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O QUE CRISTO PENSA

DA IGREJA

John Stott

UNITED
PRESS
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................. 6
Carta à igreja de Éfeso: ............................................................. 16
Carta à igreja de Esmirna: ......................................................... 27
Carta à igreja de Pérgamo: ........................................................ 39
Carta à igreja de Tiatira: ............................................................ 53
Carta à igreja de Sardes: ............................................................ 65
Carta à igreja de Filadélfia: ....................................................... 78
Carta à igreja de Laodicéia:....................................................... 90
CONCLUSÃO ........................................................................... 101
Prefácio
O que Cristo pensa da igreja é uma questão de grande interesse para
todos os cristãos. O que nós mesmos pensamos dela, de uma perspectiva
interna, e o que outros que estão fora dela pensam dela, são opiniões
igualmente importantes. Porém, muito significativa é a visão do próprio
Jesus Cristo, uma vez que Ele é o fundador, cabeça e julgador da igreja.
A igreja é, sob todos os pontos de vista, um fenômeno extraordinário.
Desde seu humilde começo na Palestina, ela se desenvolveu ao longo dos
séculos em uma comunidade única, multirracial, multinacional e
multicultural. Outras religiões são corretamente denominadas “étnicas”,
porque são geralmente limitadas a povos particulares; somente o
cristianismo pode realmente ser considerado universal, pois Jesus Cristo
conquistou adeptos de todas as raças, classes sociais e religiões. Além disto,
a comunidade cristã continua a crescer, em muitos lugares rapidamente,
embora algumas vezes esse crescimento não tenha profundidade.
Assim, o que Cristo pensa de Sua igreja? Felizmente não nos falta
meios para responder a esta pergunta, porquanto o Novo Testamento contém
muitas informações sobre os propósitos de Cristo para Seu povo. De Suas
próprias palavras registradas nos Evangelhos, do retrato da Igreja Primitiva
pintado por Lucas, no livro de Atos, e das instruções pormenorizadas dos
apóstolos em suas cartas podemos colher muita coisa sobre a natureza e
funções da igreja.
Mas há outro recurso à nossa disposição, que tende a ser
negligenciado, ou seja, o livro do Apocalipse. Seus capítulos dois e três
contêm sete cartas, cada uma delas endereçada a uma comunidade cristã
particular do primeiro século, na província romana da Ásia. Embora essas
cartas tenham sido escritas por João, afirma-se que foram transmitidas a ele
diretamente pelo Cristo ressurreto e glorificado. Apesar de sua mensagem
referir-se às situações específicas daquelas igrejas, ela expressa
preocupações que se aplicam a todas igrejas. Por meio de aprovação e
censura, advertência e exortação, Cristo revela desejar que Sua igreja seja
igual em todos os lugares e em todos os tempos.
O conteúdo deste livro foi usado primeiramente de forma embrionário
como uma série de sermões expositivos na All Souls Church, Langham
Place, Londres, em 1957. Ele foi em seguida elaborado e publicado no ano
seguinte. Porém agora, passados 30 anos, foi inteiramente revisado, e o texto
bíblico exposto foi mudado para a Nova Versão Internacional.
Minha oração, ao entregar esta nova edição ilustrada, é que ela possa
ajudar os líderes da igreja a perceber onde se fundamentam as prioridades de
Cristo. Há muito neste texto para chamar-nos a arrependimento e à
renovação, muito para humilhar-nos e envergonhar-nos, muito para
acautelar-nos da malícia de nosso inimigo, e muito para incitar-nos à firmeza
e à perseverança. Possa Cristo falar novamente a nossas igrejas as verdades
que expôs às igrejas da Ásia há séculos, e possam nossos ouvidos abrir-se
para ouvir o “que o Espírito está dizendo às igrejas”.

John R. W. Stott
Fevereiro de 1990
Revelação de Jesus Cristo...
Apocalipse 1:1

INTRODUÇÃO

Um mundo estranho

Muitos cristãos evitam a leitura do Apocalipse. Ele parece-lhes quase


incompreensível. São talvez céticos quanto a algumas interpretações
fantasiosas que ouviram e não conseguem adaptar-se facilmente às estranhas
imagens do livro. Começar a ler o Apocalipse é penetrar em um mundo
estranho de anjos e demônios, cordeiros, leões, cavalos e dragões. Selos são
abertos, trombetas soam e o conteúdo de sete taças é derramado sobre a terra.
Dois monstros particularmente malignos surgem, um emergindo do mar com
dez chifres e sete cabeças, e outro erguendo-se da terra com chifres de
cordeiro e voz de dragão. Há trovão, raio, granizo, fogo, sangue e fumaça.
Todo o livro parece à primeira vista conter uma profusão caótica de visões
fatídicas e misteriosas.
Mas não podemos observar os fatos apenas nesta perspectiva. O livro
atesta ser uma revelação divina, dada por Deus a Seus servos (1:1). Há uma
bênção singular prometida no início à pessoa que o lê em voz alta na igreja
e àqueles que ouviram (1:3), acrescentando no final uma advertência solene
a todos que ousem alterar sua mensagem, seja acrescentado ou retirado
palavras (22:18-19). Além disso, este último livro da Bíblia tem sido
apreciado pelo povo de Deus através de gerações e tem trazido palavras de
desafio e conforto a milhares. Seríamos tolos, portanto, em negligenciá-lo.

Chaves para compreensão do texto

Iremos nos deter aqui nos três primeiros capítulos do livro, e em


particular nos segundo e terceiro capítulos, os quais contêm sete cartas
dirigidas pelo Cristo ressurreto a sete igrejas na província romana da Ásia.
O capítulo um é a introdução de todo livro, e é para ele que nos voltamos
agora. Com certeza, algumas chaves importantes para uma interpretação
correta do livro nos sãos dados já no primeiro versículo: Revelação de Jesus
Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos o que em breve há de
acontecer. Ele a tornou conhecida enviando o seu anjo ao seu servo João.
A primeira palavra na sentença grega é apocalupsis, que (como sua
6
equivalente latina, revelatio) significa “desvelar”. Todo o livro é uma
revelação, uma exposição feita por Deus das verdades que, de outra forma,
permaneceriam ocultas.

Apocalipse 1:1-20

Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos
o que em breve há de acontecer. Ele a tornou conhecida enviando o seu anjo
ao seu servo João, 2que dá testemunho de tudo o que viu — isto é, a palavra
de Deus e o testemunho de Jesus Cristo. 3Bem-aventurado aquele que lê as
palavras desta profecia e aqueles que ouvem e guardam o que nela está
escrito, porque o tempo está próximo.

Saudação e Doxologia

(4) 4João Às sete igrejas da Província da Ásia:


A vocês, graça e paz da parte daquele que é, que era e que há de vir, e dos
sete espíritos que estão diante do seu trono, 5e de Jesus Cristo, que é a
testemunha fiel, o primogênito dentre os mortos e o soberano dos reis da
terra. Aquele que nos ama e nos libertou dos nossos pecados por meio do
seu sangue, 6e nos constituiu reino e sacerdotes para servir a seu Deus e
Pai, a ele sejam glória e poder para rodo o sempre! Amém. 7Eis que ele vem
com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram;
e todos os povos da terra se lamentarão por causa dele. Assim será! Amém.
8
"Eu sou o Alfa e o Ômega", diz o Senhor Deus, "o que é, o que era e o que
há de vir, o Todo-Poderoso."

Alguém Semelhante ao Filho do Homem


9
Eu, João, irmão e companheiro de vocês no sofrimento, no Reino e na
perseverança em Jesus, estava na Ilha de Patmos, por causa da palavra de
Deus e do testemunho de Jesus. 10No dia do Senhor achei-me no Espírito e
ouvi por trás de mim uma voz forte, como de trombeta, 11que dizia: "Escreva
num livro o que você vê e envie às sete igrejas; Éfeso, Esmirna, Pérgamo,
Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia." 12Voltei-me para ver a voz que
falava comigo, Voltando-me, vi sete candelabros de ouro 13e entre os
candelabros alguém "semelhante a um filho de homem", com uma veste que
chegava aos seus pés e um cinturão de ouro ao redor do peito. 14Sua cabeça
e cabelos eram brancos como a lã, tão brancos quanto a neve, e seus olhos

7
eram como chama de fogo. 15Seus pés eram como o bronze numa fornalha
ardente e sua voz como o som de muitas águas. 16Tinha em sua mão direita
sete estrelas, e da sua boca saía uma espada afiada de dois gumes. Sua face
era como o sol brilhando em todo o seu fulgor. 17Quando o vi, caí aos seus
pés como morto. Então, ele colocou sua mão direita sobre mim e disse: "Não
tenha medo. Eu sou o primeiro e o último. 18Sou aquele que vive; estive
morto mas agora estou vivo para todo o sempre! E tenho as chaves da morte
e do Hades. 19"Escreva, pois, as coisas que você viu, tanto aos presentes
como as que estão por vir. 20Este é o mistério das sete estrelas que você viu
em minha mão direita e dos sete candelabros: as sete estrelas são os anjos
das sete igrejas, e os sete candelabros são as sete igrejas."

Uma revelação para a Igreja

Pode ser útil começar com a simples observação de que a revelação


foi feita para a Igreja. O "apocalipse" foi dado por Deus para mostrar aos
seus servos. Eles deveriam ser os recipientes. Ela foi concedida para seu
benefício. Sendo isto assim, é absurdo desistir de tentar compreendê-la.
Devemos perseverar.
Em particular, a revelação dada a João e ordenada a ele que a
escrevesse em um livro, foi dirigida às sete igrejas da província da Ásia
(versículo 4). Um pouco depois elas são mencionadas. Ele deve enviar o livro
a Éfeso, Esmirna, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia (versículo 11).

As sete cidades

A província romana da Ásia estava localizada a oeste, na região


costeira do que agora conhecemos como Turquia. As sete cidades
mencionadas formam um círculo irregular e estão relacionadas na ordem em
que um mensageiro poderia visitá-las, se fosse comissionado para entregar
as cartas. Viajando da ilha de Patmos, para onde João fora banido, ele
chegaria a Éfeso. Dali então poderia viajar ao norte para Esmirna e Pérgamo,
e a sudeste para Tiatira, Sardes e Filadélfia, encerrando sua viagem em
Laodicéia. Ele precisaria somente seguir o que o arqueólogo britânico Sir
William Ramsay chamava “a grande estrada circular que ligava a parte mais
populosa, rica e influente da província, à região centro-oeste.

8
Este contexto histórico para o livro do Apocalipse, entretanto, não
pode limitar sua importância. Assim como as cartas de Paulo (por exemplo)
aos Coríntios e Tessalonicenses transmitem a palavra de Deus aos crentes de
Corinto e Tessalônica tanto quanto aos crentes de hoje, em Londres, Nova
Iorque ou Cairo, assim também as cartas de Cristo por meio de João para as
comunidades cristãs do primeiro século têm um valor permanente e uma
mensagem universal. Os comentaristas não deixam de observar que as
igrejas asiáticas somavam sete, um número que indica perfeição e
integralidade, em um livro cujos números são quase sempre simbólicos. As
sete igrejas da Ásia, embora históricas, representam as igrejas locais de todas
as épocas e de todas as nações.

Perseguição sistemática

A sociedade cristã na província romana da Ásia, naquele tempo, era


duramente oprimida. É provável que o Apocalipse reflita a situação vivida
durante o reinado do imperador Domiciano (81-96 d.C.), que promovia um
segundo estágio de perseguição aos cristãos iniciada 25 anos atrás,

9
primeiramente por Nero. As perseguições de Nero tinham sido esporádicas;
as de Domiciano parecem ter sido mais sistemáticas. Os efeitos do
antagonismo de Nero foram sentidos somente em Roma, ao passo que sob
Domiciano, que era ávido por honras divinas, a perseguição espalhou-se pela
Ásia. Os cristãos que adoravam a Jesus Cristo como Senhor estavam sendo
convidados a adorar a César como Senhor. A batalha estava começando. O
coração do povo cristão estava cheio de sobressalto. Alguns de sua
comunidade estavam recebendo insultos pessoais. Outros estavam sendo
boicotados nos negócios. Um ou dois tinham até mesmo perdido a vida.
Poderia a Igreja sobreviver à tormenta que parecia prestes a eclodir?
A perseguição não era o único perigo ao qual as igrejas da Ásia
estavam expostas. Era preciso também combater os desvios doutrinários e
vencer o mal. Falsos profetas andavam à espreita, tramando para enganar até
mesmo os cristãos firmes através de suas filosofias heréticas. Homens e
mulheres imorais estavam também contaminando a Igreja com sua
influência, e os padrões de conduta estavam sendo degradados.

As táticas do diabo

Perseguição, desvio e pecado. Estes não eram fenômenos


inexplicáveis. João reconheceu sua fonte com uma clareza de visão que
necessitamos readquirir atualmente. O diabo estava em ação. Por trás da
situação aparente das igrejas da Ásia, um conflito invisível eclodiu entre
Cristo e o anticristo, entre o Cordeiro e o dragão, entre "a cidade santa"
Jerusalém (a Igreja) e "a grande cidade" Babilônia (o mundo). A investida
do diabo à Igreja de Cristo foi um movimento múltiplo. Ele atacava de várias
direções. Ora o ataque era físico, vindo de um imperador perseguidor e seus
agentes, ora era intelectual, por meio de rituais falsos, ora moral, por meio
dos padrões éticos subcristãos. Estas foram as três estratégias do diabo,
simbolicamente representadas no Apocalipse como as três aliadas do dragão:
a besta do mar, a besta da terra (ou o falso profeta) e a prostituta.
Em cada época tem sido a mesma coisa. As táticas do diabo não
mudam. Ao olharmos o mundo de hoje, constatamos que as mesmas pressões
estão atormentando diferentes igrejas. Em algumas regiões do mundo a
franca hostilidade ao Evangelho é acompanhada de violência física. Em
outras, a Igreja está travando um combate intelectual com uma ideologia
insidiosa ou uma filosofia materialista com a qual não se pode chegar a um
acordo. Em outra parte, a luta está se desenrolando no campo moral, quando
o mundo procura induzir a Igreja a conformar-se com seus padrões.

10
O Apocalipse começa a tornar-se compreensível somente quando é
visto como a palavra de Deus para seus servos neste contexto. É uma
mensagem à Igreja no mundo. É um chamado a nós para suportar a
tribulação, apegar-nos à verdade, resistir às adulações do diabo e obedecer
aos mandamentos de Deus.

Uma revelação de Jesus Cristo

Se as destinatárias da revelação são as igrejas de Cristo, a essência da


revelação é o próprio Cristo. O livro começa por qualificar-se como a
revelação de Jesus Cristo, e termina nos últimos dois versículos com ecos
de seu nome (Apocalipse 22:20-21). Chamá-lo "a Revelação de São João, o
Divino", como se faz com frequência, é inteiramente equivocado. A
revelação é, com certeza, dada a João; mas ela é de Cristo. Ele é, em si, seu
grande tema.

Uma visão de Cristo

Uma Igreja acuada, com as costas contra a parede, lutando para


sobreviver, precisa mais do que exortação moral e súplica piedosa; ela
precisa ver a Cristo. Uma história do mundo em linguagem alegórica (como
alguns acreditam ser o Apocalipse) é consolo pouco satisfatório comparado
a uma visão do Cristo exaltado. Todo o livro fala a respeito dele. Ninguém
pode lê-lo sem obter uma visão mais clara sobre Ele.
O primeiro capítulo torna este fato particularmente claro. Quando
Jesus é apresentado, atribui-se a Ele uma lista marcante de três títulos, à qual
se acrescenta uma afirmação tanto de suas realizações como de seu triunfo
futuro (versículos 5-7). Primeiro, Ele é a testemunha fiel. É a Igreja chamada
a dar testemunho no mundo? Que ela siga o exemplo de seu Senhor. Ele disse
que tinha vindo ao mundo para dar testemunho da verdade (João 18:37), e
foi fiel ao longo de seu ministério. Falou daquilo que sabia e testificou aquilo
que tinha visto e "diante de Pôncio Pilatos fez a boa confissão" (João 3:11;
1 Timóteo 6:13). Ele nunca hesitou, mesmo quando sofreu. Devemos
também ser fiéis em nosso testemunho.
Em seguida, Ele é chamado o primogênito dentre os mortos. Outros
tinham sido trazidos de volta a esta vida, mas Ele foi o primeiro a ser
levantado para uma vida nova e indestrutível. Outros tinham voltado à vida,
mas somente para morrer outra vez. Ele levantou-se e vive para todo o
sempre. Ele é agora Aquele que vive (versículo 18); a morte não mais terá

11
domínio sobre Ele. Uma Igreja perseguida, diante da possibilidade de
martírio necessita urgentemente desta certeza.
Em terceiro lugar, Ele é o soberano dos reis da terra (versículo 5). Os
reis terrenos podem procurar destruir a Igreja, mas Jesus Cristo é o Rei dos
reis. Os senhores humanos podem tentar dominar a vida dos cristãos, mas
Cristo é o Senhor dos senhores. Ele dirige os negócios e os destinos das
nações. Ele governa sobre os reis da terra. Seu império é mais amplo que o
poder de Roma. Seu domínio é universal.

Uma doxologia

A estes três títulos João acrescenta, em eloquente doxologia, a menção


dos atributos, passados e futuros, de nosso Senhor. Ele não somente nos ama;
Ele não somente nos libertou de nossos pecados por meio de seu
sangue (versículo 5); mas nos constituiu reino e sacerdotes (versículo 6).
Assim como Deus firmou uma aliança com os israelitas no Monte Sinai e fez
deles seu povo, seu reino sobre o qual governou, também Cristo por sua
morte ratificou uma nova aliança e inaugurou um novo reino. A igreja cristã
é a nova teocracia. Cristo reina sobre nós. Somos seu reino. Além disso, tanto
no velho Israel como no novo, os membros do reino de Deus
são sacerdotes, usufruindo íntimo acesso a Ele e oferecendo-lhe o sacrifício
espiritual de nossa adoração.
Aquele que nos redimiu e nos fez um reino e sacerdotes virá um
dia com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o
traspassaram; e todos os povos da terra se lamentarão por causa
dele (versículo 7). Os olhos que agora o veem com desprezo irão vê-lo então
com terror. Ele virá em juízo. Ele transformará o torto em direito e corrigirá
a balança desigual deste presente mundo. Erguei, cristãos, vossas cabeças!
O dia de vossa redenção está próximo.
Esta é a abertura da revelação de Jesus Cristo em seus títulos e ações.
Este é um antegozo de revelações mais ricas que se seguirão.
João continua a escrever como, em certo domingo durante seu exílio,
foi-lhe concedida uma visão de Jesus. Ele descreve em pormenores aquilo
que viu, cada parte do que é significativo. Ao mesmo tempo, é importante
lembrar que as imagens que ele usa devem ser entendidas como simbólicas
e não pictóricas. Os vários elementos da visão são símbolos significativos a
ser interpretados, e não características reais a ser imaginadas. Por exemplo,
se João viu Jesus com uma espada afiada de dois gumes saindo de sua boca,
não devemos visualizar isto literalmente e, sim, lembrar que as palavras que
Cristo pronuncia são como uma espada afiada e penetrante.
12
"Semelhante a um filho de homem"

A atenção de João foi atraída para a presença de Jesus através de uma


voz forte por trás dele. Voltando-se, viu sete candelabros de ouro e entre os
candelabros alguém ‘semelhante a um filho de homem’ (versículos 12-13).
Isto significa que ele viu uma figura humana, embora a pessoa que viu fosse
mais do que um mero homem. Ele era glorioso e sublime. Era como o filho
do homem na visão de Daniel (veja Daniel 7:13-14).
Ele era de fato o "homem Cristo Jesus" glorificado. João logo notou
suas vestes, pois Ele envergava uma toga que lhe "chegava aos seus pés e
um cinturão de ouro ao redor do peito", usado por sacerdote, rei ou juiz. Sua
aparência era não somente distinta mas venerável e santa, pois seus cabelos
eram brancos como a lã ou a neve. Seu olhar penetrante era intenso à medida
que seus olhos brilhavam como o fogo do julgamento, e seus pés eram tão
fortes como o bronze polido. Sua voz era trovejante como a arrebentação das
águas contra a costa rochosa de Patmos, e 'sua face era como o sol brilhando
em todo o seu fulgor' (versículos 13-15).
O propósito desta visão não era, entretanto, o esclarecimento pessoal
de João. Não cabia ao vidente nenhum monopólio pessoal de sua riqueza. A
visão destinava-se a toda a Igreja. Ela foi dada a João para que ele a
transmitisse a outros. Foi-lhe dito: 'Escreva num livro o que você vê e envie
as sete igrejas...' (versículo 11).
Foi extremamente difícil para João suportar esta manifestação
visionária de Cristo. Ela havia sido ensurdecedora para seus ouvidos e
ofuscante para seus olhos. Ele caiu aos seus pés como morto (versículo 17),
Mas Jesus pousou sua mão sobre o ombro de João e disse-lhe de modo
tranquilizador: 'Não tenha medo'.

Sete candelabros

Levantando-se, João podia agora absorver a mensagem imediata que


Cristo tinha a transmitir. O Senhor afirmou sua vitória sobre a morte,
ordenou que João escrevesse em um livro o que ele tinha visto e ainda veria
(versículo 18-9) e então interpretou os dois aspectos mais proeminentes da
visão, que ainda não mencionei. Estes dizem respeito aos sete candelabros
no meio dos quais estava Jesus, e às sete estrelas que Ele sustinha em Sua
mão direita. Com certeza, quando João voltou-se inicialmente e contemplou
a visão, foi sobre os candelabros e não sobre Cristo que seus olhos se fixaram
(versículo 12). Ele não viu um lampadário consistindo de um candelabro com
sete hastes (tal como o que estava no tabernáculo fora do véu). Ele viu sete
13
candelabros separados, cada um sem dúvida com uma lâmpada acesa, e Jesus
Cristo entre eles. Os setes candelabros, explicou Jesus, representando as sete
igrejas, e as sete estrelas correspondiam aos anjos das sete igrejas (versículo
20).
O que eram esses “anjos” não podemos dizer com certeza. Eles podem
ter sido os representantes celestiais e tutores das igrejas, ou talvez os
ministros que presidiam, ou “bispos” das igrejas. O que está é que tanto as
estrelas como as lâmpadas difundiam luz, ainda que em diferentes
intensidades. Portanto, as igrejas de Cristo devem ser portadoras de luz na
escuridão do mundo. Ninguém pode dispersar as sombras do pecado e da
tristeza senão Aquele que é a Luz do Mundo e aqueles a quem Ele concede
Seu próprio título.
“Vocês são a luz do mundo...”, disse Ele no Sermão do Monte, “assim
brilhe a luz de vocês diante dos homens...” (Mateus 5:14-16; João 8:12). Mas
a luz da igreja é emprestada ou refletida, como a da lua. Se as estrelas têm
de brilhar e as lâmpadas luzir, elas devem permanecer na mão de Cristo e na
presença de Cristo.

Uma revelação por intermédio de João

Nossa exposição do primeiro capítulo de Apocalipse não seria


completa se déssemos a impressão de que a mensagem de Cristo à igreja era
imediata e direta. Não era. Ela foi apresentada por intermédio de João. Foi,
sem dúvida, uma revelação de Cristo à Sua igreja, mas João foi o veículo de
Sua transmissão. Ele a tornou conhecida... ao Seu servo João (versículo 1).
A ordem de Cristo a ele para escrever as visões em um livro e enviá-lo às
sete igrejas é repetida duas vezes (versículo 11 e 19) e ocorre novamente no
início de cada carta individualmente.

Quem é João?

Os estudiosos continuam a discutir a identidade do autor humano do


Apocalipse. Neste livro estou considerando a visão tradicional de que o
escritor que se intitula simplesmente “João”, sem qualquer esclarecimento
adicional, é o apóstolo, o discípulo amado, o filho de Zebedeu e irmão de
Tiago, o qual sobreviveu aos outros apóstolos e viveu até uma idade
avançada como líder da igreja em Éfeso. Certamente, o autor de Apocalipse
possui uma autoridade que as igrejas da Ásia reconheceram e está
familiarizado com as condições geográficas, sociais e espirituais.

14
Seu relacionamento com elas tornou-se mais íntimo por causa de seus
sofrimentos. Eu, João, escreve ele, sou irmão e companheiro de vocês no
sofrimento e na perseverança em Jesus (versículo 9). Ele está na ilha de
Patmos, não como visitante nem como missionário, mas como exilado. Foi
para essa “ilha estéril, rochosa, com cerca de 16 quilômetros de comprimento
e oito de largura” (R. H. Charles) que ele foi banido por causa da palavra
de Deus e de seu testemunho sobre Jesus. Ele tinha sido ousado em sua
pregação e fiel em seu testemunho, por isso teve de sofrer. Ele não escapou
da tribulação que estava sufocando as igrejas da Ásia. Mas se ele
compartilhou do sofrimento, compartilhou também da glória. Ele já se
reconhece como membro do reino de Cristo, assim como elas são, e está
aprendendo a mesma constância e coragem em sua aprovação, a qual ele
deseja sinceramente para as igrejas.
É a tal homem, chamado, escolhido e fiel, um participante dos
sofrimentos, do reino e da paciência de Cristo, que esta revelação
maravilhosa é dada. É uma manifestação de Cristo às igrejas por intermédio
de Seu servo João.

A visão de Cristo sobre Sua Igreja

O que Cristo pensa de Sua igreja e o que Ele diz a ela será revelado
em pormenores nos próximos capítulos. Ele tem o direito de pensar e dizer
o que lhe apraz. Em primeiro lugar, ele é Sua igreja. Ele a edificou sobre a
pedra e prometeu que as portas do Hades [inferno] não poderão vencê-la
(Mateus 16:18). Ele é a sua cabeça e a fonte de sua vida. Em segundo lugar,
Ele a conhece intimamente. Em cada uma das sete cartas Ele começa dizendo
“conheço” ou “sei. Conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua
perseverança”, diz Ele. “Conheço as suas aflições e a sua pobreza. Sei onde
você vive. Conheço as suas obras, o seu amor e fé, o seu serviço e
perseverança” (2:2,9,13,19). Ele anda entre os candelabros, rodando e
supervisionando Suas igrejas. Ele é o pastor líder de Seu povo.
Qual é, pois, Sua visão da igreja? Em cada uma das cartas que se
seguem, o Senhor redivivo coloca ênfase, quer ao repreender, quer ao
elogiar, sobre um aspecto particular de uma igreja ideal. Juntas, estas
características constituem as sete marcas de uma igreja verdadeira e ativa.
Elas nos dizem o que Cristo pensa de Sua igreja, tanto como ela é quanto
como deveria ser.

15
Você abandonou o seu primeiro amor.
Apocalipse 2:4

Carta à igreja de Éfeso:

Amor
Apocalipse 2:1-7

Ao anjo da igreja em Éfeso escreve:


Estas são as palavras daquele que tem as sete estrelas em sua mão direita e
anda entre os sete candelabros de ouro. 2Conheço as suas obras, o seu
trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens
maus, que pôs à prova os que se dizem ser apóstolos mas não são e descobriu
que eles eram impostores. 3Você tem perseverado e suportado sofrimentos
por causa do meu nome e não tem desfalecido. 4Contra você, porém, tenho
isto: você abandonou o seu primeiro amor. 5Lembre-se de onde caiu!
Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio. Se não se
arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro de seu lugar. 6Contudo
você tem isto a seu favor: você odeia as práticas dos nicolaítas, as quais eu
também odeio. 7Aquele que tem ouvido ouça o que o Espírito diz às igrejas.
Ao vencedor darei o direito de comer da árvore da vida que está no paraíso
de Deus.

Éfeso

A primeira das sete cartas é dirigida à igreja de Éfeso, porque, se não


por razão melhor, era a cidade mais próxima da ilha de Patmos em relação
às outras seis. Uma viagem marítima de cem quilômetros levaria o portador
da carta ao porto de Éfeso, na foz do rio Caister.
Porém Éfeso, além de mais próxima, tinha sua própria qualidade
distintiva. Seus cidadãos gostavam de chamá-la “a metrópole da Ásia”, e de
fato era a capital de Roma para o oriente. Era também um próspero centro
de negócios, particularmente porque estava situada na rota comercial de
Roma para o oriente. Seu magnífico templo jônico em honra de Diana, ou
Ártemis, foi reconhecido como umas das sete maravilhas do mundo.

16
Paulo e Éfeso

O apóstolo Paulo havia sido frustrado em sua tentativa de visitar


Éfeso, estendendo assim o itinerário de sua segunda viagem missionária.
Não conhecemos as circunstâncias, mas de acordo com a narrativa de Lucas,
foi "impedido pelo Espírito Santo de pregar a palavra na província
da Ásia" (Atos 16:6).
No retorno de sua viagem, porém, Paulo fez uma curta visita a
Éfeso e reconheceu tão claramente sua importância estratégica
que a incluiu em sua terceira viagem, tendo permanecido pelo menos dois
anos e meio na cidade. Ele fez conferências públicas e visitou as pessoas
em seus lares, e o Evangelho espalhou-se por toda a redondeza. No final
houve um tumulto causado pela redução das vendas de miniaturas de prata
do templo de Ártemis (a Diana dos efésios), episódio descrito
expressivamente por Lucas em Atos 19.

Timóteo e João

Mais tarde, depois de Paulo ter deixado Éfeso,


ele colocou Timóteo como supervisor da igreja, a fim de dirigir e
acompanhar o crescimento do trabalho e manter a verdade do Evangelho. De
sua primeira prisão em Roma ele escreveu sua carta à igreja de Éfeso e
posteriormente suas duas cartas a Timóteo.
Segundo uma antiga tradição, o apóstolo João substituiu Timóteo,
perto do final do primeiro século, como líder da igreja de
Éfeso, e provavelmente dirigiu a ela sua primeira carta. Àquela altura, João
estava exilado por causa da verdade que pregava, mas foi-lhe dada a
oportunidade de escrever à sua amada igreja uma carta que lhe foi ditada por
Jesus Cristo.

