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MARCO CORREA LEITE

PSICANÁLISE CLÍNICA:
PRIMEIROS PASSOS

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MARCO CORREA LEITE

PSICANÁLISE CLÍNICA:
PRIMEIROS PASSOS

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Literatura em Cena
2022
@literaturaemcena19
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Editor:
Eduardo Lucas Andrade

Capa:
Indries Andrade Simões

Diagramação e revisão:
Geralda Andrade Simões

Agosto/2022

158
L533P Leite, Marco Correa
2022 Psicanálise clínica : primeiros passos ; Marco Correa Leite
; Capa Indries Andrade Simões ; revisão de Geralda Andrade
Simões. Bom Despacho : Literatura em Cena, 2021.
146p.

ISBN : 978-65-87220-56-7

1. Psicanálise ; 2. Clínica . II.Título


CDD 158

Ficha catalográfica: Geralda A. Simões-CRB/MG 003693

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................ 7

CAPÍTULO I - A PRIMEIRA SESSÃO................................... 13


A Psicanálise cura!...........................................................................13
As Primeiras Sessões......................................................................18

CAPÍTULO 02 - O MÉTODO CLÍNICO................................ 39


Adendo Sobre a Problemática da Técnica em Nosso Campo..39
As Primeiras Sessões: Tempo de Ver............................................46
A Terapia de Ensaio e o Diagnóstico............................................56
As Entrevistas Preliminares e a Entrada em Análise ................65
Um Pouco Sobre a Clínica Contemporânea................................73

CAPÍTULO 03 - ÉTICA, DINHEIRO E TEMPO EM


PSICANÁLISE: AS SESSÕES, O PAGAMENTO
E NOSSA ÉTICA........................................................................81
Tempo, Dinheiro e a Ética da Psicanálise.....................................85
O Pagamento e a Realidade: RSI...................................................98
O Tempo..........................................................................................105
O Tempo da Sessão: Método Clínico..........................................114
Olhar, Compreender e Concluir a Lógica de Uma Sessão de
Análise.............................................................................................121

CAPÍTULO 4 - A FORMAÇÃO DO ANALISTA...............127


Considerações Finais..............................................................137
Referências bibliográficas.............................................................142
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INTRODUÇÃO

O que realmente me cabe acentuar é que, ao se


oferecer ao ensino, o discurso psicanalítico leva
o psicanalista à posição de psicanalisante, isto é,
a não produzir nada que se possa dominar, mal-
grado a aparência, a não ser a título de sintoma
(LACAN, 1970/2003d, p. 310).

“Os primeiros passos da clínica” é um livro que pretende


funcionar como um interlocutor para o analista em formação,
que inicia sua jornada como psicanalista. Não foi pensado com
a pretensão de ser passo-a-passo de como proceder na clínica,
porque é impossível construir um manual, ou uma cartilha so-
bre a prática psicanalítica, uma vez que a universalização de
seus postulados é inviável.
Suas páginas contêm uma exposição teórica, recortada
de testemunhos de ordem prática, sobre noções que são funda-
mentais quando pensamos sobre o fazer do psicanalista, quan-
do este se ocupa em oferecer uma análise àquele que o procura
para dar fim a um sofrimento psíquico. E traz, de carona, as in-
quietações que implicam bancar um trabalho assentado sobre a
ética da psicanálise. Essa ética, insistente, aponta para o desejo e
– consequentemente – para a falta. É preciso não perder de vista
esse farol ético, quando se escreve para quem está iniciando na
prática clínica.
O autor, por isso, teve o cuidado de dividir sua obra em
temas norteadores, que vão desde a exposição teórica sobre o
começo de uma análise e a posição ética que um analista precisa
ocupar até questões práticas, como a função das entrevistas pre-
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liminares, o pagamento das sessões e o manejo do tempo com
os analisantes, um a um. A cada capítulo encontramos a cons-
trução de um testemunho teórico-clínico de um psicanalista que
não cessa de pensar, re-pensar, ensinar e aprender a psicanálise.
A verdadeira psicanálise, calcada na ética de produzir a mais
pura diferença pela positivação da experiência com o unheimli-
ch, esse estranho tão familiar que nos habita.
O livro caminha na direção de co-laborar criativamente
com o leitor, a partir do que seu autor testemunha como ana-
lista, analisando e professor. Dessa maneira, na sustentação de
uma escrita que promove um ensino, também aposta que ocor-
ra a transmissão. Tal aposta por intermédio de um livro, foge
de um ideal pedagógico para, justamente, sustentar a possibili-
dade da transmissão da psicanálise. Ser analista é ocupar uma
posição de se mostrar habitado por um desejo mais forte do que
o desejo de ser mestre.
Phillipe Julien (2006, p. 245) escreve que “o que um ana-
lista já sabe não lhe serve de nada [...]”, porque é a prática que
não cessa de fundar, e furar, a teoria. Não é a teoria, única e
somente, que determina o trabalho psicanalítico, mas o real da
experiência com a psicanálise. São as questões, os embaraços,
os “não saberes” que movimentam e renovam a psicanálise. E,
para tanto, é preciso “[...] sustentar radicalmente a experiência
limite da morte indicada pela dor do desamparo, acreditando
que, da fronteira com o horror do impossível, o sujeito vai ad-
vir”. (Birman, 2016, p. 49) O que “hominiza” os seres é carregar
consigo a questão que não tem resposta, e nunca terá. Donde
nos habilita a entender que o dito do Inconsciente é uma respos-
ta pelo fato de ser o que estimula qualquer pergunta.
Encarar esse desafio não é para os fracos de coração. E se
você está com esse livro nas mãos, deduzo que você tem esse
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desejo. O que posso dizer é que o livro discorre sobre o início da
clínica com coragem e criatividade. Criação e desejo: encontro
potente que sustenta cada psicanalista, responsável por fazer
perdurar a psicanálise nos nossos consultórios e na cultura, des-
de sempre tão resistente aos seus princípios.
Lacan diz, em Nota Italiana, que só existe analista se esse
desejo lhe advier e, na sustentação de tal desejo, ele se fizer re-
botalho da humanidade. Mas atenção: saber ser um rebotalho
vem junto com o entusiasmo gerado pelo encontro com o gaio
saber, ensina.
Só existe analista se esse desejo lhe advier, que já
por isso ele seja rebotalho da dita humanidade.
Digo-o desde já: essa é a condição da qual, por
alguma faceta de suas aventuras, o analista deve
trazer a marca. [...] É justamente aquela que lhe
imputo, de haver transmitido unicamente aos re-
botalhos da douta ignorância um desejo inédito.
O qual se trata de verificar: para fazer o analista.
[...] A partir daí, ele sabe ser um rebotalho. Isso é
que o analista deve ao menos tê-lo feito sentir. Se
ele não é levado ao entusiasmo, é bem possível
que tenha havido análise, mas analista, nenhuma
chance. (p. 313)

Trata-se, então, de uma relação muito particular com esse


saber que passa em ato. O analisando passado a analista se en-
contra com o entusiasmo e reescreve com a mesma “pena” o
que de pena não há mais. Posiciona-se como objeto resto, objeto
a, refugo da operação de divisão do sujeito. Retifica o sentido
da sua existência para fazer surgir daí um trabalho intrínseco à
dimensão da verdade e que, por estar aí situado, toca o real, a
causa do desejo.
Esse trabalho de se formar analista, então, só pode ser re-
alizado em um tempo sem pressa, de paciência artesã, de tra-
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dução de línguas estrangeiras, de espera e de repetição. É um
tempo de elaborações tão intensas que precisam ser ditas deva-
gar, porque trazem a verdade não-toda sobre si mesmas. Nesse
sentido, a direção é mais importante que a velocidade e consta-
tamos diariamente que os meios se adaptam ao destino, fincado
no desejo incansável de exercer o ofício do psicanalista.
Portanto, quando alguém decide nomear-se psicanalista
e trabalhar com psicanálise, essa decisão não vem sem algumas
escolhas e, consequentemente, renúncias éticas. Escolhe-se a
dedicação a um processo de formação que não possui etapas
verificáveis e não é regulamentado. Também a produzir uma
modalidade de trabalho que não se encaixa como uma presta-
ção de serviço. E, no exercício da clínica, a renunciar as certezas
terapêuticas para colocar em causa sempre uma aposta. Quem
faz essa escolha depara-se com uma prática que é orientada pela
produção singular de cada pessoa que busca um psicanalista e
empreende uma análise.
A maioria dos estudantes de psicanálise conhece a pas-
sagem do artigo “Análise finita e infinita”, na qual Freud
(1937/1980) coloca a psicanálise como uma prática impossível,
juntamente com a arte de educar e de governar.
Detenhamo-nos aqui por um momento para ga-
rantir ao analista que ele conta com a nossa sin-
cera simpatia pelas exigências muito rigorosas
a que tem de atender no desempenho das suas
atividades. Quase parece como se a análise fos-
se a terceira daquelas “profissões impossíveis”
quanto às quais se pode de antemão estar se-
guro de chegar a resultados insatisfatórios. As
outras duas, conhecidas há muito mais tempo,
são a arte de educar e de governar. (FREUD,
1937/1980: 224)

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Nesse mesmo parágrafo, Freud chama de “pobre infe-
liz” a pessoa que busca as qualificações para se formar psica-
nalista. Essa passagem sempre me causa graça e me lembra a
frase de uma ex-aluna que recebi como estagiária, quando eu
era supervisora de estágio e lecionava no curso de psicologia
que fui docente por mais de uma década: “Não tem como
ser feliz estudando psicanálise”. Eu concordo, a inquietação
do encontro com a teoria nos transporta muitas vezes para
a angústia de não entender. Para tanto, costumo dizer que é
preciso dar as boas-vindas ao fato que estudar psicanálise é
uma desaprendizagem. Aqui a regra não é acumular conhe-
cimento, porque trata-se de uma outra relação com o saber.
Certa vez, em Vincennes - centro universitário
experimental na França -, Jacques Lacan, psica-
nalista francês, nos tempos da crise universitá-
ria de 1969, em meio a uma discussão acalorada
com os estudantes, quando perguntado sobre
por que, ao final do ensino que recebem, não po-
deriam tornar-se psicanalistas, responde que “a
psicanálise não se transmite como qualquer ou-
tro saber”. (MAURANO, 2009, p. 149)

Na formação de uma analista, além da travessia de sua


análise pessoal, é preciso suportar também uma travessia da
teoria. Não há como se eximir de experimentar os percalços te-
óricos. É preciso que o estudante se transforme em um investi-
gador da teoria da mesma maneira que investiga seus próprios
processos subjetivos: abrindo-se para as ressonâncias do texto e
para o que a tal teoria aponta sobre seu próprio funcionamento
íntimo.
Então, tendo em conta toda labuta e insistência que envol-
ve esse processo, é muito justo e compreensível alguém se per-
guntar: por que uma pessoa escolhe trabalhar com psicanálise?
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Para essa pergunta, cada um dos leitores desse livro terá que
construir sua própria resposta. Eu construí a minha. Marco Lei-
te também. E garanto a você que o livro que você tem em mãos
é efeito e parte da resposta dele.

Fernanda Samico

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CAPÍTULO I

A PRIMEIRA SESSÃO

A Psicanálise cura!

Em 1905 Freud afirmou que a Psi-


canálise é um procedimento de cura para
aqueles que não encontraram, em outros
tratamentos, um alívio significativo para
seus sofrimentos.
Pessoas que estavam incapacitadas de viverem uma vida em
que fosse possível amar e trabalhar de forma satisfatória. (LEI-
TE, 2021 p. 27)
Sendo a Psicanálise um tratamento, como tal produz e
promove algo que podemos nomear de uma cura. No entanto,
para que alguém possa se beneficiar do tratamento, é preciso
padecer de um certo mal-estar, que configure um estado em que
o paciente necessite desse tratamento. Não é qualquer pessoa
que vai se beneficiar de um tratamento psicanalítico, portanto
a Psicanálise não é indicada para todas as pessoas, e essa é a
proposta deste livro, abordar sobre diagnóstico diferencial, en-
trevistas preliminares e início do tratamento.
Na era dos diagnósticos e tratamentos ultrarrápidos, a
Psicanálise ainda acolhe os que tentaram livrar-se de algum
tipo de sofrimento e que fracassaram. As tentativas são as mais
variadas possíveis. Desde igrejas a psiquiatras, florais, mas-
sagens, yoga, entre outras terapias que, embora tenham seus
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efeitos, não produzem o resultado esperado, não apresentando
melhora significativa na condição de saúde mental que pode ser
mínima ou nem existir. (LEITE, 2022)
Não temos como garantir que a partir dos primeiros en-
contros teremos uma análise propriamente dita. Em um primei-
ro momento é necessário pensar no encontro entre o paciente e
o analista como uma oferta de um lugar para que uma pessoa
em sofrimento possa falar, diferente de um trabalho de florais,
de um trabalho medicamentoso ou de um trabalho de psicote-
rapia. Nestes primeiros encontros, o analista é alguém que re-
cebe um outro e que lhe oferta um espaço de fala, alguém que
convida o paciente a dizer. Tem-se que considerar alguns pon-
tos, primeiro é importantíssimo que o paciente fale, para que
em um segundo momento seja possível uma escuta ou, melhor
dizendo, uma intervenção que permita ao analisante escutar o
que ele mesmo acabou de dizer e que, em outros espaços, isso
dificilmente seria possível.
O analista oferta um espaço para que o paciente fale, mas
como isso se dá? O início do tratamento é muito simples. Espe-
ra-se que o analista pergunte ao paciente, desde as primeiras
sessões, sobre os motivos que o levaram a procurar ajuda. Para
dar alguns exemplos, pode-se perguntar: “O que está acontecen-
do?”, “por que me procurou?”, “o que espera do tratamento?”.
É interessante ressaltar que, em algumas instituições, o analista
ou fala muito mais do que o paciente, ou não diz absolutamente
nada. Para não incorrer neste erro que, geralmente tem como
consequência o silenciamento do paciente e, com isso, a impos-
sibilidade de se produzir uma transferência analítica, deve-se
ter em mente que o espaço ofertado é o de fala, ou seja, intervir
de forma a fazer com que o paciente diga o que quer que ele te-
nha a dizer sem se preocupar com as intervenções, com o tempo
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ou com o que ele está dizendo.
Nos primeiros encontros, procura-se fazer com que as in-
tervenções tenham o efeito de produzir algo que seja uma de-
manda analítica, que aponte para um sofrimento que insiste e
que, por mais que se conheça o sentido, ou que se diga sobre, ou
que se saiba os motivos, não cessa. É como se o paciente fosse
levado a reconhecer uma certa impotência diante deste mal-es-
tar. Isso, é claro, em se tratando da clínica das neuroses. Reco-
nhecer sua impotência não é o mesmo que reconhecer a impos-
sibilidade. O que deve ficar evidente é que o paciente possa se
descobrir como alguém e o analista deve sempre apontar para a
singularidade, retirando os excessos pela via do dizer, como nos
aponta Freud (1905), ao comparar a psicanálise com a nobre arte
do escultor em oposição à nobre arte do pintor.
Outro ponto que deve ser trabalhado com muito cuidado é
saber se o paciente já passou por outros tipos de tratamento. Ge-
ralmente, os pacientes procuram o psicanalista depois de passar
por psicólogos, médicos, religiosos, etc.. Há que considerar que
uma análise só é possível quando outros tratamentos fracassam
e levar em consideração que uma análise, propriamente dita,
não dá conta de tudo e nem de todos, ou seja, ela também pode,
e em certas circunstâncias fracassa. Este aspecto é muito impor-
tante e deve ser observado por quem está na clínica: trabalhar
para que a castração seja efetiva e produza os efeitos que dela se
espera. Agora, dizer que a castração seja efetiva, não é o mesmo
que dizer que todos os pacientes devem recuar no mesmo ponto
ou que todas as análises devem fracassar no mesmo momento. É
necessário respeitar o tempo, o percurso, as possibilidades e os
limites de cada um, afinal, a Psicanálise é a clínica do um a um.
No tratamento psicanalítico, a singularidade é um fator
de extrema importância, tudo aquilo que um paciente diz deve
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ser escutado na sua particularidade, no caso a caso, sempre
atentando que a fala está sendo dita e dirigida a um analista
pela primeira vez e que muitos pacientes usam as mesmas pa-
lavras para dizer a mesma coisa, ainda assim, nota-se que há
algo de diferente ali. Tenhamos como exemplo o pensamento de
que existem Psicanálises e Psicanálises. Neste exemplo, mesmo
que esteja nomeando uma prática qualquer de Psicanálise, fica
evidente que não estou falando da mesma coisa. Coisas dife-
rentes que insistem, na maioria das vezes, de serem ditas da
mesma forma. Ou ainda, a mesma coisa que se repete em outros
dizeres. O analista deve estar atento a esses movimentos que o
léxico nos possibilita.
Freud, em seus artigos sobre a técnica, recomendava a to-
dos os analistas que tomassem cada paciente como o primeiro,
se esquecendo de tudo aquilo que já viveu, tudo aquilo que já
ouviu, tudo aquilo que sabe de antemão de um paciente. Isso
é importante porque na medida em que o analista supõe saber
qualquer coisa sobre o paciente, ele estará fazendo outra coisa e
não Psicanálise.
Podemos tomar por exemplo a questão da empatia. Al-
gumas pessoas afirmam que o comportamento de empatia é
importante para o terapeuta, mas na Psicanálise isso é contra o
método psicanalítico pois, quando me coloco no lugar do outro,
estou me colocando como o quê? Como objeto a ser endereçado
uma fala e, posteriormente uma demanda de cura, ou como su-
jeito a ser analisado? Segundo Freud em “Recomendações aos
médicos...”:
“Certamente é tentador para o jovem e ambicioso
analista o fato de investir muito da própria indi-
vidualidade para levar o paciente consigo e içá-
-lo, com esse impulso, por sobre as barreiras de
sua personalidade. Devíamos crer ser totalmente

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aceitável e até útil para superar as resistências
existentes no doente quando o médico lhe ofere-
ce uma visão de seus próprios defeitos psíquicos
e conflitos, possibilitando a ele uma igualdade
de posições quando lhe dá informações sigilosas
de sua vida” (Freud, 1912 p. 101).

Ora, a análise deve ser feita a partir do discurso que se


produz na relação de um que fala a outro que se coloca no lugar
de objeto. Esse pequeno esquema, quando aplicamos na relação
transferencial nos dá a oportunidade de analisar a transferência
mesmo, ou seja, aquilo que se produz e que tem como efeito a
possibilidade da reedição do que faz o paciente sofrer. Neste
sentido, o analista não está ali como igual, mas como aquilo que
possibilita que uma análise aconteça.
O analista faz mais função de caixa de ressonância, no
sentido de que ele escuta alguma coisa e aquilo reverbera nele
e volta para o paciente, do que dizer o que ele pensa, o que ele
sabe e o que ele acha. Essa é uma diferença no campo da Psica-
nálise para todos os outros modelos psicoterapêuticos que te-
mos à nossa disposição. A linha de raciocínio em outras práticas
terapêuticas costuma ser a seguinte: conforme vai escutando o
paciente, já vai pensando no diagnóstico, no prognóstico, nas
possibilidades de tratamento. No campo da Psicanálise escu-
tamos os pacientes com a atenção voltada àquilo que eles estão
tentando dizer e toda a história construída a partir da narrati-
va se desfaz com um lapso, um ato falho, um chiste. Segundo
Freud (1912), nem sequer devemos tomar anotações ou então
tentar guardar na memória aquilo que foi dito durante as ses-
sões, devemos estar atentos ao aqui e ao agora. O método psi-
canalítico consiste em nos atentarmos para aquilo que se pro-
duz em transferência, na forma de uma escrita a ser lida pelo
analisante. Podemos ainda dizer que, quando muito, o analista
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ensina o paciente a ler o que o inconsciente, como um escriba,
escreve com palavras, chistes, silêncios, tons de voz, etc..
Seguindo no campo da singularidade, do caso a caso, ten-
tamos fazer com que este que nos chega à clínica, desde o pri-
meiro momento, se interesse pela sua história, compreendendo
que aquilo que ele sabe sobre sua própria história é tão somente
um vislumbre de algo muito maior, que ele ignora, e que, de
alguma maneira, pode fazê-lo feliz, mas também pode fazê-lo
sofrer. A história que ouvimos na clínica é sempre uma narra-
tiva permeável pelo acontecimento presente. Cabe ao analista,
ao escutar, apontar para que o paciente diga o que do passado
está no presente e o que do presente ele coloca no passado. O
que quero dizer é que tanto o presente, o passado e o futuro são
atualizados na fala do paciente, no aqui e no agora. A história
que ouvimos está sempre em construção, nunca vem pronta,
nunca está terminada. Neste sentido, enquanto analistas, “não
oferecemos nunca a cura, mas um espaço de escuta, escuta de si
mesmo sem o julgamento de um Outro”. (LEITE, 2022)

As Primeiras Sessões

Quando um paciente procura um tratamento, será que já


não tem alguma coisa ali para além de um sofrimento, que de
alguma maneira faça com que ele pense que esse profissional
vai resolver o seu problema, vai resolver a sua vida?
O analista tem que tomar muito cuidado, por que se quer
de fato que seja possível um trabalho, a primeira coisa que se
tem a fazer é sair deste lugar e para sair deste lugar é preciso,
antes, ocupá-lo.
Freud perguntava, questionava, colocava as coisas nos
seus devidos lugares com seus pacientes e, Lacan, da mesma
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forma, questionava, interrogava, apontava. De alguma maneira
temos o dever de elevar a fala à dignidade que ela merece, o
paciente deve entender que o que ele diz nunca é sem senti-
do, sem direção, mas que essa direção segue um destino dado
a priori e, o analista, vai intervir para que se chegue a um outro
lugar, para que perceba que naquilo que ele diz há algo a mais,
não oculto, mas de uma ou muitas possibilidades. A questão é
que o analista ao perguntar sobre a vida do paciente deve ser no
intuito de revelar a divisão subjetiva, não por mera curiosidade
e para puxar assunto, como faríamos em uma roda de amigos
ou em uma mesa de bar.
Essas questões que levantamos para que o paciente res-
ponda, em um primeiro momento da análise, que chamaremos
teoricamente de entrevistas preliminares, tendem a revelar uma
maneira de ser em relação ao outro, ao mundo, uma manei-
ra muito peculiar de ocupar um lugar que, ao mesmo tempo
que supostamente “garante” imaginariamente o amor do ou-
tro, causa sofrimento. Em suma, pretendemos com as questões
verificar se aquele paciente padece de algo da ordem de uma
determinação inconsciente. A determinação inconsciente é algo
muito simples, na realidade é quando nos damos conta de que
qualquer coisa que a gente faça em nossas vidas tendem a um
mesmo resultado. É como se o destino já estivesse traçado, inde-
pendente dos caminhos que a gente procure. Podemos pensar
com Freud (1930) quando cita seu passeio por uma cidade e que
independente do caminho que ele pegasse sempre caía no lugar
que ele, conscientemente, pretendia evitar.
Segundo Eidelsztein se você já tentou to-
das as maneiras terapêuticas, já tentou com a
vontade, com o fortalecimento do ego, fazen-
do treinamento, fazendo recomendações, leu
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livro de autoajuda, e mesmo assim não encontrou um mínimo
de alívio para seu sofrimento, talvez seja interessante consultar
um analista pois, pode ser que este mal-estar seja efeito de uma
determinação inconsciente. Durante as primeiras sessões, pre-
tendemos enquanto analistas, fazer com que o paciente perceba
que a vontade fracassa, ou seja, que ele não é determinado por
sua vontade nem por sua força de vontade, nem por sua fé, mas
que tem algo que o causa, que o determina e que escapa das
suas forças, escapa entre os dedos. Lacan (1957) em A Psicanálise
e seu ensino nos aponta que
“No inconsciente, que é menos profundo do
que inacessível para o aprofundamento cons-
ciente, isso fala: um sujeito no sujeito, trans-
cendente ao sujeito...” (p. 438)

