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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS

Samara Mírian Coutinho

UM MERCADO DE PECULIARIDADES: a Banca Tatuí e as estratégias de comércio e


legitimação das casas editoriais do microcosmo gráfico-independente

Belo Horizonte
2020
Samara Mírian Coutinho

UM MERCADO DE PECULIARIDADES: a Banca Tatuí e as estratégias de comércio e


legitimação das casas editoriais do microcosmo gráfico-independente

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


em Estudos da Linguagem, do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Federal
de Educação Tecnológica de Minas Gerais –
CEFET-MG, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestra.
Área de Concentração: Linha IV – Edição,
Linguagem e Tecnologia
Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Paula Renata de
Melo Moreira

Belo Horizonte
2020
Dedico aos meus pais, que me apoiaram incondicionalmente para chegar até aqui.
À Renata, orientadora de mestrado e de vida, e à Vivian, Jéssica, Taynara e Letícia, amigas
que participaram intensamente do início ao fim desta etapa.
AGRADECIMENTOS

Chegar ao fim dessa trajetória parecia impossível. Foram três longos anos entre a defesa do
meu trabalho de conclusão de curso no dia 14 de dezembro de 2017 até a banca deste trabalho
no dia 14 de dezembro de 2020. É clichê, porém uma grande verdade, dizer que eu não teria
conseguido sem a ajuda de tantas pessoas queridas.

Porém, antes de tudo, gostaria de agradecer ao CEFET-MG, que me acolhe desde a graduação
e que me proporcionou anos inesquecíveis. Sou “cria” dessa instituição com muito orgulho. E
ao POSLING, que me permitiu fazer essa dissertação com bolsa de pesquisa durante o ano de
2019 e participar de congressos importantes para a minha formação acadêmica e pessoal.

Agradeço também à Prof.ª Ana Elisa Ribeiro, ao Prof. José Muniz Jr. e à Prof.ª Marília Barcellos
por terem aceitado fazer parte desse momento tão importante para mim. Ao refletir sobre quem
comporia essa banca, além de buscar pessoas com expressivo saber na área da edição, pesou
tanto a admiração que tenho pela trajetória acadêmica destes, quanto o afeto das relações que
se estabeleceram ao longo do tempo. Ana Elisa foi minha professora no primeiro período do
curso de Letras, participou da minha Banca de TCC, me deu aula no mestrado e era quem
convocava o “bonde do CEFET” para participar dos eventos acadêmicos. Com ela, aprendi a
defender nossa instituição a despeito de tantas situações em que passamos como invisíveis. José
Muniz já fazia parte da minha vida desde antes de conhecê-lo pessoalmente. Faz alguns anos
que citar “MUNIZ Jr.” é uma prática corriqueira na minha vida acadêmica, afinal, sua
contribuição para a área de pesquisa foi parte fundamental para que os meus estudos tivessem
embasamento teórico. Nas muitas voltas que a vida dá, Zé passou no concurso do CEFET, um
momento de muita alegria para mim. As suas contribuições para um olhar mais crítico às
práticas dos independentes, as indicações bibliográficas e, principalmente, o laço de amizade
que foi criado nesse processo, foram (e ainda são) fundamentais para eu me tornar uma
pesquisadora e um ser humano melhor.

Muitos são os professores e mestres a quem gostaria de agradecer nominalmente, mas vou me
ater a três pessoas para não me delongar demais. Primeiramente ao Pablo Araújo, que foi quem
me apresentou o universo das editoras independentes e instigou minha curiosidade para que eu
fizesse deste meu objeto de pesquisa nesses anos. Tão importante quanto, foram a Prof.ª Maria
do Rosário Alves Pereira, que me orientou no trabalho final da graduação, e o Prof. James
William Goodwin, que me ensinou a ver o mundo de uma maneira muito mais crítica. Ambos
fizeram parte da minha banca de qualificação e com suas generosas leituras me ajudaram a
encontrar novos possíveis percursos para esta pesquisa.

Esta investigação também não seria possível sem a colaboração dos editores João Varella e
Cecília Arbolave, duas figuras que sempre me receberam com bom humor e prontidão,
respondendo a tantas dúvidas e entrevistas. Para a pesquisa, utilizei apenas duas entrevistas que
foram as gravadas e documentadas, mas nossa interlocução começou enquanto eu ainda era
uma graduanda. Uma das tarefas mais árduas neste trabalho foi tentar separar minha admiração
pessoal pelas pessoas dos agentes que são objeto de pesquisa. Aos outros editores - Larissa
Mundim, Ana Rocha, Alessandro Andreola e Paola Marques - agradeço também pela
disponibilidade de me concederem as entrevistas e me deixarem conhecer um pouco mais de
suas trajetórias e empreendimentos.

É muito difícil agradecer nominalmente aos amigxs, porque sempre existem aqueles cujos
nomes o cansaço faz passar batido. Por isso, menciono aqui aquelxs que tiveram um papel
central nesse percurso de pesquisa. Eu tive o privilégio de passar na seleção do mestrado com
duas grandes amigas: Jéssica Tolentino e Vívian Soares. Do início ao fim, juntas! Sem elas,
esse trabalho não existiria. Foram muitas horas de discussões efusivas sobre os rumos da
pesquisa — e da vida — e outras tantas de desespero compartilhado. Letícia Santana Gomes,
minha querida chiquita, chegou em meio às viagens de congressos e foi minha parceira do sul
ao norte desse país (literalmente) e pela América Latina. Todas as entrevistas desta dissertação
foram feitas com seu apoio, assim como todas as vezes em que ficava nervosa na apresentação
de um congresso, ela estava lá me amparando. Já Taynara Irias, minha companheira de
graduação, formatura e futura vizinha, revisou parte considerável desse texto e foi apoio
fundamental para terminá-lo. Durante o período da escrita, passei pela exaustiva reforma de um
apartamento. Sua ajuda para “segurar essa barra” que é a vida adulta foi imprescindível para
dar vazão a tantas angústias. Não posso deixar de mencionar Gabrielli Ambrozio e Sabrina
Gomes, amigas que o CEFET também me trouxe. Gabi me ajudou com as imagens, me
acompanhou na qualificação e em eventos acadêmicos que nem eram do seu métier. Já Sabrina
foi a tradutora do abstract, mas também conselheira das inquietações sobre fazer pesquisa em
tempos de pandemia, além de ter sido um apoio operacional, ajudando a montar uma estrutura
para a reta final (de cadeira ergonômica a estoque de comidas congeladas). Alexandre Junior
não atuou diretamente nessa dissertação, mas foi quem me orientou sobre as tantas burocracias
do Programa e a pessoa com quem eu dividi as inseguranças com os prazos e com a condução
da disciplina que ministrei no estágio. Mestrando e graduando durante certo tempo, Alexandre
foi o rosto amigo para quem olhar quando não sabia se estava dando tudo certo na aula. Também
agradeço aos amigos que não deixaram de serem meus amigos durante esses três anos, apesar
da minha ausência ou do meu estado de humor oscilante. Para não me delongar, muito obrigada,
VQL; muito obrigada, Chá de Sumiço; muito obrigada, Meninas; muito obrigada Brodinhos e
agregados.

Não poderia igualmente deixar de agradecer ao Felipe Ribeiro, meu companheiro de jornada
nesses três anos, que, com sua paciência infinita, me ajudou a encontrar um norte e fazer com
que esse processo fosse mais leve. Ao Cleiton Gonçalves, psicólogo que acompanhou
semanalmente os dilemas do período da Pós-Graduação. À parte do nosso vínculo profissional,
seu incentivo e torcida para o término da escrita foram uma parte preciosa desse processo. Meu
muito obrigada, também, ao Dr. Carlos Reche, médico que me acompanha há 17 anos e que
assistiu cada passo desta trajetória. Nos períodos mais difíceis, ele me amparou clinicamente,
me ajudando, também, a ter respaldo para pedir o afastamento das atividades para me cuidar e
reestabelecer minha saúde mental.

Deixei para o final os agradecimentos mais vultosos porque já imaginava que iria me emocionar
ao escrevê-los. Durante esses três anos, tive ao meu lado uma das pessoas mais generosas que
já conheci, a Prof.ª Paula Renata Melo Moreira. Seria pouco chamá-la de orientadora de
mestrado, então prefiro usar outros termos: “orientadora de vida”. Nesses três anos, ela
acompanhou de perto todas as reviravoltas que a minha vida deu, acolhendo meus medos e
inseguranças, ouvindo com atenção incontáveis áudios de casos triviais, de situações cômicas
e outras um tanto quanto trágicas. Renata foi meu ombro amigo quando precisei chorar, quem
me acalmou enquanto eu me desesperava, quem me incentivou a perseverar. Foi também com
quem eu partilhei as melhores risadas, dividi minhas vitórias e foi quem deu asas para os meus
planos mirabolantes de madrugadas insones. Estes deram origem à disciplina Editoras
independentes: estratégias de resistência, que ministrei integralmente como estágio docência
— com seu apoio, mas também com a autonomia para decidir quais caminhos traçar. Foi minha
primeira experiência em sala de aula e como sou grata por ter tido essa oportunidade, pois agora
sei o que quero ser “quando eu crescer”. O ápice dos planos mirabolantes das madrugadas
insones deu origem ao evento Cartografias da Edição Independente, uma experiência que até
agora não sei colocar em palavras. Olhando hoje, esse evento parecia impossível, assim como
terminar esta dissertação. Sou grata por ela ter feito o que parecia impossível tornar-se
realidade. Agradeço por toda a orientação acadêmica, por ter me ensinado as “regras do jogo”
e como deve se fazer uma pesquisa de mestrado. Mas agradeço, sobretudo, a atenção, o afeto e
a paciência que cotidianamente me inspiram a ser a minha melhor versão.

Por fim, agradeço aos meus pais e à minha irmã Jussara. Eu tenho o privilégio de ter um pai e
uma mãe que me apoiam incondicionalmente. Vibram como se fosse uma “final da Copa do
mundo” a cada pequena vitória, preocupam-se a cada desafio que tenho que enfrentar,
interessam-se por cada detalhe do meu mundo particular. Com essa dissertação, não foi
diferente. Tenho um caso, em especial, que gostaria de contar nesses agradecimentos: na falta
de um PDF editável de As regras da arte, meu pai, sentado no sofá, ditava longos trechos da
versão impressa — reclamando enfaticamente, com razão, da quantidade de aspas, vírgulas e
travessões que Bourdieu usa no texto — enquanto eu digitava para fazer o fichamento. Nesse
período, eu não tinha noção de quanto sua visão já estava cansada, por uma questão de saúde,
mas ele seguia se esforçando para ler aquelas letras miúdas de uma versão (mal) impressa. Foi
assim, das pequenas às grandes coisas, das orações e meditações da minha mãe ao apoio
financeiro para ir aos congressos, dos longos períodos sem ir vê-los por precisar escrever às
perguntas ansiosas de como me saí na apresentação de um trabalho. Tudo que eu disser aqui é
pouco para tanta gratidão. Eles e Jussara são tudo que tenho, são o norte da minha vida, são a
minha razão de querer seguir em frente quando tudo parece perder o sentido. A jornada até o
final desse processo foi longa e cheia de percalços, mas é com muito alívio e alegria que entrego
esta dissertação, pois sei que também será um alívio e uma alegria incomensurável para eles.
Um livro não é um objeto como os outros. Na mão não é senão papel; e o papel não é o
livro. No entanto, também o livro se encontra nas páginas; só o pensamento, sem as palavras
impressas, não formaria um livro. Um livro é uma “máquina de ler”, mas nunca se pode
utilizar mecanicamente. Um livro compra-se, vende-se, troca-se e, contudo, não se deve
tratar como qualquer mercadoria, porque é a um tempo múltiplo e único, inúmero e
insubstituível.

Robert Escarpit
RESUMO

Esta dissertação versa sobre a comercialização de publicações de editores independentes na


Banca Tatuí, uma banca de jornais repaginada para tornar-se livraria no Bairro de Santa Cecília,
na cidade de São Paulo. Inaugurada em 2014 pelos editores da Lote 42, João Varella e Cecília
Arbolave, o espaço atualmente agrega publicações de mais de 200 produtores parceiros. Além
do ponto de venda físico, a Banca Tatuí também existe no formato de loja virtual e possui redes
sociais nas quais figura uma personagem que faz o papel de livreira digital. Para esta pesquisa,
fizemos um levantamento dos produtores parceiros e os categorizamos a fim de selecionarmos
editoras para compor nosso corpus. Os critérios utilizados foram: 1) localização geográfica, 2)
ter à venda na Banca Tatuí objetos editoriais considerados livros stricto sensu; 3) número de
títulos disponíveis na loja virtual; 4) comercializar, também, por meio de loja virtual própria e
feira de publicações independentes. Dessa maneira chegamos às editoras: Nega Lilu Editora
(Goiânia), Polvilho Edições (Belo Horizonte) e Editora Barbante (Curitiba). Partindo de
entrevistas semi-estruturadas com os responsáveis pela editora e entrevistas em profundidade
com os livreiros, propomo-nos a traçar um diálogo dessas múltiplas vozes, visando entender
como funciona a comercialização de impressos na cena independente e como a Banca Tatuí
constitui-se um ponto relevante de vendas para esses produtores. Devido à grande
heterogeneidade do campo de publicações independentes, trouxemos breves estudos de casos
sobre as editoras parceiras selecionadas. Nossa discussão teve como amparo teórico as obras de
Pierre Bourdieu (passim) e José Muniz Jr. (2016). Estes nos forneceram elementos para
entender como funciona o mercado dos bens simbólicos e o campo das publicações
independentes, circunscritas neste trabalho no microcosmo gráfico-editorial. Nossas conclusões
parciais apontam que a Banca Tatuí constitui-se relevante à medida que a parceria extrapola a
distribuição de títulos no ponto de venda físico, funcionando como uma chancela para adentrar
um circuito de comercialização e legitimação.

Palavras-chave: Comércio de livros. Edição independente. Banca Tatuí. Lote 42. Nega Lilu
Editora. Editora Barbante. Polvilho Edições.
ABSTRACT

The hereby dissertation addresses the market surrounding autonomous publishers’ publications
at Banca Tatuí (Tatui Newsstand), a newspaper stand repainted to look like a bookstore in Santa
Cecília district in the city of São Paulo. Firstly introduced in 2014 by the Lot 42 publishers,
João Varella and Cecilia Arbolave, this space currently holds works from over 200 partner
producers. Besides the physical store, There is also a virtual store from Banca Tatuí, and on its
social networks, there is a character who plays the role of a digital bookseller. For this research,
we surveyed partner producers and categorized them to select the publishers who would
compose our corpus. The criteria used to do so were: 1) geographic location; 2) to sell at the
Tatuí Bank editorial objects considered stricto sensu books; 3) the number of titles available at
the virtual store; 4) to also sell through its own virtual store and independent publication fairs.
By these criteria, we were able to scope the corpus into the publishers: Nega Lilu Editora
(Goiânia), Polvilho Edições (Belo Horizonte), and Editora Barbante (Curitiba). Semi-structured
interviews with the publishers were made to start and later in-depth interviews with the
booksellers, we aimed the dialogue of these multiple voices, to understand how the market of
printed matter in the independent scene works and how the Tatuí Bank is a relevant sales point
for these producers. Due to the great heterogeneity of the independent publications field, we
brought study cases on selected partner publishers. Our discussion was theoretically based on
the works of Pierre Bourdieu (passim) and José Muniz Jr. (2016). These provided us elements
to understand how the market of symbolic goods and the independent publication field
described in this thesis work in the graphic-publishing microcosm. Our partial conclusions point
out that the Tatuí Bank is relevant as the partnership goes beyond the distribution of titles at the
physical store, acting as a seal to enter a market and legitimization circuit.

Keywords: Book market. Independent publishing. Banca Tatuí. Lote 42. Nega Lilu Editora.
Editora Barbante. Polvilho Edições.
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Editora Barbante no Instagram ............................................................................. 65


Imagem 2 – Livro Wadad (2016) ............................................................................................. 67
Imagem 3 – Livro Música do dia (2016).................................................................................. 67
Imagem 4 – Coleção Sound+Vísion ........................................................................................ 69
Imagem 5 – Editora Barbante na Banca Tatuí comparativo dez. 2018 / out. 2020 .................. 71
Imagem 6 – Nega Lilu no Instagram ........................................................................................ 72
Imagem 7 – Linha do tempo Operação Kamikaze/Nega Lilu .................................................. 74
Imagem 8 – Livro Nádia Koller: memórias e receitas de Goyaz (2017) ................................. 79
Imagem 9 – Livro Sem Palavras (2013) .................................................................................. 80
Imagem 10 – Nega Lilu Editora na Banca Tatuí comparativo dez. 2018 / out. 2020 .............. 81
Imagem 11 – Polvilho Edições no Instagram ........................................................................... 82
Imagem 12 – Livro Jardim do seu Neca: inventário botânico afetivo (2014) ......................... 87
Imagem 13 – Livro Arimin (2017) ........................................................................................... 88
Imagem 14 – Desdobramentos Jardim do seu Neca: inventário botânico afetivo ................... 89
Imagem 15 – Polvilho Edições na Banca Tatuí comparativo dez. 2018 / out. 2020 ................ 90
Imagem 16 – Página inicial do website da Polvilho Edições ................................................. 101
Imagem 17 – Loja virtual da Polvilho Edições na Iluria (aba livros)..................................... 102
Imagem 18 – Loja virtual da Polvilho Edições na Iluria (página do título Niebla) ............... 103
Imagem 19 – Website Nega Lilu parte superior ..................................................................... 104
Imagem 20 – Website Nega Lilu parte inferior ...................................................................... 105
Imagem 21 – Loja virtual Nega Lilu ...................................................................................... 107
Imagem 22 – Loja Virtual da Barbante na Iluria .................................................................... 109
Imagem 23 – Loja virtual da Editora Barbante (título Wadad ) ............................................. 110
Imagem 24 – Lote 42 no Instagram ........................................................................................ 119
Imagem 25 – Livro Seu Azul (2013)....................................................................................... 124
Imagem 26 – Livro Lululux (2015) ........................................................................................ 126
Imagem 27 – Orientações de como usar o Lululux ................................................................ 126
Imagem 28 – Estrutura do Lululux ......................................................................................... 127
Imagem 29 – Livro Bibi (2019) .............................................................................................. 128
Imagem 30 – Promoção do 7x1 .............................................................................................. 131
Imagem 31 – Página inicial do website da Lote 42 com todo o catálogo .............................. 133
Imagem 32 – Banca Tatuí no Instagram ................................................................................. 138
Imagem 33 – Banca Tatuí....................................................................................................... 142
Imagem 34 – Parte interna da Banca Tatuí............................................................................. 142
Imagem 35 – A personagem Banca Tatuí no Instagram ........................................................ 152
Imagem 36 – Bancatuber do livro Corredor Polonês: Patife Band da Editora Barbante ...... 153
Imagem 37 – Divulgação da Polvilho Edições na Banca Tatuí ............................................. 154
Imagem 38 – Divulgação da Nega Lilu Editora na Banca Tatuí ............................................ 154
Imagem 39 – Divulgação da Editora Barbante na Banca Tatuí ............................................. 155
Imagem 40 – Interface da loja virtual da Banca Tatuí ........................................................... 156
PREÂMBULO

Um preâmbulo em tempos de pandemia - ou quase uma carta de (des)intenções

Belo Horizonte, 16 de novembro de 2020

2020 foi um ano ímpar. Sem dúvidas figurará nos livros de História e nos relatos pessoais dos
indivíduos que viveram esse período tão atribulado. Com o advento da pandemia causada pelo
novo coronavírus, o cotidiano das cidades e da vida social se modificou, trazendo consigo
transformações nos modos de agir e de pensar de, pelo menos, uma parcela considerável da
população. Excetuando-se aqueles que adotaram uma postura negacionista – e que,
infelizmente, não foram poucos, o que tornou o cenário muito mais assustador –, deparamo-nos
com medos, angústias e incertezas, além de muita tristeza. A crise sanitária repercutiu em uma
crise econômica, diversos negócios foram à falência, governos tiveram que intervir com
auxílios financeiros – embora muito aquém das necessidades – para que muitas pessoas
conseguissem se manter depois da perda de seus empregos ou empreendimentos. Sobretudo,
assistimos estarrecidos ao fim de incontáveis vidas. O número dessas mortes, na data de hoje,
16 de novembro de 2020, chegou à marca de 1.316.502 em escala global e de 165.811 no
Brasil1. Ao mencionar este país – atualmente (des)governado por um indivíduo cuja prática é
de um imenso descaso para com o ser humano, contribuindo direta e conscientemente para o
caos social em que estamos imersos –, é válido ressaltar que muitos dados são questionáveis e
que impera a subnotificação. A contagem de mortos está longe de acabar, com promessas de
uma segunda onda, e o fim da pandemia ainda não é um horizonte possível de ser enxergado.

A vida como era antes não existe mais e um “novo normal” – na falta de um termo menos clichê
– tem tomado forma, ainda que com contornos borrados. Nesse cenário, adaptarmo-nos ao
mundo virtual foi imperativo, necessário, fundamental. Felizes daqueles que já tinham domínio
e apreço por esse universo e daqueles que conseguiram se manter produtivos em meio ao caos.
É nesse momento da reflexão que paro e introduzo a primeira pessoa do singular – o que não
farei no restante da dissertação. A pandemia causou impactos em todos os aspectos de nossas
existências e, na minha, não seria diferente. Repercussões de diversas ordens – familiar, pessoal,
acadêmica – habitaram meus dias de escrita. Mas a vida não é feita de “se”. Deixo aqui,

1
Informações disponíveis em: https://news.google.com/covid19/map?hl=pt-
BR&mid=%2Fm%2F015fr&gl=BR&ceid=BR%3Apt-419. Acesso em: 16 nov. 2020.
portanto, o fruto de um trabalho realizado no período de 2018 a 2020, entre idas e vindas,
alegrias e angústias, e, principalmente, muito aprendizado.

A pesquisa que ora se apresenta começou com uma ideia muito diferente do que será exibido
no texto. Estudar um fenômeno contemporâneo e o mercado de livros me fez redirecionar a rota
incontáveis vezes até chegar aqui. A cada troca com outro pesquisador ou com produtores,
abria-se um leque de possibilidades e hipóteses. Assim, escrever esta dissertação foi como
montar um grande quebra-cabeças com peças muito embaralhadas, uma espécie de Tetris
mental, o que muitas vezes dificultou o processo de orientação. Mas sinto que amadureci de
tal maneira – como pessoa e como pesquisadora – que saio tranquila, acreditando que este texto
apresenta, ao menos, uma parcela de tudo que conheci e aprendi.

Para além de tais considerações, este preâmbulo existe principalmente por uma questão
pragmática. Meu levantamento, ou seja, minha coleta de dados por meio de entrevistas,
aconteceu entre 2018 e 2019, em um cenário em que ainda não existia pandemia. Visto o
impacto desta no mercado de livros, associado ao meu afastamento de todas as redes sociais no
ano de 2020 (por questões de saúde mental), optei por manter a pesquisa no período pré-
pandêmico. Optei também por fazer pequenas inserções com informações mais recentes do
período atual. A escrita no corpo do texto talvez me traia, afinal, parte da redação foi realizada
após eu já ter conhecimento de que o vírus assolava o mundo e, com ele, trazia indeléveis
mudanças para o objeto sobre o qual me debruço.

Assim, a proposta deste trabalho é retratar uma cena pouco antes de tudo mudar. Exercício de
registro, de memória, de reflexão sobre práticas que talvez não vejamos mais da maneira como
conhecemos até aqui. Afinal, o principal eixo motor dos independentes pesquisados eram as
feiras de publicações, realizadas em locais fechados, conhecidas pela efervescência de pessoas
em um mesmo espaço, em aglomeração. Por pelo menos um bom tempo, essa não será a
realidade desses negócios. O futuro mostra-se incerto e será preciso muita criatividade e
adaptabilidade para que esse mercado possa se reinventar.

Resta a esperança de tempos melhores para esses produtores e para todos aqueles que foram
direta ou indiretamente impactados pela pandemia e suas incertezas. Que este trabalho permita
aos leitores perceberem que, antes do grande caos mundial que hoje vivemos, um grupo de
produtores agitou a cena cultural do Brasil movido por um objeto: o livro.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17

CAPÍTULO 1 – O MERCADO DE LIVROS .......................................................................... 31

1. Um mercado de bens simbólicos ................................................................................... 35

2. O campo editorial .......................................................................................................... 40

3. O subcampo editorial independente .............................................................................. 46

CAPÍTULO 2 – O MICROCOSMO GRÁFICO-INDEPENDENTE ...................................... 57

1. Um corpus de difícil delimitação .................................................................................. 57

2. Editora Barbante: entre discos e fotos ........................................................................... 65

3. Nega Lilu Editora: militância no Brasil Central ............................................................ 72

4. Polvilho Edições: o esmero gráfico de uma editora artífice .......................................... 82

5. A dinâmica dos capitais ................................................................................................. 91

6. A comercialização de impressos nas independentes ..................................................... 93

CAPÍTULO 3 – A BANCA TATUÍ ...................................................................................... 116

1. Os editores-livreiros .................................................................................................... 116

2. Onde tudo começou: A Lote 42 ................................................................................... 119

3. Era uma vez uma banca... ............................................................................................ 138

4. Uma livraria física e uma livreira digital ..................................................................... 147

5. Por dentro das engrenagens ......................................................................................... 158

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 165

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 171

APÊNDICE A - LEVANTAMENTO DA FEIRA MIOLO(S) .............................................. 179

APÊNDICE B - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS .................................................. 183

Larissa Mundim - Nega Lilu Editora (12/05/2020) ........................................................ 183

Cecília Arbolave- Lote 42/ Banca Tatuí (25/05/2019) ................................................... 194


Alessandro Andreola - Editora Barbante WhatsApp (02/08/2019) ................................ 207

Alessandro Andreola e Paola Marques - Editora Barbante (13/08/2020) ...................... 215

João Varella - Lote 42/ Banca Tatuí (12/10/2019) ......................................................... 237

Larissa Mundim - Nega Lilu Editora (12/10/2019) ........................................................ 247

Ana Rocha - Polvilho Edições (23/10/2019) .................................................................. 251

ANEXO – IMAGENS DO LEVANTAMENTO DO TÓPICO QUEM ESTÁ AQUI NA


BANCA TATUÍ (20/12/2018) .............................................................................................. 258
17

INTRODUÇÃO

Como chegamos até aqui?

O conteúdo deste trabalho é resultante de uma trajetória que se iniciou em 2015, no 3° período
da graduação em Letras — com ênfase em Tecnologias da Edição — no CEFET-MG. Foi nessa
época que tivemos contato com o universo das editoras independentes por meio da atuação do
professor e editor Pablo Araújo, entusiasta e pesquisador dessas pequenas casas publicadoras.
Sob sua orientação, conhecemos a icônica história do editor nova-iorquino André Schiffrin, a
partir da leitura de O negócio dos livros: como as grandes corporações decidem o que você lê
(2006), uma obra ensaística sobre as mudanças no mercado editorial, partindo de um relato
autobiográfico. Sua narrativa é paradigmática devido ao ethos heroico suscitado pelo editor que
não se curvou às pressões de um mercado cada vez mais pautado pela busca do lucro financeiro
em detrimento da qualidade dos catálogos, fruto das sucessivas compras e fusões de pequenas
casas às grandes corporações. A bravata do grupo de funcionários capitaneada por Schiffrin
culminou em um pedido de demissão coletiva que reverberou no mundo editorial, gerando
artigos, debates e, inclusive, um protesto em frente ao prédio da editora. Saldo dessa situação
foi a decisão do editor de, em 1992, fundar sua própria editora, sem fins lucrativos, a New Press,
em uma tentativa de constituir uma opção às grandes editoras comerciais. Dessa forma,
Schiffrin tornou-se uma referência para os pequenos editores que se organizaram em torno do
qualificador “independente”2, instigando, assim, nossa curiosidade acadêmica.

Desde então, nossas pesquisas têm transitado dentro desta especificidade do campo da edição,
ora passando pela história e pela materialidade dos livros, ora pelos curiosos personagens que
habitam esse mundo, porém, sempre atravessadas por uma questão de ordem prática: como
funciona o mercado de livros? Afinal, é corriqueiro ouvirmos — dentro desse campo de estudo
— que o livro tem duas facetas: a simbólica e a econômica, de modo que o próprio ofício de os
editar “trata-se de uma profissão intelectual e comercial que visa buscar textos, encontrar
autores, (...), controlar o processo que vai da impressão da obra até a sua distribuição. ”
(CHARTIER, 2009, p.50). A inquietação para entender como funcionava tal mercado e se era
possível conciliar (ou não) essas duas faces sempre esteve presente, motivando, assim, o

2
Segundo José Muniz Jr., “não seria um exagero situá-lo como o estopim dos debates sobre a edição
‘independente’ que tomaram corpo nos anos seguintes. Seu nome é mencionado em praticamente todos os
materiais produzidos sobre o tema a partir da virada do milênio (...)” (2016, p.96).
18

surgimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado Resistir é preciso!


Estratégias e práticas das “independentes” na era da concentração editorial, defendido em
2017. Nele, discutimos o fenômeno da oligopolização do mercado de livros, com o intuito de
compreender o surgimento da “cena independente”, haja vista que a “fagocitação” de pequenas
e médias casas editoriais fez com que tal mercado, responsável pela publicização de
conhecimentos e saberes, ficasse suscetível à perda da pluralidade de vozes ecoadas pelos
catálogos. A contraposição ao modus operandi das grandes editoras tornou-se uma marca
distintiva para editores de diversas localidades do mundo, que se organizaram em grupos de
colaboração mútua, buscando soluções para produzir e fazer circular suas produções. Para o
estudo de 2017, usamos como corpus as editoras independentes Patuá e Lote 42, as quais, com
estratégias muito diferentes, destacavam-se nessa cena, mesmo sem estarem institucionalizadas
em entidades, como a Liga Brasileira de Editoras (LIBRE).

Essa pesquisa foi fundamental para compreendermos peculiaridades desse mercado que não
possui alta lucratividade conquanto seja um lugar de prestígio. Nesse período, uma interlocução
muito preciosa foi estabelecida com o editor Jiro Takahashi3. Em uma das nossas primeiras
conversas, ele trouxe um relato que, com o tempo, perceberíamos recorrente na literatura da
área e nas narrativas de outros profissionais:

Defendo que o meio editorial tem alguns ingredientes de ordem intelectual e


sentimental que normalmente não entram nas estratégias globais de negócios, que
privilegiam totalmente os ganhos, as rentabilidades, como os motores únicos dos
movimentos de negócios. Só o meio editorial pode acolher empresários que aceitam
ganhar menos do que em outros setores porque QUEREM trabalhar com livros. Para
alguns desses empresários "intelectuais e sentimentais", o ganhar mais do que os
outros (uma das premissas que justificam a manutenção do capitalismo no mundo)
não é o mais importante. (TAKAHASHI apud COUTINHO, 2017, p.16).

Tal fala nos trouxe a percepção de que o retorno financeiro dentro desse comércio raramente
seria similar ao de outros tipos de empreendimentos. Um empresário na busca pela acumulação
monetária teria uma vasta gama de opções nas quais investir seu dinheiro que não incluiria o
comércio de livros. Partindo de tal conclusão, os editores independentes aparentavam ser, sob
nossa perspectiva, a expressão máxima dos “intelectuais e sentimentais”. Essa ideia também
está presente no livro de Gilles Colleu, Editores Independentes: da idade da razão à ofensiva
(2007), no qual tais agentes, chamados de “editores de criação”, não seriam meros “fazedores

3
O editor, figura consagrada no setor, é atuante no mercado editorial desde 1966, tendo trabalhado em editoras
de diferentes portes, tornando-se responsável pela publicação de renomadas coleções formadoras de novos
leitores (como a Coleção Vagalume e a coleção Para Gostar de Ler).
19

de livros” reeditando a “nona obra na moda” (p.14) com o intuito de ganhar dinheiro, mas sim
agentes engajados com a produção cultural de um catálogo coerente e longevo. Hoje
entendemos que boa parte das reflexões de Colleu eram romantizadas e, em alguma medida,
utópicas, mas naquele período esta era uma das nossas principais referências.

Com o entendimento de que esse mercado tem várias peculiaridades, foi com a obra seminal
Mercadores de Cultura (2013), de John B. Thompson, que tivemos suporte teórico para a
pesquisa do TCC. Nela encontramos de maneira “didática” um panorama de como funciona tal
setor, passando de reflexões teóricas (apresentando uma releitura simplificada da obra de Pierre
Bourdieu, como a definição de campo e de capitais) à reflexão da estrutura e da práxis de
agentes da cadeia produtiva do livro. A realidade das editoras de maior porte, apresentada por
Thompson, distanciava-se largamente da realidade dos pequenos editores. Nossa percepção, a
partir da leitura do autor, era que, tanto para as grandes quanto para as pequenas, o maior
obstáculo estaria em fazer suas obras chegarem aos leitores, ou seja, na divulgação, na
comercialização e na distribuição dos livros.

Entretanto, as grandes editoras, devido ao privilégio advindo das condições financeiras e


fazendo uso da economia de escala4, possuem maneiras de mitigar tal questão: profissionais de
marketing gerenciam as redes sociais; influenciadores digitais promovem seus títulos em troca
de cachê; distribuidoras de livros são contratadas; títulos ficam à venda em grandes redes do
varejo livreiro — muitas das vezes ocupando lugares de destaque, seja na página inicial da
livraria virtual ou em pontos estratégicos nas lojas físicas. Para todas essas soluções, é preciso
gastar altas somas de dinheiro, o que não é uma opção para pequenas casas editoriais. Mediante
tal constatação e a partir do contato com editores e pesquisadores da área, uma questão ficou
posta: como os editores independentes fazem circular suas obras? Naquele período, não foi
possível investigar a fundo tal questão, mas essa inquietação foi um dos principais motivos para
ingressarmos no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens do CEFET-MG.

4
A economia de escala trabalha com a lógica que, quanto maior a produção, menor o custo médio do produto.
No mercado editorial, muitas editoras publicam tiragens maiores para terem um valor de capa unitário menor.
É importante observar que, para se beneficiar dessa prática, o investimento bruto inicial é muito mais alto do
que seria para publicar uma tiragem menor: “uma das principais razões para as grandes corporações terem
ocupado tão proeminente área é haver benefícios reais de escala que podem ser obtidos com publicações
comerciais.” (THOMPSON, 2013, p.162).
20

Concomitantemente a tais reflexões, seguimos observando o mercado editorial brasileiro por


meio de notícias do portal Publishnews e de outros grandes portais jornalísticos. Nesse período,
estava instaurado mais um capítulo das sucessivas crises que atingem este mercado com o
fechamento de grandes livrarias5. A título de contextualização, em 2013, a Livraria Laselva
entrou em recuperação judicial com “dívidas que somavam mais de R$ 120 milhões”
(ALECRIM, 2018) e, em março de 2018, decretou a falência da rede. Conhecida por ter
unidades nos principais aeroportos e rodoviárias do país, as 80 lojas foram fechadas. Em 17 de
julho de 2017, a livraria francesa Fnac, que possuía 12 lojas divididas em sete estados brasileiros
desde 1999, resolveu encerrar sua participação no Brasil. Depois de alguns anos com um fluxo
de caixa negativo, o encerramento veio com a decisão de passar à Livraria Cultura suas
operações em um acordo de 130 milhões de reais para que ela quitasse os prejuízos e buscasse
“construir um nome forte, por meio de uma combinação de dois grupos criando valor e
sinergias” (DESIDÉRIO, 2018). Esperava-se, então, que a Cultura agregasse tais livrarias à sua
rede, entretanto, em 23 de outubro de 2018, a última loja da FNAC foi fechada, juntamente com
sua versão virtual.

No mesmo dia, a Livraria Cultura entrou com um pedido de recuperação judicial, alegando uma
dívida de 285 milhões. Em abril de 2019, seu plano de reestruturação foi aprovado em
assembleia com credores e homologado na justiça – diferentemente da Livraria Saraiva, que
também entrou em recuperação judicial em novembro de 2018, com dívida estimada em R$675
milhões (CORRÊA et al, 2018), mas que, até esse momento, não conseguiu a aprovação de seu
plano pelos seus 1.100 credores. A livraria Saraiva, fundada há 104 anos, chegou a ter 101 lojas
em funcionamento, mas atualmente possui 50 lojas6. Essas duas livrarias, Cultura e Saraiva,

5
A palavra “crise” nesse meio é a regra e não a exceção. Basta buscar pesquisas e reportagens ao longo do tempo
para vermos que essa é uma questão estrutural. No título A economia da cadeia produtiva do livro (2005),
produzido com os resultados da pesquisa conduzida pelos economistas Fabio Sá Earp e George Kornis entre
março e outubro de 2004, encontramos dentre suas justificativas “o desconhecimento da profundidade da crise
que afeta as vendas de livros no país por muitos percebida porém ainda não mensurada” (p.7). Apesar de grande
parte dos levantamentos estatísticos da pesquisa já estarem obsoletos, a obra é bastante elucidativa ao elencar
problemas estruturais que contribuem para a perpetuação de uma “eterna” crise, partindo da ideia que “O
problema básico da economia do livro é, portanto, um descompasso entre a imensa oferta global e a
limitadíssima capacidade de absorção do consumidor individual.” (p.14). Esse descompasso é atrelado ao baixo
valor da produção de títulos se comparados ao alto custo para formar um leitor e, também, ao grande número
de agentes que compõem a cadeia produtiva do livro e dependem dela —integral ou parcialmente: “A cadeia
produtiva do livro reúne os setores autoral, editorial, gráfico, produtor de papel, produtor de máquinas gráficas,
distribuidor, atacadista, livreiro e bibliotecário, cada um formado por um grande número de firmas.” (p.18)
6
A situação da Saraiva, em franca decadência, faz com que até os números de unidades fiquem confusos. Na
reportagem “Saraiva fecha mais lojas e apresenta plano criativo para evitar a falência”, de Marcelo Satake,
publicada no portal Exame em 09 de outubro de 2020, encontramos o seguinte trecho: “Há dois anos, antes de
ver a crise se agravar e entrar com o pedido de recuperação judicial, a Saraiva tinha mais de 100 lojas no país.
No início de setembro, esse número havia caído para 57 unidades; e a estimativa é que o total caiu para menos
21

eram responsáveis por cerca de 46% das vendas no varejo de livros no país, sendo consideradas
as “gigantes” do mercado (VENTURA, 2018).

O nosso percurso de pesquisa acabou resvalando nessa crise, pois tal cenário nos sugeria —
baseados na percepção de notícias e nas falas de agentes do mercado — que as lojas físicas no
modelo de megastore estavam em declínio e a alternativa para a comercialização dos livros
seriam as iniciativas de pequeno porte, inclusive aquelas gerenciadas por editores
independentes. Nessa esteira dessas iniciativas, estava a Banca Tatuí, livraria instalada em uma
banca de jornal pelos editores da Lote 42, João Varella e Cecília Arbolave. Situada na rua Barão
de Tatuí, no Bairro Santa Cecília, em São Paulo, o espaço de 6m2 foi meticulosamente adaptado
para comercializar produções independentes, agrupando publicações de 2237 produtores, de
diversas localidades do Brasil e de alguns países — Argentina, Estados Unidos, Letônia,
Colômbia, entre outros. O ponto de vendas, que já nos chamava a atenção no período do TCC,
pareceu-nos um bom ponto de partida para seguir investigando sobre a circulação de impressos
independentes.

Dessa forma, produzimos artigos contrapondo as práticas de grandes redes às pequenas


iniciativas livreiras, partindo da hipótese que parte considerável do problema — além da má
gestão administrativa — eram os moldes de comercialização: mais impessoal, baseado na lógica
do autoatendimento, com funcionários (livreiros) cada vez menos valorizados e
consequentemente menos especializados.8 O caráter da impessoalidade, por sua vez, não estava

de 50 nas últimas semanas, em meio à retomada de pontos por locatários e a devolução pelo próprio grupo. Há
tantas incertezas a esse respeito que a própria Saraiva listou apenas 23 lojas no plano aditivo de recuperação
judicial, que estariam menos passíveis a questionamentos.”. Disponível em:
https://exame.com/negocios/saraiva-fecha-mais-lojas-e-apresenta-plano-criativo-para-evitar-a-falencia/.
Acesso em 16 nov. 2020
7
Esse número é o disponível na data de 11 de novembro de 2020 no tópico Quem está aqui? da loja virtual da
Banca Tatuí. Entretanto, em nossa pesquisa utilizamos o total de 197, haja vista que foi o número que
encontramos na data 20 de dezembro de 2018, dia que começamos o mapeamento em busca de um corpus de
editoras. Entendemos que essa diferença é inerente à dinamicidade do mercado, principalmente quando
abordarmos um empreendimento comercial contemporâneo que segue ativo.
8
Como discutido em nosso artigo “Um mercado complexo’: a comercialização de livros nas grandes redes de
livrarias e nas pequenas iniciativas independentes” publicado nos anais do 42º Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação: “As megastores funcionam, majoritariamente, dentro da lógica do autoatendimento e da
grande oferta de produtos, muitas vezes conciliando a venda de artigos de outros segmentos – na Saraiva, por
exemplo, há também a comercialização de equipamentos de informática e telefonia. Com a queda na receita
das vendas e com os altos custos de manutenção de grandes espaços em lugares privilegiados, como shopping
centers, o equilíbrio dos balancetes parece inviável. Outro ponto a ser observado é que, mesmo que o
autoatendimento seja a tônica, é necessário manter um grande quadro de funcionários. Na tentativa de diminuir
custos, uma alternativa frequente é a demissão de profissionais especializados para a contratação de vendedores
com menor qualificação, consequentemente, com menos remuneração financeira. Em uma coletânea de relatos
de funcionários demitidos da Livraria Cultura, publicada no blog Passa Palavra, inúmeros casos elucidam
22

presente nas práticas de pequenas iniciativas livreiras que surgiam com negócios mais enxutos
e intimistas, na contramão da crise dos grandes empreendimentos. Após a contribuição de
outros pesquisadores aos nossos trabalhos nos congressos e na banca de qualificação 9,
entendemos que basear esta dissertação na contraposição das práticas de grandes livrarias às de
pequenas — no caso a Banca Tatuí — seria partir de uma premissa aberta a equívocos.
Principalmente por dois motivos: o público-alvo das megastores não é necessariamente o
mesmo das livrarias independentes, ainda que exista uma parcela de intersecção; enquanto
Saraiva e Cultura entram em declínio, outras redes de megastores têm crescido, como a rede
mineira Leitura, que em 2020 ultrapassou a Saraiva em número de lojas (75), com planos de
inaugurar outras quatro lojas ainda em 2020.10 (PUBLISHNEWS, 2020).

À vista desse percurso, retomamos nosso objeto de análise, mas sob outra perspectiva e
formulamos como problema central de pesquisa: “Como a Banca Tatuí constitui-se um ponto
de venda físico relevante para editoras independentes?”. Para isso, propusemos-nos a traçar um
diálogo entre os editores comercializados no espaço e os livreiros responsáveis pela Banca, por
meio de entrevistas. Desde o TCC, nós já acompanhávamos o crescimento da editora Lote 42 e
as diversas estratégias criadas para diminuir a dificuldade da distribuição das editoras
independentes. João Varella e Cecília Arbolave tornaram-se agitadores culturais da cena e
assíduos participantes de eventos, ministrando palestras e cursos sobre o tema. Além da casa
editorial, fundada no final de 2012, e da Banca Tatuí, inaugurada em 2014, fundaram a Sala
Tatuí em 2018, sendo a última um espaço para eventos e cursos que também funciona como
livraria “com hora marcada” na qual são comercializadas obras raras e mais frágeis. Ainda em
2020, a dupla pretende inaugurar a Livraria Gráfica11, em parceria com o designer Gustavo
Piqueira. Os editores-livreiros também são os produtores da Feira Miolos (Biblioteca Mário de

como aconteceu a precarização do trabalho na empresa, principalmente depois das demissões: “Na leva que
entrou depois, o salário já era menos da metade, eles cortaram, sei lá… um salário de 5 mil e quinhentos foi
pra 2 mil.” (PASSA PALAVRA, 2019). Dessa maneira, compreendemos que parte do colapso das grandes
livrarias é compreensível pelos fatores supracitados, principalmente por se pautar em um modelo de negócios
que mantém certo distanciamento do cliente.”
9
A banca de qualificação foi realizada no dia 02 de abril de 2019 com Profª, Drª. Maria do Rosário Alves Pereira,
Pr. Dr. James William Goodwin Jr. e Prof. Dr. José Muniz de Souza Jr. no CEFET-MG
10
Mesmo com pandemia, haja vista que a matéria foi publicada no dia 28 de setembro de 2020
11
Segundo o site Publishnews, o espaço pretende aliar a venda de livros com um ateliê de impressão, onde os
leitores poderão fazer visitas presenciais, tomar um café e encomendar publicações impressas na hora, listadas
em um cardápio. Devido à Pandemia de Coronavírus, a loja funcionará apenas virtualmente e será aberta
quando houver condições sanitárias para tal. Disponível em
<https://www.publishnews.com.br/materias/2020/09/14/nova-livraria-de-sp-tera-atelie-de-impressao-e-cafe>
Acesso em: 18 set. 2020.
23

Andrade), importante feira do calendário nacional, e da Printa-Feira (Sesc 24 de Maio) e da


Tinta Fresca (Espaço Cultural Porto Seguro), sediadas na cidade de São Paulo.12

A Banca Tatuí foi o primeiro empreendimento livreiro da dupla, inicialmente, direcionada para
ser um ponto de venda físico para os livros da Lote 42 e algumas editoras parceiras. Depois foi
se consolidando dentro do microcosmo da edição independente. Com o lema “Só as
independentes, sem preconceito”, na banca-livraria são comercializados livros, revistas, zines,
pôsteres, adesivos e outras modalidades de produtos gráficos. A iniciativa de realizar a venda
de livros em uma banca de jornal, à primeira vista, pareceu-nos pioneira, porém, depois de
maior contato com o tema, percebemos que o caráter inovador reside no fato de uma banca de
rua comercializar um nicho especializado de produções, fundada em um período que editores
independentes tinham muito poucos espaços contínuos de venda. As bancas de jornais foram
— e resguardadas as conjunturas ainda são —, importantes agentes propulsoras do circuito
livreiro.

Fazendo uma pequena viagem no tempo, encontramos na Europa, a partir do fim século XIX,
as bancas que vendiam livros nas estações ferroviárias, como apontado por Martyn Lyons, na
obra Livro: uma história viva (2011): “Em 1848, W. H. Smith estabeleceu a primeira banca de
livros em uma estação ferroviária, [...] em Londres. Louis Hachette veio em seguida, 1852, com
as suas Bibliothèques des Chermins de Fer” (p.146). Hachette manteve o monopólio da
comercialização de livros nessas estações por um período longevo com a anuência do governo,
comercializando a coleção livros populares em formatos econômicos pelo valor de 1 franco, ou
seja, um valor bem abaixo do usual à época13.

12
Na quarentena, devido à pandemia do novo coronavírus, os editores-livreiros fizeram uma ação chamada Tatuí
em casa com promoções na loja virtual da Banca Tatuí para alavancar as vendas (entre março e meados de
julho). O Clube Tatuí de Leitura, realizado mensalmente na Sala Tatuí, foi realocado para a plataforma digital
zoom. Desde então, lives são realizadas às quintas e segundas-feiras às 16h20 no Instagram e posteriormente
disponibilizadas na conta do Youtube da Banca Tatuí, disponível em:
<https://www.youtube.com/c/BancaTatu%C3%AD/videos>. Os diálogos com os participantes são editados e
disponibilizados em forma de podcast na plataforma digital Spotify, no canal Fala Tatuí, onde também
encontramos a série Dadinho com dicas de leitura. Disponível em:
<https://open.spotify.com/show/6cmJNA5WYb79KNYzCF4XNL> . Por fim, foi criada a Newsletter Boletim
Tatuí, enviada quinzenalmente por email, com notícias do mercado editorial independente para interessados
cadastrados no site.
13
Em “O dinheiro e as letras, um comércio delicado” (2011. p.33), Jean-Yves Mollier expõe: “O que foi chamado
de ‘Revolução Charpentier’ nada mais foi que uma extraordinária antecipação do livro de bolso do século XX,
já que pela quantia de 3,50 francos da época (13,50 euros de hoje) o leitor podia adquirir um livro de pequeno
formato (em torno de 18,5cm x 11,5cm), com conteúdo equivalente a dois in-octavo que valiam 7,50 francos
cada. Lançada em 1838, essa ‘inovação de produto’, para utilizar a linguagem do economista Joseph
Schumpeter, passaria a ser imitada e o preço do livro baixou para 2 francos em 1846, com a publicação por
Michel Lévy das Obras completas de Alexandre Dumas pai. Caiu para 1 franco (4,50 euros ou 6 dólares) em
24

No Brasil, as bancas de jornais, com uma conformação similar às atuais, surgiram nas primeiras
décadas do século XX como “um novo elemento na paisagem urbana de todo o país” (SILVA
et al., 2015, p.85)14. Por muitos anos, esses pontos de vendas ao comercializarem livros, ora
supriam a carência de livrarias em cidades menores, ora eram um espaço para a comercialização
de títulos que não carregavam o mesmo prestígio simbólico dos “livros de livraria”, fosse pelo
formato ou pelo gênero. Essa distinção era fruto da segmentação - mais notoriamente
demarcada até final do século XX - em dois circuitos: de um lado as livrarias tradicionais, com
público mais erudito, consumidores da “alta literatura” e edições mais luxuosas. De outro, os
pontos de vendas alternativos onde figuravam as bancas, acessíveis a todo tipo de público,
inclusive a camada popular que não se sentia confortável ao frequentar livrarias. Uma frase
bastante ilustrativa é colocada por Nogueira (2018), “estão sempre no circuito do fluxo
cotidiano e neles a motivação de comprar o jornal para leitura diária (e junto um oportuno livro)
é maior do que frequentar o desconhecido ‘circuito letrado’ das livrarias, no qual boa parte da
população não se sente incluída” (p. 204).

Alguns casos de títulos comercializados nesse segmento são emblemáticos como os chamados
“romances sentimentais”15 consagrados nas séries Julia, Sabrina e Bianca, lançados no final da

1853-1855 quando a Librairie Nouvelle, Louis Hachette, com sua ‘Bibliothèque des chemins de fer’, e Michel
Lévy, com sua orgulhosa ‘Collection Michel Lévy’, decidiram levar ao limite essa verdadeira revolução
comercial, tornada, evidentemente, revolução cultural e social, na medida em que se poderiam ganhar centenas
de milhares de novos leitores pela considerável baixa do preço do livro comum. Em pouco mais de quinze
anos, entre 1838 e 1855, o preço de um romance havia despencado de 15 francos (cerca de 70 euros) para 1
franco (4,50 euros), as tiragens aumentado de 800 exemplares para 6.600 e o número de leitores crescido de
modo exponencional. A história da edição permite, assim, reencontrar a história econômica e social e perceber
muito concretamente as rupturas, em termos de práticas culturais, que se produzem em certas ocasiões na vida
dos homens”. MOLLIER, Jean-Yves Mollier. O dinheiro e as letras, um comércio delicado. Revista Escritos.
Revista da Fundação Casa Rui Barbosa, v. 5, n. 5, 2011. Disponível em:
http://www.casaruibarbosa.gov.br/escritos/numero05/FCRB_Escritos_5_2_Jean-Yves_Mollier.pdf Acesso
em 1 jul. 2020.
14
Wesley Augusto Nogueira na tese À venda em todas as bancas: relação entre produção e circulação de livros
colecionáveis comercializados pela Editora Abril na década de 1970 (2018) pondera que delimitar
temporalmente o surgimento desse ponto de venda é difícil “não só pela falta de documentação, mas pelo uso
da palavra ‘banca’ ser antigo e comum no país. O termo, conforme o Dicionário Houaiss, provém do italiano
‘banca’ (1340), inicialmente empregado com o sentido de 'tenda para vender mercadorias'” (p.187). E
complementa falando da normatização da estrutura de vendas de periódicos, que anteriormente eram feitas por
meio de ambulantes e de pontos fixos com "improvisados caixotes de madeira e tábua, as bancas de jornais
começam a se estruturar melhor no início do século XX. Se antes a maioria dos jornaleiros ainda perambulava
a cidade em busca de fregueses, agora os pontos fixos vão se espalhando. (….) A situação só começa a se
modificar em 1954, quando, por iniciativa do prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, é promulgada a lei no.
4447, obrigando, a partir de então, que os jornaleiros se adaptassem às condições impostas pela instrução
normativa."(p. 192)
15
Segundo Izique e Curcino (2019, p.120), a primeira publicação da coleção no Brasil foi em 1978, da série
“Sabrina”, com o romance Passaporte para o amor, de Anne Mather, cujo sucesso imediato, com vendas de
600 mil exemplares por mês, aproximadamente, garantiu não apenas a expansão do número de exemplares por
25

década de 1970, que compunham uma coleção de livros de literatura de massa voltada para o
público feminino. Publicadas em formato brochura e responsáveis por uma grande fatia de
vendas nesse tipo de comércio durante duas décadas, tais publicações figuravam ao lado de
livros de faroeste, romances policiais e de terror.16 Nas bancas de jornais também eram
encontradas coleções mais eruditas como Os Imortais da Literatura Universal (1974), Os
Pensadores – História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental (1975) e Teatro Vivo – História
das Grandes Ideias do Mundo Ocidental (1976) publicadas em edições mais sofisticadas pela
Editora Abril que já tinha uma logística de distribuição estabelecida devido à comercialização
de jornais17. Ao longo dos anos, outros grupos tiveram práticas similares como o Folha da
manhã S/A, que comercializou coleções, em edições mais imponentes, partindo da lógica de
que o assinante do jornal impresso compraria e receberia em casa os exemplares, enquanto o
público não assinante poderia encontrá-las disponíveis nas bancas18.

Dessa maneira, as bancas de jornais foram fundamentais para descentralizar a distribuição do


livro e acessibilizar ao público “popular” diferentes estilos de obras. Contudo, o cenário da
venda de livros em bancas foi paulatinamente modificando-se em virtude do declínio deste tipo
de comércio. Com o advento da Web 2.0, os jornais e as revistas impressas, principais objetos
de venda destes pontos, encaminham-se para tornarem-se obsoletos, haja vista que um leitor,
em busca de notícias, consegue acesso quase em tempo real por meio de portais na internet.
Tais estabelecimentos, perante a crise de venda, começaram a comercializar artigos externos ao

edição, como também a expansão de títulos e de coleções desses romances sentimentais. (IZIQUE e
CURCINO, 2019, p.120). Já Erotilde Honório Silva e Roberta Manuela Barros de Andrade, no artigo "Os
romances sentimentais e a revolução digital: os processos de criação dos projetos de democratização da leitura
nos livros do coração" (2015) afirmam: "Entre os anos de 1980 e 1990, somente aqui, a Harlequin-Silhouette,
em parceria com a Nova Cultural, produziu, a preços populares, mais de 25 coleções diferentes, com mais de
80 subdivisões [...]. Mas essas produções impressas perderam o seu fôlego na entrada dos anos 2000. O
mercado editorial nessa década esteve em franca transformação, que culminou no início do século XXI, com a
decisão editorial da Harlequin-Silhouette e sua maior concorrente e ex-parceira comercial, a Nova Cultural, de
diminuir drasticamente a impressão de romances sentimentais de banca de revista, alocando-os em outro
formato – o digital. A maior responsável por essa mudança foi a chegada do que se convencionou chamar, no
campo das publicações comerciais, de revolução digital." (p.348)
16
Disponibilizados em formatos econômicos e de bolso, as capas tinham uma estética extravagante, pensada para
despertar o interesse do público, como colocado por Willian Eduardo Righini de Souza e Giulia Crippa no
artigo "Os canais de venda de livros: o exemplo das coleções de livro de bolso" (2016): “Enquanto as capas de
westerns [faroeste] mostravam homens portando armas, pessoas feridas, cenas de luta, expressões de medo e
desespero, as com referências sexuais destacavam a figura da mulher ora como simples objeto sexual, com
pouca roupa, seios marcados e sendo cobiçada por homens; ora como ser frágil e sensual que necessita da
proteção masculina. Nesse último caso, eram recorrentes as ilustrações de homens fortes, altos e másculos
dominando as heroínas, como podemos ver (...) nos romances sentimentais disponíveis nas bancas.” (p. 220)
17
Nogueira (2018), coloca que “em um momento em que se desenvolvia a incipiente indústria cultural no Brasil,
as edições da Abril introduziram obras ‘quase que exclusivamente de luxo’ nesse circuito dominado por
produtos populares”. (p. 224-225).
18
Hoje é possível adquirir tais coleções diretamente no site da Editora Folha.
26

universo editorial para garantir a rentabilidade, porém, por serem espaços cedidos e regulados
pelo poder público, encontraram muitas barreiras19.

Em face do declínio e da necessidade de renovação desses espaços, encontramos iniciativas de


editores independentes que utilizam as bancas de jornais como ponto de venda para seus
impressos, como a Banca Tatuí. Em nossos levantamentos20, encontramos a Banca Tijuana,
localizada na Galeria Vermelho, em São Paulo, fundada em 2007, pela artista plástica Ana
Luiza Fonseca, a partir da demanda de criadores que não tinham espaço para comercializar seus
livros de artistas. Em 2017, em Belo Horizonte, foi aberta A Banca, fruto da repaginação de
uma tradicional banca de jornais que estava sofrendo o impacto da diminuição de vendas de
periódicos impressos. O jornaleiro Robson Ferreira, em parceria com quatro alunos de
Arquitetura da UFMG — Paula Lobato, Lucas Mesquita, Emídio Souza e Otávio Arcanjo —,
transformaram o espaço para que fossem vendidas publicações independentes. Em 2018, o
empresário Rodrigo Motta inaugurou a Banca Curva, também em São Paulo, na Vila Buarque,
adotando o formato de loja colaborativa com nichos que podem ser alugados em planos
trimestrais. Em setembro de 2020, foi fundada a Banca HG, em Higienópolis, região central de
São Paulo também com a proposta de comercializar autores independentes e ter um curador
mensal que indicará títulos para os leitores.21

19
Essa discussão pode ser encontrada no artigo “O ecossistema das bancas de jornal: um estudo sobre uma
espécie em extinção” (2015), juntamente com o relato de donos desses estabelecimentos: “Marcos Tadeu
Cândido, gerente da Banca Gazeta, 900 (sic) está no ramo há́ mais de 18 anos. Ele conta que há́ 15 anos seu
estabelecimento vendia, aos fins de semana, entre 300 e 500 jornais de O Estado de S. Paulo. Hoje, quando
muito, vende 50 exemplares. Ricardo Lourenço do Carmo, presidente do Sindjorsp [Sindicato dos Jornaleiros
de São Paulo], “nos últimos 5 anos as vendas de revistas e jornais nestes pontos de venda (PDVs) caíram 20%
em todo Estado de São Paulo. Tínhamos 5 mil bancas e mais de 1 mil fecharam. Elas precisam se modernizar.
Deixar de ser jornaleiro para ser empreendedor, buscar novas ferramentas. As vendas de jornais e revistas
representam menos de 50% do faturamento atualmente. Quem só depende de jornal e revista não consegue
sobreviver.” (SILVA et al., p. 86).
20
É válido pontuarmos que percebemos a prevalência de iniciativas paulistas, em locais mais abastados com
grande movimentação cultural. Trabalhamos com a hipótese que existem outros empreendimentos similares
em outros lugares do país, porém não tivemos acesso a tais informações, haja vista que o levantamento foi feito
por meio de notícias publicadas em portais de notícias da internet. Isso também indicia que tais produtores têm
a capacidade de “projetar suas vozes” e fazerem-se conhecidos no Sudeste, o que não ocorre com iniciativas
mais periféricas ou desprovidos de “capital social/financeiro”.
21
Outras alternativas têm sido usadas para a repaginação desses espaços e para a comercialização de livros, não
necessariamente independentes como a COMBO Café & Cultura. Inaugurada no Jardim Paulista, em julho de
2019, a banca transformada em livraria comercializa títulos já renomados e também café artesanal em um
carrinho localizado ao lado da banca. “Para aqueles que amam tanto ler quanto beber um café. Com acervo
fixo, a livraria também promete sempre se reinventar com novos títulos, inclusive escolhendo, a cada trimestre,
um gênero literário específico, que não só dará origem a uma nova coleção, com venda de obras clássicas e
raras, como inspirará toda a atmosfera do ambiente, trazendo canecas estilizadas, camisetas exclusivas e até
blends de café em pó. O primeiro trimestre é inspirado em Virginia Wolf, Kafka e James Joyce.” Disponível
em:https://www.guiadasemana.com.br/na-cidade/noticia/combo-cafe-cultura-banca-livraria-e-cafe-em-sao-
paulo Acesso em 12 nov. 2020
27

Como apontado anteriormente, utilizar-se do espaço da banca para a comercialização de livros


não é necessariamente algo pioneiro, entretanto, repaginar tais locais para serem um ponto fixo
de publicadores independentes nos mostra certo vanguardismo. A Banca Tatuí, de modo
diferente das citadas anteriormente, alia este espaço físico de vendas a um espaço virtual, no
qual ficam disponíveis os títulos para a venda, o que nos possibilitou escolhê-la como ponto
central desta pesquisa, dada a disponibilidade dos dados. No site, há um registro por ordem
alfabética de todas as editoras comercializadas no tópico “Quem está aqui”, o que nos permitiu
mapear com um pouco mais de precisão as características do empreendimento. Os livros
esgotados permanecem nas páginas de cada editora, com descrições de cada produto, inclusive
o preço, uma pequena sinopse e as especificações gráficas. Ademais, o grande número de
reportagens e relatos dos editores-livreiros encontrados na internet facilitou que essa pesquisa
fosse feita a distância.

Desta forma, fizemos um mapeamento partindo das 197 editoras catalogadas na loja virtual dia
20 de dezembro de 2018. Para chegarmos até o corpus de editores que seriam entrevistados,
estabelecemos os seguintes critérios: 1) localização geográfica, inicialmente buscando editoras
das cinco regiões do Brasil; 2) ter à venda na Banca Tatuí objetos editoriais considerados livros
stricto sensu, haja vista a grande quantidade de suportes encontrados nesse segmento; 3) ter o
número de livros disponíveis na Banca igual ou acima de 3 títulos; 4) comercializar, também,
por meio de loja virtual própria e feira de publicações independentes. A categorização desses
produtores não foi uma tarefa fácil, pois o universo independente mostra-se essencialmente
heterogêneo, tanto no que tange os produtores quanto os materiais produzidos por estes. O nosso
intuito era conseguir um corpus coeso, com editoras que figurassem no mercado há mais de um
ano e que tivessem múltiplas experiências de comercialização de seus impressos. O critério de
maior peso foi o da localização geográfica pois interessava-nos, também, perceber como o
distanciamento do eixo Rio-São Paulo afeta a comercialização desses produtores22.

O resultado final deste levantamento indicou que: a) não existia editora (nem outro tipo de
colaborador) da região Norte na Banca; b) no Nordeste, havia treze colaboradores listados, mas
nenhum preencheu nossos requisitos para formação do corpus; c) no Centro-Oeste, apenas uma

22
Devido ao tamanho territorial do Brasil, é sabido que a distribuição de produtos comercializados possui uma
lógica diferente para determinadas regiões, vide que em vários e-commerces encontramos o termo “frete grátis
para todo país, exceto Norte e Nordeste”.
28

editora preencheu nossos requisitos, a Nega Lilu Editora; d) na região Sul, duas casas editoriais
contemplavam nossos critérios, a Editora Barbante e a Editora Cultura e Barbárie; e) no
Sudeste, excluindo os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, encontramos três editoras:
Impressões de Minas, Tipografia do Zé e Polvilho Edições. Nos itens 4 e 5, em que havia mais
de uma alternativa, optamos, respectivamente, pela Editora Barbante e pela Polvilho Edições,
dada a acessibilidade para nos conceder entrevistas. Sob esses crivos, formamos nosso corpus
com editoras do Sul, Centro-Oeste e Sudeste.

O próximo passo foi realizar as entrevistas com os editores responsáveis pelas casas editoriais,
com perguntas semi-estruturadas nas quais buscamos entender primeiramente como era feita a
comercialização de impressos em cada casa editorial e posteriormente como era a parceria com
a Banca Tatuí. As duas primeiras entrevistas foram realizadas presencialmente em Belo
Horizonte: encontramos Larissa Mundim, responsável pela Nega Lilu Editora, nos dias 12 de
maio e 12 de outubro do ano de 2019; e Ana Rocha, editora da Polvilho Edições, reuniu-se
conosco em 23 de outubro de 2019. Já Alessandro Andreola e Paola Marques, responsáveis
pela Editora Barbante, foram entrevistados no dia 13 de agosto de 2019, por Skype, em razão
da distância e da incompatibilidade de datas.

Para traçar o diálogo entre as editoras e os proprietários da Banca Tatuí, fizemos entrevistas em
profundidade com os livreiros, buscando entender mais a fundo o empreendimento e
correlacionar as perguntas esquematizadas para os editores parceiros. A primeira entrevista,
com Cecília Abolave, foi gravada no dia 24 de maio de 2019 e a segunda, com João Varella, no
dia 12 de outubro de 201923. Por fim, incluímos uma entrevista que inicialmente não estava nos
nossos planos, com Guilherme Ladenthin, livreiro que estava à frente das vendas na Banca no
momento em que a visitamos no dia 01 de novembro de 2019.

Além das entrevistas, utilizamos relatos disponibilizados em formato de vídeo disponíveis na


internet, assim como depoimentos em notícias, por isso, é importante pontuar que o elemento
discursivo é nossa principal fonte de informação. Todavia, não nos valemos das ferramentas da
análise do discurso para analisar essas enunciações — dado o enfoque do trabalho. No entanto,
temos ciência de que todo discurso parte de uma intenção comunicativa e que esta está inserida

23
Todas as entrevistas da dissertação foram registradas em áudio e vídeo com o auxílio da pesquisadora Letícia
Santana Gomes. Nossa intenção é transformar os dados dessa pesquisa em um pequeno documentário
posteriormente.
29

em uma cena enunciativa, na qual existem aqueles que falam — enunciadores — e aqueles que
compõem um público — coenunciadores —, seja ele presente fisicamente ou projetado pelo
enunciador, como no caso de entrevistas. Assim, observamos que cada entrevistado projetou
para nós uma “imagem de si”, à medida que narrava suas trajetórias e ofícios, de modo similar
àquele colocado por Ruth Amossy na introdução do livro Imagens de si no discurso (2005):

Todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si. Para tanto,
não é necessário que o locutor faça seu auto-retrato, detalhe suas qualidades nem
mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências linguísticas e
enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma
representação de sua pessoa. Assim, deliberadamente ou não, o locutor efetua em seu
discurso uma apresentação de si. (AMOSSY, 2005, p.9)

À vista disso, não podemos considerar seus discursos de maneira arbitrária como uma
reprodução fiel da realidade, mas como parte indissociável da representação que estes agentes
fazem de si próprios e de seus empreendimentos. Contudo, foi o elemento discursivo,
juntamente com a pesquisa exploratória feita em jornais e redes sociais, que nos possibilitaram
fazer pequenos estudos de casos de cada editora e a discutir a maneira que estas comercializam
suas produções. A partir das múltiplas narrativas e amparadas pelas teorias de Pierre Bourdieu
(passim) e José Muniz Jr. (2016), discutimos o campo editorial independente e como a Banca
Tatuí constitui-se um ponto de venda importante para tais editoras.

Organização do trabalho

No Capítulo 1, abordaremos o mercado de bens simbólicos, no qual estão inseridos os livros,


as livrarias, as casas editoriais e seus respectivos editores. Nele recorremos brevemente às
teorias da Sociologia Econômica de Swedberg (2004), Granovetter (1985) e Neil Fligstein e
Luke Dauter (2012), e nos aprofundaremos nas obras de Pierre Bourdieu (passim).
Posteriormente, versaremos sobre o campo editorial e os capitais econômico, social, cultural e
simbólico para entendermos melhor como os agentes buscam ocupar lugares de maior prestígio
dentro deste. Por fim, trataremos do subcampo de publicações independentes, com enfoque na
heterogeneidade do movimento, partindo das tipologias definidas como Girafas e Bonsais por
Muniz Jr. (2016), para definirmos o microcosmo gráfico-independente no qual os produtores
de nossa pesquisa estão inseridos.
30

No Capítulo 2, apresentaremos a discussão de como foi composto nosso corpus a partir do


mapeamento da Banca Tatuí e fizemos pequenos estudos de caso das editoras selecionadas:
“Editora Barbante: entre discos e fotos”, “Editora Nega Lilu: militância no Brasil central” e
“Polvilho Edições: o esmero gráfico de uma editora artífice”. Posteriormente discutiremos a
comercialização de impressos nessas independentes, utilizando excertos das entrevistas para
apresentar as principais modalidades utilizadas por tais produtores: a venda direta, as lojas
virtuais, as feiras de publicações independentes e os pontos de vendas físicos.

O Capítulo 3 versa sobre a Banca Tatuí, uma livraria física e uma livreira digital.
Apresentaremos os editores-livreiros e a editora Lote 42. O diálogo entre as múltiplas vozes
ouvidas para esta pesquisa estão presentes aqui, com a discussão sobre aspectos mais
burocráticos da comercialização na Banca e a reflexão sobre as parcerias estabelecidas entre
editores e livreiros.
31

CAPÍTULO 1 – O MERCADO DE LIVROS

Em sua origem, a palavra “mercado” (do latim mercātus) era utilizada para designar lugares
onde compradores e vendedores se encontravam para comercializar seus bens. Essa definição
segue sendo predominante no uso cotidiano da palavra. Entretanto, tal concepção se mostra
limitada quando nos propomos a entender as dinâmicas de espaços (físicos e simbólicos) mais
complexos, como é o caso do mercado de livros independentes – objeto desta dissertação.
Tendo em vista a complexificação das trocas econômicas e simbólicas, o termo foi sendo
desenvolvido e empregado ao longo dos séculos de distintas maneiras, à medida que diferentes
escolas do pensamento econômico o conceituavam24. Ampliando o sentido presente no uso
popular da palavra, podemos entender o mercado como uma estrutura de difícil delimitação,
em que são realizadas trocas por indivíduos socialmente construídos, que precificam, negociam,
especulam, consomem e vendem bens, produtos, serviços e experiências, por meio de
transações monetizadas ou não. Essa linha de entendimento advém da Sociologia Econômica25,
definida por Richard Swedberg, no artigo “Sociologia econômica: hoje e amanhã̃”, como a
“aplicação de ideias, conceitos e métodos sociológicos aos fenômenos econômicos – mercados,
empresas, lojas, sindicatos, e assim por diante” (2004, p. 7). O autor retoma a consagrada obra
The Methodology Of The Social Sciences (1949), de Max Weber, para ampliar sua definição:

A sociologia econômica estuda tanto o setor econômico na sociedade (“fenômenos


econômicos”) como a maneira pela qual esses fenômenos influenciam o resto da
sociedade (“fenômenos economicamente condicionados”) e o modo pelo qual o
restante da sociedade os influencia (“fenômenos economicamente relevantes”).
(WEBER, 1949 apud SWEDBERG, 2004, p. 7).

24
As discussões teóricas sobre o mercado engendradas pelas escolas do pensamento econômico passam tanto
pelos indivíduos que fazem parte do mercado, quanto pela forma como as mercadorias são precificadas. Para
exemplificar, na Teoria Econômica Clássica (Cf. Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx), os valores
atribuídos às mercadorias são atrelados à teoria valor-trabalho, na qual a precificação de um bem deve ter como
ponto de partida o custo do trabalho gasto na produção. Posteriormente, parte dos chamados Neoclássicos
Marginalistas (Cf. Jeremy Bentham, Jules Dupuit, Hermann H. e John Stuart Mill) modificou tal entendimento
para a relação valor-utilidade, na qual o valor pecuniário de uma mercadoria tem origem em um fator mais
subjetivo: a satisfação que ela proporciona aos consumidores. Essa perspectiva utilitarista tem como regra a lei
da oferta e demanda, pois, quanto mais útil e raro for um produto, maior sua valorização. Para maior
aprofundamento sobre essa última questão: Teoria do valor-trabalho: do ideário clássico aos postulados
marxistas (2008) de Lauro Mattei. Disponível em:
https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/610. Acesso em: 22 set. 2019.
25
A interface entre a economia e a sociologia são antigas, mas é na década de 1980 que ocorre uma nova
mobilização em prol desse assunto, fazendo com que esta se tornasse uma disciplina institucionalizada.
Segundo Swedberg (2004), o “renascimento” da disciplina ocorreu principalmente nos Estados Unidos na
década de 1980 e expandiu-se de maneira global, e, mais notoriamente, na década de 1990, na Europa. Em
Swedberg (2004, p. 9), encontramos tais estágios sistematizados nas tabelas “Moderna ou Nova Sociologia
Econômica, Parte 1: Estados Unidos (anos de 1980)” e “Moderna Sociologia Econômica, Parte II Europa (anos
de 1990)” (p. 15), apresentando o enfoque básico, conceitos teóricos, especialistas, instituições acadêmicas e
trabalhos relevantes. No final, ele apresenta o "futuro" da área de pesquisa.
32

Seguindo tal esteira de pensamento, é possível depreender que o mercado pode ser estudado de
maneira mais relacionada à sociedade e menos centrada no homo economicus26, haja vista que
os fenômenos econômicos são, ao mesmo tempo, influenciadores e influenciados pela
conjuntura social na qual os atores estão inseridos. Assim, a mirada da Sociologia Econômica
torna-se bastante útil para compreendermos como se engendram as relações dentro do mercado
de livros independentes, levando em conta que os vínculos que se estabelecem vão além de
relações financeirizadas, baseando-se principalmente em uma rede de interdependência, com
ações colaborativas e de disputa que envolvem diversos atores, incluindo o público consumidor.
No trabalho seminal do sociólogo americano Mark Granovetter, intitulado “Ação econômica e
estrutura social: o problema da imersão” (1985), o autor revisa uma série de pensadores da
economia com o intuito de tecer observações críticas à maneira como o mercado é entendido
por eles: ora de maneira supersocializada, ora subsocializada, sem levar em conta as redes de
relações interpessoais – networking – que existem por trás das transações comerciais.
Granovetter defende em seu artigo que:

Uma análise proveitosa da ação humana implica que evitemos a atomização implícita
nos extremos teóricos das concepções sub- e supersocializadas. Os atores não se
comportam nem tomam decisões como átomos fora de um contexto social, e nem
adotam de forma servil um roteiro escrito para eles pela intersecção específica de
categorias sociais que eles porventura ocupem. Em vez disso, suas tentativas de
realizar ações com propósito estão imersas em sistemas concretos e contínuos de
relações sociais. (GRANOVETTER, 1985, p. 9).

Na perspectiva supersocializada, os sujeitos partícipes do mercado, inseridos em um sistema de


regras e normas, interiorizam os padrões comportamentais de maneira pouco crítica, tornando-
se obedientes e subservientes às “diretrizes ditadas por sistemas consensualmente
desenvolvidos” (GRANOVETTER, 1985, p. 4). Dessa forma, a subjetividade de tais indivíduos

26
O homo economicus é um modelo "projetado" de indivíduo, utilizado por escolas das Ciências Econômicas em
procedimentos científicos do século XIX. Segundo Fernando Nogueira da Costa, em "Comportamentos dos
investidores: do homo economicus ao homo pragmaticus" (2009): "Os economistas assumiram que o estudo
das ações econômicas do homem poderia ser feito abstraindo-se as outras dimensões culturais do
comportamento humano: dimensões morais, éticas, religiosas, políticas etc., além das influências psicológicas.
Concentraram seu interesse naquilo que eles identificaram como as duas funções elementares exercidas por
todo e qualquer agente econômico: o consumo e a produção” (p.3). Róber Iturriet Avila, no artigo “Construção
do homo economicus e a sua necessária desconstrução” (2014), também contribui para tal conceituação
apontando que esse modelo " foi concebido como sendo movido pelos seus interesses, sem se preocupar com
os efeitos de sua conduta sobre a coletividade e sobre a sua imagem perante os demais." (p. 310). Para mais
aprofundamento sobre a origem do termo e de sua evolução ao longo das pesquisas, indicamos também
“Considerações críticas ao homo economicus: racionalidade e sentimentos morais" (2018), de Iury Beckman
de Moraes Rego da Silva.
33

seria desconsiderada, assim como as relações interpessoais exerceriam “efeitos apenas


periféricos sobre os comportamentos” (GRANOVETTER, 1985, p. 7).

Já a visão subsocializada, presente majoritariamente nas obras econômicas clássicas e


neoclássicas, rejeita por “hipótese todo impacto da estrutura social e das relações sociais sobre
a produção, a distribuição e o consumo. Em mercados competitivos, nenhum produtor ou
consumidor notadamente influencia a demanda ou a oferta agregada, e, portanto, os preços ou
outros termos de troca." (GRANOVETTER, 1985, p. 5). Nesses modelos econômicos, também
criticados por Neil Fligstein e Luke Dauter no artigo “A sociologia dos mercados” (2012), os
indivíduos partícipes do mercado seriam pessoas racionais, capazes de otimizar seus recursos
econômicos de maneira a empregá-los em um ambiente de trocas idealizado, com disputas
livres de intervenções e regulamentações políticas e culturais, ou como colocado pelos
sociólogos: “seres atomizados, orientados pelo preço, com informação perfeita e simétrica.”
(FLIGSTEIN; DAUTER, 2012, p. 485). Da mesma forma que tais sujeitos não existem
empiricamente, a definição de mercado neoclássica também é altamente questionável:

Para a teoria neoclássica, os mercados implicam a simples troca de bens e serviços


entre atores. Essas trocas são geralmente entendidas como passageiras, sendo o preço
(i.e., a quantidade de uma mercadoria que é trocada por outra usando um meio
generalizado de troca, i.e., dinheiro) determinado pela oferta e demanda da
mercadoria. (FLIGSTEIN; DAUTER, 2012, p. 489).