Um elogio

Em cada uma das sete cartas Jesus Cristo pronuncia um julgamento


moral sobre cada igreja. À igreja de Esmirna Ele expressa elogio inequívoco,
ao passo que a igreja de Laodicéia recebe uma condenação implacável. A
igreja de Filadélfia é mais louvada do que censurada, a carta a Sardes é mais
de censura do que de louvor, enquanto que nas cartas endereçadas a Éfeso,
Pérgamo e Tiatira, a aprovação e a desaprovação se equivalem.
É evidente que o Senhor ressurreto está em posição de avaliar a
condição de cada igreja e louvá-la ou condená-la, porquanto Ele
17
conhece seu estado com perfeita precisão. Já tivemos oportunidade de ver
que cada carta se inicia com a afirmação "conheço" ou "sei". Certamente,
Ele está inteirado de tudo. Como Ele diz aqui, é Ele aquele que tem as sete
estrelas em sua mão direita e anda entre os sete candelabros de
ouro (versículo 1).
A asserção é ainda mais forte agora do que a anterior no primeiro
capítulo. Ele não apenas "tem" as estrelas; Ele as segura. Ele não apenas está
no meio dos candelabros; ele anda entre eles. Ele é o supervisor divino das
igrejas. Ele disse que "onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu
estou no meio deles" (Mateus 18:20)? Cristo visita seu povo. Ele habita com
ele. Ele anda no meio dele. Ele o inspeciona Ele o conhece.

A Igreja em Éfeso mostrava três virtudes que Jesus Cristo pôde


louvar sem restrição.

As obras da igreja

Conheço as suas obras, diz Ele, e imediatamente acrescenta como


explicação, o seu trabalho árduo. A igreja de Éfeso era ativa,
ocupada no serviço de Deus e dos seres humanos. Pode-se imaginar que sem
membros estavam plenamente ocupados em entreter os solitários cuidar dos
doentes, ensinar os jovens e visitar os idosos.
Não seria de admirar que alguns dedicassem horas de seu tempo para
cuidar do templo e melhorá-lo. Outros talvez gastavam suas horas de lazer
escrevendo ou cozinhando, na limpeza ou organização. A
igreja de Éfeso era uma autêntica colmeia industriosa. Seu labor era famoso.
Cada membro estava sempre fazendo alguma coisa para Cristo. Eram
diligentes e conscienciosos.

A persistência da igreja

Os cristãos em Éfeso tinham evidentemente sido expostos a alguma


ferrenha oposição local. A cidade era um lugar de ajuntamento de muitas
religiões, e um dos grandes centros de adoração ao imperador na província.
Alguns de seus habitantes praticavam as artes mágica do Oriente, enquanto
todos tinham uma profunda reverência pela grande Diana dos Efésios, ou
Ártemis, a deusa-mãe da Ásia, em razão do que a cidade se agitou fortemente
por causa da pregação do apóstolo Paulo.
Os artífices temiam por suas vendas de miniaturas de prata da deusa e do

18
templo e seus recursos investidos levaram-nos a opor-se violentamente a
Paulo (veja Atos 19).
Paulo já havia deixado Éfeso e morrido há muito tempo, mas a
impopularidade do cristianismo ainda perdurava. Os crentes sabiam o
que era ser odiados, desprezados em público e caluniados em sua
vida privada.
Alguns encontravam dificuldades em seus negócios, uma vez que
estavam perdendo compradores. Outros tinham problemas para
comprar, pois muitos comerciantes não lhes vendiam seus produtos.
João escreveria mais tarde em seu livro como, pela influência do
"falso profeta" (ou a "besta da terra"), ninguém
podia comprar ou vender a menos que tivesse a marca da besta (Apocalipse
3:17). Isto significava provavelmente que aqueles que
não aderissem à adoração popular do imperador (ou talvez de Diana) eram
boicotados. Teria havido talvez até mesmo violência física intolerável, bem
como discriminação social.
Todavia, a despeito de toda essa tributação, os
efésios não tinham negado a Cristo. Eles estavam firmes e inabaláveis
em sua fidelidade a Ele. Conheço... a sua perseverança (versículo 2), dizia-
lhes. Esta era sua segunda característica.

A ortodoxia da igreja

A terceira virtude que Cristo pôde francamente elogiar em Éfeso era a


sua fé ortodoxa. Eles tinham sido visitados por alguns autodenominados
apóstolos, conhecidos (por si mesmos, por outro, ou por João)
como nicolaítas (versículo 6). Quem eram eles exatamente e o que
ensinavam, não é possível dizer com qualquer dogmatismo. Alguns dos
primeiros Pais da Igreja acreditavam que eles eram discípulos de Nicolau de
Antioquia, "um convertido ao judaísmo", que é mencionado em Atos 6:5
como um dos sete escolhidos para ajudar os apóstolos no ministério prático.
Isto pode ou não ser verdade. O importante aqui é saber
que seu ensino era seriamente enganoso, especialmente
por sua condescendência com a imoralidade. O arcebispo R.C. Trench
acreditava que esse nome fosse simbólico, como o restante dos nomes no
livro do Apocalipse, e recorria à palavra grega Nikolaos, que significa
"Destruidor do Povo", como sendo uma designação apropriada para essa
seita perniciosa. Eles estavam propagando suas doutrinas nocivas em todas
as igrejas da Ásia. São mencionados novamente pelo mesmo nome na carta

19
a Pérgamo, na qual consideraremos seu ensino com mais pormenores, e
provavelmente também por sua implicação nas cartas a Tiatira e Sardes.
Paulo havia advertido os presbíteros da Igreja em Éfeso
que tal invasão por mestres heréticos aconteceria. Durante sua
presença na Palestina, no final da terceira viagem missionária, seu navio
aportou em Mileto, cerca de 60 quilômetros distante, e ele mandou chamá-
los. Em sua exortação a eles, disse: "Sei que, depois da minha partida, lobos
ferozes penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. E dentre
vocês mesmos se levantarão homens que torcerão a verdade a fim de atrair
os discípulos para si” (Atos 20:29-30). Agora os lobos haviam chegado.
Feras devoradoras tinham se infiltrado no aprisco. Falsos profetas estavam
disseminando suas doutrinas obscuras e perigosas no meio do povo de Deus.
O que fizeram os cristãos efésios naquela situação? De início,
ouviram. Eles não podiam discernir se o ensino dos nicolaítas tinha vindo de
uma fonte humana, de Satanás, ou de Deus, até que recebessem uma
explicação satisfatória. Mas, depois de ouvir, eles a examinaram
criteriosamente. “Examinaram os espíritos” para ver se eram procedentes de
Deus (1 João 4:1). Estavam determinados a "pô-la à prova", a fim de que
pudessem reter o que era bom e evitar "toda forma de mal" (1
Tessalonicenses 5:21-22). Certamente pensaram, oraram e discutiram. Eles
também examinaram as Escrituras e compararam o ensino daqueles
apóstolos jactanciosos com a mensagem apostólica original que tinham
recebido. Em seguida, após um interrogatório honesto e um exame
meticuloso rejeitaram definitivamente o que os nicolaítas ensinavam.
Eles puseram à prova os que dizem ser apóstolos mas não são e
descobriram que eles eram impostores (versículo 2). Não somente a crença
dos nicolaítas era censurável, mas também seu comportamento. O próprio
Jesus tinha dito que um profeta podia ser reconhecido pelas suas obras, assim
como uma árvore se conhece pelos seus frutos. Assim, os efésios
examinaram as obras dos nicolaítas e passaram a detestá-los. Contudo você
tem isto a seu favor, disse o Jesus ressurreto em sua avaliação, você odeia
as práticas dos nicolaítas, as quais eu também odeio (versículo 6).
Os efésios não tinham sido enganados. Eles possuíam um raro dom de
discernimento. Eram perspicazes. Sua ortodoxia não estava enfraquecida.
Eles não foram tão estúpidos a ponto de supor que a cordialidade cristã pode
tolerar falsos apóstolos. O verdadeiro amor não comunga com o erro nem
com o mal. Acredito que eles não odiaram os nicolaítas; mas odiaram suas
obras e as repudiaram terminantemente.

20
Uma igreja pura

Poucos anos depois esta igreja era ainda reputada pela pureza de sua
doutrina. O bispo Inácio de Antioquia escreveu a seus membros no início do
segundo século: "Todos vocês vivem de acordo com a verdade, e nenhuma
heresia existe entre vocês; certamente vocês nem mesmo ouvem alguém que
fala de qualquer coisa que não diga respeito a Jesus Cristo."
Que igreja esplêndida a comunidade cristã em Éfeso parecia ser!
Parecia ser um modelo de igreja em todos os aspectos. Seus membros eram
ocupados em seu serviço, pacientes em seus sofrimentos e ortodoxos cm sua
crença. O que mais podia ser requerido deles? Somente uma coisa estava
faltando, e Jesus Cristo pôs seu dedo suavemente sobre ela. Assim fazendo,
Ele se obrigava a passar do elogio à censura.

Uma censura

Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro


amor (versículo 4). Eles deixaram as alturas iniciais de sua devoção e
desceram à planície da mediocridade. Em uma palavra, eles se tornaram
apóstatas. O próprio Jesus não tinha profetizado que, quando houvesse
"aumento da iniquidade, o amor de muitos esfriaria" (Mateus 24:12)? Com
certeza os corações dos cristãos efésios ficaram frios.
As palavras de reprovação de Cristo, em si mesmas, não fazem claro
se o primeiro amor que tinham abandonado era o amor por Ele ou por seus
irmãos e pelos seres humanos, mas a analogia com o Antigo Testamento
permite que a primeira versão seja quase certa.

Noiva de Deus

Deus muitas vezes comparou Israel à sua noiva e Ele mesmo ao seu
noivo ou esposo. Ele fixou nela o seu amor. Quando ela estava "em tempos
de amores" (Ezequiel 16:8), Ele a tomou como sua. Ele lhe fizera juramento
e entrou em aliança com ela. Mas ela começou a flertar com outros amantes,
os deuses cananeus. Ela procedeu como uma prostituta com eles. Ela se
tornou infiel e abandonou seu verdadeiro marido. Assim Jeremias proclamou
a palavra do Senhor aos ouvidos dos habitantes de Jerusalém: "Lembro-me
de ti, da tua afeição quando eras jovem, e do teu amor quando noiva, e de
como me seguias no deserto, numa terra em que se não semeia" (Jeremias
2:2).

21
No Novo Testamento, o novo Israel de Deus (a Igreja)
semelhantemente representado como desposado com Cristo, exatamente
como o velho Israel era desposado com Jeová. "Eu os prometi a um único
marido, Cristo", Paulo escreveu aos coríntios, "querendo apresentá-los a Ele
como uma virgem pura. O que receio, e quero evitar, é que assim como a
serpente enganou Eva com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se
desvie da sua sincera e pura devoção a Cristo" (2 Coríntios 11:2-3). Foi esta
mesma tendência que estava evidente em Éfeso, e o Noivo Celestial tinha de
se queixar disto. Aquela primeira sensação de enlevo e êxtase tinha passado.
Sua antiga devoção a Cristo havia esfriado. Eles tinham amado
verdadeiramente a Cristo, mas agora arrefeceram esse amor.

Primeiro amor

Por isso o Noivo procura cortejar sua noiva para voltar ao seu primeiro
amor, Com a mesma ternura que Jeová mostrou à volúvel e adultera Israel,
o Senhor Jesus apela à sua Igreja para que volte para Ele. O profeta Oséias,
que tinha aprendido por meio da agonia da infidelidade de sua própria esposa
quão inextinguível é o amor de Deus, transmitiu a palavra de Deus a Israel:
"Eis que eu a atrairei, e levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração... será
ela obsequiosa como nos dias da sua mocidade e como no dia em que subiu
da terra do Egito. Naquele dia... Ela me chamará: 'Meu marido’...’
Novamente "desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em
justiça, e em juízo, e em benignidade, e em misericórdias: desposar-te-ei
comigo em fidelidade, e conhecerás ao Senhor" (Oséias 2:14-16; 19-20).
O Amante Divino ainda se entristece quando seu amor não é
correspondido, e suspira por nossa adoração contínua, profunda e
amadurecida. O amor, portanto, é a primeira marca de uma igreja verdadeira
e viva. Com certeza, ela de modo algum é uma igreja viva, a menos que seja
uma igreja amorosa. A vida cristã é essencialmente uma relação de amor
com Jesus Cristo. "Jesus capturou-me", escreveu Wilson Carlile, fundador e
"comandante" da Igreja do Exército. "Fará mim, conhecer Jesus é ter um
caso de amor."

Amor imortal

Sem esse amor, a obra da Igreja é morta. É significativo que o apóstolo


Paulo tenha encerrado sua carta aos efésios com uma oração especial para
"todos os que amam a nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível"
(Efésios 6:24). Cerca de trinta anos se passaram desde então. Uma nova
22
geração despontou na igreja de Éfeso, a qual não deu atenção a esta
advertência. Seu amor estava vacilante, enfraquecido, moribundo. A onda de
devoção tinha se levantado e estava recuando depressa. Eles se empenharam
com vigor, mas não com amor. Resistiram com coragem, mas sem amor.
Examinaram a mensagem de seus mestres, mas não tinham amor em seus
corações.
Contudo, a labuta torna-se enfadonha, se não for uma labuta de amor.
Jacó pôde trabalhar sete anos pela mão de Raquel somente porque amava, e
os sete anos “lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava”
(Gênesis 29:20). A tolerância ao sofrimento pode ser difícil e amarga, se não
for suavizado pelo amor. Uma coisa é ranger os dentes e cerrar os punhos
com estoica indiferença, mas outra é sorrir em face da adversidade com amor
cristão. Quanto à ortodoxia, é fria e morta sem o calor e a beleza com os
quais o amor a reveste. Os efésios odiavam as palavras e atos maldosos dos
nicolaítas, tão irrepreensível era sua correção teológica, mas odiar o erro e o
mal não é o mesmo que amar a Cristo.

A maior coisa do mundo

Com frequência o Novo Testamento reitera sua ênfase sobre a


primazia do amor. Na famosa frase do Prof. Henry Drummond, ele é “a
maior coisa do mundo”. Com certeza, ele é a maior coisa do universo. Os
dois primeiros mandamentos são amar a Deus e ao nosso próximo. Assim,
amar é cumprir a lei.
O amor é maior do que o conhecimento, afirma Paulo em sua primeira
carta aos coríntios, porque enquanto o conhecimento ensoberbece, o amor
edifica. O conhecimento pode meramente inflar a pessoa com vento,
enquanto o amor desenvolve um sólido caráter. Além disso, o conhecimento
diz respeito a coisas, ao passo que o amor se refere a pessoas, incluindo a
pessoa de Deus; o conhecimento de uma doutrina é uma questão estática,
unilateral, enquanto o amor é recíproco e crescente (1 Coríntios 8:1-3), o
amor é maior que a fé e esperança (l Coríntios 13:13), pois o amor é eterno
e indestrutível. "O amor nunca perece".

Uma ordem final

Jesus Cristo não está contente em deixar a igreja de Éfeso, nem


qualquer igreja, vagando pelos desertos do desamor. Ele a chamará à razão.
Ele a trará de volta ao oásis do amor. Por isso Ele profere à igreja de Éfeso
três sucintas palavras de ordem (versículo 5).
23
Lembre-se

Em primeiro lugar, a igreja recebe a ordem de lembrar-se de sua


condição anterior. Lembre-se da altura da qual caiu! A lembrança é um dom
precioso. Olhar para trás pode ser pecaminoso; mas pode também ser
sensato. Olhar para trás com olhos lascivos, como fez a mulher de Ló, para
os pecados de Sodoma dos quais temos sido libertos, é atrair desastre. Olhar
para trás ansiosamente para os confortos despreocupados do mundo, uma
vez que já pusemos a mão no arado, é não estar apto para o Reino de Deus.
Mas olhar para trás ao longo do caminho em que Deus nos conduziu é o
mínimo que a gratidão pode fazer, e olhar para trás para as alturas espirituais
que pela graça de Deus já ocupamos é dar o primeiro passo na estrada do
arrependimento. Não devemos viver no passado. Mas lembrá-lo e comparar
o que somos com o que fomos, é uma experiência salutar e frequentemente
perturbadora.

Arrependa-se

Em segundo lugar, a Igreja recebe a ordem de arrepender-se, o que


significa mudar de direção. Isto quer dizer voltar as costas, resoluta e
completamente, a todo pecado conhecido. Jesus Cristo não pede que nos
livremos de uma experiência emocional. Ele não insiste com os cristãos
efésios para que se penitenciem de seus pecados. O mais importante não é o
que sentem em relação a si mesmos, mas o que fazem a respeito desses
pecados. Eles não devem esperar até que se sintam infelizes. O fato é que
pecaram e devem deixar seu pecado com arrependimento. Não é preciso
esperar. Devem primeiro lembrar-se do que tinha sido bom no passado e, em
seguida, rejeitai o que tinha sido mau. Que confessem o esfriamento de seu
amor, arrependam-se e renovem-se.
Quão sensata e simples é esta palavra de Cristo! Muitos entre nós
admitem seu estado atual, mas esperam por alguma experiência emocional
para corrigir-se. Somos como crianças que caem em uma poça e ficam
sentadas na lama esperando que alguém as levante. Entretanto, deveriam
levantar-se prontamente. Assim devemos nós fazer, tão logo estejamos
cônscios de nossa queda.

Retorne

Em terceiro lugar, a igreja recebe a ordem de voltar à sua condição


anterior. Pratique as obras que praticava no princípio. Novamente, não há
24
o que esperar. Não há qualquer sugestão de que, tendo caído em seu amor
por Cristo, ela deva esperar que se restabeleça seu amor por Ele. Tendo
abandonado seu primeiro amor, a igreja deve voltar a ele. Pela graça de Deus,
está em poder dela assim proceder. Ela caiu das alturas do amor; que
recupere esse amor mediante um novo ardor. Os cristãos de Éfeso perderam
o que haviam tido; devem, portanto, restaurá-lo. "Renovem sua primitiva
devoção a mim", diz Cristo, "voltem a praticar as obras que costumavam
praticar". As obras serão as mesmas de antes do período de desamor. Mas
haverá um novo vigor ao fazê-las, uma nova singeleza de mente e pureza de
motivo, uma nova e alegre perseverança diante de muitas provações, bem
como uma nova atenção até mesmo para com aqueles cuja palavras falsas e
maus procedimentos os efésios continuariam corretamente a odiar. O amor
provocará uma transformação da cem sobre o palco de Éfeso.
Jesus Cristo não somente profere as ordens; Ele as impõe com fortes
argumentos, e com elas termina a breve carta. Ele acresce às suas instruções
uma advertência solene e uma misericordiosa promessa.

Uma advertência solene

Ele os adverte que, se desobedecerem às suas ordens e não se


arrependerem, a existência de sua igreja se encerrará de forma
ignominiosa. Se não se arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro
do seu lugar (versículo 5). Nenhuma igreja rem um lugar seguro e
permanente neste mundo. Ela está continuamente em julgamento. Se
podemos julgar pela carta que o bispo Inácio de Antioquia escreveu à igreja
de Éfeso no princípio do segundo século, ela se reanimou após o apelo de
Cristo. Inácio faz um relato em termos candentes. Mais tarde, porém, ela
voltou a decair, e durante a idade Média seu testemunho cristão desapareceu.
Um viajante que visitou o local "encontrou somente três cristãos lá",
escreveu o arcebispo Trench, "e estes imersos em tamanha ignorância e
apatia a ponto de mal terem prestado atenção aos nomes de Paulo e João."
A advertência a Éfeso é perfeitamente apropriada a nós hoje. A luz de
nossa própria igreja se apagará, se perseverarmos obstinadamente em recusar
o amor de Cristo. A Igreja não tem luz sem amor. Somente quando seu amor
acende sua luz poderá brilhar. Muitas igrejas hoje cessaram verdadeiramente
de existir. Seus edifícios podem permanecer intactos, seus pastores podem
continuar pregando e suas congregações se reunindo, mas seu candelabro foi
removido. A igreja está mergulhada nas trevas. Nenhum vislumbre de luz
irradia deia. Eia não tem luz porque não tem amor. Atentemos para esta
advertência antes que seja muito tarde.
25
Uma promessa ao penitente

À advertência para o impenitente Cristo acrescenta uma promessa ao


penitente. Ao vencedor darei o direito de comer da árvore da vida que está
no paraíso de Deus (versículo 7). Cada uma das sete cartas termina com uma
promessa ao vencedor, à pessoa, isto é, a quem obedece à mensagem da carta
e é vitorioso no conflito contra o mal. A promessa neste caso é
particularmente apropriada. Ela oferece livre acesso à árvore da vida no
paraíso de Deus, cujo fruto fora anteriormente proibido aos seres humanos
caídos. Isto significa o gozo da vida eterna no céu. Mas, o que é a vida eterna
senão conhecer e amar a Deus e a seu Filho Jesus Cristo (João 17:3)? E o
que é céu senão a morada do amor? Porque o céu é onde Deus está e Deus é
amor. Portanto, a recompensa do amor é mais amor na perfeita comunhão do
céu.
Nenhuma indicação é dada nesta carta sobre como o amor pode ser
avivado, mas João nos mostra o caminho em sua primeira carta. "Nós
amamos", ele escreve, "porque ele nos amou primeiro" (1 João 4:19). Este
amor prévio de Deus levou Cristo à cruz para morrer por nossos pecados. Ali
Ele se deu por nós com absoluta autodoação do amor, porquanto Ele
carregou nossos pecados em seu próprio corpo. "Nisto conhecemos o que é
o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós" (1 João 3:16). A cruz é o fogo
ardente em que a chama do nosso amor é acesa, mas temos de chegar perto
o suficiente para que suas centelhas caiam sobre nós.
Portanto, a Igreja de hoje, assim como a igreja de Éfeso, tem um
trabalho a fazer, um combate para combater e uma profissão de fé a ser
defendida. Mas acima de tudo, ela tem uma pessoa a ser amada, com o amor
que tínhamos por Ele no princípio, um "amor imperecível".

26
Conheço as suas aflições... Não tenha medo do que você
está prestes a sofrer.
Apocalipse 2:9-10

Carta à igreja de Esmirna:

SOFRIMENTO
Apocalipse 2:8-11
8
Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Estas são as palavras daquele que
é o Primeiro e o Último, que morreu e tornou a viver. 9Conheço as suas
aflições e a sua pobreza — mas você é rico! Conheço a blasfêmia dos que se
dizem judeus mas não são, sendo antes sinagoga de Satanás. 10Não tenha
medo do que você está prestes a sofrer. Eu lhe digo: o diabo lançará alguns
de vocês na prisão para prová-los, e vocês sofrerão perseguição durante dez
dias. Seja fiel até a morte, e eu lhe darei a coroa da vida. 11Aquele que tem
ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. O vencedor de modo algum
sofrerá a segunda morte.

A primeira marca de uma igreja verdadeira e operosa é o amor, a


segunda é o sofrimento. Uma é naturalmente consequência da outra. A
disposição de sofrer prova a autenticidade do amor. Estamos dispostos a
sofrer por aqueles que amamos. Evidentemente, os crentes não tinham
perdido seu amor inicial por Cristo, como os cristãos em Éfeso, porque
estavam preparados para sofrer por Ele. Como Pedro e João, estavam
"alegres por terem sido considerados dignos de serem humilhados por causa
do Nome [isto é, o nome de Cristo]" (Atos 5:41).
A cidade de Esmirna (a moderna Izmir) está situada a cerca de oito
quilômetros da costa, e quase em linha paralela com Éfeso, ao norte. Era a
próxima cidade a que o mensageiro chegaria em seu trajeto circular pelas
sete igrejas. Os estudiosos descrevem-na com a mais esplêndida das sete
cidades. Ela vangloriava-se de ser "orgulho da Ásia" e era alvo da rivalidade
de Éfeso. Uma excelente estrada dava acesso ao interior e seu excelente porto
natural domina um florescente negócio de exportação. Ela foi uma das
prósperas cidades da Ásia Menor" (R.H. Charles).
Não sabemos quando a igreja de Esmirna foi fundada. Isto
não é mencionado em Atos nem nas cartas do Novo Testamento, embora

27
uma antiga tradição afirme que o apóstolo Paulo visitou a cidade em seu
caminho para Éfeso no início de sua terceira viagem missionária.
Qual era a mensagem do Senhor ressurreto para Seus servos em
Esmirna?

Os sofrimentos que suportaram por Cristo

A igreja de Esmirna foi uma igreja sofredora. Esta carta é dedicada


exclusivamente a um relato de suas aflições passadas e presentes, um aviso
de futuras provações mais drásticas e encorajamento par. suportá-las.
Conheço as suas aflições (versículo 9). Trata-se claramente de
perseguição. A igreja estava alerta contra ela. Os inimigos da fé eram
agressivos e cruéis. Era perigoso ser cristão em Esmirna. Não se sabia o que
poderia acontecer aos seguidores de Jesus Cristo.

Cristo e César

As causas da perseguição não são conhecidas, mas podemos tentar


reconstruir a situação. Já no ano 195 antes de Cristo, um templo para a Dea
Roma, Roma personificada como deusa, tinha sido construído e dedicado em
Esmirna, e a cidade havia adquirido reputação por sua lealdade patriótica ao
Império. Por volta de 25 d.C. muitas cidades asiáticas estavam competindo
entre si para obter o cobiçado privilégio de erigir um templo ao imperador
Tibério, e esse privilégio foi concedido somente a Esmirna. Evidentemente,
pois, o culto ao Império e ao imperador, de Roma e do César de Roma, era
um fator de grande orgulho em Esmirna. Recusaram-se os cristãos a borrifar
incenso sobre o fogo que ardia diante do busto do imperador? Certamente
eles se recusaram, pois isto significava idolatria. Eles não podiam chamar
César de Senhor, quando Jesus era o Seu Senhor. Mas sua indisposição de
conformar-se à prática era interpretada pelos outros como uma falta
desonrosa de patriotismo, e até mesmo como traição.
O antagonismo aos cristãos por sua recusa em tomar parte na adoração
ao imperador foi também instigado e inflamado pela população judaica. Eles
próprios eram isentos de todas as obrigações sacrificiais, e parecem ter
explorado esse privilégio para perseguir os odiados nazarenos (cristãos).
Suspeitos por sua própria recusa ao sacrifício, eles talvez procuraram
lisonjear as autoridades e o povo constrangendo os cristãos a prestar
sacrifícios e acusando-os se recusassem.

28
Oposição dos judeus

Esta oposição dos judeus, tão amarga e poderosa ao ponto de exigir de


Pilatos a crucificação de Jesus, tinha seguido com insistência as pegadas de
Paulo em todas as suas expedições missionárias. Os judeus tinham ciúme das
multidões que se ajuntavam para ouvi-lo em Antioquia da Pisídia e incitavam
alguns dos homens e mulheres proeminentes para expulsá-lo e a Barnabé da
cidade. Eles em seguida perseguiram-no em Icônio e em Listra, onde
persuadiram o povo a apedrejá-lo. Em Tessalônica provocaram um tumulto,
e em Corinto opuseram-se ao Evangelho tão vigorosamente que Paulo
"sacudiu a roupa e lhes disse: 'Caia sobre a cabeça de vocês o seu próprio
sangue Estou livre da minha responsabilidade. De agora em diante irei para
os gentios'." (Atos 18:6). Quando ele retornou a Jerusalém, eles prenderam
no templo e quase o mataram. Quando esta tentativa falhou, fizeram o
máximo, como planos secretos e acusações pública-para que ele fosse
condenado à morte. O livro de Atos termina com Paulo em Roma ainda
contendendo com os líderes judeus e acusando-os de serem cegos e surdos
(veja Atos 13:45,50; 14:2,5,19; 17:5-7; 18:5-6; 21:27; 25:15; 28:17-28).
Esta hostilidade dos judeus ao Evangelho era vista também na metade
do segundo século da nossa era, quando nesta mesma cidade de Esmirna seu
piedoso bispo Policarpo foi martirizado. Um relato disto será apresentado
mais adiante, mas pode ser mencionado agora que foram os judeus que
gritaram mais alto para que ele fosse atirado aos leões; quando a ordem foi
finalmente dada para que ele fosse queimado vivo, foram novamente os
judeus os mais diligentes da multidão para recolher feixes de madeira
para a fogueira fatal.

De que forma foi a perseguição em Esmirna? Como os cristãos


sofreram? Quatro acusações são mencionadas.

• Pobreza

Conheço... a sua pobreza (versículo 9), diz Cristo. É de surpreender


que em uma cidade rica e próspera como Esmirna qualquer de seus cidadãos
fosse pobre. Talvez os cristãos de Esmirna pertencessem às camadas mais
baixas da sociedade, pois sabemos que "poucos eram sábios segundo os
padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre
nascimento" (1 Coríntios 1:26). Talvez também o amor dos cristãos pelos
desprivilegiados tinha-os levado a contribuir tão generosamente para tais

29
necessidades que eles próprios se tornaram pobres. Mas nenhum desses
fatores explica por que sua pobreza era parte de sua aflição.
Parece provável que, em sua decisão de agir
corretamente nos negócios, os cristãos haviam renunciado aos métodos
suspeitos e, por causa disso, perderam alguns dos lucros fáceis, que foram
para as mãos de outros menos escrupulosos do que eles. Ou de novo judeus
e pagãos podem ter-se negado a fazer comércio com eles. Pode não ter sido
fácil para eles encontrar emprego. É mesmo possível que alguns dos cristãos
de Esmirna tivessem tido seus lares saqueados. Talvez possa ter sido escrito
para eles: "Vocês... aceitaram alegremente o confisco dos próprios bens, pois
sabiam que possuíam bens superiores e permanentes" (Hebreus 10:34).
Ainda hoje nem sempre é gratificante ser cristão. E a honestidade a qualquer
preço nem sempre é o melhor procedimento, se o ganho material é nossa
ambição. A pobreza tem frequentemente sido parte do custo do discipulado
cristão.

