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ISBN: 978-85-352-7986-3
ISBN (versão eletrônica): 978-85-352-7987-0

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
H493oHerz, Mônica
Organizações internacionais : história e práticas / Mônica
Herz, Jana Tabak, Andrea Ribeiro Hoffmann. – 2. ed. – Rio
de Janeiro: Elsevier, 2015.
24 cm.

ISBN 978-85-352-7986-3

1. Relações internacionais. 2. Globalização. I. Hoffman,


Andréa Ribeiro. II. Tabak, Jana. III. Título.
15- CDD: 327
22674 CDU: 327

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Para Sandra, Ana Maria, Eliane, Silvio, George e Daniel,
nossos pais.

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Apresentação

A S ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS são hoje parte central da política internacional e da


vida social em diferentes partes do mundo. A prática profissional, a compreensão do
mundo que nos cerca e o exercício da cidadania exigem atenção ao tema.
Parte considerável dos esforços da diplomacia de cada país se volta para a atuação dentro
das organizações intergovernamentais. As forças armadas lidam com preparativos para
operações de paz; em seu treinamento, podemos discernir normas internacionais sobre o uso
de armas ou o tratamento de prisioneiros de guerras geradas no âmbito das organizações
internacionais.
Elas estão presentes em nosso cotidiano, em notícias que lemos e ouvimos sobre a
participação da ONU (Organização das Nações Unidas) no processo de reconstrução de
Estados, sobre as negociações comerciais na Organização Mundial do Comércio, sobre as
tentativas de combater a epidemia da AIDS e do Ebola e sobre os esforços para sustar a crise
humanitária na Síria e na Líbia. Muitas das normas com as quais convivemos, tais como as
referentes à administração do déficit público, à proteção das crianças ou aos procedimentos
diante de epidemias, são debatidas e geradas nas organizações internacionais. Algumas das
questões políticas, econômicas, sociais e culturais que mais nos afetam só podem ser
compreendidas inteiramente se levarmos em conta o papel e o funcionamento das
organizações internacionais.
Diante dessa realidade, a produção acadêmica sobre o tema tem crescido e se difundido.
Especialistas em relações internacionais produzem pesquisas e debates sobre as inúmeras
organizações internacionais contemporâneas. Os cursos de Relações Internacionais, Direito,
Ciência Política, Economia, Jornalismo e Sociologia, entre outros, incorporam cursos sobre
organizações internacionais aos seus currículos.
Quando primeiramente lançado em 2004, este livro buscou responder à necessidade de
tratar o tema de forma ampla e acessível, mas também por meio de análises que visavam
gerar uma reflexão crítica e aprofundada sobre as organizações internacionais. Naquele
momento nossa finalidade era atender ao interesse de alunos de graduação e pós-graduação,
professores, diplomatas, profissionais e ativistas que convivem com as organizações
internacionais. Continuamos nesse caminho.
Mais de dez anos se passaram e, nesta edição revisada do livro, procuramos somar ao
estudo das organizações internacionais a discussão acerca dos desafios enfrentados no
contexto internacional diante da ascensão das potências emergentes, o surgimento de novos
entraves à cooperação internacional, tais como a crise financeira e econômica que perpassa
diversos países desde 2008, além das diferentes formas de violência armada que
testemunhamos nos variados conflitos em todo mundo e nos fazem refletir e questionar os
conceitos de paz e segurança internacionais, bem como os mecanismos desenvolvidos para
alcançá-los. Em um contexto, no qual a governança global se tornou um mantra entre os
estudantes de política internacional, este livro objetiva, por um lado, compreender e discutir
a complexa atuação das organizações internacionais que envolvem um escopo vasto de
atividades e de atores. E, por outro lado, desejamos, por meio dos diferentes temas
abordados nos capítulos, refletir sobre as tensões e dilemas que perpassam e constituem a

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política internacional, como as dúvidas acerca do futuro do Estado-nação diante dos projetos
– e promessas – cosmopolitas de construção de uma comunidade global que se tornam
presentes ao mesmo tempo que movimentos e relações interestatais apontam claramente
para o que Guzzini (2013) chamou de “retorno da geopolítica”.
A edição revisada do livro também inclui mais uma autora, que se junta ao grupo: Jana
Tabak. São três gerações de pesquisadoras que vêm de trajetórias acadêmicas e experiências
de vida distintas para refletir e compreender os desafios contemporâneos por meio dos
estudos das organizações internacionais. Nos últimos dez anos, Jana passou de jornalista à
doutora em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio;
Andrea vivenciou um período no exterior, quando lecionou em diferentes instituições, como
na Universidade Livre de Berlim; e Monica dedicou-se ao ensino e pesquisa em relações
internacionais, podendo participar ativamente do processo de construção da área de relações
internacionais no país.
Embora o texto trate o assunto da perspectiva da disciplina de relações internacionais,
ressaltamos que sua leitura não requer conhecimento anterior específico. Apresentamos as
questões, os conceitos e as práticas que constituem a realidade das organizações
internacionais contemporâneas. O leitor encontrará os instrumentos analíticos que
permitem compreender o processo de criação das organizações, seu funcionamento e sua
influência sobre a política internacional. Focalizamos aspectos históricos, a estrutura
institucional, as dinâmicas políticas e também as críticas feitas às organizações
internacionais. Para ilustrar a discussão do tema, mostramos em detalhes algumas
organizações mais representativas. Enfatizamos a atuação das organizações
intergovernamentais e também tratamos das não governamentais. Diferentes movimentos
sociais e grupos de interesse se mobilizam para participar de debates realizados dentro dessas
organizações.
O livro está organizado por conceitos centrais da área de estudos: segurança coletiva,
governança global e as agências especializadas, integração regional e sociedade civil global.
Esses conceitos permitem uma compreensão do papel e do funcionamento das organizações
internacionais em um contexto amplo, ressaltando as formas de interação entre as
organizações internacionais, delas com outras instituições e os processos da política
internacional.
Em cada capítulo o leitor encontrará uma explicação do conceito abordado, a história e
uma análise do funcionamento de organizações relevantes. As referências bibliográficas
visam oferecer um guia para o aprofundamento dos estudos.
No primeiro capítulo oferecemos uma definição das organizações internacionais,
delineando suas características comuns. Explicamos como elas são e apresentamos fóruns,
atores e mecanismos de cooperação do sistema internacional. A seguir, relatamos uma breve
história das organizações internacionais modernas.
As teorias de relações internacionais são discutidas no Capítulo 2. Inicialmente,
descrevemos de forma sucinta a área de estudos de organizações internacionais.
Apresentamos os pressupostos e os conceitos centrais de cada teoria e discutimos a
compreensão específica do papel das organizações internacionais na política internacional.
O Capítulo 3 aborda os três momentos históricos em que o conceito de segurança coletiva
constituiu a base para a criação, ou para a redefinição, de uma organização
intergovernamental universal. Tratamos da criação e do funcionamento da Liga das Nações e

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da ONU e, por fim, das transformações do comportamento da ONU no campo da segurança
após a Guerra Fria.
No Capítulo 4, analisamos, no âmbito da governança global, o surgimento e o
funcionamento das agências internacionais especializadas. Apontamos a relação dessas
organizações com a Liga das Nações e com a ONU. Além disso, analisamos seu papel na
formulação de normas nas mais diversas áreas e seu impacto sobre os Estados. As atividades
e o funcionamento da União Internacional de Telecomunicações, da Organização Mundial
da Saúde e da UNICEF são vistos em detalhes.
A integração regional é abordada no Capítulo 5. Situamos historicamente o surgimento
das ondas de regionalismo e das principais organizações de integração regional criadas
nesses contextos. Destacamos o desenvolvimento dos processos de integração regional na
Europa e na América do Sul, e de modo mais específico a criação da União Europeia, do
Mercosul e, adicionalmente nesta edição, da UNASUL.
Por fim, no Capítulo 6, introduzimos o conceito de sociedade civil global para apresentar
as organizações não governamentais internacionais. Detalhamos seu surgimento, sua
atuação e sua relação com os Estados e as organizações intergovernamentais. A história e as
principais atividades da Cruz Vermelha, do Greenpeace e da Human Rights Watch são
consideradas em suas especificidades.
Nossos alunos foram fundamentais para a realização deste livro. A convivência com os
alunos dos cursos de graduação e pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da
PUC-Rio, sua motivação e seus questionamentos foram um incentivo para nos engajarmos
neste empreendimento. O ambiente acadêmico estimulante do IRI e o apoio de sua
secretaria também contribuíram para a realização deste projeto.
Agradecemos o suporte da CAPES, da FAPERJ e do CNPq e a nossos alunos Lucas Perez e
Matheus Ferrari
João, Florian e Yaniv acompanharam nossos esforços, opinaram sobre o trabalho e nos
apoiaram ao longo do processo. Seu lugar é daqueles que não se descreve. Hannah, Rachel,
Adriana e Theo são uma inspiração constante. Obrigada também à equipe da Elsevier
Editora.

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Sumário

CAPA

CRÉDITOS

FOLHA DE ROSTO

APRESENTAÇÃO

SIGLAS

CAPÍTULO 1 - ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: DEFINIÇÃO E HISTÓRIA


Definição de Organizações Internacionais
O Funcionário Público Internacional
História das Organizações Internacionais
Leituras para continuar seu estudo
Notas

CAPÍTULO 2 - CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS PARA O ESTUDO DE ORGANIZAÇÕES


INTERNACIONAIS
Introdução
História da Área
Realismo
Liberalismo
Funcionalismo
Neofuncionalismo
Economia Política Internacional e o Marxismo
Perspectiva Cosmopolita
Construtivismo
Perspectivas Críticas
Leituras para continuar seu estudo
Notas

CAPÍTULO 3 - SEGURANÇA COLETIVA


O Conceito de Segurança Coletiva
O Sistema de Segurança Coletiva da Liga das Nações
O Sistema de Segurança Coletiva da ONU
O Sistema de Segurança Coletiva no Pós-Guerra Fria
Leituras para continuar seu estudo
Notas

CAPÍTULO 4 - GOVERNANÇA GLOBAL E AS AGÊNCIAS ESPECIALIZADAS


Agências para Governança Global em Áreas Específicas

11
Cooperação Internacional na Área de Telecomunicações e a União Internacional de Telecomunicações
(UIT)
Cooperação Internacional na Área de Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS)
A Cooperação na Área de Direitos Humanos e o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos
A Cooperação Internacional na área dos Direitos da Criança: UNICEF e a Normatização das Práticas de
Proteção da Infância
Leituras para continuar seu estudo
Notas

CAPÍTULO 5 - INTEGRAÇÃO REGIONAL


O Conceito de Integração Regional
Integração Regional na Europa: a União Europeia
Integração Regional no Cone Sul da América Latina: o Mercosul
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL)70
Leituras para continuar seu estudo
Notas

CAPÍTULO 6 - SOCIEDADE CIVIL GLOBAL


O Conceito de Sociedade Civil Global
A Cruz Vermelha
O Greenpeace Internacional
A Human Rights Watch (HRW)
Leituras para continuar seu estudo
Notas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Siglas

(As siglas foram usadas segundo sua versão em inglês quando sua versão em português
ainda não foi incorporada à prática e literatura no país).
ACP – African, Caribeean and Pacific Group of States (Grupo de Estados Africanos, do
Caribe e do Pacífico)
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
ALALC – Associação Latino-Americana de Livre-Comércio
ALCA – Área de Livre-Comércio das Américas
APEC – Asia-Pacific Economic Cooperation (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico)
ASEAN – Association of Southeast Asian Nations (Associação das Nações do Sudeste
Asiático)
BIRD – International Bank for Reconstruction and Development (Banco Internacional para
a Reconstrução e Desenvolvimento)
CAN – Comunidade Andina
CdE – Conselho da Europa
CECA– Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
CEE – Comunidade Econômica Europeia
CEPAL – Comissão Econômica e Social para a América Latina e o Caribe
CFI – International Finance Corporation (Corporação Financeira Internacional)
CIJ – Corte Internacional de Justiça
CIS – Comunidade dos Estados Independentes
CMC – Conselho do Mercado Comum
COMECON – Council for Mutual Economic Cooperation (Conselho para Assistência
Econômica Mútua)
CTBTO – Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty Organization (Organização
Preparatória para o Tratado de Proibição de Testes Nucleares)
DESA – Department of Economic and Social Affairs (Departamento de Assuntos
Econômicos e Sociais)
DFS – Department of Field Support (Departamento de Apoio Logístico)
DGACM – Department for General Assembly and Conference Management (Departamento
para a Assembleia Geral e Gestão de Conferências)
DM – (Departamento de Administração)
DPA – Department of Political Affairs (Departamento de Assuntos Políticos)

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DPI – Department of Public Information (Departamento de Informação Pública)
DPKO – Department for Peacekeeping Operations (Departamento de Operações de Paz)
DSS – United Nations Department of Safety and Security (Departamento de Segurança)
ECA – Economic Commission for Africa (Comissão Econômica para a África)
ECE – Economic Commission for Europe (Comissão Econômica para a Europa)
ECLAC/CEPAL – Economic Commission for Latin America and Caribbean (Comissão
Econômica para América Latina e Caribe)
ECOSOC – Economic and Social Council (Conselho Econômico e Social)
ECOWAS – Economic Community of West African States (Comunidade Econômica dos
Estados da África Ocidental)
EOSG – Executive Office of the Secretary-General (Escritório Executivo do Secretário-Geral)
ESCAP – Economic and Social Commission for Asia and the Pacific (Comissão Econômica e
Social para a Ásia e o Pacífico)
ESCWA – Economic and Social Comission for Western Asia (Comissão Econômica e Social
para a Ásia Ocidental)
EURATOM – European Atomic Energy Community (Comunidade Europeia de Energia
Atômica)
FAD – International Fund for Agricultural Development (Fundo Internacional para o
Desenvolvimento Agrícola)
FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação)
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GPS – Sistema de Posicionamento Global
IAEA/AIEA – International Atomic Energy Agency (Agência Internacional de Energia
Atômica)
IASC – Inter-Agency Standing Comittee (Comitê Permanente Interagências)
ICAO – International Civil Aviation Organization (Organização da Aviação Civil
Internacional)
ICSID – International Centre for Settlement of Investment (Centro Internacional para
Solucionar de Disputas de Investimento)
IDA – International Development Association (Associação Internacional do
Desenvolvimento)
IFAD/FIDA – International Fund for Agricultural Development (Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola)
ILO/OIT – International Labour Organization (Organização Internacional do Trabalho)
IMF/FMI – International Monetary Fund (Fundo Monetário Internacional)
IMO/OMI – International Maritime Organization (Organização Marítima Internacional)

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INTAL – Instituto para Integração Latino-Americana
ITC – International Trade Centre (Centro de Comércio Internacional)
ITU/UIT – International Telecommunication Union (União Internacional de
Telecomunicações)
MDG/ODM – Millennium Development Goals (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio)
Mercosul – Mercado Comum do Cone Sul
MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency (Agência Multilateral para Garantir o
Investimento)
NAFTA – North American Free Trade Agreement (Acordo de Livre-Comércio da América
do Norte)
NEPAD – New Partnership for Africa’s Development (Nova Parceria para o
Desenvolvimento de África)
NGO – Non-governmental organization(Organização não governamental)
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OCHA – Office for the Coordination of Humanitarian Affairs (Escritório das Nações Unidas
de Coordenação de Assuntos Humanitários)
OEA – Organização dos Estados Americanos
OHCHR/ ACNUDH – Office of the High Commissioner for Human Rights (Escritório do
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos)
OIOS – Office of Internal Oversight Services (Escritório de Serviços de Investigação Interna)
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OLA – Office of Legal Affairs (Escritório de Assuntos Legais)
ONUCA – United Nations Observer Group in Central America (Grupo de Observação da
ONU na América Central)
OPCW/OPAQ – Organization for the Prohibition of Chemical Weapons (Organização para
Proibição de Armas Químicas)
OPEP – Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo
OSAA – The UN Office of the Special Adviser on Africa (Escritório do Conselheiro Especial
para África)
OSCE – Organização para Segurança e Cooperação na Europa
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
OUA – Organização da União Africana
PNUD – Programa da ONU para o Desenvolvimento
SADC – Southern African Development Community (Comunidade do Sul da África para o
Desenvolvimento)
SEATO – Organização do Tratado do Sudeste Asiático

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SELA – Sistema Econômico Latino-Americano
SRSG/CAAC – UN Office of the Special Representative of the Secretary General
for Children and Armed Conflict (Escritório do Representante Especial do Secretário-Geral
para Crianças e Conflitos Armados)
TIAR – Tratado Interamericano de Defesa
UA – União Africana
UE – União Europeia
UIA – União das Associações Internacionais
UN/HABITAT – United Nations Human Settlements Programme (Programa das Nações
Unidas para Assentamentos Humanos)
UNAIDS – The Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre HIV/Aids)
UNASUL – União de Nações Sul-Americanas
UNCDF – United Nations Capital Development Fund (Fundo das Nações Unidas para o
Desenvolvimento de Capital)
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development (Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)
UNDP/PNUD – United Nations Development Programme (Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento)
UNEP/PNUMA – United Nations Environment Programme (Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente)
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change (Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática)
UNFPA – United Nations Population Fund (Fundo das Nações Unidas para a População)
UNFRA – United Nations Population Fund (Fundo da ONU para População)
UNHCR/ACNUR – United Nations High Commissioner for Refugees (Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados)
UNICEF – United Nations Children’s Fund (Fundo das Nações Unidas para a Infância)
UNICRI – United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute (Instituto
Interregional das Nações Unidas para Pesquisas sobre Delinquência e Justiça)
UNIDIR – United Nations Institute for Disarmament Research (Instituto das Nações
Unidas para a Investigação sobre Desarmamento)
UNIDO – United Nations Industrial Development Organization (Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial)
UNIFEM – United Nations Development Fund for Women (Fundo de Desenvolvimento da
ONU para a Mulher)

