trabalho maravilhoso. Gostaria que vo- – Veraci dos Santos,
do Santos, fiquei surpresa com as condições de as impressões que estes moradores estavam tendo cês continuassem, porque o que fizeram é muito moradora contemplada pelo
moradia, principalmente quanto à insalubridade. em relação à mudança antes, durante e depois das importante para a população e para a comunidade. programa Melhorias Habitacionais
482 Ela falou: ‘É o sonho da minha vida’. Então percebi obras de reforma, inclusive nas entregas de algu- Gostaria que a companhia mantivesse esse posto 483
a importância deste projeto para as pessoas que, mas obras já finalizadas. Presenciei as condições aqui, com vocês trabalhando. Eu passo sempre lá
devido à condição de vida, não teriam oportunidade. de moradia das famílias, seus desejos, sonhos e na minha comunidade, onde vocês fizeram o traba-
Em geral, o programa realizado pela Codhab propor- esperanças na reforma, e até mesmo o anseio por lho, cada tijolo daqueles que vocês rebocaram, as
cionou melhorias de habitações que mudam a vida uma casa nova e pela regularização fundiária. Por pinturas, os desenhos, a limpeza que foi feita, tudo
dessas famílias e também dos profissionais que fim, percebi o quanto essa profissão pode se tornar muito importante. Eu, como morador, só tenho a Ficou lindo! Uma maravilha. O banheiro ajudou
estão atuando, pois ajuda a ter empatia pelo outro. um diferencial na vida das pessoas que buscam agradecer a toda a equipe da Codhab. muito. Os movimentos que a Isabela não fazia
por mais cidadania. com uma mão, hoje ela já faz, porque ela quer
– Ludmilla Brito, – Senhor Tião, líder comunitário se banhar sozinha, pegando a mangueirinha do
arquiteta na Petrus Engenharia – Lucimar Fioravante, banheiro adaptado. As rampas ajudaram muito
assistente social na Petrus Engenharia também. Agora ela não tem mais que bater nas
pedras. Saindo do ônibus, a gente já entra direto em
As visitas às casas das famílias inscritas no progra-
casa. Eu agradeço muito a Deus e a vocês também!
ma Melhorias Habitacionais possibilitaram conhe- Arrumar o quarto dela, para ela ficar mais à vontade,
cer histórias muito inspiradoras dos moradores da era um sonho que eu queria realizar, mas eu não
Fercal. É o caso da Robênia, moradora do Queima sabia como. E aí chegaram todos vocês juntos e
Estagiei no programa desenvolvido na Fercal por quase um ano. O contato com
Lençol, que construiu, com ajuda da família, uma hoje ela tem o espaço dela, hoje ela sobe e desce
diferentes realidades e contextos sociais no programa Melhorias Habitacionais
casa de paletes para morar. Esse é um exemplo rampa. Muito bom!
foi enriquecedor e certamente marcou minha vida pessoal e profissional.
Como estudante de Arquitetura e Urbanismo, exerci diversas funções que muito motivador de como a comunidade da Fer-
cal se estrutura de forma consciente, com base –Antônia Miranda,
se diferem completamente da vivência dentro de um ambiente acadêmico.
moradora contemplada pelo
Não foi também uma simples experiência de escritório, com produção de em suas necessidades, aproveitando recursos
programa Melhorias Habitacionais
projetos de forma abstrata, sem contato com a realidade. O contato foi direto e materiais de grande abundância na região. Os
e profundo, inclusive criando vínculos pessoais e até afetivos com diversos paletes são encontrados com facilidade na Fercal,
moradores da região. A experiência de trabalho em campo, entrar na casa de pois são provenientes das fábricas de produção de
um desconhecido, ouvir suas histórias e ter possibilidade de ajudar a melhorar
cimento, muito características do local.
suas condições de vida com base em conhecimentos técnicos é desafiadora
e intrigante. Como parcela privilegiada da população, que está cursando ou Eu sou Robênia, moro no Queima Lençol, em uma casa de paletes que eu
finalizou um curso superior, é nosso dever proporcionar uma vida mais digna nunca pensei que fosse fazer tanto sucesso. Aqui na cozinha eu até gastei
àqueles que necessitam. Certamente minha experiência me proporcionou mais um pouco, mas o custo total, com os dois outros cômodos, dá mais ou
melhores conhecimentos técnicos, porém também me tornou mais humano. menos três mil reais, incluindo tudo: piso, parede e teto. A mão de obra não
está incluída, porque foi o meu afilhado.
– Vitor de Quadros, estagiário na Petrus Engenharia
– Robênia, moradora da Fercal
PRINCIPAIS DESAFIOS PERSPECTIVAS
E CONFLITOS EXISTENTES

As principais dificuldades encontradas referiam-se às condições do ambiente Durante os quase dois anos trabalhando diaria- res e lideranças procuravam o posto solicitando a
de trabalho, uma vez que não se tem uma estrutura física adequada nem o mente dentro da ARIS, foram criados laços de pintura das fachadas e paradas de ônibus de suas
apoio imediato quanto à manutenção. Essa descentralização dos serviços da confiança com a comunidade, conquistados por comunidades. Da mesma forma, o projeto inovador
companhia, por um lado, faz com que se consiga entender a real demanda da meio do diálogo, da transparência e da qualidade de melhorias habitacionais ganhou credibilidade,
comunidade, possibilitando trabalhar de maneira mais efetiva; porém, dificulta dos serviços prestados até então. As lideranças especialmente quando deixou de estar apenas no
os diálogos com outros setores quando há centralização das informações. passaram a entender que, embora ainda não te- papel e passou a ser executado.
484 485
nham alcançado a regularização urbana que tanto
Já em relação ao trabalho realizado na ARIS, situações de mediação de almejam, a companhia atua, dispondo de poucos A presença do arquiteto imerso na comunidade
conflitos não foram tão presentes, uma vez que essa região é considerada recursos, no sentido de promover melhorias na é de extrema importância para que seja possível
enfraquecida no sentido de lideranças comunitárias, que são desconectadas, cidade, contando com a colaboração da equipe vivenciar o funcionamento da malha urbana, bem
cada uma buscando por seus respectivos interesses. Na maioria das reuni- técnica e da excepcional equipe de obras, e com como a qualidade habitacional e realidade vivencia-
ões, os assuntos tratados eram relacionados à regularização da comunidade a parceria de outros órgãos governamentais, vo- da pelos moradores com quem esse profissional irá
Boa Vista, que, por ser rural, infelizmente não é de competência da Codhab. luntários e, principalmente, com os moradores da dialogar e para quem irá projetar e executar suas
região e seus representantes. atribuições. Difere-se muito da condição de se
Algumas mediações relacionadas ao programa Melhorias Habitacionais projetar no centro da cidade, distante da realidade
também ocorreram: houve situações em que os beneficiados alteravam o É interessante observar como, inicialmente, a co- e das demandas essenciais daqueles moradores.
projeto quando a obra já havia sido iniciada, causando desentendimentos munidade estava desacreditada, desconfiada e um Vive-se a cidade no chão e toma-se as decisões a
com a empresa executora credenciada e a empresa autora do projeto. tanto resistente a aceitar as novas propostas de partir de uma perspectiva muito mais humana do
trabalho e como o cenário ficou diferente: morado- que por meio de imagens de satélite.

Referências

ANUÁRIO do Distrito Federal. Indústria do calcário deu origem à Fercal.


Disponível em: <https://goo.gl/TUY7ZH>. Acesso em: janeiro de 2018.

COMPANHIA de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa Distrital por


Amostra de Domicílios: Fercal. Distrito Federal, 2013. Disponível em:
<https://goo.gl/fGRaeD>. Acesso em novembro de 2017.

_____. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios: Fercal. Distrito Federal,


2015. Disponível em: <https://goo.gl/u3oV3G>. Acesso em novembro de 2017.

SECRETARIA de Estado de Gestão do Território e Habitação. Estudo Técnico


nº 05/2017 para as Diretrizes Urbanísticas do Setor Habitacional Fercal.
Brasília, 2017, p. 1-33. Disponível em: <https://goo.gl/cT8zrk>. Acesso em
janeiro de 2018.
EXPANSÃO - VILA SÃO JOSÉ
BRAZLÂNDIA / DF

50 km
EXPANSÃO - VILA SÃO JOSÉ
BRAZLÂNDIA / DF
EXPANSÃO - VILA SÃO JOSÉ
BRAZLÂNDIA / DF
por Erick Mendonça
início da ocupação Entre 1993 e 1995 (dado do PAT)
população Estima-se que 21 mil habitantes (dado do PAT)
área 163,47 ha (dado do PAT)
densidade 129,93 hab/ha (dado do PAT)
renda média mensal R$ 893,66 per capita (PDAD 2015)

potencialidades Hoje o setor apresenta-se bem estruturado, por suas quadras, vias e lotes, que
encontram-se bem consolidados, rigidamente dispostos e com infra-estrutura
já implantada. Sua potencialidade se dá então no trato dos espaços públicos
existentes. Há espaços disponíveis para oferta de equipamentos públicos,
serviços, lazer e entretenimento, além da circulação de pedestres que tem
potencial de melhoria. Também, segundo comentam os moradores, o grande
déficit da cidade de Brazlândia, como um todo, é em relação a opções de
lazer e entretenimento, além de não haver “ocupação sadia” para os jovens.
Outra potencialidade na região é a aplicação do programa de melhorias
habitacionais, pois, apesar de o setor já dispor de uma certa qualidade de
vida urbana, há muitos domicílios precários e famílias de baixa renda que
possuem esse direito conforme a lei.

principais desafios O maior desafio da Expansão da Vila São José é a questão do impasse fundi-
ário e ambiental. Há uma parte da ocupação já consolidada que se encontra
em conflito com uma área de proteção ambiental. O processo obteve êxito
em sua aprovação recentemente, mas com essas ressalvas. O anseio atual
da população é a emissão dos termos de escritura de suas casas, superando
uma espera de mais de 20 anos desta situação irregular.

inauguração Junho de 2016

equipe coordenação arq. urb. Erick Mendonça // jun 2016 - mar 2017
arq. urb. Verônica Almeida // abr 2017 - out 2017
arq. urb. Erick Mendonça // nov 2017 - dez 2018

estagiária Camila Meneses, Gustavo Leonel e Lorrane Lorençone

voluntária Lorrane Lorençone

principais atividades /ações urbanas comunitárias /projeto urbanístico


/regularização fundiária /atendimento ao público
492 493

HISTÓRICO
A Expansão da Vila São José é uma Área de Regularização de Interesse Social Apesar da ocupação sem planejamento, pode-se afirmar que grande parte
(ARIS) localizada na Região Administrativa de Brazlândia, a 50 quilômetros do da área seguiu o projeto desenvolvido pelo governo da época, e por essa
centro de Brasília. A expansão da Vila compreende atualmente dez quadras, razão é possível notar hoje que o setor habitacional possui um desenho
onde residem cerca de 15 mil habitantes em mais de 3.700 casas. Essa área urbano – tanto em termos de regularidade geométrica no parcelamento
é uma expansão da vila originária (menor e mais antiga, criada em 1984), e na hierarquia viária quanto de infraestrutura satisfatória, quando com-
denominada Vila São José, com quatro quadras e já regularizada. parado às outras comunidades irregulares e de baixa renda; é urbanizado,
possui iluminação pública, pavimentação, redes de água e esgoto, escolas
Em 1993, foi desenvolvido um estudo urbanístico preliminar para expandir e praças. De modo geral, trata-se de um cenário similar ao da ARIS QNR, em
Brazlândia, como parte de um programa de assentamento do Governo do Ceilândia, uma vez que ambos se distinguem de outras realidades predomi-
Distrito Federal à época. Não tendo sido viabilizada de modo oficial, em 1995 nantemente encontradas nas áreas irregulares e de baixa renda onde foram
a ocupação foi realizada por famílias de Brazlândia, bem como dos municí- instalados os demais postos da equipe de assistência técnica. Apesar dessa
pios de Goiás de Padre Bernardo, Águas Lindas, dentre outras localidades condição urbanística, as moradias refletem a limitada condição financeira
do entorno do Distrito Federal. A região foi escolhida para a experiência de seus moradores e as consequências da autoconstrução, tão recorrente
de assistência técnica devido à concentração de famílias de baixa renda, nas cidades brasileiras.
segundo os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD),
elaborada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
Brazlândia, 2016
Fonte: Renato Araújo - Agência Brasília
494 495

Posto de Assistência Técnica da Expansão - Vila São José, 2016 Posto de Assistência Técnica da Expansão - Vila São José, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

POSTO DE
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
Em Brazlândia, a Codhab abriu o Posto de As- A rotina dos postos é tomada pelos três primei- pois muitos não tinham ideia do que faz um arquiteto. Após a compreensão,
sistência Técnica (PAT) em junho de 2016, para ros eixos técnicos em simultaneidade, além do também ficam surpresos com o fato de que o profissional está disponível
promover o acesso do arquiteto e urbanista ao atendimento à população, inclusive a respeito de gratuitamente pelo Estado. Ainda ssim, o Posto nessa comunidade foi ben-
cidadão de baixa renda, conforme preconiza a questões cadastrais no programa habitacional quisto, ainda mais por Brazlândia ser a cidade mais distante do centro de
Lei Federal nº 11.888/2008 (Lei da Assistência Minha Casa Minha Vida. Brasília, local onde está situada a sede da Companhia.
Técnica). As atividades desenvolvidas seguem três
eixos programados pela Diretoria de Assistência Por se tratar de Lei Federal pouco divulgada e ra- A população da Expansão da Vila José não possui representatividade formal
Técnica (DIATE) da Companhia, sendo eles: ramente colocada em prática, muitos membros própria; não existe nessa comunidade associação de moradores e/ou liderança
da comunidade não sabem o que é a assistência comunitária. O que existem são algumas pessoas-chave que se mobilizam e
1 – Elaborar projetos arquitetônicos de reformas técnica e sequer conhecem esse direito que pos- colaboram com demandas diversas. Era o caso da Dona Sabina, que pedia a
residenciais (programa Melhorias Habitacionais); suem. Geralmente, procuravam o Posto para tratar remoção das antigas placas de endereçamento, colocadas com informações
2 – Acompanhar o processo de regularização de questões outras da Companhia, como situação equivocadas, e que sempre procurava saber sobre os processos de escritura-
fundiária; cadastral e programa de oferta habitacional. Na ção e do projeto de subsídio para reformas das moradias. Há também a Dona
3 – Promover Ações Urbanas Comunitárias (AUC). oportunidade do atendimento, era esclarecida a Claudemira e a Madalena, colaboradoras nas Ações Urbanas Comunitárias
principal função do Posto, e explicava-se então o (quatro AUC foram realizadas), e que chamavam outros colaboradores co-
que é a assistência técnica oferecida pela compa- nhecidos da cidade para participarem das atividades. Outra personagem foi
nhia. Pode-se dizer que a reação era positiva: a co- Dona Joelma, que sempre esteve atenta às questões sensíveis às famílias
munidade se surpreendia com o serviço oferecido, que sofrem derrubadas na área rural, nas proximidades da Vila.
496 497

Pintura de pneus durante AUC #24 , 2016 Cata-ventos produzidos durante AUC #34, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Pintura de painel artístico e plantio de horta medicinal durante AUC #27, 2017 Pintura de calçadas, mesas e bancos durante AUC #40, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
PERSPECTIVAS

A experiência de imersão em assistência técnica como uma frente de trabalho


de uma empresa pública buscando sanar os problemas da autoconstrução
em uma comunidade é certamente valiosa e um desafio. Essa rotina neces-
499
sitou e proporcionou sensibilidade em relação às dificuldades das famílias
de baixa renda, ao mesmo tempo em que se ganhou propriedade sobre as
questões de ordem técnica-processual da situação de cada área. Além disso,
cada assentamento informal possui um contexto diverso e somente em um
trabalho em equipe cada arquiteto pôde experienciar diferentes realidades,
que possibilitaram a troca de saberes e conhecimentos sobre como lidar com
as dificuldades das disputas pelo espaço urbano nas periferias.

Sem esse iniciativa, é possível que essas famílias nunca tivessem acesso
a um profissional em arquitetura, orientando-as quanto a construção de
seus lares. Além disso, essa relação encurta distâncias e contribui para a
informação da população, pois muitas pessoas não sabem como funcionam
os trâmites burocráticos que regem a cidade, como escrituração, alvarás,
habite-se, dentre outros; além das normativas que regem a documentação
de imóveis, essenciais à segurança jurídica do morador.

Vale ressaltar também que é preciso paciência por parte do arquiteto, acostu-
mado a lidar com seus termos técnicos pouco compreendidos pela sociedade
num geral. É preciso fazer-se entender, tirar todas as dúvidas com clareza e
explicar quais são as vantagens de um projeto arquitetônico. É igualmente
importante a criatividade nas soluções adotadas em projeto, pois a habitação
popular deve ser de boa qualidade, funcional e financeiramente viável. O que
é uma equação difícil, dada a complexidade social do programa de neces-
sidades, as dimensões do terreno e as condições da área de intervenção.

A experiência com a comunidade foi muito gratificante, ainda mais ao se


constatar que a comunidade percebe a importância e a necessidade do
fazer planejado, e o quanto o arquiteto pode ajudar, enquanto indivíduo que
habita uma residência e cidadão que habita uma cidade. O processo deve
Plantio de horta medicinal durante AUC #25, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB ser didático e construído pouco a pouco, todos os dias.
SÃO SEBASTIÃO
SÃO SEBASTIÃO / DF

23 km
SÃO SEBASTIÃO
SÃO SEBASTIÃO / DF
SÃO SEBASTIÃO
SÃO SEBASTIÃO / DF

por Sandra Marinho e Renan Davis

início da ocupação Olarias em 1957, consolidação da ocupação em 1986


população 100.161 habitantes (PDAD 2016)
área 13167,07 ha (DIUR 06/2014)
renda média mensal R$ 985,00 (PDAD 2016)

potencialidades A região tem grande potencial para geração de novos empregos, abertura de co-
mércios e prestação de serviços, caso seja realizada a regularização fundiária de
toda a cidade. A escrituração e doação dos lotes aos moradores permitiria uma
dinamização da economia, incentivaria setor da construção enquanto garantiria
maior segurança aos comerciantes locais para se desenvolver e investir. Também
é reinvidicação da cidade e de vários gestores e politicos da região, a construção de
uma zona industrial próximo à cidade. São Sebastião e o entorno também possui
grande potencial para o turismo ambiental, para o desenvolvimento do lazer na
natureza, nos parques, praças, córregos e cachoeiras no entorno e dentro da cidade.

principais desafios A regularização fundiária de São Sebastião é a maior urgência da cidade. Atual-
mente apenas um dos seis projetos de urbanismo foi aprovado e foram permitidas
a escrituração e a doação dos lotes. Os demais projetos devem ser aprovados de
forma que haja segurança jurídica para os moradores e comerciantes da cidade
construirem e empreenderem, além de permitir a negociação e a venda dos lotes
já ocupados há décadas, o que movimentaria a economia da cidade. Outro fator
é a ausência do controle sobre invasões e de um projeto de conscientização
das pessoas, a fim de orientar e evitar novas invasões. Os entraves políticos e
a morosidade dos demais órgãos, quando da denúncia de uma invasão ou da
solicitação de desobstrução, também atrapalha no processo de regularização,
que não protege nem mesmo as poucas áreas públicas remanescentes.

inauguração Abril de 2016

equipe coordenação arq. urb. Sandra Marinho // abr 2016 - mai 2017
arq. urb. Aníbal Barbosa // mai 2017 - jun 2017
arq. urb. Renan Davis // jul 2017 - dez 2018

estagiários Mateus Rocha, Udson Aguiar, Andressa Guedes


e Elisa Souza

principais atividades /ações urbanas comunitárias /projeto urbanístico


506 507

Oh Sebastião, de Roma, São Sebastião tem rock


Me traga a inspiração Tem funk e um belo samba
Para cantar com doçura Tranças rastafári dançam
A outra Sebastião Um xote destes que amam
Cidade desta Brasília E o hip hop grita
Livrai-nos ingratidão. Contra a repressão sacana
…. ...
Foi aqui na Agrovila Esta cidade é feita
Do Santo Sebastião Antes de tudo, esperança
Onde se queimou tijolo De ganhar dignidade
Pra fazer muita mansão Nesta terra de bonança
Quem, então, lenhou o cerrado? Não é só Plano Piloto
Foi o oleiro ou o barão? Que merece a boa herança.
...

– CANTO A SÃO SEBASTIÃO


Residencial Vitória, bairro de São Sebastião, 2016
JOÃO BOSCO BEZERRA BONFIM Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
HISTÓRICO DA REGIÃO

As terras onde hoje constituem a XIV Região Ad- No princípio, o vilarejo era habitado por comercian- Outro diferencial da ocupação territorial desta área foi a total ausência do
ministrativa do Distrito Federal - Região de São tes de areia, cerâmica e olaria. Com a intensificação Estado, ao contrário do que ocorreu com a criação das demais cidades-
Sebastião - pertenciam, antes da mudança da da imigração, surgiram diversas ocupações de -satélites1, onde os operários e pessoas de baixa renda eram alocadas em
capital, às fazendas Taboquinha, Papuda e Cacho- áreas públicas, cujos moradores, posteriormente, grandes assentamentos pelo governo, cujas justificativas foram a contenção
eirinha. Essas fazendas foram desapropriadas
1
foram removidos para a localidade. do crescimento do Plano Piloto e conservação da bacia do Lago Paranoá.
com o início das obras da construção de Brasília.
508 509
A partir de 1957, várias olarias se instalaram ao A venda de lotes por preços baixos deu origem a Até 1993, a Agrovila São Sebastião passou a fazer parte da Região Admi-
longo do Córrego da Mata Grande e Ribeirão da vários bairros sem planejamento, tendo a prática nistrativa do Paranoá – RA VII e, por meio da Lei nº 167/93, de 25/06/1993,
Papuda, com vistas a suprir parte da demanda por do parcelamento se configurado ato corriqueiro criou-se a Região Administrativa de São Sebastião – RA XIV.
matéria nas obras da construção civil de Brasília. para aqueles que ali moravam.
Estas terras foram depois arrendadas através da Com o passar do tempo, e após a decisão de governo de regularizar a cidade,
Fundação Zoobotânica do DF (ARAUJO, Mara - São Assim, a grilagem das terras arrendadas nas áre-
2
iniciou-se a criação de bairros projetados e implantados pelo Estado - caso
Sebastião – DF do Sonho a Cidade Real, 2009). as rurais buscou resolver, naquele momento, por dos bairros Tradicional, Residencial Oeste, Centro, São Bartolomeu, Bonsu-
parte dos moradores, o problema do “onde morar” cesso, Morro Azul e Bora Manso.
Ao final dos contratos de arrendamento das áreas daqueles que antes residiam de forma provisória
das olarias e com a conclusão das obras da cons- próximos às olarias para quais trabalhavam. Assim, Devido à forma de ocupação, que alia as ocupações irregulares aos bairros
trução de Brasília, esses estabelecimentos foram com o passar do tempo, a ocupação – distante de projetados, a cidade apresenta traçado urbanístico distinto que atende à di-
aos poucos sendo desativados. Em consequência, qualquer planejamento urbano da administração ferentes faixas de renda, principalmente média baixa e baixa, resultando em
alguns dos arrendadores das olarias foram par- pública – foi se estruturando ao longo dos córregos um tecido urbano descontínuo e fragmentado, com elevados custos sociais
celando irregularmente as glebas, formando-se Mato Grande e Ribeirão Santo Antônio da Papuda, da organização territorial e a consequente degradação ambiental provocada
assim a parte original da Agrovila São Sebastião. trazendo vários impactos ambientais aos córregos pela ocupação desordenada.
Surge, neste momento, personagens históricos e às nascentes da região.
como o seu Sebastião, popularmente conhecido O desenvolvimento da cidade teve uma trajetória
como “Tião Areia”, que se tornou na época uma ligada à exploração da terra por parcelamentos
referência em liderança por reivindicar benfeitorias clandestinos voltados às classes médio-baixa e
para o então vilarejo. baixa, remanescente ainda da ocupação espontânea
motivada por oferta de comércio de areia e explo-
ração das olarias e cerâmicas para suprir parte da
demanda por materiais de construção civil à época
da construção de Brasília

2 O termo grilagem vem da descrição de uma prática antiga — ARAÚJO, 2009


de envelhecer documentos forjados para conseguir a posse de
determinada área de terra. Os papéis falsificados eram coloca-
dos em uma caixa com grilos. Com o passar do tempo, a ação
1 Núcleo rural antigo onde restos de construções são atribuí- dos insetos dava aos documentos uma aparência envelhecida.
das aos escravos e até mesmo uma cruz de madeira onde su- Assim como na prática com os grilos, a ocupação ilegal de ter- 1 Cidade-satélite é usado para referenciar-se a cidades construídas nos subúrbios de grandes
postamente estes escravos teriam sido castigados localiza-se ras públicas continua fundamentada no esforço para fazer docu- cidades, geralmente usadas para fins residenciais e direcionadas a trabalhadores que usam as
no ponto mais alto do Morro. mentos falsos parecerem verdadeiros. cidades-satélites como moradia enquanto trabalham e desenvolvem atividades comerciais fora
NÚCLEOS URBANO E RURAL EXPANSÃO
VILA DO BOA
E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
VILA
DO BOA

BORA
MANSO
BAIRRO
NACIONAL SÃO
Segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra O projeto de regularização URB 056/2017 - o mais
GABRIEL
de Domicílios (PDAD,2016), São Sebastião possui recente dentro da cidade -, trata do bairro Residen- MORRO
AZUL
uma população aproximada de 115.256 pessoas, cial Vitória, local onde foi instalado um Posto de
distribuídas por uma área total de 35.571,37 hecta- Assistência Técnica (PAT) em Arquitetura e Enge- SÃO
BARTOLOMEU BAIRRO
res, sendo uma das regiões com maior densidade nharia Pública, da Companhia de Desenvolvimento TRADICIONAL
urbana do DF. Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF), JOÃO
510 CANDIDO 511
no ano de 2016. No presente momento, além de
A cidade é composta por 21 bairros com con- passar por uma revisão, o citado projeto guarda RESIDENCIAL
OESTE VILA NOVA
figurações de ocupação e situações fundiárias manifestação das concessionárias e posiciona-
BAIRRO
distintas, sendo eles: Centro, Residencial Oeste, mento quanto ao licenciamento ambiental, etapas CENTRO
BONSUCESSO
Tradicional, São Bartolomeu, Bonsucesso, Morro que, conclusas, permitirão a chegada das obras de RESIDENCIAL
SÃO DO BOSQUE
Azul, Vila do Boa, Nacional, Bora Manso, São José, infraestrutura urbana ao bairro.
EXPANSÃO JOSÉ
São Francisco, Vila Nova, Residencial do Bosque, BONSUCESSO
João Candido, São Gabriel, Residencial Vitória, Bela Os bairros Vila do Boa, Bora Manso e a quadra
Vista, Morro da Cruz, Zumbi dos Palmares, Capão 12 do Morro Azul estão inseridos no projeto URB RESIDENCIAL
VITÓRIA
Comprido e Crixás. 137/10, o qual já tinha sido elaborado pela empresa
SÃO
TOPOCART, em 2010; no entanto, o projeto não foi FRANCISCO BELA
Na região, a maioria das construções é permanente, aprovado e hoje a ocupação é irregular, principal- VISTA
dentre as quais 38,62% encontram-se em terrenos mente o parcelamento denominado Expansão da
não regularizados. Na documentação de posse dos Vila do Boa. Tal parcelamento impossibilita a im-
imóveis, verificou-se que: apenas 2,51% declararam plantação do projeto, devido à ocupação de áreas
possuir escritura definitiva; 62,85% detêm contrato públicas, grande parte em uma Área de Relevante MORRO
DA CRUZ
de compra e venda; 19,72% adquiriram residência Interesse Ecológico (ARIE), caracterizada pelo solo
CAPÃO
por programas como o Minha Casa Minha Vida hidromórfico, altamente argiloso e encharcado, CRIXÁ COMPRIDO
ou o Morar Bem; e 12,41%, por concessão de uso totalmente impróprio para construção de habita-
(PDAD, 2016). ções. Devido a esse impasse da ocupação dentro
da ARIE, está pendente a manifestação do Instituto
São Sebastião possui atualmente seis projetos Brasília Ambiental (IBRAM) acerca da permanência
urbanísticos, dentre os quais apenas dois foram ou não dos moradores na área e também a elabo- Zonas urbana e rural e
bairros de São Sebastião
aprovados e licenciados, enquanto os demais se ração de um novo estudo ambiental que verifique
Fonte: Acervo Equipe de ZUMBI DOS
encontram em processo de revisão para a aprova- e confirme as características do solo da região. Assistência Técnica CODHAB PALMARES
ção ou o licenciamento. O único projeto de regula-
rização aprovado e parcialmente executado, a URB Núcleo Rural
114/09, já entregou 4.971 escrituras, desde 2016, Núcleo Urbano
nos bairros Residencial Oeste, Tradicional e Centro. Lote Registrado
Ocupação 2016
A URB 138/10 contempla os bairros João Cândido e São Gabriel, localizados Os setores de chácaras Morro da Cruz, Zumbi dos Ao longo de 2018, a equipe iniciou os trabalhos
entre São Sebastião e os condomínios do setor Jardim Botânico. Assim Palmares e Núcleo Rural Capão Comprido estão que subsidiarão a regularização fundiária de Morro
como as demais áreas, esse local foi alvo de grilagem e ocupação irregular localizados em áreas rurais, ou seja, fora da poli- da Cruz e Zumbi dos Palmares, por meio de um
de terras, porém o bairro está parcialmente localizado em terras particulares, gonal urbana da cidade definida pelo Plano Diretor trabalho de cadastramento das construções e dos
dificultando a aprovação do projeto e a doação dos lotes temas a serem tra- de Ordenamento Territorial (PDOT) de 2009. Essas moradores - procedimento denominado selagem
tados junto à Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (TERRACAP), áreas são especialmente críticas em relação à -, com o suporte de drone - para o devido mapea-
de forma que a terra seja incorporada ao patrimônio do Governo do Distrito grilagem de terras no Distrito Federal, tendo a sua mento aéreo. Na época do levantamento, esta ação
Federal (GDF) antes de ser doada aos moradores. ocupação intensificada a partir de 2014. Em 2019, registrou aproximadamente 5.080 construções
com a revisão do PDOT, espera-se que haja uma existentes. Este cenário de ocupação irregular se
O Bairro Crixá, em se tratando do segundo projeto urbanístico aprovado, faz grande pressão política, bem como das respectivas intensificou bastante nos últimos meses de 2018,
parte de um empreendimento do Programa Morar Bem - Programa Habitacional comunidades locais, para que passem a fazer parte principalmente devido ao período eleitoral.
do Governo do Distrito Federal -, vinculado ao Programa Minha Casa Minha da poligonal urbana da cidade.
512 513
Vida. O citado bairro conta com acesso pela DF 473, também conhecida como
Avenida São Sebastião, está localizado entre o núcleo urbano e a zona rural
da cidade, e possui 82,21 hectares; para ele, fora proposto a criação de 65
lotes destinados à habitação multifamiliar, comércio, prestação de serviços,
uso institucional, uso industrial e equipamentos públicos. Projetado para uma
população de até 15.368 habitantes, no empreendimento são ofertados 3.670
unidades habitacionais, sendo 550 de uso misto e 3.120 de uso residencial,
voltado à famílias inscritas na faixa de renda 1 do Programa Morar Bem -
famílias estas cuja renda máxima seja de até 3 salários mínimos. No entanto,
a área prevista para o bairro está parcialmente ocupada de forma irregular,
o que impossibilita a construção completa do empreendimento e requer
dedicação para resolução da situação de permanência ou não das famílias.

Além do núcleo urbano de São Sebastião, a área rural da cidade teve um


grande crescimento populacional nos últimos anos, principalmente a partir do
ano de 2014, com a ampliação de ocupações irregulares das zonas urbana e
rural da cidade de forma acelerada, resultando na consolidação e criação dos
seguintes bairros: (I) Bela Vista, (II) Morro da Cruz, (III) Zumbi dos Palmares
e (IV) Capão Comprido.

O Bairro Bela Vista fica no limite entre o Núcleo Urbano de São Sebastião e
a zona rural, mais especificamente o Capão Comprido. O bairro está dentro
de uma Zona de Ocupação Especial de Interesse Ambiental (ZOEIA), que faz
parte da zona urbana da cidade, porém possui características e restrições Poligonal de Regularização
ambientais similares às da zona rural, o que dificulta a elaboração e aprovação URB 114/09
do projeto urbanístico. URB 137/10
URB 138/10
URB 139/10
URB 056/17
Projeto de regularização fundiária de São Sebastião, 2018
Fonte: Sandra Marinho URB Belavista/18
O PROCESSO DE ENTRADA
NA COMUNIDADE

No processo de implementação da Lei Federal nº 11.888/2008, o então Diretor


Presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal
(CODHAB/DF) - 2015 à 2018 -, o arquiteto Gilson José Paranhos de Paula,
definiu como meta a instalação de 01 (um) Posto de Assistência Técnica em
Arquitetura e Engenharia em cada uma das 10 (dez) Áreas de Regularização
Primeiro PAT São Sebastião, de Interesse Social (ARIS) do Distrito Federal selecionadas. A iniciativa permitiu
localizado provisoriamente
na administração regional
com que famílias com renda de até 03 (três) salários mínimos tivessem acesso
da cidade, 2016 aos profissionais de arquitetura e urbanismo, que a elas disponibilizavam o
514 Fonte: Acervo Equipe de 515
projeto arquitetônico, bem como fiscalizavam a execução das obras em suas
Assistência Técnica CODHAB
residências - construções de moradias, reformas e ampliações. Além disso,
no início do atendimento, responsabilizavam-se os técnicos da CODHAB/DF
pelo acompanhamento das questões relativas à regularização fundiária das
respectivas comunidades.

Ressalta-se que as 10 (dez) Áreas de Regularização de Interesse Social (ARIS)


beneficiadas pelo Programa de Assistência Técnica da CODHAB/DF foram
escolhidas tendo em vista levantamento empreendido pela Companhia de
Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN/DF), que, por meio da Pesquisa
Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD 2016), identificou as áreas do Dis-
trito Federal onde estão situadas famílias de baixa renda e em situações de
maior vulnerabilidade. Destaca-se, também, que o referido estudo considerou
Primeiro PAT São Sebastião,
realocado para o Residencial Vitória, 2016
o componente da inadequação habitacional, que classifica os domicílios con-
Fonte: Acervo Equipe de forme os seguintes critérios: (I) densidade; (II) carência de unidade sanitária
Assistência Técnica CODHAB
domiciliar interna; (III) inadequação fundiária urbana; (IV) carência de serviços
de infraestrutura básica; e (V) renda familiar.

Por conseguinte, em abril de 2016, foi implementado o primeiro escritório


descentralizado na Região Administrativa de São Sebastião, RA - XIV - ainda de
modo temporário, numa sala nas dependências da Administração Regional da
citada Região Administrativa. Entretanto, posteriormente, buscando estreitar
os laços com a comunidade local - requisito da imersão -, o primeiro posto foi
realocado no Bairro Residencial Vitória.

Decorre da ação que, no Distrito Federal, a Assistência Técnica em Arquitetura e

Segundo PAT São Sebastião,


Engenharia passou a ser um novo instrumento da Política de Desenvolvimento
localizado na praça principal do Habitacional, haja vista que, além de contribuir para a diminuição do déficit ha-
Residencial Vitória, 2017
bitacional qualitativo - ou seja, da precariedade do estoque de imóveis -, visa a
Fonte: Acervo Equipe de
Assistência Técnica CODHAB garantir o direito à digna moradia aos moradores das comunidades atendidas.
O BAIRRO
RESIDENCIAL VITÓRIA

O parcelamento do Residencial Vitória encontra- Esclarece-se que, nesta primeira pesquisa, não É necessário compreender que a Companhia propunha uma nova forma de
-se a 30 minutos do centro do Plano Piloto e está foram encontrados registros, documentos ou re- prestação de serviço público em território não legalizado, motivo pelo qual,
delimitado, ao norte, pela DF-473 e por áreas com ferências suficientes para se precisar o histórico aliado ao caráter inovador do projeto - ainda embrionário -, a instrução de
restrições à ocupação urbana, sendo que o seu de formação original do assentamento. Por meio processo administrativo para o aluguel de um imóvel, naquele momento, não
trecho mais ao sul faz divisa com o bairro Morro da de imagens de satélite retiradas do Google Earth, foi possível. Assim sendo, chegou-se à uma solução primária para a conti-
Cruz. Além disso, em sua proximidade localizam- mapeou-se algumas poucas casas por volta dos nuidade dos serviços propostos na região: que o escritório fosse instalado
516 517
-se ocupações em área alagadiça, entre as Áreas anos 2000 e identificou-se que, entre os anos de dentro da comunidade e, caso imperioso, que de lá pudesse ser retirado.
de Preservação Permanente (APPs) do Córrego 2014 e 2015, houve um crescimento significativo
Santo Antônio da Papuda e do Córrego do Açude. no número de ocupações irregulares, o que acabou Entretanto, a solução definitiva - dada no início de 2018 - estabeleceu-se
Ambientalmente, trata-se de uma região delicada, impactando diretamente a qualidade urbanística da seguinte forma: primeiro, com a contratação de um escritório de arqui-
para a qual não se recomenda a expansão urbana da localidade, assim como o processo de regula- tetura para a elaboração de projetos personalizados para atendimento das
- a despeito do processo de ocupação irregular de rização fundiária - que estava em andamento à demandas originárias da comunidade; segundo, com a aquisição, mediante
terras, que consolidou novos conjuntos e expandiu- época. Interpretando-se as imagens, percebe-se licitação, de 02 (dois) contêineres, que seriam utilizados da seguinte forma:
-se para a zona rural, formando o Morro da Cruz. que o crescimento vertiginoso deste bairro ocorreu 01 (um) deles exclusivo dos técnicos e 01 (um) exclusivo para atendimento
em uma transição governamental - o que é fato de questões gerais, tais como Morar Bem, Minha Casa Minha Vida (MCMV)
Considerando que o citado bairro, em se tratan- comum -, porque, cientes de que um novo governo e a famosa “lista” da CODHAB/DF.
do da regularização fundiária e da situação ali necessita de tempo para identificar a problemática,
constatada, das “moradias à margem da dignidade os grileiros encontram uma brecha, nesse ínterim,
humana”, carecia de atenção especial, a arquiteta para a prática da grilagem.
e urbanista Sandra Maria França Marinho, à época
técnica da CODHAB/DF, auxiliada pelo estagiário Em maio de 2016, após reuniões realizadas com
Matheus Rocha, realizou visitas, in loco, com vistas um pequeno grupo de moradores, inaugurou-se o
ao reconhecimento da área, bem como visando a Posto de Assistência Técnica em uma sala comer-
observação das características físicas da localida- cial localizada em frente ao único espaço livre do
de - topografia, densidade e infraestrutura, assim bairro. Inicialmente, o espaço foi subsidiado pelos
como dos aspectos sociais e identificação de li- moradores, contudo, após poucos meses, tendo
deranças que pudessem potencializar o processo esse acordo sido desfeito, a arquiteta responsável
de imersão no bairro. A partir desse conjunto de pelo citado Posto - ciente da importância do projeto
informações, foi possível traçar a melhor estratégia e zelosa por sua continuidade - se incumbiu de
para iniciar o diálogo com a comunidade local. custear, até meados de 2017, as despesas para a
manutenção do escritório descentralizado.