• Difamação

Conheço a blasfêmia dos que se dizem judeus, mas não são (versículo
9). Os judeus estavam espalhando falsos rumores sobre os cristãos. As
mentes estavam sendo envenenadas. Verdadeiramente ninguém pode domar
a língua; ela é cheia de veneno mortífero (Tiago 3:8). E a calúnia nunca é
fácil de tolerar. Os inimigos de Cristo estavam caluniando seu povo,
"blasfemando" contra eles (é esse o significado dessa palavra grega). Cristo
chama-os de sinagoga não do Senhor, mas de Satanás (versículo 9 compare
com 3:9). Pois eles tinham aprendido as táticas de seu mestre que é mais
tarde chamado o diabo (versículo 10), que significa "o acusador", "o
caluniador". Jesus o tinha chamado de "mentiroso e pai da mentira" (João
8:44), cujos seguidores compartilham sua aversão pela verdade.
A maledicência exerce uma estranha fascinação sobre todos nós.
Como diz o livro de Provérbios: "As palavras do maldizente são comida fina,
que desce para o mais interior do ventre" (Provérbios 26:22). E os descrentes
de Esmirna nutriam-se exageradamente dessas suculentas iguarias. Mas os
cristãos foram profundamente feridos por causa desse abuso. Era doloroso
ser mal interpretado e difamado. Entretanto, não é de duvidar que eles
seguiam os passos de seu humilde Mestre, de quem está escrito: "Quando
insultado, não revidava, quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se
àquele que julga com justiça" (1 Pedro 2:23).
A pobreza e a difamação eram as duas experiências de provação que
a igreja de Esmirna já estava suportando. Mas havia coisas piores pela frente.
30
A isto Cristo agora se refere: Não tenha medo do que você está prestes a
sofrer (versículo 10).

• Prisão

Eu lhes digo: o diabo lançará alguns de vocês na prisão. Os primeiros


apóstolos e o apóstolo Paulo tinham conhecido o interior de muitas prisões.
As celas de Jerusalém e Cesaréia, de Filipos e de Roma, foram santificadas
por suas orações e louvores, e a escuridão da prisão foi iluminada pela
presença de Cristo. Foi na prisão de Neuchâtel, na Suíça, que a filha de
William Booth, fundador do Exército Salvação, escreveu um de seus hinos
bem conhecidos:

Bem-amado de minh'alma,
Aqui estou a sós contigo;
E minha prisão é um céu,
Desde que estejas comigo.

• Morte

Seja fiel até a morte (versículo 10). Pela exortação de Cristo


a estes crentes perseguidos, eles deveriam ser fiéis "a ponto
de estarem dispostos a morrer por amor de mim" (Swete). A
oposição ao Evangelho era tão feroz que o martírio parecia
uma possibilidade real. Com certeza, um dos mártires cristãos mais
conhecidos de todo os tempos era natural de Esmirna. Já fizemos referência
a ele neste capítulo. Policarpo já era com toda probabilidade membro
da igreja de Esmirna na época em que o Apocalipse foi escrito. Alguns até
mesmo argumentam que ele tinha sido seu pastor titular, uma vez que tanto
Tertuliano como Irineu disseram que ele foi sagrado bispo de Esmirna pelo
próprio João. Em todo caso, ele teria lido esta carta, sem dúvida, refletido
sobre sua mensagem. Talvez ela tenha sido para ele uma fonte de ânimo
quando chegou sua hora de provação. Foi o que aconteceu.

A morte de Policarpo

Foi no dia 2 de fevereiro, provavelmente no ano 156 desta era. O


venerável bispo, que tinha fugido da cidade ante os apelos de sua
congregação, acabou sendo localizado cm seu esconderijo. Não fez qualquer
tentativa para escapar. Antes ofereceu comida e bebida aos seus captores e
31
pediu permissão para ficar a sós em oração permanecendo assim por duas
horas.
A seguir, durante a viagem até a cidade, o oficial encarregado instou
a retratar-se. "Que mal pode fazer o sacrifício a imperador?" Perguntou ele.
Policarpo recusou-se. Ao chegar, foi asperamente empurrado para fora da
carruagem e levado perante procônsul no anfiteatro, o qual se dirigiu a ele:
"Considere sua idade! ... Jure pela grandeza de César..." E novamente: "Jure
e eu o libertarei; amaldiçoe Cristo!" A que Policarpo retorquiu: "Por 86 anos
eu o tenho servido e Ele nunca me faltou; como, pois, posso blasfemar contra
meu rei que me salvou?" O procônsul reiterou. "Jure pela majestade de
César... Tenho feras bravias; se não mudar sua mente, eu o lançarei a elas..."
"Chame-as", retrucou Policarpo. "Uma vez que faz pouco caso das feras, eu
o destruirei pelo fogo, a menos que mude sua atitude."
Judeus e gentios raivosos então recolheram lenha para a fogueira.
Policarpo se pôs junto à estaca, pedindo para não ser amarrado a ela, e orou:
"O Senhor, Deus Todo-Poderoso, Pai de teu amado Filho Jesus Cristo, por
meio de quem viemos a conhecer-te... Graças por considerar-me digno neste
dia e hora de compartilhar a taça de Cristo entre os muitos de teus mártires."
O fogo foi aceso, mas como o vento soprava as chamas para outro lado e
prolongava sua agonia, um soldado pôs fim ao seu sofrimento com uma
espada.

Destinados a sofrer

Este chamado para sofrer, aqui dirigido à igreja de Esmirna, é


imprevisto em sua aplicação. De acordo com o Novo Testamento, o
sofrimento é uma marca indispensável de todo verdadeiro cristão e de toda
igreja cristã, e a inevitabilidade da perseguição é repetidamente enfatizada.
A bem-aventurança final de Jesus no Sermão do Monte diz: ... Bem-
aventurado! Serão vocês, quando por minha causa os insultarem,
perseguirem e falarem falsamente todo mal contra vocês. Alegrem-se e
regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da
mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês...
A esta bem-aventurança Jesus ajuntou um "ai" complementam, "Ai de
vocês, quando todos os homens falarem bem de vocês, pois assim os
antepassados deles trataram os falsos profetas" (Mateus 5:10-12; Lucas
6:26). Não somente uma vez, mas muitas vezes este tema foi reiterado em
seus ensinos. "Se o mundo os odeia, tenham em mente que antes odiou a
mim... Lembrem-se das palavras que Eu lhes disse: 'nenhum escravo é maior
do que o seu senhor.' Se Me perseguiram, também perseguirão vocês."
32
"Neste mundo vocês terão aflições" (João 15:18,20; 16:33). O próprio Jesus
experimentou a mesma pobreza e difamação, prisão e morte, das quais Ele
agora escreve à igreja de Esmirna.

Selo de excelência da Igreja

O que Jesus ensinou, os apóstolos não só ecoaram em seus escritos


como suportaram em seus ministérios. A lista dos sofrimentos de Paulo faz
tremer os mais simples mortais. Ele foi preso, açoitado! Sofreu naufrágio;
enfrentou corajosamente os perigos de viagens por mar, rio e terra, bem
como foi exposto à selvageria de inúmeros inimigos (2 Coríntios 11:23-27).
Não admira que tenha escrito a Timóteo: "...todos os que desejam viver
piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos" (2 Timóteo 3:12), e aos
filipenses: "...a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas
também de sofrer por ele" (Filipenses 1:29). Assim, a fé e o sofrimento estão
associados como um duplo privilégio cristão.
Escritores cristãos recentes tem igualmente reconhecido que o
sofrimento é a marca de excelência da Igreja cristã genuína. Dietrich
Bonhoeffer, o pastor luterano que foi enforcado por ordem direta do nazista
Himmler no campo de concentração de Flossenburg, na Alemanha, em 9 de
abril de 1945, escreveu: "O sofrimento é, pois o sinal do verdadeiro cristão.
O discípulo não está acima de seu mestre... Lutero reconheceu o sofrimento
como uma das marcas da verdadeira Igreja... Discipulado significa sujeição
ao sofrimento de Cristo, não sendo de forma alguma surpreendente que os
cristãos devam ser chamados para sofrer..." (O Custo do Discipulado).
No correr dos séculos isto tem provado ser verdadeiro. Até mesmo nos
dias de hoje; em lugares como a ex-União Soviética, China Uganda e África
do Sul, os cristãos têm sofrido, ou estão sofrendo por causa de sua fé.

Compromisso

E quanto a nós? Somos pessoas de carne e osso. Encolhemo-nos diante


do sofrimento. A abominável verdade é que tendemos a evitar o sofrimento
como compromisso.
Nada provoca tanto a oposição do mundo como o Evangelho de Jesus
Cristo. Isto porque ele enfatiza certas doutrinas desagradáveis, como a
gravidade do pecado humano, a realidade da ira e do juízo de Deus, a
impossibilidade de auto salvação, a necessidade da cruz, a dádiva da vida
eterna e os perigos da morte eterna. Estas verdades minam o orgulho humano

33
e incitam a oposição humana. Assim, os pregadores são tentados a silenciá-
las, "para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo" (Gaiatas 6:12).
Os padrões morais de Cristo são também impopulares — honestidade
nos negócios, castidade antes do casamento e fidelidade depois dele,
contentamento em lugar de cobiça, autocontrole e auto sacrifício. Se a Igreja
tivesse de manter tais padrões, ela se encontraria onde realmente é o seu lugar
apropriado — fora dos portões e no deserto. Mas o temor do mundo tem-nos
enlaçado. Nossa tendência é diluir o Evangelho e abaixar nossos padrões, a
fim de não provocar oposição. Amamos o louvor de nossos semelhantes mais
do que o louvor de Deus.
Não estou recomendando que desenvolvamos um complexo de mártir
ou que busquemos provocar oposição. Estou apenas dizendo que, se
fizéssemos menos concessão, indubitavelmente sofreríamos mais. Esmirna
foi uma igreja sofredora porque era uma igreja destemida.
É bom notar que a carta que Cristo dirigiu a Esmirna não era apenas
uma advertência austera de oposição. Com o chamado para sofrer houve a
promessa de graça simultânea. Se Cristo raramente faz oferecimentos sem
exigências, Ele também raramente faz exigências sem oferecimentos. Ele
oferece sua força para capacitar-nos a satisfazer às suas exigências. Assim,
esta carta, que é cheia de sofrimento, está também repleta de conforto e
consolação.

O consolo recebido de Cristo

As palavras de ordem de Cristo são claras. Não tenha medo do que


você está prestes a sofrer e seja fiel até a morte (versículo 10). Aqui estava
um apelo para ser fiel e não para ter medo. A fé e o medo são opostos. Ambos
não podem coexistir. A fé afugenta o medo. "Em me vindo o temor",
escreveu o salmista, "hei de confiar em ti" (Salmo 56:3). Não há outro rumo
a tomar. Jesus prescreveu o mesmo remédio.
“Não tenha medo”, costumava dizer, “tão somente creia” (Marcos
5:36). Na realidade, aqui o chamado é à fidelidade em vez de à fé, mas
precisamos recordar que a fé e a fidelidade são a mesma palavra em grego.
Isto porque é da fé que a fidelidade se origina. Confiemos em Cristo e
seremos dignos de confiança. Tenhamos fé em Cristo e seremos fiéis — fiéis,
se necessário, até a morte. O meio de perder o medo é fortalecer a fé.
Mas é Cristo digno de nossa confiança quando sofremos? Em tempo
de aflição nossa fé vacila. Como, pois, pode nossa confiança nEle crescer de
modo que, quer na luz ou nas trevas, quer ao sol ou sob a tempestade,
possamos pôr nele toda a nossa confiança? A resposta e que Ele é digno de
34
nossa fé em razão de quem e o que Ele é. Por isso Ele revela aqui sete
verdades acerca de Si mesmo, de sorte que nossa confiança nele possa
crescer e amadurecer.

• Ele é eterno

Ele é o Primeiro e o Ultimo (versículo 8). Ele já se havia apresentado


desta forma no primeiro capítulo (versículo 17), e juntou a esta declaração
uma ordem para não ter medo. Sua palavra a João foi "Não tenha medo. Eu
sou o primeiro e o último." Era um eco do que o Senhor Deus tinha dito no
capítulo 1 versículo 8: "Eu sou Alfa e o Ômega." Jesus agora assume
mansamente este título divino. Ele compartilha o terno ser de Deus. Ele é o
começo e fim, de eternidade a eternidade. No meio de mudança Ele é
imutável, "sem princípio de dias nem fim de vida", "o mesmo, ontem, hoje e
para sempre" (Hebreus 7:3; 13:8). Antes de termos nascido Ele era Alfa, e
será Ômega depois que morrermos. Quando os temores apertam o coração
humano e nossa própria vida é ameaçada, nada pode trazer tranquilidade
como a fé nele, que é tanto o primeiro como o último.

• Ele é vitorioso

Ele morreu e tornou a viver (versículo 8). Nós vivemos e morremos.


Cristo morreu e viveu! Ele apela a nós para sermos fiéis até a morte. É porque
Ele mesmo "foi obediente até à morte, e morte de cruz! ” (Filipenses 2:8). A
morte, incluindo a morte violenta, não deve causar-nos terror, se cremos que
Jesus não somente a experimentou, mas na verdade a venceu. Durante 36
horas ele foi retido pelas garras da morte. Mas em seguida, no terceiro dia,
Ele se libertou da prisão da morte e emergiu como seu triunfante vencedor.
Agora Ele é “Aquele que vive”, que pode dizer: "Estive morto mas agora
estou vivo p todo o sempre!" "E tenho as chaves da morte e do Hades"
(Apocalipse 1:18). Ele derrotou completamente aquele que tinha o
poder da morte, isto é, o diabo, de modo que pudesse livrar-nos de
todo medo da morte (Hebreus 2:14-15).

• Ele sabe todas as coisas

Ele diz: conheço as suas aflições (versículo 9). Este fato é fonte de
muito conforto. Uma de nossas grandes necessidades nas tributações é
alguém com quem partilhá-las. Ansiamos por desabafar com alguém que nos
compreende. Pois bem, Jesus Cristo é o maior confidente do mundo.
35
Nenhum confessor, seja ele pai ou amigo, pode trazer-nos a paz e o alívio
que Ele proporciona. Podemos então cantar como os escravos nas amigas
plantações:

Ninguém conhece as aflições que temos visto;


Ninguém conhece; somente Jesus.

Ele conhece porque anda no meio dos candelabros. Seu conhecimento


não é superficial e distante de nossas circunstâncias; é uma compreensão
íntima e pessoal de nós como pessoas. Sua presença nunca se afasta. Por
mais profunda que seja nossa tristeza ou por maior que seja nosso
sofrimento, Ele conhece e se preocupa.

• Ele é equilibrado

Isto é, Ele tem um sentido correto de proporção e uma perspectiva


verdadeira. Ele diz: Conheço... sua pobreza — mas você é rico! Seu
conjunto de valores é diferente do deste mundo. Ele não olha apenas para a
nossa condição material, mas também para a espiritual. Certamente Ele se
preocupa com o pobre, o necessitado e o oprimido. As Escrituras deixam isto
claro. Ao mesmo tempo, elas acrescentam que aqueles a quem falta muito
dos bens deste mundo podem ainda ser "ricos para com Deus", "ricos na fé",
"ricos em boas obras" e ter "tesouros no céu" (Lucas 12:21; Tiago 2:5; 1
Timóteo 6:18; Mateus 6:19-20 e 19:21).
É possível ficar empobrecido nas coisas materiais e, por outro lado,
enriquecido em Cristo em cada aspecto, desfrutando "as insondáveis
riquezas de Cristo" (1 Coríntios 1:4-5; Efésios 3:8). "Sendo rico,
[Jesus Cristo] se fez pobre por amor de vocês, para que por meio de sua
pobreza vocês se tornassem ricos" (2 Coríntios 8:9). Este paradoxo está na
comovente afirmarão de Paulo de que ele e seus cooperadores eram "pobres,
mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo" (2 Coríntios
6:10).
Como medimos a riqueza? Nas palavras do arcebispo Trench, à vista
de Deus há "tanto pobres homens ricos como ricos homens
pobres". Se devemos escolher, é melhor ser qualificados por Cristo como
pobres, porém ricos" do que receber a condenação que coube ao anjo da rica
igreja de Laodicéia: "miserável, digno de compaixão, pobre, cego, e nu"
(capítulo 3:17).
Havia também outro grupo em Esmirna que ostentava uma falsa
percepção de si mesmo: ...se dizem judeus mas não são, sendo antes
36
sinagoga de Satanás (versículo 9). Sua alegação de ser judeus não era
correta, porque "não é (judeu quem o é apenas exteriormente... judeu é
quem o é interiormente" (Romanos 2:28-29). Assim, afirmam eles que são
judeus, o que não é verdade. E dizem que vocês são pobres, quando
não são. Ambas alegações são incorretas. Por isso, não devemos ficar muito
preocupados com as opiniões dos descrentes, cultivemos antes a mente de
Cristo. Somente Ele pode ver perfeitamente; todos são de algum modo
míopes ou vesgos.

• Ele está no controle

Nenhum sofrimento pode atingir-nos, exceto com sua expressa


permissão. Ele tem perfeito conhecimento de nossas atuais aflições e perfeita
presciência de nossas futuras provações. Assim, mesmo quando Ele
adverte os cristãos de Esmirna sobre o que está por acontecer, Ele fixa um
limite aos seus sofrimentos. Eu lhe digo: o diabo lançará alguns de vocês na
prisão para prová-los, e vocês sofrerão perseguição durante dez
dias (versículo 10). Somente alguns de vocês serão presos, e a perseguição
durará somente dez dias (um período curto, não especificado, mas restrito).
Portanto, um limite é estabelecido tanto para o número de cristãos que terão
de sofrer essa provação como para sua duração.
Aqueles que sabem que Deus está em seu trono e no controle das
atividades humanas podem permanecer calmos no meio de males e tristezas
do mundo. Assim como nas terríveis aflições de Jó e como no caso dos
poderosos impérios pagãos que invadiram Judá, Deus diria ao diabo em
Esmirna: "Até aqui e não mais".

• Ele tem um propósito

A entrega ao diabo de certos cristãos de Esmirna para serem presos era


para prová-los (versículo 10). Este era desígnio admitido por Satanás. O
Senhor estava procurando peneirar aqueles crentes, do mesmo modo que o
trigo é peneirado para a remoção das impurezas (compare com Lucas 22:31).
Ele desejava que a palha fosse levada pelo vento. Mas o que Satanás propõe,
Deus permite. Porque Deus também tem um propósito no sofrimento, e
embora os detalhes de seu propósito sejam muitas vezes obscuros, sua
intenção geral é clara. Nosso adversário tenta para destruir; nosso Pai prova
para refinar. Como o ouro é purificado da escória na fornalha, assim os fogos
da perseguição podem purgar nossa fé e fortalecer nosso caráter cristão

37
(Tiago 1:2-4; 1 Pedro 1:7). Precisamos, pois, olhar além da provação, para o
propósito, e além da dor do castigo, para seu benefício.

• Ele é generoso

Ele promete uma recompensa ao cristão que permanecer firme durante


o sofrimento. Seja fiel até a morte, e eu lhe darei a coroa da vida... O
vencedor de modo algum sofrerá a segunda morte (versículos 10-11). Já
vimos que cada carta termina com a promessa de um galardão
apropriado. Darei, diz Cristo. Não se trata de um prêmio por mérito; trata-se
de uma dádiva. Mas Ele é generoso em Suas dádivas. Se persistirmos, Ele
diz, e por nossa persistência provarmos a autenticidade de nossa condição
cristã, escaparemos do inferno, que é a segunda morte (versículo 11) e
entraremos no céu, que é a coroa da vida (versículo 10). Podemos precisar
ser fiéis até a morte, mas então a segunda morte não nos reivindicará.
Podemos perder nossa vida, nas então a coroa da vida nos será dada.
A coroa da vida (versículo 10) é o prêmio equivalente à árvore da
vida (versículo 7), mas a metáfora está diferente. O céu não é mais um jardim
de delícias, sendo a vida eterna uma árvore que produz frutos deliciosos, mas
sim o pedestal no fim de uma corrida, sendo a vida eterna a coroa ou grinalda
do vencedor. Esmirna foi famosa por sua arena e seus jogos. Por isso, a igreja
de então não teria achado difícil imaginar a vida cristã como uma corrida ou
jogo. Isto requeria treinamento diligente, energia e grande aplicação. As
passadas seriam rápidas e fortes. Haveria suor e lágrimas. Mas no final estará
Aquele que é o primeiro e o último, o Vencedor supremo; e em sua mão
ostentará a coroa da vida de cada vencedor.
A mensagem da carta à igreja de Esmirna é uma prova para nós, como
foi para eles: se somos verdadeiros, sofreremos. Mas que sejamos fiéis sem
temor. Jesus Cristo, o primeiro e o último, aquele que morreu e tornou a
viver, conhece nossas provações, controla nosso destino e nos dará, no final
da corrida, a coroa da vida.

38
Você permanece fiel ao meu nome e não renunciou à sua
fé em mim...
Apocalipse 2:13

Carta à igreja de Pérgamo:

VERDADE
Apocalipse 2:12-17

Ao anjo da igreja em Pérgamo escreve:


São as palavras daquele que tem a espada afiada de dois gumes. 13Sei onde
você vive, onde está o trono de Satanás. Contudo, você permanece fiel ao
Meu nome e não renunciou à sua fé em Mim, nem mesmo nos dias de
Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto nessa cidade, Satanás
habita. 14No entanto, tenho contra você algumas coisas: você tem aí pessoas
que se apegam aos ensinos de Balaão, que ensinou Balaque armar ciladas
contra os israelitas, induzindo-os a comer alimentos sacrificados a ídolos e
a praticar imoralidade sexual. 15Do mesmo modo, você também tem os que
se apegam aos ensinos dos nicolaítas. 16Portanto, arrependa-se! Se não virei
em breve até você e lutarei contra eles com a espada da minha boca.
17
Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vencedor
darei do maná escondido. Também lhe darei uma branca com um novo nome
nela inscrito, conhecido apenas por aquele que o recebe.

Cristo inicia Sua carta à igreja de Pérgamo com a afirmação Sei onde
você vive (versículo 13). Seu conhecimento das igrejas depende de sua
presença no meio delas. Ele as conhece porque anda no meio delas.
Certamente, seu íntimo conhecimento delas estende-se além de suas obras
(como em Éfeso) e sua tribulação (como em Esmirna) até o ambiente em que
viviam. Sei onde você vive, diz Ele. Ele está ciente de que seu povo está
rodeado de uma sociedade não-cristã e exposto de todos os lados à pressão
dos padrões e valores do mundo. Seu pequeno barco é fustigado pelos ventos
e ondas de doutrinas estranhas. Sua fortaleza bombardeada pelo fogo da
artilharia de seitas estrangeiras. Os cristãos sentem-se sitiados.

39
Pérgamo

Em nenhum lugar esta situação era mais verdadeira do


que em Pérgamo, que tinha sido retratada como "um forte centro de
paganismo. Aqui estava sendo travada uma intensa batalha, em que os
combatentes não eram pessoas, mas ideias. O ponto da discórdia não era
entre o bem e o mal, e sim entre a verdade e o erro.
Pérgamo estava a cerca de 90 quilômetros de Esmirna ao norte, em
linha reta, tal como Esmirna em relação a Éfeso. Mas estava a uns 24
quilômetros de distância da costa marítima do mar Egeu, e dois a três
quilômetros de distância do rio Caicus, em cujo vale ela estava situada.
Nenhum viajante poderia visitar Pérgamo sem ficar impressionado! Com a
profusão de templos e altares. "A acrópole de Pérgamo coroava uma colina
íngreme que se erguia a 300 metros acima da planície. Perto do cume estava
um imenso altar a Zeus, erigido por Eumenes II para comemorar a vitória de
seu pai sobre os galeses; e a curta distância deste altar havia um elegante
templo de Atena” (Westminster Dictionary of the Bible).
Outras deidades veneradas em Pérgamo eram
Dionísio e especialmente Asclépio ou Esculápio, o "deus salvador" ou
deus da cura, cujas ruínas de seu magnífico templo fora da cidade ainda
perduram. De acordo com os historiadores clássicos Tácito e
Xenofonte, a adoração a Esculápio tinha sua sede em Pérgamo,
que se tornou assim "a Lourdes da província da Ásia e a sede de uma famosa
escola de medicina" (R.H.Charles).

O culto imperial

Mais importante ainda era o crescente culto a Roma e a


César, que parece ter florescido em Pérgamo. Em 29 a.C. tinha sido
concedida permissão aos cidadãos de Pérgamo para erigir e dedicar um
templo a Augusto. Este foi o primeiro templo a ser construído
em uma província em honra de um imperador vivo. O de Esmirna veio três
anos depois, em 26 a.C. "O culto imperial tinha assim o seu centro em
Pérgamo" (R.H.Charles).
Diante desse predomínio da superstição religiosa, parece que o anticristo
era mais evidente em Pérgamo do que o próprio Cristo. O que tinha Cristo a
dizer a uma igreja oprimida por tais influências?

40
Preocupação de Cristo pela verdade

O Cristo exaltado está profundamente preocupado que a verdade seja


tanto preservada quanto difundida. Este é o tema da carta. Ele elogia a igreja
porque, diz Ele, você permanece fiel ao meu nome e não renunciou à sua
fé (versículo 13). Mas acrescenta uma queixa no sentido de que, embora eles
tenham mantido suas próprias convicções teológicas, ainda toleravam em
sua comunidade alguns falsos profetas. Tenho contra você algumas coisas:
você tem aí pessoas que se apegam aos ensinos de Balaão (versículo 14).
Em vez de apegar-se ao nome de Cristo, estavam “apegando-se” a um culto
falso (o verbo grego é o mesmo), e isto era profundamente Inquietante para
o Supervisor Celestial da igreja. A defesa da verdade do Evangelho é uma
preocupação preponderante de Jesus Cristo. Ele está não apenas ansioso de
que o amemos e soframos corajosamente por Ele, mas também que creiamos
nele e agarremo-nos à verdade sobre Ele.

Amor e verdade

É surpreendente que, de acordo com estas cartas, o amor seja primeira


marca de uma igreja verdadeira e viva, sendo a verdade segunda, porque as
Escrituras colocam o amor e a verdade no mesmo plano. Alguns cristãos
estão decididos a considerar o amor mais importante e esquecem a santidade
da verdade revelada. "Vamos submergir nossas diferenças doutrinárias",
estimulam, "no oceano do amor fraternal!" Outros estão igualmente
equivocados em sua busca da verdade às expensas do amor. Tão pertinaz é
seu zelo pela palavra de Deus que se tornam ásperos, amargos e
desagradáveis. O amor torna-se sentimental se não for fortalecido pela
verdade, e verdade torna-se opressiva se não for suavizada peio amor.
Precisamos preservar o equilíbrio da Bíblia, que nos ensina a seguir a
verdade em amor, a amar os outros na verdade, e a crescer não somente em
amor, mas em percepção ou discernimento (Efésios 4:15; 3 João 1;
Filipenses 1:9).
Deixe de lado aqueles que dizem que não importa em que você cré,
contanto que viva bem e ame a todos. Leia, observe, aprenda i assimile
intimamente esta carta. Deixe-os considerar essa atitude c alcançar a mente
de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não compartilha da falta de preocupação
doutrinária que é exibida por tais pessoas. Ele chamou a si mesmo "a
verdade" e "a luz do mundo". Ele prometeu aos seus discípulos que, se
permanecessem em sua palavra, conheceriam a verdade e a verdade os
libertaria.
41
Ele disse a Pôncio Pilatos que tinha vindo ao mundo para dar
testemunho da verdade (João 14:6; 8:12,31-32; 18:37). Portanto é evidente
que Ele ame a verdade, fale a verdade, e seja a verdade. Então, como podem
seus seguidores ser indiferentes a isto?
Em Pérgamo parece que a maioria dos membros da igreja continuava
a andar na verdade, fomente uns poucos, quer em plena comunhão ou apenas
em casual associação com a igreja, tinham deixado o caminho estreito da
revelação e se desviado pelos atalhos da especulação e do erro. Mas o Cristo
ressurreto, o pastor-líder de seu rebanho, foi ofendido tanto pela
desobediência da minoria como pela indiferença da maioria. Você tem aí
pessoas que se apegam aos ensinos de balaão... você também tem os que se
apegam aos ensinos dos nicolaítas (versículos 14-15), queixa-se Ele. Eles
não se importam de que a verdade esteja sendo desafiada, até mesmo
ofuscada? Nada significa para eles que o nome de Cristo esteja sendo
desonrado por alguns e sua fé negada? Portanto, arrependa-se! Exclama Ele
(versículo 16).

A verdade importa?

Mas o que é a verdade (na famosa frase de Francis Bacon), como


perguntou Pilatos "esperando por uma resposta"? Era a situação em Pérgamo
realmente tão séria como Cristo parece sugerir? Espero mostrar no próximo
capítulo que as cartas a Pérgamo e a Tiatira deixam espaço para debate e
discordância sobre questões secundárias, enquanto insistem que as verdades
cristãs centrais não podem ser comprometidas. Quão sábio foi Rupert
Meldenius no século 17, citado como tendo dito que devemos preservar a
unidade nas coisas essenciais, a liberdade nas não-essenciais e a caridade em
todas as coisas. Muitas de nossas preocupações nas relações
intereclesiásticas surgem de nossa falta de proporção. Fazemos concessões
sobre verdades claramente reveladas que nunca devem ser renunciadas e, no
entanto, insistimos em questões secundárias e mesmo em trivialidades que
não são sequer reveladas nem requeridas por Deus.
O que são, pois, essas verdades centrais? Creio que elas podem ser
reduzidas a duas, ambas implícitas nesta carta a Pérgamo.