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UNISDR – The United Nations Office for Disaster Risk Reduction (Estratégia Internacional
das Nações Unidas para Redução de Desastres)
UNITAR – The United Nations Institute for Training and Research (Instituto das Nações
Unidas para a Formação e Investigação)
UNMIK – United Nations Interim Administration Mission in Kosovo (Missão de
Administração Interina da ONU no Kosovo)
UNMISET – United Nation Mission in Support of East Timor (Missão de Apoio da ONU ao
Timor Leste)
UNODA – United Nations Office for Disarmament Affairs (Escritório das Nações Unidas
para Assuntos de Desarmamento)
UNODC – United Nations Office on Drugs and Crime (Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime)
UNOG - United Nations Office at Geneva (Escritório das Nações Unidas em Genebra)
UN-OHRLLS – United Nations Office of the High Representative for the Least Developed
Countries, Landlocked Developing Countries and Small Island Developing States (Escritório
do Alto Representante para os Países Menos Desenvolvidos, Países em Desenvolvimento
Sem Saída para o Mar e Países Insulares em Desenvolvimento)
UNON - United Nations Office at Nairobi (Escritório das Nações Unidas em Nairóbi)
UNOPS – United Nations Office for Project Services (Escritório das Nações Unidas de
Serviços para Projetos)
UNOV – United Nations Office in Vienna (Escritório das Nações Unidas em Viena)
UNRISD – United Nations Research Institute for Social Development (Instituto de Pesquisa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social)
UNRWA – United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East
(Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos)
UNSSC – United Nations System Staff College (Escola de Funcionários das Nações Unidas)
UNTAC UN – Transitional Authority in Cambodia (Autoridade de Transição da AC
UNONU no Camboja)
UNTAG UN – Transition Assistance Group in Namíbia (Grupo da ONU de Assistência à
Transição na Namíbia)
UNU – United Nations University (Universidade das Nações Unidas)
UNV/VNU – United Nations Volunteers (Programa de Voluntários das Nações Unidas)
UN-Women/ ONU Mulheres – The United Nations Entity for Gender Equality and the
Empowerment of Women (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o
Empoderamento das Mulheres)
UNWTO/OMT – United Nations World Turism Organization (Organização Mundial do
Turismo)
UPU – Universal Postal Union (União Postal Universal)

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WFP/PMA – World Food Programme (Programa Mundial de Alimentos)
WHO/OMS – World Health Organization (Organização Mundial da Saúde)
WIPO/OMPI – World International Property Organization (Organização Mundial de
Propriedade Intelectual)
WMO/OMM – World Metereological Organization (Organização Meteorológica Mundial)
WTO/OMC – World Trade Organization (Organização Mundial do Comércio)

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19
20
CAPÍTULO

1
Organizações Internacionais: Definição e História

PRINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS


As organizações internacionais e os outros mecanismos de estabilização do sistema internacional.
O que são organizações internacionais, quais são os papéis que preenchem e como funcionam.
Quem são os servidores públicos internacionais.
Quais são os antecedentes das organizações internacionais contemporâneas.
Como surgiram as organizações internacionais modernas.

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Definição de Organizações Internacionais
As Organizações Intergovernamentais Internacionais (OIG), formadas por Estados, e as
Organizações Não Governamentais Internacionais (ONGI) são a forma mais
institucionalizada de realizar a cooperação internacional. A simples observação do número
de organizações existentes hoje atesta sua importância: cerca de 238 OIGs e de 6.500
1
ONGIs.
A rede de organizações internacionais faz parte de um conjunto maior de instituições que
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garantem certa medida de governança global. Normas, regras, leis, procedimentos para a
resolução de disputas, ajuda humanitária, utilização de força militar, programas de
assistência ao desenvolvimento, mecanismos para coletar informações são algumas das
práticas que produzem a governança global.
O caráter permanente das OIGs as diferencia de outras formas de cooperação
internacional com um nível mais baixo de institucionalização. As organizações
internacionais são constituídas por aparatos burocráticos, dispõem de orçamentos e estão
alojadas em prédios. As OIGs empregam servidores públicos internacionais, mas devemos
salientar que outros atores fazem parte do vasto conjunto envolvido no processo de
governança global, como grupos de especialistas, redes globais envolvendo indivíduos,
agências governamentais, corporações e associações profissionais. O conceito de governança
se tornou central no debate internacional a partir dos anos 1990 buscando responder à
crescente complexidade da interação social no âmbito internacional. Ele se distingue da ideia
de governo uma vez que as regras e os mecanismos gerados não são garantidos por uma
autoridade soberana. Trata-se assim de um conceito mais amplo, que envolve a cooperação,
regras e normas que geram limites e possibilidades para as relações sociais, além de
permitirem a resolução de conflitos e problemas em diversas áreas de convivência,
envolvendo atores, processos e estruturas. Voltaremos a esse conceito no Capítulo 4.
O sistema internacional tem sido caracterizado, desde a gestação da disciplina de relações
internacionais durante as primeiras décadas do século XX, como um sistema político
anárquico, tendo esse conceito adquirido diferentes significados ao longo da história e de
acordo com diferentes tradições teóricas. Contudo, a ideia de que a ausência de um Estado
supranacional gera uma prática social e política específica, em particular no que se refere ao
uso legítimo da violência e à ausência de uma instância central geradora de normas legítimas
e sancionadas, é um denominador comum mínimo. Nesse contexto, ao longo da história de
mais de quatro séculos do sistema internacional moderno, inúmeros mecanismos de
estabilização do sistema foram gerados. Arranjos ad hoc, o multilateralismo, os regimes
internacionais, as alianças militares e a segurança coletiva estão diretamente associados ao
processo de criação das OIGs. O balanço de poder, as zonas de influência, a estabilidade
hegemônica, o Concerto de Estados, o direito internacional, as práticas diplomáticas, a
cultura internacional são também muito significativos.
Arranjos ad hoc, ou seja, formas de cooperação voltadas para um problema específico em
um tempo determinado, muitas vezes dão origem às OIGs. Quando o espaço institucional
apropriado para uma negociação ou para a realização de um projeto específico não está
disponível, os atores interessados geram um arranjo ad hoc, com uma ou várias reuniões de
cúpula ou conferências internacionais. Dessa maneira, em meados dos anos 1970 e em face
3
dos problemas econômicos do período surgiu o Grupo dos Sete . Da mesma forma, a
Conferência de Ottawa surgiu para eliminação de minas antipessoais em dezembro de 1997 e

22
os tribunais, para julgamento de crimes contra a humanidade gerados pelo Conselho de
Segurança da ONU para casos específicos. A experiência com cortes ad hoc para julgamento
de crimes contra a humanidade foi fundamental para o processo de criação do Tribunal
Penal Internacional em 2002.
4
O multilateralismo, ou seja, a coordenação de relações entre três ou mais Estados de
acordo com um conjunto de princípios, já representa um passo adiante no processo de
institucionalização das relações internacionais. Três conceitos definem a prática do
multilateralismo, segundo John Ruggie (1993). Princípios norteiam a coordenação entre os
Estados, como o princípio da não discriminação ou nação mais favorecida, o qual governa o
5
regime de comércio multilateral. O conceito de indivisibilidade indica que os princípios
acordados são aplicados a todos os Estados envolvidos. Finalmente, o conceito de
reciprocidade difusa, mais amplo e abstrato do que a ideia de troca mútua, marca essa
arquitetura das relações internacionais. A associação entre o multilateralismo e as OIGs é
intensa, pois provê o espaço social e os recursos necessários para a prática do
multilateralismo poder avançar. Por outro lado, os princípios, a lógica da indivisibilidade e a
reciprocidade difusa favorecem o processo de legitimação das OIGs no sistema
internacional.
No passado, tratados e acordos tendiam a ser bilaterais ou regionais, mas em décadas mais
recentes têm sido parte de arranjos multilaterais, lidando com problemas cada vez mais
complexos no campo econômico, político e social. Desse modo, muitas vezes, observamos a
formação de regimes internacionais. Regimes são arranjos que os Estados constroem para
reger as relações entre eles em uma área específica, como o regime de comércio, o regime
monetário, os regimes de proteção de espécies animais e vegetais em perigo de extinção, o
regime de navegação em oceanos ou o regime de comunicação postal. A definição clássica de
regimes é:
“Um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios em torno dos quais as expectativas
dos atores convergem em uma área temática.” (Krasner, 1982, p. 1).
Os princípios são ideias gerais sobre como o mundo funciona, ou como ele deveria
funcionar, e as normas estabelecem as obrigações e os direitos dos atores. Esses são os
elementos fundamentais dos regimes. Uma mudança dos princípios ou das normas de um
regime representa uma modificação da sua natureza. As regras e os procedimentos
decisórios referem-se à operacionalização do regime.
Em diversos casos os regimes internacionais produzem organizações internacionais, que
emergem como resultado da existência de normas e expectativas comuns. Alguns regimes
produzem um conjunto de organizações, como é o caso do regime de proteção aos direitos
humanos; outros são administrados com base em um conjunto de organizações mais
abrangentes; existem ainda regimes claramente associados a uma organização internacional,
o regime de comércio.
As alianças militares são coalizões de Estados formadas para enfrentar um inimigo real ou
potencial. Elas geram a agregação de forças militares e outros recursos para a defesa coletiva
da coalizão. Dessa forma, seus Estados-membro adquirem uma posição mais favorável no
contexto dos conflitos em que estão envolvidos. Essas alianças podem ser ofensivas ou
defensivas e ter maior ou menor grau de institucionalização. Contudo, nem todas as
coalizões constituem uma aliança; às vezes elas são apenas um arranjo ad hoc, como foi o
caso da coalizão de países formada em 1990 e 1991 para libertar o Kuwait da ocupação

23
iraquiana. Algumas alianças geram a formação de organizações, como é o caso da OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), criada em 1949 para enfrentar a União
Soviética.
O conceito de segurança coletiva, discutido no Capítulo 3, visa dissuadir qualquer Estado
de usar a agressão para alcançar seus objetivos, já que todos se comprometem a reagir
coletivamente no caso de ameaças à paz ou à segurança de qualquer Estado. A Liga das
Nações e a ONU foram criadas, em parte, para realizar o sistema de segurança coletivo.
ALGUNS MECANISMOS DE ESTABILIZAÇÃO
DO SISTEMA INTERNACIONAL

• Arranjos ad hoc: Criados para gerar cooperação em um momento específico.


• Multilateralismo: Prática que envolve o estabelecimento de princípios que norteiam a
relação entre os atores. A indivisibilidade e a reciprocidade difusa também o caracterizam.
• Regimes internacionais: Princípios, normas, regras e procedimentos que regulam as
relações entre os atores em uma área específica.
• Alianças militares: Coalizões entre Estados formalizadas para enfrentar ameaças externas
a elas.
• Segurança coletiva: Sistema baseado no compromisso de uma reação coletiva no caso de
ameaça à paz ou à segurança de qualquer Estado.
• Balanço de poder: Sistema flexível de alianças entre Estados designado para evitar a
preponderância de um determinado Estado. A sua base é a expectativa comum de que,
quando as relações de poder mudam, os Estados irão continuamente mudar suas alianças
para manter um equilíbrio e evitar a gestação de um sistema hegemônico ou de um
império.
• Zonas de influência: São regiões em que uma potência exerce influência predominante,
limitando a independência e a liberdade de ação das entidades políticas. Durante a Guerra
Fria, o respeito pelas zonas de influência da União Soviética e dos Estados Unidos era uma
das normas que garantia a estabilidade do sistema.
• Estabilidade hegemônica: Refere-se ao papel de uma potência hegemônica que garante
instituições internacionais, como no caso da pax britânica no século XIX ou da pax
americana após a Segunda Guerra Mundial.
• Concerto de Estados: Sistema de conferências entre as grandes potências do século XIX
para a administração coletiva de suas relações. Pode também ser utilizado como um
conceito aplicável a qualquer momento histórico em que as grandes potências assumem
coletivamente a administração do sistema internacional através de negociações.
• Direito internacional: Conjunto de normas e princípios encontrados nos tratados e
convenções internacionais e oriundos do costume.
• Práticas diplomáticas: Processos de negociação, formação de acordos e assinatura de
tratados e o exercício de influência e pressão pelos Estados realizados por meio de canais
de comunicação diplomáticos. As normas da diplomacia permitem o contínuo fluxo de
comunicação, mesmo em situações de conflito ou até de guerra.

24
• Cultura internacional: Valores e normas universalizados, como resultado da intensificação
das relações entre diferentes atores no sistema internacional.
A criação das OIGs é uma decisão dos Estados, que delimitam sua área de atuação inicial.
Um tratado internacional estabelece os objetivos e poderes da organização. As grandes
potências têm um papel crucial nesse processo. O exemplo mais claro é o impulso dado pelo
governo norte-americano para a criação de uma série de OIGs no pós-Segunda Guerra. A
criação da ONU e de uma rede de agências especializadas nos anos 1940, em particular as
instituições de Bretton Woods (BIRD, Banco Mundial e FMI, Fundo Monetário
Internacional), refletia o interesse norte-americano em promover o comércio global,
estabelecendo uma ordem internacional em que a democracia e o capitalismo pudessem
florescer. Todavia, outros países − particularmente potências médias como Canadá,
Austrália, Noruega, Suécia, Brasil, Índia e Nigéria − podem adquirir influência significativa
no delineamento do papel e do funcionamento das OIGs, caso seja feita a opção de um
investimento importante nesse campo, como a formação de uma coalizão.
As OIGs são, ao mesmo tempo, tanto atores centrais do sistema internacional, fóruns nos
quais ideias circulam, se legitimam, adquirem raízes e também desaparecem, quanto
mecanismos de cooperação entre Estados e outros atores. As OIGs são atores, uma vez que
adquirem relativa autonomia em relação aos Estados-membro e elaboram políticas e
projetos próprios, além de poderem ter personalidade jurídica, de acordo com o direito
internacional público.
No âmbito das organizações internacionais, está em curso um processo social complexo
em que normas são criadas. Conhecimento é formado, e tarefas que cabem à comunidade
internacional são definidas, tais como gerar desenvolvimento. Surgem novas categorias,
como refugiados; difundem-se modelos de organização social e política, como a democracia
6
liberal; e os próprios Estados podem redefinir seus interesses a partir dessa interação.
Sua contribuição para a cooperação entre os Estados-membro envolve a criação de um
espaço social e até físico, no qual é possível realizar negociações de curta, média e longa
duração, além de uma máquina administrativa que traduz essas decisões em realidade. A
existência de uma burocracia permanente abre a possibilidade de uma reação rápida em
momentos de crise, favorece a elaboração de projetos de assistência técnica, ajuda
humanitária, cooperação científica, entre outros. A própria legitimação de novos Estados
soberanos, fenômeno frequente ao longo do processo de descolonização e no final da Guerra
Fria, realiza-se no contexto das OIGs. Hoje, o ritual de inserção de um novo país na
comunidade internacional tem como foco sua incorporação à ONU.
Além de contribuir para a gestação de normas e regras, as OIGs fornecem mecanismos
para garantir a aquiescência a essas normas e regras. Nesse sentido, a coleta, a análise e a
disseminação de informação são cruciais, como os diferentes mecanismos de
monitoramento dos Estados. Cria-se, assim, um ambiente propício à expectativa de
reciprocidade, e o próprio autointeresse dos Estados pode levá-los a se comportar de acordo
com normas e regras. Quanto maior a expectativa difundida no sistema de que todos ou
quase todos os atores vão respeitar normas e regras, maior a probabilidade de que sejam
respeitadas. Trata-se da expressão concreta do conceito de reciprocidade difusa. As
organizações internacionais também podem, em certas circunstâncias, coagir atores a
respeitar normas e regras por meio de pressão política, imposição de sanções ou até o uso de
força militar.

