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br #644 / 2020

ISSN 0013-7707
00644

9 770013 770009

R$ 79,90

FUTURO 4.0 É SUSTENTÁVEL


O Eminente Engenheiro do Ano, Carlos Nobre
defende a “bioeconomia da floresta em pé”
Transformação digital Smart cities Futuro A era BIM
COMO A LEILÃO DE 5G VAI MODELO EM EDUARDO TOLEDO
TECNOLOGIA E FACILITAR AVANÇO BIM É ALIADO APONTA PARA A
PROCESSOS BIM DE CIDADES DA MEMÓRIA DA NECESSIDADE
VÃO REVOLUCIONAR INTELIGENTES CONSTRUÇÃO DE ACELERAR A
A CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL HISTÓRICA IMPLANTAÇÃO DO BIM
PARA A SABESP,
A FÓRMULA DA ÁGUA É

HIDROGÊNIO,
OXIGÊNIO E
RESPONSABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL.

sabesp.com.br
Desde a sua fundação,
a Sabesp traz em seu DNA
a responsabilidade social.
Levando água e saneamento
a milhões de pessoas,
causando assim
um impacto positivo,
gerando benefícios sociais
e ambientais.
É assim que atendemos
a 60% da população do estado
de São Paulo, em 375 municípios.
É assim que nos tornamos
a 3ª maior empresa
de saneamento do mundo.
Sumário

PALAVRA DO PRESIDENTE 06

PENSATA 10

CURTAS 14

POR DENTRO 82

BIBLIOTECA 87

ENGENHO E ARTE 88

ARTIGOS

38 Marcelo Nonato Santos e Darcio Mandarano


40 Ivan Metran Whately
49 Antonio Pedro Timoszczuk, Flavio Tonidandel e Lawrence Chung Koo
52 José Carlos de Souza Junior
54 Gilson Cereda e Paulo Bernardocki
62 Marcelo Nonato e Edna Frazillio
64 José Carlos Lino e Claudius Barbosa
80 Marcelo Knörich Zuffo

Editada desde 1942 CONSELHO EDITORIAL Design Gráfico: Guaraná Digital;


www.iengenharia.org.br Diretor: Rui Arruda Camargo Impressão e Acabamento: Gráfica Referência.
REVISTA ENGENHARIA – ISSN 0013-7707 Secretário: Aléssio Bento Borelli A edição 644 da REVISTA ENGENHARIA é
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Antonio Maria Claret Reis de Andrade; Aristeu CNPJ 02.172.775/0001-70 – administracao@
Zensaburo Nakamura; Eduardo Ferreira Lafraia; portalimprensa.com.br Cel. (55 11) 98204-0002
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Bartkevicius Cruz; Henrique José Boneti; Ivan A REVISTA ENGENHARIA é distribuída aos
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Costa; Jerônimo Cabral Pereira Fagundes Neto; e engenheiros brasileiros que desenvolvam
João Ernesto Figueiredo; José Eduardo W.A. atividades nas áreas de engenharia,
Cavalcanti; José Fiker; Marco Antônio Gullo; projeto, construção e infraestrutura.
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Neto; Miguel Prieto; Miracyr Assis Marcato; A REVISTA ENGENHARIA, o Instituto
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Neto; Ricardo Henrique de A. Imamura; artigos assinados. Eles não representam,
Roberto Bartolomeu Berkes; Roberto Kochen; necessariamente, o pensamento da revista.
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SETEMBRO – 2020 – ANO 78 – Nº 644
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Presidente: Eduardo Ferreira Lafraia Sinval de Itacarambi Leão Assinatura digital (4 números): R$ 119,90
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Edição de conteúdo: Larissa Féria;
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Reportagem: Antonio Leria; Dedorah Freire;
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ENTREVISTA 16

Para o coordenador do mestrado em Inovação


na Construção Civil da Poli, Eduardo Toledo,
desconhecimento dos clientes é uma das
principais barreiras para a implantação do BIM

LINHA DE FRENTE 24

Eminente Engenheiro do Ano de 2020, Carlos


Nobre é o idealizador do projeto Amazônia
4.0. que prevê explorar o potencial econômico
da floresta por meio da tecnologia

BIM PROCESSOS 32

Obrigatório nas obras públicas no Brasil


a partir de 2021, a metodologia BIM deve
revolucionar o setor construtivo brasileiro em
todos os seus aspectos e segmentos

BIM TECNOLOGIA 42

Leilão de 5G vai facilitar avanço de cidades


inteligentes no Brasil, mas indicadores precisam
ser adaptados para a realidade do Brasil

BIM PESSOAS 56

Cursos e treinamentos são fundamentais para a


A MISSÃO DO INSTITUTO DE ENGENHARIA qualificação de engenheiros e profissionais da área
atenderem ao uso crescente da metodologia BIM
Promover a engenharia em benefício do
desenvolvimento e da qualidade de vida
da sociedade. Realizar esta missão por
meio da promoção do desenvolvimento e
da valorização da engenharia; promoção BIM POLÍTICAS 67
da qualidade e credibilidade de seus
profissionais; prestação de serviços
Ministérios da Infraestrutura e da Defesa
à sociedade, por meio de fóruns e
debates sobre problemas de interesse dão os primeiros passos da adoção do BIM
público, análise e manifestação de pela administração pública federal
opiniões políticas, programas e ações
governamentais, elaboração e estudo
de pareceres técnicos e propostas para
o poder público e para a iniciativa
privada; e prestação de serviços para BIM FUTURO 74
seus associados. Suas ações estão
dirigidas para a comunidade em geral; Ao conseguir armazenar todos os mínimos
os orgãos públicos e organizações não
governamentais; as empresas do setor detalhes e acessá-los remotamente, modelo BIM
industrial, comercial e de serviços; as é aliado na preservação de prédios históricos
empresas de engenharia, engenheiros e os
profissionais de nível superior em geral;
os institutos de pesquisas e escolas de
engenharia; e os estudantes de engenharia.

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Palavra do presidente

CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
PARA UM NOVO
MUNDO
Eduardo Ferreira Lafraia

N
os últimos 104 anos, o Instituto de tem de olhar para a agricultura com foco na
Engenharia tem atuado com a mis- segurança alimentar do seu povo e do mun-
são de promover o desenvolvimento do. Para proteger esse status, precisamos
da engenharia, trilhando continua- retomar nossa posição de liderança no com-
mente o caminho do conhecimento. bate às mudanças climáticas e, simultanea-
Sempre fomos um polo de debates, de es- mente, desenvolver uma economia resiliente
tudos, de alerta às lideranças governamentais aos possíveis cenários de aumento da tempe-
sobre ações que poderiam melhorar a quali- ratura global.
dade de vida da sociedade brasileira. Segundo estudo recente da WRI, uma das
Durante décadas, acompanhamos vários principais entidades ambientalistas dos Es-
momentos do país: de adversidades, de de- tados Unidos, junto a pesquisadores bra-
safios, de conflitos regionais e globais, de re- sileiros da PUC-Rio, da escola de negócios
construção e de retomada de confiança. Coppe/UFRJ, do Instituto de Pesquisa Econô-
Hoje passamos por um momento de trans- mica Aplicada, além da Febraban e dos think
formação inimaginável, seja no consumo, tanks Conselho Empresarial Brasileiro para
seja nos hábitos sociais, seja nas formas de o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e
trabalhar. Essas transformações não estavam Climate Policy Initiative, para o Brasil, a gui-
em nosso escopo. nada verde traria oportunidades grandiosas.
Precisamos nos preparar para o futuro, es- Em números, significa crescer 15% mais do
tamos na quarta revolução industrial e a ino- que o previsto até 2030, o que agregaria 2,8
vação tecnológica se faz essencial diante das trilhões de reais ao PIB em 10 anos. A rique-
mudanças climáticas, dos riscos ambientais za adicional abriria dois milhões de empre-
e do esgotamento das terras mais férteis e gos na economia — metade na indústria. Para
demais impactos. Cabe a nós usar o conheci- dimensionar os benefícios dessa retomada
mento para evitar o pior e para crescer. verde da economia brasileira, os pesquisa-
O Brasil, cuja extensão territorial ultrapassa dores mapearam dez mil tecnologias com
8,5 milhões de km², tem imensa diversidade emissão reduzida de carbono e as políticas
natural, além de ser a segunda maior potên- em curso para adotá-las no governo e na ini-
cia mundial na produção de alimentos. O país ciativa privada.

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Os desafios impostos pela bioeconomia Os desafios impostos pela
reforçam a necessidade científica em várias
áreas, reunindo engenheiros, físicos, químicos, bioeconomia reforçam a
biólogos, entre outros profissionais, e todos os
espectros das ciências sociais para transformar necessidade científica em várias
a biodiversidade em bem-estar social. áreas, reunindo engenheiros,
Como associado há muitos anos e hoje à
frente desta Casa, insisto a cada dia que pre- físicos, químicos, biólogos,
cisamos de um projeto para nossa nação, que
olhe para além da próxima eleição. Precisa-
entre outros profissionais,
mos de um projeto que possa unir a socie- e todos os espectros
dade em torno de um sonho de desenvolvi-
mento com mais liberdade e igualdade de das ciências sociais para
oportunidades. Uma proposta que alavanque
o crescimento com base em pontos fortes
transformar a biodiversidade
da nossa terra e do nosso povo. E em espe- em bem-estar social
cial um projeto de desenvolvimento que não
comprometa as oportunidades dos meus fi-
lhos e netos de realizarem seus sonhos nessa
mesma nação.
debate público. O Instituto de Engenharia é
Vejo todas essas características na iniciativa uma arena democrática para o compartilha-
que tem sido chamada de Amazônia 4.0, lide- mento de conhecimento, para o debate de
rada pelo cientista, pesquisador e professor ideias e a construção de soluções.
Carlos Nobre, nosso Eminente Engenheiro do
Nos últimos anos, com a participação de
Ano 2020, cujo desafio é transformar a floresta
centenas de pessoas em reuniões e debates,
em um ambiente de inovação e empreende-
desenvolvemos várias propostas temáticas
dorismo com foco na exploração de uma nova
para compor o que chamamos Projeto Bra-
“bioeconomia da floresta em pé”. Essa nova
sil. Foram tratados assuntos como o planeja-
economia estará sustentada na garimpagem,
mento e a implantação de uma infraestrutura
não de minerais do solo, mas de conhecimen-
logística ferroviária e hidroviária; o avanço
to da biodiversidade da Amazônia, o verda-
do país como produtor e exportador de ali-
deiro tesouro que temos em mãos.
mentos prontos e semiprontos, com o obje-
Hoje, os países mais independentes são tivo de agregar valor aos produtos brasilei-
aqueles que dominam a ciência, a tecnologia ros; sustentabilidade; mobilidade, petróleo
e a educação e se desenvolvem a partir delas. e gás; a universalização do saneamento no
No Brasil, com honrosas exceções, a ciência Brasil; entre outros.
não é vista como elemento central de desen-
Nesta edição da Revista Engenharia, abrimos
volvimento. Precisamos nos atentar à imensi-
espaço para mais uma visão de futuro, de con-
dão de riquezas naturais que nos cerca e ex-
fiança no conhecimento, na ciência, na pesqui-
plorá-las de forma inteligente e sustentável.
sa de ferramentas que podem ser usadas na
É intrínseco ao Instituto de Engenharia criar preservação, na igualdade social e na esperan-
espaços de reflexão e construção de projetos ça de um amanhã melhor para todos.
possíveis de país, de pontos de convergência
Boa leitura!
para a ações conjuntas, de unir pela discus-
são, pela oposição responsável, para a defe- Eduardo Lafraia
sa e o fomento da participação de todos no Presidente do Instituto de Engenharia

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Instituto de Engenharia 2020

PRESIDÊNCIA CURSOS DIRETORA REGIONAL HABIB GEORGES FERNANDO BERTOLDI


DIRETOR DE LONDRES/UK JARROUGE NETO CORREA
PRESIDENTE MARCOS ANTONIO GULLO ANA FLÁVIA CELINO JOÃO BAPTISTA FLÁVIA BARTKEVICIUS CRUZ
EDUARDO FERREIRA m.a.gullo@mgconsult.com.br ana.fcelino@gmail.com REBELLO MACHADO FRANCISCO ARMANDO
LAFRAIA JOSÉ EDUARDO FRASCÁ NOSCHANG CHRISTOVAM
presidencia@iengenharia.org.br VICE-DIRETORA DIRETOR REGIONAL DO POYARES JARDIM
RIO DE JANEIRO/RJ HABIB GEORGES
ENY KAORI UONO SANCHEZ JOSÉ ROBERTO JARROUGE NETO
PRIMEIRO DIRETOR eny@uonosanchez.com.br MIGUEL FERNÁNDEZ BERNASCONI
SECRETÁRIO Y FERNÁNDEZ ISMAEL JUNQUEIRA COSTA
mf2_47@yahoo.com.br
LAWRENCE CHUNG KOO IVAN METRAN WHATELY
IVAN METRAN WHATELY REVISTA ENGENHARIA
LUIZ FELIPE PROOST JERÔNIMO CABRAL P.
iwhately@terra.com.br DE SOUZA
DIRETOR RESPONSÁVEL VICE-PRESIDÊNCIA DE FAGUNDES NETO
SEGUNDO DIRETOR RUI ARRUDA CAMARGO ASSUNTOS INTERNOS MARCELO ROZENBERG JOÃO ANTONIO
SECRETÁRIO ruicamargo@uol.com.br MARCOS DE CARVALHO MACHADO NETO
VICE-PRESIDENTE GERIBELLO
ALFREDO VIEIRA DA CUNHA JOÃO BAPTISTA
SECRETÁRIO MIRIANA PEREIRA MARCOS MOLITERNO REBELLO MACHADO
eng.alfredo.v.cunha@uol.com.br ALESSIO BENTO BORELLI MARQUES JOÃO ERNESTO FIGUEIREDO
ODÉCIO BRAGA DE
alessio.bento@gmail.com miriana.marques@terra.com.br LOUREDO FILHO
ASSESSORIA DE JORGE PINHEIRO JOBIM
COMUNICAÇÃO DIRETOR DE ASSUNTOS RAFAEL TIMERMAN JOSÉ EDUARDO FRASCÁ
VICE-PRESIDÊNCIA DE
RELAÇÕES EXTERNAS UNIVERSITÁRIOS RICARDO HENRIQUE DE POYARES JARDIM
DIRETOR ARAÚJO IMAMURA
VITOR MARQUES JOSÉ GERALDO BAIÃO
GEORGE PAULUS VICE-PRESIDENTE ROBERTO BARTOLOMEU
vitinho1991@terra.com.br JOSÉ OLÍMPIO
george@salaviva.com.br RICARDO KENZO BERKES DIAS DE FARIA
MOTOMATSU DIRETOR DE ASSUNTOS RODRIGO DE FREITAS
JORNALISTA JOSÉ PEREIRA MONTEIRO
ricardo.kenzo@gmail.com ACADÊMICOS BORGES FONSECA
ISABEL CRISTINA DIANIN JOSÉ ROBERTO
DIRETOR DE RELAÇÕES ANGELO SEBASTIÃO ZANINI RUI ARRUDA CAMARGO BERNASCONI
site@iengenharia.org.br zanini.angelo@gmail.com
EXTERNAS TATIANA LOURENÇO JOSÉ ROBERTO CARDOSO
MIRACYR ASSIS MARCATO MACHADO
CÂMARA DE MEDIAÇÃO DIRETORIA DE KLEBER REZENDE CASTILHO
energo@terra.com.br VICENTE ABATE
E ARBITRAGEM ASSOCIAÇÕES DE LOURIVAL JESUS ABRÃO
DO INSTITUTO DE EX-ALUNOS VITOR MARQUES LUIZ FELIPE PROOST
DIRETOR REGIONAL
ENGENHARIA DE SALVADOR/BA DE SOUZA
DIRETORA CONSELHO CONSULTIVO LUIZ FERNANDO PORTELLA
DIRETOR CARLOS ALBERTO
STAGLIORIO FLÁVIA BARTKEVICIUS CRUZ
SUPERINTENDENTE PRESIDENTE MAÇAHICO TISAKA
flavia.b.cruz@gmail.com
ANDRÉ STEAGALL stagliorio@stagliorio.com.br ANDRE STEAGALL MARCELO ROZENBERG
GERTSENCHTEIN
GERTSENCHTEIN DIRETOR REGIONAL DE VICE-DIRETOR MARCOS MOLITERNO
camara@iengenharia.org.br BELO HORIZONTE/MG OSWALDO BOCCIA JUNIOR SECRETÁRIO MIRIANA PEREIRA
MARCELO GERALDO obocciajr@gmail.com PERMINIO ALVES M. MARQUES
VICE-PRESIDÊNCIA BATISTA AMORIM NETO NELSON AIDAR
DE ADMINISTRAÇÃO maguolobr@gmail.com DIRETORIA CULTURAL NEUZA MARIA TRAUZZOLA
ADOLFO BOLIVAR SAVELLI
E FINANÇAS
DIRETOR REGIONAL DIRETOR ALBERTO PEREIRA OZIRES SILVA
VICE-PRESIDENTE DE FORTALEZA/CE NESTOR SOARES RODRIGUES PAULO FERREIRA
ARLINDO VIRGÍLIO LAWTON PARENTE TUPINAMBÁ ALFREDO MÁRIO SAVELLI PAULO SETUBAL NETO
MACHADO MOURA DE OLIVEIRA nstupinamba@uol.com.br ALFREDO PETRILLI JUNIOR PEDRO MÁRCIO GOMES
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DIRETOR FINANCEIRO ANDRÉ S. GERTSENCHTEIN
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TÉCNICAS AMORIM NETO
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DE CURITIBA/PR SOKAN KATO YOUNG PLÍNIO OSWALDO
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ANTONIO GALVÃO ASSMANN
BERNARDO LEVINO A. DE ABREU
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DIRETOR FINANCEIRO CONSELHO DELIBERATIVO ANTONIO HÉLIO
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FERNANDO BERTOLDI DIRETOR REGIONAL DE C. LA TERZA
CORRÊA PRESIDENTE ARLINDO VIRGILIO
WASHINGTON DC/USA EDUARDO FERREIRA RICARDO KENZO
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LAFRAIA MOTOMATSU
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ABRAM BELK DIRETOR REGIONAL DE
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FELIPE SALGADO ALFREDO MÁRIO SAVELLI RUI ARRUDA CAMARGO
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ADRIANO SILVÉRIO TOMAZ EDUARDO
DIRETOR REGIONAL ANTONIO MARIA CLARET CLÁUDIO A. DALL’ACQUA
superintendente@iengenharia.org.br REIS DE ANDRADE N. CARVALHO
DE LISBOA/PT CLÁUDIO ARISA
JOSÉ ANTONIO FÉLIX FILHO BEATRIZ VIDIGAL XAVIER TUNEHIRO UONO
ADMINISTRATIVO CLORIVAL RIBEIRO
FINANCEIRO jfelixfilho@yahoo.com DA SILVEIRA ROSA VICENTE ABATE
DARIO RAIS LOPES
SUELI CABALLERIA CARLOS COTTA RODRIGUES VICTOR BRECHERET FILHO
DIRETOR REGIONAL DIRCEU CARLOS DA SILVA
MESQUITA CARLOS PEREIRA DE
DE BELÉM/PA MAGALHAES NETO EDEMAR DE SOUZA CONSELHO FISCAL
financeiro@iengenharia.org.br NELCI DE JESUS B. AMORIM
CLÁUDIO AMAURY ALFREDO PETRILLI JUNIOR
MARGALHO DALL’ACQUA EDGARDO PEREIRA
VICE-PRESIDÊNCIA DE MARCELLO KUTNER
nelci.margalho@uol.com.br FERNANDO BRECHERET MENDES JR.
ATIVIDADES TÉCNICAS NELSON NEWTON FERRAZ
DIRETOR REGIONAL FLÁVIA BARTKEVICIUS CRUZ EDSON JOSÉ MACHADO
VICE-PRESIDENTE DE BRASÍLIA/DF FRANCISCO ARMANDO EDUARDO FERREIRA SUPLENTES DO
JERÔNIMO CABRAL WELLINGTON DE NOSCHANG CHRISTOVAM LAFRAIA CONSELHO FISCAL
PEREIRA FAGUNDES NETO AQUINO SARMENTO GEORGE PAULUS ENIO GAZOLLA DA COSTA DÉBORA SANCHES
jcmijs@terra.com.br wellingtonsarmento@gmail.com PEREIRA DIAS ETTORE JOSÉ BOTTURA DE A. MARINELLO

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Divisões técnicas

PRESIDENTE – EDUARDO FERREIRA LAFRAIA

VICE-PRESIDENTE DE ATIVIDADES TÉCNICAS – JERÔNIMO CABRAL PEREIRA FAGUNDES NETO

DEPTO. DE ENGENHARIA DE ENERGIA E TELECOMUNICAÇÕES DEPTO. DE ENGENHARIA DO HABITAT E INFRAESTRUTURA


Diretor.: Aléssio Bento Borelli Diretor: Roberto Kochen
Divisão de Geração e Transmissão Vice-diretor: Habib Georges Jarrouge Neto
Coord.: Antonio Lambertini
Divisão de Construção Sustentável e Divisão de Estruturas
Vice-coord.: Luiz Sergio Mendonça Coelho Assessor Especial.: Natan
Meio Ambiente
Divisão de Distribuição de Energia Coord.: José Manoel de Oliveira Reis Jacobsohn Levental
Coord.: Carlos Costa Vice-Coord.: Daniele de Coord.: Rafael Timerman
Divisão de Telecomunicações A. Villarim Lima Vice-Coord.: Douglas Couto
Coord.: Flavia Bartkevicius Cruz Secretário: Henrique Dias de Faria Secretária: Ludmily Silva Pereira
Vice-Coord.: Maria Vanessa Sobral Nonato Divisão de Engenharia Sanitária, Divisão de Geotecnia e Mecânica dos
Secretário: Ogelson Dias de Fonseca Recursos Hídricos e Biotecnologia Solos e Fundações
Coord.: Paula Fernanda Morais Coord.: Francisco José
Divisão de Instalações Elétricas Andrade Rodrigues
Coord.: Paulo Barreto Pereira de Oliveira
Vice-coord: Felipe Geribello F. Cabral
Secretário: Oswaldo Boccia Junior Divisão de Acústica
Secretário: Mario Ernesto Humberg Coord.: Schaia Akkerman
Divisão de Controle e Automação
Coord.: Aurea Lúcia Vendramin Georgi Divisão de Segurança no Trabalho Vice-Coord.: Maria Luiza
Coord.: Jefferson D. Teixeira da Costa Rocha Belderrain
Vice-Coord.: Gabriela Caetano dos Santos
Vice-Coord.: Theophilo Secretário: Ricardo Santos Siqueira
DEPTO. DE ENGENHARIA DE ATIVIDADES INDUSTRIAIS E DE SERVIÇOS Darcio Guimarães

DEPTO. DE ENGENHARIA QUÍMICA


Divisão de Manutenção
Divisão de Equipamentos para Transporte de Carga e Urbano de Passageiros Vice-Dir.: Maurílio Luiz Vieira Bergamini
Divisão de Materiais
Coord.: Cláudio Ricardo Hehl Forjaz
DEPTO. DE ENGENHARIA DE MOBILIDADE E LOGÍSTICA
Divisão de Equipamentos para o Agronegócio
Diretor: Ivan Metran Whately
Divisão de Equipamentos Automotores
Vice-Dir.: Neuton Sigueki Karassawa
Secretário: Fernando José de Campos Marsiglia

DEPTO. DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Divisão de Transportes Divisão de Logística


Metropolitanos Coord.: José Wagner Leite Ferreira
Diretora: Débora Sanches de A. Marinello
Coord.: Flaminio Fichmann Divisão de Transporte Ativo
Vice-Dir.: Constanzio Facci Ticeu
Divisão de Trânsito Coord.: Reginaldo Assis de Paiva
Divisão de Gerenciamento de Divisão de Patologias das Coord.: Maria da Penha P. Nobre Vice-Coord.: José Ignácio
Empreendimentos Construções Vice-Coord.: Vanderlei Coffani Sequeira de Almeida
Coord.: Sérgio Luiz Azevedo Rezende Coord.: Stella Marys Della Flora
Divisão de Avaliações e Perícias Vice-Coord.: Odair dos DEPTO. DE ENGENHARIA DE AGRIMENSURA E GEOMÁTICA
Coord.: Ricardo Henrique Santos Vinagreiro
de Araujo Imamura Diretor.: Miguel Prieto
Divisão de Informática Vice-Dir.: Aristeu Zensaburo Nakamura
Vice-Coord.: Miriana Pereira Marques Coord.: Marcelo Nonato Santos Secretário.: Osiris Monteiro Blanco
Secretário.: Alfredo Vieira da Cunha
Secretária: Miriana Pereira Marques
Divisão de Qualidade e Divisão de Cadastro Urbano e Rural
Divisão de Engenharia de Incêndio
Produtividade Coord.: Fátima Alves Tostes
Coord.: Carlos Cotta Rodrigues
Coord.: Everardo Ruiz Claudio Divisão de Sistemas de Informação Geográfica
Vice-Coord.: José Félix Drigo
Vice-Coord.: Tatiana Coord.: Aristeu Zensaburo Nakamura
Lourenço Machado Secretária.: Ana Paula de
Camargo Kinoshita
Divisão da Planejamento e DEPTO. DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS EXATAS
Engenharia Econômica Divisão de Compliance
Divisão de Sistemas e Inovação
Vice-Coord.: Rogério Carvalho Coord.: Milene Costa Facioli
Diretora: Flavia Bartkevicius Cruz
Ribeiro Nogueira Vice-coord.: Ricardo
Divisão de Sistemas e Inovação
Secretária: Adriana Araujo Henrique de A. Imamura
Coord.: Ricardo Luiz Martinez
Secretário: Wilson Abramovick Costa

DEPTO. DE ENGENHARIA DE AGRONEGÓCIOS


DEPTO. DE ARQUITETURA
Diretor.: Henrique José Boneti
Diretora: Ana Paula Capuano Vice-Dir.: Marcio Lacerda Gonçalves
Secretário: Olavo Suniga Secretário.: Paulo Bonini Boneti
Divisão de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural da Engenharia
Coord.: Fernando Bertoldi Corrêa DIRETORIA DE CURSOS
Vice-coord: Gilberto Ferraz Kfouri Diretor.: Marco Antonio Gulllo
Vice-Dir.: Eny Kaori Uono Sanchez

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 9


Pensata

A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
NA NOSSA ENGENHARIA

N
• Por José Carlos Lino

ão tenho memória de, durante a minha era o correio semanal, ou o único jornal, mui-
meninice, ter tido acesso a qualquer tas vezes do dia ou da semana anterior, dado
gadget digital. Recordo-me com sau- que tardava 24h ou mais para atravessar o
dades das férias de verão ou dos acam- país, hoje em dia essa mesma informação sur-
pamentos de escoteiros em que o raro artefato ge-nos na ponta dos dedos, instantaneamen-
que necessitava de pilhas seria possivelmente te, e não apenas sobre o que se passa no nos-
uma velha lanterna que nos indicava o caminho so bairro ou cidade, mas sobre todo o país ou
de regresso, já à noitinha, pelo meio do pinhal sobre qualquer ponto desta aldeia global que
das aventuras. Mais tarde, durante a adolescên- se tornou o mundo. 
cia, um walkman de fitas cassetes, pelo qual cur- Esta interação digital, que passou, inclusive,
tíamos os últimos hits, é a minha única recorda- a dominar as comunicações e o modo de co-
ção. Todo o resto da minha vida era analógico. O municarmos, naturalmente afetou também os
despertador, o telefone, o televisor e até mesmo profissionais e as atividades profissionais, em
os automóveis e as motos eram os mecanismos particular os engenheiros e a engenharia. 
e a eletricidade que dominavam.
Nós, engenheiros, temos a felicidade de
Foi assim, com visível excitação, que, há qua- participar neste processo de transformação
se quatro décadas, pude assistir na primeira quer como atores, quer como espectadores.
fila aos adventos da eletrônica para todos e, Ou seja, enquanto usuários e usufrutuários da
em particular, à democratização do computa- tecnologia, mas também (e principalmente)
dor pessoal. Inicialmente, em incríveis expe- como desenvolvedores, inovadores e criado-
riências num ZX Spectrum e, depois, nos pri- res de soluções tecnológicas mais avançadas
meiros computadores com processador Intel e que têm servido para apoiar toda a socieda-
8086, com sistema operativo Microsoft DOS, de, sem qualquer exclusão, nas áreas da saú-
tela monocor e com uns estonteantes 20 Mb de, da justiça e da educação, no espaço cons-
de espaço em disco, iniciei a minha transfor- truído, nas infraestruturas, no agronegócio e
mação para o digital. E daí para cá o progresso por aí fora, uma lista sem fim à vista.
e a inovação nessa área nunca mais pararam.
Cabe-nos, então, uma dupla responsabili-
E uma criança que nasce hoje? Que desde o dade: definir os requisitos para responder às
berçário é imersa neste mundo do digital, do necessidades de evolução da sociedade e
virtual e da informação. Será que “vê” o mun- também o enquadramento ético, econômico,
do com olhos diferentes? político e social que estas inovações tecnoló-
Os olhos são idênticos. O próprio mundo é gicas acarretam, com análises de custo, risco,
idêntico. O que mudou radicalmente foi o nos- benefício, sustentabilidade que acabam por
so modo de interagir com ele. E principalmen- ser, hoje, preocupações globais.
te com a informação. Atualmente, até para o cidadão comum,  as
Enquanto há algumas gerações, em muitos menções à era 4.0 são constantes. Um olhar re-
casos, a única informação que nos chegava trospectivo à primeira revolução industrial, da