Buscando uma concepção de mercado mais próxima da realidade cotidiana, surge a vertente da
Sociologia dos Mercados27. Esta emerge do entendimento de que as trocas se realizam
necessariamente em um substrato social, no qual os sujeitos não são anônimos e estabelecem
entre si múltiplas interações. De acordo com tal perspectiva, as relações entre compradores e
vendedores baseiam-se no compartilhamento da crença da boa-fé e nas leis que regulamentam
as trocas. Ademais, existem as interações entre os agentes que compõem o setor, sejam como
participantes da mesma organização, sejam como concorrentes ou parceiros comerciais. Dessa
forma,

27
Essa vertente, um desdobramento da Nova Sociologia Econômica, estuda as trocas sociais e suas relações
dentro dos mercados no contexto capitalista. Segundo Fligstein e Dauter, “esse foco inclui o estudo das firmas,
dos mercados de produtos e mercados de trabalho, assim como seus elos mais amplos com fornecedores,
trabalhadores e Estados, assim como o papel das culturas locais (i.e., locais no sentido de pertencer a um
mercado particular), dos sistemas de significados, na medida em que eles influenciam o que se pode chamar
de ‘produtos’, além do papel da moralidade na geração de tipos particulares de mercados” (2012, p. 481).
34

os sociólogos partem da constatação de que os atores do mercado estão envolvidos


em relações sociais cotidianas uns com os outros, relações baseadas em confiança,
amizade, poder e dependência. Para a sociologia dos mercados moderna (Durkheim,
1964), a troca social não estruturada, aleatória, encerrada em si mesma e anônima não
é um mercado. Ao invés disso, os mercados pressupõem espaços sociais onde trocas
repetidas ocorrem entre compradores e vendedores sob um conjunto de regras formais
e informais que governam relações entre competidores, fornecedores e clientes. Esses
campos operam de acordo com entendimentos locais e regras, além de convenções
formais e informais que guiam a interação, facilitam o comércio, definem os produtos
que são produzidos, e, de fato, são constitutivas dos produtos, assim como proveem
estabilidade para compradores, vendedores e produtores. (FLIGSTEIN; DAUTER,
2012, p. 489).

Assim sendo, as trocas mercantilizadas implicam todo um pano de fundo de arranjos sociais,
impossíveis de se encerrarem em si mesmas, como postula a visão economicista. Os partícipes
do mercado influenciam e são influenciados a todo momento, tanto pelas relações inerentes ao
universo da compra, da venda e da troca, quanto pelas instâncias regulamentadoras do mercado,
como o governo e as leis.

Seguindo essa vertente sociológica da economia, temos os estudos empreendidos por Pierre
Bourdieu. De acordo com Swedberg, o sociólogo francês pode ser considerado uma fonte de
inspiração para a Moderna Sociologia Econômica, principalmente se levarmos em conta os
conceitos-chaves de seu trabalho – habitus, campo, interesse e capital –, os quais permitem um
enfoque mais estrutural dos mercados:

Bourdieu parece menos interessado na maneira como opera a economia oficial do que
na maneira como as pessoas vivenciam suas vidas na economia, ao enfrentar e ao
mesmo tempo sofrer o impacto das condições econômicas. Se comparada à sociologia
econômica prevalecente nos Estados Unidos, uma das razões pelas quais a análise de
Bourdieu é consideravelmente mais realista tem a ver com sua ênfase no que entende
por interesse. A maioria dos sociólogos econômicos norte-americanos limita-se a
descrever o impacto das relações sociais na economia, deixando o interesse a cargo
dos economistas. (SWEDBERG, 2004, p. 12).

Segundo o próprio sociólogo francês, a sua teoria parte da reflexão, “de maneira mais
inconsciente do que consciente, do conhecimento prático [...] da economia doméstica para
entender essa economia que frequentemente contradiz a experiência que possamos ter da
economia do cálculo.” (BOURDIEU, 2007, p. 159). Ou seja, o pesquisador volta-se para o
âmbito da experiência, com o intuito de compreender as dinâmicas dos mercados e seus
impactos nos atores envolvidos. Nessa perspectiva, a sociologia bourdieusiana demonstra um
interesse pela forma como se dão as trocas dentro dos mercados monetizados e, principalmente,
35

dentro dos mercados simbólicos, nos quais a principal “moeda de troca” é o prestígio e a honra,
relegando as trocas pecuniárias para um segundo plano28.

1. Um mercado de bens simbólicos

Bourdieu pensa a economia dos bens simbólicos de maneira consonante à Sociologia dos
Mercados ao criticar as visões economicistas que entendem o mercado como um lugar anônimo
e ausente de interações sociais. Todavia, ele também questiona a visão estritamente ligada às
trocas monetárias, uma vez que esta ignora inúmeras práticas de intercâmbio, a exemplo da
troca de dádivas em sociedades pré-capitalistas, conforme apresentam Marcel Mauss e Claude
Lévi-Strauss.29 Em Razões práticas (2007, p. 158), Bourdieu reflete sobre seu intento:

[...] arrancar do economicismo (marxista ou neomarginalista) as economias pré-


capitalistas e setores inteiros das economias ditas capitalistas, que não funcionam
inteiramente de acordo com a lei do interesse como busca da maximização do lucro
(monetário). O universo econômico é feito de vários mundos econômicos, dotados de
"racionalidades" específicas, que supõem e exigem, ao mesmo tempo, disposições
"razoáveis" (mais do que racionais), ajustadas às regularidades, inscritas em cada um
deles, às "razões práticas" que os caracterizam.

Sua crítica se estende, ainda, à ausência de observações em relação às dimensões simbólicas


implicadas em determinadas transações econômicas e sociais. Essas dimensões estão
diretamente atreladas às razões que mobilizam os atores envolvidos nas práticas econômicas e
à questão do interesse. Para Bourdieu, o interesse é construído socialmente e não
necessariamente está atrelado aos lucros monetários, podendo se orientar por outra lógica de

28
Essa concepção está intrinsecamente ligada à trajetória de Bourdieu como pesquisador, conforme descrito por
Marie-France Garcia-Parpet no artigo “A sociologia da economia de Pierre Bourdieu” (2013). Nos anos 1960,
na região da Cabília, na Argélia, o sociólogo — que atuava como etnólogo na época — se deparou com uma
sociedade africana (colonizada pela França) que passava da economia tradicional (pré-capitalista) à capitalista,
devido à guerra pela sua independência como nação. Em suas observações, ele percebe que "face à
desagregação da economia tradicional, o novo sistema de atitudes e de modelos não se elabora no vazio."
(GARCIA-PARPET, 2013, p. 95). Essa experiência o levou a desenvolver teorias quase sempre perpassadas
pela sua vivência na Cabília. Até em seus últimos escritos, como em As estruturas sociais da economia (Les
structures sociales de l'économie), publicado pela Éditions du Seuil nos anos 2000 (cerca de um ano e meio
antes de sua morte), tal vivência é mencionada. Em Razões práticas (2008), no capítulo “A economia dos bens
simbólicos”, ele ressalta: “A questão da qual vou tratar esteve sempre presente, desde meus primeiros trabalhos
de etnologia sobre a Cabília até minhas pesquisas mais recentes sobre o mundo da arte e, especificamente,
sobre o funcionamento do mecenato nas sociedades modernas.” (2008a, p. 157). Como colocado por Garcia-
Parpet, para Bourdieu, “o estudo das práticas econômicas dos antigos camponeses cabila abriu, assim, a via
para a teorização de uma ‘economia das práticas’ em todos os domínios da vida social.” (GARCIA-PARPET,
2013, p. 97).
29
Para entender esses outros intercâmbios, indicamos a obra Altruísmo, dons e trocas simbólicas: abordagens
sociológicas da troca (2016), de Philippe Steiner, que abrange as teorias de Comte, Durkheim, Mauss e
Bourdieu, além das de pesquisadores contemporâneos, traçando uma cartografia de como são entendidas as
trocas não monetarizadas.
36

acumulações. É nesse sentido que o sociólogo preconiza a Economia dos Bens Simbólicos, a
qual se organiza “espontaneamente [...] pelas dicotomias comuns (material/espiritual,
corpo/espírito etc.)” (2007, p. 157).

Em relação ao comércio das artes, por exemplo, Bourdieu menciona que a economia das trocas
simbólicas em tal campo se organiza a partir de determinadas dicotomias, como a relação artes
eruditas/comerciais. No caso da atividade editorial mais especificamente, o teórico ainda
acrescenta a dicotomia entre a formação de catálogos editoriais com prazo lucrativo
curto/longo. Esse aspecto será explorado mais adiante. Por ora, cabem mencionar algumas
características que, extraídas de suas obras30 e das de pesquisadores que se debruçaram sobre
seus escritos, auxiliam-nos a compreender as dinâmicas da economia dos bens simbólicos. São
elas:

a) A economia dos bens simbólicos “apoia-se no recalque ou na censura do interesse


econômico [...], a verdade econômica, isto é, o preço, deve ser escondida, ativa ou
passivamente, ou deixada vaga” (BOURDIEU, 2007, p. 193), ou seja, o interesse
pecuniário é velado, não pode ser explicitado.31 Essa ideia é sintetizada por Bourdieu
com o uso do termo denegação. Acerca do termo, o autor esclarece que não se trata de
“uma negação real do interesse ‘econômico’ que assombra continuamente as práticas
mais desinteressadas, nem uma simples dissimulação dos aspectos mercantis da prática,
como chegaram a acreditar os observadores mais atentos.” (BOURDIEU, 2008, p. 21).
Em outras palavras, a denegação não é a negação dos fins econômicos, já que esses
continuam a existir (mesmo que em um segundo momento ou figurando no "pano de
fundo" das transações sociais). Trata-se de uma espécie de contradição inerente a tais
trocas, uma vez que objetivamente não se pode prescindir nem dos fins econômicos nem
da crença em sua inexistência.

30
Bourdieu escreve vários textos sobre a Economia/Mercado dos Bens Simbólicos à medida que avança nas suas
pesquisas, o que gera produções com nomes semelhantes. Usamos, primordialmente, “O mercado dos bens
simbólicos” presente no título A economia das trocas simbólicas (2015), “A economia dos bens simbólicos”
presente em Razões práticas (2007), além do capítulo “A produção da crença: contribuição para uma economia
dos bens simbólicos” do livro homônimo ao título (2008). Também foram usados os verbetes “Bens Simbólicos”
(SAPIRO, 2017) e “Capital Simbólico” (MARTIN, 2017), do livro Vocabulário Bourdieu (2017).
31
Um exemplo prático do recalque coletivo está na prática de tirar os preços do presente antes de entregá-lo ao
presenteado. Este, muitas vezes, tem noção do valor do presente, principalmente se for algo de marca conhecida,
além de poder pesquisar, na maioria das vezes, o valor do item pela internet.
37

b) Devido à denegação, “as estratégias e as práticas características da economia de bens


simbólicos são sempre ambíguas, com dupla face, e até aparentemente contraditórias.”
(BOURDIEU, 2007, p. 193). É válido acrescentar que, por mais que ocasione práticas
ambíguas, a denegação não deve ser encarada como fruto da hipocrisia dos atores
envolvidos nas transações simbólicas, e sim como uma característica própria dessa
economia, que permite a coexistência de práticas e discursos aparentemente opostos.
Como resultado, tanto os bens da economia simbólica quanto os atores envolvidos em
sua produção e circulação são investidos de dupla face. Nessa perspectiva, Bourdieu
descreve os livros como objetos portadores de uma face simbólica e outra face
financeira. Da mesma forma, o editor, ao trabalhar com livros, também se caracteriza
como uma figura dupla: “condenado a conciliar a arte e o dinheiro, o amor à literatura
e a meta de lucro, por meio de estratégias que se situam em algum lugar entre dois
extremos: a submissão cínica aos critérios comerciais e a indiferença [...] às
necessidades econômicas.” (BOURDIEU, 2018, p. 198).
c) Para que a economia simbólica logre êxito, os atos de denegação e recalcamento devem
ser constantes e compartilhados pela totalidade dos agentes envolvidos em tais práticas.
Trata-se, portanto, de um movimento coletivo, que se fundamenta “na orquestração dos
habitus daqueles que o põem em prática [...], em um acordo não intencionalmente
firmado ou concluído entre as disposições dos agentes direta ou indiretamente
interessados.” (BOURDIEU, 2007, p. 193). O conceito de habitus, noção-chave da
sociologia bourdieusiana, diz respeito à relação entre indivíduo e sociedade, aquilo que
predispõe os sujeitos a tomarem determinadas decisões. Considerando que os indivíduos
se constroem socialmente, eles são perpassados pelos valores, crenças e práticas da
sociedade ao seu entorno:

A maior parte das ações humanas tem por base algo diferente da intenção, isto é,
disposições adquiridas que fazem com que a ação possa e deva ser interpretada como
orientada em direção a tal ou qual fim, sem que se possa, entretanto, dizer que ela
tenha por princípio a busca consciente desse objetivo. (BOURDIEU, 2007, p. 164).

Dessa forma, compreendemos que há práticas nas quais permanecem introjetadas


formas de decodificar o mundo e de agir. Ao mesmo tempo, os indivíduos internalizam
essas formas de uma maneira particular. Assim, o habitus funciona como uma mediação
entre a sociedade e o indivíduo, "realizada por meio da dialética do processo de
interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade" (MARTINEZ;
38

CAMPOS, 2015, p. 4). Uma vez que a economia dos bens simbólicos 32 pressupõe um
trabalho de recalcamento por parte de todos os agentes que partilham das mesmas
categorias de percepção e avaliação, a noção de habitus se torna importante porque lança
luz sobre como determinadas formas de pensar e agir socialmente condicionadas são
internalizadas de maneira individual e replicadas coletivamente.
d) No universo de agentes que compartilham do mesmo habitus, da mesma doxa33 e que
possuem disposições semelhantes no mercado de bens simbólicos, há relações
hierárquicas que se fundamentam na dominação dos que norteiam as regras quanto
àqueles que as seguem: “[...] o dominado percebe o dominante através de categorias que
a relação de dominação produziu e que, assim, estão de acordo com os interesses do
dominante.” (BOURDIEU, 2007, p. 194). Dessa forma, o mundo social e as dinâmicas
que se engendram nesse contexto são determinados, em grande medida, pelos interesses
dos grupos dominantes. No que diz respeito ao mercado das artes, Passiani e Arruda
explicam: “Entronizar-se como grupo ou agente hegemônico significa adquirir e exercer
o poder de nomeação, de classificação, atribuindo e distribuindo títulos, rótulos oficiais,
batizando, consagrando certos intelectuais e obras em detrimento de outros.” (2017, p.
72).
e) A economia dos bens simbólicos se sustenta no compartilhamento de uma crença, a qual
pode ser entendida como resultado de “mecanismos dialéticos de reforço entre as
estruturas sociais e estruturas mentais não facilmente identificáveis” (SETTON, 2017,
p. 134). São esses mecanismos que orientam as condutas dos atores sociais. Nesse
sentido, para que as práticas de tal economia se mantenham ou sejam rompidas, é
necessária a crença coletiva, ou seja, não basta “uma simples tomada de consciência; a
transformação das disposições não pode ocorrer sem uma transformação anterior ou
concomitante das estruturas objetivas das quais elas são o produto e às quais podem
sobreviver.” (BOURDIEU, 2007, p. 194). Assim, a manutenção e perpetuação dessa
economia é indissociável das construções estruturais e coletivas.
f) Os bens dessa economia se tornam “simbólicos” a partir de atos de consagração, de sua
circulação e da acumulação do capital simbólico. Tal capital tem como atributo
elementar o caráter relacional, pois se baseia no reconhecimento de agentes que
possuem “categorias de apreensão” para concederem legitimidade ao bem:

32
Principalmente quando se fala das trocas de dádivas.
33
Doxa refere-se ao senso comum, à opinião pública da maioria, toda ordem de consenso.
39

E, em seguida, [Bourdieu] sublinhava que, em seu entender, capital simbólico é algo


“melhor que prestígio, o qual destrói, pela banalização, o que ele designa; inclusive,
melhor que carisma, porque ele tem a ideia de que, sob certas condições, o capital
simbólico pode ser uma importante fonte de ganhos”. É algo da honra, da posição, da
diferença que existe para alguém que é capaz de fazer diferenças, de ver à primeira
vista a diferença [...]. (MARTIN, 2017, p. 110).

Esse capital trata da acumulação de algo que vai além do prestígio, refere-se ao status quo, à
autoridade, à capacidade de consagração e à distinção. Como definido por Gisèle Sapiro, é uma
“espécie de capital cuja eficiência tem a ver com a percepção das pessoas à volta.” (SAPIRO,
2017, p.55). A eficácia do capital simbólico também depende da illusio, ou seja, do
“reconhecimento tácito do valor dos interesses envolvidos no campo.” (MAUGER, 2017, p.
46).

Todas essas características que fundamentam a economia dos bens simbólicos podem ser
observadas no comércio da arte, no mercado dos bens culturais, o qual é descrito por Bourdieu
como o “comércio das coisas de que não se faz comércio [pertencendo] à classe das práticas em
que sobrevive a lógica da economia pré-capitalista.” (2008, p. 19). A denegação, como já citada,
é um dos pontos essenciais de tal economia, haja vista que o recalcamento constante e coletivo,
em uma espécie de “desinteresse interessado” pelo retorno financeiro, é o que dita “as regras
do jogo”. Nesses tipos de mercado, denegar o lucro econômico é, em certa medida, acumular
capital simbólico (i.e. prestígio, poder de consagração e autoridade) para, com o tempo,
convertê-lo em lucro financeiro. As casas editoriais, assim como os marchands e os diretores
de teatro, situam-se nesse mercado como espécies de “banqueiros culturais”, negociando e
intermediando questões relacionadas aos artistas e ao dinheiro. Dessa forma, apesar de esses
agentes comungarem com as características do mercado dos bens simbólicos, eles não o fazem
de maneira integral, já que ocupam uma posição ambígua nesse mercado — entre os domínios
da arte e do comércio.

As ambivalências intrínsecas ao mercado de bens simbólicos culminam em duas lógicas opostas


que funcionam como dois polos de um campo, sendo que os produtores podem ocupar lugares
mais próximos de uma ou de outra extremidade, a depender de suas trajetórias, de seus ensejos
e de suas relações com outros agentes. Essas dinâmicas são sintetizadas por Bourdieu em As
regras da arte (2005). De acordo com o teórico, de um lado, encontra-se o polo “comercial”,
40

que visa ao acúmulo pecuniário em primeira instância, “fazendo do comércio dos bens culturais
um comércio como os outros” (p. 163). No outro polo reside a

[...] economia “anti-econômica” da arte pura que, baseada no reconhecimento


indispensável dos valores de desinteresse e na denegação da “economia” (do
“comercial”), do lucro “econômico” (a curto prazo), privilegia a produção de suas
exigências específicas, oriundas de uma história autônoma; essa produção que não
pode reconhecer outra demanda que não a que ela própria pode produzir, mas apenas
a longo prazo, está orientada para a acumulação de capital simbólico, como capital
“econômico” denegado, reconhecido, portanto legítimo, verdadeiro crédito, capaz de
assegurar, sob certas condições e a longo prazo, lucros “econômicos”. (BOURDIEU,
2005, p. 163).

É importante lembrar que a existência desses dois polos é fruto do processo de autonomização
do campo da arte, remontado por Bourdieu no texto "O mercado dos bens simbólicos" (2007).
Até a Idade Média, a arte dependia quase por completo de outras instâncias, como a Igreja e o
Estado, modificando-se à medida que escritores e artistas começaram a ter mais autonomia em
suas produções, constituindo um mercado da arte. Em um período em que o capitalismo
começava a se desenvolver, a cisão entre a “arte pura” — entendida como a arte pela arte — e
a “arte comercial” — arte como mercadoria — começou a emergir:

Tudo leva a crer que a constituição da obra de arte como mercadoria e a aparição,
devido aos progressos da divisão do trabalho, de uma categoria particular de
produtores de bens simbólicos especificamente destinados ao mercado propiciaram
condições favoráveis a uma teoria pura da arte – arte enquanto tal –, instaurando uma
dissociação entre a arte como simples mercadoria e a arte como pura significação,
cisão produzida por uma intenção meramente simbólica e destinada à apropriação
simbólica, isto é, a fruição desinteressada e irredutível à mera posse material.
(BOURDIEU, 2007, p. 103).

Para entender como essa lógica aparentemente antagônica se aplica ao mercado de livros e
como as casas editoriais se situam nesse espectro, trazemos o conceito de campo cunhado por
Bourdieu ao longo de suas obras.

2. O campo editorial

Bourdieu define campo como um “lugar da energia social acumulada” (2008, p. 25); um espaço
que possui relativa autonomia e regras implícitas próprias, isto é, uma lógica particular
norteadora das condutas dos agentes que o compõem. Nesse espaço social, os agentes e as
corporações buscam alcançar determinadas posições sociais de mais prestígio por meio de
disputas internas, as quais estão diretamente ligadas às “lutas pelo monopólio do poder de
41

consagração em que, continuamente, engendram-se o valor das obras e a crença neste valor.”
(2008, p. 25). O campo possui, ainda, caráter relacional, condicionando as ações dos atores
sociais às dos seus pares na busca por ocupar lugares dominantes, mesmo que interdependentes
uns dos outros.

Em relação ao campo editorial, o sociólogo o caracteriza como uma zona de interseção


“relativamente dependente, em especial ao campo econômico e ao campo político”
(BOURDIEU, 2005, p. 162), e, ao mesmo tempo, “capaz de retraduzir segundo sua própria
lógica as forças externas, [...] no qual as estratégias editoriais firmam seus princípios”
(BOURDIEU, 2018, p. 205). Ou seja, o campo editorial é perpassado por demandas de outras
ordens, estando subjugado às leis jurídicas, às condutas do macro mercado, às ideologias
vigentes, entre outras, enquanto, em certa medida, reproduz internamente tais dinâmicas de
acordo com suas próprias regras.

Em uma releitura das teorias de Bourdieu, John B. Thompson, em Mercadores de Cultura


(2013), define o campo como “um espaço estruturado de posições sociais que pode ser ocupado
por esses agentes e organizações e no qual a posição de qualquer agente ou organização depende
do tipo e da quantidade de recursos ou ‘capital’ que eles têm à sua disposição.” (p.10)34. Diante
disso, o conceito de “capital”, preconizado por Bourdieu a partir do léxico econômico, torna-se
especialmente importante para compreendermos como as relações dentro desse espaço de poder
forjam uma hierarquia, em que figuram os dominantes, os dominados e aqueles que pretendem
integrar tal campo.

De acordo com o sociólogo francês, o capital não diz respeito apenas ao acúmulo financeiro,
mas a diversas espécies de riquezas. Sendo assim, ele propõe uma divisão de capitais,
organizando-os em quatro grandes grupos principais: econômico, social, simbólico e cultural.
Vale destacar que esses são os principais capitais presentes em sua teoria, mas, à medida em
que o autor aplica sua sistematização a outros campos de pesquisa, eles são desdobrados. Os
capitais podem ser aglutinados por indivíduos, organizações ou comunidades de maneiras
diferentes, podendo ser convertidos uns nos outros e transmitidos a atores sociais correlatos.

34
Thompson (2013) apresenta em sua obra uma releitura dos capitais de Bourdieu voltada para o mercado
editorial, esquematizando-os em econômico, humano, social, intelectual e simbólico. Entretanto, tais
subdivisões não contemplam nosso objeto, já que foi pensado para casas publicadoras de maior porte. Ademais,
para nossa análise, o capital cultural é de fundamental importância.
42

Segundo Frédéric Lebaron (2017), “um capital é também uma forma de ‘segurança’,
especialmente do ponto de vista futuro; tem a característica de poder, em determinados casos,
ser investido e acumulado de modo mais ou menos ilimitado.” (p.101).

O capital econômico, conforme Lebaron (2017), diz respeito ao patrimônio financeiro de um


indivíduo, de um estabelecimento ou de um grupo, sendo medido por unidades pecuniárias ou
por posses (i.e.: terrenos, imóveis, maquinários etc.). Os proventos, como salários, não são per
si uma forma de avaliar tal capital, apesar de configurarem um meio para acumulá-lo e de
indicarem uma posição socioeconômica de seu receptor. O capital econômico no campo
editorial permite a autossutentabilidade das casas/projetos editoriais e facilita galgar um espaço
hierárquico mais proeminente. Ele é, muitas vezes, denegado em função dos demais,
principalmente do simbólico, conforme discutiremos mais adiante. De acordo com Bourdieu,
“o capital ‘econômico’ só pode assegurar os lucros específicos oferecidos pelo campo – e ao
mesmo tempo os lucros ‘econômicos’ que eles trarão muitas vezes a prazo – se se reconverter
em capital simbólico” (2005, p.170), pois a verdadeira acumulação é a da capacidade de
“consagrar objetos” e, “portanto, de conferir valor, e de tirar os lucros dessa operação”.
(BOURDIEU, 2005, p. 170).

Já o capital social se refere às relações interpessoais e é definido como:

O conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede
duradoura de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de
inter-reconhecimento; ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto
de agentes que, além de serem dotados de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmo), estão unidos por
ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 1998, p. 67).

Dessa maneira, o capital social trata dos vínculos estabelecidos dentro e fora do campo e da
potencialidade de capilarizá-los. É possível estabelecer uma interface interessante das
características desse capital com as teorias de Mark Granovetter em The strength of weak ties
(1973), obra na qual o autor comenta acerca das redes de sociabilidade no contexto laboral,
estando o cerne da discussão, no entanto, na divisão das redes em dois grupos: os “laços fortes”,
compostos por amigos próximos e familiares, e os “laços fracos” compostos por conhecidos e
amigos de amigos. Em síntese, as pessoas que compõem os laços fortes têm tendência a
compartilhar temas mais similares, em velocidade alta, porém as discussões ficam circunscritas
naquela pequena rede e a capilarização das informações é menor, mantendo-se centradas nesse
43

círculo. Os laços fracos configuram situações em que um indivíduo pode interagir com assuntos
mais diversos, havendo mais propensão à ampliação das redes de contato e ao estabelecimento
de novos vínculos. Em tempos como os atuais, em que as redes sociais (i.e.: Instagram,
Facebook, Twitter, Tiktok, entre outras) são fundamentais para a difusão de conteúdos,
entendemos o quanto esse capital é relevante, assim como os “laços fracos”. A alta concentração
desse capital leva indivíduos e grupos a ocuparem lugares de destaque em uma conexão, por
vezes, bastante contígua ao capital simbólico.

Mencionado anteriormente nas características do mercado dos bens simbólicos, o capital


simbólico tem como aspecto fundamental o caráter relacional, haja vista que se baseia no
reconhecimento entre pares, em uma espécie de crença compartilhada. Conforme explica
Lebaron, “antes de tudo, o estatuto simbólico, em sua dimensão mais concreta, corresponde ao
fato de ser ‘reconhecido’ e ‘valorizado’” (2017, p.101). No campo editorial, o capital simbólico
se apresenta na forma de prêmios conferidos por instâncias consagradoras35, títulos e honrarias.

Por fim, chegamos ao capital cultural, sintetizado por Maria Alice Nogueira (2017) a partir da
obra Escritos de Educação (1998), de Bourdieu:

a) em seu estado incorporado, apresenta-se como disposições ou predisposições


duradouras que se entranham no corpo de uma pessoa, tornando-se suas propriedades
físicas (ex.: posturas corporais, esquemas mentais, habilidades linguísticas,
preferências estéticas, competências intelectuais etc.). Este é, para Bourdieu, o estado
“fundamental” do capital cultural;
b) em seu estado objetivado, configura-se como a posse de bens materiais que
representam a cultura dominante (ex.: livros, obras de arte e toda sorte de objetos
armazenados em bibliotecas, museus, laboratórios, galerias de arte etc.);
c) em seu estado institucionalizado, manifesta-se como atestado e reconhecimento
institucional de competências culturais adquiridas (ex.: o diploma e todos os tipos de
certificados escolares). (NOGUEIRA, 2017, p. 103).

Bourdieu postulou esse capital em suas pesquisas sobre educação, demonstrando o porquê de
tamanha desigualdade dentro do campo do ensino, haja vista que, ao adentrar um ambiente
escolar, aqueles que já possuíam em seu contexto familiar alguma aproximação com a cultura
dominante (i.e.: letrada, erudita, legitimada,) se diferenciavam em muito daqueles que não
tinham tal privilégio. Em síntese, o capital cultural explicita o quanto a “meritocracia”
propalada é uma falácia. O mercado de livros está diretamente relacionado ao capital cultural,

35
No Brasil, podemos citar dentre os mais relevantes: Prêmio Jabuti, Prêmio Oceanos e Prêmio Fundação
Biblioteca Nacional.
44

haja vista que a posse desse objeto representa a cultura dominante e já é um indício da
acumulação de tal capital. Além disso, podemos dizer que os produtores dos livros possuem o
capital cultural de maneira “incorporada”, tanto por consumirem quanto por produzirem e
comercializarem esses bens. Ademais, é possível inferir que grande parcela de produtores e
comerciantes de livros passou por sistemas de ensino formais – dos ciclos básicos, para se
constituírem leitores, até níveis de mais especialização, como graduação e pós-graduação –
pelos quais se legitimam, em diferentes graus, por meio do capital cultural institucionalizado.

Segundo Frédéric Lebaron, os diferentes tipos de capital – econômico, social, simbólico e


cultural – “podem ser acumulados, convertidos uns nos outros, transmitidos de geração em
geração, mas de maneiras muito variáveis e sempre dependentes dos contextos sociais que
condicionam seu ‘valor’ social.” (2017, p. 102).

Retomando as reflexões sobre o mercado de bens simbólicos à luz dos conceitos de campo e de
capitais, podemos definir o editor como uma espécie de fiador da arte, capaz de consagrar obras
e criadores. Ao integrá-los em seu catálogo, concede-lhes parte do seu capital simbólico,
chancelando suas produções. Assim, o editor é aquele que tem "o poder de assegurar a
publicação, ou seja, de fazer com que um texto e um autor tenham acesso à existência pública
(Öfentlichkeit), conhecida e reconhecida.” (BOURDIEU, 2018, p. 199).

Podemos, ainda, considerar a produção e o comércio de livros segundo a divisão do mercado


de bens simbólicos. Nessa perspectiva, no polo comercial, encontram-se os editores que, em
princípio, “conferem prioridade à difusão, ao sucesso imediato e temporário, medido, por
exemplo, pela tiragem, e contentam-se em ajustar-se à demanda preexistente da clientela.”
(BOURDIEU, 2005, p. 163). Essa prática ocorre de maneira mais proeminente em grandes
grupos editoriais que apostam em tendências de mercado e no fenômeno da bestsellerização36,
produzindo altas tiragens de títulos que respondem a uma demanda preexistente no mercado. O
catálogo pode ser definido como de “curto prazo”, haja vista que esses produtores mais
alinhados ao polo comercial empenham seus esforços na composição do frontlist, isto é, em

36
O fenômeno da bestsellerização é derivado do termo best-seller. Este, na tradução literal da língua inglesa,
englobaria todos os títulos que vendem expressivamente, inclusive obras da alta literatura e canônicas,
entretanto, empregamo-lo como um termo vinculado à literatura da dita cultura de massas. A bestsellerização
é definida por Gilles Colleu como: “produção editorial que se baseia essencialmente em produtos produzidos
para o maior número, representando uma tomada de risco mínima e respondendo a objetivos financeiros”
(2006, p.20), contrapondo-a ao conceito de bibliodiversidade.
45

lançamentos que caem na obsolescência em um período relativamente pequeno, quando


comparados aos de editoras mais alinhadas ao polo não comercial37. Tal prática, norteada
fundamentalmente pelo retorno financeiro a curto prazo, é bastante criticada na lógica do
mercado da arte. Por isso mesmo, tais empreendimentos somente logram uma boa reputação se
recusarem “as formas mais grosseiras do mercantilismo [...] abstendo-se de declarar
completamente seus fins interessados.” (BOURDIEU, 2005, p. 163).

No outro polo, está a “antieconomia da arte pura”, em que se concentram os editores cujo intuito
principal é acumular capital simbólico por meio de catálogos de “longo prazo”. A linha editorial
do empreendimento e a escolha dos títulos a serem publicados seguem critérios de outras
ordens, não priorizando somente o retorno financeiro. Tampouco obedecem a uma demanda
prévia, de forma que não há previsão ou garantia de alta vendagem no lançamento – conquanto,
em alguns casos, sejam utilizadas as pré-vendas como uma forma de avaliação da aceitabilidade
do título pelo público. Nesse grupo se encontram editoras mais intelectualizadas, inclusive
grande parte das editoras independentes, que, devido ao cerne da criação do movimento,
figuram em pontos mais próximos do polo simbólico.

É válido ressaltar que tais lógicas aparentemente antagônicas são coexistentes, a julgar que a
busca pelo capital simbólico não acontece à revelia do lucro financeiro, assim como o acúmulo
pecuniário pode se retraduzir em capital simbólico ao longo do tempo. Ademais, é possível
conciliar essas duas lógicas dentro de uma mesma editora, lançando alguns títulos com maior
apelo comercial para colaborar com a publicação de livros que ficarão no backlist.

Desse modo, é possível dizer que ambas as lógicas estão presentes no campo editorial, o qual,
conforme reflete Thompson, “não é único, mas uma pluralidade de mundos, ou como direi, uma
pluralidade de campos” (2013, p. 10). O autor defende que o mundo editorial se divide em
“subcampos” ou “microcosmos” que derivam do grande campo editorial. Cada subcampo
possui particularidades e lógicas próprias, que funcionam ora de maneira autônoma, ora
perpassadas pelas lógicas do macrocampo. O subcampo das publicações independentes —
objeto desta dissertação — possui como característica principal a heterogeneidade de

37
Frontlist é um termo utilizado no campo editorial para fazer referência aos lançamentos das editoras e aos
livros que não necessariamente farão parte do backlist. Este último termo pode ser traduzido como “fundo de
catálogo” e é considerado o maior ativo de uma editora. Nele, encontram-se as obras de que a editora possui
os direitos autorais e títulos que continuam vendendo por longos períodos após o lançamento, com reimpressões
e demais edições.
46

produtores que usam o termo “independente” como qualificador, englobando casas de médio,
pequeno e microporte, além de autores autopublicados, como discutiremos a seguir.

3. O subcampo editorial independente

[...] nenhum sentido do “independente” está dado de antemão. Ele se constrói nas
práticas e nas representações dos agentes e, não raro, à revelia de seus esforços de
sistematização; ele se produz sócio-historicamente, condicionado tanto pelas
conjunturas mais amplas como pelas situações imediatas nas quais ele emerge na
superfície discursiva (MUNIZ Jr., 2016, p. 55).
.

Conforme destacado anteriormente, o subcampo das editoras independentes é composto por


uma série de iniciativas publicadoras que se autointitulam “independentes”. O uso desse
qualificador como critério para definir quem compõe tal subcampo gera um universo amplo,
multifacetado, com diferentes tipos de produtores, nichos variados e diversos modi operandi.
Trata-se de um qualificador de usos tão diversos que passa a se caracterizar por sua indefinição,
como indicado pela pesquisadora Flávia Denise Pires de Magalhães em sua dissertação Feiras
de publicações independentes: uma análise da emergência desses encontros em Belo Horizonte
(2010-2017) e dos eventos Faísca – Mercado Gráfico e Textura (2017-2018)38:

Autor independente, editor independente, editora independente, feira de publicações


independentes. O que significa ser independente? Alguns termos abrigam tantos
significados que acabam por ter suas margens desfocadas, passando a oferecer uma
definição caracterizada pela inexatidão. (2018, p. 25).

A inexatidão decorre da complexa heterogeneidade semântica do termo, gerando uma grande


pluralidade de entendimentos e distintas apropriações sociais. Dessa forma, podem-se
caracterizar por esse termo “guarda-chuva” desde editoras bem capitalizadas, com um
expressivo quadro de funcionários, até organizadores de saraus e slams em bairros periféricos,
que divulgam sua arte por meio do “microfone aberto” e produzem artefatos editoriais com
coletâneas dos poetas que compõem os eventos.

38
Em sua pesquisa, a autora traçou um panorama da cena de auto publicação de Belo Horizonte, apresentando
como corpus 81 expositores participantes de duas feiras de publicações independentes de Belo Horizonte,
Faísca – Mercado Gráfico e Textura, que responderam a questionários aplicados in loco. Posteriormente, com
o intuito de aprofundar a discussão, Magalhães realizou três grupos focais divididos nas temáticas Edição
verbal, Edição geral e Edição imagética, com a participação de 20 publicadores no total.
47

Diversos estudos39 já foram empreendidos no intuito de tentar circunscrever o uso do termo


“independente” e discutir suas práticas, mas, em geral, a tentativa de conceituá-lo acaba por
esbarrar ora em critérios que engessam a sua definição, ora na conclusão de que essa investida
não consegue dar conta da totalidade do movimento. À vista disso, entendemos que não nos
cabe definir quem é legitimamente independente, considerando que a heterogeneidade desse
subcampo é intrínseca a tantas maneiras de se entender a independência. Entretanto, é válido
mencionar a definição apresentada na Declaração internacional de editores e editoras
independentes de 2014, para juntos mantermos viva e fortalecermos a bibliodiversidade,
publicada em 2014 pela Aliança Internacional de Editores Independentes (AIEI), com 400
editoras signatárias oriundas de 45 países. A relevância desse documento e da definição de
independente nele apresentada se fundamentam não só pela adesão em grande escala de
entidades participantes, mas também por condensar discussões anteriores sobre o tema —
Dakar (2003), Guadalajara (2005), Paris (2007) e Cidade do Cabo (2014) — e por ter sido
publicada pela AIEI, entidade que institucionalizou o debate do movimento independente:

O editor independente, conforme definido pelos editores da Aliança, é um editor de


criação: por meio de suas escolhas editoriais, muitas vezes inovadoras, sua liberdade
de expressão e pelos riscos editoriais e financeiros tomados, ele participa do debate
de ideias, da emancipação e do desenvolvimento do pensamento crítico dos leitores.
Portanto, ele é um ator importante da bibliodiversidade. [...] Os editores
independentes, embora estejam preocupados com o equilíbrio econômico da sua
editora, estão principalmente preocupados com o conteúdo que publicam. Suas obras
podem trazer uma outra visão e uma outra voz para além do discurso mais padronizado
dos grandes grupos editoriais. A produção editorial dos editores independentes e seus
meios preferidos de divulgação para trazê-la aos leitores (sobretudo as livrarias
independentes) são, portanto, essenciais para preservar e enriquecer a pluralidade e a
disseminação de ideias. (ABID et. al, 2014, p. 4).

Nesse manifesto, são enfatizadas a autonomia da casa editorial e a formação de catálogos que
prezem pela pluralidade de conteúdos, dando visibilidade a escritores que, muitas vezes,
estariam à margem do sistema editorial, fomentando, portanto, a “bibliodiversidade”40. Esse

39
Citam-se: López Winne; Malumián, 2016; Oliveira, 2017; Szpilbarg; Saferstein, 2012; Sorá, 2013; Rabasa,
2016; Quintanela, 2015; Botto 2014; Araújo, 2013; Santana-Gomes, 2018; Noel, 2018.
40
O termo versa sobre a diversidade cultural no universo dos livros. Observada a sincronicidade temporal do
surgimento dessa palavra – final da década de 1990 –, entendemo-la como um dos marcos fundadores do
movimento independente. Sua origem é convencionalmente ligada a um grupo de editores chilenos, mais
especificamente aos integrantes do comitê editorial da RIL Ediciones, que compararam “o que acontecia no
ambiente editorial com o chamado ‘deserto verde’, como se denominam as rentáveis e uniformes plantações
que acabam com a riqueza do bosque nativo e sua ‘biodiversidade’” (RIL EDITORES apud MUNIZ Jr., 2016,
p.105). A australiana Susan Hawthorne, na obra Bibliodiversidad – Un manifiesto para la edición
independiente (2018), aprofunda a discussão sobre a terminologia, apontando como a “biodiversidade é um
indicador da saúde de um determinado ecossistema” (HAWTHORNE, 2018, p. 19), principalmente quando
possui um “equilíbrio dinâmico, ou seja, quando uma espécie não invade nem domina as outras espécies para
expulsá-las do espaço que compartilham.” (HAWTHORNE, 2018, p. 21). Ele se aplica ao ecossistema dos
48

neologismo – derivado da justaposição do prefixo biblio com biodiversidade – tornou-se uma


bandeira a ser hasteada por aqueles que se entendiam independentes, em contraposição às
práticas dos conglomerados editoriais. Estes, tidos como “vilões” da multiplicidade
bibliográfica, como mencionado anteriormente, figuram mais próximos ao polo comercial.

O subcampo das editoras independentes, devido ao cerne da criação do movimento e como


descrito no texto supracitado, em tese, ocupa pontos mais próximos ao polo do simbólico,
afinal, baseia-se em uma produção que se pretende pautar nos ciclos longos, como discutido
por Bourdieu (2005), almejando produzir uma arte mais próxima ao polo considerado “puro”.
Dessa maneira, tal subcampo denega o lucro financeiro em primeira instância – diferentemente
de casas voltadas para obras comerciais e corporações editoriais –, corroborando uma crença
de produção “antieconômica”. No entanto, é fundamental avaliarmos essa divisão de maneira
menos maniqueísta e mais crítica, pois as postulações feitas pela AIEI são um retrato de um
movimento nascente com convicções que se mostrariam parcialmente utópicas com o passar
dos anos. Nesse sentido, ratificamos a fala do professor José Luis de Diego na videoconferência
“La literatura y el mercado editorial”, transmitida na quarta edição do evento Pensar Edição,
Fazer Livro, organizado por Ana Elisa Ribeiro, do CEFET-MG, e Nathan Matos Magalhães,
da Editora Moinhos:

O crescente processo de concentração e a constituição de um oligopólio transnacional


constitui a soma de todos os males, nos quais os editores independentes seriam algo
como suas vítimas expiatórias? Ou é justamente a voracidade desses grandes grupos
concentrados que gerou a possibilidade de existência e desenvolvimento de editoras
independentes? Em suma: estes existem apesar de ou graças a? (DE DIEGO, 2020,
grifo do autor, tradução nossa).41

Abordando as relações entre as casas e corporações editoriais por meio da contraposição, as


independentes figurariam como vítimas dos movimentos de concentração do mercado. No
entanto, é pertinente considerar a indagação final de José Luis de Diego, apresentada na citação
acima, visto que, parece-nos, atualmente, que a cena independente surgiu mais graças ao
movimento de oligopolização do que apesar dele. A concentração editorial não deixa de ser um

livros, pois o equilíbrio dinâmico depende da pluralidade de vozes ecoadas no universo das publicações e da
não supressão destas por conteúdos homogeneizantes.
41
Texto extraído de um dos slides da apresentação: “El proceso creciente de concentración y la constitución de
un oligopolio transnacional, ¿constituye la suma de todos los males, de donde las editoriales independientes
serían algo así como sus víctimas expiatorias?, ¿o es precisamente la como voracidad de los grandes grupos
concentrados la que ha generado la posibilidad de existencia y desarrollo de las editoriales independientes? En
suma: ¿existen a pesar de o gracias a?” (DE DIEGO, 2020).
49

risco para a bibliodiversidade, conquanto as grandes editoras, por mais que estejam alinhadas
ao polo econômico, dinamizem o mercado com a diversidade de publicações em grande escala.
Cabe ainda mencionar que nem todos os títulos publicados por elas partem de uma demanda
prévia com o intuito apenas de obter lucros a curto prazo. Tal ponto nos parece importante de
ser ressaltado para não cairmos em generalizações, afinal, o campo da edição é repleto de
matizes entre um polo e o outro.

Também é relevante ressaltarmos o esvaziamento do termo “independente” à medida de seu


uso corrente. Ao retomarmos o trecho supracitado do manifesto da AIEI, parece-nos que o
ponto pacífico no qual se apoiavam os discursos de seus heterogêneos produtores se
popularizou sobremaneira, porém com o intuito da acumulação financeira por meio da inserção
em um nicho atrativo pelo ethos de resistência. Isso fica claro em casos como o do Grupo
Record que, por muitos anos, apresentou na sua página oficial o uso do qualificador
independente sobre o pretexto que “só se estruturam financeiramente por meio da venda de
livros”. A incoerência é evidente quando, no mesmo texto, poucas linhas abaixo, enunciam que
são “o maior conglomerado editorial da América Latina.” (GRUPO EDITORIAL RECORD,
2017)42. Dessa maneira, além de inexato, o esvaziamento do termo, inerente a uma
contraposição aos conglomerados editoriais, mostra-se confuso.

Muitas das pesquisas já empreendidas sobre o subcampo editorial independente, citadas na nota
39, observaram o movimento em um momento que o independente ainda tinha raízes muito
alinhadas a um discurso fundador contra hegemônico. Um dos títulos referência para a nossa já
citada pesquisa de TCC apresenta a edição independente da seguinte forma:

Frente às lógicas financeiras, um número cada vez maior de editores independentes


reage, multiplica as estratégias de resistência e contribui para a manutenção de uma
edição plural, engajada, apaixonante, capaz de propor aos leitores os mil sabores do
mundo, a infinidade das ideias dos povos, a diversidade das culturas, em vez da sopa

42
Atualmente o Grupo Editorial Record apresenta no campo institucional o seguinte texto: “Um dos maiores
conglomerados editoriais da América Latina e com o maior catálogo no segmento dos não-didáticos, o Grupo
Editorial Record tem atualmente cerca de seis mil títulos e lança aproximadamente 30 livros por mês. Além da
editora Record, fundada em 1942 por Alfredo Machado e Décio Abreu como uma distribuidora de quadrinhos
e outros serviços de imprensa, integram o grupo os selos Galera e Galerinha, a editora Bertrand Brasil e o selo
Difel; as editoras José Olympio, Civilização Brasileira, Paz e Terra, Verus, BestSeller (e o selo Best Business),
as Edições BestBolso, Rosa dos Tempos, Nova Era e Viva Livros. Com a marca da bibliodiversidade, o Grupo
publica livros de ficção; narrativas históricas e científicas; ensaios culturais, sociológicos, literários e filosófico;
reportagens; romances policiais e de suspense, literatura infantil e quadrinhos. Com um parque gráfico próprio,
composto pelo Sistema Poligráfico Cameron, um moderno equipamento de impressão, único no continente,
saem até 100 livros de 200 páginas por minuto.” Disponível em: https://www.record.com.br/editoras/. Acesso
em: 08 nov. 2020.
50

morna da edição industrial em poder de alguns grupos no mundo. (COLLEU, 2007,


p.17).

No entanto, dadas as reflexões apresentadas anteriormente, hoje percebemos quão romantizada


e maniqueísta era esta postulação e entendemos que, para contribuirmos com o campo da
pesquisa, é importante ressaltarmos tal mudança. Essas observações não têm o intuito de
apontar que não existam ainda muitos editores com a práxis alinhada à cena inicial e nosso
trabalho versa sobre esse universo: inexato e heterogêneo.

Dessa forma, entendemos que nos cabe explicitar, a partir de pesquisas já feitas anteriormente
e dos nossos dados empíricos, as práticas de alguns produtores comercializados na Banca Tatuí
que se autointitulam independentes. A chancela de quem é independente, no nosso caso, foi
dada pelos proprietários da Banca Tatuí, os editores João Varella e Cecília Arbolave, ao
selecionarem quem são aqueles que podem fazer parte de um espaço que comercializa “só
independentes, sem preconceito”, como figura o slogan do empreendimento. Esses jornalistas
de formação atuam como agitadores culturais e agenciadores, como espécies de líderes — ou
“fração dominante”, nas palavras de Pierre Bourdieu (2007) — de uma parcela do movimento43.
São “criadores, promotores e fomentadores das coletividades [...] são articuladores [...]
frequentemente convocados a falar em cursos, palestras e mesas redondas para compartilhar
seus conhecimentos e opiniões sobre o universo de que fazem parte.” (MUNIZ Jr., 2016, p. 76).

43
É interessante perceber que, na época da coleta de dados da tese de José Muniz Jr., denominada Girafas e
bonsais: editores “independentes” na Argentina e no Brasil (2016), tais editores já figuravam como agitadores
culturais com certa proeminência na cena: "Um dos sócios da Lote 42, João Varella, tem marcado presença em
eventos e cursos relacionados ao tema, além de manifestar-se com artigos em defesa da edição 'independente'
e das feiras." (p. 214). Nos idos de 2014, o editor, engajado no movimento, usava da sua visibilidade de
jornalista para "contribuir" nas definições do que seria o independente, inclusive tecendo críticas contundentes
a Luiz Schwarcz (antigo proprietário e atual CEO da Companhia das Letras), que encampou o uso do
independente apesar de ser dono de uma editora associada a um dos maiores conglomerados editoriais do
mundo (Penguin Random House, atualmente parte do grupo alemão Bertelsmann). Muniz já apontava: "O
ataque à apropriação do termo ‘independente’ por editores consolidados e a atribuição, a estes, de uma falta de
audácia são recursos retóricos que andam de mãos dadas com a tentativa de fazer emergir um ethos coletivo
plasmado pelas ideias de renovação e ousadia, caras à juventude." (p. 215). Passados 6 anos, o editor, mais
experiente, já apresenta falas que questionam o uso do independente em outro sentido, como na entrevista para
o canal Litera Tamy: “Desde 2017, nós ajudamos a promover o Indie Book Day aqui no Brasil [...] a gente
adota a postura de independente pra todo mundo que se declara independente. Ponto. Simples assim para não
dar briga, pra não ter nenhum tipo de atrito. A gente já viu grandes conglomerados vinculados a grandes grupos
se declarando independentes, mas se eles se acham independentes e acham que o Indie Book Day faz sentido,
não há uma restrição, é algo completamente voluntário. Agora o termo independente eu sinto que ele está
sentindo um desgaste muito grande, agora, como é legal ser independente, muita gente quer se apropriar do
termo de maneiras meio indevidas. Acho que o independente é uma postura, é uma ideia, é um conceito, são
ações […] Mas que isso não vire uma camisa de força, uma algema, uma restrição [...] Eu quero dizer sem
briga, acho que tudo é válido, sem criar uma restrição para alguém. Acho que o que importa é fazer bons livros,
esse é o grande mote. Sobre a Lote 42: Editora livre, não me peça pra cumprir nenhum tipo de regulamento, de
restrição, deixa a gente criar o que der na telha [...] A gente mudou já e tudo bem. Não é ‘Ah?! Traiu o
movimento! Não, me deixa! Não tenho que prestar conta pra ninguém, esse é o lance’” (VARELLA, 2019b).
51

Varella e Arbolave atuam como líderes dentro de um microcosmo majoritariamente composto


por pequenos editores “esteticamente orientados” (MUNIZ Jr., 2017, p. 6), em grande medida
motivados pela autopublicação, e usam as feiras como seus principais pontos de encontro e
vendas. A práxis editorial utilizada pelos editores da Banca Tatuí revelou um gesto na cena
independente: a criação de feiras de livros e o fortalecimento do circuito de editoras
independentes, congregando agentes de diferentes localizações do país. Os editores, de certa
forma, assumem o comando de uma rede de solidariedade (ou de sociabilidade) particularmente
comum nesse subcampo.

Diante da complexidade do subcampo independente, entendemos a necessidade de situarmos


qual é o microcosmo em que Varella e Arbolave figuram como líderes juntamente a outros
pares. Para isso, valeremo-nos das tipologias que o pesquisador José Muniz Jr. esboçou em sua
tese Girafas e bonsais: editores “independentes” na Argentina e no Brasil (2016). Muniz Jr.
separou as independentes em dois grupos: o dos editores girafas e o dos editores bonsais. Os
girafas são aqueles “metade empresários, metade intelectuais, [...] com a cabeça nas nuvens e
os pés no chão” (MUNIZ Jr., 2016, p. 19), em que figuram pequenas e médias editoras com
algum grau de institucionalização, como a filiação à Liga Brasileira de Editores (LIBRE).
Apesar do esvaziamento mencionado anteriormente em relação ao emprego do termo
“independente”, a concepção de José Muniz Jr. ainda nos parece pertinente para caracterizar
tais casas:

O que as torna semelhantes e, logo, convergentes é justamente a identificação com


certos princípios de fundo: a necessidade de resistir à concentração do mercado e de
fomentar políticas públicas em favor de seus negócios. Essas são as bases do consenso
que, funcionando como mínimo denominador comum, elas irão sintetizar em duas
palavras-chave – independência (editorial) e (biblio)diversidade. (MUNIZ JR., 2016,
p. 111).

De modo geral, elas se concentram na busca pela visibilidade comercial, promovendo eventos
como a Primavera Literária em diferentes capitais do Brasil44, nos quais são debatidos assuntos
relevantes para o grupo — por meio de palestras e mesas-redondas com produtores e agentes
considerados referência no campo editorial —, concomitantemente à realização de feiras de
livros. Nesse grupo, estão incluídas diferentes casas editoriais, tanto no porte quanto nos
gêneros publicados. Tal fato pode ser observado na lista das 125 editoras afiliadas no website

44
Primavera Literária é uma das principais iniciativas da LIBRE voltada para o fomento à produção literária e
editorial. A 19a edição ocorreu em 3 de outubro de 2019 em São Paulo. Dentre as edições, algumas foram
realizadas em Belo Horizonte, Salvador e Rio de Janeiro.
52

da Liga45. Dentre elas, encontramos casas editoriais consolidadas com mais de 20/30 anos de
mercado, com perfil intelectual, como a Editora 34 e C/Arte, até editoras mais jovens, muitas
delas voltadas para publicações infantis, como a Pulo do Gato, a Jujuba Editora e a Carochinha.
É válido refletir que, dentre as editoras, algumas já se nomeiam como grupos editoriais, como
a Autêntica, que se tornou, em 2011, o Grupo Editorial Autêntica, e a Guarda-Chuva, adquirida
pelo Grupo Versal Editores em 2010. Ressalta-se que a LIBRE também tem como mote central
a interlocução com agentes da política setorial, como o Sindicato Nacional de Editores de Livros
(SNEL) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL), além de membros de setores públicos e
governamentais, integrando, dessa forma, os debates institucionais das políticas do livro e da
leitura.

Do outro lado do subcampo independente figuram os editores bonsais, que “requerem muitos
cuidados e estão fadados a nunca crescer” (MUNIZ JR., 2016, p. 19), sendo compostos por
produtores, majoritariamente, mais jovens e que, em diversos casos, levam uma vida
profissional “dupla”, conciliando a edição de livros com outras profissões das quais deriva seu
sustento. Com a ideologia do “faça você mesmo”, essas independentes se consolidam como
“pequenas estruturas cujos membros devem ser polivalentes.” (COLLEU, 2007. p. 79),
demandando do editor a habilidade de conduzir vários processos da cadeia produtiva.

É válido ressaltar que esse movimento está muito relacionado às mudanças estruturais na cadeia
produtiva do livro, ocorridas principalmente nos últimos quinze anos, com o avanço das
tecnologias de impressão e a crescente acessibilidade a softwares de editoração, permitindo a
produção de tiragens menores. Ademais, a internet possibilitou o fortalecimento do comércio
de nicho, no qual leitores interessados em títulos não produzidos pelos grandes mercados (i.e.:
assuntos, autores e gêneros literários considerados pouco vendáveis) conseguem ter acesso a
tais produções. Além disso, os custos de abertura de micro empreendimentos no campo editorial
são baixos em comparação a outros modelos de negócios, e, aliados aos fatores anteriormente
citados, fazem com que a viabilidade para entrar nesse mercado seja alta. Entretanto,
percebemos que a permanência se mostra um complicador, principalmente no caso dos bonsais:
“Em uma metáfora, podemos dizer que a taxa de natalidade é alta, mas é muito comum uma
baixa expectativa de vida com mortes prematuras.” (COUTINHO, 2017, p. 42). Isso ocorre
devido ao alto fluxo de publicadores que conciliam outras atividades profissionais e nem

45
Disponível em: http://libre.tempsite.ws/editoras. Acesso em: 26 ago. 2020.
53

sempre conseguem manter a edição como um hobby ou torná-la sua principal fonte de renda,
devido ao alto grau de engajamento necessário. A dificuldade de gerenciar todas as demandas
do empreendimento, inclusive a parte burocrática, pode constar como um dos fatores para a alta
rotatividade de selos.

Os bonsais também podem ser classificados como “editoras feirantes”, afinal, são nesses
espaços de efervescência que publicadores congregam, conhecem e se fazem conhecer, tanto
pelos seus pares quanto pelo público que os frequentam, como discutiremos mais a fundo no
capítulo 2. Na conceituação de Muniz Jr., essas editoras:

Possuem uma práxis mais artesanal e pouco profissionalizada. Muitos deles publicam
apenas a si próprios e/ou a amigos próximos, sem estabelecer relações contratuais
claras. Raramente estão presentes nos pontos de venda tradicionais (livrarias, bancas,
supermercados etc.) e vendem seus produtos sobretudo pela internet e nessas feiras –
o que explica, pelo menos parcialmente, por que elas se tornam tão frequentes. […]
tais eventos se consolidam como forma de sociabilidade e visibilidade desses
microeditores, particularmente daqueles que se situam fora das instituições
tradicionais (câmaras e sindicatos, bienais e grandes feiras, prêmios etc.). Aliás,
muitos sequer registram suas publicações no ISBN ou no ISSN, o que os exclui do
próprio reconhecimento oficial e das estatísticas nacionais de produção editorial.
(MUNIZ Jr., 2016, p. 192).

A definição dada pelo pesquisador vai ao encontro de João Varella (2020, no prelo)46, que
denomina essa parcela de produtores como gráfico-independentes47: “se caracterizam por
explorar a produção gráfica de suas publicações. É uma segmentação dentro do universo de
editoras independentes, caracterizada por essa característica de experimentação gráfica em
comum.”. Sendo essas editoras norteadas pela experimentação dos suportes impressos, esse
microcosmo tem uma forte ligação com as artes visuais, fazendo com que as feiras funcionem
ora como galerias de arte, ora como ritos de perpetuação de uma “ode ao livro de papel”: “A
impressão em papel aparece como procedimento técnico que se converte em práxis intelectual
capaz de expulsar-lhes da impressão de insignificância que a torrente de informação do mundo
virtual lhes imputa.” (MUNIZ Jr., 2016, p.197). Tendo em vista esses aspectos, acreditamos
que uma das principais motivações para o surgimento dessa cena está na busca em oferecer ao
leitor aquilo que o livro digital não possibilita: uma experiência relacionada ao aspecto físico
diferenciado do suporte. Com a facilidade de encontrar conteúdos na web e com a expansão –

46
O livro Cartografias da Edição Independente é uma publicação dos trabalhos apresentados no seminário
homônimo no CEFET-MG em setembro de 2019. Ele será lançado pela LED, editora experimental da
instituição, e está em fase final de produção.
47
Ao explicar quais são as editoras que frequentam feiras como a Plana, a Tijuana e a Miolo(s).
54

ainda que com adesão incipiente — dos e-books, o mercado de impressos tem buscado se
adaptar à nova realidade e, para isto, tem usado, em parte, inovações na materialidade dos
impressos. É válido pontuarmos que os editores feirantes e o público que frequenta as feiras,
em geral, flertam com a bibliofilia e com o colecionismo, por isso é fundamental buscar práticas
inovadoras em vez da automação em seus projetos editoriais.

A partir das tipologias supracitadas, é importante fazermos duas ponderações acerca de ambas
as tipologias aqui empregadas. A primeira é colocada pelo próprio pesquisador, Muniz Jr.,
quando reflete sobre a diferença entre os girafas e bonsais:

O uso do adjetivo “independente” pelos pequenos empreendimentos reunidos nessas


feiras, e pelas próprias feiras, não necessariamente implica uma inserção nesse debate
prévio. Não se trata de um grupo de agentes que “pega um bonde andando”, ou que
toma posições diretamente relacionadas às da LIBRE e suas editoras. Em vez disso,
as evidências indicam a sobreposição de dois debates distintos, moldados por
investimentos editoriais de índole muito diversa. (2016, p. 225-226).

Dessa forma, segundo o autor, a profusão de feiras bonsais acontece em um espaço temporal
em que o debate já está posto pelo grupo das girafas, mas as propostas são muito distintas. Isso
nos faz entender que os dois segmentos partem do mesmo qualificador, contudo, as práticas se
distanciam de tal maneira que é preciso sempre ressaltar a heterogeneidade do subcampo e
tentar situar a qual grupo nos referimos. Entretanto, é preciso desestabilizar um pouco essa
divisão, por isso nossa segunda ponderação vem a partir das colocações da pesquisadora Letícia
Santana Gomes, em sua dissertação Da minha língua vê-se o mar:

Ao unir os dois lados (a empresa e a simples casa editorial), ambos do universo


independente, José Muniz tenta nortear os perfis editoriais escolhidos em sua pesquisa
e, com isso, deixa margens para pensar [...] mais uma categorização, para um possível
nível intermediário entre girafas e bonsais. (SANTANA-GOMES, 2018, p. 33).

Cientes que nossas reflexões se concentram majoritariamente no microcosmo bonsai, é


importante matizar o subcampo independente, pois entre as duas tipologias apresentadas por
Muniz, consideramos que existem categorias intermediárias, conforme destacado na citação
acima, de forma semelhante aos polos preconizados por Bourdieu no mercado dos bens
simbólicos. Os agrupamentos de produtores, apesar de colocados como equidistantes, com
lógicas próprias de funcionamento, distribuem-se pelo subcampo. Se, no momento da pesquisa
de Muniz Jr., tais categorias pareciam, com muitas ressalvas, um pouco mais estáveis. Com o
passar do tempo, a categorização ficou cada vez mais difusa.
55

Editoras bonsais “fadadas a nunca crescer” cresceram, como a Lote 42, de Arbolave e Varella,
que apresentaremos no capítulo 3. Outras permanecem pequenas, porém, com o desejo claro de
expansão e de tornar a edição sua ocupação central. Essa expansão nem sempre está diretamente
relacionada ao aumento numérico do catálogo, mas às formas de comercialização e aos
empreendimentos correlatos ao universo independente. O alto nível de “mortes prematuras”,
mencionado anteriormente com base na nossa pesquisa de TCC, parece estar se arrefecendo,
mesmo que ainda muito vislumbrada. Essa percepção advém da consolidação de agentes que
começaram na cena independente como hobby e permaneceram ao longo dos anos e, também,
do crescente número de livrarias independentes que surgiram ao longo da nossa pesquisa48.

Destarte, constatamos que o cenário se modificou, parcialmente, entre os anos analisados por
Muniz Jr. na pesquisa finalizada em 2016 e o que observamos até o princípio de 2020. No
intento de elucidar o motivo de tais modificações, esboçamos algumas hipóteses: 1) a idade
biológica dos editores bonsais aumentou, o que impacta diretamente na disponibilidade para
participar de grandes eventos, como as feiras. A tendência, ao que parece, é a de procurar
espaços mais tranquilos e menos efervescentes para comercialização; 2) o nível de
profissionalização desses agentes que resolveram fazer da edição e comercialização de livros
seu principal ofício também foi ampliado. A emergência de pontos de vendas físicos, como as
livrarias independentes, demanda mais rigor, em termos do engajamento necessário, tempo,
burocracia, fluxo de caixa, entre outros; 3) a busca por um retorno financeiro maior e mais
constante aumentou, haja vista que, para produtores menos jovens, mais consolidados e
profissionais (ou em vias de profissionalização), esse é um ponto de extrema relevância.

48
Iniciamos a pesquisa em um período em que existiam poucos pontos de vendas físicos independentes e a Banca
Tatuí figurava com bastante proeminência no cenário. Embora esses pontos ainda sejam poucos, durante o
período de desenvolvimento da pesquisa, as três editoras selecionadas (por outros critérios, como explicitado
na introdução) criaram seus próprios pontos de vendas. Esse dado pode aparentar uma coincidência, mas, na
pesquisa de campo na Feira Miolo(s) (em 2 e 3 de novembro de 2019), tivemos a oportunidade de participar
de um debate acerca da temática das feiras e da necessidade de uma reinvenção do cenário, em um evento
prévio ao início do principal. Nesse tecemos nossa observação sobre as livrarias como um estágio posterior ao
das feiras e a ideia foi bem acolhida por produtores e outros pesquisadores presentes. Durante a realização da
feira, tivemos a oportunidade de conversar com diversos publicadores e percebemos que muitos dos que
participaram do início do movimento já estavam selecionando com maior rigor as feiras de que participariam
e que, cada vez mais, estavam apostando na venda em pontos de vendas físicos parceiros ou refletindo sobre a
abertura do seu próprio. Devido ao momento em que tais constatações chegaram a nós, com a pesquisa já na
reta final e com os dados coletados, não conseguiremos nos aprofundar tanto nessa questão, que ficará como
uma possibilidade para investigações futuras, entretanto, dentro do possível, tentaremos abordar esse tópico,
que indissociavelmente figura o pano de fundo deste trabalho.
56

No próximo capítulo, discutiremos sobre as formas de comercialização das casas editoriais


escolhidas para compor nosso corpus a partir do mapeamento da Banca Tatuí. Cada uma delas
possui suas particularidades, por isso, apresentaremos breves estudos de caso específicos sobre
elas e tentaremos demonstrar, na discussão subsequente, alguns indícios que nos levaram a
levantar as hipóteses supracitadas.
57

CAPÍTULO 2 – O MICROCOSMO GRÁFICO-INDEPENDENTE

Neste capítulo, será apresentado, inicialmente, o mapeamento dos publicadores que são
comercializados na Banca Tatuí e os critérios adotados para a escolhermos aqueles que
constituíram nosso corpus. Posteriormente, serão apresentados pequenos estudos de casos das
casas editoriais selecionadas a partir do mapeamento, com trechos das entrevistas dadas por
esses editores. Por fim, discutiremos sobre como tais casas comercializam seus impressos, a
fim de levantarmos dados iniciais para avaliarmos se as hipóteses apontadas no capítulo
anterior, acerca do cenário de crescimento das editoras bonsais, podem se consolidar. Nessa
discussão, nosso olhar será voltado a quatro maneiras pelas quais entendemos se concentrar a
comercialização das “independentes”: as feiras de publicações organizadas por produtores em
diversas cidades do país; os pontos fixos de vendas, como pequenas livrarias ou espaços
alternativos; as lojas virtuais, como as e-commerces ou hospedadas em sites próprios; e as
vendas “diretas”, realizadas diretamente pelo autor ou pelo editor em lançamentos ou
circunstâncias diferentes das anteriormente citadas

1. Um corpus de difícil delimitação

Começamos o mapeamento da Banca Tatuí por meio dos dados disponibilizados no tópico
“Quem está aqui”, da loja virtual da Banca, tendo as informações sido extraídas no dia 20 de
dezembro de 2018. Partindo da lista de editoras parceiras, criamos uma planilha para compilar
os dados e categorizá-los. Inicialmente, os 197 publicadores foram divididos por regiões do
Brasil e por estados/cidades, pois interessava-nos, também, perceber como o distanciamento do
eixo Rio-São Paulo afeta a comercialização desses produtores49. Esse critério adveio da
constatação de que a atividade editorial é uma prática majoritariamente urbana e, no Brasil,
concentra-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, cidades consideradas “capitais culturais” e, por
conseguinte, “capitais editoriais”:

Em todo o mundo ocidental, é nas cidades – e, particularmente, em algumas grandes


metrópoles – que irá se concentrar a maior parte das editoras, de seus organismos,
associações formais e coletividades informais, dos órgãos responsáveis por sua
consagração e visibilidade (livrarias, distribuidoras, prêmios, feiras, bienais,
lançamentos etc.), das ofertas de formação de profissionais para o mercado editorial
etc. Dito de outro modo, é ali onde se concentram os capitais (sociais, simbólicos,

49
Devido ao tamanho territorial do Brasil, é sabido que a distribuição de produtos comercializados possui uma
lógica diferente para determinadas regiões, vide que, em vários e-commerces, encontramos o termo “frete grátis
para todo país, exceto Norte e Nordeste”.
58

políticos, econômicos) que os agentes do universo editorial tratam de obter, empregar,


apostar e converter para instituir certas modalidades de presença nesse espaço social.
A análise desse conjunto de variáveis é que permite identificar a existência de uma
“capital editorial” como modalidade específica de “capital cultural”, tal como a define
Charle: “um espaço urbano em que suficientes indícios convergentes permitem
afirmar que ele é, numa dada época, um lugar de atração e de poder estruturante de
um ou outro campo de produção simbólica (...)” (MUNIZ Jr., 2016, p. 33).

Com percursos históricos distintos, Rio de Janeiro e São Paulo se consagraram “capitais
editoriais”; a primeira concentrando o nicho de obras gerais e a segunda, o filão dos livros
didáticos. Elas detêm grande parcela da produção livreira atual, sendo que a produção
“independente” se mostra, em partes, um reflexo da de grande escala. Isso se justifica na medida
em que os meios de produção estão sediados nessas cidades, assim como a maioria dos cursos
de especialização e grandes eventos. Desse modo, conforme Muniz Jr. (2016), nota-se que os
diversos capitais não se dividem homogeneamente pelo vasto território nacional, aglutinando-
se nesses locais. Vale destacar que, com o avanço das tecnologias de produção do livro e com
a difusão das gráficas digitais, a produção “independente” se tornou mais acessível para pessoas
fora do eixo. Contudo, o aumento da acessibilidade na produção não significa que a circulação
desses impressos “periféricos”50 tenha sido facilitada de maneira contígua, pois a venda e,
principalmente, a distribuição se tornam complexas pelos altos custos de envio de exemplares
físicos. Dessa maneira, entendemos que estudar editoras “fora do eixo” nos possibilita entender
dificuldades da circulação que não são constantemente encontradas em editoras paulistanas e
cariocas.

Em nosso levantamento na Banca, encontramos a seguinte distribuição:

50
Periféricos a esse eixo supracitado.
59

Tabela 1 – Número total de produtores comercializados pela Banca Tatuí, distribuídos conforme regiões do
Brasil.

Localidade Número de produtores %

Sudeste 137 69%

Sul 23 12%

Nordeste 13 7%

Internacional 13 7%

Centro-Oeste 10 5%

Norte 0 0%

Total 197 100%

No gráfico abaixo, podemos visualizar melhor esses dados:

Gráfico 1 – Número total de produtores comercializados pela Banca Tatuí, distribuídos conforme regiões do
Brasil
60

Dentre as editoras do Sudeste, 110 eram paulistas, 16 fluminenses, 10 mineiras e apenas uma
capixaba, o que deixa clara a presença massiva de produtores de São Paulo na Banca. Na
entrevista que nos foi concedida para a pesquisa, Cecilia Arbolave explica que tal concentração
é o resultado tanto da localidade da Banca — afinal, a pequena distância geográfica é um
facilitador para a distribuição —, quanto da maneira pela qual é feita a escolha dos produtores,
muito vinculada à participação deles nas feiras (este tópico será aprofundado mais adiante).
Arbolave também relatou sua impressão de que o movimento que estudamos está bastante
centrado em São Paulo e que uma cena semelhante existe em outras regiões do país, mas nem
sempre as produções são acessíveis51 a quem está em outro eixo/lugar:

esse movimento que estourou, assim, desde 2013 teve uma forte presença em São
Paulo [...] eu acho que é porque em São Paulo tem muita gente produzindo, assim,
tem muito estudante, muito coletivo que começa na faculdade de design [...]. Mas tem
também uma produção no Nordeste bem forte, mas que a gente também não consegue
acessar com tanta facilidade quanto a gente acessa a Região Sudeste. [...] Lá no Sul
tem a [feira] Parada Gráfica que já teve seis edições, São Paulo tem a Feira Plana, tem
a Tijuana, tem a Miolos, enfim, talvez em outros lugares não tenha tantas feiras com
tantos anos, ainda está se formando então a gente também não participou tanto, ou as
feiras são um pouco mais regionais então a gente não participa tanto e assim a gente
não consegue ver. (ARBOLAVE, 2019)

A partir dessa fala, compreendemos que não seria possível usar a Banca como uma forma de
representação das independentes do microcosmo gráfico-editorial do país, apesar da grande
quantidade de publicadores nela presentes. A Banca retrata majoritariamente a produção do
Sudeste, com uma interface mais estreita com a produção da região Sul, entretanto, continuamos
a buscar um corpus o mais descentralizado possível, dentro de alguns critérios.

O segundo passo foi filtrar as independentes nas categorias “ativas” e “não ativas”, visto que
os proprietários da Banca optam por manter, na lista, o nome de editoras que atualmente não
têm títulos à disposição para venda, mas que têm previsão de reposição a médio prazo. A
demarcação no site é por meio da presença de hiperlinks em azul, quando a editora possui

51
Ao apontarmos a nossa percepção sobre a falta de representatividade geográfica do país na Banca,
compreendemos os argumentos logísticos elencados como fatores práticos. A exclusão desses produtores para
venda no eixo Rio-São Paulo não é algo que ocorre apenas na Banca Tatuí, como veremos mais adiante, mas
um problema estrutural. Acreditamos também que, devido à grande territorialidade do país, outros circuitos
mais regionais se fazem presentes, porém, não tivemos acesso a eles da maneira como gostaríamos.
Acreditamos que, ao trazer para o texto essa percepção, é importante avaliar também a resposta de Cecília
Arbolave: “a gente quer ainda ampliar, quer que essa seleção seja a mais representativa possível. Não tem do
Norte porque a gente ainda não achou a produção que tinha tanto a ver com esse perfil da Banca, mas não é de
nenhuma forma discriminatório.” (ARBOLAVE, 2019).
61

exemplares disponíveis, enquanto as outras figuram na cor cinza sem hiperlink. Nessa
classificação, encontramos 170 “ativas” e 27 “não ativas”.

Em seguida, selecionamos o que entendemos como “Editoras de Livros”, ou seja, casas


editoriais que produzem objetos dentro da estrutura mais convencional do que costumeiramente
se entende por livro — impresso em papel, com capa, lombada e formato retangular — e
excluímos do corpus as categorias “artistas independentes”52, “editores de Zines”, “produtores
de revistas”, “editoras de quadrinhos”53 e “empreendimentos diversos”, desconsiderando,
ainda, as editoras que se concentram no eixo Rio-São Paulo. Essa categorização se mostrou um
tanto quanto complicada, pois a produção independente apresenta uma grande heterogeneidade
de produtos, com tênues linhas diferenciadoras54. José Muniz Jr., no artigo “‘É dia de feira’: a
cena dos microeditores na cidade de São Paulo” (2017), esboça tipologias dos produtores
presentes em diferentes feiras do município. Na sua descrição, encontramos três categorias:

O primeiro grupo, a que poderíamos chamar de editores em sentido estrito, são


aqueles projetos, estruturados como micro ou pequenas empresas, dedicados à
produção de livros “tradicionais”. [...] Um segundo grupo dedica-se a produtos que
são limítrofes ao universo do livro tradicional, mas sem confundir-se com ele. É
composto por dois subgrupos. De um lado, encontram-se os zines, as HQs e outros
produtos editoriais ilustrados que dialogam com a cultura pop. De outro lado, estão os
livros de artista, os livros-objeto e outros artefatos visuais de papel encadernados,
grampeados, colados ou costurados, de fatura estetizante. [...] Um terceiro grupo, por
fim, é composto por projetos que somente se encaixam numa definição bastante
ampliada e lassa de “publicadores”. Dedicam-se à produção de artefatos diversos,
tanto em papel como em outros materiais: cartazes, folhetos, agendas, calendários,
camisetas, carimbos, bordados, pratos etc. Movem-se, portanto, nos terrenos do
artesanato, das artes visuais e do design, e possuem algum grau de afinidade com a
rubrica da “arte gráfica” ou da “arte impressa”. (MUNIZ JR., 2017, p.10-11)

52
A diferença da categorização entre “artistas independentes” e demais editoras foi uma das mais áridas tarefas,
visto que, nesse meio, muitos produtores fundam uma casa editorial para se autopublicarem. Para fazer essa
separação, retiramos aquelas que possuíam apenas o nome próprio de uma pessoa, pois, na análise de uma
amostra de 20 casos, todos haviam publicado apenas a si mesmos.
53
A única separação feita pelo gênero de conteúdo é o caso dos “quadrinhos”. Essa escolha foi tomada pelo
entendimento de que as discussões sobre o tema são muito mais profundas do que as que nos propusemos a
tecer neste trabalho. Ademais, pareceu-nos necessária a exclusão para fechar um corpus mais coeso dentro de
tanta heterogeneidade.
54
Tais categorias não foram feitas de forma estanque, uma vez que o subcampo “independente” se mostra
essencialmente heterogêneo e com grande volatilidade. Um produtor que atualmente publica quadrinhos pode,
em outro momento, dedicar-se à Literatura ou a cadernos artesanais e o que define isso é amplamente subjetivo.
Ademais, há uma grande dificuldade de circunscrever em um conceito o que é um livro ou o que é um zine.
Entendemos tal questão como um wicked problem (problema complexo), de maneira consonante à apresentada
por Maíra Lacerda e Jackeline Lima Farbiarz em “Livro: um projeto de Design na Leitura”: “ao nos
debruçarmos sobre a pergunta ‘o que é um livro?’, reconhecemos tais características [de um wicked problem]
e percebemos que essa é uma questão sem resposta fechada. As circunscrições dos aspectos relevantes e
inexoráveis do objeto são difusas e estão constantemente sendo estendidas, assim como as prospecções dos
fins almejados e os possíveis meios de atingi-los são subjetivos aos avaliadores e não consensuais.” (2019, p.
56-57). Dessa forma, partimos de uma concepção de livro baseada em fatores mais estruturais e convencionais
do que costumeiramente se entende por livro no tempo/espaço em que ora nos situamos.
62

A Banca Tatuí se mostrou uma reprodução parcial dessas feiras, ao comercializar produtores
que também estão presentes nestas, por isso, a tipologia anterior nos auxiliou a definirmos o
corpus. Nosso intento na categorização foi selecionar aqueles classificados como “editores em
sentido estrito” aos quais denominamos “Editoras de Livros”55. No segundo e no terceiro grupo,
“a atuação se concentra em formas não identificadas com o livro em senso estrito, espraiando-
se para práticas correlatas, indicando uma concepção de trabalho mais flexível e polivalente,
que justapõe formas distintas de trabalho intelectual e artístico” (MUNIZ JR., 2017, p.11). Esse
apontamento do autor nos auxiliou na busca de um critério eliminatório para um corpus mais
coeso em suas produções.

