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PSICANÁLISE CLÍNICA:
PRIMEIROS PASSOS
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MARCO CORREA LEITE
PSICANÁLISE CLÍNICA:
PRIMEIROS PASSOS
Literatura em Cena
2022
@literaturaemcena19
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Editor:
Eduardo Lucas Andrade
Capa:
Indries Andrade Simões
Diagramação e revisão:
Geralda Andrade Simões
Agosto/2022
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L533P Leite, Marco Correa
2022 Psicanálise clínica : primeiros passos ; Marco Correa Leite
; Capa Indries Andrade Simões ; revisão de Geralda Andrade
Simões. Bom Despacho : Literatura em Cena, 2021.
146p.
ISBN : 978-65-87220-56-7
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................ 7
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Nesse mesmo parágrafo, Freud chama de “pobre infe-
liz” a pessoa que busca as qualificações para se formar psica-
nalista. Essa passagem sempre me causa graça e me lembra a
frase de uma ex-aluna que recebi como estagiária, quando eu
era supervisora de estágio e lecionava no curso de psicologia
que fui docente por mais de uma década: “Não tem como
ser feliz estudando psicanálise”. Eu concordo, a inquietação
do encontro com a teoria nos transporta muitas vezes para
a angústia de não entender. Para tanto, costumo dizer que é
preciso dar as boas-vindas ao fato que estudar psicanálise é
uma desaprendizagem. Aqui a regra não é acumular conhe-
cimento, porque trata-se de uma outra relação com o saber.
Certa vez, em Vincennes - centro universitário
experimental na França -, Jacques Lacan, psica-
nalista francês, nos tempos da crise universitá-
ria de 1969, em meio a uma discussão acalorada
com os estudantes, quando perguntado sobre
por que, ao final do ensino que recebem, não po-
deriam tornar-se psicanalistas, responde que “a
psicanálise não se transmite como qualquer ou-
tro saber”. (MAURANO, 2009, p. 149)
Fernanda Samico
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CAPÍTULO I
A PRIMEIRA SESSÃO
A Psicanálise cura!
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aceitável e até útil para superar as resistências
existentes no doente quando o médico lhe ofere-
ce uma visão de seus próprios defeitos psíquicos
e conflitos, possibilitando a ele uma igualdade
de posições quando lhe dá informações sigilosas
de sua vida” (Freud, 1912 p. 101).
As Primeiras Sessões
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briga, falar livremente, isso não é associação livre de ideias, in-
clusive, o que chamamos de regra fundamental em Psicanálise e
nem a análise, é algo natural no homem, ambas são experiências
artificiais. Geralmente, o que se vê na clínica, que é um exemplo
da associação livre de ideias, é quando o paciente vai falar algu-
ma coisa e de repente entra outra coisa no meio, alguma coisa
se rompe, alguma coisa atravessa e o que a gente faz geralmen-
te no nosso dia-a-dia? Simplesmente deixa isso pra lá, mas o
analista pega o que o paciente fala e pergunta: “o que tem a ver
isso?” – Nada não. “Pode ser que não seja nada, mas e se for,
isso te lembra alguma coisa?” Ou então: “ah, que interessante,
parece que você respondeu o que você trouxe de pergunta no
início da sessão”.2
Ainda sobre as primeiras sessões, é necessário falar um
pouquinho a respeito do acolher com o silêncio do analista. É
esperado que se produza no paciente uma fala, precisamos mais
do que abrir esse espaço para a fala e, posteriormente, a escuta
de um acolhimento com nosso silêncio. O silêncio do analista
é, dentre outras estratégias, aquilo que permite que o paciente
possa se escutar.
O silêncio do analista não é o mesmo que dizer qualquer
coisa ou ficar com a boca cerrada. Freud e Lacan já haviam rom-
pido com essa ideia. Esse estereótipo é muito mais uma leitura
equivocada do que de fato seja uma postura do analista. Que o
analista fale quando é conveniente é o que podemos esperar de
alguém que ocupa essa função.