Evolução da ocupação do Residencial Vitória - São Sebastião


Fonte: Sandra Marinho
A IMPORTÂNCIA
DA IMERSÃO TÉCNICA

Na execução do trabalho, percebeu-se que, para efetivar o resgate do papel com os moradores sobre o benefício, os técnicos fundiária devido à incompatibilidades existentes
social da arquitetura junto às comunidades do Distrito Federal, seria neces- da Companhia perceberam que, para os cidadãos entre o projeto urbanístico (URB 139/10), desenvol-
sário um estreitamento de laços entre os profissionais técnicos da CODHAB/ do Residencial Vitória, mais necessário se fazia a vido em 2009 pela empresa TOPOCART - no qual
DF e os moradores das regiões atendidas - com o intuito de que, da nossa regularização fundiária da região - uma vez que, o Bairro Residencial Vitória estava incluído - e a
parte, os técnicos presenciassem a situação alarmante vivida pelos cidadãos sem ela, as obras de infraestrutura urbana, como realidade do local. Entretanto, com a não aprovação
e, da parte dos beneficiários, que estes compreendessem a relevância e o esgoto, água, pavimentação, e equipamentos pú- do projeto urbanístico nos anos seguintes e devido
518 519
pioneirismo do projeto, que, em suma, pavimentava um novo caminho para blicos, não seriam possível para o bairro. a um processo de invasão e grilagem de terras no
a execução da política habitacional desta capital. local, a aprovação do projeto foi inviabilizada por
Percorrendo ruas e vielas, a equipe técnica perce- interferir diretamente no arruamento, loteamento
Na primeira imersão efetuada, embora se pretendesse atuar diretamente nas beu que a ligação elétrica de várias ruas, utilizan- e principalmente na manutenção das áreas des-
moradias com proposta de projetos e reformas de requalificação - conforme do-se postes precários de madeira, foram feitas tinadas a equipamentos públicos comunitários e
prevê a Lei Federal nº 11.888/08 - a equipe se deparou com barreiras não pelos próprios moradores. Além disso, existiam urbanos. Essas áreas foram invadidas, tanto para
previstas, dentre as quais a falta de confiança dos moradores na figura do constantes interrupções no fornecimento de água construção de moradias próprias, quanto para
técnico, bem como na seriedade do projeto - pois, sendo precursor, o Projeto e não havia tratamento do esgoto - sendo este especulação e construção de grandes empreen-
não era conhecido da população atendida. Momento em que, dialogando lançado diretamente em fossas negras ou na rua. dimentos comerciais.
A inexistência de drenagem pluvial acarretava a
Arquiteta Sandra Marinho em reunião com a comunidade do Residencial Vitória, 2016
Fonte: Sandra Marinho formação de buracos e crateras nas ruas e o car- De posse das informações e estando o escritório
regamento de terra, entulho, lixo e esgoto para as técnico estabelecido, deu-se início ao trâmite buro-
proximidades do córrego que ficava em um dos crático pretendido para a localidade, cuja finalística
limites da poligonal do bairro. era torná-lo independente dos demais bairros que
compunham o projeto inicial, ou seja, dar andamen-
Vários foram os relatos de moradores informando to à sua regularização fundiária. Configurou-se este
que, em ano de eleições, inúmeros políticos visi- um passo importante, porque compreendeu-se
tavam o bairro, prometendo um sem número de que, a partir dele, seria possível dar celeridade
melhorias - que nunca se concretizavam -, causan- às possibilidades de acesso a todas as obras de
do indignação da população, alheia aos processos estrutura e, por consequência, à titulação do lote
técnicos requeridos para a execução da obra se - permitindo dirimir a situação de clandestinidade
efetivasse no local. vivenciada pelos moradores.

Diante disso, o primeiro passo para dar início ao É prudente destacar outra iniciativa empreendida
trabalho foi a realização de um levantamento de pela equipe técnica da CODHAB/DF: trabalhar, jun-
dados e processos administrativos referentes à tamente com os moradores, por meio de reuniões
localidade, de modo a identificar a situação jurí- e oficinas - cuja temática envolvia o debate sobre o
dica em que se encontrava a citada área. Como projeto urbanístico e os impactos socioambientais
resultado das buscas, descobriu-se que o bairro gerados pela construção de desordenadas -, para
havia sido retirado do processo de regularização a melhoria do espaço em que viviam a população.
SOBRE ESPAÇOS PÚBLICOS
E PARTICIPAÇÃO

De modo geral, a comunidade de São Sebastião não de demandas e na resolução das problemáticas Tais iniciativas denotam o quanto uma população participativa e coesa contribui
foge do padrão das demais áreas onde a CODHAB/ comunitárias, em acordo com as necessidades para a efetividade de uma projeto público como o lançado pela CODHAB/DF.
DF atuou, as quais cresceram de forma desorde- estabelecidas pelo Posto de Assistência Técnica.
nada e em curva ascendente, pela ausência de um Portador de um sorriso largo e benfazejo, também merece destaque a atuação
acompanhamento e/ou fiscalização do Estado. Quanto aos moradores, é imperioso ressaltar que do senhor Anízio, morador da comunidade há mais de 20 anos. Desde a pri-
estes se tornaram parceiros na luta pelo direito à meira reunião, trajando calça branca e Chapéu Panamá - a despeito da poeira
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No trabalho desenvolvido pela arquiteta Sandra cidade e à moradia, fato que surpreendeu a CO- -, ele se mostrou participativo e interessado. Segundo relatou, nutria o sonho
Marinho - assim como em todos os outros da DHAB/DF em demasia. Desse modo, nesse recorte, de que o seu bairro fosse asfaltado e gozasse de calçadas, para que “pudesse
CODHAB/DF - destacou-se o espaço concedido estampa-se a figura do senhor Emanoel, conhecido desfilar a sua elegância e simpatia”. No Posto de Assistência Técnica, projetava
para a participação dos atores locais - moradores -, como “Mineiro” - devido ao seu estado de origem muitas esperanças de que a situação da sua comunidade melhorasse, de que
tendo a metodologia adotada se baseado em uma -, serralheiro, cuja casa localizava-se ao lado do a “civilidade”, como dizia, pudesse chegar antes do seu falecimento, motivo
perspectiva cujo foco incidia no estabelecimento primeiro Posto de Assistência Técnica da região. O pelo qual aceitava todos os convites para reuniões internas na região, assim
de uma relação horizontal, que buscava trazer a “Mineiro” configurou-se um personagem importante como em outros órgãos do Distrito Federal.
comunidade para o debate sobre o espaço público, o porque, além de ter sido o primeiro morador com
que provocou uma relevante e valiosa aproximação quem a equipe técnica discorreu sobre a finalidade
entre os técnicos e a população. do trabalho, foi ele fundamental para a convocação
A relação da comunidade com o espaço público foi o foco inicial dos trabalhos no Residencial Vitória
dos moradores para as primeiras reuniões de apre- Fonte: Sandra Marinho
A tarefa social emancipatória proposta exigiu com- sentação do Projeto.
prometimento, insistência, perseverança e muito
trabalho, tanto da equipe técnica como dos mora- De tal modo contribui para o Projeto que, nas reu-
dores da localidade, para que o processo fosse bem niões mensais organizadas pela arquiteta Sandra
sucedido e permitisse a evolução dos trabalhos. Marinho - oportunidade em que se prestava contas
das atividades realizadas naquele mês -, o senhor
Assim, nos dois primeiros anos de instalação do Emanoel assumia o papel de liderança local. Um
escritório, o espaço público foi o foco do desenvol- fato que marcou o seu engajamento com o Projeto
vimento das atividades, por meio do diálogo entre ocorreu quando, no mês de dezembro de 2016,
atores governamentais e a Administração Regional ele nos alertou sobre a grilagem de terras que se
de São Sebastião, além daqueles postulados por iniciara numa praça pública utilizada por crianças e
grupos da própria cidade, como o Projeto Espaço adolescentes como área de lazer. A área em questão
Limpo Uma Iniciativa Verde – PELIV, o Instituto estaria dentro do percentual mínimo de 15% de
Nivaldo Nunes e Horta Girassol, bem como demais áreas públicas para novos parcelamentos urbanos
entidades públicas, tais como estabelecidos no Plano Diretor de Ordenamento
Territorial (PDOT), mais precisamente no seu artigo
o Instituto Federal de Brasília — IFB/Campus São 43, inciso I. Cônscios da situação, a equipe técnica
Sebastião. Todos esses personagens e lideran- da Companhia acionou os órgãos competentes, que
ças locais apoiaram e trabalharam na captação se incumbirão da resolução do caso.
AÇÕES URBANAS
COMUNITÁRIAS

Foi por meio das Ações Urbanas Comunitárias Da iniciativa, surgiram pessoas relevantes, como
(AUC) que se abriu o diálogo, tanto com a comu- o artista Gersion de Castro, indicado pelos mora-
nidade do Residencial Vitória, como com toda a dores do Bairro Residencial Vitória para a criação
cidade de São Sebastião. Esse eixo de atuação do painel da primeira Ação Urbana Comunitária
apoiava-se em intervenções urbanas pontuais, realizada na localidade, em maio de 2016. Na obra,
realizadas em espaços residuais, visando à requa- ele retrata, em primeiro plano, casas coloridas, e,
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lificação urbana de maneira célere e impactante. em segundo plano, um grande Sol, demonstrando
Uma de suas metas foi o melhoramento do en- o cotidiano dos moradores do bairro, cuja espera
torno das residências, incentivando a criação de por dias melhores é contínua.
vínculos afetivos entre os moradores e o próprio
entorno imediato. No bairro Vila do Boa, de modo semelhante, o ar-
tista Nivaldo Nunes, utilizando-se de uma estética
No total, foram realizadas 15 Ações Urbanas Co- matizada, tal qual a do renomado grafiteiro Kobra,
Mural criado pelo artista Gersion de Castro no bairro Residencial Vitória, 2016
munitárias (AUC) em São Sebastião, que propor- representou, nos muros de uma escola, a figura do Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
cionaram a harmônica inserção dos arquitetos seu filho brincando pelas ruas, quadro que suaviza
da CODHAB/DF em cada uma das comunidades, a rudeza da região. Em outra ocasião, na entrada
Mural criado pelo artista Nivaldo Nunes no bairro Vila do Boa, 2017
tendo se mostrado uma ponte, tal qual um inter- da cidade - local privilegiado -, o artista criou dois Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
câmbio, para a salutar troca de experiências, o que murais: um representando os antigos oleiros e
resultou em um atendimento mais efetivo à popula- olarias da cidade - base de construção da capital
ção. Em todas as Ações buscava-se o nivelamento federal, e outro que simbolizava o Congresso Na-
qualitativo, de modo que todas as comunidades cional - fruto do trabalho dos candangos, muitos
deveriam receber, isonomicamente, benfeitorias deles moradores e fundadores da antiga Agrovila
tais quais: (I) pintura de fachadas, (II) plantio de de São Sebastião.
árvores, (III) confecção de mobiliário urbano e
execução de painéis - merecendo, este último, No Residencial Vitória, grande parte das AUC´s
especial consideração, haja vista que introduzem estabeleceram a Praça Central como foco, assim
um conceito de galeria ao ar livre, impactando e como ruas que para ela convergiam, de manei-
transformando a comunidade. ra a potencializar o processo de transformação
desses espaços públicos. Ao realizar inúmeras
Sobre os painéis, ainda cabe pontuar: diferente do oficinas na região, a equipe técnica buscava a
ocorria em outras comunidades, onde eles eram junção e a partilha de experiências, que resultava
criados, ou pelo arquiteto responsável pelo Posto, na edificação de um conhecimento mútuo, do qual
ou por artistas convidados - sem vínculo com a resultavam materiais artísticos nos quais registra-
região -, a arquiteta Sandra Marinho propôs algo va-se as diferentes perspectivas dos moradores
novo: que artistas locais, personagens da própria sobre o território.
comunidade, expusessem, nos painéis, a sua arte.
Além disso, atividades como a confecção de ma- (IV) quiosque, (V) espaços de encontro para os
quetes, árvore dos desejos - uso de post-it com moradores, (VI) estacionamento para os comércios
palavras que representavam os desejos individuais próximos e (VI) paisagismo adequado ao ambiente
de cada morador, criando um varal dos sonhos -, urbano e ao clima do DF.
crianças que desenhavam os seus sonhos para
a Praça. Assim, contando com o apoio das crianças do
bairro, principalmente os filhos do morador “Mi-
Em junho de 2016, um mês após a instalação neiro”, e depois de inúmeras reuniões individuais
do Posto de Assistência Técnica (PAT) no Bairro com os moradores - para delinear o escopo das
Residencial Vitória, realizou-se no local, mais pre- possibilidades de intervenção -, durante o mês de
cisamente em frente ao Posto, a primeira Ação setembro de 2016, ocorreu a Ação na Rua nº 04.
Urbana Comunitária (AUC), tendo como objetivo a As propostas de atividades desta AUC foram as
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publicidade da Assistência Técnica (ATHIS), bem seguintes: (I) reboco e pintura, (II) painel artístico,
Oficina com maquete e árvore dos desejos durante AUC de mobilização, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB como a recuperação do único parque infantil exis- (III) jardineiras com cano de PVC e (IV) numeração
tente na região. A segunda AUC foi realizada na das casas - tendo em vista que o endereçamento
rua nº 04 do Bairro Residencial Vitória, abarcando ou placa de identificação ali existentes se conso-
os seguintes propósitos: realizar a mobilização lidam por conta própria.
de um grande número moradores - eram mais
de 40 casas -, e dar uma solução para a falta de Ao finalizar a Ação Urbana, registrou-se um re-
espaço destinado aos jardins, haja vista que a rua sultado estimulante, porque, além das diversas
era estreita. intervenções ali efetuadas, o nível de engajamen-
to com a população local atingiu um patamar
As AUC’s - cuja maioria fora realizada na praça -, promissor - sem contar, é claro, com a generosa
buscavam garantir a manutenção/conservação participação de coletivos e grupos ligados à ha-
desse espaço coletivo, possibilitando o desen- bitação -, especialmente com as crianças, que,
volvimento de um projeto de urbanismo que con- de tão participativas, ganharam um eixo “Monitor
templasse os seguintes itens: (I) quadra esportiva, Mirim do Meu Bairro”.
(II) ponto de encontro comunitário, (III) parquinho,
Crianças ajudando a divulgar o programa Ações Urbanas Comunitárias no bairro Residencial Vitória, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Rua transformada no bairro Residencial Vitória durante AUCs #19 e #20, 2016
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
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A intensa participação das crianças nas Ações Urbanas Comunitárias


e o engajamento comunitário no Residencial Vitória foram
fundamentais para o desenvolvimento do programa
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Praça do Residencial Vitória após intervenções feitas por meio de mutirões, 2018
No fim de 2016, após a tentativa de grilagem da Cabe esquadrinhar: ainda que, do ponto de vista Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
praça - fato já mencionado -, auxiliada pela então da regularização fundiária, a construção da quadra
arquiteta da CODHAB/DF, Manuella Coelho, a coor- fosse relevante, tendo em conta que impediria
denadora do Posto desenvolveu uma proposta de tentativas de grilagem, bem como atenderia às
ocupação imediata a ser submetida à aprovação exigências do Plano Diretor de Ordenamento Terri-
da comunidade. Consistia o projeto na constru- torial (PDOT), as críticas dos moradores encontrava
ção de um gazebo, utilizando-se de materiais em fulcro no fato dessa intervenção não constar no rol
sua maria doados - pneus, pedaços de madeira, das principais reivindicações e carências do bairro.
mudas de plantas, canos PVC, entre outros -, que
fortaleceria o caráter de espaço de uso coletivo Com o intuito de conscientizar a população sobre
da praça. Após aprovação da comunidade, o novo o relevo da conquista, bem como de apaziguar o
coordenador Renan Davis - que assumiu este posto conflito, o arquiteto Renan Davis organizou uma
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em abril de 2017 -, além de desenvolver o projeto nova reunião, da qual participou a Associação de
definitivo, ratificou a proposta com a comunidade Moradores Locais, para que novamente apresen-
em reunião deliberativa. Convém informar que o tasse o projeto à comunidade. Embora a adesão
projeto também foi apresentado à Administra- abaixo do esperado, um número considerável de
ção Regional, que iniciou trâmite licitatório para a moradores compareceu ao evento, oportunidade
construção de uma quadra poliesportiva coberto, em que a grande maioria dos presentes compre-
que substituiria o campo de areia e pneus. Com endeu a indispensabilidade da ocupação da área
o início da construção, alguns moradores mani- pelo governo e pela população.
festaram insatisfação com o novo equipamento
e solicitaram as obras de infraestrutura - pleito há
muito almejado.
MELHORIAS
HABITACIONAIS

O Subprograma Melhorias Habitacionais iniciou-se, de fato, em fins de 2018, A sra Helena, idosa com limitações de movimento, morava com a filha em
quando a CODHAB/DF, mediante licitação, contratou empresas de arqui- uma pequena casa de telhado muito baixo que causava excesso de calor.
tetura - dispondo de equipe multidisciplinar, de arquitetos, engenheiros e Cômodos mal divididos e sem adaptação às suas limitações faziam com que
assistentes sociais - para o (I) atendimento à população, bem com para a ela passasse a maior parte do tempo em um único local da residência. Com
(II) elaboração de projetos arquitetônicos destinados às famílias carentes. a promessa de recebimento de doação de material, sua filha buscou a equipe
Inicialmente, o Programa estabeleceu o seguinte propósito: o combate ao do Posto para desenvolvimento do projeto de intervenção. Após meses de
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déficit habitacional qualitativo, de forma a garantir, tanto o direito à moradia, entrega do estudo preliminar verificou-se que as doações de materiais não
como à dignidade da pessoa humana, para os indivíduos/famílias que care- foram concretizadas e que o projeto desenvolvido para a residência havia
ciam da intervenção pública. sido guardado na gaveta à espera de uma nova oportunidade.

Num primeiro momento, pretendeu-se ofertar projetos e execução de re- Diante das experiências vividas, viabilizar a execução das obras de reformas
formas residenciais na cidade de São Sebastião, mais especificamente no de habitação de interesse social, seja por meio de fundo perdido do Estado
Bairro Residencial Vitória, contudo, ao longo dos anos de 2016 à 2018, não foi ou linha de financiamento a juros baixo, é de suma importância para apontar
possível concretizar o intento - a não ser por algumas intervenções pontuais um caminho para o morador.
para alguns moradores que, possuindo recursos financeiros, tiveram seus
projetos desenvolvidos pela equipe técnica disponibilizada para a comunidade. Porém, destaca-se que, mesmo que tardio, em novembro de 2018 foi celebra-
do pela Codhab|DF contrato com empresa com equipe multidisciplinar para
Nesse sentido, podemos destacar o caso do senhor João, cadeirante, que desenvolvimento de projetos de reformas de até 80 unidades habitacionais
reivindicava um lar mais acessível e que lhe permitisse mais autonomia, o que apresentassem problemas de insegurança e insalubridade. Entende-se
que seria possível a partir de um projeto com proposta de acessibilidade que assim, que o simples fato de deixar um instrumento administrativo com
lhe permitisse autonomia e liberdade.E foi assim, que a prestação do serviço tamanho impacto social é de fato um avanço na política da habitação e
de Assistência Técnica Pública e Gratuita o atendeu na este morador. garantia ao direito à moradia.

Também ressaltamos a senhora Jaqueline, esteio de uma família com três Assim, com estimativa de intervenção de até 4.000 m² em Habitação de
filhos, nutria no seu peito um anseio por melhores condições de habitabilidade Interesse Social (HIS) - o equivalente a, aproximadamente, 80 famílias -, o
em sua residência - o mofo, por exemplo, causava problemas respiratórios Projeto foi apresentado à comunidade e às lideranças locais, que, cientes
nos seus filhos -, de modo a que se permitisse que todos os componentes das projeções, auxiliaram no mapeamento das famílias potenciais, seguindo
familiares pudessem ser adequadamente abrigados no lar. Assim, coube ao o seguinte critério: (I) que estivessem dentro da poligonal urbana; (II) que
Posto de Assitência Técnica o desenvolvimento de projeto inicial para que estivessem em situação de vulnerabilidade social - e residissem em casas
a mesma pudesse ter um direcionamento nas intervenções prioritárias e precárias, insalubres, com riscos estruturais ou outras patologias; e (III)
urgentes que seriam executadas pela própria moradora. cujo rendimento familiar não ultrapassasse 03 (três) salários mínimos, em
conformidade com a Lei Federal nº 11.888/2008.
PRINCIPAIS DESAFIOS
E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

A regularização fundiária do bairro Residencial Vitória Assim como o Distrito Federal, São Sebastião é muito
é sem dúvida algo muito importante que deverá ter nova. Mesmo que consolidada, ainda é muito precária,
andamento nos próximos quatro anos. Apenas um embora possua grande potencial para o desenvolvimen- Referências
dos seis projetos de regularização foi aprovado até este to econômico, social e ambiental. Tal evolução é hoje
momento, com isso, foi permitida a escrituração, doação emperrada pela burocracia e pela lentidão dos governos, ARAUJO, Mara de Fátima dos Santos. São Sebastião-DF: do sonho à cidade real.
de lotes e implantação completa da infraestrutura. Os que não respondem à necessidade de regularizar e 2009. 140 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade
demais projetos de urbanismo devem ser aprovados organizar o desenvolvimento da cidade no mesmo de Brasília, Brasília, 2009.
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com urgência a fim de garantir segurança jurídica aos ritmo que o crescimento das ocupações irregulares.
moradores e comerciantes da cidade para construírem e COMPANHIA de Planejamento do Distrito Federal. Pesquisa Distrital por Amostra
empreenderem, além de permitir a negociação e venda No Brasil, a contratação de serviços de arquitetura e de Domicílios: São Sebastião. Distrito Federal, 2016. Disponível em:
dos lotes já ocupados há décadas, movimentando a engenharia como uma solução para evitar os problemas <https://goo.gl/LSJaoL>. Acesso em outubro de 2018.
economia da cidade. decorrentes da falta de planejamento e da construção
desassistidos é algo distante da população de uma MEMÓRIAS OLEIRAS. São Sebastião tijolo por tijolo. Disponível em:
Seja por meio da conscientização e orientação dos mo- forma geral. Assim, o Estado disponibilizar a Assistência <http://memoriasoleiras.com.br/historia/>. Acesso em novembro de 2018.
radores acerca da inseguridade de ocupar irregularmen- Técnica Pública e Gratuita dentro de um território que
te e habitar áreas de risco, seja por meio da fiscalização possui estoque de moradias provenientes da autocons- IAB. Manual para a Implantação da Assistência Técnica Pública e Gratuita a
e do monitoramento eficiente, é importante controlar trução com a oferta de melhorias é respeitar a história Famílias de Baixa Renda para Projeto e Construção de Habitação de Interesse
o crescimento da cidade e evitar novas ocupações e esforço de cada morador que com esforço próprio Social. Disponível em: . Acesso em: Agosto de 2018.
irregulares. Também são fatores a serem observados ergueu da maneira que pode o seu espaço de morar.
durante o processo de regularização a emissão de
licenças e alvarás por parte da Administração Regional Assim, a atuação do Estado deve ser ordenada no
e a morosidade dos demais órgãos quando denunciada sentido de concretizar as políticas públicas, e apesar
uma nova invasão ou solicitada uma desobstrução. dos grandes avanços obtidos pelo Governo de Brasília
Tais práticas não protegem as poucas áreas públicas durante os anos de 2015|2018 em relação a implemen-
remanescentes, tão necessárias à cidade. tação da Assistência Técnica em HIS, conclui-se que
ainda têm-se um caminho muito longo a ser percorrido
O monitoramento sobre a ocupação que cresce dia a e desenhado para que a mudança na forma de fazer
dia nas áreas rurais da cidade, deverá ser a principal a cidade afete as futuros usuários dos mesmos. A
batalha das próximas gestões tendo em vista que mi- oferta desta política de ATHIS precisa obrigatoriamente
lhares de famílias já estão construindo de forma célere avançar no próximos anos de forma a tornar-se uma
suas habitações em áreas ambientalmente sensíveis, política de estado que permita a construção efetiva
impactando na alteração da vegetação, do solo, recur- de Estado Democrático de Direito, demonstrando que
sos hídricos, tornando-se inclusive risco à saúde e à existe respeito ao território já consolidado.
integridade física e mental da população ali residente,
como é o caso do aglomerado Morro da Cruz que já
ocupa uma área aproximada de 200 hectares e possui
Resultado da AUC #20, 2016
uma estimativa de mais de 20.000 pessoas. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
5
atores e
estratégias
1
2
A ARQUITETURA PÚBLICA E SEUS ATORES
ASSISTÊNCIA TÉCNICA COMO EXTENSÃO da construção
popular
3 O PONTO DE VISTA DAS ENGENHARIAS
4 MOBILIZAÇÃO NA COMUNIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE
A ARQUITETURA PÚBLICA
E SEUS ATORES

por Elisabete França

Quando escolhemos estudar arquitetura somos A sociedade tem dificuldades em reconhecer o “os resultados mostraram que 54% do universo Embora não tenha sido investigada a participação
sempre muito jovens, e o que conhecemos da arquiteto como um profissional que pode atuar em estudado tinha feito reformas ou construções e, dos arquitetos nos serviços de responsabilidade
profissão está relacionado ao glamour por meio suas necessidades cotidianas e se sente pouco destes, menos de 15% utilizaram os serviços de da gestão pública, provavelmente teríamos índices
do qual é reconhecida pela sociedade e por parte encorajada a contratar serviços dessa natureza. um arquiteto no projeto ou no acompanhamento semelhantes ou até mais preocupantes. Poucas
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significativa dos possíveis clientes. A arquitetura Tal constatação foi reforçada pela pesquisa que 1
da obra”. A mesma pesquisa apontou também que são as prefeituras que abrem concursos para a
que chama atenção é aquela das capas de revistas o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) “70% afirmaram que contratariam os serviços de contratação de arquitetos e, em nível estadual ou
e premiações nacionais e internacionais, em que realizou em 2015 em parceria com o Instituto um arquiteto e urbanista, mas a parcela dos que federal, também são raras as possibilidades que
são mostrados os projetos dos stararchitects e de Datafolha, a qual teve como foco o universo em que já contrataram tais serviços era de 7%”. Esses se apresentam para a ampliação desse quadro
seus pupilos. Consolidou-se ao longo de décadas se insere a população economicamente ativa do números confirmam a “distância existente entre a de profissionais.
desse glamour uma ideia pouco satisfatória sobre a país. Conforme apontei na publicação Arquitetura profissão e o processo de produção das cidades”.
profissão, infelizmente relacionada a projetos para em retrospectiva: 10 bienais de São Paulo2,
os mais ricos ou para as pretensões megalômanas
de governos. 1 Conselho de Arquitetura e Urbanismo e Datafolha, 2015.
O maior diagnóstico sobre arquitetura e urbanismo já feito no
Brasil. Disponível em: <https://goo.gl/CZHD3e>.

2 FRANÇA, E. Arquitetura em retrospectiva: 10 bienais de São


Paulo. São Paulo: KPMO Cultura e Arte, 2017.

PAT Estrutural, 2018


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Por outro lado, a atuação de arquitetos no serviço público historicamente tem Assim, vemos surgir uma geração de arquitetos e arquitetas que preferem
sido considerada como um “primo pobre” da profissão, o que, de início, afasta criticar a experiência dos colegas a desenvolver projetos e concretizá-los,
os estudantes de se enveredarem por esse caminho. Pouco ou nunca são talvez conduzidos pelo receio de enfrentar a realidade e as tragédias urba-
estimulados a conhecer as possibilidades de atuação nesse mundo pouco nas encontradas nas cidades, talvez preferindo se manter na comodidade
afeito ao glamour. Nossa grade curricular, quando muito, joga para o campo de seus lares mimados. Com seus ares de doutores em todos os assuntos
das disciplinas optativas temas como habitação social, urbanização de favelas, pertinentes à vida urbana, e apoiados em ampla bibliografia concentrada em
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regularização fundiária, desenho urbano de espaços públicos e assistência poucos autores e repetida à exaustão, argumentam que a distância do dia a
técnica. Pior ainda, as disciplinas complementares, como orçamentação, dia de um órgão público e de suas mazelas lhes permite analisar com maior
legislação e gestão pública, simplesmente não existem. discernimento o que fazem seus colegas do andar inferior.

Como resultado, temos poucos profissionais credenciados para trabalhar na Essa situação pouco favorável à profissão e aos milhares de profissionais
gestão pública, e os poucos que se enveredam por esse caminho são sempre que se formam a cada ano vem se transformando, mesmo que aos poucos,
vistos com desconfiança pela categoria, considerados como membros da graças a experiências de um reduzido número de colegas no serviço públi-
base da pirâmide social da profissão. Essa desconfiança muitas vezes se co. Várias experiências ilustram a importância da presença de arquitetos e
estabelece em relação a suas reais intenções ao escolher a gestão pública arquitetas na condução de políticas públicas, cabendo citar alguns poucos
como área de atuação. O pior de todos os momentos se dá quando o téc- e bons exemplos.
nico trabalha para um governo que não representa aquele pelo qual alguns
profissionais nutrem amores infinitos. Aí, então, ele será considerado como O que seria do Rio de Janeiro sem a presença de Carmen Portinho e Affonso
alguém à direita de todos os espectros ideológicos e, mesmo que realize Reidy na condução do Departamento de Habitação, berço do mais represen-
um bom trabalho, nunca será reconhecido e, na maior parte das vezes, será tativo projeto de habitação social do país: o conjunto Pedregulho? Décadas
criticado ou analisado com desconfiança. depois, a Secretaria de Habitação coordenou o Programa Favela-Bairro, um
exemplo seguido por cidades brasileiras e estrangeiras, mostrando que era
Existem ainda os arquitetos públicos que se veem frente aos profissionais possível tirar do mapa da desigualdade os bairros mais pobres e irregulares
da crítica, já que temos formado em nossas faculdades de arquitetura um da cidade maravilhosa. Cabe ainda lembrar as práticas inovadoras implanta-
grande número de estudantes que, amparados pela visão limitada de seus das na cidade de São Paulo entre os anos de 2005 e 2012, quando dezenas
orientadores, dedicam-se apenas à pesquisa, sem se aventurarem no campo de favelas foram urbanizadas com projetos de qualidade conduzidos por
da vida prática. Esse grupo profissional dirige grande parte de suas pesquisas escritórios de arquitetura. Em todas essas experiências reforça-se a relação
à análise das poucas boas práticas públicas que existem. Como consequ- entre a arquitetura e a construção de cidades mais inclusivas.
ência, para cada programa executado com todas as dificuldades existentes
na máquina pública, o que se observa é que aparecem nove ou dez estudos Recentemente, partiu do Distrito Federal outra experiência inovadora, condu-
criticando o tal trabalho. zida por um conjunto de profissionais entusiasmados e prontos para mudar
a realidade e o cotidiano dos bairros precários da capital federal.
AS NOVAS FORMAS DE FAZER ARQUITETURA
PÚBLICA E O EXEMPLO QUE VEM DE BRASÍLIA

Há tempos, nós, os poucos profissionais da cidade crescimento populacional que viria a ocorrer a Assim como ocorre nas maiores cidades brasileiras, em Brasília a expansão
e da gestão pública, temos alertado para a neces- partir da construção e implantação da nova capital urbana das últimas décadas – não prevista em nenhum plano diretor original
sidade de mudança das formas tradicionais de se federal. À semelhança do que vem ocorrendo em e muito menos no Plano Piloto – vem empurrando as famílias para a irre-
praticar a arquitetura. Algumas experiências, como todas as grandes e médias cidades brasileiras, o gularidade, para bairros implantados sem a observação das normas e dos
as acima lembradas, vêm demonstrando, através crescimento populacional ultrapassou previsões, padrões de uma legislação urbana desatualizada. Essa legislação foi cons-
de práticas inovadoras, que é possível, sim, mudar e os bairros periféricos se expandiram à margem truída sob a influência dos códigos da era modernista e não mais responde
e revolucionar o modo de ser da gestão pública a de toda e qualquer legislação urbana – incluídos às necessidades da população urbana crescente, a qual não tem condições
partir da participação dos arquitetos. É com muita os idolatrados planos diretores e suas legislações de acessar os sistemas financeiros existentes para a aquisição da moradia.
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alegria que acompanhamos as boas práticas que complementares, como a lei de uso e ocupação
foram implantadas no Distrito Federal entre 2015 e do solo e o código de obras. “Aprimora-se o formal como se não existisse a presença do informal”, confor-
2018, na gestão da Secretaria de Estado de Gestão me escreveu o arquiteto Luiz Fernando Janot em artigo para o jornal O Globo
do Território e Habitação (Segeth, atual Seduh) e No Distrito Federal, apenas em uma das regiões (6.5.2018. O Globo). Evidenciam-se, assim, as preocupações dos governos
da Companhia de Desenvolvimento Habitacional administrativas – a maior delas, Ceilândia – vivem municipais em regular a cidade formal, sem reconhecer o crescimento da
do Distrito Federal (Codhab/DF). cerca de 500 mil moradores. Essa população é cidade informal.
quase duas vezes maior que a do Plano Piloto e
Em 2015, Rodrigo Rollemberg assumiu o Governo maior que a de algumas capitais brasileiras, como Quanto ao exemplo que nos chega de Brasília, vemos uma inversão dessa
do Distrito Federal e, reconhecendo a competência Vitória ou Florianópolis. Os números continuam prioridade. A política habitacional é desenvolvida e implantada para aqueles
dos colegas da direção do IAB local, convidou o expressivos quando analisamos projeções do IBGE que, sem outra opção que não a de comprar um terreno não legalizado,
então presidente do Instituto, Thiago Teixeira de mostrando que bairros novos como o Pôr do Sol construíram suas moradias com esforços que tomam parte de seu salário
Andrade, para assumir a Secretaria. Thiago, de e o Sol Nascente apresentaram taxas de cresci- e anos de vida. Inverte-se, então, a lógica tradicional da gestão pública e, em
imediato, chamou seu colega Gilson Paranhos para mento de até 9%. Brasília, aprimora-se o informal.
coordenar os trabalhos da Codhab. Em apenas qua-
tro anos, uma revolução foi colocada em prática e
mudando a forma de atuar da gestão pública local,
materializando uma política habitacional que visa
atender a população mais carente e destituída das
benesses da vida urbana encontradas nos limites
territoriais estabelecidos pelo Plano Piloto.