Na própria loja virtual, encontramos um facilitador para distinguir as produções, pois os


exemplares já aparecem previamente divididos em: “estrangeiros”, “fotografia”, “infantil”,
“ilustração”, “jornais”, “livros”, “poesia”, “quadrinhos”, “revistas”, “sketchbooks”, “zines”,
“arte gráfica” e “agendas”. Essa divisão não nos pareceu interessante em um primeiro momento,
pois a ideia era mapear geograficamente e a categorização aparece apenas nas abas dos títulos,
não sendo viável partir deles para ir ao encontro das casas editoriais. No entanto, foi de extrema
validade para fazermos o caminho inverso e discriminar os produtos das editoras já
selecionadas. Quando abríamos a aba do título, observávamos se a categorização prévia dos
exemplares constava como “livros” e selecionávamos as que apresentavam essa modalidade em
maior número.56

A categorização posterior foi “número de títulos” à venda. Estabelecemos que seriam


consideradas no recorte apenas editoras com três títulos ou mais. Acreditamos que tal valor
poderia ser um indicativo de um catálogo editorial mais robusto, minimizando a possibilidade
de chegarmos a um corpus inconsistente. Houve a preocupação em não selecionarmos editoras

55
Cientes de que tal definição é passível de muitos questionamentos, tendo em conta a dificuldade em conceituar
o que é o objeto livro per se. Para aprofundar a discussão: RIBEIRO, Ana Elisa. O que é e o que não é um
livro: materialidades e processos editoriais. Fórum Linguístico, v. 9, n. 4,
2012, Florianópolis, pp. 333-341. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/1984-8412.2012v9n4p333/24236; RIBEIRO, Ana
Elisa; CABRAL, Cleber Araújo (orgs). Tarefas da edição: pequena mediapédia. Belo Horizonte: Impressões
de Minas, 2020. 143p. Disponível em: http://www.letras.bh.cefetmg.br/wp-
content/uploads/sites/193/2019/10/Tarefas-da-Edic%CC%A7a%CC%83o-arquivo-digital-07-10-20.pdf.
Acesso 10 de out. 2020; Enciclopédia Intercom de Comunicação. Disponível em:
http://portal.metodista.br/mutirao-do-brasileirismo/cartografia/enciclopedia. Acesso 10 de out. 2020.
56
É muito comum que uma mesma editora publique itens de categorias distintas como zines e livros. Para a
pesquisa, nós as categorizamos a partir da predominância numérica dos materiais disponíveis à venda na Banca
Tatuí́.
63

fundadas em um período menor que um ano, dado que o processo editorial — da escolha de um
texto até sua chegada ao leitor — necessita de tempo para ser efetivado. Partindo da perspectiva
do sociólogo Pierre Bourdieu, “a duração do ciclo de produção constitui sem dúvida uma das
melhores medidas da posição de um empreendimento cultural no campo” (2005, p. 163),
principalmente em se tratando de empreendimentos que não possuem uma demanda
preexistente e que se pautam por ciclos lentos de produção. Embora três títulos não possam ser
tomados como um valor estanque que determine uma existência temporalmente — e
hierarquicamente — expressiva, essa margem de corte e os demais critérios resultaram em
editoras com mais de dois anos de existência.

No período da realização deste levantamento, tivemos uma conversa bastante elucidativa com
a editora Ana Rocha, da Polvilho Edições. Em uma sondagem prévia, perguntamos sobre a
comercialização de suas produções e ela nos elencou quatro possibilidades: as feiras de
publicações independentes, as lojas virtuais, as pequenas livrarias ou espaços de vendas
alternativos e as vendas feitas pessoalmente pelo autor ou pelo editor. Partindo de tal
informação, decidimos afunilar a pesquisa para casas editoriais que utilizassem as quatro
formas de comercialização. Assim, acessamos o Facebook e o Instagram das editoras que
estavam dentro dos critérios anteriores, em busca de indícios da comercialização em feiras no
segundo semestre de 2018 e depois localizamos aquelas que possuíam, também, lojas virtuais
próprias.57

O resultado final deste levantamento indicou que: 1) não existia editora (nem outro tipo de
colaborador) da região Norte na Banca; 2) no Nordeste, havia treze colaboradores listados, mas
nenhum preencheu nossos requisitos para formação do corpus; 3) no Centro-Oeste, apenas uma
editora preencheu nossos requisitos, a Editora Nega Lilu; 4) na região Sul, duas casas editoriais
contemplavam nossos critérios, a Editora Barbante e a Editora Cultura e Barbárie; 5) no
Sudeste, excluindo os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, encontramos três editoras:
Impressões de Minas, Tipografia do Zé e Polvilho Edições. Nos itens 4 e 5, em que havia mais
de uma alternativa, optamos, respectivamente, pela Editora Barbante e pela Polvilho Edições,

57
Nesse período do mapeamento, vasculhamos as redes sociais de muitas editoras para nos auxiliar a classificá-
las, entretanto, as que não integraram o corpus por não contemplar os critérios de comercialização foram:
Livrinho de Papel Finíssimo (Recife); Edtóra - Sociedade da Prensa (Salvador); Mês (Brasília); Cactus Edições
(Porto Alegre); Nunc – Edições de Artista (Minas Gerais) e Andante (Belo Horizonte).
64

dada a acessibilidade para nos conceder entrevistas. Sob esses crivos, formamos nosso corpus
com editoras do Sul, Centro-Oeste e Sudeste.

Iniciamos tal estudo cientes de que, ao utilizarmos entrevistas como elemento para a construção
de uma narrativa, estamos passíveis de certa “ilusão biográfica”, como colocado por Bourdieu,
afinal, o intento de construir uma biografia pressupõe que “a vida constitui um todo, um
conjunto coerente e orientado, que pode e deve ser apreendido como expressão unitária” (1986,
p. 184) e que o relato (auto)biográfico se baseia na “preocupação de dar sentido, de tornar
razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva” (AMADO;
FERREIRA, 2006, p. 184) na narrativa da vida do biografado. A (auto)biografia também
esbarra no intuito final que se pretende com aquela narrativa. O biografado, quando relata suas
memórias, omite trechos e expõe outros, buscando projetar uma imagem de si para o mundo; o
mesmo acontece com quem se propõe a ser o biógrafo, pois o enfoque escolhido explicita alguns
acontecimentos e censura outros, logo, impondo no texto a sua perspectiva sobre o biografado.

Dessa forma, as entrevistas com Larissa Mundim, responsável pela Editora Nega Lilu e com
Ana Rocha, da Polvilho Edições, foram realizadas presencialmente em Belo Horizonte. 58 Com
Mundim, tivemos dois encontros em viagens de Goiânia para a capital mineira: primeiro, para
a participação de Larissa como convidada do evento Pensar Edição, Fazer Livro, no dia 12 de
maio de 2019 e, posteriormente, como feirante na Feira Canastra realizada no dia 12 de outubro
do ano de 2019. Os dois encontros foram necessários devido ao pouco tempo que tivemos para
a realização da entrevista no primeiro encontro. Ana Rocha, editora da Polvilho Edições,
reuniu-se conosco em 23 de outubro de 2019, na sede da Livraria da Polvilho. Já Alessandro
Andreola e Paola Marques, responsáveis pela Editora Barbante, foram entrevistados no dia 13
de agosto de 2019, por Skype. Nosso intuito era ir à Curitiba, porém houve uma
incompatibilidade de datas ocasionada pelo nascimento da filha do casal. Uma entrevista prévia
com Alessandro, feita no dia 2 de agosto de 2019 para a disciplina optativa Mercado Editorial
Independente — que ministramos na Graduação em Letras do CEFET-MG —, foi anexada a
este trabalho, contemplando questões formuladas por alunos e enviadas por mim (as respostas
foram encaminhadas por áudio no Whatsapp). Partindo dos dados coletados, a discussão que se

58
Para referenciarmos as entrevistas neste trabalho utilizaremos (MUNDIM, 2019a), (MUNDIM, 2019a),
(ROCHA, 2019), (ANDREOLA, 2019a), (MARQUES; ANDREOLA, 2019b). Quando forem citados os
livreiros responsáveis pela Banca utilizaremos (VARELLA, 2019), (ARBOLAVE, 2019) e (LADENTHIN,
2019).
65

segue é composta por pequenos estudos de casos das casas editoriais escolhidas depois do
mapeamento da Banca, com trechos das entrevistas dadas por esses editores.

2. Editora Barbante: entre discos e fotos

Imagem 1 – Editora Barbante no Instagram59

A Editora Barbante60 surgiu em 2016, em Curitiba, no estado do Paraná. Foi criada pelos
jornalistas Alessandro Andreola e Paola Marques, a partir da vontade de se auto publicar: “ele
[Alessandro] queria lançar um livro que era de uns textos que ele tinha e estava reeditando
algumas partes, estava revisitando esses textos e ele achava que rendia um livro e que isso ia
ser muito legal.” (MARQUES, 2019b). Na época, o jornalista trabalhava com o Estúdio
Invertido61, um estúdio de acabamentos gráficos com serigrafia, encadernação e tipografia. O
espaço, além de prestar serviços para terceiros e oferecer cursos, também tem um selo com
publicações próprias. O incentivo para Alessandro realizar sua primeira empreitada veio dos
proprietários do estúdio: “Eles falaram ‘você vai fazer o seu livro aqui? Tem que fazer, vamos
fazer!” (ANDREOLA, 2019b) e assim foi lançada a primeira edição de Música do Dia (2016),
uma coletânea de artistas, canções e álbuns do Pop Rock, com capa dura, impressão em
serigrafia e acabamento artesanal. O surgimento da editora aconteceu inicialmente de maneira
despretensiosa, já que o título auto publicado ficaria sem uma “chancela” editorial. O casal, que

59
Captura de tela da página da editora no Instagram. Disponível em:
https://www.instagram.com/editorabarbante/?hl=pt-br. Acesso em: 30 out. 2020.
60
Website Editora Barbante. Disponível em: https://www.editorabarbante.com.br. Acesso em: 10 dez. 2019.
Facebook Editora Barbante. Disponível em: https://www.facebook.com/pg/editorabarbante/. Acesso em: 10
dez. 2019. Instagram Editora Barbante. Disponível em: https://www.instagram.com/editorabarbante/. Acesso
em: 10 dez. 2019. Twitter Editora Barbante. Disponível em: https://twitter.com/editorabarbante. Acesso em:
10 dez. 2019.
61
Também comercializado na Banca Tatuí.
66

já acompanhava o movimento das publicações independentes, menciona tal fato na entrevista


que nos foi concedida:

A gente estava trabalhando nisso, mas como um projeto meio paralelo, assim, não era
uma coisa que a gente estava com o foco total nisso aí. Aí em 2016 ele colocou na
cabeça que ele ia fazer e a gente falou "então vamos!". Ao mesmo tempo, a gente
pensou que seria muito interessante… a gente estava acompanhando a cena, se
interessava por vários livros independentes, a gente sempre ia nos lançamentos e a
gente ficou namorando a ideia do tipo "e de repente se a gente tivesse uma editora
também, o que você acha?", mas nada muito oficial, assim, do tipo "agora o próximo
passo é tal!". (MARQUES, 2019b)

A dupla segue conciliando a atividade com trabalhos freelancer na área da comunicação -


principalmente na produção de conteúdos, gerenciamento de redes sociais, tradução e editando
livros para terceiros -, haja vista que se autossustentar com a edição de livros não é uma
realidade para estes: “Desde o começo, desde a ideia a gente já trabalhava com outras coisas e
até hoje continua [...] a gente precisa muito disso para segurar as pontas, a editora não segura...
a gente tem muito pouco título, a maior parte de tiragem baixa, não tem como”. (ANDREOLA,
2019b). Essa realidade, como visto anteriormente, é muito frequente no microcosmo gráfico-
independente.

O fluxo de trabalho da editora é dividido entre os dois que se revezam nas tarefas da produção:
“a gente troca muito, depende muito de quem está mais envolvido com cada projeto, mas, assim,
se eu estou editando, a Paola está revisando ou às vezes é ao contrário. [...] É tudo meio do it
yourself.” (ANDREOLA, 2019a). O segundo título da editora também lançado em 2016,
Wadad, do fotógrafo Eduardo Macarios, foi um trabalho mais voltado para o perfil de Paola
Marques, que tem como área de interesse a fotografia: “é um livro de arquivo, de memória, ela
estava trabalhando na edição disso” (ANDREOLA, 2019b). A história versa sobre a imigração
da avó libanesa do autor e remonta à história da família em uma edição limitada e numerada,
com tiragem de 250 exemplares e texto trilíngue — português, inglês e árabe. O projeto gráfico
apresenta capa dura revestida de tecido, impressa em serigrafia e uma foto em preto e branco
aplicada em baixo relevo62.

Nesse entremeio, os editores já frequentavam eventos de publicações independentes e os dois


primeiros títulos são considerados os pilares da casa editorial: “Porque daí, com essas coisas

62
O título, já esgotado, ainda não foi reimpresso devido ao alto custo, porém, já está sendo estudada uma maneira
mais econômica de relançá-lo.
67

físicas na mão, a gente pegou a mochilinha e foi para São Paulo, foi se apresentar para as
pessoas: ‘ah, então, a gente é de Curitiba e a gente tem uma editora, a Barbante, e a gente faz
livro meio artesanal e está aqui o livro!’” (ANDREOLA, 2019b). Esses foram os pontos de
partida para adentrar o microcosmo das independentes: participarem de feiras e fazerem parte
da Banca Tatuí.

Imagem 2 – Livro Wadad (2016) 63


Fonte: Loja virtual da Editora Barbante

Imagem 3 – Livro Música do dia (2016) 64


Fonte: Website Locomotiva Discos

63
Disponível em: http://www.editorabarbante.com.br/pd-6d9bd9-wadad.html?ct=&p=1&s=1. Acesso em: 30
out. 2020.
64
Disponível em: http://www.locomotivadiscos.com.br/pd-3f3da3--livro-musica-do-dia-alessandro-
andreola.html. Acesso em: 30 out. 2020.
68

Dos sete títulos em catálogo, quatro são relacionados ao universo musical. A predileção pela
temática vem da trajetória do editor que também é jornalista cultural especializado em música
e foi produtor, roteirista e apresentador de um programa na Rádio 91 (FM 91.3), 91 Extra Rock,
por três anos. O livro Música do Dia, considerado fundador da casa editorial, traz reflexões
sobre diversas canções, álbuns e bandas, muitas delas entremeadas às suas histórias pessoais.
Na introdução, o editor menciona sua “sorte” em poder trabalhar na vida adulta com sua paixão
juvenil:

A primeira vez que compreendi o poder da música pop foi quando eu tinha 13 anos e
ouvia em meu quarto uma fitinha cassete dos Ramones. Em algum ponto entre pulos
na cama e guitarras imaginárias tocadas em pleno ar, tive uma espécie de visão: [...]
tudo levava a crer que um dia ele [o rock] sairia da minha vida para ser substituído
por coisas como responsabilidades, dias no escritório e contas a pagar.[...] Mas,
felizmente minha previsão pré-púbere se mostrou equivocada, [...] a música continuou
a desempenhar um papel central cotidiano, mesmo que com menos guitarras
imaginária tocadas no ar. Tive a sorte de poder viver tudo isso de forma profissional
ao escrever diariamente sobre canções, álbuns e artistas que admiro. A maior parte
dos textos aqui compilados se originaram no extinto Power Music Club, pioneiro site
de streaming, onde trabalhei de 2011 a 2014, e foram adaptados e atualizados para
esta edição. (ANDREOLA, 2018, p. 12)

Dessa maneira, o livro reúne uma coleção de “obras que merecem ser ouvidas”, de maneira
similar à proposta Ouça este Livro: 20 Playlists Surpreendentes (2017) do músico curitibano
Cassiano Fagundes com textos escritos para o portal de música da GVT — local em que
Alessandro também trabalhou. O título baseia-se em 20 seleções temáticas compostas, cada
uma, por 20 músicas consideradas como “lado B” de artistas consagrados do rock. Com um
posfácio ilustrado em quadrinhos por Guilherme Caldas, o livro também possui um QR Code
na quarta capa que leva às playlists completas disponibilizadas na plataforma Spotify.65

Os outros dois títulos musicais fazem parte da Coleção Sound+Vision que “traz autores
dissecando seus álbuns favoritos, acompanhados de artistas visuais que apresentam seus olhares
sobre as músicas deste mesmo álbum.” O título The War On Drugs: Lost In The Dream
(2017)66, de Andreola com o ilustrador André Ducci, foi lançado inicialmente com acabamentos
mais artesanais - capa dura, serigrafia, lombada em tecido -, porém, na reimpressão, optaram
por formatos mais econômicos, com brochuras de 18x12cm impressos em 2 cores, no papel

65
Disponível em:
https://open.spotify.com/user/22dh7nlaewjamms4rbwutwzxa/playlist/0ksNPVFGe3Qi8yvv1eVFU0. Acesso
em: 2 set. 2020.
66
The War On Drugs é uma banda de rock americana da Filadélfia.
69

Pólen Bold. O segundo é Corredor Polonês (2019), de Marcelo Dallgrave e Melissa Medroni,
referente à banda brasileira Patife.

Imagem 4 – Coleção Sound+Vísion67


Fonte: Website Screamyell

O perfil da editora, voltado para o nicho musical, remete ao universo dos fanzines, citados
inclusive pelo editor ao relacionar as facilidades de impressão atuais às de décadas passadas:
“anos 90 eu fazia fanzine com xerox, entendeu? Vai lá e faz.” (ANDREOLA, 2019b). Esse
modus operandi, principalmente vinculado ao universo do rock, é discutido por Pedro Quintela
e Paula Guerra (2015, p. 162) no artigo “Ciências sociais, arquivos e memórias: considerações
a propósito das culturas musicais urbanas contemporâneas”, no qual eles discutem o interesse
em preservar memórias e arquivos das cenas musicais alternativas:

Estes fãs e editoras têm colaborado para, de algum modo, reescrever a história da
cultura rock — mas não só —, recuperando, preservando e divulgando material que,
por diferentes motivos, tinha ficado perdido e, consequentemente, sido esquecido
pelos críticos, jornalistas, historiadores e músicos.

67
Disponível em: http://screamyell.com.br/site/2020/08/06/entrevista-alessandro-andreola-editora-barbante/.
Acesso em: 30 out. 2020.
70

Os títulos musicais da Editora Barbante podem ser vistos como parte do processo de
preservação das raízes do gênero, ora de maneira memorialística como a coleção Soud + Vision,
ora na sugestão de playlists undergrounds, como se fosse um rito descobrir e redescobrir a
história dessa cena. Se antes essa prática era um movimento majoritariamente voltado para
fanzines xerocados e mimeografados, com o avanço das tecnologias de impressão, esse
movimento volta à baila de maneira esteticamente orientada, ocupando mesas nas feiras de
publicações independentes.

Nesse intuito também é interessante perceber a tentativa dos editores, em um primeiro


momento, de integrar a cena independente com a interface da experimentação gráfica, “então a
gente no começo até fazia muito isso, isso era um norte da editora. Os dois primeiros livros que
a gente fez tinha capa dura revestida de tecido com serigrafia e enumerados.” (ANDREOLA,
2019b). O alto custo desse tipo de produção, contudo, fez com que os títulos fossem reimpressos
em versões mais econômicas: “depois a gente parou um pouco porque era tudo muito caro.”
(MARQUES, 2019b). Já inseridos na cena e com laços mais estreitos com outros agentes, o
movimento de recuo não é visto como deixar de pertencer à trupe. Ademais, seguem com uma
publicação totalmente artesanal: o título Aerofone (2018). Este é totalmente manufaturado:
costurado a mão, no formato de 10 x 14 cm e com a capa carimbada. O conteúdo é a tradução
de um editorial do New York Times, já em domínio público, veiculado em 1878, criticando
uma invenção de Thomas Edison, uma espécie de trombeta para comunicações a longa
distância, que nunca chegou a ser produzido.

No período da nossa coleta de dados, na Banca Tatuí, havia sete títulos disponíveis, um deles
esgotado. Atualmente existem 8 títulos disponíveis para comercialização. Um deles permanece
sem uma segunda impressão, Wadad, enquanto Música do Dia figura com a versão mais
econômica.
71

Imagem 5 – Editora Barbante na Banca Tatuí comparativo dez. 2018 / out. 202068

A comercialização da Editora Barbante era feita em feiras 69, pela loja virtual, por pontos de
vendas físicos de parceiros e entre outubro de 2018 e dezembro de 2019 possuía seu próprio
ponto de venda. A livraria Barbante ficava localizada na Galeria Ponto de Fuga, em Curitiba,
um local que também abriga uma galeria de arte e o Ginger Bar, um bar-bistrô que realiza
eventos culturais. A curadoria de títulos da livraria voltada para publicações independentes, foi
publicizada como “livros que gostaríamos de ler” na reportagem A saga da Barbante publicada
no Jornal Plural70. Operando no azul, enquanto se dividiam entre “outras atividades para se
manter”, a livraria funcionou até 21 de dezembro de 2019, quando, devido ao nascimento da
filha, Paola e Alessandro priorizaram o trabalho com a criança e a editora.71 O casal, que entrou

68
Comparativo do acesso de 27 dezembro de 2018 e 30 de outubro de 2020. (Captura de tela da página:
https://www.bancatatui.com.br/search/?q=barbante.).
69
Esse cenário se alterou devido à pandemia. Em nosso levantamento, no segundo semestre de 2018, participou
da 21ª Feira do Livro de Araucária em 29 de agosto, da Feira Miolos (São Paulo) e da Mamute #1, a Feira
Gráfica na Rua (Curitiba), ambas no dia 10 de novembro, e da Printa Feira II (São Paulo) no dia 8 de
dezembro.
70
Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/cultura/a-saga-da-barbante/. Acesso em: 18 dez. 2019.
71
O fechamento da livraria foi divulgado nas redes sociais, inclusive na do editor que assinou um comunicado
junto à esposa no perfil na página pessoal o Facebook: “Amigos, temos uma notícia para compartilhar: a
Livraria Barbante vai encerrar as atividades neste sábado, dia 21 de dezembro. Manter uma editora e uma
livraria ao mesmo tempo em que criamos nossa bebê exige uma energia e um tempo que infelizmente não
dispomos no momento. Ficou claro que um dos dois negócios precisaria pelo menos entrar em hiato. Decidimos
então seguir com a editora. Manter uma livraria tem suas dificuldades, como vocês devem imaginar, mas é
algo que sempre se mostrou estimulante. Não temos do que reclamar. Foi uma experiência profundamente
transformadora: fizemos novos amigos, trouxemos obras que muito provavelmente não viriam para Curitiba
por outras mãos e buscamos sempre ser um espaço para abrigar lançamentos, conversas e ideias. Nossos
esforços profissionais agora se concentram na Editora Barbante, que vai entrar em 2020 a toda — lançamentos
e surpresas vêm por aí. Quanto à Livraria, quem sabe ela retorna em um momento mais tranquilo de nossas
vidas”. Disponível em: https://www.facebook.com/alessandro.andreola.104. Acesso em: 12 jan. 2020
72

para o universo das independentes de maneira despretensiosa, deixou claro na entrevista que a
edição já havia sido incorporada como um ofício e um empreendimento:

[...] quando a gente, como negócio, conseguir fazer os livros que a gente quer fazer,
ter uma livraria do jeito que a gente imagina[...] aqui no Sul [...] e conseguindo
trabalhar com essas coisas está ótimo. São tijolinhos, a gente vai [colocando] no
caminho. [...] A hora que não der mais a gente fecha, entendeu? A gente para de fazer.
O meu amor por esse tipo de coisa vai até certo ponto, eu preciso comer, eu vou ter
uma filha, as coisas são muito... dia-a-dia. (ANDREOLA, 2019b)

Esse trecho foi um dos indícios para as hipóteses que levantamos no final do primeiro capítulo.
Percebemos que os editores fizeram um grande investimento de tempo e disposição para figurar
de maneira mais profissionalizada no campo das publicações independentes, sendo a primeira
editora do nosso corpus a buscar seu próprio meio de venda físico, frente à evolução da idade
e da vida pessoal. Entretanto, a dedicação necessária para manter a edição e a venda de livros
como seus principais ofícios não parece ter sido suficientemente conciliável quando as
necessidades imperativas da vida adulta surgiram, como o nascimento da filha. Dessa maneira,
foi preciso selecionar o que era viável e priorizar a rentabilidade e a disponibilidade de tempo.
Nesse caso, especificamente, foi necessário dar um passo atrás em relação à livraria.

3. Nega Lilu Editora: militância no Brasil Central

Imagem 6 – Nega Lilu no Instagram72

72
Captura de tela da página da editora no Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/negalilu/.
Acesso em: 30 out. 2020.
73

A Nega Lilu Editora73 foi fundada em 2013 pela jornalista e escritora Larissa Mundim em
Goiânia. O principal motivador, assim como a Barbante, foi a auto publicação, entretanto o
processo da escritora foi muito peculiar. O primeiro livro intitula-se Sem Palavras (2013), em
coautoria com Valentina Prado. Trata-se de um conto com a história do romance entre Laura
Passing (Nega) e Brisa Marin (Lilu) no qual as sutilezas da troca de afeto de um relacionamento
são demonstradas por meio da "correspondência trocada, e-mails e chats que vão construindo a
narrativa a partir da estética e arquitetura próprias da comunicação mediada no ciberespaço”
(p.9). O texto foi finalizado em 2010 e antes de publicá-lo a autora criou uma página no domínio
blogspot chamado Nega Lilu74 e postou trechos com o intuito de testar e difundir o texto. Para
isso, convidou um grupo de leitores especializados para pensarem desdobramentos do texto a
partir de suas áreas de atuação - como publicidade, artes plásticas, arquitetura, coreografia e
dança, fotografia, tatuagem - resultando no Coletivo Esfinge, que chegou a mais de 100
participantes com diferentes frentes de atuação, entre os anos de 2009 e 2014, todas relatadas
por Larissa Mundim no livro Operação KamiKaze (2015). No “Balanço Geral” (p. 139) sobre
as intervenções culturais realizadas no entorno do livro, encontramos desde a fundação de um
grupo de dança com o nome Nega Lilu até pessoas que tatuaram trechos da obra, passando pela
produção de vídeos e performances em espaços públicos. A linha do tempo encontrada no título
elucida bastante como foi a trajetória que culminou na abertura da casa editorial e no
lançamento de Sem Palavras75.

73
Nega Lilu Editora Website (disponível em: http://www.negalilu.com.br. Acesso em: 17 dez. 2018). Facebook
Nega Lilu Editora (disponível em: https://www.facebook.com/negalilueditora/. Acesso em: 17 dez. 2018).
Instagram Nega Lilu Editora (disponível em: https://www.instagram.com/negalilu/. Acesso em: 17 dez. 2018).
74
Blogspot Nega Lilu Editora (disponível em: https://negalilu.blogspot.com. Acesso em: 17 dez. 2018).
75
Como consta na página 136 de Operação KamiKaze (2015), o título entrou em pré-venda antes mesmo do livro
ir para a gráfica, em abril de 2014, 50% da tiragem inicial foi comercializada. Acreditamos que esse dado nos
permite observar resultado do alto grau de engajamento prévio ao lançamento da obra. A tiragem não foi
especificada nos exemplares.
74

Imagem 7 – Linha do tempo Operação Kamikaze/Nega Lilu76


Fonte: Livro Operação Kamikaze (2015, p. 138)

Antes de se dedicar à editora, Larissa Mundim trabalhou por 15 anos em mídias como o jornal,
o rádio e televisão. Graduada em Comunicação Social e pós-graduada em Arte Contemporânea
pela Universidade Federal de Goiás (UFG), criou em 2003 a Casa da Cultura Digital de Goiás77
com o intuito de promover a inclusão social por meio da tecnologia. Com a Nega Lilu, ela deu
início a um projeto editorial que transita entre o mundo das artes visuais, da literatura, da
cibercultura e da militância por visibilidade a sujeitos "sub-representados", social e
geograficamente:

76
Arquivo digitalizado pela autora.
77
A Casa da Cultura Digital é uma “organização sem fins lucrativos, dedicada à inclusão digital e social, através
de projetos e programas interdisciplinares de Cultura, Educação e Comunicação. Utilizando a tecnologia como
suporte educativo e cultural, a CCD atua em defesa da democratização da informação, dos direitos humanos e
da diversidade cultural, como ferramentas de coesão social e o desenvolvimento econômico.” Nela são feitas
ações gratuitas como o Projeto Madalena Caramuru, organizado no período da pandemia com o intuito de
capacitar “digitalmente” gestores de bibliotecas públicas “entre setembro de 2020 e março de 2021, com
seminários, oficinas e atividades sistemáticas de grupo”. Disponível em: https://www.facebook.com/ccdgo/.
Acesso em: 20 out. 2020.
75

a Nega Lilu Editora tem trilhado um caminho que passa pela militância, a militância
cultural e o desenvolvimento social, passando o espaço para sujeitos e grupos
invisibilizados. Por isso nosso desejo sempre de priorizar a publicação de mulheres,
mulheres negras, população LGBTQI, às vezes com uma iniciativa ou com um
resultado menos efetivo do que algumas editoras que tem foco exatamente nisso, [...]
A Nega Lilu Editora, a despeito de privilegiar esses grupos, que eu chamo de sub
representados, nós temos, então, uma inserção um pouco mais difusa, mais aberta e
temos também como objetivo dar oportunidade aos novos autores. (MUNDIM,
2019a)

Entendemos a relevância de tal prática quando nos deparamos com pesquisas como Literatura
brasileira contemporânea: um território contestado (2012) da professora Regina Dalcastagnè,
na qual foram mapeadas as publicações brasileiras do gênero romance entre 1990 a 2004 pelas
editoras mais consagradas à época - Companhia das Letras, Record e Rocco: “120 em 165
autores eram homens, ou seja, 72,7%. [...] 93,9% dos autores são brancos. Mais de 60% deles
vivem no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quase todos estão em profissões que abarcam espaços
já privilegiados de produção de discurso[...].” (DALCASTAGNÈ, 2012, p. 5). Pelos dados
levantados, fica evidente a homogeneidade racial, de gênero, nível de escolaridade e localização
no território nacional demonstrando quanto o mercado literário é excludente e de difícil acesso
a grupos minoritários. De 2004 até 2012, quando os resultados da pesquisa foram publicados,
a pesquisadora pontuou que o campo literário ainda figurava como extremamente homogêneo
apesar da expansão de espaços nos quais autores partícipes dessa minoria tivessem voz,
referindo-se à internet e pequenas casas editoriais. Observando o mercado editorial em 2020,
percebemos que, a passos muito lentos, o cenário também está se alterando78, entretanto, a
grande concentração de publicações desses grupos minoritários mantém-se nas editoras
independentes.

A busca por visibilidade para autores fora do eixo sul-sudeste é um ponto muito presente em
diversas entrevistas de Mundim, tanto naquelas veiculadas em jornais e na web quanto nas que
nos foram concedidas. A distância das “capitais editoriais” traz dificuldades para autores e
produtores que intentam se projetar nacionalmente, tanto pelo distanciamento dos circuitos de
produção “centrais”, quanto pela dificuldade da distribuição de impressos físicos decorrente de
um país tão vasto territorialmente: “tem o fato de eu estar produzindo no interior do país, no
Centro-oeste, que é um espaço que a gente reconhece do ponto de vista territorial invisibilizado,

78
Com fenômenos editoriais como a autora Djamila Ribeiro, autora negra que conseguiu tornar-se um sucesso
de vendas. Inicialmente publicada em pequenas casas editoriais, atualmente possui dois títulos na Companhia
das Letras: Quem tem medo do feminismo negro? (2018) e Pequeno Manual Antirracista (2019), que versam
sobre temas até então marginalizados no mercado das grandes.
76

assim como o Norte e Nordeste a despeito de muita produção, de muita produção qualificada.”
(MUNDIM, 2019). A questão da invisibilidade de agentes fora do eixo Rio-São Paulo é
tangenciada na pesquisa de Ana Elisa Ribeiro79 no grupo Mulheres na Edição acerca do
apagamento histórico de mulheres editoras no Brasil, quando esta comenta a obra O livro no
Brasil de Laurence Hallewell (2005):

o eixo Rio-São Paulo costuma ser tratado como sinônimo de Brasil [...] tem suas
perversas implicações. É preciso que nos desviemos dessa “facilidade” e que nos
voltemos a outras regiões, onde mulheres editoras podem ter atuado e atuam, a
despeito da seletividade geográfica, que sempre distorce narrativas, enterrando
ocorrências relevantes e diversas. (RIBEIRO, 2019, p. 203)

Para minorar tal apagamento, foi criada Coleção E/Ou, com editais específicos para novos
autores goianos. O primeiro, aberto no período 2014/201580, selecionou 50 autores, publicados
em duas antologias: As dores de Josefa (2016) - 14 autores publicados em 27 contos e crônicas
— e Os olhos do bilheteiro (2016) —, dando voz a 17 novos escritores em 43 poemas. O
segundo edital referente a 2017/2018 deu origem a antologia Sobre gostar menos (2019),
apresentando 31 poetas selecionados, e O olhar inaudível (2020) com contos e crônicas de 21
autores. Assim, 81 autores até então à margem do mercado editorial tiveram a oportunidade de
ter seus textos publicados, ou seja, foram “consagrados” por uma instância legitimadora que é
uma casa editorial, entretanto é válido fazer uma ressalva com base na pesquisa supracitada de
Regina Dalcastagnè. Nesta, a pesquisadora joga luz sobre a diferença de valoração que cada
instância publicadora tem: “Afinal, publicar um livro não transforma ninguém em escritor, ou
seja, [em] alguém que está nas livrarias, nas resenhas de jornais e revistas, nas listas dos
premiados dos concursos literários, nos programas das disciplinas, nas prateleiras das
bibliotecas.” (DALCASTAGNÈ, 2012, p. 5). Isso nos permite depreender que a chancela
concedida pela Nega Lilu Editora é um ponto de partida importante para novos autores,
entretanto é importante colocar que a capacidade de consagração de uma independente é
diferente de uma grande editora. O terceiro edital da Coleção E/Ou encerrou-se em 13 de abril
de 2020. Após a análise de 145 textos, no dia 10 junho foi divulgado o resultado com a lista dos

79
A pesquisadora em suas colocações sempre questiona a hegemonia dos grandes centros e a falta de pesquisas
que observem as práticas realizadas fora do eixo Rio-São Paulo. Entendemos a relevância de apontá-la nesse
estudo, também, devido à contribuição dada enquanto participante da nossa banca de defesa de TCC em que
nos alertou sobre a importância desse tipo de investigação. Conquanto o objeto principal da pesquisa esteja
inserido no eixo de maior visibilidade, optamos por um corpus descentralizado em muito influenciadas por
suas colocações.
80
Os editais são abertos em novembro/dezembro e encerram no primeiro trimestre do ano seguinte, por isso o
período abrange dois anos.
77

25 autores que irão compor a antologia poética e os 13 participantes da antologia de crônicas e


contos81. A produção das antologias tem como intenção a médio e longo prazo contribuir para
um mapeamento “da nova geração literária do estado de Goiás”, colocada pela editora como
um ponto relevante para “identificar e qualificar quem está chegando, também, para a gente se
fortalecer enquanto grupo.” (MUNDIM, 2019).

Os recursos para a publicação das coletâneas e de várias iniciativas correlatas82 são oriundos de
verbas públicas, assim como parte dos títulos são produzidos a partir de leis de incentivo, como
comentado pela autora: “Eu penso que, fundamentalmente, a Nega Lilu existe também por
incentivo das leis municipal, estadual de incentivo a cultura, recurso público para publicação
de novos autores. Isso também foi fundamental para a gente ampliar o nosso catálogo.”
(MUNDIM, 2019a). Acreditamos que parte da facilidade na aprovação de projetos em fundos
públicos decorre do conhecimento adquirido em uma atividade correlata de Larissa Mundim
como integrante da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), da Secretaria Nacional
de Fomento à Cultura83, analisando projetos da Lei Rouanet. É válido pontuar que alguns títulos
da Nega Lilu Editora possuem tiragens relativamente altas para esse nicho de publicações - mil
a dois mil exemplares. Todos esses foram publicados com o auxílio de verbas públicas.

O catálogo da Nega Lilu Editora constituiu-se com uma grande diversidade de gêneros e
suportes, dividindo-se em seis selos: “Nega Lilu: literatura brasileira e projetos especiais; Eclea:
biografias e registro da memória; Pantheon: poesia; Naduk: publicações experimentais e novos
autores; Tuci: infantojuvenil; Ç3: e-books, audiobooks e similares” (NEGA LILU WS).
Atualmente possui 21 títulos — dois traduzidos para a língua inglesa e um também disponível
em audiolivro84. Dentre os títulos publicados, cinco são de autoria de Larissa Mundim, seis de
outras escritoras, cinco de escritores, quatro coletâneas e um catálogo derivado das ações do
Coletivo Esfinge. A valorização da cultura goiana vai além da publicação de autores ao buscar

81
Disponível em: http://negalilu.com.br/2020/06/lista-de-selecionados-colecao-e-ou-edital-
2020/#.X5stiYhKibg. Acesso em: 27 ago. 2020.
82
Como o Leitura & Resistência, evento literário que teve como foco a leitura, a formação de leitores e escritores,
realizado entre 4 e 14 de fevereiro de 2019. O evento acolheu a feira de publicações independentes e-cêntrica.
Disponível em: http://negalilu.com.br/2019/01/leitura-resistencia-dez-dias-de-militancia-pelo-livro-e-pela-
literatura-2/#.X5wf_IhKibg. Acesso em: 27 ago. 2020.
83
A secretaria atualmente está dentro do Ministério da Cidadania em função da extinção do Ministério da Cultura
na gestão do presidente Jair Bolsonaro.
84
O livro Sem Palavras (2013) está à venda no formato e-book e, também, dividido em cinco capítulos traduzidos
para o inglês. O título Sobreviventes do Césio 137 (2018) possui versões digital e física e Abracadabras: crio
enquanto falo (2017) não possui versão impressa, apenas e-book e audiolivro.
78

o resgate e preservação da memória goiana, com títulos sobre a história do teatro, da dança e
da culinária local.

A experimentação gráfica, de maneira consonante ao microcosmo estudado neste trabalho, está


presente nas publicações por meio de inovações em recursos gráficos e acabamentos especiais.
Dentre eles está o livro Sobreviventes do Césio 137 (2017), de Carla Lacerda, que traz narrativas
de vítimas do acidente radiológico que ocorreu em Goiânia em 1987. Possui na capa e
contracapa brancas o rastro de uma mão serigrafada com pigmento luminescente, captando a
luz, à noite ou na sombra, brilha em tom verde. Tal estratégia visa trazer características textuais
para a materialidade do suporte. Estratégia similar tem o romance ficcional A morte de Silvério
Reis (2018), do goiano Abel Vargas, que conta a história de um cantor de bolero. Foi concebido
no formato quadrado 20 x 20 cm com ilustrações de cores fortes, remetendo ao universo do
gênero musical. O livro é acompanhado por um disco de vinil e 3 pôsteres com ilustrações do
coletivo Bicicleta Sem Freio. Já Prepiscianas – vol. 1 (2016), escrito por Larissa Mundim e
Carol Schmid, tem em sua descrição: “Nem história em quadrinhos (HQ), nem zine, nem livro.
[...] é um experimento gráfico-literário de ficção [...] que materializa diálogos virtuais próprios
do nosso tempo”. Organizadas em um box, as 25 lâminas de papel couchê coloridas foram
diagramadas remetendo ao layout de telas de smartphone, com a utilização de emoticons e
imagens do universo virtual.

Por fim, apresentamos o livro Nádia Koller - memórias e receitas de Goyaz (2017), de Ana
Christina da Rocha Lima, com as memórias de sua tia Nádia Koller, uma mulher trans,
entremeadas às receitas de comidas típicas goianas. Sobre o título, Larissa Mundim explica:

A culinária é só um plano de fundo para uma história incrível, sabe aquele livro que
surge a partir de uma história incrível? Ali a gente tem o seguinte: um livro de receitas
que fez 50 anos em 2018 e que foi objeto de pesquisa em patrimônio imaterial... e que
surge assim: ele, inicialmente, era um caderno de finanças escrito pelo Agnaldo, na
medida que o Agnaldo se torna Nádia Koller o livro de finanças se torna o caderno de
receitas. Então é um livro sobre uma mulher trans, no início do século passado, numa
cidade extremamente conservadora, que é a cidade de Goiás. [...] Então, é um livro
sobre o matriarcado na cidade de Goiás, mais do que um livro de receitas. (MUNDIM,
2019a)

Ana Christina da Rocha Lima aproveitou a oportunidade do lançamento do livro para biografar
as autoras das receitas presentes no livro, compondo uma obra cheia de peculiaridades e de
resgate da cultura local. Para transpor para a materialidade do impresso o conteúdo a capa dura
foi revestida em tecido de algodão cru com listras em azul e vermelho remetendo à padronagem
79

de um caderno de contabilidade. Com o formato 38 x 21cm, foi impresso com o miolo colorido
em dois tipos de papel - no primeiro caderno, Sulfite 90g/m2, no segundo, Chambril Avena
90g/m2. Na biografia de cada pessoa que Nádia menciona nas receitas, a composição traz com
fotos antigas impressas em páginas inteiras. A tipografia e as cores dos títulos mudam quando
saem do conteúdo memorialístico e passam para as receitas — que foram preparadas e
fotografadas para o livro. A tiragem inicial do título, mil exemplares, teve o apoio do Fundo de
Arte e Cultura de Goiás, da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE) e
do Governo de Goiás.

Imagem 8 – Livro Nádia Koller: memórias e receitas de Goyaz (2017)85


Fonte: Portfólio do website Cargo Collective

85
Disponível em: http://cargocollective.com/negalilu/Nadia-Koller-memorias-e-receitas-de-Goyaz. Acesso em:
12 set. 2020.
80

Imagem 9 – Livro Sem Palavras (2013)86


Fonte: Portfólio do website Cargo Collective

Para além dos aspectos que concernem à casa editorial, é válido refletirmos sobre o papel que
Larissa Mundim assume em meio ao cenário independente, haja vista as múltiplas atividades
que ela desenvolve paralelamente. Dentre estas, podemos citar a criação da e-cêntrica, uma
plataforma digital que busca mapear os publicadores independentes do Brasil e viabilizar
alternativas para o mercado de pequenos produtores livreiros. A e-cêntrica, segundo a editora,
também é uma visão, uma forma de refletir e buscar transformações na cadeia do livro com os
seguintes nortes: a) revisão dos processos produtivos com a reinvenção de maneiras de produzir
o livro como objeto; b) o fortalecimento dos agentes sub-representados; c) o
redimensionamento do papel de cada agente da cadeia produtiva; d) a busca por alternativas de
circulação; e) o estímulo à formação de leitores.

Como parte dessa visão e-cêntrica foi criado o evento Leitura & Resistência, realizado entre os
dias 4 e 14 de fevereiro de 201887. Entre 2018 e 2020, foram empreendidas, também, edições
anuais da Feira e-cêntrica de publicações independentes em Goiânia, buscando aquecer o
cenário local e levar publicadores de outras regiões do país. A edição de 2020 foi realizada nos

86
Disponível em: http://cargocollective.com/negalilu/Sem-Palavras. Acesso em: 19 nov. 2020.
87
Disponível em: http://negalilu.com.br/2019/01/leitura-resistencia-dez-dias-de-militancia-pelo-livro-e-pela-
literatura-2/#.X6VbaIhKibg. Acesso em: 12 de set. 2020
81

dias 7 e 8 de março, na Vila Cultural Cora Coralina, com mais de 100 publicadores
independentes de seis estados e do Distrito Federal.

No período da nossa coleta de dados, na Banca Tatuí, havia três títulos disponíveis. Atualmente,
apesar do aumento exponencial de títulos na casa, apenas mais um foi disponibilizado para o
espaço de venda parceiro.

Imagem 10 – Nega Lilu Editora na Banca Tatuí comparativo dez. 2018 / out. 202088

A comercialização da Nega Lilu era feita em feiras 89, pela loja virtual, por pontos de vendas
físicos de parceiros e no seu próprio ponto de venda O Jardim, no qual são vendidas apenas
publicações independentes. O ponto é definido por Larissa como “um Jardim mesmo — com
muitos livros especiais, zines e artes gráficas — e que tem muitas plantas, tanto tem plantas
como livros e esse é o conceito do nosso espaço, é um conceito expandido de livraria”
(MUNDIM, 2019a). A editora também presta suporte a Avoar livros, com uma proposta
semelhante, localizada no interior de Goiás, em Pirinópolis.

88
Comparativo do acesso de 27 dezembro de 2018 e 30 de outubro de 2020. (Captura de tela da página:
https://www.bancatatui.com.br/search/?q=nega+lilu.).
89
Esse cenário se alterou devido à pandemia. Em nosso levantamento, no segundo semestre de 2018, ela
participou da Feira Dente (Brasília) em 7 de julho, da Liga-Pontos (BSB) em 5 de agosto, produziu e participou
da e-cêntrica (Goiânia) em 10 de agosto, de A Outra Margem (Brasília) no dia 6 de outubro, da Feira Miolos
(São Paulo) em 10 de novembro, da Printa Feira II (São Paulo) no dia 8 de dezembro e da Feira Caroço
(Goiânia). Além das feiras independentes, os livros da editora foram comercializados em festivais literários e
acadêmicos.
82

4. Polvilho Edições: o esmero gráfico de uma editora artífice

Imagem 11 – Polvilho Edições no Instagram90

A Polvilho Edições91 foi criada em 2012, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, pela
artista visual Ana Rocha e pelo escritor Caiotta, a partir da publicação Camarão que dorme
(2012). O texto publicado no website da editora transparece o caráter fundador da obra:

[...] é uma autobiografia inventada. um caderno de anotações. pequenas paisagens,


rabiscadas entre dois mil e nove e dois mil e doze, costuradas pelo fio da meada. [...]
camarão que não dorme sou eu, carteira de trabalho n° 8673027. suo o salário pra
sangrar poesia. escrevo, organizo, produzo, publico e distribuo a dita obra. [...]
camarão que não dorme é ana rocha, que molda com imagens as arestas da palavra.
que universaliza a poética quando eterniza paisagens anônimas nas molduras da
memória — coletiva. que ilustra, faz o projeto gráfico, produz, publica e distribui a
dita obra. que é mola fundamental nessa engrenagem insone. doadora de metade da
carga genética que configura este camarão. camarão que dorme é um gozo. é a
primeira ação da polvilho edições. é o nosso ‘muito prazer’. é a legitimação de uma
outra possibilidade editorial, a união de forças e vontades para parir uma publicação
independente, autêntica e autoral. na tora. (CAIOTTA apud POLVILHO, 2020, grifo
do autor).

Em 2013, o segundo título da casa editorial, Gnesis – sete pecados da criação do terceiro
mundo (2013), foi publicado com textos de Caiotta e ilustrado pela artista visual. Essa parceria
durou até 2015 e, desde então, ela é administrada somente por Ana Rocha, que gerencia todas

90
Captura de tela da página: https://www.instagram.com/polvilho_edicoes/?hl=pt-br. Acesso em: 30 out. de
2020.
91
Polvilho Edições. Website. Belo Horizonte: 2019a. Disponível em: https://polvilhoedicoes.com. Acesso em:
18 dez. 2018. Polvilho Edições. Facebook. Belo Horizonte: 2019b. Disponível em:
https://www.facebook.com/polvilhoedicoes/. Acesso em: 18 dez. 2018. Polvilho Edições. Instagram. Belo
Horizonte: 2019c. Disponível em: https://www.instagram.com/polvilho_edicoes/?hl=pt-br. Acesso em: 18 dez.
2018. Polvilho Edições. Loja Virtual. Belo Horizonte: 2019d. Disponível em:
http://polvilhovende.iluria.com/livros-ct-a70e3. Acesso em: 18 dez. 2018.
83

as demandas do micro empreendimento. Sua trajetória até chegar ao universo das publicações
independentes está diretamente relacionada aos seus estudos acadêmicos. Formada em Artes
Plásticas pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, habilitou-se em xilogravura,
apresentando o trabalho Diálogos nas Entrelinhas Impressa e Bordada para a Conclusão do
Curso. Neste, foram feitas uma série de xilogravuras costuradas e impressas à mão e, ao buscar
uma alternativa para expô-las, a artista optou por não exibir tais gravuras na parede, mas guardá-
las em grandes caixas de papelão confeccionadas para se tornarem um livro de artista92.

Posteriormente, mudou-se para Belo Horizonte e cursou a pós graduação na Escola Guignard,
da Universidade do Estado de Minas Gerais, em Arte Contemporânea, onde continuou as
pesquisas acerca das maneiras de exibição dos livros de artista, motivada por uma inquietação:
"livros foram feitos para serem lidos, em geral em galerias, museus e exposições etc., eles ficam
em redomas de vidro, então não podemos tocar.” (ROCHA, 2020). Assim, o surgimento da
editora “foi uma possibilidade de produzir livros em série porque antes todos os livros eram
únicos.” (ROCHA, 2020).

No princípio, a casa editorial era chamada Polvilho Edições Colaborativas com a proposta de
publicar outros autores. Entretanto, em 2017, em uma entrevista para o canal Cena, Rocha
discorre sobre a mudança de tal proposta: “é um jogo difícil, tanto por ter a grana, como pagar
esse trabalho e entender como poderia funcionar essa estrutura de publicar outras pessoas e na
verdade a conclusão que eu cheguei é que não existe uma fórmula pronta, pelo menos na
Polvilho.” (ROCHA, 2017). Dessa forma, a casa editorial tornou-se mais autoral,
majoritariamente voltada para as produções da artista que cuida de todo o processo dos livros,
projeto gráfico, diagramação e acompanhamento na gráfica.

Dos nove livros em catálogo, sete possuem a participação de Ana Rocha como autora ou
ilustradora e, além dos supracitados com o antigo sócio Caiotta, três foram feitos em parceria
com outros autores: Mariposas (2016), Arimin (2017) e Cafeína (2018). Em uma participação
recente no ciclo de lives feito pelos editores da Lote 42, a editora explicou como funciona o

92
Michel Melot, na sua obra ensaística Livro, disserta sobre sobre categoria livro de artista, “que tem ao menos
um critério observável: são obras de pessoas que se proclamam artistas, (...) uma petição de princípio. Isto
supõe que o artista tenha levado em conta a totalidade de seu livro e o reivindica como ‘obra’: forma e conteúdo,
fabricação e por vezes mesmo a edição” (2012, p. 161).
84

critério de publicação dos títulos, que nos remete à figura do “editor feirante” colocada por José
Muniz Jr.:

Muita gente procura a Polvilho para publicar, quase toda semana eu recebo e-mail,
gente mandando material, enfim...várias vezes coisas bem interessantes, mas a
Polvilho não recebe original. [...] Eu tenho três publicações na editora de outros
autores: Mariposas, que são as poesias da mãe do ator Mateus Nachtergaele, Maria
Cecília, depois eu fiz o Arimin, em parceria com a Julia Malta, e depois o Cafeína
com a Glenda Pokai que é uma poeta de La Plata. Esses três encontros, com esses três
autores foram totalmente orgânicos e loucos. Como as coisas aconteceram, como a
gente se cruzou na vida e como a gente chegou no livro. Então a Polvilho vai continuar
assim, tendo esse caráter da autopublicação. [As parcerias] não passam muito por esse
lance de receber por email e analisar um material, são bem aleatórios, encontros da
vida que acabaram em livros. (ROCHA, 2020)

O processo criativo dos livros auto publicados está intrinsecamente ligado às suas vivências e
memórias anotadas em pequenas brochuras manufaturadas, por ela chamadas de “cadernos de
bordo”. Estes são compostos com papéis diferentes e costurados manualmente. Alguns são para
uso cotidiano e outros são como um rito de preparação para suas viagens: “quando eu tenho
tempo e faço especial pra uma viagem, ele com certeza é planejado. Até o formato, se ele será
fácil de carregar. Esse é um lugar que eu vou querer desenhar bastante, então tem que ter folhas
boas para desenho, aquarela e não só folhas para escrever.” (ROCHA, 2020).

A partir desses “cadernos de bordo” surgiram obras como Quelóide – poemas cicatriciais
(2016), um compilado de trechos transformados em poemas diagramados em formatos não
tradicionais. O conteúdo versa a respeito de um relacionamento, “um namoro super longo, de
5 anos. Ele fala das fases desse tempo de relacionamento: início, findo, meio e tardo. [...]. Os
poemas do caderninho são super fiéis ao que aconteceu porque é bem o sentimento que eu sentia
na hora.” (ROCHA, 2016). O título Niebla – poemas sentimentais (2017) também traz como
tema central um de seus casos amorosos, um relacionamento “avassalador”, porém curto com
um argentino. Em entrevistas, a editora diz que tal enlace foi breve, então, “durou pouquíssimos
cadernos” (ROCHA, 2020). O próximo título a sair pela editora será o Primeira Pessoa (no
prelo) com poemas referentes às suas memórias de infância, com três capítulos relacionados
aos lugares em que a autora morou: São Paulo, Porto Feliz e Ponte Alta.

Em diversas entrevistas com a editora - disponibilizadas de maneira organizada no tópico Na


mídia do website93 - e na que nos foi concedida, uma expressão sempre presente em sua fala é

93
Disponível em: https://polvilhoedicoes.com/na-midia/. Acesso em: 10 out. 2020.
85

“o esmero gráfico”, um ponto que é a “marca carimbada” do catálogo. Tal cuidado com a
materialidade dos objetos é atribuído à trajetória pessoal de Ana Rocha, que estudou e se
dedicou à produção de livros de artistas até abrir a casa editorial. “Depois da pós, comecei a
produzir pequeníssimos livros, totalmente manufaturados, na minha casa [...] No início, usei
muito a máquina de escrever, carimbos, transferência de xerox, coisas mais primitivas para
produzir.” (ROCHA, 2020). Após a fundação da editora, a proposta segue alinhada com
produções que se “dedicam a violar os limites tradicionais dos livros tradicionais” (ROCHA,
2020). Dessa maneira, todos os títulos são cuidadosamente elaborados, explorando diferentes
técnicas como a impressão em risografia e serigrafia, a costura manual, papéis não
convencionais e tecidos. Produzindo pequenas tiragens e priorizando parcerias com gráficas de
menor porte, para cada exemplar são feitas longas interlocuções com os impressores, haja vista
que livros fora de formatos e materiais convencionais aumentam o custo unitário de tais objetos.
Tal práxis é consonante à ideia do “editor-artífice”, como colocado por Camila Nunes da Rosa:

O editor-artífice tem, ao produzir um livro, uma preocupação que extrapola o simples


fazer. Ele se envolve de forma a dedicar-se inteiramente ao trabalho, ficando atento a
todos os detalhes que compõem o livro, do início ao fim de suas páginas. [...] ele dá
forma ao livro dedicando-se inteiramente explorando sua capacidade de unir mãos e
mente, e utilizando soluções para desbravar territórios onde a solução e a detecção de
problemas, estão intimamente relacionadas em seu espírito, atitudes essas definidas
por Sennett como próprias de um bom artífice. (ROSA, 2014, p.20)

A Polvilho Edições não é uma editora artesanal stricto sensu, haja vista que parte das
publicações como Niebla e Quelóide foram impressas em offset, ou seja, em maquinários
automatizados. Entretanto, a forma como são exploradas as potencialidades dos tipos de
impressão e acabamento dos livros, além da escolha do formato, papéis e cores, remete-nos a
uma espécie de “artífices contemporâneos das artes gráficas”, encontrados frequentemente nas
feiras de publicações do microcosmo gráfico-independente. Essa percepção vem da análise de
obras como Editores Artesanais Brasileiros (2013), de Gisela Creni, em que são apresentadas
as histórias de sete editores artesanais, que começaram seus “empreendimentos” entre a década
de 50 e 60, publicando poesia e imprimindo manualmente por meio de prensas tipográficas.

A importância cultural desses editores está, num primeiro momento, vinculada ao


aspecto gráfico, pois eles mostraram por meio de suas publicações que o livro, como
objeto de arte, não se limitava à edição de luxo, apesar de apresentar algumas
características semelhantes. Em suas publicações ficam atentos a todos os detalhes
que compunham o livro, desde a folha de rosto até o colofão. Preocupavam-se,
sobretudo, com a qualidade do livro enquanto objeto artístico [...] (CRENI, 2013, p.
139).
86

Essa preocupação com a qualidade do livro, pensando-o como um objeto artístico - tanto na
forma, quanto no conteúdo —, é o ponto basilar da Polvilho Edições no qual se alicerça o
“esmero gráfico”. Há, sobretudo, uma tentativa de transpor para a materialidade elementos
presentes no texto, como podemos perceber em obras como Jardim do seu Neca – inventário
botânico afetivo (2014) e Arimin (2017).

Em Jardim do seu Neca – inventário botânico afetivo94, percebemos o resultado de sucessivas


conversas entre a autora e Manoel José dos Santos, conhecido com Seu Neca, cuidador de um
jardim “à beira das águas salobras do Rio Real, em Mangue Seco, já na divisa da Bahia com
Sergipe.” (ROCHA, 2014). O período de férias programadas pela autora teve seus dias
multiplicados, em um processo de escuta do que Seu Neca dizia sobre cada planta e na colheita
de exemplares para compor um herbário. Encadernado artesanalmente com a técnica da
“costura japonesa”, o livro tem o formato 18,5 x 13 cm com a capa em tecido verde escuro
impressa em serigrafia branca. O miolo em papel jornal também foi impresso em serigrafia,
porém verde. Este é composto por ilustrações das flores e folhas colhidas do jardim com
“descrições singelas colhidas, aqui e ali, ao longo da fala solta de seu Neca, em que pululam
adjetivações subjetivas” (ROCHA, 2014). Estas foram alinhavadas às “designações científicas,
em latim, que adotam a nomenclatura binominal formalizada pelo naturalista sueco Carlos
Lineu, no século XVIII” (ROCHA, 2014). As 40 páginas, de verso liso, foram diagramadas
usando duas tipografias de tamanhos e conceitos diferentes: uma simulando a escrita cursiva
(para nomes científicos) e outra em caixa alta (indicando as falas do jardineiro).

94
Considerado pela editora o carro-chefe de vendas, atualmente está em sua terceira edição, sendo o único título
reimpresso. A primeira tiragem, em 2014, contou com 200 exemplares numerados e foi impressa na cor
marrom, enquanto a segunda, em 2015, foi impressa em papel pólen bold 90g, com a mesma técnica, mas em
verde escuro, na tiragem de 500 exemplares não mais numerados. A terceira edição foi impressa em 2019,
contando com 300 exemplares. Ele é vendido pelo valor de R$60,00.
87

Imagem 12 – Livro Jardim do seu Neca: inventário botânico afetivo (2014)95


Fonte: Loja virtual da Polvilho Edições

Três anos depois, em 2017, o título Arimin foi lançado em parceria com a artista Julia Malta,
que anotou partes curiosas de diálogos com a filha Maria, quanto esta aprendia a falar, dos dois
aos cinco anos de idade. A tipografia usada foi baseada na caligrafia de quando Maria começou
a escrever, assim, um alfabeto próprio foi criado a partir da digitalização de cada letra. As
quinze ilustrações que compõem o livro passaram por um processo similar: Julia transpôs os
desenhos da filha para o digital e os reeditou, adequando às três cores que marcam o projeto
gráfico - azul, rosa e preto. O miolo do livro, com o formato 15,5 x 9 cm, foi impresso em
risografia. A capa de papelão cinza, foi impressa em serigrafia e leva o título em uma
diagramação pouco convencional, com letras intercaladas nas três cores. Na lombada foi usado
o papel Percalux rosa.

95
Disponível em: http://polvilhovende.iluria.com/pd-17e5dc-jardim-do-seu-neca-inventario-botanico-
afetivo.html?ct=a70e3&p=1&s=1. Acesso 30 out. 2020.
88

Imagem 13 – Livro Arimin (2017)96


Fonte: Loja virtual da Polvilho Edições

Para cada obra lançada, também são feitos produtos baseados nos livros. O Jardim do Seu Neca,
por exemplo, se desdobrou em pôster, coleção de carimbos, sementes, tatuagem temporária e
em uma bolsa. Perguntada sobre essa prática para a entrevista da nossa pesquisa de mestrado,
Ana Rocha pontuou:

Hoje eu já lanço um livro com alguns desdobramentos, pelo menos, mas isso também
começou de uma maneira bem natural e orgânica. Quando a gente fez o Camarão que
Dorme, lançamos o livro e a gente começou a participar de algumas feiras. E eu
pensava: a gente tem que ter mais alguma coisa na mesa, né? Participar de uma feira
com um título só? Mesmo que fosse dividindo mesa com algum parceiro que tivesse
mais conteúdo de publicação... Então eu tive a ideia de fazer o Camarão que Lambe
(que eram cartazes a dois, com poesias presentes no livro que eu rediagramei no
cartaz) e depois criei o Camarão que Versa (que eram adesivinhos com trechos de
algumas poesias também). Então essa foi a primeira família de desdobramentos que
eu criei, mas pensando sobre a ocupação de uma mesa em uma feira. Eu acho que
depois acabou se tornando uma marca super forte da editora, que são essas pequenas
famílias gráficas que, obviamente, sempre partem do livro que é o mentor da família.
Hoje eu já consigo pensar a produção de um livro com, pelo menos um outro
desdobramento. Eles são meio que infinitos, se eu quiser continuar criando
desdobramentos para um livro mais antigo eu continuo. Eu acho que isso também
ajuda a fomentar o livro. (ROCHA, 2019)

Citamos esse trecho na íntegra devido à riqueza de elementos que podemos alinhavar à nossa
discussão, pois corrobora a prática dos editores feirantes do microcosmo que temos abordado

96
(disponível em: http://polvilhovende.iluria.com/pd-3dfb5b-arimin.html?ct=a70e3&p=1&s=. Acesso em: 30 out.
2020).
89

ao conjugar a práxis mais artesanal com a necessidade de produzir objetos para a


comercialização em feiras. Entendemos os desdobramentos gráficos como parte da produção
de um editor “artífice contemporâneo das artes gráficas”, além de serem aliados para a
promoção do livro e uma estratégia de aumentar a rentabilidade da casa editorial.

Imagem 14 – Desdobramentos Jardim do seu Neca: inventário botânico afetivo97


Fonte: website Polvilho Edições

No período da nossa coleta de dados, na Banca Tatuí, havia cinco títulos disponíveis e um
desdobramento gráfico do livro Quelóide (porta-copos) para venda. Atualmente existem seis
títulos e nove desdobramentos gráficos, seis deles esgotados.

97
Disponível em: https://polvilhoedicoes.com/nao-livros/. Acesso em: 30 out. 2020.
90

Imagem 15 – Polvilho Edições na Banca Tatuí comparativo dez. 2018 / out. 202098

A comercialização da Polvilho Edições era feita em feiras99, pela loja virtual, por pontos de
vendas físicos de parceiros e no seu próprio ponto de venda: A Livraria e Galeria Polvilho.
Inaugurada em 17 de maio de 2019, no Mercado Velho100, na região central de Belo Horizonte.

98
Comparativo do acesso de 27 dezembro de 2018 e 30 de outubro de 2020. (Captura de tela da página:
https://www.bancatatui.com.br/editoras/polvilho-edicoes/..).
99
Esse cenário se alterou devido à pandemia. Em nosso levantamento, no segundo semestre de 2018, ela
participou da Feira Dente (Brasília) em 7 de julho, da Feira Tijuana (São Paulo) em 25 de agosto, da Feira
Miolos (São Paulo) em 10 de novembro e da Paraguay/3° Feria de Arte Impreso de Buenos Aires, na Argentina,
no dia 1 de dezembro de 2018.
100
O Mercado Velho, com 3 andares, fica localizado em uma região central de Belo Horizonte, marcada pelo
grande número de pessoas em situação de rua e de alta vulnerabilidade social. O espaço passou por um processo
de gentrificação, tornando-se um ponto díspar nessa localidade, sendo rebatizado de Novo Mercado Velho,
com uma página no Instagram que apresenta a seguinte descrição: “Um espaço pra celebrar as pessoas e
comércios que habitam esse lugar. Quem esteve, quem está e quem está por vir. Cultura de centro, de Bh e de
91

5. A dinâmica dos capitais

A comercialização nas editoras do microcosmo gráfico-independente possui muitas


peculiaridades, principalmente quando observados os capitais preconizados por Bourdieu. O
capital social mostra-se imprescindível por se tratar das redes de contatos que proporcionam
vínculos entre editoras, gráficas, livrarias, e agentes formadores de opinião (como críticos de
jornais e influenciadores digitais). O networking nesse microcosmo é vital para a organização
e participação nos eventos que conferem visibilidade aos editores. Agentes mais bem colocados
nesse subcampo possuem um capital social alto e são aqueles que conseguem organizar feiras
de maior porte, com um maior número de participantes. Em uma parcela considerável de casos,
esses capitais são parcialmente oriundos de suas profissões anteriores ou paralelas, como os
jornalistas culturais que têm alta penetrabilidade no meio, facilitando a divulgação de suas
atividades em portais de informações de maior amplitude. É o que percebemos no caso de
Varella, Arbolave e Mundim, diferente Andreola e Marques - também formados em jornalismo
— mas que não figuram como agentes líderes no campo. Estes tampouco possuem informações
sobre seus empreendimentos (mesmo no caso da Livraria Barbante, já fechada) em veículos de
maior dimensão.

O capital cultural, como já mencionado, é parte fundamental ao se tratar de um mercado de


bens simbólicos. No microcosmo gráfico-editorial, em geral, encontramos agentes provenientes
do universo da cultura letrada ou das artes. Como colocado por Muniz Jr., majoritariamente
“são designers, publicitários, jornalistas e artistas que se sustentam como assalariados,
freelancers ou microempresários em suas respectivas áreas de atuação.” (2016, p.191).
Ademais, podemos observar que as produções são feitas e comercializadas para um grupo
consumidor especializado que muitas das vezes também é produtor. Essa produção é, de certa
forma, análoga ao que Bourdieu coloca como obras de arte “puras”, sendo “acessíveis apenas
aos consumidores dotados da disposição e da competência que são a condição necessária para
sua apreciação.” (BOURDIEU, 1996, p. 169). Para fazerem essas publicações que, em grande
medida, são voltadas para um público mais especializado, o capital cultural adquirido em suas

Minas.” Disponível em: https://www.instagram.com/velhomercadonovo/. Acesso em: 06 de nov. 2020. Ao


subirmos as escadas, encontramos bares com cervejas e licores artesanais, restaurantes com comidas mais
refinadas, em um processo de “gourmetização”, além de lojas esteticamente orientadas com a venda de chás,
estúdios de costura e papelarias finas. Esses empreendimentos coexistem com estabelecimentos anteriores ao
processo de gentrificação, como a loja de uma fábrica de velas, o espaço de uma oficina de reparos em máquinas
de costura, clicherias e pequenas gráficas.
92

formações é de grande valia. Ao observamos a trajetória de Ana Rocha e o catálogo da Polvilho


Edições, vislumbramos com mais clareza como esse capital materializa-se nos títulos.

O capital econômico em uma perspectiva geral sobre os editores gráfico-independentes é o


ponto mais crítico para esses agentes, pois a grande maioria não consegue se autossustentar só
com o ofício de editor - ora por opção, enxergando seus microempreendimentos como hobby,
ora pela baixa capitalização do setor inerente à desvalorização econômica do objeto. No nosso
corpus, encontramos agentes que se desdobram em várias atividades para angariar esse capital,
seja dentro do próprio nicho da publicação independente, como Rocha, Arbolave e Varella, seja
em atividades paralelas como Mundim e Marques e Andreola. Percebemos, no caso desses
últimos, as dificuldades que um empreendimento pode encontrar para lograr estabilidade nesse
campo.101

Partindo do entendimento de que a comercialização de impressos nesse microcosmo é parte


indissociável do mercado dos bens simbólicos, o ponto principal ancora-se na tentativa de
acumular o capital simbólico, sem abandonar, entretanto, a busca por equilíbrio financeiro, em
alguma medida. O capital simbólico pode ser entendido como em estado nascente, se observada
uma mirada mais ampla do cenário independente, afinal tais casas ainda não contam com o
prestígio de um catálogo denso, de longo prazo e com muitas publicações. Entretanto, o fato
dessas casas se orientarem mais próximas ao polo simbólico sugere que, com o tempo, as
editoras que sobreviverem poderão acumular tal capital de maneira contundente. Ademais, a
título de análise, é possível vislumbrar o capital simbólico apenas circunscrito dentro do
microcosmo em questão e tais casas já possuem posições galgadas ao serem selecionadas para
feiras de maior prestígio e para ministrarem cursos e palestras - alguns destes fazendo parte da
programação paralela das feiras - ou até mesmo em eventos virtuais.102 Ana Rocha, por

101
O capital econômico também diz muito das posses patrimoniais que tais agentes têm e isso não foi possível de
mensurar, entretanto, um apontamento sobre as feiras dos editores bonsais feitas por José Muniz Jr. nos sugere
que o microcosmo gráfico-independente está inserido em uma parcela mais privilegiada da população
brasileira: “As feiras paulistanas são protagonizadas por jovens, universitários ou egressos da universidade,
provenientes de extratos médios e altos, e residentes das áreas mais centrais da cidade. [...] Os participantes da
Miolo(s), da Plana e das feiras albergadas pelo SESC-SP são claramente oriundos de estratos sociais com maior
acesso à escolarização e à língua legítima. São, sobretudo, jovens brancos, portadores de uma hexis corporal
que, não obstante carregue traços da indefinição que caracteriza a juventude, dá mostras de uma socialização
bem mais propensa ao ‘efeito de clube’ do que ao ‘efeito de gueto’” (MUNIZ Jr, 2016, p. 264).
102
Como as lives realizadas no período de pandemia por João Varella e Cecília Arbolave no Instagram da Banca
Tatuí (e disponibilizadas no canal do Youtube), em que foram convidados editores independentes e autores
para uma conversa baseada em 4 eixos que estes enviavam previamente. As três casas editoriais participaram
e versaram sobre distintos assuntos. Ana Rocha, no dia 30/04/20, com os temas: Antes: livros manufaturados;
Cadernos de bordo: meu fechamento são o cês, mozões; Produções da quarentena; Polvilho e outros autores”.
93

exemplo, participou do ciclo de palestras Fala Miolo(s) 2017 com a exposição O livro de artista,
processos criativos e desdobramentos103, enquanto Mundim compareceu em 2019 com a
apresentação Estratégias para amenizar a invisibilidade da produção gráfica-literária fora dos
centros104. Aprofundaremos a discussão sobre esse capital no próximo subtópico ao discutirmos
as feiras.

6. A comercialização de impressos nas independentes

Devido aos seus parcos capitais financeiros e alto capital cultural e social (quando observado o
microcosmo), a comercialização funciona de forma mais colaborativa e com uma infraestrutura
menor que a venda de livros do grande mercado105. Partindo da autodistribuição, o próprio
produtor comercializa o livro em feiras, controla as vendas quando possui loja virtual própria e
faz contato (quando é o caso) com donos das livrarias parceiras, acompanhando de perto as
movimentações financeiras. Isso traz benefícios tanto na diminuição das despesas quanto em
um maior controle do estoque, posto que uma parcela considerável dessas independentes
trabalha com poucos títulos, pequenas tiragens e suportes mais frágeis106. Na maioria das vezes,
as publicações desse microcosmo independente não são colocadas em livrarias com formatos
de megastore107 ou mais tradicionais e, como uma alternativa, essas casas vêm construindo
redes de distribuição e vendas pautadas principalmente em redes de contatos, que se organizam
pensando na visibilidade e acessibilidade de maneira coletiva e mais horizontal.

Larissa Mundim, no dia 07/05/20, com as temáticas: Afirmação da Cibercultura em 2020; Reinvenção do
mercado editorial como condição de existência; A leitura é que salva a gente todo santo dia, relatos sobre a
feira e-cêntrica 2020 antes da Covid-19. Alessandro Andreola, no dia 18/06/20 com os eixos: Só a música
salva; Os perigos de ir ao correio; Fazer livros é atividade essencial? Sem eira nem feira.
103
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rD2Svb9WBt8. Acesso em: 30 nov. 2020.
104
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F8x1u1keHfs&t=6172s. Acesso em: 30 nov. 2020.
105
Quando mencionamos “grande mercado”, referimo-nos à estrutura de grandes e médias editoras que
comercializam em livrarias de maior porte, como as megastores. Existem muitas diferenças entre as práticas
das grandes e das pequenas, por mais que o intuito final seja a venda de livro. Isso está muito atrelado à
economia de escala e às altas tiragens. Um exemplo sobre essa diferença pode ser observado na forma de
distribuir os exemplares. No mercado das grandes, são usadas empresas distribuidoras terceirizadas que fazem
a intermediação, levando o produto do editor para o livreiro, inclusive fazendo uma espécie de lobby para
arranjar espaços de maior prestígio para alguns títulos. Já no microcosmo gráfico-independente, essa prática é
muito rara.
106
Chamamos de frágeis porque muitas publicações têm formatos pequenos, não têm capa, fazem uso de papéis
mais sensíveis (como o vegetal), costura manual e afins.
107
A ausência nesses lugares ocorre seja por questões burocráticas e financeiras, seja pela dificuldade de chegar
a seu público-alvo ou por não terem interesse em ocupar tais locais. Nessas grandes livrarias, os preços
cobrados para ter os livros expostos chegam a 55% do preço de capa. Quando os títulos são posicionados em
locais de maior evidência, como na entrada da loja, são negociados a valores ainda maiores.
94

As feiras de publicações independentes são o resultado mais proeminente dessas redes de


sociabilidade e é por meio delas que a grande maioria das pequenas casas editoriais dão vazão
às suas publicações. Em vias gerais, existe um circuito com feiras menores mais dispersas no
território nacional e outro circuito com feiras maiores, mobilizando produtores de várias
localidades do Brasil. Estas constituem “um calendário que profissionais que trabalham com
arte impressa seguem à risca” (COZER, 2015 apud MUNIZ JR., 2017, p.9). Nesse segundo
grupo, incluímos feiras como a Plana (São Paulo), Miolo(s) (São Paulo), Tijuana (São
Paulo/Rio de Janeiro/Buenos aires), Dente (Brasília), e-cêntrica (Goiás), entre outras.108

Nesses eventos, em geral, o próprio editor faz o papel de livreiro, mediando a venda de maneira
a conduzir o leitor a um conteúdo que realmente lhe interesse. O contato direto na feira
personaliza a venda, dá espaço para indagações e para a compreensão de aspectos do livro que
não chegariam àquele leitor se ele apenas lesse a quarta capa ou perguntasse a um vendedor de
uma loja com muitos títulos. Grande parte da “riqueza” desses encontros está nos diálogos que
se estabelecem entre produtores e consumidores. Ademais, os títulos, como já mencionado,
análogos às obras de arte “puras”, demandam um trabalho mais próximo com o público
consumidor, sendo imprescindível demonstrar as potencialidades que existem por trás do
produto para leitores. Esse aspecto é relevante inclusive pelo preço de tais publicações, pois
estas apresentam valores mais altos que livros do circuito tradicional devido às experimentações
gráficas e às baixas tiragens. Larissa Mundim, na entrevista que nos foi concedida, discorre
acerca de tal ponto:

como nossa função trata muito da fisicalidade do livro, é necessário que a gente esteja
fazendo uma exposição do trabalho de maneira a proporcionar para o nosso
consumidor final a oportunidade de tocar no livro, de verificar o quanto ele é especial,
o quanto ele é diferentão para que ele possa, de repente, perceber a diferença entre um
livro que é editado pelo mercado tradicional [...] por isso as feiras são importantes.
(MUNDIM, 2019a)

Além da possibilidade da interlocução entre produtor e consumidor, da demonstração da


“fisicalidade” diferenciada, o atendimento personalizado possibilita a fidelização de um leitor

108
É válido reiterarmos que, com a pandemia do novo coronavírus, essa cena sofrerá grande impacto devido às
precauções sanitárias. Em geral, tais feiras ocorriam em locais fechados (como centros culturais e bibliotecas),
com grande aglomeração de pessoas. Os produtores vêm pensando em novas possibilidades, como a Feria de
Editores (Buenos Aires), que aconteceu de maneira digital nos dias 7, 8 e 9 de agosto, enquanto a Miolo(s) está
em fase de organização para ser realizada nos dias 5 e 6 de dezembro. Os relatos sobre a feira argentina estão
disponíveis em: http://www.laizquierdadiario.com/Video-Victor-Malumian-La-FED-virtual-permitio-
mantener-el-contacto-con-los-lectores. Acesso em: 06 de nov. 2020. A programação da Feira Miolos está
disponível em: https://www.facebook.com/events/991341941288003/. Acesso em: 06 de nov. 2020.
95

e não apenas a venda daquele título. Por exemplo: um leitor pode se interessar pelo catálogo da
editora e não possuir dinheiro para realizar a compra em um primeiro contato na feira, mas este
pode pegar cartões e referências para depois buscá-la na internet.

As feiras são vitrines efêmeras para a exposição dos trabalhos e foi apontada pelos produtores
do nosso corpus como um lugar de boa vendagem109. Larissa Mundim pontua que “Sem dúvida
a venda mais efetiva é nas feiras.” (MUNDIM, 2019b), enquanto Alessandro Andreola
menciona: “A gente vende bem em feira [...] em volume de venda, feira é sempre muito bom.”
(ANDREOLA, 2019a). Ana Rocha, por sua vez, observa: “As feiras de publicação sempre
foram o maior catalisador para a gente distribuir os nossos trabalhos, são esporádicas, mas tem
muita feira [...], [era] o tipo de comércio mais importante para a editora.” (ROCHA, 2019). A
concentração de muitos produtores nesses espaços favorece tanto o comércio para o público
externo quanto entre pares que acabam se tornando compradores especializados fundamentais
para que a boa vendagem.