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máquina a vapor e do próprio conceito de fá- de falsos perfis, “bots” e aranhas que todos os
brica, empoderada pelas correias de transmis- dias vasculham a rede à procura de usuários
são, seguida pela segunda, com a eletricidade incautos ou inexperientes que facilmente os
e as linhas de produção em série, e depois pela confundem com reais, levando assim à obten-
terceira, já no século XX, em que se revelou a ção ilícita de informações e até a manipulação
era da informática, da passagem do analógico de opiniões.
para o digital, nos permite um distanciamento Mas essa virtualização, transição de foco da
do tema e, logo, uma observação isenta des- máquina física para a “rede”, é o caminho ine-
ta recentíssima revolução 4.0 de que tanto se xorável e inevitável para todos nós. Cada vez
fala hoje em dia e que está a ser catalogada ao mais grandes, os software houses abandonam
mesmo tempo que ainda se encontra a aconte- as soluções on premise (instaladas no com-
cer: a robotização, a proliferação da informação putador) para passarem para licenças online
para níveis de Big Data e a entrada em cena das (muitas vezes de “software as a service” e cada
inteligências artificiais, bem como a integração vez mais em contratos de aluguel), que permi-
da IoT (Internet das Coisas) para alimentar a in- tem que os terminais não tenham que ter o to-
formação que ajuda a criar os gêmeos digitais, tal poder de processamento e se foquem mais
as smart cities, os drones e as impressoras 3D, em facilitar a relação humano-máquina. 
apenas para referir algumas. Essa ligação homem-máquina, que é “pinta-
Um denominador comum para todas essas da” em filmes icônicos como “O exterminador
tecnologias que confluem para criar aquilo do futuro”, já está aí, no nosso dia a dia, com os
que agora se chama Indústria 4.0 é o online. humanos passando constantemente informa-
A virtualização e a possibilidade de estarmos ção à máquina por meio de braceletes, reló-
presentes e ativos onde quer que nos encon- gios, bandas de avaliação de ondas neuronais,
tremos. Esse foi um aspecto muito visível du- ou até dispositivos mais intrusivos implan-
rante esta pandemia, em que, por imposição, tados sob a pele, só para mencionar alguns.
foram adquiridos hábitos e alterados proce- Como em todo progresso da humanidade,
dimentos para permitir esta comunicação e o aquilo que a princípio é visto como um des-
trabalho a distância, que, de outro modo, le- vio à regra, como um perigo potencial ou até,
variam muito mais tempo a ser considerados. em tempos mais remotos, como uma obra do
Mas, com esta proliferação de reuniões online, demônio naturalmente (intuitivamente digo
videoconferências, webinars e lives, também eu) é adotado primeiramente por uma trupe
surgiram algumas confusões e banalizações. de pioneiros e experimentalistas, mas rapida-
Depois das primeiras décadas de implemen- mente inunda toda a sociedade num tsunami
tação da internet, em que a divulgação acon- de adaptação tecnológica.
tecia de “um para muitos”, passamos a uma É com esse enquadramento excitante, mas
nova fase que alguns apelidaram de web 2.0, simultaneamente complexo, que importa en-
na qual essa facilidade de criar, publicar e di- tender qual o papel da engenharia numa so-
vulgar passou a ser livre e universal, passan- ciedade moderna e como devemos preparar e
do o fluxo a ser de “muitos para muitos”. Ora, formar os nossos estudantes para serem capa-
enquanto escrutinar alguém era relativamente zes de cumprir com as suas responsabilidades
fácil, fazê-lo com muitos, com milhões, e gerir neste cenário. Necessariamente, o desenvolvi-
essa overdose de informação que recebemos mento de competências em T, generalistas para
todos os dias, sabendo onde procurar e como a compreensão do espectro de áreas que se
filtrar, separando o trigo do joio, o verdadeiro conjugam em volta da engenharia, mas depois
do fake, tornou-se um skill absolutamente es- especializando-se num assunto, é a tendência
sencial. Sem contar os esquemas de milhares do ensino hoje. Além disso, o desenvolvimento

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 11


Pensata

de competências sociais, de comunicação, de É com a missão impossível de procurar


marketing, de gestão, econômicas e de negó- abranger todo este universo, e tendo escolhi-
cio, não podem ser negligenciadas. Por último, do estas quatro dimensões, que se seleciona-
a forte adoção de tecnologias da informação, ram para este número testemunhos excepcio-
independentemente da área da engenharia, nais de profissionais de referência, expondo
é o pilar em que um engenheiro moderno se cases, experiências e mesmo opiniões con-
apoia para desenvolver sua função e respon- solidadas sobre um grande leque de assun-
der às necessidades de adaptação, evolução e tos:  BIM, cidades inteligentes, IOT, 5G, ensino
aprendizagem contínuas, obrigatórias ao longo e treinamento, digitalização e mapeamento
da sua vida profissional.   3D, inteligência artificial, realidade mista, nor-
Com este número da Revista Engenharia, o matização, gerenciamento de projetos e ou-
Instituto de Engenharia dá corpo à sua missão tras aplicações. Esperemos que aproveitem.
de divulgar e difundir o conhecimento e os ca­ Concluindo: e o futuro? O que nos reserva
ses de qualidade a propósito desta temática enquanto coletivo e indivíduos?
complexa da transformação digital e das tecno- O futuro nos reserva mais progresso, mais
logias da informação. E falo com propriedade evolução e mais mudança. 
de uma instituição que incumbe aliar a tradi- O Brasil, pela sua estrutura demográfica,
ção à inovação e à estratégia, que, por outras pela apetência cultural para a integração tec-
palavras, se resumem ao passado, presente e nológica, pelas estruturas do panorama cien-
futuro. Muitos são os jovens engenheiros que, tífico e de ensino que já estão disseminadas
apesar de hábeis em manipular as novas tecno- pelo país, dada a dimensão continental do
logias, lhes falta a experiência de profissionais país e o seu peso populacional, se devidamen-
mestres conhecedores da prática, que, por sua te enquadrados por politicas e estratégias de
vez, devem estar integrados a sistemas de ensi- incentivo e promoção da transformação digi-
no e formação que estejam alinhados nos mo- tal, tem uma oportunidade de concretizar e
dernos conceitos e modos de ensinar e com o colher os frutos desse progresso.
apoio a estratégias de planejamento que visem
Vários serão os desafios, desde a neces-
a metas estruturantes do setor. Falamos assim
sidade de disseminarmos uma cultura de
de tecnologias, processos, pessoas e políticas.
qualidade até as importantes discussões éti-
A tecnologia em si é muito importante e a cas sobre as responsabilidades e papéis do
compreensão científica dos detalhes necessá- ser humano e da máquina, mas nada a que
rios para a máquina funcionar são essenciais, os profissionais de engenharia não estejam
mas pouco farão se não impactarmos igual- já habituados, de buscar múltiplas soluções
mente os processos (alterando e adaptando com escassos recursos e de o fazerem com
os modelos tradicionais para integrarem estas assertividade e foco.
evoluções) bem como as pessoas (dando-lhes
As nossas habilidades e competências de
esclarecimento e alinhamento do rumo da
engenharia vão mudar, mas o legado e a res-
mudança e formação e treinamento no desen- ponsabilidade de construir o futuro, em prol
volvimento de novas habilidades e competên- da sociedade e proporcionar-lhe bem-estar e
cias). Por último, mas talvez o mais impactante, evolução constantes, quais guardiões do de-
são as políticas, quer as empresariais, quer as senvolvimento tecnológico, enquanto missão
de órgãos públicos, que, entendendo a impor- do engenheiro, essas continuarão inalteráveis.
tância para toda a sociedade de fazermos mais
e melhor, com maior controle e aproveitando
todo o potencial da tecnologia, o regulam aju- Com amizade,
dando a sua implementação e adoção. José Carlos Lino

12 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Curtas

Engenheiros do MIT criam átomos gigantes Descoberta nova


para aprimorar a computação quântica classe de materiais
Cientistas do Instituto de Tecno- produzir computadores quânticos semicondutores
logia de Massachusetts (MIT) cons- mais práticos. estabilizados
truíram átomos gigantes artificiais “Isso nos permite investigar experi-
e supercondutores, acoplando-os a mentalmente um novo regime da física por entropia
vários átomos comuns. Mais fáceis de difícil acesso com átomos naturais”,
Pesquisadores do Departamento de
de controlar e difíceis de serem des- disse o engenheiro do MIT, Bharath
Ciência e Engenharia de Materiais da
truídos durante operações normais, Kannan, em comunicado. A pesquisa
Universidade de Michigan utilizaram
esse tipo de átomo pode ajudar a foi publicada na revista Nature.
a entropia para estabilizar uma nova
classe de materiais semicondutores,
com base nas ligas de calcogenetos de
alta entropia GeSnPbSSeTe.
Liberados Essa descoberta abre caminho para
Portal do Gov Brasileiro

R$ 114 milhões a adoção mais ampla de semicondu-


tores estabilizados com entropia em
para obras de aplicações funcionais.
saneamento básico O artigo “Ligas semicondutoras de
calcogenetos de alta entropia com esta-
O  Ministério do Desenvolvimento bilização ambiônica de entropia e dopa-
Regional (MDR) empenhou R$ 114,2 gem ambipolar” foi publicado recente-
milhões para obras de abastecimento, mente na revista Química de Materiais.
esgotamento sanitário, manejo de de água e esgoto. Com três obras, Sergi-
águas pluviais, além de saneamento pe receberá R$ 12,6 milhões – o maior
Estrutura cristalina de

Universidade de Michigan
integrado em 18 estados. valor será para as obras de ampliação
GeSnPbSSeTe, uma
A maior parte dos recursos aten- do sistema de esgotamento sanitário na liga de calcogeneto
derá localidades na região Nordeste zona norte de Aracaju (R$ 9,6 milhões). estabilizada
(R$ 58,3 milhões), que tem os índices Em julho, o governo federal sancionou o por entropia
mais baixos de cobertura dos serviços novo Marco Legal do Saneamento. semicondutora

Embraer anuncia o Phenom 300MED,


Embraer

solução para transporte aeromédico


A Embraer anunciou o lançamen- diversas necessidades dos profissio-
to do Phenom 300MED, solução de nais de saúde e dos pacientes, o Phe-
transporte aeromédico (MEDEVAC) nom 300MED contará com uma ou
exclusiva para aeronaves da série duas macas, além da capacidade de
Phenom 300. A solução também está transportar uma incubadora, equipa-
disponível para modificações de jatos mentos médicos adicionais e acaba- nho incomparáveis, está posicionada
em operação, por meio de uma parce- mentos de nível hospitalar. de maneira única para as operações
ria com a Umlaut e a Aerolite. “A plataforma Phenom 300, o jato de transporte aeromédico”, disse Mi-
Projetado para ser rápido e facil- leve mais bem-sucedido do mundo, chael Amalfitano,  presidente e CEO
mente configurado para atender às com tecnologia, conforto e desempe- da Embraer Aviação Executiva.

14 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Minas Gerais vai Cientistas criam protótipo de
ganhar complexo de máscara hospitalar reutilizável 
energia renovável
Cientistas da Universidade de Har-

Divulgação MIT
Com investimento de R$ 3 bilhões, vard e do Instituto de Tecnologia de
a cidade de Janaúba (MG) deve rece- Massachusetts (MIT) desenvolveram
ber nos próximos anos um complexo um protótipo de máscara hospitalar
solar que ocupará uma área de mais com um compartimento para colocar
de 3 mil hectares. O projeto faz par- filtros de polipropileno, que é descar-
te de uma parceria entre a empresa tado após o uso. O restante pode ser
Brookfield Energia Renovável com a esterilizado e reutilizado. 
multinacional espanhola Solatio, que Feita principalmente de silicone,
permitirá a construção de 20 parques a máscara foi projetada com uma
solares no estado. modelagem 3D para simular a defor-
As obras de construção estão previs- mação do design de silicone quando
tas para iniciar ainda em 2020 e esti- usada em diferentes formatos e tama-
ma-se que a conclusão seja em 2022 nhos de rosto.
ou 2023. A capacidade instalada do O objetivo é criar uma alternativa ao
complexo é de 1,2 GWp por parte da modelo N95, usado por profissionais
Brookfield Energia Renovável. da saúde na linha de frente da pande- e você está jogando muito menos ma-
Quando prontos, os 20 parques de mia de covid-19, que deve ser descar- terial do que uma máscara N95”, diz
energia solar devem abastecer apro- tado no lixo hospitalar após cada uso. Adam Wentworth, engenheiro de pes-
ximadamente 1,2 milhão de residên- “Com esse design, os filtros podem quisa do Hospital Brigham and Women
cias em Minas Gerais. ser inseridos e descartados após o uso, e afiliado de pesquisa no Instituto Koch.

Brasileiros criam fibra ótica com gel de algas marinhas

Uma pesquisa liderada pelos pro- ágar, gelatina natural extraída de al-
Scientific Reports

fessores Eric Fujiwara (Faculdade de gas marinhas.


Engenharia Mecânica, Unicamp) e Comestível, biocompatível e bio-
Cristiano Cordeiro (Instituto de Física degradável, o dispositivo poderá ser
Gleb Wataghin, Unicamp), em cola- usado in vivo para imageamento de
boração com o professor Hiromasa estruturas corporais, entrega localiza-
Oku (Universidade de Gunma, Japão), da de medicamentos e detecção de mi-
desenvolveu uma fibra óptica feita de crorganismos em órgãos específicos.

Confira os cursos, palestras e eventos do IE


e faça sua inscrição pelo site
www.institutodeengenharia.org.br/site/agenda

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 15


Entrevista

“O BIM TEM

Fotos: arquivo pessoal


AVANÇADO
BASTANTE NO
BRASIL, MAS NÃO
NA VELOCIDADE
DESEJADA”

Eduardo Toledo Santos, do Departamento de Engenharia de


• Por Leandro Haberli Construção Civil da Escola Politécnica da USP

S
empre que um desavisado ou leigo no lista no desenvolvimento da Estratégia Federal
assunto comete o deslize de reduzir o de Disseminação do BIM (BIM-BR), projeto go-
conceito de BIM (sigla em inglês para vernamental que visa acelerar a implementa-
Modelagem da Informação da Constru- ção da tecnologia no país.
ção, ou Building Information Modelling) a um Desse ponto de observação privilegiado, ele
software o professor Eduardo Toledo Santos, analisa na entrevista a seguir os principais en-
do Departamento de Engenharia de Constru- traves ao crescimento do BIM no país, que vão
ção Civil da Escola Politécnica da USP, protesta. desde uma baixa penetração do tema no currí-
Responsável por coordenar na Poli o mestra- culo dos cursos de engenharia até uma supos-
do profissional em Inovação na Construção Ci- ta aversão à inovação por parte dos tomadores
vil, Toledo atua há mais de 15 anos na temática de decisão da indústria de construção.
do BIM e faz questão de esclarecer que a tec- “É uma área difícil, muito conservadora”, la-
nologia, utilizada progressivamente por profis- menta o especialista, lembrando que muitos
sionais de arquitetura e construção, especial- empresários do setor relutam em investir na
mente para a gestão de projetos, é mais do adoção do BIM, mas não em pagar altos custos
que um software, é um conjunto de processos. decorrentes de erros de projetos, paralisações,
Os processos BIM, ele sintetiza, ajudam a atrasos e retrabalhos.
melhorar a qualidade dos projetos de constru- A despeito desses gargalos, Toledo, que tam-
ção, otimizando a comunicação entre os pro- bém é coordenador de um grupo de trabalho
fissionais, reduzindo prazos, permitindo que sobre BIM na ABNT (Associação Brasileira de
os gestores prevejam potenciais problemas Normas Técnicas), além de membro-fundador
nos canteiros e evitando futuros retrabalhos e do BIM Fórum Brasil e da BIM Excellence Initia-
desperdício de recursos. tive – onde, entre outras atribuições, é editor
Engenheiro eletricista, mestre e doutor em de Língua Portuguesa do BIM Dictionary –, sa-
engenharia, Toledo participou como especia- lienta que os casos de sucesso são “gritantes”

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e que as empresas que adotaram BIM não vol-
tam atrás. "As principais barreiras se
Na entrevista a seguir, o especialista fornece referem ao desconhecimento
um panorama da temática BIM, abordando as-
pectos introdutórios e tendências e inovações dos clientes em relação à
do processo que tende a substituir progressi-
vamente o CAD nas aplicações de construção
metodologia, que os leva
e revolucionar a relação da engenharia civil a não demandar BIM em
com a tecnologia da informação.
seus empreendimentos"
O BIM SERVE PARA TODOS OS PROJETOS DE
CONSTRUÇÃO?
Sim, desde projetos pequenos até, e prin-
cipalmente, os muito complexos, sejam de
edificações, sejam de diferentes tipos de in-
fraestrutura. Em projetos muito simples, a ne-
cessidade do BIM pode não se fazer notar tão QUAL A SUA AVALIAÇÃO SOBRE O BIM NO
claramente, mas a migração do mercado para BRASIL? QUAIS BARREIRAS AINDA DIFICUL-
o BIM fará com que não faça sentido a utiliza- TAM SEU CRESCIMENTO NO PAÍS?
ção do CAD nesses projetos, já que as equipes O BIM no Brasil tem avançado bastante, mas
estarão capacitadas e a infraestrutura instala- não na velocidade desejada. As principais bar-
da para execução dentro da nova metodolo- reiras se referem ao desconhecimento dos
gia. Há inúmeros cases que mostram ganhos clientes em relação à metodologia, que os
pela adoção do BIM, independentemente do leva a não demandar BIM em seus empreen-
tipo ou tamanho do projeto. dimentos. Adicionalmente, ainda há falta de
profissionais capacitados para a implantação
QUAIS AS VANTAGENS DA TRANSIÇÃO DO de BIM, alto custo de licenças de software, falta
de bibliotecas BIM de produtos nacionais e de
CAD PARA O BIM? ESSE PROCESSO É SIMPLES?
normas técnicas e protocolos BIM.
A vantagem obviamente é tirar proveito de
todos os benefícios que o BIM proporciona
(redução de erros e retrabalhos, economia de EM RELAÇÃO AO QUE SE VÊ LÁ FORA, ES-
custos, redução de prazos, melhoria na quali- TAMOS MUITO DEFASADOS? PODERIA CITAR
dade de projetos etc.). Não se trata de um pro- EXEMPLOS DE SUCESSO?
cesso simples, pois envolve muito mais do que Estamos defasados em relação ao nível de
a mera substituição de um software. O BIM é adoção de BIM nas empresas e nos projetos
um processo e, como tal, necessita ser implan- no país. No entanto, contamos com academia
tado na empresa e nos empreendimentos em competente nessa área, capaz de nos manter
que ela atua. Demanda um estudo sobre os atualizados em relação ao tema e algumas em-
processos atuais da empresa, buscando inserir presas desenvolvendo BIM em alto nível, equi-
os processos BIM nesse contexto e geralmente valente ao de boas empresas internacionais.
requer formalização de padrões e protocolos Temos destaque na América Latina, juntamen-
internos (classificações, procedimentos etc.). O te com o Chile. Os países com maior desen-
adequado planejamento é essencial para o su- volvimento na área são Reino Unido, Estados
cesso na adoção de BIM. Unidos, China, Holanda, Finlândia e Noruega.

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Entrevista

"O mercado certamente tem RESUMIDAMENTE, QUANDO E COMO A TEC-


NOLOGIA DA INFORMAÇÃO COMEÇOU A
empresas já capacitadas para SER USADA NA CONSTRUÇÃO CIVIL?
atender a essa demanda, Este tema é objeto de pesquisa há décadas.
Creio que a primeira aplicação da TI de grande
porém os agentes públicos impacto na construção foi o CAD, no início dos
ainda precisam de maior anos 1980. A TI se manifesta em inúmeras apli-
cações CAD (desenho, projeto), softwares de
preparação para contratar análise (estrutural, energética, elétrica, hidráu-
lica etc.), aplicações GIS (Sistemas de Infor-
adequadamente em BIM" mação Geográfica), software de planejamen-
to (Cronograma, PERT/CPM), sistemas GED
(Gerenciamento Eletrônico de Documentos),
software de orçamento (ERP etc.), planilhas
eletrônicas, bancos de dados, processamento
de texto, e-mail e aplicativos BIM. Também os
sistemas de automação e monitoramento são
COMO TEM SIDO A ADESÃO DAS EMPRESAS muito usados em edificações e infraestrutura.
À IMPLEMENTAÇÃO DOS PROCESSOS BIM Mais até do que o cimento, a informação é o
NO BRASIL? E QUAL TEM SIDO O PAPEL DO principal insumo para um empreendimento de
GOVERNO? construção. Portanto, hoje a TI é vital para o se-
Não temos pesquisas recentes confiáveis so- tor da construção, assim como é para muitos
bre o nível de adoção de BIM no Brasil, mas a outros, que dependem dela para obter desem-
percepção é de que ainda é baixa, abaixo de penho satisfatório para grande parte de suas
20%. O governo tem um papel essencial para atividades. Para contextualizar isso, organiza-
o aumento da adesão. Primeiro, como cliente, mos em agosto a 37th International CIB W78
pois é o maior contratante de obras. Segundo, Conference IT in Design, Construction and Ma-
como promotor para a disseminação do BIM, nagement. Trata-se de uma conferência anual,
incluindo aspectos como sensibilização de to- iniciada em 1984. Em 2020, foram na verdade
madores de decisão, capacitação, certificação, dois eventos em um só, organizados de forma
financiamento, legislação etc. virtual, em conjunto. São os dois eventos inter-
nacionais mais importantes dessa área.
EM ABRIL, O GOVERNO INSTITUIU A OBRIGA-
TORIEDADE DO USO DO BIM A PARTIR 2021. AS ALÉM DE BIM, QUE OUTRAS TECNOLOGIAS
EMPRESAS ESTÃO PREPARADAS PARA ISSO? FORAM ABORDADAS NAS APRESENTAÇÕES
Essa obrigatoriedade é apenas para a etapa E PALESTRAS?
de projeto e apenas para os projetos-piloto O evento contou com apresentações de tra-
(obras de arte especiais do DNIT, aeroportos balhos dos mais importantes pesquisadores
da SAC e edificações especificadas das Forças da área no mundo. BIM é sempre um tema
Armadas). O mercado certamente tem empre- importante. Mas outras tecnologias e concei-
sas já capacitadas para atender a essa deman- tos foram abordados, como Inteligência Ar-
da, porém os agentes públicos ainda precisam tificial (IA), blockchain e Internet das Coisas
de maior preparação para contratar adequa- (IoT). Tivemos três palestras de professores
damente em BIM, mesmo considerando-se internacionais. O Mani Golparvar-Fard, da
apenas a etapa de projeto. Universidade de Illinois (EUA), falou sobre IA

18 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


e gêmeos digitais, tema que tem relação com "Em se tratando de qualificação
a Indústria 4.0 e, portanto, com a Construção
4.0. Ele falou sobre um sistema que está em profissional na área, é muito
desenvolvimento para controle da produção
no canteiro usando visão computacional e IA. importante a inclusão de BIM
Já o professor Timo Hartmann, que é da Uni- no currículo das universidades"
versidade de Berlim, falou sobre um projeto
ligado a reformas e requalificação de edifí-
cios, mostrando como o BIM pode ser usado
para isso e quais são as informações impor-
tantes a considerar nesse processo. Por fim, voltado ao mercado de construtores e projetis-
o Bilal Succar, que é um pesquisador da Aus- tas. Portanto, trata de temas do dia a dia – como
trália, falou de uma iniciativa internacional, da a implementação de BIM e seus usos – tentan-
qual fazem parte muitos brasileiros, que é a do resolver essas dificuldades mais cotidianas
BIM Excellence Initiative. A ideia é facilitar a do mercado.
transformação digital, construindo uma base
de conhecimento. O Bilal Succar é famoso
pelo chamado BIM Framework, tema do dou- O QUE SERIA IMPORTANTE PARA O PAÍS DE-
torado dele, inclusive. Ele estruturou teorica- SATAR O NÓ DA FALTA DE QUALIFICAÇÃO
mente todo esse campo do BIM. Digamos as- EM BIM?
sim, organizou conceitualmente. Esse projeto Em se tratando de qualificação profissional
tem a ver com isso. Ele é baseado nessa es- na área, é muito importante a inclusão de BIM
trutura de módulos conceituais em expansão. no currículo das universidades. É preciso en-
Há várias ações dentro dessa iniciativa, uma tregar ao mercado um profissional que, mes-
das mais conhecidas é o BIM Dictionary, que mo em início de carreira, já tenha pelo menos
é um dicionário sobre terminologia BIM, com a parte conceitual do BIM bem fortalecida e ha-
quase 800 termos, em mais de 20 línguas di- bilidade básica com as ferramentas. Esse é um
ferentes. É um recurso interessante, que faz lado. O outro é focar nas centenas de milhares
parte dessa estrutura. Ele contou na sua pa- de engenheiros, arquitetos e técnicos que já
lestra como é toda essa organização. estão no mercado e precisam ser capacitados
para usar essa nova tecnologia.
ESSE TIPO DE EVENTO AJUDA A DIMINUIR O
GARGALO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIO- ONDE DEVERÍAMOS FOCAR MAIS: NA GRA-
NAL NA ÁREA? DUAÇÃO OU EM QUEM JÁ ESTÁ FORMADO?
Esse é um evento de conhecimento avança- Nas duas áreas. Se não, isso nunca acaba. É
do, que mostra o estado da arte do que está preciso trabalhar na graduação para que os
sendo feito no mundo nessa área. É um evento novos profissionais já entrem capacitados. Ou
para quem já tem conhecimento, quer inovar, eles vão demorar mais para começar a ser pro-
conhecer tendências. Esse não é um evento dutivos com essa técnica. Por outro lado, você
introdutório ao assunto. Nossa carência é um não pode desprezar os milhares de profissio-
pouco mais básica. Esse tipo de evento atende nais que já estão no mercado. Até porque um
a um público mais específico. Há outros even- aluno que entra agora [na universidade], até
tos, caso do Seminário BIM do SindusCon-SP, se tornar um profissional proficiente, leva mui-
que eu mesmo coordenei nove das dez últimas tos anos. Então, nesse momento, temos que
edições. Neste ano, por conta da pandemia, ele atuar nas duas frentes. Em regime, o profissio-
não foi realizado. Mas esse é um evento mais nal deve vir com as qualificações básicas. Mas

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 19


Entrevista

"Estar capacitado para o BIM


é hoje diferencial competitivo
para empresas e também
para os profissionais"

QUAL CONSELHO VOCÊ DARIA PARA EN-


sempre há as especializações e atualizações. GENHEIROS, ARQUITETOS E CONSTRU-
Depois que saem da universidade, os profis- TORES QUE NÃO ESTÃO FAMILIARIZADOS
sionais precisam se manter qualificados. Ape- COM O BIM?
sar de existir há bastante tempo, o BIM está Que tratem rápido de se familiarizar com o
em franco desenvolvimento. Todo ano surgem assunto, já que certamente fará parte da reali-
novos usos, novas ferramentas. A capacitação dade do ambiente de trabalho em um futuro
é uma coisa permanente. E deve haver em to- próximo. Estar capacitado para o BIM é hoje
dos os níveis, desde o aluno em formação até diferencial competitivo para empresas e tam-
quem está no mercado. bém para os profissionais. Em pouco tempo,
será requisito. Hoje já há muita informação
COMO SENSIBILIZAR PROFISSIONAIS QUE JÁ disponível sobre a temática, que permite a to-
dos se informarem e, posteriormente, procu-
ESTÃO NO MERCADO A RESPEITO DAS VAN-
rar qualificação mais específica ligada à sua
TAGENS DO BIM?
área de atuação.
Esses que estão no mercado, a gente divide
em vários grupos. Porque você tem, lá em cima,
os tomadores de decisão, que são os diretores, É POSSÍVEL MENSURAR, AINDA QUE DE FOR-
o presidente ou o dono do escritório. São eles MA IMPRECISA, O PERCENTUAL DE CURSOS
que decidem pela implantação do BIM. Esse DE GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA NO BRA-
grupo precisa ser sensibilizado a respeito dos SIL QUE JÁ OFERECEM AULAS SOBRE BIM?
benefícios e das vantagens do BIM, para a im- É bem difícil saber quantos são. O Brasil tem
portância de implantar BIM no seu escritório, certamente mais de uma centena de cursos
na sua construtora ou no seu empreendimento. de engenharia civil, outro tanto de arquitetura.
Abaixo disso, você tem um nível de gerência e Eu não conheço nenhum trabalho que efetiva-
coordenação, que precisam de habilidades di- mente tentou mapear isso. Até porque, muitas
ferentes, saber coordenar um projeto usando vezes, você tem BIM numa disciplina, no meio
BIM e contratar usando BIM. E num nível abai- de um currículo todo, fica difícil a gente detec-
xo, você tem o pessoal operacional, que são os tar. Talvez haja de 15 a 20 universidades com
arquitetos e engenheiros que estão fazendo BIM. Há níveis diferentes. Umas têm uma disci-
o projeto no dia a dia. Esses vão usar as ferra- plina apenas, outras estão um pouco mais de-
mentas de projeto mais diretamente. Então, é senvolvidas. Mas, claro, se tomarmos como re-
preciso capacitar em todos esses níveis. ferência o conjunto de cursos no Brasil, é uma

20 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


penetração ainda muito pequena e aquém do
necessário. "O que a inteligência artificial
faz é auxiliar enormemente.
PARA MUITOS PROFISSIONAIS, TEMAS COMO
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL GERAM TEMORES Porque existem muitas tarefas
DE DESEMPREGO. ESSE MEDO EXISTE NA no setor que são manuais
ÁREA DE CONSTRUÇÃO CIVIL? ELE TEM AL-
GUM FUNDAMENTO? e muito repetitivas"
Não, na nossa área eu não identifico esse
temor. Se você pegar a atividade de projetar,
que é a principal desenvolvida por arquitetos e
engenheiros, as ferramentas ainda estão muito do. Atividades que não agregam nenhuma ca-
longe de representar qualquer tipo de amea- pacidade criativa ou de análise mais sofisticada
ça, porque é uma atividade criativa. O que a realmente tendem a desaparecer.
inteligência artificial (IA) faz é auxiliar enorme-
mente porque existem muitas tarefas no setor NO PROCESSO DE SENSIBILIZAÇÃO DOS
que são manuais e muito repetitivas. Na área de
TOMADORES DE DECISÃO SOBRE OS BE-
projetos, é preciso gerar novas soluções e ana-
NEFÍCIOS DO BIM, COMO É ABORDADO
lisar essas soluções. Estamos falando em ge-
rar milhares de alternativas nos projetos ou no O TEMA CUSTOS? É POSSÍVEL DIZER QUE
aspecto de um projeto. Então, o computador A TECNOLOGIA TRAZ ECONOMIA PARA O
pode gerar isso automaticamente, fazer uma CANTEIRO?
análise e escolher, digamos, três alternativas. É difícil dizer que BIM economiza 10%, 20%,
Aí um humano vai escolher a melhor solução. 30%, 50%. Não dá para saber, porque isso varia
No caso que o professor Mani apresentou, a IA em função do tipo de obra, dos usos feitos do
está sendo aplicada na interpretação de ima- BIM naquela obra, da competência com que
gens de câmeras que estão no canteiro e na o BIM foi aplicado, da complexidade da obra.
análise do avanço da obra, comparando com É quase impossível avaliar isso, fora que seria
o modelo BIM previsto. A ideia também é, com necessário saber o custo sem BIM, informação
a IA, tentar perceber se há risco de atraso e se muito difícil de se prever. O que temos são es-
a obra está andando de acordo com o crono- timativas em cada caso. Por outro lado, é muito
grama. Ou seja, a IA vai prever qual o potencial comum, quando a gente vê um case de suces-
de atraso, de impacto no cronograma, de uma so de BIM, ouvir frases do tipo “o BIM se pagou
atividade qualquer detectada no canteiro. A IA na primeira obra”. Ou seja, todo o investimento
está, nesse caso, atuando realmente como um que a empresa fez em computadores, licença
apoio ao profissional, ajudando-o a prever im- de softwares, treinamento e consultoria numa
pactos futuros. Jamais substituindo. Então, em obra. Por quê? Porque o BIM ajudou a detec-
termos de substituição de profissionais, é muito tar algum problema, já na fase de projeto, que
pouco. Por enquanto, pelo menos. É claro que se chegasse no canteiro e fosse executado de
há coisas manuais. Antigamente existia o dese- forma errada, representaria um enorme custo
nhista detalhista. Se tivesse que fazer um pré- em função de retrabalho e prazo. Aí é que está
dio de 200 janelas, lá ia ele desenhar cada uma o grande problema. O retrabalho na constru-
delas. Um trabalho totalmente braçal, você não ção civil é uma coisa considerada normal. O
ia colocar alguém de muito alto nível ali. Isso que a gente nota é que alguns tomadores de
sumiu. Claramente. Hoje com um comando no decisão reclamam de pagar por uma licença
CAD você liquida o assunto. Não faz mais senti- de um software que custa, por exemplo, 10 mil

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 21


Entrevista

reais, mas não reclamam de refazer um trecho


da obra. Isso é muito fácil de acontecer. O pre-
juízo pode ser de 50 mil reais, 100 mil reais,
considerando material, mão de obra, equipe
que está locada, equipamentos caros. Quan-
to custa uma grua? Quanto custa um dia de
um canteiro de obras? Você paga tudo isso se
a obra atrasar um dia, dois dias, um mês. Isso
parece que está ok, faz parte da rotina, aconte-
ce. As empresas já estão preparadas para isso.
Agora, fazer um investimento antecipado para
evitar tudo isso é visto como uma despesa, e
não como efetivamente um investimento. Por
isso é que gostamos de falar em sensibilização
desse público.