Brasília, a joia da coroa do movimento modernista,


a qual abriga atualmente cerca de 220 mil morado-
res em sua área central, viu sua população crescer
para 3 milhões de habitantes1. Esse contingente
se espalhou pelas dezenas de regiões adminis-
trativas inicialmente planejadas para receber o

1 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Brasil em síntese, Distrito Federal.
Disponível em: <https://goo.gl/Jt7qwX>.
PROGRAMA HABITA BRASÍLIA

Envolvendo profissionais de vários campos de atuação e atraindo a parti- É importante lembrar que a Companhia foi pioneira na aplicação da Lei Federal
cipação de estudantes, rapidamente se conformou o plano da gestão para nº 11.888/08, que trata da assistência técnica para famílias moradoras dos
implementar programas habitacionais dirigidos às necessidades maiores dos bairros mais pobres, assistência essa materializada por meio de dez postos
bairros carentes do Distrito federal. Sob o guarda-chuva do programa Habita que foram implantados nas regiões mais carentes do DF. Lá, os jovens arqui-
Brasília, foram planejadas e implantadas ações de regularização urbanística tetos e urbanistas desenvolveram projetos de infraestrutura e de melhorias
e fundiária, produzidas novas unidades, e havia ainda um amplo programa de de espaços públicos, além de melhorias habitacionais, sempre envolvendo
542 543
assistência técnica – o que implica um esforço enorme para a mobilização de forma ativa as famílias que ali vivem. As equipes de assistência técnica
das comunidades envolvidas. se aproximaram dos moradores e buscaram reverter o desconhecimento e/
ou a reserva inicial sobre o trabalho do arquiteto, demonstrados na pesquisa
O Habita Brasília visava promover a construção de novas unidades habi- do CAU.
tacionais, regularizar juridicamente a situação dos milhares de moradores
dos bairros implantados em desconformidade com a legislação urbanística Parte das ações desenvolvidas pela equipe à frente da condução da política
excludente e combater a grilagem de áreas vazias. Esse último objetivo teve habitacional no DF, essas iniciativas ilustram um mundo de possibilidades
como enfoque o combate a um dos maiores problemas enfrentados no Dis- em que a presença dos arquitetos é fundamental para melhorar as condições
trito Federal. Também merece elogios a forma de contratação de projetos de vida dos moradores de bairros esquecidos há décadas, devido a formas
para os novos conjuntos habitacionais e equipamentos públicos que serão de atuar na cidade que ignoram a realidade urbana brasileira. Os arquitetos
implantados nos bairros, com a realização de dezenas de concursos públicos e arquitetas do DF não buscaram a notoriedade das premiações nacionais
que atraíram a participação de equipes de todo o país. e internacionais; buscam, tão somente, transformar a cidade considerada a
Meca do urbanismo modernista.
Dessa forma, os colegas gestores não só promoveram uma forma democrática
e inclusiva de contratar projetos – que resultou em um amplo conjunto de Graças à mudança que realizaram em tão pouco tempo e tão entusiastica-
boas soluções arquitetônicas e urbanísticas –, como também reforçaram, mente, com toda certeza já se transformaram em referência importante na
através de seu trabalho exemplar, a importância de arquitetos estarem à construção do ideário do urbanismo do século XXI. Esse urbanismo acredita
frente de órgãos públicos. Em apenas quatro anos de gestão, os concursos que a atuação pública deve privilegiar todos e, em especial, os mais pobres,
públicos promovidos resultaram em projetos para cerca de 12 mil novas que vivem em bairros historicamente fora do radar das políticas urbanas.
unidades habitacionais, inclusive no âmbito de financiamentos do Minha
Casa Minha Vida. Isso demonstra que seria possível que o programa federal A nova Brasília, construída pelos quase três milhões de moradores que ali
tivesse investido na qualidade dos projetos, ao contrário do que temos visto vivem à revelia da legislação formal, entra no radar das políticas públicas e
na maioria das intervenções que se multiplicaram pelo país afora. não só nos servem como exemplo de experiência revolucionária em curso,
mas também nos traz um sopro de otimismo em relação à nossa capacidade
de mudar as cidades a partir de referências do século XXI.
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
COMO EXTENSÃO
A ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM ARQUITETURA E URBANISMO
NOS PROJETOS DE EXTENSÃO DA FAU/UNB EM DOIS MOMENTOS:
NO NÍVEL DE FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES NO EMAU/CASAS
E NO NÍVEL DE PROFISSIONALIZAÇÃO NA DIPLOMAÇÃO
COM A METODOLOGIA PARTICIPATIVA
DO PROCESSO DE PROJETO DO GRUPO PERIFÉRICO

por Liza Maria Souza de Andrade, Natália da Silva Lemos,


Vania Raquel Teles Loureiro e Nathálya Louise Macêdo Leal
544 545

INTRODUÇÃO

O campo da Extensão Universitária representa uma possibilidade importante


de reconstrução do conhecimento científico a partir da transposição dos
muros da universidade e do uso desse conhecimento “na luta cotidiana
pelo bem comum”. O determinismo tecnológico e a neutralidade política da
ciência fazem desaparecer outros saberes e conhecimentos. A universida-
de tem papel chave na formulação e na condução de políticas de ciência
e tecnologia, a fim de assegurar a democratização de acesso e produção
de conhecimento pelas novas ciências, que abrangem múltiplos campos
de saberes inter e transdisciplinares como a visão sistêmica das cidades.
O conceito de Adequação Sociotécnica – AST – baseada em Neder (2016)
busca promover uma adequação do conhecimento científico e tecnológico
não apenas visando a questão técnico-econômica, mas englobando outros
aspectos que envolvem as estratégias de sobrevivência do ser humano,
identitária do sujeito sociotécnico e sua relação com a natureza, que cons-
tituem a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade - CTS.

No campo da arquitetura e do urbanismo, uma forma de tecnologia social


que vem sendo utilizada para inverter essa situação das comunidades
excluídas é o urbanismo participativo ou tático (figura 1), que faz uso de
técnicas que visam aproximar a população do projeto através de métodos
de trabalho participativos e conhecimento antropológico da realidade. Essas
técnicas urbanísticas visam aproximar a população das decisões urbanas,
construindo uma lógica mais próxima ao cidadão. Nessa estratégia, os
profissionais se põem ao lado dos habitantes e trabalham a partir dos seus
Urbanismo participativo ou tático aplicados na comunidade Dorothy Stang, em Sobradinho – DF
apelos e de suas reivindicações. Fonte: Liza Andrade (editadas)
546 547
A cada ano, cresce o interesse de estudantes e pro- Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Uni- Embora cumpra o papel social fundamental na formação dos estudantes e na
fissionais no movimento CTS a partir da exploração versidade de Brasília, nos últimos anos, a experi- inclusão dos saberes populares, desde o processo de pesquisa e elaboração
de uma abordagem mais participativa e social nos ência da Extensão Universitária em assistência/ de soluções projetuais, a atuação do EMAU/CASAS (figura 2) encontra difi-
processos de desenvolvimento de pesquisas-ação assessoria técnica tem sido desenvolvida em dois culdades em sobreviver e dar continuidade aos trabalhos devido à alta rotati-
e projetos de arquitetura e urbanismo em conjunto momentos diferentes: no nível de formação e no vidade dos estudantes e por falta apoio de docentes orientadores, dispostos
com movimentos sociais. nível de profissionalização. No nível de formação, a trabalhar extensão na graduação com projetos participativos, uma vez que
a assistência técnica AT ocorre por atividades do as orientações na pós-graduação são mais valorizadas no meio acadêmico.
Embora tenha sido sancionada em 2008, a lei de Escritório Modelo EMAU/CASAS (Centro de Ação
Assistência Técnica (Lei Federal nº 11.888/08) Social em Arquitetura e Urbanismo Sustentável), No entanto, a demanda crescente por parte dos estudantes para trabalhar a
ainda não é realidade em boa parte do Brasil. fundado em 2002 e, posteriormente institucionali- realidade da prática profissional em arquitetura social, direcionou a continui-
Segundo dados da União Internacional dos Ar- zado com os Projetos de Extensão de Ação Contí- dade da extensão para os trabalhos de diplomação, neste contexto o grupo
quitetos – UIA, os arquitetos trabalham para 8% nua, ASAS (Ação Social em Arquitetura Sustentável) Periférico foi criado. Assim, no nível de profissionalização, a assistência/
da população (CAU, 2016)1. Essa lei assegura às e PATUA (Programa de Assistência Técnica em assessoria ocorre nos trabalhos finais de graduação - TFGs do PEAC “Peri-
famílias de baixa renda assistência técnica pú- Urbanismo e Arquitetura). férico – trabalhos emergentes”, desde 2013, institucionalizado em 2016. A
blica e gratuita para o projeto e a construção de AT se dá com maior envolvimento e compromisso do estudante, sendo este
habitação de interesse social. Determinou quatro Os estudantes do EMAU/CASAS têm acesso à responsável junto com o professor orientador na elaboração de projetos de
formas básicas de assistência técnica por meio formação política em AU e AT por meio da dis- arquitetura e urbanismo de: habitação social no campo e na cidade, urbanis-
de: servidores públicos, integrantes de equipes ciplina de PEMAU (Prática em Escritório Modelo mo participativo (planejamento do território, planos de bairro, planos de vila,
de organizações não-governamentais sem fins em Arquitetura e Urbanismo. Além disso, o CASAS regularização fundiária), pedagogia urbana em escolas públicas, espaços
lucrativos, profissionais autônomos, e profissionais tem atuado junto ao Centro Acadêmico da FAU em socioprodutivos no campo e cenários mais sustentáveis agroecológicos,
inscritos em programas de residência acadêmica, vários momentos de discussão política, como o infraestrutura e planejamento afrorrural para territórios quilombolas, equipa-
como programas de extensão universitária, por caso das Ocupações Estudantis e na promoção de mentos comunitários e culturais, espaços públicos e parques urbanos, circuitos
meio de escritórios-modelos. eventos acadêmicos como o “III Colóquio Habitat e culturais (praças abandonadas, vias deterioradas e becos). Contabiliza-se até
Cidadania: habitação social no campo nas águas e o momento aproximadamente 25 trabalhos desenvolvidos no DF e entorno.
nas florestas”, que ocorreu em Brasília, organizado
pelo Grupo Habis do IAU/USP e o GERAH da FAU/
UFRN em parceria com o CASAS.
¹ Fonte: Assessoria de Comunicação do CAU/BR e Assessoria
de Imprensa do Congresso Pan-Americano de Arquitetos Estudantes envolvidos em oficina organizada pelo EMAU/CASAS para a
<http://www.caubr.gov.br/lei-de-assistencia-tecnica-ainda-nao- construção de brinquedos para as crianças da comunidade Dorothy Stang
-e-realidade-no-brasil>. Fonte: Vânia Loureiro (editadas)
A partir do PEAC, foi criado o Grupo de Pesqui- Desde os últimos seis anos, os PEACs do CASAS, PROCESSO METODOLÓGICO DO GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO
sa e Extensão “Periférico, trabalhos emergentes”, bem como do Periférico, são coordenados pela PERIFÉRICO PARA ADEQUAÇÃO SOCIOTÉCNICA
registrado no CNPq em 2017, vinculado ao PPG- professora Liza Maria Souza de Andrade (atual
-FAU, que no momento está também atuando no coordenadora de extensão da FAU), que tem ten- A proposta do grupo é resgatar contribuições do urbanismo de tradições
nível de especialização da pós-graduação com tado integrar os projetos de extensão, fortalecen- orgânicas e participativas baseado na auto-organização de baixo para cima
a Nucleação da Residência RAU+E da UFBA em do as formas de assistência/assessoria técnica, (bottom-up). O processo de projeto do Grupo de Pesquisa e Extensão Pe-
Habitação Social e direito à cidade. O grupo tem promovendo parcerias entre os estudantes de riférico é construído partindo-se das demandas e vocações levantadas e
apresentado o desenvolvimento de inovações em graduação, da diplomação e da pós-graduação. análise das potencialidades e problemas: identidade local, saberes existentes,
processos de ensino com metodologias ativas e de A disciplina de PEMAU/CASAS tem sido o eixo de padrões espaciais e de acontecimentos de acordo com as dimensões da
inclusão social, participado do desenvolvimento de integração, com professores e mestrandos. Ambos sustentabilidade, social, cultural e emocional, econômica e ambiental. Assim,
tecnologias sociais com comunidades no âmbito trabalham metodologias de processo participativo as premissas básicas são trabalhadas em relação ao direito à moradia e à
de projetos de urbanismo e da arquitetura, porém de projetação nas análises e soluções por meio cidade e à proteção ao meio ambiente.
548 549
sempre procurando uma abordagem interdisci- de padrões (ALEXANDER et al, 1977) e (ANDRADE,
plinar e transdisciplinar nas áreas de promoção 2014) integrados às dimensões da sustentabilidade O conceito de ecossistemas urbanos tem duas vertentes: uma que é adotada
da saúde, economia solidária e direitos humanos. (ANDRADE e LEMOS, 2015). por pesquisadores do “Cary Institute of Ecosystems Study” dos EUA, que
abrange os componentes biológicos, físicos, sociais e do ambiente constru-
O grande desafio do Periférico é não transformar Considerando o conceito de adequação sociotéc- ído; a outra, utilizada por pesquisadores da Espanha como “desenho social
essa atividade de extensão em uma “invasão cultu- nica – AST no qual os sujeitos do conhecimento urbano”, como o desenho de espaços ambientais e dinâmicas para melhorar
ral”, lembrando Freire (1970, p.149), apenas levan- científico compartilham seus códigos técnicos a auto-organização dos cidadãos, interação social dentro de comunidades e
do-se conteúdo que reflete a visão de mundo da- com os sujeitos sociais organizados, gerando o seus relacionamentos com o meio ambiente.
queles que superpõe a daqueles que passivamente conceito de “interacionismo pedagógico e socio-
recebem, desrespeitando-se as potencialidades do técnico”, este artigo tem como objetivo demonstrar O grupo Periférico e o CASAS utilizam algumas técnicas do “Manual de Par-
ser a que condiciona. “Na invasão cultural, como o processo de projeto do Grupo de Pesquisa e ticipação da comunidade em processos de desenho urbano e de urbanismo
de resto em todas as modalidades da ação antidia- Extensão Periférico, que é dividido em cinco etapas do Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Portugal” (LNECP, DED/NAU
lógica, os invasores são os autores e os atores do inter-relacionadas: (1) análise do contexto físico 2013) que enumera 13 métodos e 57 técnicas de participação comunitárias
processo, seu sujeito; os invadidos, seus objetos”. e social com envolvimento da população local de responsáveis pela dinâmica do processo participativo. Os métodos compre-
acordo com as dimensões da sustentabilidade; (2) endem: planejamento estratégico, visão, processo charrete, planejamento
elaboração e sistematização de padrões espaciais comunitário de ações, pesquisa-ação participativa, jogo participativo, sessões
e de acontecimentos a partir das informações de trabalho, avaliação e preferência visual, júri ou conferência de cidadãos,
levantadas; (3) oficinas de participação, mapas painel de peritos, células de planejamento, tertúlia e avaliação de pós-ocu-
mentais, mapas afetivos e jogo dos padrões (4) pação. As técnicas constituem um conjunto de meios postos em ação com
construção de cenários, propostas alternativas vista à obtenção de um fim predeterminado, constituindo parte integrante
do estudo preliminar para tomada de decisão (5) de um ou mais métodos, tais como: técnicas de tomada de consciência;
entrega do caderno técnico ilustrado. técnicas indiretas como questionários e pesquisas; técnicas de interação de
grupo; técnicas abertas – ações sem um fim que podem gerar resultados
inesperados; técnicas de exploração de ideias (brainstorming) presentes no
imaginário coletivo de uma comunidade; técnicas de base tecnológica – o
uso de recursos tecnológicos como a internet, redes sociais e o mapeamento
virtual como forma de ampliar a participação.

Estudantes envolvidos em oficina organizada pelo EMAU/CASAS para a construção


de brinquedos para as crianças da comunidade Dorothy Stang
Fonte: Vânia Loureiro (editadas)
A importância da “adequação sociotécnica” está Os padrões são selecionados após um diagnóstico Em cada projeto, após a seleção dos padrões, são desenvolvidos esquemas
relacionada com os objetivos que se deseja al- participativo do local no formato de mapas afetivos, e desenhos relacionados a cada um como códigos geradores de processo,
cançar, com o contexto e com a capacidade de uma análise do contexto que contempla os padrões o que permite uma conexão entre eles de uma forma sistêmica e podem ser
envolvimento da comunidade. As técnicas que de acontecimentos relacionados ao espaço e às apresentados às comunidades como forma de linguagem entre projetistas e
exigem alto grau de envolvimento apenas devem expectativas sociais mapeadas pelas análises das comunidade (figura 3). Utiliza-se o “jogo dos padrões” no formato de cartas
ser aplicadas em comunidades que possam ofere- dimensões da sustentabilidade. Sistematiza-se tais de baralho como forma de aproximação com a comunidade.
cer esse retorno, da mesma forma que, em casos padrões para estabelecer uma linguagem com a
de urgência, o processo deve utilizar uma técnica comunidade, aumentando a sua participação no Considerando os fatores inerentes à área de arquitetura e urbanismo para que
capaz de gerar resultado em pouco tempo como, processo, na forma de “códigos geradores” de os projetos dos TFGs possam ser aprovados nas bancas avaliativas, além
por exemplo, caminhadas de apreensão do espaço soluções para o processo de desenvolvimento dos da participação social e do processo de projeto, os trabalhos do Grupo de
no modelo Jane’s Walk, mapas mentais produzidos projetos os padrões desenvolvidos por Alexander Pesquisa Periférico contemplam também a pesquisa-ação e a conclusão de
na metodologia de Kevin Lynch e mapas afetivos/ et al (1977) e padrões dos ecossistemas urbanos um produto final técnico no formato de caderno ilustrado. A seguir, as cinco
550 551
colaborativos com infográficos. desenvolvidos por Andrade (2014). Estes últimos, já etapas do processo que se sobrepõem e ocorrem de forma sistêmica; uma
ilustrados, facilitam o entendimento e incorporam interfere na outra, sem uma sequência rígida.
a visão do desenho urbano sensível à água no
nível da comunidade e da paisagem. Trata-se de
uma síntese de padrões, que devem ser aplicados
no nível da comunidade e no nível da paisagem,
que estão em consonância com os princípios de
sustentabilidade urbana.

Estudantes em oficina prática dos processos de projeto englobados pelo urbanismo participativo ou tático
Fonte: Liza Andrade (editadas)
A forma como ocorre a participação depende tanto das metodologias de
trabalho aplicadas como também do envolvimento do técnico e da forma
como são conduzidas. Os atores envolvidos são pessoas da comunidade,
ETAPAS E PROCESSOS DA METODOLOGIA
crianças, jovens, mães, trabalhadores e até mesmo técnicos de governo.
A escolha da área se dá por meio de demandas pré-estabelecidas ou em
regiões onde integrantes do grupo Periférico já trabalharam ou onde os
Consiste na análise do contexto espacial por meio das dimensões morfo- estudantes conhecem bem. Procura-se dar continuidade a ações e projetos
lógicas e dos princípios de sustentabilidade, simultaneamente a análise em territórios já trabalhados para fortalecer vínculos e aumentar a chance de

1
dos dados socioeconômicos, culturais e dos atores que podem participar produzir intervenções concretas. A aproximação ocorre por meio de visitas e
do processo. Nessa fase também se analisa a dimensão política. em que entrevistas ou apresentação de intenções com chamadas para encontros ou

3
situação fundiária se encontra a ocupação urbana, conflitos, dinâmicas e café comunitário em algum equipamento público como escolas ou espaços
atores envolvidos. Trata-se do diagnóstico participativo, parceria do pes- públicos. A partir daí, inicia-se o processo de conhecimento da comunidade e
quisador com a comunidade. Para análise do contexto físico, a partir do de agentes potenciais para o desenvolvimento do trabalho. Em alguns casos
entendimento das expectativas sociais associadas às características do em que a comunidade é organizada, onde já ocorre uma autogestão, é mais
lugar, à forma urbana, considera-se as dimensões morfológicas do processo fácil de avançar com propostas de táticas urbanas, entendidas como ações
552 553
ANÁLISE DO de urbanização desenvolvida pelo grupo DIMPU para um bom desempenho interativas no espaço para estimular a conexão entre as pessoas o lugar
CONTEXTO FÍSICO quanto aos aspectos funcionais, bioclimáticos, econômicos, sociológicos, como, arte urbana, grafites, ruas de lazer, caminhadas com a comunidade,
E SOCIAL COM de identidade e orientabilidade, afetivos, simbólicos e estéticos, bem como OFICINAS E concurso fotográfico, ou construção de mobiliário urbano. Nessa fase é im-
ENVOLVIMENTO DA éticos e ecológicos. Aprimorou-se o método de sistematização de informações PRÁTICAS DE portante o arquiteto urbanista ter em mente que pode contribuir para agenciar
POPULAÇÃO LOCAL por meio das dimensões da sustentabilidade, metodologia desenvolvida por PARTICIPAÇÃO PARA atores e processos existentes. O objetivo é funcionar como dispositivo para

4
DE ACORDO COM Andrade e Lemos (2015) “Qualidade de projeto urbanístico: sustentabilidade ELABORAÇÃO DE promover uma autogestão e agregar mais pessoas no desenvolvimento dos
AS DIMENSÕES DA e qualidade da forma urbana”, que segue os princípios norteadores inerentes CÓDIGOS TÉCNICOS planos e projetos.
SUSTENTABILIDADE à cada uma das quatro dimensões da sustentabilidade urbana (ambiental,
NA FORMA DE UM social, econômica, cultural e afetiva) de uma maneira mais inclusiva e mostra
DIAGNÓSTICO como o conceito pode ser abordado em cada esfera urbana, no que tange
PARTICIPATIVO aos princípios, critérios e indicadores. A partir da sistematização dos padrões, são apresentados cenários no formato
de propostas alternativas a partir dos padrões espaciais e de acontecimen-
tos nas quatro dimensões da sustentabilidade. Utiliza-se quando possível PROPOSTAS
Para uma melhor adequação sociotécnica AST, a etapa seguinte consiste a dinâmica do café mundial. Apresenta-se um repertório fotográfico com ALTERNATIVAS E
na elaboração de soluções na forma de códigos ou padrões que podem ser ilustrações de soluções em lugares semelhantes ou apontadas pela comu- ELABORAÇÃO DE
elaborados a partir dos problemas relatados pela comunidade, soluções nidade possíveis soluções e desenho à mão livre. CENÁRIOS
apontadas pelas pessoas no processo participativo e pela análise do contexto

5
local. Um padrão pode ser entendido como uma solução recorrente para Apresentação do produto intermediário à comunidade antes de ser finalizado

2
resolver um problema de arquitetura e urbanismo ou técnico ou até mesmo no formato de caderno/relatório. Esta é a etapa de conclusão do trabalho
social. Essa capacidade em se comunicar gerada pelos padrões possibilita um desenvolvido por um estudante de TFG ou da equipe do projeto de extensão
conhecimento aplicável em desenho. Nesse caso, a linguagem dos padrões com bolsistas vinculados aos Editais do Decanato de Extensão da UnB ou
fica vinculada às atividades humanas, à cultura e à tradição (ALEXANDER dos residentes, da parceria da Nucleação da Residência AU+E da UFBA.
et al, 1977). Cada solução proposta em cada padrão é escrita no formato Nesse caderno se encontram informações com uma linguagem mais aces-
de instrução, contendo um caráter abstrato. Os padrões de acontecimentos sível à população como: histórico do lugar; análise da legislação vigente e
estão diretamente ligados a seu espaço que nos mostram o que é a estrutura ELABORAÇÃO das diretrizes dos planos do território; análise do contexto físico e social
de uma cidade ou edifício. A partir daí, cabe a cada um interpretar da melhor A TRANSFORMAÇÃO E ENTREGA DE (preexistências) segundo as dimensões da sustentabilidade, o levantamento
forma, adaptando suas preferências às condições e ao local do projeto. Os DE CÓDIGOS CADERNO TÉCNICO de padrões identitários, espaciais e de acontecimentos; mapas mentais ou
padrões são sistematizados no formato de cartas de baralhos para que os TÉCNICOS ILUSTRADO afetivos desenho dos padrões; o processo participativo, os atores envolvidos,
membros da comunidade possam inseri-los na imagem aérea do local de EM PADRÕES COM ESTUDO fotos e desenhos, cenários no formato de soluções alternativas, estudo preli-
acordo com temas no processo participativo, como por exemplo, na dinâmica ESPACIAIS E DE PRELIMINAR minar e direcionamentos futuros ou possíveis termos de referências no caso
do café mundial. ACONTECIMENTOS CONTENDO TODO O de estudantes da pós-graduação para concorrência em editais de fomentos.
PROCESSO
Referências

ANDRADE, Liza Maria Souza de. Conexões dos padrões espaciais dos
ecossistemas urbanos: a construção de um método com enfoque
554 555
transdisciplinar para o processo de desenho urbano sensível à água no
nível da comunidade e da paisagem. Tese de doutoramento. UnB, FAU, 2014.

ANDRADE, Liza Maria Souza de; LEMOS, Natália da Silva. Qualidade de


projeto urbanístico: sustentabilidade e qualidade da forma urbana. In:
“Avaliação da qualidade da habitação de interesse social: projetos urbanísticos
e arquitetônico e qualidade construtiva” / organizadoras, Raquel Naves
Blumenschein, Elane Peixoto, Cristiane Guinancio. Brasília: UnB, FAU, 2015.

Estudantes em oficina prática dos processos de projeto


englobados pelo urbanismo participativo ou tático ANDRADE, Liza Maria Souza de; LEMOS, Natalia da Silva; LOUREIRO,
Fonte: Liza Andrade (editada) Vania Raquel Teles.; COSTA, Artemis Sandra Borges Nunes da. Urbanismo
participativo na produção do espaço em Brasília como forma de resistência:
CONSIDERAÇÕES FINAIS o caso do processo de regularização fundiária da ocupação Dorothy Stang.
Revista Insdisciplinar, Belo Horizonte, v. 4, n. 1, p. 108-137, Set. 2018.
A partir das experiências acumuladas ao longo dos últimos seis anos em
assistência/assessoria técnica no nível de formação no CASAS e no nível ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A pattern language: Towns,
de profissionalização do Periférico, bem como no de especialização com a buildings, construction. New York: Oxford University Press, 1977.
Nucleação da RAU+E da UFBA/UFBA foi possível ir aprimorando a metodologia
de processo de projeto em vários tipos de trabalhos. É importante destacar DED/NAU. Participação da comunidade em processos de desenho urbano
que as técnicas ou métodos participativos variam de acordo com o perfil da e de urbanismo: levantamento e descrição de métodos e técnicas. Lisboa:
comunidade e envolvimento do pesquisador. O caderno final ilustrado com Relatório 41/2013, I&D Edificios.
todo o processo é disponibilizado aos órgãos do governo para fortalecimento
da luta das comunidades, como MPDFT, IPHAN, SEGETH, CODHAB, INSTITUTO FREIRE, P (1970). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
CHICO MENDES, IBAMA, IBRAM, INCRA, CONAQ, instituições acadêmicas
parceiras, entre outros. No ano de 2019 será criada a Residência Multipro- NEDER, Ricardo Toledo. Interacionismo sociotécnico e cultura de resistência
fissional CTS (Ciência Tecnologia e Sociedade) Habitat, Trabalho e Saúde na em políticas de incubação de cooperativas populares: sete dimensões
UnB, uma parceria de vários departamentos para promover a assistência/ estratégicas em ETCP como agência, como indicadores de avaliação.
assessoria técnica integrada nos territórios, visando dar continuidade aos Encontro Nordestino de Incubadoras de Economia Solidária. In “Democracia
trabalhos de extensão e maior articulação entre agentes e atores, visando e economia solidária: impasses e oportunidades”. Juazeiro do Norte –
possibilidades de continuidade no mesmo território. Universidade Federal do Cariri, 2016.
O PONTO DE VISTA DA
ENGENHARIA NA EXPERIÊNCIA
DO DISTRITO FEDERAL
por José Maycon de Araujo Estanislau

556 557
O primeiro contato com as habitações de interesse social é sempre uma As escolhas feitas pelos moradores parecem para- A foto a seguir mostra uma imensa rachadura
experiência impactante. Geralmente, as residências apresentam diversas doxais, visto que muitos possuem bens de consu- no banheiro de uma casa, ameaçando a vida dos
patologias em níveis alarmantes, esgoto exposto, partes da edificação não mo com um custo elevado, como televisões com que ali habitam. A composição familiar, na época,
finalizadas, entre outros fatores. Evidentemente, o fato de os moradores não alta tecnologia e aparelhos de celular, enquanto contava com a mãe, chefe de família, e com cinco
entenderem a real gravidade das condições nas quais estão submetidos é submetem suas famílias ao perigo, frente às graves crianças, de 17, 10, seis e gêmeas de três anos
intrigante; porém, associar as condições precárias das casas aos possíveis patologias presentes nas casas. Portanto, não são de idade. A abertura é tão evidente que se pode
problemas de saúde que enfrentam e aos riscos que correm não é algo claro apenas as questões econômicas que levam os enxergar o outro lado da residência, e a rachadura
como pode parecer – o que testifica a real necessidade da assistência técnica moradores a essa situação, mas também a falta era utilizada pelos moradores para guardar objetos
em engenharia e arquitetura. de entendimento dos riscos de se morar em locais de higiene, como escova e pasta de dente. Nesse
insalubres e com problemas estruturais associa- caso específico, a moradora procurou o Posto de
Não é rara a existência de moradores com problemas respiratórios e alergias da ao desconhecimento de acesso aos serviços Assistência Técnica, onde modificações estruturais
dormindo em cômodos sem ventilação e sem iluminação natural, cujas paredes técnicos de engenharia e arquitetura. foram propostas para sua casa. Porém, alguns
apresentam infiltrações e mofos. A infiltração causada por percolação da água, dias mais tarde, por questões pessoais, ela pediu
que chega às fundações por meio de capilaridade, alcança a alvenaria e deixa desligamento do programa.
as paredes úmidas, ocasionando mofo e bolor. Para contornar tal problema,
bastaria a simples impermeabilização dos elementos de fundação que estão
em contato com o solo; entretanto, essa técnica não é usual, uma vez que a
grande maioria das casas da localidade é feita por meio da autoconstrução,
e há pouco conhecimento difundido sobre prevenção de umidade. A técnica
de impermeabilização, em especial, apresenta baixo custo em relação aos
potenciais problemas que sua ausência pode gerar, tendo em vista a saúde
dos residentes e o fato de a recuperação das paredes infiltradas ser dispen-
diosa. Além dos citados acima, são recorrentes problemas estruturais, casas
rebaixadas, instalações elétricas e hidrossanitárias precárias.
familiar máxima para que a família participe do classificação que mais se aproxima das obras
programa e seja abrangida pela Lei da Assistên- de melhorias habitacionais é a de construção de
cia Técnica é de três salários mínimos. Então, as edifícios, o que não reflete as características gerais
soluções propostas devem contar com técnicas, de obra e cria uma inconsistência orçamentária.
materiais e soluções construtivas baratas e alter- Aspectos referentes à legislação orçamentária
nativas, que garantam a viabilidade de execução. por vezes inviabilizam e dificultam a execução de
obra, pois não há referências voltadas a pequenas
A Codhab, por meio de empresas parceiras, exe- obras, nas quais pequenos itens orçamentários
cutou parte do projeto entregue aos moradores, têm grande peso, afetando a sustentabilidade das
limitando-se a um teto de R$13.500. O engenheiro empresas participantes. Além de não considerar
orçamentista tem papel crucial na implementação metodologias da autoconstrução que implicam em
das melhorias, uma vez que ele assume função soluções orçamentárias de ajuste desse embrião
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de projetista ao estabelecer quais prioridades são de residência sem respaldo legal para orçamento.
mais emergenciais e o que vai realmente ser exe- Toda a formação do engenheiro civil é voltada para
cutado na obra, evidenciando a importância dessa as classes econômicas que têm maior poder aqui-
Típicas fissuras encontradas
nas moradias, 2017 especialidade. sitivo e têm acesso para contratar o profissional.
Fonte: Equipe ARQBSB Isso se reflete na maneira como os projetos são
O Decreto 7.983/13 e a Lei nº 13.303/16 exigem elaborados. As matérias de projetos raramente
Ao responsável técnico cabe a responsabilidade Explicar ao usuário, de forma técnica e se fazendo que os orçamentos de obras públicas sejam ba- impõem limites orçamentários durante a aprendiza-
social de olhar, conversar com a família e esclare- entender, que aplicar o recurso disponibilizado pelo seados prioritariamente no Sistema Nacional de gem acadêmica, não se aprende a projetar obras de
cer o risco que ela eventualmente corre, além de governo para a casa dele em elementos estruturais, Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil baixo custo. Logo, soluções construtivas voltadas
explicar como ter acesso ao projeto e à construção que não são visíveis, em vez de em revestimento (SINAPI), que determina custos unitários dos prin- às parcelas da população em vulnerabilidade eco-
das melhorias mitigaria a possibilidade de ruína da cerâmico – como muitas vezes solicitado por ele cipais serviços a serem executados em obras, e nômica raramente são conhecidas e estudadas.
estrutura. Durante o processo, fica evidente que a –, é um desafio que não pode ser subvalorizado. como as reformas realizadas pela equipe eram
assistência não é dada somente por intermédio financiadas pelo Estado, deveriam seguir essa De maneira coerente, o curso de Engenharia Civil
de projetos ou melhorias habitacionais, o trabalho Do ponto de vista técnico, os principais problemas formatação. Tais custos são vinculados a certas é englobado na grande área de Exatas; entretanto,
de conscientização e conversa com os moradores presentes nas casas são: cômodos não ventilados produtividades, entretanto, percebe-se que essas a humanidade é necessária para entender os pro-
também faz efetivamente parte do processo. e não iluminados; ausência de cômodos suficien- não foram obtidas em obras de interesse social blemas dos moradores. São seres humanos que
tes para os moradores; infiltrações; patologias ou de reformas habitacionais. Isso significa uma executam, habitam e utilizam os projetos de cons-
Alinhar a expectativa dos moradores às suas reais estruturais como rachaduras e trincas; instalações grande divergência para as empresas executoras, trução de engenharia. O tato durante as conversas
necessidades foi fator determinante. Além da solu- elétricas e hidrossanitárias ruins; casas abaixo do uma vez que as perdas são usualmente subesti- e a escolha das prioridades a serem executadas
ção técnica apresentada, as expectativas do usuário nível da rua, que enfrentam alagamentos; carência madas e a produtividade da equipe técnica é sub- são habilidades essenciais para o cumprimento
devem ser levadas em conta, conduzindo a uma de acessibilidade para pessoas com deficiência; e dimensionada. Infelizmente, ainda não há tabelas do papel social do engenheiro civil. O desafio da
aprovação do programa que fortalece a própria lei. falta de revestimentos e forro. e índices que reflitam as características intrínsecas engenharia vai muito além das questões técnicas
A situação de um morador que se sinta violado em às construções de interesse social. e, muitas vezes, o curso de graduação não dialoga
seus direitos devido a uma execução de projeto que Entregar soluções de engenharia para tais proble- sobre a sensibilidade social necessária ao proces-
não lhe agrada tem grande potencial de impactar a mas não é tarefa muito difícil, já que basta aplicar O valor de benefícios e despesas indiretas (BDI), so. É de suma importância que o profissional de
imagem do programa. o conhecimento aprendido na universidade e de- parcela do orçamento que indica o lucro e as engenharia tenha esse perfil, pois o nosso cliente
senvolver os projetos necessários, adequando despesas indiretas de obra, é baseado no Acór- é a sociedade que precisa de moradia com digni-
As conversas com os moradores são pontos de igual as casas de acordo com as normas vigentes. No dão 2.622/13 do Tribunal de Contas da União, dade e qualidade.
importância para a assistência técnica bem sucedi- entanto, muitas vezes tais soluções são completa- em que as alíquotas são determinadas de acordo
da quanto à elaboração de projetos de melhorias. mente inviáveis pelo viés econômico, pois a renda com o tipo de obra. Das opções disponíveis, a
MOBILIZAÇÃO NA COMUNIDADE
E INTERDISCIPLINARIDADE

por Renata Oliveira e Manuella Coelho

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Ao desenvolver o trabalho de assistência técnica por meio da metodologia de
imersão é necessário ponderar a totalidade das necessidades das pessoas que
vivem em Áreas de Regularização de Interesse Social, principalmente, consi-
derando os fatores econômicos, sociais, culturais, ambientais e habitacionais.
Trabalhar para solucionar problemas de arquitetura e urbanismo é apenas
uma parte do desafio da política de habitação, pois diante de condições de
pobreza, falta de infraestrutura, baixos salários, ausência de serviços públicos, É essencial que a Assistência Técnica como política habitacional, tenha como
insalubridade, péssimas condições de habitação e desorganização comunitária ponto de partida a sensibilização e a necessidade de despersonalização de
são necessárias estratégias complementares que não resuma a política de figuras específicas com experiências em mobilização social, reconhecendo
habitação a construção de projetos urbanos e habitações em si, nos obrigan- os equipamentos públicos e as potencialidades comunitárias. Potencializar
do a ir um pouco além, a partir de uma agenda construída coletivamente que trabalhos já existentes na comunidade como artistas, coletivos, outros proje-
tenha como objetivo um trabalho PROGRAMÁTICO E CONTINUADO de ações tos sociais (associações de moradores, prefeituras comunitárias) e conectar
de cunho social e político. população é a forma que foi tomada pela equipe da gestão da CODHAB entre
2015 e 2018.
As marcas expressas pelo conjunto de desigualdades sociais das localidades de
atuação, não podem ser observadas de forma isolada. O papel dos profissionais Assim, aplicação de metodologias de MOBILIZAÇÃO SOCIAL na execução
técnicos lotados nos postos de assistência técnica, arquitetos, engenheiros e diária da Política de Habitação de Interesse Social tem o objetivo de esta-
assistentes sociais, é romper seu lugar comum de atuação e buscar expandir belecer um caminho que vise pactuar uma relação orgânica entre o poder
sua percepção para além das demandas de habitação e urbanismo. Mesmo público (Estado) e a população beneficiária na organização dos serviços
que esse seja o principal foco. Porém, isso não se realiza de forma automática, como um instrumento programático e continuado. Atreladas a uma meto-
principalmente considerando a formação profissional de cada um e os perfis dologia de imersão em áreas prioritárias de regularização de interesse social,
profissionais diferenciados em cada categoria. Assim, a identificação e análise a MOBILIZAÇÃO SOCIAL, tendo a sensibilização e a comunicação como
de aspectos sociais e econômicos, mapeamento de potencialidades, estudos fundamentais para sua efetiva realização, é um instrumento estratégico
sociais, formação de lideranças e diálogo comunitário deve ser pactuado, por para a construção de vínculos entre beneficiários, profissionais, gestores,
meio do desenvolvimento de metodologias internas, legitimadas institucional- políticas públicas e movimentos organizados em suas diversas modalidades
mente, de MOBILIZAÇÃO SOCIAL E TRABALHO EM REDE. na política de habitação.
A escolha para instalação de um novo Posto de Assistência Técnica levava A materialidade do trabalho por meio do espaço físico que é integrado à
em consideração, principalmente, locais de maior vulnerabilidade social e malha urbana da cidade, com funcionários de diversos campos profissionais
econômica e deficit habitacional qualitativo. As áreas de atuação da equipe que estejam disponíveis para o diálogo é essencial. Não somente como
têm como campo amostral as Áreas de Regularização de Interesse Social atendimento a cadastros ou políticas institucionais, mas a relação direta
(ARIS) definidas pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito com técnicos que são responsáveis pela tomada de decisão ou por fazer o
Federal (PDOT-DF). Contextos políticos influenciam a decisão tendo em vista balanço entre as demandas sociais e as limitações políticas e econômicas
a necessidade de apoio e parceiros para atuação no local pretendido. Outro da gestão governamental.
fator importante é a mobilização comunitária já existente, quanto maior a
possibilidade de mobilização, mais célere se torna o processo de entrada na Buscando ampliar o entendimento de Assistência Técnica, para além de
comunidade e início dos trabalhos. Em vários casos, os postos começaram uma pauta corporativa dos profissionais que atuam implementando a Lei
a funcionar em imóveis cedidos por moradores locais. Federal nº 11.888/2008, deve ser empenhada uma luta coletiva, entendida
sempre como uma pauta de cidadania e direto para toda a sociedade, cujo
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Foi fundamental integrar intervenções para o fortalecimento cotidiano da norte seja o direito à moradia da população de baixa renda, ultrapassando o
Companhia nessas localidades, buscando conciliar agenda da comunidade trabalho técnico arquitetônico, firmando dessa maneira, uma ampla agenda
com a instituição, além dos demais serviços que atuam em rede. “Rede” é o de direito à cidade.
emprego do termo que define sistemas institucionais de gestão e de prestação
de serviços sociais que correspondem a um determinado direito social ou
uma determinada região/território. A administração Regional da localidade,
junto ao processo de identificação de um CRAS (Centro de Referência de As-
sistência Social), CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência
Social), CENTRO POP (Centro Especializado de Referência para População
em Situação de Rua), CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), Unidade Básica
de Saúde, ESCOLA, ASSOCIAÇÃO, ONG, LÍDERES, MOVIMENTOS SOCIAIS,
SERVIÇOS PRIVADOS, COBERTURA POLICIAL para o compartilhamento de
informações, socialização de problemas, soluções coletivas, fortalecimento
de vínculo, torna-se elementos de extrema potência na busca por melhorias
e formas criativas de soluções para problemas/ dificuldades.