25
A necessidade de administrar a cooperação deve ser tratada com atenção. Abraam Chayes
e Antonia Chayes apontam em seu trabalho fontes de não aquiescência às normas
internacionais: ausência de clareza no texto do tratado, capacidade limitada das partes de
realizar suas responsabilidades e problemas do período de adaptação às novas condições
criadas pelos tratados (Chayes & Chayes, 1998). As OIGs têm um papel central nesse campo:
o aparato burocrático pode proporcionar formas de resolver disputas sobre as determinações
de um tratado e diferentes formas de assistência técnica e financeira.
Finalmente, as OIGs podem favorecer a legitimação de normas e regras, ou seja, fazer a
maior parte dos atores do sistema internacional acreditarem que elas devem ser respeitadas,
7
gerando um sentimento de obrigação moral. As normas e as regras adquirem legitimidade
por dois processos: o procedimento que leva a sua criação, como o processo decisório de
uma organização, e seu tema substantivo. Determinados temas, como a proteção do meio
ambiente e a defesa dos direitos humanos, passam a compor a cultura internacional, sendo
tratados com base em valores disseminados.
As organizações (OIGs e ONGIs) podem adquirir autoridade e então exercer poder no
sistema internacional. Isso é possível apenas quando se tornaram atores com legitimidade
reconhecida por um conjunto significativo dos atores. Evidentemente, a forma que a
autoridade assume no sistema internacional é descentralizada, ao contrário dos sistemas
políticos nacionais, mas isso não significa que ela não esteja presente (Hurd, 1999). As
organizações internacionais adquirem autoridade à medida que produzem bens públicos. As
OIGs são dependentes dos Estados para adquirir legitimidade se os Estados não aderem a
uma organização, ela não será um ator ou fórum legítimo.
Michael Barnett e Martha Finnemore apresentam duas fontes de poder das OIGs: a
legitimidade da autoridade racional-legal, baseada em procedimentos, regras e normas legais
impessoais e racionais, e o controle sobre conhecimento técnico e informativo. As OIGs são
burocracias modernas, portanto esses atributos, também presentes em outras organizações
burocráticas, podem ser encontrados nelas (Barnett & Finnemore, 1999). Para que possam
realizar suas funções como fóruns produtores de normas e garantir aquiescência às mesmas,
as OIGs enfrentam o problema da legitimidade. Essa é uma questão presente na ação política
de uma forma geral, mas as OIGs enfrentam dificuldades específicas como a ausência de
uma cultura comum robusta ou da possibilidade de impor decisões com o uso da força, à
exceção de casos extremos. Hoje, uma comunidade política não se constitui de fato no nível
internacional.
Alguns padrões de constituição e funcionamento caracterizam as OIGs. A participação é
voluntária, embora hoje a pressão para que os Estados façam essa opção seja imensa. Elas
devem conter um instrumento jurídico básico que estabelece seus objetivos, sua estrutura e
suas formas de operação. Ademais as organizações internacionais constituem um
conhecimento específico e uma memória sobre sua atuação.
Quanto ao processo decisório, as OIGs são, em geral, compostas por um corpo de
representação ampla, como uma conferência ou assembleia; por um secretariado
permanente, responsável pelas tarefas administrativas; e, em muitos casos, por um corpo
8
menor com uma representação mais restrita. O voto por maioria, o voto proporcional ou
qualificado e a delegação do poder de veto a um grupo restrito de países são práticas
amplamente disseminadas. O princípio de “um Estado, um voto” expressa o respeito pelo
princípio da igualdade de soberania. As decisões baseadas no consenso, ou seja, todos os

26
países têm poder de veto, expressam o respeito pelo princípio da soberania — os Estados têm
autoridade em última instância para decidir sobre questões domésticas e internacionais.
Contudo, esses dois formatos não caracterizam grande parte dos processos decisórios nas
OIGs. Muitas vezes, o processo decisório varia de acordo com o tema tratado.
O processo decisório dentro das organizações intergovernamentais convive com a tensão
entre o conceito de soberania e a produção de decisões que implicam a flexibilização desse
mesmo conceito, pois geram uma interferência externa nos assuntos de política externa e
doméstica dos Estados. Na maior parte das organizações, o processo decisório é baseado em
instâncias intergovernamentais, ou seja, os Estados estão representados; no entanto, algumas
incluem instâncias supranacionais, em que o órgão decisório não é composto por
representantes de Estados. Poucas organizações adquirem autoridade supranacional sobre os
Estados-membro, e a maior parte das decisões são recomendações, que somente serão
implementadas se os Estados fizerem essa opção.
Inis Claude resume as ideias que nortearam a geração desses padrões:
“O igualitarismo do direito internacional tradicional, o conceito de vontade da maioria da filosofia
democrática e o elitismo da diplomacia das grandes potências europeias foram transferidos para a esfera
das organizações internacionais, para funcionar como elementos concorrentes, na formação de uma
perspectiva sobre o processo decisório internacional.” (Claude, 1984, p. 118).
No entanto, essa realidade está mudando tanto do ponto de vista do processo decisório,
quanto no que se refere à capacidade de intervenção das OIGs em assuntos domésticos. A
União Europeia, por exemplo, contém elementos supranacionais importantes em seu
processo decisório, e os mecanismos de monitoramento da Agência para Energia Atômica
Internacional (IAEA, International Atomic Energy Agency) permitem acesso às instalações
9
nucleares sem aviso prévio aos governos-alvo.
As OIGs podem ser tratadas como um conjunto, com uma série de características
comuns, como acabamos de discutir. Ademais, hoje, uma cultura que envolve o binômio
segurança/desenvolvimento é compartilhada pela maior parte das OIGs. No entanto, as
variações também são significativas. Cada OIG acaba gerando uma subcultura própria, assim
como organizações em todas as esferas sociais. O FMI (Fundo Monetário Internacional), por
exemplo, e a UNDP (United Nations Development Program — Programa da ONU para o
Desenvolvimento) adotam visões muito distintas quanto ao crescimento econômico e ao
desenvolvimento. Elas também se diferenciam bastante quanto a seu tamanho e suas
funções. Algumas são compostas por apenas três membros, outras contam com quase a
totalidade dos Estados do sistema. Algumas têm funções bastante específicas e técnicas,
enquanto outras lidam com a governança global de uma forma ampla.
Essa variação abre a possibilidade para a classificação das organizações segundo diversos
critérios, ressaltando-se o geográfico. Algumas organizações são regionais, como a OEA
(Organização dos Estados Americanos) ou a ASEAN (Association of Southeast Asian
Nations — Associação das Nações do Sudeste Asiático); outras são globais, como a OMC
(Organização Mundial do Comércio) ou a OMS (Organização Mundial da Saúde).
As organizações podem ainda ser classificadas segundo as funções que exercem: umas
gerais, ou seja, exercem um conjunto muito variado de funções e não são definidas por estas;
outras especializadas, como a UNICEF (United Nations Children’s Fund — Fundo da ONU
para as Crianças) ou OIT (Organização Internacional do Trabalho).
As ONGIs são voluntárias, com membros individuais ou coletivos de diversos países.
Algumas organizações se voltam para causas como direitos humanos, paz ou proteção

27
ambiental. ONGIs são formadas também para prover serviços específicos, como a ajuda
humanitária e a assistência ao desenvolvimento. Em alguns casos, são redes ou federações de
organizações com base nacional, como a Federação das Sociedades da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho ou os Médicos Sem Fronteiras.
As relações entre as ONGIs e as OIGs são cada vez mais densas. As grandes conferências
internacionais organizadas desde os anos 1970, mais particularmente a partir dos anos 1990,
são espaços privilegiados de interação entre esses dois tipos de organizações.
As organizações internacionais enfrentam um conjunto de desafios: dificuldades para
gerar aquiescência às normas criadas, acesso a financiamento, problemas de coordenação
entre agências e diferentes organizações e mecanismos de legitimação. A efetividade das
decisões tomadas em um mundo em que ainda impera o princípio da soberania estatal é
outra questão muito discutida. Pergunta-se quanto as organizações internacionais podem
mudar o comportamento dos Estados e de outros atores e qual o grau de legitimidade das
normas produzidas por elas. Diferentes teorias, como veremos a seguir, darão respostas
diferenciadas a essas questões.

28
O Funcionário Público Internacional
Com o surgimento das organizações internacionais modernas no século XIX, tornou-se
necessário empregar servidores públicos internacionais que se distinguem das delegações
nacionais que representam os Estados em cada organização. O desenvolvimento das
burocracias internacionais expressa um aspecto supranacional de cada organização
internacional. Os primeiros secretariados foram criados nos anos 1860 e 1870, para garantir
o funcionamento da União Telegráfica Internacional, da União Postal Universal e do
Escritório Internacional de Pesos e Medidas. A necessidade de gerar uma memória e
organizar uma agenda são os propulsores iniciais para a criação dos secretariados das
organizações.
De início, foram recrutados servidores nos países-sede dessas organizações. Apenas com o
estabelecimento da Liga das Nações foi estabelecida a noção de um serviço público
internacional, de caráter multinacional, com responsabilidade apenas perante a organização
a qual serve.
O surgimento da versão de um servidor público está associado ao papel do secretário-
geral da Liga das Nações, que deveria, segundo o Pacto da Liga, nomear seu próprio
secretariado. Sir Eric Drummond, o primeiro secretário-geral da Liga, que trouxe para a
organização a visão de um serviço público imparcial e profissional, de acordo com a tradição
britânica com a qual convivera. Sua discreta liderança favoreceu a criação da norma de um
secretariado multinacional em termos de composição e internacional no que se refere à
lealdade. A Carta da ONU, em seus artigos 100 e 101, e os tratados que criaram cada uma das
agências especializadas do sistema ONU incorporam essa norma. A Convenção Geral sobre
Privilégios e Imunidade, aprovada pela Assembleia Geral em 1946, enumera os privilégios e
imunidades para categorias específicas de funcionários. Os secretários-gerais e secretários-
gerais assistentes têm imunidade diplomática plena.
Ao longo da primeira metade do século XX, a norma da internacionalização do servidor
público fortaleceu-se e pode ser considerada fundamental para o funcionamento eficaz e
para a legitimidade das organizações internacionais. O princípio multinacional está presente
na composição e no funcionamento da ONU. O artigo 101 da Carta prevê que a origem dos
funcionários será considerada no processo de contratação, buscando estabelecer uma
distribuição geográfica ampla, embora se mantenham os critérios da eficiência e das
necessidades operacionais. O caráter multinacional da organização é refletido na presença de
uma variedade de culturas e no estabelecimento de seis idiomas oficiais (inglês, francês,
russo, chinês, espanhol e árabe).
A relação entre os servidores públicos internacionais e os governos nacionais gera tensões
inevitáveis, haja visto que os servidores continuam sendo cidadãos de seus países com
obrigações e direitos. Além disso, diferentes governos nacionais podem perceber a presença
de servidores originários de seus países em posições de destaque como forma de influenciar
o processo político interno das organizações. Um caso que exemplifica o problema em pauta
é a crise que envolveu a demissão de 18 funcionários norte-americanos em 1952-53. No
contexto dos expurgos anticomunistas nos Estados Unidos, funcionários foram acusados de
ter inclinações comunistas. Com a recusa de testemunhar diante do Subcomitê de Segurança
Interna, dirigido pelo senador Joseph McCarthy, o secretário-geral Thygve Lie decidiu, em
meio a uma crise sem precedentes, demiti-los e permitiu investigações dentro da ONU por
parte do FBI e da Comissão de Serviço Público dos Estados Unidos. O debate gerado por esse

29
evento favoreceu o fortalecimento da independência do Secretariado, e Dag Hammarskjold,
sucessor de Lie, retirou a permissão para as investigações norte-americanas.
As estruturas e as atividades do Secretariado da ONU e de outras organizações cresceram
significativamente na segunda metade do século XX. Enquanto a Liga das Nações funcionava
com cerca de 700 funcionários, o Secretariado da ONU emprega atualmente cerca de 40.000
10
funcionários e o Sistema ONU como um todo emprega mais de 80.000 funcionários . As
principais tarefas dessa burocracia são guardar a memória da organização, gerar um debate
interno sobre sua própria atuação, criar um ambiente propício para a realização de
negociações internacionais e realizar os projetos específicos de cada organização.
Os secretários-gerais das diferentes organizações têm impactos diferenciados sobre a
direção dessas organizações, dependendo, em grande medida, de suas personalidades, do
conjunto de alianças específicas que os mantém no topo da burocracia da organização e das
condições geradas pela política internacional em cada momento histórico. Em alguns casos,
o secretário-geral detém a capacidade de influir significativamente; em outros, apenas
expressa, em seu comportamento, as posições dos países ou das alianças mais influentes.
Cada organização estabelece o grau de autonomia conferido ao secretário-geral. No caso da
ONU, os artigos 98 e 99 da Carta abrem as portas para que a função do (ou da) secretário(a)-
geral seja politizada, pois a Assembleia e o Conselho podem delegar novas funções ao (ou à)
secretário(a)-geral e ele (ou ela) pode trazer à atenção do Conselho de Segurança qualquer
questão que ameace a manutenção da paz e da segurança internacional. Os secretários-gerais
encontram-se em uma posição estratégica, na interseção entre os setores administrativos e
políticos das organizações, tendo de lidar com os aspectos supranacionais e
intergovernamentais da organização. Ao mesmo tempo que dirigem uma burocracia que
deve ter independência em relação às representações nacionais, os secretários-gerais têm a
função de negociar com os representantes dos diferentes países para garantir a aprovação de
decisões e a realização de operações. Muitas vezes, a ausência de clara definição de como
realizar uma tarefa, ou mesmo a ambiguidade de uma resolução, permite ao secretário-geral
exercer suas atividades diplomáticas com relativa autonomia.
O secretário Hammarskjold, por exemplo, exerceu essa autonomia diversas vezes, como
na negociação da disputa entre o Camboja e a Tailândia, entre 1958 e 1960, ou durante a
crise do Congo, em 1960/61. Nesse segundo caso, a ação do secretário diante da crise da
operação da ONU levou a União Soviética a propor sua deposição e substituição por um
grupo de três líderes representando o ocidente, o bloco comunista e os países independentes.
Hammarskjold, contudo, foi mantido no cargo até sua morte, em setembro de 1960.

30
História das Organizações Internacionais
A maior parte das organizações internacionais com as quais convivemos hoje foi criada a
partir da segunda metade do século XX. Entretanto, para compreendermos o fenômeno, é
importante voltarmos para o século anterior, quando foram estabelecidas as bases para as
práticas das organizações internacionais intergovernamentais e quando surgiram as
primeiras ONGIs.
As organizações internacionais passaram a ter maior relevância na política internacional
no século XIX. No entanto, a Liga de Delos (478 a.C.-338 a.C.), criada para facilitar a
cooperação militar entre as cidades-Estado gregas, e a Liga Hanseática, uma associação de
cidades do norte da Europa que facilitou a cooperação no campo comercial entre o século XI
e XVII, podem ser consideradas congêneres de períodos anteriores. Devemos lembrar ainda
11
que diversos autores, como Emeric Crucé, Abbé de Saint Pierre e Immanuel Kant,
desenvolveram propostas de transformação do sistema internacional, que são precursoras
das propostas que acabariam gerando as modernas organizações internacionais.
As grandes conferências de Estados ocorridas desde o século XVI, e que contribuíram
para fixar muitas das normas que definem as relações internacionais modernas, também são
precursoras das OIGs. Finalmente, a prática do multilateralismo, desde os primeiros séculos
da era moderna, está associada à história das organizações internacionais. O estabelecimento
12
do princípio do mar territorial, que estendia a soberania do Estado e definia o acesso ao
13
alto mar, segundo a proposta de Hugo Grotious, foi um importante marco, uma regra que
deveria ser aplicada a todos os Estados.
Inis Claude salienta que quatro pré-requisitos são necessários para o desenvolvimento de
OIGs: a existência de Estados soberanos; um fluxo de contatos significativo entre eles; o
reconhecimento pelos Estados dos problemas que surgem de sua coexistência e da
14
necessidade da criação de instituições; e métodos sistemáticos para regular suas relações
(Claude, p. 21). Essa era a realidade no século XIX, que permitiu a criação de um conjunto
de OIGs. O processo de industrialização gerou avanços nos transportes e nas comunicações e
produziu problemas impossíveis de serem resolvidos no âmbito do Estado-nação. O
aumento da produção e do comércio, aliado à penetração do imperialismo europeu, permitiu
a criação de uma rede complexa de relações econômicas em todo o globo. Da mesma forma,
a maior interação entre as elites e as lideranças de movimentos sociais na Europa e nos
Estados Unidos favoreceu o estabelecimento das primeiras organizações não governamentais
de caráter internacional.
O Concerto de Estados Europeu, sistema de conferências iniciado após o fim das guerras
napoleônicas com o Congresso de Viena de 1815, foi um importante antecessor das
modernas OIGs. As conferências não eram apenas encontros para acertar tratados de paz,
como era a prática até então, mas um fórum no qual as grandes potências — Prússia,
Áustria, Rússia, Grã-Bretanha e França (a partir de 1818) — lidavam com a ordem
internacional de uma forma mais geral. Assim, durante o Congresso de Viena, as regras da
diplomacia foram codificadas. A distribuição de poder no sistema de Estados, as regras do
jogo imperialista, a formulação de uma legislação internacional e a manutenção da paz entre
os Estados europeus foram os principais temas tratados ao longo do século. O princípio da
consulta mútua foi estabelecido, e a prática da diplomacia multilateral atingiu um novo
patamar, embora ainda não tivesse sido criada uma organização para lidar com a segurança

31
internacional. O Concerto Europeu baseava-se na ideia de que as grandes potências tinham
responsabilidades e direitos especiais. Por conseguinte, os Estados menores não
participavam das deliberações, e o interesse geográfico limitava-se à Europa, embora
disputas coloniais entre europeus fossem negociadas.
Ao final do século XIX, o Czar russo, Nicolas II, propôs a convocação de uma conferência
sobre desarmamento. O sistema de Haia, criado no contexto das duas conferências de paz,
em 1899 e 1907, representou uma mudança qualitativa em termos de universalização da
administração do sistema internacional. O número, a distribuição geográfica e o tamanho
dos Estados representados atestam para a mudança em curso. Enquanto na primeira
conferência estiveram presentes 26 Estados (inclusive China, Sião, México e Estados
Unidos), na maior parte europeus; na segunda conferência 44 Estados enviaram delegados,
tendo sido incorporados os países latino-americanos.
O desenvolvimento do direito internacional, a formulação de procedimentos para a
resolução pacífica de disputas, a codificação das leis e costumes quanto à condução da guerra
visavam criar melhores condições de convivência internacional. A preocupação com a paz
em abstrato, não apenas com a resolução de conflitos ou crises específicas, faz parte de uma
nova perspectiva sobre a administração coletiva do sistema internacional. Nesse sentido,
podemos dizer que as Conferências de Haia desenvolveram uma perspectiva racionalista e
legalista para a administração do sistema internacional, buscando criar regras baseadas na
razão para lidar com os conflitos internacionais. A Convenção para a Resolução Pacífica de
15
Disputas, adotada em 1899, e a criação de uma Corte de Permanente de Arbitragem são os
resultados institucionais mais concretos desse processo.
O grau de institucionalização introduzido pelo sistema de Haia anunciava tendências que
só se realizariam plenamente com a criação da Liga das Nações. A ideia era criar um sistema
de conferências regulares, sem haver a necessidade de uma convocação. Esse foi um marco
relevante para a história das OIGs. Ademais, a assembleia de 1907 propôs que um comitê
preparatório deveria ser criado para preparar a conferência seguinte. Planejou-se até mesmo
uma sede. As resoluções eram aprovadas por consenso, mas as recomendações passavam
com voto por maioria. Esse foi um momento crucial na gestação de uma cultura
internacional, que permitiria produzir a Liga das Nações e a ONU anos depois. Além disso, o
legalismo e o racionalismo que marcaram as conferências iriam inspirar a criação da Corte
de Justiça Permanente e da Corte de Justiça Internacional.
Contudo, a terceira conferência, programada para 1915, não foi realizada, como resultado
do início dos combates da Primeira Guerra Mundial. Os projetos de introduzir o controle de
armamentos ou o estabelecimento de um mecanismo de arbitragem compulsória não foram
realizados, e a eclosão da Primeira Guerra demonstrou a ineficácia do sistema.
A Conferência Pan-americana, reunida em Washington em 1889 e 1890 foi um fórum
regional pioneiro, criando um escritório de divulgação de oportunidades comerciais para
países-membro e instaurando um sistema de conferências regulares que deveriam ser
realizadas a cada cinco anos. A União Internacional dos Estados Americanos, criada então,
foi a primeira organização regional a introduzir uma tradição de institucionalização das
relações entre os países da região e seu fim era limitar a autonomia norte-americana para
intervir militarmente nas Américas. A regularidade foi interrompida pela Primeira Guerra
Mundial, mas a União Pan-americana já havia sido criada em 1910. As Américas tiveram até
a criação do sistema ONU um papel pioneiro no desenvolvimento das OIGs e do direito
internacional.