Entendemos que, para estes produtores mais deslocados do eixo Rio-São Paulo, uma boa
vendagem nas feiras nem sempre é suficiente, afinal existem os custos de deslocamento e
permanência nas cidades em que estas são realizadas. Para se ter uma noção, Larissa Mundim,
ao participar de uma feira em São Paulo, precisa se deslocar cerca de 903 Km e como ela mesma
menciona: “existe uma contabilidade que precisa ser feita – que é o investimento e a receita.”
(MUNDIM, 2019b). Entretanto a editora demonstra o interesse em participar das “maiores”:
“Nós temos também participação em feiras em todo o país[...] São Paulo, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais [...], Brasília... as maiores do país a gente já frequenta desde que iniciamos como
expositores da Plana, em 2017.” (MUNDIM, 2019b). Já Andreola e Marques pontuam além do
deslocamento, o fato de terem que se revezar devido aos custos de mobilidade e permanência
em dobro:

Assim, as feiras mais fáceis para a gente são em São Paulo, né? Porque Curitiba é
perto de São Paulo e é a que mais não tem custo, assim, a gente sempre tem sempre
um ponto para ir e tudo mais. [...] a gente está se dividindo, quando vai, vai um só.
Mas ainda assim é um custo, a gente, por exemplo, nunca conseguiu participar de
feiras no Centro-Oeste (que tem a feira Dente, tem aquela que Larissa faz [e-
cêntrica]). A gente nunca conseguiu participar dessas feiras, por exemplo, porque elas
são muito caras para a gente… (MARQUES, 2019).

109
Em alguns casos, a vendagem nas feiras só é menor que nos próprios pontos de venda físicos ou em eventos
de lançamentos como será discutido mais à frente.
96

Só para se ter uma noção sobre as distâncias citadas, de Curitiba a São Paulo são
aproximadamente 402,3 km, enquanto de Curitiba a Goiânia são 1.297 km.110 A participação
em feiras demanda bastante dos produtores, tanto no que concerne aos custos financeiros de
deslocamento, quanto à disposição de tempo e energia. Ana Rocha, proprietária da editora mais
antiga do nosso corpus, coloca: “Hoje em dia eu vou bem menos do que eu ia antes, inclusive
já perdi bem o pique que eu tinha. Porque, querendo ou não, você viaja, gasta uma grana com
passagem, com hospedagem…” (ROCHA, 2019). Andreola, por sua vez, comenta:

Cara, eu fiz a última [...] meio que um bate e volta, sabe? Fui, peguei um ônibus, fui
lá... E estou velho, não posso mais fazer isso. Eu tenho que ir, eu tenho que dormir,
eu tenho que me hospedar em algum lugar, sabe? Não dá, então tem um custo, sabe?
Depois tem que botar todo o custo ali, desde o Uber até o infinito. Tudo isso é custo.
(ANDREOLA, 2019)

Tais apontamento estão ligados aos custos financeiros e ao “pique” necessário para a
participação de uma feira, haja vista que são eventos concentrados em um ou dois dias com
muitas horas de duração, sendo que nem todas possuem uma boa infraestrutura para os
expositores. Esse ponto foi um dos indícios que nos alertou para a mudança na configuração do
mercado independente devido ao amadurecimento desta geração, hipotetizado anteriormente.

No entanto, o que fica evidente na participação desses agentes em feiras é que o incentivo para
tais deslocamentos vai muito além de acumular capital econômico. Retomando as teorias de
Bourdieu, o mercado dos bens simbólicos e os capitais, percebemos que o motivador principal
vai para além do aspecto financeiro:

É claro que existem outros capitais, sempre que eu estou na feira eu tenho a
oportunidade de conhecer outras iniciativas e isso nos fortalece do ponto de vista
criativo, do ponto de vista das relações. Sempre que eu estou em uma feira também
crio oportunidade de convite para que as pessoas estejam com a gente na feira e-
cêntrica, em Goiás, mais uma vez no campo das relações. São capitais diversos para
além do vil metal. (MUNDIM, 2019b)

A colocação da editora goiana ressalta a importância do aspecto relacional do subcampo, já


Andreola aponta “é super relativo porque, meu, você está lá, está divulgando seu trabalho, você
está mostrando tua marca, tem outras oportunidades que surgem, sabe? Não é tudo dinheiro,
dinheiro, dinheiro…” (ANDREOLA, 2019). Outrossim, esses espaços se consolidam como

110
Belo Horizonte está, aproximadamente, a 585,9 km de distância de São Paulo e Goiânia a 903 km segundo o
Google Maps.
97

vitrines para ver e ser visto, locais para efetuar o comércio, mas também para trocas mais
diversas, em termos de sociabilidade. Dessa maneira, entendemos que as feiras oportunizam o
acúmulo de capital social, cultural e, em última instância, simbólico, com a inserção em
circuitos mais prestigiosos desse microcosmo gráfico-independente. Esse capital fica mais
evidente à medida que tais publicadores são aceitos para integrarem as feiras de maior prestígio.
Nos editais lançados, há um grande número de inscritos conquanto o espaço físico comporte
um número limitado de expositores. Larissa Mundim menciona sua satisfação com os “aceites”
ao relatar sobre suas participações: “as maiores do Brasil a gente está sempre se inscrevendo e
felizmente sendo selecionados”. (MUNDIM, 2019b).

Observações feitas em campo na Miolo(s) de 2019, realizada em São Paulo nos dias 2 e 3 de
novembro, e na Feira Canastra, realizada em Belo Horizonte nos dias 12 e 13 de outubro, nos
instigou a refletir sobre o posicionamento físico das mesas dos expositores como indício da
acumulação de prestígio e reconhecimento de legitimidade. Na feira paulista, realizada nos três
andares da biblioteca Mário de Andrade, a mesa da Polvilho Edições figurava junto a
publicadores mais antigos da cena no térreo e bem próxima da mesa da Lote 42 (editora dos
organizadores), posicionada em maior destaque na entrada da biblioteca. A Nega Lilu e a
Editora Barbante ficaram no primeiro andar, logo após o primeiro lance de escadas,
relativamente próxima uma da outra. O terceiro andar foi destinado para projetos editoriais
jovens “que surgiram nos últimos dois anos, então de sábado para domingo os expositores dessa
área mudarão.” (LOTE 42 FB, 2019). Esse último espaço, cedido para publicadores menos
“consagrados” e que tiveram a oportunidade de expor em apenas um dos dias era o que tinha a
pior acessibilidade, menor iluminação e pior ventilação111. Na feira Canastra, realizada no
espaço Centoequatro, não ocorreu uma hierarquização espacial em andares pois o lugar é um
amplo galpão plano, entretanto, nossa percepção é de que os feirantes localizados mais ao fundo
eram menos acessados pelo público. A mesa da Polvilho novamente estava mais próxima da
entrada, enquanto a Lote 42 figurava um pouco mais recuada, e a Nega Lilu estava mais
próxima do fundo.

Essa disposição física nos parece um fator extrema relevância até para o volume de vendas
devido à dinâmica das feiras. Um visitante ao adentrar esses espaços majoritariamente para e

111
Cabe mencionar que, tanto no dia da Miolo(s) quanto no dia da Canastra, a temperatura das cidades estava bem
alta e aqueles que ficaram em lugares menos privilegiados precisaram suportar um desconforto ainda maior
ocasionado por suas localizações em lugares de baixa circulação de ar.
98

observa com mais atenção aquelas que estão no início da feira, nesse momento estes estão mais
capitalizados para realizarem compras. Ou seja, a não ser que o cliente procure especificamente
por alguma editora, a tendência é que o visitante efetue um maior número de compras nessas
mesas mais bem localizadas. Com o grande do número de expositores (183 na Miolo(s) e 64 na
Canastra), é difícil que um visitante consiga percorrer todas as mesas com a mesma atenção do
início.

Muniz Jr. ao observar as feiras postula sobre o “efeito de sincronização” que estes espaços
proporcionam ao dispor “lado a lado editoras com temporalidades diversas, o que converte as
feiras de livros em objeto privilegiado de análise do espaço editorial” (2016, p.186). Nesses
dois casos, percebemos, de fato, que o efeito de sincronização está presente com projetos
editoriais mais consagrados e mais novos ocupando o mesmo recinto apesar das diferentes
propostas e temporalidades112. No entanto, deixamos aqui um apontamento de que o “lado a
lado” nem sempre representa uma horizontalidade nas condições para que os feirantes efetuem
suas vendas e sugerimos que o mapeamento físico dessas duas ocasiões está diretamente
atrelado aos capitais acumulados no campo.

O pesquisador, ao versar sobre as feiras, ressalta sobre os efeitos duradouros que a presença
nesses eventos efêmeros pode gerar:

A presença de uma casa editorial numa feira, embora seja efêmera, em muitos casos
pode produzir efeitos duradouros, porque interfere sobre as representações que os
outros agentes têm desse empreendimento e dos diversos empreendimentos uns com
relação aos outros. Além disso, esses eventos caracterizam-se por dar espaço à
circulação das pessoas, dos objetos e dos capitais que são acumulados, negociados e
convertidos em cada um dos territórios simbólicos a que fazem referência. A
copresença dos produtores simbólicos durante algumas horas ou dias gera contatos
que, de outro modo, talvez não se efetivassem. (MUNIZ, Jr., 2016, p.187-188).

112
Esse ponto é evidenciado nos critérios de escolha para a Feira Miolo(s) divulgados na página do Facebook da
Lote 42: “Palavra de quem fez a seleção: a escolha de participantes da Feira Miolo(s) é sempre um pouco
demorada e certamente a fase mais difícil da organização do evento. Nos parece importante que essa seleção
seja feita com parcimônia. [...] Como toda seleção, não é categórica. É só um olhar, um recorte. [...] O recorte
é sempre necessário por uma limitação física do lugar onde a feira é realizada. [...] A seleção contemplou
diferentes projetos editoriais, que apresentam diversas visões do que é publicar hoje. Estão as editoras de uma
pessoa só e também aquelas que já contam com alguma estrutura. Há artistas que experimentam com a
materialidade do livro, os que têm um pé forte na arte gráfica, editoras mais vinculadas à escrita, fotógrafos,
quadrinistas, autopublicadores. Estão aqueles que publicam há anos e os que começaram há alguns meses. Em
comum, os expositores selecionados apresentam um trabalho autoral, seja nas publicações em si, seja no jeito
que encaram a edição” Disponível em:
https://www.facebook.com/events/632129677261534/permalink/694005931073908/. Acesso em 08 de jun.
2020.
99

Os efeitos duradouros supracitados podem ser observados tanto na inserção do circuito de


produtores e expansão das redes de sociabilidades quanto no que tange ao público consumidor
desses espaços. Por esse motivo é que a segunda “maneira de comercializar” elencada por nós
é de fundamental importância para os pequenos produtores: as lojas virtuais. Elas são uma
maneira efetiva para que esses momentos efêmeros se perpetuem comercialmente. Como
mencionado anteriormente, um possível comprador desprecavido financeiramente pode por
meio desses sítios virtuais acessar o catálogo e fazer compras posteriormente.

Muitas independentes possuem suas próprias lojas virtuais, hospedadas em plataformas113 que
lhes permitem efetuar a venda diretamente e depois enviar os livros via Correios - inclusive
algumas se organizam com uma espécie de “frete solidário” para atender consumidores de uma
mesma região por um menor preço. Para o envio, é utilizada a categoria “Registro módico” dos
Correios, que possui taxas mais baratas para o envio de livros e materiais didáticos.

A importância dessa forma de comercialização é ressaltada por Ana Rocha ao afirmar que foi
uma das primeiras iniciativas quando fundou a editora: “Eu sempre tive a loja virtual desde o
primeiro ano da editora [...]. Então as pessoas sempre poderiam comprar os nossos trabalhos
por ali, tem meses melhores e piores, mas ela só foi em uma crescente de vendas.” (ROCHA,
2019). A busca pelas lojas virtuais pode advir de situações como o pós-feira mencionado, de
campanhas publicitárias e promoções em redes sociais ou de situações de engajamento
orgânico, como a passagem narrada relatada por Marques e Andreola:

Alessandro: O site é bom porque... me sinto o capitão óbvio falando isso, mas não
tem como você não ter o site. Outro dia, olha só uma história: a gente tem um livrinho
(já está esgotado) chama Aerofone — é um livro artesanal que a gente faz aqui, esse
é feito todo aqui na raça... a gente cola, costura, tem um carimbão que a gente mandou
fazer — outro dia apareceu... começaram a vender loucamente o Aerofone no site e
eu estava ficando preocupado falando "não vai ter livro". Não sabia o que era e daí a
gente descobriu que foi um YouTuber que achou o livro lá...
Paola: Comprou em uma feira, não é?
Alessandro: É, foi um YouTuber lá e mostrou o livro, assim... era o dia do livro
independente... "Cinco livros..." e aquelas coisas e as pessoas começaram a comprar.
Então tem que ter o site se não como você vai fazer? (ANDREOLA; MARQUES,
2019b)

113
Essas plataformas possuem planos diferenciados que permitem ao produtor ter desde uma loja virtual mais
simples, com formato gratuito que não possibilita a customização da página, até plataformas pagas que
possuem custo de manutenção.
100

Por mais relevante que seja essa maneira de comercializar, um ponto fundamental que a
perpassa é a acessibilidade e responsividade114 que as lojas virtuais apresentam para que a
experiência de compra seja satisfatória e concluída. Afinal, as vendas pela internet têm pontos
positivos como a possibilidade de ser feita de qualquer local e horário desde que se tenha acesso
à internet, entretanto, há uma maior variedade de produtos e serviços disponíveis na internet
que produz um espaço de maior competição e a possibilidade de transações comerciais não
serem efetivadas. A interface dessas páginas e do website da editora, com elementos dispostos
de maneira intuitiva, assim como a acessibilidade aos itens comercializados é de fundamental
importância.

A Polvilho possui um site hospedado na plataforma Wordpress com uma estética minimalista,
porém bastante rico em informações. A página inicial apresenta um menu vertical na parte
superior e notícias na parte inferior - as notícias estão desatualizadas.

114
Segundo o Sebrae, “Sites responsivos são aqueles que adaptam o tamanho das suas páginas (alteração do
layout) ao tamanho das telas em que estão sendo exibidas, como as telas de celulares e tablets. Suas vantagens
derivam da adaptação a qualquer ferramenta que os usuários estejam usando para facilitar a sua visualização.
Disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-um-site-
responsivo,4a6ad1eb00ad2410VgnVCM100000b272010aRCRD#:~:text=Sites%20responsivos%20s%C3%
A3o%20aqueles%20que,para%20facilitar%20a%20sua%20visualiza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 10
mai. 2020.
101

Imagem 16 – Página inicial do website da Polvilho Edições115

Na aba Polvilho, há um texto que apresenta a editora:

a polvilho edições é uma plataforma de publicação independente, vocacionada para o


desenvolvimento do trabalho autoral, tanto no que diz respeito aos processos criativos
das obras quanto aos modos e meios de sua produção, publicação e distribuição. criada
em 2012, em belo horizonte, a editora é tocada pela artista ana rocha. em 2019 a
polvilho edições ampliou suas ações com a criação de um espaço físico no mercado
novo, que reúne trabalhos da editora e de diversos artistas e publicadores
independentes do brasil e da argentina. (POLVILHO WS, 2020, grifo da autora)116

A aba Publicações é dividida em subtópicos com os livros publicados. Quando escolhida uma
opção, o site exibe fotos, sinopse e um hiperlink para conferir o processo de produção do título
- nestes, há pequenas descrições gráficas do título e registros fotográficos da produção. A aba
Cartazes traz pôsteres impressos com padronagens e artes relacionadas aos títulos, enquanto a
aba Não-livros contém os desdobramentos gráficos mencionados no estudo de caso da editora.
Em Polvilho & Rescate, são apresentados cartazes serigrafados produzidos em parceria com a
Imprenta Rescate117, uma casa de impressão e edição artesanal de Buenos Aires. O tópico No

115
Captura de tela do website. Disponível em: https://polvilhoedicoes.com/. Acesso em: 30 out. 2020.
116
Todo o texto do website da editora é redigido apenas em letras minúsculas.
117
Imprenta rescate. Disponível em: https://www.instagram.com/imprenta_rescate/?hl=pt-br. Acesso em: 04 out.
2020.
102

Rolê é dividido em “já foi”, com o histórico das feiras de que participou, e “o que vem”, com
indicações das próximas em que estará presente.118 Por fim, Na Mídia traz reportagens em que
Ana Rocha participou ou em que a Polvilho Edições apareceu em destaque. A aba Como
Comprar apresenta os pontos de venda físicos onde a Polvilho Edições é comercializada, com
endereços119, inclusive o da própria loja física, além de apresentar um hiperlink que leva à loja
virtual hospedada em outra plataforma, a Iluria120. A estética, os textos e as fotos são dispostas
de modo muito semelhantes ao website.

Imagem 17 – Loja virtual da Polvilho Edições na Iluria (aba livros) 121

118
Atualmente “o que vem” está indicado com “em breve”. Acreditamos que isso se deve à pandemia da Covid-
19, que desestruturou o calendário das feiras presenciais.
119
Os locais de comercialização física presentes no site são: “ » buenos aires « taller rodrigo cuberas martínez –
buenos aires» brasília « ernesto cafés especiais CLS 115 – bloco c – loja 14 » goiânia « o jardim rua 91, 489 –
sala 1 – setor sul » recife «banca intermitente » rio de janeiro «banca carrocinha rua luís de camões, 68 – centro
» são paulo «banca tatuí rua barão de tatuí, 275 – santa cecília.” (POLVILHO WS, 2020, sic)
120
“Iluria é a sua porta de entrada para o e-commerce. Somos uma plataforma simples e fácil de usar, que foi
projetada especialmente para pequenos e médios lojistas.” Disponível em: https://www.iluria.com.br/. Acesso
em: 20 de jan. 2020.
121
Captura de tela do website da editora. Disponível em: http://polvilhovende.iluria.com/. Acesso em: 30 out.
2020.
103

Imagem 18 – Loja virtual da Polvilho Edições na Iluria (página do título Niebla)122

A interface minimalista da Polvilho é bem diferente da página inicial da Nega Lilu Editora.
Nesta encontramos o logotipo em destaque na parte superior central com o um menu disposto
horizontalmente. Logo abaixo, estão presentes banners interativos com imagens maiores de três
obras, trocadas em curtos períodos, de forma rotativa.

122
Captura de tela do website da editora. Disponível em: http://polvilhovende.iluria.com/. Acesso em: 30 out.
2020.
104

Imagem 19 – Website Nega Lilu parte superior123

Posteriormente há uma área reservada para o catálogo com setas que permitem a rotatividade
dos títulos. Em sequência, há uma arte relacionada aos eventos e projetos em que Larissa
Mundim está engajada, possibilitando o redirecionamento para um endereço externo ao
website. Atualmente o que se apresenta é o projeto Madalena Caramuru de incentivo às
bibliotecas124. Na parte inferior, ficam as notícias.

123
Captura de tela do website da editora. Disponível em: http://negalilu.com.br/. Acesso em: 30 out. 2020.
124
Em acessos anteriores, percebemos que nesse espaço figurava uma arte sobre o projeto de mapeamento de
autores e editoras da e-cêntrica e em nosso primeiro acesso figurava a divulgação do evento Leitura &
Resistência realizado em 2019.
105

Imagem 20 – Website Nega Lilu parte inferior125

125
Captura de tela do website da editora. Disponível em: http://negalilu.com.br/. Acesso em: 30 out. 2020.
106

A aba A Editora apresenta descrição institucional, constando o seguinte texto:

A Nega Lilu Editora foi criada para fazer livros lindos. Mas um livro só lindo é
insuficiente. A partir desta percepção, esta pequena editora goiana promove e apoia
ações de incentivo à qualificação de novos autores, à formação de leitores e a
democratização do acesso à literatura, por meio das novas tecnologias. Estratégias
alternativas para a circulação de publicações brasileiras estão entre as prioridades da
Nega Lilu Editora, que integra a e-cêntrica, uma iniciativa da Casa da Cultura Digital,
para amenizar a invisibilidade da produção gráfica e literária nas regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Fundada em 2013, em Goiânia, pela escritora e
jornalista Larissa Mundim, a editora possui seis selos literários em atividade: Nega
Lilu: literatura brasileira e projetos especiais. Eclea: biografias e registro da memória.
Pantheon: poesia. Naduk: publicações experimentais e novos autores. Tuci:
infantojuvenil. Ç3: e-books, audiobooks e similares (NEGA LILU WS, 2020).

Na aba Coletivo e/ou, há fotos do coletivo e o texto que explica a atuação do grupo de 72
pessoas, ressaltando o “diálogo permanente com a Cidade. Intervenções poéticas, [...] propõem
deslocamento sensorial, visando possibilitar ao sujeito a experimentação e observação, no
cotidiano, de transformações sensíveis no espaço em que convivem.” (NEGA LILU WS, 2020).
A loja virtual, diferentemente da Polvilho Edições, já é incorporada ao site, sem ser necessário
um redirecionamento. Na aba Loja, ficam dispostas as obras comercializadas com imagens e
valores, sendo possível ordená-las por preço, popularidade, data de divulgação e média de
classificação.
107

Imagem 21 – Loja virtual Nega Lilu126

É válido pontuar que estão à venda 31 livros e nem todos são da Nega Lilu. Ao clicar na obra
para comprá-la, é aberta uma página com uma foto principal, sinopse, descrição do formato,
número de páginas e uma minibiografia do autor ou autora. Nessa página, também há a
possibilidade de avaliar o título nas redes sociais e tecer comentários, que serão direcionados
para o Facebook.

126
Captura de tela do website da editora. Disponível em: http://negalilu.com.br/loja/#.X6gpAEJKgWo. Acesso
em: 30 out. 2020.
108

Na aba Carrinho, ficam os títulos escolhidos. Na finalização da compra, o pagamento é feito


pela Pagseguro, uma empresa terceirizada que atua como meio de pagamento eletrônico. A
Pagseguro também é usada pela Iluria e possibilita efetuar compras por meio de cartões ou
boleto bancário. As Notícias atualizadas versam sobre a editora e as atividades correlatas de
Larissa Mundim, demonstrando uma grande movimentação em torno da leitura, livros,
bibliotecas e edição. A última aba, Contato, possui um questionário com um campo para envio
de mensagens.

A Editora Barbante, no início da nossa pesquisa, apresentava um site mais completo, com o
seguinte texto:

Desde 2016, seguimos nos especializando em livros que trazem conteúdos de


qualidade em acabamentos, formatos e tiragens especiais. [...] Os temas de nossos
títulos são abordados de formas diferentes e, por vezes, inusitadas. Isso também se
reflete em nossos projetos gráficos e editoriais, que buscam o envolvimento do leitor
ao evocar memórias e outras experiências pessoais e sensoriais (EDITORA
BARBANTE WS, 2018).

No entanto, atualmente a página já direciona para a plataforma Iluria, sem muitas informações
sobre a casa editorial. A opção Contato possui campos de um formulário para enviar mensagens
e as outras abas são para fazer login e efetuar a compra.
109

Imagem 22 – Loja Virtual da Barbante na Iluria127

127
Captura de tela do website. Disponível em: http://www.editorabarbante.com.br/search.html. Acesso em: 30
out. 2020.
110

Imagem 23 – Loja virtual da Editora Barbante (título Wadad )128

No website constam 6 títulos à venda com fotos e valores. O título Wadad, indicado na
entrevista como esgotado, aparece ainda disponível para compra, enquanto a obra Aerofone não
está presente. Ao clicar nas imagens, são abertas abas com foto, sinopse, formato e o número
de páginas. Entendemos que a mudança do site está diretamente ligada às mudanças na vida
pessoal dos editores, mencionadas anteriormente, pois, na entrevista realizada por áudio,
Andreola enfatizou a relevância do website: “Agora, eu sinto que a grande coisa, assim, é o site
mesmo da Barbante, né? Ali é o melhor esquema para a gente.” (ANDREOLA, 2019a). Ao que
nos parece, as demandas de outras ordens afastaram os editores dos empreendimentos que
estavam “a plenos pulmões” no período da entrevista.

Por fim, sobre essa modalidade de venda é válido ressaltar que tanto a Polvilho Edições quanto
a Editora Barbante utilizam a plataforma Iluria para fazer a comercialização virtual, já a Nega
Lilu possui a loja incorporada ao site, em um outro sistema. Tanto para o site quanto para as
lojas virtuais existem planos diferenciados que permitem ao produtor ter desde um espaço mais

128
Captura de tela do website. Disponível em: http://www.editorabarbante.com.br/pd-6d9bd9-
wadad.html?ct=&p=1&s=1. Acesso em: 30 out. 2020.
111

simples, com formato gratuito que não possibilita a customização da página até plataformas
pagas que possuem custo de manutenção. A plataforma Wordpress usada no website da
Polvilho, por exemplo, tem uma versão gratuita, enquanto a Iluria possui valores considerados
acessíveis para pequenos produtores com planos mensais que variam conforme a quantidade de
produtos comercializados.129

Para além das vendas em feiras e nas lojas virtuais, outra forma de vender é a que chamamos
de “venda direta”. Essas acontecem majoritariamente em lançamentos de livros ou em outros
momentos nos quais o autor está presente. Uma prática comum é que tais eventos ocorram em
pequenos empreendimentos livreiros ou espaços que possuem estreita ligação com o universo
do livro, tornando-se um momento de confraternização entre os agentes, o objeto e os leitores.
É nessa categoria que os editores responsáveis pela Barbante Editora afirmam que “em volume
de vendas de livros editados pela Barbante [a maior concentração de vendas ocorre] nesses
eventos próprios mesmo. E é isso, a gente faz um livro, faz um lançamento e vende um volume
grande.” (ANDREOLA, 2019). A matemática da previsão de livros vendidos não é exata, mas
com experiência e conhecendo o público consumidor, a chance dos lançamentos serem bem
sucedidos aumenta exponencialmente: “A gente faz sempre as coisas pensando... [...] ‘Ah, esse
livro aqui vai vender, sei lá, a gente vai imprimir 500 e vai vender 80 no lançamento’. A gente
tenta desenhar para esses 80 pagarem o livro, sabe?” (MARQUES, 2019). À parte dessa
estimativa de cálculo, os lançamentos e eventos próprios estão diretamente ligados aos capitais
culturais, sociais e simbólicos, reconvertidos em capital financeiro. Esses eventos têm a
presença do autor e a reconversão financeira é fruto dos outros capitais acumulados, ao longo
do tempo, tanto pela editora quanto pelo escritor que autografa os títulos, conferindo-lhes uma
aura de pessoalidade. Em vias práticas, tais capitais estão materializados na compra de um
exemplar autografado pelo autor e no prestígio que a dedicatória traz consigo.

Para potencializar a vendagem presencial fora das feiras, Larissa Mundim, da Nega Lilu
Editora, organiza um calendário permanente de atividades, “criando situações, não somente em
feira, mas de outro tipo de atividades para que a gente possa estar com os livros expostos e
venda, né? São: as oficinas, os bate-papos…” (MUNDIM, 2019a). Ademais, esta recorre a outro

129
Para se ter uma noção, os planos da Iluria variam de R$ 9,90 para produtores com 50 itens comercializados, a
R$ 19,90 com 100 itens, R$ 29,90 com 200 itens, R$ 49,90 com 500 itens, R$ 74,90 com 1.000. O maior plano
contempla 5.000 itens com mensalidade de R$ 149,90. Dados disponíveis em:
https://www.iluria.com.br/montar-loja-virtual.jsp. Acesso atualizado em 08 nov. 2020.
112

tipo de estratégia que ela denomina como “infiltrações”, ou ocupações de eventos com temas
correlatos: “Muitas vezes o evento não é nem realizado por nós, mas [...] já me meti, já estive
expondo e vendendo o catálogo da Nega Lilu, por exemplo, num congresso internacional com
etnias indígenas de toda a América Latina e a gente lá no meio disso.” (MUNDIM, 2019a). As
infiltrações não cabem completamente na nossa definição de venda direta, mas não deixa de ser
uma estratégia bastante interessante e relevante nos apontamentos desse estudo.

Quando as vendas diretas e lançamentos são realizados nas pequenas livrarias, abre-se a
possibilidade de negócios para além do livro lançado e isso gera mais uma forma de renda para
os produtores e livreiros. O comércio em pontos de vendas físicos são nossa próxima reflexão.
Como já mencionado, o microcosmo gráfico editorial não tem por hábito, majoritariamente,
comercializar em grandes redes e uma das estratégias encontradas são os pontos de vendas
especializados em publicações independentes. Estas se diferenciam das livrarias maiores,
principalmente das megastores, pela taxa cobrada no preço de capa. Enquanto as grandes
geralmente cobram entre de 50 a 55% para comercializar o exemplar consignado, as pequenas
independentes variam entre 30% e 40%.

A Banca Tatuí, o Jardim, e a Polvilho Livraria - assim como a Livraria Barbante, antes de fechar
– são exemplos desse modelo, com uma conformação de “pequeno negócio”. Os livreiros se
propõem a conhecer bem o acervo que vendem e ter um contato mais próximo com o público
leitor. Como posto por López Winne e Malumián (2016, p. 94, tradução nossa): “Quem melhor
pode recomendar uma obra é o livreiro; sua recomendação é muito mais efetiva que uma
campanha de publicidade ou uma resenha publicada em algum meio de comunicação” 130. Tais
editores livreiros utilizam-se das feiras como uma forma de distribuição alternativa, conhecendo
novos produtores e garimpando trabalhos a serem comercializados em seus estabelecimentos,
como Larissa Mundim relata no dia da realização da Feira Canastra em Belo Horizonte:

É uma oportunidade também, já que a gente não trabalha com distribuidora, de, de
repente, conhecer novos trabalhos que possam atender ao aspecto curatorial que a
gente tem para a venda no Jardim e já aproveitar também e levar livros para lá. Hoje
mesmo estou saindo aqui da Feira Canastra levando muitos livros para o Jardim.
(MUNDIM, 2019b).

130
Tradução da autora: “Quien mejor puede recomendar una obra es el librero; es mucho más efectiva su
recomendación que una campaña de publicidad o incluso una reseña aparecida en algún medio gráfico”.
113

Dessa maneira, as livrarias funcionam como uma espécie de feira permanente na qual
produtores podem ser encontrados de maneira mais perene. Ana Rocha afirma que a venda em
pontos físicos também foi uma estratégia utilizada desde os primeiros livros. Hoje, devido à
loja própria e às pequenas tiragens de seus títulos, cada vez mais há seletividade na escolha dos
locais parceiros de venda. Andreola aponta a mesma questão quando menciona que os locais
são “escolhidos a dedo”, só disponibilizando títulos “quando conhece as pessoas, confia nas
pessoas, conversa com elas.” (ANDREOLA, 2019b). O motivo também é a pequena tiragem e
o controle dos exemplares pois, sem um estoque que possibilite grande rotatividade, o exemplar
consignado pode deixar de ser uma oportunidade de venda por eles próprios.131 Alessandro e
Ana Rocha também apontam outros pontos de vendas alternativos:

E eventualmente eu também busco alguns pontos de venda [...] além de livrarias, tipo,
eu vendia em uma floricultura de São Paulo, por exemplo. Todos os trabalhos do
Neca, as sementes, o livro, os carimbos. (ROCHA, 2019).

A gente procura também trabalhar pontos alternativos, não necessariamente livrarias,


então... os livros de música você acaba encontrando em lojas de disco, por exemplo
[...] agora não tem mais até porque esgotou alguns títulos, mas a gente [...] procurava
outros lugares para colocar esses livros. (ANDREOLA, 2019a).

Esses pontos de vendas são alternativas para títulos que possuem uma interface com outra
temática. Contudo ambos relatam tais experiências no passado, o que evidencia tanto a questão
das tiragens quanto a mudança em suas práticas após a abertura dos seus próprios pontos de
vendas físicos. Nestes, a margem de lucro é maior, haja vista que não é necessário descontar a
porcentagem cobrada pela distribuição por terceiros. Ademais, há a economia do valor do frete
dos livros gasto para suprir o estoque dos revendedores, como menciona Ana Rocha:

Cara, ponto de venda físico... a gente tem o custo de envio dos trabalhos... tem um
preço módico, mas são dois quilos, então a gente sempre estoura esse peso. É
supercaro mandar, livro é uma coisa pesada... Então a gente tem esse custo do envio
e depende da porcentagem dos pontos de venda. Em geral, os pontos de venda
independentes são honestos porque eles, em geral, também são encabeçados por
outros publicadores independentes, que também tem uma editora, então variam de 30
a 40 por cento, o que ainda é viável para a gente. Eu diria que são esses os pontos
negativos: a perda que a gente tem da comissão e o custo com o envio do material.
(ROCHA, 2019).

131
Larissa Mundim também aponta na entrevista que existe certo rigor para escolher os pontos de vendas
parceiros, entretanto, esta não menciona a questão das tiragens, haja vista que boa parte dos títulos é produzida
com tiragens de mil (ou mais) exemplares. O critério para a seletividade é associado às questões ideológicas,
tão caras para essa editora: "Assim como outras pequenas editoras independentes, a gente escolhe muito bem
o ponto de venda onde os nossos livros vão estar sendo comercializados porque é um esforço meio que
individual mesmo, então, quando a gente escolhe um terceiro para nos representar, essa representação tem que
ser para além da parte financeira, a gente tem que estar em uma vitrine que nos compreenda e que tenha,
também, uma prática coerente." (MUNDIM, 2019b)
114

Devido à pequena escala dos empreendimentos, o custo de envio dos títulos por Correios, tanto
para consignação quanto para reposição são fatores de considerável relevância. Andreola relata
uma experiência que vivenciou na perspectiva de livreiro quando o grupo Leia Mulheres de
Curitiba escolheu a obra de uma editora independente de Belo Horizonte para a leitura do mês
e foi encomendada à Livraria Barbante. O empreendimento cobrava 35% de taxa de distribuição
para comercializar os livros e, ao entrar em contato com a casa editorial para solicitar trinta
títulos, recebeu a seguinte negativa do editor: "olha, eu não [consigo com] o meu modelo... para
eu te mandar 30 livros consignados e ter que pagar o frete é um modelo que não dá".
(ANDREOLA, 2019b). Isso evidencia, ao nosso ver, que as dificuldades para ter uma pequena
livraria nesse microcosmo perpassam complicações diversas. Outro ponto elencado por Rocha
e Andreola é a conciliação do tempo dedicado à livraria e as demandas da própria editora. No
caso da Livraria Barbante, esta era pensada como uma maneira de distribuir os títulos, expandir
a conexão com o universo independente, aumentar a fonte de renda para reinvestir na própria
editora:

Vender os nossos livros e a gente queria pegar o lucro da Livraria e botar na Editora.
A ideia era essa: que ela fosse um motorzinho para a Editora. Funcionou? Em partes.
Por que? Porque a coisa que eu não previ é o tanto de tempo que essa livraria ia tomar.
Então, nos últimos dez meses, a livraria tomou um protagonismo da nossa vida, tanto
que o último livro que saiu editado pela Barbante é de julho do ano passado.
(ANDREOLA, 2019b)

Ana Rocha faz apontamentos semelhantes, pois a abertura da livraria impactou diretamente na
rotina da artista visual, tendo em conta que ela atualmente conjuga todas as tarefas da casa
editorial e dos pontos de venda — físico e virtual, além da participação nas feiras e o
gerenciamento de sites e redes sociais. A livraria no Mercado Velho funciona às quintas e sextas
das 14h às 21h, sábados das 11h às 19h e domingos das 11h às 16h, porém o trabalho vai muito
além do horário de atendimento, já que ela é responsável por todas as frentes da Polvilho. Ao
discorrer sobre o ofício de livreira e editora, ela coloca:

Mas a dedicação que se tem que ter para ter um espaço desse... eu fico aqui todos os
dias na loja, tem toda a parte dos estoques, de receber as coisas, de nota fiscal, enfim,
um monte de coisas que eu nunca mexi, que eu dei uma pirada. E desde 2012, esse foi
o primeiro ano que eu não publiquei nenhum livro. Tem sido meio pesado isso, para
mim. Eu criei diversos desdobramentos, muitos mesmo, de vários livros e alguns
trabalhos órfãos (que não vieram de nenhum livro). Mas de fato eu não consegui
conciliar tudo e, muito provavelmente, não vou publicar nada até o final do ano, mas...
ossos de querer abrir um comércio. [...] E eu estou achando que, talvez, agora o jogo
vai ser publicar um pouco mais outros autores e menos um texto meu. Continuar
115

dedicada a fazer os projetos gráficos, obviamente, a produção gráfica, disso eu não


abro mão, mas eu acho que talvez seja uma solução, por ora, publicar outros autores.
Pelo menos essa parte da criação do texto, da edição, mais minuciosa eu não vou
precisar ter. (ROCHA, 2019)

Entretanto, essa dificuldade parece compensar quando Ana Rocha reafirma que “nunca vendi
tanto o meu trabalho como agora [...] uma saída supergrande que nem se compara com o que
era antes” (ROCHA, 2019). A Polvilho Livraria, assim como O Jardim, de Larissa Mundim –
e como era a Livraria Barbante —, comercializa exemplares das próprias editoras e de outras
casas editoriais, possibilitando a Ana Rocha “Não só poder apresentar o meu trabalho de uma
maneira mais direta e constante (não ter que esperar uma feira para isso), mas poder trazer o
trabalho de muita gente que nunca tinha chegado até aqui.” (ROCHA, 2019). Alessandro
Andreola adjetivava a Livraria Barbante como “uma mini feira permanente”, enquanto Larissa
Mundim explica que o Jardim comercializa “nossos pares — são editoras independentes,
autores autopublicados, coletivos criativos, centros literários, artistas gráficos que a gente
admira.” A criação do espaço goiano veio da demanda do público que frequentava a Feira e-
cêntrica:

O que eu mais respondia para as pessoas que residem em Goiânia quando a Feira e-
cêntrica terminava era sempre assim "quando é que é a próxima?" ou "onde é que eu
encontro esses produtos para compra extemporaneamente?". Então, a partir da
recorrência dessas perguntas, eu resolvi criar uma vitrine para oferecer um ponto de
venda para esses produtos. A curadoria que é minha e da Sofia Pinheiro, da Feira E-
cêntrica, eu fiz então uma curadoria da curadoria e selecionei alguns produtos que
integram hoje O Jardim, que é o nosso ponto de venda. (MUNDIM, 2019b)

Outro ponto importante na fala da editora é quando esta coloca que a criação do próprio ponto
é uma forma dessas editoras independentes “fecharem o circuito” de distribuição, reinventando
o “caminho a ser percorrido para vazão do livro na cadeia produtiva”. As dificuldades na
distribuição de exemplares são comuns a todo setor produtivo de livros no Brasil, haja vista a
distância territorial que os impressos precisam percorrer, a desvalorização financeira do produto
e o grande número de agentes que integram a cadeia, porém quando observada a situação dos
pequenos produtores, a situação se complexifica. Foi observando tais questões que nos
propomos a estudar a Banca Tatuí, haja vista que ela foi um dos primeiros pontos de venda
fixos para publicadores independentes no país, como veremos com mais detalhe no próximo
capítulo.
116

CAPÍTULO 3 – A BANCA TATUÍ

1. Os editores-livreiros

Ao nos propormos a estudar a Banca Tatuí, entendemos que seria imprescindível falar dos
editores-livreiros João Varella e Cecília Arbolave, pois os pequenos empreendimentos no
campo cultural — como as editoras e livrarias independentes — têm ampla ligação com a
trajetória de vida de seus idealizadores e com seus gostos particulares, haja vista que estes
interferem diretamente na escolha do que será publicado e comercializado132. Na dissertação da
pesquisadora Letícia Santana Gomes, Da minha língua vê-se o mar: os editores independentes
e as imagens de si (2018), percebemos como a história de vida dos editores independentes está
associada de maneira intrínseca às suas práticas profissionais, tanto nas imagens que constroem
sobre si mesmos, quanto na composição de seus catálogos, em “uma correspondência forte entre
as características do editor e as características de sua editora” (SANTANA-GOMES, 2018,
p.19). Isso ocorre com a editora Lote 42 e com a Banca Tatuí, pois a curadoria do que será
comercializado em um espaço tão restrito, 6m², está estreitamente ligada aos gostos e ao que
tais agentes compreendem como “publicações independentes”, como será discutido mais
adiante. Tal associação pode ser percebida na resposta que Arbolave e Varella dão ao serem
indagados acerca de como surgiu a editora Lote 42: “Outro dia me fizeram essa pergunta, aí a
gente pode ir um pouco para trás e chegar em 2012, ou vai um pouco mais pra trás e chega a
2007, ou vai um pouco mais pra trás e chega na minha infância (...) porque a história da Lote
está completamente vinculada a nossa história”133 (ARBOLAVE, 2019a). Dessa maneira,
contar um pouco da história da Banca e de seus criadores é, também, emaranhar-se nos relatos
de seus percursos e seus discursos sobre si mesmos. Além disso, não podemos perder de vista
que a versão contada por um pesquisador e/ou biógrafo é sempre parte de suas impressões,
como ocorre nesta dissertação, na medida em que selecionamos trechos para compor a análise
e excluímos outros, colocamos passagens em evidência e as lemos de certo modo, pontuado por
um horizonte de expectativas construído ao longo dos anos.

132
Tal característica é muito mais perceptível nos pequenos empreendimentos do que em grandes
estabelecimentos, pois editores e livreiros de grande escala se orientam majoritariamente pelas tendências de
mercado derivadas da demanda prévia, buscando mais ostensivamente o lucro financeiro.
133
Declaração feita em uma entrevista para o canal Litera Thamy, da booktuber paulistana graduada em Letras
pela USP, Tamy Ghannam, com mais de 12 mil inscritos. Os booktubers são produtores de conteúdos que
utilizam a plataforma de vídeos Youtube para divulgar e resenhar livros.
117

João Varella, proprietário da banca, nasceu em Guaíba, em 1985, no interior do Rio Grande do
Sul. É graduado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica, (PUC-PR) e começou a
atuar em 2003, trabalhando como repórter do jornal Gazeta do Povo e no portal R7. Também
foi editor da seção Brasil no website El Economista América e repórter especializado em
negócios de tecnologia na revista IstoÉ Dinheiro. É autor do livro de ficção A Agenda,
publicado em 2013 pela editora Novo Conceito, de 42 Haicais e 7 Ilustrações (2014) e
Videogame, a evolução da arte (2020), lançados em sua própria editora. Foi um dos vencedores
da primeira edição do Prêmio Jovens Talentos da Indústria do Livro (2015), concurso realizado
pelo portal PublishNews, com patrocínio do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL)
e apoio da Feira do Livro de Frankfurt. Entre 2005 e 2006, fez um intercâmbio acadêmico na
Universidad Austral (Buenos Aires), onde conheceu Cecília Arbolave, sua esposa e parceira
nos empreendimentos livreiros. Cecília é portenha, também nascida em 1985. Graduou-se em
jornalismo pela Universidad Austral e mora em São Paulo desde 2008. Trabalhou como repórter
na Editora Abril, nas revistas Casa Claudia Luxo e Minha Casa. Foi organizadora e autora do
livro Queria ter ficado mais (2015), uma das publicações mais conhecidas da Editora Lote 42.
Em 2017, esteve no Invitation Programme da Feira do Livro de Frankfurt e ganhou o Prêmio
Jovens Talentos da Indústria do Livro em 2018. Juntos, o casal ganhou o prêmio Proyectando
Valores (2006), outorgado pela Câmara Argentina de Anunciantes (CAA) para os melhores
ensaios científicos com “Una mirada crítica para mejorar la calidad televisiva” e escreveram o
livro Curitibocas: Diálogos Urbanos (2007), publicado pela editora Coração Brasil.

João Varella e Cecília Arbolave iniciaram sua empreitada nesse universo em 2012 com a
criação da editora Lote 42. Em 2014, inauguraram a Banca Tatuí e, em setembro de 2018, a
Sala Tatuí, como já dissemos, um espaço para eventos, lançamentos e cursos, que também
funciona como livraria “com hora marcada”134, na qual são comercializadas obras raras e mais

134
A livraria “com hora marcada” é um modelo de negócio semelhante às encontradas na Argentina, que não
possuem fachada, nem vitrine, sendo necessário agendar a visita. No site Jornalismo sem fronteiras,
encontramos alguns exemplos dessa prática: “(…) algumas delas atendem somente com hora previamente
marcada, por telefone ou pela internet. E elas possuem em comum o fato de os títulos serem escolhidos com
base no gosto do livreiro: nada de ‘os 10 mais vendidos’ ou muitos exemplares da mesma obra. E cada uma a
seu modo investe em um segmento. A Los Libros del Vendaval vende livros-álbum; a Mi Casa Librería Atípica
é especializada em poesia e nova ficção e a Gould tem um vasto acervo de livros de arte.” Disponível em:
http://jornalismosemfronteiras.com.br/buenos-aires-capital-dos-livros-na-america-latina/. Acesso em: 20 de
jan. 2020. Ela é reforçada em uma matéria publicada no caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo: “Esse
circuito alternativo tem como característica apresentar uma seleção escolhida pelo livreiro. Não há best-sellers,
tampouco muitas edições de uma mesma obra, e são privilegiadas editoras pequenas e independentes.”
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/07/1899125-va-a-livrarias-secretas-e-com-
hora-marcada-em-buenos-aires.shtml. Acesso em: 20 de jan. 2020.
118

frágeis. Localizada no mesmo quarteirão que a Banca Tatuí, o espaço também serve como sede
e estoque da editora135. Ao longo de suas trajetórias, Varella e Arbolave tornaram-se agitadores
culturais à medida que se tornaram proprietários desses empreendimentos e, desde então,
organizam eventos que mobilizam parte de um segmento dessa produção. Dentre tais eventos,
estão as feiras de publicações independentes: a Feira Miolo(s), a Printa-Feira, a Tinta Fresca e
a Feira Compasso — que serão brevemente apresentadas mais adiante.

O percurso anterior à abertura da Editora Lote 42 e dos empreendimentos livreiros mostra-se


importante, pois Varella e Arbolave já adentram o universo da produção de livros com um
know-how diferenciado de muitos outros independentes — inclusive não tendo como primeiro
intuito a autopublicação. Ademais, suas profissões anteriores, como jornalistas, possibilitam
uma grande publicização de suas iniciativas em grandes veículos de comunicação. Esse foi um
fator relevante para o desenvolvimento dessa pesquisa, assim como a intensa utilização das
redes sociais, como mencionado por Varella na live “Perrengues da Lote 42”, disponível na
página do Youtube da editora: “Uma parte boa de ser tão conectada com as redes sociais é isso,
a gente põe foto e tem a memória de tudo que já aconteceu” (VARELLA, 2020b).
Compreendemos que o conteúdo publicado nas redes sociais é uma versão editada dos fatos e
acontecimentos, tornando público apenas a parte que julgam significativa, no entanto, a riqueza
de materiais disponíveis nas redes é inegável, o que nos possibilitou acessar conteúdos de
diferentes momentos de suas empreitadas. Na mesma medida, foi preciso observar os discursos
empregados nas redes para entender que todos os acontecimentos estavam interligados, como
João Varella menciona: “A Banca faz parte da editora, mas para o público a gente separa: a
Banca Tatuí é uma coisa, tem uma linguagem nas redes sociais e a Sala Tatuí está mais
vinculada à Banca. Mas Lote 42 é Lote 42” (VARELLA, 2019). Essa informação é fundamental
para compreendermos que a imagem projetada na internet desassocia parcialmente tais
empreendimentos. Por esse motivo, não é possível pesquisar a Banca Tatuí sem antes trazer à
luz o surgimento e a evolução da Lote 42, afinal, como o próprio editor aponta: “criar a editora
do zero foi uma coisa, a Banca não foi do zero, a Banca já era vinculada a uma editora, a gente
já estava mais descolado, [...].” (VARELLA, 2019). Dessa maneira, partiremos para onde tudo
começou.

135
Como mencionado na introdução, ainda em 2020, a dupla pretende inaugurar a Livraria Gráfica em parceria
com o designer Gustavo Piqueira.
119

2. Onde tudo começou: A Lote 42

Imagem 24 – Lote 42 no Instagram136

A editora Lote 42137 foi fundada no final de 2012 pelo jornalista João Varella e pelo linguista
Thiago Blumenthal, em São Paulo. Segundo João Varella, o dinheiro usado para abrir a editora
veio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) advindo do seu trabalho como
jornalista: “não era uma grana [grana no sentido de uma vultuosa quantia], mas era dinheiro
sobrando. Pra que que eu vou usar? Não tem plano nenhum pra usar pra nada então vou usar
pra ter uma editora.” (VARELLA, 2019a). A parceria com seu sócio, Thiago Blumenthal, veio
das distintas disponibilidades na época: “Eu tinha dinheiro sobrando, o Thiago tinha tempo
sobrando. Eu comecei a pagar um salário pra ele e ele fazia o dia-a-dia da editora enquanto eu
estava na redação ainda, eu era repórter.” (VARELLA, 2019a). O discurso fundador da editora
é consonante ao proferido pelas esferas institucionalizadas dos independentes ao aliar o
pequeno capital financeiro e a oposição aos conglomerados midiáticos. No livro Cartografias
da Edição Independente (2020), o editor discorre acerca da fundação da editora:

136
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página https://www.instagram.com/lote42/?hl=pt-br. Acesso
em 30 de outubro.
137
Website Lote 42: Disponível em: http://lote42.com.br/. Acesso em 22 jan.2020. Facebook Lote 42: Disponível
em: https://pt-br.facebook.com/Lote42/. Acesso em 22 jan.2020. Youtube Lote 42: Disponível em:
https://www.youtube.com/channel/UCT9kCFEGGmxIkATjECjuA-g. Acesso em 22 jan.2020. Twitter Lote
42: Disponível em:
https://twitter.com/Lote42?ref_src=twsrc%5Egoogle%7Ctwcamp%5Eserp%7Ctwgr%5Eauthor. Acesso em
22 jan.2020. Instagram Lote 42: Disponível em:< https://www.instagram.com/lote42/?hl=pt-br. Acesso em 22
jan.2020.
120

Quando fundei a Lote 42, em final de 2012, entendi que era inviável bater corrida com
as grandes editoras. Seria um barquinho a vela contra transatlânticos. Não tinha
recursos, nem família de banqueiros querendo me apoiar. Nosso capital inicial eram
alguns recursos que acumulei como repórter. Devia ser equivalente ao gasto mensal
com canetas de uma grande editora. O jeito foi ir por outro caminho, apostar no e-
commerce próprio, chegar direto ao público final. Ao invés do típico comportamento
B2B das editoras, teríamos uma atitude B2C. Ou seja, ao invés de atender outra
empresa (business to business), fomos ao consumidor (business to consumer).
(VARELLA, 2020, no prelo)

É válido perceber nesse trecho que as metáforas (pequenas/grandes, barquinho/transatlânticos)


representam dicotomias que reforçam o discurso da independência editorial. Varella também
assume um ethos de competência e experiência ao utilizar um campo semântico do marketing,
do jornalismo, da economia advindos de suas experiências anteriores e da profissionalização
como editor.138

O nome da editora surgiu por meio de um brainstorming e da votação entre amigos. Por fim, o
nome eleito “parecia captar bem o espírito da editora”, pois desde o princípio já havia o
entendimento de que o capital financeiro seria restrito e que teriam que trabalhar “com poucos
e bons livros” (VARELLA, 2016). Assim, o termo “lote” veio da ideia de agrupar um conjunto
de itens especialmente selecionados como em um leilão, e tal etimologia é correntemente
explorada em peças publicitárias com o mote: “não é qualquer livro, é Lote 42”. A explicação
para o número 42, como se pode perceber na entrevista a Tamy Ghannam, concedida em 2019,
é atrelada à história da edição e à bíblia de Gutenberg, impressa em 42 linhas, ficando conhecida
como B42. Entretanto, na entrevista concedida ao Canal Arte 1, em 2016, a explicação dada
pelo editor é que os algarismos vêm do Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams
(1979), uma obra da cultura nerd, no qual o 42 é “a resposta pra vida, pro universo e tudo que
há” (VARELLA, 2016). A mudança na construção narrativa da gênese do nome nos parece
atender a um intento de tornar a editora mais séria e aumentar sua credibilidade, dissociando-
se progressivamente dos signos da cultura juvenil.

A ideia de abrir uma casa editorial veio de uma experiência vivida por João Varella e Cecília
Arbolave, ao lançarem o livro Curitibocas pela Coração Brasil, em 2007, quando ainda eram
estudantes de jornalismo no sul do país. Depois de algumas respostas negativas das editoras
procuradas, o processo teve muitos percalços e o resultado da publicação não foi muito
satisfatório para os autores. Tal vivência gerou uma percepção de que, se fossem montar seu

138
O texto escrito, inicialmente para uma publicação do meio acadêmico, foi adaptado para uma matéria publicada
no jornal impresso O Estado de S. Paulo em 29 de fevereiro de 2020 com o título “Editor como Artesão”.
121

próprio estabelecimento, a forma de editar teria que acontecer de uma maneira diferente. Em
2012, quando a Lote 42 virou uma realidade, isso foi posto em prática. Segundo Cecília
Arbolave, na palestra feita em parceria com João Varella, Editar é preciso, viver também é,
transmitida pelo Youtube139:

a gente acompanha o mundo editorial e vê como os livros são feitos, conhece histórias
de autores e como eles são editados, e a gente falava: queremos editar de um jeito
diferente, porque muitas vezes as pessoas veem o formato e dizem “que demais!”,
porque é muito legal um livro, por exemplo, com cartas, mas esse cuidado que a gente
tem com o gráfico é um cuidado que a gente tem no processo de edição com os autores,
que é um processo que não se vê muito porque é um processo de bastidores, (…) é um
jeito de editar muito devagar. (ARBOLAVE, 2017)

O cuidado com os autores é um tema recorrente em entrevistas e vai ao encontro do discurso


identificado nos manifestos de editores independentes. A editora francesa Anne-Marie Métailié
em “Les Actes de la rencontre des éditeurs du monde latin at la bibliodiversité” afirmou: “Ser
independente é ter a liberdade de colocar os livros e os autores no centro da nossa atividade e,
portanto, tratá-los como amigos e aliados” (MÉTAILIÉ, p.17, 2005, tradução nossa)140. Na
décima edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) de Belo Horizonte, em 2018,
tivemos a oportunidade de conversar com três autores publicados - Aureliano Medeiros, Rafael
Coutinho e Felipe Parucci — e todos mencionaram, voluntariamente, tal cuidado da parte da
editora, inclusive com os lançamentos e na divulgação dos títulos.

O ritmo parcimonioso, “um jeito de editar devagar”, também é um ponto reiteradamente


colocado pelos editores, reforçando a ideia de “poucos, mas bons”, que é a base da imagem
projetada da editora para o público e demais agentes do campo. Entendemos que isso é um fator
que pode proporcionar um catálogo mais coerente, com livros mais bem-acabados, posto que
cada título é trabalhado por um período maior — da preparação do texto ao marketing. Ademais,
denotar um ciclo de produção mais longo também afeta a percepção que se tem acerca da
editora, no sentido de caracterizar cuidado. Varella, na entrevista que nos foi concedida, credita
essa lentidão ao processo de produção gráfica e ao respeito ao leitor:

[...] a gente leva muito tempo para fazer os livros, é importante saber quem você é, a
gente é uma editora lenta. Mas a lentidão nem sempre se reflete em um projeto gráfico
mais mirabolante, um processo de produção mais calmo, pelo contrário, às vezes o

139
Nas falas retiradas de vídeos, suavizamos as marcas de oralidade, mas com o cuidado de deixar o registro o
mais fiel possível ao original.
140
Tradução do trecho: “Être indépendant c’est avoir la liberté de placer les livres et les auteurs au centre de notre
activité et donc de les traiter en amis et en alliés.”
122

tempo que leva é para achar um jeito de abaixar o preço de capa em respeito ao leitor.
Teve determinado livro que a gente chegou a cogitar colocar uma sobrecapa – a
sobrecapa ia refletir no preço de capa quinze a vinte reais – mas o leitor está disposto
a pagar quinze reais a mais por uma sobrecapa? chegamos à conclusão que não. Então
às vezes a decisão é para tirar coisas, o que leva tempo. (VARELLA, 2019)

O respeito ao leitor da maneira como é mencionado, por mais que seja legítimo, também pode
ser observado como uma preocupação em fazer títulos que sejam viáveis comercialmente para
ter uma boa vendagem. Afinal, livros com valores acima do poder aquisitivo do público
consumidor implica na dificuldade de comercializá-los. Além desses pontos, o que percebemos
é que o tempo de produção também é maior porque cada livro possui uma intensa campanha de
divulgação. Para cada livro, são produzidos diversos conteúdos sobre o título, sobre o autor e
sobre o evento de lançamento para todas as páginas de redes sociais da editora. Isso é
evidenciado quando observamos que, até o 16° livro do catálogo, foram lançados hotsites141
para cada um dos títulos. Para Valfrido (2016), foi produzido um minidocumentário explicando
a concepção do título142; outros, como O Inquérito Policial da Família Tobias (2016)143, Triste
(2019)144 e Quando o sangue sobe à cabeça (2020)145 possuem vídeos mostrando todo o
processo da produção gráfica. Todos eles estão disponíveis nas plataformas digitais da editora.
Dessa forma, praticamente todos os títulos possuem vídeos promocionais, sejam teasers146 e
book trailers147, sejam entrevistas com o(a) autor(a). A divulgação também é encontrada em
resenhas jornalísticas em sites especializados, como Publishnews, e em grandes veículos de
comunicação como os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo e a revista Veja São
Paulo, principalmente quando o autor já possui algum prestígio, como Gustavo Piqueira, como
veremos mais adiante.

A produção de títulos em estreita interface com a experimentação do universo das artes visuais
e do design é, sem dúvida, uma das maiores particularidades do catálogo e, para discorrer sobre
o tópico, é preciso voltar à narrativa da criação da editora. A parceria entre João Varella e

141
Sites de pouca complexidade criados para uma ação de marketing com conteúdos mais sucintos.
142
O minidocumentário está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Y8qgCBhPans&feature=emb_logo. Acesso 20 jan. 2020.
143
O vídeo da produção gráfica do título O Inquérito Policial da Família Tobias está disponível
em:https://www.youtube.com/watch?v=2PziLtVF5Zk. Acesso 20 jan. 2020.
144
O vídeo da produção gráfica do título Triste está disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=Rq3gIrtTxzU&feature=emb_logo. Acesso 20 jan. 2020.
145
O vídeo da produção gráfica do título Quando o sangue sobe à cabeça está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=DYBD5sEyOMs&feature=emb_logo.Acesso 20 jan. 2020.
146
Recurso de propaganda utilizado para novos produtos, em que se omitem informações do produto com o
objetivo de provocar a curiosidade do público em torno de seu lançamento.
147
Outro recurso publicitário que visa a divulgação do livro com um trailer, isto é, um pequeno vídeo
promocional.
123

Thiago Blumenthal foi se dissolvendo aos poucos, enquanto Cecília Arbolave assumia as
tarefas cotidianas que competiam a ele. Em abril de 2014, época da criação da Banca Tatuí, o
linguista conseguiu uma oportunidade de continuar seus estudos fora do Brasil e a jornalista
deixou seu trabalho na Editora Abril para ser oficialmente parceira de trabalho de João Varella.
Cecília já era, informalmente, parte integrante da editora desde o princípio, dando seus
“pitacos”: “Eu ficava muito de perto e ao mesmo tempo no meu trabalho eu estava sentindo que
já tinha chegado, enfim, em um lugar que já… os caminhos que podia seguir não curtia tanto.”
(ARBOLAVE, 2019a). A presença de Cecília, como enfatizado pela pesquisadora Gabriela
Limão, “extrapola o arquivo e acompanha o catálogo” (LIMÃO, 2020, no prelo), haja vista que
sua participação e entrada efetiva foi fundamental para que o catálogo alcançasse sua “marca
registrada”, que é a interface gráfica.

A proposta inicial para o catálogo, como colocado por Blumenthal em uma entrevista para a
Revista Trip, era “ficar ligado em tudo na internet que pode gerar um trabalho bonito e que
repercuta também em livro” (CORTÊZ, 2013). Além da conexão do online e offline, o intento
era publicar todos os livros no mesmo padrão, com formato econômico, a partir de conteúdos
retirados da web, almejando ser “uma editora sem preconceitos quanto a suportes” (LOTE 42,
2013). Assim, o primeiro título, Já matei por menos, foi lançado em março de 2013 em formato
brochura, no tamanho 21 x 14 cm e impresso em papel pólen com apenas uma cor (preto). Os
textos da jornalista Juliana Cunha foram selecionados a partir das publicações de um blog
homônimo e foi criado um hotsite148 específico para o título. Entretanto, nos livros
subsequentes, a ideia de um formato fixo foi repensada. Gabriela Limão, após pesquisa de
campo nos arquivos da editora, relata sua percepção em “A formação de uma editora e de um
‘arquivo todo seu’: Na e sobre a Lote 42” de que tais mudanças foram decorrentes da
participação mais efetiva de Arbolave na editora:

Quando o segundo livro chegou, O Pintinho, de Alexandra Morais, a ideia de


continuar com o mesmo formato do livro de Juliana Cunha transformou-se em um
cuidado especial com as formas gráficas de acordo com os conteúdos, para uma
experiência de leitura particular — considerando que o leitor tinha os conteúdos
desses dois livros disponíveis na internet. E isso continua com o terceiro livro da
editora, Manual de sobrevivência dos tímidos, de Bruno Maron. A ideia de editar
conteúdos disponíveis na internet não se firma enquanto definição da linha editorial
da Lote 42, tendo em vista a chegada do quarto livro Seu Azul, de Gustavo Piqueira.
Sobre esses novos formatos, minha aposta durante a pesquisa é que a mudança estética
da editora acompanha também o toque estético de Arbolave. (LIMÃO, 2020, no
prelo).

148
Disponível em: http://lote42.com.br/jamateipormenos/. Acesso em: 23 dez 2019.
124

A publicação de Seu Azul (2013)149, do designer Gustavo Piqueira, inaugura uma fase de “livros
performáticos”, como Arbolave gosta de descrever, e abandona a proposta de utilizar textos
provenientes da internet. O título apresenta um casal “afundado na monotonia”, por meio de
diálogos que têm como intuito provocar uma sensação de desconforto no leitor. Para amplificar
a sensação de incômodo, foram usados recursos diferenciados no suporte do livro com
especificações gráficas incomuns: 15 x 29 cm, capa dura revestida com areia e miolo colorido
em um tamanho desproporcional à capa. Na época do lançamento, foram divulgadas matérias
e resenhas em veículos de grande circulação, como BandNews, Época, O Globo, Gazeta do
Povo e em veículos especializados na área do design e da literatura150.

Imagem 25 – Livro Seu Azul (2013)151

A boa divulgação em muito se deveu ao capital social de Varella e Arbolave, dada a


penetrabilidade que a profissão de jornalista proporciona. Deveu-se também à proeminência do
autor no universo do design. Gustavo Piqueira, dono do estúdio de design Casa Rex, é
conhecido como um dos mais premiados designers gráficos do Brasil nas mais diversas

149
Atualmente esgotado, o livro foi comercializado à época por R$43,00.
150
Mais informações sobre o livro e o clipping de reportagens estão disponíveis em:
http://gustavopiqueira.com.br/seu-azul.html. Acesso 17 de dez. 2019
151
Fonte: http://casarex.com/narrativas/seu-azul/.
125

interfaces da criação gráfica. Seus trabalhos autorais na área editorial são livros com alto caráter
experimental, como observado pelo artista no livro-catálogo da exposição Impertinentes,
realizada na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) na Universidade de São Paulo
(USP), em 2019152: “Abandonar o instituído e sair atrás do instituinte, através da exploração
das mais variadas articulações entre texto e imagem, visual e material, industrial e artesanal,
passado e presente, ficção e não ficção, além de quaisquer outros códigos e agentes que eu
pudesse encontrar pela frente.” (PIQUEIRA, 2019a). Suas diferentes formas de explorar as
linguagens e os suportes deram origem a outros onze livros de sua autoria pela Lote 42153,
incluindo os quatro da coleção Gráfica Particular, que reúne o cânone gráfico do designer. No
site, a coleção é apresentada da seguinte forma:

A Coleção Gráfica Particular, o nome já diz, busca destacar itens específicos da


produção impressa. Seu critério de seleção é assumidamente desorganizado
(“particular”, se preferir): valem medalhões, valem obscuros; antigos ou
contemporâneos; passadela por obras amplas ou olhar detido sobre algum detalhe. Ela
também não demarca territórios nem aponta vertentes. Pelo contrário, aliás. Seu
objetivo não é o de direcionar gostos pra lá ou pra cá, mas sim estimular cada um na
elaboração de seu cânone gráfico particular. Gustavo Piqueira é o responsável pela
curadoria e pelos textos dos livros da coleção — bem como por eventuais desacertos,
imprecisões ou escorregadelas. (LOTE 42 WS, 2020)

Para além dessa coleção, alguns títulos dos onze publicados pela Editora Lote 42 devem ser
postos em relevo. Um deles é o livro objeto Lululux154, publicado em 2015, em formato de um
conjunto de jantar, com guardanapos, porta copos e jogo americano para forrar a mesa, com
reflexões corriqueiras de Lux Moreira (personagem inventado pelo designer). As peças que que

152
Nas minibiografias do designer, encontradas em reportagens, sites e livros, é recorrente a menção ao número
de prêmios acumulados pelo profissional. No site da Casa Rex, figuram 517 premiações, das quais 37 são
oriundas da parceria com a editora Lote 42. Em 2019, o designer foi convidado para fazer uma exposição na
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) na Universidade de São Paulo (USP), como foi noticiado
pelo jornal da universidade: “O premiado designer gráfico Gustavo Piqueira lança os livros Bibi (Ed. Lote 42)
e Impertinentes (Martins Fontes) nesta terça-feira, às 19h30, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
(BBM) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo. O evento também marca a estreia da exposição
Impertinentes: 14 Livros de Gustavo Piqueira, que apresenta a trajetória literária de Piqueira entre os anos de
2012 e 2018.” (JORNAL USP, 2019). O local da exposição, situado dentro de uma das universidades de maior
renome do país, foi construído para abrigar acervos de obras raras, denotando um espaço de prestígio e grande
erudição.
153
Livros autorais: Seu Azul (2014), Lululux (2015), Valfrido (2016), De Novo (2018), A Cantora Careca de
Massin (2018), Nove Meses (2018), Sebastião Nunes: Delirante Lucidez (2018), Brasil Zero-Zero (2019),
Mestiços (2019) e Bibi (2019). Seu estúdio, a Casa Rex, também foi responsável pela produção gráfica de
outros sete títulos da Editora Lote 42 com autorias variadas: 42 Haikais e 7 ilustrações (2014); Portas do Éden
(2015); Inquérito Policial: Família Tobias (2016); A Pedra (2017); A Espetacular Clínica da Monga Apresenta
Caso Original (2017); Mercúrio Cromo (2017); Um Caso Liquidado: memórias e desvarios de um poeta
inacabado (2019) e Vídeo Game (2020).
154
Hotsite do livro disponível em: http://lote42.com.br/lululux/. Acesso 15 nov. 2019.
126

compõem o livro vêm dentro de uma caixa de madeira impressa em serigrafia. O título possui
tiragem única e numerada de 600 exemplares e não terá segunda edição, segundo o autor.

Imagem 26 – Livro Lululux (2015)155

Imagem 27 – Orientações de como usar o Lululux156

155
Disponível em: http://lote42.com.br/project/lululux/. Acesso em: 18 nov. 2020
156
Disponível em: http://lote42.com.br/project/lululux/. Acesso em: 18 nov. 2020
127

Imagem 28 – Estrutura do Lululux157

Já o título Bibi158, publicado em 2019, traz consigo a reflexão “O conteúdo define a forma ou a
forma define o conteúdo?” (PIQUEIRA, 2019b, [s.p.]) ao apresentar seis estilos narrativos
completamente diferentes para contar a história do personagem Fabiano. A cada 16 páginas, ou
seja, um caderno, há a mudança da narrativa. O primeiro estilo apresenta ilustrações, fonte
grande, colorido e impresso em papel couché fosco 150g/m², remetendo aos livros infantis; o
segundo, impresso em papel offset 150g/m² nas cores rosa fluorescente e azul com ilustrações
menos lúdicas e uma estética mais próxima do movimento das artes gráficas, é a fase “adulto,
só que sem as partes chatas” (PIQUEIRA, 2019b, [s.p.]). O próximo caderno é impresso em
papel pólen bold g/m² em preto e branco com uma tipografia mais serifada e mais clássica, sem
imagens, e corresponde também à fase adulta de Fabiano, só que com problemas e
responsabilidades. “Na prática você trabalha para as contas, você e seus colegas almoçam juntos
para falar mal do chefe, contam o horário para irem embora [...]” (PIQUEIRA, 2019b, [p.40]).
O próximo estilo é impresso em papel offset 56g/m², com fotos diagramadas como se fossem
uma fotonovela, contando o encontro de Fabiano com o amor romântico. Em seguida, o estilo
contemporâneo vem impresso em couche brilho 170g/m², com fotos abstratas em preto e branco
com algumas poucas palavras pelas páginas. Por fim, o último caderno com folhas amarelas do
papel Superbond 80g/m² e a fonte em caixa alta preta traz uma retórica filosófica: “bem, as
coisas em geral não fazem sentido. Não é culpa sua. [...] mas não se aflija por causa disso.

157
Disponível em: http://lote42.com.br/lululux/. Acesso em: 18 nov. 2020
158
Mais informações em http://www.gustavopiqueira.com.br/bibi.html Acesso em: 18 nov. 2020
128

Afinal angústia não vai resolver nada. E uma hora ou outra tudo acaba.” (PIQUEIRA, 2019b,
[s.p.]).

Imagem 29 – Livro Bibi (2019)159

O designer, devido ao seu reconhecimento decorrente do acúmulo de capitais simbólico,


cultural, social e econômico, com os múltiplos prêmios160 de instituições consagradas do design
no Brasil e no exterior — como as Bienais Brasileira e Iberolatina de Design Gráfico, IF Design
Awards (Alemanha), Communication Arts Awards (EUA) —, ocupa um lugar de prestígio no
campo. Acreditamos que sua estreita ligação com Varella e Arbolave desde os primeiros anos,

159
Disponível em: http://lote42.com.br/project/bibi/ Acesso em 18 nov. 2020
160
As 517 premiações já recebidas pelo designer estão listadas no site do estúdio. Disponível em:
http://casarex.com/premios/ Acesso 15 de jan. 2020.
129

— ora como autor, ora como designer, ora como ministrante de cursos e palestras na Feira
Miolo(s) e na Sala Tatuí — possibilitou uma “transferência” de parte desses capitais para a
editora. O reconhecimento e o capacidade de consagração (ou “efeito chancela”), fruto do
prestígio acumulado pelo designer, contribuíram para a legitimação da Lote 42 como casa
editorial e para, a posteriori, a construção do ethos de editora que explora as possibilidades da
linguagem e entende o projeto gráfico como mais uma parte da composição narrativa, como
consta no site:

A Lote 42 é uma editora criada em São Paulo em dezembro de 2012. Publica autores
que exploram as possibilidades da linguagem, questionam o status quo e têm uma
abordagem criativa frente à vida contemporânea. O catálogo transita por vários
gêneros, como ficção, não ficção, quadrinhos e poesia. O ritmo mais parcimonioso de
lançamentos permite que a editora desenvolva com cuidado diversos aspectos do livro,
do conteúdo ao projeto gráfico. Em cada título, o design gráfico tem um papel
fundamental como elemento narrativo, que acrescenta novas camadas de
interpretações à obra. (LOTE 42 WS, 2020)

Tal texto é interessante, se comparado ao do primeiro site criado para editora, pois ilustra a
evolução do empreendimento ao longo dos anos, corroborando a discussão anterior sobre a
saída de Blumenthal e a entrada efetiva de Arbolave161:

Fundada no final de 2012, a Lote 42 é uma editora sem preconceitos quanto a suportes.
Para a empresa, um livro é ao mesmo tempo de papel e digital. Cada obra com o selo
Lote 42 dialoga com as redes à sua maneira. Um livro da marca não se esgota na
última palavra. O texto de cada livro se desdobra e invade redes sociais, site da editora,
entre outras produções do autor. Nesse sentido, a Lote 42 age como uma amplificadora
do debate gerado pelo livro. Apostamos no leitor. É ele quem determina o caminho a
ser seguido para a obra crescer - seja solicitando a realização de uma conversa por e-
mail com outras pessoas que também desfrutaram da obra ou até mesmo em
videoconferência com os escritores. A Lote 42 entende a web como uma poderosa
aliada para disseminar a cultura, respeitando os preceitos dos bons livros impressos.
Acreditamos que o leitor é quem deve decidir a melhor maneira de aproveitar sua
leitura. Os assuntos que nos comprometemos em apresentar ao público atenderão
demandas contemporâneas da sociedade, mas sem deixar de lado um tratamento
cuidadoso, sempre sustentado pela tese de que o texto precisa ir além do tempo real.
A Lote 42 responde às demandas de um público que cada vez mais exige qualidade
de reflexão. A Lote 42 tem como propósito editorial pensar a sociedade em que
vivemos, demarcar e estender nossos papéis sociais e políticos, transformar o estado
passivo da matéria que insiste em inércia, proporcionar o acesso à reflexão e à
imaginação. (LOTE 42 WS apud COUTINHO, 2017, p.54)

161
No período da coleta de dados do Trabalho de Conclusão de Curso da pesquisadora (2017), o site tinha uma
arquitetura mais simples e o texto inicial era o supracitado, entretanto, já era apontado pelo editor João Varella
como obsoleto. No início da pesquisa de mestrado, o sítio ficou indisponível com um indicativo de que
“estavam em obras”.
130

Na época, a editora se propunha a estabelecer uma interface com o digital, usando o espaço da
web como uma ferramenta para que o título tivesse desdobramentos nas redes. Essa
característica segue até os dias atuais, dada a grande conectividade com as redes sociais, porém,
o foco no impresso de materialidade diferenciada não era o pilar central da editora. É
interessante percebermos que era empregado o termo empresa, um léxico, de certa forma,
inapropriado para produtores de artes no mercado de bens simbólicos, que imprescinde do
recalcamento, em um texto que se assemelhava um pouco com “diretrizes, missão e valores” -
frequentes em descrições empresariais.

O mote “uma editora com alma de start-up”162 também era amplamente utilizado, sendo,
inclusive, o slogan da loja virtual, inicialmente hospedada na plataforma de vendas Tanlup163 e
depois na Iluria. A postura empreendedora, sempre permeada por estratégias de marketing, foi
um dos principais motivos para que a editora se tornasse mais conhecida pelo público em 2014,
na época da Copa do Mundo realizada no Brasil. Aproveitando o clima das manifestações
populares contrárias à realização do evento, foi feita uma publicação no Facebook no dia do
jogo Brasil x Alemanha, propagandeando que, a cada gol sofrido pelo Brasil, seria concedido
um desconto de 10% em cada título, cumulativo ao comprador.

162
Start-up é uma empresa nova, até mesmo embrionária ou ainda em fase de constituição, que conta com projetos
promissores, ligados à pesquisa, investigação e desenvolvimento de ideias inovadoras.
163
A Tanlup é uma plataforma de vendas que se propõe a “criar ferramentas que permitissem designers,
ilustradores, estilistas, artesãos, músicos e tantos outros profissionais criativos a vender suas criações online de
forma prática e com baixos custos.” Disponível em: http://www.tanlup.com/ Acesso em 20 de jan. 2020. A
Iluria, já mencionada anteriormente, diferencia-se da Tanlup ao trabalhar com domínios individualizados, ou
seja, é necessário procurar a loja virtual pelos buscadores da web, enquanto a Tanlup exibe todas as lojas no
mesmo site, divididas em segmentos.
131

Imagem 30 – Promoção do 7x1164


Fonte: Facebook Lote 42

Com um resultado completamente inusitado em termos esportivos — o time alemão fez sete
gols —, os leitores puderam adquirir as obras com 70% de desconto, enquanto os editores foram
surpreendidos com tamanha demanda. Com apenas seis títulos em catálogo, a loja virtual na
Iluria não conseguiu suportar o número de acessos, o que gerou uma reação negativa por parte
de alguns consumidores, mas depois de 20 minutos a antiga loja na Tanlup foi reativada e cerca
de 2 mil exemplares se esgotaram em 3 horas (G1, 2014)165. O ocorrido, que poderia ter sido o
fim do empreendimento, acabou por ser uma estratégia bem-sucedida para aumentar a
visibilidade da marca:

A promoção repercutiu demais nas redes sociais, e em 24 horas o número de


seguidores da editora no Facebook saltou de 6 mil para 37 mil – hoje passa de 42 mil.
Além disso, em quatro dias, o perfil registrou um alcance recorde de 3,1 milhões de
visitantes. Toda essa comoção levou a Lote 42, que se define como “uma editora com
alma de start-up”, a fazer um esclarecimento público, explicando quem era, o que
fazia e que o estoque disponível já havia acabado (D´ALAMA, 2015)

O improvável evento também foi noticiado em veículos de informações166, como nos portais
Terra e G1, na revista Exame e nos jornais O Tempo e Folha de S. Paulo, nesta última com o

164
Disponível em: https://www.facebook.com/Lote42/posts/1107918989221793/ Acesso em: 16 dez. 2019.
165
A ação, posteriormente conhecida de Promoção do 7x1 (DOLZAN, 2014), foi repetida na mesma data até
2018.
166
As reportagens citadas estão disponíveis nos seguintes sítios digitais: O Tempo:
https://www.otempo.com.br/capa/apos-goleada-da-alemanha-editora-vende-livros-com-70-de-desconto-
1.879303. Acesso 16 jul 2019. Portal Terra. https://www.terra.com.br/economia/loja-cumpre-desconto-de-10-
132

título “Editora mantém promessa e dá desconto de 70% em livros após derrota do Brasil”. Em
uma das entrevistas, Varella deu a seguinte declaração: "Muita gente achou que nos daríamos
mal, que iríamos falir. Muito pelo contrário, essa curiosidade só nos ajudou. Estamos muito
bem, obrigado. Somos uma editora pequena e independente, mas temos um planejamento de
longo prazo" (BAGUETE, 2014). Tal enunciação nos remete às reflexões de Muniz Jr. sobre
os editores girafas, haja vista que a imagem projetada já era a de “metade empresários, metade
intelectuais [...] com a cabeça nas nuvens e os pés no chão” (2016, p. 109), muito embora, na
pesquisa de Muniz Jr., em 2016, esses produtores fossem vistos como bonsais, fazendo parte
do circuito feirante e mais alinhados às artes gráficas. Observando a atuação da editora,
concluímos que nenhuma das duas classificações consegue abarcar por completo a casa
editorial. Com características de bonsais e de girafas, ela parece se consolidar como uma espécie
de líder do microcosmo gráfico-independente, atualmente com práticas de uma editora de
médio porte, com o uso de distribuidoras e participação em eventos fora do eixo das
independentes, como a Feira do Livro da USP.