Dito isso, a responsabilidade de articular a Política de Habitação com demais


políticas não pode estar vinculada ao perfil de mobilização e criatividade
de apenas um profissional, ou mesmo a uma única experiência exitosa. Ao
contrário, deve-se trabalhar na sistematização e institucionalização de uma
metodologia PERMANENTE, CONTINUADA, ADAPTÁVEL e planejada a partir
das demandas da região e das diretrizes da instituição. Não isentando os
profissionais da fundamental tarefa de aliar a mobilização social e o trabalho
em rede para o melhor desenvolvimento institucional de suas atuais funções,
investindo em capacitação e orientação para esse tipo de trabalho.
6
inventário
do cotidiano
1 SÉRIE DE PERCEPÇÕES SOBRE O COTIDIANO NA PONTA:
IMPRESSÕES DE ARQUITETURA E URBANISMO,
PERSONAGENS NOTÁVEIS E ANEDOTAS AFETIVAS

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SAFÁRI URBANO?
– DA IMPORTÂNCIA DE CONHECER AS CIDADES
DA IMPORTÂNCIA DA IMERSÃO EM TODAS AS SUAS MARGENS E DO CUIDADO
E DE OCUPAR ESPAÇOS DE DECISÃO NECESSÁRIO DURANTE ESSE PROCESSO

Para o desenvolvimento de qualidade de uma cidade, é vital o contato de É recorrente que a academia e profissionais muitas vezes bem intenciona-
arquitetos e urbanistas com a realidade daqueles que nela habitam. Do dos, seja na iniciativa privada, seja na pública, tratem os territórios rejeitados
mesmo modo, a presença desses profissionais é fundamental em espaços pelo sistema dominante como objeto de estudo, local para ser observado,
de tomada de decisão nas instituições de gestão das cidades, como conse- escrutinado e analisado, de onde se tira o conhecimento e se transforma em
lhos, fóruns, reuniões comunitárias, associações, entre outros. Foi por meio textos e artigos que não retornam nada para aqueles que compartilharam
de um órgão público de desenvolvimento habitacional que se fez possível a seus saberes ou que foram observados. Além disso, há as visitas ao território
implementação da Lei de Assistência Técnica em arquitetura e urbanismo no que se limitam ao olhar, quando não há espaço para o diálogo com a popu-
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Distrito Federal e, junto dela, a prática imersiva de arquitetos e urbanistas em lação, e tudo acontece da janela para fora, como um safári. É de extrema
Postos de Assistência Técnica. Esse foi um ponto crucial para uma produção importância que em uma sociedade desigual como a brasileira, pessoas
menos mecanizada, mais sensível e com real capacidade de entender e gerar que tiveram acesso à educação e que desejam entender e trabalhar com os
mudanças na realidade dos beneficiados. É a partir dessa aproximação, entre processos cotidianos de construção das cidades informais fiquem atentos
o profissional e quem sente de forma abrupta a violência da desigualdade, ao seu lugar de fala como parte que tende a reforçar a opressão dessas
que surge a possibilidade de mais acertos e melhores resultados. injustiças sociais. Compreender que o conhecimento formal não é superior
aos saberes da vida e que somente com colaboração e troca entre os dois
lados é que se pode construir algo transformador.
MEDIAÇÃO DE
CONFLITOS TERRITORIAIS

A atuação dos técnicos junto à comunidade fun- a rede, para não haver mais ligações irregulares.
ciona como interlocutora dos interesses dos mo- O pedido foi enviado diversas vezes. Depois de
radores e de outros agentes públicos ou privados. quase um ano sem nada ter sido resolvido, Bra-
Dentro de uma estrutura governamental e social sília enfrentava uma grave crise hídrica e todas
que funciona na base do crachá, haver um técnico as ligações irregulares da cidade estavam sendo
que vivencie o cotidiano do território e que pode fechadas. Entre elas, as da região, cujos moradores
atuar e intermediar a partir do entendimento dos já haviam pedido à concessionária que fizesse a
atores daquele espaço é estratégico para balan- ligação regular. Naquele dia, a empresa apareceu
cear forças que muitas vezes não representam com carros de polícia militar e civil, mídia e uma
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realmente aquela população. Houve uma situação máquina para cortar os “gatos”. Uma moradora
na comunidade do Porto Rico que deixou claro a avisou o posto do que estava acontecendo, e a
importância dessa mediação. Devido a mudanças arquiteta responsável chegou ao local com uma
na legislação ambiental, uma área da comunidade cópia do ofício, alertando que a concessionária já
com cerca de 150 casas não precisava mais ser havia sido informada diversas vezes sobre o caso.
reassentada, e para melhorar as condições de vida Só então, diante da exposição da falta de eficiência
daqueles habitantes, as concessionárias de água da empresa, que as redes de água foram ligadas
e energia foram informadas que poderiam ligar devidamente nas semanas seguintes.

SANTA LUZIA
– A ESCALA DO PROBLEMA

A principal vantagem do processo de imersão é a possibilidade de ficar em


contato direto com o território a ser trabalhado. Santa Luzia, na Estrutural, é
a comunidade mais próxima do Plano Piloto de Brasília em que atuávamos e
também a que apresentava situação socioeconômica mais grave. O primeiro
posto de assistência técnica instalado no local funcionou inicialmente em um
barraco cedido pela própria comunidade. Ocupar esse espaço foi uma forma
eficaz de sensibilização dos técnicos do governo quanto aos problemas en-
frentados pelos moradores do local. Um fato marcante e fundamental nesse
processo intenso de afetação foi a surpresa durante uma oficina experimental
promovida pela equipe em que eram esperados aproximadamente 30 mora-
dores. Entretanto, estiveram presentes mais de 300 pessoas, todas ansiosas
e inseguras em relação à presença do governo ali, que normalmente atuava
apenas como uma entidade repressora e quase nunca propositiva. Naquele
momento, ficou explícita para toda a equipe a escala dos problemas relativos
às questões de regularização fundiária e de moradia; o desespero das famílias
na busca por uma solução adequada aos seus problemas; a necessidade
de integração entre o governo e a comunidade em um canal permanente de
comunicação; e a urgência em construir soluções.
IGREJAS CATÓLICAS E EVANGÉLICAS,
BARES E SALÕES DE BELEZA

Há uma carência de espaços públicos para reunião que representam um convite a entrada àqueles
e convivência comunitária nas regiões periféricas que estão ali por perto. Muitas dessas igrejas
do Brasil em geral. Esses espaços de reunião aca- possuem centro educativo que complementa a
bam sendo ocupados pelas igrejas evangélicas e educação formal das crianças no período contrário
católicas que detêm áreas grandes o suficiente ao das aulas, enquanto os pais estão no trabalho.
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para reunir muitas pessoas para dialogar com o Esses são os espaços para famílias interagirem,
Estado. A relação espacial dos templos católicos usualmente. Os outros espaços são os salões de
e evangélicos como espaço urbano demonstra o beleza e bares, que na sociedade machista da
que na maioria das vezes é refletido no crescimento qual fazemos parte são dominadas pelos públicos
vertiginoso do número de fiéis evangélicos nas de determinado gênero, sendo o primeiro predo-
periferias do Brasil. Enquanto as igrejas católicas se minantemente feminino e o segundo masculino.
configuram no centro de um terreno cercado e só Faltam espaços democráticos, públicos, laicos para
abre as portas normalmente aos finais de semana todas as idades e gêneros para que as pessoas se
ou em horários de missa, as igrejas evangélicas reconheçam como comunidade em um território. PENSAR O ESPAÇO URBANO PARA PESSOAS
ocupam espaços comerciais mais ligadas às ruas – A AVENIDA DAS PALMEIRAS

Uma das experiências mais significativas que tive- rua reta. Sensibilizado da importância daquele
mos a oportunidade de desenvolver foi o caso da espaço para o cotidiano das pessoas, um novo
Avenida das Palmeiras, no Sol Nascente. Durante o projeto, mais adequado aos desejos da comuni-
processo de transformação das antigas chácaras dade, foi elaborado pela equipe do Posto de As-
em lotes urbanos, a comunidade preservou uma sistência Técnica, de forma a garantir um espaço
aleia de palmeiras imperiais que marcava a entrada que privilegiasse o verde e as pessoas, em vez de
de uma das sedes rurais que ali existiam. Em uma prever um local voltado ao transporte motorizado,
comunidade sem endereçamento e carente de como é usual. A pintura das fachadas e dos murais
vegetação de grande porte e de elementos focais artísticos e a execução do paisagismo e da arbo-
que auxiliem a apreensão do espaço urbano, as rização foram feitas por meio de mutirões, o que
palmeiras funcionavam como uma importante permitiu uma rápida apropriação do espaço pelos
referência de localização. Quando as obras de moradores da localidade. O novo espaço virou um
pavimentação foram iniciadas, a equipe identificou símbolo do processo de regularização fundiária
que pelo projeto urbanístico de 2008, as palmeiras promovida por técnicos imersos na comunidade e
seriam removidas, e o largo “corrigido”, ficando a com participação popular nas decisões de projeto.
PARÂMETROS URBANOS IRREAIS

Normalmente, existe uma distância imensa entre os técnicos que trabalham


com as regularizações e urbanizações de assentamentos precários e os
territórios em si. Em Brasília, essa distância é imensa, projetos são feitos
sobre imagens de satélite por pessoas que nunca pisaram naquele local.
Muitas vezes, percebe-se que os urbanistas fazem projetos de regularização
idealizando a pobreza, sem a conhecer realmente. É comum não permitirem
um segundo pavimento ou ocupação de 100% do lote, pois não entendem
que mais de uma família mora no local ou que o aluguel de uma segunda
construção é fonte de renda. É preciso entender a diferença entre a criação
de um novo bairro – em que se determinam os parâmetros, o ambiente e o
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resultado final – e o projeto de regularização, no qual as normas e diretrizes
criadas precisam estar de acordo com o que já existe. Há projetos nos quais
é definido para uma rua um gabarito máximo de dois pavimentos, mas a ocu-
pação já é de três ou quatro; definem-se usos exclusivamente residenciais,
sendo que o uso misto é o que mantém aquela família morando naquele
lugar. Diante disso, deixam-se as famílias em situação irregular, criando mais
problemas para elas. A imersão do técnico na comunidade é imprescindível
para a sensibilização em relação às dinâmicas locais e às características
espaciais pré-existentes.

DESCONEXÃO URBANA

Historicamente, os assentamentos informais no Distrito Federal conseguiram


sobreviver somente por estarem distantes do Plano Piloto da nova capital
do país. Ceilândia é fruto do reassentamento de famílias de trabalhadores
que foram obrigadas a se instalar informalmente nos arredores das novas
construções, pela falta de moradia. A Campanha de Erradicação de Invasões
(CEI- lândia) reuniu pessoas de várias ocupações em áreas ditas mais ade-
quadas e seguras, a 30 quilômetros do centro de Brasília, quando nada havia
entres esses núcleos urbanos. Caso semelhante ocorreu com a Vila Paranoá,
acampamento de trabalhadores que rapidamente se tornou uma comunida-
de e lutou pela fixação, mas se viu obrigada a se deslocar da orla do Lago
Paranoá para uma área interna menos visível. As ocupações informais mais
recentes, como o Sol Nascente, puderam se desenvolver de forma acelerada,
devido à distância outrora provocada pelo Estado, tornando-as periferias da
periferia. A segregação socioespacial do DF e a desconexão urbana em re-
lação ao restante da cidade possibilitaram o surgimento, a permanência e o
crescimento desses novos locais, que são tolerados porque não estão à vista.
PEDAGOGIA URBANA COMO
PRÁTICA DO DIREITO À CIDADE

O conceito pedagogia urbana deriva da junção das dade sobre as dinâmicas de construção da cidade.
teorias de dois autores mundialmente importantes: É trocar informações a respeito de como funcio-
Paulo Freire e David Harvey. Freire, educador brasi- nam as cidades e como elas são construídas; é
leiro nascido em Recife, versa sobre os diferentes perceber como somos todos frutos e agentes da
saberes: o técnico e o de vivência. Suas teorias produção colaborativa e participativa. A cidade é
foram amplamente aplicadas para alfabetização uma construção coletiva. Uma rua só é uma rua
das populações rurais. Harvey, geógrafo britânico, porque várias pessoas construíram suas casas
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discorre sobre direito à cidade no século XXI, reto- ali; apenas uma casa não seria suficiente para o
mando os conceitos de Lefebvre, trazendo luz às entendimento de cidade, e as pessoas precisam
disputas de classe no ambiente urbano sob as for- tomar consciência de seu poder nesse processo,
ças do capitalismo financeiro. Atuar em pedagogia principalmente sobre a situação de segregação
urbana é um trabalho contínuo de conscientização socioespacial, reflexo de uma sociedade desigual
dos cidadãos acerca de seu poder e responsabili- como a brasileira, que em Brasília é tão profunda.

PARTICIPAÇÃO POPULAR
– NOS PROJETOS, NAS AÇÕES, NAS DECISÕES

A construção do território informal é intrinsecamente um processo participa-


tivo. Desde o início, as pessoas que estão ali foram aos poucos construindo a
imagem daquele espaço com as próprias mãos, e, até sua consolidação, ela
muda com frequência a partir do trabalho de cada um. Tendo compreendido
essa situação, o Estado deve se posicionar de forma colaborativa no processo.
A presença e as intervenções populares no âmbito político são efetivas quando
é permitido que a população atue efetivamente, tomando decisões na base,
e não apenas sirva como mecanismo de consulta e informação. Uma vez
instalado dentro do território, o contato diário dos moradores com a equipe
técnica facilita esse processo ao criar um espaço de encontros para onde a
comunidade pode levar de maneira rápida suas demandas. Os moradores
podem ainda usar o espaço para convocar reuniões ou procurá-los para que
sejam ouvidos aqueles que não se sentem representados pelas lideranças
comunitárias ou por outras organizações que estão ali, como as igrejas.
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MUTIRÃO

O termo em português origina-se da palavra tupi motyrõ, que significa “trabalho


em comum”. Nas comunidades andinas havia as mingas, reuniões comu-
VIZINHOS DOS POSTOS nitárias em que todos doam esforços a um bem comum, originariamente
– RELAÇÃO DE CUIDADO às colheitas, demonstrando seu caráter solidário. Mutirão é o encontro de
pessoas mobilizadas com o objetivo principal de proporcionar o bem comu-
A presença diária da equipe nos Postos de Assistência Técnica, além de nitário. Na habitação, é comum os movimentos sociais e entidades de luta
estratégia para garantir processos de urbanização e habitação de qualidade, social por direito à cidade utilizarem o mutirão como ferramenta de constru-
é ferramenta de construção de relações mais próximas. A imersão ajuda a ção de edificações comunitárias e residenciais. Para além da produção de
estabelecer e fortalecer laços afetivos entres os técnicos e os moradores; a um bem físico, o mutirão é convivência e troca de experiências, na qual os
confiança é ferramenta de contato entre representantes comunitários e poder saberes são comungados e repassados de maneira horizontal. A máxima
público. Uma grande descoberta dos postos foi a conexão que se estabeleceu é: todo mundo tem algo a ensinar e algo a aprender. A força do coletivo se
com os moradores do entorno. Os laços de confiança, em termos de acesso expressa na transformação realizada pelos participantes após os trabalhos
aos técnicos do governo, criaram uma relação mais do que corporativa, que em conjunto. Nas Ações Urbanas Comunitárias, o mutirão contribuiu para a
ultrapassava o horário comercial. A convivência fez com que os vizinhos do aproximação da equipe técnica dos líderes comunitários e demais moradores,
Posto pudessem dialogar com a equipe cotidianamente, sendo porta-vozes consolidando essas relações. No âmbito físico, funcionou como ferramenta de
de outros vizinhos. Ao mesmo tempo, os técnicos se sensibilizaram com os empoderamento, na medida em que o próprio usuário era incentivado a cuidar
problemas locais, por estarem vivenciando aquelas realidades. dos espaços públicos próximos, como se fossem extensões de sua casa.
OBRA ABERTA – A CONTINUAÇÃO DAS
OBRA ABERTA – A CONTINUAÇÃO DAS OBRAS PROPOSTAS DE QUALIFICAÇÃO DE
DE MELHORIAS PELOS MORADORES VAZIOS URBANOS PELOS MORADORES

Um dos eixos de atuação da equipe da companhia dentro da assistência O espaço de intervenção de uma Ação Urbana se torna obra aberta na medida
técnica é o programa Melhorias Habitacionais, que proporciona aos con- em que a participação no processo de planejamento e execução do mutirão
templados, com recursos limitados e valor fixo, a reforma de suas casas. é instrumento de engajamento e apropriação do espaço. Diversas comuni-
Esse valor é estabelecido para que o maior número de pessoas possa ser dades, a partir da transformação inicial proposta pelo programa, adotaram o
atendido pelo programa, porém nem sempre é possível executar todo o regime colaborativo de manutenção do espaço público como lugar de trocas
projeto proposto com o valor disponibilizado, executando-se o que é mais sociais e convivência comunitária. Essas comunidades se organizaram e
urgente. Ao fim da atuação da equipe, não é incomum que os moradores continuaram a intervir no ambiente e a zelar por ele depois dos mutirões.
deem continuidade às obras iniciadas pelo Estado com recursos próprios, uma Muitas delas já eram, na verdade, protagonistas de seus próprios processos
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vez que se sentem mais motivados a investir em sua residência e completar comunitários de vida cultural, sendo reconhecidas e potencializadas dentro
o projeto da equipe técnica. do desenvolvimento do processo de uma Ação Urbana com participação de
Estado, do setor privado e da sociedade civil.
PAINEIS ARTÍSTICOS

Durante as Ações Urbanas Comunitárias, foram executados diversos painéis


que funcionam como uma ponte para o envolvimento artístico com os mo-
580 581
radores. Esse tipo de intervenção estabelece uma nova relação das pessoas
com a arte, em escala urbana. Também contribui para o embelezamento
dos bairros, melhorando a autoestima dos moradores e gerando pontos de
referência visual importantes. Diversos artistas locais já contribuíram para
a produção de painéis em Ações Urbanas, com a possibilidade de ampliar a
valorização e a divulgação de seus trabalhos, com o apoio do Estado.

CORES COMO MEIO DE


QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO

A negação dos espaços coletivos é uma das principais características a


serem confrontadas nas áreas públicas urbanas, estando presentes na
maior parte das periferias pouco consolidadas ou de formação recente. Esse
fenômeno se revela, principalmente, pela pouca identificação e apropriação
desses lugares pelas comunidades. A utilização das cores pode ser uma
ferramenta de baixo custo e essencial para a qualificação rápida desses
lugares, além de dissipar o aspecto de abandono. Colorir os tediosos muros
de alvenaria ou as poucas praças e equipamentos existentes é uma forma
de ressignificação da imagem das ruas e dos espaços públicos. O uso das
cores permite trabalhar a afetividade e estimular as sensações em relação ao
espaço, produzindo um interessante e imediato efeito positivo, melhorando a
autoestima e incentivando a permanência dos moradores nas áreas de uso
comum dos assentamentos. Além disso, durante os mutirões de pintura, é
construído um senso de pertencimento e coletividade entre moradores. Os
vizinhos passam a se olhar e se conhecer, fortalecendo os laços sociais e a
prática do cuidado coletivo do espaço público.
LAR – REGISTRO E MEMÓRIA AFETIVA

Ao longo dos levantamentos das unidades habitacionais feitos para o pro-


grama Melhorias Habitacionais, era fácil perceber que, mesmo em situações
precárias de ocupação, era importante fazer daquele local um lar, um espaço
de afeto e de pertencimento para as famílias. A precariedade física da cons-
trução não impede a residência de ser um lar, não impede a família de ter
o zelo e a preocupação em dar dignidade a seus filhos, netos e sobrinhos.
Todo esse cuidado ainda se estende às pessoas vinculadas à extensa família
que abarca muitas gerações – ou mesmo amigos que, em situação precária,
precisam de um teto temporário – em uma mesma construção. Ainda que
a composição arquitetônica dos cômodos não permita que cada indivíduo
tenha seu próprio quarto – muitas vezes a sala é também um quarto –, o
convívio e o afeto familiar estão presentes. A presença de elementos simbó-
licos na casa é registro da identidade e história da família. Ícones religiosos
e fotografias de familiares já falecidos – muitas vezes vítimas da violência
urbana e da desigualdade social – são constantes lembretes da resistência
e do afeto domiciliar.

ESPERANÇA – EXPULSÃO DOS GRILEIROS:


MURAL COMO FORMA DE DIÁLOGO
E ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA

O Residencial Vitória, bairro onde está localizado o Posto de Assistência


Técnica de São Sebastião, não apresenta em sua conformação morfológica
espaços livres aos quais possam ser atribuídas características de espaços
públicos. O único espaço identificado com potencial para tanto é a praça
central, logo na entrada pela rodovia DF-473. Lá, ocorreram quatro mutirões,
dentre as oito Ações Urbanas realizadas no Residencial Vitória. As Ações de-
sempenharam importante papel na consolidação da ocupação da área como
praça pública. A identificação do potencial se deu por estudo técnico e por
demandas da comunidade, mapeadas a partir do contato diário e contínuo
com o Posto. O fato de a arquiteta responsável na época ter vivenciado o
local também permitiu identificar o foco da grilagem de terras. Com o objetivo
de garantir uma área livre e pública aos moradores, agiu-se no sentido de
manter a praça como área comunitária de lazer, com o uso dos mutirões de
Ação Urbana. O compromisso e o engajamento dos moradores em prol de
sua comunidade podem ser percebidos pelo uso do campinho de futebol,
construído com pneus, e pelo uso da parede negra pintada na primeira Ação.
De tanto ser utilizado, o campinho foi substituído por uma quadra poliesportiva,
e a parede negra se transformou em quadro de avisos, em que até mesmo
os campeonatos locais de futebol são marcados.
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A PERSISTÊNCIA DO MEIO-FIO

Mesmo que a maior parte da população das pe- veículos automotores. Estreitos corredores com DIVULGAÇÃO
riferias brasileiras priorize meios de transporte a presença de postes de iluminação e de uma – ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO:
ativos para seus deslocamentos cotidianos, como infinidade de outros elementos que não favore- WHATSAPP, CARTAZES, LAMBE-LAMBES
andar a pé e de bicicleta, ainda há resistências cem a acessibilidade inclusiva e agradável forçam
culturais no país em aceitar a forte demanda por os pedestres a arriscadamente e indignamente Uma das ferramentas de metodologia desenvolvidas pela equipe foi criar
mais e melhores infraestruturas para tais modais. transitar pela via dos carros. A insistência na per- formas de comunicação e diálogo com a comunidade, utilizando não só
A qualidade dos projetos urbanísticos produzidos manência do meio-fio, mesmo em vias planejadas meios digitais, como físicos. Foram produzidos e colados cartazes em es-
hoje no Brasil ainda é defasada, frente à corrente para serem compartilhadas, é símbolo do processo paços diversos, convidando a população para reuniões e mutirões de dis-
técnica que luta por cidades mais inclusivas que e pensamento carrocrata, que não permite que cussão sobre projetos, o que ajudou a criar uma conexão. Os convites para
privilegiem o pedestre, tanto nos maiores centros carros, bicicletas e pedestres transitem na mesma participar dos mutirões também funcionavam como uma demarcação da
urbanos quanto nas periferias em constante urba- via em velocidades compatíveis com a segurança característica pública do vazio urbano, com dizeres de efeito como: “aqui vai
nização. A ausência de modelos ou referências de necessária. O meio-fio é o elemento que, ao ser virar praça, mutirão no último final de semana do mês”. Os cartazes visavam
melhores situações para o pedestre nas grandes colocado formando duas linhas paralelas, define a combater a grilagem de terras e a ocupação irregular dos locais, afirmando
cidades tem influência sobre a falta de conscien- o plano em que começa o domínio total do carro que eram espaços públicos e coletivos. Além dos cartazes, existiam folders
tização e, consequentemente, sobre a tomada de e no qual pedestres, ciclistas e qualquer forma de para serem colocados na caixa de correio de cada casa, a fim de atingir mais
decisão dentro da lógica rodoviarista usual para vida não são bem-vindos. Pensar regularização de diretamente a população. Esse material impresso também tinha versão digital
os projetos de regularização urbanística dos novos favelas com foco nas pessoas passa por extinguir a ser disseminada via WhatsApp, pois as comunidades têm grupos muito
assentamentos urbanos de interesse social. Dentro o meio-fio como definidor da zona de conforto bem estabelecidos nesta mídia social para troca de informações. Essa foi
do processo de aprovação e execução das obras do automóvel. Acabar com degraus e desníveis uma plataforma eficaz, enquanto em outras redes digitais não era possível
de infraestrutura, o leito carroçável tem prioridade. é uma forma de romper os limites impostos aos alcançar a população. Todos os materiais foram pensados com uma lingua-
As calçadas são sempre os espaços restantes da pedestres e ciclistas e tornar as ruas espaços de gem contemporânea, para chamarem atenção e se destacarem dos avisos
via, o que sobrou do amplo espaço destinado aos fato democráticos. comuns nas comunidades.
POÇOS DE VENTILAÇÃO
E ILUMINAÇÃO

A maioria das casas que sofreram intervenção e iluminação natural para alguns cômodos que
pelo programa Melhorias Habitacionais precisava não apresentam possibilidades de instalação de
de mais ventilação e/ou iluminação em seus cô- aberturas e janelas convencionais. Ainda que seja
modos. A construção dessas habitações tem ca- importante solução para a melhora da qualidade
racterísticas que permitem associá-las a bunkers, de vida e saúde da habitação, a resistência dos
sem nenhuma ou com poucas aberturas e acessos moradores em construir uma possível entrada
fora a entrada principal. Isso pode derivar de três para estranhos no teto de suas casas era grande.
situações: falta de planejamento na construção; A saída, então, foi instalar grades e portões no alto
economia ao construir as casas, aproveitando-se das aberturas, para impedir garantir o sentimento
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as paredes dos vizinhos; e receio da violência urba- de segurança das pessoas e para que elas não
na. Os poços de ventilação são áreas desprovidas fechassem novamente os espaços para ventilação
de cobertura e que, por isso, possibilitam ventilação de suas casas.

DA LÓGICA RODOVIARISTA
SOBRE O ESPAÇO PÚBLICO

Na lógica estatal de urbanização das cidades brasileiras, ainda prevalecem o


caráter rodoviarista e a valorização do automóvel privado, deixando o pedestre
e outras modalidades de transporte em segundo plano. Um exemplo dessa
inversão de prioridades é o caso do Sol Nascente Trecho 1, em Ceilândia,
onde há anos as vias asfaltadas são tidas como principal infraestrutura do
bairro. Não existem calçadas ou qualquer tipo de facilitador para a locomoção
do pedestre, tampouco há incentivo a modais que não sejam o carro. Por
aversão cultural, pelo método modernista de fazer cidades ou por questões
burocráticas de outros órgãos que não compreendem a importância do pe-
destre no meio urbano, esse tipo de urbanização promove o esvaziamento
da rua, além de colocar em risco os mais vulneráveis diante da supremacia
do automóvel.
INSALUBRIDADE DAS GAMBIARRAS
ÁREAS MOLHADAS URBANAS E DOMÉSTICAS

Quando a construção ainda está precária, revestir áreas molhadas ou fazer Muitos problemas domésticos podem ser resolvidos com o uso de soluções
instalações hidráulicas adequadas parece luxo. São recorrentes residências alternativas, quando não se tem a possibilidade de acessar mecanismos
cujos principais problemas de insalubridade se davam pela falta de pelo formais. Por meio das vivências e saberes comunitários, faz-se possível
menos um desses dois fatores, comprometendo de maneira significativa a contornar as adversidades comuns nessas localidades. Nas comunidades
salubridade da construção, o que reflete na saúde e na qualidade de vida dos em que estivemos presentes, foi fácil perceber como os saberes são trans-
moradores. Na prática de assistência técnica, essas áreas devem receber portados da escala doméstica e individual à escala urbana e coletiva. Essa
uma atenção especial quando, com um investimento baixo, pode ser feita atitude representa a resiliência das comunidades, a capacidade de adaptação
uma grande diferença. a novos contextos e a postura de não dependência de outros métodos ou
agentes para atuarem na resolução de problemas. A qualidade do serviço
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e a estética não são fatores esquecidos, as prioridades é que divergem das
dos métodos formais.
INFRAESTRUTURA

A construção da infraestrutura urbana em assentamentos precários representa


o reconhecimento da sua existência e dos seus direitos como cidadãos. O
atendimento a demandas datadas de um longo período viabiliza a estrutu-
ração do espaço urbano, que é um elemento fundamental da luta social e
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do direito à cidade. A exclusão territorial produz a sensação de insegurança
jurídica e emocional em todos que habitam de forma precária, e quando há
investimento em redes de saneamento, drenagem e pavimentação, a leitura
da população é que elas também podem investir suas economias em suas
residências. As mudanças espaciais de um todo são imensas em um curto
período de tempo.

ESGOTO A CÉU ABERTO

Uma característica dos espaços públicos coletivos nas cidades brasileiras é


sua negação por parte da população, independentemente da classe social.
Entende-se como espaço público o espaço da violência e do lixo, e essas
situações agravam-se mais ainda nas ocupações irregulares, principalmen-
te quando se trata do esgoto. Essas áreas são muito precárias, não sendo
atendidas com recolhimento de esgoto e encanamento de água. Por isso,
é muito comum a utilização de fossas. As águas cinzas são direcionadas a
fossas dentro do próprio lote, mas, sem o dimensionamento correto, trans-
bordam nos dias de maior uso, e o excesso de água escorre para a rua. Já
a água negra é jogada para fossas construídas fora do terreno, no espaço
público. Se elas enchem, o problema se torna coletivo. Fossas na rua geram
um grande problema quando a infraestrutura é implantada. Conforme se
executam as obras, descobrem-se várias fossas, que, quando danificadas,
dificultam o trabalho. Depois das obras de infraestrutura, é preciso trabalhar
com a população sobre a importância do espaço coletivo, a fim de que ela o
mantenha, evitando que tais problemas voltem a acontecer.
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LIXO

Há quem diga que o lixo é um erro de design. a fabricação dos produtos ou sobre a destinação
O Lixão da Estrutural, que se localizava a 17 qui- deles quando são considerados sem uso. O que
lômetros do Plano Piloto, deu origem à Cidade se tornou normal para a vida urbana é o conceito
Estrutural. Inicialmente, a ocupação foi feita pelas de lixo, e não o de reaproveitamento e reciclagem.
pessoas que faziam da montanha de lixo seu sus- Nas localidades que receberam a equipe da assis-
tento, em seguida, grileiros parcelaram o restante tência técnica, essa realidade não é diferente. Os PAPA-LIXO
do terreno para pessoas de baixa renda, até se for- vazios urbanos que sobram das ocupações dos
mar um assentamento informal grande o suficiente lotes – onde deveriam estar áreas verdes, áreas Buscando por um melhor serviço de atendimento à limpeza urbana em áreas
para ser regularizado. O contato diário com os resí- de lazer com mobiliário urbano e equipamentos de difícil acesso pelos caminhões convencionais de coleta do lixo, foram
duos urbanos banalizou a relação dos moradores públicos –, acabam virando pontos de acúmulo de instalados enormes contêineres semi-enterrados, em pontos estratégicos
com a sujeira. A ausência de serviço público de lixo. Os lixões urbanos são pontos de transmissão de algumas regiões com problemas críticos de resíduos urbanos. Um ponto
coleta urbana – inicialmente em toda a Estrutural, de doenças e propagação de insetos e animais, único e fixo de coleta facilita e potencializa o trajeto do caminhão ao percorrer
e hoje apenas em alguns pontos, como na área de transformando o problema em questão de saúde rotas simples e mais acessíveis. O Papa Lixo, como é conhecido o contêiner,
Santa Luzia – leva os moradores a acumularem pública. Combater a cultura de uso de espaços tem 3,5 metros de profundidade e necessita de um caminhão específico que
seus resíduos em todo e qualquer local aberto e públicos para jogar resíduos urbanos foi um dos possa erguê-lo e despejar os resíduos na caçamba, por meio da abertura no
disponível. De maneira geral, falta-nos, na contem- pontos de trabalho de nossa equipe técnica nas fundo. Além de melhorar a rota dos veículos, o sistema contribui para evitar
poraneidade, o entendimento sobre a origem e o periferias de Brasília. o acúmulo de lixo em espaços abertos, o que reduz o mau cheiro e a pre-
destino dos materiais; não há conhecimento sobre sença de animais transmissores de doenças nas ruas – situação bastante
corriqueira nas áreas periféricas de cidades brasileiras.
ESCOLAS-PRISÕES VIOLÊNCIA
– A FALTA DE RELAÇÃO COM A RUA
No entendimento mais comum do termo: Uma forma diferente de encarar o termo:
Na construção das escolas no Brasil, principalmente as públicas, existe um É habitual que se imagine um cenário violento e Mais explícita que a violência urbana do cotidiano
padrão de desenho que há muito tempo segue a lógica de um ordenamento hostil quando se fala das comunidades em que das desiguais cidades brasileiras, e mais grave, é
espacial que limita e prende os estudantes em caixas isoladas e espaços a equipe trabalhou e nas quais os colaboradores a violência do Estado, raramente mencionada. Um
sucateados, com uma arquitetura semelhante à dos presídios. Que padrão técnicos imergiram. Muitos desses comentários Estado que ignora as necessidades básicas de
comportamental pode ser gerado nessas escolas-prisão? O que se perde partem dos índices de violência coletados por infraestrutura para a salubridade dessa população,
na formação dos estudantes enclausurados nesses espaços? Para uma pesquisas oficiais, e outros, do histórico dessas que é truculenta com processos de remoção e de
educação mais humana, de melhor qualidade e mais afetiva, nossas escolas localidades. Porém, a vivência nesses lugares não vigilância, que fecha os olhos para as necessidades
precisam ser pensadas como espaços públicos que estabelecem relação foi hostil, pelo contrário. O fortalecimento dos laços de equipamentos públicos e transporte para que
com o seu contexto, criando um senso de comunidade não somente entre e a presença diária da companhia fizeram com que, as pessoas tenham o mínimo de condição para
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os estudantes, mas também com os outros habitantes da cidade. Em muitas nos quatro anos de atuação, não houvesse ocor- batalhar por uma vida melhor. Há violação do Esta-
localidades, as escolas são os únicos espaços que permitem a reunião da rência grave, ainda que o grau de exposição fosse do em prover o que é sua obrigação, pois o direito
comunidade para eventos. São potenciais espaços coletivos que acabam alto. A leitura externa do cenário não corresponde à cidade e à moradia são direitos constitucionais,
negados, já que poderiam ser catalisadores de um sentimento colaborativo. à realidade vivenciada. não são favores. O esquecimento dessas famílias
nas políticas públicas é a violência institucional,
mais uma das violências com que elas convivem
cotidianamente.
ENDEREÇAMENTO
COMUNITÁRIO

O endereçamento é uma questão de cidadania. Quando um ocupante não tem


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endereço, não existe para o Estado, não consegue receber correspondências
nem contas, ou mesmo dizer onde mora com precisão. Chegar a um nível de
projeto em que as casas têm número é garantir àquelas famílias o direito de
existir dentro do território que ocupam, é fixar vidas que estavam incertas. O
endereçamento coletivo gera agrupamento, e isso proporciona identificação,
gera senso de pertencimento ao lugar e cria memória afetiva em relação a ele.

CAMPO DE FUTEBOL
E AUSÊNCIA DE OUTRAS DEMANDAS
– REFLEXO DE CONFLITOS DE GÊNERO

Um terreno pertencente à Secretaria de Cultura foi palco de disputa entre


lideranças no Sol Nascente, e evidenciou-se o conflito de gênero na tomada
de decisão sobre os espaços públicos de uma comunidade. As mulheres
queriam que o terreno se tornasse uma biblioteca ou um centro de cultura,
enquanto os homens desejavam um campo de futebol. Na reunião para a
tomada de decisão, os homens, por estarem em maioria, conseguiram vencer
o conflito, e assim perdeu-se a oportunidade de instalar um equipamento
cultural que seria de extrema importância para o Sol Nascente. O episódio
mostrou que mesmo que a grande parte das lideranças comunitárias sejam
femininas, o espaço ainda é predominantemente masculino.
COMÉRCIO LOCAL

Durante as vivências nas comunidades, notou-se facilmente a ausência de


comércio e a dificuldade do pouco que existe de permanecer no local, devido
às condições de infraestrutura precarizadas. Com a chegada da pavimenta-
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ção, drenagem, iluminação pública e esgotamento, o comércio evolui, pois
para funcionar precisa ter relação direta com o espaço público, com suas
portas abertas para a rua. Se a rua é repleta de lixo, esgoto, lama e poeira,
torna-se precária a existência de um negócio. Efetuar obras de infraestrutura
em assentamentos urbanos precários é, portanto, uma maneira de gerar
emprego e renda para essa população.