A verdade sobre Cristo

A primeira é uma verdade doutrinária referente a Cristo. Tem sido dito


corretamente que o cristianismo é Cristo. O próprio Jesus Cristo é a rocha
sobre a qual se assenta a estrutura da teologia cristã. Ser cristão é aceitar
42
Jesus Cristo como Deus e Salvador. O mínimo irredutível da crença
cristã é que Jesus de Nazaré é o Deus-homem singular que morreu por
nossos pecados e foi ressuscitado da morte para ser o Salvador do mundo
inteiro. Não podemos (e realmente não é possível) compreender plenamente
estas verdades sobre pessoa e obra de Jesus Cristo, mas os cristãos creem
nelas e agem com base nelas. Porquanto a convicção leva à entrega. Se Jesus
é O Senhor divino, devemos submeter-nos Ele como nosso Senhor. Ele é O
divino Salvador, devemos acreditar nele como nosso Salvador. Esta
apropriação pessoal de Jesus Cristo é essencial.
Tudo isto está implícito nas duas frases pelas quais o Senhor Jesus
caracteriza os cristãos de Pérgamo. Você permanece fiel ao meu nome e não
renunciou à sua fé em mim... (versículo 13). O que Ele quer dizer com estas
referências ao seu nome e à fé? Seu nome corresponde a Ele mesmo; é a
revelação de quem Ele é e o que tem feito. Ele representa a integridade de
sua pessoa ao mesmo tempo divina e humana e Sua obra
redentora. Permanecer fiel ao seu nome é portanto, apegar-nos firmemente
à nossa convicção de que Ele é tanto Senhor como Salvador, e nunca
deixarmos de crer nisso. A frase sua fé em mim leva-nos a um
estágio adiante. Como já vimos, não é suficiente reconhecer
intelectualmente o senhorio de Cristo sua obra redentora; devemos também
colocar nossa confiança ne como nosso Senhor e Salvador pessoal. Não
devemos apenas tomar firmemente seu nome, mas exercitar a fé nele.
Estas verdades fundamentais não podem ser comprometidas. Os
apóstolos tornam isto amplamente claro no Novo Testamento. Não podemos
pensar como alguns cristãos que negam a natureza divina e humana de Jesus
ou sua obra salvadora singular. Não há aqui nenhum espaço para negociação
ou conciliação. Negar que Jesus é o "Cristo vindo em carne" é anticristo,
escreveu João, enquanto pregar qualquer outro Evangelho que não o
Evangelho da graça salvadora de Cristo é merecer a maldição apregoada por
Paulo (João 2:22; 4:2; 2 João 7-11; Gaiatas 1:6-9).

Antipas, o mártir

A compreensão dos cristãos de Pérgamo sobre estas verdades centrais


havia evidentemente sido posta sob severa provação. Eles tinham sido
extremamente tentados a ceder, mas permaneceram firmes. Não seguiram
covardemente o exemplo de Pedro, que negou conhecer Jesus. Não
abjuraram a fé no Salvador; permaneceram fiéis ao seu nome. Com certeza,
um deles, no calor da perseguição, tinha sido fiel até o ponto de morrer. Nada
sabemos a respeito dele, exceto o que está relatado aqui. Seu nome era
43
Antipas. Sua coragem custou-lhe a vida e Jesus confere a ele seu próprio
título, de "fiel testemunha" (1:5; 3:14), ao referir-se a ele afetuosamente
como Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto nessa
cidade (versículo 13).
Não é difícil reconstruir o cenário em que provavelmente ocorreu a
morte de Antipas. Identificado como cristão, ele foi intimado a comparecer
diante do procônsul da província, cuja residência oficial, segundo alguns,
teria sido em Pérgamo. Este líder civil era também o líder dos sacerdotes do
culto imperial. Um busto do imperador ficava colocado sobre a base de uma
coluna e o fogo sagrado ardia diante dele. Oferecer sacrifício em honra da
divindade de Roma e ao divino imperador era muito simples. Tudo o que se
precisava fazer era borrifar algumas gotas de incenso sobre o fogo e dizer
"César é Senhor". Depois disso o ofertante estaria desobrigado, livre. Mas,
como podia Antipas negar o nome de Cristo e sua fé nele? Não tinha ele em
seu batismo ficado orgulhoso de afirmar sua fé com as simples palavras
"Jesus é Senhor"? Não tinha ele aprendido que Deus havia exaltado Jesus,
dando-lhe a preeminência à sua direita, nas regiões celestiais, "muito acima
de todo governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa
mencionar", dando-lhe "o nome que está acima de todo nome, para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho... e toda língua confesse que Jesus Cristo
é o Senhor, para a glória de Deus Pai"? Não lhe asseguraram seus mestres
que dizer "Jesus é Senhor" era um sinal da inspiração do Espírito Santo, ao
passo que ninguém podia dizer "Jesus seja amaldiçoado" quando falando
pelo Espírito de Deus (Efésios 1:20-21; Filipenses 2:9-11; 1 Coríntios 12:3)?
Pensamentos como estes devem ter invadido a mente de Antipas, à
medida que sua fé cristã era exposta à prova suprema. Se ele vacilou ou não,
é impossível dizer. Tudo o que sabemos é que lhe foi dada a graça para
permanecer firme, para honrar o nome de Cristo e não negar sua fé nele. Ele,
certamente, daria a César as coisas que eram de César, mas deveria também
dar a Deus as coisas que pertenciam a Deus. Ele não poderia conferir a César
o título que pertencia a Cristo. Cristo era seu Senhor, não César, mesmo que
isso significasse o açoite, a espada, a fogueira ou os leões. Assim, Antipas
juntou-se ao "nobre exército de mártires". Ele foi uma testemunha fiel e selou
seu testemunho com seu sangue.

A verdade sobre a santidade

A segunda verdade central que não pode ser sacrificada de modo


nenhum é de natureza ética. Diz respeito à santidade. A fé cristã relaciona-
se essencialmente com a pessoa e obra de Cristo, por um lado, e com a vida
44
de retidão, de outro. O cristianismo exalta Cristo e promove a santidade.
Negar Cristo e seguir o mal é abandonar a fortaleza do cristianismo nas mãos
do inimigo e atirar ao chão o padrão da verdade. Os escritores do Novo
Testamento insistem na defesa destes dois baluartes. Eles são tão
determinados em sua denúncia contra as pessoas imorais como são contra
aqueles que abandonam Cristo e seu Evangelho.
Há espaço para uma diferença de opinião sobre pontos menores de
doutrina e ética, mas nestas áreas deve haver unanimidade e nenhuma
concessão. A primeira carta de João é dedicada a este tema — todos aqueles
nascidos de Deus tanto creem em Cristo como praticam a justiça, tanto
andam na verdade como na luz. Negar que Jesus é o Cristo é ser mentiroso;
declarar que conhece a Deus e desobedecer aos seus mandamentos é também
ser mentiroso. De igual modo. Paulo escreveu aos coríntios recomendando
“que devem se associar com qualquer que, dizendo-se irmão, seja imoral,
avarento, idolatra, caluniador, alcoólatra ou ladrão. Com tais pessoas vocês
nem devem comer" (1 João 2:4,22; 1 Coríntios 5:11).

Nicolaítas e balaamitas

Esta veemente rejeição do pecado e amor entranhado pela


justiça emerge claramente na carta à igreja de Pérgamo. Os cristãos de
Pérgamo acolheram em seu meio alguns que se apegam aos ensinos de
Balaão... e os que se apegam aos ensinos dos nicolaítas (versículos 14-15).
É comumente aceito que balaamitas e nicolaítas eram os mesmos mestres,
não devendo ser distinguidos uns dos outros. Eles eram também encontrados
na igreja de Éfeso. A razão por que eram chamados nicolaítas já foi apreciada
na discussão sobre a carta a Éfeso. Devemos agora investigar qual era sua
relação com Balaão.
Balaão foi um profeta singular, cuja história é contada nos capítulos
22 a 24 do livro de Números. Balaque, rei de Moabe, incitou-o a amaldiçoar
as tribos de Israel que estavam para atravessar o rio Jordão em direção à
Terra Prometida. Mas cada vez que Balaão abria a boca, as palavras do
Senhor o faziam proferir palavras de bênção e não de maldição. Movido (de
acordo com 2 Pedro 2:15 e Judas 11) pela ambição à recompensa que
Balaque lhe estava oferecendo, Balaão então tramou outro esquema para
trazer desgraça a Israel. Ele sugeriu a Balaque que as jovens moabitas
deveriam seduzir os homens israelitas, convidando-os a tomar parte em sua
idolatria e festas imorais. Ele sabia que isto certamente provocaria a ira do
justo Deus de Israel. Balaão sugerira ao rei midianita que tentasse os
israelitas, levando-os a cometer pecado por comer alimento sacrificado aos
45
ídolos e por imoralidade sexual (versículo 14; compare com Números 25 e
31:16).

Caricatura da verdade

O que Balaão foi para o antigo Israel, os nicolaítas foram


evidentemente para o novo. Eles estavam infiltrando suas doutrinas nocivas
na igreja, ousando sugerir que a liberdade por meio da qual Cristo nos tornou
livres era uma liberdade para o pecado. "Cristo nos libertou da tutela da lei",
pareciam estar argumentando. "Portanto, não estamos mais sob a lei, mas
sob a graça. E por isso", continuava sua argumentação ilusória, "podemos
continuar pecando que a graça de Deus continuará fluindo através do
perdão." Este simulacro da verdade era para "mudar a graça do nosso Deus
em licença para a imoralidade e a negação de Jesus Cristo como nosso único
Soberano e Senhor" (Gaiatas 5:1; Romanos 6:1; Judas 4).
"Apenas um pouco de idolatria", sussurravam eles. "Apenas um pouco
de imoralidade. Somos livres. Não temos de ir a extremos." Tal raciocínio
perverso é algumas vezes ouvido nas igrejas de hoje. "Não convém ser
idealista", dizem. "Somos todos humanos, você sabe. Cristo não espera tanto
de nós. Suas exigências não são irracionais. Ele sabe que somos pó."
Totalmente diferente é a visão de Cristo sobre esta conduta. Alguns
manuscritos terminam o versículo 15 (como na versão inglesa King James)
com as palavras ...ensinos dos nicolaítas, que eu odeio. Essas palavras
podem não ser os originais aqui, mas são verdadeiras em si. O pecado para
Cristo é "aquela coisa abominável que eu odeio". A igreja de Éfeso odiava
"as práticas dos nicolaítas" (versículo 6), e foi elogiada por seu santo ódio.
Cristo mesmo acrescenta naquela carta: "Eu também odeio". Mas o que era
odiado em Éfeso era tolerado em Pérgamo. Por isso Cristo chama a igreja
a arrepender-se (versículo 16) de seus erros e de seu mal, pois Ele está
profundamente preocupado com uma igreja contaminada com tais coisas.

Cristo reconhece a fonte do pecado

Partimos de uma consideração da preocupação de Cristo pela verdade


para observar seu reconhecimento da origem do pecado. Ele é diabólico. A
igreja de Pérgamo viveu e adorou e testemunhou onde Satanás
habita (versículo 13b), onde está o trono de Satanás (versículo 13a). Satanás
não somente habitou em Pérgamo, ele também governou-a. A implicação é
clara, ou seja, Satanás era a fonte dos pecados aos quais alguns membros da
igreja tinham sucumbido.
46
Precisamos apagar da nossa mente a caricatura medieval de Satanás.
Despojando-o dos chifres, dos cascos e do rabo, ficamos com a imagem
bíblica de um ser espiritual, altamente inteligente, imensamente poderoso e
totalmente inescrupuloso. O próprio Jesus não somente acreditava em sua
existência, como nos advertiu do seu poder. Ele chamava-o "príncipe deste
mundo", do mesmo modo como Paulo o qualificou como sendo "o príncipe
do poder do ar”. Ele tem, portanto, um trono e um reino, e sob seu comando
está um exército de espíritos malignos que são identificados nas Escrituras
como "os dominadores deste mundo de trevas" e "forças espirituais do mal
nas regiões celestiais" (João 12:31; Efésios 2:2; 6:12).

A destruição de Satanás

Mas Satanás e suas forças têm sido derrotados. Cristo viu Satanás
caindo do céu como relâmpago, e João mais tarde, no Apocalipse, retrata
como o dragão e seus anjos, após serem vencidos por Miguel e seus anjos,
foram "lançados fora". Na cruz Jesus enfrentou e venceu todos os poderes
do mal. Quando o oprimiam, Ele despojou-os de seus poderes e autoridades,
como se fossem uma veste imunda, e "fez deles um espetáculo público,
triunfando sobre eles na cruz". Ali a cabeça de Satanás foi esmagada, embora
ao fazê-lo o calcanhar de Cristo tenha sido ferido (Lucas 10:18; Apocalipse
12:7-12; Colossenses2:15; Gênesis 3:15).
A despeito de sua derrota, os poderes das trevas não a reconheceram;
eles continuam a lutar pela posse de cada centímetro de seu território. O reino
de Satanás retrocede somente quando o reino de Deus avança. Em alguns
lugares ele mantém domínio incontestável. Pérgamo era um desses
lugares. Sei onde você vive, disse Jesus à igreja, você vive... onde Satanás
habita (versículo 13). Seus numerosos templos, santuários e altares, seu
labirinto de filosofias anticristãs, sua tolerância para com os contraditórios
nicolaítas e balaamitas, todos ostentam um testemunho eloquente em favor
do domínio maligno. Talvez ao mencionar Satanás como a antiga
serpente (Apocalipse 12:9), Cristo esteja fazendo uma alusão velada ao culto
de Esculápio, cujo símbolo era uma serpente. É provável também que
o trono de Satanás se refira ao imenso altar a Zeus. O Salvador "que parecia
dominar o lugar de sua plataforma encravada na rocha da acrópole" (Swete).
Mas a principal ameaça de Satanás apoia-se nas pretensões da religião
imperial. Foi por causa de uma recusa de tomar parte nisso que Antipas
perdeu a vida. Era aqui que a autoridade do dragão era vista mais claramente.

47
Um lugar sombrio

Assim, pois, Pérgamo era um lugar sombrio. A luz da verdade


infiltrava-se fracamente sobre a cidade. Ela estava mergulhada na confusão
mental da heresia. Pois o reino de Satanás é onde "as trevas reinam"; ele é o
dominador "deste mundo de trevas" e "odeia a luz" (Lucas 22:53; Efésios
6:12; João 3:20). Ele é chamado nas Escrituras tanto de mentiroso como de
enganador. Ele é tido como aquele que cega "o entendimento dos
descrentes". Ele instiga os mortais a pecar, induzindo-os ao erro (João 8:44;
2 Coríntios 4:4). Mais tarde no Apocalipse encontramos os aliados do
dragão. Um deles é uma "besta que saía da terra", mais tarde chamado “falso
profeta". Sua função é fazer "a terra e seus habitantes adorarem a primeira
besta" (Apocalipse 13:11-12; 19:20). Uma vez que a "primeira besta"
emergiu do mar e foi adorada, ela parece representar o Império Romano
perseguidor, enquanto que a segunda besta representa o culto ao imperador.
O culto ao imperador há muito desapareceu, mas o "falso profeta" não
saiu de cena. Ele vive atualmente em cada religião e filosofia não-cristãs,
bem como em cada tentativa de desviar para outros a honra que é devida
somente a Jesus Cristo. Este é o espírito do anticristo. Esta é a obra de
Satanás.

A verdade de Cristo triunfará sobre o pecado

Zeloso de que sua Igreja permaneça na verdade e reconhecendo a fonte


do pecado, Jesus Cristo está determinado a fazer com que a verdade triunfe.
Ele conclama a igreja de Pérgamo, que permitiu que grave pecado fosse
introduzido sem restrição, tanto a arrepender-se (versículo 16) como a obter
vitória sobre a falsidade. Ele indica a seguir o caminho da vitória e sua
recompensa.
O meio para a obtenção da vitória é sua palavra. O único instrumento
capaz de fulminar as forças do mal é a palavra de Cristo. Não é sem razão
que, enquanto dita esta carta a João, Ele intitula-se aquele que tem a espada
afiada de dois gumes (versículo 12). Na visão do Cristo glorificado que João
viu e descreveu no primeiro capítulo de Apocalipse, esta espada afiada de
dois gumes saía de sua boca (Apocalipse 1:16), porque ela é um símbolo da
palavra da verdade que Ele pronunciou. Com certeza, Ele mesmo é "a
Palavra de Deus" (Apocalipse 19:13; compare com João 1:1).

48
A espada de dois gumes

A imagem de Cristo com a espada reluzente em sua boca pode parecer


a nós bastante estranha, mas "não tão estranha quanto parece à primeira vista,
pois a curta espada romana tinha a forma de língua" (Dicionário da Bíblia,
de Hasting). Já na profecia de Isaías o Servo de Yahweh (prefigurando
Cristo) fala de si mesmo. "[O Senhor]... fez a minha boca como uma espada
aguda" (Isaías 49:2). A palavra de Deus é descrita pelo apóstolo Paulo como
"a espada do Espírito", e, na carta aos Hebreus, como "viva e eficaz".
Certamente, "mais afiada do que qualquer espada de dois gumes; ela penetra
ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos
e intenções do coração" (Efésios 6:17; Hebreus 4:12). Quer concordemos ou
não com Tertuliano e Agostinho de que os dois gumes da espada representam
o Antigo e o Novo Testamento, a Bíblia tem muitas qualidades semelhantes
à espada. Ela aguilhoa a consciência e fere o orgulho dos pecadores. Ela
rompe nossa camuflagem e atravessa nossas defesas. Ela desnuda nosso
pecado e pobreza, e mata toda falsa doutrina com seus golpes exímios e
agudos.
A forma de Deus vencer o pecado é a proclamação do Evangelho de
Cristo, que é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. A
falsidade não será suprimida pelos métodos repulsivos da inquisição, ou por
queimar os hereges nas fogueiras, ou por meio de legislação restritiva. As
ideias não são subjugadas pela força. Somente a verdade pode vencer o erro.
As falsas ideologias do mundo podem ser destruídas somente pela ideologia
superior de Cristo. Não temos nenhuma outra arma senão esta espada.
Devemos usá-la destemidamente.

A mensagem de julgamento

Um dia esta mesma espada mudará de função. A mensagem da


verdade se tornará a mensagem do julgamento. A espada que penetra na
consciência será a espada que destruirá a alma. Virei em breve até você e
lutarei contra eles com a espada da minha boca (versículo 16; compare com
Apocalipse 19:15,21). O próprio Balaão foi morto pela espada (Números
31:8; Josué 13:22), e os balaamitas de Pérgamo (a menos que se arrependam)
sofrerão a mesma sorte com a diferença de que agora a espada será a espada
de Cristo. Em outras palavras, o mesmo Evangelho de Cristo, que salva
aqueles que lhe obedecem, destrói aqueles que lhe desobedecem.
Se alguma coisa é certa sobre o julgamento divino na Escritura, é que
Deus nos fará responsáveis por nossa atitude em face da verdade que
49
conhecemos. E daqueles a quem muito é revelado, muito lhes será requerido.
Como Jesus disse aos seus contemporâneos: "Se alguém ouve as minhas
palavras, e não as guarda, eu não o julgo. Pois não vim para julgar o mundo,
mas para salvá-lo. Há um juiz para quem me rejeita e não aceita as minhas
palavras; a própria palavra que proferi o condenará no último dia" (João
12:47-48). Vemos aqui a palavra salvadora de Cristo tornando-se juiz, a
espada benfazeja transformando-se em carrasco.
Tendo apresentado a arma de Deus para a vitória sobre o mal, Cristo
agora revela sua recompensa para o vencedor — isto é, para o homem ou
mulher que ouve e recebe sua palavra, procura compreendê-la e empenha-se
em viver de acordo com ela. Ao vencedor darei do maná escondido. Também
lhe darei uma pedra branca com um novo nome nela inscrito, conhecido
apenas por aquele que o recebe (versículo 17).

O maná escondido

Aqui estão duas dádivas preciosas e desejáveis, o maná escondido e


uma pedra branca com a inscrição de um novo nome. O que significam estes
presentes? O maná escondido se refere provavelmente ao "vaso de ouro
contendo o maná" que foi guardado na arca do testemunho (Êxodo 16:32-
34; Hebreus 9:4), mas o próprio maná é Cristo. Assim como o povo de Deus
foi alimentado pelo maná no deserto, hoje nossa fé espiritual é satisfeita por
Cristo, o pão da vida. Ele mesmo, depois de alimentar as cinco mil pessoas,
alegou ser "o verdadeiro pão do céu..." que dá vida ao mundo" (João 6.31-
35) e "o pão vivo que desceu do céu", de sorte que "se alguém comer deste
pão, viverá para sempre" (João 6:48-51). Mas a recompensa prometida no
final de cada uma das sete cartas às igrejas é uma recompensa a ser herdada
no céu, não na terra. Assim, o maná escondido deve ser visualizado além de
nosso gozo presente de Cristo, ou seja, no banquete celestial que nos espera.
Rejeitando o luxo das comidas idólatras nesta vida, o banquete será mais
opulento na próxima.

A pedra branca

Quanto à pedra branca com a inscrição de um novo


nome, os comentários são controversos devido à variedade de suas
interpretações. Alguns se referem às joias que, de acordo com a tradição
rabínica, caíram do céu com o maná. Outros escrevem sobre os seixos
rolados brancos, que eram lançados em uma caixa pelo juiz quando absolvia
um prisioneiro, enquanto outros nos lembrar das tésseras (*) dadas aos
50
vencedores dos jogos, concedendo-lhes livre acesso aos divertimentos
públicos. As pedras eram usadas com amuletos, fichas de jogo ou ingressos,
e todas estas interpretações têm sido sugeridas para os propósitos aqui
considerados.
Mas para mim a explicação mais razoável é a do arcebispo Trench.
Ele nos remete aos misteriosos "Urim e Tumim", mencionados muitas vezes
no Antigo Testamento e que eram consultados pelo sumo sacerdote quando
buscava a orientação divina. Eles eram associados às doze pedras preciosas,
simbolizando as doze tribos de Israel, que eram colocadas em uma placa no
peito do sumo sacerdote. O Urim supõe Trench, pode ter sido uma "pedra
branca" ou diamante sobre o qual era escrito — tem-se frequentemente
conjeturado — o nome secreto de Deus. Uma vez que a urna do maná era
escondida dentro do véu (cuja acesso era somente possível se sumo
sacerdote), e uma vez que o Urim era possuído e consultado exclusivamente
pelo sumo sacerdote, Trench sugere que ambos, o maná e a pedra, sejam
apresentados ao cristão vencedor representando os privilégios do sumo
sacerdote, os quais o Senhor por fim concederá a todo o seu povo, do qual
todos serão seus sacerdotes (Apocalipse 1:6; 5:10).

(*) Objetos que serviam de senha entre os primeiros cristãos. Também cubo ou tablete de
madeira, osso ou marfim usado pelos antigos romanos e que servia, entre outras coisas,
como senha ou identificação.

O novo nome

Seja qual for a pedra, o novo nome a ser gravado sobre ela é
indubitavelmente o nome de Cristo, que diz mais adiante em sua carta à
igreja de Filadélfia: "...escreverei sobre ela o meu novo nome" (Apocalipse
3:12). O nome é secreto, exatamente como o maná que está escondido, pois
ele será revelado somente àquele que o recebe. O que será escrito na pedra
branca será um novo nome... conhecido apenas por aquele que o
recebe (capítulo 2:17). A revelação íntima prometida por Cristo ao crente no
paraíso será secreta e pessoal. O céu será certamente uma comunidade, mas
isto não significa que seremos um rebanho de gado indiscriminado.
Manteremos nossa individualidade e nosso relacionamento com Cristo.

Escreve teu novo nome em meu coração


Teu novo, melhor nome do amor.

51
O que são, pois, a promessa do maná e o nome gravado na pedra? São
a garantia de uma revelação mais plena àqueles que recebem a revelação já
concedida. O maná escondido é Cristo. O novo nome é Cristo. Vamos nos
deliciar com o maná e compreender o nome. Esta é a visão beatífica. Ela
deverá receber tal manifestação de Cristo, capaz de satisfazer completamente
tanto o coração como a mente. Aqueles que retêm firmemente o nome de
Cristo receberão uma revelação mais profunda dela, um novo nome. Aqueles
que não negam a fé em Cristo irão se fartar com o maná escondido. Aqueles
que conhecem em parte conhecerão também plenamente, como são
conhecidos. Aqueles que veem agora como em um espelho, indistintamente,
o verão face a face.
Portanto, reconhecendo a inquietação de Cristo pelo triunfo da
verdade e a atividade de Satanás na propagação de mentiras, somos
chamados a guardar o que tem sido confiado a nós e batalhar "pela fé uma
vez por todas confiada aos santos" (1 Timóteo 6:20; Judas 3). E devemos
seguir a verdade em amor.

52
Contra você tenho isto: você tolera aquela mulher
Jezabel... Apocalipse 2:20

Carta à igreja de Tiatira:

SANTIDADE
Apocalipse 2:18-29

Ao anjo da igreja em Tiatira escreve:


Estas são as palavras do Filho de Deus, cujos olhos são como chama de
fogo e os pés como bronze reluzente. 19Conheço as suas obras, o seu amor e
fé, o seu serviço e esperança, e sei que você está fazendo mais agora do que
no princípio. 20No entanto, contra você tenho isto: você tolera aquela mulher
Jezabel, que se diz profetisa. Com os seus ensinos, ela induz os meus servos
à imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados aos ídolos. 21Dei-
lhe tempo para que se arrependesse da sua imoralidade sexual, mas ela não
quer se arrepender. 22Por isso, vou fazê-la adoecer e trarei grande
sofrimento aos que cometem adultério com ela, a não ser que se arrependam
das obras que ela pratica. 23Matarei os filhos dessa mulher. Então, todas as
igrejas saberão que eu sou aquele que sonda mentes e corações e retribuirei
a cada um de vocês de acordo com as suas obras. 24Aos demais que estão
em Tiatira, a vocês que não seguem a doutrina dela e não aprenderam, como
eles dizem, os profundos segredos de Satanás, digo: não porei outra carga
sobre vocês; 25tão-somente apeguem-se com firmeza ao que vocês têm, até
que eu venha. 26Àquele que vencer e fizer a minha vontade até o fim darei
autoridade sobre as nações— 27“Ele governará com cetro de ferro e as
despedaçará como barro” – 28assim como Eu recebi autoridade de meu Pai.
Também lhe darei a estrela da manhã. 29Aquele que tem ouvidos ouça o que
o Espírito diz às igrejas.

“A carta mais longa é dirigida à menos importante das sete cidades”


(R.H.Charles). A cidade de Tiatira era certamente menor e menos importante
que Pérgamo e Sardes na grande estrada circular da província da Ásia,
mencionada anteriormente. O mensageiro incumbido de entregar essas
cartas, tendo iniciado seu trajeto em Éfeso, viajado diretamente ao norte até
Esmirna e posteriormente ainda ao norte até Pérgamo teria em seguida de
voltar-se para o sudeste viajando 65 quilômetros para alcançar Tiatira.

53
Tiatira
Se Tiatira se destacou em alguma coisa, foi por sua atividade
comercial e não política. Certamente ela foi em sua época um próspero
centro de negócios. As inscrições descobertas pelos arqueólogos revelam o
fato interessante de que Tiatira se orgulhava de numerosas associações
profissionais. Havia, por exemplo, associações de padeiros, de artífices de
bronze, comerciantes de tecidos e sapateiros, tecelões, curtidores, tintureiros
e oleiros. Foi de Tiatira que Lídia, uma das convertidas mais notáveis de
Filipos, tinha vindo. Ela negociava com materiais tratados com corante de
púrpura vindo de Tiatira e é retratada por Lucas como "vendedora de tecidos"
(Atos 16:14). Lídia tinha evidentemente emigrado (provavelmente por
razões comerciais) para Filipos, na Macedônia, da qual Tiatira era colônia, e
ali ela ouviu a pregação de Paulo sobre o Evangelho. O Senhor abriu seu
coração para ouvir a mensagem. Ela creu e foi batizada.
Talvez Lídia, recém-nascida em Cristo, tenha retornado ao seu lar em
Tiatira e servido como um meio para se plantar a Igreja cristã ali. Não
sabemos. Certamente, quando o Apocalipse foi escrito, esta progressista
cidade possuía uma igreja próspera. Jesus Cristo se refere a isso com palavras
de fervorosa apreciação. Conheço as suas obras, o seu amor, o seu serviço e
perseverança (versículo 19). Sem dúvida, vemos aqui quatro excelentes
qualidades cristãs. Tiatira não apenas rivalizava com Éfeso nas atividades do
serviço cristão, como também demonstrou o amor que faltava em Éfeso,
preservou a fé, que estava em perigo em Pérgamo, e compartilhava com
Esmirna a virtude da resistência paciente na tribulação.

Um bonito jardim
Inegavelmente, a igreja de Tiatira era como um bonito jardim em que
floresciam as mais belas graças: de um lado um humilde ministério, e de
outro, aquela trindade tão frequentemente citada por Paulo: fé, esperança e
amor. Fé e amor são mencionados pelo nome, e o que é perseverança senão
fruto da esperança? Recordamo-nos de imediato da aprovação de Paulo aos
crentes tessalonicenses — "Lembramo-nos continuamente, diante de nosso
Deus e Pai, o que vocês têm demonstrado: o trabalho que resulta da fé, o
esforço motivado pelo amor e a perseverança proveniente da esperança em
nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tessalonicenses 1:3). Aqui também em Tiatira
havia um amor prático que resultava em serviço, juntamente mm uma fé e
esperança viris que tendiam a perdurar.
Mas o catálogo de virtudes de Tiatira ainda não se esgotou. Conheço
as suas obras, diz Cristo, e acrescenta: e sei que você está fazendo mais
agora do que no princípio (versículo 19). A igreja de Tiatira compreendeu
54
que a vida cristã é uma vida de crescimento, de progresso, de
desenvolvimento. Éfeso estava apostatando; Tiatira estava caminhando para
frente. A igreja de Éfeso tinha abandonado o amor que tivera no começo; a
igreja de Tiatira estava excedendo as obras que fazia nos primeiros tempos.