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No século XIX surgiu um número grande de organizações funcionais, ou uniões públicas
internacionais, como eram chamadas então. As transformações econômicas, a assunção de
maiores responsabilidades econômicas e sociais pelos Estados e o desenvolvimento
tecnológico foram os fatores mais relevantes que contribuíram para esse fenômeno. Criava-
se um novo campo de atuação dos Estados na esfera internacional. O barco a vapor, as
estradas de ferro, o telégrafo, o cabo submarino conectando a França e a Inglaterra a partir
de 1850 fazem parte desse cenário que demandava mais coordenação entre governos. As
comissões geradas para administrar os rios europeus, a União Telegráfica Internacional
criada em 1865 e a União Postal Universal criada em 1874 são as mais notáveis agências do
período.
Um número grande de agências foi criado para responder às necessidades de coordenação
e cooperação em áreas diversas, como saúde, agricultura, tarifas, estradas de ferro, pesos e
medidas, patentes e tráfego de drogas. A necessidade de criar padrões universais no campo
da comunicação, controle de epidemias, pesos e medidas era premente, em particular para
aqueles envolvidos no mundo dos negócios transnacionais. Esse assunto será discutido no
Capítulo 5.
Ainda no século XIX, ONGIs proliferaram com base na percepção da existência de
questões universais, como a paz e os problemas sociais. São associações voluntárias não
governamentais internacionais com objetivos humanitários, religiosos, econômicos,
educacionais, científicos e políticos. A Convenção Mundial antiescravista de 1840 foi um
marco importante na história das ONGIs. Ao final do século, organizações pacifistas
cresceram nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, entre as quais destacamos: o Congresso
Universal para a Paz e a Conferência Interparlamentar. Essas já tinham impacto sobre o
sistema de Estados, sendo a relação entre o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e as
Convenções intergovernamentais de Genebra, de 1864, 1906, 1929 e 1949, o exemplo
paradigmático. Em 1910, é criada a União de Associações Internacionais. Esse tema será
tratado no Capítulo 6.
A criação da Liga das Nações, ao final da Primeira Guerra, foi um evento de fundamental
importância, muito embora a organização tenha entrado para a história como um ícone de
insucesso, tendo sua vida útil terminado com a violência que se espalhou pela Europa nos
anos 1930. Tratava-se da primeira organização internacional universal voltada para a
ordenação das relações internacionais baseadas em um conjunto de princípios,
procedimentos e regras, claramente definidos. O conceito de segurança coletiva é
introduzido pela primeira vez e foi encontrada uma síntese entre o princípio da
responsabilidade especial das grandes potências, que norteou o funcionamento do Concerto
Europeu, e uma lógica universalizante, presente nas conferências de Haia. O Capítulo 3
aborda esse tema. O processo político em curso ao final da Primeira Guerra produziu ainda a
Corte Internacional Permanente de Justiça. Esse tribunal, em contraste com a Corte
Permanente de Arbitragem, foi criado como um tribunal de justiça, ou seja, aplica a lei. Em
1946, a Corte Internacional de Justiça o substituiria.
O início do século XX é um momento histórico em que a crença na conciliação, mediação
ou arbitragem, como formas pacíficas de resolução dos conflitos internacionais, adquire
raízes e se institucionaliza. As organizações internacionais viriam a ter daí um papel central
no desenvolvimento dessas atividades.
MECANISMOS PARA RESOLUÇÃO DE DISPUTAS

33
• Bons ofícios: Quando uma terceira parte (indivíduos, Estados, organizações) oferece o local
e outras facilidades para a realização de uma negociação.
• Mediação: Quando uma terceira parte contribui para a resolução de conflitos por meio da
comunicação, apoio às negociações e, às vezes, propondo soluções.
• Conciliação: Quando se forma uma comissão de conciliação para ajudar as partes a
solucionar a disputa ou a controvérsia.
• Arbitragem: Quando uma terceira parte fornece uma solução para o conflito que as partes
devem aceitar.
• Adjudicação: Quando uma terceira parte oferece solução para o conflito que as partes
devem aceitar através de um tribunal permanente.
A estruturação da ONU é marcada pela realidade política ao final da Segunda Guerra, ou
seja, a afirmação da hegemonia norte-americana no ocidente e o começo da Guerra Fria.
Entretanto, ao mesmo tempo, o sistema ONU − que analisaremos nos Capítulos 3 e 4 − é
depositário das experiências anteriores: da prática de administração das relações
internacionais pelas grandes potências no âmbito do Concerto Europeu, do legalismo do
sistema de Haia, da coordenação de políticas públicas e colaboração em áreas específicas
pelas organizações funcionais e do projeto de um sistema de segurança coletiva da Liga das
Nações. Sucessora legal e lógica da Liga das Nações, a ONU representa o ápice do processo
de institucionalização dos mecanismos de governança do sistema internacional, iniciado no
século XIX.
As grandes guerras, o desenvolvimento econômico, as inovações tecnológicas e o próprio
crescimento do número de Estados no sistema internacional, ocorridos com a desagregação
dos impérios, favoreceram um enorme crescimento do número de OIGs e ONGIs na
segunda metade do século XX. Entre elas, destacamos a formação da Comunidade Europeia
em 1957, fruto de um processo político iniciado ao final da Segunda Guerra Mundial e que
viria a constituir um paradigma para futuros processos de integração regional.
As organizações intergovernamentais regionais proliferaram no cenário internacional a
partir de meados do século passado. A identidade regional, a percepção de que a
interdependência econômica em nível regional pode favorecer o desenvolvimento e
melhorar as condições de competição internacional e as considerações geoestratégicas são
fatores que favoreceram esse processo. Em todos os continentes, podemos observar a criação
de organizações regionais de diferentes tipos.
O final da Guerra Fria trouxe consigo o crescimento do número de países que compõem
as OIGs e um otimismo inicial sobre o papel dessas, deflagrado com a intervenção no Iraque
em 1991, sob a bandeira da ONU, e a Conferência sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro
em 1992. A ONU, a OTAN e a Organização para Segurança e Cooperação na Europa, por
exemplo, incorporaram um número grande de países sucessores da União Soviética. Outras
organizações perderam importância, e o Pacto de Varsóvia e o Conselho para Assistência
Econômica Recíproca encerraram suas atividades em 1991, um exemplo raro de extinção de
organizações internacionais.
O novo ativismo da ONU e de suas agências foi uma característica marcante do período
pós-Guerra Fria. O processo decisório no Conselho de Segurança foi descongelado, e a
organização foi chamada a exercer um papel central na administração da segurança
internacional. Observa-se também um incremento das atividades das agências funcionais

34
com a criação de novas agências e maior ênfase em temas como: meio ambiente, assistência
humanitária, combate às atividades criminais e epidemias, além da proteção aos direitos
humanos e da ajuda ao desenvolvimento.
Por outro lado, a proliferação de estruturas mais informais, os arranjos ad hoc,
mencionados no início do capítulo, produzem outros espaços sociais importantes para
negociações, gestação de normas e exercício da influência de atores estatais e não estatais.
Nesse período, as organizações internacionais foram muito criticadas pela sua
ineficiência, em particular pela alocação de recursos sem a maximização dos benefícios. As
burocracias das OIGs tendem a ser menos flexíveis do que as burocracias nacionais, já que o
recrutamento multinacional, mencionado anteriormente, cria uma necessidade de produção
de regras bastante específicas. Em resposta a essas pressões, muitas organizações adotaram
práticas administrativas análogas àquelas das empresas privadas, inclusive buscando
16
consultar grupos de interesse específicos.
Hoje, são inúmeras as inquietudes sobre o papel das organizações internacionais no
contexto da governança global. Qual deve ser a relação entre normas internacionais e
jurisdição doméstica? Como podemos incorporar as mudanças na distribuição de poder no
sistema internacional entre os Estados, e outros atores também, ao funcionamento das
organizações internacionais? Como as organizações internacionais podem contribuir de
forma mais efetiva para a resolução de problemas e debates sobre questões cruciais, como a
proteção do meio ambiente e a defesa dos direitos humanos? Quando o uso da força é
justificado? Como podemos enfrentar as tensões e contradições entre as normas universais
proclamadas pela ONU e a realidades sociais, culturais, políticas e econômicas específicas?
Nas últimas décadas, mudanças importantes na política mundial modificaram
drasticamente o ambiente no qual as organizações internacionais operam. A crescente
consciência em face dos problemas sociais, ambientais e de saúde pública, de natureza global,
o desenvolvimento tecnológico, o acesso à internet e a própria proliferação de organizações
internacionais compõem esse quadro. As organizações internacionais são, portanto, um
tema em constante transformação e que têm gerado um debate cada vez mais intenso entre
os especialistas em relações internacionais, tema que abordaremos no Capítulo 2.

35
Leituras para continuar seu estudo
Abram Chayes & Antonia Handler Chayes, The New Sovereignty Compliance with International Regulatory
Agreements, Cambridge MA, Harvard University Press, 1988.
Innis Claude, Swords into Plowsheres, Nova York, McGraw-Hill, 1986.
Lisa Martin & Beth A. Simmons, International Institutions an International Organization Reader, Cambridge,
Mass, MIT Press, 2001.
Ian Hurd International Organizations Politics, Law, Practice , Cambridge, Cambridge University Press. 2014.

36
Notas
1. Yearbook of International Organizations 2003/04, acesso em 10/05/2004 http://www.uia.org/
services/databases.php. Alguns autores preferem usar a terminologia de ONGs transnacionais, mas usamos
aqui a adotada pela União das Associações Internacionais (UIA), ou seja, ONGIs. A UIA foi fundada em
1907, em Bruxelas, como Escritório Central de Associações Internacionais, renomeado UIA em 1910,
durante o Primeiro Congresso Mundial das Associações Internacionais. A UIA permanece sendo a maior
referência para documentação das ONGIs, principalmente através de sua publicação anual referida acima.
Para detalhes, veja o site http://www.uia.org/. John Boli destaca que o Escritório Central de Associações
Internacionais foi ativo na criação da Liga das Nações e do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual
(Boli & Thomas, 1999, p. 20). Para uma análise crítica da metodologia usada pela UIA, veja o trabalho de
Sikking e Smith (Sikking & Smith, 2002, pp. 26-30).
2. O conceito de governança global aparece no relatório da Comissão para Governança global de 1995. Veja o
relatório da Comissão sobre Governança Global (Comission on Global Governance, 1995) .
Veja ainda os trabalhos de James Rosenau e Thomas Weiss para uma apresentação do conceito
(Rosenau,1992, p. 4 e Weiss 2013).
3. O G7/G8 congrega os países mais desenvolvidos do mundo — Estados Unidos, França, Alemanha, Itália,
Japão, Canadá, Grã-Bretanha e Rússia (desde 1994) — para discutir questões econômicas, políticas e de
segurança. Eles realizam uma reunião de chefes de Estados anualmente e outras reuniões a nível ministerial.
4. Para esse assunto, veja o artigo de John Ruggie (Ruggie, 1993).
5. Proibição da discriminação contra importações de países que produzem o mesmo produto.
6. Esse argumento é desenvolvido por Michael Barnett e Martha Finnemore (Barnett & Finnemore, 2001).
7. O tema é discutido por Ian Hurd, que salienta que existem três formas de garantir que uma regra seja
obedecida: coerção, autointeresse e legitimidade. O autor considera o conceito de legitimidade como um dos
mecanismos de ordenamento do sistema internacional (Hurd, 1999).
8. Essa discussão é desenvolvida por Ricardo Seitenfus (Seitenfus, 1997).
9. Essa regra é aplicada apenas aos Estados que assinaram os novos protocolos da IAEA.
10. De acordo com um relatório de 2013 são 84.069 funcionários em dezembro de 2013. Report of the
International Civil Service Commission http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/68/30, visita
em 02 janeiro de 2015.
11. A proposta de Abbé Saint-Pierre (Project of Perpertual Peace, 1713) incluía a criação de uma liga de
Estados e uma corte internacional, representando os Estados Europeus, com poder para arbitrar as disputas
e impor sanções caso necessário. Eméric Crucé propôs a criação de uma federação mundial. Ele apontava
para a superficialidade das diferenças entre os homens — cristãos, mulçumanos, judeus e pagãos teriam
lugar no desenho de sua federação (Crucé, 1909). Immanuel Kant, autor que apresentamos no Capítulo 2,
escreveu sobre a formação de uma cidadania cosmopolita e de uma federação de repúblicas (Kant, 1970).
12. O mar territorial foi estabelecido em três milhas, já que esse era o alcance de um canhão baseado em terra
no início do século XVII.
13. Hugo Grotious foi um teórico do direito internacional, tendo escrito um dos textos fundadores do direito
internacional moderno, De Jure Belli ac Pacis, em 1625.
14. Veja o livro de Innis Claude para essa discussão (Claude, 1984, p. 121).
15. A Corte funciona no Palácio da Paz em Haia desde 1913, lidando com disputas envolvendo Estados, OIGs
e atores privados, direito público e privado. Trata-se de um aparato que permite a montagem de tribunais de
arbitragem. Veja http://pca-cpa.org.
16. Essa discussão é feita por Veijo Heiskanen (Heiskanen, 2001).

37
CAPÍTULO

2
Contribuições Teóricas para o Estudo de Organizações
Internacionais

PRINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS


A história dos estudos sobre organizações internacionais.
A teoria realista e sua contribuição para o debate sobre o papel das organizações internacionais.
As perspectivas liberais e a relevância das instituições.
O funcionalismo e a versão de David Mitrany do papel das organizações internacionais.
O neofuncionalismo e o estudo da integração regional.
O marxismo e a crítica às organizações internacionais.
O cosmopolitismo e suas questões normativas e éticas.
O construtivismo e a leitura sociológica das organizações.
Perspectivas críticas.

38
Introdução
A disciplina de relações internacionais, ao longo de sua história, iniciada nas primeiras
décadas do século XX, produziu um conjunto de teorias, conceitos e debates que visa à
criação de conhecimento sobre o sistema internacional. O debate teórico esteve presente
desde o começo do delineamento do estudo de relações internacionais como uma disciplina
1
específica, ainda nas primeiras décadas do século XX. As diferentes perspectivas teóricas
buscam, entre outros objetivos, explicar a cooperação e o conflito entre os principais atores
do sistema internacional, a produção de mecanismos de estabilização do mesmo e as formas
como esse sistema político é governado, na ausência de aparato estatal central. Nesse sentido,
as diferentes teorias, com maior ou menor ênfase, têm algo a dizer sobre as organizações
internacionais. Assim, apresentaremos a seguir uma descrição sucinta da contribuição das
2
teorias relevantes para o estudo das organizações internacionais.
A área de estudos sobre organizações internacionais desenvolveu-se ao longo do século
XX, tendo momentos de maior e menor produtividade, sendo influenciada por processos
históricos como a criação do sistema ONU após a Segunda Guerra ou o novo ativismo das
organizações internacionais ao final da Guerra Fria, assim como pelo trajeto dos debates
teóricos da disciplina. Começaremos com uma breve história dessa área de estudos.
Apontamos as principais questões associadas aos principais grupos teóricos da disciplina
de relações internacionais. Daremos especial ênfase às contribuições das teorias ao estudo
das instituições internacionais, haja vista que são fundamentais para a compreensão do
papel, funcionamento e impacto das organizações internacionais. Durante os últimos 35
anos, em particular, grande parte das discussões teóricas no campo das relações
internacionais foi composta por argumentos sobre o papel, a origem, as dinâmicas e o
formato das instituições, além de seu impacto sobre o comportamento dos Estados e outros
atores. O debate sobre as organizações internacionais está intimamente associado a essa
realidade, mas apresenta peculiaridades ilustradas a seguir.