Em outras palavras, nós podemos dizer que essas primei-


ras sessões são extremamente importantes para que possamos
identificar se isso do qual o paciente se queixa é da ordem de
uma determinação inconsciente ou de outra coisa. Basta que se
entenda que uma análise é impossível se o problema não é de
determinação inconsciente, se o problema é orgânico, se o pro-
blema é moral, por exemplo. Afinal de contas, se o problema
for falta de algum hormônio como cortisol ou testosterona no
corpo, podemos perder tempo e prestígio insistindo em um tra-
tamento que não terá qualquer eficácia, pois o paciente precisa
de um médico e não de um psicanalista.
Muitas vezes os analistas mais jovens acabam por con-
fundirem a questão da demanda de análise com uma outra
demanda qualquer. A rigor, ninguém chega a um analista com
uma demanda de análise, ninguém sabe que vai dar uma análi-
se, nem mesmo o analista sabe se aquele paciente vai tornar-se
analisante ou não.
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O que chega ao consultório, geralmente são pessoas que
querem dar fim a um e, em alguns casos, a vários problemas
que causam sofrimento. A demanda aqui é uma demanda pelo
alívio de um sofrimento. Mas, o que é uma demanda?
No português a palavra demanda tem alguns sentidos
possíveis. Trabalhar com a teoria psicanalítica é trabalhar lado a
lado com o dicionário. Demanda significa um pedido, uma exi-
gência, uma solicitação. Também tem o caráter de manifestação
de um desejo. Ocorre que o desejo, no senso comum, não é o
mesmo que o desejo para a Psicanálise. Podemos então afirmar
que os pacientes, ao procurarem a clínica, não demandam uma
análise, mas solicitam um tratamento, nos fazem um pedido de
ajuda e, por conseguinte, exigem de nós algum resultado. Deve-
mos cuidar muito bem para saber se o que nos pedem é ou não
possível – ainda que não haja garantias – de ser alcançado com
um tratamento psicanalítico.
Colocarei a questão da demanda e da oferta por duas vias.
Primeiro, vamos tentar compreender um pouco do que os pa-
cientes demandam ao analista, depois veremos o que oferta o
analista no sentido do que seria o objetivo de uma análise.
O que nos pedem os pacientes que nos procuram? Seria
em vão tentar resumir as queixas apresentadas nas primeiras
sessões como se pudessem ser categorizadas. Pegarei como
exemplo o tratamento da depressão. Dentro do DSM-V (Ma-
nual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais) temos,
segundo Dunker (2021), onze tipos diferentes de depressões
categorizadas e que podem facilmente enquadrar qualquer pa-
ciente e até nós mesmos, dentro de um desses tipos.
Em seu livro, Dunker (2021) não apenas faz uma crítica,
mas aponta para o que tem se apresentado como uma modalida-
de diagnóstica que se não fosse trágica, seria certamente cômica.
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Ninguém, repito, ninguém escapa de algum enquadre
quando se lê com atenção o DSM-V. O que verificamos no dia a
dia de nossa experiência é que um paciente diagnosticado com
depressão nunca vai se localizar, se dizer, se apresentar da mes-
ma forma que um segundo que chega com o mesmo diagnósti-
co. Por mais que os fenômenos descritos possam ser semelhan-
tes, a relação do paciente com o sintoma toca também em sua
história de vida, produzindo algo totalmente singular e único. É
a este singular que nos atentaremos no decorrer das entrevistas
preliminares e da análise propriamente dita. Embora possa ter
alguns (não é necessário preencher todos os requisitos) sintomas
parecidos com outros pacientes, estamos diante de uma pessoa,
de alguém vivo, e este alguém não é resumível a uma condição.
Portanto, todos os pacientes que recebemos na clínica com
esse diagnóstico querem a mesma coisa? Não. E isso não é uma
constatação de que o diagnóstico é falho, mas que o tratamento
não deve seguir a ideia de retirar o paciente da condição de de-
pressivo. Sair ou não desta condição, deste lugar, será efeito do
tratamento e não o objetivo principal de um tratamento analíti-
co. Ocorre que o paciente pode não saber disso.
Para simplificar as coisas, imaginemos a seguinte situ-
ação que talvez simplifique as coisas. Um paciente com cárie
que procura um dentista com uma demanda muito específica
de “pelo amor de tudo o que é mais sagrado arranca fora o que
for preciso para que a dor passe”, será o dentista que irá avaliar
o objetivo do tratamento. Talvez apenas uma obturação já dê
conta de sanar o problema do paciente, mas, às vezes, é preciso
fazer um tratamento de canal. Dentista e paciente teriam então
objetivos distintos e nem por isso um objetivo anula o outro.
Fato é que será o dentista que, com seu saber, irá verificar o
provável problema após examinar o paciente. O diagnóstico
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não é prévio ao exame, ao encontro. E ainda mais, dependendo
das ferramentas que o dentista tiver, o diagnóstico poderá ser
equivocado e a dor, por mais que em um primeiro momento
passe, pode tornar-se ainda pior em um momento posterior.
Chamo a atenção para este ponto. O profissional tem um saber
que opera concomitante com o que o paciente relata que sente,
mas será em conjunto, com os procedimentos de investigação,
que as hipóteses diagnósticas vão sendo testadas e, uma após
uma, vão sendo refutadas até encontrar o verdadeiro problema
a ser tratado.
Quero deixar claro que o que descrevi no parágrafo an-
terior se trata de um recurso para exemplificar certas coisas e
que, por isso mesmo, pode conter equívocos no caso de um trata-
mento dentário, porém necessário para introduzir de forma mais
prática os conceitos a seguir. No caso de um tratamento psica-
nalítico, Freud (1905) já nos orientava para o fato de que a Psi-
canálise “foi criada a partir de e para doentes com incapacidade
duradoura de viver, e o seu triunfo é que torna um número sa-
tisfatório deles capazes de viverem a sua existência...” (p. 71). Se
pelo lado dos pacientes temos que uma queixa pode ser acolhida
em um primeiro momento, não necessariamente ela será tratável
com nossas ferramentas. É preciso ainda um pouco mais. Freud
(1913) em Sobre o início do tratamento nos recomenda que, ao re-
ceber o paciente em nosso consultório, façamos um tipo de “te-
rapia de teste”, um período probatório onde iremos verificar se
aquelas queixas são mesmo tratáveis ou não com a Psicanálise.
Voltando à questão da depressão, devemos levar em con-
ta que o luto de um emprego, de uma pessoa querida, de uma
posição social ou como efeito de uma experiência traumática
pode desencadear uma sintomatologia que, se não for bem ob-
servada, o profissional da saúde incorrerá no erro de diagnosti-
24
car como depressão e iniciar um tratamento que, talvez, com a
indicação de um novo trabalho ou com o encontro de um novo
amor tudo já estaria resolvido. Entretanto, as coisas não são tão
simples assim e, mesmo nesses casos, há benefícios neste perí-
odo anterior à análise, propriamente dita. Estes primeiros mo-
mentos é a fase de conhecer o paciente, de investigar o histórico
da queixa, de questionar sobre sua vida de uma forma geral, de
saber sobre o uso de medicações que podem confundir, (isso é
um tanto quanto comum nos dias de hoje) simulando sintomas,
ou seja, é um tempo para que o paciente se dê conta de que sua
vida importa.
Essa terapia de teste ou, melhor dizendo, as entrevistas
preliminares ao tratamento não servem apenas para fins diag-
nósticos, mas, antes, servem para o estabelecimento de uma
transferência a partir da criação de uma demanda de análi-
se. Freud (1913) e Lacan (1958) em relação à direção do trata-
mento nos atentam para o fato de que devemos nos utilizar
das mais variadas estratégias para que o analisante continue
falando, para que a associação livre de ideias se produza e
dessa forma seja possível verificar se há ou não outra cena
que determine as escolhas, a vida e o sofrimento do qual o
paciente se queixa.
É muito comum acontecer que alguns pacientes resolvam
em pouquíssimo tempo algum problema pontual que tragam
como queixa. Isso pode fazer com que o tratamento nem come-
ce e eles vão embora mas também pode apontar alguma coisa
que aparece, quase que como consequência da dissolução da-
quele problema pontual.
Voltando ao exemplo da depressão, pode ser que uma das
queixas do paciente seja então que ele não saia da cama, não
tome banho, não coma, não consiga trabalhar e que, depois de
25
um curto período de tempo, ainda nas entrevistas preliminares,
ele comece a fazer tudo isso e se dê conta que algo insiste. Resol-
ver a queixa não é o mesmo que resolver o problema. Tirar a dor
não é tirar a cárie, usando a analogia com o tratamento dentário.
Reduzir a depressão a um conjunto de fenômenos observáveis e
pensar a cura ou o tratamento como a extinção dos fenômenos
é como acreditar que a água é potável somente por que não se
enxerga mais os germes e metais pesados presentes nela.
Algo insiste.
Farei aqui um recorte clínico que irá ilustrar muito bem
essa situação. {Paciente homem, cerca de 30 anos, depois de
uma série de namoradas e casos com outros homens, que não
deram certo, resolve procurar uma mulher que ele possa dizer
que é sua cara metade e estabelece que, com essa, não haverá
mais traição e ele não irá implicar mais com qualquer coisa, afi-
nal de contas, ela será a mulher com quem ele irá se casar, ter
filhos e construir uma família. Ele a encontra, coisa do destino,
começam a se relacionar e, passado um tempo, ele encontra-se
novamente na mesma situação. Por que este homem nos procu-
ra? Ele poderia resolver esse problema se controlando? Toman-
do uma medicação que diminuísse sua libido? Resolveria algo
do que lhe falta e que ele ainda não se deu conta do que é, com
uma readequação comportamental ou moral? Pode ser que em
alguns casos sim, mas este não é o caso de todos.
Foi a partir de perceber que nenhuma mulher ou nenhum
homem poderia ser aquilo que ele esperava que fosse, que foi
possível iniciar uma análise. Há aí uma coisa que se repete para
além da vontade, para além dos treinamentos, para além dos
tratamentos já ofertados e que ele mesmo já tinha tentado, tam-
bém o analista não oferece ao paciente um resultado no sentido
de que ele será aquilo que ele espera, o que ofertamos é o espaço
26
para que ele fale. Nesse falar sobre si, sobre sua vida, sobre sua
história, um dizer vai se construindo e as queixas vão sendo
dissolvidas uma a uma, até que algo apareça e, somente então,
podemos dizer que estamos em um tratamento psicanalítico.
Já pelo lado do analista, Freud (1937) nos orienta em
Construções em análise que “Como se sabe, o objetivo do traba-
lho analítico é fazer com que o paciente volte a suspender os re-
calques” (p. 366). O que isso quer dizer? Via de regra, o objetivo
de uma análise é a suspensão do recalque, ou seja, que o pacien-
te, ao dizer, identifique no dizer algo a mais do que ele mesmo
gostaria ou pensou ter dito. Encontramos no mesmo texto de
Freud alguns exemplos disso, mas podemos usar a experiência
na clínica para exemplificarmos.
Quando um paciente diz uma coisa e o analista intervém
e logo depois de alguns segundos o paciente tenta remediar di-
zendo “eu não queria dizer isso”, remete-nos a uma série de
conceitos que estão na base do tratamento psicanalítico. Primei-
ro que o Eu tenta de todas as formas possíveis manter algumas
coisas longe da consciência. Segundo que o que está na condi-
ção de suprimido tenta mostrar-se. O Eu do paciente é obriga-
do a reconhecer isso que disse, mesmo a contragosto. Em um
texto sobre a negação, de 1925, Freud demonstra que em alguns
momentos o que estava recalcado pode ser dito de forma su-
portável pelo paciente. Devo advertir que nem tudo que é ne-
gado em análise deva ser tomado como efeito do recalque. Em
1937 Freud se atentou a corrigir essa “imprecisão” teórica que
muitos tinham e pela qual a Psicanálise era criticada. Há que
saber então que no “Eu não queria dizer isso” o que temos aí
é algo de uma verdade. O Eu não queria dizer isso, mas o que
ou quem quis? Ou melhor dizendo, o que escapou e o Eu teve
que se rearranjar para dar conta do dito? Ora, algo da ordem
27
do inconsciente. O analista e o analisante somente irão saber
se estão diante de algo da ordem do inconsciente quando, na
fala do paciente e, no decorrer do tempo, aquilo for confirmado
com algum efeito na vida do paciente, podendo ser algo da or-
dem de um efeito terapêutico, mas o que visamos a rigor é o ato
analítico, o efeito analítico que denuncia que no dizer há muito
mais do que se acredita estar falando.
Para Lacan, uma análise se diferencia de uma psicoterapia
na medida em que esta tem um objeto, uma ética e um método
muito distintos e, talvez o mais importante, o que é esperado
como finalidade de uma análise. A este respeito, Lacan (1964)
em seu texto Do trieb de Freud e do desejo do Psicanalista nos dá
uma direção afirmando: “Então, qual a finalidade da análise,
para além da terapêutica? Impossível não a distinguir desta
quando se trata de produzir um analista.” (Lacan, 1964, p. 868).
Que a análise produza um analista, é para isso que trabalhamos,
esse é o objetivo final de uma análise, segundo a orientação la-
caniana.
Sobre esta questão do objetivo da análise, trabalharemos
no último capítulo a respeito da formação do analista de uma
forma mais pormenorizada. Para este momento, é suficiente
que nos atentemos que por alguma razão existe muita confu-
são em nosso próprio campo no que concerne à teoria e talvez,
também, à ânsia de responder a um imperativo mercadológico
que determina que todos devem fazer análise, gozarem, serem
felizes, a melhor versão de si mesmos, etc. e que o analista tem
a obrigação de levar as pessoas a alcançarem isso tudo, bom, o
que vemos nos dias de hoje é uma confusão com relação à quei-
xa, à demanda, à formação do analista e aos objetivos e finalida-
de de uma análise propriamente dita.
Retomando a questão da depressão, muitos que se colo-
28
cam para receber outros em seu consultório tendem a escor-
regar justamente quando tomam a depressão como objeto de
trabalho, esquecendo-se que uma análise não serve para isso,
embora o paciente, uma vez que se submete a uma análise, pos-
sa sim ser curado de uma depressão, não por que a cura para
esse mal fosse o objetivo, mas por que no percurso de uma aná-
lise foi possível alguns ganhos secundários, alguns efeitos que
são verificáveis no transcorrer do tratamento. Agora, o trata-
mento em si mesmo é uma operação que, do começo ao fim visa
o Sujeito do inconsciente.
Tomemos então que, nas primeiras sessões, alguém che-
ga com a queixa de uma depressão, demandando um trata-
mento, seja lá qual for. Esta pessoa será convidada a falar tudo
o que lhe ocorre, sobre sua vida, sua história, suas relações,
seu sofrimento e sobre isso que lhe disseram se tratar de uma
depressão. Ao escutar o paciente, vamos colocando as regras
do jogo e verificando se existe alguma possibilidade do enca-
minhamento a uma Psicanálise. Enquanto conversamos com o
paciente, nossas intervenções tendem a ser aquilo que fará com
que o paciente irá ou não se dar conta de que há algo sendo dito
e que lhe escapa às palavras, ou ainda, de que existe alguma
coisa entre o querer dizer e o que fora dito que encobre uma
verdade, que ofusca a causa de seu mal-estar. Para usar uma
analogia, é como se o próprio paciente fosse, sem se dar conta,
abrindo um mapa em que fosse pouco a pouco revelando com
o que estamos lidando.
O analista deve identificar se o que chega como sintoma
de depressão é da ordem de uma inibição, de um sintoma, ou
apenas de um traço de identificação que permite a esta pessoa
existir na relação com um outro. Com a escuta, não estamos ou-
vindo somente a história contada, mas estamos tentando cons-
29
truir o mapa e, com isso, verificar o que se endereça ao analista
como uma demanda muito específica e que será, do começo ao
fim, aquilo em que iremos trabalhar primeiro para aparecer, de-
pois para fazer des-ser. A rigor, um significante qualquer que
represente o sujeito para outro significante (analista). Segundo
Lacan (1967), o analista encarna esse significante qualquer.
Se tomarmos que o sujeito do inconsciente pode ser re-
presentado por um significante em relação a outro significante
(Lacan seminário XI), nossa escuta tende a ser direcionada para
o que se produz na relação com o analista e que, cada vez mais,
estou seguro de se tratar do que Freud em A dinâmica da trans-
ferência nos permitiu já, muito antes de Lacan, entrever, quando
afirmou que as pessoas se aproximam do médico com expecta-
tivas libidinais insatisfeitas.
O analista trabalha com o sujeito do inconsciente, não tra-
balha com a pessoa, não trabalha com o indivíduo, não trabalha
com a patologia, não trabalha com o diagnóstico. É preciso, an-
tes de qualquer coisa, que o paciente se coloque a falar tudo que
lhe vier à cabeça. E é esse o ponto fundamental, o analista que
vai, a partir de suas intervenções, fazer com que o analisante
entre no jogo e respeite as regras. Não há análise se não houver
analista. Não há dispositivo clínico sem que a regra fundamen-
tal seja não apenas citada mas também seguida com o máximo
de rigor possível.1
Sobre a regra fundamental da Psicanálise que comumente
escutamos como sendo a de “falar tudo o que vier à cabeça”, é
necessário fazer algumas correções com relação a esse imperati-
vo que não é o mesmo que fazer associação livre de ideias.
Você pode falar o que você quiser no bar, bêbado, numa
1 Aqui sabemos o quão árduo é esse trabalho por parte do analista e também
do analisante. Em último aspecto, dizer TUDO O QUE VIER À CABEÇA ASSO-
CIANDO LIVREMENTE só é possível ou nos sonhos ou na psicose.

30
briga, falar livremente, isso não é associação livre de ideias, in-
clusive, o que chamamos de regra fundamental em Psicanálise e
nem a análise, é algo natural no homem, ambas são experiências
artificiais. Geralmente, o que se vê na clínica, que é um exemplo
da associação livre de ideias, é quando o paciente vai falar algu-
ma coisa e de repente entra outra coisa no meio, alguma coisa
se rompe, alguma coisa atravessa e o que a gente faz geralmen-
te no nosso dia-a-dia? Simplesmente deixa isso pra lá, mas o
analista pega o que o paciente fala e pergunta: “o que tem a ver
isso?” – Nada não. “Pode ser que não seja nada, mas e se for,
isso te lembra alguma coisa?” Ou então: “ah, que interessante,
parece que você respondeu o que você trouxe de pergunta no
início da sessão”.2
Ainda sobre as primeiras sessões, é necessário falar um
pouquinho a respeito do acolher com o silêncio do analista. É
esperado que se produza no paciente uma fala, precisamos mais
do que abrir esse espaço para a fala e, posteriormente, a escuta
de um acolhimento com nosso silêncio. O silêncio do analista
é, dentre outras estratégias, aquilo que permite que o paciente
possa se escutar.
O silêncio do analista não é o mesmo que dizer qualquer
coisa ou ficar com a boca cerrada. Freud e Lacan já haviam rom-
pido com essa ideia. Esse estereótipo é muito mais uma leitura
equivocada do que de fato seja uma postura do analista. Que o
analista fale quando é conveniente é o que podemos esperar de
alguém que ocupa essa função.
Um ponto decisivo nas análises é que silenciar-se tem

2 Esta parte é mais inteligível para quem já leu “A negação” e “A repressão” de


Freud, contudo, basta que se compreenda que a negação não é sinal de que houve
uma associação com alguma representação reprimida e que, associar livremente
pode produzir o efeito de negação do que apareceu na consciência.

31
mais a ver com intervir para que o paciente se escute do que fi-
car calado. Essa abertura que se dá ao paciente não é sustentada
pelo silêncio no sentido de não dizer nada, mas do silêncio que
convida o paciente a falar. Em nossas vidas estamos cercados de
pessoas e, no entanto, temos aquele sentimento de que quando
falamos, falamos ao vazio. Em uma análise, o efeito deve ser o
oposto. O silêncio do analista, ou seja, o analista que silencia
suas ideias, seus ideais e suas vontades – para ainda não aden-
trarmos na dimensão do desejo e de sua função – fala para que o
analisante não apenas continue a narrar uma história, mas para
que ele se perceba como narrador e construtor, para que ele se
implique com aquilo que diz e, em especial, com os efeitos do
dizer sobre seu ser.
Nas primeiras sessões, o analista tem que estar muito
atento a um problema típico no começo do trabalho. O dizer
enquanto analista deve se orientar para que o paciente se dê
conta de sua fala e não para que ele se dê conta do que a gente
pensa enquanto pessoa, enquanto alguém. Na melhor das hipó-
teses quando isso acontece, o paciente desconsidera e procura
outro analista que o escute. Na pior das hipóteses, toma a fala
do analista como verdade absoluta, transformando aquelas ses-
sões que deveriam estar orientadas para uma análise em uma
psicoterapia. O terapeuta aqui, perde a oportunidade de ocupar
um lugar privilegiado e repete com o paciente as relações de po-
der em que um sabe mais sobre o outro e vai incidir sobre este
outro que fala e que sofre uma série de “como fazer” e “o que
fazer”. Neste sentido, podemos dizer que o paciente encontrou
mais um para sustentar seu sofrimento pois, ao escutar da boca
de outro as respostas, continua ignorando que a verdade de seu
sofrimento habita nele de forma recalcada e só há acesso a ela na
medida em que ele mesmo se põe em questão.
32
Do Lugar de Objeto e do Começo da Análise

Quando lecionava nas universidades, de uma forma ge-


ral, na graduação, e os alunos iniciavam o estágio clínico, eu fa-
lava a eles que só seria possível que tivessem um pouquinho da
experiência do que seria um tratamento psicanalítico, quando
não tivessem que atender para cumprir a carga horária no curso
de graduação.
Outro ponto é quanto ao pagamento das sessões. Isto é
algo muito delicado. Só conseguimos sustentar um trabalho
analítico digno deste nome, quando estamos dispostos a passar
fome em nome de nosso trabalho. Parece que algo nessa afirma-
ção não está muito correto, mas vou me utilizar de um poema
de Bukowsky para ilustrar melhor a questão:

if you’re going to try, go all the


way.
otherwise, don’t even start.

if you’re going to try, go all the


way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.

go all the way.


it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
33
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else
you can imagine.

if you’re going to try,


go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.

do it, do it, do it.


do it.

all the way


all the way.

you will ride life straight to


perfect laughter, its
the only good fight
there is.

“Roll the Dice” by Charles Bukowski


from What Matters Most Is How Well You Walk
Through The Fire.

34
Tomei a liberdade de repensar a questão através da poesia
de Bukowsky pois ela nos mostra uma vertente do desejo que
devemos apreender no percurso de uma análise. Lacan (1967)
em sua proposição nos demonstra isso de várias maneiras, mas
que apontam para a mesma problemática. O analista só pode
existir na condição de objeto e não na condição de ser, ou de
alguém, ou de uma pessoa que tem contas para pagar. Isso tudo
tem a ver com a ética da Psicanálise e, talvez, eis um dos pro-
blemas da Psicanálise enquanto uma “graduação” não se pode
nem ser analista e nem ir ao divã só para cumprir tabela.
Em Nota Italiana temos uma frase de Lacan que me mar-
cou demasiadamente no meu percurso de formação num mo-
mento em que eu fazia o cartel sobre a formação de analista.
“Autorizar-se não é auto-ri-(tuali)zar-se.” (p. 312). Neste texto,
vemos logo abaixo desta afirmação que somente a análise não
é suficiente para que, mesmo que se tenha produzido um ana-
lista, ocupar este lugar demanda outras coisas que complemen-
tam a formação.
Retornando ao nosso ponto sobre o analista no lugar de
objeto, há aqui muito conteúdo denso para trabalharmos, o que
não é a proposta deste livro. No entanto, podemos avançar um
pouco e afirmar que só é possível ter uma experiência do que é
a Psicanálise na medida em que o paciente não é tomado como
objeto pelo analista e, que, o analista, consegue se sustentar en-
quanto objeto causa do dispositivo clínico inventado por Freud.
Esta prorrogativa vai na contramão de uma série de insti-
tuições que “formam” psicanalistas, embasadas apenas em nú-
meros de atendimentos, colocando um número x de pacientes
a serem atendidos, ou um número x de horas de “análise pes-
soal”, como requisito de formação. Notem como, em nome de
uma suposta “formação” temos uma inversão grave nos lugares
35
que deveriam ocupar o paciente e o analista nas primeiras ses-
sões.
Mas qual a ética e em que se baseiam estas instituições
quando, na verdade, não encontramos em nenhum texto clás-
sico ou documento das instituições sérias um número x ou um
número mínimo de sessões para que alguém se torne psicana-
lista? Onde está escrito em Freud, em Lacan? Não tem que aten-
der ninguém para ser psicanalista, muito pelo contrário, tem
que fazer análise, levar até as últimas consequências e conseguir
sustentar, na hora que receber alguém, esse lugar de objeto, não
de sujeito. Aí a poesia de Bukowsky nos ajuda a interpretar a
teoria lacaniana.
Então, a ideia é essa, até que ponto nós, enquanto analis-
tas, estamos tomando o nosso paciente como objeto? E no co-
meço da clínica é muito difícil fazer isso, parece que a análise
só é possível de se dar nos momentos em que, o analista em
formação, consegue com sua intervenção fazer um giro e se co-
locar no lugar de objeto causa de alguma coisa3. E o que, na
grande maioria das vezes, a gente vê é essa fixação em que: “Eu
estou com cinco pacientes e tenho a conta do carro para pagar,
por que eu fui comprar o carro? Eu estou com consultório para
pagar, por que eu aluguei o consultório, se hoje é tudo on-line?
Eu tenho que comprar ovo porque o bife está caro. Eu não devia
ter comido um lanche.” Em suma, devemos ter cuidado com
estas questões pois o analista também tem que comer, pagar

3 Neste ponto estou me referindo aos quatro discursos de Lacan. Não me parece
apropriado colocar este material aqui neste capítulo, mas existem muitos textos
que podem orientar a esse respeito. No momento inicial de quem quer praticar
a Psicanálise a supervisão ajuda muito aqui. Intervir para que o paciente possa,
ao experimentar do dizer, revelando-se dividido, fazer a entrada em análise que
pode se dar de uma só vez ou aos poucos. O que quero registrar aqui é que para
que haja análise é preciso que o analista intervenha no lugar de objeto “a” causan-
do a divisão subjetiva e ordenando o discurso de forma a montar o discurso da
histérica. A isto damos o nome de histericização do discurso.

36
suas contas, isso tudo será retomado a partir do capítulo 3. A
ideia aqui é acolher as tensões intrínsecas a nosso ofício desde
os primeiros atendimentos clínicos, mostrando que é possível
uma análise quando e somente quando há um analista.
Retomando uma das questões propostas por Lacan (1967)
na proposição, um dos pontos a que uma análise deve nos levar
é a do “des-ser”. No entanto, essa ideia, do des-ser, pode ser
compreendida de forma equivocada se não nos atentarmos que
o ser do qual pretendemos nos livrar é aquele produzido pela
predicação do sujeito. Lacan, no seminário 20, afirmou que
“O ser é exatamente o que sustenta todo o dis-
curso, que carrega o discurso, na medida em que
o discurso é o que se produz nas bordas do bu-
raco que ele constitui. O ser é, pois, ao mesmo
tempo, aquilo que está antes do discurso, que
carrega o discurso e que está depois, no fim de
todo discurso, seu ponto de convergência, seu
limite.” p. 64 (versão da Escola Letra Freudiana).

Ora, se o analista está ainda apenso ao ser, no sentido de


um sujeito que se confunde com um predicado, significando
quem ele é a partir de uma série de predicados que ele colou em
si e que agora chama de Eu, ele não poderá ocupar o lugar de
objeto que é justamente isso que aparece como um significante
vazio na relação com o paciente e que causa sua divisão, fazen-
do surgir o sujeito do inconsciente. Esse esquema será trabalha-
do mais à frente quando falarmos da formação do analista.
A questão aqui é o seguinte: até que ponto o analista con-
segue se desvencilhar de si mesmo para escutar o outro? Haja
análise para isso. Então, nas primeiras sessões de análise, o mais
importante é levar a análise o mais longe possível, chegando
àquele des-ser em que Lacan (1967) escreveu como “a passagem
de analisante a analista” (p. 259) que se dá na medida em que
37
“o sujeito vê soçobrar a segurança que extraía da fantasia em
que se constitui, para cada um, sua janela para o real, o que se
percebe é que a apreensão do desejo não é outra senão a de um
des-ser.” (p. 259).
Continua Lacan
“Nesse des-ser revela-se o inessencial do sujeito
suposto saber, donde o futuro psicanalista entre-
ga-se ao agalma da essência do desejo, disposto
a pagar por ele em se reduzindo, ele e seu nome,
ao significante qualquer.” (p. 259).

O que temos então como analista é antes de mais nada


alguém que pagou o preço, que foi até o fim da análise, ou seja,
que viveu na carne a sua finalidade que, segundo Lacan, é a
produção do analista que passou pela experiência radical de
des-ser.
Seguindo esta lógica, só consegue sustentar uma análise
quem levou sua análise até um determinado ponto mínimo, po-
demos dizer, dessa dobradiça que Lacan vai chamar de passa-
gem de analisante à analista da própria experiência.
Nas primeiras sessões, o que mais conta é: Primeiro, que
você tenha certeza absoluta de que pouco importa se este pa-
ciente volta ou não volta. E eis o segredo, não estamos lidando
com pessoas, mas com o desejo de analista de que haja análise.
E se quer realmente se enveredar no caminho da Psica-
nálise, quer começar a atender, primeiro análise pessoal, isso é
imprescindível, durante... não é datado, não são 30 sessões, 50
sessões, 100 sessões, isso é balela, isso não garante nada, pelo
contrário, só põe pressão na cabeça das pessoas. Como vimos,
não se trata de um número, mas de um efeito do percurso. De-
pois, ao receber alguém, convide-o a falar, neste falar, que se
atente a dizer somente o que for necessário para que o paciente
38
comece a se escutar. Ao fim, o convite para retornar em um ou-
tro dia, na outra semana, dependendo do caso e da gravidade,
por que não, amanhã mesmo.
Nem todos voltam. Me deem uma prática no campo da
saúde que seja 100% eficaz, ou 80% que seja, algum tratamento
que de 100 pessoas, 90 pessoas saem absolutamente curadas,
todas iguais, sem resquícios, bem, não vão ter mais dor. Em
conversa com uma colega ortodontista, eu disse: “Psicanálise
é igual cárie, não é porque você curou uma vez que você não
tenha uma nova, mas vai ser outra cárie. Ela falou: é Marco, exa-
tamente, é bem por aí, vai ser outra cárie, em outro momento,
em outro tempo”.
Termino este capítulo sobre as primeiras sessões, partin-
do da premissa que a Psicanálise inaugura para o paciente um
outro tempo e, talvez isso soe estranho agora, irei retomar a isso
depois, o tempo em que se entra em análise e passa-se da posi-
ção de paciente para analisante, ou ainda, da posição de quei-
xante para demandante, não sem a presença do analista que se
atualiza em transferência como um significante qualquer que
permite que a análise se produza.

39
CAPÍTULO 02

O MÉTODO CLÍNICO

Enquanto analistas, temos que entender que


não é todo mundo que quer se livrar desta par-
te podre que a gente carrega, achando que está
expiando algum pecado. Ou desta forma de ser
que ajuda a pessoa a ter justificativas para ela
continuar sendo o doente mental que ela é. (LEI-
TE, 2022)

Adendo Sobre a Problemática da Técnica em Nosso


Campo

Neste capítulo, pretendo abordar alguns elementos do


percurso inicial de uma análise. Desde as entrevistas prelimina-
res articuladas com diagnóstico até a entrada em análise, pro-
priamente dita. Vamos percorrer um caminho mais no sentido
de um ensaio, tendo como base os escritos sobre a técnica de
Freud e alguns textos de Lacan como uma espécie de norte.
Em meu livro “Psicanálise nas redes” (Leite, 2022) há uma
série de pequenos textos que tocam na questão da entrada em
análise e, em sua grande maioria, trazem a entrada em análise
neste imbricamento entre diagnóstico e entrevistas prelimina-
res.
Muita coisa teórica já foi produzida sobre isso, Quinet
(1991) foi um dos autores responsáveis, em meu tempo de gra-
duação, a trazer aos aspirantes a psicanalistas uma leitura mais
40
próxima e atual das condições necessárias para que uma análise
possa acontecer. Ao escrever sobre as entrevistas preliminares,
Quinet (1991) traz a ideia de três funções das entrevistas preli-
minares: função sintomal, função diagnóstica e função transfe-
rencial.
Quinet vai nos orientando sobre a entrada em análise na
medida em que se verificam as condições de possibilidade para
que uma análise se inicie.
Outro analista que trabalha com estas questões por uma
outra via, não menos importante e, a meu ver, talvez mais inte-
ressante, é Isidoro Vegh em seus livros que versam sobre a cura
em Psicanálise. Para Vegh em Os discursos e a cura a entrada em
análise deve se dar a partir de uma construção lógica que se
verifica a partir dos quatro discursos engendrados por Lacan a
partir do seminário 19.
Segundo Vegh (2001) “A análise começa com uma de suas
condições: requer que no começo o analisante se encontre divi-
dido entre o que diz e o que sabe do que diz” (p. 142). É como se
conseguíssemos, por nossas intervenções, revelar não o sentido,
mas o sem sentido da explicação dada para aquilo que o pacien-
te nos apresenta. Este momento que se espera produzir nas en-
trevistas preliminares, o que nem sempre acontece, e não acon-
tecendo, não há a possibilidade da análise, a ele chamamos de
histericização do discurso. A entrada em análise, a nomeação de
um paciente em analisante se dá apenas quando isso acontece.
Marco Antônio Coutinho Jorge (2017) nos remete a Freud
em seu livro Fundamentos da Psicanálise de Freud a Lacan, em es-
pecial no volume 3, quando afirma que, para Freud, o início de
uma análise deve se dar “pela entronização (que deve ser feita
desde o início) da regra fundamental da Psicanálise, a associa-
ção livre...” (p. 87). Este livro é o terceiro de uma série que versa
41
sobre a Psicanálise, seus conceitos, sua técnica e seus efeitos e
que considero importantes em nosso tempo.
O que está em jogo aqui, em especial neste capítulo, é jus-
tamente podermos pensar que a entrada em análise, antes de
obedecer a um padrão diretivo e muito bem determinado, pode
ser por algumas vias que encontram sustentação na teoria. Po-
deria compor neste começo de capítulo ainda mais autores que
abordam a temática e que nos trazem um pouco do como fazer
que se depreende da prática e do estilo de cada um, quando
atravessado pela teoria e por sua história pessoal de análise, es-
tudos e laços com os pares.
Em Psicanálise Lacaniana, Leite (2000) traz um capítulo in-
teiro sobre as entrevistas preliminares e a entrada em análise.
Logo no começo uma posição um tanto quanto interessante que
nos orienta para um fato: “Uma análise nem sempre existe de
entrada, ela apenas existirá a partir da instauração do discurso
analítico, que nunca é anterior ao encontro com o analista, mas
a transferência pode ser.” (p. 203). Ora, qual é o fato? Simples,
uma análise deve ser produzida e não é possível uma análise
sem um analista.
No mesmo capítulo, Leite (2000) traz um trecho de Romeu
e Julieta para comparar a Psicanálise às psicoterapias e outras
práticas. Pouco importa o nome que se dê, o que importa é o
fazer e os efeitos deste fazer. Se alguém se diz psicanalista e
orienta o paciente dizendo a ele o que fazer ou não fazer a partir
de sua moral, de seus desejos, de sua história, de seu saber, isso
não é uma Psicanálise, embora possa ser chamada assim por
quem a venda como tal. Agora, quando invertemos a coisa, to-
camos no âmago das primeiras sessões com quem nos procura.
Os pacientes que nos procuram para fazer uma terapia, uma
psicoterapia, ou qualquer outra coisa, o que ofertamos a eles?
42
Como dirigimos o trabalho? Qual a posição que ocupamos?
A resposta a essas questões podem ou não configurar o trata-
mento ofertado como uma Psicanálise ou outra coisa. Notem
que uma rosa, se não se chamasse rosa, teria o mesmo perfume
como disse Romeu à Julieta. Podemos saber se é ou não análise
pelo cheiro, digo isso de forma metafórica.
Mais à frente no mesmo capítulo, Leite (2000)
escreveu: “Entre os leitores de Lacan, notam-se
grandes divergências em relação ao estilo de
cada um quanto à forma de se conduzir peran-
te a clínica – o que, muitas vezes, revela atitu-
des até mesmo paradoxais...” (p. 204).