Crescimento cristão

O crescimento cristão é ilustrado de modos variados no Novo


Testamento. Ora é como um amadurecimento gradual de um ser humano, da
infância, passando pela adolescência, até a estatura adulta; ora é a crescente
fertilidade de uma videira; ora é o processo químico empregado para refinar
metais. Todas estas comparações significam um movimento que é contínuo,
mas confiante, positivo e vantajoso.
Nossa vida cristã é assim? Começamos bem, sem dúvida. Mas, como
nós estamos portando agora? Estamos permanecendo firme? Retrocedendo
ou progredindo? O Novo Testamento fala de um crescimento na fé e no
amor, no conhecimento e na santidade. Paulo podia regozijar-se, quando
escreveu sua segunda carta aos tessalonicenses — “a fé que vocês têm cresce
cada vez mais, e em muito aumenta o amor que todos vocês têm uns pelos
outros” (2 Tessalonicenses 1:3). Os cristãos de Tiatira estavam também
crescendo — crescendo em amor e fé... serviço e perseverança. (Versículo
19).

Uma planta venenosa


Em vista do esplêndido registro desta igreja, é triste ler logo mais
adiante e descobrir sua transigência moral. Naquele bonito campo permite-
se que uma planta venenosa viceje. Naquele corpo saudável um câncer
maligno começou a formar-se. Um inimigo está encontrando guarida no
meio da comunidade. Contra você tenho isto, continua a carta, você tolera
aquela mulher Jezabel, que se diz profetisa. Com os seus ensinos, ela induz
os meus servos à imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados
aos ídolos (versículo 20). A igreja de Tiatira manifestou amor e fé, serviço e
perseverança, mas a santidade não está incluída entre suas qualidades. Ela
permite que uma das mulheres da sua comunidade ensine uma ultrajante
licenciosidade, e aparentemente não faz nenhuma tentativa de reprimi-la.
Nisto também a igreja de Tiatira era o oposto da igreja de Éfeso. Éfeso não
podia suportar o mal, os apóstolos impostores, mas não tinha nenhum amor
(Apocalipse 2:2,4). Tiatira tinha amor, mas tolerava um mal, uma profetisa
impostora.

55
Santidade cristã

A santidade de vida e de caráter é, portanto, outra marca indispensável


do verdadeiro cristão e da verdadeira igreja. Isto é muito enfatizado no Novo
Testamento. "A vontade de Deus é que vocês sejam santificados: abstenham-
se da imoralidade sexual. Santidade não é somente a vontade de Deus, mas
seu propósito. É o propósito da eleição do Pai: "Deus nos escolheu nele
[Cristo] antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em
Sua presença". É o propósito da morte do Filho: "Jesus Cristo... Se entregou
por nós a fim de nos remir de toda maldade e purificar para si mesmo um
povo particularmente seu, dedicado à prática de boas obras." É o propósito
do Espírito Santo que habita em nós: "Deus não nos chamou para a impureza,
mas para a santidade. [Ele] lhes dá o seu Espírito Santo" (1 Tessalonicenses
1:3; Efésios 1:4; Tito 2:13,14; 1 Tessalonicenses 4:7-8). Aqui, pois, estão o
Pai, o Filho e o Espírito Santo, as três Pessoas da única e eterna Divindade,
unidos em seu propósito para fazer-nos santos.
Mas, se é propósito de Deus fazer-nos santos, Satanás está decidido a
frustrar tal propósito. Ele está procurando incessantemente induzir tanto os
crentes como a Igreja a pecar. Se o monstro do mar falhar em esmagar a
Igreja pela força e o monstro da terra em perverter seu testemunho pelo mal,
então a prostituta de Babilônia pode ter sucesso em seduzi-la através de seus
encantamentos repugnantes (compare com Apocalipse 17:1-6). Ou,
deixando de lado as imagens vívidas do Apocalipse, se o diabo não pode
destruir a Igreja por meio de perseguição ou heresia, ele tentará corrompê-la
com o mal Tal foi ao menos a estratégia do dragão em Tiatira.

Jezabel

Mas quem era aquela mulher, Jezabel? Não é necessário ir ao extremo


de imaginar que houvesse uma mulher verdadeira com esse nome em Tiatira
ou que a expressão representasse meramente uma influência perniciosa.
Seria ela era uma mulher verdadeira, mas com um nome certamente tão
simbólico como outros do Antigo Testamento encontrados neste livro, tais
como Balaão, Sodoma, Babilônia e Jerusalém? O que se pretende dizer é que
esta desprezível profetisa era uma influência tão nefasta e perigosa em
Tiatira, como Jezabel tinha sido em Israel.
Jezabel era a esposa daquele rei fraco, Acabe. Ela era uma estrangeira
e tinha introduzido em Israel seu culto alienígena, pai Etbaal era um
sacerdote de Astarote, que tinha assumido o trono de Sidom matando o seu
predecessor. Astarote era o equivalente fenício da deusa grega Afrodite e da
deusa romana Vênus. Esse sistema abominável tinha engendrado um total

56
divórcio entre religião e moralidade, pois ele mesmo incentivava uma
grosseira imoralidade sexual sob a capa de piedade. Etimologicamente,
"Jezabel" significa "pura" ou "casta"; mas Jezabel contradisse seu nome em
razão de seu caráter e de sua conduta.
Quando Jezabel se casou com Acabe, ela procurou difundir ativamente
suas revoltantes doutrinas em Israel. É possível que ela mesma tenha sido
sacerdotisa de Astarote. Ela persuadiu Acabe a construir um templo e um
altar para Astarote na capital, Samaria. Ela sustentou 850 profetas de seu
culto imoral e eliminou todos os profetas do justo Yahweh que estivessem
ao seu alcance. Jezabel ficou famosa pelo que Jeú mais tarde chamou de sua
"idolatria e feitiçaria” (1 Reis 16:30-32; 18:4,19; 21:25; 2 Reis 9:22). Ela
procurou, contaminar Israel, como Balaão tinha feito antes dela e, Acabe não
teve convicção moral ou força para impedi-la.

A segunda Jezabel
A primeira Jezabel tinha sido morta cerca de mil anos atrás. Ela
encontrou um fim terrível. Mas sua malignidade havia, por assim dizer,
reaparecido em uma profetisa do primeiro século d.C., cuja religião tinha tão
pouca conexão com a moralidade como aquela de sua homônima.
Reivindicando inspiração divina, ela estava sendo bem-sucedida em
persuadir os servos de Cristo a ceder às práticas imorais. R. H. Charles
supunha que ela estava incentivando os cristãos de Tiatira para comparecer
às cerimônias e festas das associações comerciais, que eram "dedicadas sem
dúvida a alguma deidade pagã" e "também frequentemente terminavam em
licenciosidade desenfreada".
A nova Jezabel e seus seguidores provavelmente orgulhavam-se de
sua amadurecida experiência de vida. Como os futuros gnósticos, eles
estavam sondando os mistérios secretos e vangloriando-se de uma revelação
particular, esotérica, negada à maioria dos cristãos. Eles se enxergavam
como uma aristocracia espiritual, uma elite favorecida. Orgulhavam-se de
terem perscrutado "as coisas profundas". Talvez tenham emprestado esta
frase de Paulo, que mencionou várias vezes em suas cartas "as coisas
profundas de Deus" — as profundezas de sua sabedoria e amor que os seres
humanos podem conhecer somente porque o Espírito Santo as descobre e
revela (Romanos 11:33; Efésios 3:18; 1 Coríntios 2:10). Se os gnósticos
tomaram emprestada a frase de Paulo, então eles a perverteram. Com sua
teoria diabólica de que, uma vez que a questão era o mal, os pecados da carne
podiam ser livremente tolerados sem prejuízo para o espírito, eles
mergulharam sem restrição nos assim chamados profundos segredos de
Satanás (versículo 24).

57
Tolerando o pecado
Parece, pois, que os seguidores de Jezabel eram semelhantes, senão
idênticos aos nicolaítas e balaamitas. Suas práticas que levavam à
imoralidade sexual e a comerem alimentos sacrificados aos ídolos (versículo
20) são mencionadas tanto nesta carta a Tiatira como na carta anterior a
Pérgamo (versículo 14). Aqui, entretanto, a ênfase parece ser sobre o pecado
deles em vez de ser sobre seu erro, uma questão de ética e não de doutrina.
A igreja estava permitindo a Jezabel e a seus seguidores que continuassem
livremente suas práticas. Éfeso "odiava" as práticas dos nicolaítas e não
podia tolerá-las (versículo 2, 6); Pérgamo possuía alguns membros que
seguiam OS ensinamentos de Balaão e dos nicolaítas (versículos 14, 15); mas
Tiatira realmente tolerava-os (versículo 20). Os cristãos de Tiatira parece
que tiveram ou uma consciência muito fraca ou uma coragem muito frágil.
Eles foram tão fracos e sem força moral em relação a nova Jezabel como
Acabe tinha sido para com a antiga. Cristo censurou o fato de ela ter
planejado levar seus servos a pecar. É como se Ele dissesse: "Meus servos
(versículo 20) estão empenhados em obedecer a mim, não a Jezabel. Servir
a ela é a liberdade que leva à escravidão; seguir-me é a dedicação que leva à
liberdade."
Que mensagem tem o Cristo ressurreto para uma igreja nesta
condição?

Declaração de Cristo a toda a igreja

Cristo começa sua mensagem à igreja de Tiatira, como começa outras


cartas, dizendo: Conheço, mas de algum modo nesta carta as palavras têm
um sentido mais enérgico. Todas as igrejas precisavam compreender que Ele
era seu supervisor celestial, que estava caminhando no meio dos candelabros,
mas Tiatira precisava desta asseveração mais do que as outras, porque muitas
das práticas vans dos partidários de Jezabel estavam sendo toleradas
secretamente. Talvez a própria igreja não soubesse plenamente o que estava
acontecendo por trás das portas fechadas e na obscuridade. Mas Cristo sabia.
Ele tinha boa razão para apresentar-se a esta igreja como o Filho de Deus,
cujos olhos são como chama de fogo (versículo 18; compare com Apocalipse
1:14; 19:12). Eles penetraram a noite que encobria os pecados de Jezabel, e
exibiram sua ardente indignação.

58
Olhos dardejantes
Os olhos de Jesus devem ter fascinado as pessoas quando Ele estava
na terra. Os fariseus pareciam encolher-se de vergonha quando Ele "irado,
olhou para os que estavam à sua volta e, profundamente entristecido por
causa dos seus corações endurecidos", e Simão Pedro nunca pôde apagar da
sua imaginação a fixação sobre ele daqueles olhos suaves, amorosos,
desapontados quando Jesus "voltou-se e olhou diretamente para Pedro" no
palácio do sumo sacerdote, logo depois de o galo cantar (Marcos 3:5; Lucas
22:60, 61).
Nesta mesma carta Jesus intitula-se aquele que sonda mentes e
corações (versículo 23). Este conhecimento peculiar dos pensamentos e
motivos secretos das pessoas é uma faculdade divi na, frequentemente
mencionada no Antigo Testamento, que o Filho de Deus (versículo 18)
conscientemente alega possuir, Jeremias, o profeta a quem foi revelado
talvez mais claramente do que a outros a natureza interna da religião e a
importância do coração, registra a palavra de Deus que Cristo cita aqui: "Eu,
o Senhor, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a
cada um segundo seu proceder, segundo o fruto das suas ações." Jeremias
alude a esta prerrogativa divina quando ora: "Ó Senhor dos exércitos, justo
Juiz, que provas o mais íntimo do coração..." Assim também no livro de Atos
Deus recebe duas vezes um nome que em grego é um substantivo simples,
kardiognõstes, que significa "conhecedor do coração" (Jeremias 17:10;
11:20; compare com 20:12 e Salmo 7:9; Atos 1:24; 15:8).

Discernimento divino

O Jesus terreno também tinha esta capacidade. Ele lia os pensamentos


e compreendia o coração das pessoas. Tanto seus inimigos como seus
discípulos ficavam atônitos diante de sua visão penetrante dos cantos ocultos
da mente humana. Várias vezes lemos, por exemplo, que Ele "percebeu em
seu espírito que era isso que eles estavam pensando", de modo que seus
seguidores mais íntimos chegaram à conclusão de que nada podia ser
ocultado dele. "Senhor, tu sabes todas as coisas", foi a convicção de Pedro,
ao passo que João elaborou um pouco suas palavras: "Não precisava que
ninguém lhe desse testemunho a respeito do homem, pois ele bem sabia o
que havia no homem" (Marcos 2:8; João 21:17; 2:25). Se esta clara visão do
recôndito do coração e da mente das pessoas foi uma característica do Jesus
terreno, quanto mais o Cristo ressurreto conhece todos os segredos humanos?
Os perversos convencem a si mesmos que sua perversidade não é
conhecida e nunca será trazida à luz. "Ele não vê", gostam de dizer a respeito
de Deus, e "Ele não julgará". Mas isto não pode ser afirmado tão
enfaticamente, pois Deus vê e Deus julgará. "Ai dos que escondem
59
profundamente o seu propósito do Senhor, e as suas próprias obras fazem às
escuras, e dizem: 'Quem nos vê? Quem nos conhece?'" "Nada, em toda a
criação, está oculto aos olhos de Deus.
Tudo está descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem
havemos de prestar contas", e "Isto acontecerá no dia em que Deus julgar os
segredos dos homens, mediante Jesus Cristo" (Isaías 29:15; Hebreus 4:13;
Romanos 2:16). O povo de Deus precisa, pois, aprender a viver na presença
de Cristo cujos olhos são como chama de fogo e que sonda mentes e corações
(versículos 18, 23). Seus olhos "passam por toda a terra". Ele sabe "quando
me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos".
Não podemos fugir da sua presença. Seu olho que tudo vê está sempre sobre
mim. É o que a Bíblia quer dizer por viver "no temor do Senhor" (2 Crônicas
16:9; Salmo 139; Provérbios 23:17; 2 Coríntios 7:1).

Advertência de Cristo aos partidários de Jezabel


Cristo conclama este infame grupo de Tiatira a arrepender-se. Com
certeza eles já tiveram uma oportunidade de fazê-lo, mas ainda não deram
importância a isto. Dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua
imoralidade sexual, mas ela não quer se arrepender (versículo 21). Não
sabemos que advertência foi feita aos partidários de Jezabel. Mas sabemos
que Deus é "paciente com vocês não querendo que ninguém pereça"; Ele não
tem "prazer na morte de ninguém"; Ele "deseja que todos os homens sejam
salvos" (2 Pedro 3:9; Ezequiel 18:32; 1 Timóteo 2:4). Este é o seu desejo,
mas não é o de Jezabel. Ela "não quer se arrepender", é como a frase grega
do versículo 21 deve ser traduzida literalmente.

Arrependa-se!
Jesus Cristo não nos quer forçar a ceder, não quer violentar a teimosia
de nossa vontade. Ele ainda nos diz, como fez anos antes à impenitente
Jerusalém: "Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos, como a galinha reúne
os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas não quiseste" (Mateus 23:37).
Se, entretanto, Jezabel não se arrepender, ainda há um vislumbre de
esperança para seus seguidores: aqueles que cometem adultério com ela
serão seguramente castigados a não ser que se arrependam das obras que
ela pratica (versículo 22). A porta do arrependimento ainda estava aberta.
Ainda havia tempo. Mas a oportunidade não duraria para sempre. Um dia,
provavelmente logo, acabaria.
Se esta advertência final não fosse atendida, o passo seguinte seria o
julgamento. Todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda mentes e
corações e retribuirei a cada um de vocês de acordo com as suas obras
(versículo 23). Aquele cujos olhos são como chama de fogo também tem pés
60
como bronze reluzente (versículo 18). Os olhos que veem as profundezas
ocultas de nosso coração podem também arder com justa ira, e seus pés
podem esmagar-nos até o pó. A natureza do julgamento vindouro dos
partidários de Jezabel é expressa em termos dramáticos e parcialmente
simbólicos. Mas o simbolismo não deve ocultar-nos a realidade. Por isso,
vou fazê-la [Jezabel] adoecer e trarei grande sofrimento aos que cometem
adultério com ela... Matarei os filhos dessa mulher (versículos 22, 23).

Julgamento
Seu castigo corresponderá ao seu crime. O cenário de sua impiedade
será o cenário de seu julgamento. Seu leito de pecado se transformar em leito
de sofrimento. Os prazeres de pecado darão às dores de aflição, e sua
descendência espiritual, profundamente manchada com sua maldade para
poder ser purificada, será morta. Como os filhos de Acabe e Jezabel, eles
também estão condenados. É bem provável que tais punições literais de
doença e morte podem ter atingido a imoral Jezabel. Essa era a época em que
Ananias e Safira caíram mortos por causa de sua mentira e na qual alguns
cristãos coríntios ficaram doentes, enquanto outros morreram por terem
maculado a Ceia do Senhor com sua ganância e irreverência (At 5:1-11; 1
Coríntios 11:17-32). Em nossos dias, transgressores como esses podem não
sofrer um julgamento físico imediato, mas os olhos de Cristo são ainda como
uma chama de fogo e seus pés tão forte como bronze lustroso, e “os perversos
não herdarão o Reino de Deus" (1 Coríntios 6:9).

Conselho de Cristo aos remanescentes


Nem todos os membros da igreja de Tiatira tinham sido infectados
com o vírus de Jezabel. Alguns haviam resistido ao seu contágio. Eles não
seguiram a doutrina dela. Eles não tinham aprendido, como diziam, os
profundos segredos de Satanás (versículo 24). Em outras palavras, havia um
grupo remanescente que se manteve fiel em Tiatira, que não tinha se tornado
impuro. Para estes, que Cristo denomina os demais que estão em Tiatira
(versículo 24), Ele tem uma palavra de conselho. Ele começa dizendo: não
porei outra carga sobre vocês, e em seguida acrescenta: tão-somente
apeguem-se com firmeza ao que vocês têm, até que eu venha (versículos 24
e 25). Esta menção de não impor outra carga parece ser uma referência ao
decreto dos apóstolos promulgado depois da Conferência de Jerusalém,
citada por Lucas em Atos 15. A principal resolução desta conferência foi a
conclusão de que um convertido do mundo gentílico não tinha de ser
circuncidado. Isto é, um gentio não precisava tornar-se antes um judeu para
ser aceito como cristão. Ao contrário, em Cristo judeus e gentios eram a
partir de então membros iguais de sua nova comunidade.
61
Entretanto, uma vez que este grande princípio tinha sido estabelecido,
havia uma disposição de fazer concessões em certas práticas. Os gentios
eram solicitados a refrear-se de quatro coisas, a fim de não ofender a
consciência dos judeus. Embora houvesse contínuo debate sobre estas quatro
abstenções, parece claro que elas eram culturais e não morais. Além dessas
concessões culturais — certamente a lei moral era imutável — os apóstolos
e anciãos determinaram "não impor" mais exigências aos crentes gentios
(Atos 15:28). Da mesma forma, Cristo não quis pôr "outra carga" sobre a
igreja de Tiatira; eles deviam "tão-somente" apegar-se "com firmeza" ao que
tinham (versículos 24-25), isto é, ao ensino que já haviam recebido.

Gloriosa liberdade
Uma importante lição está oculta nestas frases, que faremos bem em
aprender. Considere isto com atenção: Uma nova imoralidade não deve
levar-nos a um novo ascetismo. Não devemos reagir a uma extrema
frouxidão ao nosso redor desenvolvendo uma extrema rigidez em nossas
atitudes. Cristo não tem um novo fardo para aqueles que vivem em um
ambiente em que os padrões são baixos. Simplesmente apeguemo-nos ao que
já temos, ou seja, aquilo que nos foi legado em sua palavra escrita. O que é
isto? Isto é a justiça equilibrada, alegre, esfuziante da Bíblia, a gloriosa
liberdade da lei régia. É a mesma moralidade que considera o uso correto do
sexo como belo e sagrado, e seu uso desvirtuado como feio e sórdido. Este é
o ensino que diz: "O casamento deve ser honrado por todos; o leito conjugal,
conservado puro; pois Deus julgará os imorais e os adúlteros" (Hebreus
13:4).
Os mandamentos de Deus não são pesados. O jugo de Cristo é suave
e o seu fardo é leve (1 João 5:3; Mateus 11:30). Não devemos lançar sobre
nós mesmos ou sobre outros, qualquer outro fardo além do que Ele nos
impôs. Este é precisamente o equívoco que os escribas e fariseus cometeram.
Eles acrescentaram suas próprias tradições aos mandamentos de Deus.
"Atam tardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens" (Marcos
7:8-13; Mateus 23:4). Mas o cristão não deve imitar os fariseus. Devemos
simplesmente apegar-nos ao que já temos, isto é, o que nos foi dado pelo
ensino dos apóstolos e se encontra agora registrado nas Escrituras. Muitas
vezes os apóstolos dizem-nos para fazer apenas isto — "Cuidem para que
aquilo que ouviram desde o princípio permaneça em vocês", e "Permaneçam
firmes e apeguem-se às tradições que lhes foram ensinadas, quer de viva voz,
quer por carta nossa" (1 João 2:24; 2 Tessalonicenses 2:15).
As Escrituras Sagradas são em si um "cânon", um padrão pelo qual
medir e um critério pelo qual testar. Elas são uma orientação e uma regra

62
suficiente tanto da fé como da vida. Nossa responsabilidade é preservar seu
ensino e nada lhe acrescentar.

A promessa de Cristo ao vencedor


Esta carta, como as outras, conclui com bondosas promessas ao que
vencer. Com certeza, neste caso o vencedor é claramente definido como a
pessoa que obedece à lei moral de Cristo. Aquele que vencer é, na linguagem
de Cristo, o mesmo que aquele que fizer a minha vontade até o fim (versículo
26). Há várias referências nesta carta às "obras", obras pelas quais não
podemos ser justificados, mas pelas quais certamente seremos julgados
(versículo 23). As ações ou obras nunca são a razão ou meio de nossa
salvação, e sim a evidência necessária dela; portanto elas constituem uma
excelente base para o julgamento.

Duas promessas
Àqueles que vencerem na luta por manter as obras de Cristo firmes até
o fim, Ele faz duas promessas maravilhosas. Aqui estão elas na íntegra.
Àquele que vencer e fizer a minha vontade até o fim darei autoridade sobre
as nações — Ele as governará com um cetro de ferro e as despedaçará como
barro — assim como eu recebi autoridade de meu Pai. Também lhe darei a
estrela da manhã (versículos 26-28). A palavra "darei" ocorre duas vezes
(versículos 26, 28), e ecoa a mesma ideia do versículo 23. Se Cristo vai dar
ao pecador o que suas obras merecerem, Ele também dará ao vencedor muito
além do que suas obras poderiam começar a merecer. Ele promete dar ao que
vencer autoridade sobre as nações e a estrela da manhã, expressões estas
que transmitem os conceitos de autoridade e revelação.
A primeira promessa toma emprestada a imagem do Salmo 2:8-9, onde
a futura soberania do Messias sobre as nações é extraordinariamente predita:
"Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por
tua possessão. Com vara de ferro as regerás, e as despedaçarás como um vaso
de oleiro" (compare com Apocalipse 12:5; 19:15). Esta autoridade de Cristo
é agora dividida com seu povo fiel e vitorioso. Assim como eu recebi
autoridade de meu Pai (versículo 28), Ele diz, "também te darei autoridade".
A citação do Salmo 2 está ligeiramente modificada e adaptada. A palavra
grega para "governará" no versículo 27 significa literalmente "cuidará". O
oleiro tornou-se um pastor, e as nações não serão somente vaso a ser
despedaçado, mas ovelha a ser conduzida e disciplinada com justiça.

63
Partilhando o reinado de Cristo

Da mesma forma como o vencedor terá permissão de participar dele,


o reino de Cristo está além de nosso atual estágio de conhecimento. É
suficiente lembrar que a Escritura contém muitas indicações de que o novo
céu e a nova terra serão para o crente um lugar não somente de privilégio,
mas de responsabilidade. O "bom e fiel servo", que tem sido "fiel em poucas
coisas", será colocado "a cargo de muitas coisas", bem como "desfrutará a
felicidade de seu senhor". De modo semelhante, ao bom servo na parábola
das dez minas o homem nobre diz: "'Muito bem, meu bom servo!' Respondeu
o seu senhor. 'Por ter sido confiável no pouco, governe sobre dez cidades'."
E Paulo acrescenta aos coríntios: "Vocês não sabem que os santos hão de
julgar o mundo?" (Mateus 25:21, 23; Lucas 19:17; 1 Coríntios 6:2). É
apropriado que deva ser assim. Aqueles que aprenderam a fazer as obras de
Cristo nesta vida continuarão a fazê-las na próxima. Aqueles que têm
dominado suas próprias paixões sobre a terra terão ascendência sobre outros
no céu.
A segunda promessa de Cristo ao vencedor diz respeito à dádiva da
estrela da manhã (versículo 28). Muitas sugestões têm sido feitas para a
elucidação desta expressão, mas, como sempre, a palavra de Deus é em si
mesma, a sua melhor intérprete. Em Apocalipse 22:16 o Senhor Jesus
apresenta-se como a resplandecente Estrela da Manhã. Ele é também "a
estrela procedente de Jacó" profetizada por Balaão (Números 24:17). As
igrejas podem ser "candelabros" e os anjos das igrejas podem ser
considerados "estrelas", mas Cristo é a resplandecente estrela da manhã, de
quem deriva sua luz. Comprometendo-se em dar esta estrela ao vencedor,
portanto, Cristo está comprometendo-se a dar a si mesmo.
Os cristãos fiéis que têm repudiado os padrões do mundo, controlado
os desejos de sua natureza caída e resistido à sedução do diabo receberão
esta resplandecente estrela da manhã. Rejeitando Jezabel, receberão Cristo.
Terão permissão para compartilhar não somente sua autoridade, mas também
sua glória. Não irão apenas governar as nações, mas também servir ao Senhor
das nações. Recusando-se a penetrar nas profundezas de Satanás, eles
sondarão as profundezes de Cristo. Voltando suas costas às trevas do pecado,
eles verão a luz da glória de Deus na face de Jesus Cristo. Os vencedores
cristãos, por maiores que tenham sido suas renúncias sobre a terra na batalha
pela santidade, irão com esta estrela, o próprio Cristo, permanecer em
absoluto e eterno contentamento.

64
Você tem fama de estar vivo, mas está morto.
Apocalipse 3:1

Carta à igreja de Sardes:

REALIDADE
Apocalipse 3:1-6

Ao anjo da igreja em Sardes escreve:


Estas são as palavras daquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete
estrelas. Conheço as suas obras; você tem fama de estar vivo, mas está
morto. 2Esteja atento! Fortaleça o que resta e que estava para morrer, pois
não achei suas obras íntegras aos olhos do meu Deus. 3Lembre-se, portanto,
do que você recebeu e ouviu; obedeça e arrependa-se. Mas se você não
estiver atento, virei como um ladrão e você não saberá a que hora virei
contra você. 4No entanto, você tem aí em Sardes uns poucos que não
contaminaram as suas vestes. Eles andarão comigo, vestidos de branco, pois
são dignos. 5O vencedor será igualmente vestido de branco. Jamais apagarei
o seu nome do livro da vida, mas o reconhecerei diante de meu Pai e de seus
anjos. 6Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas.

A cidade de Sardes fica aproximadamente a 48 quilômetros a sudeste


de Tiatira e a 80 quilômetros em linha reta a leste de Esmirna. Situada ao pé
do monte Tmolus e no fértil vale do rio Hermus, ela foi também o ponto de
convergência de várias estradas internas, de modo que se tornou um centro
movimentado de comércio e tráfego. Mas sua história antiga era ainda mais
notável. Capital do velho reino da Lídia, foi ali que o lendário rei Creso
reinou, cercado de tesouros, até cair sob um rápido ataque do conquistador
persa Ciro.

Sardes na História

Mais tarde, Sardes destacou-se por ter sido conquistada tanto por
Alexandre, o grande, como por Antíoco, o Grande. Mas ela gradualmente
entrou em declínio e perdeu sua antiga fama, até que em 17 d.C. foi devastada
por um terremoto. Graças à generosidade do imperador Tibério, que
suspendeu por cinco anos os impostos devidos a Roma, a cidade foi
65
reconstruída e floresceu novamente ao ponto de o antigo historiador Estrabo
poder chamá-la "uma grande cidade", embora nunca tenha readquirido sua
antiga glória.
Nada se conhece das origens da igreja em Sardes, nem de seu
crescimento anterior, além do que podemos inferir desta carta.

Uma carta crítica

A carta que o Jesus ressurreto ditou a João para entregar à igreja de


Sardes é uma das mais severas das sete cartas. Sua crítica é quase implacável.
"Como a própria cidade", escreveu R.H.Charles, "a igreja tinha renunciado
à sua antiga promessa. Sua história religiosa, assim como a civil, pertencia
ao passado." Devemos levar em consideração a mensagem de Cristo a esta
igreja.

A reprovação manifestada por Cristo

Apenas umas poucas palavras foram necessárias para expor a


decadência espiritual desta igreja, mas foram tão devastadoras quanto o
terremoto de 17 d.C.: Conheço as suas obras; você tem fama de estar vivo,
mas está morto (versículo 1). A igreja de Sardes tinha adquirido um nome.
Sua fama como igreja em crescente progresso havia evidentemente se
espalhado em todo o redor. Ela gozava de boa reputação na cidade e na
região, sendo conhecida pelas outras seis igrejas na província em razão de
sua vitalidade. Nenhuma falsa doutrina estava criando raiz em sua
comunidade. Nada se ouvia dos balaamitas e nicolaítas, nem de Jezabel.
"Que igreja dinâmica vocês têm em Sardes!" Teriam exclamado os visitantes
com admiração, quando participavam de seus serviços e observavam suas
atividades; assim parecia a todos, sem dúvida. Sua congregação era
provavelmente bastante grande para aqueles dias, e em crescimento,
enquanto seu desenvolvimento certamente previa a inclusão de excelentes
projetos. Não havia nenhuma escassez financeira, nem carência de talento
ou recursos humanos. Tudo sugeria vida e vigor.