Um ponto decisivo nas análises é que silenciar-se tem
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mais a ver com intervir para que o paciente se escute do que fi-
car calado. Essa abertura que se dá ao paciente não é sustentada
pelo silêncio no sentido de não dizer nada, mas do silêncio que
convida o paciente a falar. Em nossas vidas estamos cercados de
pessoas e, no entanto, temos aquele sentimento de que quando
falamos, falamos ao vazio. Em uma análise, o efeito deve ser o
oposto. O silêncio do analista, ou seja, o analista que silencia
suas ideias, seus ideais e suas vontades – para ainda não aden-
trarmos na dimensão do desejo e de sua função – fala para que o
analisante não apenas continue a narrar uma história, mas para
que ele se perceba como narrador e construtor, para que ele se
implique com aquilo que diz e, em especial, com os efeitos do
dizer sobre seu ser.
Nas primeiras sessões, o analista tem que estar muito
atento a um problema típico no começo do trabalho. O dizer
enquanto analista deve se orientar para que o paciente se dê
conta de sua fala e não para que ele se dê conta do que a gente
pensa enquanto pessoa, enquanto alguém. Na melhor das hipó-
teses quando isso acontece, o paciente desconsidera e procura
outro analista que o escute. Na pior das hipóteses, toma a fala
do analista como verdade absoluta, transformando aquelas ses-
sões que deveriam estar orientadas para uma análise em uma
psicoterapia. O terapeuta aqui, perde a oportunidade de ocupar
um lugar privilegiado e repete com o paciente as relações de po-
der em que um sabe mais sobre o outro e vai incidir sobre este
outro que fala e que sofre uma série de “como fazer” e “o que
fazer”. Neste sentido, podemos dizer que o paciente encontrou
mais um para sustentar seu sofrimento pois, ao escutar da boca
de outro as respostas, continua ignorando que a verdade de seu
sofrimento habita nele de forma recalcada e só há acesso a ela na
medida em que ele mesmo se põe em questão.
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Do Lugar de Objeto e do Começo da Análise
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Tomei a liberdade de repensar a questão através da poesia
de Bukowsky pois ela nos mostra uma vertente do desejo que
devemos apreender no percurso de uma análise. Lacan (1967)
em sua proposição nos demonstra isso de várias maneiras, mas
que apontam para a mesma problemática. O analista só pode
existir na condição de objeto e não na condição de ser, ou de
alguém, ou de uma pessoa que tem contas para pagar. Isso tudo
tem a ver com a ética da Psicanálise e, talvez, eis um dos pro-
blemas da Psicanálise enquanto uma “graduação” não se pode
nem ser analista e nem ir ao divã só para cumprir tabela.
Em Nota Italiana temos uma frase de Lacan que me mar-
cou demasiadamente no meu percurso de formação num mo-
mento em que eu fazia o cartel sobre a formação de analista.
“Autorizar-se não é auto-ri-(tuali)zar-se.” (p. 312). Neste texto,
vemos logo abaixo desta afirmação que somente a análise não
é suficiente para que, mesmo que se tenha produzido um ana-
lista, ocupar este lugar demanda outras coisas que complemen-
tam a formação.
Retornando ao nosso ponto sobre o analista no lugar de
objeto, há aqui muito conteúdo denso para trabalharmos, o que
não é a proposta deste livro. No entanto, podemos avançar um
pouco e afirmar que só é possível ter uma experiência do que é
a Psicanálise na medida em que o paciente não é tomado como
objeto pelo analista e, que, o analista, consegue se sustentar en-
quanto objeto causa do dispositivo clínico inventado por Freud.
Esta prorrogativa vai na contramão de uma série de insti-
tuições que “formam” psicanalistas, embasadas apenas em nú-
meros de atendimentos, colocando um número x de pacientes
a serem atendidos, ou um número x de horas de “análise pes-
soal”, como requisito de formação. Notem como, em nome de
uma suposta “formação” temos uma inversão grave nos lugares
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que deveriam ocupar o paciente e o analista nas primeiras ses-
sões.
Mas qual a ética e em que se baseiam estas instituições
quando, na verdade, não encontramos em nenhum texto clás-
sico ou documento das instituições sérias um número x ou um
número mínimo de sessões para que alguém se torne psicana-
lista? Onde está escrito em Freud, em Lacan? Não tem que aten-
der ninguém para ser psicanalista, muito pelo contrário, tem
que fazer análise, levar até as últimas consequências e conseguir
sustentar, na hora que receber alguém, esse lugar de objeto, não
de sujeito. Aí a poesia de Bukowsky nos ajuda a interpretar a
teoria lacaniana.