Isso tudo não implica em dizer que há na Psicanálise, em


especial de orientação lacaniana, um oba-oba no sentido de que
qualquer um faz o que bem entender. É precisamente o contrário
disso, é necessário “que o analista sustente sua posição” (p. 204).
Sustentar sua posição não se trata apenas de um pensa-
mento de posição teórica que irá ser a referência do fazer clínico,
mas também a posição de analista, o lugar que ocupamos na
relação com o analisante e que nos permite chamar uma prática
de Psicanálise. Esta imbricação entre a prática e a teoria fez com
que Lacan, em alguns momentos, nomeasse a Psicanálise como
uma práxis.
O próprio termo práxis pode ter muitos sentidos, então,
acho por bem retomar o termo onde ele aparece no texto de La-
can, mais precisamente em seu seminário de 1964 onde versa
sobre os quatro conceitos fundamentais. Ali, Lacan interroga
seu público: “O que é uma práxis?” (p. 14). Tenham em mente
que o sentido que Lacan dará para esse termo é diferente do que
encontramos em Aristóteles, em Marx e também nos dicioná-
rios de hoje em dia.
43
Lacan (1964) define a Psicanálise como uma práxis e sus-
tenta que uma práxis é, a seu modo, “o termo mais amplo para
designar uma ação realizada pelo homem, qualquer que seja,
que põe em condição de tratar o Real pelo Simbólico” (p. 14). É
preciso compreender que o que Lacan chama de Real e de Sim-
bólico são conceitos que durante toda sua obra foram tratados
e elaborados de forma a articular com o Imaginário uma teoria
que dê conta da realidade, do humano e, principalmente que
permita uma clínica psicanalítica para o tratamento do sujeito.
Mais do que apontar um caminho unívoco sobre o mé-
todo psicanalítico, proponho com esta abertura que os leitores
estejam advertidos e atentos de que a Psicanálise não é uma ci-
ência em que a metodologia seja passível de uma única leitura
tal qual nos propomos com a matemática quando, ao apreen-
dermos os conceitos básicos, conseguimos, em qualquer parte
do mundo, resolver uma equação, por exemplo: 2 + 2 = x.
Ao citar Quinet, Vegh, Jorge e Leite, o que pretendo com
isso é demonstrar como é possível pensar a questão do que é a
Psicanálise, sua entrada, os primeiros momentos, seu percur-
so e seu fim, não como uma experiência em que seja possível
um passo a passo metodológico muito bem estruturado que dê
conta de todas as Psicanálises. Tampouco quero, ao apontar as
diferentes leituras, incentivar uma percepção de que a Psicaná-
lise seria algo como uma experiência a ser articulada a partir do
achismo de cada um. Justamente, as diversas modalidades de
formalizar a Psicanálise, desde Freud, passando pelos quatro
discursos engendrados por Lacan até sua última proposta com
o nó borromeano nos afastam dessa possibilidade de que a Psi-
canálise seria uma espécie de método intuitivo.
Para resolver esse problema, pretendo que o leitor com-
preenda que a Psicanálise pode ser vista como um caleidoscó-
44
pio que permite algumas – não todas – possibilidades e também
algumas maneiras de clinicar, mas que dependem necessaria-
mente da teoria para que isso possa acontecer.
Em A Ciência e a Verdade, Lacan afirma que: “Por nossa po-
sição de sujeito, somos sempre responsáveis” (p. 873). Muitos se
utilizam desta afirmação de Lacan sem retomar todo o contexto
do parágrafo e, mais ainda, do texto em que está inserido. O que
Lacan estava fazendo em 1966 ao abrir o seminário sobre “O
objeto da Psicanálise” era afirmar categoricamente que, primei-
ro, a Psicanálise é uma ciência e não uma religião, reiterando o
que havia trabalhado um ano antes em 1964, bem no início de
seu seminário sobre os quatro conceitos fundamentais. E, talvez
o mais importante, que nós, psicanalistas, somos responsáveis
por nossa prática e, ao mesmo tempo, se me permitem a metáfo-
ra, reféns da teoria que orienta nosso fazer clínico. A prática do
psicanalista depende necessariamente da teoria, e, se pensamos
a Psicanálise como uma operação sobre o sujeito, deveríamos
sustentar minimamente de que sujeito estamos falando para,
somente depois, nos colocarmos como analistas a receber ou-
tros em nossos consultórios.
Certa vez atendi a um cirurgião plástico que me disse que
sua técnica era perfeita, e que estava extremamente angustiado
porque uma paciente sua queria processá-lo por não ter tido o
resultado que ela esperava. Ela estava na consulta com sua mãe
e o médico mediu os seios da paciente dizendo que estavam
perfeitos, a quantidade acordada de silicone, o aspecto, estava
tudo de acordo com aquilo que a medicina podia propiciar. Eis
que ele escuta da boca da mãe que estava ótimo, que os seios
estavam lindos, e a paciente diz em alto e bom tom: “não estão
perfeitos como eu imaginava”.
Esse recorte clínico presta aqui para que retomemos um
45
ponto antes de entrarmos no método clínico propriamente dito.
Uma coisa é o ideal, outra coisa é aquilo que é possível.
Lacan (1956) já nos atentava para uma Psicanálise pratica-
da e ensinada muito mais como uma mística em que os aspiran-
tes a psicanalistas ficavam à mercê do seu “analista didata” que
orientava a prática de cada um muito mais a partir do que fazia
do que a partir de uma formulação teórica que fosse possível
não um ideal, mas uma certa espécie de convenção mínima que
pudéssemos dizer que uma prática seria ou não uma Psicanálise.
Em Variantes do tratamento padrão Lacan (1955) retoma
a questão que fora trabalhada por ele em 1953 na ocasião de
escrever para a Enciclopédia médico-cirúrgica. Faz-se necessário
compreender que o texto, anterior ao de 1956, traz como que
uma crítica de maneira geral dirigida aos psicanalistas, mas en-
dereçado para fora da comunidade analítica. O texto de 1956
denominado A situação da Psicanálise... foi escrito e endereçado
para a comunidade psicanalítica em razão do centenário do
nascimento de Freud. No entanto, em ambos os textos, a mesma
crítica se impõe.
Os analistas didatas e as instituições psicanalíticas não
estavam de acordo sequer sobre o que era a Psicanálise e seu
método nesta época. A esse respeito Lacan (1955), citando Glo-
ver (1954) nos demonstra explicitamente na página 329 de seus
Escritos que dentro da sociedade psicanalítica havia diversos
grupos que tentavam “manter a aparência de uma frente unida
perante o público científico e psicológico, é evidente que, sob
certos aspectos fundamentais, as técnicas praticadas pelos gru-
pos opostos são tão diferentes quanto a água e o vinho.” (p. 329).
Seguindo mais adiante Lacan irá afirmar que
“a condição do mal-entendido que assinalamos
entravar a Psicanálise no caminho de seu reco-

46
nhecimento revela-se, pois, reforçada por um
desconhecimento que é interno a seu próprio
movimento” (Lacan, 1955 p. 331).

Para prosseguir, espero que tenha ficado muito claro a pro-


posta de que independentemente do fazer de cada um, há que
estar muito bem orientado pela teoria e não por sei lá que senti-
mentos ou intuições do que fazer, como fazer ou quando fazer.
Nas páginas seguintes a ideia não é apresentar um seio ideal,
mas um seio bom, uma mãe suficientemente boa para retomar
com alguma ironia conceitos que nos permitem um certo chiste.
Atento ao que fora trabalhado até aqui, espero que você
não acredite em mim e, por obséquio, não me ame a ponto de
não verificar aqui as inconsistências e falhas que todo texto e
todo ensino necessariamente tem. Recorro à abertura que certa
vez ouvi de Eidelsztein em sua aula sobre a formalização da Psi-
canálise pelo Instituto ESPE, não acreditem em mim, não vim
trazer a vocês uma verdade, mas o resultado de anos de estudos
e pesquisas, confiram as fontes, leiam, pesquisem a partir das
referências aqui citadas e, se possível, de outras, a Psicanálise
carece desse tipo de profissional.

As Primeiras Sessões: Tempo de Ver

Ao receber um paciente novo na clínica, as coordenadas


nunca estão muito bem estabelecidas para quem está começando.
Analistas que querem iniciar na clínica e vieram de clíni-
cas-escolas geralmente passam por uma espécie de desorienta-
ção teórica por não terem tido nas universidades, durante os
estágios, uma prática real do que ocorre na clínica particular de
cada um.
47
A começar pela documentação que devemos ter, dar re-
cibos a cada pagamento, abrir uma empresa para pagar menos
impostos, pagar INSS, ISS, entre outros impostos, tudo isso pas-
sa por uma questão importante e burocrática que é de fácil com-
preensão e aprendizado. Para essas questões burocráticas e, de
certa forma, prática, sempre sugiro que o psi procure contador
competente para auxiliar nesse início. Pode parecer besteira,
mas essa parte é extremamente importante para o profissional
para que fique em acordo com a Lei e tenha os benefícios que
ela pode trazer como o auxílio do INSS, caso tenha que parar de
trabalhar por um tempo.
Agora e sobre as questões práticas do início da psicanálise
propriamente dita? Vamos direto na fonte resgatando os textos
de Freud e posteriormente de Lacan para nos auxiliar a pensar
nossa clínica nos dias de hoje.
Nos artigos sobre a técnica, Freud (1913) nos dá uma de-
monstração do fazer do analista em Recomendações... e isso é
muito importante. Recomendações não diz de regras gerais a se-
rem seguidas à risca. O que aparentemente deveria trazer algu-
ma luz nos lança numa espécie de tentativa de apreender como
o outro faz para mimetizar a partir de uma série de identifica-
ções com outros analistas mais experientes. Esse processo, nem
sempre de todo consciente, tende a não observar com a devida
importância a lógica da teoria que sustenta a prática de cada um
como já vimos nos parágrafos anteriores.
A proposta de Freud (1913), nos artigos sobre a técnica,
pode ser resumida em que o analista, ao receber os pacientes
tentem, no início do tratamento, verificar se é ou não possível
uma análise. O nome para este momento inicial do tratamento
foi denominado de terapia de teste. Aqui, algumas recomenda-
ções importantes são feitas como por exemplo, não tomar notas
48
durante os atendimentos, não tentar focar na história que o pa-
ciente nos conta, não tentar saber se aquilo realmente aconteceu
ou não e, não fazer uma anamnese ou um questionário, pois a
ideia central é permitir que o paciente diga o máximo possível
daquilo que o faz sofrer e que, de alguma forma, o fez pedir
ajuda. O analista intervém para que o paciente continue falando
com questões não de sua curiosidade, mas que revele ao pacien-
te que ali, no que ele disse, talvez haja algo mais a ser dito, haja
um maldito que pode ser bendito no decorrer da análise.
Durante esta espécie de ensaio temos que, nos primeiros en-
contros, ofertamos ao paciente um espaço para que ele fale e, no
decorrer dos encontros vamos verificando sessão após sessão se
uma análise é mesmo necessária ou recomendada naquele caso.
Freud (1913) nos escreve um texto magnífico, simples e
muito coerente com a prática clínica ainda nos dias atuais. A
disposição do analista ao receber os pacientes, principalmente
nas primeiras sessões, passa pela ética da Psicanálise em que
Lacan irá posteriormente trabalhar com afinco ao enunciar que
o analista deve sempre se ocupar de receber cada novo paciente
atentando-se para o caso a caso.
Para Freud (1913), a indicação é muito clara, devemos re-
ceber cada paciente como se nada soubéssemos de outros casos,
deixar nossa atenção fluir sobre a fala do paciente, não tomar
notas, não explicar nada até que a transferência esteja bem es-
tabelecida.
A recomendação de Freud e de Lacan não são divergentes
e nem excludentes. O que Lacan (1960) pensa como a ética da
Psicanálise, se opõe à ética do bem comum, como havia engen-
drado Aristóteles em Ética a Nicômano. Ao avançarmos no tem-
po temos uma série de filósofos que se detiveram a respeito da
ética, como Bentham e Mill, que propunham que a ação do ho-
49
mem deveria propiciar o máximo possível de bem-estar a partir
de uma ética utilitarista. Estes modelos e pressupostos de como
agir e quando agir, de dispositivos inatos ou sociais que asse-
gurariam um bem a todos e, na medida do possível, para todos,
é o oposto do que Freud descobriu em sua prática e que Lacan
sustentou até o fim de sua vida ao enunciar que a Psicanálise é
uma ética, mais precisamente uma ética do desejo. Como afir-
ma Dunker (2016) a ética da psicanálise se distancia inclusive
da moral que pode ser pensada como o con-
junto de regras impostas pela sociedade no
intuito de cercear a subjetividade humana.
Esta questão da ética é justamente a
disposição que o analista deve ter, ao receber
um paciente, de reconhecer que o analista não
sabe o que é bom para o sujeito que irá se produzir a partir das
entrevistas preliminares. O bom, o bem e o belo, como propunha
Aristóteles, segundo Lacan (1960) não o são para todos. Isso im-
plica em dizer que o objeto o qual o ser humano aspira não está
pré-determinado e, rigorosamente falando, sequer pode ser en-
contrado em coisa alguma que a sociedade e a história oferecem.
O bom, para cada um, o belo para cada um e o bem de cada um.
Esta postura inicial no início do tratamento é aquilo que faz uma
cisão nos modelos terapêuticos tradicionais onde haveria um
“padrão” de saúde, ou de bem-estar a ser alcançado a partir de
determinados índices ou daquilo que naquela cultura é esperado.
Ora, se não há um bem, um bom e um belo para todos,
por que deveríamos pensar um mal para todos? O analista, ao
receber cada paciente novo em seu consultório deve reconhecer
que daquilo que o paciente sofre, somente é possível saber pe-
quenos recortes que aparecem na fala de cada um que procura
por ajuda. Vejam que não há um saber prévio.
50
Para exemplificar isso, tomemos as depressões que tem
sido, de alguma maneira, o equivalente da histeria no tempo de
Freud, da paranoia para Lacan e da bipolaridade e borderline
na década de 1990/2000. Podemos afirmar que, de acordo com
os dados alarmantes da OMS, a depressão pode ser o grande
paradigma das psicopatologias contemporâneas.
Dentro de minhas últimas pesquisas tive o privilégio de
encontrar um artigo que, ao procurar um biomarcador que
comprovasse que a depressão é um transtorno mental de ori-
gem orgânica, Kennis, M., Gerritsen, L., van Dalen, M. et al.
(2020), chegaram à conclusão que não existe até o momento ab-
solutamente nenhum indicador que comprovasse essa hipótese.
Já em artigo recente publicado na revista Nature em julho de
2022 com o título The serotonin theory of depression: a systematic
umbrella review of the evidence, os autores chegam a afirmar vee-
mentemente que a depressão não tem relação
direta com a concentração de serotonina no
cérebro. Inclusive, desde a década de 90, esta
tem sido uma das maiores propagandas das
indústrias farmacêuticas que apoiam a cons-
trução e a utilização do DSM.
Se isso não for suficiente, ao acessar o site da Organização
Mundial da Saúde (OMS) veremos que a sua causa é indetermi-
nada. Ora, Freud (1913) em seu artigo A dinâmica da transferência,
em uma nota de rodapé, já nos atentava que o adoecimento não
depende apenas de uma falha ou de um evento no corpo. Freud
(1913) é muito específico ao dizer que o adoecimento depende de
uma predisposição orgânica, histórica e acidental. Curiosamen-
te, essa é a proposta da Epigenética, uma ciência que estuda a
maneira como os genes são “lidos” pelas estruturas celulares e a
partir desta leitura as proteínas são sintetizadas e o corpo, como
51
um todo, passa pelos efeitos desta produção de síntese proteica.
Um acidente, a exposição a determinados químicos, situações
corriqueiras de estresse, muitas são as possibilidades de intera-
ção entre nossa genética e o meio que nos afeta cotidianamente.
Fiz essa volta para que possamos nos abrir um pouco à hi-
pótese de que também aquilo do que nossos pacientes se quei-
xam, por mais que possam ser categorizados como depressão,
jamais será uma mesma patologia. Dunker (2021) trabalha esta
questão de forma muito precisa. Não se trata de uma mesma
entidade para todos os diagnosticados com este mal, mas de vá-
rias depressões que, quando os sintomas são lidos e classifica-
dos por um médico (para dar o exemplo) fecha-se o diagnóstico
com um nome. Ocorre que este nome diz pouco, ou quase nada
sobre a coisa em si mesma. Então, cabe-nos perguntar, como pa-
dronizar o tratamento sabendo que são histórias, vidas, pessoas
tão diferentes? O analista aqui, apoiado pela ética do um a um,
do caso a caso, parece ter certa vantagem frente a outros mode-
los de tratamento no campo da saúde mental como um todo.
Continuando com a questão da ética da Psicanálise, o
bem, o bom e o belo em Aristóteles podem ser vistos como ide-
ais culturais em que o Eu tem como norte para se agarrar a uma
direção que, na grande maioria das vezes, vai na direção oposta
da satisfação pulsional do sujeito do inconsciente. Essa direção,
podemos chamar de um ideal, Eu Ideal, como nos ensina Freud
(1914) em Introdução ao narcisismo, um Eu que se busca ser para
um outro que deseja que ele seja isso. Isso o quê? Isso que falta
ao Outro para sua completude.
Notem que aquilo que falta ao Outro é sempre suposto,
não podendo jamais ser o mesmo para duas pessoas diferentes
pois as histórias, as privações, as frustrações, tudo isso compor-
ta o plano da história que se constrói sobre a questão “o que e
52
como ser para que alguém me ame?” de cada um.
Freud (1913) já nos atentava sobre estas questões quando
afirma que “nem mesmo longas conversas e perguntas” (p. 122)
poderiam substituir o “tratamento de ensaio” (p. 122). O que
Freud denominou de tratamento de ensaio em O início do trata-
mento tem relação direta com o que Lacan chama de entrevistas
preliminares.
Para Freud, o tratamento de ensaio seria, antes de mais
nada, importante para “conhecer o caso e verificar se é adequa-
do à Psicanálise” (p. 122). Outro ponto a que um tratamento de
ensaio se presta é com relação ao diagnóstico. Notem que não
são todos os tipos de sofrimentos que podem ser trabalhados
em análise. Isso sempre foi muito claro dentro de nosso cam-
po. Os analistas clássicos nunca abriram mão disso, embora
em nossos dias alguns charlatães insistam que a Psicanálise é
para todo mundo, isso não se verifica pois nem todas as pessoas
apresentam um sofrimento cuja determinação é inconsciente e é
endereçável a um terceiro.
Estamos aos poucos entrando na questão das entrevistas
preliminares e já verificamos até aqui três funções que se com-
plementam, a primeira é a de verificar se aquele paciente e aquilo
de que ele se queixa é da ordem do tratável pela via da palavra,
é da ordem de um maldizer que pode, com o trabalho, tornar-se
um bem-dizer. A segunda é com relação ao diagnóstico que está
imbricado com a primeira questão. A terceira e, talvez aquilo que
nos permita chamar de uma entrada em análise propriamente
dita, é quando se produz a partir do sofrimento uma demanda
a um outro que está na posição de objeto causa do mal-estar.
Freud nomeou este terceiro momento como “neurose de trans-
ferência”. Podemos dizer que é muito próximo da demanda de
análise em Lacan, mas que, ainda assim não é a mesma coisa.
53
Sobre a Terapia de Ensaio de Freud

O que é um ensaio?
Na língua portuguesa temos ao menos duas definições
possíveis para significar esta palavra. A primeira é com relação
ao que nos parece mais diretamente ligado ao texto de Freud
(1913), um ensaio pode ser um “período probatório” (p. 122)
em que ensaiamos com o paciente os primeiros passos como
em uma peça, em uma dança, em uma apresentação. Temos
também que Ensaio é um ato de ensaiar, pôr à prova, testar as
coisas para verificar o que é possível, treinar, etc.. O período de
ensaio seria então um período predeterminado em que organi-
zaríamos as regras do jogo, o que é esperado do paciente, o que
o paciente pode esperar de nós, os acordos com relação ao tem-
po das sessões, horários, valores, bom, as regras todas seriam
postas e verificaríamos a construção da transferência a partir daí
apostando em tão somente uma única coisa, na fala do paciente.
“Quer se pretenda agente de cura, de formação
ou de sondagem, a Psicanálise dispõe de apenas
um meio: a fala do paciente. A evidência desse
fato não justifica que se o negligencie.” Lacan
(1953 - função e campo da fala e da linguagem)

No afã dos resultados para comprovar seu trabalho ou


justificar o valor gasto com o tratamento, muitos profissionais
que se colocam em nosso campo acabam por recorrer a outras
“técnicas” terapêuticas no intuito de darem ao paciente aquilo
que eles dizem querer. Isso não inviabiliza a Psicanálise apenas
pelo fato de que são práticas eticamente opostas e que os méto-
dos utilizados também não são complementares, mas pela posi-
ção que o profissional ocupa desde as primeiras sessões. Apos-
tar única e exclusivamente na fala do paciente é colocar-se em
54
uma posição de acolhimento pela escuta de maneira irredutível.
Se o sofrimento do paciente, o sintoma que ele se queixa, seus
impasses, suas dificuldades, etc. são efeitos de um maldizer,
não será por outra via que não a do dizer, que encontraremos
alguma possibilidade de cura. O que acolhemos, então, é a fala.
Neste acolhimento, elevamos a fala à sua dignidade de criação.
Devolvemos ao falante a possibilidade de transformar-se a par-
tir do momento em que conseguimos articular o maldizer em
um bem-dizer o sintoma. Com isso, verificamos que ocorre uma
cura no decorrer do tratamento na medida em que o paciente
fala e endereça essa fala a alguém que a acolhe. Isso só é possí-
vel quando o mal-estar é decorrente do inconsciente que, como
afirma Lacan (1953), é estruturado como uma linguagem e que
encontra na fala a possibilidade de se revelar.
Essa possibilidade de transformação provém da posição
que o analista ocupa na relação transferencial. O endereçamen-
to de uma demanda de cura é realizado a qualquer profissional
no campo da saúde, mas ocupar o lugar de analista, isso é so-
mente possível a quem já passou pelo percurso em sua análise
até o ponto do des-ser4. Oferecemos aos nossos pacientes a cura
que nos foi ofertada.
Devemos ter sempre em conta a ideia de que se nosso so-
frimento fosse de outra ordem, também uma análise não seria
indicada. E ainda mais, a ideia que Lacan traz a respeito de uma
análise levar até o ponto do des-ser não é por qualquer razão.
Enquanto acreditamos ser o que o paciente quer e/ou precisa,
enquanto apostamos no ser, jamais conseguiremos ocupar o lu-
gar de objeto para que uma análise possa se produzir. Afinal,
como já vimos aqui sobre a ética da Psicanálise, o objeto do ana-
4 Este ponto será mais trabalhado no capítulo deste livro que versa sobre a forma-
ção do analista.

55
lisante não é o analista e, muito menos, o objeto suposto satisfa-
zer o analista em sua posição de sujeito.
Freud em A dinâmica da transferência é muito criterioso
neste ponto quando afirmou que os pacientes procuram nos
analistas, tal qual procuram em médicos, professores e outras fi-
guras de autoridade, não apenas uma cura, mas principalmente
estabelecer uma relação de amor em que seja possível satisfazer
uma demanda pulsional insatisfeita. Aí está uma direção quan-
to à posição que o analista deve ocupar. Enquanto outros pro-
fissionais acreditam poder ser isso que o paciente busca, o ana-
lista interroga o paciente para que ele perceba que a satisfação
almejada é impossível. Começa aqui um trabalho de orientar o
amor em direção ao saber que o paciente porta e também que
ele irá construir na falta de sentido que sua própria fala acaba
revelando sessão após sessão.
Segundo Lacan em A agressividade em Psicanálise (1948).
“Sublinhei que o analista curava pelo diálogo,
e curava loucuras igualmente grandes; que vir-
tude, portanto, acrescentou-lhe Freud? A regra
proposta ao paciente na análise deixa-o avançar
por uma intencionalidade cega para qualquer
outro fim que não sua libertação de um sofri-
mento ou de uma ignorância dos quais ele nem
sequer conhece os limites.” (p. 109).

Notem como Lacan, em diversos momentos de sua obra


repensa Freud articulando seus conceitos com o que Freud já
havia desenvolvido.
Quero deixar claro essa posição, demarcá-la de forma
muito contundente, o analista opera com as palavras que saem
da boca do paciente, funcionamos como uma caixa de ressonân-
cia. Quando realizamos qualquer intervenção não damos nossa
opinião a partir de nossas ideias e ideais, mas a partir daquilo
56
que ouvimos da boca do próprio paciente.
Se um ensaio tem como premissa um ato, uma espécie de
teste, nossas interpretações ganham força quando saímos do
tempo do ensaio e entramos na dinâmica do circuito pulsional
como objetos. Agora, para que isso aconteça, é preciso que o
analista oferte ao paciente o seu não saber sobre o que quer que
seja que ele tem a dizer para, só depois, ao retornar o dizer ao
paciente, o faça de uma posição, de um lugar que não é o dele,
mas interpretando, como em uma peça de teatro, como em uma
cena, sabendo de antemão que ele, enquanto sua pessoa, não é
isso, mas que precisa permitir que o analisante o faça ser para
que o tratamento seja possível.
Neste tempo de ensaio, de teste, vamos verificando que
algo se produz endereçado ao analista. Notem que das três con-
dições colocadas até aqui verificamos apenas a primeira, que é
o saber se aquilo de que o paciente se queixa é realmente algo
passível de ser tratado pela via da psicanálise, pela via da pala-
vra em uma relação transferencial.
Seguiremos agora para o diagnóstico que será a porta de
entrada na análise e, como toda porta, para entrar em qualquer
lugar é preciso atravessá-la, não se entra em lugar nenhum fi-
cando parado sobre a segurança dos batentes.