Um cemitério espiritual

Mas as aparências externas são notoriamente enganosas, pois esta


congregação socialmente distinta era um cemitério espiritual. Parecia estar
viva, mas na realidade estava morta. Tinha um nome respeitável, mas não
fazia jus a ele. Quando os olhos de Cristo viram por baixo da superfície, Ele
66
disse: Não achei suas obras íntegras aos olhos do meu Deus (versículo 2).
Aquela igreja realizou algumas obras, mas não foram completas, literalmente
"realizadas". Era mais uma rotina de deveres, que não chegaram a cumprir o
propósito ou modelo de Deus. A reputação que Sardes tinha alcançado era
uma reputação entre as pessoas — porém não com Deus. Foi aos olhos de
Deus, disse Cristo, que as obras desta igreja foram consideradas deficiente.
Pareciam sólidas e meritórias para os espectadores, mas à vista de Deus eram
totalmente insatisfatórias.
Esta distinção entre reputação e realidade, entre o que os seres
humanos veem e o que Deus vê, é de grande importância em cada época e
lugar. Embora tenhamos responsabilidades para com os outros, somos antes
de mais nada responsáveis perante Deus. É diante dele que estamos e é a Ele
que um dia teremos de prestar contas. Não devemos, portanto, considerar a
opinião humana de grande valor, ficando deprimidos quando criticados e
orgulhosos quando elogiados. Precisamos lembrar que "o Senhor não vê
como vê o homem O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração" (1
Samuel 16:7). Ele lê nossos pensamentos e conhece os nossos motivos. Ele
pode ver quanta realidade há por trás de nossa confissão de fé, quanto de
vida autêntica por trás de nossa fachada.

Morte espiritual

Esta carta fornece outra pista para indicar que espécie de morte
espiritual havia atingido Sardes. É a seguinte: os poucos que não se
envolveram na estagnação geral são descritos como uns poucos que não
contaminaram as suas vestes (versículo 4). Por conseguinte, esta morte era
a corrupção. O pecado tinha se infiltrado na igreja. Embora fosse menos
aberto do que no caso dos partidários de Jezabel em Tiatira, Jesus Cristo o
havia detectado. Por baixo do piedoso exterior daquela respeitável
congregação havia impureza escondida.
De acordo com o historiador grego Heródoto, os habitantes de Sardes,
no correr dos anos, tinham adquirido uma reputação respaldada em padrões
morais frouxos e até mesmo licenciosidade ostensiva. Talvez a igreja de
Sardes tenha esquecido a recomendação de Paulo: "Não se amoldem ao
padrão deste mundo", ou de João: "Não amem o mundo nem o que nele há"
(Romanos 12:2; 1 João 2:15). Pode ser que gradualmente, e até mesmo
imperceptivelmente, o fermento do mundanismo tenha se espalhado na
massa, até que toda ela tenha ficado contaminada.

67
Fé nominal

Portanto, a reputação de Sardes era falsa. Provavelmente, Sardes pode


ter sido a primeira igreja na história do cristianismo caracterizada pelo
"cristianismo nominal". Seus membros pertenciam a Cristo somente de
nome, porém não de coração. Tinham fama de vivos; na realidade estavam
mortos. O próprio Jesus reconhecia a possibilidade de se estar fisicamente
vivo e ao mesmo tempo espiritualmente morto, quando disse: “Deixe que os
mortos sepultem os seus próprios mortos". De igual modo, Paulo mencionou
os descrentes com "mortos em suas transgressões e pecados", e uma mulher
frívola "ainda que esteja viva, está morta". Jesus sabia que nada senão sua
própria voz doadora de vida podia despertar tais pessoas mortas e fazê-las
ressurgir de seus túmulos espirituais (Mateus 8:22; Lucas 9:60; Efésios 2:1;
1 Timóteo 5:6; João 5:25).
A realidade é, pois, outra marca essencial de uma igreja verdadeira.
Uma igreja não deve ter somente fama de estar viva (versículo 1), mas ter
vida em si mesma. A Bíblia dedica muito espaço para as diferenças entre a
aparência exterior e a realidade interior. Amós, Isaías, Jeremias e outros
profetas do Antigo Testamento faziam um grande esforço para ensinar a
diferença entre Israel e Judá. O templo e os santuários locais fervilhavam de
adoradores submissos. Incenso, sacrifícios e música estavam sendo
oferecidos a Deus com meticulosa devoção. Mas, como o próprio Yahweh
disse por intermédio de Isaías: "Este povo se aproxima de mim, e com a sua
boca e com os seus lábios me honram, mas o seu coração está longe de mim"
(Isaías 29:13).

Hipócritas!

Jesus citou esta mesma afirmação contra os fariseus, o qual Ele


chamava de sucessores daqueles que tinham rejeitado e matado os profetas.
Eles davam esmolas, diziam longas orações e desfiguravam o rosto para
jejuar, a fim de ganhar a reputação de serem religiosos. Na verdade, eles
praticavam todas essas ações para serem vistos por outras pessoas, disse Ele.
Mas isto era apenas uma demonstração pública. "Ai de vocês, mestres da lei
e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora,
mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são
vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de
hipocrisia e iniquidade" (Mateus 6:1-6,16-18; 23:5,27-28).
Evidentemente Timóteo havia passado pelo mesmo fenômeno
espiritual em Éfeso, porque Paulo lhe escreveu acerca de algumas pessoas
68
de lá que ostentavam "aparência de piedade, mas negando seu poder" (2
Timóteo 3:5). Por conseguinte, podemos descobrir esta torpe tendência ao
longo da Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamentos. É formalidade
sem poder, reputação sem realidade, aparência externa sem integridade
interna, demonstração sem vida.
A palavra correta para este comportamento é "hipocrisia".
Originalmente o hupokrites era um ator que desempenhava um papel no
palco. Mas a palavra veio a ser aplicada a qualquer charlatão ou embusteiro
que assume um papel falso. Hipocrisia é simulacro; é o "faz-de-conta" da
religião.
A hipocrisia pode permear a vida de uma igreja, especialmente sua
adoração. Podemos cantar os hinos, acompanhados de coro, banda ou
orquestra. Podemos recitar o credo, confessar nossa fé e participar de orações
em grupo, enquanto nossa mente vagueia e nosso coração está longe de Deus.
Não faz nenhuma diferença se o serviço obedece ou não a uma liturgia, se é
caracterizado pelo ritual católico ou pela austeridade protestante; o mesmo
irrealismo pode estar presente.
Os pastores são particularmente vulneráveis. Podemos dirigir um culto
com pouco discernimento da grandeza do Deus que estamos professando
adorar. E podemos pregar para exibir nossa cultura ou eloquência em vez de
exaltar Cristo e ministrar ao povo. Toda atividade cristã, se não for uma
expressão de amor a Deus e ao próximo, é uma demonstração de falsidade,
de gestos vazios e sem significado.
Voltemo-nos agora, com algum alívio, da censura aplicada à hipócrita
Sardes ao remédio que Cristo propôs a ela.

O remédio que Cristo propõe

O que poderia fazer uma igreja morta como aquela de Sardes? O Jesus
ressurreto dirige a ela uma série de ordens imediatas. Esteja atento!
Fortaleça o que resta e que estava para morrer... Lembre-se, portanto, do
que você recebeu e ouviu; obedeça e arrependa-se (versículos 2-3). Aqui
estão cinco imperativos breves e secos: Esteja atento! Fortaleça o que resta!
Lembre-se! Obedeça! Arrependa-se! Estas ordens dividem-se em duas
partes. A igreja de Sardes é primeiro instruída a estar atenta e fortalecer o
que resta, e em seguida a lembrar se de sua herança, obedecer e arrepender-
se.
Primeiro: Esteja atento! Fortaleça o que resta e que estava para
morrer (versículo 2). É estimulante notar que mesmo na Sardes morta ou
moribunda havia alguns cristãos que não estavam sofrendo do declínio geral.
69
Por isso Cristo continua: No entanto, você tem aí em Sardes uns poucos que
não contaminaram as suas vestes (versículo 4). No torpor religioso sufocante
da igreja pode sentir-se um alento do ar vivificante do Espírito Santo. Dentro
daquela congregação mundana permaneceu um remanescente de pessoas
devotadas.

O remanescente devotado

Sempre tem sido assim. Na verdade, a doutrina do remanescente figura


com proeminência ao longo da história bíblica. Aqui estão alguns exemplos.
Quando "viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na
terra e que era continuamente mau todo o desígnio do seu coração", e quando
Ele decidiu destruir os habitantes da terra por meio de um dilúvio, Noé e sua
família, entretanto, acharam favor aos olhos do Senhor e foram preservados.
Novamente, quando "fez o Senhor chover enxofre e fogo sobre Sodoma e
Gomorra" e "subverteu aquelas cidades" por causa de sua imoralidade, "[ele]
livrou o justo Ló, afligido pelo procedimento libertino daqueles
insubordinados".
Mais tarde, quando toda a nação de Israel nos dias de Acabe e Jezabel
parecia ter abandonado Yahweh e se voltado para Baal, Deus pôde
tranquilizar Elias de que havia ainda "sete mil em Israel: todos os joelhos
que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou". Um século
depois, o reino de Judá, ao sul, estava igualmente infiel ao Senhor. O
julgamento divino levou a nação à beira da extinção quando a região rural
foi devastada por exércitos invasores: "Se o Senhor dos Exércitos não nos
tivesse deixado alguns sobreviventes já nos teríamos tornado como Sodoma,
e semelhantes a Gomorra." Então o profeta predisse que depois do exílio
babilônico somente um remanescente, arrependido e purificado, retornaria:
"Ainda que o teu povo, ó Israel seja como a areia do mar, o restante se
converterá". A árvore de Israel será cortada, e a "santa semente" permanecerá
como "um toco na terra". Tão fundamental era esta verdade para a mensagem
de Isaías que ele deu a um de seus filhos o nome de Sear-Iasub, que significa
"Um-Resto-Volverá". (Gênesis 6:5-18; 19:24-25; 2 Pedro 2:7; 1 Reis 19:18;
Isaías 1:9; 10:20-22; 6:13; 7:3).
Jesus também algumas vezes falou de seus seguidores como uma
espécie de remanescente. Eles não deviam envergonhar-se dele "nem
geração adúltera e pecadora", disse Ele. Eles eram apenas um "pequeno
rebanho", mas não precisavam temer, mesmo se quando o Filho do homem
vier dificilmente "encontrar fé na terra" (Marcos 8:38; Lucas 12:32; 18:8).

70
Um pequeno rebanho

Retornemos a Sardes. Havia naquela cidade uns poucos cristãos que


eram ainda leais no coração e na mente a Jesus e que, portanto, formavam
um remanescente devotado. Embora a fama de ser uma igreja cheia de vigor
era enganosa, havia uns poucos (versículo 4) que eram verdadeiros. Não
havia qualquer mácula associada a eles. É para eles, portanto, que Cristo traz
esta instigante exortação para Estar atento! Fortalecer o que resta e que
estava para morrer. A metáfora tinha mudado de morte para sono. Você não
pode apelar a um homem morto para levantar-se! Mas alguns membros da
igreja em Sardes estavam sonolentos e não mortos, e o Jesus ressurreto
conclama-os a levantar-se de seus pesados sonos e estar atentos.
Várias vezes durante seu ministério público, Jesus pediu a seus
seguidores que ficassem alerta. A palavra estava frequentemente em seus
lábios. Seus discípulos devem vigiar e orar; devem vestir-se prontamente
para o serviço e manter suas candeias acesas, e ser como homens que
esperam e vigiam até que seu senhor retorne de banquete de casamento
(Lucas 12:35-37).
Alguns estudiosos têm sugerido que a ordem de estar atento era
particularmente apropriada a Sardes, porque esta cidade quase inexpugnável
tinha caído duas vezes em dois ataques de surpresa, a primeira vez diante do
persa Ciro e a segunda diante de Antíoco, o Grande. "Em razão da vigilância
deficiente... a acrópole tinha sido escalada com sucesso em 549 a.C. por um
soldado medo, e em 218 por um cretense" (International Standard Bible
Encyclopaedia).

Fortaleça o que resta

Uma vez despertado outra vez, o remanescente vivo da igreja deveria


fortalecer o que restou. A palavra usada para "fortalecer" era geralmente
usada na Igreja Primitiva para "edificar" ou "estimular" os crentes. Por
exemplo, Lucas registra Paulo "fortalecendo todos os discípulos" que sua
pregação e ensino tinham levado a Cristo. De modo semelhante, Paulo diz
aos cristãos de Roma que ele ansiava visitar "para fortalecê-los" em sua fé
cristã (Atos 18:23; Romanos 1:11). Pedro e Tiago usam a mesma palavra em
suas cartas.
Os cristãos novos são geralmente fracos; eles precisam ser
fortalecidos. São bebês em Cristo; precisam ser alimentados e amados para
atingir a maturidade. São geralmente instáveis; precisam ser alicerçados. Os
cristãos mais velhos e amadurecidos têm responsabilidade para com os mais
71
jovens da congregação. Os cristãos mais fortes não devem desprezar os
fracos, mas incentivá-los e fortalecê-los por meio de seu exemplo, ensino e
amizade.
Aqui, pois, está o dever da Igreja dentro da própria Igreja. Deus tem
muitas vezes operado por meio das minorias. É seu misericordioso plano
escolher do mundo ou mesmo das massas de crentes nominais um
remanescente fiel e consagrado para atuar como seu instrumento. Uma
minoria ativa pode chamar de volta a maioria da morte espiritual. Um
remanescente robusto pode fortalecer o que resta e que estava para morrer
(versículo 4).
Há uma mensagem aqui para aqueles que pertencem ao que se costuma
algumas vezes chamar de "uma igreja morta", e que são tentados a deixá-la
e ir para outro lugar. Certamente temos de deixar uma igreja que nega os
fundamentos da fé, pois ela é uma apóstata e não mais uma igreja. Mas e
quanto a uma igreja ortodoxa porém morta? A vontade de Cristo neste caso
é que o remanescente ativo fortaleça o que resta, talvez unindo-se e
esperando em Deus. Uma minoria dinâmica de cristãos despertados e
responsáveis é capaz — pela oração, amor e testemunho — não somente de
preservar uma igreja moribunda da extinção, mas também de alimentar sua
chama até que ela se inflame.

O julgamento vindouro

Se você não estiver atento, virei como um ladrão e você não saberá a
que hora virei contra você (versículo 3). Jesus havia algumas vezes feito a
advertência de que sua segunda vinda seria tão inesperada quanto a de um
ladrão. Esta vinda especial, para o julgamento de uma igreja individual,
também não será anunciada. Como os ladrões que espreitavam nas grutas
das montanhas que rodeavam Sardes e repentinamente se lançavam sobre os
incautos, assim virá Cristo. O candelabro da igreja será removido; sua vida
será suprimida; sua luz finalmente extinta.
O segundo conjunto de ordens divinas para a igreja em Sardes era:
Lembre-se, portanto, do que você recebeu e ouviu; obedeça e arrependa-se
(versículo 3). O Senhor ressurreto tinha dito à igreja de Éfeso que se
lembrasse (Apocalipse 2:5). A igreja de Sardes é também ordenada a
lembrar-se. A lembrança é uma dádiva preciosa e bendita. Nada pode
penetrar a consciência com tanta agudeza como as lembranças do passado.
A estrada mais curta para o arrependimento é a lembrança. Fazer com que
alguém relembre o que costumava ser e reflita sobre o que, pela graça de

72
Deus, poderia ser, certamente levará ao arrependimento, abandonando o
pecado e aceitando seu Salvador.
Além disso, o que é verdadeiro no caso do cristão individualmente é
verdadeiro no caso da igreja local como um todo. Algumas igrejas que hoje
estão mortas ou morrendo podem reviver pela memória sua longa e gloriosa
história. Os membros mais velhos podem trazer à lembrança os tempos
antigos, quando a congregação era uma comunidade viva de obreiros ativos
e quando as pessoas estavam sendo regularmente acrescentadas ao seu rol.
Deixemos que a história passada nos desafie para o presente esforço!
Mas devemos ser um pouco mais precisos. Lembre-se, portanto, do
que você recebeu e ouviu; obedeça... (versículo 3). O que é que eles
receberam e ouviram, e o que deviam lembrar? Era simplesmente a palavra
de Deus, o evangelho? Penso que não. A sã doutrina por si não pode resgatar
uma igreja da morte. A ortodoxia em si mesma pode algumas vezes ser
morta. Eles haviam recebido mais do que o Evangelho. Tinham recebido o
Espírito Santo. Ele é o dom característico que todos recebemos quando
abraçamos o Evangelho com arrependimento e fé. “Arrependam-se e cada
um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos seus
pecados”, exclamou Pedro no Dia do Pentecostes, e acrescentou: “E, se
alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo” (Atos 2:38;
Romanos 8:9).

O dom do Espírito

Deus dá o Espírito; nós o recebemos. Com certeza, o maior dom que


o cristão já recebeu, sempre receberá ou poderá receber, é o Espírito do
próprio
Deus. Ele penetra em nossa personalidade humana e muda-nos
interiormente. Ele enche-nos de amor, alegria e paz. Ele subjuga nossas
paixões e transforma nosso caráter na semelhança de Cristo. Atualmente não
há nenhum templo construído pelo homem em que Deus habita. Em vez
disto, seu templo é seu povo. Ele habita tanto no indivíduo crente como na
comunidade cristã. “Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do
Espírito Santo que habita em vocês? ” (Gálatas 5:16, 22-23; 2 Coríntios 3:18;
1 Coríntios 6:19: 3:16).
Assim, pode muito bem ser que Cristo esteja se referindo ao Espírito
quando ordena aos cristãos de Sardes: Lembre-se, portanto, do que recebeu
(versículo 3). O primeiro versículo da carta sugere que esta é a interpretação
correta. Aqui Jesus fala de si mesmo como aquele que tem os sete espíritos
de Deus e as sete estrelas (versículo 1) em cada carta, a descrição que Ele
73
faz de si mesmo é seguida da condição em que se encontra a igreja particular
à qual Ele está se dirigindo. Não há nenhuma para supor que a carta a Sardes
seja uma exceção esta regra. Portanto, Sardes é a igreja que precisa conhecer
que o Senhor ressurreto tem tanto os sete espíritos de Deus quanto as sete
estrelas. As sete estrelas são “os anjos” das sete igrejas. Quer sejam estes
ministros que presidem as igrejas ou representantes celestiais, eles são
responsáveis por elas.

Sete espíritos

Mas, quem ou o que são os sete espíritos de Deus? A expressão é


inequivocamente estranha, entretanto pode haver pouca dúvida de que ela
aponte outro que não seja o próprio Espírito Santo. Isto pode ser deduzido
da primeira ocorrência da frase em Apocalipse 1:4, onde graça e paz são
desejadas para as sete igrejas da Ásia "daquele que é, que era e que há de vir,
e dos sete espíritos que estão diante do seu trono, e de Jesus Cristo..." Aqui
os sete espíritos estão ligados ao Eterno Pai e a Jesus Cristo como a única
fonte tanto da graça como da paz. A proximidade destes sete espíritos com o
trono (Apocalipse 4:5), e sua íntima relação com Jesus Cristo (Apocalipse
5:6), sugere a mesma conclusão — que eles eram o Espírito Santo.
Por que então a expressão "sete espíritos" é usada quando o Espírito
Santo é uma pessoa na Divindade? Será suficiente responder como o
arcebispo Trench "que Ele é visto aqui não tanto em sua unidade pessoal,
mas sim em suas numerosas energias".
Portanto, Jesus relembra à igreja de Sardes que Ele tem os sete
espíritos, porquanto o Espírito Santo é o Espírito de Cristo (Romanos 8:9).
Ele foi também "enviado" ou "derramado" por Cristo no Dia do Pentecoste
(Atos 2:33).
Agora este Espírito de Cristo é "o Espírito de vida" (Romanos 8:21).
Como declara o Credo Niceno, Ele é tanto "o Senhor" como "o Doador da
vida". Que outra mensagem uma igreja morta ou moribunda precisa ouvir?
É o Espírito Santo quem pode soprar vida em nossa adoração formal e quem
pode animar nossas obras mortas até que elas pulsem com vida. Ele pode
restaurar uma igreja que está à morte e fazer dela uma força viva na
comunidade. Permitamos que Ele nos encha uma vez com sua presença vital,
e nossa obra, adoração e testemunho serão todos maravilhosamente
transformados. A palavra de Deus diz-nos que devemos orar no Espírito,
pregar no Espírito, adorar no Espírito, viver no Espírito, e andar no Espírito
(Judas 20; 1 Tessalonicenses 1:5; João 4:24 e Filipenses 3:3; Gálatas
5:25,16). Uma igreja inerte pode ser reanimada por Ele; uma igreja
74
sonolenta, despertada; uma igreja fraca, fortalecida; e uma igreja morta
tornada viva.

Sete estrelas

Notamos que o Cristo que tem os sete espíritos tem também as sete
estrelas. Certamente, "'os espíritos" são sete porque as igrejas em que eles
operam são sete" (Swete). As sete estrelas, sendo de algum modo
responsáveis pelas igrejas, estão em sua mão direita (Apocalipse 1:16,20).
Estão os sete espíritos em sua mão esquerda? Pudesse Ele trazer juntas suas
mãos! Pudesse o Espírito encher a Igreja! É o que Cristo está desejando. Ele
não derramou seu Espírito sobre a Igreja no Dia do Pentecoste? O Espírito
Santo foi dado à Igreja uma vez por todas, e é adequado a todas as
necessidades da Igreja. Ele nunca pode ser "derramado" novamente, porque
não pode haver nenhuma repetição do Dia do Pentecoste. Quando Ele veio,
veio para permanecer conosco para sempre (João 14:16). Mas, embora Ele
nunca retire totalmente sua presença, Ele pode ser "entristecido" e mesmo
"apagado" (Efésios 4:30; 1 Tessalonicenses 5:19).
Talvez não haja mensagem mais imperativa para os cristãos do fim
deste século do que o comando: "Encham-se do Espírito" (Efésios 5:18). Ele
habita em nós; mas, Ele nos enche? Nós o possuímos; mas, Ele nos possui?
Se apenas nos submetêssemos à autoridade do Espírito — "andemos também
pelo Espírito" (Gaiatas 5 -.25) — e continuamente buscássemos a plenitude
do Espírito, nossa vida cristã seria transformada e a vida de nossa igreja,
revolucionada. Na ordem de Paulo para nos enchermos, o verbo está no
tempo imperativo afirmativo e tem o sentido de continuidade, significando
"continuem a ser cheios", ou "estejam em condição de ser cheios". Somente
quando a Igreja de Cristo estiver cheia com o Espírito de Cristo a morte
espiritual poderá ser banida.

Sopro de Vida, possa no meio de nós,


Reaviva tua Igreja com vida e poder;
Sopro de Vida, vem, purifica, renova
E prepara a Igreja para viver esta hora.

A recompensa prometida por Cristo

Novamente a carta termina com uma promessa para o vencedor; e uma


vez mais a recompensa prometida é apropriada para a igreja. O que Cristo
ofereceu a Sardes relacionava-se às suas vestes e ao seu nome. Muitos
75
tinham contaminado suas vestes — o vencedor receberia vestes brancas. A
igreja tinha recebido um nome falso — o nome do vencedor seria
reconhecido no céu.

Vestes brancas

Primeiro, eles andarão comigo, vestidos de branco, pois são dignos.


O vencedor será igualmente vestido de branco (versículos 4-5). A maioria
em Sardes tinha contaminado suas vestes (versículo 4), isto é, tornou-se
impura pelo pecado, mas aqueles que tinham resistido às armadilhas do
mundo usariam vestes brancas e usufruiriam a companhia de Cristo no céu.
Branco é uma cor frequentemente citada neste livro. Lemos a respeito de
uma pedra branca e de uma nuvem branca, de cavalos brancos e de um
grande trono branco (Apocalipse 2:17; 14:14; 19:11, 14; 20:11). Quer ou não
o branco corresponda a festividade e vitória, ou tenha alguma referência ao
uso de uma toga branca pelos romanos, ele certamente simboliza pureza.
Daquela que estão vestidos de branco, está escrito que eles são dignos
(versículo 4).
Não, porém, pelo fato de os vencedores obterem esta recompensa por
direito, uma vez que seu perdão e força moral são devidas somente à livre
graça de Cristo. Não. Sua dignidade é recebida através de Cristo. O único
meio de se tornar apto para entrar no Reino de Deus é ser purificado por
Cristo, que morreu por nós; ou, na rica imagem deste livro, lavar suas vestem
e branqueá-las no sangue do Cordeiro (Apocalipse 7:14; compare com
22:14).

O livro de Deus

Segundo, jamais apagarei o seu nome do livro da vida, mas o


reconhecerei diante de meu Pai e de seus anjos (versículo 5). Diz-nos a
Bíblia que Deus tem um livro. Certamente é apenas um símbolo; mas por
trás do símbolo há uma séria verdade. Deus mantém, por assim dizer, um
registro no céu, no qual os nomes das pessoas são inscritos. Ele é chamado
"livro escrito [por Deus]" e "livro da vida", uma vez que os nomes daqueles
que estão mortos espiritualmente não são encontrados nele. E também um
"rolo memorial”, contendo os nomes daqueles que "temeram ao Senhor e
honraram seu nome". Algumas vezes é citado apenas como "o livro", mas,
com mais frequência, como "o livro da vida" ou "o livro da vida do Cordeiro"
(Êxodo 32:32-33; Salmo 69:28; Malaquias 3:16; Daniel 12:1; Filipenses 4:3
e Apocalipse 20:15; 13:8 e. 21:27).

76
Um dia os livros serão abertos e os mortos serão julgados com base no
que estiver escrito nos livros. Todos aqueles cujo nome não estiver escrito
no livro serão lançados "para dentro do lago de fogo"(Apocalipse 20:11-25).
É digno de nota o fato de podermos ter uma reputação de estar vivos
(como a igreja de Sardes) e, entretanto, não haver nenhum registro nosso no
livro dos vivos de Deus. Nosso nome pode constar do registro de uma igreja
sem estar no registro de Deus. Jesus disse aos seus discípulos para que se
regozijassem por estarem seus nomes "escritos nos céus" (Lucas 10:20;
compare com Hebreus 12:23).
A graciosa promessa de Cristo ao vencedor cristão em Sardes é que
Ele não apagará seu nome do livro da vida. A sentença, no grego, tem uma
dupla negativa com ênfase, como se Jesus dissesse: "Nunca, de modo algum,
apagarei seu nome." Com certeza, longe de remover o nome do vencedor do
registro celestial, Cristo promete confessá-lo perante seu Pai e os anjos. Esta
é uma repetição do que Ele disse durante seu ministério. "Quem, pois, me
confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante do meu Pai
que está nos céus" e "diante dos anjos de Deus" (Mateus 10:32; Lucas 12:8).
Assim chegamos ao fim desta carta. Podemos apenas esperar que a
igreja de Sardes tenha dado atenção à mensagem de Cristo. Mesmo que ela
não tenha feito isso, nós precisamos estar atentos a estas palavras. As
consequências são muito sérias para agirmos como hipócritas. As
necessidades do mundo são tamanhas que não podemos permitir-nos tratar
com leviandade a religião ou zombarmos de Deus. Ter apenas a reputação
de estar vivo é insuficiente; devemos possuir uma realidade e pureza interior
que sejam conhecidas de Deus e agradáveis a Ele. Nunca devemos
contaminar nossas vestes nem trair nosso nome. Cheios do Espírito vivo de
Cristo, podemos vencer. Depois, por fim, usaremos as vestes brancas e
andaremos com Cristo no céu; e nossos nomes, indelevelmente inscritos no
livro da vida, serão reconhecidos diante de Deus e dos anjos.

Espírito criador, vem inspirar


Nossa vida com luz e fogo do céu;
Faz-nos dispostos a receber
Sete vezes os dons que dás de graça.

A tua pura unção lá das alturas


É conforto, vida, chama de amor;
Vem e cura com tua eterna luz
A cegueira de nossa vista humana.

77
Eis que coloquei diante de você uma porta aberta.
Apocalipse 3:8

Carta à igreja de Filadélfia:

OPORTUNIDADE
Apocalipse 3:7-13
Ao anjo da igreja em Filadélfia escreve:
Estas são as palavras daquele que é santo e verdadeiro, que tem a chave de
Davi. O que ele abre ninguém pode fechar, o que ele fecha ninguém pode
abrir. 8Conheço as suas obras. Eis que coloquei diante de você uma porta
aberta que ninguém pode fechar. Sei que você tem pouca força, mas guardou
a minha palavra e não negou o meu nome. 9Farei que aqueles que são
sinagoga de Satanás, que se dizem judeus e não são, sendo antes mentirosos
— farei que venham a se prostrar aos seus pés e reconheçam que eu o amei.
10
Visto que você guardou a minha exortação à perseverança, eu também o
guardarei da hora da provação que está para sobrevir a todo o mundo, para
pôr à prova os que habitam na terra. 11Venho em breve! Retenha o que você
tem, para que ninguém tome a sua coroa. 12Farei do vencedor uma coluna
no santuário do meu Deus, e dali ele jamais sairá. Escreverei sobre ele o
nome do meu Deus e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que
desce do céu da parte de Deus; e também escreverei sobre ele o meu novo
nome. 13Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas.

A cidade de Filadélfia estava situada a cerca de 45 quilômetros a


sudeste de Sardes. Ela era a próxima cidade que o mensageiro alcançaria em
sua rota circular pelas sete igrejas da Ásia. Como Sardes, ela estava situada
na fértil região da Lídia e era dominada pelo monte Tmolus. Ficava às
margens do rio Cogamus, um afluente insignificante do rio Hermus. A região
era perigosamente vulcânica. O antigo historiador Estrabo chamava
Filadélfia de "uma cidade de terremotos". Tremores de terra eram frequentes
e tinham levado muitos antigos habitantes a deixar a cidade em busca de
lugar mais seguro. O violento terremoto de 17 d.C., que devastou Sardes
quase destruiu completamente Filadélfia.