Então, a ideia é essa, até que ponto nós, enquanto analis-
tas, estamos tomando o nosso paciente como objeto? E no co-
meço da clínica é muito difícil fazer isso, parece que a análise
só é possível de se dar nos momentos em que, o analista em
formação, consegue com sua intervenção fazer um giro e se co-
locar no lugar de objeto causa de alguma coisa3. E o que, na
grande maioria das vezes, a gente vê é essa fixação em que: “Eu
estou com cinco pacientes e tenho a conta do carro para pagar,
por que eu fui comprar o carro? Eu estou com consultório para
pagar, por que eu aluguei o consultório, se hoje é tudo on-line?
Eu tenho que comprar ovo porque o bife está caro. Eu não devia
ter comido um lanche.” Em suma, devemos ter cuidado com
estas questões pois o analista também tem que comer, pagar
3 Neste ponto estou me referindo aos quatro discursos de Lacan. Não me parece
apropriado colocar este material aqui neste capítulo, mas existem muitos textos
que podem orientar a esse respeito. No momento inicial de quem quer praticar
a Psicanálise a supervisão ajuda muito aqui. Intervir para que o paciente possa,
ao experimentar do dizer, revelando-se dividido, fazer a entrada em análise que
pode se dar de uma só vez ou aos poucos. O que quero registrar aqui é que para
que haja análise é preciso que o analista intervenha no lugar de objeto “a” causan-
do a divisão subjetiva e ordenando o discurso de forma a montar o discurso da
histérica. A isto damos o nome de histericização do discurso.
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suas contas, isso tudo será retomado a partir do capítulo 3. A
ideia aqui é acolher as tensões intrínsecas a nosso ofício desde
os primeiros atendimentos clínicos, mostrando que é possível
uma análise quando e somente quando há um analista.
Retomando uma das questões propostas por Lacan (1967)
na proposição, um dos pontos a que uma análise deve nos levar
é a do “des-ser”. No entanto, essa ideia, do des-ser, pode ser
compreendida de forma equivocada se não nos atentarmos que
o ser do qual pretendemos nos livrar é aquele produzido pela
predicação do sujeito. Lacan, no seminário 20, afirmou que
“O ser é exatamente o que sustenta todo o dis-
curso, que carrega o discurso, na medida em que
o discurso é o que se produz nas bordas do bu-
raco que ele constitui. O ser é, pois, ao mesmo
tempo, aquilo que está antes do discurso, que
carrega o discurso e que está depois, no fim de
todo discurso, seu ponto de convergência, seu
limite.” p. 64 (versão da Escola Letra Freudiana).
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CAPÍTULO 02
O MÉTODO CLÍNICO
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nhecimento revela-se, pois, reforçada por um
desconhecimento que é interno a seu próprio
movimento” (Lacan, 1955 p. 331).
O que é um ensaio?
Na língua portuguesa temos ao menos duas definições
possíveis para significar esta palavra. A primeira é com relação
ao que nos parece mais diretamente ligado ao texto de Freud
(1913), um ensaio pode ser um “período probatório” (p. 122)
em que ensaiamos com o paciente os primeiros passos como
em uma peça, em uma dança, em uma apresentação. Temos
também que Ensaio é um ato de ensaiar, pôr à prova, testar as
coisas para verificar o que é possível, treinar, etc.. O período de
ensaio seria então um período predeterminado em que organi-
zaríamos as regras do jogo, o que é esperado do paciente, o que
o paciente pode esperar de nós, os acordos com relação ao tem-
po das sessões, horários, valores, bom, as regras todas seriam
postas e verificaríamos a construção da transferência a partir daí
apostando em tão somente uma única coisa, na fala do paciente.
“Quer se pretenda agente de cura, de formação
ou de sondagem, a Psicanálise dispõe de apenas
um meio: a fala do paciente. A evidência desse
fato não justifica que se o negligencie.” Lacan
(1953 - função e campo da fala e da linguagem)
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lisante não é o analista e, muito menos, o objeto suposto satisfa-
zer o analista em sua posição de sujeito.
Freud em A dinâmica da transferência é muito criterioso
neste ponto quando afirmou que os pacientes procuram nos
analistas, tal qual procuram em médicos, professores e outras fi-
guras de autoridade, não apenas uma cura, mas principalmente
estabelecer uma relação de amor em que seja possível satisfazer
uma demanda pulsional insatisfeita. Aí está uma direção quan-
to à posição que o analista deve ocupar. Enquanto outros pro-
fissionais acreditam poder ser isso que o paciente busca, o ana-
lista interroga o paciente para que ele perceba que a satisfação
almejada é impossível. Começa aqui um trabalho de orientar o
amor em direção ao saber que o paciente porta e também que
ele irá construir na falta de sentido que sua própria fala acaba
revelando sessão após sessão.