A Terapia de Ensaio e o Diagnóstico

A questão do diagnóstico é um tanto quanto complexa em


nosso campo, vale retornar aos textos centrais para ler e reler e
repensar o que fazemos a todo instante. Nossa intenção aqui
não é um aprofundamento muito menos um esgotamento da
temática. Pretendo, ao abrir este subtítulo neste capítulo, ape-
nas retomar algumas orientações sobre nosso fazer clínico que
57
podem auxiliar quem está começando e quem já está há mais
tempo na clínica.
Primeiro ponto, em Freud, o diagnóstico se dá durante a
terapia de teste no decorrer do início do tratamento. No entan-
to, é inviável a ideia de uma definição pontual do que seria a
terapia de teste, o tratamento e o diagnóstico como momentos
separados. Podemos separar didaticamente para teorizar so-
bre, mas na clínica essa separação não é muito bem delimitada.
Posteriormente com Lacan veremos que existe uma entrada em
análise propriamente dita, mas que, ainda assim, no dia a dia do
consultório, isso não se dá de uma maneira unívoca ou pronta e
acabada. Por vezes a dúvida permanece ainda por algum tempo
e isso é normal, faz com que nós, no lugar de analistas, verifi-
quemos que nossa teoria não dá conta de tudo que acontece na
vida e do que chega em nossa clínica. Tal qual os analistas tem
seus limites, nossa prática e a teoria que a sustentam também
tem.
Começo então com uma questão central que norteará o
trabalho: o que significa a palavra diagnóstico?
O diagnóstico, é uma espécie de conhecimento estrutura-
do que se tem e se formaliza a partir de um ou mais fenômenos.
O diagnóstico por exemplo, pode ser de uma planta a qual ire-
mos catalogar dentro de uma espécie de rol que contenha ou-
tras plantas, ou ainda, para afirmar que aquilo que está sendo
estudado é uma planta e não um animal.
Todo diagnóstico serve para orientar uma conduta, não
importa se este diagnóstico é no campo da saúde, da informá-
tica, de uma leitura de um texto onde se procura verificar os
erros, equívocos, etc.. É um grande equívoco dizer que o diag-
nóstico é um campo ou saber médico. O diagnóstico é uma pa-
lavra que tem uma amplitude muito maior, como a palavra cura
58
que pode ser utilizada para dizer de um processo, por exemplo,
com relação ao queijo. Ora, um queijo curado não estava doen-
te, mas passou por um processo de cura. A cura, deixa de ser
um fim e torna-se um meio. Com a palavra diagnóstico temos
a mesmíssima aplicação. O diagnóstico, independentemente de
ser ou não realizado no campo da saúde não é a palavra final,
mas um meio para se atingir um fim.
Grosso modo, um diagnóstico pode ser então uma ação
de conhecer e produzir um saber sobre o fenômeno investigado
e que tem como objetivo uma classificação para realizar um de-
terminado tratamento. Tratamento aqui que pode ser inclusive
simplesmente classificar o objeto estudado como animal ou ve-
getal. Tratamento pela via de uma demarcação de semelhanças
e diferenças a partir do observador que permitem a categoriza-
ção daquilo que está sendo estudado.
No campo da saúde mental, temos um problema impor-
tante. Friso aqui que as semelhanças e diferenças de determina-
dos fenômenos ou objetos estão intrinsecamente relacionadas
com o observador. Um médico ao ver uma determinada ferida
vai dar um diagnóstico, um xamã por outro lado irá dizer de
outra coisa, um líder religioso uma terceira. O diagnóstico então
depende de uma teoria que esteja constituída como saber em
quem diagnostica. No campo da saúde mental não é raro que
uma pessoa passe por diferentes psiquiatras e receba mais de
um diagnóstico e, em seguida, mais de um plano de tratamento.
Pensemos o seguinte, um diagnóstico de hanseníase há
muitos anos era um tipo de sentença de morte. Hoje, ainda que
exista muito preconceito, há tratamento e é possível a cura. O
que mudou? Simples, o entendimento do agente patógeno e
também a evolução no conhecimento científico e no fazer mé-
dico que permitiram a criação de determinados medicamentos
59
que podem ser utilizados para o tratamento e cura do problema.
E no campo da saúde mental? É possível verificar um ca-
minho de evolução científica e no saber para tratarmos as pato-
logias concernentes a nosso trabalho?
A resposta a essa questão é um tanto quanto complexa. Se
tomarmos como base a melancolia que é descrita desde Hipócra-
tes como uma perturbação na quantidade da bile negra que afeta
a alma, produzindo pensamentos, comportamentos destoantes,
etc., podemos dizer que houve uma evolução teórica a esse res-
peito. Hoje, em pleno século XXI, temos o DSM que, em sua pri-
meira edição trabalhou com a melancolia e, nas edições seguintes
trocou o termo por Psicose maníaco depressiva e, atualmente,
Transtorno do humor afetivo bipolar. O que se pensava que se-
ria de causalidade orgânica com a teoria da bile negra, nunca foi
comprovado empiricamente. Mesmo porque sequer as quatro
qualidades de bile descritas por Hipócrates
foram verificadas nos corpos dos pacientes.
Ocorre que no transtorno do humor afetivo bi-
polar, também nos dias atuais, não temos uma
causalidade orgânica definida. De acordo com
Sagar & Pattanayak (2021)
Na prática clínica atual, o diagnóstico de trans-
torno afetivo do humor bipolar é feito pela
anamnese, entrevista e observações comporta-
mentais, carecendo, portanto, de uma valida-
ção biológica objetiva.

Embora existam uma série de estudos e pesquisas ten-


tando localizar biomarcadores específicos para os transtornos
mentais, de uma forma geral, até o momento não se encontrou
nada que apoiasse a teoria da causalidade orgânica dos respec-
tivos transtornos. Podemos dizer que por mais de dois mil anos,
60
no caso da melancolia, a ciência continua apostando em uma
causalidade orgânica sem muito sucesso. De Hipócrates até os
dias atuais, o que temos como padrão para diagnosticar é tão
somente o relato dos pacientes e, em alguma medida, a obser-
vação comportamental e a fala das pessoas mais próximas. A
partir dos dados teremos então a classificação de determinada
pessoa em um tipo de rol, de prateleira de mercado em que se
encontram não apenas o nome da doença, mas também as pos-
sibilidades de tratamento e de cura.
Ocorre que um psiquiatra que aposta na disfunção orgâni-
ca e tenta por essa via, como foi muito comum na década de 90 e
nos anos 2000, uma homeostase, um retorno ao estado anterior
do organismo sem um trabalho conjunto com outros profissio-
nais, não terá resultados muito promissores. Hoje em dia já se
sabe inclusive que o tratamento somente com antidepressivos
não alcançam o efeito esperado a longo prazo na grande maio-
ria dos pacientes. Para citar um exemplo, em artigo publicado
em 2020, na BMJ evidence based medicine, os autores chegaram a
até mesmo afirmar categoricamente que
“The benefits of antidepressants seem to be mi-
nimal and possibly without any importance to
the average patient with major depressive di-
sorder. Antidepressants should not be used for
adults with major depressive disorder before
valid evidence has shown that the potential be-
neficial effects outweigh the harmful effects.”.

Esta discussão está longe de acabar, o foco do subtítulo


em que estamos é apenas para problematizarmos a questão do
diagnóstico e do tratamento e a partir daí verificarmos como po-
demos operar com o diagnóstico em Psicanálise enquanto uma
teoria que sustenta uma, entre tantas outras, práticas no campo
61
da saúde mental. Utilizo esse exemplo da psiquiatria que apos-
ta na causalidade orgânica para que possamos problematizar
que um tratamento implica necessariamente, em um primeiro
momento, em saber sobre aquilo que nos propomos a tratar. A
crítica aqui não é aos psiquiatras ou aos médicos, mas a uma ló-
gica que tende a colocar a causalidade orgânica dos transtornos
mentais como uma verdade mesmo que empiricamente falando
não há qualquer evidência disso no campo da ciência.
Segundo Freud (1915)
“a psiquiatria dá nomes às diferentes obses-
sões, mas não diz nada mais acerca das mes-
mas. Por outro lado, insiste em que são ‘dege-
nerados’ aqueles que sofrem desses sintomas.
Isto proporciona pouca satisfação; de fato, é
um julgamento de valores - uma condenação”.

Ora, o que temos desde a época de Freud até os dias atuais


é uma tentativa de diagnosticar aquilo que os nossos pacien-
tes nos relatam a partir de teorias que justificam determinados
tratamentos. Agora, se a teoria não dá conta de acolher a quem
nos procura e não se encontram a partir de pesquisas científicas
dados empíricos confiáveis de que o tratamento seja eficaz, es-
taríamos no campo do tratamento baseado em evidências ou no
campo do achismo, em que, será o profissional partindo de sua
interpretação que dirá se alguém pode ou não se beneficiar do
tratamento que ele oferece?
Para dar um exemplo, por mais que tratemos a covid-19
com pílulas de farinha, chás ou outros medicamentos no mí-
nimo “duvidosos” não teremos nem a cura e nem a remissão
dos sintomas, no máximo alcançaremos algum tipo de benefício
terapêutico vinculado ao efeito placebo que, em se tratando do
campo da saúde mental é muito maior do que quando com-
paramos com tratamentos de infecções com um antibiótico por
62
exemplo. O que está em jogo é que o tratamento depende de
uma teoria que o sustente, e que, em última análise, será a eficá-
cia do tratamento que poderá validar ou refutar a teoria.
Voltando agora para o diagnóstico em Psicanálise, Freud
(1913) afirmou que quando erramos no diagnóstico, o psica-
nalista “terá cometido uma falha prática e causado um esforço
inócuo, desacreditando o seu processo de cura.” (p. 123). Errar
no diagnóstico põe em cheque a possibilidade de validação da
teoria no sentido de que a eficácia terapêutica terá menos chan-
ces de ser alcançada com o tratamento ofertado.
Este esforço para diagnosticar não é algo paralelo ao tra-
tamento em si, o problema é que, justamente, o diagnóstico em
Psicanálise não se dá apenas pela fala do paciente no sentido de
que o analista deveria recolher o máximo de informações possí-
veis, como ocorre em outras práticas no campo da saúde men-
tal, muito menos através da observação comportamental, mas
antes, a partir daquilo que se produz na relação com o analista.
Segundo Dunker (2011)
“Em vez de uma classificação exaustiva e de
uma descrição objetivante, Freud reintroduz
uma homogeneidade entre tratamento e diag-
nóstico, abolida na clínica psiquiátrica”. (p.
456-457).

Ainda no mesmo livro, Dunker afirma que “o diagnóstico


é feito não apenas através da transferência, mas da transferên-
cia” (p. 457) e ainda “A diagnóstica em Psicanálise se exerce da
primeira até a última sessão da experiência” (p. 458.). Ora, isso
é muito importante pois aqui temos que considerar que o ana-
lista em seu saber fazer, com suas intervenções, produzirá como
efeito o sujeito no instante em que ele mesmo será submetido
à condição de objeto para que o tratamento propriamente dito
63
se inicie. Note bem que a terapia de ensaio aqui é alçada a um
outro patamar, ela mesma é, ao mesmo tempo o início do trata-
mento, a possibilidade de entrada em análise e aquilo sobre o
qual poderemos, ao diagnosticar, operar na condução da cura.
Quero sublinhar isso, o tratamento de ensaio, ou terapia
de ensaio, como queiram5, é ao mesmo tempo e de uma só vez
uma verificação sobre a possibilidade de uma análise na me-
dida em que se realiza um diagnóstico não do paciente, mas
do que se produz em transferência. Aqui, podemos ter um vis-
lumbre dos motivos para que Freud propusesse a ideia de um
tratamento de ensaio. Não há na leitura mais rigorosa dos textos
freudianos uma clara distinção que determina o exato momento
em que um tratamento de ensaio se encerra e o tratamento pro-
priamente dito se inicia. Ao invés disso, encontramos coordena-
das que orientam nosso fazer clínico.
Assim não há um melhor caminho do que aquele que La-
can propôs para pensarmos a prática clínica partindo da supo-
sição de que seria possível formalizar a experiência analítica.
Antes de entrarmos nas entrevistas preliminares propostas por
Lacan, convém que retomemos que o diagnóstico então depen-
de necessariamente do saber do profissional e que, em se tratan-
do de Psicanálise, o diagnóstico da transferência só é possível
com o avanço do tratamento, não antes e nem depois, mas no
decorrer do mesmo.
Diagnosticamos uma neurose, uma perversão ou uma psi-
cose para decidir como intervir em cada caso. Não por acaso
Freud deu o nome de “Neurose de transferência” para aquilo
que se produzia na relação com o analista. Por esta via nos é
5 A meu ver nesse ponto em específico não importa tanto o nome que se dê à
experiência, como Lacan irá depois repensar isso e nomear de entrevistas prelimi-
nares, o que importa é saber sobre o processo, como ele ocorre e o que esperamos
dele.

64
possível pensar uma psicose de transferência e uma perversão
de transferência. Ou seja, o diagnóstico é a leitura que é feita
da maneira como o sujeito se defende da castração, de sua mo-
dalidade de gozo, de sua relação com Outro, etc.. Não caberia
aqui, mais uma vez, uma exaustiva descrição do que seria uma
neurose, uma psicose ou uma perversão. Também não pretendo
dizer como os analistas devem seguir em cada estrutura. Este
livro, por ser um trabalho para quem está iniciando, deve ao
menos incitar a, em suas limitações, produzir no leitor um senti-
mento de ... “mais ainda...” desejar saber mais, ir atrás de outras
leituras, supervisões e trabalhos para amparar sua prática.
Que se saiba, no entanto, que uma clínica das psicoses não
é o mesmo que uma clínica das neuroses que também não é a
mesma coisa que uma clínica das perversões. Cada estrutura tem
seus impasses, limites, desafios e, por que não, possibilidades.
Outro ponto que não pode deixar de ser dito é que o sujei-
to com o qual operamos não é a pessoa, mas, antes, o sujeito do
inconsciente. Sobre essa questão precisaríamos de um capítulo
inteiro para verificar as coordenadas dessa afirmação, mas su-
giro, a princípio que o leitor verifique os textos O inconsciente,
de Freud e também A ciência e a verdade, de Lacan para ter uma
melhor apreensão desta ideia. Diagnosticar o sujeito não é nem
de longe o mesmo que predicá-lo, mas verificar a partir do que
se produz na clínica uma maneira muito particular e própria de
funcionar dentro de uma estrutura universal que chamamos de
linguagem.
Neste sentido, o sujeito não é neurótico, psicótico ou per-
verso. Interessante ponto que propõe o sujeito como efeito do
discurso que se produz em análise. A maneira como este sujeito
consegue se relacionar com o objeto que o causa seria propria-
mente neurótica, perversa ou psicótica.
65
Vemos então que o analista, no lugar de objeto, pode in-
terpretar o que está se passando na clínica quando percebe que
está não apenas dentro do jogo, mas antes, como aquilo que
causa o jogo propriamente dito. Se Freud nomeou de Neurose
de Transferência e em diversos textos nos trouxe que o paciente
transfere ao analista, ou ainda, que o paciente se aproxima do
analista com expectativas, ou ainda que o analista ocupa um
lugar privilegiado na relação transferencial, como não ver aí
Freud nos dizendo de diversas formas que o analista está im-
plicado no jogo de tal maneira que o jogo mesmo não se daria
sem o analista?
Para encerrar esta parte, e eis o ponto que talvez seja o
principal. Sabe o analista o que é uma neurose de transferência
para diagnosticá-la? Sabe o analista como produzi-la na relação
com o paciente (não o sujeito) que o procura em sofrimento?
Para responder a estas questões, proponho avançarmos no que
Lacan chamou de entrevistas preliminares.

As Entrevistas Preliminares e a Entrada em


Análise
“... os analistas nem sempre sabem tanto quan-
to deveriam pela simples razão de que muitas
vezes eles não fazem porra nenhuma. Isso não
muda absolutamente nada no fato de que o sa-
ber é pressuposto à função do analista e que é aí
que os fenômenos da transferência repousam.”
(Lacan, 1971 p. 30).

A partir de agora vamos trabalhar ao lado dos textos de


Lacan para compreender e reinterpretar a obra freudiana. Em
O saber do psicanalista, um dos seminários ainda não publicados
oficialmente, Lacan (1971) abre o seminário trazendo a questão,
66
talvez única em todo seu ensino, da importância deste momen-
to na abertura das análises. Segundo Lacan:
Cada um de vocês conhece – muitos ignoram – a
insistência que faço junto aos que me pedem con-
selho, sobre as entrevistas preliminares em Psica-
nálise. Certamente, elas têm uma função essencial
para a análise. Não há entrada possível em análise,
sem entrevistas preliminares. (Lacan, 1971, p. 27)

A Psicanálise de orientação lacaniana não é a única pos-


sível. Fosse assim, Freud não seria psicanalista. Nem Lacan,
visto que ele mesmo não fez uma análise lacaniana. É preciso
um pouco de lenha na fogueira quando falamos disso, mas com
cuidado de não ser demais e o fogo se apagar muito depressa
por falta de combustível. Que Lacan não tenha feito uma análise
lacaniana isso é um fato, afinal, sua análise, dentro dos moldes
da IPA, com Loweinstein a partir de 1932, teve como efeito sua
entrada na IPA, instituição que posteriormente o reconheceria
oficialmente como analista didata. Em outras palavras, Lacan
não apenas fez análise e foi formado no seio da IPA como ocu-
pava o lugar de analista didata. Estar como analista didata era o
reconhecimento institucional de que ele trabalhava na formação
dos analistas como analista didata e, também, ministrando se-
minários dentro das instituições associadas à IPA.
Esse ponto é importante, pode parecer um desvio, mas
não é, principalmente para quem está iniciando na clínica. Vi-
mos até o momento sobre a terapia de ensaio em Freud e isso
deve ser o suficiente para que alguém receba pacientes em seu
consultório e trabalhe bem desde que saiba o que está fazendo.
Agora, aqui entramos na questão das entrevistas prelimi-
nares a todo tratamento psicanalítico, alguém que se ocupe de
trabalhar com a Psicanálise a partir das orientações de Jacques
Lacan, requer que siga as orientações de tal maneira a ser fiel ao
67
que está proposto.
Este termo “Entrevistas preliminares” deve nos fazer pen-
sar como uma série de encontros em que o analisante e paciente
trabalham de forma preliminar à análise propriamente dita.
Em nenhum momento Lacan propõe algo que vá contra o
proposto por Freud na terapia de ensaio. Isso é muito significa-
tivo. Mesmo que Lacan tenha formalizado a análise, as entrevis-
tas preliminares, a entrada em análise, o fim de análise, etc., isso
não significa que ele abandonou o que Freud havia proposto.
Na obra de Lacan, encontramos pouca coisa estruturada
que nos sirva para uma orientação de como fazer em nossa clí-
nica. No entanto, desde o seminário 1 ele nos remete a um pon-
to crucial da clínica de que há uma entrada em análise, ou seja,
não se dá automaticamente.
“Sabemos que a dimensão da transferência existe
de cara, implicitamente, antes de qualquer come-
ço de análise, antes que a concubinagem que é a
análise a desencadeie. Ora, essas duas possibili-
dades do amor e do ódio não vão sem essa tercei-
ra, que se negligencia, e que não se nomeia entre
os componentes primários da transferência – a
ignorância enquanto paixão. O sujeito que vem
para a análise se coloca entretanto, como tal, na
posição daquele que ignora. Nenhuma entrada
é possível na análise sem essa referência – não se
diz isso nunca, não se pensa nisso nunca, quando
ela é fundamental”. LACAN, 1986, p. 309.

Tomei a liberdade de marcar em negrito essa parte que


diz que quem vem para a análise se coloca em uma posição de
ignorância. Pois que desde o primeiro seminário de Lacan, até
o seminário 17 onde ele formaliza os quatro discursos, o que te-
mos é que há na entrada da análise uma construção de um laço
social que chamamos de um discurso em que o sujeito ignora a
68
verdade que o causa.
Nos artigos sobre a técnica, mais especificamente, em
Sobre o início do tratamento, Freud (1913) faz uma série de re-
comendações aos analistas de seu tempo. Importante que logo
na primeira página ele traz uma advertência de que o que ele
escreve e suas orientações são RECOMENDAÇÕES, insistindo
que existe apenas uma regra que fundamenta o tratamento. A
regra, a da associação livre de ideias, e sua correspondente pelo
lado do analista, a atenção igualmente flutuante seriam aquilo
sem o qual uma análise seria impossível. Todo o restante das
recomendações tem como objetivo sustentar a regra do início
ao fim do trabalho.
Lacan não abre mão disso, mas propõe uma formaliza-
ção do percurso de análise. Notem que entre uma regra e uma
formalização existe muita diferença. Formalizar significa criar
regras e encontrar um padrão que possa ser seguido, transmiti-
do, ensinável. E aí está um grande problema. Como formalizar
o percurso de análise tendo em vista que a análise propriamente
dita é sempre uma e única? A sacada genial talvez tenha sido
a de propor uma construção teórica universal que dê conta da
particularidade de cada caso. Formalizar também pode ser pen-
sado como colocar em fórmulas, executar uma ação a partir de
determinadas fórmulas.
A formalização da Psicanálise proposta por Lacan tem
mais a ver com produzir sobre a experiência analítica não ape-
nas algo da ordem do verificável na medida em que se coloca a
regra fundamental para funcionar dentro do dispositivo clínico,
mas também uma maneira de pensar o próprio dispositivo en-
quanto algo passível de ser transmitido de maneira lógica. Em
outras palavras, a formalização segue, partindo da regra funda-
mental, aquilo que é verificável em uma análise a todos que se
69
submetem ao dispositivo clínico.
Temos alguns problemas com isso. Por exemplo, ao pro-
por os quatro discursos como uma maneira de pensar o jogo
clínico, as psicoses ficam de fora deste modelo. É preciso outro
modelo para pensar a análise com psicóticos que, via de regra,
é impossível de articular uma psicose nos quatro discursos pois
o discurso, tal qual propõe Lacan, é uma modalidade de laço
social e os psicóticos, a partir de seu ensino, não estão subme-
tidos a esta modalidade de enlaçamento com o outro. Ora, isso
não faz da formalização algo prescrito, a meu ver, é justamente
o oposto disso. É preciso pensar a Psicanálise com psicóticos a
partir de um outro modelo, o que não quer dizer que este não
seja válido em absoluto. Um outro modelo proposto por Lacan,
lembrem-se da metáfora do caleidoscópio do capítulo anterior,
é o nó borromeano que será desenvolvido a partir do seminá-
rio 20. Com o nó borromeano é possível pensar não apenas a
psicose como também a neurose, no entanto, mais uma vez, ele
não dá conta de todo o percurso de uma análise, tornando-se
assim, ao analista de orientação lacaniana, mais um, dentre vá-
rios, elementos que possibilitam pensar a prática e dirigir um
tratamento.
Posto isso, vamos ao que interessa, como são as entrevis-
tas preliminares a partir de Lacan?
Muitos mitos atravessam a formação de quem começa a
receber pacientes na clínica e dificilmente vamos esgotar todos
eles em um livro “introdutório”. Alguns desses mitos, como o en-
contro entre inconscientes, são facilmente dissolvidos na medida
em que a leitura teórica avança e quando o estudante se dá conta
de que há apenas um sujeito em análise e, principalmente, que o
sujeito em análise é o do inconsciente enquanto efeito de um dis-
curso. Não haveria assim a menor possibilidade de sustentar um
70
inconsciente “dentro” ou “fora” ou um inconsciente do paciente
e outro do analista e assim por diante. Há que ler o que Freud
escreveu como um ato exegético e sempre articulando o que está
no texto com o momento histórico em que aquele texto foi escrito
e também com o público ao qual Freud estava se dirigindo. É
preciso, especialmente ao ler Freud, recuperar o contexto. Lem-
bremos que os termos utilizados por ele de forma muito livre
eram termos corriqueiros da língua alemã. Falar que a atenção
flutuante era escutar atentamente o que os pacientes dizem já é
dizer que não há um inconsciente em funcionamento na escuta
mas uma atenção ao que manca, ao sentido que escapa, à possi-
bilidade de que um dizer revele ainda mais do que se esperava.
Um dos elementos que gosto de trabalhar para pensar a
entrada em análise é com relação aos quatro discursos. Seja com
Marco Antonio Coutinho Jorge, Marcio Peter de Souza Leite,
Antonio Quinet, Isidoro Vegh, ou qualquer outro analista que
transmita a teoria em seminários e livros, o que encontramos
é um ponto em comum de que a entrada em análise se dá quando é
possível produzir um discurso específico que chamaremos de
discurso da histérica
Essa proposta de entrada em análise é articulada com a
criação de uma demanda de análise, do diagnóstico e da orga-
nização dos elementos em jogo para a construção de um, dentre
quatro, discursos possíveis a partir de nossa práxis.
Ao procurar um analista com uma ou mais queixas, o que
os pacientes ignoram é que geralmente essas queixas são ape-
nas secundárias, são uma tentativa de fazer cessar um tipo de
sofrimento que, de tempos em tempos retorna. O analista em
sua posição de escuta deve produzir no analisante uma espécie
de curiosidade sobre sua vida, sobre sua história e encaminhar
ele para uma perspectiva de reconhecer que ele conta sua vida
71
assim para um Outro o tempo todo. Um pouco mais aqui, que
ele se faz disso que ele relata para um Outro que assegure seu
lugar em uma relação de amor e reconhecimento.
Ao interrogar o paciente nas primeiras sessões, o que va-
mos produzindo é um tipo de estranhamento onde por mais
que os sofrimentos cessem, de tempos em tempos, alguma coi-
sa persiste. Aos poucos, vemos se transformar diante de nossos
olhos, através das intervenções do analista, sempre sustentados
na ética da Psicanálise, um paciente em um analisante.
Há uma clara mudança de posição subjetiva que pode ser
recolhida na fala de alguns pacientes. Nem sempre eles dizem
isso expressamente, ocorre que os pacientes começam não mais a
interrogar o analista sobre suas dores e sofrimentos, mas interro-
gam a si mesmos, interrogam o seu sintoma. Revela-se assim uma
estrutura de discurso que Lacan chamou de discurso da histérica.
O discurso da histérica, ou discurso do analisante, segun-
do Vegh (2001), ocorre quando o paciente, no lugar de agente
questiona o Outro, o Significante mestre aqui está no lugar do
Outro, mas ao ouvir o silêncio do Outro, no sentido de que o
analista deve não dizer a partir de si como se fosse para direcio-
nar a consciência ou as escolhas do paciente, percebe que será
na sua própria fala que se produzirá um saber sobre uma verda-
de que causa seu sofrimento.
Geralmente os pacientes chegam diante do analista e o
que temos nas primeiras sessões é a estruturação de um “dis-
curso do mestre”, ou, como afirma Wainsztein (2001) “O discur-
so do mestre é chamado também de discurso do inconsciente”.
O que vemos é que o S1, o significante mestre está produzindo
sentido sobre o sofrimento. Nas primeiras sessões parece que o
sofrer já está articulado de tal forma que há um saber sobre o so-
frer, aquele saber dos motivos pelos quais a gente sofre, já está
72
dado, ou seja, o saber é sempre consciente aqui, como se fosse
um outro que garante este lugar de sofrimento. Para dar alguns
exemplos, isso pode aparecer na fala dos pacientes como: “isso
é genético”, “eu sofro por isso”, “porque sou brasileiro”, “por-
que sou depressivo”, “porque assim diz o meu mapa astral”,
etc. O que se revela é um sentido sobre o sofrimento que não
permite que o paciente questione a razão pela qual ele sofre,
uma vez que a razão já está determinada por um Outro.
Notem que há uma certa poesia na leitura que Lacan faz
da clínica e quando a formaliza em quatro discursos. No discur-
so do mestre, o que encontramos é que o sofrimento tem uma
causa “consciente” que o paciente sabe e, que este saber, vai sus-
tentar a permanência do paciente neste lugar de sofrimento. O
analista aqui é levado a fazer “furo no saber”. Mas o que isso
significa? Na realidade é bem simples, se estamos trabalhando
desde as primeiras sessões com questões que devolvam ao pa-
ciente a possibilidade de falar sobre suas dores e suas queixas,
aos poucos, um paciente que afirma que porta uma doença que
é hereditária e genética, percebe que mesmo sendo genética não
são todos de sua casa que a tem. Já vi alguns filhos adotivos que
ainda não sabiam da adoção, portando doenças hereditárias
dos pais adotivos. Já pude testemunhar pacientes que traziam
doenças genéticas e que quando se aprofundam nos exames
médicos “descobrem” que a doença deles não é a mesma doen-
ça que a de seus pais. Aqui surge a possibilidade de interrogar o
S1 enquanto essa verdade absoluta que, aos poucos, vai ruindo
sessão após sessão de análise em um movimento de ver-se ven-
do-se, para usar a expressão de Lacan (1964) no seminário 11.
Esse movimento que percebemos na clínica desde as pri-
meiras entrevistas depende necessariamente das intervenções
do analista para que os pacientes possam, ao interrogarem-se,
73
não apenas desconfiar de que há mais naquilo que eles dizem
do que eles querem dizer, mas que lhes revele uma e outra vez
e tantas quantas forem necessárias que “no começo o analisante
se encontra dividido entre o que diz e o que sabe do que diz”
(Vegh, 2011 p. 142).
Vegh em Os discursos e a cura precisa que uma análise se
inicia a partir de “Uma insolência, que é atribuída ao destino: –
Por que tenho que sofrer deste sintoma? Ou uma insolência que
o analista provoca.” (p. 146).
Haveria muito mais a dizer sobre os quatro discursos e o
manejo clínico, mas a princípio, pontuando o lugar que o analis-
ta ocupa e suas intervenções, já podemos verificar que a análise
em si mesma depende de como o analista maneja a transferência
que se produz como uma demanda de amor para transformá-la
em uma demanda de saber.
Espero que tenha ficado claro que as entrevistas prelimi-
nares em Lacan retomam os elementos da terapia de ensaio de
Freud e vai um pouco mais além, nos trazendo uma formaliza-
ção em que seja possível pensar a clínica de uma maneira mais
lógica e menos intuitiva.