ESPAÇOS CULTURAIS

Há uma ausência total de centros culturais nas comunidades do Distrito


Federal, e isso diverge muito da visão idealizada de comunidades com vários
centros de cultura de rua como o funk e o rap. Ao vivenciar as comunidades,
percebe-se que esses espaços não existem. Quando existem, há uma luta
muito grande para que se mantenham. Geralmente, os equipamentos de
encontro e de cultura não são inseridos nos projetos urbanísticos de áreas
de regularização, porque eles seguem uma norma que prevê o mínimo de
equipamentos. Assim, as comunidades permanecem sem um espaço de
reconhecimento da vivência. É fundamental que os arquitetos e urbanistas,
enquanto pessoas que pensam um espaço urbano de qualidade, assumam
a responsabilidade de, nos projetos de regularização, prever espaços para
equipamentos culturais e centros multiuso, porque essa é uma demanda
recorrente. Há interesse, há grupos e movimentos organizados que não
conseguem encontrar no território espaços de acolhimento.
AUSÊNCIA DE COMÉRCIO
– USO DO SOLO

O uso misto deve ser compreendido como parte inerente à regularização


e permanência dos assentamentos, é comum que as normas determinem
restrições a áreas de comércio e residência partindo-se da premissa de que
as pessoas estão ali porque não têm condições de estar em outro lugar,
tampouco têm condições de abrir um comércio. Na realidade, a dinâmica
urbana das comunidades se altera de acordo com a necessidade das famílias:
quando uma família precisa aumentar a renda, abre um comércio na frente
de seu lote; quando ele não é mais necessário, fecha-se. Um técnico sensi-
bilizado por essas dinâmicas sabe da importância de a família transformar
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um cômodo de sua casa em um salão de beleza ou em uma lanchonete;
sabe que se restringir a um só o uso do solo, está definindo que aquelas
pessoas estarão em estado de irregularidade com o Estado e com a buro-
cracia, podendo nunca conseguir um financiamento para melhorar a casa ou
o comércio. É fundamental consolidar o comércio existente e potencializar
suas qualidades, em vez de cultivar ideias de projetos e bairros ideais, que
pertencem a outra realidade de vida.

AMBULANTES

A falta de acesso à qualificação e capacitação para o trabalho e as crises


econômicas no Brasil são fatores que levam um contingente considerável de
pessoas em idade economicamente ativa a optarem pelo comércio informal.
Diante do desemprego, essa é uma alternativa para a obtenção da renda
familiar, principalmente diante da profunda crise econômica que assola um
imenso contingente de trabalhadores no país nos últimos anos. Os lugares
onde os famosos camelôs se instalam são indicadores dos melhores pontos
para comercialização, já que a possibilidade de desbravar a cidade permite
reconhecer espaços com maior atividade e vida social. Ademais, têm potencial
para criar esses espaços efêmeros de vida social por serem pontos de atra-
ção na cidade. Os próprios vendedores, além da estrutura física ambulante,
transformam-se em pontos de referência para o traçado urbano, na medida
em que viram personagens do bairro.
CACHORROS NA RUA ANIMAIS DOMÉSTICOS

Lindos, carinhosos e soltos: este é o retrato da algum morador, vemos com bons olhos o papel A presença de animais domésticos é muito comum, inclusive daqueles que
maioria da cachorrada nas ruas dos assentamen- desempenhado por esses “amigos”: ajudar a tornar desempenham alguma função de auxílio na renda familiar, como cavalos,
tos informais. É notável a quantidade de cães nas a infância de muita criança mais feliz, aliviando as porcos e galinhas, em um ambiente muitas vezes extremamente urbanizado.
ruas, e eles não são necessariamente abandona- agruras de problemas familiares ou oriundos do co- Há uma lógica para garantir a presença de animais de grande porte, como
dos, a maioria tem dono e casa. Essa situação tidiano de onde moram. Muitos cães acompanham os cavalos puxadores de carroças. Existem estábulos coletivos de aluguel
não fica clara à primeira vista. A falta de quintais as crianças à escola ou os seus donos aos pontos em quase todas as áreas de interesse social, assim como há muitos ani-
em muitas casas, além da própria cultura de criá- de ônibus. Há casos de cachorros de catadores mais abandonados, principalmente os idosos ou doentes, que deixam de
-los soltos, definem esse padrão de como ter um em Santa Luzia acompanharem os donos até o desempenhar função produtiva e se tornam um fardo. Esse problema deve
cão de estimação nessas comunidades. De modo aterro, espaço de trabalho, e retornarem juntos. ser solucionado com auxílio dos órgãos públicos, principalmente para ga-
geral, uma das diferenças no trato aos bichinhos Eles também são os companheiros de pessoas rantir o bem-estar e os direitos desses animais. Nossa equipe de arquitetos
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entre diferentes classes sociais está no grau de sozinhas e solitárias É comum presenciar idosos já projetou um estábulo para um cavalo que era um ser fundamental para a
humanização dado a eles, devido às diferentes sozinhos que acalentam a vida com seus cãezinhos renda da família, a qual vivia da coleta de resíduos recicláveis.
prioridades das famílias, especialmente as grandes para amenizar as dores de toda uma situação que
e em situação de pobreza. Mesmo assim, não falta a velhice e falta de recursos podem trazer. Também
afeto e cuidado. E como é recíproco. Apesar de havia membros da equipe de assistência técnica
que pela falta de alguns cuidados esses animais que resgatavam ninhadas de cães na comunidade
possam eventualmente causar dano à saúde de para levá-los à adoção.
SENSIBILIZAÇÃO SOBRE O ESPAÇO
– MENINOS

A natureza do espaço público é concebida, his- uma vez que já estão acostumados a isso. Nesse
toricamente, para o masculino: normalmente as sentido, é importante aproveitar esses momentos
cidades são projetadas, executadas e ocupadas de construção coletiva do espaço para incentivar
por homens. Por não terem seus corpos confron- outras narrativas de ocupação da cidade. Perceber
tados cotidianamente com o receio de ocupar a e evitar a segregação por gênero nas brincadeiras,
cidade, dentro da lógica dos papéis de gênero democratizar os espaços de decisão em casa e
estabelecidos socialmente, os homens circulam na comunidade e envolver os meninos na respon-
com maior autonomia, tornando frágil ou inexis- sabilidade do cuidado sobre o espaço coletivo e
tente a reflexão sobre como o espaço pode ser em atividades artísticas são meios de enfrentar a
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mais seguro e inclusivo para todas as pessoas. masculinidade tóxica tão violentamente ensinada
No que toca às crianças e à cidade, as ruas e os aos homens desde a infância. É uma tarefa polí-
vazios são frequentemente ocupados por meni- tica buscar que os meninos tornem-se homens
nos jogando bola, restando às meninas espaços sensíveis e entendam a necessidade de espaços
menores ou nenhum. Nas Ações Urbanas Comu- públicos coletivos, para que atuem de forma efetiva
nitárias, os meninos são os primeiros a chegar, na luta por uma cidade segura e acolhedora para
apropriando-se do espaço com mais naturalidade, todas e todos de maneira democrática.

EMPODERAMENTO FEMININO
– MENINAS

Os obstáculos para a mulher nas cidades são diversos. A sobreposição de


funções que deriva da necessidade de exercer papéis domésticos e profis-
sionais leva a uma rotina com maior complexidade de deslocamento. A nova
geração de mulheres é mais informada do que gerações anteriores sobre
uma diversidade de temas. Além disso, a evolução do movimento feminista
e a generalização de políticas sociais para as mulheres nos levou a uma
condição de maior independência da mulher. É recorrente nas comunida-
des em que atuamos a presença de meninas de imensa garra e sabedoria
participando das atividades. Geralmente, exercem em suas famílias papéis
de grande responsabilidade, tendo que, desde muito pequenas, cuidar da
casa e dos irmãos mais novos. Dotadas de personalidade e autoestima,
apresentam-se com confiança e força de vontade para botar a mão na
massa. As dificuldades impostas por serem mulheres não as impedem de
estar em ação, mas as motiva a ocupar cada vez mais os espaços públicos
tão formatados para os homens.
CRIANÇAS E SUA PRESENÇA
NO ESPAÇO PÚBLICO

A curiosidade e a desinibição infantil, além das tintas e cores, atraem as


crianças para a movimentação diferente em suas ruas. São sempre os pe-
quenos os primeiros a se aproximarem de nossas Ações Urbanas. Diante da
falta de costume, só depois os adultos, com todo o acanhamento da idade,
perdem a vergonha e acabam sendo seduzidos pelo poder da transformação,
na maior parte das vezes motivados e convencidos pelos pequenos atores
comunitários. A fase inicial da vida tem importância imprescindível para o
desenvolvimento pessoal e cognitivo do ser humano. Assim, é interessante
saber aproveitar esse momento para apresentar às crianças possibilidades
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diferentes de compreenderem e de se relacionarem com o mundo e com
o espaço urbano que as cerca. Quando aprendem uma boa prática, são as
primeiras a observar as atitudes dos pais, dando puxões de orelha quando
preciso. Apresentar às crianças alternativas mais sustentáveis de convívio
e relacionamento com as cidades é investimento em gerações mais cons-
cientes de suas responsabilidades. É transmitir poder e conhecimento para
enfrentar as problemáticas urbanas.

MONITOR MIRIM

Diante do poder transformador das crianças como atores do espaço comuni-


tário, em São Sebastião foi proposto que as crianças se tornassem monitores
do bairro e ajudassem a cuidar da rua. Com as mãos no peito, recitaram
palavras de comprometimento com o meio ambiente, com os pedestres e
com a cidade. Na cerimônia de nomeação dos monitores, as crianças foram
presenteadas com uma carteirinha de cadastro, que simboliza a responsa-
bilidade com os espaços públicos. Apoiar-se em atividades simbólicas é
importante para registrar o momento na memória das crianças, que guardam
os fatos mais importantes e afetivos ao longo do tempo. Transformar um
momento de aprendizado em felicidade facilita a fixação.
RECOMPOSIÇÃO DE APP
E AÇÕES AMBIENTAIS

As áreas de risco e de proteção ambiental não são do interesse do mercado


para ocupação e acabam sendo para onde as populações de baixa renda
são empurradas na cidade, uma vez que não têm onde morar. Usualmente, a
relação das pessoas com a área é complicada devido a falta de informação
sobre a importância da preservação. No Distrito Federal, a Vila Cauhy possui
pontes pedonais que passam sobre o córrego do Riacho Fundo e permitem o
acesso ao Núcleo Bandeirante, que apesar de serem a forma de mais rápido
acesso ao comércio e equipamentos urbanos locais, serviam para descarte
de lixo. Havia uma aspecto de abandono, de modo que traficantes transfor-
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maram o local em um ponto de venda de drogas. Por meio de mutirões, foi
possível fazer a recomposição da vegetação e a transformação dessa área.
Graças à educação ambiental e ao envolvimento dos moradores, foi possível
ressignificar o ambiente, assim como continuar o trabalho desenvolvido na
manutenção do local pelos próprios habitantes.

CIDADE DE MUROS
– A ARIDEZ NO ESPAÇO URBANO

O espraiamento urbano de Brasília se deu por meio de tipologias térreas em


loteamentos irregulares. São casas isoladas em lotes murados por todos os
lados, em que a baixa renda reproduz o medo da violência urbana em forma
de enclausuramento, assim como os condomínios das classes mais altas.
Além disso, o muro é a forma mais barato de se cercar um lote, custa menos
que uma grade que permite, pelo menos, o contato visual com a rua. Desse
modo, configura-se um espaço urbano em que é comum que existam longas
ruas muradas onde não existe sequer uma árvore. A rua é negada por todos,
o que as torna locais de total ausência de relação da pessoas, áridas de vida.
AUSÊNCIA DE ARBORIZAÇÃO: OCUPAR VAZIOS
PROBLEMA CRÔNICO BRASILEIRO COM PESSOAS E COM VEGETAÇÃO

Nas paisagens urbanas, são raros os casos de bairros que possuem áreas A ocupação por pessoas nos espaços públicos é primordial para o fun-
verdes generosas, parques e espaços de uso coletivo bem arborizados. Vi- cionamento eficiente da cidade. Somente criando condições para que os
ver em um bairro com essas características é um privilégio de poucos. Nos moradores possam se apropriar das áreas livres é que teremos lugares com
assentamentos informais, a principal necessidade é haver terra para todo mais qualidade e segurança. Contudo, a lógica da construção das cidades
mundo, geralmente parcelada por grileiros que pouco se importam com a muitas vezes deixa a desejar no âmbito da produção de espaços públicos.
arborização. A lógica é a do lucro, da densidade, da impermeabilização e do Nos assentamentos informais, há poucos vazios urbanos, que normalmente
carro. “Da casa para fora não é problema meu”, mas é problema de todos são subutilizados e tratados como locais residuais. Abandonados, tornam-se
que sofrem com as consequências de cidades quentes, sem sombra, hostil inseguros, sendo utilizados até mesmo para descarte irregular de resíduos
para a caminhada e que alagam no período das chuvas. Para cidades com dos mais diversos tipos. Ao mesmo tempo, existe também a carência de
temperaturas mais agradáveis, é preciso pensar novas formas de se promover áreas verdes e espaços de encontro e convivência. Somente tendo as pes-
arborização, principalmente em locais com pouco espaço para áreas públicas. soas como ponto central dessa perspectiva faz-se possível a transformação
dessas áreas tratadas como terrenos baldios. A mudança se torna praticável
por meio da inserção de verde e de equipamentos para que esses vazios
deem lugar a espaços de permanência onde as pessoas queiram estar. Os
vazios são fundamentais para garantir áreas arborizadas no processo de
urbanização desses locais.
VEGETAÇÃO COMO É POSSÍVEL
– JARDINEIRAS DE PVC

Em ocupações informais, é comum que algumas ruas sejam muito estreitas.


No caso do Residencial Vitória, em São Sebastião, não é diferente. Para im-
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plementar vegetação e oferecer a possibilidade de um lugar mais agradável,
durante as Ações Urbanas Comunitárias, foram feitas as jardineiras de PVC,
uma solução de execução simples e que torna possível o plantio em locais
em que o espaço para arborização é limitado ou inexistente. O jardim de
PVC possibilita o plantio de mudas de pequeno porte e é uma estrutura útil,
acessível e de fácil manutenção para levar verde às ruas da cidade.

AGROFLORESTA

Muitas comunidades, além da preocupação com a presença de áreas verdes


por questões estéticas e paisagísticas, têm um argumento produtivo para
a existência deles nas ruas. A comunidade do Residencial Vitória, em São
Sebastião, foi a responsável por nos apresentar o conceito de agricultura
sintrópica, por meio da implantação de uma agrofloresta na praça central
do bairro. Moradores e voluntários técnicos realizaram diversos mutirões e
cursos sobre o tema e se integraram, também, aos momentos de Ação Ur-
bana. A ideia da agrofloresta é aliar diversas espécies produtivas a espécies
florestais, simulando um ambiente semelhante ao encontrado na natureza,
garantindo proteção ambiental e produção alimentícia. Não há cercas: o
espaço é comunitário e de usufruto de quem passa por ali. A manutenção é
feita pelos moradores que realizaram o plantio e por outros que acabaram se
interessando pela atividade. Além do benefício ambiental e urbano, manejar
uma agrofloresta comunitária favorece o encontro dos vizinhos e propicia
um ambiente de compartilhamentos e trocas.
HORTA COMUNITÁRIA

Para além da necessidade ambiental, o plantio produtivo nas cidades surge


em meio à contestação da lógica atual de produção de alimentos, que nos
distancia das práticas ancestrais e dos processos de produção e transporte
do alimento às áreas urbanas. São Sebastião, Porto Rico e Brazlândia fo-
ram algumas das comunidades em que novas hortas comunitárias foram
implantadas por demanda, ou ainda fortalecidas e potencializadas, quando
já eram cuidadas pela comunidade. O manejo e o plantio são atividades co-
munitárias, assim como a produção é para usufruto de todos. É importante
salientar que construir uma horta baseada apenas em argumentos técnicos
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não é suficiente para que os moradores se apropriem do cuidado contínuo de
rega, poda e outras atividades. Ainda que a comunidade entenda a proposta
e aceite a sugestão da área de plantio produtivo, a iniciativa requer tempo e
atenção. Assim, é importante perceber se a horta suprirá uma demanda real
da comunidade e se haverá responsáveis pela manutenção.

HORTA MEDICINAL

Em 2016, uma moradora da Vila São José se dirigiu ao técnico responsável


pela área pedindo ajuda para a montagem de uma horta comunitária. A
vila faz parte da Região Administrativa de Brazlândia, a aproximadamente
50 quilômetros do Plano Piloto, e tem fortes traços rurais em sua cultura e
dinâmica diária. O plantio e o cultivo na cidade são importantes ferramen-
tas de debate, que influencia a transformação do sistema de produção de
alimentos e sua aproximação do consumidor final, alterando a consciência
sobre o alimento. A moradora não queria uma horta comunitária com pro-
dução convencional de hortaliças e legumes, seu desejo era abastecer a
comunidade com plantas medicinais que são, inclusive, mais resistentes à
escassez de água. Foi escolhido um local próximo à escola da região para
que os estudantes pudessem cuidar das plantas, o que funcionaria também
como ferramenta de ensino e vivência.
HORTA GIRASSOL HOSANA

Em 2004, uma moradora de São Sebastião foi contaminada pelo hantavírus. É ilusão pensar que, ao falarmos em comunidade engajada, estaremos nos
A situação gerou comoção e mobilizou os moradores a limpar o terreno vazio referindo a um grupo coeso e continuamente participativo. O engajamento
próximo a suas casas. Com a área limpa, surgem as preocupações com a é normalmente motivado e liderado por uma pessoa chave ou por pessoas
ocupação irregular e a grilagem. Visando a impedir essas atividades e ofertar que conseguem perceber o potencial de um grupo em uma determinada
ao bairro mais oportunidades de vivência, nasceu a Horta Girassol. Ainda situação, aliando o contexto de trabalho à sua capacidade de visão estra-
que seja também uma ocupação de caráter irregular, a iniciativa nasceu do tégica e liderança. É assim com Hosana, moradora da área do Morro Azul,
interesse coletivo e público e já conquistou a possibilidade de ter o terreno em São Sebastião. Ela foi uma personagem importante para a conquista do
como propriedade da horta. Após anos de atividades, o grupo se organizou território e para a fixação da comunidade, e hoje é a principal responsável pela
formalmente, transformando-se em ponto de apoio para diversas outras manutenção da Horta Girassol. Hosana tem papel relevante de mobilização e
atividades do bairro e da região. Além dos conhecimentos ambientais e articulação, aglutinando movimentos e grupos de setores diferentes, visando
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alimentícios, a comunidade pôde aprender sobre mobilização, cooperação ao trabalho em conjunto e à melhora da comunidade.
e ressignificação do uso de espaços urbanos.
ROGÉRIO ‘BARBA’

Barba é uma liderança que viveu grande parte da vida na rua e conseguiu
sair dela. Decidiu então auxiliar outras pessoas em situação de rua a saírem
desse estado de extrema precariedade. Pessoas cujo percurso de vida era
semelhante ao dele. Em certa ocasião, viu o presidente da Codhab com a
equipe em um evento cultural no Setor Comercial Sul e foi conversar sobre
um direito que hoje essa população possui. Havia descoberto a existência de
um percentual obrigatório de lotes em programas habitacionais que deveria
ser destinado à população de extrema vulnerabilidade. Ciente disso, foi exigir
o cumprimento dessa norma pelos programas da companhia. A partir desse
encontro casual, surgiu a discussão sobre formas de incluir pessoas em situ-
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ação de rua, que ocupavam há anos o espaço público como moradia e não
conseguiam acessar os programas sociais devido à extrema vulnerabilidade,
por não terem documentos ou por não residirem oficialmente em um local.
Barba auxiliou a formatar as políticas públicas para agregar essa população
a que o Estado tem dificuldade de acessar sozinho. Assim, tornou-se uma
figura de extrema importância para os processos da companhia.

EDMILSON ‘MINEIRO’

Mineiro foi o primeiro contato dentro de São Se-


bastião, antes da instalação do Posto. Teve um
importante papel na conexão entre a Codhab e o
bairro Residencial Vitória. Morador da área há mais
de 15 anos, também trabalha em seu lote em uma
serralheria que atende à região. A presença dele
no horário em que o Posto estava aberto trazia
segurança aos colaboradores da companhia. Seus
filhos utilizavam o espaço em frente à residência
para o lazer, e essa relação fez com que Mineiro se
apropriasse também do espaço coletivo, devido ao
fato de se desenvolverem atividades residenciais
e comerciais dentro do lote.
DONA CHICA

Nascida no Rio Grande do Norte, Dona Chica chegou ao Distrito Federal aos
dez anos com toda a família. Atraídos pela promessa de melhor qualidade
de vida na nova capital, eles se instalaram na Cidade Livre, hoje conhecida
como Núcleo Bandeirante. Junto a eles, tantos outros sonhadores e trabalha-
dores esperançosos de uma vida com dignidade e felicidade. Nos anos 70, já
casada, dona Chica chegou à região da comunidade do Pôr do Sol, após ser
realocada do Setor de Chácaras P Sul. Desde então, luta pela permanência
e regularização da comunidade. É integrante da Prefeitura Comunitária do
Pôr do Sol, organização criada por ela em 2000. Em 2015, ao descobrir que
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pontos de atendimento da Codhab seriam instalados nas áreas de regulari-
zação do DF, solicitou a presença de uma unidade em sua região. Acreditou
tanto no trabalho técnico que estava prestes a ser realizado que ofereceu a
sede da prefeitura para que o Posto pudesse funcionar ali. Durante mais de
dois anos, a equipe técnica esteve presente nessa sala, com o aluguel sob
responsabilidade da comunidade.

A CASA DE DONA CHICA

A celebração é um importante ritual para a finalização de um ciclo e o início


de outros. Celebrar ajuda a reforçar memórias e aprendizados do processo
para se alcançar o objetivo estabelecido. A maioria de nossas Ações Urbanas
é seguida de momentos descontraídos de comemoração, geralmente com
farta mesa posta para o almoço, a fim de exercitar as dimensões simbólica e
afetiva de finalização e recomeço. Na comunidade do Pôr do Sol, a celebração
teve muita galinhada e melancia. Diante do grande interesse de dona Chica,
líder comunitária local, em apoiar o trabalho técnico do Posto em seu bairro,
a proximidade com a equipe sempre foi grande e afetuosa. Inúmeras vezes
Francisca ofereceu não só sua casa, mas seu talento e amor na cozinha,
para que pudéssemos celebrar da melhor maneira possível cada mutirão
realizado ali, entre gente, comida e afeto.
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NA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA DONA BITA


– SEU SUPLÍNIO
Dona Bita ficou conhecida na primeira Ação Comunitária no Sol Nascente.
“Fala, Seu Suplínio, tudo bom?”, perguntávamos, “Tamo aí, na luta pela sobre- Enquanto os agentes da companhia estavam colando os cartazes no local,
vivência diária”, dizia Seu Suplínio quando encontrava a equipe de arquitetos e ela se aproximou interessada pela proposta, então pediu para que aquilo
a equipe de obras. Sua presença sempre surpreende pela boa forma, energia fosse feito em sua rua também. Por acaso, era a Rua das Palmeiras, onde
e vontade excepcional de trabalhar. Há anos dedicando horas e suor à Secre- posteriormente foi feito o trabalho de requalificação urbana. Quando o asfalto
taria de Gestão do Território, o baiano que fazia parte da equipe de obras da ficou pronto, foi dona Bita quem sugeriu que se fizesse uma ocupação na rua
Companhia ensinou muito aos outros integrantes. Só de bater o olho, sabe por um período do dia, para que a população pudesse se apropriar do espaço
exatamente quantos sacos de cimento e quanta areia serão necessários de forma festiva. Ela sempre recebia os técnicos com muito acarajé e vontade
para realizar um serviço. Por diversas vezes, assumiu a responsabilidade de de ocupar o espaço público, pois era uma das primeiras moradoras do Sol
comprar ferramentas de melhor qualidade e materiais necessários durante Nascente. As reformas urbanas que estavam acontecendo ali eram uma
algum processo de construção, sempre pensando na qualidade do serviço grande conquista para ela, que queria comemorar de forma coletiva e pública.
e no melhor resultado possível. Ainda que nascido no estado com algumas
das praias mais belas do país, apenas em 2018 Seu Suplínio conseguiu final-
mente conhecer a beleza da praia e do mar. Ele foi um dos representantes da
Codhab escolhidos para ir a Salvador a fim de receber o prêmio Selo de Mérito
ABC 2018, conquistado pelo programa de assistência técnica da companhia.
GESTÃO COM COLABORAÇÃO

Quebrar o paradigma da escassez e passar a planejar e a traçar metas pensan-


do na abundância é um desafio atual à construção de espaços baseados na
colaboração, na troca de saberes e na inclusão. A maneira mais comum pela
qual as pessoas iniciam projetos é identificando as fraquezas e dificuldades,
a fim de planejar esforços para combatê-los. Falta o entendimento de que a
solução está mais em potencializar os aspectos positivos e as oportunida-
des. No entanto, é possível encontrar outros caminhos com processos mais
ricos e frutíferos. O pensamento na gestão horizontal sempre foi uma das
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diretrizes de atuação da equipe de assistência técnica. Ainda que separada
entre as frentes de Ações Urbanas e Melhorias Habitacionais, a equipe tra-
balhou concentrada, atuando na obtenção dos melhores resultados para as
comunidades e seus moradores.

PERSPECTIVA DO DIREITO – OU A NECESSIDADE


DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL

Muitas vezes, a vulnerabilidade das residências nas comunidades extrapola o


potencial de transformação de uma reforma física no espaço. As complexas
dinâmicas sociais das famílias e a necessidade de atendimento por outros
tipos de serviços públicos pedem o acompanhamento de um profissional
de serviço social em todo o processo do programa Melhorias Habitacionais.
O recurso reduzido, frente às mais variadas necessidades de intervenção e
melhoria nas residências, coloca-se como um obstáculo e acaba por exigir
um processo de priorização, visando a proporcionar segurança e salubri-
dade. Devido ao delicado trabalho de fazer com que as famílias entendam
as limitações do programa diante de suas expectativas e necessidades, o
papel do assistente social é imprescindível. A partir do momento em que os
beneficiários entendem o processo e se empoderam dele, compreendem que
o acesso ao direito à moradia é um trabalho coletivo e necessita de vários
olhares para sua materialização.
VOLUNTÁRIOS
– PROGRAMAS DE VOLUNTARIADO,
VOLUNTÁRIOS AVULSOS
EQUIPE DE OBRAS E PARTICIPAÇÃO POPULAR

Objetivando potencializar o resultado e construir intervenções mais sólidas e Ser voluntário é praticar empatia, é colocar-se no jovens estudantes de arquitetura que buscam por
duradouras, durante as semanas de preparação que antecediam uma Ação lugar do outro e ver o problema com os olhos dele. É experiência pessoal no trabalho social, ganhavam
Urbana Comunitária, a equipe de obras era responsável por todo o esforço também, além de se conscientizar sobre as proble- também experiência profissional no que se refe-
físico e de construção para transformar as áreas de intervenção. Eram co- máticas, inquietar-se frente à realidade. É instinto re à realização de trabalho conceituado em um
laboradores sem ponto fixo de trabalho que realizam suas funções na rua resolutivo de ir contra as injustiças e enfrentá-las. urbanismo de caráter emergente e colaborativo.
e debaixo do sol. Nossos super-heróis têm conhecimento de construção O aprendizado vem da convivência com o diferente, Alguns voluntários exerceram papel importante
civil, marcenaria, serralheria e muita sensibilidade para entender o contexto do respeito ao próximo e da crença nas práticas nos processos dos quais participaram e tiveram
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da vida. Realizavam desde atividades de grande esforço físico – transporte colaborativas como ferramentas de construção de a oportunidade de integrar oficialmente a equipe
de materiais, montagem de tendas, carregamento de caminhões –, até o uma sociedade mais inclusiva e justa. Motivados profissional da assistência técnica. Convênios es-
sensível trabalho com cores, interação e mobilização. As especialidades e os pelos valores de participação e solidariedade, os pecíficos para arquitetos foram estabelecidos com
conhecimentos individuais ampliam as potencialidades de atuação da equipe. voluntários disponibilizam tempo e conhecimen- instituições parceiras, como o Conselho Interna-
to para melhorar a qualidade de vida de muitas cional de Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP)
comunidades. A maior parte do voluntariado da e a Association Internationale des Etudiants en
assistência técnica participou do programa Ações Sciences Economiques et Commerciales (AIESEC).
Urbanas Comunitárias. De maneira geral, eram
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SENHORAS COTIDIANO NO POSTO

Sempre presentes nas comunidades, são figuras de boa recepção e de fácil Uma das características do Posto foi a flexibilidade do horário de trabalho,
engajamento. Oferecem água e café, dão informações, vendem marmitas, que foge do padrão do serviço público ao variar conforme a necessidade da
doam mudas e ainda oferecem suas casas como pontos de apoio à equipe comunidade. As reuniões comunitárias aconteciam após o horário comercial,
de obras. De maneira geral, podem representar fortaleza e resistência na luta de forma a abranger mais moradores, que não precisavam faltar ao trabalho
pela fixação no território, já que, geralmente, foram as primeiras a chegar ao para participar. Essa liberdade de ajustar os horários de trabalho e os dias de
local. São, ainda, pontos de referência para endereços e importantes fontes atuação possibilitou maior diálogo com a comunidade e facilitou o acesso
da memória local. Durante as Ações Urbanas, divertiam-se e trabalhavam aos serviços do Estado. O Posto adotou esse precedente ao fazer a reflexão
em prol da comunidade, fazendo esforço físico sem se deixarem dominar de que uma companhia de habitação que trabalha em áreas periféricas deve
por barreiras corporais. O processo de participação nos faz perceber como estar ali para auxiliar os moradores e não para criar dificuldades para eles.
a cidade é deficitária para o usufruto dos idosos. Poder ouvir essas mulheres
é importante para garantir uma transformação que assegure acessibilidade
e direito à cidade a todas as gerações.
7
entrevistas
e depoimentos
1 UM PAPO COM GILSON PARANHOS
2 CONVERSA COM DONA CHICA
UM PAPO COM
GILSON PARANHOS

por Luiz Sarmento, Manuella Coelho


e Mariana Bomtempo
Eu participava desse movimento comunitário que, O Sansa Supletivo, pra mim, foi um aprendizado,
na época, era ligado especialmente às comuni- porque nós fazíamos nossas reuniões e o governo
dades eclesiais de base da Igreja Católica. Sugeri militar entrava lá, mexia, pegava tudo quanto é
que começássemos a fazer um trabalho com as documento. Depois que tudo terminou, ficamos
empregadas domésticas do local. Montamos um sabendo que eles enviavam cartas pedindo que
colégio interno da paróquia, que na época se cha- aquilo fosse fechado. Hoje eu vejo que nós tínha-
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Luiz Sarmento mava Sansa Supletivo. Eu dava aulas, os nossos mos objetivos políticos sérios, e era sério o que
Você possui uma trajetória muito rica, inclusive trabalhou com profissionais colegas da universidade também, e isso começou estávamos fazendo. Aprendemos a trabalhar de
icônicos do nosso país. Como foi sua trajetória até a chegada à Codhab? a ser um sucesso. Tivemos que fazer provas de maneira responsável desde cedo.
seleção para as pessoas entrarem no supletivo,
e todo mundo estudava pra passar, porteiros de Na universidade, logicamente me engajei no movi-
Gilson Paranhos prédio, empregadas domésticas e pessoas de baixa mento estudantil. Entrei no Instituto de Arquitetos
Pode parecer incrível, mas se você pegar a primeira edição do Jornal de renda daquela região, mas o nosso critério era a do Brasil (IAB) logo nessa época, onde vi muita
Brasília, ali está registrado que um grupo de jovens se reuniu e começou a vulnerabilidade, e não o conhecimento. coisa acontecer. O rascunho de tudo o que a gente
fazer um trabalho dentro do Santíssimo Sacramento. Na época, era um padre tem conseguido nesses anos passou pela mesa
novo, que passou para monsenhor, bispo, presidente do CELAM (Conselho do IAB/DF. Paralelamente a esses movimentos,
Episcopal Latino-Americano), presidente da CNBB (Conferência Nacional dos me engajei também no Oração Pela Arte, o OPA,
Bispos do Brasil), é hoje cardeal, e teve influência total na decisão do nosso que é um movimento de nível nacional que me
Papa. Eu aprendi muito com essa pessoa. ensinou muito também. Aprendi muito com esse
pessoal todo, mas o principal é que você não pode
Já na universidade, eu e esse grupo participamos de uma greve, em 1977, dar limites a suas vontades e objetivos – a utopia
de muita importância na minha vida. Chego a ficar emocionado, porque os é realizável.
militares ficavam na porta das nossas salas de aula, e isso pra mim foi um
aprendizado muito grande. Nós entrávamos e saíamos da sala de aula com
uma pessoa em pé com um fuzil na mão. Eu era novo, e aquilo assustava
muito, porque eu vim de uma cidade do interior onde essas coisas não existiam.

Uma das experiências pessoais mais importantes que eu tive foi quando
cheguei em casa – sou de uma família de seis irmãos, na mesma casa mo-
rávamos dez –, e a empregada estava chorando. Quando perguntei o que
tinha acontecido, ela me falou que tinha tirado uma nota muito baixa em uma
prova. “Mas por que você tirou nota baixa?”, e ela respondeu “porque é muito
difícil, eu não consigo entender”. Ela trabalhava o dia todo e estudava à noite,
então falei “vou estudar junto com você”, e começamos. No segundo dia ela
chamou duas amigas, depois mais três, mas a cozinha da minha casa era
muito pequena, e não cabia.
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Invasão Militar na Universidade de Brasília, 1977


Fonte: Arquivo Central/UnB (editada)

Memória do Arquiteto de Brasília: Apresentação do trabalho do arquiteto Milton Ramos (da esquerda para a
Gilson Paranhos em ateliê na FAU/UNB, década de 1970 direita: Yara Lúcia, Aleixo Furtado, Milton Ramos, Sérgio Parada, Manoel Balbino e Gilson Paranhos), 1996
Fonte: Acervo Gilson Paranhos (editada) Fonte: Acervo IAB/DF (editada)
Muito cedo fui trabalhar com uma pessoa mara- o contrato adiante e fui para lá. Aprendi muito em É verdade que fica o meu nome, o que eu acho natural, mas é importante
vilhosa, que era o Milton Ramos. Um técnico de termos de obra, de tomar decisões rápidas. Com dizer que ele é realizado por uma equipe enorme, e é consequência de uma
capacidade enorme e politicamente muito radical. o Lelé, aprendi muito. Com ele era do dia pra noite, experiência na qual diversas pessoas estão incluídas.
Pra você ter uma ideia, ele desenvolveu e detalhou o e a gente começava a obra, porque tinha que ficar
Itamaraty e o Teatro Nacional. Depois que trabalhei pronta logo. Aprendi a fazer a diferença no setor
com ele, fui trabalhar com o Lelé. público e, quando você faz algo novo, é normal
quebrar a cara, mas a gente quebrava a cara jun-
Tive um aprendizado enorme com os dois, pessoas tos. As portas eram fechadas e começávamos do
fantásticas que tinham na veia os mesmos grandes zero novamente.
objetivos, mas eram totalmente diferentes. Milton
Ramos brigou com o Oscar Niemeyer e não aten- Depois, continuei trabalhando no meu próprio
dia as ligações dele. Eu atendia os telefonemas escritório e procurando coisas novas para fazer.
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do Oscar no escritório do Milton e dizia que ele O governador Rollemberg nos chamou – eu, Thia-
tinha saído. Era muito engraçado, e pra mim uma go1 e Luiz Otávio2 – para participar do governo,
coisa louca, porque o Oscar era um líder mundial, graças a um trabalho politizado feito dentro do
e o Milton simplesmente não atendia (risos). Eu IAB. Nenhum de nós tinha relação alguma com
vi essas pessoas trabalharem de maneira muito o governador, então acreditamos que o trabalho
séria, com decisões políticas radicais, e os meus que vem sendo feito na Codhab é fruto de uma Prototipagem dos arcos
no canteiro de obras do
valores batiam muito com suas maneiras de pen- atividade séria anterior. Eu tenho hoje uma equipe Palácio do Itamaraty
sar e decidir. maravilhosa, que aos poucos foi sendo formada sob a coordenação de
Milton Ramos, 1962
e tem feito esse trabalho incrível.
Fonte: Acervo Milton Ramos
O Milton me chamou pra fazer a obra do Aeroporto (editada)
de Confins quando eu estava saindo da universi- Existem algumas comprovações do respaldo que
dade e não tinha o CREA ainda. “Milton, mas eu esse trabalho tem: dos 27 estados, fomos convi-
não tenho capacidade pra fazer uma obra desse dados a mais de 20 para mostrar o que fizemos.
tamanho, você sabe, eu só fiz os clubes da aero- Para mim, isso demonstra que estamos fazendo
náutica, casas, obras de pequeno porte.” O Milton algo que atende às necessidades das cidades
só me falou assim: “eu sei o que eu estou fazendo, brasileiras. Fomos convidados pra Bienal do Chile,
porra”. Ele era muito radical. Eu pensei comigo recebemos dois prêmios da Associação Brasilei-
mesmo “bom, vou pra Confins”, e te confesso que, ra de Cohabs (ABC), e vamos ter uma conversa
duas semanas depois que estava lá, cheguei no com a UN-Habitat, ligada à ONU e à UNESCO; um
trabalho e tinha duas passagens, para minha na- pessoal da central, lá na África, juntamente com
morada e eu irmos pra Europa ver um forro. Eu falei o pessoal do Rio de Janeiro, querendo falar com
para pessoa “não, muito obrigado, já decidimos a Codhab. Isso mostra que estamos fazendo um
qual forro vai ser usado em Confins, não preciso trabalho sério, e a gente não tem dúvidas sobre a
ir para Europa”. Então entendi que o Milton queria importância dele.
que uma pessoa séria estivesse lá.