39
História da Área
As pesquisas sobre organizações internacionais fazem parte de uma extensa área de
estudos sobre as formas como o sistema internacional se governa ou sobre governança
global. São estudos sobre os diferentes mecanismos que garantem às relações entre os
Estados e outros atores certa medida de estabilidade, previsibilidade e continuidade,
mantendo e transformando a estrutura do sistema internacional e, em particular, uma de
suas normas constitutivas: a soberania dos Estados nacionais. Ao mesmo tempo, é possível
delinear um campo específico de estudos sobre organizações internacionais, interligado aos
trabalhos sobre instituições, integração, regimes internacionais e outros.
A história desse campo de estudos está ligada, por um lado, às características da agenda
internacional e, por outro, às transformações teóricas e metodológicas da disciplina de
relações internacionais como um todo. O nascimento da disciplina e o primeiro debate entre
liberais e realistas nos anos 1930 e 1940, em que se estabeleceu um contraste entre o balanço
de poder, o direito internacional e as organizações internacionais como formas de gerar
ordem no sistema internacional, são o marco inicial para a compreensão da história desse
campo de estudos.
A crença na possibilidade de progresso e no potencial da razão para enfrentar o flagelo da
guerra está na origem da disciplina no pós-Primeira Guerra Mundial. Na época, as propostas
do presidente norte-americano Woodrow Wilson e dos movimentos pacifistas − para que o
direito internacional, a arbitragem internacional ou uma organização internacional
evitassem conflitos armados − estavam presentes em debates públicos e nos currículos dos
cursos de relações internacionais, que eram criados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.
As publicações do período, na maior parte voltadas para a história diplomática e o direito
internacional, abordavam as diferentes propostas ao longo da história do moderno sistema
de Estados, de criação de Ligas, federações e organizações internacionais que evitariam as
3
guerras. O ambiente menos otimista instaurado a partir dos anos 1930 favoreceu a
produção de uma literatura crítica às crenças que haviam marcado o debate público sobre as
relações internacionais até então. Os trabalhos de Edward Hallett Carr e Hans Morgenthau
são considerados um marco por enfatizarem as relações de poder entre os Estados e
estabelecerem as bases da hegemonia do pensamento realista que caracterizaria a disciplina
(Carr, 1939; Morgenthau, 1948).
O estudo das organizações internacionais, como definidas no Capítulo 1, é um fenômeno
que acompanha o crescimento das OIGs após o final da Segunda Guerra Mundial. O
otimismo inicial quanto ao seu papel na nova arquitetura do sistema internacional, com a
criação do sistema ONU, impulsionou estudos bastante específicos. Por outro lado, a partir
da década de 1950, a hegemonia da perspectiva realista − que, como veremos adiante, não
confere maior relevância às organizações internacionais − impediu que recursos humanos e
financeiros fossem alocados ao desenvolvimento do campo de estudos do modo que foram
para outras áreas, como estudos estratégicos.
Trabalhos sobre as OIGs, concentrando-se nos atributos formais das organizações, como
seu mandato constitucional, procedimentos de votação, análise de suas cartas constitutivas e
estruturas dos comitês, são gerados nesse período (Goodrich & Simons, 1955; Knorr, 1948;
Sharp, 1953; Rolin, 1954). Ao mesmo tempo, já aparecem textos indicando as tensões entre
os processos decisórios formais e a realidade da política internacional. O uso do veto no
Conselho de Segurança, por exemplo, como expressão das relações internacionais durante a

40
Guerra Fria, e o voto em bloco na Assembleia Geral são salientados (Padelford, 1948; Ball,
1951; Moldaver, 1957). Embora os textos do período já tragam questões que serão
desenvolvidas mais tarde, não há um quadro de referência conceitual que permita o avanço
de um programa de pesquisa mais integrado.
Os padrões de votação foram um tema particularmente explorado, tendo os estudos sobre
os padrões de votação no congresso norte-americano exercido clara influência sobre autores
como Hayward Alker e Bruce Russet (Alker & Russet, 1965). A forma como determinados
países tendiam a votar em bloco, ou a formação de coalizões legislativas, foi investigada. A
partir do final da década de 1950, o ambiente acadêmico, marcado pela chamada “revolução
4
behaviorista”, favorecia estudos baseados em dados empíricos acessíveis. A necessidade de
reformar o desenho institucional das organizações também é apontada (Finkelstein, 1955;
Riggs, 1960, Claude, 1961).
Na década de 1960, ocorre uma separação analítica entre a discussão sobre mecanismos
de estabilização do sistema internacional e o estudo sobre o que as organizações
internacionais fazem. Tratava-se então de descobrir qual seria a função específica das OIGs
(Kratochwil & Ruggie, 2001). O trabalho de Inis L. Claude contribui para essa modificação,
assinalando diferentes formas de governo no sistema internacional e o papel da ONU como
geradora de legitimidade. Os estudos passam a abordar questões mais substantivas,
concentrando-se nos problemas que as OIGs podiam resolver. Diversos problemas são
focalizados: paz e segurança, segurança nuclear, assistência ao processo de descolonização e
ajuda ao desenvolvimento. Nos anos 1970, também há o enfoque no papel das organizações
internacionais na reestruturação das relações norte-sul ou na administração do meio
ambiente.
Um estudo mais sistemático dos padrões de influência que determinam o conteúdo das
resoluções, os orçamentos, a forma como os Estados votam e a orientação geral das
organizações, se afastando da tendência a tratar as votações na Assembleia Geral como o
centro da política mundial, é editado por Robert Cox e Harold K. Jacobson, na década de
1970 (Cox & Jacobson, 1973). É um trabalho sobre oito agências especializadas da ONU, no
qual as organizações internacionais são analisadas como sistemas políticos distintos. Pela
primeira vez, relações transgovernamentais são consideradas, ou seja, coalizões envolvendo
partes de governos e partes das organizações internacionais.
A discussão sobre a relação entre as características do sistema internacional e o papel das
organizações internacionais torna-se uma orientação marcante da bibliografia nos anos
1970. A transferência de legitimidade coletiva, a formação de agenda, fóruns para a formação
de coalizões e formas de coordenação de políticas transgovernamentais são alguns dos papéis
das organizações internacionais abordados nesse contexto (Hoffmann, 1970; Nye, 1974). A
crítica à visão realista do sistema internacional, em particular ao tratamento exclusivo das
relações interestatais, favoreceu o desenvolvimento de estudos sobre outros atores, como as
OIGs e as ONGIs. A maior abertura para a análise de atores subestatais, como agências do
governo, também representou um impulso para a compreensão de como interagem no
contexto das OIGs.
Os estudos sobre integração regional propunham que nem as organizações internacionais
existentes, nem os Estados nacionais seriam suficientes para lidar com os crescentes
problemas internacionais. O conceito de integração regional foi o único conceito amplo
capaz de estruturar o campo de estudos, até o aparecimento dos trabalhos sobre regimes
internacionais nos anos 1980. Entre meados dos anos 1950 e meados da década de 1970, as

41
teorias de integração foram formuladas em diferentes vertentes, como o neofuncionalismo e
o intergovernamentalismo, abordadas a seguir. Contudo, a estagnação do processo de
integração política na Europa, que frustrou boa parte das expectativas acumuladas após a
Segunda Guerra Mundial, e as críticas epistemológicas e conceituais aos trabalhos
produzidos até então geraram uma crise nesse campo de estudos, e muitas questões levariam
10 ou 15 anos para serem retomadas. O novo ímpeto integracionista na Europa, a partir da
metade da década de 1980, produziu uma retomada dos estudos sobre integração com o
relançamento do programa de pesquisa neofuncionalista e o desenvolvimento de outras
perspectivas Grande parte das novas perspectivas não tem por tema central explicar a criação
e o desenvolvimento das organizações regionais, mas debater como esse processo tem se
desenvolvido, e seu impacto nos Estados-membro. Temas como aquiescência, redes políticas
(policy networks), democracia e legitimidade se tornaram mais populares, principalmente na
União Europeia, baseando-se no conceito de sistemas (regionais) de governança multinivel.
Trabalhos sobre regimes internacionais dominaram os estudos sobre instituições
internacionais durante os anos 1980, surgindo como resultado de debates anteriores sobre
interdependência, sobre a manutenção das normas internacionais diante do suposto declínio
da hegemonia norte-americana, além da inoperância da ONU naquele período (Krasner,
1982). O tratamento de normas no contexto internacional, abandonado com o advento da
revolução behaviorista, foi retomado pela literatura sobre regimes. O conceito buscava
responder por que, apesar dos sinais de declínio da hegemonia norte-americana e a
consequente crise das instituições internacionais, um conjunto de normas que regiam as
relações internacionais continuava a ser respeitado. Essa bibliografia lida com o processo de
formação dos princípios, normas, regras e procedimentos, que compõem diferentes regimes
e seu impacto sobre o comportamento dos atores; a dimensão subjetiva das normas; e a
5
relação entre regimes e cooperação internacional.
A Escola Inglesa, que desenvolveu o conceito de sociedade internacional para analisar a
ordem internacional com base na existência de normas e valores, também é um marco para
os estudos sobre instituições internacionais (Wright, 1977; Bull, 1977). No entanto, a visão
ampla e histórica do sistema internacional, da qual partem esses autores, não favoreceu o
desenvolvimento de uma agenda de pesquisa sobre instituições internacionais profícua nesse
período.
Os estudos sobre organizações formais não galvanizaram esforços até um período
posterior, tornando-se marginais. Contudo, na medida em que os regimes, em alguns casos,
geram organizações internacionais — e a bibliografia trata das possibilidades e/ou
dificuldades da cooperação internacional —, ela estabeleceu parâmetros importantes para a
investigação das organizações internacionais. Ademais, um tratamento mais diversificado
das organizações internacionais pode surgir, uma vez que cada área específica — cada regime
— requer uma forma de regulação particular e o lugar das organizações varia em cada uma
delas. A literatura sobre desenho organizacional, por exemplo, busca estabelecer a adequação
entre arranjos institucionais e problemas específicos (Joyce & Van de Vem, 1981). Os
trabalhos sobre regimes continuam ocupando especialistas, tendo se consolidado como uma
área de estudos importante. Novas áreas temáticas foram incorporadas e atores não estatais
passaram a fazer parte das análises, tendo alguns regimes um caráter eminentemente
6
privado.

Nos anos 1990, observa-se um significativo aumento do número de publicações,


42
Nos anos 1990, observa-se um significativo aumento do número de publicações,
apresentações em conferências internacionais sobre organizações internacionais, além da
presença do tema em currículos universitários. Ocorre uma modificação do lugar desse
campo de estudos no contexto mais amplo da disciplina de relações internacionais, em
função do novo otimismo sobre o papel das organizações internacionais no pós-Guerra Fria,
mas também como resultado da incorporação de novos instrumentos analíticos aos estudos.
As organizações passam a ser tratadas como atores, e abre-se uma janela para incorporar a
discussão sobre as organizações “como organizações” através da incorporação da sociologia
das organizações aos instrumentos analíticos utilizados.
Por outro lado, o debate sobre atores transnacionais, que teve grande impacto sobre a
7
disciplina nos anos 1970, foi recuperado a partir do final dos anos 1980. Nesse contexto, o
conceito de sociedade civil global adquire grande relevância, permitindo uma avaliação
diferenciada do papel e do comportamento das ONGIs. Eventos em que as ONGIs tiveram
um papel importante — como a Conferência de 1992 sobre meio ambiente, realizada no Rio
de Janeiro; o debate sobre a sociedade civil global e o processo de globalização; além da
crescente influência das ONGIs nas OIGs e sobre os governos nacionais — despertaram o
interesse de especialistas.
Na medida em que as organizações internacionais passaram a adquirir um papel central
na política internacional e a tornar-se tema de debate público em diversas partes do mundo,
uma bibliografia crítica emergiu. As organizações internacionais são veementemente
criticadas como uma força desestabilizadora, em especial na forma de sua intervenção em
conflitos internacionais ou porque perpetuam relações hierárquicas e baixo nível de
8
desenvolvimento de determinadas regiões. Outros autores as veem como um empecilho ao
funcionamento normal das forças do mercado com base nas premissas do liberalismo
econômico. As deficiências administrativas são amplamente discutidas em fóruns políticos e
na bibliografia (Pitt &Weiss, 1986). A ineficiência das OIGs como forma de administrar as
relações entre os atores internacionais também é discutida (Conybeare, 1980). A relação
entre as organizações internacionais e os mecanismos de reprodução das formas de
9
dominação capitalistas são tratados por autores de Economia Política Internacional ,
principalmente marxistas e teóricos críticos.

43
Realismo
A tradição realista foi, durante muito tempo, dominante na disciplina de relações
internacionais e, como vimos, isso explica parcialmente a ausência de uma vasta bibliografia
sobre organizações internacionais até o final da Guerra Fria. Segundo essa perspectiva, os
principais atores no sistema internacional são os Estados, entendidos como atores unitários,
10
que buscam maximizar seu poder e sua segurança. A ausência de uma autoridade
supranacional, ou de uma hierarquia baseada em uma estrutura de autoridade, leva à
caracterização do sistema internacional como anárquico. Uma distinção rígida entre a esfera
doméstica, na qual o progresso, a ordem e a paz são possíveis, e a esfera internacional, na
qual reina a anarquia e a guerra é sempre uma possibilidade, é pressuposto básico. Essa é
uma realidade permanente: a teoria realista não vislumbra uma transformação da natureza
do sistema internacional, embora as relações de poder se transformem. O aspecto central a
ser analisado é o poder ou as relações de poder; são focalizadas as capacidades dos Estados,
ou seja, os recursos de poder militares, econômicos ou políticos e as relações de poder, ou a
possibilidade de influenciar ou determinar o comportamento do outro.
Assim, autores realistas criticam a proposição de que instituições podem mudar aspectos
importantes do sistema internacional e não conferem relevância ao papel de atores não
estatais, como as ONGIs (Mearsheimer, 1994; Grieco, 1988). John Mearsheimer, em
particular, dedicou-se a demonstrar, com base em seu modelo dedutivo, a falta de evidências
indicativas de que as instituições mudam os padrões de comportamento dos Estados,
especialmente na área da segurança.
A cooperação é dificultada pela natureza insegura do sistema internacional. Além do
receio de que a cooperação acordada não será respeitada, os realistas salientam que a
ausência de governo gera uma luta constante pela sobrevivência e pela independência. Logo,
é impossível ignorar a posição dos outros atores na hierarquia de poder do sistema, pois os
amigos de hoje podem ser os inimigos de amanhã. Dessa forma, os atores são movidos pela
falta de confiança no outro e pela lógica dos ganhos relativos. Se a posição de cada ator na
hierarquia de poder do sistema é considerada fundamental, a colaboração que favorece o
outro tende a ser vista como uma possível perda.
Na medida em que a cooperação, embora presente no sistema internacional, seja limitada
pelas condições de anarquia, o papel das organizações internacionais como atores e, por
vezes, até como fóruns relevantes é questionado. As OIGs não têm poder nem autoridade
para fazer as decisões serem cumpridas, e os Estados optam por obedecer às regras e normas
criadas, de acordo com seus interesses nacionais. Elas são tratadas como barcos vazios,
existindo somente enquanto servem aos interesses dos Estados. As organizações são
fundamentalmente instrumentos usados pelos Estados mais poderosos para atingir seus
objetivos. O poder dos Estados pode, em alguns casos, ser acrescido a partir do papel das
11
organizações. Elas só exercem funções importantes quando expressam a distribuição de
poder no sistema internacional. Apenas quando os atores mais poderosos acordam a
utilização conjunta das OIGs para realização de seus objetivos, espera-se que elas se tornem
efetivas.
Embora para alguns realistas que se concentram na análise da estrutura anárquica do
sistema internacional as instituições internacionais não mereçam o esforço dos
pesquisadores, outros compreendem que a relação entre cooperação e instituições deve ser
analisada. O estudo da cooperação sob condições de anarquia é a orientação dada à pesquisa.

44
Para autores como Robert Gilpin, Stephen Krasner e Joseph Grieco, a distribuição de
capacidades é a variável central para a explicação sobre a natureza ou a efetividade das
instituições (Gilpin, 1981; Krasner, 1991; Grieco, 1990). A teoria da estabilidade hegemônica,
por exemplo, propõe que a presença de um líder poderoso é fundamental para manter o
funcionamento das instituições internacionais. Apenas quando se observa a presença de um
ator hegemônico, é possível garantir a criação e o respeito pelas normas (Kindleberger,
1981). Por outro lado, outros autores desenvolvem estudos de como os Estados usam as
OIGs racionalmente ou qual é o desenho institucional mais racional da perspectiva dos
interesses dos Estados (Gruber, 2000; Koremenos, Lipson & Snidal, 2001).
A maior contribuição da perspectiva realista ao estudo sobre organizações internacionais
está na constante contestação dos pressupostos e resultados das pesquisas desenvolvidas por
autores associados a outros grupos teóricos. Seu ceticismo em relação ao papel das
instituições internacionais, particularmente quanto ao seu impacto sobre a natureza do
sistema internacional, sua preocupação com o conceito de poder e a demanda por
demonstrações empíricas impulsiona, por meio do debate, a pesquisa sobre organizações
internacionais.