Um Pouco Sobre a Clínica Contemporânea

Nos dias atuais, não é incomum a gente receber na clínica


pessoas medicadas, muito bem medicadas, mas que dizem que
continuam com um mal-estar, continuam com uma culpa, con-
tinuam com uma sensação de acusação, de como se tudo que
fizessem estivesse errado. Veja, a medicação torna a vida mais
suportável, em algum momento podemos dizer que dependen-
do da pessoa, dependendo do trabalho, chega a ser necessário,
não se trata de dizer ou medicação ou Psicanálise, em nenhum
74
momento, mas nós sabemos que muitas pessoas preferem a me-
dicação porque é mais fácil e muito mais acessível (acessível no
sentido de que basta comprar e tomar sem qualquer posição
crítica frente ao estado afetivo do paciente). E sabemos também
que pouquíssimos médicos ou trabalhadores do campo da saú-
de mental, indicam o tratamento psicanalítico, acreditando não
se tratar de uma ciência passível de ser comprovada empirica-
mente, o que é uma grande bobagem. Atualmente existe uma sé-
rie de pesquisas que não apenas comprovam
a eficácia de nosso trabalho como também a
comparam com outros tratamentos no campo
da saúde mental. Para quem se interessar, su-
giro o artigo A cura em Psicanálise: efeitos orgâ-
nicos e subjetivos de uma análise. (Leite, 2021)
Em 2021, participei de uma mesa sobre
a eficácia da Psicanálise, com o tema: Psicanálise e Ciência, em
que tive o prazer de estar com Alexandre Starnino, Daniel Omar
Perez e Richard Simanke pelo Instituto ESPE. Na ocasião, apre-
sentei sobre a eficácia da Psicanálise trazendo dados objetivos
de nossa prática, daquilo que conseguimos verificar empirica-
mente a respeito do tratamento psicanalítico.
No entanto a psicanálise, como vimos até o momento, não
é para todos. Em meu livro Psicanálise nas redes há um breve
texto que trabalha de forma muito direta sobre quem pode se
beneficiar de uma análise.
A Psicanálise é para os desesperançados, que caíram na
midiática oferta de vida feliz que outros prometeram e que, ao
se darem conta, continuaram miseráveis e mais podres, em todo
sentido que esse termo alcança. A Psicanálise é para quem não
crê mais na possibilidade de ser feliz. A estes, recebo em meu
consultório com empolgação, pois perceberam que ela não se
75
compra, com estes é possível um trabalho em que a felicidade
seja efeito, não o objetivo e que, para vivê-la, mais do que criar
um caminho é preciso criar o que mais tarde se chamará de feli-
cidade. A felicidade de cada um. (LEITE, 2022)
A partir deste texto, retomo a questão das entrevistas pre-
liminares pela via da ética da psicanálise e da cientificidade da
nossa prática. É preciso transmitir empiricamente aquilo que é
da ordem do singular e que é passível de ser generalizável. Tal-
vez o primeiro analista que fez isso de fato, utilizando-se do
estruturalismo e depois da matemática, da topololgia, etc, foi
Jacques Lacan, que formaliza em seu seminário a distinção en-
tre linguística e linguisteria. Para Lacan (1972), a Linguisteria
seria o que nós estudamos, que é algo da ordem do coletivo que
é passível de ser subjetivado.
“... se considerarmos tudo que, pela definição
da linguagem, se segue quanto à fundação do
sujeito, tão renovada, tão subvertida por Freud,
que é lá que se garante tudo que de sua boca se
afirmou como o inconsciente, então será preciso,
para deixar a Jakobson seu domínio reservado,
forjar alguma outra palavra. Chamarei a isto de
linguisteria.“ (p. 25).

Ainda na mesma página, alguns parágrafos abaixo, Lacan


(1972) afirmou que “Meu dizer que o inconsciente é estruturado
como uma linguagem não é do campo da linguística” (p. 25).
Retomo esses dois trechos para que possamos compreen-
der que é possível sim formalizar um percurso de análise do co-
meço ao fim. Ou seja, uma análise não é mais ou menos aquela
ideia de “eu acredito que eu estou em análise”, uma análise é
um percurso passível de ser verificável uma vez que consegui-
mos colher alguns efeitos, não somente terapêuticos, óbvio, mas
analíticos desde que tenhamos uma base teórica muito bem esta-
76
belecida, desde que tenhamos na teoria uma bússola que nos per-
mite seguir. No entanto, muitas das coordenadas que sustentam
a psicanálise podem ser encontradas em outras ciências. Lacan
utilizou-se de outras ciências para poder formalizar a psicanálise.
Em O saber do psicanalista Lacan, (1971) chamou de entre-
vistas preliminares, retomando da Psiquiatria clássica o termo
de entrevistas preliminares ao tratamento propriamente dito,
que faz uma ligação direta com o que Freud (1913) chamava de
terapia de teste ou seja, Freud, Lacan, Dolto, Ferenczi inclusive,
eram muito avessos à ideia de que a Psicanálise era para todos,
de que todo mundo se beneficiaria do tratamento analítico, de
que todo mundo deve fazer terapia, ou então de que qualquer
um poderia se tornar analista.
Ao receber um paciente pela primeira vez, precisamos ve-
rificar se isso que o paciente traz é tratável no campo da Psica-
nálise. Depois, se quem procura tratamento é analisável.
Esta questão de ser ou não analisável pode ser pensada
como o que aconteceu em uma entrevista minha com Daniel
Omar Perez no ESPECAST é possível que essa pessoa associe
minimamente algumas ideias? Ele tem uma boa relação com o
inconsciente no sentido de que quando alguma coisa atraves-
sa a fala racional, ele acolhe isso como possibilidade, ou nega
veementemente, sendo impossível associar qualquer coisa que
apareça na fala. Para quem quiser saber um pouquinho mais
sobre o método da associação livre de ideias, sugiro muitíssimo
o ESPECAST com Daniel Omar Perez sobre
esse tema. Ao aparecer a palavra “dramática”,
alguma coisa veio ali no lugar e se colocou, e a
gente teve a percepção daquilo que de fato se
produz numa análise, alguma coisa que rom-
pe, que aparece em um lugar que não deveria,
77
esse seria o segundo ponto. Segundo Lacan (1964) “Tropeço,
desfalecimento, rachadura. Nume frase pronunciada, escrita,
alguma coisa se estatela. Freud fica siderado por esse fenômeno,
e é neles que vai procurar o inconsciente” (p.32). Este efeito de
ficar boquiaberto, aqui podemos pensar que alguém tem uma
boa relação com o inconsciente.
E o terceiro ponto é algo muito estranho, mas necessário,
e que acredito que as pessoas não dão o devido valor a ele: Isso
que essa pessoa se queixa é tratável de outra forma, de outra
maneira?
Começarei pelo terceiro ponto, o diagnóstico diferencial
no campo da Psicanálise. Um hipertireoidismo pode ser con-
fundido com uma crise de paixão ou de pânico, há que saber
o que se passa para, inclusive, quando necessário, encaminhar
o paciente a um especialista. Não se trata do analista saber o
que é um hipertireoidismo ou um tumor na hipófise, ou então
na reumatologia a diferença de um diagnóstico de fibromialgia
com uma artrite reumatoide. Para um médico, em especial um
reumatologista, não é difícil fazer o diagnóstico diferencial. A
maioria dos psicanalistas não são médicos, então, a que nos in-
teressa o diagnóstico diferencial? O que nos interessa aqui não
são os exames ou o nome da doença, antes, como o paciente se
relaciona consigo mesmo, com o que faz sofrer, como ele cuida
ou não de si. Nesta relação consigo e com os outros é que reside
a possibilidade de um tratamento psicanalítico.
Atualmente estamos em uma certa crise global em decor-
rência da pandemia. Quantas pessoas não perderam seus em-
pregos? Será que toda crise de ansiedade tem a ver com uma de-
terminação inconsciente? Sinceramente, não acredito nisso. Ou
então as tristezas e lutos mais duradouros, seriam elas sempre
efeitos de um conflito inconsciente? Acredito que todos que le-
78
rem essas páginas irão duvidar disso quando se lembrarem da
experiência que vivemos recentemente em que famílias inteiras
foram dizimadas pelo coronavírus. Vou dar aqui um exemplo
de um caso e tudo ficará muito mais claro.
Paciente me procurou com indícios de depressão, um can-
saço extremo, vontade de chorar e dormir, não conseguia mais
ir ao trabalho, não tinha mais forças para continuar e, para pio-
rar, ela mesma verificou a possibilidade de um diagnóstico de
Burnout. Essa paciente trabalhava na área da saúde e estava na
linha de frente do combate ao covid-19. Quantos analistas tam-
bém não receberam pessoas assim e foram, assim como eu, inca-
pazes de assegurar um diagnóstico de depressão, de ansiedade
ou de Burnout? Ora, quem da área da saúde que não estivesse
com elevados níveis de estresse, podemos dizer que estava fa-
zendo alguma coisa errada? Notem que temos, por assim di-
zer, a possibilidade de acolher, de escutar, de ofertar um espaço
para que o paciente fale de suas dores, de seu sofrimento, de
sua vida, de seus problemas, mas nem por isso se trata de algo
a ser tratado com Psicanálise. Fato é que quando as coisas co-
meçaram a melhorar a paciente saiu. Não houve a interrupção
de um tratamento pois não havia um tratamento propriamente
dito sendo feito, a despeito de minhas intervenções que tinham
efeitos interessantes, nunca foi um caso para um tratamento
analítico embora foi possível alguns efeitos terapêuticos que
auxiliaram a paciente a seguir com seu trabalho e com sua vida.
A que se destina uma análise, de fato? Ao tratamento do
sujeito. Não da pessoa, não do indivíduo, mas do sujeito. O su-
jeito que é constituído através da linguagem, na relação com
a fala. Vejam então que eu estou colocando aqui para vocês já
uma distinção muito importante de que nas entrevistas preli-
minares do tratamento psicanalítico, o que nós vamos procurar
79
é localizar qual significante representa esse sujeito e a posição
que esse sujeito ocupa na relação com outros significantes que
podem ser causa de mal-estar e sofrimento.
A Psicanálise trata aquilo que é da ordem de uma deter-
minação inconsciente, desde de Freud (1905) isso não mudou.
Se quisermos pensar nos dias atuais, podemos nomear o sujei-
to com o qual operamos como o ponto de indeterminação da
epigenética. Aquilo que é da força de vontade, aquilo que você
consegue mudar com uma medicação, com força de vontade,
com uma terapia, com exercício físico, não é o que nos interessa
em um percurso de análise. Agora, quando tudo isso fracassa,
talvez a análise possa ajudar, não há uma garantia prévia. O que
temos é um trabalho a ser ofertado e esta oferta de um espaço de
fala é realizado sessão após sessão.
Nas entrevistas preliminares, ao acolher o paciente, va-
mos interrogando-o no sentido de tentar verificar qual a posi-
ção que esse paciente ocupa na relação com os outros, consigo
mesmo, com isso que ele diz que é aquilo que o faz sofrer. A
partir do momento que nós começamos a localizar essa posição,
(isso pode durar semanas ou anos) percebemos um efeito inte-
ressante que o analista passa a ocupar, o lugar de objeto causa-
dor do mal-estar. O analista não está mais lá como alguém que o
paciente supõe um saber nele, um saber tratar o meu mal-estar,
um saber tratar aquilo que me machuca, um saber tratar aquilo
que me faz mal, mas está na jogada como alguém que consegue,
de alguma maneira, localizar a ferida.
Esse ponto é muito interessante, alguns pacientes desis-
tem do trabalho e dizem literalmente que as sessões estão dei-
xando-os piores. Cuidemos com essas falas, não estamos traba-
lhando para piorar a vida de ninguém, podemos fazer o mesmo
trabalho sem necessariamente produzir tanto sofrimento?
80
Localizar a ferida é muito diferente de enfiar o dedo na
ferida, é preciso muito cuidado. O analista não tem o direito de
machucar ainda mais alguém que já está em sofrimento, muito
pelo contrário, ele tem o dever ético de acompanhar o paciente,
visto que ele pode, passar de paciente à analisante, no tempo
em que ele pode, em que ele dá conta, que é possível para ele.
Este processo todo só é possível na medida em que o ana-
lista fala com o analisante, não faz isso quieto, anotando, mas,
conversando, interrogando, mostrando ao paciente que “olha
que engraçado, quer dizer que você se queixa disso e, ao mesmo
tempo, é isso que você fez com ele, ou com ela, como assim?”
esses equívocos de interpretação, os lapsos, a produção de sen-
tido aonde não havia sentido, as interpretações equivocadas da
vida, do cotidiano, as interpretações que demonstram que mais
se repete na vida do paciente uma leitura que ele faz da realida-
de do que “fatos objetivos” vai produzindo o analisante como
um efeito. Isso aparece quando escutamos “estou apaixonado
de novo”, vejam o que há nessa ideia de apaixonado de novo, ao
mesmo tempo que há algo que se repete, há algo que se abre à
diferença, mas por alguma razão interpreta-se o diferente como
igual ou similar. E o analista deve interrogar: “mas são pessoas
diferentes, como podem ser iguais?”, “Teu pai não é teu marido,
teu marido não é teu pai”. “Ah é igualzinho, ah é?” “É muito di-
ferente, não existem pessoas iguais”. No entanto, é preciso que
fique claro que uma intervenção para um paciente não serve
para um outro paciente. Isso veremos no próximo capítulo em
que trabalharemos a respeito da Ética da psicanálise.

81
CAPÍTULO 03

ÉTICA, DINHEIRO E TEMPO EM


PSICANÁLISE: AS SESSÕES, O
PAGAMENTO E NOSSA ÉTICA

Neste terceiro capítulo trabalharemos a respeito do preço


e tempo da sessão, e da análise, de uma forma a articular com a
ética que sustenta nossa práxis. A ideia é que seja possível levar
isso até as últimas consequências, através da aplicação da teoria
na clínica de cada um. Todo este capítulo retomará a questão do
método por essas três vias.
Para que possamos aplicar qualquer coisa em nossa clí-
nica, sempre sugiro que seja preciso vivenciar o que se vai fa-
zer, em análise. Quem não passou por uma análise de orien-
tação lacaniana propriamente dita, dificilmente (o que não é o
mesmo que impossível) vai conseguir sustentar isso na clínica,
primeiro por que angustia demais, se você não tem nenhuma
base, nenhuma referência do que é um tratamento de orientação
lacaniana propriamente dito, que se difere àquela ideia de 50
minutos, de preço de sessão fixo, de uma tabela, etc.. Pretendo
trabalhar estas e outras questões neste capítulo. E segundo que,
aquilo que é esperado do analista, enquanto algo que condiz
82
com a teoria, se não vivemos isso na prática, na pele, dificilmen-
te teremos êxito trabalhando dessa maneira pois estaríamos na
posição de cegos guiando cegos.
Para exemplificar isso, trago um recorte das supervisões
que dei quando era docente universitário. Muitos alunos me
perguntavam sobre o momento do corte e a primeira pergunta
que eu fazia, que parece que é ridícula é: O que você chama de
corte?
Estas perguntas bobas, revelam na maioria das vezes um
não saber, o que pode levar a um trabalho intuitivo e não a um
trabalho lógico. O corte é tão somente uma dentre várias possi-
bilidades de intervenções possíveis do analista e boa parte das
pessoas confundem o corte com o fim da sessão, o que não quer
dizer a mesma coisa. Pode ser que em algumas sessões o corte
tenha a ver com o fim da sessão, o corte analítico. Mas corta o
quê? Corta a sessão? Não, o fim de uma sessão não é o mesmo
que uma intervenção do analista, embora possam se dar de ma-
neira articulada. O corte é uma determinada intervenção do ana-
lista que deve ser realizada no discurso para que seja possível a
emergência do sujeito na medida em que conseguimos separar o
sujeito do significante que o representa para outro significante.
Tem muitas coisas que se trabalha na clínica, bem no co-
meço de nossa prática, que são de maneira mais intuitiva do
que lógica. Esse é um dos pontos que eu tenho trabalhado em
minhas redes sociais. Trabalhar de forma intuitiva não é fazer
Psicanálise. Para exemplificar isso, proponho uma analogia:
O esforço de alguém para levantar um edifício inteiro não
o faz levantar um edifício inteiro, embora por vezes possa en-
contrar algumas coisas a partir de seu saber prévio de como fa-
zer isso acontecer, nem por isso irá conseguir levantar o edifício.
Agora, se a pessoa estudar com afinco e tiver os materiais à sua
83
disposição para essa empreitada, ele provavelmente irá conse-
guir elevar o edifício inteiro. Não basta que se tenha a teoria da
alavanca de Arquimedes para erguer o edifício, é necessário ter
também os materiais para a empreitada.
Trabalhar com Psicanálise passa um pouco por aí. Não
basta que tenhamos apenas a teoria de como fazer ou o que
fazer, mas, principalmente ter o material para operar com ele.
Saber fazer com o material, isso não passa pela intuição, pas-
sa antes pelo estudo e pela análise pessoal quando se verifica
que o analista, como vimos no capítulo anterior, se coloca como
objeto poderá produzir uma análise. No percurso de análise,
nas sessões de análise, o modelo teórico que nós seguimos, por
exemplo, tempo de ver, compreender e concluir, para dar um
exemplo, ou então a respeito dos quatro discursos, trabalhados
em concomitância com a teoria que versa sobre a entrada em
análise, no capítulo anterior. Como podemos verificar se de fato
houve ou não houve uma entrada em análise, será que de fato
aqui está acontecendo aquilo que Lacan chamou de histericiza-
ção do discurso, que é a produção do discurso da histérica? To-
das essas questões não passam apenas pela teoria e pela análise
pessoal, mas também pela supervisão que nos ajudará por onde
fazer, e é o que iremos trabalhar neste capítulo.
O tempo e o preço não são meras formalidades, mas fa-
zem parte do método e eles também têm uma parcela signifi-
cativa no percurso de análise e na direção da cura de todos os
pacientes.

Tempo, Dinheiro e a Ética da Psicanálise

Para avançarmos neste percurso de quem pretende iniciar


ou está no início do trabalho clínico, faz-se necessário um resga-
84
te do que seria essa tal de ética da Psicanálise. Será que existem
outras éticas, que não essa?
Começo pela ética da Psicanálise, pelo simples fato de que
é impossível um tratamento psicanalítico se essa questão não
estiver muito clara. Em Psicanálise nas redes propus a discussão
sobre a Psicanálise ser elitista quando o analista não sustenta
sua ética.
O valor e o tempo têm uma lógica própria em nosso cam-
po, mas isso não significa absolutamente nada se não tomarmos
a ética como ponto comum e a base de todo nosso fazer clínico.
Não por acaso em 1959, quando Lacan estava como ana-
lista da IPA, após fazer conferências importantes como o dis-
curso de Roma e também “situação da Psicanálise e a formação
do analista”, dedica um seminário inteiro à temática da ética da
Psicanálise.
No seminário de número 7, Lacan dialoga com Aristóte-
les, Kant, Sade e outros, tendo como base a obra freudiana que
era sustentada em seu retorno a Freud. Uma leitura mais atual
de Freud, utilizando-se de outros saberes e se aproximando das
matemáticas, da lógica, de outros autores de forma mais direta,
conversando com os artistas do surrealismo, com os linguistas
que, alguns deles, além de eminentes filósofos, participavam
dos seus seminários ativamente como foi o caso de Jacobson en-
tre outros expoentes de sua época.
Neste caldo cultural, podemos verificar que Lacan não es-
tava em seus melhores anos ainda. Em se tratando de formar
analistas, ele ainda estava preso à institucionalização da Psica-
nálise que fora promovida pela IPA devendo a ela uma certa
espécie de respeito e também submissão. Vemos isso muito cla-
ramente em sua fala no seminário 11 e também no seminário 20
onde ele afirmou claramente que “Me aconteceu não publicar A
85
ética da Psicanálise. Naquele tempo era em mim uma forma de
polidez... Com o tempo, aprendi que podia dizer sobre isso um
pouco mais.” (p. 9).
O que havia neste seminário, de tão especial que produziu
um mal-estar contundente não apenas na IPA como também em
Lacan? Lacan, em diversas vezes se ocupou de distanciar a Psi-
canálise das psicoterapias. Chegou a afirmar em diversos mo-
mentos que estava acontecendo um movimento de psicologiza-
ção da Psicanálise. Tomem nota que na década de 60 tínhamos
nos Estados Unidos nada mais e nada menos que a criação da
teoria cognitivo comportamental por um psicanalista formado
na IPA.
Se Lacan em diversos momentos sustentou uma crítica
assídua no coração das instituições psicanalíticas, não era por
um tipo de preciosismo, mas por verificar que o caminho que
os analistas estavam seguindo levariam a um desfecho que não
era favorável à própria Psicanálise.
Hoje, temos diversas pesquisas que apontam os efeitos de
um tratamento psicanalítico comparando com outras práticas
no campo da saúde mental. Os resultados destes trabalhos são
interessantes. A eficácia da Psicanálise não só pode ser empi-
ricamente comprovada como também é possível verificar que
seus efeitos duram mais do que outras práticas terapêuticas,
inclusive quando comparadas com as chamadas “Psicoterapias
Psicodinâmicas” ou ainda “Psicoterapias Psicanalíticas”. As
evidências empíricas só são possíveis quando se reconhece que
Psicanálise e Psicoterapia são práticas distintas. Uma das pes-
quisas inclusive revela que os efeitos de uma análise continuam
a produzir mudanças perceptíveis e mensuráveis mesmo após
o fim do tratamento. O que não se verificou com as outras prá-
ticas psicoterapêuticas.
86
Segundo Leite (2021) a Psicanálise produz uma série de
modificações orgânicas e subjetivas que podem ser verificadas
com os mesmos testes e exames que são utilizados para medir a
eficácia de todos os outros tratamentos na saúde mental de uma
forma geral. O que está em jogo não é apenas uma prática e uma
teoria, o que está em jogo é que a Psicanálise é empiricamente
mais eficaz e seus efeitos terapêuticos mais duradouros do que
outras práticas no campo da saúde mental. O que está em jogo
com a defesa da Psicanálise feita por Lacan é a saúde mental de
toda uma população que não encontra outro remédio para o
tratamento das dores da alma. Veremos a seguir os três elemen-
tos deste capítulo que nos permitirão diferenciar a Psicanálise
das práticas de psicoterapia de uma forma geral.
Para que uma Psicanálise seja eficaz é necessário um psi-
canalista, para que haja um psicanalista é necessário que al-
guém tenha vivido na carne a ética que foge da proposta da
Ética de um bem comum, de um bem, de um bom e de um belo
para todos. Curiosamente esta ética aristotélica que propõe uma
coisa para todas as pessoas é a mesma ética do capitalismo. Não
obstante é possível identificar essa mesma ética dentro do dis-
curso da saúde mental quando se pensa que devemos extirpar
o sofrimento a qualquer custo. A dor, o sofrimento, as dificul-
dades e tristezas da vida e até mesmo aqueles impulsos de fe-
licidade extrema, tendem a serem vistos como patológicos em
uma lógica de que todos podem se beneficiar de algum tipo de
droga para estarem mais estáveis, pra produzirem mais, para
transarem mais, para gastarem e consumirem mais, para fazer o
dinheiro circular. O que está em jogo aqui é uma ética que pro-
põe o consumo como um bem para todos. É preciso um pouco
de esforço para sair da lógica da apresentação de objetos, como
seria o caso de desejar muito um Iphone ou um Galaxy. Não
87
importa a marca, não importa o produto, o que importa é que se
possa trabalhar, produzir e consumir. A dúvida raramente é da
ordem de uma necessidade, se isso me faz falta ou não, a dúvida
é apresentada em um nível de “qual desses eu vou comprar?”
Em Ainda há amor? fiz um trabalho que articula a Psicaná-
lise com a teoria crítica para pensar a construção da subjetivi-
dade contemporânea. O resultado do texto, que é bem sugesti-
vo, é de uma aposta na transferência para fazer uma espécie de
frente a um ideal capitalista que produz pessoas como merca-
dorias para o consumo. Naquela época me faltavam elementos
para, talvez, ir mais a fundo no ponto que foi discutido. Como a
transferência, a Psicanálise, mesmo com seus limites, pode fazer
frente a este esquema de produção de subjetividades?
A resposta pode ser encontrada em uma leitura atenta do
seminário de Lacan sobre a “Ética da Psicanálise”. O que en-
contramos neste seminário de Lacan nos auxilia muito nos dias
atuais com relação às questões propostas neste capítulo. O pre-
ço a ser pago em análise, de que ordem é isso? Seria o dinheiro?
Seria um bem para consumo? O que seria produzido em uma
análise? A saúde mental é vendida como um objeto de consu-
mo, podemos arriscar dizer, um objeto de luxo nos dias de hoje,
a Psicanálise vai por esta via? Ao pensar a máxima “tempo é
dinheiro” com as sessões de tempo curto ou variável, estaria a
Psicanálise nesta lógica de consumo e produção?
Certa vez, ao estudar sobre o conceito de práxis me depa-
rei com uma possibilidade de que a práxis, propriamente dita,
não tinha como objetivo a produção de um bem. Isto me to-
cou demasiadamente quando me dei conta de que a Psicanálise
também não produz um bem, apenas produz um analista, que,
a rigor, é alguém que foi até o fim e pode sair de uma posição
para ocupar outra. Nenhum objeto foi produzido, nada se ga-
88
nhou em termos de bens consumíveis, mas, ao mesmo tempo,
esta outra posição, desejante, amante, por assim dizer, permite
a quem chegou ao fim de análise um certo tipo de re-visão sobre
aquilo que lhe causa. O efeito disso, podemos mensurar com
diminuição de internações e uso de psicotrópicos, diminuição
de procura pelo pronto socorro, diminuição de doenças psicos-
somáticas e de crises recorrentes, entre outras coisas que foram
mensuradas e catalogadas por De Maat e colaboradores (2007).
Verificamos então ganhos terapêuticos importantes no de-
correr e após o fim de uma análise mesmo que esse não seja o
objetivo de uma análise propriamente dito. O que diferencia a
Psicanálise de outras modalidades de tratamento é justamente
e, talvez, principalmente a ética que a sustenta.
Temos nos dias atuais uma série de pesquisas que apon-
tam para a tentativa de psicologizar o método psicanalítico a
partir de bases epistemológicas distintas. Essas práticas, por
mais que se baseiem na transferência, na relação com o outro,
no tratamento pela via da fala, ainda tendem a tomar o paciente
como alguém a ser ensinado, ou ainda, como alguém que porta
determinado transtorno a ser curado, a ser extirpado. O que ve-
mos então é o paciente no lugar de demandar e receber do outro
um saber sobre si e sobre sua condição. Não há nestes tratamen-
tos a menor possibilidade de um trabalho com o sujeito uma
vez que o sujeito é apagado da equação em prol de uma medida
comum que possa abarcar uma dita normalidade dentro de um
padrão cultural e socialmente estabelecido.
Para que possamos vislumbrar isso mais claramente, po-
demos pegar o exemplo da psiquiatria em que seu campo
“se constituiu, a partir do manicômio, buscan-
do elaborar um saber e uma práxis clínica so-
bre a loucura, poderemos verificar, nos últimos
40 anos, através de algo que chamaríamos de

89
diluição da loucura, como o domínio da psi-
quiatria se expandiu, abarcando desde a esqui-
zofrenia até a gestão cosmética das performan-
ces cotidianas dos indivíduos”. (Laia e Aguiar,
2017 p. 23).