O capital financeiro investido inicialmente, proveniente do FGTS de Varella, citado como


suficiente para produzir três títulos de formato econômico, “viraram dois e os livros foram
circulando e se pagando, pagando o projeto seguinte.” (ARBOLAVE, 2019a). Atualmente o
catálogo possui 50 publicações, dentre elas, sete fanzines e 43 livros, sendo que alguns títulos
já estão nas suas segundas e terceiras impressões. Estão presentes os mais diversos gêneros:
quadrinhos, livro de colorir, cartas, contos, romances, haicais, simulação de inquéritos policiais,
livros objetos e de ilustração. Com tamanha diversidade, a linha editorial por vezes se mostra
de difícil definição, como é colocado pelos produtores: “um conjunto muito eclético de livros”
sintetizados como “autores que tem algo novo a dizer” (ARBOLAVE, 2019a). O ponto
unificador do catálogo, ao nosso ver, é a inovação sempre presente, ora no texto, ora
materialidade. A página inicial do website da editora traz a imagem de todos os títulos já
produzidos:

por-cada-gol-sofrido-pelo-brasil,d15eb4daa1817410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html. Acesso em:16 jul


2019. Portal G1: http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2014/07/editora-que-deu-10-de-
desconto-por-gol-do-brasil-vende-todo-o-estoque.html Acesso em: 16 jul 2019. Revista Exame:
https://exame.abril.com.br/marketing/loja-da-70-de-desconto-depois-de-promocao-da-copa/ Acesso em: 16
jul 2019. Portal Folha/UOL: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1483100-editora-da-desconto-de-
10-em-livros-para-cada-gol-tomado-pelo-brasil.shtml Acesso em: 16 jul 2019.
133

Imagem 31 – Página inicial do website da Lote 42 com todo o catálogo 167

167
Disponível em: http://lote42.com.br/. Acesso em: 13 out. 2020
134

Retomando as teorias dos capitais de Bourdieu e o mercado dos bens simbólicos discutidos no
capítulo 1, a editora Lote 42 e seus proprietários conseguiram, à medida que começaram a
acumular os quatro capitais — econômico, cultural, social e simbólico — figurar em pontos
mais privilegiados do subcampo editorial independente. Tais agentes já partiram de um lugar
de privilégio cultural, é certo, haja vista suas origens sociais, formações acadêmicas e as
oportunidades advindas delas. O jornalismo, a despeito da desvalorização que a profissão vem
enfrentando na atualidade, tem uma interface estreita com a cultura letrada e legitimada, bem
como com a formação de redes de sociabilidade. Quando esses agentes optam por
transicionarem suas carreiras para o comércio do livro, ampliam o capital cultural,
principalmente ao se posicionarem discursivamente no campo independente, mais alinhado ao
polo simbólico e engajado com a produção cultural.

O aumento do capital econômico pode ser percebido a partir da estrutura física que a editora
galgou, pois, como grande parte das pequenas editoras, o ponto de partida foi o apartamento
dos editores. Depois foi montado um escritório em um casarão da Rua Itápolis e, no segundo
semestre de 2018, a sede foi transferida para a Sala Tatuí. Nesse ínterim, a Banca Tatuí foi
inaugurada. Varella e Arbolave tornaram o negócio dos livros sua principal ocupação — ora
como editores, ora com livreiros, ora como professores de cursos sobre edição — mas ainda
mantendo algum vínculo com o jornalismo ao escrever apenas matérias por solicitação. O
aumento do capital econômico também é perceptível na expansão da equipe que hoje atua na
Lote 42 e demais iniciativas. A editora, que começou com três pessoas, inicialmente com
Varella exercendo duas funções com um sócio assalariado - Thiago Blumenthal — e com
Cecília nos bastidores, atualmente tem os dois sócios e seis funcionários. Arbolave nos relata
sobre a equipe que trabalha nas três frentes de negócios comandada pela dupla:

A gente tem 5 funcionários registrados, CLT. Na Banca Tatuí tem o Caíque (que é
vendedor), a Fernanda (que começou na banca como vendedora e passou para o
escritório, então ela cuida de muita coisa de bastidor, que não dá para ver: cadastro de
editora, gerar um relatório, loja virtual — que tem todo dia algum pedido de loja
virtual — coordenar a parte de redes sociais de gerar post para eu dar uma olhada, ver,
enfim...coisa que a gente faz junto mas, assim, que ela coordena). Depois tem a
designer (que aí ela faz coisas da banca, da Lote, da Sala), depois tem a Ana Júlia (que
aliás é mineira e trabalha da sala Tatuí) e tem o Juan (que trabalha na parte comercial)
e agora em breve vai entrar mais uma pessoa para a área comercial mais focada em
feiras. Então seriam 6 funcionários. (ARBOLAVE, 2019)

Esse quadro poderia ser considerado pequeno, se contrastado com grandes editoras, mas o que
percebemos é uma equipe com tarefas bem segmentadas quanto ao seu papel e com potencial
135

para ampliação. A nossa entrevista, da qual resulta o trecho acima, foi gravada com Cecília
Arbolave no dia 28 de abril de 2019, em novembro. Quando visitamos o local, encontramos
Guilherme Ladenthin como livreiro responsável pela Banca Tatuí — ele nos relatou ter sido
contratado há 2 meses. Para além dos funcionários fixos, é bastante comum a contratação de
prestadores de serviços para suprir as demandas especializadas, como no caso já relatado da
Casa Rex e Gustavo Piqueira.

O capital social é um caso particular, pois a profissão de origem por si só já oferece um terreno
fértil para a realização de networking e entendemos que tais agentes já iniciaram sua empreitada
tendo um acúmulo considerável nesse sentido. A acessibilidade às redações de jornais facilita
a divulgação de livros da Lote 42 e a promoção de eventos. A realização de eventos e feiras de
grande porte os coloca em um lugar privilegiado no microcosmo gráfico-independente,
possibilitando o acesso a outros produtores. Para ilustrar tal ponto, entendemos que seja
relevante apresentar brevemente tais feiras.

A Feira Miolo(s) atualmente figura como um dos maiores eventos do calendário dos produtores
gráfico-independentes. Desde a primeira edição, em 2014, é realizada anualmente na Biblioteca
Pública Mário de Andrade — maior biblioteca pública de São Paulo e a segunda maior do país
— sempre no mês de novembro. Com o passar dos anos, a feira foi aumentando gradualmente
o número de expositores participantes, o espaço físico de ocupação dentro da biblioteca e a
programação paralela.168

168
A sétima edição da Feira Miolo(s), marcada para acontecer nos dias 5 e 6 de dezembro de 2020 com 100
produtores, será virtual devido à restrição de aglomerações motivada pela pandemia do novo Coronavírus.
Segundo o site Publishnews, as editoras “montarão estandes virtuais por meio de lives no Instagram para
apresentar seus trabalhos. Para que o público possa conhecer o máximo de editoras e artistas, os participantes
serão divididos em dias e faixas de horários específicos.”. Disponível em:
https://www.publishnews.com.br/materias/2019/10/23/feira-miolos-reune-mais-de-180-editoras-
independentes-mario-de-andrade Acesso em: 15 nov. 2020
136

Tabela 2 – Levantamento Feira Miolo(s) 2014-2019

Edição Data Número de expositores Número de atividades paralelas

1ª 1 nov. 2014 59 -

2ª 7 nov. 2015 117 5

3ª 5 nov. 2016 109 11

4ª 11 nov. 2017 156 16

5ª 10 nov. 2018 153 14

6ª 2 e 3 nov. 2019 183 19

Acreditamos que um dos pilares para o crescimento do capital social e dos empreendimentos
de Varella e Arbolave está ancorado nessa feira, posto que é bastante publicizada na mídia, atrai
uma grande quantidade de produtores e tem um público cativo. A programação paralela é
dividida em dois momentos: o Esquenta Miolo(s), com oficinas e debates que acontecem na
semana anterior ao evento, e o Fala Miolo(s), com curtas palestras de produtores sobre assuntos
do universo gráfico-independente. A cada edição foram implementadas novidades, como
homenagens a artistas e editores importantes nesse universo, distribuição de prêmios,
transmissão do Fala Miolo(s) ao vivo nas redes sociais, entre outros. Por esse motivo, inserimos
no Apêndice A um levantamento de informações acerca dessa feira coletadas em diferentes
páginas de redes sociais. Nesse apêndice, estão presentes também as listas dos editores
convidados a palestrar em cada edição. Essa prática nos parece uma maneira de fomentar a
discussão, mas também de legitimar editores, colocando-os em evidência, distinguindo-os dos
outros.

A Printa-Feira era realizada no Sesc 24 de Maio, um espaço cultural localizado no centro de


São Paulo, e teve sua terceira edição em março de 2019 dentro do evento FestA - Festival de
Aprender. Com 60 editoras e artistas de diferentes lugares de São Paulo e de outros estados, a
feira fez parte de um projeto realizado nas 39 unidades do SESC-SP, conjugando oficinas para
diferentes idades em torno de temáticas pré-definidas – na terceira, o tema foi “madeira”. A
Tinta Fresca era realizada desde 2016 no Espaço Cultural Porto Seguro como um evento de
“experiências gráficas”, com oficinas abertas de diferentes tipos de técnicas utilizadas nas
137

publicações independentes, como xilogravura, serigrafia, carimbos, cortes, dobras, entre outros.
A feira de publicações também contava com 60 expositores. A Feira Compasso, por sua vez,
aconteceu em 21 de setembro de 2019 durante a XII Bienal de Arquitetura em parceria com o
Instituto de Arquitetos do Brasil São Paulo (IABsp), voltada para os campos da Arquitetura,
Urbanismo e Design. Essa mobilização de publicadores independentes feita por Arbolave e
Varella, no entorno de seus eventos e dos espaços físicos (Banca e Sala Tatuí), torna-os agentes
com uma grande quantidade de contatos e conexões. Esse nos parece o maior indício da
acumulação de capital social no microcosmo gráfico-independente.

O acúmulo do capital simbólico, mesmo que estado nascente — pois este capital precisa de
tempo para ser acumulado e reconvertido — já pode ser percebido quando olhamos o
microcosmo gráfico-independente. Arbolave e Varella atuam como líderes, quando observada
a conceituação esboçada por Muniz Jr.:

Os líderes, por sua vez, são os criadores, promotores e fomentadores das coletividades
e das entidades políticas que agrupam e/ou representam os produtores
“independentes”. [...] São articuladores, buscam a adesão de novos membros e
promovem encontros entre os agentes, dando algo de coesão a tais agrupamentos. São
frequentemente convocados a falar em cursos, palestras e mesas redondas para
compartilhar seus conhecimentos e opiniões sobre o universo de que fazem parte.
(2016, p. 75 - 76)

Com uma grande diversificação de atividades dentro desse universo, eles se constituem um dos
pontos de liderança desse movimento, juntamente com outros articuladores como Bia
Bittencourt, responsável pelas ações da Plana, Tais Koshino e Daniel Lopes, da Feira Dente,
Ana Luiza Fonseca responsável pela Feira Tijuana e Daniela Cantuária Utescher e Douglas
Utescher da Ugra Zine Festival. É importante observar que um dos fatores que conferem essa
imagem de liderança, aos nossos olhos, no caso de Arbolave e Varella, está na capacidade de
projetar suas vozes para que outros escutem. Essa capacidade é decorrente da inventividade do
casal e fruto de um trabalho intenso, que temos acompanhado nesses anos de pesquisa,
entretanto, é importante evidenciarmos que há também certo domínio das “regras do jogo”.
Esse domínio é notório, por exemplo, na capacidade de adequarem seus discursos aos meios
por onde falam, seja em palestras, seja nos jornais, seja nas entrevistas que nos foram
concedidas. O bom uso dos signos linguísticos — muitas vezes mesclando o léxico empresarial,
jornalístico, aos discursos dos manifestos independentes — juntamente à facilidade de
impulsionar suas falas para espaços externos ao microcosmo gráfico-independente faz com
estes figurem com alguma proeminência no campo independente. É importante ressaltar que se
138

fazer escutar não é uma tarefa simples para aqueles que possuem poucos privilégios, parcos
capitais e figuram à margem do sistema.169

3. Era uma vez uma banca...

Imagem 32 – Banca Tatuí no Instagram170

A Banca da Tatuí171 surgiu em 2014 da necessidade da Editora Lote 42 ter seus livros
disponíveis para a venda de modo constante e de forma que privilegiasse a exposição dos títulos
com formatos não convencionais. Esses livros, muitas vezes sem lombada, com pequenas
dimensões e que se destacam pelas experimentações gráficas, não são eficazes em livrarias
convencionais, que dispõem os exemplares verticalmente em prateleiras. Segundo a editora
Cecília Arbolave:

(...) como [editores] a gente tinha um cuidado muito grande na edição, fazendo um
trabalho demorado, cuidadoso com os autores, pensando nos formatos, a gente achava
que a recepção dessas obras também podia ser uma recepção acorde a essa produção.

169
Essa ponderação vem de uma mesa redonda, cuja mediação foi da pesquisadora, com João Varella, Larissa
Mundim e Karine Bassi, responsável pela Editora Venas Abiertas. Tal casa editorial se autointitula “popular
de caráter sociocultural” e busca fomentar a literatura produzida por “figuras à margem do mercado editorial,
valorizando e disseminando a literatura produzida por mulheres, negres, LGBTQIA+ e periférics”, fazendo um
trabalho muito junto aos saraus e aos slams que ocorrem majoritamente em regiões periféricas. Na ocasião,
ficou muito claro para nós a dificuldade que pessoas sem determinados privilégios encontram para se fazerem
ouvidas.
170
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página https://www.instagram.com/bancatatui/ . Acesso em
30 de outubro.
171
Loja virtual Banca Tatuí. Disponível em: https://www.facebook.com/bancatatui/. Acesso em: 14 fev. 2019.
Facebook Banca Tatuí. Disponível em: https://www.facebook.com/bancatatui/. Acesso em: 14 fev. 2019.
Instagram Banca Tatuí. Disponível em: https://www.instagram.com/bancatatui/?hl=pt-br. Acesso em: 14 fev.
2019. Twitter Banca Tatuí. Disponível em: https://twitter.com/bancatatui. Acesso em: 14 fev. 2019. Youtube
Banca Tatuí. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c6A4YQLPHU8. Acesso em 14 fev. 2019.
139

Então se esses livros têm tanta história para contar, então por que não contar essas
histórias todas? E para contar essas histórias é legal ter um ambiente agradável para
que isso aconteça, um ambiente que você se sente acolhido, te desperta interesse.
(ARBOLAVE, 2019)

A narrativa do surgimento da Banca também perpassa a história de vida do editor João Varella,
que, desde a infância, era um entusiasta por bancas, visto que, na sua cidade natal — Guaíba
(SP) —, não existiam livrarias nem bibliotecas, como relata Cecília Arbolave:

O João tinha já uma relação muito próxima com bancas, muito afetiva porque ele é de
uma cidade pequena que não tinha nenhuma opção de lazer, assim, não tinha livraria,
não tem livraria até...cinema, essas coisas e tinha uma banca na cidade. E ele quando
era pequeno passava horas, horas lá lendo gibi, enfim...se perdendo nos impressos...e
ele falava comigo, assim, quando eu conheci o João ele falava “o dia que eu cansar de
ser jornalista viro jornaleiro” e daí, eu achava que era um jogo de palavras, né? Até
achava legal, o João falava "aí eu passo o dia inteiro lendo", coisa que não acontece
na vida real. Então quando apareceu essa banca à venda, para o João [fez] total sentido,
falou "não, vamos comprar a banca" no impulso, assim, ele teve uma intuição, assim,
de que ia dar certo! (ARBOLAVE, 2019)

Em uma entrevista com João Varella, percebemos que o próprio editor desconstrói parcialmente
tal narrativa — que é a versão amplamente utilizada nas redes sociais e matérias jornalísticas
sobre o empreendimento — ao ser perguntado sobre as inspirações para a abertura do negócio:

A inspiração veio também de Guaíba, também do meu passado pessoal e a minha


relação com banca, mas não só isso. Veio da bagagem que eu adquiri fazendo
reportagem de negócios, entendendo a importância de se ter um espaço físico que
dialogue o online com o offline. Muita gente compra no site porque gosta de ver a
banca e as coisas físicas que a gente faz. Então as coisas estão mais conectadas do que
parece. Mas, sim, teve a originalidade de amarrar muitas coisas, de achar que o modelo
banca seria possível, viável para essa proposta e de achar essas brechas, e de um pouco
de sorte também... uma banca a venda na quadra onde eu moro parece que foi uma
coisa meio mística, uma coincidência, mas também tem esse processo mental nosso,
né? Quando a gente está buscando algo, tu começa a enxergar esse algo, tu começa a
ver coisas, da própria Gestalt e tal. Então, teve isso, se essa banca estivesse à venda e
eu não tivesse pensado essa necessidade de ter um espaço físico, talvez eu não
enxergasse. (VARELLA, 2019)

A coincidência das situações — a busca por um ponto de venda para os livros da Lote 42 e a
astúcia de reconhecer aquele espaço como um lugar para empreender — foi fundamental para
a construção do discurso memorialístico reverberado nas redes sociais e jornais. Remetendo
novamente à sua trajetória de jornalista e à interface do online com o offline, ao que tudo indica,
a alma de startup nunca deixou de ser a linha guia de tais empreendedores, apesar de o mote ter
sido deixado de lado no discurso corrente destes. Ademais, entendemos que a originalidade,
citada pelo livreiro, está presente ao se apropriar de um espaço geralmente utilizado para a
140

venda de periódicos — e de livros172 — populares para a comercialização de um nicho


segmentado com um perfil de consumidor mais especializado.

É válido observar, como mencionado na introdução, que, nas décadas passadas, as bancas
faziam parte majoritariamente de um “circuito popular”, acessíveis a todo tipo de público,
inclusive à camada popular que não se sentia confortável ao frequentar livrarias.173 Como
colocado por Nogueira (2018, p. 204), as bancas “estão sempre no circuito do fluxo cotidiano
e neles a motivação de comprar o jornal para leitura diária (e junto um oportuno livro) é maior
do que frequentar o desconhecido ‘circuito letrado’ das livrarias, no qual boa parte da população
não se sente incluída”. A Banca Tatuí subverte parcialmente essas práticas ao disponibilizar
conteúdos muitas vezes mais próximos das galerias de arte do que do circuito popular.

Inaugurada no dia 1º de outubro de 2014, a banca foi aberta com os livros da Lote da 42 e de
poucas editoras parceiras, seguindo as restrições do município. Para ter esse ponto de venda
físico, foi feita a transferência da permissão de uso do antigo licenciado para João Varella, que
se tornou o responsável pelo pagamento trimestral do valor de "locação" à Supervisão de
Atividades Diversas nas Vias e Logradouros Públicos (SADVIAS) da Prefeitura de São Paulo.
Por ser um espaço permissionado, para que a banca se mantenha em funcionamento, é
necessário o cumprimento das regras estipuladas pela Prefeitura de São Paulo174, o que inclui a
obrigatoriedade de pelo menos oito horas de funcionamento diárias, o pagamento da taxa de
uso para a prefeitura, além de obedecer a estrutura física padronizada como a cor cinza na parte
externa. No artigo 38 do Capítulo IX da lei Nº 10.072, que “dispõe sobre a instalação de bancas
de jornais e revistas em logradouros públicos” (22.709/1986), encontramos os direitos dos
permissionários:

I – Expor e vender: jornais, revistas, livros culturais, guias e mapas; álbuns e


figurinhas; figurinos; almanaques; fascículos e coleções; opúsculos de leis; envelopes
e papéis de carta; cartões postais e comemorativos de eventos; folhetos; adesivos;
cartazes e "posters" com motivos artísticos, científicos, esportivos e históricos; selos
e aerogramas (...) (40.184/2000)

172
A discussão acerca do tema pode ser encontrada no livro de Maria Celeste Mira, O leitor e a banca de revistas:
a segmentação da cultura no século XX (2008).
173
Robert Escarpit em A revolução do livro (1976, p. 125) define tal segmentação como o “circuito letrado” e o
“circuito popular”, pontuando que a classe trabalhadora não tinha acesso às livrarias tanto pelos horários de
funcionamento, quanto pelas suas disposições geográficas.
174
Contidas no Decreto nº 23.176, de 11 de dezembro de 1986 na gestão de Jânio Quadros e que foram atualizadas
ao longo dos anos, sendo a mais recente em 26 de dezembro de 2000, na gestão de Celso Pitta.
141

Parágrafo Único – A comercialização de revistas e jornais permanecerá como


atividade principal da banca e para evitar a descaracterização da atividade inicial do
negócio que tem o objetivo de levar informação e entretenimento através de produtos
do segmento editorial, 75% (setenta e cinco por cento) do espaço interno útil da banca
será destinado à exibição de produtos da linha editorial. (57.704/2017)

Respeitando as regras do município, comercializando revistas independentes como a


Piseagrama175, e partindo da premissa do "não está proibido, então, é permitido" (VARELLA,
2019), os proprietários fizeram várias adequações com a finalidade de torná-la um espaço que
dialogasse com a estética das publicações independentes, na intenção de “vamos fazer mais
legal dentro das regras que temos" (ARBOLAVE, 2019). O projeto do interior da Banca foi
criado por arquitetos, “na estrutura interna, módulos de OSB (material derivado da madeira)
expõem e armazenam a produção impressa, mas também organizam o espaço, configurando
uma área de encontro e permanência para os frequentadores do lugar.” (LOTE 42, 2019). Essa
frase do site dialoga com o que Cecília Arbolave relata sobre o espaço:

(...) ao invés de ter prateleiras normais de aço, de alumínio — não sei qual material
que é — como todas as bancas, a gente fez de marcenaria. Então tem toda uma
estrutura de caixas de madeira que ora armazenam livros ora expõem. Então você
entra na banca e consegue sentar, coisa que quebra um pouco o paradigma de uma
banca de jornal, que é uma coisa de passar… (ARBOLAVE, 2019)

Para a parte exterior, foi criado um padrão tipográfico em tons de cinza, que remete ao universo
impresso e um letreiro em amarelo e preto, desenvolvidos pelo designer Gustavo Piqueira. O
investimento na composição do espaço é parte de uma estratégia mercadológica chamada
merchandising visual, que, segundo Regina Blessa na obra Merchandising no ponto de venda
“usa o design, a arquitetura e a decoração para aclimatar, motivar e induzir os consumidores à
compra” (2001, p. 22). Dessa forma, a atmosfera criada na Banca Tatuí acaba por “produzir
efeitos cognitivos específicos e/ou emocionais sobre o mercado-alvo” (KOTLER; KELLER,
1978, p. 233), aumentando a possibilidade de vendas.

175
Piseagrama é uma revista mineira semestral que se dedica a discutir os espaços públicos “existentes, urgentes
e imaginários”. É editada por um coletivo que também organiza ações em torno de questões de interesse público
como debates, micro experimentos urbanísticos, oficinas, campanhas e publicação de livros. Disponível em:
https://piseagrama.org/sobre/. Acesso em 20 jan. 2020
142

Imagem 33 – Banca Tatuí


Fonte: foto de Maysa Mundim (tirada a pedido da autora).

Imagem 34 – Parte interna da Banca Tatuí


Fonte: foto de Maysa Mundim (tirada a pedido da autora).
143

Tal investimento estético nos parece importante também para distinguir visualmente o espaço
de outras bancas comuns, haja vista que a estrutura tem características similares ao se localizar
em cima de passeios, sem uma delimitação impositiva do espaço público e privado, como
colocado por Varella: “Todo negócio [ao se referir a outras livrarias] tem uma barreira implícita
para a pessoa entrar ou não. A banca tem um filtro praticamente zero porque ela é parte da rua
[...]” (2019). O livreiro responsável pelas vendas na Banca, Guilherme Ladenthin176, também
comenta a respeito ao classificar a banca como uma “Livraria de rua ao extremo, é uma banca
que não é virada pra calçada, é pra rua mesmo” (2019). O comércio na banca com uma estética
diferenciada concomitante ao fato dela estar posicionada em um ponto de passagem urbano
comporta um paradoxo colocado pelo livreiro: “tem pessoa que fica meio acanhada de entrar,
né? Acham que é outra coisa, que ‘não é pra mim’” (LADENTHIN, 2019) enquanto “as pessoas
veem, param, conversam [...] pra tirar uma dúvida sobre qual rua a pessoa deve pegar mesmo
sendo livraria porque é um clássico de uma banca tradicional.” (LADENTHIN, 2019). Durante
o período que conversávamos com o livreiro, fomos “interrompidos” três vezes: uma por duas
potenciais consumidoras que olharam, mas não compraram nada, e duas por vendedores
ambulantes.

Na parte de cima da Banca, foi colocado um jardim, que contribui com a criação da “atmosfera
independente”. Entretanto, essa escolha decorreu de uma situação inusitada, um furto na banca
na primeira semana, como relata Cecília Arbolave:

Entraram pelo teto, pelo telhado que era super simples. Então, numa quarta/quinta-
feira a gente recebeu uma ligação às 7:30 da manhã, a gente estava ainda na cama
dormindo e o Ricardo que trabalhava com a gente nessa época falou “olha, entraram
aqui pelo telhado, roubaram o caixa” — que era tipo 3 reais e 50 — não era muito!
Pisotearam os livros, não levaram os livros, o que foi frustrante também, né? Poderiam
ter roubado livros. Mas isso nos mostrou que a banca era bem frágil, assim, deu um
baque! Tipo, putz, a gente estava com todas essas ilusões e de repente a banca é
roubada. A gente fez B.O., consertou o telhado no mesmo dia para passar uma
mensagem de “não, a gente veio aqui e vai ficar, isso aqui não vai nos assustar”. Só
que quando a gente falou para os arquitetos da reforma, da necessidade, a gente falou
muito que tinha que ser uma banca segura. Imagina ter o trabalho de outro sendo que
você nem consegue guardar os seus! Então a solução dos arquitetos foi fazer um
jardim no teto. (ARBOLAVE, 2019)

176
Na data em que visitamos a banca, 1 de novembro de 2019 – um dia antes da realização da Feira Miolo(s) 2019
– Guilherme Ladenthin nos relatou que era o vendedor responsável pelo espaço há dois meses. Discorreremos
mais sobre ele a seguir.
144

Todas estas modificações foram publicizadas nas redes sociais da editora, da banca e, por vezes,
nas páginas pessoais dos proprietários. No vídeo Brota um jardim no teto da Banca Tatuí177,
foi feito um fast forward178 do dia em que foi colocado o jardim no teto. O vídeo mostra a
dinâmica da rua com o fluxo de pessoas e carros, além dos responsáveis pela criação do jardim
e os editores. João varella aparece de maneira intermitente, enquanto Cecília Arbolave é quem
fica sobre a banca, plantando o jardim com o auxílio de outra pessoa. O vídeo mostra todo o
processo e nos parece curioso como tudo é registrado, com o intuito de ser midiatizado.
Enquanto Arbolave está aparentemente colocando a terra do jardim, um fotógrafo está logo ao
lado registrando o momento. Para nós, fica evidente a intenção e a capacidade de transformar
todos os eventos em marketing e conteúdo para as redes sociais, ferramentas que os editores
exploram com bastante eficiência.

Um ponto que está atrelado à narrativa de Arbolave sobre a solução estética para o problema
do furto é a realidade do espaço urbano do local em que o empreendimento livreiro está inserido.
Em uma reportagem exibida pela GloboNews, intitulada “Banca de jornal se transforma em
livraria e renova região central de SP”179, a Banca Tatuí é indicada como uma agente
transformadora do espaço que antes era um ponto de tráfico. Os editores livreiros, moradores
das redondezas há bastante tempo, também comentam sobre esse tema na live “Perrengues da
Lote 42”, argumentando que a Banca, juntamente com outras iniciativas, contribuiu para
“melhorar a vizinhança”, ou seja, para minorar a violência e o tráfico da região. A partir de tais
afirmações, buscamos compreender um pouco sobre essa localidade.

Localizada na rua Barão de Tatuí, número 275, no bairro de Santa Cecília180, a área é parte da
região central de São Paulo, fazendo limite com os bairros Higienópolis - considerado nobre -
e Campos Elísios - um bairro originalmente de elite mas que se popularizou181 e hoje possui
muitos cortiços e habitações precárias. Esse espaço intermediário entre classes altas e baixas

177
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GWxTUVM780Q Acesso em 14 mar. 2019.
178
Fast forward é um efeito na edição do vídeo que faz com que as imagens sejam rodadas em uma velocidade
maior que a gravada. Nesse caso, a gravação de um grande período tornou-se um vídeo de 5 minutos e 20
segundos.
179
A reportagem de Elisabete Pacheco foi exibida em 25 de março de 2019. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=-J3J_0pjjQ8&t=51s . Acesso 23 nov. 2019.
180
Há uma divergência sobre o bairro quando buscamos no Google. No endereço fornecido pelo buscador, o
endereço é Vila Buarque; nas páginas oficiais da Banca Tatuí, o endereço é Santa Cecília. Entretanto, isso não
impacta na análise feita sobre o local.
181
Segundo o pesquisador Mauricio Fernandes de Alcantara, isso ocorreu “sobretudo após o deslocamento da
centralidade econômica para a Paulista e após a construção do Minhocão.” (conversa por e-mail em 21 de maio
de 2019)
145

faz com que a região seja heterogênea socioeconomicamente, o que a torna um lugar atrativo
para aqueles que pretendem pagar valores intermediários em aluguéis, como é o caso de muitos
estudantes, artistas e jornalistas:

genericamente classificados como hipsters, que de forma abrangente podem ser


descritos como jovens adultos (majoritariamente entre 25 e 35 anos) (...), em geral
interessados por tendências globais de comportamento e consumo, vinculados a áreas
profissionais tidas como criativas (como comunicação, tecnologia, arquitetura e
artes), que valorizam características da região central (como a diversidade e a
infraestrutura de serviços públicos), e que possuem estilos de vida e modos de
consumo que privilegiam locais pequenos e discretos, voltados a um público reduzido,
e cujos produtos e serviços são sempre associados a adjetivos e expressões que
sugerem um alto nível de especialização ou exclusividade: artesanal, orgânico,
vegano, autoral etc. (ALCÂNTARA, 2018, p. 32-33)

A presença destes agentes culturais colabora para um fenômeno conhecido como


hipsterização182, que é perceptível quando caminhamos pelas ruas de Santa Cecília. No caminho
feito por nós da estação de metrô - homônima ao bairro - até a banca, passamos por vendedores
ambulantes, prédios residenciais mais sofisticados e outros mais simples, por uma escola
infantil aparentemente abastada, restaurantes no estilo de cantinas e lojas populares com artigos
chineses. Um pouco antes de dobrar a esquina onde se encontra a banca, na rua Irmã Conceição,
um ateliê de costura - bastante simples - para a reforma de roupas. Na sequência, uma loja de
vinis que também serve refeições com pratos sofisticados, como polvo. Na esquina em que fica
a banca, um “boteco” com um cortiço na parte de cima e, logo ao lado, um imponente e moderno
prédio da empresa Schmillevitch Diagnósticos (centro de diagnósticos médicos por imagem).
Na frente, dois restaurantes, um mais sofisticado e outro nem tanto, fazem divisa com uma
floricultura, uma oficina mecânica e com um terreiro de umbanda. O jornalista Carlos Messias,
na reportagem “Santa Cecília, o bairro da turma moderna, que você pode chamar de seu”,
enfatiza suas impressões sobre o lugar:

182
Frequentemente a hipsterização é associada ao fenômeno da gentrificação, que consiste na expulsão de
moradores e comerciantes locais mais antigos e menos abastados por novos moradores ou empresários que
possuem mais dinheiro. Isso acontece, geralmente, atrelado a processos de revitalização de zonas centrais de
grandes cidades. No caso de Santa Cecília, preferimos abordar apenas a hipsterização depois da conversa com
o pesquisador Mauricio Fernandes de Alcântara, que analisa a ocorrência do fenômeno na Vila Buarque, bairro
contíguo a Santa Cecília, pois, segundo ele, “o processo de hipsterização que acontece nos dois bairros é um
só, e abarca os dois bairros (além da República). Em qualquer caso, minha hipótese é que estabelecimentos
como a Banca Tatuí (na Santa Cecília) e a Banca Curva (na Vila Buarque) teriam um impacto absolutamente
irrelevante em eventuais processos de gentrificação - são muito pequenos, têm um público muito específico e
restrito, e não têm poder de atração suficiente para mudar a ‘cara’ do bairro (mesmo que haja um processo de
valorização imobiliária em curso – o que não é necessariamente sinônimo de gentrificação – há agentes muito
mais poderosos em jogo, como as construtoras e grandes empresários da noite).” (informação passada por e-
mail no dia 21 mai. 2019).
146

Andar pela rua Barão de Tatuí, em Santa Cecília, e se deparar com comércios
familiares tais como sapatarias, loja de antiguidades e barbearias causa a sensação de
estar em uma cidade do interior. Isso não fossem os outros estabelecimentos que se
misturam à paisagem e fazem lembrar que estamos em São Paulo: bares e restaurantes
descolados, como o Kraut, inspirado nas lanchonetes de Berlim; a Galeria Pilar,
dedicada à arte contemporânea; lojas de roupa como a recém-inaugurada Pair; e a
Banca Tatuí, sobre a qual acontecem shows aos fins de semana. (MESSIAS, 2017)

À parte do título, um pouco efusivo ao nosso ver, a reportagem é bem útil ao trazer informações
históricas do bairro, como a colonização por estrangeiros, entrevistas com proprietários de
estabelecimentos antigos do bairro e a indicação dos novos empreendimentos. Um ponto
mencionado na passagem supracitada são os shows no fim de semana que acontecem na parte
de cima da Banca. Antes da Sala Tatuí, os lançamentos eram majoritariamente feitos na Banca.
A reforma estrutural do recinto, com pilares de concreto atrás das estruturas de madeira, acabou
por possibilitar que o lugar comportasse pequenas bandas sobre o teto enquanto o público
assistia da calçada e da rua, que é fechada para o evento. Cecília nos relata como isso aconteceu:

Para fazer o jardim [era necessário] botar um monte de terra em cima do teto, o
engenheiro viu a estrutura da banca e falou “olha, se você botar terra aqui a banca
cai!” então ele sugeriu fazer uns pilares escondidos na marcenaria e umas vigas e uma
semana antes de abrir a nova banca que vinha reformada ele falou "bom, agora a sua
banca aguenta uma tonelada e meia” e o João ouviu essa história e falou "a gente pode
botar uma banda aqui em cima?” eu olhei e falei "pera aí, era um jardim! Não tinha
nada de banda aqui!”. O engenheiro fez as contas e falou “’é, uma banda pequena
sim!”. A gente atravessou a rua, tinha uma amiga nossa que é música, cantora,
almoçando no bar da frente e a gente comentou por alto essa história e ela falou “eu
quero tocar!” e na semana seguinte e assim que surgiu o primeiro show.
(ARBOLAVE, 2019)

O recinto adaptado propiciava que o ambiente se tornasse um local de reunião de produtores e


entusiastas das publicações independentes, o que é fundamental para o movimento, já que,
como descrito anteriormente, as feiras são espaços efêmeros de encontros para esses agentes.
Com a Sala Tatuí, tais eventos foram sendo reduzidos paulatinamente e, pelos relatos na live
“Perrengues da Lote 42”, entendemos que isso ocorreu devido às burocracias necessárias para
a autorização dos eventos junto a órgãos públicos. Uma parcela destes foi realizada sem a
autorização prévia e, em alguns casos, a polícia foi chamada, acarretando alguns transtornos na
realização dos lançamentos. De toda forma, a realização dos lançamentos com shows é um
ponto que colaborou bastante para que a Banca se tornasse mais conhecida e publicizada.
147

4. Uma livraria física e uma livreira digital

A Banca Tatuí funciona de segunda a sábado, das 10h às 19h. Quando ela foi inaugurada, o
horário de abertura era às 7h30, devido à crença de João Varella de que existiriam os
costumeiros clientes de bancas de jornais que comprariam o exemplar logo cedo, como
mencionado na live de Arbolave e Varella (2020). Com o entendimento de que esse não seria
o horário ideal para a abertura do empreendimento, houve a readequação, porém, mantendo
certa meticulosidade com o horário: “tem que ser super respeitado, [...] tem gente que vem de
longe conhecer a Banca Tatuí. Se a Banca Tatuí se compromete das dez horas da manhã às
dezenove horas da noite estar aberta, dez horas não é dez e quinze, dezenove horas não é seis e
quarenta e cinco.” (VARELLA, 2019). Esse pensamento deve-se ao que João coloca como um
respeito aos leitores, postura semelhante àquela adotada na editora Lote 42: “o leitor não está
presente fisicamente, literalmente, nas tomadas de decisão, mas ele é, digamos assim, quase
uma presença sobrenatural, metafísica. Ele está presente, ele está nos nossos pensamentos o
tempo todo.” (VARELLA, 2019). Como mencionado anteriormente, Varella e Arbolave sabem
manejar bem seus discursos para que o conteúdo transpareça a versão editada dos
acontecimentos e de suas práticas. O leitor, presente de forma metafísica, parece-nos uma
“bandeira a ser hasteada” discursivamente. Não que essa preocupação não seja legítima,
fazendo parte da práxis cotidiana, todavia, consideramos fundamental remetermos às regras do
jogo do mercado dos bens simbólicos preconizadas por Bourdieu, constantes na discussão do
capítulo 1. Percebemos que a denegação do lado comercial se faz presente em declarações como
essas. A preocupação com os leitores é parte de um discurso mercadológico, afinal, quem
sustenta a editora são os leitores. Logo, preocupar-se com o leitor é também se preocupar com
a saúde financeira da própria empresa.

O livreiro responsável por cuidar da Banca, na maior parte do tempo, é um funcionário


contratado para essa função, haja vista que os proprietários trabalham em outras frentes,
permanecendo na Banca apenas em feriados ou em dias atípicos, como nos domingos em que
há a abertura do empreendimento. A escolha de quem desempenhará o papel de livreiro junto
ao público é relatada por João Varella:

Temos dificuldade às vezes até de encontrar pessoas [para trabalhar na banca],


algumas delas começaram a fazer outras funções na editora e aí a editora, hoje, está
com oito funcionários — eu, a Cecília e mais seis pessoas — e aí acontece da pessoa
dizer ‘ah, quero trabalhar com outra coisa e tal’ e aí vai fazer o e-commerce, vai fazer
a sala Tatuí e a gente precisa achar uma pessoa bacana para ir lá e cuidar de livros e
148

ser esse livreiro, que a gente também quer o livreiro bem na empresa, que goste, que
tenha... a gente não pede que seja uma pessoa que já chegue pronta, craque, uma
doutoranda em publicação independente. Não, a gente quer uma pessoa que tenha
vontade de aprender que queira ir com a gente. Então, às vezes a gente teve
dificuldade, mas [...] geralmente as pessoas ficam um bom tempo lá. (VARELLA,
2019)

O funcionário atualmente responsável pela Banca é Guilherme Ladenthin. Bacharel em Direito,


porém insatisfeito com sua primeira formação, ingressou na faculdade Anhembi Morumbi,
onde cursou os primeiros períodos de produção editorial. Nesse ínterim, o atual livreiro
conheceu os editores da Lote 42, a partir de um curso de formação ministrado na Sala Tatuí, no
qual inscreveu-se pelo interesse em se auto publicar. Quando o entrevistamos, ele estava há
apenas dois meses na função e demonstrava estar muito satisfeito com o trabalho. O livreiro
nos contou que nestes primeiros dois meses não houve um dia sequer sem a comercialização de
títulos. Embora não tenhamos dados para corroborar ou refutar essa afirmação, julgamos ser
relevante mantê-la neste trabalho.

Dada a intensidade de publicações que o livreiro dizia comercializar, questionamos sobre o


conhecimento do acervo, ponto que entendemos como fundamental para a qualidade do
atendimento. Ele nos explicou como foi seu contato: “Em dois meses eu não consegui ler tudo,
mas eu já conheço do que se trata cada título para saber indicar. Quando eu cheguei, eu dei uma
ajeitada no estoque e acabei tocando livro por livro, um por um, o que me ajudou a ter essa
noção de tudo que tem aqui.” (LADENTHIN, 2019). O livreiro também observou que, no
período em que não há atendimento, resta bastante tempo para ler e conhecer melhor as obras.
Ademais, o espaço possibilita uma troca com os leitores sobre os títulos: “Muitas pessoas
chegam perdidas e vão olhando e se interessando por alguma coisa. E o papo é muito bom,
porque às vezes a pessoa quer dar um presente, tem um tema, aí eu vou buscar e vou mostrando
alguns livros”. Ladenthin ainda acrescenta: “aqui não tem nem pra onde correr se não quiser
conversar” (LADENTHIN, 2019), referindo-se ao pequeno espaço físico da Banca.

Com dimensão de 6m² (a Sala Tatuí foi aberta somente em 2019, logo, por cinco anos o espaço
de armazenamento era muito restrito), um aspecto fundamental para a Banca é a curadoria das
obras. Varella aponta que a Banca “precisa ter uma cara definida, precisa ter um projeto, um
foco.” (VARELLA, 2019), enquanto Arbolave explica a complexidade da atividade de seleção:
149

Hoje em dia esse movimento [da produção independente] é muito variado. Então você
tem desde diferentes gêneros, você tem gente que faz literatura, que faz fanzine, que
faz quadrinho, poesia, fotolivro, livro objeto, livro de artista. E também tem pessoas
de diferentes...mesmo dentro dessas categorias, tem estilos diferentes — tem livros
um pouco mais convencionais, tem outros muito mais experimentais, tem outros que
usam técnicas industriais, outros, técnicas artesanais, outros misturam, tem também
pessoas, tipo, de Belo Horizonte, de Brasília, de São Paulo, de vários lugares. Então a
gente tenta apresentar uma seleção que dê conta dessa produção tão variada. É bem
difícil fazer essa seleção porque tem muita gente que chega, tem muita gente
produzindo neste momento, tem uma questão do nosso olhar também, da seleção que
a gente faz, do que a gente acha que por um lado é relevante enquanto publicação
impressa, relevante como mensagem. (ARBOLAVE, 2019)

À parte de expressiva heterogeneidade são destacados pela livreira dois pontos fundamentais:
o alinhamento com a produção independente, entendida como “editoras pequenas, editoras que
não estejam vinculadas a grandes grupos, às vezes é uma editora nova, mas que está vinculada
a um banco então não dá” (ARBOLAVE, 2019) e a correlação com a experimentação gráfica.
Sobre tal ponto, a livreira coloca: “Tem também a questão da experimentação gráfica. Pode até
ser um livro tradicional assim como alguns nossos são [Lote 42], só que tenha uma edição
cuidada, sabe, que seja uma edição bonita, é um pouco isso, também, [porque é] o que público
busca.” (ARBOLAVE, 2019). Estes pontos citados por Arbolave são pertinentes, de acordo
com nossas observações nas feiras que visitamos e, até mesmo, da perspectiva de consumidores
destes produtos por meio da Banca.

Segundo os proprietários, um dos desafios é deixar o espaço sempre atrativo para os


consumidores: “Deixar a Banca viva, ativa, diversificada, atraente. A gente precisa que a pessoa
que visitou a Banca no ano passado hoje veja coisas diferentes.” (VARELLA, 2019). Este
trabalho é permanente, como colocado por Arbolave

Então tem livros, por exemplo, que faz muito tempo que não estão saindo, então
alguns a gente fala: "não, talvez esse é o caso de trocar com a editora por outro novo"
ou "não, esse não sai mas é importante mostrar, é importante que fique aqui". Então,
assim, essa avaliação da seleção de editoras que a gente tem, seleção de publicações,
é constante! Não tem nada que fica fixo! E tem editoras que nesses quatro anos e meio
tem...muita editora surgiu e também muita editora surgiu e acabou. (ARBOLAVE,
2019)

a gente faz uma seleção constante de editoras. Tem muita coisa nova que está
chegando a gente vai recebendo com um cuidado porque, afinal de contas, o espaço é
limitado e a gente não quer cair no que a gente não gostava no começo das livrarias
que é só mostrar o livro pela lombada não mostrar o formato, a parte física e material
dos livros. Então se a gente quer mostrar, a gente também não pode entulhar o espaço
de coisas, então a gente tem que tomar esse cuidado de como mostrar as coisas.”
(ARBOLAVE, 2019)
150

O constante cuidado com a disposição dos livros nos nichos mostra-se essencial devido ao
pequeno espaço disponível. Assim, é importante a avaliação dos títulos que não têm vendagem
depois de certo tempo, além da análise de quais editoras entrarão no acervo e quais sairão.
Ademais, há um complicador, que é a exposição direta para a rua, o que implica em livros
parcialmente sujeitos às intempéries do clima, como a exposição ao sol e à poeira.
Questionamos o livreiro Guilherme Ladenthin a respeito, quando observamos que alguns títulos
expostos horizontalmente em um nicho de madeira na parte mais próxima à porta da banca
estavam parcialmente danificados pela exposição solar: “Sempre tenho que tirar pó, os livros
mais delicados [atualmente] ficam na Sala Tatuí, o fato de estar no tempo faz o livro sofrer um
pouco. Tem editora que, inclusive, manda de amostra” (LADENTHIN, 2019). Essa situação
nos remete a falas esparsas de João Varella ao divagar sobre adversidades a que estão sujeitos
os exemplares. Em situações diversas, ele aponta situações reais ou possíveis - ainda que parte
delas improváveis - no trato cotidiano com objetos materiais delicados: “um leitor chegou lá e
rasgou o livro”; “Ah, mais um deles foi furtado (que é uma coisa que nem acontece muito)”; “a
gente perdeu”; “foi estragado”; “um cachorro solto na rua foi lá e mordeu um zine e estragou”.
O editor relata os procedimentos adotados nas prováveis ocorrências destes episódios: “a gente
paga e o editor nem fica sabendo, claro, porque a gente não gosta disso [...] a gente gosta que
[o livro] chegue a um leitor.” (VARELLA, 2019). À vista desses relatos, por mais que os
exemplos tenham sido dados como “abstrações”, entendemos que podem ocorrer problemas de
diversas ordens, mas que a política dos livreiros é ressarcir o editor parceiro sem maiores
explicações acerca do ocorrido, de modo a manter o respeito tanto com o leitor - que não adquire
exemplares com avarias - quanto com o produtor - que não arca com o ônus de possíveis
estragos.

Outro ponto fundamental nessa pesquisa é observar quem é o público consumidor da Banca.
Quando perguntamos aos dois proprietários e ao funcionário, encontramos uma confluência nas
respostas. João Varella coloca que majoritariamente são “pessoas vinculadas a atividades
criativas, mentais. Eu estou falando de professores, [...] artistas, publicitários, jornalistas,
escritores. É principalmente esse o pessoal que gosta da Banca” e acrescenta que “uma
característica em comum é que é um público bastante exigente. Eles olham a publicação,
detalhes das publicações que às vezes até surpreendem os próprios editores.” (VARELLA,
2019). O editor também cita pessoas que passam na porta e devido à acessibilidade do
empreendimento, acabam por se aproximar: “como é uma banca, ela está muito aberta. Tem
desde transeuntes que estão passando na rua por outra razão param e gostam de uma publicação
151

e levam [...] então acaba sendo diversificado” (VARELLA, 2019). Cecília Arbolave menciona
um público fiel e os transeuntes:

Tem um público que é um público fiel, assim, que vai na banca ou que de repente já
está acostumado a, tipo, precisa de um presente já vai na banca ou está acostumado a
passar pelo bairro e aí passa na banca. Tem um público, também, que está andando
porque tem restaurantes ali perto e de repente anda,vê a banca, olha, entra. Tem
estudante também. O público que nos segue é um público fiel e tal eu sinto que é um
público jovem-adulto que gosta de ser surpreendido, que aprecia essa experimentação
gráfica, que se interessa por [...] literatura, quadrinho, fanzine, cartaz também… E
muita gente é porque talvez já trabalhe na área, é designer, artista, tal, mas outros que
não, que simplesmente se interessam. (ARBOLAVE, 2019)

Já Guilherme Ladenthin observa:

Ladenthin: Em relação aos clientes, [...] não tem um comprador que venha toda
semana. O público é uma classe média, mais jovem, entre 20 e 30 anos. Às vezes
quem vem mais velho, ou tá passando e acha interessante ou já conhece e vem
específico pra comprar um livro. Galera mais jovem ou vem pra conhecer, porque já
conhece das redes sociais porque já saiu muita reportagem aí vem aqui ver ou quem
já conhece vem aqui procurar coisa nova. Essa semana também teve um curso de
design gráfico da Anhembi Morumbi que o professor falou da banca porque iriam
fazer um trabalho sobre zines e veio uma sala inteira.
Entrevistadora: Tem esse outro fluxo também, então?
Ladenthin: Sim, colégios que ligam pra organizar marcar uma excursão.
(LADENTHIN, 2019).

Assim, podemos inferir que a Banca Tatuí atrai o público especializado, porém devido ao seu
formato de banca e por ser de fácil acesso também atrai transeuntes. Ademais, pelo caráter
inovador, também é um “ponto turístico” para os interessados nesse nicho, como observado na
primeira citação transcrita de Varella neste tópico. A faixa etária dos compradores é
majoritariamente jovem-adulta, muitas vezes instigados pelas redes sociais ou até mesmo por
trabalhos de campo de cursos na área da produção gráfica e editoração.

A banca-livraria física também se tornou uma banca virtual, tanto pelo acervo comercializado
na loja virtual quanto pela sua presença nas redes sociais. Usando uma estratégia do marketing
digital conhecida como Brand Persona183, a Tatuí tornou-se uma personagem que enuncia em
primeira pessoa em perfis no Facebook, Instagram, Twitter e em um canal no Youtube. Tal
estratégia traz um engajamento maior à medida que dissimula o aspecto estritamente
mercadológico e aproxima o empreendimento ao consumidor. A personagem virtual remete a

183
Essa estratégia tem como finalidade criar um personagem que se comunique de maneira próxima com os
consumidores.
152

uma figura que pode ser entendida como “livreira digital”, interagindo com o leitor por meio
das redes sociais e intermediando a venda de livros com postagens que indicam títulos.

Imagem 35 – A personagem Banca Tatuí no Instagram184

Além da indicação de títulos, nas redes sociais também são divulgados eventos de lançamentos,
feiras, notícias sobre o mercado. No Youtube, há um compilado de reportagens de veículos de
informação, lives com produtores parceiros e uma série de vídeos chamada Bancatuber185.
Nesta, Varella, Arbolave ou algum dos funcionários fazem pequenas resenhas de livros que
estão disponíveis para venda. Foram produzidas três temporadas da série, a primeira com 39
vídeos foi publicada entre 26 de fevereiro de 2016 a 6 de dezembro de 2016, a segunda conta
com 38 vídeos disponibilizados entre 7 de março e 12 de dezembro de 2017 e a terceira conta
com quatro vídeos entre 12 de março de 2020 e 2 de abril de 2020186. O último título resenhado
no Bancatuber foi o Corredor Polonês: Patife Band da Editora Barbante.

184
Captura de tela da página do Instagram da Banca Tatuí. Disponível em:
https://www.instagram.com/p/Bn6mFSTBV_p/. Acesso em 30 de outubro.
185
Bancatuber. Disponível em:
https://www.youtube.com/playlist?list=PL1xQ9Dwcm2L2Q64wjX5Hyp03UI5DlSN3b. Acesso em 17 de jan.
2019.
186
As gravações foram interrompidas porque a Banca Tatuí foi temporariamente fechada com os decretos
municipais e implantação da quarentena em decorrência do novo Coronavírus. A Banca foi fechada no dia 19
de março de 2020 e até o dia 10 de novembro não havia sido reaberta. O estoque foi realocado para a Sala
Tatuí, que está recebendo compradores com horário agendado.
153

Imagem 36 – Bancatuber do livro Corredor Polonês: Patife Band da Editora Barbante187

Em nossas entrevistas com os editores da Editora Barbante, da Nega Lilu Editora e da Polvilho
Edições, perguntamos quais eram os aspectos positivos e negativos que existiam na parceria
com os livreiros da Banca Tatuí. Um dos pontos positivos mencionados pelos três foi a
divulgação de seus títulos e o engajamento que as redes da Banca Tatuí alcançam devido à
grande atividade.

Eu acho que eles têm as mídias super ativas, sempre postam coisas, direto eles postam
os nossos livros e a gente ganha seguidores com isso porque eles têm uma caralhada
de seguidor. Acho que eles são organizados com isso de sempre estar postando não só
o meu trabalho como o de todo mundo, os recebidos da semana, as novidades.
(ROCHA, 2019).

187
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página
https://www.youtube.com/watch?v=rCegT9ixpAo&t=1s. Acesso em 30 de outubro.
154

Semelhante ao que Ana Rocha argumenta no excerto supracitado, Alessandro Andreola cita as
ações de marketing como a promoção do 7x1 ao dizer que “a Banca tem uma coisa muito forte
[...] dos happenings”. Também menciona a boa divulgação dos seus títulos de uma maneira
“afetiva”, segundo suas palavras, pois “eles sempre estão divulgando os livros, [...] eles sempre
colocam os nossos livros” (ANDREOLA, 2019). Em nossas buscas nas redes sociais,
encontramos posts de divulgação das três casas editoriais:

Imagem 37 – Divulgação da Polvilho Edições na Banca Tatuí188

Imagem 38 – Divulgação da Nega Lilu Editora na Banca Tatuí 189

188
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página https://www.instagram.com/bancatatui/. Acesso em
30 de outubro.
189
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página https://www.instagram.com/bancatatui/. Acesso em
30 de outubro.
155

Imagem 39 – Divulgação da Editora Barbante na Banca Tatuí190

A loja virtual da Banca Tatuí tem um menu horizontal dividido em sete tópicos: Publicações;
Categorias; Quem sou; Quem está aqui; FAQ; Contato e Bancatuber. Na aba Publicações, estão
dispostos os exemplares à venda com títulos de diversas editoras, podendo ser ordenados pelo
preço, do maior ao menor e vice-versa; por letra alfabética A-Z e Z-A; pela data de entrada no
sistema “mais novo ao mais antigo” e pela categoria “mais vendidos”. A aba Categoria, já
mencionada no segundo capítulo, possui subdivisões para facilitar a busca por determinado
gênero ou tipo de publicação. No Quem sou, figura o seguinte texto:

Olá! Sou a Banca Tatuí, um espaço de publicações independentes no centro de São


Paulo. E esta é minha loja virtual! Aqui você vai encontrar publicações de diferentes
temas, gêneros e editoras de várias regiões do Brasil. Se quiser me conhecer
pessoalmente, estou de portas abertas de segunda a sábado, das 10h às 19h, com um
pequeno intervalo para almoço. (BANCA TATUÍ WS, 2019).191

O Quem está aqui também já foi abordado mais detalhadamente na nossa discussão sobre o
corpus. No FAQ, estão respostas para “perguntas frequentes” com informações sobre horário,
formas de pagamento e de entrega. É válido mencionar que quem compra por meio da loja
virtual pode optar por receber pelos Correios ou retirar sua encomenda no local. Na aba

190
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página https://www.instagram.com/bancatatui/. Acesso em
30 de outubro.
191
Depois da Pandemia do coronavírus, o Quem sou foi atualizado para “Olá! Sou a Banca Tatuí, um espaço de
publicações independentes no centro de São Paulo, criado pela editora Lote 42 em outubro de 2014. E esta é
minha loja virtual! Aqui você vai encontrar publicações de diferentes temas, gêneros e editoras de várias
regiões do Brasil. São livros que exploram formatos, acabamentos e temáticas que dificilmente se encontram
em pontos de venda convencionais. Desde meados de março, por causa da pandemia do novo Coronavírus,
estou de portas fechadas. Subi todo meu estoque para a Sala Tatuí e continuo firme e forte aqui, na loja virtual.”
Disponível em: https://www.bancatatui.com.br/quem-sou/. Acesso 7 nov. 2020.
156

Contatos estão citadas todas as redes sociais da editora e há um campo para o envio de perguntas
ou o pedido de informações. A última aba tem uma referência à série Bancatuber, com o vídeo
promocional dos episódios, permitindo o redirecionamento para o Youtube.

Imagem 40 – Interface da loja virtual da Banca Tatuí192

O website é bastante completo: os livros encontram-se catalogados nas páginas de cada editora
com descrições detalhadas dos produtos, incluindo uma pequena sinopse e as especificações
gráficas. A atenção com os metadados193 é fundamental para a comercialização virtual, fator

192
Captura de tela realizada no dia 30 de outubro da página https://www.bancatatui.com.br/categorias/. Acesso
em 30 de outubro.
193
Metadados são um conjunto de informações que propiciam que o leitor, mesmo sem ter o livro em mãos,
consiga ter uma percepção mais clara do produto. Dentre tais informações, podemos elencar: o título e subtítulo
da obra, o número do ISBN, a sinopse, a faixa etária, a data de publicação, o nome do autor/editor, o número
de páginas, as especificações gráficas, entre outros. O uso de metadados torna a busca por títulos mais assertiva,
otimizando a quantidade de vendas e possibilitando a sugestão de livros relacionados.
157

ainda mais relevante quando se trata das publicações independentes, já que boa parte de suas
produções possuem a materialidade diferenciada, contando com formatos, papéis,
encadernações e tipos de impressões diferentes das convencionais, sendo importante para os
consumidores terem essas informações prévias. Como colocado por Cecília Arbolave:

o que a gente percebeu é que muito site tem publicação mas não tem as informações
básicas, por exemplo, a medida, e por um JPEG você não consegue saber se o livro
tem 14x21 ou 10x15, então a gente quer que quem compra na internet tenha maior
quantidade de informações possíveis para que não se frustre, para que saiba o que está
comprando (ARBOLAVE, 2019).

A tarefa nem sempre é simples, pois demanda engajamento dos produtores: “Mas para isso a
gente depende dos editores então a gente [...] manda um link para as editoras para eles
cadastrarem título, medidas, descrição, ilustradores e com todas essas informações a gente
coloca no site” (ARBOLAVE, 2019). Essa atenção aos metadados veio da percepção de que as
vendas da Banca Tatuí se concentravam basicamente nos livros da Lote 42, apesar dos esforços
para que outras editoras também tivessem sucesso na comercialização. Arbolave relata que em
uma reunião com a plataforma Nuvem Shop, em que a loja está hospedada, no começo de 2018,
descobriu-se que havia um problema na responsividade do website e, também, que a falta de
padronização das informações era prejudicial para a venda dos parceiros:

numa reunião na plataforma onde a gente tem nossa loja virtual [...] o cara de lá
percebeu que tinha uma coisa que estava errada, então, no celular a loja não dava para
visualizar direito. Ele alterou uma questão de código [...] E a gente começou a colocar
mais critérios de tipo ‘não, todas as fotos vão ficar assim dessa mesma maneira’ a
gente começou a deixar a loja mais bonitinha. E, também, tinha muito cadastro
atrasado: as pessoas mandavam as informações, mandavam as fotos, mas a gente não
conseguia colocar no ar porque tinha muito trabalho acumulado. Então a gente
chamou um freela, que era o Caíque para ele ficar três dias só subindo produto [...]e
quando a gente fez isso, a gente percebeu que, assim, teve a mudança de código que
deixou a loja responsiva no celular [...] Então uma vez que o Caíque atualizou tudo
isso a gente entrou em um ritmo então agora as pessoas já cadastram e elas mesmas
já nos mandam as fotos, tipo, não é a gente mais que tem ficar pedindo e tal. Os
editores se acostumaram a mandar porque eu acho que eles também percebem que se
eles mandam tem mais chance de vender. (ARBOLAVE, 2019).

A loja virtual possibilita às muitas editoras que não possuem seus próprios canais de venda um
espaço permanente, diferente das feiras. Ademais, a Banca Tatuí também se tornou uma
feirante, levando diversas editoras para feiras mais distantes — inclusive fora do Brasil — com
mesa própria194. Essa estratégia permite que mais editoras cheguem a mais lugares de forma
coletiva, ao mesmo tempo favorece o aumento das vendas da Banca Tatuí e aumenta o prestígio

194
Em algumas feiras, a Lote 42 participa com uma mesa enquanto a Banca Tatuí ocupa outro espaço.
158

destes com os publicadores parceiros. Porém, é interessante perceber que nessas participações
não é possível levar títulos de todas as editoras aliadas, o que implica em uma “curadoria da
curadoria”, provavelmente muito ancorada no prestígio — remetendo a Bourdieu (passim) —
no capital simbólico e social que a editora parceira já tem com os livreiros e dentro do campo.
Em nossas entrevistas, tanto a Polvilho Edições quanto a Barbante citaram que são
comercializadas dessa forma. Ana Rocha foi quem discorreu mais longamente sobre o tema,
pois foi o principal ponto positivo levantado por ela:

De uns anos para cá eles começaram a participar de feiras como Banca Tatuí e não,
necessariamente, como Lote 42. Então, obviamente, eles levam todos os livros da
editora deles, mas eles levam a gente para milhões de feiras que a gente não
conseguiria ir. Para várias dessas feiras, eles são convidados para participar. Eu
imagino que deve ter apoio para passagem, porque eles vão dar uma fala, vão fazer
uma palestra, enfim... Então eu acho que a Banca tem sido essa figura. Talvez mais
importante do que o espaço físico na Rua Barão de Tatuí, é essa banca que é nômade,
que se movimenta, que leva o nosso trabalho para a Latinoamérica toda, até para uns
picos na gringa mais longe ainda que eles participam. E sempre levam, pelo menos os
trabalhos da Polvilho, obviamente não dá para eles levarem das 200 editoras, mas eu
tenho o privilégio de sempre ver meus livros na mesa, nessas feiras... lugares que eu
dificilmente alcançaria, pelo menos por agora... anos-luz de eu conseguir participar
desse tanto de feira. (ROCHA, 2014)

O que fica muito evidente para nós é que a parceria estabelecida com os livreiros vai muito
além da comercialização no espaço físico. Um trecho da fala de Larissa Mundim deixa isso
bastante claro: “É uma parceria que vai só ampliando, veja bem, começa com a Banca Tatuí às
vezes e aí se estende para outras ações da Lote que é uma agitadora fundamental para o mercado
editorial, né, tem a Miolos, faz a feira do Sesc também... “ (MUNDIM, 2019a). Ou seja, adentrar
ao círculo desses produtores não é apenas estabelecer um contrato de distribuição. Pertencer à
Banca Tatuí nos parece um pré-requisito essencial para ter acesso a uma série de outras
iniciativas. No próximo tópico, discorremos mais sobre o funcionamento da Banca aliando
trechos das entrevistas.

5. Por dentro das engrenagens

Para entendermos melhor como funciona a Banca Tatuí, questionamos João Varella sobre o
modelo de negócios e este explica que não há muito mistério: “Ele tira sua receita da venda de
publicações, da venda de livros.” (VARELA, 2019). Achamos pertinente mencionar que,
segundo Cecília Arbolave, “a venda na banca física é maior do que a loja virtual”
159

(ARBOLAVE, 2019). O sistema usado na Banca Tatuí é a venda consignada 195, ou seja, os
publicadores deixam seus produtos e recebem conforme estes são comercializados,
descontando a taxa de 35% da distribuição. Para participar do acervo, o critério estabelecido é
que a editora parceira tenha ao menos três publicações que interesse aos livreiros disponíveis
no catálogo196. Tal fato se justifica pela maneira pela qual é feito o acerto de vendas, afinal,
como eles são consignados197, é interessante para os livreiros que as editoras parceiras tenham
um montante a receber que “justifique” a dedicação necessária para cada acerto. Os títulos são
selecionados pelos livreiros, assim como a quantidade de exemplares que será solicitada. Sobre
essas escolhas João Varella diz: “aí vai do feeling do livreiro, do curador. De três a trinta.”
(VARELLA 2019).

A forma de captar as editoras parceiras, como mencionado anteriormente nas outras livrarias
independentes, é majoritariamente feita por meio das feiras. Segundo João Varella, “as nossas
feiras acabam sendo também usadas para conhecer pessoas novas, conhecer editores novos e aí
tu chama eles [e também] a gente recebe muita gente querendo estar na Banca.” (VARELLA,
2019). Em nossas observações, ao analisarmos a lista de participantes da Miolo(s) ao longo dos
anos, percebemos que, de fato, a maior parte dos produtores parceiros da Banca estão, também,
nas feiras organizadas pelos editores-livreiros. Esse nos parece um indicador de um “circuito
de prestígio” do microcosmo gráfico-independente, no qual quem já possui a chancela de
comercializar na Banca tem seu lugar garantido no evento, ou quem tem o aceite para participar
da Miolo(s) tem potencialmente a chance de ser comercializado na Banca. A tentativa de se
inserir nesse circuito de outra maneira não parece ser muito bem-sucedida, principalmente
quando observamos a fala do livreiro Guilherme Ladenthin, na qual é mencionado o grande
volume de livros enviados para o endereço da Banca, com pedidos de autores e editores para
fazerem parte do acervo. Ladenthin repassa os exemplares para os livreiros editores, porém, na
sua perspectiva, o envio de livros para a banca não é uma prática que resulte necessariamente

195
Sobre a consignação, Varella faz uma breve discussão: “A consignação é vista às vezes como grande vilã, [mas
ela] funciona muito para estimular a diversidade de experimentação quando o livreiro não tem que investir.
Quando ele investe ele vai investir no que é mais seguro, por mais que exista o risco de devolução, se ele
investe dinheiro ele vai na coisa mais segura, mais garantida. A consignação te permite tentar, se não der certo
devolve, [permite] colocar mais livros do que o normal, traz uma tranquilidade. Eu sou um livreiro que também
é editor, eu tenho problema com consignação que não cumpre o combinado que é o de fazer o acerto em um
determinado período, de não fazer o pagamento [...]. Mas a consignação em si, eu não acho que é um
problema.” (VARELA, 2019)
196
No momento do levantamento da nossa pesquisa, não tínhamos ciência desse critério da Banca e encontramos
várias casas editoriais com uma quantidade menor de títulos disponíveis. Acreditamos que a distância temporal
entre levantamento e entrevista justifique tal discrepância ou que existam muitas exceções a essa regra.
197
Similar aos moldes das livrarias tradicionais e das megastores.
160

em efeitos efetivos, posto que Varella e Arbolave não incluem um livro no catálogo apenas por
ter sido endereçado ao local.

A grande quantidade de parceiros é um atrativo para a Banca Tatuí, tanto em termos


publicitários quanto por agregar muitos agentes, o que dinamiza a próprio espaço com a
presença dos produtores. Na entrevista com os editores do nosso corpus, percebemos como essa
multiplicidade de publicadores é vista de maneira dicotômica, pois há o prestígio de fazer parte
dessa curadoria ao mesmo tempo que existe certa insatisfação pela difícil visibilidade em meio
a tantas publicações. Larissa Mundim é quem articula claramente esses dois pontos em sua fala,
quando questionada sobre aspectos positivos e negativos:

O aspecto positivo, sem dúvida, está relacionado a essa vitrine fantástica que é a Banca
Tatuí com todo o histórico que ela tem e a oportunidade de fazer parte desse casting
incrível, né? Eu soube que são mais de 200 iniciativas ali representadas – entre
pequenas editoras, centros literários, coletivos criativos, artistas gráficos — isso é um
aspecto positivo inegável. Acho que o aspecto negativo que a gente pode considerar é
justamente relacionado a esse positivo. O fato de haver, em um espaço que é pequeno,
mas muito charmoso, uma quantidade muito grande de livros para exposição... talvez
a visibilidade, a exposição dos produtos poderia ser melhorada se houvesse um espaço
maior. Mas existem sempre o aspecto positivo e o negativo, às vezes em um espaço
maior a gente não iria ter também essa lenda que é a Banca Tatuí e eu acho que é
bacana também aumentar a quantidade de acervo, a diversidade do acervo. Então eu
acho muito mais interessante ter 230 iniciativas representadas do que 50, eu acredito
que quando tinha só 50 também a visibilidade às vezes na apresentação do produto
poderia ser melhor, mas a diversidade maior é mais interessante. (MUNDIM, 2019B)

A fala de Mundim, de certa forma muito política, quando perguntada sobre o ponto de venda,
traz tanto os dois pontos supracitados, como reforça a honra e prestígio de comercializar nesse
local. À parte de Larissa Mundim ter suas falas muito bem estruturadas previamente,
percebemos também uma tentativa de apontar coisas negativas sem se indispor com os
proprietários, usando um léxico bastante elogioso. Já Ana Rocha, tanto por idiossincrasia
quanto por ter um lugar consolidado no campo há mais tempo, põe a questão da curadoria em
outros termos:

Um ponto negativo, talvez, que eu acho que me prejudique, em particular, é que eu


acho que lá tem muita coisa já. Quando você vai visitar já é um lugar massarocado de
coisas, acho que eles já têm mais de 100 editoras sendo comercializadas lá na Banca
que é um espaço minúsculo, super pequenininho mesmo. Enfim... eu fui poucas vezes
na Banca, tem até um tempo que eu não vou, a última vez que eu fui foi no final do
ano passado, quando eu lancei o Howhy lá na Sala Tatuí. Então eu acho que,
eventualmente, já está difícil de ver, já pode ter um monte de porcaria (no meu gosto,
também é gosto, é questão de gosto). (ROCHA, 2019)
161

Ana Rocha também reforça essa questão ao observar que, na própria livraria, faz um outro tipo
de curadoria, comercializando menos produtores, porém, em um segmento mais alinhado a seus
gostos. De maneira quase diametralmente oposta, Alessandro Andreola não menciona o excesso
de produtores para um pequeno espaço, apontando apenas a importância de fazer parte do grupo
selecionado. Quando perguntado sobre aspectos positivos e negativos de comercializar na
Banca, ele explica: “para a gente é mais vitrine, sabe? Assim, por mais que seja bom para a
gente ter lá na Banca Tatuí, [...], para a gente é muito mais vitrine do que volume de vendas”
(ANDREOLA, 2019b). O uso da palavra vitrine por Larissa Mundim, Alessandro Andreola e
Paola Marques nos remete ao mercado dos bens simbólicos e à importância de capitais que vão
além do econômico. Principalmente ao observarmos que os responsáveis pelas duas editoras
apontam uma baixa vendagem no ponto e um pequeno retorno financeiro.198 Integrar um
circuito prestigioso, aos olhos destes, buscando o acúmulo dos capitais sociais, culturais e
simbólicos é o principal motivo de figurarem como parceiros na Banca.

Ademais, essas casas editoriais — assim como uma parte considerável do microcosmo gráfico-
independente — surgiram da autopublicação, ou seja, são autores que não passaram pelo rito
de consagração editorial (seja pela negativa, seja por opção) e, em virtude disso, buscaram ser
seus próprios “banqueiros culturais”. Entretanto, para fazer com que suas criações tenham
notoriedade, é necessário que estes estejam integrados em circuitos de produções culturais para
realizar a alquimia social imprescindível na conversão de um produto em objeto sagrado e
consagrado. Bourdieu em A produção da crença (2008) trata sobre essa alquimia colocando
que o “[...] conjunto dos agentes envolvidos no campo da produção, ou seja, tanto os artistas e
os escritores obscuros quanto os mestres consagrados, quanto os críticos e os editores [...], tanto
os clientes entusiastas quanto os vendedores convencidos” (BOURDIEU, 2008, p. 29)
colaboram de maneira assimétricas porém cumulativas para que o processo de legitimação
aconteça. Entendemos que ao buscar a Banca Tatuí como uma vitrine, tais editores também
buscam o “efeito chancela” que produtores mais bem posicionados no campo, como Arbolave
e Varella, podem conferir a aqueles recém-chegados, colaborando para tornarem-se conhecidos

198
Larissa Mundim em outro excerto afirma: “A Nega Lilu Editora vende pouco na Banca Tatuí, eu acho que tem
trimestre que eles fazem o acerto comigo de um/dois livros. Eu não sei se é uma questão minha, eu acredito
que tem gente que, por ser mais pop em São Paulo, deva vender mais, a Nega Lilu vende bem pouco na Banca
Tatuí, como eu falei inicialmente, me interessa bastante estar presente naquela vitrine integrada a um casting
que eu admiro, que tem uma qualidade editorial sensacional, a melhor do Brasil entre os independentes. Então,
para mim, é muito honrado estar no meio dessas pessoas, mas do ponto de vista financeiro para a gente não
tem uma vantagem nesse sentido. Eu vendo muito mais em outros lugares, mas eu faço questão de estar na
Banca Tatuí, sim, eu me sinto honrada de estar lá, de terem reconhecido na curadoria da Banca Tatuí a
possibilidade do nosso trabalho formar conjunto, entendeu?” (2019b).
162

e reconhecidos por seus pares. Percebemos que a criação da Polvilho Edições, anterior à própria
Lote 42, faz com que Ana Rocha reconheça a importância dos agentes e da Banca Tatuí, mas a
vitrine não é um dos fatores ressaltados por ela.

Na Banca Tatuí, quando os títulos consignados de parceiros não têm uma boa vendagem, eles
são devolvidos: “Acontece, mas leva às vezes um ano e meio e está parado aí a gente prefere
devolver. Às vezes o problema é nosso, não é da publicação, não necessariamente a publicação
é ruim, [...] com a gente não funcionou e tudo bem, segue o jogo.” (VARELLA, 2019). Já no
caso de se esgotarem, é necessário entrar em contato com os produtores para pedir reposição, o
que nem sempre é uma tarefa simples “às vezes tem editora que demora para mandar.”
(VARELLA, 2019). No capítulo anterior, percebemos outro viés, quando os editores explicitam
a dificuldade de enviar os exemplares para reposição, tanto pelo custo do frete quanto pela
própria disponibilidade de títulos de baixa tiragem.

Os acertos acontecem trimestralmente e segundo o editor, essa opção funciona bem “porque é
uma forma de ter quatro momentos no ano para fazer esse grande balanço e ter um controle
firme de estoque.” (VARELLA, 2019). Levando-se em consideração que são mais de 200
produtores com acertos individuais e muitas vezes com valores baixos, a escolha do acerto
trimestral também é abordado por Arbolave:

Nas livrarias tradicionais, em geral, é a cada mês, só que eles têm sistemas diferentes
para gerar esses relatórios, eles têm equipes maiores para fazer os pagamentos. A
gente falou ‘a cada 3 meses a gente consegue pagar tudo, tirar um monte de relatórios,
200 relatórios, 200 transferências’. Então a gente preferiu fazer dessa maneira e desde
o começo da banca e a gente faz isso de uma forma muito regular é nosso sistema e
funciona. (ARBOLAVE, 2019)

O sistema da Banca com 35% de comissão e acerto a cada três meses foi mencionado
voluntariamente pelos três editores do nosso corpus. Alessandro Andreola e Paola Marques, da
Editora Barbante, e Ana Rocha, da Polvilho Edições, acenam que o valor da taxa cobrada é bom
dentro dos parâmetros destes, principalmente quando observada a diferença percentual com as
livrarias maiores. Em contrapartida, Larissa Mundim, da Nega Lilu Editora, aponta que, na sua
perspectiva, “o ideal para qualquer iniciativa independente no mercado editorial é trabalhar com
uma comissão de venda de até 30 % do preço de capa” (MUNDIM, 2019a). Já sobre o acerto
trimestral, Ana Rocha acena como um ponto positivo e menciona que é o mesmo adotado na
Polvilho Livraria, enquanto Larissa Mundim pondera sobre o fato:
163

eu não considero positivo é o acerto trimestral. Poderia ser bimestral, já seria melhor,
eu faço opção [nO Jardim] por um acerto mensal mesmo que seja um pequeno repasse
a ser feito. Mas eu compreendo também que um volume maior de clientes sendo
atendidos em um acerto mensal, às vezes um depósito que é de 19 reais, de 20 reais,
vai causar um problema grande, mensalmente vai ser uma ocupação de tempo enorme.
[...] Pelo menos bimestral, porque eu acho que mensal também... tem gente que tem
produto muito baratinho e que eu nem sei com que frequência é vendido (MUNDIM,
2019)

A escolha pelos acertos a cada três meses é justificada pelos livreiros, também, como uma
maneira de serem rigorosos nos pagamentos, não dando margem a atrasos independente dos
valores que cada parceiro tenha a receber. João Varella afirma que, quando abriram a Banca, o
intuito era ter um ponto similar “a livraria ideal, o que nós — como editora — gostaríamos de
trabalhar que é, por exemplo: mandar os acertos de maneira correta e dentro do prazo, é o que
a gente faz, pode gravar, pode falar e não tem problema nenhum, é tudo dentro do prazo! É uma
obsessão nossa!” (VARELLA, 2019). Essa afirmação foi corroborada pelas editoras do nosso
corpus e quem mais discorreu sobre o tema foi Ana Rocha:

Eles são hiper profissionais com os acertos. Inclusive é uma coisa que antes de eu
abrir a loja [Polvilho Livraria] eu me preocupei demais em também ser super honesta
e pagar certinho. [...] E um ponto negativo de quase todos os pontos de venda é isso,
os calotes. O cara nunca mais te paga, some, você cobra mil vezes e somem com as
suas coisas. Eu acho que um ponto super positivo é organização interna deles, de pedir
as reposições, eles sempre te mandam um e-mail dizendo que chegou. É uma coisa
bem profissional mesmo. (ROCHA, 2019)

O profissionalismo, citado pela editora, serve-nos de mote para a discussão final. Encontramos
nas falas dos editores demarcações de que a Banca Tatuí, enquanto modelo de negócios ou
enquanto iniciativa criativa, foi uma espécie de inspiração para esses editores que também
abriram suas livrarias. Em alguns casos, o aceno a essa inspiração está nas entrelinhas, como
no caso de Ana Rocha, ao dizer sobre sua preocupação em fazer os acertos de maneira
organizada ou quando esta estabelece aproximações e distanciamentos do seu empreendimento
à Banca Tatuí. Já no caso dos responsáveis pela Editora Barbante, eles relatam:

A gente queria ter feito a livraria há muito tempo já, assim, mas era sempre um plano
muito modesto [...] a gente pegou o modelo da Banca porque para a gente como editor
funcionava. [...] Não é fácil ter uma livraria com essa porcentagem, é muito difícil, é
um negócio que é muito no limite, sabe? Mas a gente pegou isso. E a outra coisa é
essa de pagar os editores, a gente se arrebenta aqui para pagar, sabe? [...] Então a
Banca é com certeza uma inspiração nesse sentido.[...]E aí quando a gente abriu... isso
foi muito engraçado também porque a primeira pessoa (dos editores) que a gente
contou, [...] o primeiro material que a gente pegou foi da Lote 42 porque estava de
novo tendo bienal de quadrinhos aqui, a Cecília estava aqui e a gente foi lá encontrar
164

ela, aí a gente contou para ela: ‘Cecília, a gente vai abrir uma livraria…’ e ela
‘Compraram a banca?!’ E eu falei ‘Não, não compramos a banca, mas vamos abrir
uma livraria’. (ANDREOLA, 2019b)

A menção à compra de uma banca no excerto supracitado ocorre porque, em um encontro


anterior com Arbolave, os editores falaram em tom de brincadeira que abririam uma filial da
Tatuí em Curitiba. Apesar dessa insinuação, a Livraria Barbante — assim como as outras duas
livrarias das editoras parceiras — surge inspirada no modelo de negócios paulistano, mas com
uma proposta de espaço físico diferente e com uma curadoria mais direcionada ao público
desses produtores. Essa parte é ressaltada por Paola Marques ao constatar: “é claro que a
livraria Barbante tem a nossa cara, o nosso mix, a nossa curadoria do que a gente acha que o
nosso público aqui vai gostar ou de coisas que a gente mesmo conhece e traz, [...] tem toda uma
coisa particular também, não é tudo um copia e cola, né?” (MARQUES, 2019b).