É UMA QUESTÃO DE MUDANÇA DE MENTA-


LIDADE...
Exatamente, ainda não há essa visão clara.
O setor de construção, infelizmente, é muito Estratégia BIM-BR, é composto de represen-
pouco inovador. Ele é extremamente conser- tantes de seis ministérios e da Casa Civil, ten-
vador. É uma área difícil. Mas os exemplos são do sua composição sido reformulada devido
cada vez mais óbvios, gritantes. As empresas às mudanças ministeriais promovidas pela
que implementam o BIM, não voltam atrás. atual gestão federal. Com a fusão de ministé-
Elas percebem claramente as vantagens. O rios, o BIM perdeu um pouco do protagonis-
BIM está entrando forte agora na área de in- mo que tinha dentro do MDIC e a área atual-
fraestrutura, onde um erro de obra pode custar mente conta com poucos servidores para fazer
muito mais do que 50 mil reais. Se por um erro avançar a Estratégia BIM-BR. O Ministério da
de planejamento você parar uma obra dessas Infraestrutura tem aumentado suas ações na
um dia, o prejuízo pode chegar a um milhão de área, já que dois dos órgãos envolvidos nos
reais. Porque você tem toda uma equipe mobi- projetos-piloto (SAC e DNIT) pertencem a esta
lizada em canteiros enormes. Pense numa ro- pasta, e criou um Comitê BIM Infraestrutura
dovia, num túnel, numa barragem. Um canteiro para, internamente, desenvolver as atividades
desses custa milhões de reais por dia. Então, previstas na Estratégia. No entanto, são ações
mesmo que não seja necessário demolir algo internas, por enquanto. Da mesma forma, as
construído de forma errada, o prejuízo é muito Forças Armadas continuam seu processo de
grande. Por outro lado, não se gasta milhões implantação interno. As ações de cunho geral,
para fazer o BIM. É muito básico isso. que envolvem mais diretamente os objetivos
da Estratégia BIM-BR, por enquanto, vieram
DE QUE FORMA O COMITÊ GESTOR DA ES- apenas na forma do Chamamento nº 3/2019,
TRATÉGIA DO BIM ATUA E QUAL É A SUA IM- atualmente em execução pelo RECEPETI de
SC, o vencedor do certame. A exemplo desta
PORTÂNCIA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO
ação, a parceria com outras instituições, como
BIM NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO?
o recém-criado BIM Fórum Brasil, pode ser
O CG-BIM, responsável por conduzir as uma forma de viabilizar os nove objetivos da
ações de disseminação do BIM previstas na Estratégia BIM-BR pelo governo federal.

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"O que a gente nota é que
DE QUE FORMA A UTILIZAÇÃO DO BIM alguns tomadores de decisão
MUDA O ORGANOGRAMA DE UMA CONS-
TRUTORA OU ESCRITÓRIO DE ARQUITETU- reclamam de pagar por uma
RA, CONSIDERANDO AS ÁREAS DE PRO- licença de um software que
JETOS, PLANEJAMENTO, ORÇAMENTOS E
CANTEIRO? custa, por exemplo, 10 mil
Depende muito do tamanho da empresa. reais, mas não reclamam de
O BIM demanda novas funções, que não ne-
cessariamente implicam em novos cargos, refazer um trecho da obra"
alterando o organograma. Algumas dessas
novas funções incluem: gerente BIM (BIM Ma-
nager) – responsável pelas políticas e padrões
BIM para o escritório ou a construtora como
um todo; coordenador BIM – responsável por
implementar aquelas políticas e padrões em
empreendimentos específicos; modelador QUAL O PAPEL DA COMISSÃO ESPECIAL DE
de bibliotecas BIM – em escritórios ou cons- ESTUDOS SOBRE MODELAGEM DE INFOR-
trutoras grandes, profissional encarregado ex- MAÇÃO DA CONSTRUÇÃO, DA ASSOCIA-
clusivamente de modelar novos objetos BIM ÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS?
necessários para as atividades de modelagem Essa é a comissão da ABNT responsável por
da empresa; modelador de planejamento desenvolver todas as normas brasileiras liga-
4D – profissional que faz a ligação entre um das ao BIM. Seu papel é essencial, pois há a
modelo BIM e o cronograma do respectivo necessidade de padronização em vários as-
projeto para gerar um modelo BIM 4D usa- pectos ligados ao BIM. Destaco três normas
do para planejamento ou controle de obra; em que essa comissão tem trabalhado: i. nor-
modelador BIM de custos – profissional que ma do sistema de classificação da construção
ajusta ou cria um modelo usado para extração (NBR 15965); ii. norma de requisitos para ob-
de quantitativos para orçamentação ou cria jetos BIM; e iii. norma de processo BIM (ABNT
um modelo BIM 5D para orçamentação dire- NBR ISO 19650).
ta; modelador BIM de construção – profissio-
nal na construtora que gera um modelo BIM,
a partir do modelo BIM federado ao nível de QUAL É O FUTURO DO BIM?
projeto executivo, para ser usado para a etapa O futuro do BIM é tornar-se a metodologia
de construção. Esse modelo tipicamente tem padrão em obras de infraestrutura e de edifi-
elementos temporários do canteiro de obras cações de maior dimensão ou complexidade.
(gruas, andaimes, escoramentos, almoxarifa- Em relação a tecnologias, o BIM tem papel de
do, alojamento etc.) e alguns componentes destaque no setor da construção. Da mesma
que não são construídos completamente de forma que se fala na Industria 4.0 para o setor
uma única vez, são particionados; facilitador de manufatura, na Construção 4.0 o BIM vai
BIM – profissional que facilita o uso do modelo desempenhar parte do papel do gêmeo digi-
operando os aplicativos BIM para visualização tal (digital twin), que é essencial dentro desse
ou extração de informações sob demanda dos conceito. Assim, o modelo BIM terá um papel
usuários diretamente interessados, nem sem- ainda mais relevante e pervasivo do que já se
pre capacitados a operar os aplicativos. observa hoje.

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Linha de Frente

EMINENTE ENGENHEIRO
DO ANO APONTA PARA O
FUTURO BRASILEIRO 4.0
CARLOS NOBRE, PESQUISADOR E ENGENHEIRO ELETRÔNICO,
HOJE LIDERA O PROJETO AMAZÔNIA 4.0. DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTADO E SUSTENTÁVEL DA AMAZÔNIA

• Por Sinval de Itacarambi Leão e Larissa Féria

O
Brasil jamais recebeu um prêmio No período de 1993 a 2000, participou do
Nobel. Mas um grupo de 8 brasi- LBA, experimento de grande escala da bioat-
leiros membros do IPCC – Painel In- mosfera na Amazônia, considerado ainda
tergovernamental para a Mudança hoje a maior pesquisa científica feita sobre a
do Clima, órgão da ONU, foi agraciado com o Amazônia brasileira.
Prêmio Nobel da Paz de 2007. Entre eles, esta- Quando se aposentou, em 2016, tomou
va o engenheiro e cientista Carlos Nobre, 69 uma decisão para a vida: em lugar de lidar
anos, hoje lidera o projeto Amazônia 4.0. com os riscos do aquecimento global, iria
Nobre graduou-se em engenharia eletrôni- propor ações para o desenvolvimento sus-
ca pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica tentado e sustentável da Amazônia. Dessa
(ITA), em 1974. Em uma viagem de treinamen- decisão, nasceu o projeto Amazônia 4.0.,
to, dois anos antes, foi apresentado à Amazô- que, em síntese, significa o casamento da flo-
nia, quando foi capturado para o resto da vida resta em pé com a engenharia 4.0, atuando
pela magia da floresta, seus rios e seu povo.  em várias frentes: sistemas de políticas go-
vernamentais, financiamentos internacionais
Seu primeiro emprego como engenheiro foi e industrialização dos ativos da floresta em
no Instituto Nacional de Pesquisas do Amazo- pé. Sua plataforma baseia-se na implemen-
nas (INPA), em Manaus. Cuidava dos labora- tação em escala industrial de uma cadeia de
tórios do instituto e acompanhava as missões biofábricas que exponencia a exportação de
científicas dos mestrandos e pesquisadores produtos amazônicos com valor agregado
internacionais. Instalou a primeira torre de em vez de commodities in natura. Um exem-
observação em plena floresta. Foi enviado ao plo é a exportação do açaí in natura, que
Massachusetts Institute of Technology (MIT) rende ao Brasil, anualmente, US$ 1 bilhão,
para se doutorar em meteorologia. e da madeira, que, depois de industrializa-

24 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Fotos: arquivo pessoal

Em 2007, um grupo de oito brasileiros membros do painel Intergovernamental para a mudança do clima (IPCC), órgão da ONU, foi
agraciado com o prêmio Nobel da Paz. Entre eles estava o engenheiro e cientista Carlos Nobre, que hoje lidera o Projeto Amazônia 4.0.

dos lá fora, são importados por nós. Quanto de Manaus uma solução de desindustrializa-
o Brasil ganharia se esses produtos fossem ção paga por todos os brasileiros, sendo boa
industrializados aqui? Isso não é um sonho, a apenas para quem compra subsídios fiscais.
indústria 4.0 permite isso não só para o açaí Carlos Nobre aposta em uma universidade
e a madeira, mas para centenas de produtos que tenha a tecnologia como matriz educa-
da floresta. É só uma questão de volumes de cional. Propõe um novo ITA, fazendo trocadi-
produção, treinamento da mão de obra e o lho com a escola onde se formou e a embar-
acerto de políticas conexas para o desenvol- cação símbolo da região Norte, local onde
vimento da região. tecnologia rima com negócios.
Carlos Nobre tem consciência das dificul- Ele acredita que a implantação já financiada
dades da proposta de uma terceira via eco- para diversas biofábricas locais de açaí, casta-
nômica para a Amazônia brasileira. As dou- nha e óleos vegetais serão vitrines que conquis-
trinas conservacionistas, no Brasil, estão em
tarão investidores brasileiros e estrangeiros em
conflito com as desenvolvimentistas desde
escalas macroeconômicas significativas. Para
o pós-guerra. A doutrina desenvolvimentista
ele, a bancada ambientalista é uma aliada na
hoje é uma política de estado que pretende
formulação de uma política de estado. Junto
transformar a floresta em pasto e terras agri-
aos organismos mundiais de fomento já exis-
cultáveis para o agronegócio e em um gran-
de garimpo. Essa política não contempla o tem negociações objetivando o projeto.
avanço da ciência, que propõe a substituição Nessa entrevista dada à Revista Engenharia,
da energia fóssil por energia limpa para sal- na ocasião de sua nomeação como Eminente
var o clima do planeta. Também não estimula Engenheiro de 2020, Carlos Nobre defende
a industrialização com as tecnologias 4.0 na sua proposta e vive o desafio de sua vida.
Amazônia legal, o que torna a Zona Franca Cientista e engenheiro, construindo o futuro.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 25


Linha de Frente

"A ideia é mostrar que, com


Franca Verde. Hoje é praticamente inexisten-
as tecnologias modernas, te a indústria de transformação de produtos
de biodiversidade, há pouquíssima agrega-
podemos ter biofábrica ção de valor. E estamos estabelecendo algu-
mas parcerias com a Universidade do Estado
na própria Amazônia" do Amazonas (UEA) e já temos um exercício
marcado para o final do ano que vem com a
minibiofábrica de cupuaçu e cacau. Além dos
laboratórios, o projeto Amazônia 4.0. tem o
rainforest business school, que desenvolve
a formação para jovens empreendedores e
também está ancorado na UEA.
    
A ENGENHARIA 4.0 TEM SUA ORIGEM NO
CHÃO DA FÁBRICA. O QUE ELA TEM PARA QUAIS SÃO AS TECNOLOGIAS QUE SERÃO
SUSTENTAR O MODELO DE FINANCIAMENTO USADAS NOS LABORATÓRIOS E DE QUE
DA POLÍTICA DO SOLO DA FLORESTA EM PÉ? FORMA ELAS PODEM TRANSFORMAR A
FLORESTA EM UM CENTRO TECNOLÓGICO
O objetivo do projeto Amazônia 4.0. é le-
var biofábricas para a Amazônia, com as E DE EMPREENDEDORISMO SUSTENTÁVEL?
tecnologias e engenharia 4.0 Começamos a Não sou a pessoa responsável pela tecno-
construção da primeira minibiofábrica para logia para dar as respostas mais detalhadas,
capacitação de amazonidas, que fará o pro- mas a minibiofábrica de cupuaçu e cacau usa
cessamento de cupuaçu e cacau, de toda a tecnologias modernas que permitem moni-
cadeia produtiva, onde serão dados cursos torar e fazer um registro preciso de todo o
de capacitação em parceria com universi- processo. Os resíduos são processados e não
dades e organizações não governamentais geram poluição. A energia é renovável, com
(ONGs). Já escolhemos o primeiro grupo que painel solar. Dentro do laboratório tem uma
vai receber a capacitação, a Associação de área plenária de ensino, com aplicativos de
Mulheres Produtoras de Cupuaçu, da cidade simulação de negócios sustentável. Outro
de Belterra, no Pará. Elas trabalham em siste- elemento da indústria 4.0 é a rastreabilida-
ma agroflorestal e são produtoras de cupua- de para garantir que a produção não levou
çu, mas não têm industrialização. Toda a pro- ao desmatamento e que aquele produto é
dução dos produtos amazônicos é feita fora. certificado. Para comunidades que vivem
A ideia é mostrar que, com as tecnologias em áreas mais remotas, vamos desenvolver
modernas, podemos ter biofábrica na própria mecanismos de transportes, já pensando no
Amazônia. transporte do século 21. Um material com
alto valor agregado tem enorme potencial
de ser transportado por drone. A tecnologia
O PROJETO AMAZÔNIA 4.0. DIALOGA COM já existe e avançou tanto que existem drones
A ZONA FRANCA DE MANAUS? comerciais que levam 500 kg [de mercadoria].
Estamos em parceria com o Instituto do Es- Em poucos anos, os drones viajarão 200 km.
tado do Amazonas, o Idesan, que, junto com Isso é logística de transporte 4.0. O laborató-
a Superintendência da Zona Franca de Ma- rio vai capacitar as comunidades para come-
naus e o governo do Estado do Amazonas, çarem a usar as tecnologias 4.0, inclusive nas
está discutindo a criação da chamada Zona áreas mais remotas.

26 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


QUAL É O CUSTO PARA DESENVOLVER
ESSES LABORATÓRIOS E COMO VOCÊ
PRETENDE CONSEGUIR ESSES VALORES?
ATRAVÉS DE PARCERIAS? INVESTIMENTO
ESTRANGEIRO?
Essa fase inicial é aquela que no Brasil há
muitas dificuldades. Nos países desenvolvi-
dos, quem financia essa fase inicial, que não
tem retorno financeiro, é governo, através de
fundos públicos e, às vezes, em parcerias com
institutos privados. No Brasil existe uma falha
muito grande nesse tipo de financiamento,
que sempre foi pequeno, e agora é menor
ainda. Em 2020, estamos com 50% dos orça-
mentos de 2013, quando teve o pico. Os 25
bilhões de reais do FNDCT (Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnoló- produtos da floresta, e vamos começar o de-
gico), que é um recurso que sai do sistema senho do laboratório para açaí. São desenhos
produtivo, estão quase todos retidos. Isso é que custam entre 50 mil e 60 mil dólares. Para
um atraso enorme para o desenvolvimento construir, o laboratório de genômica é o mais
científico. Está indo para o orçamento. Ima- caro e custaria uns 500 mil dólares. O de cas-
gina ter 25 bilhões para financiar inovação tanha e de óleos gourmet estão na faixa de
na indústria brasileira? Lógico que o projeto 200 mil, 250 mil dólares. O de açaí, não sabe-
Amazônia 4.0. iria disputar esse recurso, mas mos ainda, mas não deve sair muito disso. É
poderia ter uma velocidade de implemen- uma pena que o Fundo Amazônia tenha sido
tação muito mais rápida. Atualmente, temos interrompido. No final de 2018, estávamos
conseguido recursos de filantropia. Conse- em conversa avançada [para conseguir entre
guimos recursos para a construção do pri- 10 e 15 milhões de dólares] para construir
meiro laboratório, de cupuaçu e cacau, na fai- de 10 a 12 laboratórios. Se não tivesse para-
xa de 200 mil dólares. Também conseguimos do, certamente, em 2020 teríamos o projeto,
recursos para desenhar outros laboratórios: mas, infelizmente, o Fundo foi interrompido
neste semestre, estamos concluindo o dese- no ano passado por iniciativa do ministro do
nho [do laboratório] da castanha. Já conse- Meio Ambiente, que se mostrou insatisfeito.
guimos e estamos concluindo, em outubro, o
desenho do laboratório de genômica, que vai A PARTICIPAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA
levar para a Amazônia a capacidade de pegar NO PIB BRASILEIRO PROVÉM DE MILHÕES
qualquer amostra de planta, animal e micror-
DE HECTARES QUE ESTÃO ENTREGUES À
ganismo e conhecer a nossa biodiversidade
PECUÁRIA E À PRODUÇÃO AGRÍCOLA, MAS
em nível de recursos genéticos e genômi-
cos – com a covid-19 ficou muito clara a ne- AINDA É MUITO BAIXA. A INDÚSTRIA 4.0
cessidade de aumentarmos os conhecimen- CONTEMPLA ESSE ASPECTO DE PARTICIPA-
tos sobre os riscos desses micro-rganismos. ÇÃO MAIOR NO PIB BRASILEIRO?
Também estamos terminando o desenho de O projeto é muito inicial e quer mostrar o
quatro laboratórios para óleos gourmet, com potencial. Para chegarmos ao ponto de ver

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 27


Linha de Frente

ros – adquiriu uma prioridade que eu não via


"Se as escolas de engenharia há muito tempo. O fator determinante que
no Brasil não têm no currículo, fez mudar totalmente o discurso político é a
pressão internacional. Se o Brasil fechar os
podem buscar rapidamente, mercados para o agronegócio por causa da
destruição da Amazônia, o prejuízo econômi-
porque a construção de um co é gigantesco. Pela primeira vez, estamos
vendo uma posição política de um presiden-
mundo sustentável depende te da Câmara sobre manter a floresta em pé.
muito dos engenheiros" Isso é muito significativo. Essa é a primeira
vez que esse discurso adquire uma densida-
de tão grande, e estamos vendo inúmeros
atores importantes do setor econômico – teve
a carta que os três bancos (Santander, Itaú e
Bradesco) publicaram. É a primeira vez na his-
como a industrialização na Amazônia poderia tória que os bancos tomam uma ação dessa
mudar o PIB brasileiro, é preciso ter estudos natureza porque eles perceberam o risco que
mais avançados. Fui convidado a coordenar é o Brasil virar párea global na proteção do
um estudo para olhar o potencial econômico meio ambiente. Não prejudica só o agrone-
da bioeconomia da floresta em pé. A ideia é gócio, mas tudo. Isso é um movimento global
montar um time de economistas muito bons, dos consumidores também.
exatamente para fazer os cálculos. Lógico que
boa parte do PIB da Amazônia vem da Zona
Franca de Manaus, só que temos que lembrar NO SÍNODO DA AMAZÔNIA, O SENHOR FOI
que esse modelo é subsidiado, na faixa de R$ UM DOS DESTAQUES. QUAL É A SUA OPI-
25 bilhões. Por não ter um setor próprio de NIÃO SOBRE O APOIO DAS RELIGIÕES?
desenvolvimento e inovação, é raríssimo um Eu participei do Sínodo como convidado
produto feito lá competir internacionalmente especial cientista, não tenho vinculação com
e, inclusive, está perdendo competitividade nenhuma igreja. O papa Francisco iniciou um
até com a indústria de São Paulo, mesmo pa- estudo do risco para a Amazônia e suas po-
gando todos os impostos. Esse modelo não pulações. No meu grupo de trabalho no Sí-
tem vida garantida para sempre. nodo tinha um pastor do Maranhão, da Igreja
Universal do Reino de Deus, e eu fiquei mui-
O FRONT DA GUERRA DO PROJETO AMA- to satisfeito em ver como ele tinha uma visão
ZÔNIA 4.0. DEVE SER A POLÍTICA. NÃO SEI corretíssima sobre a proteção das pessoas da
Amazônia e da floresta.
SE O SENHOR VIU UM ELOGIO FEITO PELO
PRESIDENTE DA CÂMARA [RODRIGO MAIA]
À AMAZÔNIA EM PÉ. ELE SE REFERIU AO QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE A COBERTURA
PODER DA BANCADA AMBIENTALISTA. O QUE A IMPRENSA – A GRANDE IMPRENSA, A
SENHOR TEM IDEIA DO PODER QUE ESSA REGIONAL DA AMAZÔNIA E AS EDITORIAS
BANCADA TEM NO LEGISLATIVO? ESPECIALIZADAS DE CIÊNCIA E MEIO AM-
Historicamente, essa bancada teve momen- BIENTE – DÁ AO PROJETO AMAZÔNIA 4.0.?
tos de maior poder político. O que eu vejo A atenção da imprensa tem sido crescen-
com muito otimismo é que, desde o ano pas- te e acho que vai ser muito maior quando o
sado, a grita internacional contra o desmata- projeto começar a implantar os primeiros ex-
mento – e também o sentimento dos brasilei- perimentos no campo no primeiro semestre

28 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


do ano que vem, na cidade de Belterra, fazer
a capacitação das mulheres produtoras de
cupuaçu. Nos últimos tempos, tem aumenta-
do a cobertura da imprensa. Ainda que seja
um conceito inicial, o Amazônia 4.0. começa
a ser um projeto visível porque mostra so-
luções e que a floresta em pé tem um valor
muito maior. Com a engenharia 4.0, esse va-
lor pode beneficiar muito o Brasil e os paí-
ses amazônicos. O projeto é um território de
soluções e faz um desafio para a engenharia
4.0. Precisa do apoio de todos, do setor edu-
cacional, dos institutos de ciências e tecno-
logia e do setor privado. Precisamos cutucar
as empresas brasileiras para elas desenvol-
verem esse modelo na prática.
chusetts Institute of Technology], em 2014, eu
me lembro de que eles tinham uma disciplina
DE QUE FORMA A ENGENHARIA PODE CON- de sustentabilidade, que era obrigatória para
TRIBUIR PARA O PROJETO AMAZÔNIA 4.0.? todos os alunos de engenharia. A abordagem
Total. Temos que fazer com que muitos seto- desse curso era para que, na formação, o en-
res de pesquisa, engenharia e universidades genheiro sempre pensasse que os projetos
comecem a buscar soluções. O nosso projeto tivessem uma visão de sustentabilidade e
é para levantar a lebre, até porque os recursos qual o impacto que eles teriam a longo prazo.
que temos de filantropia não permitem a esca- Fiquei muito admirado. Desconheço uma es-
la necessária. Uma das coisas que queremos é cola de engenharia no Brasil que tenha essa
chamar a atenção para a importância da enge- disciplina. Acho isso muito importante e, se
nharia em buscar soluções para a valorização as escolas de engenharia no Brasil não têm
dos produtos da floresta. Também queremos no currículo, podem buscar rapidamente,
que as empresas comecem a usar seus labo- porque a construção de um mundo sustentá-
ratórios de pesquisa e desenvolvimento para vel depende muito dos engenheiros. É muito
transformar algumas ideias e soluções em pro- importante que eles tenham esses elementos
dutos. Quem transforma conhecimento cientí- na formação, que saibam ver o impacto que
fico aplicado em produto são os laboratórios pode ter uma solução sustentável. A grande
de P&D das empresas. O projeto Amazônia vantagem da engenharia 4.0 é que ela per-
4.0. serve para fazer com que as empresas mite com muito mais facilidade atingir solu-
se interessem muito mais nessas cadeias de ções sustentáveis. Antes, isso era muito mais
transformação da Amazônia. difícil. O custo da solução aumentava muito.
O engenheiro do século 21 precisa ter essa
formação. É muito importante a engenharia
O SENHOR ACHA QUE OS ENGENHEIROS
brasileira entrar nessa corrida. Se a gente não
NO BRASIL TÊM FORMAÇÃO SUFICIENTE
desenvolver nossas próprias soluções, sem-
PARA PROJETOS COMO ESSE? AS ESCOLAS pre estaremos atrelados a outros que desen-
DE ENGENHARIA DEVEM INVESTIR MAIS EM volvem, criam e patenteiam. Será muito difícil
PROJETOS DE PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL? chegarmos a ser um país de classe média se
As escolas de engenharia têm que investir não tivermos a capacidade de nós mesmos
mais. Em uma visita que eu fiz no MIT [Massa- buscarmos soluções.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 29


Linha de Frente

Reconhecimento,

Instituto de Engenharia
relevância e sinalização
“Carlos Nobre, depois de vivenciar uma carreira profícua e de extremo sucesso como
Arquivo pessoal

cientista e servidor público e cujas realizações já justificariam sua premiação como Emi-
nente Engenheiro do Ano, ao se deparar com o momento de recolhimento aos aposen-
tos, ousou engenheirar. Decidiu seguir praticando a pesquisa, mas mudou seu foco. Ele
migrou sua atenção dos “riscos” para construção de “soluções” que o planeta precisa e
o Brasil pode oferecer. Hoje, Nobre ousa desafiar a visão mimética de desenvolvimento
na qual o sucesso para o Brasil seria a replicação do modelo da América do Norte e da
União Europeia. Ele trabalha para colocar em prática a utopia tropicalista, modelo no
qual o Brasil utiliza sua biodiversidade como alavanca de desenvolvimento e protago-
nismo no futuro. Vejo na premiação de Carlos Nobre como Eminente Engenheiro do Ano
uma clara sinalização do Instituto de Engenharia para relevância da sustentabilidade na
formação de engenheiros e engenharias em todas as modalidades da engenharia”
George Paulus Dias, diretor de Comunicação do Instituto de Engenharia

“Os estudos sobre o meio ambiente, principalmente sobre aquecimento global, são

Arquivo pessoal
complexos, pois são de desenvolvimento muito recente e não há experiência acumu-
lada. Além disso, têm um grande risco de sofrer influências emocionais e até ideológi-
cas. Por essa razão, o trabalho com forte embasamento científico do engenheiro Carlos
Nobre, um dos mais respeitados meteorologistas do país, tem grande reconhecimento
internacional. O Instituto de Engenharia foi muito feliz na escolha deste cientista para
ser o Eminente Engenheiro do Ano de 2020, justamente neste momento em que ele se
dedica a demonstrar a viabilidade econômica da manutenção e da exploração susten-
tável da floresta amazônica, colocando toda a sua formação em engenharia a serviço da
sociedade”
Vahan Agopyan, reitor da Universidade de São Paulo e Eminente Engenheiro do Ano de 2004
Arquivo pessoal

“Seguramente um cientista da maior envergadura e relevância para o país; ao mesmo


tempo um humanista pela sua visão de mundo. Orgulho para a academia brasileira,
destaca-se pela profundidade de seus estudos e pela conexão direta com o melhor da
ciência mundial”
Arlindo Philippi Jr., professor titular do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade
de São Paulo

30 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


somos a

www.cosan.com /CosanBrasil /company/cosan @CosanBrasil /CosanBrasil


BIM Processos

O PRESENTE E O FUTURO DOS


PROCESSOS CONSTRUTIVOS
OBRIGATÓRIO NAS OBRAS PÚBLICAS NO BRASIL A PARTIR DE
JANEIRO DE 2021, O BIM PROMETE RACIONALIZAR O USO E O
DESPERDÍCIO DE MATERIAIS, AUMENTAR A PRODUTIVIDADE DE FORMA
EXPONENCIAL E GARANTIR MAIOR CONTROLE DOS PROJETOS

• Por Marcus Ribeiro

A
lavancado pelo Decreto nº 10.306/20 tada”, da consultoria IDC, indica que o setor de
do governo federal, que torna obri- construção civil está pronto para a transforma-
gatório a partir de janeiro de 2021 o ção digital e o BIM é protagonista nesse cená-
seu uso em obras do setor público, rio. O estudo também mostra que o Brasil está
o BIM promete revolucionar o setor constru- em conformidade com os padrões internacio-
tivo brasileiro  em todos os seus aspectos  e nais de construção e lidera em investimentos
segmentos,  inclusive no setor privado.  Con- em softwares baseados em BIM, mesmo ain-
siderado pilar central do presente e do futu- da sem atingir o estágio de maturidade plena
ro das construções, o BIM é uma plataforma na utilização da metodologia.
de modelagem de dados que digitaliza e in-  Assim como o seu irmão CAD, o BIM é mais
tegra  todo  o  ciclo de vida de um empreen- do que uma plataforma fornecida por uma
dimento. Estimativas apontam que, o uso do grande gama de fornecedores,  é  uma meto-
BIM pode atingir  50% do PIB da construção dologia que visa integrar e organizar as infor-
civil até 2024.  mações e os dados de uma edificação. “O BIM
  Isso se deve ao  Building  Information  Mo- promove ganho de tempo e traz vantagens no
deling  (em tradução livre, Modelagem de uso de modelagem e visualização melhora-
Informação da Construção)  permitir a  visua- das. A partir dele são obtidos resultados muito
lização  e a adaptação  rápida de  planos e melhores, como previsão facilitada de proble-
estratégias do setor de construção de todas mas e possibilidades de soluções. Com isso,
as práticas e  áreas  envolvidas em um pro- os ganhos se dão pelos processos de tomada
jeto construtivo. Do trabalho de arquitetos de decisão serem favorecidos e otimizados”,
e engenheiros até fornecedores,  passando aponta Elton Pinho, diretor da JNS Engenha-
por  trabalhadores  da construção civil  e che- ria, Consultoria e Gerenciamento. 
gando até mesmo aos responsáveis pela ven- Entre os benefícios do uso de BIM estão
da final do projeto para os consumidores  e mais agilidade, menor custo, maior qualidade
clientes. Algo que será possível com o uso de do projeto, incentivo ao trabalho colaborati-
tecnologias  ligadas ao BIM, como modelos vo e incremento do ciclo de vida do projeto, o
3D, Inteligência Artificial e realidades virtual que garante diminuição de erros e desperdí-
e aumentada. cios. Algo que sempre esteve presente em sua
Não por acaso, a pesquisa global “Transfor- gênese. De acordo com a CMAA, mais de 30%
mação Digital: o Futuro da Construção Conec- dos custos  da construção civil  nos Estados

32 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Unidos são gastos em campo em razão de er- e, consequentemente, na produtividade do
ros de coordenação, desperdício de material, setor”, afirma Luiz Iamamoto, líder do setor de
ineficiência do trabalho e outros problemas.  infraestrutura e projetos de capital da consul-
  toria Grant Thornton Brasil. 
Novos horizontes     A interoperabilidade, ou seja,  a “conver-
sa” do BIM com outros sistemas por meio do
Os sistemas CAD não vão desaparecer, eles
acesso às  suas  informações e dados  é outra
terão um papel coadjuvante ao BIM. E  os
vantagem expressiva. Dessa forma, diferentes
fornecedores  de CAD  estão se adaptando  à
especialistas e práticas do processo construti-
nova realidade, como acontece com a em-
vo podem se comunicar e avaliar o andamen-
presa Autodesk e seu produto Revit. Não por
to do projeto. O que também derruba gastos,
acaso, esse software house encomendou uma
como percebido pelo NIST (sigla em inglês
pesquisa para entender a importância do BIM
para  Instituto Nacional de Padrões e Tecno-
junto às incorporadoras e obteve como resul-
logia, dos Estados Unidos), que contabilizou
tado que a “tecnologia será capaz de aumen-
em US$ 15,8 bilhões o prejuízo anual das
tar a previsibilidade de custos em 72%, redu-
construtoras por falta de interoperabilidade. 
zir erros e aprimorar o cronograma em 85%,
além de otimizar o design em 92%”.  Como o modelo do BIM permite o acompa-
nhamento dos projetos de forma digital, ele
No entanto, o  setor da construção no
previne não apenas problemas, mas também
país  ainda  precisa se preparar para  ado-
estimula o trabalho remoto.  “A pandemia
tar essas  inovações  inerentes  às tendências
do  coronavírus  reforçou que os velhos mo-
da  Construção  4.0. “A  metodologia BIM faz
delos de trabalho devem ser substituídos por
parte desta tendência global e está progres-
recursos digitais que tragam mais eficiência
sivamente se tornando um agente importan-
aos processos. Há pelo menos cinco anos, fo-
te para preencher as lacunas necessárias rela-
mentamos  a prática do BIM  com o RICS  no
cionadas à melhoria na transformação digital
Brasil e, agora, diante deste momento atípi-
co, nosso intuito é reforçar essa mentalida-
de”, explica Marcus Granadeiro, engenheiro
Divulgação

civil e CEO do Construtivo, que se autointitu-


la “companhia de tecnologia da informação
com DNA de engenharia”.  
 