Uma ciência médica, a favor da performance, da produ-


ção de indivíduos funcionais.
Tomemos como exemplo o que aconteceu com o autis-
mo como um diagnóstico que, a partir do DSM-V, fagocitou o
que antes era chamado de Transtorno de Asperger. Milhões de
pessoas deixaram de serem Asperger do dia para a noite com
uma canetada que autorizava institucionalmente a mudança
nos critérios de diagnóstico em todo o mundo. Segundo a OMS
“Com base em estudos epidemiológicos realizados nos últimos
50 anos, a prevalência de TEA parece estar aumentando glo-
balmente. Há muitas explicações possíveis para esse aumento
aparente, incluindo aumento da conscientização sobre o tema,
a expansão dos critérios diagnósticos, melhores ferramentas de
diagnóstico e o aprimoramento das informações reportadas.”
Reitero que esta “expansão dos critérios diagnósticos” produ-
zem consumidores para um mercado multibilionário de saúde
que vai desde à medicação até a atenção à saúde mental com es-
colas especializadas e caríssimas para atender a uma demanda
que, até certo ponto, foi fabricada. Não que o autismo não exis-
ta, e que não seja necessária uma atenção diferenciada. Agora,
é diferente dizer que TODOS os autistas demandam o mesmo
tratamento, as mesmas intervenções, para quê? Para termos um
indivíduo funcional na sociedade, mas perguntamos ao autista,
à pessoa, o que ele quer ou deseja? Raramente, todo o maqui-
nário de saúde mental se projeta sobre o autista para formá-lo
de acordo com suas expectativas de como ele deve agir, pensar,
sentir, fazer, etc.
90
Para se ter uma noção de como uma suposta “ciência” cria
uma ideia de padrão e normatividade, basta que pensemos na
suposição de que um índice, por exemplo o da glicemia, para
que um paciente seja considerado pré-diabético e exigir cuidados
com nutricionista e outros profissionais que passarão a acom-
panhar o paciente – repito que isso é uma suposição –, esse ín-
dice caia de 100 para 99. O que teríamos como efeito? Simples,
milhões de pessoas seriam enquadradas no “pré-diabético” da
noite para o dia. Isso parece besteira, mas não é. Sabemos mui-
to bem que para que um determinado índice seja estabelecido,
principalmente no campo da medicina, são necessários muitos
estudos e pesquisas antes de qualquer tomada de decisão. No
entanto, como qualquer prática humana, há algo da ordem de
uma política que envolve mais do que a pesquisa em si mesma.
Vimos isso com muita clareza no decorrer da pandemia de co-
vid-19. Qual a distância segura entre uma pessoa e outra? Quanto
tempo de isolamento uma pessoa precisa ficar? Essas questões,
embora seja possível pensar cada uma delas por uma via prática,
lembremos que em nosso país o ministério da saúde foi contra,
diversas vezes, o que diziam as pesquisas científicas sobre esta
temática. Mais recentemente, temendo o colapso econômico e
diante de uma quarta onda, o que tivemos foi um afrouxamento
não apenas das medidas protetivas como também da diminuição
do período de afastamento de trabalho que passou de 10 a 15 dias
no começo da pandemia para de 7 a 10 dias em um período em
que sabidamente enfrentávamos uma cepa mais transmissível.
Meu intuito aqui não é o de uma crítica ao governo, mas de
demonstrar com dados de nosso tempo como um índice pode
ser politicamente e estrategicamente forjado para que possamos
produzir o que socialmente é entendido como um padrão, ou
ainda, o normal.
91
Outro exemplo importante que não deve ser esquecido é
com relação à homossexualidade. Foi apenas no dia 17 de maio
de 1990 que a Organização Mundial da Saúde retirou do rol de
doenças a homossexualidade. Anteriormente, no início do sé-
culo XX, Freud considerava a homossexualidade não como um
crime ou uma perversão, mas como uma das possibilidades en-
contradas nas relações humanas. Até recentemente alguns “pro-
fissionais” e sublinho aqui as aspas, movidos por uma moral
muito questionável, continuavam a propagar entre seus grupos
uma suposta “cura gay”, indo contra todo um movimento po-
lítico e social que regulamentou a vida de milhões de pessoas
como normal. Coloco aqui este ponto para demonstrar que a
“patologização” passa muito mais por aspectos políticos e eco-
nômicos do que por fatos e evidências e que, embora sei que
possa gerar algumas críticas, o que chamamos de patológico ou
de normal hoje, pode não ser mais assim amanhã.
Neste cenário, fica impossível definir o que seria o padrão,
ou ainda, a normalidade, partindo de uma dada perspectiva na-
tural para o ser humano. Podemos dizer, no entanto, que o que
acreditamos ser normal segue um viés histórico e cultural. Por
esse motivo a Psicanálise, ao se ocupar do sujeito e não do Eu,
precisa estar atenta não apenas às mudanças subjetivas possí-
veis em cada tempo histórico, mas também àquilo que de algu-
ma forma permanece, àquilo que é invariável. Neste sentido,
a ética da Psicanálise nos dirige para este ponto nodal que se
articula com a cultura, com o corpo, com a história de cada um
e tem no sujeito e nas leis de sua constituição algo da ordem de
um invariável, algo que encontraremos em todas as culturas e
em todos os tempos desde que o humano se reconhece e se pen-
sa como humano.
A proposta de Freud e, posteriormente de outros analis-
92
tas, como Lacan, não era de cunhar uma experiência para todos.
Enquanto nas mais diversas terapias temos sempre um benefí-
cio para todos, a Psicanálise vai na contramão desta proposta.
Notem que um diagnóstico em psiquiatria, por exemplo, toma
a fala da pessoa e, a partir de sua narrativa e de seus compor-
tamentos, tenta alçar esta pessoa a uma categoria mais geral.
Passa-se do ponto da escuta do paciente para a construção de
uma categoria para todos que dizem sofrer as mesmas coisas. Aí
temos a possibilidade de pensar as psicopatologias como aquilo
que se diagnostica retirando os elementos subjetivos, descartan-
do os dados que comporiam a história de cada pessoa e que
revelariam algo do particular. As patologias são classificações
que tendem ao enquadramento da pessoa em uma categoria e
o tratamento será assim para todos, ou ainda para uma grande
maioria a partir de um determinado consenso politicamente es-
tabelecido. De acordo com Laia e Aguiar (2017):
Sustentamos que tanto o DSM-V quanto o RdoC
reiteraram o esmagamento do sujeito afetado pelo
dito “transtorno mental”, ou pelo ainda prometi-
do “transtorno cerebral”. Eles também anulam
- por suas pretensões globalizantes, estatísticas e
biologizantes – quem decide por um diagnóstico
e se faz responsável pela direção do tratamento.
Reforçam, assim, como um mero “agente distri-
buidor” aquele que deveria praticar a clínica e se
apresentam, portanto, como o avesso do que se
processa na experiência psicanalítica... (p. 30)

Esta modalidade de estabelecer um consenso e determi-


nar sobre a vida de alguém é justamente o oposto do que faze-
mos em um percurso analítico.
Lacan, ao retomar os textos freudianos desde o “Proje-
to...” de 1895, nos demonstra em seu seminário 07 que o objeto
93
de desejo é sempre algo da ordem do particular. Esse objeto que
ele irá denominar, em um primeiro momento de “DAS DING”
retomando os textos de Freud, será ao mesmo tempo o que irá
causar o sujeito e produzir um efeito ponto de gravidade sobre
o qual irá girar toda a cadeia de significantes que nos constitui.
A construção da teoria do objeto, então, não permite ao psicana-
lista pensar um mesmo objeto para todos. Temos então, uma te-
oria que parte do geral quando se pensa a constituição subjetiva
para todos, mas que vai se dirigindo ao particular de cada um
quando acolhe a cada pessoa em sua relação com o significante
que o causa. Esta diferença é a base da ética com que trabalha-
mos.
Ao invés de acolher alguém em nosso consultório tentan-
do enquadrar esse paciente em uma certa categoria diagnóstica,
apostamos na escuta do particular, sempre atentos às surpresas,
àquilo que escapa do “comum”, do ordinário. Independente do
diagnóstico pela via do DSM, ou de outro manual estatístico, o
que nos importa é como aquela pessoa se relaciona com aquilo
que ela mesma diz, com aquilo que ela constrói em transferên-
cia. Nosso diagnóstico, como já vimos no capítulo anterior se
dá na relação transferência a partir do dispositivo clínico. Isso
impossibilita pensar um mesmo “ser” para todos.
Para dar um exemplo, certa vez recebi um paciente em
minha clínica que me dizia que estava em plena crise de pânico
e que tinha ido a psiquiatras e todos disseram que deveria fazer
terapia. Eu perguntei como era a crise de pânico dele, eis que ele
me disse atônito: “Como você não sabe o que é e como é uma
crise de pânico?”. Ao que prontamente respondi: “Por isso eu
perguntei como é a sua.”.
Essa diferença parece pouca coisa, mas quando estamos
na clínica e começamos a escutar nossos pacientes, o trabalho
94
que geralmente temos é o de uma desidentificação com um lu-
gar que o paciente ocupa na relação com o outro. Isso passa
também pelos diagnósticos recebidos na vida de uma forma
geral. Precisamos ir retirando “os excessos” para usar uma ex-
pressão de Freud (1905) quando falou sobre o método psicana-
lítico. Excessos de quê? Excessos de dizeres que colamos em nós
como uma espécie de pele feito colcha de retalhos. Chamamos
essa pele de Eu. O Eu, desde Freud, pode ser visto de diversas
maneiras, mas mais especificamente como aquilo que um Outro
investe libidinalmente e se constitui nessa relação com o Outro
no lugar de objeto deste Outro. O Outro, grande Outro como di-
zemos a partir de Lacan, irá nomear, palavrear este sujeito, que
aos poucos vai se constituindo para se produzir, fazer-se aquilo
que ele supõe faltar ao outro.
Neste jogo de suposição e de lugares, temos que aquilo
que é o bem, o bom e o belo para um não é para outro, em outras
palavras, a ética com que trabalhamos não é a ética aristotéli-
ca que sustenta a ética das terapias de uma forma geral. Nossa
Ética é a ética do desejo e o desejo, como afirma Lacan (1964)
em Do Trieb de Freud e do desejo do psicanalista, “Assim, é antes, a
assunção da castração que cria a falta pela qual se institui o de-
sejo” (p. 866). Essa dinâmica do que falta ao Outro enquanto um
significante que será aquilo que irá me representar como sujeito
para outro significante qualquer, aí temos a impossibilidade de
um mesmo objeto para todos. Notem que a lógica da construção
do desejo pode ser pensada como uma invariante de maneira
global, mas o que teremos como objeto causa, e as consequên-
cias disso, é apenas no plano do particular que poderemos ter
notícias disso. A esse respeito, o objeto é sempre um, como o é
o sujeito que se produz no dispositivo clínico que chamamos de
Psicanálise.
95
O Dinheiro

Falar sobre o dinheiro em nosso campo sem situar mui-


to bem nossa ética me pareceu um tanto quanto estranho. Por
isso essa volta toda para dizer que não é possível tabelar uma
análise visto que não temos ideia da realidade do que é possível
ao paciente e, mais ainda, de que o próprio valor e pagamento
serão questões a serem trabalhadas mais cedo ou mais tarde em
uma análise.
A princípio quero propor uma disjunção de valor, preço
e dinheiro. Notem como um pedaço de papel com alguns escri-
tos podem custar. Em 2021 uma cópia rara da constituição dos
Estados Unidos foi leiloada por cerca de 20 milhões de dóla-
res. Quanto custa para uma criança esse pedaço de papel velho
com alguns escritos? Notem que o preço sempre será o mesmo,
socialmente estabelecido, mas não terá o mesmo valor que um
objeto transicional, uma chupeta ou o colo de seus pais. Repa-
rem nas análises como os objetos tornam-se supérfluos na fala
de cada um de nós em detrimento do olhar, do carinho, do tom
de voz. Aí está o valor, que deverá ser de caráter subjetivo. Já o
dinheiro, esse é, como afirma Zizek (2006), o papel que simboli-
za uma troca vazia. Temos então que o pagamento das sessões
passa por essa tríade entre preço, valor e dinheiro.
Quem nunca se viu se sentindo em dívida com um ana-
lista e teve aquele ímpeto de pagar mais sem se dar conta? Ou
ainda, quem nunca pensou que pagava muito ao analista pelo
“serviço prestado”? Não devemos nos levar pelo lado do ana-
lista aqui, mas poder acolher estas questões na própria análise.
Uma das recomendações que fazia a meus alunos nas uni-
versidades era justamente para que eles prestassem atenção se
haveria alguma mudança em sua maneira de acolher e intervir
96
quando eles já tivessem cumprido toda a carga horária do cur-
so. Fato é que a grande maioria deles diziam que, ao se verem
livres das marcações de horas para que eles pudessem passar
na disciplina de estágio, a escuta fluía muito mais. E isso não é
muito difícil de teorizar sobre, na realidade, pouco se faz nesse
sentido pois há muitas questões políticas em jogo. Ocorre que
em um primeiro momento os alunos tem os pacientes como
seus objetos de trabalho. Não é possível a eles terem liberda-
de de escuta e de intervenção quando os próprios alunos estão
com “uma arma apontada para suas cabeças”. Se os pacientes
não ficam, eles não se formam. As demandas criam um emara-
nhado que dificulta muito a nossa prática. A demanda da ins-
tituição com os horários, a demanda dos pacientes com uma
certa pressa para ter algum efeito terapêutico, a demanda dos
supervisores (esses costumam ser os piores, apenas aguardam
pacientemente o momento para tirar o chicote de algum lugar
que estava enfiado para então estralar no lombo dos coitados.
Seria cômico se não fosse trágico) para ensinar os alunos como
fazer para manter os pacientes na clínica, notem que os alunos
de psicologia estão de fato em maus lençóis. Isso que ainda nem
sequer tocamos na questão da insegurança do aluno que tem no
supervisor a expectativa de uma pessoa que o aluno possa con-
tar. Enfim, são muitas demandas que mais prejudicam a escuta
do que ajudam.
Por que resolvi contar esse caso aqui? Simples, pelo fato
de que enquanto o analista estiver tomando o paciente como
objeto para o pagamento de suas contas, a análise passará por
um período tenebroso. Agora, o analista feliz, de barriga cheia,
com a conta de luz e internet pagas tem uma certa tranquilida-
de maior nos atendimentos que permite certas extravagâncias
como, por exemplo, pagar um supervisor que ele escolheu, au-
97
mentar o valor da análise, comprar livros, etc.. O dinheiro faz
parte de nossas vidas e temo que boa parte dos próprios analis-
tas falem mais de sexo do que do dinheiro. É uma verdadeira
pena isso. Nas questões mais práticas do dia a dia de nossa clí-
nica aparece sempre um vácuo pronto a sugar qualquer tipo de
discussão séria e transparente sobre o tema. Existe então uma
questão de ordem prática que podemos nomear de realidade e,
ao mesmo tempo, questões de ordem subjetiva.
Freud certa vez disse que o dinheiro se assemelha às fezes
no sentido de que as fezes seriam os primeiros objetos produzi-
dos pelo bebê em uma relação de troca com a mamãe, com este
Outro que demanda do bebê e ele lhe entrega. Ocorre que o que
está em cena aqui é a estrutura da troca onde um demanda e o
outro entrega, mas notem que há também uma outra dimensão
um pouco menos evidente, quando um oferece e o outro recebe.
É a partir desta dimensão que costumo trabalhar com a maioria
de meus pacientes.
Receber na quantidade que o paciente pode pagar, rece-
ber o que ele pode oferecer simbolicamente como troca para o
analista é muito importante. Não demandar demais do pacien-
te e nem de menos. Demandar mais do que ele pode tem seus
riscos de a análise ser interrompida antes mesmo de seu início.
Demandar de menos pode ocorrer do paciente não dar valor ao
trabalho. As conjecturas aqui e as possibilidades são inúmeras,
falaríamos eternamente do que é ou não é possível. Minha re-
comendação é seguir Freud (1913) que nos afirmou que trata o
dinheiro com toda a honestidade como tratamos com qualquer
outra coisa em análise.
Esbarramos em algo do social, do pudor, cobrar o que e
como. Essa perspectiva freudiana nos serve de recomendação,
como tantas outras. Mas será a partir de um norte lacaniano que
98
esta questão poderá ser melhor pensada. Respeitar a realidade
do paciente é imprescindível, mas sabemos de que realidade se
trata?

O Pagamento e a Realidade: RSI

Fato é que pouquíssimo se escreve a respeito do dinheiro,


do preço e do valor de uma sessão. Neste aspecto em especí-
fico temos um problema muito pontual. Ora, se nossa prática
deve ser sustentada teoricamente, por que o pagamento ficaria
de fora disso? A resposta é que não fica, mas ao mesmo tempo,
o pagamento das sessões fica em uma espécie de limbo em que
os analistas mais experientes transmitem mais a partir de um
“como eu faço” do que um “como podemos fazer a partir da
teoria”. Nos próximos parágrafos farei uma espécie de ensaio
trabalhando com alguns conceitos para que possamos pensar o
manejo em nossa clínica.
Para Lacan, a realidade tal qual a concebemos é Real, Sim-
bólica e Imaginariamente constituída. No entanto, até que pos-
samos pensar o pagamento articulado com o Imaginário e com
o Real, temos a princípio aquilo que o paciente pode ou não
pode. Notem que esta primeira perspectiva de realidade nem
sempre é evidente em textos que versam sobre o pagamento e
sobre o tempo.
Se vamos trabalhar com a Psicanálise de orientação laca-
niana, não se trata tão somente de tomar tudo a partir do RSI,
mas antes, de poder formalizar a própria estrutura do sujeito
pela via daquilo que se entrega, daquilo que faz sintoma e da-
quilo que escapa na fala dos pacientes e aparece como uma atu-
ação em transferência.
O dinheiro como aquilo que se entrega carregado de sen-
99
tido é da ordem do imaginário. O que eu entrego para pagar mi-
nhas contas? Folhas de papel que, se não fosse pelo valor atribu-
ído socialmente (Outro) não teria nenhum valor, aqui estamos
no campo do simbólico sendo que é uma cultura que estabelece
para cada nota um valor de troca, mas ainda assim, escapa o
valor que a pessoa dá ao estruturar aquela quantia, aquela cifra,
de maneira a retornar para ele o investimento que ele fez para
ter aquilo e, depois, para abrir mão no sentido de uma troca.
Notem que isso que eu dou em forma de dinheiro, Freud cha-
mava de libido, por que não dizer dessa dimensão do amor? O
amor, em si mesmo, a princípio está localizado no registro do
imaginário, ele faz consistir, ou seja, ele organiza as coisas de
maneira a produzir um sentido. O homem dos ratos nos ajuda
muito aqui. “Tantos ratos, tantos florins...” é mais ou menos isso
que ele diz quando paga as sessões com Freud. O dinheiro pode
ser lido de forma RSI.
Segundo Zizek (2010)
“A ordem simbólica emerge de um presente,
uma oferenda, que marca seu conteúdo como
neutro para fazer-se passar por um presente:
quando um presente é oferecido, o que impor-
ta não é seu conteúdo, mas o vínculo entre o
que presenteia e o que recebe estabelecido
quando o que recebe aceita o presente.” (p. 20).

Quero frisar essa dimensão vazia que o simbólico porta.


Quando Lacan trabalha sobre o conceito do significante, o que
temos é que o significante é suporte de um significado, ele a
rigor não significa nada. E talvez isso é o que seja mais difícil
em nosso campo, tomar o que é da ordem do pagamento e do
tempo como coisas elementares e que, ao mesmo tempo, são
intrínsecas entre si. O dinheiro como significante permite que
100
o analista ao receber o pagamento não saiba sequer por que o
recebeu ou quanto recebeu visto que aquilo que o pagamento
significa (dimensão imaginária) para um não significa o mes-
mo para o outro. Podemos dizer que Lacan nos ajuda a pensar
que as trocas são sempre vazias pois, caso contrário, estaríamos
dizendo ao outro o que e quanto custa aquela sessão, aquela in-
tervenção, aquele desfecho, mas somente o paciente pode dizer
do que se passa em seu ser durante o percurso de uma análise.
Há então um outro preço que se paga em uma análise.
O preço do des-ser. Veremos isso no próximo capítulo sobre a
formação do analista. No entanto, cabe dizermos que existe um
preço para o pagamento da sessão, e existe um outro tipo de
preço que estará articulado com o valor que a a análise terá para
cada um que passa pelo percurso.
Não sei se está ficando claro essa questão do dinheiro e
sua articulação com a ética da Psicanálise. Precisamente por não
ser possível dizer o valor que aquilo tem para o paciente, não
podemos dar de antemão um “preço” como seria em uma troca
comercial em que todos pagam o mesmo preço pelo mesmo re-
lógio ou pelo mesmo tempo. Aqui, ao resgatar a dimensão ética,
proponho tomarmos articulado com o RSI o que é da ordem da
oferta, e não apenas da ordem da troca. Que haja trocas, isso não
tem nenhum problema, visto que o analista também pode ser
pego, vez ou outra por alguma questão sua e colocar novamente
o paciente no lugar de objeto. Neste momento, urge a necessi-
dade de supervisão e retorno às bases teóricas que compõem a
formação permanente. Agora, sabemos que nem toda oferta é
aceita e nem toda demanda deve ser acolhida em análise.
Existe um outro registro da realidade que está em jogo
desde o primeiro momento e que articula Simbólico e Imaginá-
rio. O registro do Real. Seu conceito parece ser mais difícil do
101
que realmente é. Se tratarmos o real não pela via do negativo, é
possível um trabalho no mínimo interessante.
Lacan no início de seus seminários tomou o Real como o
que não se inscreve no simbólico e nem no imaginário, o que
está de fora do simbólico, o que não cessa de não se inscrever,
mais para o fim afirma que “não há relação sexual”, etc.. Notem
como temos uma espécie de negativo para dizer do Real. Em di-
versos momentos da obra de Lacan vamos encontrando defini-
ções que não se excluem. A cada tempo do ensino de Lacan ele
vai privilegiando alguns instrumentos, como no caso da lingua-
gem, para dizer daquilo que fica de fora do simbólico, ou então
no caso da fórmula da sexuação onde ele retorna várias vezes
na máxima de que “não há relação sexual”. A conceituação do
Real e, por conseguinte, do Imaginário e do Simbólico depende
necessariamente do arcabouço teórico utilizado naquele mo-
mento da elaboração teórica para que tenha uma sustentação
maior e ganhe peso dentro da teoria com uma direção prática.
Na clínica, o Real aparece quando o acaso se manifesta.
Quando estamos tão fechados em nosso cálculo do que fazer e
sabemos como fazer com nossas miseráveis vidas, uma ligação
telefônica, uma mensagem, um som, uma voz, um olhar, pode
mudar tudo. O inesperado toma conta e somos obrigados a nos
rearranjar de tal maneira que inclua aquilo que se passou em
nossa história. Segundo Lacan (1964) o Real pode ser pensado
como “aquilo que retorna sempre ao mesmo lugar – a esse lugar
onde o sujeito, na medida em que ele cogita, onde a res cogitans,
não o encontra.” (p. 55). Um pouco mais à frente no mesmo se-
minário Lacan o define como “O Real pode ser representado
pelo acidente, pelo barulhinho, a pouca-realidade, que testemu-
nha que não estamos sonhando.” (p. 64). Notem que em ambas
as afirmações, e também em muitas outras, temos que é sempre
102
uma representação do Real que se pode formalizar. Não temos
a menor possibilidade de pensá-lo sem o Imaginário e sem nos
utilizarmos dos significantes que o simbólico nos presenteia.
Com esse exemplo, espero que possamos caminhar na ideia de
que não há Real puro, assim como não há puro simbólico ou
puro imaginário. O nó borromeano nos permite ver isso de for-
ma muito concreta. RSI se entrelaçam, estão articulados, não há
nó borromeano sem os três, não há sujeito sem a articulação dos
três registros.
Não tenho intenção de realizar uma introdução ao RSI
que foi trabalhado por Lacan desde o seu primeiro seminário
até o último, muito menos esgotar o assunto. Agora, se estamos
orientados por uma teoria, creio que seja possível pensarmos a
questão do preço da sessão, do dinheiro, de seu valor, por essa
via. Lembremos que o pagamento mesmo pode ser um dos ele-
mentos em que a repetição representa um Real em jogo.
Colocarei agora alguns exemplos no intuito de auxiliar
um como fazer a partir da teoria.
Ao receber um paciente pela primeira vez, convido-o a di-
zer o que se passa para que tenha me procurado. Sem nenhuma
intenção de que haja ali um enigma a ser desvendado, ofereço
ao paciente um espaço de fala para que ele possa me ofertar em
troca aquilo que demando dele, a saber, suas palavras. É óbvio
que não se pensa assim na prática do dia a dia, mas podemos
articular isso teoricamente para sustentar a cada vez, como se
fosse a primeira, os encontros na sua máxima particularidade.
Neste primeiríssimo encontro, costumo estabelecer já,
desde o início, a regra do jogo. Sabendo de suas dificuldades e
impasses, ou seja, que o paciente fale abertamente tudo o que
vier à cabeça. Pretendo com isso produzir um efeito também na
hora de acertar o valor de cada sessão. A sessão vai discorrendo
103
de acordo com a fala do paciente e, no tempo propício de encer-
rar a sessão, explico como trabalho. Reitero a questão de que ali
é para dizer tudo o que se passa em sua cabeça, independente-
mente do quão difícil isso possa ser. Ao final de tudo, pergun-
to se o paciente tem alguma dúvida a respeito do tratamento.
Geralmente antes mesmo de dizer o preço das sessões. Ocorre
que na grande maioria das vezes os pacientes perguntam so-
bre o pagamento. Isso é extremamente importante, façamos um
giro aqui, isso é uma pergunta ou uma demanda? O paciente
perguntar sobre o valor, o preço, o quanto terá de pagar pela
análise é uma pergunta ou uma maneira de fazer um laço com
o analista?
Percebam que esta maneira de fazer um laço está de acor-
do com a pergunta “Que deseja?”, “Che Vuoi” que Lacan coloca
na parte superior do grafo do desejo. Aqui a pergunta se torna
uma demanda, mas nem sempre é assim. Cabe ao analista saber
manejar quando o pagamento está atrelado a uma demanda e
é mais um dos significantes a serem trabalhados em análise no
tempo de cada paciente.
Voltando ao RSI, não temos a menor possibilidade de ve-
rificar tudo isso nos primeiros encontros, por isso a importância
das entrevistas preliminares. O paciente ainda não está lugar
de analisante, para pensar a função do dinheiro, embora isso
possa acontecer em alguns casos. Nas primeiras sessões cabe ao
analista dar um norte, dizer um quanto, entrar no jogo da troca
vazia dizendo um valor que lhe seja interessante a partir de suas
necessidades e do quanto acha que vale o seu trabalho. Aqui
lhes apresento uma segunda realidade paralela à realidade do
analisante.
Temos duas realidades paralelas que, embora não se to-
quem, uma sofre os efeitos gravitacionais da existência da outra.
104
Há a realidade subjetiva de nossos pacientes que será analisada
e há, em outra linha, a realidade subjetiva do analista que será
analisada na análise dele. Podemos dizer que são realidades
distintas e que, se o analista não abrir mão de sua realidade, de
seu eu, de suas necessidades para fazer uma função, sustentado
na ética da Psicanálise, a análise se torna impossível. No entan-
to, não há realidade objetiva, por mais que haja um esforço em
direção a ela, nos cálculos de “principiantes” de quanto custa
uma sessão e quanto se paga por um aluguel de sala, pelo curso,
pelo livro, como se possível fazer um balanço para verificar se
a clínica é ou não é lucrativa. É preciso deixar a realidade (RSI)
do analista de fora para poder operar com e sobre a realidade
do paciente.
Na maioria dos primeiros atendimentos, pergunto aos pa-
cientes qual o valor que eles pensaram, qual o máximo que eles
podem pagar naquele momento, notem que não dar um valor
fixo faz com que aos poucos a gente saia da “ordem” de uma
suposta realidade compartilhada para entrar na realidade do
um a um. Reforço aqui que isso é uma estratégia que para mim
é útil, talvez não seja em outro momento e nem para outros ana-
listas. Esta estratégia é útil pois consigo, a partir disso, verificar
com o paciente algo que ele pode, algo que não pode, como ele
se sente com isso, consigo tatear já nas primeiras sessões um
esboço de RSI.
Acredito que tenha ficado muito claro que na questão do
dinheiro, do pagamento, é possível operar com algo do particu-
lar, saindo da lógica do “cobro tanto para todos” ou ainda, que
eu acredito ser muito pior “para você eu faço esse preço”. Desde
as primeiras sessões podemos convocar o particular ao concor-
dar que nos colocamos para acolher o particular inclusive na
questão do pagamento.
105
Antes de encerrar essa parte, há que considerar que nem
sempre o pagamento é feito de dinheiro. Talvez, o mais sur-
preendente é que o dinheiro mesmo, torna-se algo supérfluo
na medida em que o analisante vai pagando a análise com seu
próprio ser. Há no percurso de análise uma coisa muito distinta
das outras práticas justamente por trabalhar com o um a um.
Em casos de crianças, psicóticos graves, autistas, considera-se
que os pacientes paguem as sessões como eles podem pagar.
Um desenho, um presente, seu olhar, uma pedrinha. Em mi-
nha experiência com um psicótico o pagamento era feito por
ele andando mais de 10km para chegar à clínica. Devemos nos
perguntar se enquanto analistas estamos dispostos a receber o
que o paciente pode e como ele pode pagar, ou se estamos mer-
cantilizando nossa prática que, embora esteja no mercado como
um tratamento, não se confunde nem se submete a esta razão.
Poderia escrever muito mais sobre o dinheiro e os paga-
mentos das sessões, mas a ideia deste livro não é esgotar os te-
mas, mas apresentá-los para que os leitores possam encontrar
outras referências e seguir com sua formação. No próximo pon-
to articularemos a questão do tempo.

O Tempo

O tempo é algo que sempre nos falta, mas a Psicanálise


nos auxilia (e muito) a lidar com ele e nos utilizarmos dele para
nos amparar. Mesmo que neste pequeno livro eu traga alguns
recortes a respeito da temática, não esgotarei tudo o que é pos-
sível pensar a respeito da noção do tempo em psicanálise.
Freud trabalhava com seus pacientes ao menos uma vez
por dia durante cinco dias na semana. Reservava aos pacientes
uma hora por dia e dizia que esta hora era de responsabilida-
106
de dos pacientes. Certa vez, dizem que ao receber um paciente
Freud resolveu, seguindo o conselho de sua filha, tirar 10 mi-
nutos de cada paciente para poder receber mais um paciente,
ficando assim determinado o período de 50 minutos por sessão
na Psicanálise. Nada mais arbitrário que isso. Ao mesmo tempo,
ele atendia, em algumas situações, pacientes por mais de uma
vez por dia. Em outras situações por um período menor de tem-
po do que aquilo que ele recomendava em virtude de alguém
que vinha de fora para se consultar com Dr. Freud. A recomen-
dação orienta, mas deve ser tomada como orientação para um
fazer clínico que não se limita à mesma. O analista deve se ser-
vir do tempo e não o tempo se servir do analista.
Eu costumo me divertir muito quando questiono os alu-
nos de psicologia, sejam eles orientados por um psicanalista
ou um cognitivo comportamental, ou qualquer outro tipo de
linha teórica (não abordagem) que trabalha com 50 minutos, 30
minutos, 1 hora, se eles têm ideia do por que eles determinam
este período para os atendimentos. É hilário ver que os que su-
postamente defendem que a sua prática é científica não sabem
dizer as raízes históricas ou o real motivo de utilizar esse deter-
minado tempo com o paciente. O mais cientista de todos segue
ignorando que seu “trabalho” cientificamente comprovado “?”
segue a indicação de uma suposição e de uma determinação so-
cial em nada científica.
Ora, o tempo de uma sessão em Psicanálise, ou o tempo
do tratamento, a duração daquilo que chamamos de Psicanálise
é possível de ser pré-determinado?
Já trabalhamos sobre a ética que rege o nosso campo, será
que determinar um tempo igual para todos, acordar um núme-
ro de sessões, como por exemplo 5 sessões por semana como
fazia Freud, ou então 3 anos de análise, como ainda fazem al-
107
gumas instituições psicanalíticas, não seria justamente ir contra
essa ética? Sim e não.
Na época de Freud, era comum que o médico reservasse
um tempo pré-determinado para o tratamento de seus pacien-
tes. Os médicos agendavam de hora em hora seus pacientes e
cobravam aquilo que era usual em seu ofício. Tenho pra mim
que a era vitoriana foi o auge da hipocrisia em todos os senti-
dos. Temos muito mais liberdade nos dias de hoje.
Vou contar uma piada aqui para demonstrar que o tempo
tem uma espécie de outra face que não aquele medido em mi-
nutos.
Certa vez Jesus decidiu vir atender alguns pacientes no
SUS pois a fila estava enorme e não haviam médicos suficientes
para dar conta daquele mundaréu de gente. Uma senhora que
estava no fim da fila, vendo entrarem idosos aleijados, paralí-
ticos e cegos e todos saírem curados, perguntou ao último que
saiu se o médico realmente era bom daquele jeito. Eis que um
senhorzinho responde mal-humorado: — Igual todos os outros,
nem olha pra nossa cara, não fica mais que 10 minutos com a
gente, nem quer saber da nossa história...
A questão que coloco com esta anedota é de que o tempo
mesmo deveria estar a serviço do tratamento e não o tratamento
submetido a ele. Freud, quando inaugura a Psicanálise, escuta-
va seus pacientes pelo tempo que fosse necessário, independen-
temente de a análise ter um período (alguns anos) pré-determi-
nado ou não. Inclusive ele nunca disse que as análises deveriam
ter uma duração x de tempo. Freud se servia desta hora com
seus pacientes para escutá-los e verificar, através do dispositivo
clínico que ele criou com o nome de Psicanálise, uma série de
elementos que apareciam na fala dos pacientes e que ele de-
nominou de formações do inconsciente. Ao falarem sobre si e
108
sobre qualquer coisa que lhes vinha à cabeça, os pacientes de
Freud e dos demais psicanalistas não apenas produziam ma-
terial a ser analisável pela via da palavra, mas principalmente
pela via da repetição em transferência.
Submeter os pacientes às recomendações de tempo e de
pagamento não era sem uma lógica. Ocorre que esta lógica não
se dava pela via da lógica do inconsciente, mas antes de uma
lógica social, uma ordem de Cronos, por isso, cronológica.
Muito me admira ler Freud em Recomendações e ver que
as pessoas ainda tomam aquelas recomendações como regras e,
mais ainda, algumas instituições, ao não pensarem as mudan-
ças subjetivas de nossa época, tentam manter o “tradicional” em
um tempo em que a pressa dita as regras e coordena a formação
das subjetividades.
Em 1905, Freud escreveu
“As indicações e contraindicações desse trata-
mento não podem ser postas de forma definiti-
va, em decorrência das muitas limitações prá-
ticas que afetaram a minha atividade.” (p. 71).