Gilson Paranhos
Mais tarde, eu estava com um contrato com a 1 Thiago Andrade, Secretário da Secretaria de Estado de (à esquerda) e Henrique
Universidade de Brasília, fazendo os prédios dos Gestão do Território e Habitação (Segeth) e ex-presidente do Melman no Aeroporto
IAB/DF. de Confins/MG, 1984
professores. O Lelé me liga e fala “Gilson, vem
2 Luiz Otávio Rodrigues, Secretário-Adjunto da Segeth e Fonte: Acervo Milton Ramos
para cá”. Era um trabalho na Bahia, então passei ex-presidente do IAB/DF. (editada)
Luiz Sarmento
Ainda sobre as suas práticas profissionais, quais delas te firmaram como
profissional de arquitetura e urbanismo e quais delas te levaram a estabele-
cer uma relação com o direito à cidade e a arquitetura de interesse social?

638 639

Gilson Paranhos
Eu morei em Belo Horizonte um tempo para fazer o Aeroporto de Confins.
Trabalhei nesse aeroporto desde o primeiro risco, desde o estudo preliminar,
quando o Milton disse “talvez a gente faça um aeroporto, mas peço reservas
por enquanto”. Ninguém sabia se íamos fazer ou não, nem nós mesmos, mas
ele fez um croqui que eu tenho até hoje.

Logo que eu voltei, o Lelé estava fazendo uma pesquisa sobre argamassa
armada em Abadiânia. Fui até lá e comecei a fazer parte da equipe dele na
fábrica de argamassa. Essas relações profissionais fizeram a diferença, e
também o meu amadurecimento no IAB.

Eu tinha muita proximidade com o Elvin [Dubugras]. Eu e a turma trabalháva-


mos no escritório do Milton e, no final da tarde, a gente ia para o escritório do
Elvin, porque só ele tinha as informações do exterior. Ele fazia embaixadas,
então viajava muito para fora. Tinha uma paciência enorme, era uma pessoa
maravilhosa, passava os slides das obras. Era assim que a gente tinha contato,
porque quase não tinha revista de arquitetura do exterior, não tinha internet,
não tinha nada disso. Chegou uma hora – o Elvin participava do IAB com
a gente –, eu lembro que ele estava tomando sorvete, deu uma gargalhada
daquelas e disse “você não vai conseguir escapar, agora é sua vez”. Eu falei
“não, Elvin, eu sou muito imaturo ainda!”. Ele disse assim: “Lelé vai falar con-
tigo”. O Lelé me telefona e diz “agora, Gilson, é sua vez de assumir o IAB/DF”.

Veja bem, entrei no IAB como estudante. Ingressei na universidade em 1976


A importância da velocidade na arquitetura para a solução de problemas urgentes:
pesquisa para escola transitória rural projetada por Lelé - Abadiânia/GO, 1983 // de cima para baixo:
e, em dezembro do mesmo ano, já participava do Instituto. Naquele tempo,
1. Edificação provisória (construída em madeirite e outros materiais facilmente encontrados no local à época); a gente entrava na universidade e já sentia que era importante estar dentro
2. Detalhe construtivo da edificação provisória;
do IAB, porque lá sempre estiveram – e sempre vão estar – os melhores
3. Edificação definitiva (construída em placas de cimento pré-fabricadas)
Fonte: Acervo IAB/DF (editada) profissionais de arquitetura e urbanismo.
As reuniões do Conselho Superior são pós-graduações e doutorados que
universidade nenhuma te ensina. Pessoas com qualidade ímpar, que são refe-
rências. Logicamente, dentro do IAB começamos a discutir arquitetura social.
Conheci então o trabalho de Clóvis Ilgenfritz, com suas experiências no Rio
Grande do Sul, e pensava que aquilo era uma coisa fantástica. Mesmo dentro
do IAB essa questão era pouco explorada, e a experiência do Clóvis foi muito
importante. Na primeira vez que ele veio a Brasília, eu já estava batalhando
pela assistência técnica, e foi quando aconteceu nosso primeiro contato.

Na época, eu já estava na luta pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo,


e sobre isso tem uma história engraçada de por que eu caí nessa história
do Conselho e por que eu tive a certeza de que nós tínhamos que ter nosso
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conselho próprio. O Lelé estava com problemas de saúde e não pôde fazer
um hospital lá no Rio Grande do Norte. Ele indicou meu nome, meu escritó-
rio, pra fazer o projeto do hospital da Liga Contra o Câncer, e eu comecei a
fazer o projeto.

Logo que entreguei, a empreiteira começou a mexer no meu projeto de maneira


absurda. A gente já tinha feito argamassa armada com 2,3 cm de espessura,
1,8 cm de espessura, e eu tinha feito umas galerias com essas placas de
argamassa armada no projeto. Eles simplesmente disseram que não, que
aquilo era impossível, que ia cair. Eu falava “já existe, nós já executamos em
Salvador”, e eles diziam “não, não, aquilo vai cair”. Passaram a espessura para
12 cm, com o aumento do volume de concreto, aumentar o custo da obra.

Eu não admitia aquilo, então fui ao CREA ver quais direitos eu tinha. Descobri
Experiências em pré-fabricação na construção de habitação de interesse social:
que não tinha direito nenhum, o direito que eu tinha era simplesmente de matéria do Correio Braziliense, 1987
tirar meu nome do projeto. Eu não entendia muito de conselho, fui pesquisar Fonte: Acervo Gilson Paranhos (editada)

e rapidamente vi que o CREA não tinha nada a ver com a nossa realidade.
Nossos objetivos eram outros, por isso precisávamos de um conselho pró-
prio, então comecei a batalhar por isso. Na época, eu realmente ia para o
Congresso todo dia. As coisas acontecem e acontecem rapidamente, não
dá tempo, a gente tem que ir para dentro do Congresso e da Câmara brigar
pela nossa profissão.

Bom, a partir daí tem toda uma história maravilhosa: conseguimos ter nosso
conselho próprio, com pessoas fantásticas do Brasil todo. Quem fez isso fo-
ram os arquitetos do Brasil. Fomos nós, arquitetos. Pagávamos telefonemas,
pagávamos as coisas do nosso bolso, e todo mundo falava “como é que vocês
vão brigar com um conselho milionário?”. Nós brigamos e conseguimos em
função da nossa luta, tenho certeza disso.
Gilson Paranhos
Olha, algumas coisas nos ajudam muito, a gente e ganhar como funcionário público. Eu acho que
tem que ter isso claro. Eu acho que o fato de a gente seria justo você cobrar pela tabela do IAB”. O Oscar
morar em Brasília traz uma liberdade. O fato de se responde dizendo que seria correto cobrar pela
construir Brasília faz com que nós não tenhamos tabela do IAB se ele não fosse funcionário público,
vocação pra mediocridade, é uma verdade dita mas ele era. Oscar era funcionário da Novacap. O
por Lúcio Costa. Aterro do Flamengo também foram funcionários
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públicos que fizeram. O funcionário público tem
O segundo fator é que o nosso trabalho não te- que ter esse nível, tem que brilhar, então eu acho
ria a importância e a visibilidade que ele tem no que a gente tem uma responsabilidade maior.
Brasil hoje se não fosse o CAU – especialmente
a Comunicação do CAU. A contratação do Júlio1 Com relação ao ensino, tenho uma visão particu-
foi de extrema importância, um profissional que lar que pode ser que esteja equivocada: o ensi-
sabe o que é arquitetura e urbanismo, entendeu no reproduz aquilo que é realizado. Não dá para
rapidamente o que é habitação de interesse social um professor que não fez empolgar os alunos a
e colocou isso pro Brasil todo. Foi muito importante fazerem alguma coisa. A gente faz aquilo que a
e deu total apoio ao nosso trabalho. gente acredita. Hoje nós temos as universidades
trabalhando com a gente, eu amo isso, acho que
Outra questão é que eu trabalhei paro poder público é fantástico. Os nossos profissionais, se tem uma
junto com o Lelé, atrás dele, como um discípulo. palestra na UnB, eles vão; outra em uma universi-
O Lelé tinha uma velocidade e uma capacidade dade na Bahia, em Pernambuco, no sul, no Chile,
de atuar no setor público, que eu aprendi. Era um eles estão lá. É fruto de um trabalho real, então eu
profissional de qualidade que, quando ia fazer uma acredito que as universidades em breve estarão
rampa, colocava as pessoas em cadeiras de rodas com um volume de matérias de habitação de inte-
para subir e testar a inclinação. Ele não ficava fo- resse social, resultado do trabalho que a gente está
cado apenas na norma, na 9050, ele testava. Era fazendo e que, ainda bem, começa a se expandir.
Presidência do IAB/DF: matéria do Correio Braziliense, 2000
Fonte: Acervo Gilson Paranhos (editada) diferente a práxis desses caras, Milton Ramos, Existem muitos outros trabalhos sendo feitos no
Lelé, Oscar Niemeyer, era uma coisa fantástica. Brasil, e eu acho que isso é fantástico.

O Oscar era funcionário público, quem fez Brasília Acredito que a universidade não deve se apequenar
foram funcionários públicos. O Juscelino [Kubits- e se contentar em compartilhar conhecimento, isso
chek] escreve para ele “Oscar, acho que não é digno a internet faz! As universidades precisam produzir
você fazer uma cidade maravilhosa, a capital, com conhecimento. Lelé produziu conhecimento, Solano
repercussão mundial como está sendo Brasília, Benitez produziu conhecimento. A universidade
Luiz Sarmento brasileira precisa retomar o experimentalismo e a
A Codhab/DF é pioneira na implementação da Lei Federal nº 11.888/2008, busca por produzir conhecimento, retomar o que foi
1 Júlio Moreno, chefe da Assessoria de Comunicação
a Lei de Assistência Técnica. Como você conseguiu colocar em prática? Integrada do CAU. a Universidade de Brasília em seus primeiros anos.
Luiz Sarmento Luiz Sarmento
Uma das primeiras decisões que você tomou ao assumir a gestão da Codhab Você acha que a ida para a ponta é algo que deve ser seguido por outros
foi a de colocar técnicos da companhia dentro dos maiores e mais complexos órgãos ou é específico da arquitetura? Como você vê essa questão enquanto
assentamentos informais de baixa renda do DF. Qual é a meta, a motivação gestor público?
e as consequências disso?

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Gilson Paranhos Gilson Paranhos
Muito cedo eu percebi que a nossa profissão tem muito de técnica, mas tam- A pergunta principal é a seguinte: quem é nosso cliente? Nossos clientes
bém tem muito de sensibilidade, de interação e de relação com o cliente. Não são as pessoas mais necessitadas, de baixa renda. O meu sonho é que a
dá para o médico simplesmente fazer a receita sem sentir o cliente, eles têm sede da Codhab seja uma salinha pequenininha. Nós não temos que ficar
que ter contato pessoal, senão a receita não vai atender. Não dá para você na sede, temos que estar onde o nosso cliente está, e o nosso cliente está
fazer nem o lavabo de uma casa se você não conhecer a pessoa, a família. na ponta, na periferia. A média e a alta renda, os empreiteiros resolvem os
Essa interação é essencial numa obra de edificação. problemas de habitação delas, nós temos que resolver questões de habitação
de interesse social.
Na obra pública urbana é a mesma coisa: se você não sentir a comunidade,
se você não souber o que acontece naquela comunidade, a sua resposta Os nossos Postos de Assistência Técnica têm que ter a melhor qualidade
vai ser mentirosa e não vai atender às necessidades daquela população. A possível, e a inserção na ponta é essencial para evitar essas normas absurdas
intuição do arquiteto é que faz dele um arquiteto, ela é diferente, é essencial. que nós temos, não só em Brasília, mas no Brasil todo. Só vamos conseguir
Dez mil recebem o diploma, mas cinco mil são arquitetos: esses cinco mil fazer uma norma digna se a gente estiver lá na ponta, senão a gente vai es-
utilizam a intuição. crever besteira. Os profissionais da melhor qualidade têm que ir pra pronta
mesmo, eu acho que é lá que um arquiteto tem que estar.
Quando nós chegamos ao Posto de Assistência Técnica de Brazlândia, nós
damos uma resposta totalmente diferente da que nós damos no Sol Nascente, O órgão que faz concursos públicos de projeto na França fica em duas sali-
que é diferente da resposta que nós damos pra Vila Cauhy, que é diferente nhas pequenininhas, e fez mais de dois mil concursos. Não é o tamanho da
pra Fercal, pra Santa Maria, para o Porto Rico. As áreas são diferentes, as empresa que importa, não é quantidade de pessoas que faz a diferença, e
populações são diferentes, as respostas urbanas têm que ser diferentes. sim a qualidade do corpo técnico. A Codhab tem hoje um corpo técnico de
Logo que eu entrei na Codhab fui à Codeplan (Companhia de Planejamento qualidade. E é essencial que essas pessoas qualificadas estejam na ponta
do DF) buscar informações sobre as populações mais carentes de Brasília. junto aos mais necessitados, para poder atender às necessidades deles.
O poder público tem que atender os mais necessitados, e é em função disso
que a gente está nas pontas.
646 647

Casas sobrepostas de interesse social, projeto Gilson Paranhos - Paranoá/DF, 2002


Fonte: Acervo Gilson Paranhos (editada)
Luiz Sarmento
Como foi o processo de ida para a ponta? Até então o Estado não estava lá
como um ente propositivo. Como foi a recepção dos moradores?

Gilson Paranhos
O pessoal comenta que foi uma revolução, uma dois locais que eram muito distantes dos mais
guerra inicial. Hoje eu sei o que me deu forças para necessitados, e isso não fazia sentido. Disseram “é
isso. Eu tinha 16 anos de idade quando conheci, muito perigoso, as pessoas vão ser assaltadas”, e
por meio da literatura, Dom Hélder Câmara. Eu eu falei “já fiz um teste lá no Itapoã e fui assaltado
peguei carona e fui para o Recife, porque queria duas vezes. Podemos ser assaltados, mas não
conversar com ele. Entrando no palácio, pude ver vamos morrer. Logo que a comunidade souber que
que ele tinha transformado aquele espaço num estamos junto com ela esses assaltos acabam”.
648 649
local de assistência social de seriedade ímpar. Foi uma loucura no começo, e eu tinha medo, mas
não podíamos abrir mão de ocupar aquele espaço.
Na época, havia uma dualidade total entre Esta-
dos Unidos e Rússia, e eu perguntei pra ele: “Dom Enfim escolhemos o local. O diretor administra-
Hélder, o senhor é comunista? O senhor é da Igreja tivo alugou a loja e me perguntou “como é que
Católica? O senhor é um bispo da Igreja Católica nós vamos pagar isso?”. As questões jurídicas
e um comunista?”. E ele falou “meu filho, você tão não nos permitiam alugar um local lá, então eu
Gilson Paranhos (de costas) em visita a Dom Elder Câmara - Recife/PE, 1976
novo com um pensamento tão antigo”. Ele era um disse “vamos fazer uma vaquinha, a gente paga Fonte: Acervo Gilson Paranhos (editada)
cara fantástico! Foi lá dentro e pegou dois envelo- do bolso”. Nós montamos o nosso Posto e, dois
pes com convites para dar palestras nos Estados dias depois, eu recebi um telefonema da AGEFIS:
Unidos e na Rússia, e falou “não estou preocupado “você está montando um Posto numa área ilegal”.
se eu sou comunista ou se eu sou capitalista, eu Onde estávamos era uma ZEIS (Zona Especial
tenho que atender os mais necessitados, esse é de Interesse Social), passível de regularização. O
meu objetivo”. Eu amei aquilo. Dom Hélder me pessoal lá não me conhecia, então eu falei “olha, Luiz Sarmento
ensinou a quebrar barreiras; Lelé, Milton e IAB, se você me vir trabalhando em uma área legal, eu O Clóvis Ilgenfritz, que formulou na década de 70 o que é assistência técnica,
também. estarei no lugar errado. O médico tem que ir aonde disse que vai seguir a metodologia da Codhab e abrir um posto de assistência
tem doente; onde as pessoas estão saudáveis técnica na periferia de Porto Alegre. Isso é algo muito importante. A criação
Quando eu cheguei à Codhab, sabia que ia ser não precisa de médico. O Estado tem que estar de escritórios dentro da comunidade não necessariamente tem a ver com
difícil, mas eu já tinha aprendido muito cedo o que especialmente nas áreas ilegais, os arquitetos assistência técnica, isso foi algo que você trouxe. Até onde sabemos você
é o risco. Estudando na universidade, eu pensava têm que estar nas áreas ilegais, porque são eles chegou à Codhab com essa decisão tomada. De onde surgiu essa história
que o risco era no papel, o risco de se fazer um que as legalizam”. de ter um escritório técnico nesses locais?
projeto que nasce ali e, se você fizer mal feito, ele
realmente nasce ruim e acabou-se, você nunca Foi uma luta, e eu agradeço muito aos que acre-
mais consegue consertar. O risco de se fazer um ditaram em mim. Muita coisa eu tinha que trazer, Gilson Paranhos
projeto de arquitetura é o risco da sua vida den- eu tinha que convencer meus pares e, às vezes, Pra mim, o maior problema das universidades brasileiras para tratar arqui-
tro da profissão. No começo, as pessoas não me era difícil, porque algumas pessoas não estavam tetura e urbanismo é a distância da prática. Percebi isso muito cedo. Eu fui
conheciam, então o baque foi maior. entendendo aquilo. Muitos deles não entendiam fazer um trabalho de conforto ambiental na biblioteca da Universidade de
nada do que eu estava falando, e hoje dão valor a Brasília, na época eu trabalhava com o Milton Ramos. Eu falava que ele tinha
Eu pedi que fosse escolhido um local no Sol Nas- isso e estão com a gente na luta. que dar aula lá, e ele, muito radical, dizia “esses caras não entendem nada
cente pra gente começar o nosso Posto. Sugeriram de arquitetura”. Caramba, para mim a UnB era fantástica, era tudo de bom!
Quando fui fazer o Aeroporto de Confins, cheguei lá
e tinha um escritório pronto, fantástico, na Savassi,
pertinho da minha casa, totalmente confortável,
com ar condicionado. Na época, eu falei “negativo,
o escritório tem que ser dentro da obra”. A obra
era longe pra caramba. Liguei pro Milton, ele era
meu chefe, e falei “Milton, nosso escritório está
na Savassi, não tem a menor condição! Escritório
tem que ser dentro da obra!”. Ele respondeu “está
entendendo por que eu te mandei ir? Você sabe
como é o negócio”. O escritório foi transferido para
dentro da obra, e as pessoas falavam “mas lá tem
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muita poeira, as pranchas vão ficar sujas de terra”,
e eu falava que era isso mesmo, obra é assim. Lá
tinha acontecido a mesma coisa: essa distância
da obra é uma loucura.

Veja, eu tinha absoluta certeza de que nós tínha-


mos que ter os nossos Postos. Nós tínhamos que
estar imersos, mas principalmente encostados na
obra. A gente ainda não conseguiu totalmente isso.
Temos exemplos concretos de que, para prática
dos trabalhos urbanos, valeu a pena, fez diferença
e provou que a gente tinha que estar, por exem-
plo, na Avenida das Palmeiras. Lucélia 1 parou na
Reunião com lideranças comunitárias no Posto do Sol Nascente Trecho 1 - Ceilândia/DF, 2015
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB frente das máquinas e me telefonou: “Gilson, os
caras vão derrubar as palmeiras!”, e eu orientei “vá
para na frente das máquinas e não deixa, vamos
modificar o projeto”.

No início, eu não entendia bem por que ele dizia isso. Então, fazendo esse Se ela não estivesse lá, se as pessoas não esti-
trabalho na biblioteca, fui até o CEPLAN (Centro de Planejamento). Quando vessem lá, todo o pessoal que está na ponta, já
peguei os desenhos, todos eram do Milton Ramos. Quando eu bati o olho pensou? Tem que estar, senão não acompanha
no desenho – naquela época a gente desenhava à mão – eu pensei “isso é a execução da obra. Se você não estiver dentro
coisa do Milton”. Conferi o carimbo: Milton Ramos. Cheguei no escritório e da obra, a cidade não vai acontecer. O arquiteto
falei “Milton, que negócio é esse? Você fez a biblioteca?”. Eu não sabia. Ele distante da obra faz com que as nossas cidades
falou “sim, a moçada tinha que botar o negócio em pé, mas tinha uma briga sejam péssimas como são hoje.
de autoria, e eu não estou preocupado com autoria”.

O detalhamento da biblioteca não existia, e de cara percebi que tinha uma


distância imensa entre teoria e prática. Eu vibro quando vejo um profissional
1 Lucélia Duda, arquiteta responsável pela coordenação de
de prática dentro da universidade, porque acho que ele faz a diferença. assistência técnica na época.
Manuella Coelho Manuella Coelho
Dentro desse processo de implementação da assistência técnica, acredito Como você acha que as atividades de assistência técnica da Codhab podem
que houve muitas surpresas, tanto positivas quanto negativas. Gostaria de ser replicadas em outras instituições do governo, inclusive nacionalmente?
ouvir de você um pouco sobre isso. Você considera que essas inovações foram bem-sucedidas? Se sim, qual
seria o motivo desse sucesso?

Gilson Paranhos Gilson Paranhos


Eu aprendi muito com o Lelé. Ele era muito doido, pegava a gente – arquite- Todos nós sabemos que estamos em um país tomando as nossas precauções para que isso
tos que tinham acabado de sair da universidade – e mandava pra dentro da bastante difícil nesse sentido, temos muito que não aconteça, estamos modificando tudo formal-
obra. Com o tempo, conversando com ele, eu soube que ele veio pra Brasília aprender ainda. Eu tenho pensado muito, porque mente, toda a estrutura da Codhab, escrevendo e
em 57, 58. Milton e Lelé não sabiam nada de arquitetura quando chegaram acreditei que o nosso caminho era uma excelente deixando, para que os próximos tenham caminho
aqui. O Lelé confessava pra mim pessoalmente “Gilson, eu descia dentro do educação formal, e hoje eu vejo que a educação para continuar o trabalho.
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tubulão, olhava aqueles ferros e não sabia direito se aquilo ia parar em pé”. formal não é o que resolve o problema do país.
As cadeias e instituições públicas estão lotadas Muito mais importante que a minha presença e
O aprendizado dentro da obra é muito rápido, eu acredito muito no aprendizado de pessoas que tiveram uma educação formal de a presença da equipe é que o trabalho continue.
na prática. Quando a gente coloca um profissional que acabou de sair da altíssimo nível. Eu acho que nós precisamos de Nosso trabalho é um trabalho de Estado, não de
universidade na ponta, eu tenho certeza de que ele vai dar resposta. É verdade base, de equilíbrio entre as instituições. Na minha governo. Toda a equipe tem isso claro. Mais im-
que cada um tem sua tendência, não estou dizendo que todo arquiteto vai opinião, é isso que faz com que um país evolua. portante do que fazer aqui entre nós e a equipe do
ser um arquiteto pra trabalhar nessas áreas, acho que a gente não precisa A falta desse equilíbrio tem deixado nosso País governo é fazê-lo junto às lideranças nas pontas.
radicalizar. Mas essa coisa de fazer curso para o cara aprender a trabalhar numa situação bastante complicada. As lideranças das comunidades são os verdadeiros
com assistência técnica é uma bobagem. Fazer seminários para ensinar o donos dos nossos Postos, que agora chamamos
cara a trabalhar na ponta é uma bobagem. De qualquer modo, acho que a gente tem que se de Postos Avançados da Codhab. Hoje a gente já
preocupar com a continuidade do trabalho. Ama- tem algumas lideranças pensando coletivamente
Da mesma forma eu não acredito na especialização em arquitetura. Os nhã ou depois pode entrar alguém na Codhab que e acreditando. Eu acho que esse é nosso principal
melhores hospitais do Brasil quem fez foi Lelé, e ele nunca acreditou nisso. tenha objetivos puramente políticos, no sentido objetivo para que o trabalho não termine quando
Curso pra você aprender a fazer projeto de aeroporto? Bobagem. Milton fez menor da política, e acabe com tudo. Estamos a gente virar as costas.
o Itamaraty, o Teatro Nacional e o Aeroporto de Confins. Tem que aprender a
projetar e ter sensibilidade para se relacionar com as pessoas. Se você tem
isso, você faz tudo, o restante é aprendizado.

Não me esqueço do concurso da base do Brasil na Antártida. Existia um medo


de que ganhasse um escritório de arquitetos que tinha acabado de se formar,
e eu pensei “se ganhar, ótimo. Vai sair um projeto fantástico”. Quase um ano
depois, o Estúdio 41, de Curitiba – de um pessoal que tinha acabado de se
formar – ganhou. Uma garotada que tinha acabado de sair da faculdade fez
um projeto incrível e entregou um mês antes do tempo. Eles tinham mais o
Acompanhamento da
que fazer, já tinham ganhado outro concurso (risos). obra do Hospital Sarah -
Brasília/DF, 1994
// da esquerda para a
direita: Gilson Paranhos,
Lelé, Kristian Schiel e
Neusa Cavalcante
Fonte: Acervo
Gilson Paranhos (editada)
Luiz Sarmento Luiz Sarmento
Nunca se fez tanto concurso público dentro de uma empresa pública do País Você é um arquiteto de muitas bandeiras, inclusive já citou algumas, como
e isso tem sido exemplo para várias prefeituras e governos de estado, mas concurso público, assistência técnica, e agora você tem também essa luta
ainda há muito que fazer. O que você acha que deveria ter avançado mais e contra normas equivocadas. Quais são as bandeiras urgentes que os arqui-
o que impediu o avanço dessas ideias? tetos precisam discutir e levantar?

Gilson Paranhos
Nós, velhos de cabelos brancos, temos dificuldade em perceber que o mundo
é da molecada nova, não é nosso. Ela é que deve traçar os caminhos. Eu
Gilson Paranhos acredito nisso de verdade e vou te mostrar por quê. Essa molecada dá ou-
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A assistência técnica, o concurso público e alguns público de projeto. É isso que nós temos que fazer. tros caminhos e parâmetros para a gente conduzir o nosso processo, nosso
outros assuntos que nós discutimos não se trans- Eu tenho consciência de que nós estamos fazendo caminho profissional. Então trazê-la pra dentro das entidades é essencial.
formaram em algo maior porque nós não acredita- o melhor e o mais barato pra sociedade. Temos Quando você traz essa garotada, você já vai ver algumas coisas claramente.
mos totalmente neles. Se os concursos públicos ainda que disseminar essa ideia dentro de todas Eu aprendo com meus filhos, aprendo com a equipe jovem. Não vai dar para
não acontecem, os principais responsáveis são as entidades de arquitetura e engenharia, porque entender que você faça qualquer coisa que não esteja dentro do celular. Eu
os arquitetos, somos nós. Se nós acreditássemos as pessoas precisam entender o que é isso. É percebo isso porque tenho uma relação com os jovens.
que essa é a única maneira de fazer uma contra- lógico que temos sim que fazer concursos com
tação – e quando eu falo “única” fico pensando melhor qualidade, com valores baixos e de inte- Uma das primeiras perguntas que eu fiz dentro da Codhab sobre as escri-
que é muito radical, mas eu não encontrei outras resse coletivo. Acho que essa é uma briga que turas foi “como é que vocês se comunicam com essas 150 mil pessoas?”.
maneiras ainda. Os nossos concursos precisam temos pela frente. Responderam “a gente manda carta registrada”. Ninguém se comunica mais
melhorar a qualidade? Claro que sim, eu também por meio de carta, então trabalhamos dois anos no aplicativo. Não vamos
acho. Mas se nós acreditássemos de verdade no A outra briga essencial é mostrar que as normas conseguir brigar contra as normas burras se a molecada não estiver com a
concurso público, não admitiríamos fazer uma de arquitetura e urbanismo têm que atender às gente, porque ela vai sentir rapidamente a necessidade de mudar. Isso inclui,
contratação pelo menor preço. necessidades dos que estão na ponta. Hoje eu por exemplo, perceber que não tem sentido que ninguém aprove o seu projeto.
não tenho dúvida de que nossas normas urbanas, Ou eu sou profissional ou eu não sou. Um médico não aprova a cirurgia de
As pessoas perguntam “você acha que o arquiteto além de outras normais e leis, fazem com que os outro médico, um advogado não aprova a petição de outro advogado, um
muda o país?”. Sim, eu acho. Se a gente contaminar pobres estejam nas periferias das nossas cidades. professor não fica com outro na sala de aula para saber se ele está dando
metade dos 160 mil arquitetos, nós mudamos a É muito simples: por causa delas, nossas cidades aula corretamente ou não. Então um arquiteto não pode ter um projeto sendo
realidade desse país. O IAB fez muitos concursos, são espraiadas. Você faz uma cidade espraiada aprovado por outro arquiteto, é uma interferência absurda!
é verdade, eu participei de muito concurso feito e depois quer resolver o problema da mobilidade,
pelo Instituto que foi uma porcaria. Não tem pro- mas não vai resolver nunca, porque a cidade está As nossas cidades serão melhores na hora em que os arquitetos estiverem
blema, não tem problema errar, mas nós temos espraiada. Você tenta resolver o problema da saúde sabendo qual é a responsabilidade deles. A Asa Sul é muito melhor do que
que acreditar de verdade. e não resolve nunca, porque tem que fazer 200 a Asa Norte – o código de obras da Asa Sul tinha duas páginas e o da Asa
hospitais. O problema da educação é a mesma norte era um livro. Eu não tenho dúvida de que a presença da juventude faz
Eu confesso que uma das satisfações que eu tive, coisa, tem que construir 200 escolas. A gente fica com que a gente consiga oxigenar as ideias e fazer coisas melhores. Nós
depois de estar há três anos à frente da Codhab, foi correndo atrás do prejuízo, sendo que o equívoco velhos não sabemos dar a resposta rápida que a molecada dá. Não adianta
irmos até o Tribunal de Contas do Distrito Federal está em quando o arquiteto não desenhou e não eu desenhar hoje uma cidade com estacionamento para 10 mil carros, se
defender o concurso público. Todos os conselhei- mostrou pra sociedade o que é uma cidade es- daqui a dez anos não tem carro nas cidades. A garotada sabe disso, os ve-
ros sentados e a gente defendendo o concurso praiada, o que é uma densidade equivocada. Nós lhos não. Os velhos não sabem e ficam fazendo cidades de rodovias, ficam
temos obrigação de mostrar isso à sociedade. gastando dinheiro com isso.
Algumas coisas dá para a gente peitar. Desde que eu cheguei na Codhab, Manuella Coelho
eu brigo feio por causa de algumas normas. Onde você faz um prédio de Pensando em diversidade, acessibilidade e direito à cidade, como você percebe
habitação de interesse social você é obrigado a fazer duas garagens, ou uma que o arquiteto pode promover isso dentro do programa habitacional?
garagem que seja. Olha o preço de um apartamento: é o mesmo preço de
uma garagem, ela fica no subsolo, é cara. Não tem sentido essa exigência. Gilson Paranhos
Existem muitas normas e leis que não atendem à realidade das periferias, Nós velhos temos uma dificuldade, e aí eu queria É essencial que a gente abra a cabeça pra isso: o
das pontas. fazer uma confissão: eu só percebi que não tinha número de arquitetos no governo é baixíssimo. A
negros na Codhab depois de muito tempo que eu SHIS (Sociedade de Habitação de Interesse Social)
estava aqui dentro. Hoje eu acho uma vergonha tinha profissionais que foram nossos professores e
nós termos o número de negros que nós temos no tinham muita qualidade. Nós precisamos remontar
Luiz Sarmento poder público em Brasília. No Brasil, pior ainda. Nós nossas equipes técnicas e engajar outras pesso-
Brasília foi planejada e construída em pouquíssimo tempo, demonstrando velhos só percebemos essas questões quando a as. Hoje temos o apoio de arquitetos de Brasília
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que nem sempre a velocidade é inimiga da qualidade. É claro que existe uma gente se depara com os questionamentos feitos que trabalham como voluntários e são pessoas
crítica totalmente contemporânea ao que é o Plano Piloto, mas é inegável a pelos jovens. Os mais novos se tocaram que isso que têm responsabilidade com a profissão, com
qualidade arquitetônica. Como um Estado planejador pode acompanhar a é muito sério. as quais a gente conversa. Arquitetos de Brasília
velocidade do crescimento da terceira maior metrópole do país? estão trabalhando como voluntários para ajudar
a melhorar a qualidade dos nossos projetos de
Gilson Paranhos habitação de interesse social. Então é possível,
Eu era moleque ainda, devia ter uns 19 anos quando Ter equipes técnicas nos órgãos do governo é é uma questão de ir atrás. Se internamente não
o Darcy Ribeiro veio a Brasília voltando do exílio. essencial, mas essas equipes têm que ser com- viabilizarmos esses direitos, como projetar esses
Ele foi dar um curso no CCBB e, em alguma dis- pletas. Eu sei que acontece devagar, agora é que direitos para a cidade?
cussão política, alguém perguntou pra ele “Darcy, conseguimos e estamos começando a colocar
você criticou todo o sistema, então quem você os assistentes sociais, os engenheiros e toda a
acha que deveria ser o Ministro da Educação?”, e equipe que precisa estar dentro dos nossos Postos
ele falou “Darcy Ribeiro”. Avançados.

É necessário ter técnicos atuando no governo. Ouvi durante a vida toda para não trabalhar no
Veja, nós estudamos cidades há 30 anos. Você poder público, relutei muito para aceitar e me ques-
tem que botar a pessoa que estuda cidade nesse tionei bastante. Fechei a empresa que abri quando
meio e não precisa ser eu, de maneira nenhuma, me formei, com todo mundo me falando pra não
mas tem que colocar técnicos de qualidade no fechar. Ou você vem para dentro do poder público
poder público. de cabeça ou é melhor não vir. Com um pé aqui e
outro lá fora você não vai fazer nada, tem que ter
Eu discuto que o projeto é um só. A gente vive coragem de vir para fazer a diferença. Nós preci-
defendendo que o concurso público tem que ser samos de pessoas que acreditem na melhora do
feito com todos os nossos colegas, arquitetura é serviço público e que tenham qualidade técnica.
só o início da conversa. Não dá para você contratar
só o Caetano Veloso agora, e depois você faz uma
licitação para contratar o baterista dele, depois o
engenheiro de som. Não dá pra você contratar o
projeto de arquitetura e depois licitar o projeto de
Apresentação da experiência da CODHAB na Universidade de Brasília, 2016
cálculo estrutural e instalações. É muito sério. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
assistentes sociais, advogados. A cidade é feita de pessoas e as profissões
de todas têm que estar inseridas, mas não podemos ficar esperando que
essas discussões caminhem a ponto de resolver os problemas, porque nós
já vimos que elas não resolvem. Mesmo nas cidades latinas os arquitetos
são mais respeitados que no Brasil e isso tem consequências nos espaços
concretamente.
Luiz Sarmento
Retomando a questão urbana, quando a gente compara as cidades brasi- Eu falo nas nossas entidades que temos que celebrar o que já foi feito, temos
leiras com várias cidades latinas, por exemplo, a gente vê como as cidades que ver o trabalho de Clóvis Ilgenfritz, Fábio Penteado, Paulo Mendes da Rocha
brasileiras costumam ser muito deficientes em relação à qualidade. O que e dos que fizeram as nossas entidades. Acho essencial que em cada Posto
você acha que falta na cultura de projeto e obra no Brasil, que deixa a gente a gente tenha uma homenagem a um arquiteto desses, porque é imprescin-
tão atrás em relação aos nossos vizinhos? dível celebrar e aprender com o passado. Não é ficar com as luzes viradas
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pro passado – temos que olhar pra frente –, mas aprender com o passado.
Gilson Paranhos
Eu digo sempre que a baixa autoestima do arquiteto brasileiro é uma coisa
estúpida. Eu acho isso, e todo mundo fala “você é muito folgado, você acha que
o arquiteto vai resolver o problema do país?”. Acho sim. No momento em que
a gente perceber que temos uma baixa autoestima absurda, vamos começar
a modificar as nossas entidades. Os gestores brasileiros têm que saber que
nós fazemos a diferença, e existem alguns exemplos que podemos usar.

A Colômbia é um deles. Esses dias eu fui dar uma palestra em Tocantins


e me perguntaram qual era a referência mundial que eu tinha usado pra
fazer esse trabalho em Brasília, se tinha sido algum país da Europa. Não,
foi a Colômbia. É muito engraçado, porque um brasileiro ajudou a fazer o
teleférico na Colômbia, depois ele trouxe o teleférico pro morro do Rio de
Janeiro, pra usar aqui.

O arquiteto faz a diferença. Nós temos Brasília, que nos mostrou isso. Mos-
tramos para o mundo arquitetos como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. O
prédio da ONU nos Estados Unidos foram eles que fizeram. Nós mostramos
o que é arquitetura lá atrás. Jaime Lerner, que agora sai como o segundo
maior urbanista do mundo, mostrou como se faz a diferença lá em Curitiba,
e nós não utilizamos esses como exemplos concretos pros nossos gestores.
Franca, no interior de São Paulo, teve um prefeito arquiteto que fez a diferença
e ninguém sabe. Não temos uma bibliografia no Brasil mostrando onde um
arquiteto fez a diferença. Nós não sabemos, não damos muito valor a isso.