Marcus Granadeiro, Na estrada 
engenheiro civil e CEO Parte das empresas de projeto e consultoria,
do Construtivo
em maior ou menor grau, assim como cons-

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 33


BIM Processos

bém  são  elementos  de aceleração do BIM.


“Assim como existe  a necessidade de olhar
A interoperabilidade, ou seja, a para a cadeia da construção civil com uma
“conversa” do BIM com outros visão mais dedicada à busca de tecnologias
que auxiliem no ganho de produtividade, na
sistemas por meio do acesso redução de desperdício e no cuidado das
pessoas e equipes envolvidas nos processos.
às suas informações e dados é O surgimento das construtechs também tem
outra vantagem expressiva auxiliado no processo”,  pontua  Didier  Aran-
cibia  Alvarez, coordenadora de desenvol-
vimento técnico de engenharia na Laguna
Construtora. 
 
trutoras, já tiveram progressos na adoção da O velho e o novo 
modelagem e digitalização, desenvolvendo e Mas nem tudo são flores. Existe resistência
entregando projetos em BIM, ainda que não no mercado ao BIM, principalmente pela falta
contratados com essa demanda. “Fez sentido de percepção do benefício e de experiência
para a racionalização, melhoria de qualidade em comparação de resultados com relação ao
e antecipação de problemas. Esse foi o caso
da JNS, que teve o primeiro trabalho de uma
estação de tratamento de esgotos desenvol-
vido em BIM em 2014, com pioneirismo no
saneamento”, relembra Pinho, da JNS. 
  Para Granadeiro, do Construtivo,  a  utili- Para entender
zação de processos BIM ainda é incipiente,
principalmente na fase de projeto.  “Ele não sua origem 
está sendo utilizado na fase inicial de plane- O nascimento do BIM data de 1974, quando o
jamento e é muito pouco usado nas fases de professor Charles M. Eastman criou o conceito de
obra e operação”, admite.   Building Description System (BDS), sistema que ti-
 Há ainda bastante heterogeneidade de uso nha como foco reduzir os problemas e deficiências
nos diferentes players e setores do mercado, em projetos de construção, oferecendo um novo
e geralmente se observa uso mais intensivo olhar para essas questões. O termo BIM surgiu
em projetos e obras sob a responsabilidade
em 1992 no artigo “Automation in  Construction”,
de grandes construtoras com experiência em
atuação em setores onde o emprego da tec- assinado por dois colegas de Eastman: os profes-
nologia está mais maduro.  “Observamos no sores G. A. van Nederveen e F. Tolman. No artigo,
Brasil um estágio bastante amadurecido de eles falam sobre as possibilidades de modelagem
implementação em projetos e obras indus- de construção, utilizando pela primeira vez o ter-
triais (indústria de processo e manufatura), es- mo Building Information Modeling. 
tágio avançado em edificações (residenciais,
Em paralelo, as ferramentas de CAD se desenvol-
galpões, laboratórios) e estágio intermediário
veram e ganharam espaço como plataforma tec-
em obras de infraestrutura (rodovias, ferro-
vias, portos, energia)”,  enumera  Marco  Gius- nológica de projetos de construção. No entanto, a
ti, diretor-executivo de engenharia da Arteris.  necessidade de evolução dos desenhos e projetos
A competição do mercado e a noção de para os processos construtivos ganhou mais rele-
que os recursos do mundo são finitos tam- vância com o avanço do BIM. 

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metodologia seja relevante e para que as em-
presas desenvolvam sua expertise em proje-
Didier Arancibia Alvarez,
coordenadora de tos que a apliquem”, alerta Giusti, da Arteris.
Arquivo pessoal

desenvolvimento técnico
de engenharia na Laguna Decifra-me ou... 
Construtora
Grande parte da dificuldade encontrada em
um processo de  mudança reside na falta de
compreensão da abrangência  do BIM. São
paradigma anterior. Também existe a insegu-
muito frequentes os alertas de que o BIM não
rança por conta da incerteza com o “novo” e
é  um  software e não basta fazer um treina-
a necessidade de estabilidade e conforto mento padrão e comprar bibliotecas. 
com as práticas conhecidas.  
O setor de construção, como apontam os
especialistas, é de forma geral conservador.
Embora existam outros fatores, como o paga-
mento de atividade de engenharia por hora/
homem (que penaliza a busca por produtivi-
dade), a falta de visão do custo total e a cultu-
A moderna
ra de focar nos custos sem se preocupar com
os benefícios. 
“Biblioteca de
 Mudar mentalidades e de um sistema tradi- Alexandria”
cional para o BIM significa alterar processos, Reunir todo o conhecimento do mun-
não só em termos de tecnologia, mas de for- do, ou pelo menos tentar! O princípio da
ma geral. A camada de profissionais de nível mítica biblioteca egípcia move a Platafor-
estratégico precisa entender e se envolver, ma  BIMbr, a biblioteca BIM criada pela
o que raramente acontece  e geralmente é a Agência Brasileira de Desenvolvimento
principal dificuldade. Mudar processos signi- Industrial (ABDI), com o mote de  “maior
fica que não há “fórmula mágica”, cada em- biblioteca pública BIM do mundo”. Dis-
presa vai precisar buscar a sua.  Na JNS, por criminada por categoria, subcategoria,
exemplo, de acordo com seu gestor, a inicia- software e outras características, além de
tiva de implementação BIM se enraizou na di- reunir modelos, guias, normas e manuais
retoria antes mesmo do início das atividades que podem ser acessados de forma gra-
desse processo, ainda no ano de 2013. O que tuita e por meio de downloads a partir de
resultou em maior  envolvimento e compro- inscrição no site.  
metimento de toda a equipe, pois eles foram Esse conjunto de elementos construti-
estimulados e priorizados.  vos está totalmente alinhado, de acordo
  Na prática, o  BIM necessita de um inves- com a ABDI, com a Estratégia Nacional de
timento inicial relevante em sistemas e Disseminação do BIM e o decreto gover-
hard­wares, em particular para empresas namental. E pretende fomentar o uso de
projetistas. Ou seja, o perfil das pioneiras  é processos BIM por “órgãos públicos, ins-
de empresas de maior porte e com mais ca- tituições, organizações privadas e profis-
pacidade de aportar recursos nesses novos sionais da arquitetura, engenharia e cons-
sistemas.  “Algo que exige não apenas  dis- trução por meio de objetos condizentes
ponibilidade de recursos,  mas  capacitação com a realidade do mercado e com crité-
e treinamento de pessoas  para  que  a nova rios de qualidade definidos”. 

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 35


BIM Processos

E chega o Open BIM  evolução assistida”, alerta Pinho, da JNS. 


  O mercado vai se moldar a essa nova reali-
Como toda a abordagem tecnológica, o BIM tam-
dade e, a princípio, enxerga apenas vantagens
bém trouxe a opção do chamado Open BIM, que no uso do BIM, principalmente na  integra-
apresenta como premissa a ideia de colaboração ção de processos e informação,  que  permi-
a partir de padrões e fluxos de trabalho abertos. tem  um  ciclo de melhoria e aprendizagem e
Uma iniciativa da  buildingSMART, entidade que geram dados que podem ser transformados
reúne grande número de fornecedores de softwa- em insights e ganhos financeiros. As “des-
res e cuja campanha de marketing tem como meta vantagens”, se é que elas existem, podem ser
encorajar e facilitar a promoção global do conceito percebidas por quem não enxerga o processo
completo, quem está vendo apenas a questão
para os segmentos de arquitetura, engenharia e
de o “projeto custar mais caro e demorar mais
construção. 
para ficar pronto com o BIM”, que é um pensa-
Colaboração que aborda todos os aspectos dos mento raso e errado. Até porque, no fim, o re-
projetos construtivos e ainda abrange a entrega da sultado será um empreendimento concebido
obra, a operação e a manutenção dos ativos, enga- de modo mais rápido, com menor custo, sem
jando todos os aspectos da vida útil de uma cons- retrabalhos, mais sustentável e replicável.
trução. A  buildingSMART  desenvolve agora uma
certificação técnica específica. 

  Essa  compreensão, em  uma perspectiva


Maduros para o BIM?
mais ampla, propiciará assertividade na im- Muitos especialistas apontam que o Brasil ainda
plementação e, posteriormente, na evolução se encontra em um estágio incipiente de adoção da
contínua do BIM e fará que ele seja o suporte metodologia BIM, mas como é possível ter certeza
da engenharia como um todo. Dessa forma, ou medir isto? A Sienge, companhia de soluções de
aspectos que muitas vezes são esquecidos gestão na área de construção civil, em parceria com a
referem-se a entender como a empresa já Grant Thornton Brasil, empresa global de auditoria e
trabalhava anteriormente. A expertise, os pa- consultoria, começaram a realizar uma pesquisa pio-
drões, os procedimentos e demais práticas e
neira para avaliar a maturidade das empresas brasi-
elementos que já funcionam, e que se preten-
de manter, precisam ser traduzidos para ob-
leiras na adoção da metodologia BIM.  
jetos, templates e fluxos de trabalho.     A iniciativa terá três etapas: a primeira delas, ter-
 Como o BIM torna desejável que cada pro- minada em 24 de julho, teve como objetivo mapear
fissional seja muito mais autônomo, sendo ao as empresas que já utilizam ou planejam utilizar a
mesmo tempo quem concebe a solução e a metodologia BIM. A intenção foi atingir o máximo de
virtualiza – para não dizer que a materializa –, profissionais da construção para ter um raio-X preciso
o ideal é essa combinação mais completa de do mercado.  
habilidades. “É desejável que sejam multidis-
ciplinares para estarem aptos a discutir com
Na segunda fase, em agosto, a pesquisa teve como
as diversas disciplinas que passam a colaborar foco entender a maturidade de uso do BIM nas em-
de forma muito mais intensa. Reconhecemos presas que já adotaram a metodologia ou planejam
que esse perfil é ainda escasso, então busca- adotar. E, na terceira e última etapa, em novembro,
mos um processo de formação, prevendo que haverá o mapeamento do mercado a partir dos dados
as pessoas agreguem as habilidades em uma coletados pelo estudo. 

36 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Artigo

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL
NOS CANTEIROS DE OBRA

• Por Marcelo Nonato Santos e Darcio Mandarano*

A
qui na Camargo Corrêa Infra, avaliamos e concluímos que os usos vigentes
quando falamos em BIM (Building não deveriam ser exclusivos para quem está
Information Modeling), não esta- no escritório. Com apoio das metodologias
mos falando apenas de hardwares de inovação da empresa, disponibilizamos
e softwares. Estamos falando de processos, tablets e smartphones para nossos profissio-
pessoas e tecnologias. nais de campo e os capacitamos na ferramen-
Iniciamos o uso de ferramentas BIM no ano ta BIM 360 da Autodesk, o que possibilitou a
digitalização de processos, que antes ocupa-
de 2009, focados em apoiar estudos técnicos
vam pilhas de papel e assinaturas, e a integra-
e elaborar projetos em 3D, sendo chamado
ção entre diferentes áreas que trabalham em
de engenharia virtual. Em 2014, evoluímos um mesmo projeto – das pontas às lideranças.
no processo e partimos para praticar a cons-
Os nossos profissionais nos canteiros de
trução virtual, momento em que inserimos o
obras têm acesso a projetos executivos, do-
uso de BIM voltado ao planejamento (4D) e à cumentos técnicos, modelos 3D e 4D e traba-
construtibilidade. lham de forma colaborativa apontando inter-
No ano de 2018, levamos a construção vir- ferências e notificando outros profissionais.
tual para os canteiros das obras; com isso, Tanto os profissionais nos canteiros quanto

Imagens: divulgação

Modelo BIM da obra da Estação Morumbi do Metrô – Linha 17

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os dos escritórios acessam os mesmos docu- Aprendemos a extrair os dados do BIM 360
mentos em sua última versão. para gerar relatórios dinâmicos, desenvolvi-
Levamos aos canteiros não só um software dos na ferramenta Power BI da Microsoft. Es-
novo, mas uma nova forma de se trabalhar di- ses relatórios atendem às necessidades dos
gitalmente. Não se trata de comprar e ensinar gestores e, com uma navegação interativa, é
como usar um software, mas de uma mudan- possível acessar informações detalhadas, in-
ça de cultura, fomentada pela adoção de no- clusive com link direto para os registros den-
vas tecnologias. tro do BIM 360.

Dashboard de uma obra, implementado no Power BI

A nossa experiência acumulada ao longo


destes últimos anos está aberta a profissionais
Acesso aos projetos e modelos 3D da obra em dispositivos de engenharia e construção no curso “Espe-
móveis cialização em BIM aplicado à Implantação de
Obras de Infraestrutura”, desenvolvido em par-
Os processos de inspeção de qualidade, ceria com o Instituto de Engenharia e a Frazil-
socioambiental e de segurança do trabalho lio Solutions. Esse curso já certificou 37 alunos.
também foram beneficiados com a adoção do Seguimos orgulhosos ao partilhar nossos
BIM 360. A simplificação em toda a logística conhecimentos e valores e obter feedbacks
envolvida nessas inspeções, desde a elimina- do quanto isso é valioso para a evolução do
ção das anotações em papel (inclusive assina- setor. Neste ano, continuamos evoluindo nos
turas) até a apuração dos resultados de forma processos de BIM, adotando 5D (custo) e rea-
online, facilitaram muito o trabalho de inspeto- lizando ainda mais cursos em parceria, de for-
res, técnicos de campo e gestores. Em duas de ma cada vez mais aprimorada. E a tendência
nossas obras, a equipe de gerenciamento do é a que observemos cada vez mais profissio-
contratante acessava os resultados das inspe- nais nos canteiros com smartphones e tablets,
ções diretamente na nossa plataforma. totalmente conectados entre si, sem que haja
Com a experiência no uso do BIM 360, per- barreiras entre escritórios e canteiros de
cebemos que o módulo de gestão de pro- obras, utilizando a tecnologia como aliada
blemas tinha boa aderência com os concei- para construir obras e legados melhores para
tos de Lean Construction. Hoje, a gestão das a sociedade.
restrições da obra, definidas nas reuniões de
programação e pull planning, é 100% opera- *Marcelo Nonato Santos é especialista em Construção Virtual da CC In-
cionalizada no BIM 360. fra e Darcio Mandarano é gerente de Transformação Digital da CC Infra

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Artigo

UMA QUESTÃO DE
VIDA OU MORTE

A
• Ivan Metran Whately*

pandemia impôs mudanças nos cos- dos novos processos de projeto e execução.
tumes e na vida das pessoas em todo Desde o período da Renascença até os dias
o mundo. As que não se adaptam aos atuais, o mundo passou por enormes transfor-
protocolos universais de higiene e mações tecnológicas. Principalmente nos últi-
saúde correm risco de vida. Na natureza, não mos 150 anos, houve um salto em termos de
são as espécies mais fortes que sobrevivem. As novos materiais e métodos de construção.
que resistem são aquelas que mais se adaptam
Evoluímos e inovamos totalmente as técni-
às alterações em seus ambientes, segundo a
cas de construção, mas durante séculos dese-
Teoria da Evolução de Charles Darwin. Com
nhamos nossos projetos em duas dimensões
todo respeito, mas forçando um paralelismo
– plantas, elevações, vistas e cortes – mais ou
com a arquitetura e a engenharia, aqueles que
menos como representava Brunelleschi na Re-
não se adaptarem à evolução tecnológica do
nascença. Isso é um exagero? Sim, houve muita
mundo serão espécies em extinção.
evolução: inventou-se a prancheta, adaptaram-
Por muitos e muitos anos, os profissionais -se os esquadros e as réguas para uso em cima
da construção desenvolveram seus proje- delas, aperfeiçoaram-se a régua T e a paralela,
tos e tocaram suas obras utilizando técnicas e até sofisticando as técnicas, inventaram-se o
centenárias, desenhos, modelos reduzidos, tecnígrafo, o normógrafo, o tira-linhas e as ca-
sempre contando com a genialidade de cada netas tinteiro.
profissional. Houve uma grande evolução após
a Idade Média, quando os conceitos da geo- Todas as especialidades de arquitetura e
metria e as regras da perspectiva dos gregos e engenharia trabalhavam com essas técnicas e
romanos foram redescobertos. cada uma no seu nicho, independentemente
uma da outra.
Um exemplo de genialidade e de adaptação
às mudanças tecnológicas de seu tempo foi o Eis que surgiu uma grande evolução tecnoló-
arquiteto e construtor fiorentino Felippo Bru- gica nos anos 1980. Todas as técnicas analógicas
nelleschi. No século XV, ele aproveitou os con- foram, paulatinamente, substituídas por novas
ceitos de cálculo e de geometria linear ensina- tecnologias digitais e os projetos migraram para
dos pelo matemático Paolo dal Pozzo Toscarelli, software tipo AutoCAD, ou similares. Arquitetos
retomou as técnicas da perspectiva cônica dos e engenheiros de todas as áreas que não se inte-
gregos e romanos e aprimorou o método dos graram às inovações tecnológicas ficaram para
pontos de fuga. A sua grande obra, mundial- trás, perderam espaço, sucumbiram.
mente conhecida, é a cúpula da catedral Santa Entretanto, até recentemente, mesmo traba-
Maria del Fiore, em Florença, Itália, executada lhando com o inovador meio eletrônico, muitos
em 1434. Essa obra foi resultado de uma no- profissionais continuavam a projetar em 2D, ou
tável evolução tecnológica, tanto por ser a pri- seja, plantas, cortes e elevações. Tanto antes
meira cúpula de grandes dimensões construí- quanto depois da introdução do meio eletrô-
da sobre uma base octogonal quanto pelo uso nico nos projetos, as especialidades permane-

40 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Antonio Gravante
Filippo Brunelleschi e sua obra, catedral Santa Maria del Fiore, em Florença, Itália

ceram com suas técnicas, sendo que as inter- durante a execução e as interferências entre as
ferências entre as especialidades – como entre disciplinas são detectadas na etapa de projeto,
as especialidades de hidráulica e estrutura, que evitando o retrabalho, atrasos e a necessidade
fazem perder muito tempo nas fases de proje- de prorrogação dos contratos com aumento
to e de obras – eram detectadas por meio de dos custos e, eventualmente, a corrupção.
layers, com diversas cópias em papel mais ca- Esta filosofia de trabalho, em fase de adoção
netas hidrocor, causando prejuízos, impreci- em todo o mundo, já se tornou obrigatória, por
sões, descumprimento de cronogramas e adi- força de dispositivos legais, em alguns países,
tamentos de contratos. como Inglaterra, na Europa, e Chile, na América
Eis que nos anos 2000, com o desenvolvi- do Sul. No Brasil, recentemente, foi publicado
mento de um modelo digital 3D, surgiu um um decreto federal, em 2 de abril de 2020, que
processo progressivo de projetar e construir estabeleceu a utilização do  BIM na execução
que integra de maneira colaborativa arquite- direta ou indireta de obras e serviços de enge-
tos e engenheiros de todas as disciplinas com nharia realizados pelos órgãos e pelas entida-
geometria precisa da edificação e um banco de des da administração pública federal.
informações sobre as características dos mate- A implementação das novas tecnologias pro-
riais, elementos construtivos e custos a serem picia resultados positivos de grande proveito
usados em todo o ciclo de vida da obra, ou para o desenvolvimento do Brasil em todos os
seja, projeto, planejamento da obra, orçamen- setores da economia. A inserção dos profissio-
to, execução, operação, manutenção, retrofit e nais da construção nas novas tecnologias de-
até a demolição do empreendimento. pende de circunstâncias e contexto dinâmicos.
Esse processo, denominado BIM, também Depende, sobretudo, da inciativa dos profissio-
chamado em português de Modelagem da nais de aperfeiçoarem suas carreiras.
Informação da Construção, é uma plataforma O desenvolvimento de cada nação está con-
única de informações e processos interativos. dicionado à capacidade de ajustamento do go-
O que mais diferencia o processo BIM de tudo verno e sociedade às potencialidades e estra-
o que fazíamos até então é a modelagem in- tégias que se apresentam. Neste momento de
dexada, cujos parâmetros identificam todos os pandemia e de profunda crise econômica, pre-
elementos do projeto. Outra peculiaridade do cisamos, mais do que nunca, da contribuição
processo é a colaboração entre os profissionais dos arquitetos e engenheiros para impulsionar
de todas as especialidades em torno do mes- o desenvolvimento do Brasil por meio do se-
mo modelo digital em todas as suas interações. tor de construção, mediante a adequação dos
Trata-se da modelagem de uma construção nossos profissionais à evolução e à inovação in-
que conta com processos associados de análi- troduzidas pelo processo BIM ou pelo meio di-
se, comunicação e execução. gital. Sem esta tecnologia será muito difícil sair
Muitos colegas se aproximaram do BIM por desta ou de qualquer outra crise.
conveniência, tanto pela exatidão das informa-
ções quanto pela redução do tempo e custo *Ivan M. Whately é consultor em planejamento de transporte e diretor
das suas obras. Com esse processo, os quan- do Departamento de Engenharia da Mobilidade e Logística do Instituto
titativos e orçamentos não trazem surpresas de Engenharia.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 41


BIM Tecnologia

LEILÃO DE 5G VAI
FACILITAR AVANÇO DE
CIDADES INTELIGENTES
PRIMEIRA FASE DO PROGRAMA BRASILEIRO DE CIDADES INTELIGENTES
SUSTENTÁVEIS DEVE SER FINALIZADA ATÉ OUTUBRO

• Por Antonio Leria

O
Brasil pode estar a poucos meses e promissoras da sociedade civil, principal-
de importantes passos para se tor- mente do meio acadêmico, prometem bons
nar um país com um ambiente mais exemplos nesse segmento. É o caso da rede
amigável e favorável para o desen- Inteligência Artificial Recriando Ambientes
volvimento de cidades inteligentes. Apesar (IARA), que integra mais de 30 universidades
da distância que ainda nos separa dos países do Brasil e do exterior, além de prefeituras e
de primeiro mundo quando o assunto é smart da iniciativa privada. O objetivo da empreita-
cities, nos próximos seis meses o cenário deve da é criar condições para o desenvolvimen-
ter alterações importantes com a realização do to de projetos que transformem cidades em
leilão das frequências do 5G, a quinta geração smart cities com a utilização de tecnologias
da internet móvel, e a nova fase do Programa como Inteligência Artificial e Internet das Coi-
Brasileiro de Cidades Inteligentes Sustentá- sas para gerar eficiência na gestão e operação
veis, que estava sob a responsabilidade do urbana, crescimento econômico e melhora da
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações qualidade de vida da população. “Toda preo-
e Comunicações e agora, pelo menos em um cupação de uso de tecnologia deve ter a so-
primeiro momento, é de responsabilidade do ciedade como meta, de melhorar a vida das
Ministério das Comunicações. A pasta foi re- pessoas”, afirma o pesquisador André Carlos
criada no último mês de junho pela Medida Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, professor
Provisória 980/20 e herdou parte da estru- do Instituto de Ciências Matemáticas e Com-
tura e atribuições do ministério comandado putação da USP São Carlos, onde trabalha na
pelo ex-astronauta Marcos Pontes, entre elas área de Inteligência Artificial, e um dos coor-
o Departamento de Inclusão Digital, que está denadores do IARA.
à frente do programa de cidades inteligentes. Um cenário mais próximo do ideal para o
O ambiente para as smart cities não está mais desenvolvimento de cidades inteligentes, no
favorável apenas por conta do viés da gestão entanto, passa pela resolução de problemas
pública, muitas vezes influenciado pelos ven- básicos, além da implantação da rede 5G. “O
tos político-partidários, que podem desmobi- principal entrave é a infraestrutura. Você pre-
lizar ou reduzir a marcha de projetos de um cisa de uma cidade dotada de sensores para
momento para outro. Iniciativas interessantes transferir dados de um ponto para outro. É

42 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


preciso uma boa infraestrutura de energia elé-
André Carlos Ponce de
trica, de qualidade confiável, internet que che-
Leon Ferreira de Carvalho,
gue às pessoas. E há cidades e localidades em professor do Instituto de
que falta até o básico, como água encanada e Ciências Matemáticas
esgoto tratado”, afirma o professor Carvalho. e Computação da
O problema da energia elétrica ainda afeta USP São Carlos
muitas regiões. De acordo com estimativa do
Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA),
em 2019, cerca de um milhão de pessoas não
tinham acesso a esse item na região da Ama-
zônia. E mesmo em localidades bem servidas,
como São Paulo, é comum bairros ficarem ho-
ras sem fornecimento em razão de estragos
provocados pelas chuvas. Segundo o Instituto Wilson Diniz Wellisch,

Fotos: divulgação
Trata Brasil, cerca de 16% da população brasi- diretor do Departamento de
leira não é abastecida com água tratada e 47% Inclusão Digital
não têm acesso a esgoto.
Mas, em termos de tecnologia, o que preo-
cupa é a chegada da rede 5G. E isso, por en-
quanto, está previsto para o primeiro trimestre Inteligentes Sustentáveis. A previsão é de que
de 2021. A evolução do processo de licitação o edital abra disputa para quatro faixas de ra-
esbarrou, como quase tudo neste ano, nas res- diofrequência: 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e
trições causadas pela pandemia do coronaví- 26 GHz. O leilão de 5G também é cercado por
rus. Testes que eram realizados pela Agência pressões internacionais, com a disputa entre
Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre China e Estados Unidos pelo mercado brasi-
a conveniência de frequência com antenas pa- leiro, que pode atrair R$ 180 bilhões em inves-
rabólicas de TV foram paralisados. “Essa ques- timentos para o país. “O embaixador ameri-
tão dos estudos da Anatel sobre a mitigação cano já se manifestou, e disse que o Brasil vai
da interferência da frequência 5G nas parabó- encarar muita resistência dos Estados Unidos
licas sem filtro atrasou um pouco a finalização se optar pela China. Eu confesso que seria
do edital”, afirma o diretor do Departamen- melhor ter uma solução híbrida”, opina Robert
to de Inclusão Digital, Wilson Diniz Wellisch, Janssen, vice-presidente de relações interna-
um dos interlocutores do governo federal na cionais da Associação das Empresas Brasilei-
questão do Programa Brasileiro de Cidades ras de Tecnologia da Informação (Assespro) e

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Fotos: arquivo pessoal
BIM Tecnologia

Robert Janssen, vice- Paulo Miyagi, do


presidente de relações Departamento de Engenharia
internacionais da Associação Mecatrônica e Sistemas
das Empresas Brasileiras de Mecânicos da Poli-USP e
Tecnologia da Informação associado do Instituto de
(Assespro) e diretor-executivo Engenheiros Eletricistas e
do Observatório Brasileiro de Eletrônicos (IEEE)
Cidades Inteligentes (OBCI)

diretor-executivo do Observatório Brasileiro


de Cidades Inteligentes (OBCI).
A rede 5G é considerada ponto fundamen-
tal para alavancar a Internet das Coisas (IoT), Willian Rigon, diretor
tecnologia diretamente ligada ao conceito de comercial e de marketing
da Urban System
cidades inteligentes. “Hoje a gente tem dez
vezes mais informações transmitidas por equi-
pamentos, através de sensores, do que por se-
res humanos. E isso vai aumentar muito com
o 5G”, diz o professor Carvalho, da USP São cos (IEEE). Seriam mais de um bilhão de equi-
Carlos. A velocidade da internet será 100 ve- pamentos conectados.
zes mais rápida com o 5G, com mais agilidade Na avaliação de Willian Rigon, diretor co-
e possibilidade de maior transporte de dados. mercial e de marketing da Urban System, con-
“A cidade inteligente vai precisar muito desses sultoria dona da plataforma Connected Smart
dados para fazer monitoramento do trânsito, Cities, que publica anualmente o ranking das
ambiental, da segurança da cidade”, afirma cidades inteligentes do Brasil, as aplicações
Carvalho. da IoT na gestão de cidades inteligentes é gi-
Para Janssen, a IoT será um grande avanço gantesca. “Há estudos para implantação de
para o desenvolvimento da Inteligência Arti- receptores em obras de infraestrutura ou pré-
ficial. “Por ter tudo conectado, é possível in- dios para verificação da dilatação das estru-
teragir em tempo real. A geladeira vai fazer a turas”, comenta o executivo. “Também pode
própria lista de compra, gerar o pedido direto ser aplicada na gestão de gastos de prédios
para o mercado, que irá realizar a entrega por públicos como, por exemplo, a verificação da
carro autônomo”, prevê. Janssen afirma que utilização de energia elétrica em andares que
em cidades inteligentes, a tecnologia pode estão vazios. Ou ainda controlar o inventário
ser usada, por exemplo, na gestão do trânsito. e fazer a gestão de equipamentos. A prefeitu-
“Quando se fala de Internet das Coisas, tudo ra vai poder localizar mais rápido onde estão
teria um chip de comunicação, carro, celular, seus recursos e evitar desperdícios, como a
pneu, geladeira. A população do Brasil hoje utilização de cinco caminhões em determina-
é de 210 milhões de pessoas, e as coisas as- do serviço quando os indicadores apontam
sociadas seriam cinco vezes maiores do que que são necessários apenas três”. Especialistas
isso”, estima o professor Paulo Miyagi, do De- apontam também que ambulâncias poderão
partamento de Engenharia Mecatrônica e Sis- estar equipadas com GPS e, em caso de emer-
temas Mecânicos da Poli-USP e associado do gência, semáforos se abririam à medida que
Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrôni- elas se aproximassem. A iluminação pública