Em 1913, Freud, ao escrever um belo texto intitulado Sobre


o início do tratamento nos deixa novamente explícito o seguinte
“Daqui em diante, tentarei reunir algumas des-
sas regras para o início do tratamento... Mas faço
bem em apresentar as regras como “recomenda-
ções”, não querendo advogar para elas uma obri-
gatoriedade absoluta”. (p. 121)

No mesmo texto, de 1913, Freud nos convida a responder


à pergunta que os pacientes nos fazem, geralmente no início do
tratamento. “Quanto tempo dura o tratamento?” eis que Freud
nos auxilia dizendo que não temos como saber. Creio que isso é
de uma importância ímpar. Nos tempos de hoje em que a pres-
109
sa tende a ser a bola da vez, Huber e colaboradores realizaram
uma pesquisa apontando que a Psicanálise é mais eficaz e seus
efeitos duram mais que as psicoterapias de base psicanalíticas.
Em se tratando de uma comparação direta entre outras práticas
no campo da saúde mental, temos o traba-
lho de Zimmermann (2014) que aponta que a
Psicanálise é mais eficaz do que a Psicotera-
pia Cognitivo Comportamental quando tra-
tamos pacientes com depressão maior.
O que vemos em nossa clínica é que
muitos pacientes nos chegam questionando o tempo do trata-
mento e alguns são iludidos por promessas midiáticas que não
retratam a realidade de nossa prática no dia a dia. Fato é que
muitos psicoterapeutas cognitivos, comportamentais, humanis-
tas, fazem análise. Médicos, psiquiatras, entre outros, também
fazem análise. Ora, já trabalhamos sobre a causalidade incons-
ciente sobre a qual a Psicanálise opera. Neste sentido, os efeitos
terapêuticos vividos por nossos pacientes durante e após o tra-
tamento são benefícios secundários, embora mensuráveis e pas-
síveis de comparação como afirma Zimmermann (2014) e ocor-
rem em um tempo muito próprio de cada
um. Embora tenhamos pesquisas que reali-
zam interessantes comparações entre a psi-
canálise e outros métodos de tratamento no
campo da saúde mental, como a de Hubber
e colaboradores (2014) em que faz uma com-
paração direta entre a psicanálise e a psico-
terapia cognitivo comportamental, ou então
a pesquisa realizada por Kappelmann (2020)
que compara a o tratamento psicoterapêuti-
co de forma geral com o uso de substâncias
110
psicotrópicas, o que nos importa de fato é que consigamos sus-
tentar o tempo do percurso de cada um para alcançar não ape-
nas os resultados terapêuticos, mas antes de qualquer coisa, os
efeitos analíticos que iremos trabalhar logo mais à frente neste
capítulo.
Um pouco de história aqui. Lembro-me de meus anos
como estudante de psicologia em que eu procurava um trata-
mento que fosse rápido e eficaz para ajudar as pessoas. Nenhum
professor recomendava a Psicanálise pois ela “demorava”, eis aí
um mito que escutamos até os dias de hoje nas cadeiras univer-
sitárias. Quando Freud cita a fábula de Esopo ele sustenta com
uma precisão sem igual que a ética do inconsciente não é a ética
do bem comum, mas do passo a passo de cada um. Temos uma
teoria que não apenas nos serve de suporte para aquilo com que
trabalhamos como também, quando corretamente aplicada, nos
permite alcançar resultados tão rápidos quanto outras práticas
no campo da saúde mental.
Sabem os analistas que o seu trabalho não demora mais
que outros trabalhos para alcançar efeitos terapêuticos? Insisto
nesta questão de que os efeitos terapêuticos, não são objetivos
terapêuticos. Segundo Freud (1912)
“A ambição educativa é tão pouco adequada
quanto a terapêutica. Além disso, considere-se
que muitas pessoas adoeceram justamente na
tentativa de sublimar suas pulsões para além da
medida autorizada por sua organização...” (p.
103).

Neste trecho de Recomendações aos médicos... Freud (1912)


nos traz à tona aquilo que escutamos de diversos pacientes que
passaram por outros tratamentos e, até mesmo, por outros ana-
listas menos experientes que acreditaram que as queixas, que os
111
sintomas, que o mal-estar deveriam ser curados, a cura deveria
ser o objetivo do tratamento psicanalítico. Ora, o que se passa
em nosso ofício é que o mal-estar é uma carta a ser lida, e, acre-
ditem ou não, repetidas vezes.
Tenho pra mim uma experiência de um jovem ou uma jo-
vem que lê uma carta de adeus de seu amado ou de sua ama-
da. Quantas vezes aquela carta deverá ser lida até que o luto
se faça? Ou então, para quem como eu tenho algum hábito de
leitura e de escrita, quantas vezes precisamos ler a mesma coisa
para entender alguma coisa? E repito, alguma coisa não é tudo.
É preciso retornar o tanto quanto for necessário no mesmo lu-
gar, caso contrário, melhor seria se tirassem nossas vidas. Opa,
às vezes parece que é exatamente isso que nossos pacientes nos
pedem, mesmo que não saibam disso. Aí está uma demanda de
análise que somente o caminhar, somente as releituras, somente
sessão após sessão podem nos fazer alcançar algum resultado.
O sintoma é uma carta cifrada endereçada a um Outro, é para
ser lido e a análise é uma possibilidade de leitura disso que está
escrito e se manifesta enquanto um dizer.
O início de uma análise geralmente se dá com o luto de
um Eu que não deu certo, que não foi suficiente, que não en-
contra a menor possibilidade de ser o ideal de si mesmo ou do
Outro. No começo da análise, mais especificamente na entrada,
podemos verificar que há um dizer que revela que “isso fala:
um sujeito no interior do sujeito, transcendente ao sujeito...” (p.
438). É quando “isso fala” que o paciente se dá conta de uma
divisão entre aquilo que ele supõe ser e aquilo que o habita. As
depressões, pânicos, fobias, sintomas, etc., podem ser efeito de
algo da ordem de uma determinação inconsciente – disso fala
- e, se forem isso mesmo, somente a Psicanálise poderá ser um
tratamento eficaz uma vez que somente a Psicanálise opera este
112
objeto que nos causa enquanto sujeito.
Temos então que compreender que o percurso de análise
tem um tempo, mas a sessão também tem um tempo próprio.
Para dar um exemplo, peguemos uma cirurgia cardíaca,
quanto tempo demora? Não há, a princípio um tempo determi-
nado de uma cirurgia, em Londrina, cidade onde eu moro, hou-
ve um procedimento cirúrgico em 2008 que demorou 51 horas
quando a cirurgia em si mesmo não demorou mais que 3 horas.
Notem bem que há uma diferença na questão do tempo. Existe
um tempo para a intervenção cirúrgica e também outros tem-
pos, o de preparação, o de recuperação, o de monitoramento,
são muitos tempos que num tratamento analítico costuma-se
colocar como se fosse tudo uma coisa só. O que não é verdade.
Há o tempo das entrevistas preliminares, há o tempo de análi-
se propriamente dita, há o tempo de produção do sintoma que
dependerá das intervenções do analista que conta com a con-
tingência da vida. Seguindo esse raciocínio, a Psicanálise tem o
seu tempo, isso não implica dizer que ela é demorada, mas que
para alcançar aquilo que ela pretende enquanto tratamento, e
que não é o efeito terapêutico, há uma série de elementos em
jogo que nem sempre estão dispostos de maneira favorável ao
tratamento.
Sobre os efeitos terapêuticos, uma noite romântica, um
bom sexo, uma noite de bebedeira, uma leitura de um texto de
Lacan ou de Freud, o entendimento de Heidegger, um bom fil-
me, uma pescaria, um momento com a família, tudo isso pode
nos trazer algum prazer e modificar a bioquímica de nosso cé-
rebro por um tempo. Agora, modificar o mecanismo que causa
o adoecimento, somente se formos na fonte, na causa. Aí meus
caros, o tempo, está sempre a nosso favor, se, e somente se, sou-
bermos utilizá-lo para tal.
113
Para resumir este trecho, podemos dizer que o tratamento
psicanalítico demora o tempo que for necessário. Agora, tam-
bém precisamos estar atentos por que alguns que se colocam
como analistas tendem a demandar do paciente um tratamento
sempre a mais, fazendo com que a análise seja infinita. Isso vai
na contramão de todo trabalho psicanalítico sério. Freud (1912)
nos atenta para este fato quando afirmou que “No processo de
dissolução dos entraves ao desenvolvimento, é natural que o mé-
dico aponte novos objetivos...” (p. 102). Quando isso acontece,
saímos do campo da Psicanálise pois o paciente torna-se o objeto
do analista e, como sabemos a ideia é tentar sustentar o oposto,
que o analista seja o objeto causa, o que nem de longe é a mesma
coisa que ser o objeto do paciente. Causa de quê? Causa do sujei-
to, inaugurando um tempo com começo, meio e fim de análise.
Não cabe ao analista dizer ao analisante que ele deve elaborar
mais coisas. É muito provável que nas análises que conduzimos
em algum momento a gente diga ao analisante que é possível ir
mais além, no entanto, é diferente de dizer que o paciente deve ir
mais além, ou ainda o que ou onde é esse mais além.
Certa vez na clínica, ao atender um paciente por alguns
anos, me deparei com uma espécie de esgotamento do traba-
lho. Eu mesmo já não tinha a menor expectativa de que aquele
paciente continuasse por mais tempo no divã. Então disse a ele
que tínhamos feito um trabalho até aquele momento e que, es-
tava em dúvida sobre como a Psicanálise podia ainda ser útil
para ele. Perguntei se ele queria mais coisas com o tratamento
que ele ainda não tinha alcançado e eis que ele disse que sim, e
começamos a trabalhar outros elementos que não tinham apa-
recido até então.
Outro caso que pude acompanhar foi quando recebi uma
paciente muito angustiada e desesperada. Logo nos primeiros
114
meses convidei-a a vir ao menos duas vezes na semana. Ela es-
tava dizendo que falar estava piorando tudo, que não suportava
mais, que não aguentava mais. Foi quando eu lhe perguntei:
“Você precisa de análise ou quer fazer análise?”. Esta interven-
ção, depois de algum tempo, retorna de outra maneira quando
ela diz que queria parar pois já estava muito bem. Se me recor-
do bem, em torno de um ano depois eu fiz outra pergunta com
um teor completamente diferente: “Você alcançou bons efeitos
terapêuticos, no entanto, se você quiser, a análise pode te servir
muito para outras coisas”. Esta paciente decide sair da análise
e tudo bem.
Trago esses dois exemplos para ilustrar que o tempo de
análise depende também de que o analisante se implique com
isso. Não depende somente do desejo do analista, mas também
da utilidade que uma análise pode ter para alguém. Acho isso
muito importante. As pessoas não precisam se analisar, elas po-
dem encontrar outros meios, podem se ajustar na vida com seus
sintomas, podem continuar no sofrimento a que estão habitua-
das, a análise vem como mais uma, entre outras, possibilidades.
Depois de falar um pouco sobre o tempo da análise, va-
mos ao tempo das sessões, ou melhor dizendo, como trabalhar
o tempo a partir de uma outra lógica que seja possível de sus-
tentar em nossa práxis.

O Tempo da Sessão: Método Clínico

Cogitei não entrar nos pormenores deste ponto, pela difi-


culdade em apresentar as questões concernentes a um proble-
ma real em nosso campo de maneira prática. No entanto, julgo
de extrema necessidade passar por aqui, principalmente quan-
do me recordo de meu início na clínica. Podemos pensar que,
115
a princípio, nos dias atuais, temos três modalidades distintas
de pensar o tempo da sessão na psicanálise. Tempo fixo, tempo
curto e tempo variável.
As sessões com tempo fixo geralmente são trabalhadas a
partir de uma determinação social, institucional ou histórica. É
o caso das universidades ou planos de saúde que determinam
o tempo das sessões de atendimentos sem sequer terem uma
noção de que nosso trabalho não está tão distante assim do tra-
balho médico, como puderem verificar no exemplo que dei nas
páginas anteriores. Em outras palavras, podemos muito bem ter
uma sessão em que se chega em um determinado ponto e pron-
to, por que continuar? Quais os benefícios? O que poderemos
ter de ganhos mantendo um determinado tempo fixo? Muitos
psicólogos trabalham com o tempo fixo. O que a grande maioria
não consegue fazer é sustentar cientificamente o porquê traba-
lham de 50 em 50 minutos, ou o porquê trabalham de 30 em 30
minutos. Podemos dizer que há uma convenção neste ponto.
Historicamente Freud trabalhava, a princípio, com uma
hora para cada paciente e, posteriormente, 50 minutos. Ocorre
que Freud se utilizava deste tempo para colher do paciente tudo
aquilo que pudesse em um determinado período de tempo pré-
-estabelecido seguindo a lógica socialmente acordada de que o
médico dedicaria uma hora para seu paciente. A fala do paciente,
mais do que informar a Freud sobre alguma coisa era o veículo
sobre o qual se produzia a transferência enquanto uma relação
de amor passível de ser analisada. Ao recuperarmos os textos de
Freud veremos algumas coisas muito interessantes a respeito das
sessões. Primeiro que ele recomendava, não obrigava, segundo
que ele atendeu pessoas por cartas, terceiro, como foi o caso do
pequeno Hans, que não considero ter sido uma Psicanálise pro-
priamente dita por diversas razões, houve ali alguma intervenção
116
fora do dispositivo clínico, fora do tempo dos 50 minutos, fora
da transferência. Costumo utilizar o caso do pequeno Hans para
ilustrar como é uma “Psicanálise selvagem” e como nem mesmo
Freud esteve imune a isso. Ou então peguemos o exemplo do
caso Katarina onde ele está sentado de férias tomando seu café
e a garçonete se achega para se consultar. Esses exemplos nos
servem para pensar que o tempo fixo poderia ser uma recomen-
dação que, dadas as necessidades, pode ser descartada desde que
o analista saiba o que está em jogo, o que está fazendo.
Um tempo de sessão fixo, pré-determinado não é algo que
nos permita muito operar com liberdade. Colocando em xeque
inclusive as possibilidades de uma Psicanálise em instituições
de saúde onde as coisas acontecem tal qual acontecem na vida,
sem o controle do analista. Mas tem alguns benefícios. Ocorre
que os benefícios ficam à mercê da fala dos pacientes.
No período em que eu estava na faculdade de psicologia,
havia uma piada que dizia que se o paciente chegasse adianta-
do ele era ansioso, se chegasse atrasado era resistência. Impos-
sível não ver nessa piada um importante detalhe de nossa prá-
tica. Nós não diagnosticamos pelo fenômeno, mas por aquilo
que se produz em transferência. Qualquer coisa que aconteça
na clínica está submetida à regra fundamental, então seja um
atraso, uma antecipação, um esquecimento, ou um “queria ter
mais tempo para falar sobre isso”, não dispomos de outro ele-
mento que não seja a fala do paciente. Tempo e dinheiro, nesta
lógica, tornam-se elementos analisáveis que entram no jogo e
não elementos pré-determinados que ficariam em uma posição
“de fora” como se esses elementos de nossas vidas cotidianas
não fossem passíveis de, dependendo do caso, serem alçados à
dignidade de algo a ser analisado no divã.
Lacan, atento às questões do tempo, e, mais ainda, de que
117
o inconsciente tem uma temporalidade diferente da lógica so-
cialmente estabelecida de segundos, minutos, horas, dias, etc.,
aposta que também as sessões de análise devam acontecer a
partir desta temporalidade outra, de um tempo em que a lógica
que se opera é a lógica do inconsciente e não a de Cronos que
tudo devora. Na lógica do tempo do inconsciente temos uma
certa atemporalidade onde o inconsciente pulsa e se abre a cada
instante para tornar a se fechar. Segundo Lacan (1964)
“O desejo indestrutível, se ele escapa ao tem-
po, a que registro pertence na ordem das coi-
sas? – pois o que é uma coisa senão aquilo que
dura, idêntica, um certo tempo? Não haverá
aqui lugar para se distinguir ao lado da dura-
ção, substância das coisas, um outro modo de
tempo – um tempo lógico?...” (p. 39).

A apreensão deste tempo lógico não é das mais fáceis, mas


também não é a das mais difíceis. Para continuarmos, será ne-
cessário um breve desvio na apreensão de alguns conceitos que
estruturam radicalmente nossa prática. Os conceitos de incons-
ciente, significado e significante, pois será apenas por esta via que
podermos pensar o tempo lógico do inconsciente estruturado
como uma linguagem correspondente ao tempo lógico da sessão.
Lacan (1964) propôs em sua obra que “O inconsciente é
estruturado como uma linguagem” (p. 27). Falar que é estrutu-
rado como uma linguagem, como ele bem o faz e sustenta, em
especial no seminário 11, é dizer que está determinado por uma
lógica, por uma organização que tem como
elemento o signo e, o signo, por sua vez, pode
ser desarticulado em duas partes, a saber:
significante e significado. O signo, como tal,
pode ser pensado como um efeito do signifi-
cado que se produz a partir de um elemento
118
mínimo que a linguística nomeou de significante.
Lacan define que o signo é aquilo que significa algo para
alguém. Notem bem que há nesta dimensão algo que significa
algo para alguém, existe um Outro aí neste ponto como destina-
tário de uma mensagem. O significado, por sua vez é o efeito da
leitura do signo, uma interpretação. A fórmula seria a seguinte:
significado
SIGNO = _____________
significante

O Significante para Lacan é o material sobre o qual é pos-


sível produzir um efeito de sentido. O sentido depende de um
significante, mas o significante não depende do sentido, ao con-
trário, o significante como suporte material do sentido, permite
que o sentido não seja arbitrário, mas tenha uma relação com o
significante que o suporta. Segundo Lacan (1973).
“... o significado nada tem a ver com os ouvidos,
mas somente com a leitura, com a leitura do que
se ouve de significante. O significado não é aqui-
lo que se ouve. O que se ouve é significante. O
significado é efeito do significante.” (p. 39).

Tomemos uma palavra (imagem acústica) como um signi-


ficante, a palavra carteira, para dar um exemplo, permite uma
série de sentidos, pode ser a carteira de dinheiro, a carteira de
clientes, a carteira de uma sala de aula. Notem que o sentido
dependerá de uma articulação entre o significante, o contexto,
os outros elementos em jogo.
No seminário 20 Lacan (1972) mantém sua posição de
que “o significante é primeiro aquilo que tem efeito de signi-
ficado” (p.25). Neste mesmo seminário ele nos traz a ideia de
um significante “à beça” ali tem carta à beça. Podemos pensar
o significado está determinado socialmente e que “à beça” seria
119
o mesmo que “aos montes”. Ocorre que recentemente conheci
um senhor que tem sobrenome Bessa, aqui de minha cidade.
Vocês não têm ideia de como fiquei lisonjeado de ver a minha
frente o significante em sua forma mais pura. Percebi que pode-
ria escrever à beça. Esse equívoco que temos aí nesta frase, não
se sabe com a minha fala a partir da imagem acústica se estou
me referindo a um texto para o Sr. Bessa ou a escrita de muitos
textos, livros, etc. Notem como o sentido não está pré-determi-
nado ao significante, mas, antes de qualquer coisa, se apoia no
significante para fazer signo, para significar algo para alguém.
Ao operar nesta lógica do significante e não da significa-
ção, temos a possibilidade de clinicamente verificar que exis-
tem outros sentidos possíveis para uma mesma experiência na
medida em que se modifica o olhar do paciente sobre qualquer
coisa que esteja sendo dita em análise e que o analisante traz,
com uma certa importância, como algo que faz marca. Isso só é
possível por que o significante como elemento mínimo é sem-
pre vazio e polissêmico. O significante pode ser um suspiro, um
gemido, um olhar, um gesto, qualquer coisa que possa ser pre-
enchida de sentido. Melhor dizendo, aquilo que permite uma
leitura e, com ela, a interpretação de um acontecimento.
Operar com o tempo lógico é operar no tempo da abertu-
ra e fechamento do inconsciente, onde verificamos com nossas
intervenções a possibilidade de que um corte na cadeia de sig-
nificantes foi feito e, a partir deste corte, uma nova possibili-
dade de sentidos outros pode advir. Isso não é fácil, mas não
é impossível. Acredito ainda hoje que o grande, talvez um dos
maiores problemas no início de nosso ofício é menos em relação
ao tempo e mais em relação ao manejo que permita com que
operemos nesta outra lógica temporal.
O tempo que produzimos de uma descontinuidade. Lacan
120
(1964) nos assegura que o inconsciente freudiano era da ordem
de uma sincronia. “Vocês verão que, mais radicalmente, é na di-
mensão de uma sincronia que vocês devem situar o inconscien-
te” (p. 33). Ora, nossas intervenções tendem ao efeito de marcar
a diferença, o novo, a abertura para o que não é sincrônico, para
aquilo que aparece na fala de nossos pacientes como um outro
sentido para além daquele que até então estava sustentando o
ser de cada um deles.
Um dos problemas dos inícios de análises é que se con-
funde muito o sofrimento por aquilo que se é na relação com
um Outro com o discurso de que sofro por causa disso ou da-
quilo. O que nos importa é o sofrimento por aquilo que se é, por
aquilo que nos fazemos ser na relação com um Outro.
Este Ser é desde sempre um problema, para resumir a coi-
sa toda e dar uma direção (não a única) de trabalho, no seminá-
rio 20 Lacan nos incita a pensar o ser a partir da predicatização
do sujeito. O sujeito com o qual trabalhamos é aquilo (sim, aqui-
lo) que surge de maneira evanescente quando, a partir da inter-
venção do analista um significante se descola do sentido prévio
determinado se abrindo para um outro significante. A célebre
frase de Lacan de que um significante representa o sujeito para
outro significante não é algo possível de ser pensado fora dos
efeitos do dispositivo de uma análise. Fora da intervenção do
analista que abre o tempo entre um antes e depois, produzindo
uma hiância temporal. Analista como um significante qualquer
que, a partir de suas intervenções, pode produzir como efeito em
transferência que o analisante se reduza a um outro significante
permitindo que o sujeito seja representado pelo significante e
não pelo sentido ou pelo ser. O ser será o sujeito predicatizado,
colado a um predicado que se apega ao predicado para dizer
Eu Sou. Já o sujeito, como nos ensina Lacan (1964) é sempre da
121
ordem do indeterminado, o sujeito é ético e não ôntico.
Representar o sujeito, eis uma coisa que frequentemente
passa desapercebida. Demorei muito tempo para compreender
isso, talvez quem tenha mais ajudado aqui foi Jorge Sesarino nos
seminários e nas análises de controle que fiz com ele. Certa vez
me disse que Lacan disse várias e várias vezes de formas diferen-
tes, mas a mesmíssima coisa, que não temos acesso ao sujeito em
si, apenas a seu representante. Só é possível uma representação
na medida em que o sujeito mesmo não está lá. O significante
se faz de elemento esvaziado de sentido para representar o que
está ausente. Uma analogia que me ajudou muito foi quando
ouvi Jorge Sesarino dizer que um porta-voz do presidente da
república o representa, mas não o é. Só pode haver porta-voz
quando o presidente não está presente. Só pode haver alguém
que o represente se ele mesmo não estiver com sua presença no
local marcado. Eis que temos então que um significante pode
(esse pode faz toda a diferença) representar o sujeito para outro
significante somente na falta do sujeito e não em sua presença.
Veremos agora como essa teoria do significante é de suma
importância para a condução do tratamento clínico a partir da
direção proposta por Lacan com o tempo lógico.

Olhar, Compreender e Concluir a Lógica de Uma


Sessão de Análise

Nos Escritos de Lacan temos um texto que nos apresenta


a lógica do tempo de uma sessão de análise que foi intitulado
por Lacan de O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada. Não
apenas este texto, mas principalmente este nos auxilia a pensar
a sessão por uma via lógica.
Dividindo o tempo em três períodos, Lacan cita que há “o
122
instante de olhar, o tempo para compreender e o momento de
concluir” (p. 204).
O instante de ver é algo que se dá num primeiro momento
e que força o sujeito a, a partir de tentativas subsequentes de com-
preensão, concluir em algum momento sobre aquilo que foi visto.
Ao acompanharmos Lacan no texto, teremos que o ver é um ins-
tante que força uma certa compreensão daquilo que se apresenta.
Esta primeira compreensão, produz uma conclusão equivocada
do que foi visto. A conclusão permite que o visto seja outra coi-
sa. A compreensão mesma dos dados objetivos é sempre falha, é
preciso uma subjetividade que a interprete, que diga sobre, que
formule sobre o fenômeno uma compreensão. Esta compreensão
assume não apenas o papel de juízo de valor do objeto, mas de
si mesmo. Ao tomar-se como objeto de investigação e dizer-se
sobre si mesmo, notamos como o tempo de compreender permite
que se formule um juízo sobre si mesmo, sobre a cena, sobre o
que quer que se diga em análise. O momento de concluir é o mo-
mento do juízo que assegura ao sujeito sua posição e sua existên-
cia. Isso é muito importante. Quero salientar que o julgamento da
cena, se dá a partir da fantasia constituinte de cada um. Ou seja,
nossa compreensão sempre é forçada, como se a própria cena já
estivesse compreendida antes mesmo de existir.
O esquema é fechado de tal forma que o instante de ver já
está sobredeterminado pelo que está compreendido que, tam-
bém já traz em si, o juízo que é anterior à fala do paciente. Ao
fazer qualquer intervenção não miramos alcançar o sentido,
mas o significante com sua característica polissêmica. Agora, e
se tomamos que o sujeito é representado por um significante,
este significante que representa o sujeito para outro significante
qualquer, que o analista deve representar, quando colocamos
na cena analítica nos deparamos com o problema do tempo ló-
123
gico que está no fato de que o tratamento psicanalítico tende ao
des-ser. Isso é de suma importância e veremos com mais pro-
fundidade no próximo capítulo. Articular o tempo lógico com o
des-ser da experiência analítica nos levaria a uma compreensão
mais afinada com nossa práxis. Ao invés de sou isso ou aquilo,
sou assim ou assado, o que tendemos com nossas intervenções
é cortar no campo da linguagem pela função da fala o sujeito,
separando-o do significante que o representa, revelando ali o
sem sentido para alcançar o sujeito enquanto vir-a-ser.
Nos últimos parágrafos do texto Lacan traz o problema do
“Eu sou homem” como uma afirmação que pode ser posta em
análise. Convido a pensarmos tudo aquilo que aparece como
“eu sou” na clínica. A proposta de Lacan segue que no instante
de ver eu consigo formular que sou isso por saber (antecipada-
mente) o que não sou.
1º - “Um homem sabe o que não é um homem” (p. 213). Neste
primeiro momento não temos a asserção de ser um homem,
antes temos a possibilidade de ver tudo aquilo que não é um
homem, mas o ser ainda escapa. É compreendendo não ser
nada daquilo que se apresenta no instante de ver que posso
formular uma compreensão de ser alguma outra coisa.
2º - “Os homens se reconhecem entre si como sendo homens” (p.
213). No tempo de compreender o que temos é justamente
uma espécie de Outro que me diz o que sou por aproxima-
ção, uma vez que a diferença já fora estabelecida no instante
de ver. Como não ver neste tempo de compreender que o
momento de concluir é justamente que se conclui, quando
se reafirma em si mesmo aquilo que veio do Outro impu-
tando predicados sobre o meu ser?
3º - “Eu afirmo ser homem, por medo de ser convencido pelos
homens de não ser homem”. (p. 213). Aqui a asserção da
124
certeza, uma conclusão que encerra o tempo de compreen-
der. A conclusão, o momento de concluir para Lacan é aqui-
lo que fundamenta o ser a partir da relação com o Outro.
Nesta lógica, Perez (2018) nos esclarece que
“O campo do Outro não encerra um saber
pronto, capaz de defini-la. Isso equivale a di-
zer que nem a percepção nem o saber que a
sociedade oferece podem dizer muito sobre a
identidade de um sujeito”. (p. 187).