45
Liberalismo
A tradição liberal do pensamento sobre relações internacionais não pode ser tratada como
um bloco coeso. As ênfases são variadas e a associação com diferentes pensadores clássicos
da filosofia, do direito e da economia política já indica a presença de uma ampla gama de
proposições sobre a natureza das relações internacionais. Para fazer um estudo detalhado das
ideias dos autores liberais, é necessária uma volta aos textos clássicos de Immanuel Kant,
Hugo Grotious, Adam Smith e Jeremy Bentham, além de uma análise cuidadosa de sua
apropriação e revisão pela disciplina de relações internacionais em diferentes momentos
históricos. Observemos, portanto, a relevância dessa tradição para o estudo das organizações
internacionais, baseando-se em uma ideia crucial que permite agrupar uma coleção tão
heterogênea, ou seja, o pressuposto da racionalidade como característica básica da
humanidade que abre as portas para o potencial de transformar as relações sociais e realizar
o progresso (lembrando que a racionalidade está, em última instância, depositada nos
indivíduos). A crença no progresso indica que é possível transcender a política do poder ou o
caráter endêmico da guerra.
Uma série de discussões sobre os caminhos para reformar o sistema internacional se abre
com base nesse pressuposto: um fluxo mais intenso de comércio favorece a paz, regimes
políticos democráticos ou republicanos estão associados a relações pacíficas entre os Estados
e, o mais importante para este trabalho, a construção de instituições internacionais pode
transformar as relações entre os atores no sistema internacional. Essa última versão está
12
historicamente associada às propostas do presidente Woodrow Wilson, ao final da
Primeira Guerra Mundial, que deram origem à formação da primeira organização
internacional universal — a Liga das Nações, que será vista no Capítulo 3.
A tradição liberal é o fundamento de propostas que envolvem o papel das organizações e
do direito internacionais para a geração de mais cooperação e mais ordem no sistema
internacional. Como há uma relação inerente entre razão e paz, há um enfoque nos
mecanismos que potencializam o uso da razão como o direito, a arbitragem, a mediação, a
negociação e a administração coletiva dos conflitos.
Da mesma forma que no plano doméstico, pensadores liberais propõem formas de
controle do exercício do poder. No plano internacional, as instituições como o direito, as
organizações e outras representarão um limite ao exercício do poder dos Estados e de sua
soberania. Na interseção entre a esfera internacional e a esfera doméstica está o exercício da
política externa, que os liberais propõem tornar mais transparente, como na proposta de
Woodrow Wilson de uma diplomacia aberta, em contraposição à diplomacia secreta das
elites do século XIX.
Nos anos 1970, o domínio realista sobre os estudos de relações internacionais é
questionado, após constatações sobre a crescente interdependência entre as sociedades e
sobre a sobrevivência das instituições criadas no pós-Segunda Guerra. Isso ocorre mesmo em
face das crises daquele período, como o aumento dos preços do petróleo, o colapso dos
arranjos monetários de Bretton Woods, o crescimento da dívida do terceiro mundo e o
13
declínio do poder econômico norte-americano em relação à Europa e ao Japão. Na década
seguinte, o chamado neoliberalismo institucionalista desenvolveu um programa de pesquisa
fundamentalmente associado ao estudo de regimes internacionais, enfrentando a
compreensão de autores realistas de que as instituições não são relevantes.

Os trabalhos de autores vinculados ao liberalismo nessa fase são mais descritivos ou


46
Os trabalhos de autores vinculados ao liberalismo nessa fase são mais descritivos ou
buscam construir teorias empiricamente verificáveis, atendo-se ao projeto de construção de
uma ciência das relações internacionais; um movimento similar àquele ocorrido entre
especialistas realistas. Questões éticas são deixadas de lado. O papel das instituições
internacionais adquire lugar central, mantendo-se hegemônica a ideia de que o Estado é o
14
principal ator do sistema internacional. O livro de Robert Keohane e Joseph Nye,
publicado em 1977 (Keohane, Nye, 1977), no qual o papel das instituições internacionais no
contexto da interdependência complexa é discutido, teve um impacto marcante sobre o
15
debate no período. A percepção de que as instituições internacionais podem mudar as
relações entre Estados é o grande divisor de águas que separa liberais e realistas no debate
16
que ficou conhecido como aquele entre neoliberais e neorrealistas dos anos 1980.
Cabe então pensar sobre como e por que os atores escolhem, com base em seu atributo de
racionalidade, criar ou se juntar às organizações internacionais. Qual o cálculo feito e como é
possível criar normas que influenciem esse cálculo.
O debate sobre a autonomia possível das organizações internacionais também aparece
nesta bibliografia na forma do binômio principal/agente (Hawkins, 2006). Na medida em
que a negociação sobre as normas das organizações é um processo contínuo, Estados buscam
controlar as organizações e estas encontram espaço para relativa autonomia.
O DEBATE ENTRE NEOLIBERAIS E NEORREALISTAS NOS ANOS 80
• Neorrealistas: O poder é a principal variável para a compreensão do sistema internacional.
As relações de poder são relativas; cada Estado objetiva estar em uma posição superior na
hierarquia de poder do sistema internacional. A cooperação só sucede quando os Estados
mais poderosos entendem que ela realiza seus interesses e é difícil de manter. Enfatizam a
preocupação com a sobrevivência dos Estados em um sistema anárquico. Os recursos de
poder militares são fundamentais. As instituições internacionais não têm um impacto
significativo sobre as relações internacionais.
• Neoliberais: O poder e a circulação de informação através das instituições são as principais
variáveis para a compreensão do sistema internacional. As relações de poder são absolutas,
cada Estado busca acumular recursos de poder. As instituições têm um papel crucial em
facilitar a cooperação.
Por outro lado, o processo de transnacionalização também é considerado, sendo ONGIs,
redes de interesses e grupos de pressão transnacionais incluídos nas análises propostas. Com
o fim da Guerra Fria e a intensificação do processo de globalização, houve um significativo
aumento no número de estudos que partem dos pressupostos liberais.
O neoliberalismo institucionalista trata o conflito e a cooperação com apenas um aparato
lógico, em contraposição à tradição anterior no campo das relações internacionais, em que
algumas correntes se concentravam nas relações cooperativas e outras, nas relações
conflituosas. Nesse sentido, a divisão rígida entre a ênfase sobre as possibilidades de
cooperação e a inevitabilidade do conflito, que marcou o debate da disciplina no começo do
século XX, é superada. A existência de conflito e a possibilidade de coordenação de políticas
não são antitéticas; portanto, não é necessário partir da ideia de harmonia de interesses para
fazer o percurso da cooperação. Em contraposição aos autores realistas, parte-se da premissa
de que os Estados buscam melhorar sua posição no sistema internacional, auferindo ganhos
absolutos, independentemente da posição dos outros atores.

47
Os Estados, principais atores do sistema internacional, são caracterizados como atores
racionais movidos pelo autointeresse. Essa literatura tem como suporte teórico primordial as
teorias de escolha racional, ou seja, pressupõe que os atores são racionais e calculam a
utilidade (vantagens) de caminhos alternativos, escolhendo aquele que maximiza as
17
utilidades nas circunstâncias do momento. Da mesma forma que os autores realistas do
mesmo período, os neoliberais institucionalistas são influenciados pela literatura que trata
do papel de firmas diante das imperfeições do mercado. A realidade da política internacional
seria análoga à realidade do mercado, na qual convivem atores que buscam maximizar
utilidades em um contexto competitivo. Assim como as firmas, as instituições podem
18
corrigir problemas gerados por informações incompletas e altos custos de transação.
A incerteza que configura o sistema internacional dificulta a construção de relações
cooperativas, particularmente porque é muito difícil confiar nas promessas dos atores. As
instituições têm a função de diminuir o grau de incerteza por meio da geração de
transparência e da realização de conexões entre diferentes questões através do tempo
(linkage). A maior transparência e a existência de conexões entre questões ajudam a
diminuir o medo da trapaça, aumentando a disposição dos atores de se envolverem em
arranjos cooperativos. Dessa forma, a circulação de informação através das instituições pode
transformar o sistema internacional (Keohane, 1984). Nesse sentido, as instituições realizam
os interesses dos Estados.
A teoria dos jogos não cooperativos é frequentemente utilizada para mostrar como a
cooperação é difícil, mas possível. Nesse tipo de modelo, os atores são racionais e egoístas e
não há um terceiro ator que garanta o cumprimento dos acordos. A presença de instituições
que favorecem a reciprocidade e a confiança mútua é fundamental (Axelrod & Keohane,
1985). Modelos formais, que reproduzem os interesses e as decisões dos atores diante da
possibilidade de cooperação (formação de acordos) e/ou coordenação (estabelecimento de
19
convenções), são aplicados para explicar o comportamento dos atores. Pergunta-se como
gerar cooperação — o melhor resultado do ponto de vista coletivo —, se um comportamento
não cooperativo é a escolha mais racional para um indivíduo. As relações contínuas entre
atores egoístas, ou seja, a repetição dos jogos, favorece a cooperação, uma vez que ocorre
uma “sombra sobre o futuro”. Em outras palavras, as ações do presente são influenciadas
pela noção de que a interação se repetirá, passando a ser interessante gerar a expectativa de
cooperação. Estados com uma reputação negativa terão dificuldades em ser aceitos como
parceiros de mecanismos de cooperação. Essa continuidade é muitas vezes sustentada pelas
instituições ou organizações internacionais.
As instituições são identificadas como uma solução possível para os problemas de
20
produção de bens públicos ou coletivos. A literatura sobre bens públicos salienta a
dificuldade de prover esses bens ou estabelecer quem irá arcar com os custos de sua
produção. As OIGs podem criar incentivos para a produção de bens públicos.
O JOGO “DILEMA DO PRISIONEIRO”
O diretor de uma prisão precisa de uma confissão voluntária de um dos dois prisioneiros
que cometeram um crime juntos. Ele oferece ao prisioneiro 1 sua liberdade se ele
confessar o crime antes do prisioneiro 2. Assim, ele poderia condenar o prisioneiro 2. Mas
o diretor também estabeleceu que se o prisioneiro 2 confessasse antes, o mesmo seria
libertado e o prisioneiro 1 seria condenado. Caso os dois confessassem no mesmo dia, os

48
dois seriam condenados a uma pena menor. Caso nenhum dos dois confessasse, ambos
seriam libertados. As mesmas condições foram apresentadas ao prisioneiro 2. Se os
prisioneiros colaborarem, eles podem obter uma solução mais favorável. Seria o caso de
os dois optarem por não confessar. Mas atores racionais em um ambiente competitivo,
sem informação perfeita (no caso sobre qual a estratégia escolhida pelo outro prisioneiro),
tendem a fazer a opção que acaba gerando uma solução menos favorável para os dois em
conjunto. Isso ocorrerá se ambos optarem pela confissão. A repetição do jogo “n” vezes
geraria uma maior propensão para a cooperação. A repetição e a disponibilidade de
informação são justamente a forma como as instituições, segundo os neoliberais
institucionalistas, estimulam a opção por uma estratégia de colaboração por parte de
atores racionais e egoístas.
As OIGs facilitam a ação coletiva pela ativação de uma série de mecanismos que
modificam as condições do ambiente internacional. Os mecanismos estudados diminuem os
custos de transação, ou seja, criam um ambiente que facilita as negociações. As normas
21
estabelecidas diminuem os custos de transação, pois uma negociação já começa com
alguns parâmetros estabelecidos. Ademais, as instituições favorecem o cumprimento dos
acordos, diminuindo os custos de controlar o comportamento dos atores, lidando assim com
os problemas de aquiescência. Nesse sentido, o monitoramento, as sanções e a publicação de
informações são papéis cruciais que podem ser exercidos pelas organizações internacionais.
Finalmente, as instituições estabelecem regras para distribuição de ganhos da ação coletiva.
As preferências dos atores não são modificadas nesse processo, apenas a sua disposição de
negociar e se ater aos acordos estabelecidos.
As instituições internacionais também são tratadas por alguns autores liberais como
estruturas que constrangem e moldam o comportamento dos Estados. Dessa forma, embora
sejam criadas pelos Estados, elas, ao longo da sua história, têm um impacto sobre seu
comportamento, inclusive limitando as opções disponíveis para suas políticas externas e
domésticas. O caráter da hegemonia norte-americana no pós-Segunda Guerra é ressaltado
por G. J. Ikenberry (Ikenberry, 2001). Esse autor destaca que uma ordem multilateral foi
estabelecida sob a liderança dos Estados Unidos, tendo como base os princípios do
liberalismo. Todavia, como as instituições enraízam-se e os custos de substituí-las torna-se
alto, elas acabam constrangendo o próprio exercício do poder norte-americano.
Mas liberais podem também se voltar para os cálculos feitos no âmbito doméstico e que
produzem políticas para as organizações internacionais (Moravscki, 2009). Retomando a
tradição da ciência política norte-americana, grupos de interesse são tratados como atores
centrais por Andrew Moravscik. O autor enfatiza a negociação que ocorre no âmbito
doméstico entre governo e grupos de interesse. A formação de preferências dentro de cada
sociedade terá um impacto sobre a possibilidade de cooperação no nível internacional e
sobre a formação de instituições internacionais, gerando demandas às quais governos
22
buscarão responder no âmbito intergovernamental. O papel exercido pela barganha
política doméstica não impede que o Estado se comporte como um ator racional com
preferências estabelecidas quando se envolve em negociações internacionais, já que ele
exerce justamente a função de agregar os diferentes interesses internos.
O conceito de governança global, como vimos no capítulo anterior, tornou-se central para
o debate sobre a política internacional e mais especificamente sobre as organizações
internacionais. A perspectiva liberal é aquela que torna esse conceito seu carro-chefe a partir

49
dos anos 2000. Uma vasta bibliografia é produzida discutindo como as organizações
internacionais produzem regras ou normas que modificam os cálculos dos atores.
Os liberais reformistas, por sua vez, salientam a necessidade de transformar o sistema
internacional por meio da maior democratização das instituições (McGrew, 2003). O déficit
democrático das organizações internacionais é um tema recorrente, e propõe-se a busca de
mais representatividade, transparência e responsabilidade (Falk, 1995; Comissão para a
Governança Global, 1995). Discutem-se assuntos como a presença de atores não estatais e o
papel da sociedade civil transnacional, e prevalece a visão de que a movimentação desses
setores favorece a democratização do sistema (Rosenau, 1990, 1997).
As críticas às perspectivas liberais, comuns aos campos marxista e realista, se concentram
na sua incapacidade de incorporar o exercício do poder às análises oferecidas, adotando
assim uma postura ingênua em face do papel das instituições internacionais (Halliday, 2000).
A perda de uma perspectiva ética e as limitações impostas pelo modelo do ator racional são
ressaltadas por inúmeros autores que serão discutidos adiante.

50
Funcionalismo
O funcionalismo está bem associado ao nome de David Mitrany, em particular sua
monografia A Working Peace System (Mitrany, 1946), e à criação do sistema de agências
funcionais da ONU no pós-Segunda Guerra. Uma agenda fortemente normativa propunha
que uma rede de organizações transnacionais, com base funcional, poderia constranger a
política externa dos Estados e, em última instância, evitar a guerra. O autor estabelecia pela
primeira vez uma conexão clara entre a cooperação funcional, a ser discutida no Capítulo 4,
e a segurança internacional.
Essa perspectiva concentra-se em uma proposta gradualista para o problema da ordem
internacional, partindo da premissa de que a “forma” segue a “função”. Hábitos de
cooperação seriam constituídos em áreas mais técnicas, nas esferas econômica e social, nas
quais o interesse comum pode emergir mais facilmente. Com o tempo, o hábito de interação,
a construção de valores comuns e instituições permitiriam que a prática da cooperação
transbordasse para a arena política (um processo referido pela bibliografia como spill over).
A visão positiva da crescente interdependência entre as sociedades, retomando a associação
entre comércio e paz presente no liberalismo do século XIX, é a base para a proposta
funcionalista.
O bem-estar da população não estaria sendo garantido pelo Estado nacional, e uma maior
cooperação internacional, ao satisfazer necessidades nesse campo, levaria a uma
transferência de lealdade, permitindo a construção do que Mitrany chamou de um sistema
de paz. A construção de uma comunidade política menos particularista do que o Estado-
nação, com base em um processo de aprendizado coletivo e na administração técnica, seria o
fundamento do sistema de paz.
Duas avaliações complementares estão presentes aqui. Por um lado, a possibilidade de
cooperação aumentaria quando a natureza do problema a ser enfrentado impusesse a
coordenação de políticas entre as partes. Trata-se de questões em que o fluxo de bens,
pessoas e formas de comunicação gera a necessidade de coordenar as diferentes ações do
Estado. O avanço tecnológico seria um grande impulsionador desse processo.
Por outro lado, a cooperação nessas esferas da ação do Estado não representaria uma
ameaça frontal à soberania e não teria implicações para a formulação autônoma de políticas
externas voltadas para o “interesse nacional”. Assim, a cooperação torna-se aceitável para os
atores, que reagem negativamente às propostas de transformação das relações entre os
Estados que afetam de maneira direta o princípio da soberania. A soberania não seria
superada, como em propostas de formação de um governo mundial, mas compartilhada;
uma parcela de soberania seria transferida para uma nova autoridade. A cooperação em
áreas específicas é enfatizada, sendo que as próprias tarefas e necessidades delineiam o
contorno dessas áreas. A realização dessas tarefas por meio de organizações separadas que
congregam especialistas e técnicos é vista de forma positiva.
A preocupação com as causas da guerra, central para a literatura de relações
internacionais, está presente aqui em uma versão orientada para questões sociais. Os
conflitos armados são associados a problemas sociais, como pobreza, fome, doenças e baixo
nível educacional. A cooperação internacional poderia enfrentar essas questões. O trabalho
das organizações funcionais no campo da ajuda ao desenvolvimento, ainda hoje, tem como
um de seus fundamentos essa perspectiva.
Os especialistas que trabalham nas organizações internacionais são atores centrais, pois
eles teriam uma identidade profissional com colegas de diferentes partes do mundo que

51
poderia vir a ultrapassar sua lealdade com o Estado nacional. Enquanto os diplomatas
tenderiam a defender o interesse nacional, os especialistas estariam em uma posição
privilegiada para levar adiante a cooperação em áreas específicas, concentrando-se em
aspectos técnicos. Eles seriam os principais agentes do processo de aprendizagem de
cooperação, que pode transbordar das áreas técnicas para a arena política. Por outro lado,
abre-se a possibilidade de pensar o processo de interação entre agências específicas dos
governos, em vez de se basear apenas na interação entre Estados como unidades fechadas.
As críticas mais veementes à visão original de Mitrany apontam para a necessidade de
politizar o debate; a separação entre política e cooperação funcional que fundamenta essa
perspectiva não retrataria a realidade. A própria distinção entre uma esfera técnica e uma
esfera política pode ser questionada. A história dos processos de cooperação funcional indica
que a opção pela cooperação, distância ou conflito muitas vezes emerge de objetivos políticos
mais amplos. A cooperação no campo técnico não transborda necessariamente para o campo
político — em última instância, decisões políticas difíceis devem ser tomadas (Haas, 1964).
Contudo, a perspectiva funcionalista avançou propostas que permitem compreender a
realidade da imensa rede de organizações funcionais hoje existente em alguns aspectos
relevantes. A ideia de associar o exercício de autoridade a agentes funcionalmente definidos,
em contraposição ao princípio que rege o sistema internacional contemporâneo, o qual
associa a autoridade a um território definido, é bastante inovadora. Ademais, a visão de um
processo de transnacionalização das relações sociais também já está presente.