A consciência política e a decisão política são essenciais. Nós temos que


avançar no País, não podemos esperar, temos que trabalhar dentro da nossa
Clóvis Ilgenfritz e Gilson Paranhos (à direita) em evento sobre assistência técnica
realidade. Precisamos melhorar a autoestima dos arquitetos e ter certeza do
pública e gratuita em arquitetura e urbanismo - Rio Grande do Sul/RS, 2018
nosso valor. Não somos os únicos, temos que trabalhar com engenheiros, Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
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Gilson Paranhos graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade


de Brasília – UNB. Sócio e Membro do Conselho Superior do Instituto de Ar-
quitetos do Brasil, ocupou o posto de Presidente e Vice-Presidente Nacional,
bem como de Presidente do Departamento do Distrito Federal deste Instituto.

Atuou ativamente para a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo –


CAU/BR, onde foi Assessor Especial da Presidência e Assessor de Relações
Institucionais e Parlamentares. Foi Diretor Técnico da Fábrica de Argamassa
da NOVACAP e da Fábrica de Equipamentos Comunitários, em Salvador.

Trabalhou com o arquiteto Lelé nos projetos dos Hospitais Sarah e em projetos
de moradia popular, na Bahia. Com o arquiteto Milton Ramos, trabalhou no
desenvolvimento de vários projetos para a Aeronáutica, como o Aeroporto
de Confins.É autor de 185 projetos, entre eles o Terminal III do aeroporto de
Guarulhos, em São Paulo, de 1998/99; o Condomínio Residencial classificado
como primeiro colocado na Bienal de Brasília, de 1998; a Capela do Seminário
Nossa Senhora de Fátima, classificada em 2º lugar na Bienal de Brasília, de
2003; o Mercado de Sobral, classificado em 2º lugar no Concurso Nacional de
Sobral – CE; e o Hospital de Oncologia de Natal – RN.

Também fazem parte de sua trajetória a reforma do Hospital de Base de Bra-


sília, a reforma da recepção dos Presidentes da República na Base Aérea de
Brasília e a sede da Agência Brasileira de Informação – ABIN, no Distrito Federal.
Atualmente, ocupa o cargo de Presidente da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional do Distrito Federal – CODHAB/DF, desenvolvendo trabalho pioneiro
na implementação da Assistência Técnica Pública e Gratuita em Arquitetura e
Urbanismo (Lei Federal nº 11.88/2008) e em Concursos Públicos de projetos
Gilson Paranhos em uma das Ações Urbanas Comunitárias em São Sebastião/DF, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB para obras públicas de interesse social.
CONVERSA COM
DONA CHICA

por Manuella Coelho, Ariel Aleixo e Caio Fiuza

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Francisca Ambrósio do Nascimento, Dona Chica, mente, os cargos de faxineira, fiscal de caixa e te-
nasceu em 1948 em Lajes/RN. Em 58, mudou-se soureira na Sociedade de Abastecimento de Brasília
com a família para Brasília, pois o pai muito ouvia - SAB. Posteriormente, foi presidenta da Associação
falar da cidade e, assim como vários trabalhado- de Produtores Rurais do P Sul até 2000, ano em
res, apaixonou-se pela nova capital, lugar em que que fundou a Prefeitura Comunitária do Pôr do Sol.
imaginou um destino promissor para sua família. [falando sobre a cadela]
Após morar na Segunda Avenida do Núcleo Ban- Em 2015, Dona Chica conheceu o trabalho de as-
deirante/DF, a família se mudou para o acampa- sistência técnica pública e gratuita em arquitetura Dona Chica
mento do Departamento de Água e Esgoto de Bra- e urbanismo realizado pela Codhab por meio do Não está dando de mamar mais, está com 50 dias hoje, já está desmamando.
sília (DAE). Dona Chica passou a juventude nesse Posto de Assistência Técnica, localizado na vizinha
acampamento, que ficava localizado entre o atual comunidade do Sol Nascente Trecho I. Ao perceber Manuella Coelho
Núcleo Bandeirante e o Setor de Mansões Park Way. a importância e as possibilidades do trabalho que É, ela já está bem grandinha mesmo, né? E tu vai ficar com as duas?
começava a ser desenvolvido, solicitou um Posto
Casou-se em 1969 e, em 1971, mudou-se para o para sua comunidade, no Pôr do Sol. Dona Chica
Acampamento Metropolitano, atual Vila Cauhy/ Vou, meu netinho de quatro anos não quer que eu dê de jeito nenhum, só vive
DF, quando o marido foi exercer a função de ad- Dona Chica é uma das maiores entusiastas e in- com ela no colo. Agora não está pegando porque está dormindo.
ministrador. Ainda naquele ano, mudou-se para a centivadoras da assistência técnica em engenharia,
QNL, em Taguatinga/DF, onde recebeu sua casa arquitetura e urbanismo em Brasília e luta pela con- Manuella Coelho
de um programa de habitação de interesse social solidação e ampliação do programa no DF. Estamos em um momento de pensar em finalização do trabalho que realizamos
da Sociedade de Habitação de Interesse Social, a até agora e gostaríamos de registrar o que foi feito.
antiga SHIS e atual Codhab.
Dona Chica
Em 1972, comprou uma chácara na região em que Ah, minha filha, nem fala uma coisa dessas! Porque eu fico pensando, eu
mais tarde se localizaria o P Sul (Ceilândia/DF). Em No final de 2018, Dona Chica recebeu a equipe vou ter que começar tudo de novo e eu não estou aguentando mais. Eu já
1978, quando da construção do setor P Sul, famílias da Diretoria de Assistência Técnica da CODHAB estou com 70 anos.
residentes no chamado Setor de Chácaras do P para uma entrevista sobre o trabalho desenvolvido
Sul, inclusive a de dona Chica, foram transferidas no Pôr do Sol e sobre a vivência próxima com os Manuella Coelho
para a região onde hoje se localiza a comunidade arquitetos e urbanistas da companhia. É muito difícil mesmo, mas é no sentido também de registrar para dar
do Pôr do Sol. continuidade de alguma maneira, entendeu? Obrigada outra vez por receber
a gente aqui.
Foi servidora pública até 1989, exercendo, gradual-
Dona Chica
Estou aqui para isso mesmo, eu é que tenho que agradecer. É uma parceria Eu estou com meu coração partido por causa do O Pôr do Sol está perto de ser regularizado, eu
e foi outra vida que eu conheci, porque, imagina, a gente nunca teve essas meu Fred 1, porque ele me ajudou a me politizar. acredito nisso. Começam as nossas obras, e eu
coisas aqui. Nunca. Cheguei aqui em 58, com oito anos, esse tempo todo Me politizar na maneira de ser, sabe? Para tratar as já pedi para o governador que faça um documen-
acompanhando as coisas do governo. Naquele tempo, só tinha o prefeito, situações com mais leveza, porque eu não respeita- to, uma lei, para que, se ele sair, nunca acabe a
não era governador. Não tinha deputado distrital, mas a gente tinha que correr va. Quando eu ia pedir uma coisa num determinado função de vocês dentro da Codhab. Por exemplo,
atrás das coisas, e eu aprendi a correr e a brigar pelo que eu devo e tenho órgão do governo, eu não ia pedir, eu ia exigir, e para que o Sol Nascente, o Pôr do Sol, que eu co-
vontade de ter. E com vocês foi a realização dos meus sonhos, porque aqui hoje não. Hoje eu conquisto pra depois pedir e não nheço a fundo, nunca fiquem sem um escritório
no Pôr do Sol a gente sofreu demais e sofre até hoje. No começo, a gente recebo um “não”, eu nunca mais recebi um “não” de assistência técnica, porque sempre vai ter um
não dormia, não tinha casa e passava o dia todinho brigando com a equipe na minha cara. Sempre tem uma maneira da gente problema. Como é uma área pública, sempre vai
do governo para não derrubar nossas casas. Mas era luta, não era agraciado resolver o problema, e resolvemos. E eu devo muito ter alguém tentando invadir e o escritório da Co-
com nada, era só com luta mesmo [emociona-se]. isso ao Fred. Mas, como diz a história, as pessoas dhab, inibe, não deixa, entendeu? E eu peço a ele,
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têm que voar, procurar as coisas melhores, né, e já pedi pessoalmente, e peço de novo e agradeço
Conseguimos reverter a situação e o Pôr do Sol está aí, em pé, depois de ele está bem, graças a Deus. a todos vocês pelo carinho, pela dedicação, pelo
muita briga, muita luta, conseguimos. Falta de governos anteriores ter feito trabalho lindo que vocês fazem, sem distinção de
o que esse fez agora, porque se eles tivessem feito assistência técnica da cor, raça, sexo. Eu aprendi a viver isso e agradeço
Codhab em 2000, não tinha esse monte de casa construída e esse tanto de demais, e eu espero que vocês continuem, para
áreas ocupadas. Todo mundo teria sua casa, mas legalmente, sem precisar fazer do Pôr do Sol, do Sol Nascente, o que vocês
invadir, comprar de grileiros. Porque vocês trouxeram isso: dignidade. E eu imaginam e eu também. Eu imagino meu Pôr do
sou muito grata, muito mesmo. Antigamente, o arquiteto era praticamente Sol lindo e peço a Deus que vocês continuem fa-
um deus, você não chegava perto do arquiteto, só os ricos que chegavam, zendo esse trabalho. Quando eu não estiver mais
e eu tinha uma imagem muito diferente de vocês. Para mim, era um campo aqui, eu pelo menos deixei alguma coisa, algum
que eu nunca ia chegar perto, mas Deus faz as coisas certas e ele colocou legado. Obrigada.
vocês nas nossas vidas, e eu agradeço muito.
Aquele trabalho que foi feito lá embaixo com os
muros, que já está tudo sujo por causa da chuva,
mas deu dignidade a muita gente, muitas pessoas.
“Dona Chica, que coisa linda, nós nunca tivemos
isso aqui.” A gente tinha um buraco, com lama até
a canela. Hoje não, a gente já tem um asfaltozinho
para pisar. A gente já tem nossa energia regulari-
zada, nossa água regularizada, nosso lixo não está
mais jogado no meio da rua. Quem nos ensinou a
correr atrás disso? A Codhab, com o programa de
vocês. Quando a gente subia aqui no meu corredor,
só o que tinha era saquinho de lixo. Acabou.

1 Frederico Barboza, antigo responsável técnico pelo Posto


de Assistência Técnica do Pôr do Sol, onde permaneceu por
Francisca Ambrósio do Nascimento - Dona Chica, mais de dois anos e estabeleceu uma amizade com dona Chi-
líder comunitária e prefeita do Pôr do Sol - Ceilândia/DF ca, que lamenta a saída do profissional da equipe para assumir
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB outra oportunidade.
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Evolução da ocupação do Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 1995 Evolução da ocupação do Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 1997
Fonte: Geoportal - SEGETH/DF Fonte: Geoportal - SEGETH/DF

Evolução da ocupação do Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2009 Evolução da ocupação do Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2015
Fonte: Geoportal - SEGETH/DF Fonte: Geoportal - SEGETH/DF
Ariel Aleixo
Como líder comunitária, a senhora acha que os moradores têm feito algo
para preservar essas coisas que foram feitas?

Dona Chica
Têm, têm. Não são todos, porque sempre tem uns que é contra, mas a maior
parte tem um respeito muito grande pelo trabalho de vocês, muito grande
mesmo, e diz que a melhor coisa que aconteceu foi o Posto da Codhab aqui
dentro.

Manuella Coelho
A mobilização depois do Posto foi diferente, você acha?
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Dona Chica
Muito diferente, o nível é outro. Antigamente, nós brigávamos de pau, de bom-
ba, sabe? Mas hoje em dia não, a gente conversa. Tem uns que não aceitam,
porque estão procurando o interesse deles lá, e cada um tem seu interesse.
Não vou entrar nesse mérito, mas as pessoas que têm cabeça elogiam, é
uma coisa que ninguém nunca teve, então é uma novidade que nos traz be-
nefício, entendeu? Eu acho que não tem por que não aceitar de bom grado.
Pelo menos onde eu converso, as pessoas vêm e me falam e elogiam muito.
E estamos aí, minha filha, vamos ver o que Deus traz pra nós no futuro, né?
Eu tenho fé em Deus que o Posto da Codhab não sai mais de dentro do Pôr
do Sol. Eu acredito e, se depender de mim pra lutar, eu estou aqui.

Manuella Coelho
Eu acho que a importância da proximidade com a comunidade é muito essa,
desse entendimento das coisas e de exigir que esse processo continue. Para
a próxima gestão, se houver uma ruptura, que a força da comunidade também
seja positiva nesse sentido, de pedir para continuar.

Dona Chica
Com certeza, e a gente está aí para lutar mesmo, a gente faz o que puder
fazer para continuar. E agora vai receber aquele contêiner, né? Vai botar o
escritório no contêiner, vai ficar mais perto. Quero que o Gilson1 continue onde
ele está, porque é um ser humano muito bom, muito sensível, uma pessoa
fabulosa que eu aprendi a gostar e a respeitar.

Montagem do Novo Posto Avançado da Codhab no Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2018


Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB 1 Gilson Paranhos, arquiteto e urbanista e presidente da Codhab/DF.
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Visita da Equipe de Assistência Técnica à casa de dona Chica, 2017 Visita ao Novo Posto Avançado da Codhab no Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2018
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Caio Fiuza
A Manu (Manuella Coelho) estava comentando que você foi uma figura importante para a própria
instalação do Posto aqui, e acho que seria legal você comentar um pouco.

Dona Chica
Foi assim por acaso. Eu sempre vou à feira do produtor comprar verdura, aí, eu der fazer a medição. Aí eles vieram: “Dona Chica, a senhora pode vir aqui?”.
passando aqui por dentro, eu vi escrito lá “Assistência Técnica da Codhab”. Lá Fui. Cheguei lá, o homem disse que ninguém entrava e não sei o quê, aí eu
dentro tinha uma moça e um rapaz, aí eu perguntei “o que é que é isso aqui”? conversei com ele. Disse: “Seu Raimundo, aqui é do governo, o governo vai
E eles me explicaram que era um Posto de Assistência Técnica para poder tomar conta dessa área. O senhor já se beneficiou esses anos todos com isso
ajudar na regularização do setor. Aí eu falei “como é que eu faço pra levar um aqui, mas agora vai ser moradia e eles têm uma autorização do governo pra
pra mim?”, aí ela respondeu “a senhora é quem?”, eu falei “sou a Dona Chica, fazer isso”. Aí o rapaz me mostrou a autorização e eu fiquei com o coração
prefeita do Pôr do Sol”, e ela disse “sente-se aqui, que eu vou ensinar como deste tamanhozinho, porque ele ficou muito triste, ele já é um senhorzinho de
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é que a senhora faz”. Aí eu sentei e ela me ensinou a fazer o ofício pedindo idade. “Mas eu pensei que o governo ia me dar isso aqui porque eu cuidei”, e
o Posto para cá. Eu fiz. Nem fui para feira mais, voltei para casa, fiz o ofício, eu falei “não tem como, meu filho, aqui vai passar uma pista” e ele entendeu.
fui lá na Codhab, protocolei e, três dias depois, o Gilson estava aqui no meu Aí os meninos mediram lá tudo e saímos e fomos embora.
sofá. Aí perguntou se eu queria mesmo e eu disse “quero”, aí ele disse “então
vamos procurar o local para colocar”.
Aí explicou como que o escritório da Codhab teria que ser mantido pela comu-
nidade, e eu tinha uma salinha. A sala que a Codhab usava era da prefeitura,
onde eu atendia o pessoal. Eu pagava o aluguel de lá, pagava não, né, pago
até hoje. Aí eu falei “vou botar a prefeitura pra dentro da minha casa e vou
botar a Codhab lá”, e está aí. Graças a Deus não demorou 15 dias e estava
todo mundo aí. Pra mim, foi o melhor presente que eu já ganhei. E assumo
o aluguel – o aluguel, a água e a luz da Codhab quem paga sou eu. Agora
eu vou ficar sem pagar, porque vai ganhar o contêiner, aí eu vou pra lá com
a prefeitura.
Enquanto eu sou prefeita, vamos trabalhar pelo meu Pôr do Sol, viu? Não foi
fácil [risos]. A vida ensina à gente que querer é poder, e é mesmo. Tudo que
você sonha você pode ter, é só lutar, é só lutar por isso. Eu tenho experiência
de vida aqui dentro da minha casa, e eu não pude dar estudo para eles, fizeram
só o básico mesmo. Em 2000, Deus me abençoou e eu paguei a faculdade
de todos os três. Hoje eu tenho um economista, uma professora de geografia
e uma repórter. Formados, Graças a Deus. E todos eles têm seu lugarzinho
de morar, não pagam aluguel, moram no que é deles, e eu me sinto uma
pessoa abençoada. Com 70 anos, fiz dia 15 de fevereiro, e estou aqui na luta.
Ontem mesmo eu fui lá naquela área que vai ser o lançamento do concurso1,
eu fui lá porque um daqueles moradores de cima, que cercou, que plantou
um pezinho de manga, de abacate, não queria deixar o rapaz entrar pra po-

1 Concurso Público Nacional de Projeto de Urbanismo e Arquitetura no Setor Habitacional Pôr


do Sol, na Região Administrativa de Ceilândia – RA IX, realizado em 2017, cujos vencedores foram Sala cedida por Dona Chica à Codhab, onde funcionou o Posto de Assistência
Daniela Moro, Emerson Vidigal, Eron Costin, Fabio Henrique Faria, Gabriel Tomich, João Gabriel Técnica do Pôr do Sol de 2015 a meados de 2018
Rosa, Martin Kaufer Goic e Matheus Fernandes. Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
Ariel Aleixo
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Qual é a sua opinião sobre as áreas que foram qualificadas com as Ações Urbanas?

Dona Chica
O programa do muro é excelente. Era pintura de muro, mas não foi pintura
de muro, foi fazer um muro. Ninguém tinha seu muro. Tinha o tijolo puro e a
Codhab fez tudo, rebocou de cima em baixo e pintou de cima em baixo. Então,
isso é gratificante, é dignidade que você está dando para as pessoas, porque
lá tem algumas pessoas, na 501, que é quase igual à 94, pobres. Não tinha
condições de fazer o reboco, e a Codhab fez com a ajuda da comunidade,
mas muito pouco. Eu fiquei com vergonha, fiquei com vergonha porque eles
não ajudam, muitos não ajudaram. As casas sendo rebocadas e os donos de
braços cruzados. Cheguei a conversar com eles, e eles: “olha, Dona Chica, é
o costume também, né, nós nunca tivemos isso” e “olha, Dona Chica, isso é
obrigação do governo”. Eu disse “rebocar sua casa, meu irmão? A casa é sua,
você que tem que rebocar”, e eles “mas a gente pensou que era o governo
querendo agradar a gente”, e eu disse “eles estão agradando mesmo, mas
se você ajudar acaba mais depressa”. Muitos foram ajudar.

Eles começaram a praça lá embaixo, né? A praça do mirante, e não deu pra
fazer, porque, quando estava nos finalmentes, o IBAMA [Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] disse que não podia
pavimentar o chão. Era uma praça com parquinho de criança, aquelas coisas
todas, lindo. Esses meninos carregavam meio-fio, as meninas, o Fred com
aquela gordura toda, o sol de rachar mamona. Carregavam meio-fio, e os
donos das casas tudo na janela, olhando. Agora eu lhe pergunto: é porque
são ruins, preguiçosos? Não. É porque nunca tivemos isso, ninguém nunca
tirou nem um papel do chão a não ser os lixeiros, entendeu? Aí a gente vai
conversar com eles e eles dizem: “mas, dona Chica, a gente achou que era
Mutirões para a construção da Praça do Mirante, parte do programa
obrigação deles”. Falei “não, gente, estão fazendo para vocês, para nós”. Aí
Ações Urbanas Comunitárias da Codhab, Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2017
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB no final até as crianças começaram a ajudar.
Foram ajudar. Aí a praça não pôde sair, porque o IBAMA disse que não podia.
Lá nesse local tinha nove casas com moradores. Em 2008, a erosão abriu
as casas, abriu mesmo, literalmente, dividiu sala e cozinha com aquele
buracão. O governador da época deu casa para essas pessoas na 929 da
Samambaia, e esse chão, essa terra, ficou lá. O governo mandou caminhões
de terra e fechou lá o buraco, mas condenou, ninguém podia fazer nada ali.
Pelo estudo da Saint Germain, dava para fazer qualquer coisa ali, uma horta
comunitária, uma praça, um troço que não usasse muito cimento, aí nós
pensamos nessa praça. Aí depois o IBAMA não deixou, e nós ficamos todo
mundo assim, tristes, porque ficamos sem a praça. Já estava quase tudo
pronto, até as plantinhas a gente já tinha plantado, não era? As plantinhas,
as florzinhas, os arbustos foram plantados, agora só tem mato lá, mas pelo
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menos ainda está cercada.

Manuella Coelho
Hoje o pessoal voltou a jogar lixo lá?

Dona Chica
Não, o mato está deste tamanho e eu não estou limpando exatamente por
Mutirões do programa Ações Urbanas Comunitárias da Codhab, Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2017
isso, porque, se eu limpar, eles vão jogar lixo. Aí eles vieram aqui: “dona Chica, Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB
tem que aparar aquele mato”. Aí eu aparei para o pessoal, mas arrancar do
jeito que a gente arrancava não, que eles vão jogar lixo de novo. E está cercado
ainda, o arame ainda está lá, e é bom que arame inibe alguém de invadir, né?
Porque, do jeito que lá está bonito, pra chegar um e fazer uma casa lá é fácil.
Manuella Coelho
Ariel Aleixo E o pessoal usa mesmo o Papa Lixo? Porque lá na Avenida das Palmeiras
E os moradores continuam a jogar o lixo no chão? eu lembro que colocou, mas ainda teve muita resistência.

Dona Chica Dona Chica


Não, eu consegui, eu não, porque não fui eu sozinha. A prefeitura conseguiu Aqui, a única reclamação que eles tinham e me fizeram era que o buraco
os Papa Lixo, precisa ver como está meus Papa Lixo, lindos, lindos. Tem um não cabia um saco de 100 quilos. Fiz um ofício, entreguei na mão do go-
ali que tem um Cristo, tem outro aqui em cima que tem violão, tem carrocinha, vernador quando ele veio entregar escritura. Aí eu entreguei pra ele e disse:
tem um canhão, sabe? Eu ganhei cinco Papa Lixo, aí o governo exigia que “o pessoal está reclamando que a boca do Papa Lixo está muito pequena”.
a Codhab mostrasse os pontos para alocar, e o Fred escolheu os pontos. Pois ele mandou pro SLU [Serviço de Limpeza Urbana do DF] e eles vieram e
Çindos, você precisa ver. Ali tem até um banquinho pra gente sentar, a gente abriram a boca um pouco mais. Pronto, acabou o problema. Abriram todos
senta. Eu vou lá comprar pão, sento lá e fumo um cigarro. O Cristo aqui na eles. Agora os outros que vão vir, dizendo a moça do SLU, já vão vir com a
frente e eu fumando na frente dele [risos]. Lindo, você precisa ver. É excelente, boca grande. Aí eu falei: “não bota muito grande não, senão eles vão vir e
não tem outra coisa melhor. Eu vou receber mais sete Papa Lixo. Não tem jogar sofá dentro. Só que caiba um saco de lixo que dá pra entrar”. Porque
mais lixo na rua. Não tem mais aquela lixaiada que os cachorros rasgavam. eu levei o meu e você vai amassando e ele dava, mas demorava. Agora não,
Acabou. O Pôr do Sol vai ficar lindo. Sem lixo, pelo menos. Onde tem muito é só chegar, abrir e colocar. Conseguimos isso e foi um mérito da prefeitura
lixo é no transbordo ali, mas com a construção do concurso acaba, que ele do Pôr do Sol.
vai ter os moradores, né? Não tem como mais jogar lixo.
Aí eu voltei lá e falei “já tem dois anos que eu peço”. “Dona Chica, eu vou marcar
com a senhora para gente ir lá olhar”, eu disse “tá bom”. Aí o rapaz marcou
numa quarta-feira, veio, nós andamos o setor todinho. Ele fotografou tudo e
disse “eu vou dar uma resposta para senhora”. Com oito dias ele deu: “Dona
Chica, vamos reunir os líderes da quadra para gente ver como que fica”. Aí
levei as pessoas, fizemos a reunião e ele pediu um mapa de cada quadra.
Fizemos um mapa e demos pra ele. Quando foi dois meses, quase três, ele
ligou e falou: “Ó, Dona Chica, a partir de amanhã o carteiro vai passar. Manda
todo mundo colocar a sua caixinha de correio – tem muitos que não têm
ainda , que ele vai colocar na caixinha de correio e, quem tiver condomínio
fechado, coloca uma caixa de correio na guarita, e a pessoa do condomínio
entrega”. É o que eu faço aqui, eu entrego para o meu povo. Aí eu falei “mas
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e o CEP? Como é que fica? Nós temos que ter CEP também”. E nós temos,
quadra por quadra nós temos nosso CEP, ele botou.

Temos ônibus, o circular passa aqui dentro. Consegui asfaltar as principal


tudo, porque dentro não pode asfaltar porque o IBAMA disse que não pode,
mas a principal está toda asfaltada, e a gente vai brigando e vai trazendo as
coisas. Graças a Deus nós temos uma escola de primeiro grau, vamos ter uma
de segundo grau, vamos ter nossa creche, que o dinheiro já está liberado. A
nossa UBS [Unidade Básica de Saúde], nossa Casa de Saúde, também, tudo
é briga nossa e estamos aí.
Visita à casa de Dona Chica durante o 153º COSU - Brasília, Pôr do Sol - Ceilândia/DF, 2018
Fonte: Acervo Equipe de Assistência Técnica CODHAB

Manuella Coelho
Vocês têm reuniões fixas? Como é que funciona?

Dona Chica
Periodicamente. Nós temos uma vez por mês, mas fui no Correios e falei “minha filha, eu sou do Pôr
não com a comunidade, com a liderança, porque aí do Sol”. “O que é Pôr do Sol?”. “Pôr do Sol é uma
tudo que a gente faz durante o mês a gente passa invasão”. “Quantos moradores tem lá?”. Na época,
pra liderança, e a liderança passa para sua quadra. tinha uns 1.500, mais ou menos. Ela falou assim: “a
Em cada quadra nós temos um líder. Aí esse líder senhora vai fazer um mapa, um memorial descritivo Manuella Coelho
vai para reunião da prefeitura junto com a diretoria, e trazer aqui para mim”. E eu falei “sim, senhora”. Aí Dona Chica, a senhora tinha que ter alguém para escrever um livro dessas
a gente passa tudo que foi feito e eles passam para fiquei dois anos. Ela mandou uma caixa de correio, histórias, de registro da cidade, de como aconteceu tudo, com as pessoas
comunidade deles. É organizado. Eu fiz o Pôr do um armário. Meu portão não era fechado ainda, que ajudaram. É tão legal, tão importante fazer...
Sol, meu filho, então tem que ser [risos]. então eu botava na entrada o armário e colocava
as cartas lá dentro, e o pessoal vinha pegar. Mas, Caio Fiuza
Eu fiquei de 2000 até 2005 pegando caixas deste nossa, eu não tinha sossego, o pessoal vinha pegar Fazer um filme também.
tamanho assim no correio, aí um dia eu amanheci era domingo, era feriado, era de noite, era de dia,
com a pá virada e eu disse: “não vou pegar de vinha um monte de gente procurando carta. Dona Chica
ninguém mais não, eu vou botar correio aqui”. Aí Minha filha pode fazer, a repórter, né?
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a construção do
1 A CONSTRUÇÃO DO ARCABOUÇO LEGAL arcabouço legal e
as perspectivas
E AS PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
2 PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA AO PROJETO E
CONSTRUÇÃO DE MORADIA ECONÔMICA - ATME (1999)

para o futuro
3 PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA À
MORADIA ECONÔMICA - ATME (2002)
4 LEI NACIONAL DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA PÚBLICA
E GRATUITA EM ARQUITETURA E URBANISMO (2008)
A CONSTRUÇÃO DO ARCABOUÇO LEGAL
E AS PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

por Mariana Bomtempo e Luiz Sarmento

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A história de luta dos arquitetos e urbanistas brasileiros por cidades mais jus- Com a retomada da democracia e com a formulação da Constituinte, as dis-
tas possui um percurso extenso. Desde os debates sobre a Reforma Urbana, cussões sobre as cidades brasileiras foram retomadas e incluídas no Título VII
no Hotel Quitandinha, organizados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil em o Capítulo II da Política Urbana. Durante os anos 1990, o poder federal estava
1964, até a aprovação da Lei de Assistência Técnica em 2008, foram quase 50 mais voltado a estabilizar a macroeconomia, esquecendo-se dos espaços
anos de lutas por leis que dessem respaldo a práticas que visam a fomentar urbanos que continuavam cada vez mais problemáticos e que poderiam se
o direito à cidade e à moradia. Esses debates atravessaram diferentes fases configurar como plataformas de soluções econômicas importantes. Por-
da história política brasileira, tendo sofrido retrocesso principalmente durante tanto, coube aos movimentos sociais, entidades de classe e instituições de
o período da Ditadura Militar. Entretanto, de geração em geração, conseguiu ensino possibilitar as práticas voltadas à promoção do direito à cidade em
evoluir de maneira a galgar para o Brasil posição de destaque e de referência escala municipal, com a participação mais próxima da comunidade, e sem
internacional quanto ao aspecto de vanguarda da legislação urbanística. E grandes investimentos. Foi nesse período também que os Planos Diretores
mesmo sendo tímidas as ações de implementação da Lei frente ao enorme municipais, de alguma forma, tentaram criar meios para aplicar a Função
deficit habitacional qualitativo brasileiro, nós, arquitetos e urbanistas, temos Social da Propriedade, conceito definido já na Constituição.
de agir para colocá-la em prática da melhor forma possível.
A moradia no Brasil passou a ser um direito social básico do cidadão brasileiro
O entendimento da função social da propriedade urbana foi reforçado pelos em 2000, por meio de uma Emenda Constitucional ao Artigo 6º. Somente em
debates da Reforma Agrária e Reforma Urbana. Assim como os enormes 2001 o Capítulo da Política Urbana da Constituição foi regulamentado pela Lei
latifúndios improdutivos, que não permitem que as pessoas mais pobres Federal nº 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que levou para
tenham acesso à terra e nela possam produzir, nas cidades também há o âmbito nacional os debates e práticas de instrumentos de regulação das
grandes terrenos vazios ou subutilizados que poderiam servir para a mora- cidades brasileiras, como forma de dar suporte metodológico para a gestão
dia, enquanto muitos não têm onde morar. Nesse início da década de 1960, dos municípios. Poucos anos depois, em 2003, houve outro momento de
muito se avançou no entendimento do conceito e da necessidade de coibir grande esperança para os estudiosos e ativistas pelas cidades brasileiras, que
os abusos dos grandes proprietários de imóveis. Essas ricas e amplas dis- já abrigavam mais de 80% da população segundo o IBGE (2010): foi criado o
cussões sobre a Reforma Urbana foram interrompidos pela Ditadura Militar Ministério das Cidades que tinha como objetivo dar suporte aos municípios
que, durante 20 anos, silenciou quaisquer perspectivas de inclusão social, ao na gestão de seus territórios de maneira a colocar em prática o Estatuto,
mesmo tempo em que as cidades cresciam vertiginosamente, e os problemas voltando principalmente à práxis do direito à cidade e à moradia. Entretanto,
levantados nos debates se agravavam assustadoramente, o que ocorreu até já em 2005, o Ministério foi barganhado em negociações partidárias, e suas
o fim dos anos 1980. funções foram perdendo as forças até sua total extinção em 2019.
A Lei Federal nº 11.888/08 assegura o direito à assistência técnica pública Além disso, é uma forma de contrapor nossa O que gera uma sensação de passividade por parte
e gratuita para pessoas de baixa renda. A legislação “abrange todos os formação profissional excessivamente elitista e dos oprimidos e a total alienação da realidade
trabalhos de projeto, acompanhamento e execução da obra a cargo dos distanciada da realidade dos territórios, que tem socioeconômica do nosso país por parte dos opres-
profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia necessários se imposto inclusive nas instituições de ensino sores, estes, inclusive, não raramente se sentem
para a edificação, reforma, ampliação ou regularização fundiária da habita- que estão localizadas na periferia. Citemos Paulo muito incomodados quando vivenciam espaços
ção”. No entanto, apenas dez anos após sua aprovação, surgiram iniciativas Freire: “Quando a educação não é libertadora, o urbanos de outras capitais brasileiras.
experimentais de maior escala. Ela é fundamental para reforçar as lutas pelo sonho do oprimido é se tornar opressor”. Os estu-
direito à cidade e à moradia digna que têm sido travadas em nosso País, e dantes precisam se reconhecer como catalisadores Os espaços das periferias de Brasília também
precisa ser abraçada pelos arquitetos-urbanistas para que se desenvolvam da transformação em suas localidades, uma vez são um reflexo da lógica automobilística e se-
novas experiências para atualizar a prática à luz dos novos desafios e da que podem unir seu conhecimento técnico aos gregacionista, em que mesmo com muitos dos
realidade atual da sociedade e de suas cidades, desenvolvendo projetos em seus saberes de vivência da realidade onde estão moradores utilizando-se de transporte público,
comunidades com participação popular e processos democráticos. A imersão inseridos. bicicletas ou fazendo seus trajetos à pé, não há
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de arquitetos e urbanistas na cidade, por exemplo, cria uma sem-dimensão questionamento quanto a falta de espaço para esse
de possibilidades em busca de espaços urbanos menos injustos. O território de Brasília, nesse aspecto de conexão tipo de mobilidade mais inclusiva e ecológica. A
com a realidade, é peculiar pois possui um es- morfologia das periferias é uma continuação da
Ao reconectar os profissionais, estudantes e pesquisadores aos problemas e praiamento e uma segregação socioespacial com lógica rodoviarista do Plano Piloto, e que foi pio-
potencialidades de seus territórios, a implementação da Lei Federal nº 11.888 distâncias e vazios urbanos mais extensos que o rada nas Regiões Administrativas projetadas pelo
pode ter um enorme impacto positivo no campo da arquitetura e do urbanismo. que se costuma observar nas demais metrópoles governo local. Nos assentamentos informais de
brasileiras. Isso dificulta não só a locomoção por Brasília, é comum existir barracos cuja estrutura
parte das populações de periferia, como também o é extremamente precária, mas dentro do mínimo
próprio encontro das diferenças. Se para Lefebvre, lote a família guarda seu principal bem: o carro.
em seu clássico O Direito à Cidade, de 1968, “A
vida urbana pressupõe encontros, confrontos das Se a questão das grandes distâncias e da preca-
diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recí- riedade da infraestrutura urbana para a mobilidade
procos (inclusive no confronto ideológico e político) ativa ou por meio de transporte público foram os
dos modos de viver, dos ‘padrões’ de coexistência primeiros desafios encontrados para a implemen-
na Cidade”, o território de Brasília apresenta-se tação do programa de assistência técnica no DF,
como um dificultador desse entendimento de vida muitos outros se seguiram. Desde a dificuldade de
urbana, onde é mais complicado o confrontamento o governo adquirir, alugar ou construir um escritório
dessas classes, ‘padrões’ e modos de viver. em locais ainda não regularizados, a ausência de
internet, rede de abastecimento de água, esgoto e energia regulares, passando política continue, possibilitado que mais pessoas tenham acesso a espaços
pela desconfiança inicial dos moradores com esses novos e inesperados de vida mais justos e qualificados no DF. Temos a obrigação de, juntos aos
agentes atuando em suas comunidades, a questão da (in)segurança públi- moradores dessas áreas de baixa renda, continuar lutando para que não haja
ca e do enfrentamento aos estigmas relacionados à periferia da metrópole retrocesso e sim avanço nas políticas implementadas.
brasiliense e chegando a desafios mais técnicos, como a dificuldade de aten-
dimento das diversas demandas por uma equipe de profissionais bastante Sabemos que há uma tradição bastante arcaica no Brasil de desfazer o que
enxuta e a ausência de previsão orçamentária. Houve ainda a necessidade foi feito por gestões anteriores, em uma atitude personalista e patrimonialista
de se desenvolver novas metodologias e rotinas processuais para atender de gestão pública. Temos que resistir a essa prática para que a Assistência
essas localidades, além de sensibilizar e os colegas da “repartição” e dos Técnica se torne uma política de Estado, não de governo, passageira.
demais órgãos do governo, que nunca haviam lidado com esses desafios,
sobre a importância da atuação imersa no território e em contato direto com Tivemos o privilégio de implementar a lei de 2008 em nossa Unidade da
as populações afetadas pela política de habitação do DF. Federação e, cientes de oportunidade tão única, desde o início tivemos
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consciência da responsabilidade das nossas ações. Esse empenho de cada
Quatro anos é pouco tempo para se consolidar uma política dessa enverga- um e cada uma que participou dessa empreitada, permitiu que erigíssemos
dura com atividade em tantos pontos simultâneos do território. Se o foco do metodologias que possam ser usufruídas, copiadas, sampleadas e ampliadas
primeiro ano foi organizar a Companhia para que as ideias da nova gestão em várias cidades e governos do país.
tivessem solo fértil para florescer, apenas os dois anos seguintes foram de
produção plena, já que no quarto e último houve o período eleitoral com A Assistência Técnica, depois de décadas de lutas pelo reconhecimento de
todos os problemas e amarras jurídico-burocráticas-financeiras impostas à sua importância na garantia de direitos e sua capacidade de transformação
administração pública. social e espacial, hoje se configura como uma prática de política pública
que resulta em um serviço social de difícil retrocesso. Como sintetizou com
Um dos principais acertos do programa foi a implementação dos Postos de bastante felicidade nossas colegas de Santa Catarina: a assistência técnica
Assistência Técnica e essa escolha de colocar os servidores da Companhia pública e gratuita em arquitetura e urbanismo é um direito e muitas possibili-
em contato direto com as localidades e seus moradores. A experiência foi dades. Várias são as iniciativas que surgiram, principalmente fruto de ações
bastante exitosa e gerou resultados como maior celeridade na execução das individuais de arquitetos, urbanistas e engenheiros, de modelos de negócio e
obras de urbanização vinculadas à regularização fundiária; pronta identifi- empresas de ATHIS desde 2014. Naturalmente que o Conselho de Arquitetura
cação de erros de procedimentos e de projetos ainda em etapas iniciais; e o e Urbanismo teve papel fundamental nesse processo, ao publicizar e, por
envolvimento ativo dos moradores no processo. Este ponto, aliás, poderia ter isso, conectar essas iniciativas.
sido melhor explorado pela gestão: com maior contato entre a Companhia e
as comunidades, seus territórios, problemas e potencialidades. Além disso, Com um deficit habitacional qualitativo na casa de dezena de milhões, com
o desenvolvimento dos projetos urbanísticos de regularização poderiam ter enorme parte da população vivendo em favelas, um país como o Brasil
sido transferidos totalmente para os postos, desenvolvendo-se uma estrutura tem apenas um caminho para lidar com esses territórios que é consolidar
potente de pensar, planejar e fazer regularização e (re)urbanização in loco, e qualificá-los, já que, felizmente, por razões sociais, históricas, simbólicas,
contaminados pelo território, com o povo, para o povo. urbanísticas, geográficas, lógicas e humanas; a remoção dessas comuni-
dades não deve ser uma possibilidade. Para isso, a Assistência Técnica e
No entanto, é difícil vislumbrar a curto prazo um novo momento político a proximidade dos técnicos com as comunidades são o caminho natural.
propício, como foi esse dos últimos quatro anos, em que nos foi permitido
botar em prática, com liberdade, essas ideias de arquitetura e urbanismo Nesses quatro anos, a equipe que esteve à frente do programa de Assistência
social. Porém, o fato de já haver resultados concretos, equipes treinadas, Técnica da CODHAB teve a oportunidade de contribuir um pouco para o de-
metodologias desenvolvidas e estrutura de trabalho instalada, possibilita senvolvimento da função social da arquitetura e do urbanismo nesse período
que o trabalho seja facilmente continuado se houver interesse dos novos após a sanção da Lei Federal nº 11.888, somando esforços a outras iniciativas
gestores. Enquanto sociedade civil, temos que pressionar para que essa públicas ou privadas na atualização, experimentação, análise e formulação
de políticas voltadas ao habitar de interesse social. urbanistas e agentes públicos do Estado, temos A cidade é uma construção coletiva, tanto na sua materialidade quanto no
Os editais de licitação de melhorias habitacionais, de estar próximos de nossos clientes, de nosso seu capital simbólico, fruto do trabalho de todos os seus habitantes, que
que inexistiam em 2015, com as especificações público-alvo, daquelas e daqueles que precisam de tornaram aquele espaço um lugar com vida urbana. Esse valor não deve
de como contratar projetos, orçamentos, obras, nossos serviços. Almejamos que um dia o trabalho ser capitalizado e auferido por poucos, pois o prejuízo é compartilhado por
fiscalização e serviços de assistente social para dos arquitetos e urbanistas esteja à disposição da todos. A função social da cidade deve ser uma luta permanente para além
melhorias habitacionais de pessoas de baixa renda, comunidade assim como o serviço de médicos e do que foi alcançado pelos movimentos sociais por meio da legislação, com
já representa um avanço. O desenvolvimento de enfermeiros estão nas proximidades, de forma práticas continuadas, principalmente, aquelas voltadas ao trabalho comu-
metodologias de inicialização de um programa gratuita. Médicos, assistentes sociais, professores, nitário, para as obras de urbanização e regularização fundiária em assenta-
de ATUAIS em uma comunidade, assim como defensores públicos, engenheiros, estão nesses es- mentos informais, e melhorias habitacionais para moradias em condições
ferramentas para a permanente mobilização dos paços há anos e a nossa presença ainda é bastante precárias que gerem riscos aos seus moradores. Assim como durante a
agentes envolvidos, principalmente os moradores tímida. Nós podemos fazer a diferença nos terri- ditadura o sentimento de justiça social resistiu, hoje precisamos enfrentar o
atendidos, como o projeto Ações Urbanas Co- tórios periféricos de nossas cidades, contribuindo autoritarismo, o fundamentalismo e a desinformação para permanecer com
688 689
munitárias apresenta uma forma possível de se com temas que só nossa formação generalista é nossos direitos, porque eles não são favores ou benevolências do Estado,
iniciar um trabalho para promover regularização capaz de considerar. são formas de amortecer as desigualdades existentes e garantir o mínimo
fundiária e a melhoria dos espaços de vida de de justiça social e espacial.
seus habitantes. É urgente criarmos uma rede nacional de profis-
sionais que atuam em (prol) Assistência Técnica Cabe a nós, como cidadãos, como arquitetos e urbanistas, trabalharmos
A escolha de gestão de colocar os planejadores em Urbanismo e Arquitetura de Interesse Social, de para que nossa legislação não retroaja, particularmente porque ela enfrenta
mergulhados em seu objeto de planejamento e forma a pressionar governos para que esse direito o principal problema das cidades brasileira que é a disputa pela terra urba-
em diálogo com as pessoas afetadas por suas conquistado avance e se consolide enquanto um nizada. Em momentos de autoritarismo e sucessivas tentativas de retroagir
escolhas, talvez seja o mais simples mas o mais serviço de Estado, público, gratuito e de qualidade quanto às legislações progressistas de nosso país, devemos reagir. Urge a
eficaz exemplo desse trabalho que deve ser se- para as populações de baixa renda, assim como é formação de uma rede de pessoas que lutam e trabalham pela Assistência
guido. Como nos ensinou João Filgueiras Lima, preciso intensificar e reconhecer essa prática de Técnica para fortalecer as iniciativas e, principalmente, possibilitar a troca
Milton Ramos e Lina Bo Bardi, é no canteiro onde arquitetura e urbanismo social como uma forma de de experiências e informações relativas a essa prática urgente e emergente.
as coisas acontecem: os problemas mais desa- planejamento urbano e regional focado na imersão
fiadores a serem enfrentados, as questões mais no território e na proximidade com a população,
urgentes e que demandam soluções rápidas e que deve ter participação ativa e facilitada nos
as inovações acontecem. Enquanto arquitetos e processos sobre seu território.