44 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


poderá se adaptar conforme a demanda e ser câmeras de segurança inteligentes nos postes
utilizada com menor intensidade quando a rua da cidade, para reconhecimento facial de sus-
estiver vazia e ampliar a luminosidade quando peitos. Você tem de ter meios legais para que
houver alguma pessoa. isso aconteça”, exemplifica.
Além dos problemas ligados à infraestrutu- A primeira fase do Programa Brasileiro de Ci-
ra, a falta de uma política pública direcionada dades Inteligentes Sustentáveis deve ser fina-
ao desenvolvimento de cidades inteligentes lizada até outubro, prevê Wellisch. A partir de
e a consequente falta de leis para dar susten- recomendações da União Internacional de Te-
tabilidade ao tema são apontados como pro- lecomunicações (UIT), os técnicos trabalham
blemas que dificultam o desenvolvimento de na criação de um modelo de avaliação do nível
smart cities no Brasil. “Quando você fala do de maturidade das cidades em relação a solu-
aspecto de tecnologia, uma cidade, para apro- ções inteligentes. “Estamos criando um siste-
veitar todo o potencial de inteligência que ma para coletar material sobre os municípios
pode ser gerado, tem de estar digitalizada. O a partir de respostas eletrônicas”, explica o di-
ambiente digital é o que possibilita você ma- retor do Departamento de Inclusão Digital do
nobrar essa grande quantidade de dados. E, a Ministério das Comunicações. Serão reunidas
partir desses dados, como todo o processo de informações de banco de dados do próprio
inteligência artificial, vai procurar padrões que governo federal e das prefeituras, que terão de
te dão os parâmetros para calibrar melhor os acessar o sistema para preencher formulários
serviços já existentes ou criar novos serviços. eletrônicos. No total, estão previstos mais de
Mas, para cada cidade fazer isso, tudo come- 70 indicadores no sistema: “As prefeituras te-
ça com o arcabouço jurídico. E tem de haver rão que aderir ao programa por conta própria.
uma política para dados abertos”, afirma Jans- Não haverá obrigatoriedade, mas isso garanti-
sen, da Assespro. “E é muito difícil criar uma rá acesso a soluções e projetos desenvolvidos
política de Estado com 36 partidos políticos. pelo programa”, diz Wellisch. O programa pre-
A fragmentação político-partidária brasileira vê a liberação de acesso à linha de crédito do
sempre vai ser um tendão de Aquiles”, avalia. Banco Nacional de Desenvolvimento Social
“A gente sempre ouve falar de planejamento (BNDES) para a realização de projetos relacio-
das cidades. Mas não é sério. O que existe é o nados ao tema cidade inteligente. Apesar da
planejamento de eleição a cada quatro anos”, previsão do sistema já estar finalizado em ou-
diz o professor Miyagi. “Smart cities estão re- tubro, é possível que, em razão da realização
lacionadas a ter uma infraestrutura, que custa das eleições municipais, seja disponibilizado
caro e tem de ser planejada a longo prazo”, apenas depois. “Será necessário avaliação do
complementa. cenário político”, admite Wellisch.
Segundo Wellisch, as questões jurídicas Apesar de o principal foco dos estudos a res-
estão no radar do governo federal. “Um dos peito da modernização do arcabouço jurídico
grupos que está sendo criado na Câmara de para destravar o avanço das cidades inteligen-
Cidades 4.0 vai tratar justamente sobre legis- tes estar relacionado com a legislação muni-
lações locais. É um dos grandes problemas. cipal, no âmbito federal também é necessário
Legislação de inovação, utilização de poste e mais agilidade em algumas questões, como
direito de passagem”, comenta. Wellisch des- nas leis que regulamentam a utilização de dro-
taca que os grandes desafios se concentram nes, considerados ferramentas características
nas legislações municipais. “São 5.570 muni- das smart cities, tanto para o dia a dia quanto
cípios no Brasil, cada um com as suas próprias para o desenvolvimento de projetos. “O uso
leis. Isso, com certeza, é um dificultador”, des- do drone para cidades inteligentes ainda tem
taca. “Por exemplo, quero fazer a instalação de limitação na regulamentação da Agência Na-

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BIM Tecnologia

cional de Aviação Civil (Anac) e do Decea (De- Miguel Gerardo Carballido,


partamento de Controle do Espaço Aéreo)”, diretor-geral da Metro
afirma Miguel Gerardo Carballido, diretor-ge- Cubico Engenharia
ral da Metro Cubico Engenharia, empresa que
atua no setor de levantamento massivo de da-
dos nas áreas de rodovias, ferrovias, portos,
mineração, entre outros. A empresa utiliza o
equipamento, por exemplo, em combinação
com o Sistema Lidar, usado para determinar o

Fotos: arquivo pessoal


Modelo Digital de Terreno (MDT ), e com essa
metodologia saber a topografia de cidades,
de acordo com Carballido. O executivo cita,
ainda, que o drone é utilizado em combinação Carolina Bracco,
com câmeras RGB, para a extração do modelo gerente de
Modelo Digital de Superfície (MDS) e assim sa- Geoprocessamento
ber a altura de casas e prédios, por exemplo. e Licenciamento
pela Prodam
Carballido destaca que a Metro Cúbico utili-
za outras ferramentas de tecnologia de ponta
em seus trabalhos, como gêmeos digitais. A nas áreas de educação, cultura, esporte e as-
empresa destaca-se por utilizar múltiplas fer- sistência social, análise de tombamento, áreas
ramentas de captura da realidade com alto de preservação permanente, de manancial e
grau de precisão e uso de instrumentos e con- contaminadas, entre outras. “Todos os dados
ceitos, como o Build Information System (BIM), do GeoSampa são abertos e seu conteúdo é
que prevê a manutenção e conservação do administrado pela SMDU. Nós contribuímos
ativo. “O gêmeo digital cria um cenário inteli- para elevar o ranking do município na escala de
gente, onde é possível antecipar, prevenir ou municípios que provê dados aberto”, afirma Ca-
melhorar o manuseio de ativos”, diz Carballi- rolina Bracco, gerente de Geoprocessamento e
do. A digitalização de infraestrutura também é Licenciamento da Prodam.
um dos carros-chefes da empresa. De acordo Carolina explica que uma das principais fer-
com o executivo, através dessa metodologia, ramentas utilizadas pelo GeoSampa é a ETL
a Metro Cúbico tem 100 mil quilômetros de Geográfica. “Cada cadastro setorial mantém
rodovias mapeadas, 20 mil quilômetros de fer- o seu uso próprio, vamos lá através da nossa
rovias levantadas, além de 100 obras de artes ETL, webservices e outros tipos de ferramen-
especiais (OEAs) e 50 hospitais. tas de integração e buscamos nesses cadas-
Na questão de dados abertos citada por tros o que é de interesse corporativo para
Janssen, a empresa de processamento de da- uso comum”, explica. O desenvolvimento do
dos da Prefeitura de São Paulo, Prodam, é vista GeoSampa teve início em 2013 e, em 2014,
como exemplo na área de geoprocessamento. entrou em funcionamento apenas para uso
Por meio da plataforma GeoSampa, a empresa interno da Prefeitura. Em 2015, foi aberto ao
disponibiliza ao público, para uso corporativo, público em geral, com cerca de 50 camadas,
acadêmico ou pessoal, informações georrefe- e hoje tem quase 340. “Com os dados é pos-
renciadas provenientes de várias secretarias sível trabalhar as questões de pré-avaliação
sobre localização dos parques municipais urba- ou incorporação imobiliária, estudos de via-
nos e lineares, telecentros, semáforos, pontos bilidade, questões de zoneamento. E o pró-
de iluminação pública, pontes, viadutos, túneis, prio portal de licenciamento que a Prefeitura
passarelas, calçadões, equipamentos públicos criou para o programa de anistia utilizou o

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GeoSampa. Foram mais de 200 mil imóveis De acordo com Carvalho, há outros dois pro-
regularizados”, destaca Carolina. jetos adiantados para implantação. Um deles
Apesar dos avanços já obtidos e dos pró- na cidade de São Carlos (SP), com apoio de
ximos passos já desenhados, é cedo para uma organização austríaca, onde há previsão
se falar de cidades inteligentes no Brasil, de de construção de um bairro inteligente que
acordo com os especialistas. “O Brasil tem ci- terá integração de moradia com emprego e
dades com atividades de smart cities consis- entre pessoas de classes sociais distintas. O
tentes, mas não são cidades inteligentes, que outro projeto é em São Paulo, na Vila Olímpia,
pensem de forma uniforme”, avalia Janssen. com apoio da Fiat Chrysler e da Enel. “Nesse
Rigon, faz coro: “Não temos smart cities bra- bairro haverá locais para abastecimento dos
sileiras. Temos cidades mais inteligentes que carros elétricos, sensores de segurança. A
outras.” Esse panorama faz o professor Carva- ideia é automatizar aquela região, com foco
lho, da USP São Carlos, pensar que a primeira em mobilidade e energia sustentável”, diz Car-
cidade inteligente do país possa surgir justa- valho. A proposta é dotar o bairro de tecnolo-
mente de uma iniciativa da rede IARA, que em gias inovadoras, com a digitalização do mapa
agosto começou a implantação de seu primei- da região, que será abastecida de sensores
ro projeto, na cidade de Canaã dos Carajás, no na rede elétrica para identificação problemas
sudoeste do Pará. Com cerca de 37 mil habi- no fornecimento de energia para agilizar solu-
tantes, o município pretende virar uma smart ções. Os dados digitalizados da infraestrutura
city focada nas áreas de educação, saúde, se- poderão ser compartilhados com cidadãos,
gurança e meio ambiente. A Vale explora mi- universidades e startups, o que levará a novos
nas de ferro no município, o que gera recursos benefícios e soluções.
para o Fundo Municipal de Desenvolvimento A inexistência de um modelo acabado de
Sustentável, que será usado no projeto. “O cidade inteligente não impede que diferentes
objetivo é fixar a população com a criação de municípios se destaquem em diferentes tipos
startups ligadas à tecnologia e conjugar isso de iniciativa. Anualmente, o Ranking Connected­
à transformação do município em uma cidade Smart Cities busca identificar as cidades que
inteligente”, afirma o professor. mais se destacam por meio de um sistema de
Segundo Carvalho, nessa primeira fase está pontuação que avalia 70 indicadores em 11
sendo criada uma infraestrutura para coleta setores diferentes: mobilidade urbana e aces-
de dados, com computadores para armazenar sibilidade; meio ambiente; urbanismo; tecno-
as informações, drones para coletar imagens logia e inovação; saúde; segurança; educação;
e fazer monitoramento do município. “Em um empreendedorismo; energia; governança; e
ano, espero haver algo palpável para servir economia. As cidades apresentadas no ran-
de cartão postal para o projeto, com resulta- king coincidem com boa parte das citadas por
dos na área de meio ambiente e integração da especialistas como aquelas com algum tipo
educação com a saúde – se uma criança vai ao de característica, ou até mais do que uma, de
médico, a escola já vai receber essa informa- smart city.
ção, assim como o transporte escolar, com o Na classificação de 2019, Campinas (SP) foi a
objetivo de criar uma rede de apoio ao estu- primeira colocada. Para Janssen, a cidade tem
dante. Também esperamos ter algo em rela- como um dos trunfos estar bem localizada em
ção a área de segurança pública”, diz Carvalho. termos de acessibilidade mundial por abrigar
O pesquisador da USP São Carlos afirma que o Aeroporto de Viracopos e estar a cerca de
também é meta do projeto ter internet de qua- uma hora do maior aeroporto internacional
lidade para toda a população, além de infraes- do Brasil, o de Cumbica, em Guarulhos. Já o
trutura mínima de água e esgoto. professor Miyagi, destaca a presença de uma

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BIM Tecnologia

indústria de informática e informação forte. tendência da cidade futuramente ser impacta-


“Toda localidade com essas características da com melhora nos indicadores de economia
tem algo a apresentar”, afirma. e empreendedorismo”, destaca. O município
Rigon, da Urban System, empresa responsá- aparece em quinto no ranking. A cidade de
vel pelo ranking das cidades inteligentes do São Paulo, a segunda na classificação do Con-
Brasil, afirma que o município tem seu bom nected Smart Cities, se destaca pela economia
e mobilidade. “Apesar dos problemas da cida-
desempenho relacionado ao empreendedo-
de com o trânsito, é a que tem maior quanti-
rismo, ao ambiente de inovação, à tecnologia,
dade de quilômetros de veículos sobre trilhos
à comunicação, à educação e à economia. “A
e uma boa malha cicloviária”, diz o executivo.
educação de Campinas é muito focada no en-
Curitiba, terceira colocada, tem sua posição
sino técnico e superior, e menos no básico,
ancorada em meio ambiente e urbanismo,
que precisa melhorar”, avalia.
com sistemas viários e de transporte bem es-
Como contraponto a Campinas aparece, se- truturados. “Curitiba foi pioneira porque teve
gundo Rigon, a cidade de São Caetano do Sul, um arquiteto como prefeito, o Jaime Lerner.
no ABC paulista. “É uma cidade que tem se Então, lá atrás, já saiu na frente. O sistema de
destacado bastante em educação, da base ao integração de mobilidade urbana dos ônibus
ensino superior. E vale lembrar que o impac- e as estações que ele criou são elogiadas no
to da educação básica tem muito a ver com a mundo inteiro”, destaca Janssen.

Indicadores da ISO 37122 precisam ser


adaptados à realidade brasileira
Aguardado com ansiedade por boa parte da comunida- implantação (de mecanismos de cidade inteligente)”, avalia
de empresarial e acadêmica brasileira que trabalha com a Robert Janssen, da Assespro e diretor executivo do OBCI.
questão das smart cities, a ISO 37122, publicada em maio “Falta mais gente do Brasil para participar da discussão,
de 2019 pela Organização Internacional de Normalização,
e depois dizer como pode ser aplicada no nosso país. Se
lançou luz sobre o fosso tecnológico, social e desenvolvi-
a gente tivesse uma proposta melhor, convenceria os de-
mentista que separa as cidades brasileiras das existentes
mais”, acredita o professor Miyagi, da Poli-USP.
nos países desenvolvidos.
“A ISO 37122, apesar de um pouco distante da realida- A ISO é composta de 80 indicadores, agrupados em
de atual das cidades brasileiras, nos apresenta o nível de 18 eixos: economia; educação; energia; meio ambiente e
desenvolvimento das discussões de cidades inteligentes mudanças climáticas; finanças; governança; saúde; habi-
fora do país”, explica Rigon, da Urban System, que publica tação; população e condições sociais; recreação; seguran-
anualmente o ranking das cidades inteligentes do Brasil. ça; resíduos sólidos; esporte e cultura; telecomunicação;
“É uma publicação extremamente importante, já que transportes; agricultura urbana/local e segurança alimen-
você precisa de uma referência de padrão de qualidade de tar; planejamento urbano; e águas residuais e água.

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Artigo

REPENSANDO
AS CIDADES
INTELIGENTES
• Antonio Pedro Timoszczuk, Flavio Tonidandel, Lawrence Chung Koo*

O
despertador toca. Laura, que é exe-
cutiva de uma grande multinacional
com alguns milhares de funcionários
e diversos escritórios espalhados ao
redor do mundo, com um gesto, silencia o des- Essa nova situação acelerou a denominada
pertador e assim começa mais um dia. Após transformação digital, o que fez com que o
passar pelo quarto das crianças e acordá-las, modo de executar diversas atividades sofres-
vai para a cozinha, toma seu café e sai rapida- se uma mudança radical. Há quem diga que
mente, pois tem uma reunião com os escritó- em 50 dias avançamos 5 anos na implantação
rios de Berlim, Paris e São Francisco. Dá alguns da transformação digital. O trabalho em casa,
passos pela galeria do apartamento em que o home office, antes debatido de forma polê-
reside e entra no seu escritório. No monitor já mica, mostrou-se como única alternativa viável
estão presentes os seus colegas e a reunião co- para manter diversas empresas operando. No
meça. Depois de uma hora, ela deixa a reunião comércio, que caminhava para a versão online
e vai verificar se os filhos estão na escola, as- a passos largos, subitamente pequenos esta-
sistindo às aulas remotas, em seus quartos. Em belecimentos tiveram de se adaptar para tra-
seguida, vai para o computador e verifica a lis- balhar na modalidade de entregas – o delivery.
ta de compras e encaminha o pedido para seu As escolas tiveram de adaptar suas aulas, para
supermercado de preferência. Esse se tornou o que pudessem ser realizadas de forma remo-
novo normal para muitas pessoas. ta, exigindo esforço por parte de professores e
alunos. Subitamente, o lazer, os encontros nas
O que está mudando e o que já mudou baladas, as torcidas nos estádios e ginásios fo-
O momento atual, dada a pandemia, deslocou ram cerceados e novas formas de encontros,
o eixo do considerado normal para um outro pa- de assistir e interagir com os eventos, começa-
tamar. O conceito de espaço privado, a noção ram a surgir.
da rotina da casa para o trabalho, do trabalho Nunca foram vendidas tantas webcams! De
para casa e o lazer sofreram profundas mudan- repente, os cômodos das casas começaram
ças. Mudanças em função das precauções para a virar pequenos estúdios, escritórios, salas
diminuir o ritmo de propagação da doença alte- de aula. Uma mudança social está em curso.
raram diversos comportamentos sociais. O senso de comunidade, que é comum nas

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 49


Artigo

mobilizações feitas em razão de tragédias, As consequências surgem para as formas


agora também faz parte do novo normal. As como as cidades e as habitações serão plane-
pessoas passam mais tempo em casa do que jadas. A visão da antiga organização em vilas,
fora dela e, quando estão fora, estão na sua onde o cidadão mora, trabalha, estuda e con-
vizinhança, no seu bairro. some, pode retornar. Talvez os maiores pro-
blemas nos grandes centros urbanos sejam
solucionados de forma inusitada, isso é fato.
Antigos conceitos em novos tempos
Talvez muitos se perguntem: O que isso tudo
tem a ver com as smart cities? Tem tudo a ver, Afinal, o que muda?
pois, da mesma forma que o novo normal das Nesse novo ambiente, as prioridades mu-
pessoas está se transformando, as smart cities dam e passam a percorrer um caminho que
terão de repensar diversas questões. Vejamos: vai do psicossocial ao design, que por sua vez
um dos conceitos mais difundidos é que as remete à tecnologia. A valorização do espaço
smart cities são centros urbanos planejados privado – com isso, a tendência à horizontali-
onde a tecnologia é usada para otimizar a zação –, a produção de energia distribuída, a
estrutura disponível para o cidadão e assim produção de alimentos próxima ao local de
proporcionar uma experiência urbana mais distribuição e os polos de trabalho juntos ao
agradável, eficiente e sustentável. Por meio de local onde as pessoas residem podem se tor-
redes de comunicações e tecnologias que se nar mais importantes.
fazem presentes por toda parte, como a Inter- A forma de disponibilizar a inteligência da
net das Coisas, busca-se a eficientização da cidade para o cidadão é invertida. O cidadão
estrutura urbana, sua operação e serviços, co- passa a construir a inteligência da cidade na
nectando-os com o cidadão. Aplicativos para medida de suas necessidades.
melhorar a mobilidade do cidadão, facilitar A governança deve ser repensada nessa nova
acesso a serviços urbanos e muitos outros sis- realidade. Deixamos de lado as estruturas tec-
temas integrados em geral fazem parte desta nológicas e padronizadas que são ofertadas ao
visão de planejamento da estrutura oferecida cidadão, para as estruturas tecnológicas que
pelas smart cities ao cidadão. podem ser adequadas às demandas do cida-
Essa nova situação catalisada pela pandemia dão. A equidade, o senso de comunidade e a
mudou diversos comportamentos. As pessoas sustentabilidade passam a ser a tônica.
passaram a se deslocar menos, uma vez que Vislumbra-se, portanto, que as tecnologias
passam mais tempo em casa, pois muitas ati- podem até ser as mesmas ou evoluírem a cada
vidades, como trabalho e escola, passam a ser dia, entretanto a mudança no comportamento
in home. Os apartamentos compactos, pratica- social e nos hábitos dos cidadãos certamente
mente dormitórios, se tornaram pequenos, já alertam para uma reavaliação de como devem
que a família tem de passar o dia todo nele. ser pensadas as cidades do futuro.
Provavelmente, isso vai levar a uma revisão do
que é considerada uma moradia ideal. Este artigo faz parte das atividades do gru-
po de estudo Engenharia do Futuro, do Ins-
É dada preferência a realizar as compras tituto de Engenharia, e em próximos artigos
remotamente ou em estabelecimentos próximos iremos explorar os diversos aspectos das ci-
ao domicílio, o que significa comércio local e dades do futuro.
de menor porte. Empresas e escritórios serão
descentralizados, espaços compartilhados no
próprio bairro serão mais comuns. O transporte *Os autores fazem parte do grupo Engenharia do Futuro no Instituto
passará a ser de curta distância, a pé, de bicicleta de Engenharia.
ou outro meio adequado à essa situação.

50 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


JNS Engenharia, Consultoria e Gerenciamento NA ERA BIM
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A JNS se destaca pela constante busca por aplicação de tecnologias e proposição de
metodologias inovadoras aliadas à excelência técnica na Engenharia Sanitária.

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Desenvolvimento Urbano e Gerenciamento de Projetos e Empreendimentos, é reconhecida pela
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oferece soluções para obras localizadas e lineares. Desde 2014 desenvolve projetos de estações de
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interoperabilidade e colaboração intensa entre disciplinas.

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CEP 05419-902 - São Paulo - SP - Brasil Telefone: +55 11 3039-1166 CONSULTORIA E
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Artigo

SMARTCAMPUS:
DEMOCRATIZANDO A IOT
• Por Prof. Dr. José Carlos de Souza Junior*

P
or mais de uma vez, eu tive o prazer de Fruto do apoio do Centro de Pesquisas do
palestrar no Instituto de Engenharia so- IMT, de diversos estudantes e de empresas
bre a IoT (Internet of Things – Internet parceiras, o campus do IMT de São Caetano
das Coisas) e sua importância como tec- do Sul é atualmente coberto por diferentes
nologia habilitadora, que deve receber aten- tecnologias de conectividade (destaque espe-
ção na formação do engenheiro. Quando da cial para tecnologias LPWAN – Low Power Wide
introdução do tema no Centro Universitário do Area Network) e toda uma estrutura de supor-
Instituto Mauá de Tecnologia (CEUN-IMT) anos te desenvolvida para que qualquer estudante,
atrás, ficou evidente a adesão dos cursos das independentemente do seu curso, possa fazer
áreas de eletroeletrônica, computação e con- uso da IoT como meio de resolução do proble-
trole-automação. Essa resposta, já esperada, ma que identificou em sua área de atuação.
refletia a abordagem excessivamente compar- As redes LPWAN, como LoRaWANTM e Sig-
timentalizada do conhecimento que ainda ron- fox, embora relativamente recentes no país, já
da nossas instituições de ensino. possibilitam vislumbrar o potencial que a IoT
Muito embora os estudantes dos cursos su- encontra no mercado de aplicações de baixo
pracitados tivessem maior domínio das tecno- consumo e longo alcance (características al-
cançadas em detrimento da banda de dados).
logias envolvidas com a IoT, seus colegas dos
Em um movimento pioneiro no Brasil, a Ame-
cursos de produção, mecânica, química, ali-
rican Tower, que tem parceria com o IMT, é
mentos, civil tinham uma infinidade de diferen-
fornecedora de uma rede neutra LoRaWANTM,
tes oportunidades de aplicação da IoT.
que já cobre mais de 50% do PIB brasileiro e
A IoT carrega a transversalidade de conheci- está em expansão. Isso permite que soluções
mentos que defendemos como forma de en- desenvolvidas no campus possam ser aplica-
sino-aprendizagem, sendo mandatório que se das em grande parte do território nacional sem
exercite a colaboração entre diferentes áreas a necessidade da implantação de uma rede
do conhecimento para a obtenção de soluções própria.
de valor. O resultado positivo desta cultura já pode
Com o objetivo de possibilitar e fomentar ser observado no elevado número (> 15%) de
a IoT como meio de resolução de problemas Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) que
reais e não somente como desafio tecnológi- utilizam da IoT como “meio” para a resolução
co, foi criado o SmartCampus. Trata-se de um de problemas fortemente ligados às áreas de
ambiente de interação e suporte para os diver- química, alimentos, civil, mecânica, produção,
sos cursos do CEUN-IMT e aberto para toda a gestão, design, entre outras.
sociedade interessada em aplicar IoT na solu- O SmartCampus faz com que o campus seja
ção dos mais variados desafios. visto como um grande laboratório de aplicações,

52 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


onde se monitora e estuda diversas grandezas: biente empresarial, permitindo que empresas
consumo de água e energia, movimentação de das mais diversas áreas implementem e comer-
pessoas, variáveis ambientais, uso da iluminação cializem soluções de IoT.
e sistemas de condicionamento de ar, monitora- Há uma grande preocupação com a estrutu-
mento de equipamentos, sistemas de segurança ração da informação, em especial nas empresas
etc. Além disso, toda estrutura é disponibilizada que têm outras empresas como suas clientes,
para que qualquer disciplina utilize a tecnologia de modo a futuramente permitir que os dados
de IoT para enriquecer a experiência de apren- oriundos dos mais diversos pontos e sensores
dizado de seus alunos. possam ser compartilhados e comercializados
A parceria empresa-academia também tem entre empresas. O pesquisador e empresário
papel crucial no processo da democratização da área de AI (Inteligência Artificial) Kai-Fu Lee
da IoT. Atualmente, temos empresas dos mais equipara a importância dos dados em nosso
diversos setores operando em conjunto com o futuro próximo com a importância do petróleo
SmartCampus. na Revolução Industrial. Nesse ponto, a ProIoT
Algumas soluções desenvolvidas com base traz uma proposta realmente disruptiva, em-
nesse ambiente já se tornaram produtos que bora ainda não liberada na versão comercial.
fortalecem o ecossistema da IoT. Como exem- A plataforma foi elaborada para permitir a in-
plo, temos as soluções de hardware LoRaWAN clusão do comércio de dados em um market­
licenciadas para a Aspect Mídia, sendo uma de- space (utilizo aqui o termo difundido por Kevin
las um sistema de monitoramento de luzes de Kelly para enfatizar algo muito mais amplo que
emergência que monitora também umidade, o marketplace). Chegará o momento no qual
temperatura, luminosidade e movimento de tanto serão os dados disponíveis que não fará
pessoas no ambiente. Cerca de 100 ambientes sentido, para algumas aplicações, investir na
do campus receberam esses dispositivos, per- instalação de mais sensores. Estes mesmos da-
mitindo uma gestão eficiente dos recursos. dos combinados poderão resolver problemas
que sequer foram imaginados quando do pro-
As redes LPWAN, como LoRaWANTM e Sig-
jeto de coleta inicial (conceito “do possível ad-
fox, embora relativamente recentes no país, já
jacente” criado por Stuart Kauffman em mea-
possibilitam vislumbrar o potencial que a IoT
dos do século XX).
encontra no mercado para aplicações com dis-
positivos de baixo consumo e longo alcance Lembremos que os dados, assim com o pe-
(características alcançadas em detrimento da tróleo na Revolução Industrial, são a fonte ge-
banda de dados). No Brasil, a American Tower, radora, mas que o ganho efetivo se faz com a
que tem parceria com o IMT, é fornecedora de transformação dos dados em informações de
uma rede pública neutra LoRaWANTM, que co- valor para tomadas de decisão. Defendo que
bre mais de 50% do PIB brasileiro. Isso permite sobre esse oceano de dados (IoT) repousa
que soluções desenvolvidas no campus pos- uma camada de agregação que denomino BoE
sam ser aplicadas em grande parte do território (Behavior of Everything), que, utilizando tecno-
nacional sem a necessidade da implantação de logias como AI e Data Analytics, gera valor.
uma rede própria. O passo seguinte para plataformas é permi-
Outro exemplo de parceira bem-sucedida está tir a comercialização de soluções (BoE) de tra-
na ProIoT, empresa que criou uma plataforma tamento de dados – o que abrirá espaço para
de desenvolvimento de soluções profissionais a definitiva fusão entre empresa e academia.
em IoT com base nos conceitos estabelecidos Prof. Dr. José Carlos de Souza Junior é reitor do Centro Universitário do
pelo SmartCampus. Fruto da conexão empresa- Instituto Mauá de Tecnologia. Engenheiro eletricista (eletrônica) pelo
-academia, a ProIoT tem por objetivo replicar o Instituto Mauá de Tecnologia. Mestre e Doutor em Engenharia Eletrôni-
ambiente de democratização da IoT para o am- ca pela Escola Politécnica da USP.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 53


Artigo

5G – HABILITANDO A
TRANSFORMAÇÃO DAS
INDÚSTRIAS E DA SOCIEDADE

U
• Gilson Cereda e Paulo Bernardocki*

ma transformação digital está ocorren- experiências conectadas e intuitivas possíveis.


do em praticamente todos os setores, Este é apenas um exemplo para o mercado
causando ruptura dos processos exis- consumidor. A IoT industrial torna a escala de
tentes e nos fazendo repensar nossas disponibilidade de dados e a possibilidade de
maneiras de trabalhar e inovar o dia a dia. Por aplicar inteligência artificial e computação em
meio de uma capacidade sem precedentes nuvem ainda mais surpreendentes.
de compartilhar informações, as pessoas e as Todas essas tecnologias dependem de
indústrias estão colaborando mais, criando abundância de conectividade. Embora o ní-
soluções que combinam muitas áreas diferen- vel atual de desempenho tenha sido suficien-
tes de especialização e derrubando modelos te para o desenvolvimento dos casos de uso
de negócios tradicionais. Essa transformação existentes, os casos de uso futuros superarão
em toda a indústria vem sendo acelerada pela as capacidades das tecnologias existentes,
evolução da conectividade sem fio, e a quinta exigindo um desempenho mais alto. Uma
geração de tecnologia de redes móveis permi- conectividade sem garantia de qualidade e
tirá a conexão de toda a economia. O objetivo confiabilidade (best effort) não será mais su-
é expandir a capacidade de banda larga das ficiente para atender aos níveis de diferen-
redes móveis e fornecer recursos específicos ciação de serviço que os novos casos de uso
para os consumidores, para várias indústrias e exigirão. Esse fato abre uma oportunidade
a sociedade em geral, maximizando o poten- para as operadoras se reposicionarem na ca-
cial da Internet das Coisas (IoT). deia de valor. Questões como desempenho e
A Inteligência Artificial (IA) e a computação segurança tornaram-se ainda mais relevantes
em nuvem se fundiram para melhorar a vida de nas agendas de todos.
milhões. Assistentes digitais como Siri, Goo- Embora os clientes finais possam escolher
gle Home e Alexa da Amazon combinam IA e entre várias alternativas de conectividade, há
computação em nuvem em nossas vidas dia- uma variedade de casos de uso em que o 5G
riamente. Com uma rápida chamada verbal, fornece desempenho superior em compara-
os usuários podem fazer uma compra, ajustar ção com outras alternativas. Sempre que hou-
um termostato doméstico inteligente ou ouvir ver necessidade de cobertura mais ampla,
uma música em um alto-falante conectado. roaming, qualidade diferenciada de serviço
Um fluxo contínuo de recursos de IA e nu- e segurança ponta a ponta, o 5G é a melhor
vem tornam essas solicitações uma realidade. escolha. A implantação e o gerenciamento
A maioria dos usuários nem mesmo percebe desses recursos em escala são competências
que é uma mistura personalizada dessas duas naturais dos operadores de rede.
esferas de tecnologia – inteligência artificial e Quando implementado em todas as suas
computação em nuvem – que tornam essas capacidades, o 5G entregará experiências