Já Larissa Mundim, ao discorrer sobre a Banca Tatuí, menciona a ampliação do conceito de


livraria que contribuiu para pensar um espaço de ponto de venda físico diferenciado como nO
Jardim: “A gente tem na Banca Tatuí uma inspiração fantástica porque amplia o conceito de
livraria, faz apropriação de um espaço que começa a entrar em desuso — que são as bancas de
revista — e que traz novidade, traz inovação, traz curiosidade. [...]” (MUNDIM, 2019a). Outro
tópico abordado é a relevância da Banca como uma das primeiras iniciativas com maior
visibilidade na imprensa, fazendo a ressalva de que “com certeza outras iniciativas surgiram
antes, mas com menos visibilidade” (MUNDIM, 2019a). Para a editora, a Tatuí colaborou tanto
para jogar luz à para a existência de iniciativas pré-existentes quanto inspirou a existência de
novas:

a gente reconhece enquanto algo que existiu, de forma pioneira, e que encontrou meios
de se autossustentar. Isso significa que é possível e isso significa também uma
oportunidade de a gente dar escoamento de um jeito criativo para desenvolvimento de
outras ideias, isso significa esperança, isso significa inspiração mesmo para outras
ideias. Porque se uma iniciativa que era bastante anterior conseguiu sobreviver e se
tornar referencial é porque existem fórmulas a serem descobertas, é estímulo para que
a gente possa estar sempre se reinventando. (MUNDIM, 2019b).

Dessa maneira, entendemos que a Banca inspirou de diferentes formas tais agentes, inclusive
demonstrando que era possível a ampliação dos seus negócios para além da criação das suas
casas editoriais.
165

CONCLUSÃO

A pesquisa aqui documentada passou por diferentes estágios ao longo de sua execução. Como
mencionado na Introdução, a princípio escolhemos a Banca Tatuí como eixo central, tanto pela
familiaridade com os empreendimentos dos editores da Lote 42, advinda do Trabalho de
Conclusão de Curso, quanto por acreditarmos que seria pertinente traçar uma comparação dos
modelos de negócios das grandes livrarias com o das pequenas casas livreiras. Tomar esse
caminho nos mostrou que partíamos de um pressuposto complicado, pois tratavam-se de
modelos de negócios diferentes em sua essência, com públicos consumidores diferentes.
Ademais, o declínio das livrarias Cultura e Saraiva podem, sim, denotar uma tendência à
mudança na forma de comercializar livros, mas não podemos apontar com precisão se o modelo
de megastore está em declínio à medida que percebemos o crescimento de outras redes de
livrarias. Assim, optamos por manter o foco na Banca Tatuí e nas relações com os editores
parceiros, para discutir como funcionava o empreendimento livreiro.

No campo teórico, não localizamos fortes referenciais teóricos que abordassem livrarias, haja
vista que a maior parte dos trabalhos encontrados tinha cunho exclusivamente histórico.
Partimos, então, para a busca de teorias que abarcassem o mercado de livros e, na simples busca
de uma definição de “mercado”, percebemos a complexidade que esse termo comporta. Tal
busca gerou uma extensa pesquisa que nos fez passar por diferentes escolas do pensamento
econômico, pela institucionalização da Sociologia Econômica e pela Sociologia dos Mercados.
Esse percurso - ainda que não apareça densamente nesta dissertação - foi importante para
encontrarmos nossa definição de mercado: uma estrutura de difícil delimitação, em que são
realizadas trocas por indivíduos socialmente construídos, que precificam, negociam,
especulam, consomem e vendem bens, produtos, serviços e experiências, por meio de
transações monetizadas ou não. Como o nosso principal objeto de pesquisa não necessitava de
uma discussão a fundo sobre a origem dos debates relacionados ao surgimento da Sociologia
Econômica, optamos por passar parte desse levantamento para as notas, com vistas a
debruçarmo-nos posteriormente sobre elas.

Para embasar nossa pesquisa propriamente, encontramos no Mercado dos Bens Simbólicos,
preconizado por Pierre Bourdieu, uma possibilidade de entender como ocorre o comércio no
campo das artes, afinal, este se fundamenta em uma "economia às avessas", na qual a principal
moeda corrente é o prestígio, relegando as trocas pecuniárias para um segundo plano. Quando
166

observávamos a prática dos editores independentes, ficava bastante claro que, para boa parte
deles, o lucro financeiro parecia ser um objetivo secundário, em parte pelas vicissitudes do
mercado de livros, em parte mobilizados pelo interesse de se autopublicar, integrar um grupo e
participar de uma cena efervescente. As teorias do mercado dos bens simbólicos colaboraram
para entendermos e embasarmos o funcionamento desse campo. Afinal, as características
elencadas no primeiro capítulo — a denegação, as práticas de dupla face, o compartilhamento
da crença, as relações entre dominantes e dominados e a conversão de objetos em bens
simbólicos — mantiveram-se presentes ao longo de toda essa pesquisa, à medida que colhíamos
as entrevistas e discutíamos as práticas desses agentes.

Outro ponto importante cuja menção se faz relevante nesse texto final é o subcampo das
independentes, colocado no final do Capítulo 1, no qual utilizamos majoritariamente as teorias
de José Muniz Júnior para observar as práticas no campo. Apesar da familiaridade com vários
estudos sobre o tema, entendemos que parte das discussões já publicadas retratavam a produção
de uma maneira diferente da qual a entendemos hoje, por vezes como um termo esvaziado e
caindo na obsolescência. Ademais, poucos eram aqueles que versavam tão especificamente
sobre o universo que estávamos analisando e nos pareceu interessante partir da tipologia
“girafas” e “bonsais” para situarmos a quais produtores nos referíamos. Entretanto, ao longo da
investigação, percebemos que tais categorias já não contemplavam de fato nosso objeto de
pesquisa e, portanto, optamos por trabalhar com a ideia de um “microcosmo gráfico-
independente”, termo que nos parece circunscrever mais propriamente os agentes com os quais
lidamos. O termo, pensado para esta dissertação, tenta atuar para certa desestabilização das
categorias anteriores, evidenciando - pelo não pertencimento - as tantas matizes que existem
entre essas duas tipologias, que entendemos como dois polos, semelhante aos polos de Bourdieu
(arte pura e arte comercial). Ao longo da escrita, apontamos também, ainda que brevemente,
mudanças que percebemos na cena independente nesses últimos anos: editores menos jovens e
menos empolgados com a participação em feiras, buscando maior estabilidade e
profissionalização no ramo da edição - fato notado por nós a partir de conversas com produtores
durantes as feiras e pela abertura dos próprios empreendimentos realizada pelas editoras do
nosso corpus, o que denota para nós uma tentativa de estabilização e rentabilidade nesse
mercado. Entretanto, tudo isso foi tomando contornos mais evidentes em um momento em que
a pesquisa já estava muito avançada, afinal, já tínhamos feito as entrevistas e qualificado o
projeto inicial. Mesmo assim, buscamos em certa medida redirecionar a rota para abordar esse
assunto, objetivo apenas parcialmente alcançado na medida em que verificamos não ter dados
167

suficientes para embasá-lo como argumento central. Assim, apontamos nossas hipóteses no
final do Capítulo 1, com o intento de indicar que a cena passava por mudanças, mas não nos
centramos efetivamente nessa discussão, visto que possuíamos apenas indícios - demarcados
brevemente no Capítulo 2.

Nesse capítulo subsequente, trouxemos o mapeamento da Banca Tatuí para explicar como
chegamos ao corpus de editoras entrevistadas. Se antes já percebíamos o campo independente
como um espaço heterogêneo, no levantamento concluímos que, por mais que tentássemos
delimitar e caracterizar como era o microcosmo gráfico-editorial, seria inviável explicitar todos
os vieses que tal grupo comportava. As editoras do nosso corpus, por mais que este tenha sido
selecionado em busca de certa coesão, tinham em si muitas peculiaridades. A melhor forma que
encontramos de explicitá-las foi fazer pequenos estudos de casos. Tal passo mostrou-se
fundamental para entendermos a dinâmica dos capitais preconizados por Bourdieu e como essas
casas figuravam dentro do microcosmo gráfico-independente.

A Polvilho Edições, mais consolidada e há mais tempo no campo, apesar de não ter um catálogo
longo, tinha um alto grau de profissionalização, perceptível inclusive pela estrutura de seu site
e pelas redes sociais com um número de seguidores considerável (7.465), se observadas as
outras editoras do corpus. O contato com Ana Rocha deixou claro, na sua linguagem e na forma
como ela se posicionava, que conceder entrevistas sobre a casa editorial não era uma novidade
para a agente, inclusive na demora em concedê-la, apesar de estarmos na mesma cidade. Nos
registros, percebemos um léxico que não denotava uma espécie de acatamento a agentes que
tomamos como dominantes no campo, como Varella e Arbolave, ao contrário do que
percebemos com os outros editores.

Já Larissa Mundim, com falas bem estruturadas e claras, demonstrou muito boa vontade
conosco e com a pesquisa. Com o maior catálogo dentre as selecionadas para a pesquisa,
percebemos que a Nega Lilu Editora é parte de um projeto muito maior que a agente chama de
visão e-cêntrica. As atividades da casa editorial ficam dispersas entre os vários projetos que a
editora encampa, quase sempre amparada por verbas públicas. A própria página do Instagram
(proveniente do redirecionamento do website da Nega Lilu Editora) com 3.288 seguidores nos
leva à dúvida: “de quem é essa conta?”. Seria pessoal, da editora ou dos seus múltiplos projetos?
Concluímos que são as três coisas. Quanto à casa editorial, apesar de ter sido fundada em 2013,
parece-nos que o fato desta não estar localizada próxima às ditas capitais editoriais faz com que
168

seja mais dificultoso angariar prestígio no movimento que se centra majoritariamente presente
no eixo Rio-São Paulo. Ainda assim, fica claro para nós a tentativa dessa agente em tornar-se
líder (na definição de Muniz Jr., usada previamente), organizando feiras e mobilizando eventos.

Pesquisar a Barbante Editora foi uma das experiências mais elucidativas sobre a questão da
autossustentabilidade editorial que encontramos nesta pesquisa. Quando fizemos o
levantamento, encontramos a primeira casa editorial com seu próprio ponto de venda físico e
uma proposta de títulos que tinham grande interface com a experimentação gráfica. No nosso
primeiro contato e ao acompanhar as redes, atualmente com 1287 seguidores, víamos uma
promissora pequena casa editorial, a mais jovem destas que trouxemos, buscando crescer e se
consolidar na cena independente. Quando conseguimos realizar a entrevista, pouco antes do
nascimento da filha dos donos do estabelecimento, encontramos um casal ainda empolgado
com a cena independente, mas bastante preocupado com a sustentabilidade do negócio. Até
então, estes já tinham empreendido bastante tempo — em um curto prazo —, e indiretamente
dinheiro — haja vista que trabalham paralelamente como freelancers — para fazer sua
empreitada lograr êxito. Pouco depois da entrevista, a livraria foi fechada com o anúncio de que
os projetos da casa editorial seriam retomados com mais vigor. Em 2020, não vimos isso
acontecer e a Barbante Editora aparentemente caminha para uma espécie de limbo: um hobby
de pessoas que não têm mais tempo para se dedicarem a ele. A visão dos editores sobre a Banca
Tatuí e sobre os editores-livreiros era da mais profunda admiração. Eles foram os únicos que
não conseguiram apontar pontos negativos em serem parceiros. Um trecho da fala de Paola
Marques nos parece pertinente para demonstrar isso e também para passarmos às nossas
conclusões sobre a Banca Tatuí:

eu acho que de alguma maneira a Banca nos colocou nesse cenário. A gente enxerga
como um dos parceiros relevantes que nos garantiu... não é bem um aval a palavra,
tem um nome assim... uma chancela de que tipo ‘olha, a gente está com a Banca e eles
estão aprovando o que a gente está fazendo então…’. Fomos explorar novos lugares
e isso contou pontos de estar lá e ser apresentado para pessoas que se interessam em
visitarem e conhecerem a partir de lá, então acho que foi uma coisa que faz diferença
porque muita gente nos conhece a partir de lá também. As parcerias que a gente faz
[...] querendo ou não eles foram uma referência para a gente. (MARQUES, 2019b)

Esse excerto nos ajudou a compreender quem eram João Varella e Cecília Arbolave para parte
dos editores do microcosmo gráfico-independente. Agitadores culturais, com múltiplas
iniciativas, eles começaram com uma pequena editora, porém possuindo uma grande
penetrabilidade na imprensa e uma boa rede contatos na cena cultural paulistana. João Varella
169

nos parece um empreendedor “nato” com um bom tino comercial e Cecília Arbolave, uma
pessoa atenta às minúcias dos empreendimentos, fazendo com que estes tenham um caráter
inovador e sejam esteticamente orientados. Com o tempo, mobilizaram uma grande rede de
produtores em torno dos seus projetos, angariando prestígio e legitimidade. Ao mesmo tempo,
a dupla escolhe e “consagra” empreendimentos recém chegados no campo, aumentando suas
redes. O léxico que Paola Marques usa é interessante para tal percepção: “aval”, “chancela”,
“contar pontos”; assim como a “vitrine” mencionada por Mundim e Andreola no capítulo 3.

Ao longo do processo dessa pesquisa, fomos depreendendo que as respostas para nossa pergunta
central — “Como a Banca Tatuí constitui-se um ponto de venda físico relevante para editoras
independentes?” — não estavam exatamente ligada ao aspecto financeiro, mas sim aos
simbólicos. Ao discutirmos como as casas editoriais comercializam suas produções, ficou
evidente que a venda em pontos físicos parceiros não é a melhor forma de comercializar em
termos de lucratividade, muito pelo contrário, é onde os editores têm a menor margem de lucro
devido ao desconto da taxa de distribuição e ao valor do frete de envio por Correios. As vendas
diretas em lançamentos e em eventos similares são aquelas que tem menor custo e maior
garantia de retorno financeiro em um curto espaço de tempo. As feiras também são consideradas
espaços de boa vendagem, contudo, é necessário contabilizar os custos financeiros e a logística
de deslocamento para tais eventos. As lojas virtuais asseguram que as vendas aconteçam em
menor volume, porém de maneira perene. Por fim, os próprios pontos de vendas também
permitem a perenidade da comercialização, garantem uma boa margem de lucro e possibilitam
o comércio de outras parceiras, conquanto tenham as despesas de custeio da manutenção do
espaço.

Dessa forma, a Banca Tatuí é um ponto relevante para esses produtores, não pelo aspecto
financeiro, mas por ser uma “porta de entrada” para que estes adentrem o circuito gráfico-
independente. Com a diversificação de atividades de João Varella e Cecilia Arbolave, e o
prestígio já acumulado por estes, entrar nesse circuito é, também, a garantia de participação em
uma série de eventos correlatos, como as feiras e as lives, além da divulgação especializada por
meio das redes sociais da Banca Tatuí com 23.600 seguidores no Instagram. Concluímos,
portanto, que no microcosmo gráfico-independente, as características do mercado de bens
simbólicos são evidentes, haja vista que o principal intuito dos editores, ao fazerem parceria
com a Banca Tatuí, é a busca, em primeira instância, pela chancela e o acúmulo de capital
170

social, cultural e simbólico, para posteriormente — e não necessariamente pela via da Banca
— acumular o econômico.

Por fim, o percurso de nossa dissertação demonstrou vários caminhos por quais novas pesquisas
podem se debruçar. Todo trabalho de investigação elege um recorte e, ao realizá-lo em forma
de texto, muitos itinerários possíveis são abandonados. Nesse sentido, a análise mais demorada
das práticas de cada editora aqui apresentada - ou de outras - já indiciaria rotas possíveis para a
avaliação da heterogeneidade dos fazeres de pequenos negócios do ramo da edição. Por outro
lado, notamos um vácuo quanto ao estudo do comércio do livro propriamente dito,
especialmente aquele emblematizado nas figuras da livraria e do livreiro. Talvez a permanente
compreensão do livro como objeto aurático continue mostrando seus efeitos pela ausência de
investigações acadêmicas de maior fôlego nessa seara.

Para além da questão do comércio propriamente dito, outras indagações permanecem no ar,
haja vista o tema ser indelevelmente contemporâneo e sujeito aos reveses do tempo presente.
Como se portará o movimento, caso a disputa pelo signo valorativo “independente” realmente
caia em desuso? Quais as estratégias levadas a cabo durante e pós-pandemia serão realmente
relevantes de modo a reconfigurar ou manter a cena do microcosmo gráfico-independente? Os
casos aqui estudados tomarão novas posições frente às mudanças impostas pela Covid-19 ou
ficarão registrados nestas páginas como memória de uma época? Tais perguntas apontam, por
um lado, uma série de descaminhos e, por outro, uma vereda por onde pode se espraiar o olhar
investigativo.
171

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179

APÊNDICE A – LEVANTAMENTO DA FEIRA MIOLO(S)199

A Feira Miolo(s) é a mais proeminente e antiga dentre as organizadas por Varella e Arbolave.
Ocorre anualmente na Biblioteca Pública Mário de Andrade -– maior biblioteca pública de São
Paulo e a segunda maior do país. A primeira edição foi realizada no dia primeiro de novembro
de 2014 e concentrou 59 expositores. Não existem muitos registros sobre essa edição. A
segunda200 foi realizada no dia 7 de novembro de 2015, das 10h às 18h com 117 expositores201.
O artista Fabio Zimbres foi homenageado com uma mostra de zines, livros e arte gráfica,
abarcando produções do início da década de 1980 até o ano da produção do evento. Também
foi entregue o primeiro prêmio Miolo(s), organizado em parceria com a Associação Brasileira
de Encadernação e Restauro (ABER). Aconteceu uma programação paralela com três palestras
e oficinas de serigrafia e encadernação.202

Em 2016, a terceira edição203 foi realizada no dia 5 de novembro, com 109 expositores204. O
homenageado da edição foi o editor-artista Massao Ohno (1936-2010), com uma exposição
sobre sua trajetória, mostrando seus principais trabalhos e a exibição do documentário Massao
Ohno: Poesia Presente. O evento durou das 12h às 23h59 e contou com algumas inovações: a
programação paralela, agora denominada Fala Miolo(s) aumentou para nove palestras com
duração de 40 minutos ministradas por produtores sobre temas do universo das publicações
impressas. As palestras do Fala Miolo(s) 2016 foram: 13h Inspiração do próprio umbigo com
Ale Kalko; 14h Autopublicação: o autor como editor com Vanderley Mendonça (Demônio
Negro); 15h LoveHurts: faça o que eu digo, não faça o que eu fiz com Murilo Martins; 16h
Dançar à margem: existe vida literária fora do convencional com Cecilia Arbolave; 17h Livros
de fotografia: experiência de desejo, com Alexandre Belém; 18h O mundo em uma plataforma:

199
O intuito deste apêndice relaciona-se a uma atividade de memória e registro, posto que as informações sobre a
Feira Miolo(s) apenas estão disponíveis de forma dispersa em páginas de eventos em redes sociais. Visto que
a efemeridade é uma característica intrínseca da internet, resolvemos deixar esta súmula documentada com
vistas a servir de fonte a possíveis novas pesquisas.
200
Todas as informações levantadas sobre essa edição estão disponíveis em: http://www.lote42.com.br/feira-
miolos-2015/index.html. Acesso em: 06 de nov. 2020.
201
A lista de participantes da edição 2015 está disponível em: http://www.lote42.com.br/feira-miolos-
2015/participantes.html. Acesso 15 de fev 2020.
202
As atividades paralelas foram: Zinestória com Douglas Utescher (Ugra Press); Publique Livros, Crie Editoras
com João Varella (Lote 42); Narrativas impressas: texto, imagem e design com Gustavo Piqueira (Casa Rex),
Oficina de serigrafia com Estúdio Elástico; Oficina de encadernação com a ABER.
203
Todas as informações foram compiladas a partir da página do evento no Facebook. Disponível em:
https://www.facebook.com/events/172861646410616/permalink/313296282367151/. Acesso 15 de fev 2020.
204
Lista de participantes: de 2016 disponível em:
https://www.facebook.com/events/172861646410616/permalink/313296282367151/. Acesso 15 de fev 2020.
180

a experiência do Publication Studio para edição, produção e distribuição no mesmo lugar, com
Laura Daviña e Julia Ayerbe; 19h Por quadrinhos menos toscos: como o design editorial pode
deixar o seu quadrinho mais bonito ou mais tosco, se for o caso com Lobo e Magenta King;
20h Quadrinhos versus artes clássicas com Bruno Maron; 21h Massa Ohno, o colecionador de
instantes, com Paola Preste, diretora do documentário (em parceria com Juliana Kaseexibido)
às 22h. As duas oficinas sobre fanzine-objeto e serigrafia integraram o Esquenta Miolo(s) no
fim de semana anterior à feira. A segunda edição do prêmio Miolos foi entregue no dia 4, noite
anterior à realização da feira.

Em 2017, a quarta edição205 foi realizada no dia 11 de novembro das 11h às 23h com 156
feirantes.206 Pela primeira vez, a feira ocupou o 1º e 2º andares da Biblioteca Mário de Andrade,
além do térreo. O homenageado foi o autor-editor-impressor inglês Morris Cox e a curadoria
da exposição de sua obra foi feita pelo designer Gustavo Piqueira, que lançou o livro
Gogmagog!: Morris Cox e sua Gogmagog Press (2017), em sua homenagem, pela Lote 42,
inaugurando a Coleção Gráfica Particular. Nesse ano, não houve uma terceira edição do Prêmio
Miolos, que segue descontinuado. O Fala Miolo(s) teve onze palestras em sequência e foi
transmitido ao vivo pelas redes sociais207: 12h Arte impressa, onde está e para onde vai? com
João Varella; 13h Colaboração e subversão na cena de quadrinhos e ilustração independente
na Inglaterra com Ligaya Salazar, (curadora do festival ELCAF - East London Comics & Arts
Festival); 14h Morris Cox: notável autor, ilustre desconhecido, com Gustavo Piqueira (Casa
Rex); 15h O que um livro pode despertar nas crianças?, com Camila Feltre, arte-educadora,
graduada em Artes Visuais e mestre em Artes pela Unesp; 16h A singularidade das editoras
artesanais no Brasil, com Flávio Vignoli, (Tipografia do Zé); 17h Falando de falar sobre
quadrinhos, com Lielson Zeni e Maria Clara Carneiro, do (Balbúrdia); 18h Técnicas, materiais
e variações gráficas no design experimental de livros, com Silvia Nastari (Editora Quelônio);
19h Publicar como prática artística, com Regina Melim, professora e pesquisadora na
Graduação e na Pós-Graduação em Artes Visuais na Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC); 20h O livro de artista, processos criativos e desdobramentos, com Ana Rocha
(Polvilho Edições); 21h A tipografia como expressão artística com Claudio Rocha, (Oficina

205
Todas as informações da Miolo(s) 2017 foram compiladas a partir da página do evento no Facebook:
https://www.facebook.com/events/1382624781774816/?active_tab=about. Acesso 15 de fev 2020.
206
A lista de participantes da edição 2017 está disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=1827496657264019. Acesso 15 de fev 2020
207
As palestras do Fala Miolo(s) 2017 foram: A gravação está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=rD2Svb9WBt8. Acesso 15 de fev 2020.
181

Tipográfica São Paulo). O Esquenta Miolo(s)208 aconteceu de 6 a 10 de novembro com 5


atividades: duas oficinas - xilogravura e encadernação -, duas palestras e um debate com
editoras e artistas denominado “Feiras, farras e afins - próximos capítulos de uma cena sem
roteiro”, realizado na noite anterior à feira. Neste participaram outros organizadores de feiras
do cenário independente:

Bia Bittencourt, do Festival Plana (São Paulo), Tais Koshino e Daniel Lopes, da Feira
DENTE (Brasília), Daniela Cantuária P. Utescher e Douglas Utescher, da Ugra Fest
e Des.Gráfica, DW Ribatski, da Feira Breve, Murilo Martins, da Casa da Porta
Amarela (Paraty), Feira Kraft (equipe completa!), Fotolab Linaibah, de A Ponte
Gráfica (Niteroi), Marcela Pacola e Fabiana Pacola Ius, da Feira SUB (Campinas),
Pedro Lima, do Pique Nique Zine (Rio de Janeiro), Ana Paula Francotti, da Maru99,
Felipe Melhado, Feira Dobra. (LOTE 42 FB, 2017)

A participação desses organizadores indicia o prestígio que a Miolo(s) já tinha aumulado em


2017, ao conseguir trazer para o debate outros produtores de feiras que despontaram
anteriormente na cena ou que figuram como as principais do calendário nacional.

Em 2018, sua quinta edição209 ocorreu no dia 10 de novembro com 153 expositores210 e o
homenageado foi o escritor e editor mineiro Sebastião Nunes. Novamente a curadoria foi feita
por Gustavo Piqueira, que tinha lançado o título Sebastião Nunes: Delirante Lucidez (2018)
pela coleção Gráfica Particular. Na semana anterior, de 5 a 9 de novembro, aconteceu o
Esquenta Miolo(s) com oficinas de zines de tipografia experimental, palestras e um “bate-papo”
com Sebastião Nunes211. O Fala Miolos, também transmitido ao vivo nas redes sociais, teve
nove palestras no mesmo esquema dos anos anteriores com duração de uma hora 40 minutos a
uma hora para cada produtor e a temática escolhida. 13h O não-lugar das publicações
independentes para crianças, com Peter O Sagae ; 14h A arte do livro e o livro de artista: entre

208
A Programação do Esquenta Miolo(s) 2017: 06/11 Editar é preciso, viver também é preciso, com João Varella
e Cecilia Arbolave; 07/11 Morris Cox de perto, com Gustavo Piqueira; 08/11 oficina encadernação Seguir a
fibra do papel, com Estela Vilela; 09/11 a oficina de gravura em relevo O X da xilogravura, com Gilberto Tomé
e 10/11 o debate Feiras, farras e afins -- próximos capítulos de uma cena sem roteiro. Disponível em:
https://www.facebook.com/events/386115741802585/?active_tab=about. Acesso 15 de fev 2020.
209
Todas as informações da Miolo(s) 2018 foram compiladas a partir da página do evento no Facebook:
https://www.facebook.com/events/373096109885047/. Acesso 15 de fev 2020.
210
A lista de participantes da edição 2018 está disponível em:
https://www.facebook.com/Lote42/photos/a.576474145699616/2276656109014736/?type=3&theater.
Acesso em: 19 nov. 2020.
211
Programação do Esquenta Miolo(s) 2018: 5/11 A materialidade do livro de literatura: entre o visível e o
invisível, com Iara Pierro de Camargo, 6/11 Oficina de tipografia experimental, com Heloísa Etelvina; 7/11
Oficina de minizines, com Fabio Zimbres; 8/11 Pergunte Qualquer Pergunta (PQP) para João Varella e Cecilia
Arbolave (palestra transmitida ao vivo), 9/11 Entrevista aberta a Sebastião Nunes. Programação do fala
Miolo(s) 2019: A gravação na íntegra do Fala Miolo(s) está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Xy4b17sLZAI. Acesso 15 de fev 2020.
182

perspectivas e processos, com Marrytsa Melo; 15h: Livro cartonero como objeto de resistência,
com Lúcia Rosa; 16h O livro fora do livro, com Gilberto Tomé (Gráfica-Fábrica); 17h
Sebastião Nunes: delirante lucidez, com Gustavo Piqueira; 18h Zine: autoformação e
resistência democrática, com Lovelove6 ; 19h O Sul é meu Norte: arte impressa no Rio da
Prata, com Darío Marroche; 20h Arte impressa no Nordeste: produção, fomento e enxerimento,
com Marina Cavalcante; 21h Retrato coletivo das feiras, festas e festivais independentes, com
Nathanael Araújo, pesquisador sobre feiras de publicação independente.

Em 2019, a sexta edição212 foi realizada pela primeira vez em dois dias, 2 e 3 de novembro das
12h às 20h, e foram usados os 3 andares da Biblioteca Mário de Andrade e o térreo com 183
expositores. Como mencionado no capítulo anterior, o terceiro andar acolheu 47 propostas
editoriais mais jovens que se revezaram: 23 expuseram no sábado e 24 no domingo. Não houve
nenhum artista homenageado na edição. A programação do Fala Miolo(s) aconteceu nos dias
de evento com transmissão ao vivo nas redes sociais, posteriormente disponibilizadas na página
do Youtube da Lote 42. Ao total foram 14 palestras:

dia 2 de novembro: 12h Um panorama da produção de arte impressa, com João Varella
e Cecilia Arbolave (Lote 42 / Banca Tatuí / Sala Tatuí); 13h Estratégias para amenizar
a invisibilidade da produção gráfica-literária fora dos centros, com Larissa Mundim
(Nega Lilu Editora / E-cêntrica); 14h Livro objeto na Argentina, com Gustavo Darío
López (Proyecto VOX); 15h A tradição reinventada: editar livros hoje, com Paulo
Verano (Edições Barbatana); 16h Ateliê de impressão como projeto social, com Luiz
Lira (Xilo Ceasa); 17h Um puñado de literatura latino-americana, com Laura Del Rey
(Editora Incompleta); 18h Processos, colagens e narrativas, com Ricardo Rodrigues
(Experimentos Impressos); 19h Eu nunca leio, só vejo figuras: livro de artista para
crianças, com Amir Brito Cadôr (Coleção Livro de Artista / Edições Andante).
[Programação do Fala Miolo(s)] dia 3 de novembro:13h Transcriação: da fala pro
papel e vice-versa, com Daniel Minchoni (sarau do burro); 14h Publicações de artista
como cartografia de territórios possíveis, com Vânia Medeiros (Conspire Edições);
15h Novas vozes na literatura nas suas primeiras publicações, com Eduardo Lacerda
(Editora Patuá); 16h Caminhos de livrarias e editoras independentes na Colômbia,
com Alejandra Algorta (Cardumen) e Andrea Triana (NADA); 17h Histórias em
quadrinhos: gênero e representação, com Gabriela De Sousa Borges (Mina de HQ);
18h As quatro décadas dos Cadernos Negros, com Esmeralda Ribeiro e Márcio
Barbosa; 19h Criação coletiva e experimental de arte gráfica, com Daniel Bu Eno
(Chari Vari). (LOTE 42 FB, 2019)

O esquenta Miolo(s)213 aconteceu no decorrer da semana anterior com oficinas e palestras. Na


sexta-feira, aconteceu o debate Feiras de publicações: esboços para um futuro próximo com

212
Todas as informações sobre a feira Miolo(s) 2019 estão disponíveis em:
https://www.facebook.com/events/632129677261534/. Acesso em 15 jan. 2020.
213
Programação do Esquenta Miolo(s) 2019: 28/10 Introdução à produção gráfica para livros, com Cecilia
Arbolave, da Lote 42 (oficina teórica); 29/10 Princípios analógicos para a criação de publicações, com Gilberto
Tomé, da Gráficafábrica (oficina prática); 30/10 O conteúdo define a forma? Ou é a forma quem molda o
183

mediação da Lote 42 no qual participaram tanto produtores quanto pesquisadores sobre edição
independente.214

A sétima edição da Feira Miolo(s), marcada para acontecer nos dias 5 e 6 de dezembro de 2020
com 100 produtores, será virtual devido à restrição de aglomerações motivada pela pandemia
do novo Coronavírus. Segundo o site Publishnews, as editoras “montarão estandes virtuais por
meio de lives no Instagram para apresentar seus trabalhos. Para que o público possa conhecer o
máximo de editoras e artistas, os participantes serão divididos em dias e faixas de horários
específicos.”215A lista de participantes foi disponibilizada no final de outubro.

APÊNDICE B – TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS

Larissa Mundim - Nega Lilu Editora (12/05/2020)

Samara [P1]: Queria que você me contasse como surgiu a editora, a Nega Lilu.
Larissa Mundim [F1]: A Nega Lilu Editora surgiu em Goiás, 2013, a partir de um desejo de
autopublicação. Assim como muitos de nós, né, no mercado editorial independente, a nossa
iniciativa coletiva surge a partir de autopublicação. Foi assim comigo, eu desejava publicar um
romance ficcional diferentão que tinha provavelmente uma rejeição enorme em função da
arquitetura, da estética dele, as vezes até a temática... e também tem o fato de eu estar
produzindo no interior do país, né, no Centro-oeste que é um espaço que a gente reconhece do
ponto de vista territorial invisibilizado, assim como o Norte e Nordeste a despeito de muita
produção, de muita produção qualificada. Então, para existir enquanto escritora, me auto
publiquei. Assim que eu me vi formada aprendemos a fazer livros tínhamos o desejo, desde o
princípio, de fazer livros lindos mas em seguida a gente descobriu que isso era insuficiente,

conteúdo?, com Gustavo Piqueira, da Casa Rex (palestra); 31/10; Risografia em contexto: história,
especificidades e usos criativos, com Igor Arume e Daniel Bicho, Risotrip (oficina teórica); 1/11 Feiras de
publicações: esboços para um futuro próximo, com mediação da Lote 42. Disponível em:
https://www.facebook.com/events/484378958810596/?event_time_id=484378965477262. Acesso em 20 jan
2020.
214
“Da galera da produção, já estão confirmados Darío Marroche (microutopías, Uruguai), Lucas Gehre (DENTE,
Brasília), Wallison Gontijo (Feira Textura, Belo Horizonte), Marcela Pacola e Fabiana Pacola Ius (Feira SUB),
Mu Tron (A Casa da Porta Amarela, Paraty), Renan Costa Lima (Feira Publica, São Paulo) e Ana Paula
Francotti (Maru 99, São Paulo). Já do lado do povo das teses e dissertações estarão por lá José Muniz Jr.,
Samara Mirian Coutinho, Gabriela Costa e Jozz Zugliani” Disponível em:
https://www.facebook.com/Lote42/posts/2966711050009235. Acesso 20 de fev. 2020.
215
Informações sobre Feira Miolos 2020 no site Publishnews. Disponível em:
https://www.publishnews.com.br/materias/2020/09/22/feira-miolos-tera-edicao-virtual?rdst_srcid=2218145.
Acesso em 05 de nov. 2020
184

então a gente começou a fazer livros não apenas lindos. Começamos então a publicar outros
autores, especialmente autoras do estado de Goiás buscando dar para eles oportunidade de
existência no mercado editorial, mas a partir de uma proposta que fosse não convencional. Eu
nunca fui convencional portanto as minhas coisas também jamais poderiam ser e... começamos
então a buscar alternativas de circulação dessa produção. Então a Nega Lilu Editora surge no
Brasil central com esse objetivo inicialmente: fazer livros lindos depois fazer a conexão entre
os autores locais para publicação e em seguida a circulação.
P1: Bacana! E, assim, eu queria saber um pouco da trajetória dela, como que foi, como são as
publicações, o catálogo, você me contar um pouco da... sabe, assim, para além do surgimento
da Nega Lilu, assim, o que você pode me contar dela?
F1: Olha, eu estive recentemente, na quinta-feira, em São Paulo naqueles momentos de bate-
papo que era um momento conduzido pelo João Varela e aí ele me pergunta um pouco sobre o
que é a Nega Lilu, como é que ela funciona e aí eu fiz esse exercício de pensar a respeito do
que nós somos, afinal de contas, existe de alguma maneira uma heterogeneidade em todas as
iniciativas, mas é justamente isso que nos une, né, e que nos amalgama. Então, o que a gente
pode dizer sobre as iniciativas que são editoriais independentes do Brasil, como um todo, é que
somos todas heterogêneas: cada uma tem um modo de funcionar. Mas o que eu pensei naquela
ocasião para responder a pergunta do João é que a Nega Lilu Editora tem trilhado um caminho
que passa pela militância, a militância cultural e o desenvolvimento social, passando o espaço
para sujeitos e grupos invisibilizados. Por isso nosso desejo sempre de priorizar a publicação
de mulheres, mulheres negras, população LGBTQI...às vezes com uma iniciativa ou com um
resultado menos efetivo do que algumas editoras que tem foco exatamente nisso, por exemplo,
a Padê Editorial – do distrito federal que conseguiu ((inint)) [00:09:19] que tem o foco em
mulheres negras e população LGBTQI – isso um tanto...definição da linha editorial dela. Ou o
Coletivo Auá – também de Brasília, que prioriza a publicação de autores e autoras indígenas.
Essas são editoras que têm foco nessa linha editorial. A Nega Lilu Editora, a despeito de
privilegiar esses grupos, que eu chamo de sub representados, nós temos, então, uma inserção
um pouco mais difusa, mais aberta e temos também como objetivo é...dar oportunidade aos
novos autores.
A cada dois anos a gente abre, então, um edital que busca selecionar, mapear os novos goianos
tanto da poesia, quanto da prosa. Então publicamos antologias na Coleção E/Ou, tanto na poesia
quanto na prosa, estamos caminhando para a publicação do segundo volume. Eu penso que a
médio e longo prazo nós teríamos nessa antologia uma espécie de mapeamento da nova geração
185

literária do estado de Goiás, então, isso a gente pensa sobre identificar e qualificar quem está
chegando, também, para a gente se fortalecer enquanto grupo.
Eu penso que, fundamentalmente, a Nega Lilu existe também por incentivo das leis municipal,
estadual de incentivo a cultura...recurso público para publicação de novos autores...isso também
foi fundamental para a gente ampliar o nosso catálogo. Mas, de forma geral, quando eu olho
para os mais de 20 títulos já publicados por nós, entre os livros de formato físico e formato
eletrônico -- audiolivro e e-books-- a gente percebe um traço militante, um traço que busca
afirmação da cultura e dos direitos humanos.
P1: É...eu fiz um levantamento de tudo que vocês tinham, então... tem aquele Césio, que é... aí
eu fiquei tentando entender... aí tinha um de culinária, um de teatro...e antes eu ficava tentando
entender como ligar os pontos, assim, do catálogo...e agora você acabou de me falar porque a
culinária é cultura, teatro é cultura...tipo, assim, eu acho que tem uma linha aí que se...
F1: Tem. Tem uma coerência, sem dúvida, agora, uma coisa que eu sempre preciso observar
em relação aquele livro de culinária é que a culinária é só um plano de fundo para uma história
incrível, sabe aquele livro que surge a partir de uma história incrível? Ali a gente tem o seguinte:
um livro de receitas que fez 50 anos em 2018 e que foi objeto de pesquisa em patrimônio
imaterial... e que surge assim: ele, inicialmente, era um caderno de finanças escrito pelo
Agnaldo, na medida que o Agnaldo se torna Nádia Coler o livro de finanças se torna o caderno
de receitas. Então é um livro sobre uma mulher trans, no início do século passado, numa cidade
extremamente conservadora, que é a cidade de Goiás...oportunidade em que a autora da
pesquisa é...faz uma revisão de algumas receitas atualizando ingredientes e medidas e aproveita
a oportunidade para biografar as autoras a quem aquelas receitas são atribuídas. Então, é um
livro sobre o matriarcado na cidade de Goiás, mais do que um livro de receitas.
P1: Pois é, porque essa informação a gente não tem pela internet, que show! Então você vai me
mandar ele também, por favor, vou comprar ele também, preciso!
F1: Isso! Está quase esgotando.
P1: Ai, quero, quero muito!
F1: Tem o livro sobre o Césio, que brilha no escuro, então, esses assuntos eles são assuntos que
a gente considera relevantes e que de alguma maneira no projeto gráfico a gente busca
surpreender o leitor, se é que isso é possível em 2019.
P1: Ah, mas é possível sim. O Césio brilha no escuro?
F1: Brilha.
P1: Gente! Olha, está vendo? Tem muita coisa que falta, assim, que eu sinto falta de ir e pegar
por causa disso. É...
186

F1: A gente fez uma capa impressa em serigrafia e tem uma mão que está na capa e na
contracapa e essa mão foi serigrafada com pigmento luminescente, então ele capta luz e a noite
ou na sombra ele brilha verde.
P1: Gente! Show de bola! Nossa, eu quero! Aí, meu Deus, quero todos...É...bom, então vamos
falar das formas de venda porque isso é uma coisa que eu tenho pensado muito na minha
pesquisa porque acaba que a parte bonita e bela da independência, assim, dos editores...eu vejo
até muita coisa sendo falada, já vejo pesquisa, mas eu não vejo...não vi pesquisa falando da
questão de se auto sustentar, das dificuldades de vender...Porque, assim, é... muito lugar vê o
livro com uma aura muito grande e esquece dessa parte que o livro é um objeto comercial. E
quem está fazendo um livro tem uma questão, assim: ele se auto sustenta com isso ou se não,
se dá prejuízo ou não...é por isso que eu comecei a pensar como que está esse mercado, sabe?
A minha inquietação é muito disso, porque é uma coisa que eu quero muito que dê certo, quero
muito essas editoras conseguindo se sustentar, isso tudo acontecendo, mas nem sempre eu vejo
isso como uma realidade, sabe? Então, aí, por isso que eu já venho te perguntando assim: quais
formas que vocês usam para comercializar os livros da...que você usa para comercializar os
livros da Nega Lilu?
F1: Olha, de certa maneira, todos nós – editoras independentes, coletivos criativos de alta
qualidade, artistas gráficos – a gente acaba desenvolvendo o nosso próprio modo de operação.
É claro que existem as referências que nos auxiliam, mas existe também um desejo muito
grande de inovação no modo de operar porque existe uma fórmula pronta desde o século XIX
no processo de implantação de um modus operandi do mercado editorial que é esse falido que
a gente vê aí, né, com fratura exposta tanto nas livrarias quanto nas editoras. O desejo de inovar,
de renovar é justamente algo que é bastante presente, você deve ter identificado aí na sua
pesquisa, porque não existe uma fórmula, não existe um plano de negócios, muitas vezes e
quem se organiza um pouco mais é...
((interrupção))[00:16:20] a [00:16:46]
Então, muitas vezes a gente vai descobrindo à medida que vai caminhando vai fazendo, é assim.
Da mesma maneira aconteceu com a Nega Lilu Editora, o primeiro desafio foi dominar
tecnicamente o fazer livros, em seguida nos deparar com uma pilha de livros e pensar "vamos
circular" negando um modo de operar pré-existente que não nos representa, naturalmente sendo,
então, instigados a inovar, a recriar a partir de bases porque a reinvenção da roda não é
necessária, mas existem alguns novos meios ou variáveis que são razoavelmente recentes que
puderam nos ajudar como, por exemplo, a web, a internet. Então o e-commerce é naturalmente
um caminho para a gente, mas como nossa função trata muito da fisicalidade do livro, é
187

necessário que a gente esteja fazendo uma exposição do trabalho de maneira a proporcionar
para o nosso consumidor final a oportunidade de tocar no livro, de verificar o quanto ele é
especial, o quanto ele é diferentão para que ele possa, de repente, perceber a diferença entre um
livro que é editado pelo mercado tradicional – que tem um determinado acabamento, um
determinado preço – e esse produto que é o nosso, esse que vem sendo desenvolvido de forma
mais artesanal pelas editoras independentes e que vem, sim, provocando mudanças no mercado
tradicional uma vez que ele se vê em maus lençóis também buscando reinvenção, por isso as
feiras são importantes.
Então a gente tem esse esforço que é pessoal, que é...muitas vezes do editor mas muitas vezes
do autor, eu sempre falo quando as pessoas estão me ouvindo e são de uma outra área de atuação
e eu pergunto "qual é a chance de você comprar um livro do Chico Buarque do próprio Chico
Buarque?" – não que ele não seja um cara muito bacana e talvez gostasse dessa ideia – mas é
que ele tem um contrato com uma editora tradicional que trata o comércio do livro de uma
maneira diferenciada, existem, então, mediadores entre o autor e o leitor, o que é uma pena,
isso é o que provocou um distanciamento enorme, né, entre o autor e o leitor fazendo, inclusive
com que o autor tivesse muitas perdas históricas, entre elas a forma como o direito autoral é
tratado: até dez por cento é o que a lei sugere, mas a prática mesmo – e eu acho pouco, dez por
cento eu acho bem pouco em se tratando da pessoa responsável pela existência do livro – e
pratica-se cinco/seis por cento sobre o preço de capa, então, isso é uma outra coisa que a gente
discute, né?
Então as feiras são essa oportunidade, mas eu creio que a partir da compreensão de que o contato
com o autor ou editor, para o leitor, é importante para a compreensão daquele produto – do
diferencial dele, do preço de capa dele – nós sempre estamos criando situações de venda ou de
encontro com o leitor. Então, não são só as feiras, é...que felizmente acontece em todo o país,
mas que já chegaram em um momento em que precisam ser reinventadas porque acaba que a
uniformidade que começa a aparecer de forma gritante e acaba, também, que acontece a
apropriação do mercado formal e tradicional dessa nossa fórmula. Então, é necessário
reinvenção o tempo todo, esse o nosso desafio. A gente já falou sobre o e-commerce, as feiras,
os eventos que são promovidos permanentemente, né – bate-papos, lançamentos...– de forma
incansável. Tem também uma estratégia de a gente se infiltrar dentro de eventos que têm
relações com o que a gente faz – festivais de cinema...– outras situações como eventos
universitários dos cursos que têm relações com as Letras...infiltrações! Eu penso que as
infiltrações são próprias desse nosso movimento e existe também, quando a gente fecha
circuito, a criação do nosso próprio ponto de venda.
188

A gente tem na Banca Tatuí uma inspiração fantástica porque amplia o conceito de livraria, faz
apropriação de um espaço que começa a entrar em desuso – que são as bancas de revista – e
que traz novidade, traz inovação, traz curiosidade. Sou muito feliz de saber que a Banca Tatuí
existiu um dia e inspirou tantas outras iniciativas depois, é...nos trouxe coragem para poder
empreender, assim, tenho certeza que no Brasil todo, muitas iniciativas estão pipocando por aí
em função de um dia a Banca Tatuí existir. E a gente cita a Banca Tatuí porque é uma das
primeiras iniciativas, com certeza outras iniciativas surgiram antes, mas com menos visibilidade
na imprensa, mas reforçaram a existência de outras pré-existentes e inspiraram a existência de
novas, eu poderia citar inúmeras. A existência da Banca Tatuí também encoraja uma iniciativa
que é nossa porque nós realizamos a Feira E-cêntrica de Publicações Independentes em Goiânia,
ela já integra o Calendário Nacional de Feiras Independentes, uma das primeiras, né – acontece
em fevereiro e março porque acaba que o calendário acaba se aquecendo a partir de maio e vai
até novembro, né, com muitas feiras, mas a E-cêntrica é uma das primeiras – e isso a gente
considera estratégico, Samara, porque o início do ano as vezes é muito difícil para a gente...tem
as vendas do Natal... mas janeiro e fevereiro são meses mais complicados de baixo faturamento.
Então uma feira que acontece no início do ano pode ser animadora. É uma oportunidade que a
gente tem às vezes de conhecer as pessoas que estão em outras partes do país para cair lá em
Goiás na nossa feira.
O que eu mais respondia para as pessoas que residem em Goiânia quando a Feira E-cêntrica
terminava era sempre assim "quando é que é a próxima?" ou "onde é que eu encontro esses
produtos para compra extemporaneamente?". Então, a partir da recorrência dessas perguntas,
eu resolvi criar uma vitrine para oferecer um ponto de venda para esses produtos. A curadoria
que é minha e da Sofia Pinheiro, da Feira E-cêntrica, eu fiz então uma curadoria da curadoria e
selecionei alguns produtos que integram hoje O Jardim, que é o nosso ponto de venda. Eu digo
que O Jardim não é uma livraria, é um Jardim mesmo –com muitos livros especiais, zines e
artes gráficas – e que tem muitas plantas, tanto tem plantas como livros e esse é o conceito do
nosso espaço, é um conceito expandido de livraria, consequentemente, que traz um conceito
expandido de livro trazendo uma oportunidade para que o ((inint)) [00:24:11] pense que o livro
pode ser muito mais daquilo que se sugere que ele seja. Eu costumo dizer que dificilmente
alguém pode me convencer de que a escrita ou a ilustração em um pote não é um livro, então,
a pessoa tem que batalhar muito para me dizer que aquilo não é um livro quando a gente pensa
sobre ((interrupção)) [00:24:38] a [00:24:44] um conceito expandido de livro. Eu quero levar
para lá...
P1: Sim.
189

F1: Tanto é que é um espaço diferentão, é uma não-livraria diferentona.


[00:25:01] a [00:25:26]
Bom, você falou quase tudo, assim, que eu acho que tinha para te perguntar é... então, assim,
eu ia perguntar quais são os pontos positivos...assim, por onde você vende...você vê uma venda
maior...o que você vê, assim, pensando em todas essas formas de vender que você falou...como
você vê, assim?
F1: Ah sim. Do ponto de vista positivo, né, eu vejo que esse aspecto de... Eu vejo, assim, do
ponto de vista positivo a possível surpresa – a partir do acabamento do livro, da pequena tiragem
– realmente é bastante positivo...a pessoa chega no ponto de venda ou acessa o seu site, ou te
encontra na feira e, desavisado, acha aquilo espetacular, incrível, novidade, né, surpreendente...
Isso continua sendo um diferencial do nosso trabalho, que é o acabamento e uma tiragem
provocando uma sensação de colecionismo, isso é muito bom.
A possibilidade de a gente ter uma diversidade muito grande de trabalhos é... não conheço
nenhum trabalho no país que seja, por exemplo como o da ((inint)) [00:26:45] não conheço
nenhum trabalho no país que seja como o da Padê Editorial, ou seja, o caráter identitário desses
materiais também é um ponto positivo, um diferencial de tema. Alguns aspectos que são
negativos é que nós temos dificuldade de circulação e esse é o grande gargalo de uma cadeia
produtiva que se propõe independente porque o que nos faz independente? é a nossa fonte de
recurso para a produção? Não. É o nosso meio de produção? Também não. É o fato de a gente
ter escolhido prescindir do trabalho de uma distribuidora formal e também não amparar o nosso
trabalho em pontos de venda e fazer esse esforço, então, que é punk de ir até o nosso consumidor
final. A cadeia produtiva do nível independente é, na minha visão ((interrupção)) [00:27:42] a
[00:28:00] . Na minha visão, a cadeia produtiva do livro independente é punk do começo ao
fim, ela começa com o faça você mesmo da produção e termina com o faça você mesmo
também, que é a venda.
Eu não vou contratar ninguém para vender para mim, eu vou fazer isso pessoalmente. O ponto
negativo desse aspecto que poderia ser positivo do ponto de vista de distribuição dos percentuais
é justamente esse desafio da venda em escala, então, a gente vende mas vende pontualmente
porque tem que buscar uma oportunidade de venda e a gente vende, mas vende em pequena
escala. O nosso desafio – e quem inventar esse modo de operar vai nos fazer um grande bem e
eu acho que deve compartilhar com todo mundo, né, num deve guardar para si – é, justamente,
encontrar meios de situação para que a venda seja em escala. Então, eu percebo em todo ponto,
seja no mercado editorial tradicional ou no mercado editorial independente, buscas de
alternativa para a venda.
190

Eu integro a CNIC – que é a Convenção Nacional de Incentivo a Cultura, da Secretaria Nacional


de Fomento a Cultura, que hoje está dentro do Ministério da Cidadania em função da extinção
do Ministério da Cultura – e a gente percebe que os nossos perfis de conselheiros são
complementares. Eu trabalho na análise de projetos da Lei Rouanet juntamente com uma pessoa
que trabalhou, presidiu, dirigiu, a CBL – que é a Câmara Brasileira do Livro – durante muito
tempo. Então, é uma instituição que tem uma importância muito grande no mercado editorial
tradicional que promove a Bienal do Livro de São Paulo, né, e que de alguma forma impacta
muito no comportamento do mercado tradicional. Eu sei que a CBL também está buscando
formas de inovar...promoções que possam aproximar o leitor do livro, formas de fazer com que
o livro circule de uma maneira mais...como é que se diz isso? prestigiada. Formas para que o
livro circule de forma mais prestigiada no país em que apenas 56 por cento da população
brasileira se declara leitora, a partir daquela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil que é,
inclusive encomendada pela CBL a partir do Instituto Pró-livro. Ou seja, a gente tem que se
virar e reinventar o tempo inteiro formas de fazer com que livro circule, mas eu também sou
favorável a fazer com que esse livro não seja qualquer livro porque quando a gente vê esse
momento em que a gente tem que batalhar o leitor, as ações de estímulo dentro da formação de
leitores precisam, também, bastante especiais assim como os livros que circulam. Tem que ser
livros que sejam objetos de desejo para a gente alcançar esse leitor.'
P1: É...Eu não sei com essa barulhada como é que vai ficar esses áudios, mas aí qualquer coisa,
também, eu estou pensando que pelo menos já tendo uma filmagem, umas falas da parte que
estiver menos barulhenta...se eu precisar de alguma pergunta posso te pedir por WhatsApp você
me manda um áudio, assim?
F1: Mando, mando sim.

P1: Mas eu queria que você me contasse da E-cêntrica, de como que funciona e eu nem vi o
Coletivo E/Ou que parece que é um rolê muito interessante de militância... fiquei curiosa, assim,
a respeito disso também. Mas, enfim, se você puder me contar um pouco disso...
F1: Certo. Começando, então, pelo Coletivo E/Ou... é justamente aquela iniciativa de apoio a
novos autores e autoras. A cada dois anos a gente abre um editorial e aí nós buscamos na poesia
e na prosa novos autores de Goiás. É uma iniciativa que publica uma antologia a cada dois anos,
é publicada com recurso público, então, é um processo totalmente democratizado. Tanto
consiste de uma seleção pública quanto de apoio a novos autores, são inéditos ou éditos com
até dois anos de publicação resultando em uma coletânea que é integralmente distribuída por
eles, por isso a justificativa de tratar esse projeto com o recurso público. E aí a gente acredita
191

que a médio e longo prazo, a publicação dessas antologias vai dar para a gente uma ideia
bastante concreta do mapeamento da nova geração dos goianos e goianas na literatura.
P1: Legal, né.
F1: Esse é o E/Ou, né?
P1: Sim.
F1: A E-cêntrica eu acho que é a menina dos olhos do nosso trabalho. Está indiretamente ligada
a Nega Lilu Editora que apoia a iniciativa, mas é uma iniciativa coordenada pela Casa da
Cultura Digital – uma organização social que eu criei, que eu fundei em 2003 – é a primeira
Casa da Cultura Digital do Brasil, essa de Goiânia, e ela é a coordenadora desse projeto que é
uma iniciativa de apoio à inovação no mercado editorial. Nós iniciamos os trabalhos da E-
cêntrica que é e-cêntrica.org como um mapa da publicação independente no Brasil, em 2015 a
gente abriu uma chamada pública e mais de...quase 400 pessoas em todo Brasil se apresentaram,
então...pequenas editoras independentes, coletivos criativos, artistas gráficos, designers,
ilustradores, era uma iniciativa e é uma iniciativa que busca amenizar a invisibilidade de quem
trabalha no Centro, no Norte e no Nordeste do estado sem excluir quem está trabalhando de
forma independente no Sul e no Sudeste do país.
Então, a partir desse mapa, o que a gente fez? A gente se reconhece, a gente cria ali uma situação
de "nós sabemos onde nos encontrar" e aí o próximo passo agora é provocar uma articulação
nessa rede que já está construída e o mapeamento continua aberto, ele é permanente, então, se
você ficou sabendo dele hoje e tem uma iniciativa e quer se inscrever você passa a integrar, mas
o nosso desafio é fazer com que os agentes dessa rede comecem, então, a se articular, discutir
os problemas e encontrar soluções. Uma forma que a gente encontrou de materializar essa
virtualidade, que a rede tem, foi a Feira E-cêntrica que acontece, então, no primeiro trimestre
do ano na cidade de Goiânia. Prioridade para quem está inscrito no mapa de publicações
independentes, mas aberta para todo o Brasil. Então, a Feira E-cêntrica é uma ação da E-
cêntrica, enquanto iniciativa de apoio à inovação no mercado editorial, e enquanto iniciativa
que pensa em soluções a partir dos desafios encontrados nós elaboramos uma visão e-cêntrica
sobre a inovação no mercado editorial, gostaria de falar brevemente sobre isso.
São alguns eixos de reflexão e de ação, por exemplo, revisão de... ((interrupção)) [00:36:17] a
[00:36:58] Uma primeira frente de reflexão e de ação dessa visão e-cêntrica de apoio a
iniciativas capazes de inovar no mercado editorial a partir de uma postura independente é
justamente a revisão dos processos produtivos. No momento em que a gente chega no mundo
todo nos avanços da impressão digital, sendo possível imprimir um exemplar, um único
exemplar de um livro ocorre, então, uma revisita aos processos produtivos mais artesanais.
192

Então a gente tem enquanto atrativo de produção a encadernação manual, a gente tem também,
o fortalecimento do movimento xilográfico na impressão dos livros, a valorização do papel
enquanto material fundamental que é na produção do livro...mas cosias que foram se perdendo
em função de regras impostas pelo mercado dizendo "não, agora tem cola em 80" enfim, são
muitas vezes da indústria, do que a indústria nos traz. Então esses padrões, essas sistematizações
materiais, de formato também, elas começam a ser quebradas a partir da revisão de processos
coletivos.
Outro aspecto fundamental: a inclusão de agentes sub representados nessa cadeia produtiva.
Quem são esses agentes sub representados? somos nós, mulheres, população negra, população
indígena, população LGBT, idosos, pessoas com deficiência, ou seja, populações que integram,
sim, a cadeia produtiva do livro, que trabalham no mercado editorial, sim, mas não estão em
posição de decisão para que possa ser capaz de afirmar, de maneira decisiva, quem publicar,
quando publicar, como publicar. Então, a medida que a gente tem a inclusão desses agentes sub
representados na cadeia produtiva do livro, naturalmente, uma inovação ocorre a partir da
escolha de temáticas que vêm sendo invisibilizadas, os personagens protagonistas passam a
mudar, por exemplo, de cor ou de lugar onde vivem. Existe todo um processo de inovação a
partir dessa inclusão.
Um outro terceiro aspecto que eu considero um dos mais importantes dessa visão e-cêntrica é
redimensionamento do papel estratégico desses agentes que compõem a cadeia produtiva do
livro, do autor até o leitor, de que maneira? O autor, num processo de fortalecimento da
propriedade intelectual passa a não se contentar mais com cinco por cento, seis por cento de
direito autoral pago sobre o preço de capa, ele passa, então, a se reconhecer enquanto agente
absolutamente estratégico, afinal de contas, sem ele o livro não existiria. De outra maneira, a
editora em um processo de redimensionamento de seu papel social também passa a entender
que não pode existir sem apoiar ações de estímulo à leitura e a formação de leitores, não deve
ficar só no papel de reposição de livro. As distribuidoras, outro agente que precisa ter esse papel
social repensado, afinal de contas, é um dos agentes dessa cadeia produtiva que tem maiores
reclamações do modo de operar, mas é também um agente que, de alguma maneira, contaminou
modos de existir dos outros agentes, então, de que maneira uma distribuidora poderia existir em
um novo formato? E temos também as livrarias ou pontos de venda que, por desespero, acabam
às vezes vendendo secador de cabelo para sobreviver, perdendo, então, o seu papel social que
é maravilhoso, que é um grande ponto de encontro para a circulação de informações, de
conhecimento...para a valorização do livro enquanto cultura, então, ela vai se desvirtuando
também na medida que tem que se virar para existir. O próprio leitor também se reconhecer
193

enquanto agente estratégico porque toda vez que o leitor escolhe um livro A e não um livro B
ele tem ali um posicionamento político como, por exemplo, a escolha de comprar um livro
escrito por uma mulher: isso é um posicionamento político. Ou a escolha de prestigiar um livro
escrito...desejar um livro escrito por um autor ou uma autora negra, né, ou indígena,
LGBTQI...tudo isso é posicionamento político. Então, esse é o terceiro ponto, que eu considero
um dos mais importantes, que é a revisão do papel estratégico de cada um desses agentes.
Tem também o estímulo a pesquisa, tanto mercadológica quanto científica porque é necessário
observar o mercado nesse momento de crise, não é novo, né...a crise vem desde o início do
século passado, né, e ela ficou exposta a ((inint)) [00:41:54] se a gente vê aí as grandes livrarias
fechando não é porque no mês passado ou no final do ano passado elas se viram em crise, é um
processo que já vem a mais de uma década. Então, essas pesquisas mais mercadológicas e
acadêmicas nos auxiliam na construção desse novo momento do mercado editorial mais
inclusivo e de maneira que a gente possa também obstruir novos projetos hegemônicos que
possam vir a se instalar nesse novo momento.
E por último a visão E-cêntrica também prevê enquanto prioritária, e eu deixei por último
porque talvez seja mais fundamental que é o estímulo à leitura e a formação de leitores. Esse é
um trabalho que todos nós da cadeia produtiva devemos assumir enquanto prioritário: o
estímulo à leitura e a formação de leitores. Essa é a visão E-cêntrica de inovação no mercado
editorial.
P1: Nossa, show de bola! Então, uma pergunta que eu tenho que fazer que é importante.
F1: Há quanto tempo você comercializa lá na Banca Tatuí?
F1: Deixa eu ver se eu me lembro...
P1: Se você não souber certinho você me manda depois por áudio e tal... Não tem problema,
não.
F1: Eu vou dar uma olhada certinho para você porque é importante.
P1: É, porque isso é dado tipo estatístico, assim.
F1: Tá. Vou olhar exatamente o mês em que a Cecília levou os nossos livros para lá.
P1: Tá, aí...
F1: Relevância, né?
P1: É, e a relevância... qual é a relevância que você vê na Banca Tatuí como um meio de
comercialização da Nega Lilu e...de um modo geral.
F1: Certo. Assim como outras pequenas editoras independentes a gente escolhe muito bem o
ponto de venda onde os nossos livros vão estar sendo comercializados porque é um esforço
meio que individual mesmo, então, quando a gente escolhe um terceiro para nos representar,
194

essa representação tem que ser para além da parte financeira, a gente tem que estar em uma
vitrine que nos compreenda e que tenha, também, uma prática coerente. Então uma
oportunidade que a gente teve de circular na cidade de São Paulo foi fazendo, então, a nossa
parceria com a Lote 42 e integrando a maravilhosa vitrine da Banca Tatuí. Para a gente foi
primeiro um grande prazer, uma grande honra de poder integrar aquele acervo, né.
O fato de a gente trabalhar com a Banca Tatuí nos forçou também a refletir sobre os percentuais
de comissão de venda. Veja bem, o ideal para qualquer iniciativa independente no mercado
editorial é trabalhar com uma comissão de venda de até 30 por cento do preço de capa e a Banca
Tatuí, por ser uma vitrine desejada nos forçou a flexibilização de mais cinco por cento. Então,
a gente chegou a 35 por cento e eu disse ao João, João Varela, que nós estaríamos na Banca
Tatuí porque era uma vitrine desejada e que a gente respeitava e admirava, mas que nos tinha
feito flexibilizar um pouco esse percentual que nos...que poderia abrir para a gente uma
perspectiva perigosa, tanto é que o máximo que a gente chega é 35 por cento para que a gente
possa ter alinhado o nosso discurso e a nossa prática. Onde eu não estou mas eu desejaria estar
é porque é um ponto de venda às vezes independente que pratica mais de 30 por cento do valor
de capa, muitas vezes forçado pela margem que a livraria cultura trouxe para o mercado, que
passou de 50 a 55 por cento. Então, esses cinco por cento que estourou lá no mercado editorial
começa a refletir aqui entre os independentes, então é isso. Do ponto de vista de faturamento
na Banca Tatuí, é baixa a venda, é menor do que a gente desejava eu acho que em função da
grande diversidade de produtos lá, mas para a gente é importante ocupar aquele espaço,
ocupação do espaço para a gente ali vale mais do que a ((inint)) [00:46:28] É uma parceria que
vai só ampliando, veja bem, começa com a Banca Tatuí às vezes e aí se estende para outras
ações da Lote que, como você disse, é uma agitadora fundamental para o mercado editorial, né,
tem a Miolos, faz a feira do Sesc também ((inint)) [00:47:24] e tem um trabalho editorial bonito
que a gente respeita, né?

Cecília Arbolave- Lote 42/ Banca Tatuí (25/05/2019)

P1: Eu queria só que você continuasse me contando como funciona essa questão dos ativos e
não ativos da banca, assim. Quem está físico, quem é virtual...
F1: Então, na banca a gente faz uma seleção constante de editoras. Tem muita coisa nova que
está chegando a gente vai recebendo com um cuidado porque, afinal de contas, o espaço é
limitado e a gente não quer cair no que a gente não gostava no começo das livrarias que é só
mostrar o livro pela lombada não mostrar o formato, a parte física e material dos livros. Então
195

se a gente quer mostrar, a gente também não pode entulhar o espaço de coisas, então a gente
tem que tomar esse cuidado de como mostrar as coisas. Então tem livros, por exemplo, que faz
muito tempo que não estão saindo, então alguns a gente fala: "não, talvez esse é o caso de trocar
com a editora por outro novo" ou "não, esse não sai mas é importante mostrar, é importante que
fique aqui". Então, assim, essa avaliação da seleção de editoras que a gente tem, seleção de
publicações, é constante! Não tem nada que fica fixo! E tem editoras que nesses quatro anos e
meio tem...muita editora surgiu e também muita editora surgiu e acabou. Então, assim, tem
algumas editoras que a gente não trabalha mais porque elas não tem mais coisas, né? Então essa
lista do que está aqui e que tem no site é uma lista que a gente atualiza com as editoras novas
que entram, eventualmente se a gente para de trabalhar com alguma ou alguma fecha a gente
tira e a gente tenta que todo catálogo da banca física esteja na internet. Isso tem nos ajudado até
para a gente, assim, às vezes a gente tem que procurar alguma informação de um livro e
procuramos no próprio site, então acaba sendo um catálogo interessante. Mas para isso a gente
depende dos editores então a gente até, com o tempo, tem melhorado certos processos. Então a
gente manda um link para as editoras para eles cadastrarem título, medidas, (inint) [00:02:34],
descrição, (inint) [00:02:36], ilustradores e com todas essas informações a gente coloca no site,
como se fossem metadados, assim. É...é mais uma descrição, assim, a gente cadastra...porque a
gente... o que também percebeu é que muito site tem publicação mas não tem as informações
básicas, por exemplo, a medida, e por um JPEG você não consegue saber se o livro tem 14x21
ou 10x15, então a gente quer que quem compra na internet tenha maior quantidade de
informações possíveis para que não se frustre, para que saiba o que está comprando e...então a
gente pede essas informações todas para que o site fique completo e também para quem navega
e talvez não compra mas fica sabendo a sinopse de tal livro, as características e tal. Só que aí a
gente depende dos editores e alguns são mais rápidos que outros para mandar essas informações.
Então os que não estão linkados é porque por algum motivo eles ainda não mandaram as
informações.
P1: E, assim, quem não está mais... quem já foi vendido mas não é mais porque acabou continua
nessa listagem ou vocês tiram por quem está aqui?
F1: Se a gente está esperando reposição de estoque a gente deixa, mas se de repente é uma
editora que fechou ou que a gente por algum motivo não vai mais trabalhar aí a gente tira, deixa
a lista no presente... quem está aqui.
P1: É porque então eu estou com uma informação errada na minha...na qualificação para mim
eu tinha entendido que estava todo mundo, desde quando começou a banca vocês deixavam
tipo um histórico de todo mundo que vocês já tinham trabalhado.
196

F1: Não...a gente atualiza.