52
Neofuncionalismo
Por meio da observação do funcionamento das organizações de integração que foram
criadas na Europa ao fim da Segunda Guerra — a CECA (Comunidade Europeia do Carvão
e do Aço), a Euratom (European Atomic Energy Community — Comunidade Europeia de
Energia Atômica) e a CEE (Comunidade Econômica Europeia) —, autores como Ernst Haas
e Philippe Schmitter desenvolveram uma perspectiva teórica que combina aspectos do
funcionalismo com aspectos do federalismo (Haas, 1958, 1964; Schmitter, 1969; Lindberg &
Scheingold, 1970; Nye, 1971). Tratava-se de pensar a forma como o processo de integração
regional europeu desafiava o sistema de Estados territoriais e construir uma teoria que
pudesse captar o caso singular da Europa, mas que pudesse ser aplicada a outras regiões, ou
seja, criar uma teoria geral de integração regional, no contexto da revolução behaviorista. O
neofuncionalismo tornou-se a teoria de integração hegemônica nos anos 1950 e 1960, mas
caiu em descrédito nos anos 1970, quando o processo de integração europeu parecia
23
desgastado e Haas publicou um artigo afirmando sua obsolescência (Haas 1975) . Uma das
principais premissas dessa perspectiva, baseada no funcionalismo, é que um processo
gradual de integração em áreas específicas transborda para novas áreas de integração (spill
over). Assim, se Estados adquirem maior integração em áreas particulares, como o setor
energético, haverá um incentivo para maior integração em outras áreas. Ademais, a
integração gera mudanças de lealdade para novas arenas políticas e novas formas de
autoridade. À medida que problemas em determinadas áreas são enfrentados, o apoio às
instituições regionais aumenta. Diferentemente do funcionalismo, no entanto, o
neofuncionalismo atribui maior capacidade de agenciamento aos atores políticos. Órgãos
supranacionais têm particular importância, mas também atores da sociedade civil, que se
transnacionalizam no decorrer do processo de integração, criando comunidades políticas
pós-nacionais. A existência de órgãos supranacionais, como a Comissão Europeia, também
eleva o nível da cooperação e da integração; já não diz respeito a encontrar um mínimo
denominador comum, mas a trabalhar com interesses comuns, possivelmente chegando à
formação de uma nova comunidade política.
Outra diferença entre o funcionalismo e o neofuncionalismo é que o último propõe que a
cooperação internacional e a criação de organizações internacionais tenham como base
regiões, devido a maior interdependência e proximidade cultural. Segundo o
neofuncionalismo, a erosão da soberania do Estado transformaria as relações internacionais,
gerando o tipo de consenso encontrado em sistemas políticos domésticos. Assim como no
caso dos funcionalistas, as críticas a essa perspectiva se concentram no conceito de
transbordamento. A resolução de problemas em diferentes setores não leva facilmente a
transformações no campo político, em particular no que se refere à identificação com uma
comunidade política. Ademais, a predominância dos interesses estatais se mantém,
particularmente no que se refere à área da segurança internacional, havendo grande
ceticismo quanto à possibilidade de realização das previsões neofuncionalistas. Como
mencionado, o próprio Haas admitiu que o processo gradual previsto em sua teoria havia
sido interrompido por eventos da “alta política”, tais como a política europeia de De Gaulle,
impedindo o avanço em direção à supranacionalidade, salientando o duplo movimento de
24
integração e desintegração (Haas, 1967).
Os autores que adotam a visão neofuncionalista, assim como aqueles que analisam os
25
múltiplos níveis de governança gerados pelo processo de integração, argumentam que

53
processos de integração geram transformações na natureza das comunidades políticas. Esse
argumento é criticado pelos realistas e neoliberais, que afirmam a contínua preeminência do
Estado. A perspectiva intergovernamentalista afirma que apenas a convergência de
preferências nacionais pode levar à integração dado que a estrutura do sistema internacional
determina o comportamento egoísta dos Estados, que sempre buscam maximizar seu poder.
Os Estados guardam as portas entre as nações e o bloco regional, preservando sua soberania.
Autores como Stanley Hoffmann, por exemplo, criticaram a perspectiva neofuncionalista
baseada em uma visão realista, salientando a centralidade dos Estados, afirmando que a
integração regional apenas poderia ter sucesso no campo econômico (Hoffmann, 1996). A
mesma posição é defendida pela perspectiva intergovernamentalista liberal, desenvolvida por
Andrew Moravicsik (1998).
Tendo como pano de fundo a renovação da integração europeia na década de 1980,
Philippe Schmitter tentou reviver o neofuncionalismo, em um artigo intitulado
26
neoneofuncionalismo. A transferência de papéis sociais, ação coletiva e interesses dos
atores do nível nacional para o supranacional continua no centro das atenções dos teóricos
voltados para o estudo da integração regional. Entretanto, uma série de expectativas da
proposta neofuncionalista foi frustrada, particularmente no que concerne ao papel crucial
das autoridades supranacionais em garantir o avanço ou impulsionar o retrocesso do
processo de integração. Assim, os ciclos decisórios que levam à transferência de autoridade
para a esfera regional são analisados de forma mais complexa, envolvendo uma série de
crises geradas por contradições endógenas e tensões exógenas. Esse processo não é
automático nem irreversível, e não é homogêneo para todas as áreas temáticas.

54
Economia Política Internacional e o Marxismo
Os teóricos de economia política internacional e marxistas consideram a estrutura do
sistema capitalista, o processo de acumulação em uma escala global, as relações entre classes
sociais e o interesse das elites das potências capitalistas em manter a reprodução do sistema
elementos essenciais para a compreensão das instituições internacionais, e, mais
especificamente, das organizações internacionais. Segundo Susan Strange, uma das
precursoras da área de economia política internacional na London School of Economics, a
política global deve ser vista como a luta entre Estados e mercados (Strange, 1988).
O marxismo se desenvolveu como uma perspectiva teórica baseada no trabalho de Karl
Marx e, ao longo dos últimos 150 anos, diversas vertentes foram geradas. A análise da
estrutura profunda do sistema capitalista, um modo de produção que caracteriza uma parte
da história humana, é um objetivo comum aos atores marxistas. Eles partem de uma visão da
realidade social como uma totalidade, em que as relações sociais estão interconectadas. Uma
dinâmica central das relações econômicas é focalizada: a relação entre meios de produção e
relações de produção. A tensão entre instrumentos, tecnologias e trabalho, os quais
compõem o mundo da produção, e as relações que organizam esse mundo, como o trabalho
assalariado e a propriedade privada no caso do capitalismo, é vista como o motor da história.
A perspectiva de emancipação, associada à busca da autonomia, está também presente na
maior parte dos escritos marxistas.
Os estudos sobre o imperialismo, no começo do século XX, são os primeiros movimentos
explícitos de aplicação da teoria marxista à compreensão das relações internacionais.
Vladimir Lenin desenvolve o conceito de capitalismo monopolista, salientando a divisão
27
entre o centro do sistema e a periferia menos desenvolvida. De acordo com a teoria de
Vladimir Lenin (Lenin, 1964) sobre o imperialismo, as instituições internacionais são
arranjos possíveis para as potências imperialistas, em um dado momento histórico, que
permitem administrar a competição entre elas (Fernandes, 1992).
O debate entre autores marxistas em torno da natureza do imperialismo, presente no
início do século XX (Kautsky, 1988; Bukharin, 1972) e reconduzido às plataformas de
discussão sobre o sistema internacional a partir do final dos anos 1960, versa sobre a relação
entre as potências imperialistas, sua rivalidade ou a construção de coalizões para a
reprodução do sistema. Nesse contexto, o domínio do capitalismo norte-americano e a
perspectiva de seu declínio são temas centrais (Poulantzas, 1974; Van der Pijl, 1984).
O debate marxista sobre o imperialismo e a bibliografia marxista em ciências sociais ou
28
economia desenvolveram-se à parte da disciplina de relações internacionais. Somente a
partir da década de 1970, o marxismo adquiriu um lugar como uma teoria de relações
internacionais. A análise sistêmica, focalizada nos padrões de dominação, e a crença em uma
mudança revolucionária representam uma visão bastante distinta das perspectivas liberal e
realista dominantes na disciplina. O conflito não opera apenas entre Estados, mas dentro e
através destes. A crítica ao realismo empreendida por Justin Rosenberg, por exemplo,
apresenta o sistema de Estados historicamente contextualizado e profundamente marcado
pelas relações sociais ou pelo modo de produção predominante (Rosenberg, 1994). A
anarquia não é uma característica natural do sistema internacional, como propõem os
autores realistas; ao contrário, está associada ao modo de produção capitalista.
A discussão sobre governança global adquire aqui novo significado. A manutenção de
uma forma de organização da economia política internacional que garanta a reprodução do

55
capitalismo, dominada pelo polo norte-americano, é a chave explicativa para a análise das
instituições internacionais que compõem o triunfo do neoliberalismo nos anos 1980 e 1990
(Panitch, 2000; Gowan,1999). Michael Hard e Antonio Negri, por sua vez, afastando-se da
visão do processo de reprodução do sistema capitalista sustentado pelo Estado nacional, ou
em particular o Estado norte-americano, avançam a ideia de um aparato de poder
descentralizado e desterritorializado (Hard & Negri, 2001).
A teoria crítica, assim como o trabalho de Antonio Gramsci, buscou responder à
frustração dos marxistas diante da realidade europeia nos anos 1920 e 1930. Em
contraposição ao otimismo quanto ao seu projeto de emancipação, marxistas de todas as
vertentes assistiam à ascensão do fascismo. Assim, tanto teóricos críticos quanto Antonio
Gramsci, entre outros marxistas, salientam que uma variedade de forças, além daquelas que
compõem o mundo da produção, molda a história humana.
A teoria crítica, fortemente associada ao marxismo, foi introduzida no estudo de relações
internacionais no contexto das críticas ao positivismo nos anos 1980 (Linklater, 1996; Cox,
1981). Esse grupo teórico está associado a autores da Escola de Frankfurt, como: Max
Horkheimer, Theodor Adorno e Jungen Habermas — autores que empreenderam uma
crítica à epistemologia positivista e que criticaram a ideia de que produzir conhecimento
consiste em investigar a regularidade do comportamento, baseando-se em evidências
empíricas e modelos abstratos. Opuseram-se também ao pressuposto de que podemos ter
acesso a uma realidade objetiva e separada do observador. O debate sobre a relação entre
interesses e a constituição do conhecimento é central para esses autores. Outros eixos de
conflito, para além das relações de classe, são incorporados às análises. Assim, é possível
pensar diferentes formas de exclusão e inclusão geradas por comunidades demarcadas.
Alguns autores, como Robert Cox (Cox, 1989), enfatizam a reação dos Estados do Terceiro
Mundo e de movimentos políticos ao processo de globalização. Outros, como Andrew
Linklater (Linklater, 1990), focalizam as relações entre as comunidades definidas pela
existência do Estado soberano e o resto do mundo. Linklater parte da concepção de
Habermas de um processo de emancipação através da comunicação para propor a expansão
das fronteiras morais da comunidade política (Habermas, 1999). Sua visão de uma relação
ética, obrigações e direitos que não estariam confinados pelas fronteiras do Estado-nação se
aproxima da perspectiva cosmopolita, que será analisada na próxima seção.
A influência do trabalho do marxista italiano Antonio Gramsci molda a pesquisa de um
conjunto de autores que discutem a importância de elites globalizantes na estruturação da
economia política global (Cox, 1986; Gill, 1994). O trabalho de Robert Cox foi pioneiro na
proposição de uma análise gramsciana das relações internacionais, ainda no início da década
de 1980 (Cox, 1981; Cox, 1983). O tratamento do conceito de hegemonia se distingue da
forma que tradicionalmente informa a literatura de relações internacionais, estando
associado a uma concepção de poder como mistura de coerção e consenso. A construção do
consenso se dá pelo tratamento de questões particulares como questões universais. A
construção do consenso através das instituições da sociedade civil passa a ser um tema
crucial.
Cox se refere à forma consensual que o poder adquire na constituição de uma ordem
mundial, podendo assim ser aceita pelas partes dominadas. Uma determinada classe social
exerce a hegemonia quando transcende seus interesses econômicos particulares e é capaz de
29
conectar diversas aspirações, interesses e identidades formando um bloco histórico. Os
intelectuais têm um papel fundamental nesse processo, desenvolvendo e sustentando

56
imagens mentais, tecnologias e organizações que vinculam os membros de uma classe e de
um bloco histórico na formação de uma identidade comum (Cox, 1983). Enquanto a
realidade doméstica é a referência para o conceito de hegemonia, em sua concepção
gramsciana, especialistas em relações internacionais buscam compreender sua dimensão
internacional.
O FMI (Fundo Monetário Internacional), a OMC (Organização Mundial do Comércio)
ou o Banco Mundial são organizações nas quais a atuação dessas elites é particularmente
relevante, incidindo de maneira direta sobre as relações entre o norte desenvolvido e o sul
menos desenvolvido. Interesses e ideias dominantes são apresentados como universais e
reproduzidos com base nas OIGs, permitindo a continuidade da dominação capitalista
(Murphy, 1994). O processo de integração europeia também foi interpretado à luz da
perspectiva gramsciana, a partir de uma crítica às teorias neofuncionalista e
intergovernamentalista. O contínuo conflito que gera o processo de integração, e que
poderia ter resultado em caminhos muito diferentes, é salientado (Bieler & Morton, 2001).
Partindo de uma crítica ao sistema capitalista, teóricos marxistas salientam o papel das
organizações internacionais no processo de reprodução desse modo de produção. Para
autores que mantêm a ortodoxia materialista, elas não são mais do que um epifenômeno das
relações estruturais econômicas e de poder. Outros, contudo, conferem atenção às
organizações internacionais, tratando-as como arena de formação de coalizões entre as
potências capitalistas, como produtoras de mecanismos de submissão de Estados na periferia
do sistema e como espaço de formação de hegemonia e reprodução das relações de poder
dominantes (Chimni, 2004).