A igreja de Filadélfia

Por volta de 90 d.C., com a ajuda de um subsídio imperial, Filadélfia


tinha sido completamente reconstruída, e dentro da cidade havia uma igreja
78
de Jesus Cristo. Para ela é dirigida a sexta das sete cartas, na qual o Cristo
ressurreto expressa calorosa aprovação a seu povo. A carta anterior a Sardes
continha uma censura quase implacável.
A carta a Filadélfia é repleta de elogios irrestritos. Conheço as suas
obras (versículo 8), ele começa, como nas outras cartas, e continua um pouco
adiante: você guardou a minha palavra e não negou o meu nome (versículo
8). E, em seguida, você guardou minha exortação à perseverança (versículo
10).
Evidentemente, tinha havido uma recente perseguição em Filadélfia,
mas os cristãos (apesar da forte pressão) mantiveram sua fé. Como em
Pérgamo, onde Antipas já é cruelmente martirizado, também em Filadélfia
os cristãos tinham corajosamente permanecido firmes (compare com
Apocalipse 2:13). Eles estavam pacientemente suportando tribulação e
humilhação por amor de Cristo. Eles associaram, em Jesus Cristo, com o
exilado João no sofrimento, no Reino e na perseverança (Apocalipse 1:9).
Esta carta à igreja de Filadélfia é particularmente notável em razão de
suas brilhantes descrições simbólicas. Nela lemos a respeito de uma chave,
uma porta e uma coluna. É colocada diante da igreja uma porta que ninguém
pode fechar (versículo 8); Cristo é chamado de Aquele que tem a chave de
Davi (versículo 7), enquanto o vencedor é feito uma coluna no santuário de
meu Deus (versículo 12). Devemos considerar cuidadosamente a sugestiva
relação que existe entre a porta aberta da igreja, a chave mestra de Cristo e a
coluna celestial.

A igreja e a porta aberta


Eis que, diz Jesus, coloquei diante de você uma porta aberta que
ninguém pode fechar (versículo 8). O que é esta porta que foi aberta e não
pode ser fechada? Muitas vezes na Escritura uma porta aberta é uma porta
de oportunidade. Assim, quando a porta está fechada, a oportunidade passou.
A metáfora é usada em dois sentidos principais.

A oportunidade de salvação
A primeira porta aberta é a oportunidade da salvação. Alguns
comentários afirmam que este é o significado na carta a Filadélfia. O
contexto torna esta sugestão improvável. Entretanto, a imagem é tão clara
em outras partes da Bíblia que dificilmente podemos deixar de considerá-la.
O próprio Jesus usou duas vezes esta linguagem. Durante o Sermão do
Monte Ele disse: "Entrem pela porta estreita. Pois larga é a porta e amplo o
caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ela. Como é
estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! Poucos são os que a
encontram". (Mateus 7:13-14).

79
Vemos aqui duas portas, e ambas estão abertas. Uma abre sobre uma
rua larga e apinhada de gente, inclina-se suavemente e termina em
destruição, chamada inferno. A outra porta abre-se para um caminho estreito
e escassamente povoado, que sobe em caracol em terreno íngreme e leva à
vida eterna.
O ensino de Jesus é claro, mas inadequado. Ele contrasta não somente
dois caminhos e dois fins, mas duas portas. Ambas estão abertas e
convidando, embora uma seja larga e a outra estreita. A porta larga é tão
espaçosa que é fácil às pessoas despreocupadas se acumularem em grande
número através dela. Mas a outra porta é tão baixa que temos de nos curvar
humildemente para atravessá-la, e tão estreita que podemos passar somente
apertado, e um de cada vez. Não há espaço para carregar alguma coisa
conosco. Nossos pecados e egoísmo têm de ser deixados para trás.
Assim, embora uma porta seja larga e a outra baixa e estreita, e embora
muitos estejam se aglomerando através de uma, enquanto somente uns
poucos se espremem sem atropelo através da outra, ambas as portas ficam
abertas convidando as pessoas a entrar.

A oportunidade de servir
O segundo tipo de porta aberta é a oportunidade de servir. É
importante acrescentar isto. Por outro lado, damos a impressão de que
estamos interessados somente em nossa própria salvação. Mark Guy Pearce
proferiu palavras sábias e verdadeiras quando disse: “A menos que nossa fé
nos livre do egoísmo em servir, ela certamente nunca nos salvará do inferno
para o céu." Os crentes cristãos que receberam a salvação como dom
gracioso de Deus por meio de Jesus Cristo estão profundamente preocupados
quanto ao bem-estar material e espiritual dos seres humanos, seus
companheiros. Tendo passado pela porta da salvação, eles se apressarão em
direção à porta do serviço para esperar pelos outros e (nas palavras de Jesus)
"compeli-los a entrar".

Uma grande porta para um trabalho eficaz

Parece certo que a porta que ficou aberta diante da igreja de Filadélfia
era a porta da oportunidade. Aberturas para espalhar o Evangelho foram
muitas e grandes no Império Romano no primeiro século desta era. A Paz
Romana permitiu aos evangelistas cristãos empreender sua tarefa com
relativa liberdade, falando a língua grega comum, caminhando sobre as boas
estradas romanas e usando como texto bíblico a versão grega do Antigo
Testamento (Septuaginta). Além disso, aonde quer que fossem, encontravam
mentes inquietas e corações famintos. As velhas superstições pagas estavam
sendo abandonadas. O Espírito Santo estava incitando as ideias e desejos de
80
homens e mulheres comuns. Muitas almas sedentas estavam suspirando pela
água da vida. Paulo encontrou isto em toda parte.
Na terceira de suas famosas viagens missionárias, o apóstolo, passou
três anos em Éfeso, pronunciando palestras públicas em uma sala alugada e
visitando as pessoas em seus próprios lares. Noite dia ele estava ocupado
pregando o Evangelho. Deste período ele escreveu — "se abriu para mim
uma porta ampla e promissora" 1 Coríntios 16:9). Quando mais tarde ele
chegou a Roma, a capital do mundo conhecido, e foi por dois anos mantido
sob prisão domiciliar, ele ainda falou de Cristo a todos que o visitavam —
judeus, soldados romanos e um escravo fugitivo chamado Onésimo. Apesar
disso tudo, estas oportunidades não foram suficientes para ele. "Orem
também por nós", escreveu ele aos seus amigos cristãos em Colossos, "para
que Deus abra uma porta para a nossa mensagem, a fim de que possamos
proclamar o mistério de Cristo, pelo qual estou preso. Orem para que eu
possa manifestá-lo abertamente, como me cumpre fazê-lo" (Colossenses 4:3-
4; compare com 2 Coríntios 2:12).

Oposição feroz
Em Filadélfia uma porta também tinha sido aberta por Cristo. Apesar
disso, tanto em Éfeso como em Filadélfia, além da porta aberta houve muitos
problemas (veja 1 Coríntios 16:9). Três são subentendidos. Por um lado, a
igreja de Filadélfia era pateticamente fraca. Sei que você tem pouca força
(versículo 8), diz Cristo. Talvez a congregação fosse pequena, ou talvez fosse
composta predominantemente das classes mais baixas da sociedade romana,
o que fazia que ela tivesse pouca influência sobre a cidade. Isto, porém, não
devia detê-la em seu evangelismo. Segundo, havia oposição que, como em
Esmirna (Apocalipse 2:9), parece ter vindo da população judaica da cidade.
Tão fanática era sua resistência ao Evangelho do Messias que foram
novamente chamados uma sinagoga não de Deus, mas de Satanás, que se
dizem judeus e não são, sendo antes mentirosos (versículo 9).
Essa oposição era tão feroz que provavelmente impeliu os cristãos de
Filadélfia a assegurar a paz e ocupar-se de suas próprias coisas. Talvez
alguns membros da igreja aconselharam que a prudência era a melhor parte
da coragem e que os cristãos não deveriam provocar encrencas. Mas Cristo
era de outra opinião. Foi nesta mesma cidade, onde o antagonismo judaico
era tão forte, que Ele abriu uma porta para o Evangelho. Na verdade, Ele
deixou claro que, se seu povo apenas agisse corajosamente divulgando as
boas novas, alguns daqueles que a receberiam seriam judeus! Farei que
aqueles que são sinagoga de Satanás ... venham a se prostrar aos seus pés e
reconheçam que amei (versículo 9).
Os judeus convertidos são aqui retratados como prisioneiros D campo
de batalha. Eles próprios estavam familiarizados com esta imagem. Tinha

81
sido profetizado a respeito deles, anos antes, que "virão a ti, inclinando-se,
os filhos dos que te oprimiram, prostrar-se-ão os que te desdenharam" (Isaías
60:14). Mas agora a situação se inverteu. Em vez de gentios ajoelhando-se
aos pés dos judeus, os judeus se inclinariam diante dos cristãos — não
certamente para adorá-los, mas humildes em reconhecer a comunidade de
Jesus com o novo e verdadeiro Israel sobre o qual Deus estabeleceu seu
amor.

A ameaça de perseguição
O terceiro obstáculo no caminho dos cristãos de Filadélfia era a
ameaça de futura tribulação. As nuvens trovejantes da perseguição
ajuntavam-se. A qualquer momento a tempestade poderia eclodir. Seria
aquele momento apropriado para o evangelismo? Não seria tempo para
retrair-se e manter-se seguro, em vez de avançar? Novamente, Cristo tem
ideias diferentes. Com um alento Ele os adverte da provação vindoura e
incentiva-os a cruzar a porta aberta sem medo. Além disso, Ele promete —
eu... o guardarei da hora dá provação que está para sobrevir a todo o
mundo, para pôr à prova os que habitam na terra (versículo 10). Tinham
eles guardado sua palavra? Então Ele os guardaria do mal. Ele não os
pouparia de sofrimento, mas os sustentaria durante a provação.
Em contraste com os crentes de Filadélfia, quão facilmente os
modernos cristãos se entregam! Sutis e ilusórias são as desculpas que damos
para evitar o desafio do evangelismo. Nossas forças são pequenas e frágeis,
dizemos. A oposição é grande e o perigo de causar desagrado é real. Não
vamos fazer as coisas de maneira precipitada ou imprudente; esperemos um
pouco até que as circunstâncias se tornem favoráveis, argumentamos. Não é
a própria Bíblia que diz: "Há tempo de estar calado e tempo de falar"
(Eclesiastes 3:7)? Sim, certamente, mas o próprio diabo é adepto de citar
erroneamente a Escritura e distorcê-la. Nem a fraqueza da igreja e nem a
presente ou futura oposição deve silenciar-nos. A igreja de Filadélfia tinha
todos estes obstáculos; entretanto foi diante desta igreja que Jesus Cristo
abriu a porta para o serviço.
Ele já podia dizer-lhes: [vocês] guardaram a minha palavra e não
negaram o meu nome (versículo 8). Mas estas posturas negativas não eram
substitutas para o testemunho evangelístico positivo! Tinham os crentes de
Filadélfia guardado a palavra de Cristo? Então que comecem a propagá-la!
Tinham eles se recusado a negar o nome de Cristo? Então proclamem-no
agora ativamente!

82
Uma localização estratégica
Não podemos dizer com certeza em que sentido Cristo tinha aberto
uma porta para o Evangelho em Filadélfia. Mas talvez, como alguns
estudiosos sugeriram, as oportunidades incomuns da igreja eram devidas à
localização geográfica da cidade. De acordo com Sir William Ramsay, a
intenção do fundador da cidade, no segundo século antes de Cristo, tinha sido
"fazer dela um centro da civilização greco-asiática e um meio de propagar a
língua e os hábitos gregos nas partes orientais da Lídia e da Frígia. Ela cia
uma cidade missionária desde o começo..." O que a cidade tinha sido para a
cultura grega era agora para o Evangelho cristão. Ela foi construída junto às
grandes estradas romanas que projetavam seu caminho como uma flecha ao
coração do interior. Filadélfia situava-se junto às fronteiras da Mísia, Lídia
e Frígia, e Ramsay assinala-a como sendo "o porteiro das portas" para o
planalto central e "no limiar do país oriental". A igreja de Filadélfia parecia
ter tido a oportunidade de propagar amplamente as boas novas da graça e do
reino de Deus. A porta estava aberta. Ninguém poderia fechá-la. Que eles
sigam em frente!

Portas abertas
A mesma situação se aplica para a Igreja cristã em muitas partes do
mundo atual. Naturalmente, algumas portas estão fechadas; porém muitas
delas estão abertas. Há mais lacunas do que se pode preencher e mais
oportunidades do que aquelas a serem aproveitadas. Há carência de pessoas
com as qualidades certas. Há falta de homens e mulheres que sejam bem
treinados e competentes, e ao mesmo tempo totalmente devotados a Cristo.
A Igreja precisa urgentemente de cristãos com um zelo apostólico tal que
considerem todas as coisas como escória por amor de Cristo, e empenhem
vida, conforto, carreira e reputação por Ele. As portas abertas são muitas,
mas há poucos para cruzá-las.
Aqui está, pois, o balanço da vida cristã. É uma vida de dar e receber.
"Vocês receberam de graça", disse Jesus, "deem também de graça." Primeiro
recebemos com gratidão o que Ele oferece; em seguida damos alegremente
o que Ele pede. Ele põe diante de nós as portas abertas da salvação e do
serviço. Convida-nos a passar por uma para receber a salvação, e em seguida
pela outra para prestar serviço. Não é possível passar pela segunda antes de
passar pela primeira. Como disse Jesus: "Eu sou a porta; quem entra por mim
será salvo. Entrará e sairá, e encontrará pastagem" (João 10:9).

83
Cristo e a chave de Davi
Antes de falar à igreja de Filadélfia sobre a porta aberta que colocou
diante deles Jesus comera sua carta com estas afirmações sugestivas: Estas
são as palavras daquele que é santo e verdadeiro, que tem a chave de Davi.
O que ele abre ninguém pode fechar, e o que ele fecha ninguém pode abrir
(versículo 7). Para começar, Ele considera a si mesmo divino. "O Santo" é
um título que Yahweh deu a si mesmo no Antigo Testamento (veja, por
exemplo, Isaías 40:25). Jesus assume-o agora naturalmente e sem qualquer
estardalhaço. Ele não é apenas santo; Ele é verdadeiro. Ele abomina todo o
mal e engano. Ele é a perfeição da justiça e o cumprimento de toda a profecia.
E uma das profecias obscuras do Antigo Testamento cumprida por Ele é
mencionada aqui. Ela refere-se à chave de Davi que Ele afirma possuir.
Voltemos em pensamento da porta aberta para a chave que a abre. A razão
por que a porta permanece aberta diante da igreja é que sua chave está na
mão de Cristo.

A chave de Davi
A expressão é tirada de Isaías 22, onde é usada por um homem
chamado Eliaquim. Ele foi um dos três delegados escolhidos para negociar
pelo reino de Judá com o assírio Rabsaqué. Isto ocorreu indubitavelmente
por causa da honrosa posição que ele ocupava no palácio. Ele tinha sido
nomeado administrador dos negócios do rei Ezequias. Deus concedeu-lhe
autoridade, chamando-o "pai para os moradores de Jerusalém", e
acrescentou: "Porei sobre o seu ombro a chave da casa de Davi; ele abrirá, e
ninguém fechará, fechará e ninguém abrira" (2 Reis 18:17-18; Isaías 22:21-
22).
Não é muito difícil ver que Eliaquim prefigurou ou prenunciou Jesus
Cristo; pois Cristo é o cabeça da família de Deus, a Igreja. Ele é o
"verdadeiro" administrador, do qual Eliaquim foi o protótipo, e Ele é "fiel...
sobre a casa de Deus". A Ele Deus havia dado "toda a autoridade... no céu e
na terra" (Hebreus 3:6; Mateus 28:18). Ele, portanto, é quem tem as chaves,
não somente "da morte e do inferno" (Apocalipse 1:18), mas também da
salvação e do serviço. Ninguém pode entrar até que Cristo tenha aberto a
porta. Nem pode alguém entrar quando Ele a fecha. Ele diz de si mesmo,
como Deus disse de Eliaquim, que o que ele abre ninguém pode fechar, e o
que ele fecha ninguém pode abrir (versículo 7). Portanto, se a porta é o
símbolo da oportunidade da igreja, a chave é o símbolo da autoridade de
Cristo.

84
A chave da salvação
Em primeiro lugar, Cristo tem a chave da porta da salvação. Você
deseja entrar pela porta estreita e andar pelo caminho estreito que leva à vida?
Jesus Cristo tem a chave. Ninguém senão Ele pode abrir essa porta. Notemos
de passagem que a chave está na mão de Cristo, e não na mão de Pedro. Jesus
na verdade disse a Pedro: "Dar-te-ei as chaves do reino dos céus" (Mateus
16:19). E Pedro usou-as. Foi por meio de sua proclamação do Evangelho que
os primeiros judeus foram convertidos no dia de Pentecoste; mediante a
imposição das suas mãos (com João) que o Espírito Santo foi dado aos
primeiros crentes samaritanos; e através de seu ministério, os primeiros
gentios — Cornélio, o centurião romano, e sua família — ouviram o
Evangelho, creram e foram batizados. Pelo uso das chaves confiadas a ele,
Pedro de fato abriu o reino do céu para os primeiros judeus, os primeiros
samaritanos e os primeiros gentios (Atos 2:14-41; 8:14-17; 10:44-48). Mas
agora as chaves estão de volta para as mãos de Cristo, e se os seres humanos
as usarem hoje é somente no sentido secundário, ou seja, que são
privilegiados ao pregar o Evangelho, por meio do qual os pecadores creem e
são salvos.
A chave da salvação está na mão de Cristo. Na verdade, Ele "abriu a
porta do céu a todos os crentes". Eis que coloquei diante de você uma porta
aberta (versículo 8), diz Ele. O tempo do verbo é pretérito, pois Ele abriu-a
uma vez por longo tempo, e ela ainda continua aberta hoje. Como pode ser
isso? É porque no limiar da porta estreita está posta uma cruz. Sobre ela
nosso Salvador morreu por nós. Ele em si não tinha nenhum pecado, mas
levou nossos pecados em seu próprio corpo. Ele não merecia morrer; mas
recebeu nosso castigo. Ele aceitou em sua própria pessoa inocente o juízo
que nossos pecados tinham justamente merecido. Eis porque a porta está
aberta. Qualquer pecador pode agora entrar no santuário do Altíssimo, o
Santo dos Santos da presença de Deus, e fazê-lo com confiança, "pelo sangue
de Jesus, por um novo e vivo caminho que ele nos abriu por meio do véu,
isto é, do seu corpo" (Hebreus 10:19-20).
Podemos ter perambulado durante muitos cansativos anos pelos
caminhos da incerteza. Mas agora podemos pôr nosso pé sobre a estrada que
leva à glória! Cristo é aquele que vive, que morreu e ressuscitou, e tem as
chaves da morte. Ele diz — coloquei diante de você uma porta aberta que
ninguém pode fechar (versículo 8). Mas um dia ela será fechada. O próprio
Cristo a fechará. Porque a chave que a abriu irá fechá-la novamente. E
quando Ele fechá-la ninguém poderá abri-la. Tanto a admissão como a
exclusão estão unicamente em seu poder.

85
Uma porta fechada

Muitas pessoas acham difícil aceitar que alguém seja excluído. Elas
precisam ouvir as palavras do próprio Cristo: "Esforcem-se para entrar pela
porta estreita, porque eu lhes digo que muitos tentarão entrar e não
conseguirão. Quando o dono da casa se levantar e fechar a porta, vocês
ficarão do lado de fora, batendo e pedindo: 'Senhor, abre-nos a porta.'
Ele, porém, responderá: 'Não os conheço, nem sei de onde são vocês.'
Então vocês dirão: 'Nós comemos e bebemos contigo, e tu ensinaste
em nossas ruas.'
Ele então responderá: 'Não os conheço, nem sei de onde são vocês.
Afastem-se de mim, todos vocês, que praticam a iniquidade!"
Ali haverá choro e ranger de dentes, quando vocês virem Abraão,
Isaque e Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, mas vocês excluídos"
(Lucas 13:24-28).
Aqueles de nós que somos frequentadores de igreja precisamos, em
particular, atentar para estas palavras solenes de Jesus. Porque no último dia
podemos estar batendo à porta que é mantida fechada para nós, enquanto
Jesus diz: "Não os conheço." Podemos responder indignados: "Mas nós
comemos e bebemos em tua presença; comemos o pão e bebemos o vinho
na santa comunhão. O Senhor também nos ensinou. Sentamo-nos nos bancos
e ouvimos tua palavra." Porém Ele pode dizer novamente: "Não os conheço,
nem sei de onde são vocês." Em outras palavras, é possível ser batizado,
participar da comunhão e assim mesmo ficar de fora da porta da salvação.
Temos de ir a Jesus e dizer:

Assim como estou, sem desculpa, mas por teres morrido por mim, ao
teu doce convite 'Vem a mim!' O Cordeiro de Deus, eu irei.

Uma vez ajoelhados diante da cruz, estamos prontos para levantar-nos


e entrar depressa pela porta, antes que seja demasiado tarde.

A chave do serviço
Em segundo lugar, Cristo tem a chave da porta para servir. Há pouca
dúvida de que homens e mulheres da Bíblia tiveram um sentido mais
aguçado do que temos hoje da soberania de Deus no mundo. Eles não
acreditavam que os seres humanos tivessem o direito de forçar portas
fechadas e penetrar por elas. Isto é claro tanto no Antigo como no Novo
Testamento. Era este o problema da carreira militar do conquistador persa
Ciro? "Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão
direita, para abater as nações ante a sua face; e descingir os lombos dos reis,
para abrir diante dele as portas, que não se fecharão. Eu irei adiante de ti,
86
endireitarei os caminhos tortuosos, quebrarei as portas de bronze, e
despedaçarei as trancas de ferro." Ou foi o livramento miraculoso do
apóstolo Pedro da prisão de Herodes em resposta às orações da Igreja, de
sorte que suas cadeias se soltaram de suas mãos? Então, levado por um anjo
passou pela primeira e pela segunda sentinela, o "portão de ferro que dava
para a cidade... se lhes abriu automaticamente". Outro caso: Paulo e Barnabé
em sua primeira expedição missionária viajaram por terra e mar, colinas e
vales, montanhas e pântanos? Foram eles maltratados, odiados e apedrejados
e, apesar disto, receberam graça para conquistar muitos para Cristo? Mais
tarde eles tiveram uma explicação. Em seu retorno a Antioquia, "reunida a
igreja, relataram quantas coisas fizera Deus com eles, e como abrira aos
gentios a porta da fé" (Isaías 45:1-2; Atos 12:1-11; 14:27).
Cristo tem as chaves. Ele abre as portas. Não há nenhum sentido em
tentar forçar nosso caminho rudemente através de portas que ainda estão
fechadas. Temos de esperar que Ele venha abrir para nós. Prejuízos estão
constantemente sendo trazidos à causa de Cristo por causa de um testemunho
impetuoso e grosseiro. É certamente correto procurar ganhar para Cristo
nossos amigos, parentes, vizinhos e colegas. Mas estamos às vezes com mais
pressa do que Deus. Em vez disso, precisamos ser pacientes, orar
intensamente e amar muito, e depois aguardar esperançosamente a
oportunidade dada por Deus para testemunhar.
O mesmo princípio aplica-se a qualquer incerteza que possamos ter
sobre a vontade de Deus para nosso futuro. Provavelmente mais erros são
cometidos pela rapidez do que pela lentidão, pela impaciência do que pela
demora. Os propósitos de Deus frequentemente amadurecem
vagarosamente. Se a porta está fechada, é insensatez forçá-la. Devemos
esperar até que Cristo pegue a chave e abra-a.

"Passe [venha]... e ajude-nos"


Mas com certeza muitas portas já estão escancaradas. Cristo usou suas
chaves. Ele acionou muitas fechaduras e removeu muitos ferrolhos. Ele já
abriu muitas portas, e do outro lado há milhões que ainda nos acenam
clamando: "Passe [venha]... e ajude-nos."
Não devemos deixar nossos ouvidos surdos a este apelo. Todos os
cristãos devem ser cristãos globais no sentido de estar fortemente dedicados
à evangelização do mundo. Por cerro, nem todos entre nós somos chamados
a ir e abrir portas como mensageiros transculturais do Evangelho. Mas todos
temos uma participação responsável, especialmente através de nossas
orações, contribuições diversas e incentivo, para assegurar que as portas
abertas estejam sendo cruzadas.
Devemos também ser cristãos locais, interessados pela área em que
nossa igreja está situada, e atuando nesta missão da qual todos nós devemos

87
participar. Esta foi a mensagem de Cristo à igreja de Filadélfia. Suas palavras
não foram dirigidas a um indivíduo nem ao pastor ou a outros líderes, nem
tampouco a um círculo seleto dentro da comunidade, mas a toda a igreja. Foi
perante a igreja inteira de Filadélfia que Ele tinha aberto uma porta. O
evangelismo não é prerrogativa de pastores ou de outros profissionais. Não
é passatempo de uns poucos fanáticos. E um dever que pesa sobre toda a
congregação e sobre todos os seus membros.
Não apenas cada cristão individualmente é chamado para ser uma
testemunha, mas cada cristão da comunidade local é chamado para mobilizar
os membros dessa comunidade para a missão. Isto envolve um cuidadoso
programa de treinamento, visitação regular de toda a vizinhança,
desenvolvimento do evangelismo nos lares e programação de eventos
especiais em que o Evangelho seja divulgado. Estas são algumas das portas
que Cristo tem aberto. Devemos estar seguros de cruzá-las. A chave pertence
a Cristo; mas a escolha é nossa.

O vencedor como uma coluna no templo de Deus

Uma vez mais Cristo não se satisfaz apenas em exortar. A estas


admoestações somam-se promessas. Venho em breve! Diz Ele. Retenha o
que você tem, para que ninguém tome a sua coroa (versículo 11). Que os
cristãos de Filadélfia permaneçam firmes e continuem avançando. Que
nenhum inimigo tire a sua recompensa. Em seguida vem um galardão
especial para o vencedor. Farei do vencedor uma coluna no santuário do
meu Deus, e dali ele jamais sairá. Escreverei sobre ele o nome do meu Deus
e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu da
parte de Deus; e também escreverei sobre ele o meu novo nome (versículo
12). O que poderia ser mais apropriado para os ativos evangelistas de
Filadélfia? A mesma promessa aplica-se a nós. Se renunciarmos nesta vida
à frouxidão dos costumes, na próxima vida, no templo de Deus que está no
céu, seremos colunas estáveis, irremovíveis, seguras, que não cairão mesmo
se Sansão forçar sua queda. Os cristãos de Filadélfia nodem viver com medo
de terremotos, mas nada os abalará quando permanecerem como colunas no
céu.

Ser um peregrino
Se, pois, nos tornarmos peregrinos nesta vida, seremos uma coluna na
próxima. Se decidirmos entrar pela porta do serviço, nunca perderemos a
segurança do paraíso. Se apagarmos nosso nome neste mundo por amor de
Cristo, então no próximo, sobre a coluna, serão gravados para sempre três
nomes. O primeiro será o nome de Deus. O segundo o nome da Nova
Jerusalém (a Igreja triunfante), e o terceiro será o próprio novo nome de
88
Cristo. Isto quer dizer (desde que o nome corresponda ao nomeado), que
pertenceremos para sempre a Deus, a Cristo e ao seu povo, e cresceremos
continuamente em nosso conhecimento sobre eles. Esta é a perspectiva que
se apresenta diante de todos aqueles que cruzarem destemidamente as portas
abertas, travarem guerra contra os poderes do mal e vencerem na luta. Esta
é a promessa de Cristo; ela é verdadeira.
Ao concluir nosso estudo desta sexta carta, reconhecemos a sua
relevância para nosso próprio tempo. A porta aberta representa a
oportunidade da Igreja; a chave de Davi, a autoridade de Cristo; e a coluna
do templo de Deus, a segurança do vencedor. Cristo tem as chaves. Cristo
abriu as portas. Cristo promete fazer-nos seguros como as sólidas colunas do
templo de Deus. Agora é conosco. As portas ainda permanecem abertas.
Cristo convida-nos primeiramente a entrar pela porta da salvação, e em
seguida pela porta do serviço.

89
Você é morno, nem frio nem quente.
Apocalipse 3:16

Carta à igreja de Laodicéia:

FERVOR

Apocalipse 3:14-22
14
Ao anjo da igreja em Laodicéia escreve:
Estas são as palavras do Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o soberano
da criação de Deus. 15Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem
quente. Quem dera você fosse frio ou quente! 16Assim, porque você é morno,
nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca. 17Você diz:
Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém,
que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e nu. 18Eu o aconselho a
comprar de mim ouro refinado no fogo, para que se torne rico, e roupas
brancas para vestir, para cobrir a sua vergonhosa nudez, e colírio para
ungir os seus olhos, a fim de que você veja. "Repreendo e disciplino aqueles
que amo. Por isso, seja diligente e arrependa-se. 20Eis que estou à porta e
bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele,
e ele comigo. 21Ao vencedor darei o direito de sentar-se comigo em meu
trono, assim como eu também venci e sentei com meu Pai em seu
trono. 22Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas.

Em cada uma das sete cartas Jesus Cristo enfatiza uma marca diferente
que deve caracterizar uma igreja verdadeira e pujante. Os cristãos efésios são
incentivados a voltar ao seu primeiro e sincero amor por Ele, enquanto os
crentes de Esmirna são advertidos de que, se não se renovarem, certamente
sofrerão. A igreja de Pérgamo deve promover a verdade diante do pecado, e
a igreja de Tiatira deve proclamar a retidão diante do mal. Os crentes de
Sardes precisam de vida interior por trás da aparência exterior da igreja.
Diante da igreja de Filadélfia o Senhor ressurreto coloca uma porta aberta de
oportunidade para a propagação do Evangelho, e Ele a convida a cruzá-la,
corajosamente. A sétima carta é dirigida à igreja em Laodicéia; ela associa
uma denúncia feroz de complacência com um suave apelo ao fervor.