A partir desses elementos proponho agora uma retomada


destes conceitos para pensarmos a prática clínica.
O que temos no instante de ver é, no sentido de que al-
guém se objetifica pensando-se a partir de seus comportamen-
tos, de seus atos, de seus sentimentos, é ao mesmo tempo car-
regado pelo tempo de compreender que força uma conclusão
sobre o que se é. Notem que tudo torna-se analisável através da
fala. A análise não é do comportamento mesmo, mas das pala-
vras que são utilizadas e encadeadas de tal modo a tentar des-
crever o que acontece. Onde está o agente? O agente é aquele
que diz, ou aquele que está na história contada? Lacan faz uma
diferença entre sujeito do enunciado e sujeito da enunciação
que nos ajuda aqui. Devemos procurar sempre alcançar aquele
dizer que fica esquecido por trás do que se ouve. Há um dizer
que se produz na análise e não é homólogo à história que se
conta. A história que se conta, está lá apenas para que possamos
verificar este dizer e intervir aí nisso que diz.
Seguindo por este caminho, temos como uma proposta
em que o analista não irá dizer ao paciente o que ele é ou deixa
de ser. Com isso, fazemos uma escansão no tempo de compre-
ender e também impedimos uma conclusão precipitada que se
baseia no dizer do Outro para saber “quem sou”.
125
Isso tudo pode parecer muito teórico, mas suponhamos
um paciente que se diz bipolar. Ao analisar sobre sua vida, so-
bre seus problemas e a forma como ele lida com suas dificulda-
des, temos uma categoria criada por um Outro que o forçaria
a uma compreensão sobre si mesmo. O médico ou o psicote-
rapeuta reforça assim aqui o que ele viu e compreendeu, dan-
do argumentos que sustente e justifique o seu ser como aquilo
mesmo que ele é. Conclusão, nenhuma mudança possível aqui
visto que o sujeito continua determinado pelo dizer do Outro
representado nas figuras de autoridade.
Em uma análise a operação é um tanto mais complexa pois
exige que o analista não compreenda pelo paciente. Neste sen-
tido, o vazio de um dizer de fora sobre o analisante tende a ser
angustiante. Compreender por si mesmo é um tanto quanto com-
plexo quando na realidade o que temos é que nossa própria com-
preensão de quem somos se dá por uma relação com o fantasma
($ < >a) que coloca o Outro como elemento garantidor do que sou.
Sem esse elemento garantidor, o que se revela em análise é a pró-
pria construção fantasmática do que sou para o Outro em transfe-
rência. Em outras palavras, vou me fazer disso que digo ser para
que o analista (o significante qualquer) me suporte nesse lugar.
Freud, ao criar o dispositivo da Psicanálise, coloca o ana-
lista não a partir do seu ser, mas como alguém que consegue
devolver ao analisante sua fala, estamos ocupando uma função
que tende a demonstrar ao paciente em ato que o Outro é produ-
to e não causador de si mesmo. Aquilo que sou, o sou por minha
própria relação com o Outro. Tomemos a constituição psíquica
em seu momento mais primitivo. O Outro é representado pela
mãe. Notem que a mãe é e sempre será a mãe desse sujeito, mes-
mo que ele tenha irmãos, irmãs, etc., nunca será a mesma mãe.
O tempo lógico então, criado por Lacan, respeitaria não
126
apenas o inconsciente freudiano, mas também a fantasia consti-
tuinte do sujeito (Perez, 2018).
Nesta questão de produzir a conclusão, de concluir a partir
dos elementos já dados pelo Outro no tempo de compreender
aparece uma certa decisão tomada a partir do ato sem garantia
alguma. Como em um salto o sujeito se alça ao abismo autorizan-
do-se por si mesmo, por seu próprio movimento, o que nos leva
ao último capítulo deste livro que é sobre a formação do analista.
O tempo lógico então pode ser pensado não apenas para
as sessões de análise mas para todo o percurso que, no decorrer
do tratamento, deve produzir como efeito o analista que somen-
te pode se autorizar de si mesmo não sem contar com aquilo
que lhe chega dos outros e do Outro. Eis aí o que podemos com-
preender que o analista precipita o tempo de concluir. Através
das intervenções do analista, o corte na cadeia de significantes
produz como efeito a separação entre significado e significante,
abrindo espaço para que o sujeito possa advir entre os signifi-
cantes da cadeia (S1 – S2).
Em um primeiro momento, anterior ao Eu sou, temos o “Eu
não sou” que é a base da relação intrínseca de significantes que
marcam a diferença. Em um segundo momento, por não ser, há
uma possibilidade de cópula a partir do sentido dado por um
Outro. Eu sou homem por não ser outra coisa, ainda aqui o sujei-
to deverá se dizer, se reconhecer a partir dos signos que o Outro
lhe oferta. Ao afirmar-se como homem, como bipolar, como de
aquário, ou seja, ao afirmar ser, temos então que se concluiu o
tempo de compreender. Talvez aqui esteja uma das pérolas de
nosso ofício, afirmar-se como analista significa qualquer coisa
menos ser alguma coisa já dada de antemão. Colocar-se como
analista mais tem a ver com sustentar o não sou, do que sustentar
um ser pressuposto e carregado de sentidos dados por um Outro.
127
CAPÍTULO 4

A FORMAÇÃO DO ANALISTA

Pois minha tese, inaugural ao romper com a prá-


tica a qual pretensas Sociedades fazem da análise
uma agregação, nem por isso implica que qual-
quer um seja analista. Pois, no que ela enuncia
que é do analista que se trata, supõe que ele exis-
ta. Autorizar-se não é auto–ri (tuali)zar-se” (LA-
CAN, 1974/2003).

Em se tratando de um trabalho como este, de minima-


mente orientar os leitores e interessados na Psicanálise sobre
como as coisas são e funcionam, o que se segue não será uma
exposição muito minuciosa e detalhada sobre este ponto funda-
mental e tão problemático que perpassa a história da Psicanáli-
se desde seu princípio.
Em um dos primeiros textos psicanalíticos denominado
Sobre a psicoterapia, Freud (1905/2017) nos chama a atenção para
o fato de que, alguém despreparado não vai conseguir alcançar
aquilo que um analista pode alcançar com a Psicanálise. Com-
parando o psicanalista a um cirurgião, afirma que ninguém vai
pedir que um cirurgião inexperiente realize a extirpação de um
tumor sem saber o que está fazendo.
Já em 1910, Freud (1910/2017) escreve um texto peque-
no e conciso, mas magnífico, traduzido como Sobre Psicanálise
selvagem, e ali nos adverte que ninguém se torna analista por
ter lido algo ou ouvido falar sobre a Psicanálise. Ninguém
pode se nomear psicanalista a partir de sua própria vontade,
128
e isso também foi para Lacan até o fim de sua vida. Neste
trabalho Freud (1910/2017) nos dá um pequeno vislumbre de
alguns motivos do porquê consentiu a criação da Associação
Psicanalítica Internacional.
A formação em Psicanálise se iniciou com Freud e al-
guns colegas nas chamadas reuniões de quarta-feira. Somen-
te em 1932 é que houve dentro da IPA o início da formação
tal qual a conhecemos, institucionalizada. Naquela época,
as críticas de Reik, Tausk, Ferenczi, eram muito conhecidas
e pouquíssimas destas críticas chegaram até nós. Enquanto
Reik criticava
“A recomendação de seguir a cadeia: análise pes-
soal, estudo da literatura e análise de controle é
um esquema grosseiro e insuficiente. Ficam mui-
tas dúvidas quanto à melhor maneira de apren-
der a Psicanálise.” (Martinho, 2005)

Tausk, foi mais a fundo, criticando uma suposta criação


de um grupo religioso com seus rituais e com um certo dog-
matismo e misticismo sobre quem seria analista e sobre o que
seria um fim de análise.
A questão é que desde o início das divulgações dos
efeitos da Psicanálise haviam médicos que diziam aplicar a
Psicanálise em pacientes sem sequer saberem afinal o que re-
almente era a Psicanálise, seu método, sua ética e seus obje-
tivos.
A Psicanálise já estava sendo ofertada em diversas ins-
tituições hospitalares, no entanto, pouquíssimos eram os
psicanalistas que haviam feito análise ou sequer estavam ao
lado de Freud neste tempo. O efeito foi que em pouco tempo
haviam médicos ofertando o tratamento psicanalítico sem re-
almente de fato saber do que se tratava produzindo assim o
que Freud denominou de “Psicanálise Selvagem”.
129
Freud (1910/2017), somente reconhecia como psicanalis-
ta aqueles que estavam ao seu lado, ou seja, os que estavam de
fato trabalhando pela causa analítica e não aqueles que leram
seus textos, ou que escutaram algo a respeito do tratamento e
faziam tentativas de praticar a Psicanálise. Curiosamente me
parece muito comum esse ponto com o que vivemos nos dias
atuais. Quantas e quantas pessoas só são reconhecidas den-
tro das “instituições” que as formaram e em outros institutos
não passam pelo crivo dos “psicanalistas didatas”?
Fato é que Freud propôs em sua obra o que seria a con-
dição necessária para a formação do analista. Em nenhum
momento mudou de ideia a respeito disso. Ocorre que hoje
em dia, parece que grande parte das instituições tentam ludi-
briar os pobres coitados aspirantes, tentando vender o “me-
lhor e mais completo curso de Psicanálise com direito a car-
teirinha e registro em nosso rol de psicanalistas licenciados”.
Neste último capítulo, após abordar uma série de tex-
tos que versam sobre a importância do método clínico, não
poderia ficar de fora talvez aquilo que devemos cuidar com
mais atenção: o analista de fato, sua formação, seu percurso.
Em diversas oportunidades reiterei que seguir religio-
samente o tripé, como nos adverte Lacan (1973/2003) em Nota
Italiana, não significa absolutamente nada. Prova disso é que
diversas instituições que oferecem o tripé trabalham com mo-
delos teóricos extremamente duvidosos, confundem o sujeito
do inconsciente com o indivíduo, falam de um tratamento
psicoterapêutico que deva elevar o Eu às suas potencialida-
des, fortalecer o Eu dos pacientes, alcançar a felicidade e o
autoconhecimento e por aí vai. Isso não quer dizer que o tripé
não seja a base da formação em Psicanálise, mas que apenas
dizer que se segue o tripé não necessariamente irá ter como
fim a produção de um analista.
130
A ideia central do tripé para a formação do analista foi
algo muito discutido dentro da IPA e foi aplicado de forma
compulsória a quem queria ser analista somente muitos anos
depois. Segundo Martinho (2005)
“Em 1948, Balint escreve que a atmosfera das as-
sociações psicanalíticas lembra a das cerimônias
primitivas de iniciação. Foca este aspecto tribal
porque observou de perto que os psicanalistas
didatas tinham um espírito de sociedade secre-
ta, com conhecimentos esotéricos, proclamações
dogmáticas e técnicas arbitrárias; e que os inicia-
dos aceitavam ritualmente as mesmas fábulas,
ao mesmo tempo que se submetiam com docili-
dade a um tratamento bastante autoritário.”

O que estava em jogo não era apenas uma formação de


analista, mas uma certa política interna da IPA, política esta
que, anos depois seria duramente criticada por Lacan, mas,
e isso deve ficar muito claro, Lacan não foi nem o primeiro e
nem o último a fazer estas críticas, talvez tenha sido o primei-
ro a realmente pagar o preço por sua posição ética.
Nos dias de hoje em nosso país, algumas instituições
tendem a se utilizar de um determinado número de sessões
para que alguém comece a atender na clínica, o que, como já
vimos até então, fere a ética da Psicanálise e não respeita o
tempo lógico de cada um em seu percurso. Notem que em-
bora esteja contido no tripé a análise pessoal, dar um tempo
pré-determinado para um percurso que desde seu princípio
não estabelece um número ou um prazo, é uma atitude im-
posta de forma arbitrária pelas instituições que, a meu ver,
mais parece uma tentativa de sustentar os bolsos dos donos
das instituições do que uma preocupação com a Psicanálise
e sua ética.
131
Faz-se da análise pessoal, ou ainda, da chamada análi-
se didática mais um ritual do que um tratamento do sujeito
que, ao final, pode advir um psicanalista, não há garantias
que isso aconteça. Ou seja, não importa se você assinou um
contrato com a instituição ou não, o que importa é o que se
verifica no percurso de análise e não o que está escrito no
certificado. Dizer que o tripé é a base da formação do ana-
lista não deixa de ser verdade, mas de qual análise estamos
falando? Seria mesmo uma Psicanálise? Seria um tratamento
do sujeito? Seria possível verificar ao fim a produção de um
analista? Questões que raramente são colocadas dentro das
instituições que dizem “formar” psicanalistas.
Desde o início de seus trabalhos a questão da formação
do analista, para Freud, nunca foi tratada de forma tecnicista
no sentido de modelar o comportamento de alguém para que
este alguém consiga exercer a Psicanálise. Tampouco a ques-
tão do treinamento entra como possibilidade na formação em
Psicanálise uma vez que jamais saberemos o que vamos escu-
tar de cada novo paciente que entra por nossa porta.
Em Recomendações ao médico para o tratamento psicanalíti-
co, publicado em 1912, Freud escreveu o seguinte:
“Considero parte dos muitos méritos da Es-
cola de Zurique o fato de ter enfatizado essa
condição, concretizando-a na exigência de que
todo aquele que quiser executar uma análise
dos outros deverá primeiro submeter-se a uma
análise junto a um especialista. Quem levar a
tarefa a sério deveria optar por este caminho”
(FREUD, 1912/2017, p. 100).

Em um de seus últimos textos publicados, A análise fi-


nita e a infinita, Freud(1937) retoma a questão da formação
do analista sendo um pouco mais taxativo, mas, ainda assim,
132
mantendo sua posição de forma a não deixar nenhuma dú-
vida. “Onde e como o pobre coitado poderá adquirir aquela
habilitação ideal, necessária para sua profissão? A resposta
será: na própria análise” (FREUD, 1937/2017, p. 356).
Historicamente falando, temos então, uma instituição
constituída para zelar pela Psicanálise e sustentar a formação
que desde o início se verificou como condição necessária para
que alguém exerça o ofício de analista. No entanto, desde antes
da criação da IPA até mesmo em 1937, quando a IPA já estava
fortalecida e com um notável número de psicanalistas, não há
um só registro na obra de Freud de que o analista seria fruto de
um curso, ou um tipo de graduação em que alguém entraria e,
após um determinado período de tempo de curso e de número
de sessões, a pessoa estaria apta a exercer a Psicanálise.
O que me chama a atenção é verificar em seus textos uma
coisa que aparentemente era contrária ao que estava instituído
na única instituição que formava psicanalistas em sua época: a
Associação Internacional de Psicanálise (IPA).
Se por um lado Freud, Reik, Lacan, entre outros, aposta-
vam que o analista era produto de uma análise levada até às
últimas consequências, por outro lado aparentemente havia al-
guns analistas que, como afirma Lacan (1956/1998), pretendiam
uma Psicanálise para os que queriam tornarem-se analistas e
outra para os que não queriam. Aos que pretendiam ser ana-
listas ficava reservado a análise didática no sentido de ensinar
ao aspirante a aplicar a técnica sobre ele mesmo. Aos outros, a
Psicanálise como um tipo determinado de psicoterapia que pre-
tendia dar um tratamento ao mal-estar.
No entanto, para Lacan (1956/1998), toda análise deveria
ter como objetivo produzir um analista. Para além da terapêuti-
ca sentida pela pessoa, o tratamento ofertado por um analista é
133
para o sujeito, e não para a pessoa. Sujeito esse que se produz no
dispositivo clínico engendrado por Freud. Aqui cabe a obser-
vação que se trata do sujeito do inconsciente, importante frisar
esse ponto, pois a Psicanálise não se ocupa de tratar consciente-
mente, através de ferramentas que permitam que o paciente se
dê conta de um suposto “inconsciente” como se fosse possível
algo assim, como um inconsciente individual.
Retomo Freud (1910/2017) em Sobre Psicanálise selvagem
quando ele afirma com todas as letras que, apenas trazer para a
consciência os aspectos supostamente patológicos não resolve o
problema, ao contrário, o efeito tende sempre a ser experimen-
tado no a posteriori. “Tende a ser no a posteriori”, não significa
que sempre será desse jeito.
Podemos pensar que essa questão do analista mesmo, da
passagem de analisante para analista, da formação do analista
propriamente dita, não é algo que possamos determinar “pron-
to, agora sou analista”. Em suma, uma análise dita didática não
produz um analista no sentido de um determinado treinamento
realizado pelo analisante na presença do analista, como em um
laboratório ou em uma fábrica em que o divã seria a linha de
produção. Entra-se na fábrica como gente e sai dela como ana-
lista, seria muito mais fácil se fosse assim.
Segundo Lacan (1967/2003) “O término da Psicanálise
superfluamente didática é, com efeito, a passagem do psicana-
lisante a psicanalista” (Lacan, 1967/2003, p. 257). Então, temos
que a análise e tão somente a análise pessoal, é aquilo que pro-
duz um analista. Esse ponto dado como certo, desde os primei-
ros textos de Freud, temos um novo problema, a saber: o que é
o psicanalista.
Lacan (1967/2003), nos ensina que o analista é aquilo que
resta de uma análise após ver soçobrar diante de si todas as
134
suas certezas. É antes de mais nada um significante que se co-
loca em relação a outro significante, para que o sujeito apareça
como efeito e, através disso, seja possível um tratamento. Por
isso insisti nos capítulos anteriores em retomar a questão da
linguagem, da fala e do percurso de análise a partir do tempo
lógico tendo o inconsciente estruturado como uma linguagem.
A teoria nos ajuda a verificar o que se produziu em análise mas,
também, a teoria não dá conta de dizer tudo.
Analista como produto, como significante, como aquilo
que se pretende enquanto fim de uma análise, mas que, mesmo
depois desta passagem, é preciso ainda mais. Um analista não
existe e não se sustenta sozinho. A Psicanálise, e digo isso sem
vergonha alguma, não pode ser solitária. Aprendi em um cartel
com Josiane Orvatich que não há solipsismo em nosso campo, e
que belo isso. Se temos em conta que sua ética pressupõe mais
de um corpo, de encontros, de sessões, o outro está sempre aí.
Aquele que pretende se ocupar de exercer o ofício de analista
não pode simplesmente se dar como pronto após a análise pes-
soal. Em outras palavras, é isso que gosto muito nas escolas de
orientação lacaniana, o analista não é um título, nem um mérito,
nem um ser, mas antes, algo da ordem de uma função para que
o dispositivo funcione.
Partindo deste pressuposto a formação teórica e continu-
ada, o laço com outros analistas, o reconhecimento e também à
afiliação a uma escola, a um cartel, que é um dos mais impor-
tantes dispositivos na formação proposto por Lacan, à supervi-
são, os congressos, aos grupos, aos seminários, às pós-gradua-
ções, tudo pode ser utilizado para que o analista se sirva desse
conhecimento adquirido para sustentar sua prática.
A princípio o analista é aquilo que se produz em análise.
Depois, ou durante a análise, ou até mesmo antes, podemos ir
135
nos formando com o corpo teórico que irá sustentar nossa práti-
ca. Agora, enquanto não conseguirmos nos sustentar enquanto
um significante qualquer, de nada vale a teoria.
Lacan estava muito atento a esta questão de que a teoria
sustenta nossa prática, quando escreveu em 1956:
“Pois, se pudermos definir ironicamente a Psica-
nálise como o tratamento que se espera de um
psicanalista, é justamente a primeira, no entanto,
que decide sobre a qualidade do segundo” (LA-
CAN, 1956/1998, p. 462).

Vemos claramente que, embora o analista seja efeito da


análise, ele depende de uma teoria que oriente o tratamento.
Longe de esgotar a temática, pretendi com esse capítulo
final apresentar o mínimo necessário para que o leitor possa
se orientar quando houver o desejo de se colocar para exercer
esta função. Encerro aqui este percurso na esperança de dei-
xar um gostinho de quero mais para as próximas publicações
e para outros autores.

136
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Paulo Roberto Ceccarelli*

Há alguns anos [Conferência 3 - apresentada em 1909


na Clark University], dei como resposta à pergunta de como
alguém pode se tornar analista: ‘Pela análise dos próprios
sonhos’. Esta preparação, fora de dúvida, é suficiente para
muitas pessoas, mas não para todos que desejam aprender
análise. Nem pode todo mundo conseguir interpretar seus
próprios sonhos sem auxílio externo (FREUD, 1912/1969, p.
155).
Escrever as considerações finais sobre o livro de Marco
Correa Leite— Os primeiros passos da clínica — é uma em-
preitada difícil, pois, em certa medida, todo analista está nos
primeiros passos. Além disso, uma das reflexões centrais de
Freud, citada direta e indiretamente ao longo do livro, diz
respeito ao analista ter sempre presente no horizonte a máxi-
ma segundo a qual cada análise deve ser entendida, em sua
particularidade, como se fosse a primeira.
Já no primeiro parágrafo, apoiado em uma citação de
Freud de 1905, o autor lança a dimensão de sua empreitada:
“a Psicanálise é um procedimento de cura para aqueles que
não encontraram, em outros tratamentos, um alívio signifi-
cativo para seus sofrimentos”. Citação de peso e que dá sen-
tido — tanto como uma direção quanto como propósito — à
escrita que se segue.
Como Freud (1913) em Sobre o início do tratamento, o au-
tor deixa claro que o que escreve não são regras, mas, antes,
138
recomendações para os que estão começando a prática ana-
lítica; recomendações sobre os primeiros passos da clínica.
O que existe é a regra fundamental, isto é, a associação livre
de ideias que, sabemos, não é em nada livre. O que a coman-
da são as leis de um processo — o primário — que fogem a
qualquer apreensão direta, pois sujeitas às regras de uma di-
mensão psíquica que o sujeito desconhece, e sentidas, muitas
vezes, como algo estranho (Unheimlich). Quanto ao analista,
cabe-lhe apenas exercer a atenção flutuante, sustentada por
aquilo que Piera Aulagnier chama de “teorização flutuante”,
voltando
“seu próprio inconsciente, como um órgão re-
ceptor, na direção do inconsciente transmissor
do paciente” [e] “a partir dos derivados do in-
consciente que lhe são comunicados, recons-
truir o inconsciente, que determinou as associa-
ções livres do paciente” (Freud, 1912, p. 154).

O autor explora aquilo que a resposta de Freud, citada em


epígrafe, condensa: só é possível analisar seus próprios sonhos
através de uma análise pessoal; e a análise dos sonhos, via régia
para o inconsciente (FREUD, 1900), condensa a metapsicologia,
conferindo ao sonho o estatuto de analisável, e dando-lhe signi-
ficação (Deutung). É neste sentido que podemos dizer que toda
análise, assim como toda formação, é interminável.
Posto que ser analista é fazer de sua subjetividade obje-
to de investigação, a análise dos sonhos permite este contato: a
partir da alteridade interna que surpreende e interpela o sujeito
gerando angústia, um campo de fala em busca de sentido em si
próprio e no outro é aberto. Ademais, a análise pessoal leva o
sujeito, futuro analista, tanto a sentir na própria pele a potência
da teoria, quando reconhecê-la em seus analisandos.
139
Outro ponto importante, diz respeito à ineficácia de toda
e qualquer forma de ingerência externa na tentativa de regular
o processo de formação; como se fosse possível, a priori, ditar
regras e determinar as condutas e as diretrizes de como este
processo deva ocorrer: cada análise tem sua própria trajetória,
pois é a transferência, sustentada pelo desejo da dupla analista/
analisando, que permite que o processo se desenrole e as resis-
tências sejam superadas. Ainda que, sem dúvida, as instituições
psicanalíticas sejam unânimes quanto à pertinência do tripé
proposto por Freud em 1919, e cuja importância foi sublinhada
por Lacan (1966/1998), isto é, a análise pessoal, estudo da teoria
e supervisão, ou controle clínico, não há como garantir, e menos
ainda, regulamentar, subjetividades e desejos.
Cada instituição tem um modelo diferente sobre como
este tripé deve ocorrer, o que não pode ser separado do discur-
so de poder e da ideologia, que sustenta a instituição, e tam-
pouco entendido fora do sistema de valores, ideais, materiais e
econômicos, que subjaz o ideário da instituição. Tudo isso pode
provocar, via transferência, a infiltração de um imaginário que
transforma as discussões sobre a formação em um diálogo sem
fim, levando a um comprometimento do processo analítico.
Marco Leite aborda, sem rodeios, um dos eixos centrais da
formação: a supervisão que, justamente, permite ao futuro ana-
lista, situar-se na intersecção entre a análise pessoal e o eixo teó-
rico. A atividade supervisionada, chamada em francês de analy-
se de contrôle (análise de controle), permite o estabelecimento de
um diálogo com outro analista no qual os ruídos que impedem
uma escuta limpa – quiçá as resistências do próprio analista?
– sejam desbloqueados e a escuta ampliada: “nenhum psicana-
lista avança além do quanto permitem seus próprios complexos
e resistências internas” (FREUD, 1910, p. 150). Ou seja, a escuta
140
do analista só vai até onde sua própria análise o levou. O analis-
ta procura supervisão como uma forma de cuidar de seu atendi-
mento: a primeira supervisão foi a de Breuer/Freud.
O trabalho do autor é altamente enriquecido através de ci-
tações clínicas que exemplificam suas premissas. Isso traz uma
intimidade agradável à leitura do texto, além de mostrar que o
sujeito que o analista trabalha, é o do inconsciente e não aquele
que está ali à sua frente. Discute-se importantes considerações
tanto sobre o falar do analista, quanto o seu silêncio, assim como
as particularidades inerentes à análise freudiana e a lacaniana.
As considerações finais de Marco Leite sobre a formação
do analista fecham o livro de forma exemplar. Quando levamos
em conta que o inconsciente produz formações (Lacan, 1957), a
formação de analista traduz um projeto ético pessoal (só o psica-
nalista se autoriza) que, longe de ser técnico passa pela metabo-
lização, via transferência, de questões teórico-clinicas, levando
a uma experiência do sujeito com seu próprio inconsciente, ou
seja, com o modo como ele encarna a sua função. Transladar-se
do divã e para a poltrona é bem próximo da travessia do fantas-
ma, fazendo com que a intervenção institucional neste percurso
seja problemática.
A formação do analista passa pelo reconhecimento do
grupo: é o lugar de desejo e o reconhecimento pelo grupo, que
sustenta a sua formação. Trata-se da célebre afirmação segundo
a qual o analista só se autoriza de si mesmo:
“aquilo que ele tem de cuidar é que, a autori-
zar-se por si mesmo, haja apenas o analista (...)
Somente o analista, ou seja, não qualquer um,
autoriza-se apenas por si mesmo” (LACAN,
2003, p. 314).

Porém, autorizar-se a si mesmo é, para além de um ato,


141
ter o reconhecimento de alguém e/ou pela sociedade de filiação
do analista.
A transferência de trabalho, que a ideia lacaniana do car-
tel propõe, representa o lugar apropriado de acolhimento dessa
transferência, mas, igualmente, a unidade de base de um modo
de organização social.
Ocupar o lugar do “objeto a” é sustentar um enigma, con-
duzindo o analisando a responder questões fundamentais sobre
a constituição de sua subjetividade.
A análise leva a uma transformação experimentada, pelo
sujeito, como uma ressignificação subjetiva. Opera-se um sa-
ber: “wo es war, soll ich werden. (Onde era Isso, Eu apareço” )
Freud, 1933

*Psicólogo; Psicanalista; Doutor em Psicopatologia fundamental e Psica-


nálise – Universidade de Paris 7 – Diderot; Pós-doutor – Universidade de
Paris 7; Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental; Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG); Sócio
Fundador do Círculo Psicanalítico do Pará (CPPA); Membro da Société de
Psychanalyse Freudienne – Paris, França; Professor e orientador de pesquisas
na Pós-Graduação em Psicologia/UFPA; Professor e orientador de pesquisas
do Mestrado de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência/MP, da Facul-
dade de Medicina da UFMG; Membro do Corpo Docente do Contemporâneo:
Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade – POA, RS; Professor na pós
em Psicanálise do Hospital Santa Catarina, Blumenau, SC. Coordenador e
professor da pós em Sexualidade Humana, da Fac. Santa Casa, BH; Pesquisa-
dor Associado do LIPIS (PUC-RJ). Membro do Programa Antártico Brasileiro.
Diretor científico da Clínica Ampliada de Saúde Mental. (CASM: https://casm.
bhz.br). Coordenador do Instituto Mineiro de Sexualidade (IMSEX: www.
imsex.com.br).

142
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Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sig-
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