54 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


em velocidades de Gbps, com atrasos na transmitindo imagens para um servidor em
rede em milissegundos da ordem de 1 dígito nuvem com uma solução em IA de detecção
(atualmente as redes LTE operam em torno de pragas. A imagem é processada remota-
de 50 ms), com possibilidades de diferen- mente e o servidor envia imediatamente o
ciar os serviços por aplicação. Esse recurso polígono de pulverização de pesticida de
é essencial para desenvolver casos de uso volta ao drone, para que a identificação e a
para segmentos verticais de mercado, onde pulverização aconteçam em um único voo.
os requisitos podem variar drasticamente Quando tratamos de indústria manufaturei-
entre os aplicativos. Por exemplo, uma linha ra, o 5G oferece amplos benefícios aos pro-
de produtos automatizada terá centenas de cessos de fabricação. Câmeras conectadas e
dispositivos, com desempenho rigoroso em dispositivos de detecção podem, por exem-
termos de rendimento e latência, enquanto plo, fornecer feedback para centros de con-
uma empresa de água implantará milhões trole, permitindo que uma equipe qualificada
de medidores residenciais, com requisitos de controle e direcione a fabricação remotamen-
desempenho mais flexíveis. A capacidade de te, resultando em maior segurança, produti-
atender a cada aplicação com o que ela exi-
vidade e flexibilidade. O 5G também pode
ge, com desempenho garantido, é chamada
oferecer suporte à manutenção preditiva para
de Fatiamento de Rede (Network Slicing). Ba-
robôs, que, aproveitando soluções analíticas
sicamente, a rede se divide em várias instân-
avançadas, construídas sobre algoritmos de
cias lógicas distintas, onde cada uma entrega
IA e ML, podem analisar e prever ameaças po-
conexão com capacidades específicas.
tenciais antes que ocorram. As capacidades
Tendências globais de negócios, como de resiliência sob alta carga da tecnologia 5G
hipercompetição, novas dinâmicas de po- podem garantir que não haverá degradações
der e sofisticação dos clientes, mudanças de desempenho, especialmente quando com-
aceleradas nos ecossistemas de negócios e parado com tecnologias não licenciadas, bem
avanços tecnológicos disruptivos ocorrendo como fornecendo segurança fim a fim integra-
de maneira constante e contínua, afetam as da ao protocolo e desempenho de velocidade
verticais industriais em diferentes extensões. e latência acima dos níveis requeridos pelos
As indústrias estão se movendo em direção serviços e aplicações (SLA).
à digitalização para buscar melhorias dos
resultados de negócios: para aumentar a re- Com a conectividade no centro da transfor-
ceita, atender melhor seus clientes, aumentar mação da indústria, os sistemas 5G terão um
a demanda e vencer a concorrência; para di- papel-chave não apenas na evolução das co-
minuir custos, aumentar a produtividade e a municações, mas na evolução dos negócios
eficiência; e, para diminuir o risco, aumentar e da sociedade como um todo. O 5G irá es-
a segurança e a proteção. tender a já ampla capacidade das redes mó-
veis, tornando-as plataformas para diferentes
Dois segmentos verticais de grande rele-
industriais verticais e aplicações. Consequen-
vância para o PIB brasileiro e que podem se
temente, o 5G será o principal facilitador da
beneficiar rapidamente dos avanços do 5G
Internet das Coisas e da sociedade conectada,
são o agronegócio e a indústria manufaturei-
convertendo-se em uma infraestrutura essen-
ra. No caso da agricultura, há demanda por
cial para o avanço da economia nacional.
amplas áreas de cobertura, exigindo cone-
xões rápidas (Mbps) para vídeo e operação
remota de máquinas. Um caso de uso avan- * Gilson Cereda e Paulo Bernardocki são engenhei-
çado para 5G pode ser um drone conectado ros da Ericsson Brasil.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 55


BIM Pessoas

NOVOS HORIZONTES
PARA A ENGENHARIA
CURSOS E TREINAMENTOS PREPARAM ENGENHEIROS E PROFISSIONAIS
DA ÁREA PARA USO CRESCENTE DA METODOLOGIA BIM

• Por Juca Guimarães

A
s técnicas de construção desenvolvi- Para ele, o BIM é parte também do conjun-
das pelos povos ao longo dos tem- to de inovações da chamada Indústria 4.0.
pos tinham como objetivo aproximar Como tendência devem surgir sensores de
a ideia concebida na imaginação alta tecnologia para continuar alimentando
com a obra pronta. Foram várias as limitações o banco de dados do modelo criado para as
e os entraves que mantiveram afastados o que edificações.
foi “pensado” do que foi “construído” até o “A tecnologia de sensores vai se acoplar ao
surgimento, em meados dos anos 1970, do
modelo digital desenvolvido. A edificação
conceito de Building Information Modeling
virtual será idêntica, em todos os sentidos, à
(BIM), nos Estados Unidos.
edificação real (gêmeo digital), facilitando a
O BIM é um banco de dados completo atre- comparação de dados, as manutenções e o
lado a ferramentas de construção em 3D, que acompanhamento do uso”, afirma.
permitem uma infinidade de simulações, cál-
O conceito BIM amplia também o potencial
culos e projeções eficientes para o planeja-
mento, a construção e também para a manu- cooperativo dos projetos, pois permite que
tenção das edificações. vários desenvolvedores atuem simultanea-
mente no projeto. Os dados e as atualizações
Com informações mais precisas sobre o
são armazenados em nuvem e compartilha-
modelo de construção proposto, é muito
dos por todos. A nuvem é uma tecnologia
mais fácil projetar, corrigir erros e economizar
que permite o “estoque” de grande quanti-
tempo e dinheiro. “É um modelo digital que
dade de dados em um servidor online.
tem todas as informações disponíveis sobre
o empreendimento: as características físicas, “Dentro dos escritórios de engenharia o
técnicas, prazos e custos. Um exemplo de uso BIM já é compartilhado entre as equipes com
é quando combinamos o tempo de execução muita eficiência. Vejo que essa cooperação
e a composição do custo relacionada ao ob- pode envolver empresas e até países em
jeto. Dessa forma, temos uma linha do tem- projetos grandes”, disse Valente, responsável
po da construção com o ciclo financeiro vir- pelo projeto em BIM da reforma e ampliação
tual”, diz o engenheiro Guilherme Valente, da do aeroporto Coronel Altino Machado, em
GVBIM, de Governador Valadares (MG). Governador Valadares (MG), obra integrante

56 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


dade Matarazzo, que está sendo erguida no
Guilherme Valente, centro de São Paulo e conta com uma aplica-
Fotos: arquivo pessoal

da GVBIM ção robusta da tecnologia BIM.


Como se trata de uma tecnologia muito di-
nâmica e que contempla muitas especialida-
des, os engenheiros que desenvolvem proje-
tos no BIM devem ter um perfil múltiplo, com
habilidades de comunicação, de trabalho co-
laborativo e facilidade em aprender concei-
tos de áreas diferentes.
“No planejamento 4D, que utiliza a tecno-
logia BIM, as tarefas se desenrolam em uma
sequência construtiva que foi determinada no
cronograma. Todas as informações podem ser
Sergio Scheer, acessadas e analisadas na simulação”, diz Va-
da UFPR lente.
A tecnologia também pode ser usada em
ambiente de realidade aumentada para me-
lhor interagir com profissionais de outras
da estratégia BIMBR, estratégia do governo áreas e com o dia a dia de obra. Um exemplo
federal para a disseminação e ampliação do é o aplicativo brasileiro Augin, que aproxima
uso do BIM no Brasil. essa experiência do usuário.
As possibilidades de auxílio do BIM para o “No projeto do aeroporto mesmo, a gente
trabalho de engenheiros, arquitetos, proje- se deparou com uma situação interessante.
tistas e gestores estão em pleno desenvolvi- A Anac tem uma série de análises sobre ges-
mento e as novidades não param de surgir. tão de riscos. Então simulamos em software
Nos anos 1980 e 1990, os EUA, a Finlândia e de computação gráfica as condições climáti-
o Reino Unido lideraram os projetos de uso cas possíveis e, com um óculos de realidade
da tecnologia. Mais recentemente, o resto do virtual, o funcionário pode avaliar a situação
mundo também se integrou ao BIM. O par- no ambiente virtual como se fosse real. Ele
que aquático das Olimpíadas de Pequim, na começou a ver riscos e problemas que antes
China, em 2008, foi construído com a tecno- não seriam detectados em outros tipos de
logia BIM. No Brasil não é diferente: diversas análise”, disse Valente.
empresas e órgãos buscam aplicar em suas No meio acadêmico, também é recente o
obras essa tecnologia. Um exemplo é a Ci- protagonismo inovador do conceito BIM. A

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 57


BIM Pessoas

primeira conferência acadêmica sobre BIM


aconteceu em 2005, no Georgia Institute of
Technology (GIT), nos EUA, reunindo grandes Alexandre
especialistas. Pasquini Praxedes
A legislação brasileira já leva em considera- da Concremat
ção o BIM nas normas para a autorização de Engenharia e
Tecnologia
obras públicas. “A partir do Decreto 10.306,
de 2 de abril de 2020, o governo estabele-
ceu a utilização de BIM na execução direta
ou indireta de obras e serviços de engenha-
ria realizados pelos órgãos e entidades da acordos de certificação com universidades e
administração pública federal, atendendo à com CanBIM, CIAT e BRE Academy, do Reino
Estratégia Nacional de BIM que tem um pla- Unido.
no de exigências de projetos em BIM para
2021, projeto e construção em 2024 e pro- A buildingSMART, entidade global fundada
jeto, construção e operação/manutenção em em 1994, que cuida do OpenBIM e padrões
2028”, disse o professor e engenheiro civil correlatos, também tem um programa de
Sergio Scheer, da pós-graduação da UFPR. apoio à qualificação e certificação profissio-
nal com cursos de treinamento e práticas em
“Em toda minha carreira o foco sempre foi
projeto voltados a gerentes, coordenadores
o uso de computação aplicada à solução de
BIM e gestores de informações, com mais de
problemas de engenharia. Durante o douto-
200 horas de aulas e práticas.
rado, no início dos anos 1990, desenvolvi tra-
balhos em 3D e com modelos paramétricos e Para os iniciantes, o Senai tem um curso gra-
orientação a objetos visando ao planejamen- tuito e online sobre BIM, com carga horária de
to e à orçamentação sem imaginar, na época, 20 horas. O curso aborda os softwares, os ciclos
que tratava de 4D e 5D, abordando as tecno- da construção, os usos do BIM e as tendências
logias ditas disruptivas (aqui incluindo o BIM para o futuro. Para fazer o curso “Desvendando
como motor de inovação em AEC). Atualmen- o BIM”, é preciso ter 16 anos, nível fundamental
te, sigo olhando mais à frente, além do BIM, de escolaridade e conhecimento básico de na-
nas próximas transformações que virão em- vegação na internet. O prazo para fazer o curso
purradas pelas tecnologias do porvir”, diz. gratuito do Senai é de 21 dias.
Os estados de Santa Catarina e do Paraná O diretor Abílio José Weber, da Escola Se-
vêm tratando de BIM desde 2013. No Para- nai Orlando Laviero Ferraiuolo, destaca a im-
ná, depois de um primeiro plano de fomento portância dos cursos na preparação e capaci-
(2015-2018), se estabeleceu um plano estra- tação dos engenheiros em tecnologia.
tégico em 2019 que determina para o ano de “Essa capacitação precisa ser orientada e
2022 a obrigatoriedade de uso do BIM em sistematizada por um currículo educacional
projetos e obras em contratações. desenvolvido com metodologias que somen-
te a escola pode oferecer, evitando, assim, as
Cursos distorções na aplicação das tecnologias e pro-
Os engenheiros interessados em BIM encon- cessos aplicados durante o desenvolvimento
tram boas opções para aprendizados e apri- das fases de planejamento, projeto, execução,
moramento. A título de exemplificação, o Zi- operação e manutenção”, diz.
gurat Global Institute of Technology, sediado No Brasil, o uso crescente da tecnologia na
em Barcelona, oferece cursos internacionais engenharia, a partir dos anos 1990, também
sobre a temática do BIM, como MBAs, e tem ajudou a criar interesse e curiosidade sobre

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CURSOS E TREINAMENTO zação na implantação de obras de softwares: Bentley, Vico, VectorWorks,
EM BIM infraestrutura. Solibri, OrçaFascio, Graphisoft, Auto-
Zigurat Global Institute of desk e ACCA.
Nosso BIM tem um curso online de
Technology, sediado em Barcelona,
600 horas com duração de 12 meses. IPOG tem um curso de pós-gradua-
oferece cursos internacionais na te-
O International Master BIM Manager ção em BIM, com 432 horas, e foco
mática do BIM (como MBAs) e tem
é dividido em seis blocos e 27 mó- em ferramentas e processos.
acordos de certificação com univer-
dulos.
sidades e com o CanBIM, CIAT e BRE AJ Grupo tem cursos de pós-gra-
Academy do Reino Unido. CERTIFICAÇÃO DE SOFTWARE
duação com titulações reconhecidas
ACCA software tem um curso com
BuildingSMART tem um progra- pelo MEC sobre a tecnologia BIM.
17 aulas sobre os recursos de mo-
ma de apoio à qualificação e certi-
delagem (2D e 3D), cronograma, or- Universidade de Brasília tem um
ficação profissional com cursos de
çamento, edição de fotos e vídeos, curso de especialização em edifica-
treinamento e práticas em projeto
entre outros recursos do software ções no BIM.
voltadas a gerentes e coordenado-
em BIM.
res BIM. PUC-RS tem um curso regular no
MBA Centro de Educação Continuada so-
Senai tem o curso online Desven-
INBEC tem um curso de MBA em pla-
dando o BIM, de 20 horas, gratuito, bre o BIM.
taforma BIM, com ênfase na modela-
que é indicado para iniciantes. PUC-MG tem um curso EAD sobre BIM,
gem, planejamento e orçamento. O
Instituto de Engenharia tem um curso tem 20 disciplinas com 20 horas com 360 horas e 18 meses de duração
curso online de BIM com especiali- de duração cada uma delas e usa os para engenheiros.

o BIM. O engenheiro Alexandre Pasquini Pra- e eventos por ano. Para ele, a experiência
xedes é um exemplo de profissional que fez trouxe conhecimento e abriu caminho para o
essa migração ao longo da carreira. contato com outros profissionais da área com
“Desde criança, já gostava de engenharia, interesses em comum.
apesar de ainda não saber naquela época que “O curso foi muito bom porque uniu a teo-
se tratava de tal. Gostava muito de construir, ria e a prática em todos os módulos. Logo na
criar e montar coisas, principalmente com primeira aula, fomos apresentados ao nos-
Lego. Na época de vestibulares, sempre pro-
so dataset, um projeto fictício de um trecho
curei os cursos de engenharia e me graduei
rodoviário contendo uma obra de arte e um
em engenharia ambiental em 2007. Em 2011,
tive meu primeiro contato direto com uma túnel e, durante as aulas, íamos aplicando
obra de grande porte quando fui trabalhar na todos os conceitos apresentados neste pro-
construção de um lote da Ferrovia Norte Sul jeto. Além disso, o curso proporcionou um
(140 km) e lá tive a certeza de que iria construir importante network e benchmark, uma vez
minha carreira profissional no segmento da que tinham alunos de diversas empresas e
engenharia e construção”, conta o engenhei- segmentos da engenharia, como gerencia-
ro, que hoje é coordenador de implantação da doras, construtoras, projetistas e concessio-
Concremat Engenharia e Tecnologia. nárias” diz o engenheiro, que é integrante
Praxedes fez o curso de BIM do Instituto de do Comitê BIM para Infraestrutura da Câma-
Engenharia, que realiza mais de 160 cursos ra Brasileira de BIM (CBIM).

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 59


BIM Pessoas

CURSO DE QUALIFICAÇÃO EM BIM PARA GESTORES


PÚBLICOS DEVE SER LANÇADO NO FINAL DO ANO
Entre os obstáculos para a adoção O acesso ao curso será gratuito por trução civil, principalmente no setor
do BIM que precisam ser superados meio do endereço  enap.gov.br/pt/. público, onde a maioria não é espe-
pelo setor público e pelo mercado, O público-alvo são servidores e ges- cialista, mas é responsável pelos ter-
a qualificação dos atores desse pro- tores públicos, mas ele será aberto mos de referências e licitações.
cesso é o mais urgente e essencial. para servidores dos governos esta- “Também é preciso focar nesses
Na modelagem da informação, a duais e municipais. O lançamento nichos de profissionais dentro da ca-
responsabilidade para o desenvolvi- está previsto para o final de 2020. deia: BIM para advogado, BIM para
mento, controle e entrega de dados O governo também tem buscado RH, BIM para administrador”, diz.
é também do contratante. as faculdades de arquitetura e enge-
Diferentemente do processo con- nharia para estimular a implemen- Guias e normas
vencional, se o gestor público não é tação de disciplinas que abordem o No Brasil já existem ferramentas
parte envolvida no desenvolvimento assunto nas graduações e a criação para se obter qualificação, mesmo
do trabalho, não é possível contratar de cursos de pós-graduação na área. fora das universidades. O "Manual
em BIM. Por isso, a capacitação está Há projetos de parcerias com duas BIM" (Estman, Teicholz, Sacks & Lis-
inserida nos objetivos da Estratégia universidades federais (UFPR e outra ton) já foi traduzido para o portu-
BIM BR e já começou a ser planejada. em processo de seleção) para a im- guês, em 2014, e "Guias BIM", em
No ano passado, o Ministério da Eco- plantação de uma célula BIM, com português, foram desenvolvidos
nomia firmou um termo de colabora- intuito de estimular a disseminação pela CBIC em 2016 e pela ABDI e o
ção com uma Organização da Socieda- do tema. antigo MDIC em 2018.
de Civil e uma das metas previstas no Mas os conceitos BIM também Na ABNT, está sendo desenvolvida a
edital é a realização de cursos, um de- precisam estar presentes em outras primeira Norma BIM Brasileira, a ABNT
les prestes a ser lançado na plataforma áreas de formação, como direito e NBR-15965, que consiste em um sis-
da Escola Nacional de Administração administração, conforme defendem tema de classificação das informações
Pública (Enap), na internet. Gustavo Carezzato, da Graphisoft, e e já foi parcialmente publicada.
“A ementa previa inicialmente a José Romeu Ferraz Neto, diretor titu- “As pessoas interessadas já pos-
parte presencial e depois a de EAD. lar do Departamento da Indústria da suem recursos em português, para
Com o advento da pandemia, essa Construção e Mineração da Federa- iniciar seus estudos e esforços de
ordem foi invertida. A parte EAD já ção das Indústrias do Estado de São capacitação, e o próprio BIM Fórum
está sendo elaborada, alguns módu- Paulo (Fiesp). [prestes a ser criado no Brasil] tem,
los estão prontos, e eles contemplam Para Carezzato, é necessário haver entre seus projetos potenciais, o
informações sobre licitação e contra- uma mudança das diretrizes do MEC desenvolvimento de cursos de capa-
tação em BIM, para capacitar os ser- para tornar obrigatórias matérias so- citação, inclusive na modalidade de
vidores com questões práticas, sobre bre BIM em alguns cursos. Ele lem- ensino a distância”, anuncia Wilton
como elaborar editais e termos de bra que muitos outros profissionais, Catelani, consultor da CBIC.
referência”, detalha Adriana Arruda, além do engenheiro e do arquiteto,
do Ministério da Economia. estão envolvidos na cadeia da cons- Por Deborah Freire

60 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


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CURSO DE
ESPECIALIZAÇÃO EM BIM
• Por Marcelo Nonato e Edna Frazillio*

O
Instituto de Engenha- O que é ensinado

Fotos: Instituto de Engenharia


ria, em parceria com neste curso?
a Camargo Corrêa In- A construtora fictícia Soul-
fra e a Frazillio Solutions, de- BIM tem o desafio de cons-
senvolveu o Curso de Espe- truir uma obra na região da
cialização em BIM aplicado grande Florianópolis. Essa
à implantação de obras de obra tem estrada, ponte es-
infraestrutura. taiada e túnel em seu esco- Sala de aula no Instituto de Engenharia
Em setembro de 2020, ini- po. Ela recebe os projetos da
ciamos a terceira turma, com obra já modelados em BIM e
20 alunos e carga horária de precisa planejar e executar a Civil 3D, AutoCAD MAP 3D,
112 horas. Todas as aulas são obra tirando o máximo pro- ReCAP, BIM 360 e Synchro.
ministradas ao vivo, podendo veito possível das ferramen- Todos os exercícios exploram
ser acompanhadas a distân- tas de BIM. O curso é todo como essas ferramentas são
cia, com opção de acompa- baseado neste case, para utilizadas na fase de constru-
nhamento presencial. A se- possibilitar um aprendizado o ção de um empreendimen-
guir estão algumas perguntas mais próximo possível do dia to. Por exemplo: aprende-se
e respostas sobre o curso. a dia de uma construção real. como gerar a superfície do
A quem se destina Este curso é teórico terreno a partir de uma nu-
este curso? ou é prático? vem de pontos, utilizando-a
para projetar o canteiro, in-
O curso é especialmente Neste curso, aprende-se a
cluindo suas instalações, pla-
indicado a profissionais com teoria praticando. Os instruto-
alguma experiência no de- tôs e vias de acesso.
res da Frazillio Solutions e da
senvolvimento de projetos, Camargo Corrêa Infra trazem De onde veio a ideia de
construção e operação de uma bagagem que acumula oferecer este curso?
obras de infraestrutura. Não milhares de horas de treina-
Hoje temos carência de
é pré-requisito ter experiên- mento para profissionais de
profissionais com conheci-
cia em BIM. grandes empresas do Brasil,
responsáveis por implantar mento em BIM para atuar nas
ou operar infraestrutura. grandes obras de infraes-
trutura. Temos convicção de
São utilizados softwares que um profissional que co-
de BIM neste curso? nhece e domina conceitos e
As seguintes ferramentas ferramentas é mais produti-
são utilizadas no curso, sem- vo e assertivo, em especial
pre na última versão disponí- quando já tem algum conhe-
Modelo BIM utilizado durante o curso vel: Infraworks, Navisworks, cimento prévio com enge-

62 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


nharia de valor, planejamen-
to e controle de obra.
Para quem trabalha
como projetista, vale a
pena fazer este curso?
Nas primeiras duas turmas
do curso, nove dos 37 alunos
eram projetistas. Hoje, eles
compreendem que a forma
como o projeto é detalhado
pode facilitar a fase de exe-
cução da obra. É aplicado o
conceito de construtibilidade
durante todo o curso, no qual Conclusão do curso da primeira turma, em 2019
o projeto é desenvolvido com
a participação do construtor.
Essa prática é muito comum contratado. Também serve sobre BIM são compostos
em empreendimentos fora como uma preparação para a de profissionais de diversas
do Brasil. fase de operação, identifican- empresas, “concorrentes” ou
do quais tipos de registro são não, que compartilham aber-
E para quem trabalha importantes durante a cons- tamente suas boas práticas e
em concessionária de trução, para uso posterior em suas limitações, na busca do
serviços de transporte, Facilities Management. melhor set-up de trabalho
saneamento e energia, vale possível.
a pena fazer este curso? Este curso é organizado
Há uma “crença” de que os pela Camargo Corrêa Infra Como é a avaliação do
construtores são os principais e o aluno trabalha em uma curso? São desenvolvidos
beneficiados quando há a empresa concorrente. trabalhos extraclasse?
adoção do BIM em todo ciclo Isso pode gerar algum Todas as atividades são
de vida do empreendimen- tipo de constrangimento realizadas durante as aulas.
to. Provavelmente isso seja durante o curso? Não existe avaliação formal
verdade, mas, para que esse Este curso é desenhado es- para a emissão do certifica-
“benefício” se realize, a pos- pecialmente para profissio- do de participação, apenas
tura favorável do proprietário nais de construtoras. Na turma a presença mínima em 70%
é importante. Considere tam- de 2019, 14 dos 37 alunos tra- das aulas. Na turma de 2019,
bém que a adoção do BIM balhavam em grandes cons- com frequência, em função
será exigência de lei no Bra- trutoras. Entendemos que, de análises e reflexões duran-
sil em breve. Entender como quanto mais as empresas ado- te as aulas, alguns alunos vo-
o BIM é utilizado na fase de tarem os processos de BIM, de luntariamente pesquisaram
construção ajuda o proprie- forma efetiva, mais eficiente determinados tópicos, que
tário no desenho de seu pro- ficará toda a cadeia de cons- foram compartilhados com a
cesso de BIM, entendendo trução. O uso do BIM hoje turma na aula seguinte.
como os riscos são mitigados em dia não é mais diferencial
nesse processo, em especial competitivo, não há “segredo *Marcelo Nonato é coordenador da Divisão
nos aspectos de prazo, qua- industrial” nesse aspecto. Os Técnica de Informática do IE e Edna Frazillio é
lidade e gestão do escopo melhores grupos de trabalho diretora na FF Solutions.

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Artigo

PRECISO APRENDER
BIM! E AGORA?
• José Carlos Lino e Claudius Barbosa*

A
s universidades, naturalmente vin- nientes se encontram em locais distintos, e o
culadas aos sistemas convencionais ensino assíncrono, em que é preparado um
de ensino, tardaram a acordar para pacote de informação que o aluno pode con-
esta realidade, não só pela confu- sultar e explorar, à sua velocidade e no tempo
são subliminar que vigorou de que BIM é sof­ que mais lhe convier. A disponibilidade para
tware, mas também pela estrutura do corpo aprender ao ritmo e tendo em conta a dis-
docente e respectivos órgãos de gestão pe- ponibilidade de cada um é uma das grandes
dagógica, com ainda pouco conhecimento vantagens do ensino assíncrono; no entanto,
e experiência nestas áreas muito recentes, o no ensino online síncrono, temos a rara opor-
que dificulta a aceitação e adoção destes no- tunidade de contactar, ao vivo, com mestres
vos conceitos, bem como os inerentes novos em sabedoria, conhecimentos ou experiência,
modos de ensinar. com os quais dificilmente nós cruzaríamos ao
Diversos cursos e treinamentos profissionais, longo da nossa vida.
voltados para técnicos e profissionais, em for-
matos online ou presenciais, de curta ou longa E sobre o conteúdo?
duração, generalistas ou de especialização, Ao escolher um curso BIM, o profissional
gratuitos ou pagos, surgiram no mercado, para deverá garantir que o seu conteúdo progra-
todos os gostos e carteiras. E a procura está aí mático se adequa ao objetivo que pretende
e continua a aumentar. Então como separar o atingir com essa formação, que é, em última
trigo do joio? Qual formação escolher? instância, a capacitação que procura adqui-
rir. Dependerá muito se estamos falando de
Formato a adotar? treinar competências de nível mais gerencial,
mais estratégicas, ou de competências mais
O formato virtual vem proporcionar um enor-
operativas e de aplicação prática imediata.
me passo na democratização do ensino que De qualquer modo, a compreensão: i) do que
até aqui tinha estado limitado aos grandes é esse novo conceito; ii) do seu enquadra-
centros e às universidades. Em contraponto, é mento nos programas de normalização e le-
preciso avaliar as limitações e os condicionan- gislação, quer nacionais, quer internacionais;
tes no acesso a uma rede com internet que po- e iii) das suas funcionalidades e usos, ainda
derão condicionar parcial ou totalmente estas que básica e em outras áreas vizinhas, são es-
aspirações. senciais de abordar antes de se aprofundar
No online, podemos distinguir entre ensi- nesta ou naquela habilidade, ferramenta ou
no síncrono, em que é imitada uma aula pre- competência, como é tão típico do chamado
sencial ou uma apresentação, mas os interve- ensino de competências “em T”: depois de

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E o software?
BIM não é software, mas não tem existência
prática e visível sem as aplicações tecnológi-
cas que lhe dão suporte. É por isso que ensi-
nar e treinar em conceitos de multiplataforma
de modelação, solicitando aos alunos que es-
colham mais do que uma ferramenta com o
mesmo fim, proporciona ao profissional a ca-
pacidade de compreender os conceitos dessa
metodologia, envez de ficar limitado às funcio-
nalidades das ferramentas. Além disso, confe-
re disponibilidade para experimentar novas
ferramentas, o que lhe vai dar o conhecimento
informático necessário para responder à úni-
Perfis BIM (NossoBIM, International Master BIM Manager, 2016)
ca certeza que terá para o resto da sua vida
profissional, que será a sua necessidade de
desenvolver capacidades de adaptação. Ser
capaz de dar um curso de BIM, integrando
múltiplas ferramentas e múltiplas marcas, de
modo totalmente aberto e agnóstico, propor-
compreendermos o todo, nos especializamos ciona aos alunos uma independência e uma
em determinado assunto, figurado pelo mer- liberdade mental para avaliarem criticamente
gulho da perna do T. as opções que são melhores para cada um e
para as condições que os envolvem.
E quanto aos professores? De qualquer modo, isso não significa que as
O professor, nos modernos sistemas de en- marcas não tenham um papel muito importan-
sino de arquitetura e engenharia, é mais um te no ensino do BIM. Cabe-lhes o esclareci-
facilitador, um treinador, um mentor que en- mento e treinamento na assistência técnica ao
sina seu pupilo a aprender e o orienta nesta produto. É responsabilidade da marca propor-
miríade de opções e informações, fazendo-o cionar cursos de diferentes níveis de comple-
seguir determinado rumo e ajudando-o a fo- xidade, que ajudem a tirar partido do poten-
car-se nos objetivos importantes. cial dessas ferramentas.
Portanto, é muito importante que os pro- Por último, mas de vital importância, é preci-
fessores de ensino de BIM possam respon- so realçar a necessidade de todo este ensino
der a este multifacetismo que proporciona ser feito enaltecendo os princípios da intero-
ao aluno a compreensão de uma temática perabilidade e do Open-BIM, princípios que
que em si própria também é abrangente e têm sido adotados pela maioria dos orgãos
de banda larga. Apenas a título de exemplo, públicos e privados que regulam sobre BIM.
no International Master BIM Manager que
a NossoBIM criou em 2014, que se trata de
uma especialização latu sensu de longa du-
E sobre a prática?
ração (600h) com mais de 700 BIM Managers A prática tem que ser colaborativa e procu-
já formados até a data, o corpo docente tem rar imitar os processos reais com que o aluno
sido sistematicamente avaliado positivamen- vai se deparar no mercado de trabalho, nas
te pelos alunos, precisamente por enquadrar empresas ou nas instituições. Uma prática co-
essa abrangência. laborativa que passe pela criação de grupos