Laodicéia
Cerca de 65 quilômetros a sudeste de Filadélfia, três cidades famosas
agrupavam-se no vale do rio Lico. Ao norte do rio estava Hierápolis,
90
enquanto em sua margem ao sul situavam-se Laodicéia e Colossos, distantes
aproximadamente 16 quilômetros entre si. Laodicéia era, portanto, a mais
meridional das sete igrejas às quais estas cartas foram dirigidas, estabelecida
quase em linha reta em relação a Éfeso.
Embora Laodicéia fosse a cidade principal da região sul da Frígia e
gozasse de algum prestígio, ninguém sabe quando a semente do Evangelho
foi lançada ali ou como a igreja criou raízes. O apóstolo Paulo provavelmente
nunca visitou as cidades do vale do Lico, mas ele escreveu uma carta à igreja
de Laodicéia ao mesmo tempo que escreveu a carta aos Colossenses. Por
outro lado, muitos estudiosos opinam que à carta a Laodicéia não é outra
senão a nossa assim chamada "Carta aos Efésios", pois três dos melhores e
mais antigos manuscritos desta carta omitem no começo as palavras "aos
efésios". É possível também que tenha sido uma carta circular, que foi
enviada primeiramente a Laodicéia. Além disso, a dupla menção de Epafras
na Carta aos Colossenses indica tanto que ele havia evangelizado Colossos
como também tinha vínculo com Laodicéia. Portanto, talvez tenha sido ele
quem fundou a igreja de Laodicéia (Colossenses l:7; 2:1; 4:12-16).

Uma carta severa


Seja qual for a época em que tenha sido fundada e embora possa ter
prosperado no início de sua história, a igreja em Laodicéia passava por um
período ruim quando João escreveu esta carta. Consequentemente, Jesus
envia a ela a mais severa das sete cartas, contendo muita censura e nenhum
elogio. A cidade não tinha sido contaminada com o veneno de algum pecado
em particular ou engano. Não há na carta menção de hereges, malfeitores ou
perseguidores. Mas o crente de Laodicéia não era nem frio nem
quente (versículo 15). Faltava-lhes fervor, ao ponto de o adjetivo
"laodicense" ter passado ao nosso vocabulário para referir-se a alguém que é
morno em religião, política ou em qualquer outro assunto.
Talvez nenhuma das sete cartas seja mais apropriada à Igreja do final
do século vinte do que esta. Ela retrata nitidamente a religiosidade
respeitável, nominal, um tanto sentimental e superficial tão difundida entre
nós atualmente. Nosso cristianismo é frouxo e anêmico. Parecemos ter
tomado um banho morno de religião. Nesta frase há provavelmente "uma
alusão às fontes de água quente de Hierápolis, que em seu curso sobre o
planalto tornava-se morna, e nesta condição fluía dos rochedos fronteiros a
Laodicéia" (Swete).

Fervendo por Cristo


A religião laodicense é como uma catarata morna. Mas Jesus Cristo
merece melhor tratamento do que isto. Ele deseja que seus seguidores sejam

91
ou frios ou quentes. Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem
quente. Quem dera você fosse frio ou quente! (Versículo 15). As palavras
gregas são específicas, não deixando dúvida alguma sobre seu sentido. "Frio"
significa gelado e "quente" significa fervente. Jesus Cristo nos preferiria
fervendo ou congelando, em vez do meio-termo do mornidão insípido. Paulo
disse aos cristãos romanos que fossem como o jovem Apoio, considerado
por ele "fervendo em espírito" (versão inglesa King James) — ou no ponto
de fervura espiritual. Devemos "manter o ardor espiritual", como Moffatt
traduziu esta exortação, e "atiçar até flamejar" o dom de Deus que está em
nós. Nosso fogo espiritual íntimo está em constante perigo de enfraquecer e
morrer. O braseiro deve ser cutucado, aumentado e soprado até incendiar
(Romanos 12:11; Atos 18:25; 2 Timóteo 1:6).
A ideia de estar em chamas por Cristo impressiona algumas pessoas
que temem um emocionalismo perigoso. "Naturalmente", dirão elas, "não
estaríamos pretendendo ir a extremos? Você não está pedindo que nos
tornemos uns avivados fanáticos?" Bem, depende do que você entende por
fanático. Se por "fanatismo" você na realidade quer dizer "fervoroso", então
o cristianismo é uma religião fanática e todo cristão deve ser um fanático.
Mas fervor não é o mesmo que fanatismo. Fanatismo é um fervor irracional
e estúpido. É um entrechoque do coração com a mente. No final de uma
declaração preparada para uma conferência sobre ciência, filosofia e religião
na Universidade de Princeton, em 1940, estavam estas palavras: "Dedicação
sem reflexão é fanatismo em ação; mas reflexão sem dedicação é a paralisia
de toda ação." O que Jesus Cristo deseja e merece é a reflexão que leva à
dedicação e a dedicação que nasce da reflexão. Este é o significado de fervor,
de estar inflamado por Deus.

Tempo de entusiasmo

Almeja-se ver em nossos dias homens e mulheres vigorosos e


corajosos, rendendo-se a Jesus Cristo em sério e total compromisso. Ele
exige isto, e diz mesmo que, se não formos quentes, Ele nos preteriria frios
do que mornos. É melhor ser frígido do que lépido, Ele insinua. Não é tão
difícil de alcançar o sentido dessas palavras. Se Ele é verdadeiro; se Ele é o
Filho de Deus que se tornou um ser humano, morreu por nossos pecados e
ressuscitou dentre os mortos; se o Natal, a Sexta-feira Santa e a Páscoa são
mais do que comemorações sem sentido, então nada menos do que nossa
dedicação fervorosa a Cristo importará. Isto quer dizer que o colocamos em
primeiro lugar em nossa vida privada e pública, procurando sua glória e
obedecendo à sua vontade. É melhor ser gelado em nossa indiferença ou

92
aderir a uma oposição ativa a Ele do que insultá-lo com um compromisso
indiferente que o repugna!
Na realidade, a Igreja cristã tem-se assustado muitas vezes com o
"entusiasmo". João Wesley e seus amigos tinham boas razões para entender
isso. Assim tiveram muitos outros quer antes deles ou depois. Mas o
entusiasmo é parte essencial do cristianismo. Cristo aprova calorosamente
isto, mesmo que a Igreja o desaprove. Sua mensagem para nós, em nossa
letargia indolente e insensibilidade é a mesma da sua mensagem a Laodicéia
há muitos séculos: seja diligente e arrependa-se (versículo 19). Diligência,
zelo, fervor, fogo, paixão — estas são as qualidades que nos faltam hoje e de
que necessitamos grandemente.
Devemos considerar cuidadosamente o que Cristo diz sobre a
indiferença enquanto explica o que ela é, como vencê-la e a recompensa que
Ele promete ao fervoroso.

O diagnóstico de Cristo
Precisamos ouvir o que Jesus pensa da igreja de Laodicéia. Eis suas
palavras: Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não
reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e
nu (versículo 17). Este é o diagnóstico do Médico Perfeito. A pessoa morna
é aquela em que há um contraste evidente entre o que diz e o que pensa ser,
de um lado, e o que ela realmente é, de outro. A raiz da indiferença é a
complacência. Ser morno é ser cego à verdadeira condição de alguém.

Uma sociedade opulenta


Não há dúvida de que a congregação de Laodicéia fervilhava de
frequentadores presunçosos. Eles diziam: Sou rico; adquiri riqueza e não
preciso de coisa alguma. Estavam muito bem, em termos materiais.
Laodicéia era famosa por sua prosperidade. Situada em um vale fértil na
junção de várias importantes rotas comerciais, ela amealhou considerável
riqueza. Tão opulentos eram seus cidadãos que, quando o terremoto de 60
d.C. devastou toda a região, a cidade foi prontamente reconstruída sem
qualquer apelo ao senado romano para o costumeiro subsídio. Os habitantes
locais estavam orgulhosos de sua cidade como um centro bancário e
mercantil. Podiam vangloriar-se de sua famosa escola de medicina ligada ao
templo de Esculápio, "cujos médicos prepararam o pó frígio para a cura da
oftalmia", fato comentado por Aristóteles. Particularmente famosa era a sua
manufatura de tecido, roupas e tapetes confeccionados com a valiosa lã das
ovelhas locais, que William Ramsay diz que era "macia na textura e de cor
preta lustrosa".

93
O orgulho de Laodicéia era contagioso. Os cristãos contraíram a
epidemia. O espírito de complacência insinuou-se na igreja e corrompeu-a.
Os membros da igreja tornaram-se convencidos e vaidosos, e Jesus Cristo
precisou ser brusco ao expor essas características deles. Ele não suavizou
suas palavras. Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada.
Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e
nu (versículo 17). Eles achavam que estavam indo maravilhosamente bem
em sua vida religiosa. Mas Cristo teve de acusá-los de cegos e mendigos nus
— mendigos apesar de seus bancos, cegos apesar de seus pós frígios de sua
escola médica, e nus apesar de suas fábricas de tecidos. Não precisamos de
nada, diziam. Podiam certamente manter-se sem subsídio imperial; mas não
podiam manter-se sem a graça de Jesus Cristo.

Cegos, nus e miseráveis

Esta é, pois, a visão de Cristo a nosso respeito se somos como esses


cristãos nominais, que não assumem um compromisso fervoroso com Ele.
Moral e espiritualmente, tais indivíduos são nus, mendigos e cegos. São
mendigos porque não têm como comprar seu perdão ou passaporte para o
Reino de Deus. São nus porque não têm roupas adequadas para se
apresentarem diante de Deus. São cegos porque não conseguem enxergar sua
pobreza espiritual nem o perigo espiritual em que se encontram.
Tal é o penetrante diagnóstico do Cristo ressurreto sobre a nossa
condição espiritual. Seríamos tolos em resistir-lhe. Contradizer o ponderado
julgamento de um médico competente é o caminho mais certo para o
desastre. Conheço as suas obras, diz Ele, e acrescenta: [você] não
reconhece... (versículos 15 e 17). Ele nos conhece melhor do que nós nos
conhecemos. Tendemos a exaltar-nos e enganar-nos, mas Ele vê e nos
conhece como realmente somos.

O conselho de Cristo
Eu o aconselho... (versículo 18). Talvez possamos observar primeiro
o fato de que temos um Deus que se sente feliz em dar conselho às suas
criaturas. Não posso ler este versículo sem sentir-me estranhamente
emocionado. Ele é o grande Deus do amplo universo. Ele tem incontáveis
galáxias de estrelas na ponta de seu dedo. O céu e o céu dos céus não podem
contê-lo. Ele é o criador e sustentador de todas as coisas, o Senhor Deus
Todo-Poderoso. Ele tem o direito de emitir ordens para que lhes
obedeçamos. No entanto Ele prefere dar conselho ao qual não precisamos
obrigatoriamente atender. Ele poderia ordenar, mas prefere aconselhar. Ele
respeita a liberdade com que Ele nos dignificou.

94
Ao mesmo tempo Ele nos adverte das sérias consequências de nossa
tolerância. Seu propósito não é aterrorizar-nos para que sejamos submissos,
mas fazer-nos cônscios da seriedade de nossa escolha. Assim, porque você é
morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha
boca (versículo 16). É obviamente uma linguagem metafórica, mas isto não
esvazia a expressão de seu sentido. Líquidos mornos provocam náusea. Eles
não são apenas insossos, mas realmente desagradáveis. A enérgica expressão
de Cristo é de aversão. Ele repudiará totalmente aqueles cuja ligação com
Ele é puramente nominal e superficial. Somos lembrados da expressão da
atitude de Deus para com Israel no deserto, contida no Salmo 95: "Durante
quarenta anos estive desgostado [ou irritado] com essa geração" (versículo
10). O verbo usado é quase chocante. Não que a ira de Deus seja sempre
marcada por maldade, rancor ou vingança pessoal. Mas a palavra hebraica
neste texto corresponde a aversão e desgosto, e indica forte reação moral à
hipocrisia humana e ao pecado.

Desolação e devastação
Se a igreja de Laodicéia deu ou não atenção a esta advertência não
podemos afirmar. Certamente a cidade, uma vez próspera e complacente, é
agora uma miserável devastação. "Nada pode exceder a desolação e
melancólica aparência do local da antiga Laodicéia", diz um viajante do
século vinte. O arcebispo Trench retrata o cenário com cores vivas: "Tudo
agora pereceu. Aquele que removeu o candelabro de Éfeso rejeitou
Laodicéia com as palavras de sua boca. As ruínas de aquedutos e teatros
espalhadas sobre uma vasta extensão da região falam da antiga
magnificência desta cidade; mas da então famosa igreja nada restou."
Entretanto, não é somente pelo temor de julgamento que devemos
atentar para esta advertência divina, mas também por respeito Àquele que a
pronuncia. Veja como Ele se refere a si mesmo na introdução desta
carta: Estas são as palavras do Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o
soberano da criação de Deus (versículo 14). Ele é o Amém. Esta palavra
hebraica é um advérbio de assentimento. Ela significa "certamente",
"verdadeiramente", e denota a confirmação de alguma coisa dita ou feita. É
a palavra empregada por Jesus em sua fórmula favorita: "Em verdade, em
verdade vos digo." Mas agora Ele não somente diz "Amém"; Ele é o Amém.
Seu ministério cumpre todas as promessas de Deus, "pois quantas foram as
promessas feitas por Deus, tantas têm em Cristo o 'sim'" (2 Coríntios 1:20).
Assim, pois, suas palavras são de confiança por causa de seu caráter
inabalável. Ele não é inconstante. Nenhum capricho leviano leva-o a falar ou
agir. Ele nunca precisou desdizer-se ou modificar qualquer afirmação que
tenha feito. Ele é absolutamente consistente.

95
Ainda mais, Ele é a testemunha fiel e verdadeira (versículo 14;
compare com Apocalipse 1:5). Por serem suas palavras verdadeiras, são elas
consequentemente fidedignas. "Falamos do que conhecemos", declarou Ele
em sua conversa com Nicodemos, "e testemunhamos do que vimos" (João
3:11). Portanto, este testemunho deve ser recebido. Ele é preciso e confiável.
Assim é Cristo, o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o soberano
da criação de Deus. Como podemos ignorar o conselho de alguém assim?
Ele não pode mentir. Ele conhece e diz a verdade. Seria extrema loucura
desprezar seu conselho.

O mercador divino

Qual é então seu conselho? Eu o aconselho a comprar de mim...


Fazemos de novo uma pequena pausa. Não devemos perder a ênfase que está
posta nas palavras de mim. Isto estava acima de tudo o que os laodicenses
tinham de aprender. Eles consideravam-se autossuficientes; deveriam
humildemente encontrar sua suficiência em Cristo. Estavam dizendo não
preciso de nada; deveriam chegar a admitir que sua necessidade era grande
e que somente Cristo poderia supri-los. Diziam "estou rico, adquiri riquezas
e não preciso de nada". Jesus Cristo tinha de humilhar aquele orgulhoso
pronome pessoal, atirá-lo ao pó e dizer "é de mim que vem a sua salvação".
Ele podia ter ecoado as palavras de Deus a Efraim, "de mim se acha o teu
fruto", ou sua própria afirmação aos doze, "sem mim, vocês não podem fazer
coisa alguma" (Oséias 14:8; João 15:5).
Mas, por que Ele recomenda aos laodicenses a comprar dele? Pode a
salvação ser comprada? Não. Certamente que não. É uma dádiva a nós
porque fomos comprados por Cristo sobre a cruz. Seu convite compre de
mim não deve interpretado literalmente. Ele está indubitavelmente usando a
linguagem apropriada à mentalidade comercial dos laodicenses. Cristo se
compara a um mercador que visita à cidade para vender suas mercadorias e
entra em concorrência com outros vendedores. "Aconselho-os a abandonar
seus antigos vendedores", diz o mercador divino, "e vir negociar comigo."
Talvez Ele esteja pensando no convite de Yahweh: "Todos vós os que tendes
sede, vinde às águas; e vós os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e
comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite" (Isaías
55:1).
Assim, Cristo continua: Eu o aconselho a comprar de mim ouro
refinado no fogo, para que se torne rico, e roupas brancas para vestir, para
cobrir a sua vergonhosa nudez, e colírio para ungir os seus olhos, a fim de
que você veja (versículo 18). Aqui há notícias alvissareiras para os pedintes
nus e cegos! Eles são pobres; mas Cristo tem ouro. Eles estão nus; mas Cristo
tem roupas. Eles são cegos; mas Cristo tem colírio para seus olhos. Quisera
Ele que não confiassem mais em seus bancos, seus pós frígios para os olhos
96
e suas fábricas de roupas! Quisera que fossem a Ele! Ele pode enriquecer sua
pobreza, vestir sua nudez e curar sua cegueira. Ele pode abrir seus olhos para
que descubram um mundo espiritual com o qual jamais sonharam.
Ele pode cobrir seu pecado e vergonha e fazê-los aptos para desfrutar
a herança dos santos na luz. Ele pode enriquecê-los com vida, e vida
abundante. Em uma palavra, Ele pode salvá-los. Ele morreu e ressurgiu por
eles. Por meio de sua morte eles podem ser purificados, e por meio de sua
presença viva dentro deles podem ser transformados.

Dois passos a tomar

Mas como isto pode acontecer? Os laodicenses devem tomar duas


medidas. A primeira é indicada no versículo 19. O Senhor Jesus
continua: Repreendo e disciplino aqueles que amo. Por isso, seja diligente e
arrependa-se. O primeiro passo é arrependimento. Cristo já havia chamado
os crentes em Éfeso e Sardes a arrepender-se (Apocalipse 2:5; 3:3). A mesma
mensagem é dirigida a Laodicéia. Não pode haver qualquer pretexto para
esquiva. O Cristo que adverte de que os vomitará de sua boca se não reagirem
ao seu apelo, ama-os apesar disto. Inegavelmente, é porque Ele anseia salvá-
los do juízo final que os reprova e castiga agora. Eles devem ser diligentes e
arrepender-se. Estes tempos mudam significativamente. Quisera Ele que se
arrependessem de uma vez por todas, irrevogavelmente; e então quisera que
continuassem sempre a estar inflamados de zelo. Arrepender-se é dar as
costas com determinação a tudo que sabemos ser contrário à vontade de
Deus. Como os laodicenses, temos de renunciar à velha vida negligente c
tolerante. A presunção ostensiva não é apropriada em quem toma o nome de
Cristo. A piedade superficial nunca salvou ninguém. Não haverá hipócritas
no céu. Portanto, temos de romper com essas coisas. Devemos vomitá-las de
nossa boca, do contrário Ele nos vomitará da sua.
Se o primeiro passo é arrependimento, o segundo é fé. Exatamente a
convicção que o Novo Testamento chama de fé é agora clara e nitidamente
formulada por Jesus Cristo. Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a
minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo (versículo
20). Este é um apelo pessoal. Embora as palavras sejam dirigidas à igreja,
ele se aplica aos membros individuais da igreja. Se alguém... diz Cristo.
Nosso coração ou alma assemelha-se a uma morada. Cada um de nós gosta
de mandar em seu próprio terreiro e ser rei de seu próprio castelo. Mas o
Cristo vivo vem para visitar-nos. Aquele que ameaça que pode ter de
vomitar-nos de sua boca agora coloca-se em frente de nossa porta de entrada.
Ele bate. Ele deseja ser recebido. É uma visita do Amado de nossa alma. A
cena de amor nos Cantares de Salomão proclama: "Eis a voz do meu amado,
que está batendo: 'Abre-me, minha irmã, querida minha, pomba minha,
imaculada minha...' O meu amado meteu a mão por uma fresta, e o meu
97
coração se comoveu por amor dele. Levantei-me para abrir ao meu amado..."
(Cantares de Salomão 5:2-5).

De indigentes a príncipes
Se abrirmos a porta do nosso coração a Jesus Cristo e o deixarmos
entrar, Ele porá fim à nossa miséria. Ele nos transformará de indigentes em
príncipes. Ele nos limpará e nos vestirá. Ele ceara conosco e teremos
permissão para cear com Ele. Essa imagem ilustra as alegrias compartilhadas
da vida do cristão, o companheirismo recíproco que os crentes têm com seu
Salvador. Que Ele nos convide a vir e cear com Ele é demasiada honra; mas
que Ele deseje participar de nossa humilde mesa e cear conosco é tão
admirável que ultrapassa nossa compreensão finita.
Não somos dignos de que Ele fique embaixo de nosso teto, e Ele ainda
vai sentar-se à nossa mesa? A Ceia do Senhor é o sacramento exterior e
visível desta íntima refeição festiva. Comer o pão e beber o vinho é apenas
uma representação física do banquete espiritual com Cristo que seu povo tem
o privilégio de usufruir continuamente. Ajoelhar-se à sua mesa em uma
igreja demonstra publicamente nossa ceia pessoal com Ele em nosso
coração. E tanto o banquete íntimo como a ceia sacramental são o antegozo
daquele banquete celestial que no Apocalipse é chamado de "o banquete do
casamento do Cordeiro" (Apocalipse l9:9; compare com Lucas 22:30).

O senhor da casa
Mas não é simplesmente para cear que Cristo entra na alma humana.
É também para exercer sua soberania. Se Ele entra para proporcionar sua
salvação, entra também para receber nossa submissão. Sua entrada é uma
ocupação. Ele entra para assumir o controle. Nenhum compartimento pode
ser fechado a ele. Ele nos dominou. Ele é o senhor da casa. Sua bandeira
tremula em nosso telhado. É isto o que significa estar comprometido com
Cristo e submeter-se fervorosamente a Ele. E render-se incondicionalmente
ao seu domínio. É procurar conhecer sua vontade através da sua Palavra e
obedecer-lhe prontamente. Não é apenas assistir aos cultos religiosos duas
vezes aos domingos ou mesmo todos os dias, e muito menos nas grandes
ocasiões. Não é apenas levar uma vida decente ou crer em certos trechos do
credo. Não. É primeiro arrepender-nos, deixando com determinação tudo o
que sabemos ser errado, e então abrir a porta para Jesus Cristo, pedindo-lhe
que entre. É receber nosso ouro, nossas vestes e nosso colírio para os olhos,
oferecidos por Ele. E ser pessoal e incondicionalmente comprometido com

98
Ele. É colocá-lo em primeiro lugar e procurar agradá-lo em cada aspecto da
vida, pública e privada. Nada menos que isto.
Ser quente, frio ou morno depende de abrir a porta de nossa
personalidade ao Senhor Jesus Cristo. E apenas o começo da vida cristã; mas
é um começo indispensável.

A perspectiva de Cristo

Como as seis cartas anteriores, a carta à igreja de Laodicéia conclui


com uma promessa generosa ao que vencer, seja homem ou mulher, isto é,
ao que ouve, presta atenção e obedece à mensagem de Cristo. Ao vencedor
darei o direito de sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também
venci e sentei-me com meu Pai em seu trono (versículo 21). Esta perspectiva
excede em glória todas as outras promessas ao vencedor. Um trono é o
símbolo de conquista e autoridade. Jesus havia prometido aos doze que "por
ocasião da regeneração de todas as coisas, quando o Filho do homem se
assentar em seu trono glorioso", eles que o tinham seguido "também se
sentarão em doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel" (Mateus 19:28).
Esta promessa é concedida agora a todo cristão vitorioso. Como Cristo
venceu o mundo e o diabo, e foi exaltado à mão direita do Pai, assim o
vencedor cristão também será honrado. Como Cristo participa do trono do
Pai, também os cristãos participarão do trono de Cristo. Que tipo de
autoridade exatamente lhes será conferida não está revelado, mas de algum
modo eles receberão responsabilidade no Reino do Céu.
Se permitirmos que Cristo entre em nossa casa ou em nosso coração,
Ele permitirá que entremos na casa de seu Pai. Além disso, se permitirmos
que Cristo sente conosco à nossa mesa, Ele permitirá que nos sentemos com
Ele em seu trono.

A grande escolha
Aqui está, pois, a grande alternativa que se oferece a cada pessoa séria.
Ser indiferente, tolerante e apenas ocasionalmente interessado nas coisas de
Deus é provar-se definitivamente não-cristão c ser tão relutante em relação
a Cristo é correr o risco de uma veemente rejeição. Mas ser fervoroso em
nossa devoção a Cristo, tendo aberto a porta e nos submetendo
incondicionalmente a Ele, é receber o privilégio tanto de cear com Ele na
terra como reinar com Ele no céu. Eis uma escolha que não podemos evitar.
O último versículo do capítulo diz: Aquele que tem ouvidos ouça o que
o Espírito diz às igrejas (versículo 22). Estas palavras são repetidas sem
alteração como pós-escrito de cada carta. Elas são a reiteração de uma
99
expressão característica que Jesus usou durante seu ministério público:
"Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça" (veja, por exemplo, Marcos 4:9).
A frase no Apocalipse é quase idêntica e somente acrescenta o que o Espírito
diz às igrejas. As cartas são ditadas por Cristo, mas a mensagem é a palavra
do Espírito. Ele que falou por meio dos profetas nos tempos antigos e por
meio dos apóstolos na revelação do Novo Testamento é agora o agente da
mensagem do Filho às igrejas.
É digno de nota também que, embora cada carta seja endereçada a uma
igreja diferente, a fórmula conclusiva refere-se às igrejas. A mensagem
pessoal a cada uma é ainda um desafio geral a todos. A mensagem varia de
acordo com as circunstâncias de cada congregação, mas não de acordo com
o propósito do escritor divino. Sua vontade para sua Igreja é a mesma, para
cada congregação em cada época e lugar. Seria insensatez tapar os ouvidos
a esta mensagem premente. Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito
diz às igrejas.

100
Diante de mim estava um trono no céu.
Apocalipse 4:2

CONCLUSÃO

Apocalipse 4:1-2
Depois dessas coisas olhei, e diante de mim estava uma porta aberta no céu.
A voz que eu tinha ouvido no princípio, falando comigo como trombeta,
disse: "Suba para cá, e lhe mostrarei o que deve acontecer depois dessas
coisas." 2Imediatamente achei-me no Espírito, e diante de mim estava um
trono no céu e nele alguém assentado.

Vimos o que Cristo pensa de sua Igreja. Consideramos as marcas que


devem caracterizá-la — amor por Cristo e disposição de sofrer por Ele,
verdade doutrinária e santidade de vida, realidade interior e empenho
evangelístico, com um ardente fervor em tudo. Observamos a Igreja
oprimida internamente pelo pecado, pela falsidade e pela letargia, e
externamente por tribulação e perseguição. Fomos apresentados aos maus
desígnios e às obras dos nicolaítas, balaamitas e da mulher Jezabel, tendo
por trás deles o próprio Satanás. Pudemos ter alguma ideia do dilema entre
Cristo e César que estava sendo inculcado nos cristãos asiáticos. Foi-lhes
difícil permanecer firmes no meio da oposição.

O trono imutável
Mas a história não termina aqui. Com o capítulo quatro do Apocalipse
passamos da Igreja sobre a terra à Igreja no céu, do Cristo entre os
candelabros tremeluzentes ao Cristo ao lado do imutável trono de Deus.
Depois dessas coisas olhei, escreve João, e diante de mim estava uma porta
aberta no céu (Apocalipse 4:1). Através desta porta de revelação ele olhou,
e seus olhos se iluminaram perante o símbolo da soberania de Deus. Diante
de mim estava um trono no céu e nele alguém assentado (4:2).
As igrejas da Ásia eram pequenas e lutadoras; o poder de Roma
parecia inesgotável. O que podiam fazer uns poucos cristãos indefesos, se
um simples edito imperial podia bani-los da face da terra? Os poderes das
trevas pareciam já estar fechando o cerco sobre elas. Os corações cristãos
começaram a tremer como as árvores da floresta vergastadas pelo vento.

101
Apesar disso eles não precisam temer. No centro do universo está um
trono. Dele os planetas recebem suas ordens. Diante dele as galáxias
gigantescas prestam-lhe sua lealdade. Nele os organismos vivos mais
minúsculos encontram vida. Diante dele anjos e seres humanos e todas as
coisas criadas nos altos céus e embaixo na terra inclinam-se e adoram
humildemente. Circundando o trono está o arco-íris da aliança de Deus, e à
sua volta estão outros 24 tronos, ocupados por 24 anciãos, que
indubitavelmente representam as doze tribos do Antigo Testamento e os doze
apóstolos do Novo Testamento, portanto a Igreja completa e aperfeiçoada.

A segurança da igreja

Estes capítulos do livro de Apocalipse (4 a 7) não nos deixam em


dúvida quanto à segurança do povo de Deus. O Pai Eterno senta-se sobre seu
trono, tendo à sua volta hostes de adoradores celestiais. O Livro do Destino
está nas mãos de Cristo, e nenhuma calamidade pode sobrevir ao gênero
humano enquanto Ele não quebrar os selos do livro. Além disso, os ventos
do juízo não recebem permissão para soprar sobre aqueles que foram selados
pelo Espírito Santo. Estes são os símbolos da soberania divina. A segurança
da Igreja está garantida pela Santa Trindade.
Assim, por fim, quando combatermos o bom combate e terminarmos
nossa carreira, e, mesmo se necessário, sofrermos a morte pelo nome de
Jesus Cristo, emergiremos da grande tribulação e não mais sofreremos.
Iremos nos juntar à Igreja triunfante, na grande multidão que ninguém será
capaz de contar, vinda de toda nação, tribo, povo e língua, e ali estaremos
com eles perante o trono de Deus. O Rei do universo nos concederá refúgio
no abrigo de seu trono, onde poderemos vê-lo e adorá-lo dia e noite em seu
templo, e o Cordeiro, que é também nosso Pastor, nos guiará com o restante
de suas ovelhas para as fontes de água viva, onde poderemos extinguir nossa
sede para sempre nas nascentes eternas.

102

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