P1: Eu já vi aumentando, mas eu nunca tinha visto nenhuma saindo, assim...
F1: É porque a diminuição é muito pequena, assim, é de editoras que realmente ou fecharam ou
acabou e eles não mandam mais coisas...é bem pontual, assim. Mas a questão do link é das
coisas que estão na loja virtual. A nossa intenção é ter tudo online, mas aí depende também dos
editores.
P1: Tem editor que tem alguma restrição em vender pelo virtual também?
F1: Tem um ou outro que resistiu quando a gente falou porque tem a própria loja e não queria
concorrer, mas a gente entende que não é uma concorrência, é uma coisa que soma! Você,
Samara, pode entrar na loja para procurar um livro e de repente vê outro de uma outra editora
que você nem sabia da existência...então você pode acabar levando dessa outra editora ou pode
de repente descobrir essa outra editora...
P1: E comprar no site!
F1: Vai no site e compra lá, assim, eu acho que essas coisas não concorrem mas, assim, a grande,
grande maioria concorda e tudo. Talvez não manda porque demora, porque...sei lá, tem preguiça
ou não sei.
P1: Sim. Vou começar seguindo o roteiro agora porque aí eu acho que facilita.
Eu queria que você me contasse como que surgiu a banca Tatuí, a ideia que eu até já ouvi ela
algumas vezes mas eu preciso dela para o meu registro.
F1: Sim, até quando eu vi essa pergunta eu falei: "não, eu acho que ela precisa documentar isso
porque ela sabe perfeitamente". Mas, enfim, vamos lá! A banca da Tatuí surgiu em 2014 de
uma necessidade da nossa editora, a lote 42, que nesse momento tinha dois anos, e a gente
gostava da ideia de ter nossos livros em algum lugar de forma constante e de forma que fizesse
jus a nossa produção. Então livros embaixo de uma prateleira, escondidos em alguma livraria,
não estavam brilhando, não estavam mostrando seus formatos. A gente achava que esses livros
poderiam ser expostos de uma outra maneira. Então, assim como a gente tinha um cuidado
muito grande na edição, fazendo um trabalho demorado, cuidadoso com os autores, pensando
nos formatos, a gente achava que a recepção dessas obras também podia ser uma recepção
acorde a essa produção. Então se esses livros tem tanta história para contar, então porque não
contar essas histórias todas? E para contar essas histórias é legal ter um ambiente agradável
para que isso aconteça, um ambiente que você se sente acolhido, te desperta interesse. Então
em 2014 apareceu uma banca, que sempre existiu na nossa rua, na rua onde o João e eu moramos
e apareceu à venda e a gente pensou: nossa, eu acho que tem algo ali, uma força superior que a
gente não sabe o que é que está nos falando que talvez seja aqui que a gente tem que fazer.
197

O João tinha já uma relação muito próxima com bancas, muito afetiva porque ele é de uma
cidade pequena que não tinha nenhuma opção de lazer, assim, não tinha livraria, não tem livraria
até...cinema, essas coisas e tinha uma banca na cidade. E ele quando era pequeno passava horas,
horas lá lendo gibi, enfim...se perdendo nos impressos...e ele falava comigo, assim, quando eu
conheci o João ele falava 'o dia que eu cansar de ser jornalista viro jornaleiro' e daí, eu achava
que era um jogo de palavras, né? Até achava legal, o João falava "aí eu passo o dia inteiro
lendo", coisa que não acontece na vida real. Então quando apareceu essa banca à venda, para o
João total sentido, falou "não, vamos comprar a banca" no impulso, assim, ele teve uma
intuição, assim, de que ia dar certo! Então em 2014 isso aconteceu, no dia 1º de outubro – que
coincidentemente no dia 30 de setembro é o dia nacional do jornaleiro – então a gente abriu um
dia depois do dia do jornaleiro que...curiosidade besta porque não faz diferença nenhuma e...e
aí a gente começou a entender o que é ter uma banca de jornal. Tem certas restrições, assim, do
município...a gente comprou a banca, mas na verdade a gente comprou o termo de
uso/permissão deste espaço então a prefeitura te diz 'você pode usar esse espaço mas você tem
que abrir 8 horas por dia, sua banca tem que ser cinza, tem que vender impresso, enfim. Então
a gente foi se entendendo. Começamos com os livros da lote, com alguns de algumas editoras
e aí quando a gente começou a pegar o ritmo, entender, enfim, como trabalhar esses livros, a
gente foi crescendo, crescendo e hoje são mais de 200.
P1: É muita coisa! Essa história do João com Guaíba e tal, eu, assim, ainda em algum momento
eu quero encontrar com ele e falar assim "João, só me conta de novo pessoalmente" porque é
muito legal! Acho...eu sou fascinada com a história da banca por tudo isso, né? E aí eu vou
pedir...perguntar...para poder me contar um pouco da história dela porque é pensar...porque eu
fui acompanhando a evolução da banca desde antes dela ter o jardim, quando vocês fizeram o
projeto do jardim, depois deixou de ser o jardim virou uma banca com show...assim, teve toda
uma reforma e tal...assim, esteticamente, fisicamente. Então, se você pudesse me contar um
pouquinho da história, assim, porque eu acho que é legal saber.
F1: A gente abriu a banca e na primeira semana a gente foi furtado!
P1: ((risos))Isso eu não sabia!
F1: Não sabia? Foi isso que deu origem ao jardim, na verdade, porque entraram pelo teto, pelo
telhado que era super simples, assim, era (inint) [00:11:11] e tal. Então, numa quarta/quinta-
feira a gente recebeu uma ligação às 7:30 da manhã, a gente estava ainda na cama dormindo e
o Ricardo que trabalhava com a gente nessa época falou 'olha, entraram aqui pelo telhado,
roubaram o caixa – que era tipo 3 reais e 50 – não era muito! Pisotearam os livros, não levaram
os livros, o que foi frustrante também, né? Poderiam ter roubado livros. Mas isso nos mostrou
198

que a banca era bem frágil, assim, deu um baque! Tipo, putz, a gente estava com todas essas
ilusões e de repente a banca é roubada. A gente, enfim, fez B.O. esse dia, consertou o telhado
no mesmo dia para passar uma mensagem de "não, a gente veio aqui e vai ficar, isso aqui não
vai nos assustar". Só que quando a gente falou para os arquitetos da reforma, da necessidade, a
gente falou muito que tinha que ser uma banca segura. Imagina ter o trabalho de outro sendo
que você nem consegue...
P1: Guardar os seus...
F1: É, né, garantir a segurança! Então a solução foi... dos arquitetos...foi fazer um jardim no
teto e para fazer o jardim, ou seja, botar um monte de terra em cima do teto, o engenheiro viu a
estrutura da banca e falou "olha, se você botar terra aqui a banca cai!" então o engenheiro
sugeriu fazer uns pilares escondidos na marcenaria e umas vigas e aí uma semana antes de abrir
a nova banca que vinha reformada ele falou "bom, agora a sua banca aguenta uma tonelada e
meia" e o João ouviu essa história e falou "a gente pode botar uma banda aqui em cima?" eu
olhei e falei "pera aí, era um jardim! Não tinha nada de banda aqui!". O engenheiro fez as contas
e falou "'é, uma banda pequena sim!". A gente atravessou a rua, tinha uma amiga nossa que é
música, cantora, almoçando no bar da frente e a gente comentou por alto essa história e ela
falou "eu quero tocar!" e na semana seguinte e assim que surgiu o primeiro show. A banca
também, outra das mudanças que teve, foi que ao invés de ter prateleiras normais de aço, de
alumínio – não sei qual material que é – como todas as bancas, a gente fez de marcenaria. Então
tem toda uma estrutura de caixas de madeira que ora armazenam livros ora expõem. Então você
entra na banca e consegue sentar, coisa que quebra um pouco o paradigma de uma banca de
jornal, que é uma coisa de passar...
P1: Tem o balanço!
F1: Tem o balanço sim! E...então quebrou um pouquinho essa expectativa de uma banca de
passar rápido, não...te convida a sentar, te convida a passar um tempo se você quiser. Então foi
um pouco isso, assim, o que... depois a gente descobriu que em São Paulo as bancas começaram
com, tipo, caixotes empilhados porque, né, os jornaleiros vendiam jornal na rua com caixote
empilhado. Então se relaciona com o projeto da banca mas não foi algo pensado.
P1: Mas tem tudo a ver, né?
F1: Uhum.
P1: Gente, essa do assalto eu não sabia! E olha que eu já vi muito vídeo! Não sabia mesmo!
((risos))
E aí eu fiz a próxima pergunta que é assim: como que funciona burocraticamente? Porque,
assim, eu sei que tem as regras da prefeitura, tem uma questão, assim...e também do cotidiano,
199

assim, que tem horário de funcionamento meio rígido e tal, e outras questões, tipo assim, acerto
com funcionário, acerto com autores, quantos funcionários, pós-venda. Ou seja, isso aqui só é
uma entrevista inteira, né? Agora que eu estou vendo! Mas, assim, então eu acho que tem que
começar pela parte das regras da prefeitura porque eu lembro, até uma fala muito marcante sua,
falando disso, assim, que tem toda uma burocracia da prefeitura que tem que cumprir, igual,
periódico, diário, eu acho, uma coisa assim. Aí eu queria que você me contasse isso.
F1: Ah, então, o decreto da prefeitura é bem simples, assim, até dá para procurar, assim, é de
uma página só, que tem algumas regras. Então você precisa vender impressos, jornais e revistas,
livros também mas, assim, não te diz de qual jornal, de qual empresa vender...isso vai fazer
barulho! ((ruído))
P1: Este decreto eu vou procurar depois, então, na...
F1: Sim, e assim, em São Paulo é de um jeito e aqui é em outro. Aqui é outro e eu sei porque
as bancas aqui são verdes e lá são cinzas.
P1: Sim!
F1: Então, assim, mas não lei não diz que você pode usar vários tons de cinza então o Gustavo
por querer fazer identidade botou essa padronagem. É...e...que até, tipo, depois...é... mas, enfim,
a gente viu que tinha que ser cinza mas falou "tá, mas vamos fazer mais legal dentro das regras
que temos".
P1: Sim.
F1: Em relação à burocracia, assim, a gente até estava conversando agora com a Ana que
é...antes de ser banca a gente é editora, né, e a gente já trabalha com outras livrarias e a gente
já está do outro lado, né, confiando nossos livros para vários lugares e o que a gente passa em
vários lugares - não todos - é que demoram para nos pagar, demoram para acertar. Isso para um
editora é muito chato, porque você confiou seus livros, eles venderam e eles não te falam
quantos venderam e te falam e não te pagam. Então, assim, a gente, tipo, sempre falou "não, a
gente vai ser muito certinho, muito rigorosos com isso" tipo, a gente vai pagar todo mundo e a
gente vai deixar os estoques, tipo, putz...
P1: Impecáveis!
F1: Impecáveis! A Ana até pode te falar, que assim, eu lembro uma vez que a gente teve uma
confusão e a gente estava contando um carimbo dela que tinham...mais de um de um e...um a
mais de um e um a menos do outro então a gente percebeu que tinha registrado uma venda
errada. Então a gente escreveu para a Ana só que como a gente já tinha pagado por esses
carimbos a gente só avisou ela. E ela depois me falou "nossa, vocês são loucos, assim, de
criteriosos!". Mas, na verdade, assim, esse jeito...a gente encontrou uma forma de trabalhar que
200

é: a gente faz acertos a cada 3 meses. Nas livrarias tradicionais, em geral, é a cada mês, só que
eles têm sistemas diferentes para gerar esses relatórios, eles têm equipes maiores para fazer os
pagamentos, enfim. A gente falou "não, a cada 3 meses a gente consegue pagar tudo, tirar um
monte de relatórios, 200 relatórios, 200 transferências". Então a gente prefere...preferiu fazer
dessa maneira e desde o começo da banca a gente faz isso de uma forma muito regular, é...então
esse é nosso sistema e funciona. Enfim, então é uma maneira que a gente tem conseguido: pega
em consignação, as publicações, não compra, mas deixa tudo muito...aí se vai acabando a gente
vai pedindo a reposição...
P1: Sim. E aí vocês...no caso de vocês não é igual à Curva que aluga o nicho, vocês no
caso...vocês pedem comissão... como que é?
F1: A gente pega uma comissão de 35 por cento e essa comissão já inclui taxa de maquininha,
nossos custos de ter uma banca, de ter funcionários e tal...a banca Curva tem...ela aluga e cobra
10 por cento das vendas para cobrir os gastos de maquininha.
P1: Não, é assim...
F1: Mas eu não sei tanto...aí não precisa colocar...
P1: Não, a gente...isso aí são coisas (inint) [00:19:54] assim.
F1: Sim, mas eu não sei como ele faz porque eu sei que ele aluga o nicho mas eu vejo outras
coisas de gente que não aluga...eu não sei se ele tem uma parte coletiva, porque não entendo,
assim...
P1: É, eu não sei quase nada da banca Curva, é só...eu lembro porque a Ana mesmo falou...um
dia falou assim "é uma coisa que é bom você ficar atenta porque tem sistemas diferentes, são
todas bancas mas o sistema é diferente, tipo assim, dá uma..." ela que me deu uma luz de
pesquisar isso, assim, de pensar isso.
F1: É, a Curva é meio a Endossa – a loja Endossa – é uma loja colaborativa em São Paulo
que...isso já existe, assim, antes da banca Curva, assim, existe a loja Endossa acho que deve ter
10 anos ou mais que são nichos e que você aluga o nicho.
P1: Entendi.
F1: Você decora do jeito que quer...
P1: Ah, sim! Aqui em BH, não que eu me lembre, assim, se realmente é, mas em São Paulo...
F1: Em São Paulo isso funciona muito, assim...
P1: Sim. São Paulo demais!
F1: E... é
P1: Aqui não, aqui não tem... aqui é outro sistema, é tipo feira shopping.
F1: Até por isso que acho eles usam o termo colaborativo, assim, mais...
201

P1: Sim.
F1: Que não...
P1: Sim. É...não, mas isso são informações importantes para mim. É... e lá vocês...
F1: É...não...e é isso porque aluga o nicho mas, assim, não sei como que fazem essas pessoas
que tem talvez um produto porque tem uma parte que é mais variada. Eu não sei porque a gente
aluga mesmo o nicho.
P1: Sim. É...não...e é esse 35 por cento porque quando a gente pensa que as grandes editoras
pegam em consignação e pedem 55 por cento, às vezes...
F1: As grandes livrarias, né?
P1: É as grandes livrarias, né, 55 por cento, então você vê que 35 por cento é muito praticável
dentro do mercado...
F1: É, assim, a praxe é 50, nós 55 por cento.
P1: Sim.
F1: Quem pega...distribuidora geralmente pega 55 ou 60, mas livraria geralmente é 50 ou um
pouco menos, tipo 40, 30...
P1: Acho que a Cultura que teve uma época que tentou passar com 55, se eu não me engano.
F1: Aí depende de cada caso, no nosso caso nunca passou de 50.
P1: Sim.
F1: É...talvez a Saraiva em algum momento tenha praticado, mas bom, Livraria Saraiva...
P1: Sim, estão onde estão...
F1: Mas, assim, tem muitas livrarias que trabalham de 35 a 50 por cento... 30 a 50 por cento,
desculpa.
P1: Bom saber! É...e aí quantos funcionários que vocês tem? Porque acaba que os funcionários
estão na lote também, na sala Tatuí, né?
F1: É, a coisa vai se misturando um pouco mas a gente hoje tem a coisa um pouco mais dividida.
A gente tem 5 funcionários registrados, CLT. Na banca Tatuí tem o Caíque (que é vendedor),
a Fernanda (que começou na banca como vendedora e passou para o escritório, então ela cuida
de muita coisa de bastidor, que não dá para ver: cadastro de editora, gerar um relatório, loja
virtual – que tem todo dia algum pedido de loja virtual – coordenar a parte de redes sociais de
gerar post para eu dar uma olhada, ver, enfim...coisa que a gente faz junto mas, assim, que ela
coordena). Depois tem a designer (que aí ela faz coisas da banca, da Lote, da Sala) depois tem
a Ana Júlia (que aliás é mineira e trabalha da sala Tatuí) e tem o Juan (que trabalha na parte
comercial) e agora em breve vai entrar mais uma pessoa para a área comercial mais focada em
feiras.
202

P1: Sim.
F1: Então seriam 6 funcionários.
P1: Nossa, essa tosse aí no fundo foi ((riso))...
F1: Que que foi?
P1: Estou rindo que o cara deu uma tosse com espirro ali e eu falei "nossa, essa vai ficar para
os áudios!". Mas então é uma equipe até grande, né, se for pensar!
F1: É tudo muito relativo, mas sim, comparar nesse universo de editoras independentes sim.
P1: De independentes sim, agora quando você pensa numa maior aí é muito pequenino, assim.
F1: Sim.
P1: Mas é porque as vezes eu vejo gente com estruturas muito micro, assim, eu falo...como que
já foi caminhando, né?
F1: É, mas...sim, mas foi tudo bem aos poucos, assim, tipo, não é que a gente acordou um dia
e tinha 6 funcionários...
P1: Sim.
F1: É...começou por muito tempo só com um, depois com mais um, depois com mais um, e aí
foi crescendo mas é livraria, é espaço cultural, é organizadora de eventos, é dar cursos...então,
assim, até eu precisaria de mais duas pessoas ajudando ali ((risos)) mas não tem como agora.
P1: Torceremos para que em breve tenha, né? É...e, assim, de serviço pós-venda...eu coloquei
isso porque teve uma professora minha - que foi da minha banca de qualificação - e ela contou,
assim, que ela teve um pós-venda fantástico, assim...
((interrupção)) [00:24:25] a [00:24:32].

(...)

P1: É...então, assim, a próxima pergunta é...pensar, assim, quais...como que são escolhidas as
editoras que vão ser vendidas na banca? Como vocês fazem essa triagem, assim?
F1: É...a banca Tatuí tem esse intuito de...é...apresentar uma boa seleção de publicações
independentes.
P1: Sim.
F1: E hoje em dia esse movimento é muito variado. Então você tem desde diferentes gêneros,
né, você tem gente que faz literatura, que faz fanzine, que faz quadrinho, poesia, fotolivro, livro
objeto, livro de artista. E também tem pessoas de diferentes...mesmo dentro dessas categorias,
tem estilos diferentes – tem livros um pouco mais convencionais, tem outros muito mais
experimentais, tem outros que usam técnicas industriais, outros técnicas artesanais, outros
203

misturam, tem também uma...pessoas, tipo, de Belo Horizonte, de Brasília, de São Paulo, de
vários lugares. Então a gente tenta apresentar uma seleção que dê conta dessa produção tão
variada. É bem difícil fazer essa seleção porque tem muita gente que chega, tem muita gente
produzindo neste momento, tem uma questão do nosso olhar também, da seleção que a gente
faz, do que a gente acha que por um lado é relevante enquanto publicação impressa, relevante
como mensagem, relevante a editora, enfim...a questão de ser independente, que é difícil de
definir...
P1: Sim.
F1: Mas, assim, a gente busca editoras pequenas, editoras que não estejam vinculadas a grandes
grupos...às vezes é uma editora nova, mas que está vinculada a um banco então não dá.
P1: Sim.
F1: Ou que já começou com um orçamento, putz, já começou com...de uma forma diferente,
então também a gente tenta dar espaço a quem não tem tantos canais de distribuição. Para muitas
pessoas a gente é o único canal de venda. Então, como é um espaço muito pequeno a gente tem
que tomar muito cuidado com o que a gente seleciona. É, então, assim, tem esse critério,
também tem essa questão da experimentação gráfica...então livros que...pode até ser um livro
tradicional assim como alguns nossos são tradicionais ((inint)) [00:02:32] e tudo mais...só que
que tenha uma edição cuidada, sabe, que seja uma edição bonita, é...porque é um pouco isso,
também, o que público busca, assim.
P1: Sim, e uma coisa que eu acho interessante é que eu, mapeando lá, eu vi que tem até Letônia
né, assim, em uns lugares muito diferentes, na Argentina, mas eu não encontrei nenhuma editora
que fosse da Região Norte é...não tem ninguém, aí eu fiquei me perguntando "não produzem
no Norte?". Por que não tem o Norte na banca, assim?
F1: Olha, tem do Nordeste...
P1: Tem.
F1: ((inint)) [00:03:13] Natal...
P1: No Nordeste são seis, se eu não me engano... ((risos))
F1: Das ativas ou das inativas? Não, assim, a gente quer ainda ampliar, assim, quer que essa
seleção seja o mais representativa possível, assim. Não tem do Norte porque a gente ainda não
achou...tem algumas editoras de outras regiões que nos procuraram e que talvez não...a gente
não achou tão legal a produção, que não tinha tanto a ver com esse perfil da banca mas não é,
de nenhuma forma nem discriminatório nem nada...e assim...
P1: Não, não estou perguntando nesse sentido, mas é porque foi uma coisa que me veio, assim,
eu falei "gente, tem Letônia mas não tem..."
204

F1: Sim, mas Letônia é porque eu acabei de ir para Suiça e conheci uma editora de lá que faz
um trabalho quadrinhos consistente a muito tempo e aí eu trouxe para a sala, então assim, não
é que "ai, vamos então procurar a coisa mais mais esquisita do mundo, mas não queremos do
Brasil", não, assim, do Brasil tem 200, então assim...
P1:E tem muita gente e é variado, assim, eu fiquei muito curiosa por causa disso, assim, e a
grande concentração, assim, mas é muito maior! é São Paulo...e aí eu acho que é por um motivo
óbvio porque está na mesma cidade.
F1: Sim, e também porque São Paulo tem uma produção muito grande, é muito grande, assim,
esse movimento começou a ganhar...o movimento que a gente está agora, né, livro de artista em
publicação já se fazia antes, tem muita publicação até daqui...coletânea de quadrinhos que já
existia aqui, enfim, outros lugares. Mas esse movimento que estourou, assim, desde 2013
é...teve uma forte presença em São Paulo e...enfim.
P1: O Rio você acha também um pouco, assim?
F1: Também, sim, tem a Bolha, tem a Pão de Forma...que, bom, a Pão de Forma que é ((inint))
[00:05:18] também nessa época depois parou, entrou a ((inint)) [00:05:23].
P1: Sim. É...
F1: Mas sim, assim, eu acho que é porque lá tem muita...em São Paulo tem muita gente
produzindo, assim, tem muito estudante, muito coletivo que começa na faculdade de design e
aí...
P1: É, eu vi, assim, é...quando a gente faz um mapa da banca, assim, é muito interessante a
gente ver como que está dividido, assim, aí o Centro-Oeste tem não sei quantas...aí a hora que
você chega, por exemplo, no Sul tem bastante do Sul é...não acho que isso sobre a banca, eu
acho isso sobre a nossa publicação independente, sabe, assim, de certa forma também...
F1: Mas realmente, tipo, tem também uma produção no Nordeste bem forte mas que a gente
também não consegue é...acessar com tanta facilidade quanto a gente acessa a Região Sudeste.
P1: Sim.
F1: Por exemplo, lá no Sul tem a Parada Gráfica que já teve seis edições, então assim, tipo,
é...São Paulo tem a Feira Plana, que este ano não teve mas...tem a Tijuana, tem a Miolos,
é...enfim, talvez em outros lugares não tenha tantas feiras com tantos anos, ainda está se
formando então a gente também não participou tanto, ou as feiras são um pouco mais regionais
então a gente não participa tanto e assim a gente não consegue ver.
P1: Sim.
F1: Porque um jeito de conhecer a produção é a feira, né? É o contato pessoal.
205

P1: Sim.É, isso eu ia perguntar porque eu acho que a feira, assim, para vocês se inteirarem mais
eu acho que a feira é um ponto principal, né, assim?
F1: A feira sim, enfim, internet também ajuda e tudo mas a feira é bem...
P1: Principal, né? É...e aí burocraticamente falando de novo, né, como que funciona para uma
editora entrar para a banca, assim, vocês...
F1: Ah, a gente faz uma primeira ((interrupção)) [00:07:17] a [00:07:36] então, depois que a
gente avalia e acha legal seja porque a editora entrou em contato ou porque a gente entrou em
contato a gente faz uma seleção de publicações...a gente pede dois cadastros, um com o cadastro
da editora e dados bancários que é um formulário do google e outro é um formulário de cada
publicação.
P1: E aí dentro, por exemplo, da obra dos editores vocês escolhem...vocês pontuam qual que
tem interesse?
F1: Sim.
P1: Entendi. Não é os editores que escolhem, não, isso vem de vocês?
F1: Não.
P1: Interessante saber isso. Eu não tinha colocado isso aqui mas foi um...
F1: É, mas isso é normal em livrarias também porque é o espaço do livreiro que tem que decidir
quantas...enfim, não pode...se dependesse das editoras, as editoras mandariam umas
quantidades enormes!
P1: Todos, né? Todos os livros e mais alguns...é... então, deixa eu ver... e aí uma coisa: como
que vocês percebem o perfil do consumidor da banca, assim, quem compra? Se vocês tem uma
percepção...
F1: Tem um público que é um público fiel, assim, que vai na banca ou que de repente já está
acostumado a, tipo, precisa de um presente já vai na banca ou está acostumado a passar pelo
bairro e aí passa na banca. Tem um público, também, que está andando porque tem restaurantes
ali perto e de repente anda,vê a banca, olha, entra...tem estudante também. O público que nos
segue e que, enfim, é um público fiel e tal eu sinto que é um público jovem-adulto é...que gosta
de ser surpreendido, que gosta...que aprecia, né, essa experimentação gráfica, que, enfim, se
interessa por essas categorias que eu citei antes, né, de literatura, de quadrinho, fanzine, cartaz
também...
P1: Que está ligado a isso, né, a essa parte da arte gráfica, assim, né?
F1: E muita gente é porque talvez já trabalhe na área, é designer, artista, tal, mas outros que
não, que simplesmente se interessam.
206

P1: Sim, e uma coisa que me veio aqui à mente é, assim, a venda...entre a banca física e a banca
virtual vocês veem uma diferença de venda grande? Tipo assim, a virtual vende mais, a física
vende mais...
F1: Quando a banca começou a gente já tinha loja virtual pela Lote.
P1: Sim.
F1: Já tinha tido 7 a 1, por exemplo...
P1: Sim, eu já estava comprando Lote a muito tempo ((risos))
F1: É, então muita gente já tinha comprado com a gente, já ...o pós-venda que você perguntou
também, tipo, comprava, recebia em casa, gostava...quando a gente abriu a banca a gente
migrou a loja virtual da Lote 42 para a loja da banca, então a gente abriu mão da loja da Lote,
mas, enfim, muito era o nosso público que estava acostumado a comprar os livros e...então por
muito tempo, assim, as vendas da loja virtual basicamente eram da Lote, não por falta de
esforço, mas, enfim...a gente divulgava os livros de outros também mas, assim, na loja virtual
vendia mais da Lote, na loja física também vendia da Lote mas também de outros. No ano
passado, começo de 2018, se eu não me engano...numa reunião na plataforma onde a gente tem
nossa loja virtual para resolver um problema e aí o cara de lá percebeu que tinha uma coisa que
estava errada, então, no celular a loja não dava para visualizar direito e tal...e aí ele alterou uma
questão que estava...uma questão de código que estava desatualizada. E a gente começou a
colocar mais critérios de tipo "não, todas as fotos vão ficar assim dessa mesma maneira" a
gente começou a deixar a loja mais bonitinha. E, também, tinha muito cadastro atrasado: as
pessoas mandavam as informações, mandavam as fotos mas a gente não conseguia colocar no
ar porque tinha muito trabalho acumulado. Então a gente chamou um freela, que era o Caíque
para, tipo, ele ficar três dias só subindo produto, assim, e atualizando já nesse formato que a
gente tinha achado, assim, com o mesmo padrão de foto e mesmo tamanho para deixar a loja
bonitinha, assim, porque as fotos variavam bastante aí uma foto ficava de um jeito, outra de
outro...e quando a gente fez isso, a gente percebeu que, assim, teve a mudança de código que
deixou a loja responsiva no celular e muita gente compra pelo celular e a gente também deixou
a loja bonitinha, assim, e atualizada. Então uma vez que o Caíque atualizou tudo isso a gente
entrou em um ritmo então agora as pessoas já cadastram e elas mesmas já nos mandam as fotos,
tipo, não é a gente mais que tem ficar pedindo e tal. Os editores se acostumaram a mandar
porque eu acho que eles também percebem que se eles mandam tem mais chance de vender...
P1: Sim.
F1: E...e a gente percebeu que começou a vender de várias outras pessoas então a variedade
aumentou.
207

P1: Sim.
F1: Ainda a venda na banca física é maior do que a loja virtual.
P1: É? Eu achava que a loja virtual era maior.
F1: Não, ainda é maior. Eu não posso te falar números porque nem tenho eles na cabeça mas,
assim, é da minha percepção.
P1: Sim.
F1: É...vende mais na banca física.
P1: Interessante.
F1: Mas é legal que a banca virtual chega em muito lugar onde a banca não está.
P1: É, eu estou pesquisando meio pelo site, isso é muito bom, assim...
F1: Deixa eu ver que horas são...
P1: Que horas que você tem que...você tem que estar lá às seis?
F1: Eu queria sair daqui dez para as seis.
P1: Tá.
F1: E eu preciso fazer aqui uns videozinhos antes de sair.
P1: Tá. Então eu vou fazer o seguinte: a gente encerra e aí depois, em um outro momento, eu
faço uma outra rodada de perguntas, pode ser?
F1: Pode ser. Para você está bom assim mesmo?
P1: Está, para mim está ótimo porque aí vai sair meio fragmentado mas eu acho que do jeito
que está dá tudo certo.
F1: Tá. Beleza então.
P1: Foi ótimo. Tudo certo?((interrupção)) [00:13:38] a [00:13:47]

Alessandro Andreola - Editora Barbante WhatsApp (02/08/2019)

Você se considera um(a) editor(a) independente? Se sim, quais os desafios encontrados


para se manter independente?

Alessandro: Então, vamos lá!


Você se considera um editor independente? Se sim, quais os desafios encontrados para se
manter independente?
Sim, me considero...acho que a gente não tem nem como ser mais independente pelas razões
que...a própria estrutura da editora, a gente não tem financiamento externo, a gente não tem
208

uma...a gente não está inserido em uma lógica de mercado de uma grande editora, a gente
trabalha com poucos livros, a gente cuida muito de cada livro, a gente faz...demora, então, a
gente tem pouca coisa em catálogo, a gente não tem um cronograma, assim, de vamos lançar,
sei lá, 100 livros no ano. Não, muito pelo contrário, a gente lança de dois a três, é uma operação
muito pequena, né?
Os desafios que a gente encontra são os...também...são os desafios inerentes a um negócio desse
tipo, né? A gente tem alguns desafios com distribuição, por exemplo, a gente tem que reinventar
esse mercado, pensar em jeitos de reinventar esse mercado porque as regras do mercado
editorial não se aplicam muito para a gente, por que? Porque a gente trabalha com pequenas
tiragens, né, então isso, como você sabe aumenta...quando você trabalha com pequena tiragem
aumenta o custo unitário do livro, então esse modelo de consignar o livro com 50% para a
livraria, ter que ser responsável pelo frete, né, enfim... Isso inviabiliza para a gente, não é uma
coisa que funciona, então o nosso grande desafio mesmo é cortar esse intermediário, né?
O que mais? Bom, outra coisa que eu imagino que seja um problema que os pequenos enfrentam
é a questão de fornecedores, né, então, assim, como você não tem um fluxo de grande impressão
de livros, de publicar muitos títulos...cada um deles é uma luta, né, você não tem aquela relação
com uma gráfica, assim, de estar sempre mandando coisa, então você faz um pacote e tal. Não,
você tem que ir lá, cada uma é uma luta ali para você conseguir chegar no melhor preço, né? E
é isso, acho que vamos partir para a próxima pergunta aqui.

Como é o fluxo de produção na editora? (Quantas pessoas compõem o corpo editorial,


quem são elas, onde fica a sede etc.)

Alessandro: Vamos lá! Como é o fluxo de produção na editora? Quantas pessoas compõem o
corpo? Quem são elas? Onde fica a sede?
Bom, a Barbante surgiu em 2016, em julho de 2016, e ela é formada por mim e pela minha
esposa, que é a Paola Marques. A editora somos só nós dois desde o começo, a gente nunca
teve, assim, um funcionário...a gente teve gente nos ajudando pontualmente, em cada projeto
que a gente tinha mas, assim, é gente que a gente contratou para cada coisa que a gente fez.
A gente está em Curitiba, a Barbante, na verdade, assim, ela já teve sede própria, a gente já teve
um ponto, assim, um escritório. A gente mudou depois disso, quando a gente montou a livraria
Barbante, a gente continuou tendo, assim, no mesmo espaço que tem a livraria a gente mantinha
uma sala que era, para todos os efeitos, o escritório da editora, agora a gente não tem mais
porque com a livraria...como a livraria estava a muito tempo...virou uma chave aí, sabe? No
209

último ano aí, últimos dez meses, a livraria tomou um espaço muito grande do nosso tempo, da
nossa vida, então a gente não tem mais...decidiu que não tem mais porquê a gente manter um
escritório para a editora. A editora continua, mas agora a gente trabalha da própria livraria ou
em casa, a gente não tem mais esse espaço, tá?
Cada livro, assim...essa história do fluxo de produção...cada livro tem uma historinha, assim,
então...mas, basicamente, começa comigo e a Paola escolhendo o título, pensando como ele é,
formando uma equipe – caso seja necessário ali – e aí a gente começa a trabalhar no livro.

Quais os critérios para escolha de títulos? (Como selecionam os originais, qual a linha
editorial do catálogo, as edições são pagas pelo autor ou pela editora? etc)

Alessandro: "Critérios para escolha dos títulos".


Então, a gente...desde o começo, a gente não tinha a pretensão, assim, de ter uma estrutura, de
quem recebe originais e analisa, e tal...a gente sempre quis ter a editora para lançar as coisas
que a gente gosta, que a gente acredita. Então, assim... normalmente é a gente que vai atrás das
coisas, sabe? Os projetos nascem dentro da editora, a gente não analisa originais... a gente
recebe muito, mas a gente dificilmente olha por uma questão de estrutura, de tempo mesmo.
Com as coisas que a gente faz, todas, a gente não tem tempo de parar e analisar um original. E,
também, o que acontece muito é que a gente recebe muita coisa que não tem a ver com a nossa
linha, né? Então, assim, é muito comum uma pessoa escrever um livro de poesia ou de, sei lá,
de conto, enfim, e mandar para a editora sem olhar o que a editora faz e tal... então isso a gente
nem olha, a gente não publica, nunca publicou ficção, por exemplo, sabe? A gente recebe um
monte de coisa.
A nossa linha editorial, na verdade, é uma coisa que é muito flexível, assim, porque a gente
começou a editora com dois nortes: um de fazer livros sobre música, que é o meu metiê, e fazer
livro sobre fotografia, que é um grande interesse da Paola. E os nossos dois primeiros títulos
foram isso, então foi um de música que era o Música do Dia – que era uma coleção de crônicas
sobre artistas, canções e álbuns do Pop Rock – e depois saiu o Wadad – que é um livro de
arquivo fotográfico, de memória, de um fotógrafo daqui que é o Eduardo Macarios. Conforme
foi abrindo o catálogo, foi surgindo oportunidades a gente acabou publicando livros de artes
plásticas, a gente acabou publicando livro de poesia – tem um livro de poesia que é o Corpo
Outro – e até um livrinho de jornalismo, né, que é o Aerofone – que é uma tradução real de um
editorial do New York Times do século XIX, é um livrinho artesanal que a gente tem no
catálogo.
210

A questão das edições, como funciona... também não tem uma regra, a gente fez cada livro de
um jeito, sabe? Então tem livro no catálogo que foi bancado pela editora naquele esquema
clássico de a gente bancar o livro e pagar para o autor uma percentagem por exemplar vendido.
A gente teve já livro que foi pago totalmente pelo autor, a gente teve coparticipação já – a gente
entrou com uma parte e o autor com outra –, então varia muito, a gente...tudo começa no projeto,
no querer fazer o livro... sentar e ver como ele é viabilizado, a gente não tem um "ah, é assim
que faz!", a gente sempre testa novos formatos, assim. Sempre tentando... uma coisa que é muito
importante aqui dentro... a gente sempre, desde o começo pensa isso... que a gente monta
sempre um esquema para que o autor também não saia do projeto com prejuízo financeiro,
assim, que ele bote um dinheiro que não retorne nunca esse dinheiro, sabe? Enfim, de novo,
como a gente trabalha com tiragem muito baixa, às vezes isso aumenta o custo do livro, daí
você vai pagar oito por cento, dez por cento para o autor e, putz, é uma merreca...então a gente
sempre tenta pensar em alguns modelos, assim, para que o autor não saia, assim...pelo menos
tem que empatar o investimento quando há, tá?

Como é feita a produção destes? (Existe um trabalho de tradução?, explora formatos


diferenciados do suporte do livro?, é impresso de qual forma e qual é tiragem média?)

Alessandro: Da produção dos livros, acho que eu falei um pouquinho já, mas essa coisa que
você perguntou de "se a gente explora formatos diferenciados de suporte ao livro" sim, a
gente...eu até... então a gente no começo até fazia muito isso, isso era um norte da editora,
assim...Os dois primeiros livros que a gente fez tinha capa dura revestida de tecido com
serigrafia e aí...enumerados, sabe? Depois a gente começou...isso que eu te falei do Aerofone é
um livro totalmente artesanal que a gente mesmo costura, refila...a costura é artesanal, a capa é
em carimbo... então tem uma preocupação muito grande com isso. Mesmo o Corpo Outro – que
é um livro de poemas e fotografias que a gente fez – ele é um livro totalmente feito em gráfica,
mas ele tem uma...a gente resgatou uma coisa bem antiga, que é uma dobra francesa – que é
quando você dobra o livro em quatro...– porque a ideia era que as fotos do livro ficassem ocultas
entre os poemas então você tem que abrir entre as páginas, assim, para... o caderno fica meio
fechado, sabe? Então é um projeto gráfico diferente, assim, não é mais tão usual.
Então a gente escolhe essas coisas e isso norteia muito os projetos que a gente pega para fazer.
O Corpo Outro, por exemplo, teve isso, assim, a gente não é uma editora que publica...que tem,
assim, no nosso norte que a gente vai publicar mais livros de poesia, a gente publicou esse
livro... além de a gente gostar do material, obviamente, mas porque a gente gostou do desafio
211

de fazer esse livro desse jeito, sabe? Dessa coisa que era uma coisa meio conceitual, que o livro,
na verdade, é da Vanessa Rodrigues, as fotos são da Ana Paula Málaga e a Vanessa se expõe
muito nos poemas e essas fotos que estão dentro do livro é a própria Vanessa caminhando pelo
livro e ela vai se despindo. Então tem uma brincadeira ali das palavras serem a pele desse corpo
oculto, né, e ela estar se despindo talvez mais nas palavras do que dentro... então tem todo um
jogo ali que expande aquela coisa quadradinha do livro, que a gente se interessa muito.
Outras coisas, assim, tipo a...você pergunta da tradução... não só a tradução, mas...enfim... Esse
livro que eu te falei, por exemplo, precisou, pela própria característica dele, assim, ele precisou
de uma produtora gráfica envolvida. O Aerofone é uma tradução de um texto do New York
Times, então, tem um tradutor envolvido... mas muito é resolvido aqui dentro mesmo, sabe?
Muito do livro é resolvido aqui dentro mesmo.
Então a Paola... a gente troca muito, né, depende muito de quem está mais envolvido com cada
projeto mas, assim, se eu estou editando, a Paola está revisando ou às vezes é ao contrário.
Muitos projetos gráficos nascem aqui mesmo, é a gente mesmo que faz junto ali, né, pensa o
livro desse jeito e a gente faz aqui. Então é tudo meio punk, mesmo, sabe? É tudo meio do it
yourself...a gente...é sempre muito poucas pessoas trabalhando em cima de cada livro.
E tiragem média varia um pouco, assim... a gente tem... tem livro com 1000 em catálogo, tem
em catálogo com 1000 cópias, tem livro de 500, tem livro de 250, a gente já chegou a fazer 80
cópias de um livro, sabe? Então... o Aerofone, por exemplo, que é um livro totalmente artesanal,
é um livro que a gente faz conforme a demanda, assim, sabe? Agora até a gente voltou da Flip,
a gente está sem, tem que fazer um pouco mais. Mas é um livro que a gente mesmo produz,
assim, então a gente faz... é difícil de quantificar, né? Então isso também é bem fluido, assim,
a gente vê muito... o que o livro pede, o que a gente espera dele, o que a gente acha que ele
vai... enfim, quanto a gente acha que ele vai circular ali, então depende, né? Depende de custo
também, então tem isso, né... armazenamento porque a gente também não tem, assim, essa
capacidade de armazenar milhares de livros, então tem isso também.

Como é feita a distribuição?

Alessandro: Distribuição. Distribuição é um caso sério e eu acho que, na minha opinião, é o


grande calcanhar de Aquiles dos independentes e eu sinto isso agora que eu estou do outro lado
como livreiro também. Distribuição é uma coisa muito complicada, o Brasil é muito grande, os
custos são muito altos... então isso é difícil.
212

A Barbante por trabalhar majoritariamente quantidades pequenas, a gente não tem, assim... a
gente já cogitou entrar com distribuidora, né, ou, enfim.... mas a gente não tem porquê porque
não vale a pena, porque o livro não se paga.
Esse esquema que eu te falei antes de colocar em uma grande rede a 50 por cento, paga sei lá
quando, às vezes não paga... porque tem isso, né, daí vende pouco, daí o cara não, sei lá, às
vezes não se digna a pagar... acontece muito. Então a gente aprendeu meio que na pele isso,
sabe? A gente distribuiu os nossos livros e ainda distribui em lugares escolhidos a dedo, né, a
gente quando conhece pessoas, confia nas pessoas, conversa com elas, a gente leva. A gente
tenta acordos melhores, né, do que esses do 50 por cento, e, assim, a gente procura também
trabalhar pontos alternativos, não necessariamente livrarias, então... os livros de música você
acaba encontrando em lojas de disco, por exemplo, a gente tinha uma... agora não tem mais até
porque esgotou alguns títulos, mas a gente tinha em brechó, sabe? A gente tinha em escolas
então, assim, procurava outros lugares para colocar esses livros.
Agora, eu sinto que a grande coisa, assim, é o site mesmo da Barbante, né? Ali é o melhor
esquema para a gente. E, hoje, a loja, né? Porque dentro da própria loja a gente também corta
esse intermediário, porque não tem muito, sabe, o que fazer... Eu vou te contar uma história que
eu acho interessante, que eu acho bem ilustrativa: tem um grupo de leia mulheres aqui em
Curitiba que queria fazer um dos encontros aqui do ano com um livro de editora independente,
né? E aí eu fiz um... era para ser ali na livraria e eu fiz um...eu falei "tá bom, deixa que eu faço
um pedido, que eu entro em contato com a editora", entrei em contato com a editora e falei
"olha, eu queria 30 livros porque vai ter o leia mulheres et cetera e tal... a Barbante trabalha
com uma percentagem que fica no limite para operar a comissão, né, da livraria, que é 35 por
cento...". A resposta da editora, e eu acho que, assim, é uma coisa legítima, né, é que... é em
Belo Horizonte, inclusive... ela falou assim: " olha, eu não... o meu modelo... para eu te mandar
30 livros consignados e ter que pagar o frete é um modelo que não dá".
Então tem isso, assim, então esse livro tem uma dificuldade... eu entendo perfeitamente porque
eu como editora passo por coisas assim também, mas esse livro tem claramente uma dificuldade
de chegar até o sul do país, né? Então a gente tem esses problemas, sabe? É um livro que acaba
circulando ali...quer dizer, eu aqui do Sul se quiser vou ter que comprar pelo site mesmo, sabe?
Mas vai ser muito difícil você encontrar ele físico aqui em uma livraria e tal. Eu sei disso porque,
assim, eu tenho poucas coisas na livraria, assim, fora de São Paulo, do Rio ou aqui do Paraná
ou do Rio Grande do Sul, né? Então, assim, eu tenho alguma coisa de Minas Gerais, eu tenho
alguma coisa do Piauí, alguma coisa de Recife, mas, assim, são caras que eu acabo encontrando
em São Paulo quando eu estou por lá e a gente tem que se encontrar no meio do caminho para
213

pegar os livros. Ou a questão das reposições, né? É muito difícil, assim, nem sempre... acontece
de eu ter cliente que fala "puta, eu queria o livro tal..." e eu falo "Pois é, eu já fiz o pedido mas
às vezes demora...". Por que? Porque às vezes o cara não tem estoque, a tiragem é pequena, ou
então ele tem que produzir, ou então ele fala, ou às vezes não fala também mas a gente sabe o
que é: não vale a pena para o cara, sabe? Porque ele fala "porra, mas eu vou fazer a feira tal e
daí eu vou ficar sem, então vai ficar parado lá... Tem tudo isso.
Então, aproveitar que eu falei de feira, né, feira de publicação é o grande modelo hoje do
independente, internet e feira de publicação... cortar o intermediário, ir direto porque trabalhar
com grande... nem tem mais grande rede, né, está tudo quebrando também... eles não estão
interessados, eles não pagam... a gente não trabalha mais, a gente já tentou, não faz, tá? A gente
trabalha com parceiros selecionados que, assim, também, até pela natureza da nossa operação
ser muito pequena, assim a gente também consegue manter um controle do que está
acontecendo porque se eu distribuir meus livros para, sei lá, tudo quanto é lugar, primeiro que
eu não vou conseguir ter esse controle e segundo que eu não tenho estoque para isso também,
sabe? Então para mim não vale a pena, mas eu, assim, acho que distribuição é o grande
problema, é o grande gargalo das editoras independentes.

Quais os desafios para se manter no mercado editorial?

Alessandro: E os desafios para se manter no mercado...assim, eu acho que o principal era isso
tudo que eu acabei de falar da distribuição, porque se teu livro não circula... é um problema, né,
você faz o livro e teu livro não circula. Como é que você vai se manter? Então, eu acho que
esse é o desafio principal. O outro é... e aí, assim, uma coisa que é decorrente disso é o
financeiro, né, tipo: o modelo, assim, ele implica... quando você está distante, assim... eu estou
em Curitiba, eu nem estou... eu estou a seis horas, cinco horas de carro de São Paulo mas, assim,
eu estou fora do eixo ali, entende?
Então, assim, eu tenho um ritmo menor de feiras aqui na minha cidade, né, muito menor, óbvio.
E, assim, eu tenho uma... para eu participar de feiras como a E-cêntrica, em Goiânia, ou... Eu
estava falando com o Nathan da Moinhos aí outro dia mesmo...parece que ia ter uma em BH...
mas, assim, ou a Dente em Brasília, enfim. É muito caro para mim para ir para esses lugares,
sabe? Tipo, financeiramente... seria bom eu ir para apresentar meu trabalho e tal, porque isso
gera outras oportunidades, óbvio, mas é muito caro para eu ir para um lugar desse, sabe? Ou
então eu tenho... a gente está tentando achar... é difícil a gente participar de feira assim que vá
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além de São Paulo. Mesmo São Paulo, né, tipo, porque a gente vai para São Paulo e não é tão
barato assim, normalmente é uma coisa que só se empata, né? A gente esteve na Flip agora, por
exemplo, e é uma delícia, é muito bom de ir e tudo mas, assim, financeiramente é uma coisa
que no máximo empata.Então essa questão das feiras é importante também, mas ela também
necessita de uma estrutura, né?
Então eu acho que, assim, os desafios são esses...E aí tem uma outra coisa também que é, assim,
é um clichezão mas é, infelizmente, uma realidade porque a gente não está em um país de
leitores, né. Isso é óbvio que é uma grande dificuldade. É muito bizarro você parar para pensar
que você está inserido em uma cidade com dois milhões de habitantes e você não conseguir
esgotar uma tiragem... assim, esgotar rapidamente, uma tiragem de 500 exemplares, eu acho
completamente maluco isso, sabe? Mas essa é uma realidade, a gente demora dois anos (três,
às vezes) para esgotar uma tiragem de 500 exemplares. Eu acho muito doido isso!
Mas aí entra aquela história, né, as pessoas acham que o livro é caro, o livro é supérfluo... a
gente percebe muito porque, assim, a gente está dentro de um espaço que é... a livraria Barbante
fica dentro de um espaço que abriu em uma galeria de arte e um bar. Então a livraria Barbante
fica aberta até de madrugada para aproveitar esse fluxo do bar, as pessoas entram... do bar... às
vezes gostam do livro mas acham um livro de, sei lá, 30, 40, 50 reais caro, mas ela está lá no
bar gastando pelo menos 20 reais em um drink. Então, assim, são prioridades... tudo bem, não
estamos aqui para falar como as pessoas devem gastar seu dinheiro, mas a gente percebe que,
assim, o livro tem uma resistência muito grande, assim, da coisa do preço... as pessoas acham
caro e tal.
Aí é aquela história, né? Isso só vai se resolver quando tiver mais incentivo à leitura mesmo,
né? As pessoas sentirem que isso é uma... mudar essa chave... isso é uma coisa importante para
elas, isso é uma coisa que leva muito tempo e, enfim, é uma construção.
Então acho que essas são as dificuldades, eu acho que a gente está em um momento de
transformação muito louco, assim, que a gente ainda vai precisar de algum tempo para entender.
Porque com essa quebra da Saraiva, da Cultura... é claro que esse modelo não está funcionando,
né? Esse modelo de consignação também, assim, que a gente trabalha porque para a gente
também não há outro meio... mas eu não sei quanto tempo isso vai durar também, eu acho que
isso também não... não sei se está funcionando muito bem para as pessoas.
Enfim, e aí você tem essa coisa: essa presença cada vez mais maciça da Amazon, né, que vai
tirando os outros players do mercado e você tem essas discussões sobre a lei do preço único, e
você tem, enfim, você tem milhares de coisas acontecendo aí e tem que ver o que vai sair disso
tudo, a gente ainda não sabe, a gente está tateando. Tem que ver se esse modelo de feira é uma
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coisa que vai se perpetuar também porque elas estão proliferando, né, o que é uma coisa muito
positiva, mas eu não sei também até que ponto isso não vai saturar em algum momento, eu não
sei se a produção está acompanhando. E eu falo eu não sei porque eu não sei mesmo, assim, é
uma coisa que eu tenho dúvida... não sei se isso está, né... se tem demanda para tudo isso, então
é uma coisa que a gente ainda vai ter que ver o que está acontecendo e o que vai sair disso.
Com certeza esse mercado está sendo reinventando agora, eu acho que a própria Barbante, a
própria livraria é um sinal disso, né, a gente abriu a livraria não é porque... é claro que é porque
a gente gosta dessas coisas, a gente queria trazer para cá... a gente sentia uma carência aqui de
vários desses títulos, mas é também porque a gente vê uma oportunidade de negócio, porque a
gente acha que as coisas estão mudando, que está tendo essa volta também de desejo pelo
analógico, está tendo essa coisa do manual, essa coisa da livraria de rua, menos shopping... a
gente sente que tem um movimento nesse sentido. Então é isso também.
Mas, assim, eu acho que os grandes desafios do mercado editorial ainda virão, sabe, a gente
ainda vai ter que aprender a... ao mesmo tempo que a gente faz parte da construção desse novo
ecossistema, a gente também vai ter que aprender a lidar com ele.

Alessandro Andreola e Paola Marques - Editora Barbante (13/08/2020)

Samara: A primeira pergunta que eu queria fazer você já me respondeu a maior parte disso
pelos áudios: é só perguntar um pouco da história da editora e, como você já me respondeu
muita coisa, eu queria só entender como foi a formação de vocês cair nesse processo editorial,
né, para escolher ter uma editora depois. Eu li que vocês eram jornalistas, aí eu queria saber um
pouquinho como surgiu a editora na trajetória de vida de vocês.
Paola: Vamos lá! A gente... no final de 2015 e comecinho de 2016, o Alessandro queria lançar
o livro dele, né?
Alessandro: É.
Paola: Começou com essa ideia: ele queria lançar um livro que era de uns textos que ele tinha
e estava reeditando algumas partes, estava revisitando esses textos e ele achava que rendia um
livro e que isso ia ser muito legal. A gente estava trabalhando nisso, mas de forma... como um
projeto meio paralelo, assim, não era uma coisa que a gente estava com o foco total nisso aí. Aí
em 2016 ele colocou na cabeça que ele ia fazer e a gente falou "então vamos!". Ao mesmo
tempo, a gente pensou que seria muito interessante... a gente estava acompanhando a cena, se
interessava por vários livros independentes, a gente sempre ia nos lançamentos e a gente ficou
namorando a ideia do tipo "e de repente se a gente tivesse uma editora também, o que você
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acha?", mas nada muito oficial, assim, do tipo "agora o próximo passo é tal!". Mais ou menos
pelo meio do ano, a gente conseguiu fazer o livro, esse livro foi pensado justamente para ter
todos os processos que a gente admirava nos livros, então ele era costurado à mão.
Alessandro: Não era costurado à mão.
Paola: Ah, verdade, não era! Mas era para ser, né?
Alessandro: Era para ser.
Paola: Depois acabou não sendo. Aí a gente pensou o processo. Ele tinha capa dura, de
serigrafia, ele tinha fitina, ele tinha um acabamento artesanal, no final. Ele era para ser só
impresso e costurado à mão, mas acabou sendo só o livro de gráfica por uma questão de
orçamento mesmo. Mas a gente conseguiu incluir esses acabamentos na primeira tiragem,
foram 250 livros. Ele fala que é o livro que inaugurou a editora.
Alessandro: É, não é... é que, assim [00:05:00], foi tudo muito tentativa e erro, a gente não fez
curso, a gente não se preparou formalmente, sabe?
Samara: Sim.
Alessandro: A educação para lançar o livro foi a seguinte: eu trabalhava, nessa época, dentro
do Estúdio Invertido, que é um lugar (não sei se você conhece) de acabamentos gráficos aqui
em Curitiba, um lugar que trabalha em três frentes: serigrafia, encadernação e tipografia.
[incompreensível (00:05:33)] Então eu trabalhava lá com eles e aí eu já estava com essa ideia
de fazer o livro. Como eu estava lá... porque lá eles também tem uma mini-editora, eles lançam
algumas coisas. Então o meu primeiro contato – mão na massa – foi esse, eu participei lá de
algumas produções e aí como eu estava fazendo o livro, as coisas convergiram. Eles falaram
"você vai fazer o seu livro aqui, né, tem que fazer, vamos fazer!" e aí a gente usou tudo e foi
uma dor de cabeça louca porque tudo era muito caro mesmo a gente estando lá dentro e aí,
assim... Daí começou aquela história: vamos enfeitar o pavão, já que é para fazer vamos, né? A
gente colocou... eu tenho o livro aqui.
Samara: Deixa eu ver.
Alessandro: Está meio sujinho porque esse aqui é dos... o livro é esse aqui: isso aqui é uma capa
dura de tecido, aqui na serigrafia a gente fez em duas cores (esse é o azul, mas tem o vermelho
também)...
Samara: Eu vi no site.
Alessandro: Aí tem uma fitinha de cetim no meio porque...
Samara: Sim [risos (00:06:48)]
Paola: A guarda é serigrafada...
Alessandro: A guarda aqui...
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Paola: Duas cores...tem no vermelho e a outra [incompreensível (00:06:55)]


Alessandro: A guarda é na serigrafia...
Samara: Esse livro deve ter ficado bem caro.
Alessandro: [incompreensível (00:07:05)] aqui atrás.
Samara: Nossa!
Alessandro: [incompreensível (00:07:09)] da quarta capa... Então, assim... teve até aquela coisa,
uma hora a gente teve que parar, né, tipo "ah, tá bom!". Mas era muito engraçado porque os
caras... por exemplo: a coisa da fitinha de cetim, é uma coisa comum de livro, mas os caras
nunca tinham feito daí eles tiveram que aprender como fazia e tal. Foi isso aí.
Então a gente aprendeu muito fazendo, sabe? Tanto que a gente chegou a fazer outros livros. O
segundo livro que a gente fez, a gente já estava nessa pegada... também tem uma pegada assim,
da capa dura, tem um baixo relevo... Depois a gente parou um pouco porque era tudo muito
caro, a gente... É esse aqui o outro, olha: é o [incompreensível (00:08:03)], esse aqui tem um
baixo relevo com uma foto colada aqui... também tem...mas é a mesma coisa: aqui é um tecido,
tem serigrafia também... Também a gente fez dentro do estúdio esse aqui. O que a Paola estava
falando era isso, esse livro aqui não foi a editora que lançou, esse aqui foi o livro que lançou a
editora. Veio o livro primeiro e depois veio a editora porque esse aqui... paralelo a tudo isso
que a Paola te contou que estava acontecendo, ela já estava trabalhando nisso. Ainda sem ter
muito claro o que ia ser, sabe? Ela já estava trabalhando... isso aqui é um livro de arquivo, de
memória, ela estava trabalhando na edição disso. Então a gente juntou a fome com a vontade
de comer, a gente tinha esses projetos na mão, era um momento muito bom... a gente estava
acompanhando as coisas acontecendo. A gente estava conhecendo os livros da Lote, os da
Quelônio...
Samara: A cena estava superaquecida, né?
Alessandro: É, mas a gente entrou nessa meio assim, a gente estava conhecendo isso e falou
"ah, tem uma coisa acontecendo, vamos aí, né?" E aí esses dois livros que eu te mostrei que são
o pilar da coisa toda, sabe? Porque daí com essas coisas físicas na mão, a gente pegou a
mochilinha e foi para São Paulo, foi se apresentar para as pessoas. Foi levar... "ah, então, a
gente é de Curitiba e a gente tem uma editora, a Barbante, e a gente faz livro meio artesanal e é
meio [00:10:00]... está aqui o livro!". Aí mudava, aí a pessoa pegava..."Ah! Que legal!". Então
isso aconteceu muito. O que aconteceu com a Cecília, né?
Paola: É.
Alessandro: Quando a gente conheceu a Cecília foi muito engraçado, porque a gente conheceu
a Cecília.
218

Paola: Acho que foi aqui na Bienal, né?


Alessandro: Foi na Bienal de quadrinhos de Curitiba. Ela estava aqui, acho que a Banca Tatuí...
não sei se era a Lote ou a Banca Tatuí que estava aqui... a gente foi lá mostrar o livro... A Cecília
falou, assim, uma coisa...
É engraçado como as coisas são cíclicas, porque acontece com a gente hoje com a livraria.
Chega a pessoa com o seu livrinho, assim, ela foi super legal, foi super simpática, mas ela falou
"Ah, então, é que a gente pega produtores que tenham pelo menos três títulos em catálogo...".
Enfim, tinha todo um rolê porque na época a gente ficou meio assim, mas hoje _ do outro lado
_ a gente entendeu que não dá, entendeu? Chegar o cara lá com o seu livrinho, às vezes eu não
consigo pegar, mas esse é um assunto para outra hora.
A gente mostrou o livro, ela pegou o livro... "Legal!"... daí eles entraram em contato com a
gente, assim: "olha, a gente vai querer o livro, mas a gente precisa de ter pelo menos dois". Eu
falei "não tem problema, a gente está lançando outro também". E aí eles "Ah, então manda!",
daí a gente mandou e começou. Eu acho que a Banca foi um negócio muito bom, assim, para a
gente, a Banca foi a primeira plataforma... Porque é isso, né, a gente está aqui em Curitiba e
aqui é tudo muito pequeno, tudo muito compacto, você faz as coisas mas desaparece. Agora
tem um pouquinho mais, mas nessa época você não tinha muito essa coisa das feiras... tinha
uma coisa ou outra, mas era muita aquela coisa da feira do adesivinho, sabe? E aí quando a
gente conseguiu levar os livros para São Paulo deu uma aumentada, assim, começou a ser algo...
Assim, a gente começou a se inscrever para as feiras... a gente tinha dois livros... a gente ia para
as feiras porque foi chamado, assim, só para fazer. As coisas começaram a rolar a partir daí,
mas demorou um pouco para a gente...
Paola: Entrar de cabeça na editora.
Alessandro: É! Demorou eu acho que quase um ano para a gente olhar assim e falar "não, a
gente faz isso agora, essa é a coisa que a gente faz", sabe? Demorou um pouco, assim, até o
primeiro ano era muito...
Paola: Vamos fazendo!
Alessandro: É, tipo, assim, olha, essas coisas... Está gravando, não? Tudo bem, acho que agora
já perdemos a vergonha de falar. Mas esses livros, por exemplo... a gente era tão amador no
começo que a gente não sabia nada. A gente não sabia como fazer ficha catalográfica de livro.
Samara: Ah, compreendo! [Risos (00:13:00)]
Alessandro: Então a gente inventou a ficha catalográfica. A gente olhou como era, a gente
inventou a ficha catalográfica dos livros, sabe? Se você olhar está até bem feitinha, assim, você
talvez nem diga que a gente inventou. Então, assim, ainda bem que a tiragem era pequena
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porque se isso fosse parar na biblioteca o bibliotecário ia ter ficado doido. A gente não sabia
fazer, sabe? Daí a gente foi... E cada coisa dessas... essa é uma coisa muito pequena, a ficha
catalográfica, né? Hoje a gente tem uma pessoa aqui de Curitiba que faz para a gente e tal. Mas,
meu, era um parto, era tudo muito sofrido para mim, porque a Paola segurava muito a onda,
tipo "ah, não quero mais fazer isso, é muito difícil, o que faz isso, ai que saco!". Eu achava
que... que bobagem... eu achava que tinha que me inscrever na Câmara Brasileira do Livro,
sabe? Informação desencontrada de internet, assim.
Mas aí é isso. A gente conheceu as pessoas e aí, claro, a gente começou a conversar mais com
as pessoas e se aproximar delas aí foi ficando mais fácil. A gente foi entendendo os processos.
Paola: Era para ter investido um pouco mais em cursos também, né?
Alessandro: Isso. Aí depois disso a gente começou a fazer, demorou um pouco... aí já tinha a
editora, já tinha dois livros e tudo... aí a gente começou a fazer uns cursos que apareciam. Então
a gente fez curso com as meninas da [incompreensível (00:14:28)] (em São Paulo) que as
meninas deram, a gente fez um curso com o Lobo (que é do Rio Grande do Sul) uma editora
independente, a gente fez um curso e foi bom. A gente fez um curso do João, a gente trouxe o
curso do João para Curitiba, o Pulse.
Samara: Olha, que legal!
Paola: Eu queria fazer!
Alessandro: A gente meio que queria fazer, assim, a gente nunca tinha tempo de ir para São
Paulo e eu falei: "Ah, vamos trazer o curso para cá e aí a gente faz também. A gente fez o
Pulse, do... produzimos o evento aqui. [00:15:00]
Paola: Teve o [incompreensível (00:15:03)]
Alessandro: Os que tiveram na casa de educação, alguma coisa. Então a gente foi, assim, a
gente continua fazendo, na verdade, porque a gente não sabe tudo, tem muitos terrenos
inexplorados, sabe? Tem muita coisa que... e é super normal. Eu, por exemplo, falei
[incompreensível (00:15:24)] aquele dia para você lá com os áudios do WhatsApp.
Samara: Sim, foi ótimo!
Alessandro: Sim, mas aquele é o momento hoje da editora, pode ser que daqui a um ano você
me pergunte de novo e eu falei "Ah não, Samara, distribuição... a parada é essa, o canal é esse
aqui...". Muita coisa aconteceu desse jeito, sabe? E eu acho que continua sempre. A gente vai
tentando fazer as coisas. Mas, assim, em uma resposta comprida é isso, eu acho que o começo
foi esse, mas a gente... É tudo ao contrário: a gente lança o livro e por causa do livro tem a
editora. E essa coisa da editora também é legal porque por que eu tenho aqui a Barbante? Porque
também é dessas paradas, assim, a gente vai lançar um livro e a gente precisa ter o nome da
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editora. Um livro sem editora é muito palha! "Não, vai colocando...". Foi assim, de trás para
frente!
Paola: Inverso. A ordem invertida.
Samara: Sim. Eu fiz uma graduação toda voltada para a edição de livros, né, o CEFET aqui...
no bacharelado a ênfase é edição, mas no início – quando eu tinha que fazer meus trabalhos
práticos – é isso aí que você está contando. Eu me vi. É inventando ficha catalográfica sem
saber o que fazer...
Alessandro: Eu já sou mais desencanado com isso, eu não dou bola, eu até conto meio sem
vergonha a coisa porque eu acho que é uma história boa de construção de editora bem na raça
mesmo, sabe? O que acontece é que hoje em dia é muito fácil você fazer um livro. Por que?
Porque, meu, hoje os preços estão mais acessíveis, tem mais gente fazendo, tem gráfica rápida
que você faz coisa com qualidade, tem esses processos artesanais, enfim. Internet é uma
maravilha, porque você vai lá vê no YouTube como é que faz, troca ideia... era tudo mais difícil.
Então, assim, a gente foi lá e fez! Igual nos anos 90 eu fazia fanzine com xerox, entendeu? Vai
lá e faz. Porque era a ferramenta que tinha à mão, a gente não tinha outras ferramentas daí a
gente colocou a fitinha de cetim em uma coisa, sabe? É assim.
Samara: Sim. E aí, quando vocês entraram, começaram isso, vocês largaram outros trabalhos e
ficaram só por conta da editora ou vocês ainda mantém outros trabalhos... Como que é?
Alessandro: A gente nunca largou.
Paola: A gente nunca largou. Porque a gente trabalha como freelancer, não temos um emprego
fixo. Desde o começo, desde a ideia a gente já trabalhava com outras coisas e até hoje continua
trabalhando com outras coisas: redação...enfim. Várias frentes.
Alessandro: A gente faz tudo, desde reportagem em redes sociais... a gente faz trabalho de
comunicação, de um modo geral. A gente começou a fazer, de um tempo para cá, é que como
agora tem mais certa expertise, a gente começa a fazer para terceiros também, a gente recebe
muita gente que vem querendo fazer livro. Livro da família, livros... A gente faz, a gente não
põe a marca da Barbante nem nada, mas a gente presta esse tipo de serviço também, então, além
disso... mas a gente precisa muito disso para segurar as pontas, a editora não segura... a gente
tem muito pouco título, a maior parte de tiragem baixa, não tem como. E aí a gente teve a
livraria, né? Que aí também entra um dinheiro ali e tal, mas... ajuda a sustentar todo o negócio
mas também não dá sozinho, não sustenta sozinho.
Samara: Eu estou perguntando porque isso é uma coisa que, sempre que eu estudo edição... e
também até por isso que eu estou pesquisando o que eu estou pesquisando... porque para mim
são duas coisas fundamentais [00:20:00] de pensar nesse movimento. Primeiro porque as
221

pessoas não conseguem se sustentar fazendo a edição independente...são raros, assim, eu vejo
que... aí por isso que é uma pergunta muito cara para mim saber se vocês estão conciliando,
conseguiram largar tudo... porque até hoje eu conheci uma ou duas pessoas só que conseguiram
ir trabalhar no independente, se mantendo independente e mantendo suas contas. É uma coisa
irreal, assim, não é uma coisa comum. É isso e a distribuição que... eu tentei pegar minha
pesquisa para poder entender isso porque eu acho também que a auto sustentabilidade está
ligada às dificuldades de distribuição, é minha hipótese, assim, sabe?
Paola: É, a nossa realidade é um pouco isso que tu está comentando, assim. Por ser um mercado
um pouco menor (de pessoas, de giro), ele não é o suficiente para fazer o dinheiro entrar todo
mês, ter uma renda fixa – não fixa mas, assim, constante, né – então fica mais difícil. A
distribuição está colada nisso, né, a distribuição é um pouco mais complicada. Pela demanda
das pessoas ou até mesmo a produção, né, são menos livros. Você também não consegue dar
conta porque você tem pouco material, vai sair distribuindo como? Você escolhe melhor como
tu quer fazer. Às vezes, muitas vezes, direto com o consumidor, daí você tem todo o trabalho
de participar de feiras ou de ter um site, enfim... Está tudo relacionado: justamente por ser
menor, você não consegue ter o fluxo que sustenta alguém – no nosso caso, um casal, não é o
suficiente.
Alessandro: É. Eu tinha te falado esse negócio da distribuição, ou do negócio de você não
conseguir esgotar uma tiragem por causa dessas barreiras. Nossa impressão é tudo muito
pequeno, mas a gente também é muito jovem no rolê, a gente tem três anos fazendo a coisa e já
nasceu um catálogo micro ali e uma livraria. Tem uma construção, a gente sente que vai
crescendo nesse sentido. Então eu sou bastante pragmático nesse sentido, sabe? Eu gosto muito
de fazer, mas eu vejo tudo isso como um negócio também, não tenho muito aquela coisa "ah, é
o meu hobbie", é uma parte das coisas que eu faço, eu quero que dê dinheiro as coisas. Então
eu boto muita fé nisso de que tem um mercado acontecendo, que tem um interesse nisso e a
gente tenta explorar essas coisas, sabe? A gente fica o tempo todo ligado nisso e tentando achar
as brechas. Eu sei que tem muita gente que vive disso... da ideia de oficina... tem muitas editoras
que estão lá que estão sempre circulando nas oficinas, tem parceria com o SESC, tem...
Paola: Lei do incentivo.
Alessandro: Ou fazem coisas com lei de incentivo ou criam suas próprias alternativas como a
gente criou aqui de ter uma livraria... como a Lote sempre faz isso, teve a Banca, daí tem a Sala
Tatuí, agora eles vão se expandir. Tem a Polvilho que agora fez o Mercado, né, deve ser lindo,
eu estou louco para ver. Mas, assim, acho que a Larissa fez alguma coisa em Goiânia.
Samara: O Jardim.
222

Alessandro: O Jardim. Então, assim, as coisas estão indo e é engraçado porque um faz e o outro
"ah, acho que eu vou fazer", daí puxa e o sistema vai aumentando. Então, assim, se distribuição
é um problema, se as grandes estão quebrando, se o fulano não quer pegar o teu livro... A gente
está começando a se organizar também de um modo que a gente cria o nosso próprio modelo.
É muito pequenininho ainda, a gente ainda tem que fazer matéria para jornal, quase todos os
jornalistas, a gente ainda tem que fazer tradução, a gente ainda tem que...
Paola: fazer Redes sociais...
Alessandro: ...editar livro. Eu agora estava editando um livro sobre criptomoedas para fora,
entendeu? Disse "vamos lá" e peguei o trabalho. A gente faz coisas para fora. Minha intenção
é: quando a gente, como negócio, conseguir fazer os livros que a gente quer fazer, ter uma
livraria do jeito que a gente imagina que é legal para ter esse canal, aqui no Sul de distribuição
aqui no nosso cantinho e conseguindo trabalhar com essas coisas... tipo eu fiz um livro de
criptomoeda, não é um livro que a gente faz mas é um trabalho dentro do editorial e é feito pela
Barbante como empresa. Então enquanto a gente não conseguir ter isso, está ótimo. São
tijolinhos, a gente vai no caminho. E a hora que não der mais... por isso que eu falo que eu sou
muito pragmático, a Paola às vezes até briga porque eu estou sendo negativo, mas não é isso.
A hora que não der mais a gente fecha, entendeu? A gente para de fazer. O meu amor por esse
tipo de coisa vai até certo ponto, eu preciso comer, eu vou ter uma filha, as coisas são muito...
dia-a-dia. A gente faz e continua fazendo porque a gente crê que isso é uma parada que vai, que
é legal, que está acontecendo, que tem mercado. Só que a gente está, junto com todo mundo,
explorando também. Eu acho que... tua tese é essa da distribuição, tem tudo a ver! Porque eu
citei todos esses lugares, por exemplo, a Polvilho e o Jardim... Quer dizer, eu não estou com
livro lá ainda, sabe? A própria Larissa, por exemplo... essa é uma outra coisa interessante... a
Larissa (da Nega Lilu) é uma super parceira nossa, só que a gente só põe os livros da Nega Lilu
na livraria quando a gente se encontra em São Paulo porque Goiânia está muito longe, cara! Eu
vou ter que pagar um frete lá para uma caixa de livro e... e a gente a mesma coisa, sabe? Aquela
história que eu te contei lá dos livros que eu não consegui pegar... A gente é a mesma coisa: vai
mandar uma caixa de livro para Goiânia daí vai e não vende o livro, depois eu preciso do livro,
é muito pequeno, teria que ser um pouquinho maior para a gente conseguir fazer. E a gente
quer, né?
Paola: A gente quer.
Alessandro: A gente está tentando...
Paola: Estamos nessa tentativa.
223

Samara: Ah, mas eu acho... como eu tenho visto vários modelos de negócio, tenho estudado
muita editora... assim, não sou nenhuma referência, mas eu tenho visto o cenário por uma outra
perspectiva, né? Não é a de dentro, mas eu vejo a Barbante em uma ascendência, sabe? Eu acho
que do jeito que vocês estão fazendo é um trem que eu boto minhas fichas. Se falasse assim
"você aposta?", "eu aposto!". Tem alguns casos que eu olho e falo "É, então...acho
complicado...", mas as práticas... tudo que eu tenho observado, eu acho que vocês estão indo
em um caminho das pedras que vai dar bom, sabe? No meu feeling.
Alessandro: A gente acha também porque a gente tem um retorno muito legal das pessoas,
assim, quando a gente faz mais feira, sai daqui ou enfim... Essa semana mesmo eu estou
fazendo uma feira aqui em Curitiba que começou ontem e vai até sexta-feira à noite. Eu sempre
fico surpreso, assim, das pessoas que conhecem a gente em um monte de feira. Eu ainda estou
nesse negócio porque eu ainda fico meio abestado, sabe? Quando a pessoa fala, eu falo "pô,
você conhece?".
Paola: "De onde?"
Alessandro: "De onde você conhece?". Ou então, assim... acho que foi na última Miolos, não
lembro direito... Mas ia gente de Cuiabá falando "Ah, a Barbante eu conheço, eu tenho esse do
Sergipe...", "Ah, eu tenho...". De onde, né, eu fico meio assim... Tem o site, as coisas circulam,
está vendendo lá na Banca Tatuí, claro, está circulando. Eu acho que sim. E na verdade esse é
o grande combustível que faz a gente: "Não, vamos lá! Vai dar!". Brinco, assim, tipo, já pensou
quando o dinheiro começar a entrar, que bom que vai ser?. Mas, assim [incompreensível
(00:28:28)], sabe? Tem que fazer uma construção, se for muito ansioso, meu... A gente, nesse
meio tempo, viu um monte de editora que começou e acabou, sabe?
Paola: Não vingou, né?
Alessandro: Não vingou. Tudo bem também porque as pessoas tem outras coisas para fazer,
sabe, porque não dá para ficar... esse livro aqui, Samara, custou 30 reais cada um para fazer...
Samara: Sim, eu imaginei!
Alessandro: E eu vendi ele a 60, olha o tipo de modelo de negócio, sabe? Não tem como
funcionar, então a gente vai aprendendo, tem muita gente que faz isso e desiste.
Samara: Eu sempre brinco que nas independentes a taxa de natalidade é alta, mas a taxa de
mortalidade precoce é maior, é muito grande. É uma proporção cruel.
Alessandro: Vou te contar uma anedota do começo da editora, que eu não sei se serve para a
pesquisa, mas pelo menos é divertido.
Samara: Por favor! [Risos (00:29:24)]
224

Alessandro: A gente, quando criou a editora, estava nesse negócio de "o livro, o livro, o livro",
o livro estava pronto, o livro precisava ir para a gráfica e nos últimos momentos a gente falou
"não, tem que ter uma editora e a gente contratou um escritório de design para fazer a marca. E
o nome dessa editora foi um Deus nos acuda também porque eu e a Paola não tínhamos um
acordo, não chegava no acordo, eu queria uma coisa, ela queria outra e ela me venceu pelo
cansaço. Porque uma hora ela bateu o pé [00:30:00] que ela queria que o nome da editora fosse
Nó (de nó, assim). Aí eu falei "Ah, tá bom, vai!" porque precisava fazer e aí a gente mandou
fazer a marca, então foi feita uma marquinha Nó com esse nozinho aqui.
Samara: Sim.
Alessandro: Que é a marca da Barbante. E chegou. E a gente... eu fiz uma busca para procurar
se tinha...
Paola: A gente fez o INPI também.
Alessandro: É, procuramos no INPI... não tinha Nó, não tinha, tá bom. Procurei no Facebook,
procurei, não tinha... Estava lá o livro, beleza, daí um amigo meu, que é o cara lá do Estúdio
Invertido, que me ajudou a fazer o livro... sem brincadeira, parece que eu estou inventando, mas
eu tinha acabado mandar para a gráfica, o miolo do livro... aí meu amigo me manda: "você viu
isso aqui" daí ele me manda um link da Banca Tatuí e tinha lá Nó Editora, do Rio de Janeiro.
Daí eu fui ver e eles tinham três livros, não eram livros, eram três fanzines: um fanzine de seis
páginas, um outro de oito páginas...só que com elas dobradas. Era bem bonitinho, mas era o
papelzinho dobrado. E eu tive que ligar para a gráfica e falar "parem as máquinas!", tive que
falar "parem!" e dizer "para tudo!". E aí a gente tinha um dia depois de meses pensando nisso...
Paola: Um dia para resolver...
Alessandro: Para resolver isso, porque o que era a grande pegada? Eu não podia pagar para o
cara refazer tudo, eu tinha que aproveitar a marca, entendeu? O nozinho ali... Aí tivemos a
Barbante porque daí a gente ficou "fio", "não sei o quê", "infinito", "blá blá blá", "Barbante" e
daí foi "Barbante?" "Barbante?" "Barbante!". Foi um acidente feliz, na verdade, porque eu gosto
muito mais.
Mas, cara, as coisas foram desse jeito, começou tudo muito louquinho, assim, tudo, sabe? Foi
toda uma construção desse negócio porque a Nó não existia... comecei a contar toda essa
história por que? Porque a Nó não existe mais.
Samara: Ou seja...
Alessandro: Seis meses depois ela já não existia.
Samara: Ela serviu só para poder mudar o nome de vocês, ela serviu com essa função. [risos
(00:32:22)]
225

Alessandro: Eram as minhas preces para a Nó, de algum jeito, virasse Barbante, entendeu?
Então...
Samara: Eu vou passar para umas perguntas mais chatas aqui que são mais formais, né?
Alessandro: Sem problemas.
Samara: Eu acho que uma grande parte a gente até falou, mas uma que está aqui nas minhas
perguntas: quais são as formas que vocês utilizam para vender os livros? Eu trabalho com uma
hipótese que existem quatro formas mais comuns de serem usadas, assim: uma é a venda em
um ponto de venda físico, o outro é a loja virtual, o outro são as feiras e o outro é a venda direta
(quando você vai em um evento de lançamento leva um livro, ou às vezes até o próprio autor
faz essa venda direta, a venda direta é essa que você está ali... é um pouco o que acontece na
feira mas sem ser no espaço da feira). Isso é a minha hipótese e aí eu queria saber qual é a forma
que vocês comercializam? Vocês usam essas quatro formas? Existe uma quinta forma? Isso
para mim é muito importante saber. Como vocês fazem para comercializar?
Alessandro: É isso aí.
Paola: É isso aí. Tem a feira, né, direto a gente participa de feiras gráficas, de venda direta a
gente faz os lançamentos e pelo site também a gente vende nossos livros (no site da Editora),
temos alguns... a gente já teve mais... mas hoje a gente tem alguns pontos de venda físicos e o
nosso próprio, né?
Alessandro: Que a gente vende muito por lá.
Paola: Que a gente vende... que é o nosso quase principal... Seria o site...
Alessandro: Não sei se hoje o principal é o site, talvez, mas em volume de vendas de livros
editados pela Barbante é esses eventos próprios mesmo. E é isso, a gente faz um livro, faz um
lançamento e vende tudo, vende um volume grande. A gente faz sempre as coisas pensando...
é uma ciência não exata essa, mas a gente sempre fala assim "Ah, esse livro aqui vai vender,
sei lá, a gente vai imprimir 500 e vai vender 80 no lançamento". A gente tenta desenhar para
esses 80 pagarem o livro, sabe? A gente faz alguma coisa... nem sempre dá certo, mas agora
está mais ou menos.
Paola: Aí depois dessa venda [00:35:00] direta vai para o site e depois para as feiras. Esse é
meio que o caminho que a gente faz.
Alessandro: Esse é meio que o caminho que a gente faz. Porque, assim, daí ter pontos de venda
vem em uma última parte porque para a gente é mais vitrine, sabe? Assim, por mais que seja
bom para a gente ter lá na Banca Tatuí, por exemplo, que é um modelo que eu gosto de citar,
por mais que seja bom a gente estar lá, para a gente é muito mais vitrine do que volume de
vendas, sabe? Porque a Banca é muito boa porque a Banca você não precisa se preocupar com
226

receber... vai lá e "nossa, que dinheiro é esse? Oh, é da Banca!", mas é muito mais aquilo que
eu estava te falando antes, sabe? É uma vitrine ali, as pessoas estão... de volume de venda,
assim, a presença não é... a gente... site e aí agora o nosso próprio ponto... É isso, né, a gente
tem uma livraria chamada Barbante, a gente é tipo o pai que dá o mesmo nome para os filhos.
Nossa filha inclusive vai chamar...
Paola: [Risos (00:36:05)] Não, não vai.
Alessandro: Então tem esse nosso ponto de venda, mas o forte mesmo é esse, assim, é quando
a gente faz o lançamento ou evento, a gente faz também... a gente não fica avexado não, de
fazer várias... A gente lança o livro, fez o lançamento, a gente faz aqui mesmo, uns três/quatro
lançamentos. Vai lá para fora quando dá, e aí que vende legal, né. Mas site é sempre bom, site
é bom porque... me sinto o capitão óbvio falando isso, mas não tem como você não ter o site.
Outro dia, olha só uma história: a gente tem um livrinho (já está esgotado) chama Aerofone – é
um livro artesanal que a gente faz aqui, esse é feito todo aqui na raça... a gente cola, costura,
tem um carimbão que a gente mandou fazer – outro dia apareceu... começaram a vender
loucamente o Aerofone no site e eu estava ficando preocupado falando "não vai ter livro". Não
sabia o que era e daí a gente descobriu que foi um YouTuber que achou o livro lá...
Paola: Comprou em uma feira, não é?
Alessandro: É, foi um YouTuber lá e mostrou o livro, assim... era o dia do livro independente...
"Cinco livros..." e aquelas coisas e as pessoas começaram a comprar. Então tem que ter o site
se não como você vai fazer? É muito bom. E nós sabemos também...eu acho que tem umas
coisas que a gente ainda quer investir...
Deixa eu te perguntar um negócio... eu sei que você está gravando a conversa...
Samara: Não, mas isso aí a gente edita, não preocupa não que não vai tudo, tem o off records
aqui também.
Alessandro: Não é nada demais, é porque eu fico falando aqui depois eu fico com medo que as
coisas não deem certo, ou então que seja [incompreensível (00:38:04)] também tem algumas
estratégias internas, assim.
Mas a gente está fazendo ainda, não tem nada certo, a gente quer ver se a gente consegue entrar
nessa coisa de clube de assinatura, sabe? É uma parada que a gente... que seria um quinto e aí
é essa coisa, que é uma venda... a gente vende uma quantidade boa para um terceiro fazer o
seu...
Paola: A distribuição.
Alessandro: A distribuição lá com os seus assinantes e tal. A gente está meio olhando isso. Mas
seria isso, assim, basicamente.
227