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Artigo

de trabalho, em que cada um possa assu- a procurar soluções muito mais baratas ou,
mir papel ou perfil BIM neste processo. Esse preferencialmente, gratuitas, desvirtuando os
modo de trabalhar e de partilhar permite a princípios desta modalidade.
multiaprendizagem, promove a interajuda e
O mercado do gratuito, por exemplo, o Có-
leva ao networking. Em última instância, essa
digo Aberto, tem as suas particularidades, que
necessidade de colaborar à distância, estimula
têm sido distorcidas, precisamente por essas
a interação, garantindo um alcance alargado
a profissionais espalhados por vários países e disparidades econômicas. Os princípios do
continentes, que se traduz numa rede de se- software livre, por exemplo, regem-se por li-
guidores BIM que, compreendendo o seu va- vres trocas de valores: dou à comunidade o
lor intrínseco e dominando os seus princípios código do software que desenvolvi e que criei,
e objetivos, acabam por ser os principais em- mas recebo a possibilidade de acessar muitos
baixadores, responsáveis pela sua propaga- outros produtos de iguais dadores.
ção e implementação.
Em suma
E quanto ao preço? No ensino e treinamento do BIM, dada a mul-
O preço deverá corresponder sempre a tiplicidade de opções que o mercado nos ofe-
uma troca de valor que dependerá do que se rece, somos confrontados com a possibilidade
está oferecendo. Essa troca de valor é mui-
de acesso a produtos de alto padrão conco-
tas vezes distorcida, seja a nível externo, pelo
mitantemente com a proliferação de produtos
chamado valor de mercado (devido a con-
menos cuidados ou mais especulativos. É a lei
corrências desenfreadas), seja a nível interno,
pela imputação de custos de uma alocação da oportunidade funcionando. Cabe-nos ser
de recursos não necessariamente beneficia- capazes de avaliar criticamente essa oferta e
dos pelo cliente. estudar o seu potencial nos múltiplos níveis
Outro fator de distorção surge também da que necessitamos, dados os nossos objetivos
diferença de esforço que significa para um de curto, médio e longo prazo, bem como os
profissional adquirir um software internacional recursos de tempo e investimento que preten-
ou uma infraestrutura tecnológica, quando in- demos aplicar.
serido na economia do país A ou do país B. A consolidação dos processos de contrata-
Qualquer profissional honrado, advoga como ção BIM nacionais e internacionais em breve
essencial e correto o investimento em ferra- conduzirá a necessidade de avaliação e classi-
mentas tecnológicas, as quais lhe permitirão ficação das competências e da experiência dos
o desenvolvimento do serviço pelo qual, mais
profissionais e das organizações. Futuramente,
tarde, o profissional se cobrará e em que ba-
essa certificação não será desconsiderada.
seará o seu negócio. No entanto, infelizmen-
te, muitos profissionais que trabalham em
mercados de preços esmagados, confronta- *José Carlos Lino (Universidade do Minho; NossoBIM Global Educa-
dos numa luta desigual pela sobrevivência e tion) e Claudius Barbosa (Escola Politécnica da USP; NossoBIM Global
pela sustentabilidade do negócio, são levados Education)

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BIM Políticas

OBRAS PÚBLICAS
ENTRAM DE VEZ
NA ERA BIM
GOVERNO E MERCADO SE PREPARAM PARA IMPLANTAÇÃO DO BIM,
QUE SERÁ OBRIGATÓRIO A PARTIR DE 2021 EM OBRAS PÚBLICAS

• Por Deborah Freire

T
endência mundial estimulada pelo “Para o setor público, quando os responsáveis
avanço do mercado e por medidas to- estão envolvidos, e não esperam só chegar o
madas pelos governos, a tecnologia pacote de projetos, consegue-se alcançar uma
Building Information Modeling (BIM) transparência a que ainda não estamos acos-
tem proporcionado ao setor da construção tumados”, afirma Gustavo Carezzato, diretor da
civil índices cada vez menores de falhas e Graphisoft na América Latina, empresa desen-
uma grande otimização de recursos (inclusive volvedora do programa Archicad.
de tempo). E dentro dessa perspectiva de uso inteli-
Quando bem implementadas, as ações BIM gente de recursos, a implantação do BIM se
resultam em importantes melhorias nos proje- mostra urgente. No setor público, a modela-
tos, elevam o nível de precisão de orçamentos gem da informação deve se tornar regra. Ela
e planejamentos, reduzem erros e garantem já era adotada por meio da iniciativa indivi-
mais eficiência na execução das obras. A mé- dual de órgãos e entidades estatais, mas ago-
dio e longo prazos, se refletem em redução de ra chega de forma mais contundente com o
custos e tempo e contribuem para maior trans- Decreto Federal 10.306, que coloca o Minis-
parência nas contratações públicas. tério da Defesa e o Ministério da Infraestru-
tura como carros-chefes dessa evolução das
O engenheiro civil Wilton Catelani, consul-
obras públicas no país.
tor BIM da Câmara Brasileira da Indústria da
Construção (CBIC), usa o termo “solução BIM”
ao explicar o uso desse conjunto de métodos Estímulo à transformação
e ferramentas. “Eles permitem o desenvolvi- Evoluir para ter mais eficiência e produtivi-
mento de soluções mais bem coordenadas, dade é caminho sem volta em qualquer setor
facilitando a execução das obras, evitando econômico e, nessa direção, muitos profissio-
improvisos, diminuindo os riscos e aumen- nais, empresas e órgãos públicos já deram os
tando a previsibilidade”, detalha. primeiros passos.

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BIM Políticas

Wilton Catelani, Adriana Arruda, coordenadora


Assessoria

Sinaenco
engenheiro civil e de Modernização Industrial do
consultor BIM da Câmara Ministério da Economia, que
Brasileira da Indústria da preside o Comitê Gestor da
Construção (CBIC) Estratégia BIM BR

Assessoria
Em 2011, houve a tentativa de implantar
o BIM em obras e projetos do Departamen- Gustavo Carezzato,
to Nacional de Infraestrutura de Transportes diretor da Graphisoft na
(DNIT), ligado ao Ministério da Infraestrutura, América Latina
que pouco avançou.
Mas o aprendizado serviu para que, em 2020,
o DNIT passasse a coordenar um dos cinco Adriana Arruda, coordenadora de Moderniza-
programas que irão encabeçar a mudança das ção Industrial do Ministério da Economia, que
licitações de obras de construção, abrindo o preside o Comitê Gestor da Estratégia BIM BR.
caminho para todo o poder público alavancar Os programas são: Proarte, sob responsa-
a transformação do mercado. bilidade do DNIT; PAR (Programa de Aviação
Os programas-pilotos do decreto foram es- Regional), da Secretaria de Aviação Civil; e os
colhidos a partir da Estratégia BIM BR, que outros três são de responsabilidade de cada
em 2019 definiu nove objetivos a serem al- uma das Forças Armadas.
cançados por seu Comitê Gestor, presidido
pelo Ministério da Economia. Entre eles, está Fases da implantação
a estruturação do setor público para usar a A partir de janeiro de 2021, com a primeira
modelagem de informações. fase da implantação, os órgãos devem utilizar
“São cinco programas-piloto em que é obri- a modelagem de informações para desen-
gatória a adoção do BIM. Decidimos fazer de volver projetos de arquitetura e engenharia,
forma escalonada para que o governo possa tanto em construções novas como em am-
se estruturar para implementar de forma mais pliações e reabilitações, quando elas forem
sólida. Nos outros programas do governo fe- consideradas de grande relevância para a
deral, essa adoção será facultativa”, explica disseminação do BIM.

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no Brasil escritórios inteiros trabalhando de
A criação de mais leis que casa com o BIM.
vão incentivar a contratação “É possível [atuar na pandemia] pelo méto-
do tradicional? Sim, mas é muito mais doloro-
de obras públicas em BIM é so. O decreto não era esperado nessa fase da
pandemia, mas foi uma boa surpresa. Todas
apenas uma questão de tempo as indústrias precisam se reinventar e o BIM
veio a calhar para a cadeia da construção ci-
vil”, avalia Carezzato.
Na segunda fase, programada para janeiro de A criação de mais leis que vão incentivar a
2024, o BIM passará a ser utilizado na execução contratação de obras públicas em BIM é ape-
direta e indireta de projetos de arquitetura e nas uma questão de tempo, e vai ser prática
engenharia e na gestão de construções novas, também dos Estados e municípios. No final do
reformas, ampliações ou reabilitações, ainda se ano passado, os governos de Minas Gerais, Es-
tratando de obras de grande relevância. pírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná,
E por fim, em janeiro de 2028, com maior Santa Catarina e Rio Grande do Sul instituíram
abrangência, o BIM deverá ser utilizado nos pro- o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Co-
jetos e na gestão de obras, quando elas forem sud), e dentro dele foi criada a Câmara Temáti-
consideradas de média ou grande relevância. ca da Estratégia do BIM – CT BIM Cosud, com
objetivos semelhantes aos do decreto federal.
“Cada órgão que tem a gestão de um pro-
grama-piloto teve que editar uma portaria Além disso, no Programa de Aviação Regio-
para regulamentar seus próprios programas, nal, por exemplo, muitas das obras devem
e todos seguem o mesmo cronograma. Qual- ocorrer de forma conveniada com Estados, o
quer órgão do governo federal pode adotar o que ampliará a difusão do conceito BIM por
BIM, mas para esses programas é obrigatório. todas as partes do país.
Eles têm que cumprir o que está no decreto,
mas também podem se adiantar e usar mais Obras de arte e aeroportos darão ‘start’
ferramentas do que está previsto”, diz Arruda. Ao definir os primeiros passos da adoção do
É essa iniciativa na implantação das novas BIM pela administração pública federal, o gover-
tecnologias que a Estratégia BIM BR espera no escolheu os ministérios da Infraestrutura e da
que aconteça no mercado. Defesa para serem os condutores dessa grande
“O governo utiliza a força do seu ‘poder de mudança nos processos de licitação de obras.
compra’ para influenciar o mercado e ace- Em termos práticos, os dois ministérios devem
lerar a adoção do BIM. Os decretos e a pró- definir cronogramas de ações para começar a
pria Estratégia BIM BR funcionam como uma licitar construções, reformas e ampliações com
alavanca para mover o mercado, certamente uso do BIM e, antes disso, capacitar servidores,
muito importante. Mas temos muito ainda a criar manuais e guias para a administração e
fazer para viabilizar a realização de casos de para o mercado, adotar padrões de modela-
usos BIM mais avançados, mais complexos gem de informações, entre outras medidas.
e mais abrangentes”, avalia Wilton Catelani, Em maio, o Ministério da Infraestrutura deu
consultor da CBIC. o pontapé inicial com a publicação da Portaria
Com a pandemia, a necessidade de isola- nº 1.014 e constituiu o Comitê BIM Infraestru-
mento acabou provocando outro impulso tura. É ele quem deve acompanhar dois dos
para que o trabalho conjunto passasse a um programas: o Proarte e o PAR (Programa de
ambiente diferente, o de dados, e hoje já há Aviação Regional).

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BIM Políticas

O Proarte terá como objetivo reforçar e reabi- Ministério da Defesa define


litar a estrutura de obras especiais, como pon- iniciativas para implantação do BIM
tes, túneis, viadutos, e ficará a cargo do DNIT. Marinha, Exército e Força Aérea definiram
São cerca de oito mil obras, distribuídas por em julho os empreendimentos e as iniciativas
55 mil km de rodovias federais. O órgão tam- para o início da implantação do BIM. A Por-
bém realizará eventos técnicos para capacitar taria nº 56, do Ministério da Defesa, determi-
servidores e o mercado. nou que serão investidos recursos em obras,
No início de agosto, o DNIT firmou acordo projetos, equipamentos e capacitações.
de colaboração técnica com a Autodesk Brasil, Fica sob responsabilidade da Marinha o
empresa desenvolvedora do AutoCAD, e es- projeto de construção do Hospital Naval e
tabeleceu metas para os próximos dois anos. de edifício para Próprio Nacional Residencial
Nesse período, será criado um Guia de Proje- (PNR), mas outros empreendimentos podem
tos de Estradas BIM e as ações de infraestrutu- ser incluídos no processo de adoção do BIM,
ra rodoviária serão assistidas por especialistas de acordo com os interesses da Marinha, e in-
para adequar as obras à fase 1 do decreto. clusive poderão substituir os projetos citados.
Para o Exército, ficou definida a elaboração
15 aeroportos devem adotar o BIM de dois projetos: o da Vila Militar Sustentável
O Programa de Aviação Regional (PAR) será do Forte Santa Bárbara, na cidade de Formo-
coordenado pelo Departamento de Investi- sa, Goiás, e o do Edifício Anexo ao Instituto
mentos da Secretaria de Aviação Civil (SAC). Militar de Engenharia, no Rio de Janeiro. A
Atualmente, estão em execução projetos de portaria também deixou aberta a possibili-
15 aeroportos que devem adotar o BIM, dis- dade de inclusão de outros projetos, mas só
tribuídos em 12 estados. O mais avançado na após a consolidação dos que foram definidos
execução é o aeroporto de Maringá, no Pa- pelo Ministério da Defesa.
raná, com obras iniciadas em dezembro de E a capacitação ficará a cargo da Força Aé-
2019 e previsão de conclusão no primeiro rea. A portaria define para a FAB: treinamento
semestre de 2021. Os 15 empreendimentos EAD com disciplinas nas áreas de arquitetura,
somam cerca de R$ 700 milhões. estruturas, instalações, planejamento e orça-
Além das obras, outras três atividades inter- mento, sob a liderança do Instituto Tecnoló-
gico de Aeronáutica (ITA); treinamento EAD
nas são planejadas pela SAC para atender à
na área de infraestrutura, com ênfase em ae-
Estratégia BIM: capacitação da equipe, atua-
roportos também sob a liderança do ITA; o
lização dos computadores e atualização e
BIM Mandate da FAB (manual BIM); aquisição
aquisição de licenças de softwares. 
de licenças de softwares e de hardware; mo-
A secretaria também pretende lançar um dernização do Laboratório BIM do ITA; con-
Manual de Projetos em parceria com o Institu- tratação de consultoria para projetos-piloto,
to Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que vai e contratação da obra de construção da Torre
definir a metodologia BIM aplicada à infraes- de Controle de Tráfego Aéreo de Bacacheri,
trutura aeroportuária. em Curitiba.
“O objetivo do manual, que será publicado Os recursos financeiros ficarão a cargo de
até início de 2021, é o de orientar quem ela- cada Força Armada.
bora estudos e projetos aeroportuários quanto
aos levantamentos necessários e requisitos dos
documentos técnicos a serem fornecidos, me- Caminho sem volta
moriais de dimensionamento, especificações e No Brasil inteiro, muitas empresas grandes
orçamento, dentre outros”, informou a SAC. e pequenas e profissionais autônomos, em

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todas as regiões do país, já começaram a se
adaptar ao BIM. As medidas do governo e de José Romeu Ferraz
entidades do setor estão levando o mercado Neto, diretor titular
a buscar entender o assunto e adotar a meto- do Departamento da
Indústria da Construção e
dologia de forma definitiva em suas rotinas.
Mineração da Federação
Diretor titular do Departamento da Indústria das Indústrias do Estado
da Construção e Mineração da Federação das de São Paulo (Fiesp)

Assessoria
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), José
Romeu Ferraz Neto diz que na iniciativa priva-
da já é possível perceber um forte movimento
para implantar o BIM. Fabricantes de mate- para todas as equipes e essas equipes preci-
riais, por exemplo, têm investido na criação sam fazer a revisões e alterações necessárias.
de bibliotecas de produtos, e as empresas em Por isso, redução de erros e transparência no
geral buscam capacitação profissional. processo são os primeiros ganhos”, define Ca-
Os investimentos não são baixos e vão além rezzato.
de licenciar ferramentas e trocar equipamen- Para incentivar que micro e pequenas em-
tos, mas os custos costumam ser pagos já no presas e profissionais autônomos adotem o
desenvolvimento dos primeiros projetos, se- BIM, o Ministério da Economia tem como meta
gundo avalia Wilton Catelani. a produção de estudos para conceder incen-
Ferraz Neto ressalta que o custo inicial é o tivos fiscais e creditícios. O BNDES deve ser o
da aquisição de hardware e software, além de responsável por uma possível linha de crédito
capacitação, que é uma preocupação em es- para esse segmento.
pecial para as empresas de pequeno porte e O Departamento da Indústria da Construção
profissionais autônomos, porém são reverti- e Mineração da Fiesp é favorável às linhas de
dos em importantes ganhos. financiamento com taxas de juros atrativas e
“Redução de retrabalhos nos projetos, iden- também defende ações voltadas à redução da
tificação e resolução de interferências antes da carga tributária incidente sobre os softwares,
execução da obra, maior transparência nos pro- pautas que também são do BIM Fórum.
cessos licitatórios, melhor controle nas etapas
de orçamento, planejamento e gerenciamento,
que consequentemente, impactarão na redução BIM Fórum Brasil terá
do custo final do empreendimento, inclusive na sede em São Paulo
gestão das futuras manutenções”, detalha. O Conselho Administrativo Interino, forma-
Os valores da implantação podem variar do pelos oito especialistas BIM que partici-
de acordo com o grau de maturidade das param do desenvolvimento da Estratégia BIM
empresas e dos profissionais com o BIM, da BR, anunciou que a criação do BIM Fórum Bra-
amplitude do uso da tecnologia e do tipo de sil está prestes a ocorrer.
empreendimento (residencial, comercial, in- Com sede na capital de São Paulo, a entidade
dustrial, infraestrutura). está na fase de finalização do estatuto definitivo e
“Com o BIM, diversos profissionais no mes- criação de CNPJ, e foi lançada no dia 28 de agos-
mo modelo têm a potencialidade de enxergar to. O objetivo do Fórum, que não terá fins lucrati-
equívocos ao mesmo tempo. No convencional, vos, é unir e representar os principais agentes da
só é possível ser verificado pelo profissional indústria da construção, com intuito de coorde-
que vai fazer a compatibilização do projeto. E nar as ações de adoção do BIM no país.
o que acontece? Ele precisa fazer a notificação Sete segmentos estarão representados no

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 71


BIM Políticas

Fórum por meio de colegiados, entre eles pro- O Fórum terá o papel de alinhar as iniciati-
prietários, incorporadores e investidores; go- vas existentes no país, com discussões para
vernos; escritórios de projetos; fabricantes e desenvolver padrões, protocolos e referências
desenvolvedores de softwares. técnicas. Exemplos de países onde o uso do
“A organização foi definida para ser a mais BIM está mais avançado confirmam a impor-
abrangente possível, tomando como base um tância da existência desse tipo de organização.
estudo que pesquisou mais de 40 entidades “Já que todos vão precisar fazer mudanças e
correlatas existentes em diversos outros países”, ajustar seus processos e seus fluxos de traba-
explica Catelani. lho, é lógico que o façam a partir de premissas

Eficiência na operação e manutenção de


obras de saneamento em São Paulo
Trabalhar com BIM em todas as suas possibilidades retoria Metropolitana, é usar o BIM na preparação das
significa avançar na modelagem de informações por infraestruturas para serem geridas com maior nível de
estágios que vão desde a elaboração de projetos 3D, automação e eficiência pelas áreas operacionais.
passando por planejamento de custos e tempo e simu-
lações ambientais, até chegar ao nível mais avançado Obras em BIM
da tecnologia, o 7D, que proporciona maior eficiência De 2013 até hoje, a Sabesp acumula experiências com
na operação e manutenção  das obras. obras em BIM. Um dos trabalhos mais recentes, o Labora-
No Brasil, o avanço para essa fase ocorre gradualmen- tório Central de Qualidade de Água da Sabesp, deve ex-
te, mas é objetivo claro de instituições como a Compa- plorar a visualização 3D, análise de interferência, quantifi-
nhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo cação de materiais e documentação técnica. É o primeiro
(Sabesp), que começou a implantar o BIM ainda em projeto totalmente desenvolvido através da modelagem
2013, de forma pontual, com a Estação de Tratamento de informação.
de Esgoto (ETE) Perus, com o projeto hidráulico. Já para a Estação de Precondicionamento de Esgotos
Resultados como melhor visualização e entendimen- (EPC) de Santos, o uso do BIM estará nos serviços de diag-
to do processo de tratamento proposto e a agilidade do nóstico da estrutura existente e desenvolvimento de pro-
trabalho levaram a Sabesp ao desejo de “romper” com jeto de concepção.
a forma convencional de desenvolvimento de projetos A capacitação foi um dos importantes passos da com-
e caminhar para a adoção definitiva do BIM. panhia. Foram realizados treinamentos das equipes para
“As infraestruturas desenvolvidas e gerenciadas pela nivelar o conhecimento dos servidores sobre o assunto e,
tecnologia BIM trazem agilidade, redução de custos, para as empresas projetistas contratadas, foi elaborado
redução de prazos, aumento da qualidade, confiabili- um treinamento específico para saneamento. Em 2019,
dade e rastreabilidade das informações além de per- em parceria com a ABES-SP, foi realizada a capacitação de
mitir a interoperabilidade de disciplinas e sistemas”, aproximadamente 200 colaboradores em um curso vol-
define a Companhia. tado para a atuação da Sabesp. A ação teria continuidade
Por isso, hoje o foco da Sabesp, em especial na Su- neste ano, mas precisou ser adiada por conta da pande-
perintendência de Gestão de Empreendimentos da Di- mia, e deve ser retomada em breve por meio de EAD.

72 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


e referências que já discutiram e ajudaram a No Brasil, a ação é também encabeçada
definir”, defende Catelani. pelo BIM Fórum. “Isso vai ampliar o intercâm-
bio de informações e capacitações BIM de
Capítulo Building Smart Brasil alto nível e certamente poderá aumentar a
maturidade do nosso país. Ao serem criados,
O desenvolvimento de normas é um dos pas-
os ´chapters´ da  bSI precisam definir focos
sos iniciais para a implementação do BIM em
de atuação, como abordagem inicial. Dentre
uma economia, por isso o Brasil busca criar o
seu “próprio capítulo” de padrões tendo como os padrões internacionais estabelecidos
base o que já foi definido pela buildingSMAR- pela buildingSMART está o IFC (Industry
TInternational (bSI). A entidade é a “autorida- Foundation Classes ou ISO 16739:2013), o
de global” em criação e adoção de padrões mais importante na área de interoperabilidade
abertos de dados, processos e terminologias usado pelos softwares BIM”, explica Catelani.
usados na indústria da construção. A partir do lançamento do Fórum se espe-
No mundo, já foram criados 18 “chapters” ra também que o Brasil entre na agenda de
em países como Reino Unido, Espanha, Sin- eventos internacionais sobre BIM. Atualmen-
gapura, Canadá, China, Austrália, Japão, Esta- te já é realizado pela Fiesp o ConstruBusiness
dos Unidos, Itália, Coreia, França, Rússia, Suíça, (Congresso Brasileiro da Construção), no qual
Alemanha e Noruega. o BIM é pauta permanente.

Metrô de SP lançou em 2013 primeiro manual


e em 2020 prepara projeto de Trilhas BIM
Um processo de evolução longo e contínuo iniciado a continuarem o seu trabalho, mas agora em BIM”, ex-
em 2011 permitiu ao Metrô de São Paulo chegar a pa- plica Ivo Mainardi, arquiteto e coordenador do Núcleo
tamares avançados do BIM em 2020, com a licitação do BIM do Metrô de São Paulo.
projeto básico da Linha 19 – Celeste. Ela propõe inova- Já foram realizados em BIM o projeto básico de obra
ções como integração de projetos em um mesmo con- civil da Estação Ponte Grande da Linha 2 – Verde, os pro-
trato e relação entre as entregas e medições de ambos. jetos básico e executivo da Estação Ipiranga da Linha
Os estudos sobre a tecnologia começaram há nove 15 – Prata e o projeto executivo do túnel complementar
anos na gerência de projetos com um grupo formado entre as estações Paulista e Consolação.
por arquitetos e engenheiros. Eles compreenderam disciplinas como arquitetura,
As pesquisas subsidiaram o primeiro manual BIM do acabamento, paisagismo, comunicação visual, lumino-
Metrô, publicado em 2013. De lá para cá, os trabalhos técnica, estruturas e hidráulica.
só progrediram, e o próximo objetivo da Companhia é Em breve, o Metrô terá a primeira experiência BIM
criar um projeto de Gestão do Conhecimento e de Tri- em um fluxo completo de empreendimento, passando
lhas BIM. pelos projetos básico e executivo, obra e implantação. É
“Esses projetos são essenciais para a preservação e também intenção da companhia avançar para discipli-
melhoria das práticas, além de preparar os funcionários nas como sistemas e geotecnia.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 73


BIM Futuro

TECNOLOGIA É ALIADA
DA PRESERVAÇÃO
DO PATRIMÔNIO
MODELO EM BIM POSSIBILITA REGISTRO DIGITAL DE
MEMÓRIA DA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

• Por Marília Marasciulo

F
azia calor em Roma na tarde de agos- de virtual, e, no fim, de volta para o presente,
to de 2018. Depois de se acotovelar porque saindo dali estávamos de volta aos
em meio às multidões de turistas que turistas e ao calor”, diz Priscila.
visitavam o Coliseu, a arquiteta Priscila Para a arquiteta, a visita não foi especial ape-
Besen, de repente, foi transportada para uma nas do ponto vista de turismo: a empresa na
realidade completamente diferente. A poucos qual trabalha, a neozelandesa Woods, é uma
metros dali, no subsolo das ruínas das Termas das pioneiras do país no setor de mapeamen-
de Trajano, foi como se tivesse entrado em um to 3D de edificações – entre elas de patrimô-
túnel do tempo para a Roma de 64 d.C. Estava nio histórico, visto que, desde 2011, após um
no ambiente fresco e vazio da Casa Dourada, terremoto que devastou a cidade de Christ-
palácio desenhado pelo imperador Nero de- church e derrubou diversas construções anti-
pois do grande incêndio que devastou a cida- gas, o governo do país lançou um programa
de e que vem sendo recuperado em um longo para reformas estruturais preventivas.
processo de escavações e restaurações. “A preservação de prédios históricos traz
No ambiente ainda bastante degradado, muitos benefícios, como a valorização da his-
Priscila não via paredes desgastadas pelo tória local, da cultura, além de permitir que as
tempo. Pelo contrário, era a riqueza de de- gerações futuras conheçam como as pessoas
talhes, com afrescos e adornos de ouro, que viviam”, diz Priscila, que também é doutoran-
chamava a sua atenção. A grama ao redor do da na Universidade de Auckland, onde estu-
palácio era tão verde e refrescante que por da maneiras de integrar a reforma estrutural
reflexo sentiu vontade de tocá-la. É que gra- das construções históricas para terremoto à
ças ao mapeamento em 3D do local, combi- melhoria do desempenho energético delas.
nado à uma tecnologia de realidade virtual “Mas também já sabemos que, além desses
com recursos geoespaciais, esse tour imersi- benefícios, é também importante para o ur-
vo por um dos patrimônios de Roma se tor- banismo.” Ela cita Jane Jacobs, ativista e es-
nou possível. “Foi como se tivesse sido trans- critora canadense, autora do livro “Morte e
portada para dois mil anos atrás e, ao mesmo Vida de Grandes Cidades”, no qual critica as
tempo, para o futuro, onde tudo seria realida- práticas de urbanização nas cidades norte-a-

74 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


mericanas. Jacobs defendia que, para uma mação da Construção, são muito úteis. “Com
rua ser vibrante e atraente para as pessoas ela, conseguimos armazenar todos os míni-
circularem, é necessário ter prédios com di- mos detalhes e acessá-los remotamente, sem
versidade de idades. mais precisar voltar ao local”, explica Bruci
Jordão, especialista em escaneamento a laser,
Sustentável em todos os sentidos captura da realidade e modelagem BIM 3D na
mesma empresa de Priscila. “Vejamos o exem-
Preservar ou reformar prédios já existentes,
plo da Catedral de Notre Dame, por exemplo,
em vez de simplesmente demolir e construir
parcialmente destruída por um incêndio. Com
novos, traz também benefícios ambientais.
a modelagem BIM, poderíamos trabalhar em
Um conceito interessante é o de “reúso adap-
tativo”, segundo o qual é possível transformar sua restauração a partir dos dados coletados.”
prédios históricos em coisas novas. Um exem- E o BIM vai além do modelo 3D, que se res-
plo é a livraria El Ateneo Grand Splendid, em tringe a ter o formato do prédio: com esse
Buenos Aires, instalada em um teatro de 1919 modelo, é possível acrescentar informações,
reformado e um dos lugares mais visitados da criando um verdadeiro mapa de dados do pré-
cidade. Em Nova York, as antigas fábricas do dio. “Em um modelo BIM de um prédio novo,
Meatpacking District viraram restaurantes des- por exemplo, dá para clicar em um objeto e ter
colados e bastante procurados. todas as informações sobre ele, do fabricante
Seja qual for o caso ou motivo, as tecnolo- ao preço”, diz Priscila. “Em prédios históricos,
gias de escaneamento a laser, modelagem 3D dá para saber o material usado, se ainda está
e BIM, sigla em inglês para Modelo da Infor- em boas condições.”
Essas tecnologias ganharam força principal-
mente nas últimas duas décadas. Segundo
um relatório da McGraw Hill Construction, em
Fotos: divulgação

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 75


BIM Futuro

BIM x CAD
Característica BIM CAD
Modelo integrado, paramétrico e baseado em dados? Sim Não

Ganho de produtividade? Sim, em relação a métodos Sim, em relação a


tradicionais CAD modelos anteriores a ele

Precisão? Alta Restrita (nível de representação)

Conexão de todas as informações do projeto? Sim Não

Ciclo de vida? Fluxo entre diferentes fases Envolve duplicata e


é consistente, com o mínimo perda de informações e
de perda de informações fragmentação de processos