Referências

IBGE. Séries Estatísticas & Séries Históricas. Disponível em:


<https://seriesestatisticas.ibge.gov.br>. Acesso em outubro de 2019.

LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001.


PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA PROGRAMA DE
AO PROJETO E CONSTRUÇÃO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA
MORADIA ECONÔMICA (ATME) À MORADIA ECONÔMICA (ATME)
Lei Complementar nº 428/99 Projeto de Lei nº 6.223/02*
Lei complementar 428 de 23 de abril de 1999 Projeto de Lei 6.223 de 6 de março de 2002
Regulamenta o art. 233, inciso IV, da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, instituindo o Autoria de Clóvis Ilgenfritz
Programa de Assistência Técnica ao Projeto e Construção de Moradia Econômica a pessoas de Institui o Programa de Assistência Técnica à Moradia Econômica (ATME)
baixa renda, e dá outras providências. a pessoas de baixa renda, e dá outras providências.

* Texto original do Diário da Câmara dos Deputados publicado em 5.04.2002.

690 O PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE O Congresso Nacional decreta: DOS BENEFICIÁRIOS 691
Faço saber, no uso das atribuições que me obriga o parágrafo
7º, do art. 77, da Lei Orgânica, que a Câmara Municipal manteve Art. 1° Art. 4°
eu promulgo a seguinte Lei Complementar: Fica instituído o Programa de Assistência Técnica à Moradia Entende-se como beneficiário para qualificação de cada moradia
Econômica - ATME que dispõe sobre assistência técnica gratuita do Programa ATME, toda a família ou grupo, com até três pessoas,
Art. 1º Art. 6º ao projeto e construção de moradias a pessoas de baixa renda, com renda total mensal total até cinco salários mínimos, ou com
Fica instituído o Programa de Assistência Técnica ao Projeto e Para qualificação ao Programa, entende-se como beneficiário toda nos termos como a seguir se dispõe. mais de três pessoas com renda per capita mensal não superior
Construção de Moradia Econômica (ATME) a pessoas de baixa a família, com até três pessoas, com renda familiar mensal até a um e meio salário mínimo.
renda, nos termos do art. 233 da lei Orgânica do Município de cinco salários mínimos, ou família com mais de três pessoas com Parágrafo único. A assistência técnica será oferecida de forma
Porto Alefre. uma renda “per capita” mensal não superior a 1,5 salário mínimo. gratuita individualmente ou em grupos organizados, tais como Art. 5°
Art. 7º mutirões e cooperativas. O beneficiário final do Programa ATME deverá ser proprietário,
Parágrafo único. A assistência técnica será oferecida indivi- O Programa atenderá às solicitações para fins residenciais. promitente comprador ou cessionário de direito de uso, na forma
dualmente ou em grupos organizados, tais como mutirões e Art. 2° da Lei, relativamente ao terreno sobre o qual pretenda construir.
cooperativas. Art. 8º O Programa de Assistência Técnica à Moradia Econômica –
O gerenciamento do Programa terá a participação de entidades ATME tem por objetivo: Parágrafo único. As cooperativas habitacionais podem usufruir
Art 2º comunitárias e entidades profissionais da área tecnológica. do Programa – ATME devendo atender, por seus cooperativados,
O Programa de Assistência ao Projeto e Construção de Moradia I - possibilitar assessoria técnica na área da moradia a pessoas à condição socioeconômica prevista no art. 4° desta Lei.
Econômica tem por objetivo: Art. 9º ou grupos organizados, carentes de recursos financeiros;
Os beneficiários do Programa poderão receber isenções de DOS DIREITOS DOS BENEFICIÁRIOS
I - possibilitar assessoria técnica na área de moradia a pessoas taxas administrativas municipais relativas à regularização ou II - otimizar e qualificar o uso e aproveitamento racional do espaço
ou grupos organizados, carentes de recursos financeiros. aprovação de sua moradia. edificado e seu entorno, dos recursos humanos, técnico-cons- Art. 6°
trutivos e econômicos necessários à moradia e à qualidade de O Programa atenderá às solicitações para fins residenciais.
II - otimizar o aproveitamento racional do espaço, de recursos Art. 10 vida dos beneficiários;
humanos e de materiais construtivos necessários à moradia. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. § 1° Cada beneficiário terá direito a apenas um atendimento do
III - garantir a formalização legal do processo construtivo junto Programa – ATME.
Art. 3º Art. 11 às Prefeituras Municipais e outros orgãos do poder público;
O Município poderá celebrar convênios com cooperativas pro- Revogam-se as disposições em contrário. § 2° Os beneficiários serão atendidos por demanda e na ordem
fissionais e sindicatos das categorias profissionais habilitadas IV - assegurar e prevenir a não ocupação de áreas de risco e de cronológica de
legalmente para prestar assistência técnica a projetos e cons- interesse ou proteção ambiental; inscrição solicitada e aprovada pelas Prefeituras Municipais.
truções, visando à credenciação dos técnicos.
V - propiciar e qualificar a ocupação do sítio urbano em conso- § 3° Será permitida a existência de atividade econômica, aliada
Art. 4º nância com a Legislação Urbana Ambiental - PLANOS Diretores, à residência, sempre que a atividade seja explorada pelo próprio
O Município poderá celebrar convênios com organismos não Código de Obras ou assemelhados, assim como diminuir a inci- beneficiário, permitida pela legislação municipal, e na proporção
governamentais, entidades profissionais, bem como com os dência de obras irregulares. máxima de área construída, de até cinquenta por cento relativa
governos Estadual e Federal para fins de viabilizar isenções e à área da residência.
recursos financeiros ao Programa. DOS AGENTES PROMOTORES
DOS AGENTES GESTORES
Art. 5º Art. 3°
O beneficiário final do Programa deverá ser proprietário, promi- Os agentes promotores do programa ATME serão: Art.7º
tente comprador ou cessionário de direito de uso, na forma da A gestão do Programa – ATME, será feita pelas Prefeituras Munici-
Lei, relativamente ao terreno sobre o qual pretenda construir. I - o Governo Federal, através da Caixa Econômica Federal e/ou pais em convênio com as entidades representativas da categoria
outro agente financeiro por aquele designado; profissional dos arquitetos urbanistas.
Parágrafo único. As cooperativas deverão atender, por seus Gabinete da Presidência
cooperativados, à condição sócio-econômica prevista no art. da Câmara Municpal de Porto Alegre, 23 de II - os Governos Estaduais e Municipais; Art. 8º
6º desta lei. As Prefeituras Municipais que aderirem ao Programa ATME
abril de 1999 III - Entidades representativas da categoria profissional da ar- receberão os recursos, a fundo perdido, do Governo Federal.
quitetura e urbanismo.
Parágrafo único. Outras fontes de recursos de origem dos Es-
NEREU D’AVILA tados, Municípios, entidades públicas ou privadas, organismos
financiadores bilaterais, assim como de fundos filantrópicos,
Adeli Sell poderão aportar ao Programa ATME.
Art. 9º
O controle e fiscalização técnico-financeira do Programa ATME Parágrafo único. O profissional encarregado da prestação dos b) na hipótese de não se haver concluído a obra, por interrupção Urge, portanto, que junto com os planos governamentais para
ficarão a cargo dos agentes gestores e entidades representativas serviços técnicos deverá estar preparado para orientar processos da construção, a qualquer título, serão apresentados o caderno saúde (hoje representados num projeto que vem estruturando
dos profissionais arquitetos urbanistas e engenheiros. não tradicionais de construção, tais como a efetuada através de de obra, com a anotação formal da suspensão da assistência com razoável sucesso pelo Sistema Único de Saúde), para o sa-
mutirões e formas solidárias assemelhadas. técnica, e a baixa parcial da ART; junto ao CREA regional; neamento, para a educação, e outros, se estabeleça um processo
DO AGENTE TÉCNICO PROFISSIONAL de atendimento à moradia, à adequação urbana e ambiental.
DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS c) na hipótese, quer de obra acabada, quer de construção inter-
Art. 10 rompida, deverá o profissional apresentar relatório sintético sobre Neste ano de 2001, quando a sociedade conquistou junto ao
Os serviços de arquitetura constantes do projeto e construção Art. 16 os serviços prestados, nos termos de formulário constante do Congresso Nacional o Estatuto das Cidades, que regulamenta
do Programa ATME serão prestados por profissionais arquitetos O valor da remuneração será fixo por projeto e obra assumidos, Manual de Atendimento ao beneficiário final, o qual fica sujeito artigos da Constituição de 88, mais razões existem pelos pos-
urbanistas, que individualmente considerados terão a denomi- definido pela entidade representativa profissional. a exame e aprovação pela Comissão Especial constituída pela tulados de seus conteúdos para buscarmos soluções do tipo
nação de Agente Técnico Profissional. Entidade Representativa. PROGRAMA ATME, entre outras.
Parágrafo único. O pagamento dos honorários profissionais far-
§ 1° Os Agentes Técnicos Profissionais deverão estar habilitados -se-á em duas etapas, sendo a primeira, na conclusão e aprovação Art. 24 Significa a criação de Agentes Técnico-Profissionais à disposição
peIo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do projeto junto aos órgãos públicos e a segunda, na conclusão Habilitar-se-á o profissional ao pagamento de seu trabalho com das populações carentes para minorar os problemas existentes.
– CREA, de cada Estado ou Região, ou órgão com as mesmas da construção. o conjunto de documentos referido no artigo anterior. Assim o Programa ATME se propõe a uma espécie de SUS da
funções, que venha a ser criado em substituição a esses. Arquitetura e do Urbanismo.
Art. 17 Art. 25
§ 2º Além dos arquitetos urbanistas, poderão participar como Havendo interrupção da construção, devidamente formalizada, Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. A outra razão que objetiva o presente projeto de lei, é evitar que
Agentes Técnicos Profissionais outros técnicos graduados a e desde que o projeto já tenha sido integralmente elaborado, o beneficiário final percorra desde o início da construção de sua
nível de terceiro grau, desde que com a mesma habilitação pro- caberá ao profissional receber a metade da remuneração prevista, JUSTlFlCAÇÃO moradia, aquele processo burocrático onde, cada momento ou
fissional, de conformidade com a Lei nº 5.194, que regula as ficando o recebimento da outra parte vinculada à conclusão da etapa dele junto ao poder executivo municipal, necessita,
profissões em questão. obra, se houver continuidade da prestação de assistência técnica O objetivo do projeto de lei que estamos ingressando nesta não raras vezes, dispender estipêndios, de que não é possuidor.
Casa e neste final de Precisa primeiramente apresentar a “planta”, que na maior parte
692 DO TIPO DE CONSTRUÇÃO DAS FONTES DE RECURSOS legislatura, é o de possibilitar assessoria técnica, na área da mora- das vezes, é confeccionada por atravessadores num processo 693
dia e remanejamento urbano, a peswoas ou grupos organizados, exploratório totalmente condenável, para a sua elaboração.
Art. 11 Art.18 carentes de recursos financeiros, otimizando o aproveitamento De um lado, as Prefeituras exigem projeto e documentos para a
A construção da moradia neste Projeto, deverá ser enquadrável O Governo Federal destinará recursos a fundo perdido no Or- racional do espaço, de recursos humanos e de materiais cons- aprovação da construção, por outro o especulador e/ou atraves-
como de tipo econômico. çamento Geral da União - OGU, e em recursos provenientes de trutivos necessários à moradia. sador, criando “facilidades” mas extorquindo os parcos recursos
Fundos Federais intencionados no desenvolvimento social, como da pessoa (beneficiário) e entre os profissionais habilitados sem
Parágrafo único. Não serão feitas restrições ao emprego de o Fundo de Assistência Social – FAZ, o Fundo de Garantia por O beneficiário deste Programa, que irá receber assistência técnica condições de atendimento.
materiais não convencionais, garantindo-se a segurança e ha- Tempo de Serviço – FGTS, o Fundo de Amparo ao Trabalhador graciosamente, deverá ter nível de renda familiar inferior a 5 (cinco)
bitabilidade. – FAT, o Plano de Integração Nacional PIS/PASEP ou outros. salários mínimos, e ser proprietário, promitente comprador ou Necessário é pois, que se estabeleça uma prestação de serviços
cessionário de direito de uso, na forma da Lei, relativamente ao gratuitos de Assistência Técnica ao Projeto e Construção da
DO CREDENCIAMENTO DOS AGENTES TÉCNICO-PROFISSIO- DISPOSIÇÕES GERAIS terreno sobre o qual pretende construir. Moradia Econômica, que o atendimento aos beneficiários finais,
NAIS seja dado pelos próprios profissionais legalmente habilitados e
Art. 19 A moradia econômica será definida tão só pela relação entre as credenciados junto a suas entidades laborais, ou pelas coope-
Art. 12 O Programa ATME elaborará um Manual de Atendimento ao be- necessidades e a disponibilidade econômica do beneficiário, rativas profissionais, especificamente constituídas para atender
O credenciamento dos Agentes Técnicos Profissionais para parti- neficiário final, que servirá como seu instrumento de orientação, vale dizer, a partir de sua condição pessoal e familiar. Assim às finalidades deste programa.
cipar do Programa ATME dar-se-á junto à entidade representativa dos profissionais e dos órgãos fiscalizatórios, quanto aos serviços haverá moradia econômica, para os efeitos deste Programa
dos profissionais de arquitetura e urbanismo. prestados, independente da existência do Caderno de Obras. (ATME), sempre que houver uma pessoa física caracterizada Assim como existe o SUS, que se preocupa em preservar ou
como beneficiário final, e que necessite de assistência técnica restaurar a saúde da população, assim a ATME, estaria motivada
§ 1º Caracterizam-se como entidades representativas das ca- Parágrafo único. O Manual de Atendimento conterá o compro- gratuita ou financiada, para o projeto e construção de prédio com no proporcionar a construção da moradia dessa população e de
tegorias profissionais os Sindicatos de Arquitetos, o Instituto misso firmado entre o Beneficiário final e o Agente Técnico- destinação para moradia. adaptá-la e definir o seu entorno.
dos Arquitetos do Brasil - IAB, em cada unidade estadual da -Profissional.
Federação, ou Departamento respectivamente, e que doravante Entre as diversas razões para a proposição deste projeto de Lei, Os recursos da ATME serão assegurados fundamentalmente
passam a ser denominados para os termos desta lei, de entidades Art. 20 além das conhecidas desde a época pioneira de sua criação e pelo Governo Federal, podendo ter aportes financeiros de outros
representativas. O Programa ATME poderá atender às solicitações dos entornos agravadas pelos resultados perversos dos problemas poIíticos, órgãos e entidades conforme consta do projeto em questão.
dessas moradias, considerada a necessidade de urbanização ou econômicos atuais, que segregam as populações, criando um
§ 2º Para fins de cadastramento e operacionalidade, o Programa reurbanização em casas de viIas ou favelas onde aconteceu a crescente quadro de exclusão social, de desemprego, de habi- Finalizo esta justificativa, por dever de ofício, agradecendo à
ATME deverá ser gerido por uma Comissão Especial composta regularização fundiária. tação, saneamento básico, assistência à saúde, à educação, categoria profissional a que pertenço, dos Arquitetos, e aos
de profissionais representantes de cada entidade representativa entre outros aspectos; estamos enfatizando duas razões que, signatários do Programa Pioneiro do ATME editado pela primeira
acordada dentre elas e centralizado por uma delas. Art. 21 por si só, justificam nossa preocupação e nossa proposição: o vez pelo Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul, com o
Os beneficiários do Programa poderão receber isenções de taxas Programa ATME. auxílio do CREA/RS, em 1976, representados pelos arquitetos
§ 3º Havendo o interesse de outros profissionais habilitados administrativas relativas à regularização ou aprovação de sua Carlos Maximiliano Fayet, Newton Burmeister e Cláudio Caraccia
nos termos do art.10, § 2º, estes deverão ser inscritos por seus moradia, dependendo A primeira refere-se aos altos índices de urbanização havidos e Paulo Henrique Soares e dos Advogados Manuel André da
órgãos profissionais na entidade representativa responsável, da respectiva legislação municipal. nas últimas décadas, propiciados pela expulsão das pessoas Rocha e Maria Madalena Borges Borges, assim como das cola-
conforme prescreve o § 1º do art.12 do campo. Este fenômeno irreversível das concentrações urba- borações recebidas do IAB/DN, através de sua Direção Nacional
Art. 22 nas, não é um privilégio de nosso país, mas tem características pelo seu Presidente, Arquiteto Haroldo Pinheiro, do apoio da
Art. 13 Por infrações cometidas às finalidades ou modo operativo des- mundiais, só que no Brasil com maior intensidade. Hoje, mais de FNA - Federação Nacional dos Arquitetos pelo seu presidente,
Deverão as Entidades Representativas, periodicamente em prazo te Programa estabelecer-se-ão penalidades que irão desde a 80% da população brasileira se localiza nas cidades, em especial, arquiteto Eduardo Bimbi e da Consultoria Atuação pelo senhor
trimestral, informar às Prefeituras Municipais, através de listagens advertência e a multa pecuniária até a suspensão temporária nas regiões metropolitanas, na maioria em precárias condições Helmut Leonardo Volkmann e do meu Gabinete pelo Advogado
circunstanciadas, os profissionais credenciados, bem como a ou o cancelamento definitivo do credenciamento ou registro. de emprego, habitação, transporte, segurança etc. Davi Ulisses C. Simões Pires. O Projeto de Lei-Programa ATME,
confirmação de credenciamentos anteriores, bem como enumerar passa neste momento a ser não só do interesse dos seus pro-
a perda dessas condições por decurso de prazo, indeferimento Parágrafo único. A aplicação dessas penalidades, pelos órgãos Esse quadro, no que se refere à ocupação do espaço é, na maior ponentes, mas da população brasileira e dos seus representan-
de renovação ou aplicação de penalidades. gestores, não eximem o faltoso de responder civilmente por parte das vezes, caótico. As populações carentes, discriminadas tes, os Deputados e Senadores arquitetos urbanistas, mas da
eventuais danos causados a tercéiros, no caso os beneficiários pelo sistema dominante, vêem-se totalmente desprotegidas de população brasileira e dos seus representantes, os Deputados
Art. 14 finais, nem de responsabilidade criminal porventura ocorrente. serviços, destacando-se no caso, a falta de habitação e/ou a e Senadores da República.
A responsabilidade técnica e o período de vinculação do profis- sua localização em áreas de risco, em locais inconvenientes
sional à obra deverão ser observados nos termos da Lei Federal Art. 23 para vida digna.
nº 5194, reguladora do exercício das profissões de engenheiro, A documentação probatória da prestação dos serviços deverá
arquiteto, engenheiro agrônomo, geógrafo, geólogo e técnico ser representada:
de nível médio. CLOVIS ILGENFRITZ DA SILVA
a) em obra pronta e acabada pelo “habite-se” municipal, acom-
Art.15 panhado da baixa da anotação da responsabilidade técnica Deputado Federal (PT-RS)
A assistência prestada deverá ser integral, abrangendo o projeto (ART) junto ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
da edificação com todos os seus componentes e a assistência Agronomia (CREA) regional;
técnica à construção, até sua conclusão.
LEI NACIONAL DE
ASSISTÊNCIA TÉCNICA PÚBLICA E
GRATUITA EM ARQUITETURA E URBANISMO
Lei Federal 11.888/08*
Lei Federal 11.888 de 24 de dezembro de 2008
Autoria de Zezéu Ribeiro
Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a
construção de habitação de interesse social e altera a Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005.

* Este texto não substitui o publicado no DOU de 26.12.2008

694 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Art. 3º § 1º Na seleção e contratação dos profissionais na forma do Art. 7º 695
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono A garantia do direito previsto no art. 2o desta Lei deve ser efe- inciso IV do caput deste artigo, deve ser garantida a participação O art. 11 da Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe
a seguinte Lei: tivada mediante o apoio financeiro da União aos Estados, ao das entidades profissionais de arquitetos e engenheiros, mediante sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social -
Distrito Federal e aos Municípios para a execução de serviços convênio ou termo de parceria com o ente público responsável. SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
Art. 1º permanentes e gratuitos de assistência técnica nas áreas de - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS, passa a vigorar
Esta Lei assegura o direito das famílias de baixa renda à assis- arquitetura, urbanismo e engenharia. § 2º Em qualquer das modalidades de atuação previstas no acrescido do seguinte § 3o:
tência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de caput deste artigo deve ser assegurada a devida anotação de
habitação de interesse social, como parte integrante do direito § 1º A assistência técnica pode ser oferecida diretamente às responsabilidade técnica. “Art. 11. [...]
social à moradia previsto no art. 6o da Constituição Federal, e famílias ou a cooperativas, associações de moradores ou outros § 3º Na forma definida pelo Conselho Gestor, será assegurado
consoante o especificado na alínea r do inciso V do caput do art. grupos organizados que as representem. Art. 5º que os programas de habitação de interesse social beneficiados
4o da Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta Com o objetivo de capacitar os profissionais e a comunidade com recursos do FNHIS envolvam a assistência técnica gratuita
os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes § 2º Os serviços de assistência técnica devem priorizar as usuária para a prestação dos serviços de assistência técnica nas áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia, respeitadas as
gerais da política urbana e dá outras providências. iniciativas a serem implantadas: previstos por esta Lei, podem ser firmados convênios ou termos disponibilidades orçamentárias e financeiras do FNHIS fixadas
de parceria entre o ente público responsável e as entidades pro- em cada exercício financeiro para a finalidade a que se refere
Art. 2º I - sob regime de mutirão; motoras de programas de capacitação profissional, residência este parágrafo.” (NR)
As famílias com renda mensal de até 3 (três) salários mínimos, ou extensão universitária nas áreas de arquitetura, urbanismo
residentes em áreas urbanas ou rurais, têm o direito à assistên- II - em zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse ou engenharia. Art. 8º
cia técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de social. Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta)
habitação de interesse social para sua própria moradia. Parágrafo único. Os convênios ou termos de parceria previstos dias de sua publicação.
§ 3º As ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos no caput deste artigo devem prever a busca de inovação tecno-
§ 1º O direito à assistência técnica previsto no caput deste artigo Municípios para o atendimento do disposto no caput deste artigo lógica, a formulação de metodologias de caráter participativo e
abrange todos os trabalhos de projeto, acompanhamento e exe- devem ser planejadas e implementadas de forma coordenada e a democratização do conhecimento.
cução da obra a cargo dos profissionais das áreas de arquitetura, sistêmica, a fim de evitar sobreposições e otimizar resultados.
urbanismo e engenharia necessários para a edificação, reforma, Art. 6º
ampliação ou regularização fundiária da habitação. § 4º A seleção dos beneficiários finais dos serviços de assistência Os serviços de assistência técnica previstos por esta Lei devem
técnica e o atendimento direto a eles devem ocorrer por meio ser custeados por recursos de fundos federais direcionados à
§ 2º Além de assegurar o direito à moradia, a assistência técnica de sistemas de atendimento implantados por órgãos colegiados habitação de interesse social, por recursos públicos orçamen-
de que trata este artigo objetiva: municipais com composição paritária entre representantes do tários ou por recursos privados.
poder público e da sociedade civil.
I - otimizar e qualificar o uso e o aproveitamento racional do
espaço edificado e de seu entorno, bem como dos recursos Art. 4º
humanos, técnicos e econômicos empregados no projeto e na Os serviços de assistência técnica objeto de convênio ou termo
construção da habitação; de parceria com União, Estado, Distrito Federal ou Município
devem ser prestados por profissionais das áreas de arquitetura,
II - formalizar o processo de edificação, reforma ou ampliação urbanismo e engenharia que atuem como:
da habitação perante o poder público municipal e outros órgãos
públicos; I - servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios;
III - evitar a ocupação de áreas de risco e de interesse ambiental; Brasília, 24 de dezembro de 2008
II - integrantes de equipes de organizações não-governamentais
IV - propiciar e qualificar a ocupação do sítio urbano em conso- sem fins lucrativos; 187º da Independência e 120º da República
nância com a legislação urbanística e ambiental.
III - profissionais inscritos em programas de residência acadêmi-
ca em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou
escritórios públicos com atuação na área; Guido Mantega
IV - profissionais autônomos ou integrantes de equipes de Paulo Bernardo Silva
pessoas jurídicas, previamente credenciados, selecionados e Patrus Ananias
contratados pela União, Estado, Distrito Federal ou Município.
Márcio Fortes de Almeida
PALAVRA Para além de sua reconhecida atuação, é preciso destacar a importância da

DOS ARQUITETOS equipe da CODHAB/DF entre os anos de 2015 e 2018 no tocante à sensibili-
dade de compreensão do espaço urbano no processo de implantação da Lei
Federal nº 11.888/2008. A equipe liderada por Gilson Paranhos assimilou a
Depoimentos de profissionais sobre a experiência Lei de Assistência Técnica extrapolando os limites comumente vinculados
em Assistência Técnica ocorrida na CODHAB-DF entre 2015 e 2018 à arquitetura e à engenharia. De maneira responsável e integrada, pautou a
cidade como objeto de exercício profissional, mirando como alvo o combate
às desigualdades sociais. Esse olhar - com visão além do alcance e que ora
se lança em ações pontuais em unidades habitacionais e ora se expande
na escala macro - costura e se interconecta, devolvendo à população não
só estatísticas de trabalhos realizados, mas também dignidade e cidadania.
Para mim, falar dessa equipe é traduzir em gestos o que se defende no papel
O trabalho que foi desenvolvido no Distrito Federal pela equipe da CODHAB, sobre o direito à cidade.
sob a batuta do arquiteto e urbanista Gilson Paranhos, nos últimos quatro
anos (2015-2018) possui qualidade excepcional e rapidamente se transformou – PEDRO ROSSI é arquiteto e urbanista, presidente do Instituto de Arquitetos
em referência no Brasil e no exterior. do Brasil Departamento da Paraíba (IAB/PB) durante o triênio 2017-2019.
Doutor em Teoria e História da Arquitetura pela Escuela Técnica Superior
A equipe conseguiu, nesse curto intervalo, implementar a mais relevante de Arquitectura de Barcelona (ETSAB), Coordenador do Projeto Br Cidades.
experiência brasileira na implantação de uma política de Assistência Técnica
pública e gratuita em habitação de interesse social. Apesar de a Assistência
Técnica ser garantida há dez anos pela Lei Federal nº 11.888/2008, poucas O trabalho realizado pela equipe da Codhab entre 2015 e 2018 com Assistência
são as iniciativas no Brasil para sua efetiva aplicação. Técnica em Arquitetura e Urbanismo é certamente uma das propostas mais
inovadoras em termos de administração pública e desenvolvimento urbano.
As ações da equipe melhoraram as condições de vida de centenas de famílias Ao capilarizar sua atuação nos territórios periféricos, conseguiu criar num
no Distrito Federal, como pude conferir pessoalmente em visita realizada curto espaço de tempo respostas mais sensíveis à multiplicidade de neces-
nas localidades. O reconhecimento dessas ações pode ser medido pela sidades habitacionais do Distrito Federal -- mas que são partilhadas pelas
imensa quantidade de palestras que Gilson realizou em todo o Brasil e no grandes cidades brasileiras. Suas ações combinam capacidade técnica no
exterior – inclusive no último Congresso Mundial de Arquitetos na Coréia enfrentamento das precariedades urbanas com um espírito de experimenta-
do Sul, em 2017 – e no interesse que diversos países em desenvolvimento, ção institucional e arquitetônica. Isso se verifica já nos modos de instalar os
especialmente da África Lusófona, têm tido em conhecer essa experiência, escritórios de acordo com as possibilidades de cada local, mas sobretudo
inclusive enviando estagiários para a Companhia. em encontrar saídas mais eficientes para a regularização fundiária e para as
melhorias habitacionais, além de projetos corajosos para a construção de
Além disso, não podemos esquecer as ações de regularização fundiária da unidades novas. Não menos importantes são as Ações Urbanas Comunitárias
Companhia, que entregou mais de 60 mil títulos, nem os 15 concursos pú- nas quais se aposta, por meio dos mutirões, no protagonismo e envolvimento
blicos de projeto de arquitetura e urbanismo promovidos pelo órgão desde o da sociedade com os espaços públicos.
início desta gestão, em 2015. Esse número é especialmente significativo se
considerarmos que, em todo no Brasil, em 2014, foram realizados apenas 16 – PAOLO COLOSSO estudou Arquitetura na École Nationale Supérieure
concursos públicos de projeto, e que em 2013 foram apenas oito concursos. d´Architecture de Grenoble (2004-2005), graduou-se em Arquitetura e
Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2006). Mestre e
– NIVALDO ANDRADE é presidente Nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil Doutor, trabalha com questões de produção social do espaço, Direito à Cidade,
(IAB) durante o triênio 2017-2019, Doutor em Arquitetura e Urbanismo e Professor Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo e Estética Contemporânea,
da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenador do Projeto Br Cidades.
AGRADECIMENTOS

Esta publicação foi elaborada de forma voluntária pelos membros que com- Da mesma forma, agradecemos ao Thiago de Andrade, que à frente da Secre-
põem sua organização e pelos autores, para que pudéssemos registrar e taria de Gestão do Território e Habitação (SEGETH) foi entusiasta de primeira
compartilhar um pouco das experiências que tivemos enquanto profissionais hora das iniciativas empenhadas pelas equipes que estavam nos fronts da
que estiveram comprometidos com a implementação de um programa de luta pelo direito à cidade e à arquitetura, assim como a equipe da Secretaria
Assistência Técnica Pública e Gratuita em Arquitetura, Urbanismo e Enge- que nos deu apoio em nosso trabalho nos Postos de Assistência Técnica.
nharia, o primeiro do DF após a Lei Federal nº 11.888/2008 entrar em vigor.
Como profissionais que ao longo de quatro anos trabalhamos em campo Ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF), por
em uma prática emergente, construindo processos e metodologias novos, disponibilizar o edital que fomentou a impressão desta publicação e nos fez
enfrentamos os desafios inerentes às práticas da arquitetura e do urbanismo colocar no papel uma ideia que a muito tempo estava em nossas mentes e
mais inclusivos e ainda pouco explorados em nosso campo profissional. corações inquietos.
Gostaríamos que as vivências, muito pessoais, nas quais pudemos aprender
enquanto fazíamos, não se perdessem com o fim desse ciclo. Enquanto Ao Instituto de Arquitetos do Brasil departamento do Distrito Federal (IAB/
organizadores, agradecemos a contribuição de todas e todos que fizeram DF), que acreditou na importância desta publicação e nos permitiu a parceria
esta publicação possível. para concorrer ao edital de fomento e poder finalmente registrar parte de
nossas experiências.
Em nome do arquiteto e urbanista Gilson Paranhos, agradecemos à toda
a equipe de funcionários, colaboradores, diretores e conselheiros da Com- Ao artista e comunicador social Chico Monteiro, pela paciência em revisar
panhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF), tantas páginas em pouquíssimo tempo e, por fim, não menos importante,
que acreditaram no potencial da Assistência Técnica e que deram o suporte agradecemos em nome da Dona Chica às comunidades que estiveram ao
necessário para que essas experiências e serviços fossem possíveis. Se nosso lado, no dia-a-dia, na luta. Vocês são o combustível que alimentam as
tentássemos citar cada um dos nomes, correríamos o risco de incorrer práticas daqueles que acreditam que as cidades são para todos e somente
em alguma injustiça e, por isso, em nome do presidente durante a gestão em parceria, unindo os saberes às técnicas, é que conseguimos transformar
2015/2018, expressamos nossa gratidão a aqueles que trabalharam de ma- o mundo profunda e definitivamente.
neira colaborativa, desenvolvendo a visão de que o trabalho de uma empresa
governamental deve ser feito junto à população.
Este livro foi impresso com fundos oriundos do Edital de Patrocínio do
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF)
(Chamada Pública nº 1/2019 - Processo CAU/DF nº 885240/2019)
e produzido com recursos dos organizadores e do Instituto de Arquitetos
do Brasil — Departamento do Distrito Federal, que edita esta publicação.

edição IAB DF dezembro de 2019

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