Paola: É, não tem... acho que o quinto seria esse de clube de assinatura, assim, que não sei como
se encaixaria no que você citou aí, mas é uma forma de distribuição.
Samara: Inclusive eu acho que das mais bem sucedidas, assim, à medida que a gente está vendo
a quebra das grandes livrarias, a minha impressão é que essa está sendo uma reinvenção, uma
repaginação de um modelo que já existia, mas está sendo uma alternativa que está aparecendo
aí no mercado e está parecendo frutífera, assim... eu fico observando e eu acho que essa ideia
do clube do livro, de vender por... igual a Tag... eu acho que é um negócio que... por ali é onde
pode render. É interessante vocês comentarem isso porque eu fico cá comigo pensando que isso
é uma forma de venda bem interessante, sabe? De distribuir, de impulsionar a editora, sabe?
Mas isso é... especulações!
Alessandro: É, a gente está estudando essa coisa, a gente tem um livro engatilhado aí que a
gente quer tentar fazer assim, vamos ver se a gente consegue.
Samara: E aí dessas... eu acho que vocês já meio que me falaram os pontos negativos e positivos
dessas formas, assim, dessas que vocês citaram... Deixa só eu ver se eu entendi: vocês vendem
[00:40:00] majoritariamente em lançamentos em lançamentos e no ponto de venda físico. E
aí... feiras para vocês: vocês vendem mais? Vendem menos? O que vocês acham, assim, no
comparativo?
Paola: [Incompreensível (00:40:14)]
Alessandro: Feira, a gente sempre que... Então, olha só... o que a gente vende mais é em
lançamento e de ponto físico no nosso próprio (não tanto no dos outros). O que a gente vende...
só para elencar o que a gente tinha falado... A gente vende no lançamento, depois a gente...
depois a gente vende em feira, o segundo lugar é feira, com certeza! Site e... A gente vende bem
em feira... Site e daí pontos físicos, assim, de outras pessoas. A gente vende bem em feira, o
problema da feira para a gente é o custo de participar da feira. Então, assim: em inúmeros outros
pontos, feira é bom, sempre é bom, sempre vende. O problema é o seguinte: tem que pagar a
conta da casa... nós somos em dois e quando a gente resolve... então a gente parou um pouco
de ir, mas vai um só. Mas, assim, se a gente vai os dois aí tem que hospedar, tem que pagar
passagem, às vezes tem custo para participar da feira...Às vezes não...às vezes empata, é difícil
dar prejuízo, sabe? Prejuízo dá quando, sei lá, se fosse uma coisa... a gente também se mete em
uma roubada muito grande, assim, quando a gente já está lá a gente fala que a gente devia ter
esperado isso. Prejuízo é difícil de dar. E é aquilo que eu falei: essa coisa de empatar também é
super relativa... empatar custo, né... é super relativo porque, meu, você está lá, etá divulgando
seu trabalho, você está mostrando tua marca, tu está... tem outras oportunidades que surgem,
228

sabe? Não é tudo dinheiro, dinheiro, dinheiro... Mas a gente vê, em volume de venda, feira é
sempre muito bom.
Samara: Eu acho que o fato de vocês estarem fora do eixo... eu não sei... Vocês acham que o
fato de estar fora do eixo Rio-São Paulo... isso dificulta um pouco na ida para as feiras porque
tem um custo maior e coisa do tipo, assim.
Alessandro: Super!
Paola: Assim, as feiras mais fáceis para a gente são em São Paulo, né? Porque Curitiba é perto
de São Paulo e é a que mais não teve custo, assim, a gente sempre tem sempre um porto para ir
e tudo mais. Agora que ele está indo mais sozinho nas vezes que nós vamos em São Paulo com
a editora e a livraria, a gente está se dividindo, quando vai vai um só. Mas ainda assim é um
custo, a gente, por exemplo, nunca conseguiu participar de feiras no Centro-Oeste (que tem a
feira Dente, tem aquela que Larissa faz aí....
Samara: A e-cêntrica.
Paola: A gente nunca conseguiu participar dessas feiras, por exemplo, porque elas são muito
caras para a gente...
Alessandro: E a gente ainda não conseguiu, assim, ver "ah, tem alguém aí em Brasília que faria
para a gente... a gente manda o livro"...
Paola: Ter um lugar para... mandar o livro e alguém representa gente. Também não temos esse
canal liberado.
Alessandro: E mesmo esse rolê é uma coisa que, mesmo se a gente conseguisse, é difícil para
fazer porque eu teria que despachar os livros para lá, sabe? Isso não é barato. Então, assim, se
eu tivesse em São Paulo podia mandar por alguém, entendeu? Podia fazer essas trocas, assim.
A gente ainda não consegue fazer isso e, assim, é difícil, né? E, assim, agora também, o que
acontece? [incompreensível (00:43:43)], assim, mas tipo... Cara, eu fiz a última...não Miolos...
eu não sei... teve alguma dessas feiras que a gente fez meio que um bate e volta, sabe? Fui,
peguei um ônibus, fui lá... E estou velho, não posso mais fazer isso. Eu tenho que ir, eu tenho
que dormir, eu tenho que me hospedar em algum lugar, sabe? Não dá, então tem um custo,
sabe? Depois tem que botar todo o custo ali, desde o Uber até o infinito. Tudo isso é custo. Mas
é essa a história. Mas veja: não quer dizer também que as feiras que a gente faz são aqui sejam,
assim "Ai, tão muito melhor fazer aqui" porque aqui o público é diferente, aqui você tem uma...
Em São Paulo você tem uma plateia formada para isso já, a galera que vai lá para comprar, aqui
é muito curioso, assim. É o cara que mexe ali e fala "parabéns pelo trabalho!" Aqui tem custo
também, né, não é barato, normalmente não é muito barato. E aí você fica em uma... a cena aqui
(isso é bem específico daqui, tá?, não posso falar por outras praças)... eu sei que aqui tem um
229

negócio [00:45:00] eu sinto que é difícil que é o custo muito alto, estrutura um pouco falha
ainda e o público que ainda não está formado . Aqui tem coisa que a gente olha e fala "Putz,
isso aqui não vai se pagar", sabe?
Samara: Sei.
Alessandro: Essa feira que eu estou fazendo, por exemplo, essa semana, é uma feira que eu não
sei se vai pagar, não sei se vai pagar. Mas, assim...
Paola: Faz parte da formação do público também.
Alessandro: Você tem que ir, entendeu? É isso! Porque como é que você não vai?
Paola: É, porque se não a praça nunca vai ser interessada, né, o suficiente. Se você não participa,
se você não está indo aos eventos, se você não apresenta você nunca vai ter gente interessada
para ver. Nem que seja "ah, já conheço, faz outro que eu venho de novo".
Alessandro: É. Então, assim, essa coisa é muito difícil também, é outra ciência não exata no
querido mercado editorial independente. Vamos lá, entendeu? É difícil. É engraçado porque eu
estou... essa semana eu tenho minhas crises com essa coisa, essa semana eu estou em uma
delas... eu estou em uma feira que eu tenho que pagar a mesa, por causa da nossa atual situação
aqui (neném nascendo) eu tenho que pagar uma pessoa para estar lá para me ajudar. E eu estou
lá com a livraria Barbante ainda que eu ganho a minha porcentagem em cima do que eu estou
vendendo e ainda desconta ainda o custo do cartão. E estou vendendo muito para pagar... para
um público que não é um público, assim, exatamente gastador. A gente tem que dar uma
sambadinha. Só que é aquilo: tem uma curva para cima também, a gente faz isso e então as
pessoas vão conhecendo, começa a chamar, sabe? E esse movimento geral das pessoas, a gente
percebe que as pessoas veem as coisas "ah, a Quelônio, ah..." e "ah, legal, já está conhecendo",
sabe? Já viu as editoras. "Ah, eu sei o que é isso aqui, isso aqui é ótimo...", mostra para a amiga,
a amiga volta.
Samara: É uma catequização assim, né?
Alessandro: É bem quartinho de bebê, mas...
Samara: É quase uma catequização, uma coisa, assim, ensinando ali, né? Acho que esse
consumo... acho que é mostrar que existe, como existe, o que tem de legal... Eu acho que as
pessoas... aqui em BH eu vejo isso, que muita gente... porque BH está mais dentro do eixo, de
certa forma, mas é totalmente fora do eixo. Eu vejo que de feiras ainda é muito incipiente e tal.
Eu acho que a medida que vai rolando.
Alessandro: BH tem um sistema mais próprio, né, Samara? BH tem muita livraria de rua, tem
uma cultura mais para isso, assim... Porto Alegre também é assim, sabe? Aqui um pouco... o
curitibano é dose, desculpa te interromper.
230

Samara: Não, mas é isso aí, sabe? Eu acho que cada lugar tem sua especificidade, assim, e acho
que estar fora do eixo sempre deixa a coisa um pouco mais complexa, assim... E tem alguma
feira que vocês oficialmente organizam? Alguma que está no calendário das independentes?
Como funciona isso?
Alessandro: Que a gente organiza?
Samara: É.
Alessandro: Não, a gente não tem...
Paola: A gente fez uma.
Alessandro: A gente fez uma. Mas também, cara, foi nesse esquema... as histórias são todas
repetidas... nesse espírito de montar a editora, sabe? Porque eu e a Paola, a gente é muito assim:
a gente fez o negócio e falou "pô, tinha que ter aqui...ninguém está fazendo? vamos fazer..." a
gente vai lá faz e no meio do caminho a gente fala "putz...".
Paola: "Deixa para lá, não vamos fazer mais não!"
Alessandro: Então aconteceu o seguinte: a primeira vez que a gente participou da Miolos foi
em 2017, daí a gente já tinha...
Paola: Uns três/quatro meses, né?
Alessandro: É. Já tinha um catálogo, um catalogozinho que a gente fez. E aí a gente voltou de
[incompreensível (00:49:06)]... foi bem aquela coisa: comprando mais livro do que... não,
vendemos bem... e, assim, conhecia uma galera... cada vez que a gente faz um negócio desse é
muito massa porque a gente conhece mais galera, né? Conhece a galera e não sei o quê... e a
vibe é tão boa, da Miolos... é a feira que eu mais gosto... a vibe é tão boa que a gente voltou no
ônibus "porra, não tem, né? tem umas feiras lá, assim, mas não é igual... ah, vamos fazer a nossa
feira". Daí a gente...
Paola: É isso, já começa se envolvendo...
Alessandro: A gente já começa se envolvendo...
Paola: A gente falou "Então vamos!". Daí a gente fez para o começo de dezembro [risos
(00:49:43)]
Alessandro: Sabe?
Paola: Para o mesmo ano [risos (00:49:46)].
Alessandro: E aí fica tudo Barbante, não sei o quê... foi a feira Carretel. Foi um troço assim:
deu muito trabalho, mas foi muito terreno seguro, sabe? A gente falou "não, vamos fazer uma
feira..." [00:50:00] que hoje abriga a livraria (que é esse espaço de amigos nossos), a gente
colocou foi uns 12 expositores lá?
Paola: 13?
231

Alessandro: Uns 12 expositores lá porque era o que cabia também e a gente escolheu as pessoas,
a gente não abriu convocatória, a gente escolheu as pessoas a dedo e tal...
Paola: Convidou.
Alessandro: Convidou. Foi aí que a gente trouxe o João, com o Pulse, porque aí a ideia era ter
uma programação de dois dias: um dia era feira e o outro era o curso. E aí veio a Lote, veio... e
daí alguns caras daqui... foi bem legal! Foi uma experiência legal de fazer... foi bem feirinha,
assim, tudo pequeno... não deu um super público, mas...
Paola: Foi interessante a experiência.
Alessandro: Como uma experiência foi super legal, sabe? Tanto que a Carretel é um projeto
que a gente tem de...
Paola: Fazer de novo.
Alessandro: ...de fazer de novo, a gente quer... agora a gente já está um pouco mais cascudo, a
gente já sabe melhor como é que tem que fazer... a gente quer fazer, a gente não tem tempo.
Paola: Uma coisa que a gente descobriu na época é que é uma produção muito intensa, né?
Você precisa produzir muitas coisas: do local, de espaço... umas burocracias, assim, que a gente
não consegue se dedicar.
Alessandro: Divulgação, né, meu?
Paola: Divulgação...
Alessandro: A gente é jornalista e a gente não dá conta de fazer tudo também, sabe? A gente
fala assim "vamos a gente mesmo fazer a assessoria de imprensa"... claro, né, a gente sabe fazer,
mas não dá conta de fazer direito mesmo. A gente faz algumas coisas e vai percebendo. Então,
assim, se a gente... a gente quer fazer de novo, mas aí a gente vai precisar de parceiros... Mas
hoje em dia a gente está melhor estruturado nesse sentido, a gente já conhece... já é mais
próximo de uma galera daqui que também pensa parecido, que quer fazer coisas.
[incompreensível (00:51:57)] tipo "ah, tenho uma ideia de uma feira... fulano tem uma casa
histórica que ele segue e..." Aí tem um deputado daqui que também gosta dessas coisas, aparece
e fala "não, vamos fazer...". Mas, assim, é aquela história: os planos estão no ar, mas mão na
massa e tal... Tem que pensar essas paradas.
Paola: É. Oficialmente não existe um calendário... uma feira nossa com data certa para
acontecer, já aconteceu...
Alessandro: Até porque a livraria Barbante é uma mini feira permanente, isso também tira um
pouco... a gente, sabe?
Samara: Sim. Eu perguntei por curiosidade, porque tem gente que já fez, tem gente que não
faz... eu imagino que deve ser um rolê, um trampo hercúleo, assim, me parece isso.
232

Alessandro: É. Porque, assim, tem galera que é o seguinte: você chama o cara, você faz todo o
rolê, você faz uma feira escolhida a dedo, 12 pessoas... aí você fala para o cara "olha, ajude a
divulgar" e o cara não divulga, tá bom. Aí chega na hora e não dá o público que o cara está
esperando e ele fala "ah, vocês divulgaram mal"... Aí você tem expositor... é muito louco você
fazer uma feira, assim, sabe? Aí tem expositor... O que que aconteceu? Teve expositor que não
foi, teve expositor que teve dor de cabeça no começo da tarde e pediu para ir embora e foi
embora, teve expositor que levou pouca coisa e deu duas horas de feira já tinha vendido tudo.
A gente ficava ali olhando, né? Mas, assim, é assim mesmo...
Samara: Aprendizado que chama, né?
Alessandro: A gente fará outra um dia, mas vai ter que contratar uma produtora, vai ser de um
outro jeito, sabe?
Paola: Vamos fazer direito.
Samara: Eu vou passar para a pergunta sobre a Banca: vocês sabem me dizer a quanto tempo
que vocês vendem na Banca Tatuí?
Alessandro: Desde dois mil e...
Paola: 2016? Porque foi logo depois do [incompreensível (00:54:21)]
Alessandro: Eu acho que a Banca começou no final de 2016/começo de 2017. Foi no comecinho
de 2017.
Paola: Porque foi em dezembro...
Alessandro: A gente falou com a Cecília aqui em outubro... dezembro... É, dezembro de 2016
ou janeiro de 2017, provavelmente.
Paola: Por aí, assim, não tenho certeza.
Samara: Depois vocês me contam, se vocês não souberem eu dou um jeito de descobrir também,
pergunto para a Cecília e tal. Uma coisa que me inquieta, assim... [00:55:00] O que vocês veem
como benefício da Banca Tatuí de comercializar lá e o que vocês veem como um ponto não
positivo? Qual é a percepção de vocês de usar lá como um ponto de venda físico? Eu acho que
é interessante eu entender isso. O que vocês veem de bom? O que vocês veem de nem tão bom?
Paola: De positivo...
Alessandro: As duas coisas principais da Banca para a gente é...
Paola: A vitrine.
Alessandro: Não, acho que não é nem a vitrine.
Paola: É o quê?
Alessandro: É a porcentagem que é baixa, é a mesma que a gente aplica aqui, é a mais baixa
que a gente conhece... trabalhamos já com mais baixa, mas era outro tipo de coisa. Eles
233

trabalham com 35 porcento, a gente faz um negócio bom. E a outra é que a Banca paga, a Banca
não tem... a cada três meses, mas eles pagam. Então, assim, a gente tem muito problema para
receber, tem que encher o saco...
Paola: Nos outros lugares.
Alessandro: Nos outros lugares. Na Banca não, na Banca nunca teve. Então, assim, esses são
os dois principais pontos. Aí tem isso que a Paola estava falando: vitrine é muito importante
porque a gente entende que a Banca é...
Paola: Faz esse trabalho bem... de divulgar, assim, eles sempre estão divulgando os livros, eles
sempre estão... algumas feiras que eles participam, eles participam como Banca e levam os
livros também, então é mais um parceiro mesmo que leva um pouco mais além do que a gente
conseguiria chegar, né? Porque eles chegam em lugares que a gente não chega.
Alessandro: E eles têm uma presença, assim... hoje eu não sei se está menos... eu realmente não
sei. Mas, assim, a Banca tinha uma coisa muito forte dessa coisa dos happening, tinha a coisa
do 7x1, tem as coisas de rua que eles fazem... É muito legal, sabe? E eles sempre colocaram os
nossos livros lá. Várias vezes a gente foi para São Paulo e estava lá o livro, sempre foi muito...
E tem uma coisa que eu acho que é importante nesse rolê e que a gente acaba esquecendo... tem
uma parada afetiva, sabe? Tem uma parada de carinho, de amor mesmo, assim. É uma outra
pegada, sabe? É muito bom de lidar, os caras tem um cuidado com as coisas, sabe? É muito
diferente de outros negócios. De negativo eu não... o que eu vou? Poderia falar "Ah, eu gostaria
de receber todo mês, era melhor para mim", mas até aí eu tenho uma livraria que opera do
mesmo jeito, eu sei exatamente como a coisa funciona. Não tem nada que é, assim, um ponto
negativo. Não tem, assim...
Paola: Acho que negativo não...
Alessandro: O troço com o João e a Cecília é assim: (a gente fez isso duas vezes) "olha, a gente
está com um livro e quer lançar aí, beleza?" "beleza. Vocês acham melhor na Banca ou na
Sala?". É super fácil de lidar, é super... não tem... e tem uma coisa de papo reto, sabe? Eles
sempre foram muito assim. A Banca é até meio isso, né? No começo a gente levou o livro lá
(estava te contando) e falou "ah, não, a gente pega dois" e foi isso, sabe? É tudo muito papo
reto "olha, a gente adorou, mas tem uma questão logística" e a gente "ah, tá, beleza!".
Porque teve galera aqui (isso é um bom contraponto) teve galera aqui em Curitiba, não vamos
citar nomes que a gente levou livro e aconteceu a mesma coisa, foram as mesmas razões, sabe?
Mas o cara, por ser um livreiro mais antigo (de outra geração, sei lá, outra cabeça) deu a
impressão... hoje a gente entende, mas na época a gente saiu de lá achando que o cara tinha
234

cagado na cabeça da gente, não quis saber... grande bosta de independente é esse, sabe? É meio
isso. Eu fiquei meio assim "porra, mas ninguém se ajuda", mas não era isso, era só uma...
Paola: Não conseguiu expressar...
Alessandro: Um jeito ruim de se expressar.
Eu falei a parte emocional, agora como uma parte mais prática são essas duas coisas: trata a
independente com uma porcentagem que a gente consegue sustentar, consegue colocar, fica no
limite do que a gente consegue colocar e paga em dia. Isso é importantíssimo, muito importante
pagar os editores. [01:00:00]
Samara: Sim. Uma coisa que eu acho que é a grande pergunta da minha pesquisa é assim: como
a Banca foi/é relevante para vocês? Qual é o papel que a Banca... igual você falou que tem um
lado afetivo... eu fico me perguntando se ela é relevante (parto do pressuposto que sim) como
ela é relevante para vocês, sabe? Não sei se ficou claro essa pergunta, mas eu fico tentando
entender qual é a importância da Banca para vocês... se teve a ver com... livraria Barbante veio
disso, se algo mudou, se ela é relevante, como, sabe?
Paola: Vamos começar por uma coisa mais ampla daí você vai organizando cada... Mas eu acho
que de alguma maneira a Banca nos colocou nesse cenário. A gente enxerga como um dos
parceiros relevantes que nos garantiu... não é bem um aval a palavra, tem um nome assim...
uma chancela de que tipo "olha, a gente está com a Banca e eles estão aprovando o que a gente
está fazendo então...". Fomos explorar novos lugares e isso contou pontos de estar lá e ser
apresentado para pessoas que se interessam em visitarem e conhecerem a partir de lá, então
acho que foi uma coisa que faz diferença porque muita gente nos conhece a partir de lá também.
As parcerias que a gente faz... porque a gente tem essa coisa, assim... querendo ou não eles
foram uma referência para a gente, tipo... a gente queria fazer o curso do João, então a gente foi
lá e falou "não, vamos fazer"... e chamar eles e eles terem sido parceiros a esse ponto de topar
essas coisas... A livraria nasceu um pouquinho sim a partir do modelo da Banca, a gente tem
uma proposta de espaço físico um pouco diferente, bastante diferente, né? Mas como conceito,
principalmente nessa coisa da porcentagem do independente, a gente tem eles como um modelo
interessante, por que? Porque a gente, como editora, participa disso e entende que essa
porcentagem é uma das porcentagens limites (a gente não consegue trabalhar como uma
Cultura, Saraiva, 50/60% em cima do preço de capa). E ao mesmo tempo quer fomentar, então
a gente usou sim como referência esse modelo e essa coisa da feira permanente também de
trazer editoras de vários lugares, de criar esse mix... é claro que a livraria Barbante tem a nossa
cara, o nosso mix, a nossa curadoria do que a gente acha que o nosso público aqui vai gostar ou
235

de coisas que a gente mesmo conhece e traz, e gosta, enfim... tem toda uma coisa particular
também, não é tudo um copia e cola, né? Mas como inspiração sim.
Alessandro: Total! Eu acho que tem duas coisas, eu ainda acho isso, na verdade, porque era
mais, agora tem mais coisa acontecendo mas ainda acho que é muito fraco... Eu acho que a
Banca é o grande canal de distribuição de independentes, eu acho que por causa do jeito que
eles estão estruturados, pelo nome que tem, por ter um site que é super funcional e tal... Eu acho
que, assim, é um lugar ótimo para isso, acho que o grande canal é lá. Um cenário que você
imagina que... "qual vai ser o grande lugar que vai reunir tudo...?", eu acho que é lá. E a livraria
Barbante existe por causa da Banca, não tem muito...
Paola: Existe porque tudo... como a gente estava falando, né? Existe porque a gente fala assim
"cara, que legal ter um lugar que reúne várias coisas, vários livros e fanzines, por que a gente
não faz aqui?". Esse é o nosso modus operandi.
Alessandro: Mas não só um negócio do tipo "ah, os caras... vamos fazer..." é porque que nem
eu te falei da Carretel, sabe? A gente vê umas coisas e vem para cá com muita vontade que
tenha, aí a gente às vezes... A gente queria ter feito a livraria há muito tempo já, assim, mas era
sempre um plano muito modesto, a gente tinha um escritório e a gente queria que fosse um
cantinho, igual a Bia tinha na Casa Plana, no escritório da Plana tinha um cantinho que tinha
uma livraria... evoluiu para outra coisa por N fatores, mas assim [01:05:00] a gente pegou o
modelo da Banca porque para a gente como editor funcionava. Então, assim, como eu queria
ter...pequeno pequeno mesmo de muitas coisas que eu já tinha noção do que eu queria ter, esse
é um negócio que vai funcionar, porque eu ainda sou, mas eu já fui muito menor do que... eu
era o cara com o livro, assim "oi, tudo bem?..." tem esse cara... então, tipo assim: para funcionar
para o cara precisava ser baixo e ficar no limite para poder funcionar. Não é fácil ter uma livraria
com essa porcentagem, é muito difícil, é um negócio que é muito no limite, sabe? Mas a gente
pegou isso. E a outra coisa é essa de pagar os editores, a gente se arrebenta aqui para pagar,
sabe? Às vezes os caras não querem receber, né, às vezes os caras desaparecem e você tem que
fazer um esforço para pagar mas... Então a Banca é com certeza uma inspiração nesse sentido.
Eu ri aquela hora que a Paola falou porque... eu brinquei porque onde hoje tem a livraria tinha
uma banca lá perto para vender e eu falei "acho que eu consigo fazer a banca" e eu brinquei
com o João um dia, falei "tem uma banca para vender lá"... mas eu falei meio brincando "você
não quer comprar uma banca, aí você faz uma filial..." aí ele "não, compra você, faz você a
banca" [risos (01:06:23)]. E aí acabou virando a livraria Barbante. E aí quando a gente abriu...
isso foi muito engraçado também porque a primeira pessoa (dos editores) que a gente contou,
uma das primeiras...
236

Paola: É porque a gente quis aproveitar que ela estava aqui, né?
Alessandro: Então, mas uma das primeiras pessoas... o primeiro material que a gente pegou foi
da Lote 42 porque estava de novo tendo bienal de quadrinhos aqui, a Cecília estava aqui e a
gente foi lá encontrar ela, aí a gente contou para ela: "Cecília, a gente vai abrir uma livraria..."
e ela "Compraram a banca?!" [risos (01:06:52)]
Samara: [Risos (01:06:53)]
Alessandro: E eu falei "Não, não compramos a banca, mas vamos abrir uma livraria". Então...
eu não sei se está respondido isso...
Samara: Está!
Alessandro: Não sei se era bem isso que você queria saber, mas acho que são as duas coisas...
para a gente é isso, assim, entender ela como um grande [incompreensível (01:07:19)] de
distribuição...
Paola: De distribuição e parceria, né?
Alessandro: E de modelo para a gente... modelo de negócio mesmo, sabe? De olhar e falar
assim: "aí está o modelo de negócio que a gente acha que é funcional".
Samara: É, assim... Respondeu para mim.
Paola: E tem uma outra coisa que é a parceria, ser parceiro, a gente conseguir fazer projeto
juntos.
Samara: Bom, minhas perguntas formais... o que eu precisava saber da dissertação vocês
responderam tudo para mim, tudo muito bem, muito claro. Uma coisa só que eu queria
perguntar para vocês porque eu estou aqui: eu consigo comprar o catálogo todo de vocês ou
tem esgotados aí que não tem a menor chance?
Alessandro: Está quase tudo esgotado, Samara, esse é o drama...
Samara: Ai meu Deus!
Alessandro: O drama atual da editora é o seguinte: a gente, quando montou a livraria, a nossa
ideia era... a gente desenhou um modelo de negócio para ela...
Paola: Vender os nossos livros.
Alessandro: Vender os nossos livros e a gente queria pegar o lucro da Livraria e botar na
Editora. [01:10:00] A ideia era essa: que ela fosse um motorzinho para a Editora. Funcionou?
Em partes. Por que? Porque a coisa que eu não previ é o tanto de tempo que essa livraria ia
tomar. Então, nos últimos dez meses, a livraria tomou um protagonismo da nossa vida, tanto
que o último livro que saiu editado pela Barbante é de julho do ano passado.
Samara: Aquele do Corpo Outro, né?
237

Alessandro: Faz muito tempo, a gente tem pelo menos quatro projetos engatilhados, esse ano a
gente vai tentar e eu acho que a gente vai conseguir tirar dois da cartola ainda, pelo menos. Mas
nesse meio tempo, o que aconteceu? A gente trabalha com tiragem baixa, a gente já estava no
ciclo final desses primeiros livros e eles acabaram. Então. assim, na Flip... basicamente é o
seguinte: esses livros que eu te mostrei não existem mais... na Flip agora esgotou mais um, o
[incompreensível (01:11:03)], então agora a gente está em catálogo com...
Paola: Três livros.
Alessandro: Dos sete livros que a gente editou, a gente tem três em catálogo e um deles ainda
é um filhinho bastardo, porque é um livro... é um livro legal, é um livro que a gente gosta, mas
é um livro de encomenda que foi feito e... aquilo que eu estava te falando de a gente fazer livro
de encomenda... esse a gente quis por N razões botar o selo da Barbante e tal. Mas é um livro
que destoa um pouco...
Paola: Do nosso catálogo.
Alessandro: ... do que a gente se propõe e tal. E aquele ainda existe porque esse livro existe aos
milhares. É um livro de artes plásticas, é um livro de interesses super específicos, é um livro
que vai durar muitos anos ainda. Mas a gente tem o Corpo Outro em catálogo, a gente tem o
Ouça, vou deixar separado para você já.
Samara: Por favor!
Alessandro: A gente vai deixar o Aerofone já, vai ter. O Aerofone é o seguinte: basta eu ir na
gráfica. Porque a gente vai precisar fazer porque as pessoas tem pedido o livro, a gente vai ter.
Esses quatro existirão, com sorte em novembro já vai ter a nova edição... esse aqui já foi
reimpresso com capa mole... esse aqui é um livro que meio que carrega a editora nas costas, eu
preciso fazer. Talvez tenha esse também em novembro, porque para a Miolos eu preciso ter
esse livro. O Wadad...
Paola: O Wadad a gente está vendo como vai viabilizar porque...
Alessandro: o Wadad a gente não sabe se vai conseguir, o Wadad a gente vai precisar de
dinheiro da embaixada, não sei.
Samara: [risos (01:12:44)]

João Varella - Lote 42/ Banca Tatuí (12/10/2019)

F1: Mas o que eu queria te perguntar é: Quais foram as inspirações para o modelo de livraria
da Banca Tatuí, assim, você viu em outros lugares ou isso foi uma invenção 100% João Varella,
Guaíba e todo o resto?
238

P1: [incompreensível (00:02:59) a (00:03:03)] A inspiração para a Banca Tatuí veio de muitas
coisas, muitos pontos e eu não acredito na ideia de criação 100% original. [incompreensível
(00:03:13)] sempre é uma colagem de referências

A inspiração veio também de Guaíba, também do meu passado pessoal e a minha relação com
banca, mas não só isso. Veio da bagagem que eu adquiri fazendo reportagem de negócios,
entendendo a importância de se ter um espaço físico... dialoga muito com line of line [suposição
(00:03:50)]. Muita gente compra no site porque gosta de ver a banca e as coisas físicas que a
gente faz. Então as coisas estão mais conectadas do que parece. Mas, sim, teve a originalidade
de amarrar muitas coisas, de achar que o modelo banca seria possível, viável para essa proposta
e de achar essas brechas, e de um pouco de sorte também... uma banca a venda na quadra onde
eu moro parece que foi uma coisa meio mística, uma coincidência, mas também tem esse
processo mental nosso, né? Quando a gente está buscando algo, tu começa a enxergar esse algo,
tu começa a ver coisas, da própria Gestalt e tal. Então, teve isso, se essa banca estivesse a venda
e eu não tivesse pensado essa necessidade de ter um espaço físico talvez eu não enxergasse. É
isso. [00:05:01] Então a resposta não é muito oito ou oitenta, viu, Samara?

P1: Sim, sim!

P1: Eu fiquei me perguntando se você já tinha visto bancas-livrarias nesse formato.

F1: Eu não tinha visto isso, mas eu estudei a lei de bancas e vi que era possível. Fui atrás da lei
depois que eu vi que a banca estava a venda, eu fui pesquisar e disse "uai, dá, não está proibido
então é permitido" e aí foi o que aconteceu.

P1: Como é a frase? "eu peço desculpas, mas não peço permissão"?

F1: "Peço perdão mas não peço permissão". É isso aí. Fui atrás e vi que era viável e... lá dizia
na lei "é obrigado a vender revistas", mas não diz qual revista, não fala que são as revistas da
editora Abril, podia ser a revista Piseagrama, podia ser a revista A Zica, podia ser... depois se
quiser ir lá e discutir o que é livro, o que é revista, o que é jornal a gente pode sentar lá...
chamamos vocês, Samara, Letícia... e todo mundo para fazer um grande debate lá com os fiscais
da prefeitura e eu acho que eles vão cansar. [risos (00:06:47)]. Ou vão sair com um aprendizado
novo, mas a gente pode estar disposto a falar e debater, sem problema nenhum.
239

P1: A próxima pergunta: você pensando a Banca, o modelo de negócio, as práticas de vocês
lá... o que você acha que aproxima e o que afasta das grandes redes de livraria? É uma falsa
simetria que eu estou fazendo, mas é no sentido de pensar o que "não, é totalmente diferente" e
o que está ali, o que pode ter de aproximação.

F1: De diferente eu acho que, em essência, é o acervo, é a escolha [incompreensível (00:07:36)],


ela é mais composta. Outra questão é que a livraria... mas é uma oposição à todos os outros
negócios que não são bancas... todo negócio tem uma barreira implícita para a pessoa entrar ou
não. Por exemplo, aqui no CentoeQuatro tem uma entrada, tem uma porta, existe uma divisão
para a rua, uma igreja tem isso... É diferente, por exemplo, de uma loja de carros importados,
Lamborghinis, provavelmente vai ter um segurança na porta e isso causa um filtro implícito. A
banca tem um filtro praticamente zero porque ela é parte da rua, então isso é uma outra posição.
Geralmente essas lojas estão em shoppings, também já é uma barreira, aí cria uma barreira
dentro da barreira...

Agora... similaridades... o modelo que a banca adotou de consignação é um modelo usado pelas
livrarias tradicionais. E a gente quando viu a banca quis fazer a livraria ideal, o que nós – como
editora – gostaríamos de trabalhar que é, por exemplo: mandar os acervos de maneira correta e
dentro do prazo, é o que a gente faz, pode gravar, pode falar e não tem problema nenhum, é
tudo dentro do prazo! É uma obsessão nossa! Cobrar um percentual que a gente considera justo,
de 35 porcento, diferente de 50 a 60 porcento das grandes.

Teve um diálogo com o modelo tradicional, mas a gente adaptou de uma maneira... e seguiu ele
a risca, coisa que nem as grandes livrarias fazem. A consignação vista às vezes como grande
vilã... [00:10:01] às vezes funciona muito para estimular a diversidade de experimentação
quando o livreiro não tem que investir, né... quando ele investe ele vai investir no que é mais
seguro, por mais que exista o [incompreensível (00:10:22) de devolução, se ele investe dinheiro
ele vai na coisa mais segura, mais garantida. A consignação te permite tentar, se não der certo
devolve, coloca mais livros do que o normal, traz uma tranquilidade. Eu sou um livreiro que
também é editor, eu tenho problema com consignação que não cumpre o combinado que é o de
fazer o acerto em um determinado período, de não fazer o pagamento, isso me dá
[incompreensível (00:11:02)], digamos assim. Mas a consignação em si, eu não acho que é um
problema.
240

P1: Essa questão da escala também, eu acho que é um ponto que distancia muito a mega store
da banca.

F1: A banca tem seis metros quadrados, né? Acho que nesse enquadramento do vídeo tem seis
metros quadrados.

P1: Aí eu queria te perguntar quais são as dificuldades de ter uma livraria, de ter uma banca-
livraria. Eu estou fazendo perguntas meio amplas porque disso tudo vai sair uma outra coisa na
dissertação, dependendo das suas reflexões, para poder puxar as minhas lá.

F1: O que me inspira mais a responder essa pergunta... porque a Letícia está falando do
[incompreensível (00:12:01)] aí nesse momento que vão ser usados movimentos de câmera
ousados, como você está fazendo, né, e eu acho que vai ficar bonita essa resposta, então...dá a
deixa aí que agora eu vou caprichar.

[interrupção (00:12:16) a (00:12:23)]

P1: Então eu acho que, assim, primeiro: quais as vantagens, as coisas legais, as coisas bacanas?
E, depois: quais as dificuldades desse universo do livro e da Banca, mais especificamente?

F1: A vantagem é que tu tem um sinergia muito grande com o negócio inicial da editora. Essa
sinergia traz não só em questões de negócios, mas traz um aprendizado, aprende, entende.
Começa "ah, então varejo tem essas características" e às vezes aprendendo consegue tirar o
melhor das livrarias e de outros parceiros, né? O bom de estar dos dois lados. Outra vantagem
é que tem uma segurança porque as fontes de receitas são diversificadas... a editora, em
essência, uma editora tradicional – diferente desse esquema de feira que a gente está vendo aqui
hoje – uma editora tradicionalmente é um negócio b2b (negócio para negócio, b2b). Quando
você tem um b2c, já é uma outra fonte, já é um outro rolê.

Temos dificuldade às vezes até de encontrar pessoas, a gente tem que trocar algumas pessoas
da banca... algumas delas começaram a fazer outras funções na editora e aí a editora, hoje, está
com oito funcionários – eu, a Cecília e mais seis pessoas – e aí acontece da pessoa dizer "ah,
quero trabalhar com outra coisa e tal" e aí vai fazer um e-commerce, vai fazer a sala Tatuí e a
gente precisa achar uma pessoa bacana para ir lá e cuidar de livros e ser esse livreiro, que a
gente também quer o livreiro bom na empresa, que goste, que tenha... a gente não pede que seja
uma pessoa que já chegue pronta, craque, uma doutoranda em publicação independente. Não,
a gente quer uma pessoa que tenha vontade de aprender [00:15:00] que queira ir com a gente.
241

Então, às vezes a gente teve dificuldade, mas também é uma coisa passageira, geralmente as
pessoas ficam um bom tempo lá.

Mas eu acho que é o dia-a-dia: abrir, fechar, cuidar...

P1: Eu quero te perguntar isso: como a Banca e a Tatuí funcionam burocraticamente? Qual é a
burocracia cotidiana?

F1: Pedir reposição das editoras, às vezes tem editora que demora para mandar. E, depois, a
demanda, o trabalho, sabe? Deixar a Banca viva, ativa, diversificada, atraente... A gente precisa
que a pessoa que visitou a Banca no ano passado hoje veja coisas diferentes...

P1: É porque eu imagino que, isso é bem óbvio, acho que qualquer negócio, se você tiver um
restaurante... Eu penso que deve ter um rito cotidiano, assim, que aí vai abre a Banca...

F1: O dia-a-dia é: abre a Banca, o horário tem que ser super respeitado, coisa que a gente tem
que ter. O nosso jeito de trabalhar... o leitor não está presente fisicamente, literalmente, nas
tomadas de decisão mas ele é, digamos assim, quase uma presença sobrenatural, metafísica. Ele
está presente, ele está nos nossos pensamentos o tempo todo.

E a coisa da Banca... tem gente que vem de longe conhecer a Banca Tatuí, a Banca Tatuí se
compromete das dez horas da manhã às dezenove horas da noite estar aberta. Dez horas não é
dez e quinze, dezenove horas não é seis e quarenta e cinco. Entendeu? Então isso é por um
respeito às pessoas.

Eu acho que uma coisa que gera uma certa confusão na edição da Lote 42, a gente leva muito
tempo para fazer os livros, a gente é uma editora lenta, é importante saber quem você é, a gente
é uma editora lenta. Mas a lentidão nem sempre se reflete em um projeto gráfico mais
mirabolante, um processo de produção mais calmo, pelo contrário, às vezes o tempo que leva é
para achar um jeito de abaixar o preço de capa em respeito ao leitor. A gente fica discutindo
"poxa, será que o leitor vai...". Teve determinado livro que a gente chegou a cogitar colocar
uma sobrecapa – a sobrecapa ia refletir no preço de capa quinze a vinte reais – mas o leitor está
disposto a pagar quinze reais a mais por uma sobrecapa? chegamos à conclusão que não.

Então às vezes a decisão é para tirar coisas, o que leva tempo. Ele tem que ser respeitado nesse
sentido porque para o dinheiro suado dele tem que ser o melhor livro possível e o valor final
entra muito nessa discussão. É aquela coisa: fazer livro caro e bonito é fácil. Chama um
242

estudante de design e diz para ele "o orçamento de vocês não tem limite" e eles vão entregar,
provavelmente, livros lindíssimos. Agora, para ser uma coisa viável e sustentável, alguém vai
ter que pagar essa conta, pode ser uma herança, pode ser um investidor bancário, pode ser um
investidor do mundo jurídico, pode ser esse tipo de coisa, mas se é do próprio negócio vai ser
o leitor. E aí? Ele vai pagar? Ele vai querer?

Esse tipo de coisa entra muito em jogo quando você é pequeno e nessa condição de... A Lote
42 se entende como uma editora de autorais, ninguém aqui é filho de pai rico, é autoral, é fazer
a coisa pensando nos nossos irmãos leitores e tem que ser um papo muito de igual para igual.
É algo que não é muito claro, o pessoal pensa "ah, não, é só fazer mirabolância" e não é! Às
vezes é tirar a mirabolância, às vezes é ao contrário, a decisão é "não, deixa mais simples".
[00:20:00]

P1: A Banca, por si só, você acha que ela pagaria as contas? Sendo só a Banca?

F1: Difícil te responder.

P1: Porque está tudo interligado, né?

F1: Pois é, mas a Banca, provavelmente, exigiria o mesmo... deixa eu tentar explicar isso: criar
a editora do zero foi uma coisa, a Banca não foi do zero, a Banca já era vinculada a uma editora,
a gente já estava mais descolado, é diferente a situação. E até se botar no cálculo lá a Banca
sozinha, ela se sustenta hoje, ela se sustentaria, mas seria uma conta para se enganar. A Banca
faz parte da editora, é difícil... em uma situação hipotética de só a Banca, começar pela Banca
em 2014 sem uma editora por trás... quem sabe até seria uma banca mais interessante, quem
sabe? Mas é uma realidade paralela que eu não sei... eu não me arrisco a dizer se de fato teria
uma banca pior, quem sabe teria uma banca melhor, quem sabe teria uma banca que não se
sustentou? Não sei o que aconteceria, mas certamente seria uma banca diferente.

P1: Eu vejo na sua fala o tempo todo que a Banca é parte da Editora, então é interessante ver
isso porque a gente vê a Banca como separada e ela é um...

F1: A gente está tendo uma discussão aqui de bastidor, né? Das engrenagens... Mas para o
público a gente separa: a Banca Tatuí é uma coisa, tem uma linguagem nas redes sociais. Sala
Tatuí está mais vinculada à Banca e tal. Mas Lote 42 é Lote 42.

[Áudio 2]
243

F1: O modelo de negócio da Banca Tatuí não tem muito mistério. Ele tira sua receita da venda
de publicações, da venda de livros. Claro que para chegar nisso a gente faz todo um trabalho de
de divulgação que é um pouco diferente do usual. Tem uma questão de ativação do lugar lá da
rua da Loja Tatuí, que lá em São Paulo passou a ser uma rua referência de muitas coisas, de
atividade cultural e tudo mais, depois da Banca. Então, no final das contas, em termos de
modelo... ela tem um modelo até um pouco tradicional. O que ela inovou foi no... para entrar
nos termos do marketing... existem os quatro "P"s clássicos da administração, que é: Produto,
Promoção, Preço e Praça (que é o Place, em inglês, que é lugar, né?), seria três "P"s e um "L".
A nossa inovação foi no último "P", que é o último "P" que o pessoal pensa na hora de inovar.
O pessoal pensa que inovação se restringe a produto mas, na trajetória da Lote... os produtos da
Lote, os livros, eles têm o seu grau de inovação e tudo mais. Promoção e preço: a gente já fez
coisas diferentes na época da Copa do Mundo, por exemplo. E o lugar, a praça, que é inovadora,
né, que é uma banca, que ninguém, até então, tinha pensado nisso. Não sei se eu te respondi,
Samara.

P1: Respondeu.

F1: É isso, modelo de negócio não é muito...

P1: É, é uma coisa meio ampla, assim.

F1: ...diferente. Não é muito diferente, o modelo é tradicional.

P1: A próxima pergunta é: o público alvo, quem você vê como público alvo? Quem compra na
Banca?

F1: A ideia de público alvo está um pouco desgastada, hoje em dia, eu diria.

P1: Eu penso assim também... mas não é o público alvo, mas quem é esse público consumidor.
Quem aparece?

F1: São pessoas vinculadas a atividades criativas, mentais. Eu estou falando de professores, eu
estou falando de artistas, publicitários, jornalistas, escritores... é principalmente esse o pessoal
que gosta da Banca mas como é uma banca, ela está muito aberta. Tem desde transeuntes que
estão passando na rua por outra razão param e gostam de uma publicação e levam. Nós temos
engenheiros que vão lá, no lançamento... eu estou vendo um carro da polícia passar aqui, eu
244

estou lembrando que no lançamento do Inquérito Policia foi uma sucessão de delegados da
polícia federal...foram lá em peso na Banca.

Quer dizer, então acaba sendo diversificado... colecionadores, tem gente que coleciona as
publicações que já [incompreensível (00:03:12)], então é um público que acaba sendo muito
variado mas, digamos assim, o alvo são pessoas que acabam vindo... não é um alvo nosso, às
vezes as pessoas que acabam vindo são pessoas de atividades mais criativas, mentais e uma
característica em comum é que é um público bastante exigente, viu? Eles olham a publicação...
detalhes das publicações que às vezes até surpreendem os próprios editores.

P1: Sim. Minha última pergunta: [interrupção (00:03:43) a (00:04:00)] Quais os pontos
negativos e positivos dos produtores comercializados? Porque eu queria fazer um paralelo.

F1: Dos produtores?

P1: É, porque eu comercializava... porque eu faço essa pergunta para os editores, sabe? Aí eu
pensei em te perguntar isso para ver se você tinha essa percepção, assim, se você consegue
perceber o que é ponto positivo e o que é negativo. Vai ser quase uma terapia, né?

F1: Espera aí. O que é ponto positivo ou negativo de quem vende lá na Banca?

P1: É, tipo assim: o que você percebe como ganho que esses produtores podem ter vendendo
na Banca Tatuí? Ou então os casos que já relataram, né?

F1: O que eu posso responder é o seguinte:

F1: O ponto positivo de estar na Banca é que tu chega em um outro público. Tem gente que,
por exemplo, no site, quer comprar uma publicação da Pipoca Press e junto com o da Quelônio
e quer pagar só um frete. Por mais que essas editoras tenham lojas próprias [00:05:00] legais,
estar na Banca permite que o leitor faça uma cesta com publicações diferentes, né? A
desvantagem que pode acontecer, de alguns, é que não consideram a questão do preço de
distribuição. Isso é algo que rapidamente as pessoas se dão conta que a distribuição acontece
com uma fatia... um custo novo, é o preço a se pagar e às vezes se considera isso e coloca no
custo dos livros e é rapidamente entendido isso. Eu acho que seria uma pequena desvantagem,
mas não vejo... na Banca Tatuí, se a Banca Tatuí consignou e eventualmente um leitor chegou
lá e rasgou o livro a gente paga e o editor nem fica sabendo, claro, porque a gente não gosta
disso. O editor não sabe desse tipo de coisa e não é para saber. Deixei cinco livros, sobraram
245

dois, a gente paga três. "Ah, mais um deles foi furtado" ( que é uma coisa que nem acontece
muito) "A gente perdeu", "Foi estragado", "Uma criança lá..."

P1: Tem algumas publicações que são muito sensíveis e às vezes na Banca, porque a Banca ...

F1: Isso. Então hoje em dia a gente deixa muito das publicações mais sensíveis na Sala Tatuí.
É uma vantagem de ter a sala, que é um lugar mais restrito, mais controlado. Então se isso
acontecer, sei lá, um cachorro solto na rua foi lá e mordeu um zine e estragou, a gente paga e
fim de papo. Mas a gente não gosta, a gente gosta que chegue a um leitor, que o leitor
[incompreensível (00:07:01)], claro, esse é um momento maravilhoso, um momento... Sério, o
seu xará de sobrenome, Rafa Coutinho, me falou isso uma vez da experiência dele na Narval
Comix, uma editora que ele teve e fechou. Ele entendeu que a figura do editor é esse cara que
tem prazer em ver o livro sendo comprado, e não é por uma questão dinheirista, é por ver que
uma pessoa olhou uma publicação e disse "poxa, quero!" isso é realmente maravilhoso. Isso é
muito bom! Ter essa disposição... é maravilhoso quando acontece, é o ciclo do livro se
completando. O livro sem leitor não existe, é uma obra inacabada, a obra só acaba quando chega
à leitura. E a leitura eu não estou dizendo de palavras, de frases, de parágrafos, não! Eu estou
falando da leitura...do consumo daquela obra em termos intelectuais, isso é... é aí que acontece
o livro!

P1: E uma coisa que me ocorreu: como que funciona... o que acontece para vocês poderem, tipo
assim: a editora mandou para vocês [incompreensível (00:08:16)] uma coisa, vocês pedem a
quantidade de exemplares específica que vocês querem?

F1: Sim.

P1: E aí vocês escolhem os títulos também?

F1: Sim.

P1: E, geralmente, como vocês captam as editoras que vão ser comercializadas?

F1: Eu acho que você deve ter percebido, dona Samara Coutinho, que a gente está sempre em
um monte de feiras.

P1: Sim!

F1: [risos (00:08:33)]


246

P1: Pois é, né?

F1: A gente faz muita feira, então as nossas feiras acabam sendo também usadas para conhecer
pessoas novas, conhecer editores novos e aí tu chama eles ou... a gente recebe muita gente
querendo estar na Banca, então...

P1: Tem um critério mínimo, assim, tipo: qual é o critério básico?

F1: Pelo menos três publicações porque se você pulveriza muito, faz um de cada, fica uma
loucura. A gente faz acerto de contas para cada publicador e uma pessoa que tem só uma
publicação geralmente, poxa, se não vender muito, se não for um fenômeno, vai ser um acerto
pequeno que exige um controle... Então a gente pede três publicações.

P1: A questão do acerto...

F1: Mas, assim, só um detalhe: se a pessoa quiser se aliar com outros publicadores e criar um
coletivo "x" tudo bem. Só dizer a conta bancária. A gente vai mandar os relatórios dizendo
"olha, vendeu...[incompreensível (00:09:43)]" então a barreira é relativamente fácil.

Mas o trimestral funciona também por isso, porque é uma forma de ter quatro momentos no
ano para fazer esse grande balanço e ter um controle firme de estoque.

P1: Sim. E aí vocês pedem uma quantidade [00:10:00]... você entra em contato e pede uma
quantidade específica de livros, geralmente?

F1: Depende muito do lançamento, aí vai do feeling do livreiro, do curador. De três a trinta.

P1: E aí quando vocês chegam a conclusão que aquele livro não dá mais e você devolve ele?

F1: Ah, se a gente... não existe uma regra, né?

P1: Acontece muito de devolver?

F1: Acontece, mas leva às vezes um ano e meio e está parado aí a gente prefere devolver. Às
vezes o problema é nosso, não é da publicação, não necessariamente a publicação é ruim, é
errada, às vezes é nosso. Com a gente não funcionou e tudo bem, segue o jogo.

P1: Sim.

F1: Sem traumas, sem problemas


247

P1: E tem alguma (minha última pergunta)... tem algum perfil, assim, alguma coisa que você
acha que se enquadra melhor no que é para ser vendido na Banca Tatuí. Tipo assim: você tem
um... o que vocês procuram?

F1: Não, assim, a Banca tomou como característica ser uma espécie de feira de publicação
independente permanente, né? Essa circulação que acontece nas feiras... elas são perenes, né,
elas são temporárias. A Banca tem uma questão mais fixa, de segunda a sábado, em horário
mais estendido. Na verdade a gente sentiu que essas feiras de publicações independentes mais
gráficas é o que o público que vai na Banca busca e é o que a gente busca, é o que a gente gosta,
enfim. Então é por isso, mas isso não significa... porque isso acontece, às vezes as pessoas "ah,
determinada editora premiadíssima, com prêmio literário e tal, foi rejeitada...". Mas não é que
a gente não gosta da editora, a gente não gosta dos livros, é que não tem muito a ver com o
perfil da Banca, né? A gente precisa ter uma... como a gente é pequeno... precisa ter uma cara
definida, precisa ter um projeto, um foco. A gente não tem os metros quadrados das mega stores
para ficar "Aqui você encontra tudo!". Não, assim, precisa ter uma seleção. A necessidade nos
faz ser criterioso, é a necessidade, uma obrigação, uma faca no pescoço para a gente chegar lá.

Larissa Mundim - Nega Lilu Editora (12/10/2019)

[interrupção (00:00:00) a (00:00:09)]


Samara: Então é qual é a sua trajetória e como surgiu a Nega Lilu?
Larissa: Bom, a minha trajetória pessoal... [interrupção (00:00:16) a (00:00:24)] eu sou goiana,
jornalista de formação e depois de mais de 15 anos me dedicando a [corte no som (00:00:31)]
em jornal, rádio e TV, comecei a trabalhar com literatura acalentando um sonho juvenil de
publicar um livro. Então me autopubliquei, o livro Sem Palavras é o marco para a criação da
Nega Lilu Editora porque, a partir desse processo de autopublicação, eu começo a qualificar o
processo de editoração do livro, a produção gráfica. A partir desse momento iniciamos o
trabalho de publicação de outros goianos com o desejo de fazer com que a literatura (tanto na
poesia quanto na prosa) feita em Goiás circulasse pelo país de um jeito qualificado. Mas de um
jeito também muito afinado com o nosso tempo e para isso fomos criando formas de existir em
um mercado que nós reconhecemos em seguida que era o independente. Depois de fazer livro
a gente começou a pensar em como circular esses livros, começamos a participar das feiras de
publicações independentes, depois criamos nossa própria feira e na concepção dessa feira foi
importante reconhecer um pouco sobre o nosso perfil e o perfil da nossa atividade. Aquele
248

objetivo, aquela essência que atravessa a nossa história, que tem relações com combate à
invisibilidade, pensar alternativas de circulação, dar passagem aos agentes sub-representados –
quem são eles? Somos nós, mulheres, negros, indígenas, população LGBTQI, idosos e pessoas
com deficiência – e fomos descobrindo nossos meios de agir, de operar. Acredito que hoje
muito do nosso fazer, da nossa compreensão, do que é o mercado editorial e da necessidade de
inovação dele, pode de repente estar inspirando outras iniciativas.
[interrupção (00:02:35) a (00:03:55)]
Samara: A minha outra pergunta é: como você faz para comercializar os livros?
Larissa: Bom, a Nega Lilu Editora tem um loja on-line no nosso site (www.negalilu.com.br),
nós temos também participação em feiras em todo o país – as maiores do Brasil a gente está
sempre se inscrevendo e felizmente sendo selecionados... São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais (agora também, com muita alegria), Brasília... as maiores do país a gente já frequenta
desde que iniciamos como expositores da Plana, em 2017. Essa é uma das iniciativas mais
potentes para a circulação do livro, que é a presença nas feiras. Mas também criamos nossa
própria feira lá em Goiás, que é a feira E-cêntrica, e além do momento em que ela acontece
mais expandida, nós também temos as versões pocket [00:05:00] itinerantes da feira por cidades
como Pirenópolis, cidade de Goiás, ou seja: criar circulação constante por meio de feira é uma
estratégia. E mais recentemente também abrimos um ponto de venda em Goiânia, que é o
Jardim, lá, além da produção da Nega Lilu, a gente também comercializa nossos pares – são
editoras independentes, autores autopublicados, coletivos criativos, centros literários, artistas
gráficos que a gente admira. Eu creio que, assim como outras editoras independentes que não
trabalham com distribuidoras e que reinventam esse caminho a ser percorrido para vazão do
livro na cadeia produtiva... existe um esforço permanente de promoção de ações para criarmos
situações de venda do livro. Sempre numa expectativa de para o meio da comunicação, um
título ou outro vai ganhar notoriedade e a gente possa fazer, por exemplo, uma venda
significativa. Porque por mais que haja esse esforço permanente – bate-papos, lançamentos,
oficinas – para que os livros tenham vazão, o desafio continua sendo a venda em escala.
Samara: E aí são as feiras, tem o Jardim, tem site também, né?
Larissa: E tem as atividades permanentes, né?
Samara: E as atividades permanentes. Dentre essas, onde você acha que é mais efetiva, a venda?
Larissa: Sem dúvida a venda mais efetiva é nas feiras. Mas como eu estou em Goiás, existe uma
contabilidade que precisa ser feita – que é o investimento e a receita. É claro que existem outros
capitais, sempre que eu estou na feira eu tenho a oportunidade de conhecer outras iniciativas e
isso nos fortalece do ponto de vista criativo, do ponto de vista das relações. Sempre que eu
249

estou em uma feira também crio oportunidade de convite para que as pessoas estejam com a
gente na feira E-cêntrica, em Goiás, mais uma vez no campo das relações. E é uma oportunidade
também, já que a gente não trabalha com distribuidora, de de repente conhecer novos trabalhos
que possam atender ao aspecto curatorial que a gente tem para a venda no Jardim e já aproveitar
também e levar livros para lá. Hoje mesmo estou saindo aqui da Feira Canastra levando muitos
livros para o Jardim. São capitais diversos, para além do vil metal.
[interrupção (00:08:20) a (00:08:58)]
A pergunta é, assim: como a Banca... eu já tenho outros relatos de você a respeito da Banca
Tatuí que a gente pegou. Eu queria entender como a Banca Tatuí é relevante ou foi relevante
no seu trabalho, na sua construção... Qual é a relevância desse ponto de venda físico?
Larissa: A Banca Tatuí, quando eu soube da existência dela, foi uma grata surpresa. Eu percebi
que ali era uma iniciativa criativa e que, de alguma maneira, oferecia solução para alguns
problemas que a gente tem. Mas sobretudo porque era um espaço para circulação do coletivo,
isso que eu acho que é bastante estratégico. Porque, veja bem, você vai montar uma livraria,
seja ela no formato que for, uma banca, um jardim, um café... e vender seus [00:10:00] próprios
livros, isso é altamente limitado. Quando você passa a se representar a partir de um coletivo,
ganha potência, essa ideia e nos inspira Brasil a fora para que outras iniciativas a partir do
surgimento da Banca Tatuí possam ocorrer com mais valentia. Porque a gente reconhece
enquanto algo que existiu, de forma pioneira, e que encontrou meios de se autossustentar. Isso
significa que é possível e isso significa também uma oportunidade de a gente dar escoamento
de um jeito criativo para desenvolvimento de outras ideias, isso significa esperança, isso
significa inspiração mesmo para outras ideias. Porque se uma iniciativa que era bastante anterior
conseguiu sobreviver e se tornar referencial é porque existem fórmulas a serem descobertas, é
estímulo para que a gente possa estar sempre se reinventando. Isso não é uma tarefa fácil, né?
Eu acho que uma das características mais incríveis do mercado editorial independente é essa
inquietação que a gente tem, não somente do aspecto criativo – de estar produzindo livros cada
vez mais surpreendentes, se é que isso é possível em 2019 – mas modos de operar também que
possam ser surpreendentes à medida que quando a gente compartilha as nossas próprias
experiências com quem está no mercado tradicional, atuando de acordo com o que disseram
que tem que ser feito desde o século XIX, começam a perceber que é possível fazer diferente.
Samara: Ótimo. E aí, a pergunta mais pragmática da minha pesquisa inteira [interrupção
(00:12:05) a (00:12:23)]: quais são os pontos positivos e negativos que você encontra na venda
da Banca?
[interrupção (00:12:30) a (00:12:36)]
250

Porque às vezes é difícil você falar ponto negativo, mas eu acho que tudo é uma relação de que
nem tudo é perfeito, sabe? É até para poder entender... eu pergunto isso muito porque eu penso
na minha dissertação para ser também um lugar para poder pensar acertos e erros e formas de
melhorar todo o processo. Eu não penso só em uma pesquisa acadêmica. Então essa parte as
pessoas ficam meio "ah, não tenho negativo" e eu falo "se não tem negativo tudo bem, mas...".
Essa pergunta é muito aquele momento "pode ser sincera", o João falou assim "fala com o povo
para falar mesmo" e eu falei "tá bom!".
Larissa: Tá. Eu acho que... é porque realmente eu não sei se é uma questão minha ou se é de
muita gente, porque... o João falou aquele dia que trabalha com mais de 230 editoras, não é
isso? Então... podemos gravar então.
Letícia: Podemos?
Larissa: O aspecto positivo, sem dúvida, está relacionado a essa vitrine fantástica que é a Banca
Tatuí com todo o histórico que ela tem e a oportunidade de fazer parte desse casting incrível,
né? Eu soube que são mais de 200 iniciativas ali representadas – entre pequenas editoras,
centros literários, coletivos criativos, artistas gráficos – isso é um aspecto positivo inegável.
Acho que o aspecto negativo que a gente pode considerar é justamente relacionado a esse
positivo. O fato de haver, em um espaço que é pequeno, mas muito charmoso, uma quantidade
muito grande de livros para exposição... talvez a visibilidade, a exposição dos produtos poderia
ser melhoradas se houvesse um espaço maior. Mas existem sempre o aspecto positivo e o
negativo, às vezes em um espaço maior a gente não iria ter também essa lenda que é a Banca
Tatuí [00:15:00] e eu acho que é bacana também aumentar a quantidade de acervo, a
diversidade do acervo. Então eu acho muito mais interessante ter 230 iniciativas representadas
do que 50, eu acredito que quando tinha só 50 também a visibilidade às vezes na apresentação
do produto poderia ser melhor, mas a diversidade maior é mais interessante, né?
Um aspecto que eu acho que poderia ser diferente, que eu não considero positivo é o acerto
trimestral. Poderia ser bimestral, já seria melhor, eu faço opção por um acerto mensal mesmo
que seja um pequeno repasse a ser feito. Mas eu compreendo também que um volume maior de
clientes sendo atendidos em um acerto mensal, às vezes um depósito que é de 19 reais, de 20
reais, vai causar um problema grande, mensalmente vai ser uma ocupação de tempo enorme.
Está me entendendo, Samara?
Samara: Sim. E só para constar, isso aqui não entra em documentário nunca, a gente está
gravando isso aí e entra na dissertação escrita, mesmo. Esses registros aí vão sair, mas estou
entendendo e é bom. Coisas que eu, por exemplo, nunca tinha pensado, que é essa questão do
acerto em vez de ser trimestral, ser mensal.
251

Larissa: Pelo menos bimestral, porque eu acho que mensal também... tem gente que tem produto
muito baratinho e que eu nem sei com que frequência é vendido. A Nega Lilu Editora vende
pouco na Banca Tatuí, eu acho que tem trimestre que eles fazem o acerto comigo de um/dois
livros. Eu não sei se é uma questão minha, eu acredito que tem gente que, por ser mais pop em
São Paulo, deva vender mais, a Nega Lilu vende bem pouco na Banca Tatuí, como eu falei
inicialmente, me interessa bastante estar presente naquela vitrine integrada a um casting que eu
admiro, que tem uma qualidade editorial sensacional, a melhor do Brasil entre os independentes.
Então, para mim, é muito honrado estar no meio dessas pessoas, mas do ponto de vista
financeiro para a gente não tem uma vantagem nesse sentido. Eu vendo muito mais em outros
lugares, mas eu faço questão de estar na Banca Tatuí, sim, eu me sinto honrada de estar lá, de
terem reconhecido na curadoria da Banca Tatuí a possibilidade do nosso trabalho formar
conjunto, entendeu?

Ana Rocha - Polvilho Edições (23/10/2019)

Ana: Então, eu venho das artes, né? Minha primeira formação foi em Artes Visuais lá na Belas
Artes em São Paulo. E eu desenvolvi minha pesquisa em cima dos livros de artista. No final da
faculdade a gente tinha que expor os nossos trabalhos em uma galeria... as pinturas, as esculturas
que cada um desenvolveu... e eu fiz uma série de xilogravuras costuradas à mão, impressas à
mão também, onde eu optei por não exibir essas gravuras na parede, mas sim guardá-las em
grandes caixas de papelão que eu também produzi. Acho que ali foi já o meu contato, ainda
sem muita consciência, com livros de artista. Essa primeira tese chamava Diálogos nas
Entrelinhas Impressa e Bordada. Aí depois eu me mudei para Belo Horizonte, logo depois que
eu me formei em São Paulo e fui fazer uma pós na Guignard, em Arte Contemporânea, onde eu
continuei as pesquisas acerca dos livros de artista. Mas dessa vez eu estudei... era uma pós
teórica, com menos disciplinas práticas... então eu estudei maneiras de exibição desse tipo de
trabalho. Porque em geral os livros de artista... os livros, né?... são feitos para serem lidos, mas
quase sempre que eles são expostos em galerias, em museus e tal, eles estão sempre dentro de
redomas. A minha pesquisa foi buscar dispositivos e novas maneiras de exibição desse tipo de
trabalho, pensando em uma série que eu tinha começado a produzir logo que eu me mudei para
BH (que eram livrinhos pequenininhos, únicos, feitos com máquina de escrever, carimbo,
transferência de xerox, xilo e tal...). Então eu desenvolvi uma série de pequenos livrinhos e a
tese foi bolar uma exposição onde eu iria expor esse trabalho com vários tipos de dispositivo
252

que foram pensados a partir do conteúdo, da materialidade do livro e tal. Então os livros sempre
estiveram presentes na minha vida, de alguma maneira, mas venho dos livros de artista mesmo.
E aí, em 2012, eu fundei a Polvilho Edições. Na época eu tinha um sócio que fundou junto
comigo, que é o Caio Otta, um poeta aqui de BH, a gente inclusive era namorado. E o Caio
escrevia poesias e escrevia em uns cadernos horríveis de capa de basquete, com aquele espiral
feio e tal. E eu comecei a produzir pequenos cadernos para ele, mais bonitinhos, costurados à
mão... e a gente começou a ter essa aproximação. E aí a gente teve vontade de fazer um livro
das poesias dele, que foi o primeiro livro da editora, O Camarão que Dorme. Então a editora
nasce com esse desejo da gente produzir um livro e foi a primeira vez que eu tive contato com
os programas, com o In Design, programa de diagramação. Fui lá olhando no YouTube: "como
criar um livro?", "como criar uma lombada?". E assim a gente produziu o primeiro livro e assim
a editora nasceu.
Samara: Maravilhoso! E eu queria saber: hoje a Polvilho tem quantos títulos?
Ana: Nove, eu acho. Nove livros, se eu não me engano.
Samara: E todos tem desdobramentos gráficos, né? Acho legal saber um pouco mais disso.
Como funciona?
Ana: Sim. Hoje eu já lanço um livro com alguns desdobramentos, pelo menos, mas isso também
começou de uma maneira bem natural e orgânica. Quando a gente fez o Camarão que Dorme,
lançamos o livro e a gente começou a participar de algumas feiras. E eu pensava: a gente tem
que ter mais alguma coisa na mesa, né? Participar de uma feira com um título só? Mesmo que
fosse dividindo mesa com algum parceiro que tivesse mais conteúdo de publicação... Então eu
tive a ideia de fazer o Camarão que Lambe (que eram cartazes a dois, com poesias presentes no
livro que eu rediagramei no cartaz) e depois criei o Camarão que Versa (que eram adesivinhos
com trechos de algumas poesias também). Então essa foi a primeira famílias de desdobramentos
que eu criei, mas pensando sobre a ocupação de uma mesa em uma feira. Eu acho que depois
acabou se tornando uma marca super forte da editora, que são essas pequenas famílias gráficas
que, obviamente, sempre partem do livrO que é o mentor da família. Hoje eu já consigo pensar
a produção de um livro com, pelo menos um outro desdobramento. [00:05:00] Eles são meio
que infinitos, se eu quiser continuar criando desdobramentos para um livro mais antigo eu
continuo. Eu acho que isso também ajuda a fomentar o livro. Eu acho que de fato se criou uma
marca mesmo da editora.
Samara: É, com certeza! Eu conheci muito por causa disso, porque tem esse... é o que eu chamo
de produtores esteticamente orientados, que têm esse esmero gráfico, que pensam o livro com
uma materialidade diferente, o modo de fazer diferente. Sou fã!
253

Então a Polvilho existe desde 2012. Eu queria saber como foi sair da casa editorial até chegar
na livraria. Como foi esse processo da livraria.
Ana: A livraria é uma coisa muito recente, na verdade, muita coisa aconteceu antes disso. Em
2015 a gente separou a sociedade, eu toco a editora sozinha desde lá. Comecei a publicar outros
autores... Mas sempre tive um sonho de ter um espaço físico, onde eu pudesse comercializar o
meu trabalho e, também, de outras editoras que eu admiro. Eu acho que Belo Horizonte é hiper
carente em ter acesso a esse tipo de publicação. Mas os aluguéis super caros, o famoso medo
de abrir um CNPJ, de legalizar um comércio e tal... [interrupção (00:06:25) a (00:07:03) E aí
com essa preocupação que começou a acontecer aqui no Mercado, alguns amigos que
começaram a empreender aqui, eu vim olhar... é um lugar que viabilizou a tentativa de abrir a
livraria por preços um pouco mais em conta. Desde maio desse ano eu estou com a loja. É uma
coisa bem recente, não tem nem um ano ainda que eu estou com a loja, mas tem sido muito
bom. Não só para poder apresentar o meu trabalho de uma maneira mais direta e constante (não
ter que esperar uma feira para isso), mas poder trazer o trabalho de muita gente que nunca tinha
chegado até aqui. Também tem tempo que a gente não tinha uma feira grande, que essa galera
pudesse vir para apresentar. Mas é uma luta, a dedicação que se tem que ter para ter um espaço
desse... eu fico aqui todos os dias na loja, tem toda a parte dos estoques, de receber as coisas,
de nota fiscal, enfim, um monte de coisas que eu nunca mexi, que eu dei uma pirada. E desde
2012, esse foi o primeiro ano que eu não publiquei nenhum livro. Tem sido meio pesado isso,
para mim. Eu criei diversos desdobramentos, muitos mesmo, de vários livros e alguns trabalhos
órfãos (que não vieram de nenhum livro). Mas de fato eu não consegui conciliar tudo e, muito
provavelmente, não vou publicar nada até o final do ano, mas... ossos de querer abrir um
comércio.
Samara: O Alessandro, da Barbante, conta a mesma coisa. Ele falando da livraria Barbante, lá
no Sul, ele fala "olha, estava indo bem a produção da editora até o momento em que eu abri a
livraria e agora eu estou sendo sugado pela livraria.". É difícil conciliar a publicação de...
Ana: A criação, né?
Samara: É. Todo o processo de uma edição com o rolê da livraria. Ainda mais porque a Polvilho
é você, né?
Ana: Sim, eu faço todas as frentes! Já era bem puxado. A loja virtual... eu sou super preocupada
em embalar tudo legal, em postar rápido os pedidos, em responder todo mundo direito, sou eu
que vou para as feiras... enfim, já tinha várias demandas.
Eu estou com um livro que eu estou trabalhando nele, o meu primeiro livro de memórias de
infância, mas está super encostado porque eu não estou conseguindo finalizá-lo. E eu estou
254

achando que, talvez, agora o jogo vai ser publicar um pouco mais outros autores e menos um
texto meu. [00:10:00] Continuar dedicada a fazer os projetos gráficos, obviamente, a produção
gráfica, disso eu não abro mão, mas eu acho que talvez seja uma solução, por ora, publicar
outros autores. Pelo menos essa parte da criação do texto, da edição, mais minuciosa eu não
vou precisar ter.
Samara: Sim. E a última pergunta, totalmente fora do script: a maioria dos livros da Polvilho,
até hoje, tem você como autora, você como ilustradora...
Ana: É. Ilustração e projeto gráfico: todos. Produção gráfica: também. E autoria tem: Queloide,
Niebla, Howhi e Jardim do Seu Neca. Os outros em fiz em parceria com alguém: A Mariposa
com a Maria Cecília e com o Mateus, O Arimin com a Júlia Malta, os dois primeiros da editora
eram textos do Caio (o Gênesis e o Camarão) e o Cafeína que eu editei lá [Incompreensível
(00:10:59)].
Samara: De voltas dadas aqui era isso. E aí eu queria saber... essa é uma parte mais prática:
quais as formas de venda que você encontra? Quais as formas que você encontra de escoar os
livros, essa produção, dentro do mercado independente? Porque eu acredito que a Polvilho não
venda em livrarias tradicionais, até onde eu pesquisei. Eu queria saber como você faz para
vender os livros da Polvilho? Como é a comercialização?
Ana: Eu sempre tive a loja virtual desde o primeiro ano da editora, se eu não me engano, a gente
fez a loja. Então as pessoas sempre poderiam comprar os nossos trabalhos por ali, tem meses
melhores e piores, mas ela só foi em uma crescente de vendas. As feiras de publicação sempre
foram o maior catalisador para a gente distribuir os nossos trabalhos, são esporádicas, mas tem
muita feira. Hoje em dia eu vou bem menos do que eu ia antes, inclusive já perdi bem o pique
que eu tinha. Porque, querendo ou não, você viaja, gasta uma grana com passagem, com
hospedagem... mas até hoje era, talvez, o tipo de comércio mais importante para a editora. E
sempre tive pontos de venda independentes também. Hoje a gente está na Carrocinha (no Rio),
na Tatuí e na Curva (em São Paulo), no Ernesto (em Brasília). Às vezes alguns amigos, de
maneira informal, levam os trabalhos e comercializam em outras feiras. Mas agora com o
espaço físico... eu nunca vendi tanto o meu trabalho como agora, obviamente, né? Inclusive
também tem sido uma questão, porque minhas tiragens são super baixas, então eu estou
recusando um monte de novos pontos de venda porque agora tenho me interessado muito mais
em vender diretamente aqui. E estou tendo uma saída super grande que nem se compara com o
que era antes.
Samara: Então, assim, uma pergunta que eu sempre faço: quais os pontos positivos e negativos
dos pontos de venda e... é... o que você está vendo de ponto negativo e positivo do ponto físico?
255

Ana: Cara, ponto de venda físico... a gente tem o custo de envio dos trabalhos... tem um preço
módico, mas são dois quilos, então a gente sempre estoura esse peso. É super caro mandar, livro
é uma coisa pesada... Então a gente tem esse custo do envio e depende da porcentagem dos
pontos de venda. Em geral, os pontos de venda independentes são honestos porque eles, em
geral, também são encabeçados por outros publicadores independentes, que também tem uma
editora, então variam de 30 a 40 por cento, o que ainda é viável para a gente. Eu diria que são
esses os pontos negativos: a perda que a gente tem da comissão e o custo com o envio do
material.
Samara: E você sabe dizer quando você começou a vender na Banca Tatuí?
Ana: Ah, não sei.
Samara: Isso aí eu vou... todo mundo que eu perguntei, ninguém sabia, eu vou perguntar o João
e pedir para ele...
Ana: Mas eu acho que desde o começo, assim, a gente sempre foi parceiro. A Lote, eu acho que
a Lote começou depois da gente. A gente começou em 2012, a Lote em 2014, eu acho. Acho
que desde quando eles começaram a gente vende lá com eles. E eventualmente eu também
busco alguns pontos de venda (ou me encontram também, né) além livrarias, tipo, eu vendia em
uma floricultura de São Paulo, por exemplo. Todos os trabalhos do Neca, as sementes, o livro,
os carimbos. Então não, necessariamente em um espaço de publicações (uma livraria, enfim...)
[00:15:00] mas espaços independentes, iniciativas menores, que também vendiam a essa
porcentagem um pouco menor que fosse mais honesta para a gente. Enfim, às vezes tem esses
pontos de venda um pouco mais fora da caixa também.
Samara: Especificamente, o que você vê de ponto positivo e de ponto negativo na Banca Tatuí?
Você falou no geral que tem essas questões, o que é engraçado porque outras pessoas também
apontaram as mesmas coisas... Da Banca, especificamente... se existir, né, é lógico... esse lugar
é inclusive é um lugar aberto, a gente não vai mandar isso para o João e falar "isso é um ponto
negativo". O que você vê de ganho e o que você vê de negativo de vender na Tatuí?
Ana: Cara, um ponto muito positivo da Banca, assim como a Banca Curva, é que eles são hiper
profissionais com os acertos. Inclusive é uma coisa que antes de eu abrir a loja eu me preocupei
demais em também ser super honesta e pagar certinho. Eu também optei por fazer os
pagamentos a cada trimestre. E um ponto negativo de quase todos os pontos de venda é isso, os
calotes reais... o cara nunca mais te paga, some, você cobra mil vezes e somem com as suas
coisas. Eu acho que um ponto super positivo é organização interna deles, de pedir as reposições,
eles sempre te mandam um e-mail dizendo que chegou... É uma coisa bem profissional mesmo.
Eu acho que os meninos da Lote são independentes, obviamente, mas eles já estão em outro
256

lugar, eles tem funcionário... eles também não são muito autores... eles estão em outro lugar,
mais de editores mesmo e donos de uma empresa. Uma livraria que hoje tem a Sala Tatuí...
tocam vários outros projetos, feiras, enfim... Eles já estão em um lugar meio outsider dessa
coisa mais "putz" dos independentes. Eu acho que eles têm as mídias super ativas, sempre
postam coisas, direto eles postam os nossos livros e a gente ganha seguidores com isso porque
eles têm uma caralhada de seguidor. Acho que eles são organizados com isso de sempre estar
postando não só o meu trabalho como o de todo mundo, os recebidos da semana, as novidades.
Um ponto negativo, talvez, que eu acho... não que me prejudique, em particular, é que eu acho
que lá tem muita coisa já. Quando você vai visitar já é um lugar massarocado de coisas, acho
que eles já tem mais de 100 editoras sendo comercializadas lá na Banca...
Samara: Mais de 200.
Ana: Que é um espaço minúsculo, super pequenininho mesmo e, enfim... eu fui poucas vezes
na Banca, tem até um tempo que eu não vou, a última vez que eu fui foi no final do ano passado,
quando eu lancei o Howhi lá na Sala Tatuí. Então eu acho que, eventualmente, já está difícil de
ver, já pode ter um monte de porcaria (no meu gosto, também é gosto, é questão de gosto). Mas,
enfim, na minha livraria me interessa mais uma curadoria com bem menos coisas e trabalhos
bem mais certeiros, assim, mas que também partem do meu gosto (não quer dizer que para você
eles são certeiros também). Mas não é um ponto que me influencia, a gente tem acertos super
bons, um dos maiores que eu tenho, sem dúvida, dos pontos de venda são com eles.
Samara: Você consegue vender bem na Tatuí?
Ana: Sim, super bem.
Samara: Isso é bem relativo. Eu conheci a Polvilho pela Tatuí, né? Nem sabia que era daqui de
BH... o Jardim do Seu Neca... a primeira vez que eu fui lá, o João me mostrou e falou "olha
esse livro, que lindeza!" e eu "ahh! Quero!". E foi assim que eu conheci toda a história da
Polvilho e assim estamos com a Polvilho desde sei lá quando.
Ana: É, cara! E a Banca, eu acho que além do espaço físico... de uns anos para cá eles
começaram a participar de feiras como Banca Tatuí e não, necessariamente, como Lote 42.
Então, obviamente, eles levam todos os livros da editora deles, mas eles levam a gente para
milhões de feiras que a gente não conseguiria ir. Para várias dessas feiras, eles são convidados
para participar. Eu imagino que deve ter apoio para passagem e tal... porque eles vão dar uma
fala, vão fazer uma palestra, enfim... Então eu acho que a Banca tem sido essa figura. Talvez
mais importante do que o espaço físico na Rua Barão de Tatuí... essa banca que é nômade, que
se movimenta, que leva o nosso trabalho para a Latinoamérica toda, até para uns picos na gringa
mais longe ainda que eles participam. E sempre levam, pelo menos os trabalhos da Polvilho,
257

obviamente não dá para eles levarem das 200 editoras, mas eu tenho o privilégio de sempre ver
meus livros na mesa, nessas feiras... lugares que eu dificilmente alcançaria, pelo menos por
agora... anos-luz de eu conseguir participar desse tanto de feira. [00:20:00]
Samara: Sim. A minha pergunta final que é meio que a grande pergunta da minha pesquisa (eu
acho que você já falou um pouco, mas só para...): como a Banca Tatuí é relevante para você,
enquanto editora e enquanto livreira também...
Ana: Editora? Ela não é editora, né? A Lote é uma editora.
Samara: Não. Como a Banca Tatuí é relevante para você? Você enquanto editora e você
enquanto livreira. Se ela serviu de inspiração, se é uma vitrine... não sei... Como ela... eu
imagino que ela seja relevante, estou partindo desse pressuposto pelas suas falas anteriores. A
minha pergunta é sempre essa: como ela se faz relevante para você?
Ana: É. Eu acho que talvez isso que eu acabei de falar, por essa possibilidade que ela tem desse
nomadismo: de ir além de só ser uma Banca na rua e expandir isso participando dessas feiras
como Banca Tatuí. Acho que influenciou uma galera, depois abriu a Banca Curva... também já
existiam, obviamente, vários outros espaços que já comercializavam independentes também.
Acho que é isso. Um lugar de resistência, assim como todos os outros, porque é bem difícil
lidar com tudo isso... e nem imagino eles com um monte de funcionários... fazer girar tudo isso,
administrar. Mas para mim o ponto mais foda da Banca é o nomadismo mesmo e não,
necessariamente, a Banca em si.
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ANEXO – IMAGENS DO LEVANTAMENTO DO TÓPICO QUEM ESTÁ AQUI NA


BANCA TATUÍ (20/12/2018)

(Parte 1)
259

(Parte 2)
260

(Parte 3)
261

(Parte 4)
262

(Parte 5)

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