Renderização? Sim, aproveitando inclusive o Somente uma representação


modelo técnico de projeto desconectada da
documentação do projeto

2007, 28% das empresas na América do Norte vigor o Decreto nº 9.377, que, entre outras me-
usavam a tecnologia. Cinco anos depois, em didas, determina a exigência de modelagem
2012, o número saltou para 71%. Atualmente, 3D em projetos de arquitetura e engenharia a
países como Estados Unidos, Reino Unido, Ho- partir de 2021. A expectativa é de que, com
landa e Finlândia já não permitem que novas isso, pelo menos metade do setor use a meto-
obras sejam contratadas se não tiverem sido dologia até 2024.
desenvolvidas na metodologia BIM. Algumas experiências no país, especialmen-
É que, somadas as vantagens de recupera- te de preservação de prédios históricos, cha-
ção e preservação de patrimônio – destruído mam a atenção. A mais recente e que está em
por incêndio, terremoto ou outros desastres andamento é a do mapeamento tridimensio-
naturais –, o modelo representa uma grande nal do Museu do Ipiranga, em São Paulo, feito
economia. “Podemos detectar conflitos entre com a parceria da gigante de tecnologia nor-
disciplinas antes que o projeto chegue à obra, te-americana Autodesk, pioneira no desenvol-
reduzindo custos e prazo de educação”, expli- vimento de softwares para o processamento
ca Jordão. Afinal, já não é segredo para nin- de dados BIM. Fechado para reformas desde
guém que um conflito resolvido in loco custa 2013, o museu, alguns objetos do acervo e
cerca de 70% a mais do que se fosse resolvido todo seu entorno (o Parque da Independên-
em fase de projeto, como bem destaca o es- cia) estão sendo escaneados para a constru-
pecialista da Woods. ção de um modelo BIM que contribua não só
com a revitalização do local, mas também com
a preservação da memória do patrimônio.
À prova do tempo Primeiro, entre o fim de 2019 e o início de
No Brasil, o uso de BIM ainda é incipiente. 2020, foi feito o escaneamento do local para a
Em 2018, não passava de 9,2%, conforme geração das nuvens de pontos. Com os dados,
apontou uma estimativa do Instituto Brasileiro a Autodesk já vem trabalhando na geração do
de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Var- modelo. A expectativa é de que isso acelere o
gas (FGV). No mesmo ano, porém, entrou em processo das obras, que devem ser concluídas

76 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


Divulgação

Revista Pesquisa Fapesp


no fim de 2022. “Achamos importante mostrar
o significado de integrar a tecnologia à preser-
vação de patrimônio, para evitar o que aconte-
ceu com o Museu Nacional do Rio de Janeiro”,
diz a arquiteta Fernanda Machado, uma das
especialistas que lideram a iniciativa.
Se existisse um modelo em BIM do museu O Museu do Ipiranga e seu entorno estão sendo escaneados
destruído por um incêndio em 2018, seria para a construção de um modelo BIM. Acima, imagens da
possível ao menos ter um registro digital de situação atual e como será após a conclusão do projeto
memória da construção histórica. A Autodesk,
aliás, tem contribuído com sua expertise para
produzir um modelo em 3D da Catedral de te, uma das maiores instituições científicas do
Notre Dame, parcialmente destruída em um país; e, em Paris, está desenvolvendo o mo-
incêndio em 2019 – por sorte, um escanea- delo da Torre Eiffel, principal ícone da França,
mento da construção foi feito pouco antes do senão do mundo. No Brasil, em 2017 mapeou
acidente, mas os dados ainda não haviam sido o Museu Imperial, em Petrópolis, trabalho que
processados. “Mais do que só um 3D, o BIM foi doado à prefeitura para ajudar na gestão
é um modelo técnico, que funciona como um do patrimônio. Mas ainda há muito a ser feito:
mapa para a construção”, ressalta Fernanda. a estimativa de Fernanda é de que existem no
“Um banco de dados desses pode ser muito Brasil ao menos outros 1.700 museus que po-
útil para restaurações ou simplesmente para deriam se beneficiar do modelo.
estudar melhor como os edifícios foram cons- Para o público em geral, a modelagem BIM
truídos”, completa Jordão. traz uma possibilidade bastante atrativa: a
Mundo afora, a empresa contribuiu para o recriação perfeita dos ambientes em expe-
registro em 3D de diversas construções im- riências de realidade virtual ou realidade
portantes: na Itália, conduziu a digitalização aumentada, como a que a arquiteta Priscila
de sítios arqueológicos na cidade de Volterra, teve em Roma. “Se as pirâmides do Egito
na Toscana; na Tailândia, participou da mode- fossem mapeadas em 3D, poderíamos fazer
lagem dos patrimônios da National Discovery um tour virtual usando óculos de VR, sem
Museums Institute, responsável por 1.500 mu- sair de casa”, diz Jordão. Em tempos de co-
seus no país; nos Estados Unidos, produziu ronavírus e distanciamento social, não seria
modelos da coleção do Smithsonian Institu- uma má ideia.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 77


BIM Futuro

Adeus, fita métrica: a evolução do mapeamento


Técnicas centenárias até 350 metros, o 3D laser scanner dispara
Para reformas em edificações já prontas, milhões de raios laser e é capaz de gerar um
tudo era feito na boa e velha trena, também milhão de pontos por segundo. Ele também
conhecida como fita métrica. Era preciso tirar tira fotos em 360º para capturar as cores do
as medidas à mão e anotá-las uma a uma. ambiente, criando uma nuvem de pontos co-
lorida. Os drones, por sua vez, usando câme-
Distanciômetro e teodolito ras de alta resolução (42 megapixels) e princí-
Para os levantamentos topográficos nos pios de fotogrametria, captam os pontos em
primórdios da engenharia moderna, os apa- locais de difícil acesso, como grandes áreas
relhos usados eram o distanciômetro e o teo- ou coberturas de edifícios.
dolito, capazes de medir ângulos e distâncias Depois, todas as peças do “quebra-cabe-
com precisão milimétrica. Com os dados, era ças” são compiladas por um software em um
gerado então um modelo do terreno, com único arquivo. E aí as possibilidades são infini-
as curvas de nível. Tudo era passado para o tas: “Neste arquivo, você terá todos os dados
desenhista, que criava uma espécie de mapa do ambiente compilados, georreferenciados
com as informações para o cálculo estrutural e alinhados milimetricamente, possibilitando
e o planejamento. tirar medidas, calcular volumes, áreas ou até
mesmo ter uma experiência de realidade vir-
Taqueômetro tual”, explica Jordão.
Uma versão mais moderna do distanciô-
metro e do teodolito, o taqueômetro, ou es-
tação total, é um aparelho que basicamente

Divulgação
uniu ambos os instrumentos em uma versão
só. Ainda é bastante usado, e as versões mais
recentes já vêm com sistemas de GPS embu-
tidos, aumentando a acurácia.

LIDAR
Trata-se da sigla em inglês para detecção
de luz e alcance, que consiste no uso de raio
laser para capturar medidas. Quando dispa-
rado, ele calcula a distância entre o instru-
mento e a superfície, criando um ponto com
coordenadas X, Y, Z.

Tudo em um
Hoje, usando um aparelho chamado 3D la-
ser scanner e drones, é possível capturar a
realidade com alta precisão. Com alcance de

78 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


ENGENHARIA I

94 engenharia 639 / 2018 www.brasilengenharia.com


Artigo

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
E ENGENHARIA
• Por Marcelo Knörich Zuffo*

E
m engenharia e ciência da computa- quando os primeiros computadores foram
ção, o termo Inteligência Artificial (IA) construídos, e, nesse contexto, cientistas e
também denominado inteligência de engenheiros já se intrigavam com a possibili-
máquina, é a inteligência demonstra- dade de que um dia a inteligência das máqui-
da por máquinas construídas pelo engenho nas pudesse superar a inteligência humana.
humano, diferente da inteligência natural de- Apesar dos avanços exponenciais da eletrô-
monstrada por espécimes vivos (humanos e nica e da computação nas últimas décadas, a
não humanos). Atualmente, a abordagem de tecnologia de Inteligência Artificial encontra-
desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) -se ainda nos seus primórdios. Seremos sur-
é inspirada na forma mais conhecida de inte- preendidos por muitos outros avanços nos
ligência, no caso a humana. Normalmente, os próximos anos. Uma das abordagens mais
desenvolvedores da tecnologia de IA tentam promissoras em IA são as técnicas basea-
desenvolver e incorporar em máquinas (com- das em redes neurais artificiais. Com a com-
putadores e robôs) algoritmos que emu-
preensão do funcionamento do cérebro e a
lam capacidades cognitivas humanas como
respectiva representação matemática de fe-
aprendizado, visão, linguagem natural e re-
nômenos neurológicos, uma nova área do co-
solução de problemas. Os primeiros experi-
nhecimento chamada redes neurais artificiais
mentos em Inteligência Artificial envolveram
propiciou grandes avanços na área de IA, na
as técnicas de linguagem natural. Alan Turing,
qual o comportamento dessas redes neurais
pioneiro da computação, propôs a seguinte
é absolutamente intrigante.
questão: seria possível um computador con-
versar naturalmente com um ser humano, de Redes neurais podem ser treinadas para
tal forma que seria impossível o humano dis- atividades específicas, como reconhecer ob-
tinguir se o seu interlocutor era natural ou ar- jetos, dirigir veículos e até interpretar a fala
tificial? Essa pergunta resultou na criação de humana. O universo de possibilidades nessa
Elisa, um programa de computador capaz de área é tão grande que a National Academy of
entabular conversas com pessoas comuns. Engineering estabeleceu a engenharia rever-
Recentemente, o termo “inteligência” está sa do cérebro humano como um dos 14 de-
sendo objeto de intenso debate no campo safios fundamentais da engenharia moderna.
da filosofia e da engenharia, visto que outras Apesar do desenvolvimento da atual tecnolo-
formas vivas têm comportamentos que tam- gia ser inspirada no ser humano, a inteligên-
bém podem ser considerados “inteligentes”. cia artificial e a inteligência humana natural
Um exemplo é o contexto de fabricação de são profundamente diferentes em seus fun-
mel por abelhas, um processo complexo rea- damentos.
lizado por uma sociedade de insetos com Na minha visão, não acredito em supera-
funções bem estabelecidas. A tecnologia de ção da máquina sobre o humano, mas sim na
IA tem seus primórdios na década de 1940, cooperação entre essas duas inteligências,

80 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


que, na minha opinião, são muito comple-
mentares. Infelizmente e inexoravelmente, o
progresso tecnológico traz transformações
na sociedade, onde algumas atividades hu-
manas e consequentemente empregos serão
eventualmente extintos. Atividades humanas
complexas serão naturalmente substituídas
por redes neurais como a radiologia, que du-
rante décadas desenvolveu-se de técnicas
extremamente complexas de análise de ra-
diografias por especialistas médicos, e hoje
em questão de segundos diagnósticos por
imagem são realizados de forma muito mais
pacidade analítica para usar vários modelos
assertiva por redes neurais.
teóricos na resolução de problemas. A Inte-
ligência Artificial será mais uma ferramenta
valiosa para ajudar um engenheiro a exercer
sua profissão com maior desempenho para
o bem da sociedade.
Os desafios da IA na engenharia devem ser
na direção da ética. O potencial de transfor-
mação da IA na sociedade não tem prece-
dente na história humana, e a engenharia é
a profissão que tem mais contribuído para
o avanço da tecnologia. Um exemplo recen-
te de dilemas éticos relacionados com a In-
teligência Artificial foi a constatação de que
algoritmos de Inteligência Artificial desen-
volvidos para auxiliar a polícia da cidade de
São Francisco no combate à criminalidade
estavam polarizados para identificar cida-
dãos asiáticos e afrodescendentes como po-
tenciais alvos de busca, excluindo cidadãos
caucasianos. Essa polarização foi intencional-
Uma área que, ao contrário, será extrema- mente implementada pelos desenvolvedores
mente beneficiada pela Inteligência Artificial do algoritmo. Quando me perguntam quais
é a engenharia. O engenheiro é o profissio- são os desafios no ensino da engenharia fren-
nal que se relaciona naturalmente com a tec- te aos avanços da Inteligência Artificial, mi-
nologia e a vê como ferramenta. Assim, na nha resposta é simples: precisamos cada vez
nossa profissão, a IA deve ser encarada como mais cedo ensinar e discutir ética para nos-
uma evolução natural de instrumentos que sos futuros engenheiros e engenheiras. Eles
já usávamos corriqueiramente, como a ré- serão os profissionais que criarão as futuras
gua de cálculo, a calculadora, o computador e inimagináveis tecnologias e aplicações da
e, recentemente, o CAD e os simuladores. Inteligência Artificial.
Os anos de aprendizado em cálculo, física,
métodos numéricos e outros conhecimentos *Marcelo Knörich Zuffo é professor da Escola Politécnica da USP,
propiciam ao engenheiro uma grande ca- mkzuffo@usp.br.

Nº 644 / 2020 www.iengenharia.org.br | ENGENHARIA 81


Por Dentro

Brasil pós-crise: série webinar Em julho, a Série Webinar: Brasil


pós-crise completou um ciclo de pa-
completou ciclo com 50 palestras lestras. Foram 50 painéis de discus-
são que promoveram e motivaram a
Fotos: divulgação

geração de ideias, com a intenção de


preparar um cenário colaborativo pós-
-crise no formato webinar.
Desde abril foram abordados te-
mas como compliance, agronegócio,
segurança, telemedicina, educação,
e economia e até assuntos mais es-
pecíficos, como modificação mental,
grafeno e infraestrutura ferroviária.
Você pode acessar as gravações de
todos os eventos da série na nossa TV
Engenharia, onde estão disponibili-
zadas também outras palestras e se-
minários do Instituto de Engenharia.
Acesse institutodeengenharia.org.br.

ABVE e IE fazem
acordo para
debater mobilidade
no pós-covid
A Associação Brasileira do Veículo
Elétrico (ABVE) e o Instituto de En-
genharia (IE) assinaram acordo para
desenvolver uma série de debates
e atividades conjuntas relacionadas
à eletromobilidade e à mobilidade
urbana.
O acordo consolida a parceria en- especialistas em transporte público, Maluf, e o presidente do Instituto
tre a entidade representativa de toda desenvolvimento urbano e qualidade de Engenharia, Eduardo Lafraia,
a cadeia produtiva da mobilidade de vida nas metrópoles brasileiras. em uma solenidade digital com a
elétrica no Brasil e o IE, que reúne O acordo foi firmado em julho participação de diretores das duas
os mais qualificados profissionais e pelo presidente da ABVE, Adalberto entidades.

82 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


IE lança o caderno O caderno especial Diretrizes para IE, Frenlogi e IBL
Diretrizes para Universalização do Saneamento no assinam Acordo
Universalização
Brasil foi lançado oficialmente em de Cooperação
julho, durante webinar que discutiu
do Saneamento temas como meios financeiros, legais,
em logística
no Brasil políticos e técnicos e as dificuldades O Instituto de Engenharia, a Frente
para chegarmos à universalização do Parlamentar de Logística (Frenlogi) e
saneamento no país. o Instituto Brasil Logística (IBL) fecha-
Desenvolvido pelo Instituto de Enge- ram, em maio, acordo de cooperação
nharia com a coordenação da Divisão para garantir o investimento em in-
Técnica de Engenharia Sanitária, Re- fraestrutura, com foco em logística.
cursos Hídricos e Biotecnologia, esse O encontro teve a presença do
evento foi o primeiro de uma série de senador Dr. Wellington Antônio Fa-
webinars cujo intuito é discutir como gundes, que também é presidente
aplicar as medidas do novo Marco do da Frenlogi, do deputado Hugo Leal,
Saneamento, eliminando o déficit que vice-presidente da Frenlogi, do presi-
o Brasil tem hoje nos quatro aspectos: dente do IBL, Clythio Backx van Bug-
distribuição de água, coleta e trata- genhout, e do presidente do Instituto
mento de esgotos, coleta e destinação de Engenharia, Eduardo Lafraia.
do lixo e drenagem urbana. O webinar foi conduzido e idealiza-
Acompanhe pelo site do IE as datas do pelo vice-presidente de Relações
da sequência da série. Externas do IE, Ricardo Kenzo.

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Meio Ambiente Recursos Hídricos

Dispersão de poluentes Perícias ambientais Planejamento e Gestão Estudos Hidrometeorológicos


no ar, em rios e em estuários de Recursos Hídricos e Geológicos
Estudos de Zoneamento
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Por Dentro

pela realização de grandes eventos,


Dia da Mulher reuniões mensais e também pelo des-
na Engenharia é taque da atuação da mulher na área
de STEAM – Ciência, Tecnologia, Enge-
celebrado com nharia, Arte e Matemática –, um campo
homenagens predominantemente masculino.
pelo IE As homenageadas foram Norma Ge-
bran Pereira, fundadora do Sindicato
Nacional das Empresas de Arquitetura
Para comemorar o Dia Internacional menagens a mulheres que atuam e e Engenharia Consultiva (Sinaenco),
da Mulher na Engenharia, celebrado atuaram na área. Beatriz Rosa, proprietária da Tarobá
em 23 de junho, o Instituto de Enge- Realizado pelo Comitê das Mulheres Engenharia e mediadora e árbitra da
nharia realizou a segunda edição do na Engenharia e Tecnologia (COMET), Câmara de Mediação e Arbitragem
encontro  Passado, Presente e Futuro o encontro ainda comemorou os dois do Instituto de Engenharia (CMA-IE),
da Engenharia, que contou com ho- anos de criação do grupo, marcado e Natália Linhares, engenheira civil.

IE entregou dois lotes de máscaras IE lança novo site


em campanha contra a covid-19 institucional e
de associação
Em abril foi lançado o novo site do
Instituto de Engenharia, mais ins-
titucional e corporativo. Nele, você
poderá conhecer nossos propósitos e
contribuir para o desenvolvimento do
país fazendo sua associação de forma
totalmente online e automatizada.
Caso já faça parte do Instituto, aces-
se o Portal de Conteúdo, com as no-
tícias mais recentes sobre a engenha-
ria, e toda nossa agenda de eventos.
Acompanhe as webinars, cursos,
encontros e reuniões do Instituto de
Em abril, o Instituto de Engenharia de campanha no site da instituição e, Engenharia e faça parte de nossa co-
realizou uma campanha de doação de com os associados e público em geral, munidade!
máscaras. Foram seis mil máscaras buscou doações, que foram revertidas Você pode conferir em nosso site
(modelo  face shield)  distribuídas en- em máscaras. A empresa Plasticbool todos os eventos.
tre o Hospital Universitário da USP, o foi parceira do Instituto de Engenharia
Hospital da Polícia Militar, o Instituto nesta iniciativa, fornecendo as faces AGENDA CURSOS
Augusto Abou na Luta contra o Câncer shields a preço de custo.
e o Hospital das Clínicas. Agradecemos a todos que contri-
Lembrando que o Instituto de En- buíram nesta ação!
genharia fez a arrecadação por meio

84 ENGENHARIA | www.iengenharia.org.br Nº 644 / 2020


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da mídia e seu amadurecimento. A partir de 2016, em comemoração aos seus 30 anos,
passou a publicar edições especiais e temáticas.
Entre os temas já abordados estão democracia, economia, liberdade de imprensa, sociedade,
diversidade, cultura, educação, sustentabilidade, agronegócio, tecnologia, longevidade, esporte e mobilidade.
Mais de trinta mil páginas resgatam os principais fatos da imprensa brasileira.
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Biblioteca

NEGRISOLO, Walter mano, tecnologia e experiência, posicio- RAMOS, Dorel Soares


Fundamentos naram o Estado de São Paulo como líder Planejamento
de segurança da infraestrutura nacional. energético:
contra incêndio inserção
em edificações: HELLMUTH, Harald da variável
proteção Posicionamentos de ambiental
passiva e ativa um cidadão na expansão
São Paulo – SP, Firek São Paulo – SP, Yalis da oferta de
Educação, 2019, 274 p. Editora, 2019, 200 p. energia elétrica
Projetos e edificações cada vez mais Com exemplos e tópicos,
Rio de Janeiro – RJ,
altos exigem criatividade e inteligên- Synergia, 2020, 296 p.
a obra pretende contribuir
cia na busca de soluções que garan- O livro apresenta as principais pes-
para conscientizar a sociedade sobre a
tam a estabilidade de suas estruturas quisas e resultados obtidos a partir
política atual e o desejável desenvol-
e medidas que possibilitem uma do projeto matriz energética e apri-
vimento do Brasil.
atuação rápida em casos de emergên- moramento da sistemática de inser-
cias, como incêndios. Outros temas retratados na obra são:
percepções da cena no Brasil em ção ambiental no planejamento da
Com a participação de pesquisadores, expansão do sistema elétrico, econô-
2019, desenvolvimentos desejáveis,
professores e profissionais especia- micos e socioambientais associados
Estado competitivo, educação para a
listas, de forma colaborativa, o livro ao planejamento da geração em mé-
responsabilidade, Rio São Francisco,
apresenta os temas relacionados à dio e longo prazos.
Cerrado e Amazônia, energia eólica,
segurança contra incêndio, dissemi-
solar e cogeração e contribuições para O projeto teve como motivação e
nando a cultura prevencionista.
o desenvolvimento sustentável. “pano de fundo” o fato inconteste de
que o setor elétrico brasileiro tem os
HELLMUTH, Harald processos de planejamentos opera-
Sindicato da Indústria cional e estratégico relativamente
da Construção Quais rumos
queremos seguir? bem servidos de metodologia e su-
Pesada do porte de modelagem, mas no plane-
Estado de São – Mudanças para
um Brasil melhor jamento da expansão (longo prazo),
Paulo/Sinicesp ainda evidencia lacunas importantes.
50 anos São Paulo – SP, Yalis
São Paulo – SP, Infra&Vias, Editora, 2019, 202 p.
2019, 190 p. Esta obra nasceu das preocupações
Para comemorar os 50 anos de atua- do autor com a situação atual no Bra- A “Biblioteca Antenor de Freitas”, per-
ção, o Sindicato da Indústria da Cons- sil e seus possíveis desdobramentos, tencente ao Instituto de Engenharia,
trução Pesada do Estado de São Paulo como a falta de mobilização contra a é especializada em engenharia geral.
(Sinicesp) publicou uma edição co- pobreza, os desmatamentos e a sus- Oferece aos usuários, além de seu acer-
memorativa, que reúne o registro das tentabilidade das condições de sobre- vo, recursos como computadores que
atividades feitas no período. vivência atual. possibilitam fazer pesquisas bibliográ-
A obra narra a longa história de trabalho O livro aponta que o Brasil pode ser ficas em acervos de outras bibliotecas,
do Sinicesp em defesa dos interesses tornar um país com sustentabilidade assim como o intercâmbio entre biblio-
das construtoras paulistas, e também social, ambiental e econômica em um tecas conveniadas.
das empresas que, com seu capital hu- prazo bastante curto, de 5 a 10 anos. E-mail: biblioteca@iengenharia.org

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Engenho e Arte

COMO SE
JULGA UM VINHO?
• Ivan Carlos Regina*

N
a época em que vivemos, em um cenário no
qual imperam a pandemia e o acúmulo de
informações midiáticas, opiniões das mais
diversas são encontradas absolutamente
sobre quase tudo. Há assuntos que polarizam a aten-
ção pública, para os quais encontramos a maior par-
te dos “entendidos”, como futebol, medicina e políti-
ca. O vinho alinhou-se agora como um desses temas.
Uma coisa é o direito a ter opinião, algo que todo
mundo exerce. Expressões do tipo “gostei deste vi-
nho”, “agradou o paladar”, “é macio”, “é suave” são
usadas adequadamente por leigos, mas não acres-
centam quaisquer informações técnicas aos que ver-
dadeiramente entendem de vinho.
Este artigo pretende apresentar quais são as infor-
mações relevantes que devem ser atribuídas a um
vinho para sua descrição sucinta e uma análise de
sua qualidade.
Existe mesmo um teste para verificar se esses atri-
butos foram bem descritos. Imagine que você entrou
em uma sala, sozinho, e encontrou cinco amostras de
vinhos diferentes. Um é encorpado, outro é tânico,
outro é acídulo, e assim por diante. Você se encan-
tou com um vinho, que vamos chamar de “Amostra
X”. Se você for capaz de, saindo da sala, descrever
esse vinho a um amigo, de forma que ele, entrando
na sala sem a sua companhia, encontre a “Amostra X”
e a separe das demais, você foi capaz de descrever
adequadamente o escolhido.
Parece fácil, mas não é. Você precisará informar ao
seu amigo alguns dos aspectos técnicos referentes
Sonyakamoz

ao vinho por você escolhido, e frases vazias ou su-


perlativas não o auxiliarão nessa tarefa.

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A primeira das informações que procura- a paleta aromática normalmente associada
mos transmitir é a cor do vinho. Nos brancos, àquela casta e tente identificar quais aromas
palavras como transparente, esverdeado, pa- estão ou não presentes naquela amostra. É
lhete, citrino, amarelo e dourado são utiliza- somente uma questão de treino.
das; nos tintos, usamos rubi, granada, retinto, A terceira parte é o chamado “exame gusta-
púrpura e bordeaux. Acrescentamos ainda tivo”, quando levamos o vinho à boca. Sabe-
algumas características do aspecto do vinho, mos que existem apenas cinco gostos bási-
como brilhante, opaco, turvo, límpido, com- cos, a saber: acidez, doçura, salgado, umami
pletando a primeira parte, que intitulamos de e amargo.
“aspecto visual” do vinho. Os gostos não podem ser descritos com
Existe ainda um julgamento se determinada palavras. O que fazemos normalmente para
cor está correta a determinado vinho e à sua descrevê-los é associá-los com alimentos
idade, mas isto é um tema que você só con- muito ricos naquele gosto. Por exemplo, po-
seguirá dominar com muito estudo e anos de de-se relacionar a acidez com limão (ou vina-
treinamento. Por exemplo, se ao abrir uma gre), a doçura com açúcar (ou mel), o salgado
garrafa de Beaujolais com 1 ano de idade a com sal (ou azeitonas), o umami com queijo
cor for “tijolo”, o vinho estará irremediavel- parmesão (ou camarões) e o amargo com o
mente estragado, mas, se essa for a cor de quinino (ou jiló).
um Barolo com 20 anos de idade, o vinho Os vinhos brancos são sempre descritos em
provavelmente estará magnífico. relação com os gostos de acidez e doçura.
A fase seguinte é a chamada “exame olfati- Normalmente, eles não têm os outros gostos
vo”, na qual algumas pessoas se sentem inibi- (há exceções). Se a acidez ou a doçura impe-
das face às descrições mirabolantes que al- ram per se, o vinho não é de boa qualidade.
guns falsos entendidos fazem, como “aroma É necessário um equilíbrio entre esses dois
de rosas murchas na primavera de Paris” ou gostos para que o vinho seja agradável.
“cogumelos fanados sob árvores nas florestas O vinho tinto, além desses dois gostos,
da Normandia”, e assim por diante. também tem o amargor, oriundo dos taninos
Não é isso. Basta informar se os aromas são que lhe dão estrutura e longevidade. Assim,
agradáveis e associá-los com algumas frutas a descrição fica um pouco mais complicada,
ou flores de nosso convívio diário. Alguns vi- pois o equilíbrio agora se dá por meio de um
nhos têm aromas dominantes e facilmente tripé de gostos básicos.
identificáveis por qualquer pessoa. O aroma Para introduzir o próximo conceito, imagi-
de cassis nos vinhos de Bordeaux, o de ma- nemos uma limonada que foi preparada com
racujá nos Sauvignon Blanc chilenos e o de um litro de água, três limões e três colheres
pimenta-do-reino nos Cabernet Sauvignon de açúcar refinado, obtendo assim um líqui-
podem ser identificados por qualquer pessoa do final em equilíbrio gustativo.
com um leve esforço. Esses cheiros têm a ver Se colocarmos três limões e apenas uma
com a fermentação de castas (ou cepas) de colher de açúcar, o líquido estará ácido. Se
uvas determinadas e existe, por assim dizer, acrescentarmos ao mesmo litro de água um
um conjunto de aromas que normalmente são limão e três colheres de açúcar, a limonada
detectáveis para determinado tipo de vinho. estará muito doce, desequilibrada.
Existe também uma grande quantidade de Agora, o que acontece se colocarmos cinco
aromas desagradáveis que podem ser descri- limões e cinco colheres de açúcar no mesmo
tos, e que penalizam a qualidade de um vinho. litro de água? O equilíbrio estará mantido, mas
Ao degustar um vinho, procure na internet teremos alterado a “concentração de sabor”

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A quantidade alta de álcool per se não é um


defeito. Por exemplo, os Sauternes (vinhos do-
Nós, mais humildes, ces naturais de Bordeaux) costumam ter 15 ou
preferimos experimentar 16 graus de álcool, com perfeito equilíbrio en-
tre sua doçura e acidez, e são maravilhosos.
esse nobre líquido que Só nos resta introduzir mais um conceito.
alegra a humanidade há Outro dia, em uma mesa, uma pessoa, leiga
em matéria de vinhos, exclamou “Engraçado,
alguns milhares de anos gostei mais do vinho agora, depois de bebê-
-lo, do que antes, quando ainda o estava be-
bendo”. Esse é o famoso “retrogosto”.
Os aromas são a alma do vinho. Para acessar
da limonada, ou, simplificando, seu corpo. Po-
a sede do olfato, situada na base superior do
demos dizer que essa limonada está equilibra-
nariz, nós, seres humanos, temos a chamada
da “por cima”.
via direta ou nasal, que são nossas narinas, e
Se colocarmos apenas um limão e uma co- um orifício que interliga a garganta com esse
lher de açúcar, a limonada estará equilibrada ponto, chamado via indireta ou retronasal.
“por baixo”.
A via direta do nariz sofre a agressão da
Tecnicamente falando, o corpo de um vinho poluição e, muitas vezes, contém muco que
é a quantidade de matéria sólida existente impede uma melhor olfação. Já o caminho
por unidade de volume líquido. Para facilitar, retronasal está sempre desimpedido, o que
normalmente associamos a intensidade de facilita uma correta avaliação da qualidade
sabor com o corpo presente no vinho, pois olfativa do vinho que estamos bebendo.
há uma clara tendência desses dois elemen-
Os cientistas hoje trabalham em um dispo-
tos estarem (quase) sempre juntos.
sitivo chamado “língua eletrônica”, que possi-
As exceções são os vinhos feitos com a uva bilitará a correta avaliação de um vinho sem
Mencia, na Espanha, ou com a casta Nerello ser necessária a intervenção humana.
Mascalese, na Itália, que apresentam grande
Nós, mais humildes, preferimos experimen-
intensidade de sabor com pouco corpo. Por
tar esse nobre líquido que alegra a humani-
ora, podemos esquecer essas exceções para
dade há alguns milhares de anos.
facilitar nosso trabalho.
Se você quer evoluir no julgamento de vi-
Outro elemento importante é o teor alcoóli-
nhos, ao beber um exemplar, procure sempre
co de um vinho. O álcool é doce, portanto ele
analisar o aspecto visual, o exame olfativo, o
se soma aos açúcares presentes no vinho para
exame gustativo, o corpo e a intensidade de
compor sua doçura, que deve sempre estar
sabor, a presença de álcool e o retrogosto. Es-
equilibrada com a acidez, como já vimos.
tas características permitirão que você julgue a
Quando bebemos um vinho, temos de exa- qualidade de um vinho e informe aos seus ami-
minar a relação entre álcool e acidez. Quando gos o que bebeu, se gostou ou não e o porquê.
o vinho passa queimando o palato superior
Vinho é sempre bom, mas sua descrição
(como é o caso das pingas de má qualidade),
pode ser melhorada. Saúde!
é sinal de um defeito importante em sua es-
trutura. O que mais encontramos são amos-
tras de vinhos de 14 ou 15 graus de álcool, *Ivan Carlos Regina é engenheiro do setor de transporte público,
normalmente em notável desequilíbrio com associado do Instituto de Engenharia e autor dos livros "Vinho, o
sua acidez, e passando na boca com sensa- Melhor Amigo do Homem" e "Harmonizando Vinho & Comida".
ções quentes e desagradáveis. E-mail: ivanregina@terra.com.br

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INOVAÇÃO É O ALICERCE DE NOSSAS OBRAS

/camargocorreainfra camargocorreainfra.com

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