Segundo Lacan em A agressividade em Psicanálise (1948).
“Sublinhei que o analista curava pelo diálogo,
e curava loucuras igualmente grandes; que vir-
tude, portanto, acrescentou-lhe Freud? A regra
proposta ao paciente na análise deixa-o avançar
por uma intencionalidade cega para qualquer
outro fim que não sua libertação de um sofri-
mento ou de uma ignorância dos quais ele nem
sequer conhece os limites.” (p. 109).
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possível pensar uma psicose de transferência e uma perversão
de transferência. Ou seja, o diagnóstico é a leitura que é feita
da maneira como o sujeito se defende da castração, de sua mo-
dalidade de gozo, de sua relação com Outro, etc.. Não caberia
aqui, mais uma vez, uma exaustiva descrição do que seria uma
neurose, uma psicose ou uma perversão. Também não pretendo
dizer como os analistas devem seguir em cada estrutura. Este
livro, por ser um trabalho para quem está iniciando, deve ao
menos incitar a, em suas limitações, produzir no leitor um senti-
mento de ... “mais ainda...” desejar saber mais, ir atrás de outras
leituras, supervisões e trabalhos para amparar sua prática.
Que se saiba, no entanto, que uma clínica das psicoses não
é o mesmo que uma clínica das neuroses que também não é a
mesma coisa que uma clínica das perversões. Cada estrutura tem
seus impasses, limites, desafios e, por que não, possibilidades.
Outro ponto que não pode deixar de ser dito é que o sujei-
to com o qual operamos não é a pessoa, mas, antes, o sujeito do
inconsciente. Sobre essa questão precisaríamos de um capítulo
inteiro para verificar as coordenadas dessa afirmação, mas su-
giro, a princípio que o leitor verifique os textos O inconsciente,
de Freud e também A ciência e a verdade, de Lacan para ter uma
melhor apreensão desta ideia. Diagnosticar o sujeito não é nem
de longe o mesmo que predicá-lo, mas verificar a partir do que
se produz na clínica uma maneira muito particular e própria de
funcionar dentro de uma estrutura universal que chamamos de
linguagem.
Neste sentido, o sujeito não é neurótico, psicótico ou per-
verso. Interessante ponto que propõe o sujeito como efeito do
discurso que se produz em análise. A maneira como este sujeito
consegue se relacionar com o objeto que o causa seria propria-
mente neurótica, perversa ou psicótica.
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Vemos então que o analista, no lugar de objeto, pode in-
terpretar o que está se passando na clínica quando percebe que
está não apenas dentro do jogo, mas antes, como aquilo que
causa o jogo propriamente dito. Se Freud nomeou de Neurose
de Transferência e em diversos textos nos trouxe que o paciente
transfere ao analista, ou ainda, que o paciente se aproxima do
analista com expectativas, ou ainda que o analista ocupa um
lugar privilegiado na relação transferencial, como não ver aí
Freud nos dizendo de diversas formas que o analista está im-
plicado no jogo de tal maneira que o jogo mesmo não se daria
sem o analista?
Para encerrar esta parte, e eis o ponto que talvez seja o
principal. Sabe o analista o que é uma neurose de transferência
para diagnosticá-la? Sabe o analista como produzi-la na relação
com o paciente (não o sujeito) que o procura em sofrimento?
Para responder a estas questões, proponho avançarmos no que
Lacan chamou de entrevistas preliminares.
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CAPÍTULO 03
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diluição da loucura, como o domínio da psi-
quiatria se expandiu, abarcando desde a esqui-
zofrenia até a gestão cosmética das performan-
ces cotidianas dos indivíduos”. (Laia e Aguiar,
2017 p. 23).
O Tempo
A FORMAÇÃO DO ANALISTA
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Referências Bibliográficas
http://www.acfportugal.com/index.php/textos/textos-de-orien-
tacao/140-sobre-a-formacao-dos-psicanalistas
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28574009/
https://www.amazon.com.br/Como-ler-Lacan-Slavoj-Zizek/
dp/8537802433
https://www.amazon.com.br/Psicanalise-Lacaniana-Marcio-Pe-
ter-Souza/dp/8573211180
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