57
Perspectiva Cosmopolita
A relevância do pensamento cosmopolita, uma postura filosófica e normativa para a
discussão sobre organizações internacionais, refere-se a dois temas centrais, tratados por um
conjunto de autores: a existência de valores universais e o déficit democrático. Essa visão do
mundo pode se associar ao liberalismo, a perspectivas de economia política marxista, à teoria
crítica ou com algumas vertentes do construtivismo porque admitem a adoção de uma
atitude normativa e uma preocupação com a emancipação da humanidade. A perspectiva
cosmopolita é a versão mais antagônica à noção de que o sistema internacional comporta um
vácuo moral no qual apenas as relações de poder são relevantes.
A construção da democracia, que amplia lentamente o conceito de cidadania, teve como
base o Estado-nação como comunidade política. A crescente importância de estruturas de
autoridades internacionais cria assim uma disjunção entre os direitos de cidadania,
particularmente no que se refere à participação no processo político, e o lugar de onde
emergem muitas das normas que regem a vida de indivíduos e grupos. Uma grande
variedade de problemas não pode ser administrada no contexto doméstico ou mesmo pela
lógica de uma separação rígida entre as esferas doméstica e internacional. O tráfico de
drogas, as pandemias, o uso de recursos naturais não renováveis, a alocação de lixo nuclear, a
proliferação de armas de destruição em massa, o aquecimento global, a regulação de
mercados financeiros são questões progressivamente percebidas como transnacionais,
requerendo estruturas de autoridade internacionais e transnacionais para poderem ser
enfrentadas. Por outro lado, os mecanismos de controle e participação democráticos,
desenvolvidos nos últimos 200 anos, têm como referência básica o Estado-nação. Abre-se
assim o debate sobre a perspectiva de construção de uma cidadania cosmopolita.
A incorporação de valores universais pelas instituições internacionais, ao longo dos
séculos XX e XXI, tem sua base ideacional em postulados sobre a humanidade. A perspectiva
cosmopolita propõe uma análise da política com base na ideia de um ser humano universal.
As formas de organização política para o mundo devem ter como base princípios morais
universais (Held, 2003). Podemos encontrar as origens dessa visão no estoicismo, que
incorporou a noção de uma comunidade mais ampla do que a comunidade local,
fundamentada em ideais humanos, aspirações e na capacidade de argumentação. O
julgamento moral não poderia assim ser baseado nos critérios de uma comunidade política
específica. No cosmopolitismo estoico, já é afirmado um vínculo universal entre os homens.
Os conceitos de cidadania e Estado, com dimensão mais universal, nascem no ocidente como
resultado da especulação filosófica grega e desenvolvem-se no império romano, sempre
lembrado posteriormente como um modelo para um governo mundial. As ideias de
humanidade e império sobrevivem durante o período medieval, no sonho da reconstituição
do império romano. O humanismo renascentista e a visão de reconstituição do império pelo
imperador Habsburgo Carlos V retomam o tema durante a transição para a modernidade,
quando o Estado territorial ainda não havia se firmado como a forma de organização da
política.
Movimentos religiosos do século XVI e XVII elaboraram as primeiras críticas ao sistema
de Estados modernos, inaugurando um dos aspectos da tradição cosmopolita moderna.
Protestantes, particularmente calvinistas, enfatizavam a corrupção e a perversão do sistema
de Estados modernos, jesuítas contrapunham a Cristandade à divisão entre Estados-nação.
No mesmo período, Eméric Crucé e outros faziam propostas para a unificação da Europa,

58
tendo em vista o estabelecimento da paz, em contraposição ao movimento de divisão
territorial imposto.
No século XVIII, a perspectiva cosmopolita ganha sua forma moderna. A unidade cristã
ou imperial da Europa é substituída pela discussão sobre os direitos naturais dos homens.
São elaboradas propostas universalistas, que incorporam de formas distintas a possibilidade
de traduzir a universalidade da comunidade humana em termos de uma organização
política. Os filósofos da ilustração construíram uma autoimagem de uma elite cosmopolita
transnacional: nas palavras de Thomas Paine, “meu país é o mundo” (Paine, 1969). A tensão
entre a condição humana de ser político e a concepção de cidadania nacional inicia seu
trajeto.
O trabalho de Immanuel Kant (Kant, 1970) parte de sua discussão sobre razão e seu uso
público para apresentar a possibilidade de participação em um mundo cosmopolita, em
contraposição à participação em uma sociedade civil. O direito cosmopolita de se apresentar
e ser ouvido, por meio de comunidades políticas; e a existência de uma comunidade
universal e de uma cidadania universal são introduzidos pelo filósofo, que marcaria grande
parte da literatura de relações internacionais, como de outras áreas do conhecimento. As
consequências da perspectiva filosófica da ilustração atingem a soberania interna e externa
do Estado territorial. Isso porque suas propostas adiantavam a ideia de uma sociedade
internacional de Estados, expressa em particular na defesa do direito internacional, e porque
reclamavam direitos universais inalienáveis, os quais o poder estatal não poderia atingir.
Nesse contexto, as propostas federativas, como aquelas defendidas por I. Kant e J.
30
Bentham, tiveram maior impacto. Contudo, a ideia de uma república universal chegou a
31
ser discutida por Anacharsis Cloots.
Kant acreditava na possibilidade de transformar as relações internacionais com o
desenvolvimento histórico da vida moral e da formação de uma sociedade civil universal.
Deveres e obrigações inerentes à humanidade permitiriam a extensão das fronteiras da
comunidade moral e política. É nesse sentido que Kant adianta-se ao debate atual sobre a
necessidade de lidar com a incongruência entre as fronteiras do Estado-nação e a criação de
normas. A força da lei deveria prevalecer em cada Estado, nas relações entre eles e nas
relações internacionais, que ultrapassam a esfera interestatal. Kant não era um pacifista,
como um leitor desatento de seu panfleto, A paz perpétua, poderia concluir, mas um
legalista. Sua formulação de um direito cosmopolita, distinto do direito internacional, refere-
se às condições de hospitalidade universal e fundamentou sua crítica ao colonialismo. Para
ele, discutir uma das questões centrais para a política internacional — a guerra — implica
repensar o conceito particularista de cidadania. Segundo o autor, a paz seria alcançada no
momento em que todos os Estados fossem republicanos.
A tradição cosmopolita, em relações internacionais, é marcada pela ofuscação da distinção
entre sociedades domésticas e internacional e entre estado da natureza e sociedade civil
(Wight, 1991). A sociedade internacional é apresentada como uma sociedade de indivíduos,
e a constituição ou presença de valores cosmopolitas é defendida. Nesse sentido, o aspecto
particularista da cidadania moderna é questionado. A crítica ao particularismo, inerente à
moderna concepção de cidadania, é feita por diversos filósofos políticos que reivindicam
critérios universais para a definição de direitos e deveres (Beitz, 1979). O impacto da
consciência e a interdependência entre sociedades nacionais sobre o pensamento
cosmopolita têm como marco a realidade nuclear. A Declaração de Montreux, por ocasião

59
da Primeira Conferência do Movimento Mundial para um Governo Federal Mundial em
1947, e a campanha de Albert Einstein, por um governo mundial, são exemplos
representativos. Subsequentemente, a preocupação com a ecologia tem o mesmo efeito. A
proposta federalista de criação de um direito mundial (e não internacional), de cortes globais
e de um aparato para garantir que essas leis sejam respeitadas está presente em movimentos
sociais e textos acadêmicos. Por fim, os documentos que definem os direitos humanos, desde
a Declaração Universal de 1948, podem ser inseridos na história das ideias cosmopolitas.
David Held resume os três elementos que caracterizam as preocupações de autores hoje
vinculados a essa perspectiva (Beitz, 1994; Barry, 1998): o princípio do igualitarismo
individualista, ou seja, cada indivíduo tem valor moral igual e os indivíduos são as unidades
últimas de considerações morais; o princípio do reconhecimento recíproco, ou seja, os
argumentos de todos devem ser ouvidos; e o tratamento imparcial perante práticas, regras ou
instituições (Held, 2003b). Ele resume sua posição afirmando que o cosmopolitismo implica
a existência de um espaço ético e político que estabelece os termos de referência para o
reconhecimento da igualdade moral, capacidade de ação das pessoas e gestação de sua
autonomia e de seu desenvolvimento (Held, 2003a).
A perspectiva cosmopolita, tendo um forte caráter normativo, representa um caminho
fecundo para uma crítica às organizações internacionais, em particular às relações de poder
que as dominam. Ademais, a visão universalista da humanidade encontra expressão concreta
em diversos princípios, normas e regras gerados e realizados no contexto das organizações
internacionais, em especial no campo político. O regime de direitos humanos e a ideia de
proteção do ecossistema partem do princípio do igualitarismo individualista. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção sobre Tortura de 1984 ou o Estatuto
da Corte Criminal Internacional, entre outros, representam a presença, ainda que de difícil
implementação, de princípios cosmopolitas. Estes convivem em constante tensão com a
defesa de interesses e identidades particulares. Finalmente, as organizações não
governamentais podem ser estudadas como parte de um movimento para formação de uma
cidadania global.

60
Construtivismo
O construtivismo tornou-se uma vertente central ao debate em relações internacionais,
sendo uma referência para qualquer estudante interessado nesse campo de estudos. A
diversidade intelectual desses autores torna a tarefa de definir o construtivismo, como corpo
teórico, bastante difícil. No entanto, a preocupação com os processos de interação social e a
construção de ideias compartilhadas, interesses, identidades e instituições sociais e com a
incorporação dos debates da teoria social é uma característica comum. Ademais, esse
movimento gera uma preocupação particular com a transformação e as histórias destas
mesmas ideias, interesses, identidades e instituições sociais. Os pesquisadores neste campo
permitiram então que autores como Max Weber, Emile Durkheim ou Pierre Bordieu e
Michel Foucault passassem a fazer parte das discussões dentro do campo de relações
internacionais. As diferentes relações estabelecidas com autores das ciências sociais e da
filosofia acabam por produzir perspectivas distintas, mais ou menos críticas às relações de
32
poder e formas de interação social existentes.
Caracteriza o conjunto de trabalhos associados à perspectiva construtivista a tentativa de
desnaturalizar os conceitos mistificados pela literatura de relações internacionais, como
anarquia e interesse nacional. Autores construtivistas conferem especial atenção ao processo
de formação de identidades e interesses, como esses mudam e qual a relação entre os dois.
Ideias, valores, normas e crenças devem ser considerados de forma central nas explicações
sobre o funcionamento do sistema internacional, deslocando a ênfase no mundo material.
Seu tratamento das instituições internacionais, e em particular das organizações
internacionais, é moldado por essas preocupações.
Os atores não existem separados de seu ambiente social e dos sistemas de significados
compartilhados, ou seja, da cultura. Atores e estruturas sociais são mutuamente constituídos.
O ambiente social em que nos encontramos define nossas identidades como seres sociais; ao
mesmo tempo, a agência humana cria, reproduz e muda a cultura através de práticas
contínuas. Não podemos nem tomar como base as estruturas sociais para então
compreender os atores, nem fazer o inverso. Ademais, as consequências não intencionais do
comportamento são consideradas. Assim, organizações internacionais podem ser vistas
como um espaço social que modifica e é modificado pela interação com atores como Estados
ou outros atores coletivos.
As práticas discursivas e de comunicação adquirem importância. Elas permitem que os
atores confiram sentido ao mundo e às suas atividades. As práticas discursivas e de
comunicação também estabelecem relações de poder, já que determinam a forma como
problemas são delineados e quais perguntas são levantadas. Por outro lado, a argumentação,
a tentativa dos atores de justificar seu comportamento e a disposição de mudar sua visão
33
pelo processo de comunicação também são estudadas.
Onuf começa sua análise da vida social com a ideia de regra, ou seja, uma proposição que
afirma o que as pessoas devem fazer. As regras proveem guias para o comportamento
humano e permitem a existência de significados compartilhados. Por meio da linguagem,
essas proposições ganham realidade. Esse processo de construção está associado aos recursos
disponíveis aos diferentes atores e é limitado por fatores materiais. Os atores movem-se em
um contexto institucional em que padrões estáveis de regras e práticas associadas a essas
regras estão presentes. Ao mesmo tempo, eles agem sobre esse contexto transformando-o.
Onuf ressalta ainda a importância das consequências não intencionais da ação e os limites

61
para as possibilidades de transformar o contexto institucional. Regras, instituições e
consequências não intencionais formam padrões que ele chama de estruturas.
O predomínio do debate entre realistas e liberais nos anos 1980 teve como uma de suas
consequências a ausência do tratamento da formação de preferências dos Estados pela
literatura de relações internacionais. Esse tema é extraditado da literatura, seja pelo suposto
da racionalidade estritamente utilitária e uma ontologia individualista também utilitária,
adotadas por liberais e realistas, seja pela busca de fatores explicativos no nível sistêmico por
neorrealistas. No contexto da crítica ao positivismo, que influencia grande parte da literatura
de relações internacionais a partir dos anos 1980, o pressuposto de que atores são movidos
por uma racionalidade instrumental e convivem em um mundo com estruturas predefinidas
34
é criticado. Nesse contexto, estudar como a racionalidade dos atores e as instituições do
sistema internacional são construídas adquire novo sentido. Dessa forma, podemos falar de
um eixo de discordância, central à disciplina a partir dos anos 1980, entre construtivistas e
racionalistas, anunciado em uma conferência da ISA (International Studies Association), em
1988, por Robert Keohane (Keohane, 1988). Liberais e realistas se atêm a uma visão do ator
racional que se move com base em um cálculo de custos e benefícios; construtivistas, por sua
vez, se voltam para o processo intersubjetivo que produz uma visão de racionalidade,
podendo adquirir diferentes formas ao longo da história e através de culturas variadas.
Contrapondo-se à referência exclusiva à racionalidade instrumental e estratégica pelos
racionalistas, construtivistas trabalham também com o comportamento guiado por normas.
Os atores consideram qual o comportamento apropriado em uma dada realidade social.
Friedrich Kratochwil e John G Ruggie (Kratochwil & Ruggie, 1986) elaboraram uma
crítica à perspectiva racionalista do estudo de regimes internacionais, ainda em 1986, que
indica o caminho que a contestação construtivista à visão dominante no estudo de
instituições internacionais tomaria. Eles salientaram a negligência quanto ao papel de
sentidos intersubjetivos no estudo de regimes e defenderam uma agenda de pesquisa que
desse mais atenção às organizações internacionais. Mas o termo construtivismo e uma teoria
complexa foram apresentados pela primeira vez por Nicholas Onuf, em 1989 (Onuf, 1989).
Alexander Wendt tornou o debate mais acessível em seu artigo de 1992 (Wendt, 1992) e
posteriormente em seu livro (Wendt, 1999). Kratochwil também é uma referência central
para essa literatura (Kratochwil, 1989). Thomas Risse trouxe o pensamento de Jürgen
Habermas (2000) e a discussão sobre a difusão de normas para a disciplina de Relações
Internacionais (Risse et al., 1999).
O DEBATE ENTRE CONSTRUTIVISTAS E RACIONALISTAS
• Racionalistas: Partem do modelo do ator racional. As instituições são criadas conforme os
interesses dos atores, sendo os interesses exógenos ao modelo explicativo. As
racionalidades instrumental e estratégica são enfatizadas. As instituições modificam as
opções disponíveis para os atores.
• Construtivistas: Objetivam compreender e explicar a construção social dos atores e das
estruturas sociais. As estruturas sociais e os atores se constituem de maneira mútua. As
identidades, a racionalidade, os interesses e as preferências são construídos socialmente
(uma análise sociológica permite compreender esse processo). O papel das normas,
influenciando o comportamento, é enfatizado. As instituições modificam as opções
disponíveis para os atores, transformando suas identidades e interesses e gerando normas
relevantes.

62
Para autores construtivistas, as instituições internacionais têm um papel fundamental,
oferecendo um espaço em que interesses e identidades dos Estados e de outros atores podem
ser redefinidos. Logo, as instituições não se limitam a constranger o comportamento dos
atores ou a modificar a gama de opções disponíveis a eles. Da mesma forma, essas
instituições se transformam. Mesmo o conceito de soberania, a mais central das instituições
do sistema internacional, estaria se modificando (Reus-Smit, 1999). Se interesses e
identidades são construídos socialmente, as organizações internacionais, enquanto fóruns,
podem gerar um espaço de interação que constitui tais interesses e identidades enquanto é
formado. A dinâmica de gestação e funcionamento das instituições deve ser compreendida
no contexto intersubjetivo e não apenas material. As organizações internacionais são uma
arena em que normas e expectativas convergentes sobre o comportamento internacional são
desenvolvidas. As organizações internacionais produzem e ensinam normas, contribuindo
assim para mudar as formas de interação no sistema internacional.
Nesse contexto, é essencial compreender o processo de argumentação que ocorre quando
diferentes atores interagem. Esse processo é “produtivo”, pois gera resultados, mudanças nos
interesses, nas identidades e na atribuição de racionalidade às práticas sociais. As
organizações internacionais são, frequentemente, um fórum privilegiado para a realização
desse processo de argumentação. Elas podem ainda ser atores centrais do mesmo processo.
Michael Barnett, em seu estudo sobre genocídio, mostra como o Conselho de Segurança da
ONU tornou-se um fórum crucial no qual a argumentação e a relações de poder foram
exercidas (Barnett, 2003).
Na medida em que Estados são tratados como entidades sociais embutidas em um sistema
social internacional, eles podem ter seus interesses e identidades moldados por uma ação
produzida no âmbito internacional, possivelmente por organizações internacionais. As
políticas externa e doméstica dos Estados podem ser influenciadas por normas
internacionais, muitas vezes produzidas e difundidas pelas organizações internacionais.
A contribuição de Wendt tem marcado o tratamento da relação entre interesses e
35
identidade pela literatura aqui em foco. A presença ou ausência de cooperação não é
predeterminada pela estrutura anárquica do sistema internacional segundo o autor. Um
contínuo de identidades — da egoísta até a cooperativa — é possível, e a natureza do sistema
36
também varia. É o processo de interação que explica a construção de identidades, mas sem
a formação de identidades não podemos falar em interesses, não podemos saber o que
queremos se não sabemos quem somos (Wendt, 1999).
Ao contrário da perspectiva realista, segundo a qual, como vimos, os únicos atores
relevantes são os Estados, o construtivismo propõe que atores encontrados no nível
sistêmico podem ser proativos. São elaboradas explicações do comportamento dos Estados
que emergem da análise de processos e de atores no nível sistêmico, observando-se o papel
de ideias, de relações transnacionais, de comunidades epistêmicas, entre outros. As
organizações internacionais fazem parte desse conjunto. Ernst Haas já havia enunciado
algumas dessas questões anos antes. Contudo, enquanto os neofuncionalistas buscavam
explicar o processo de transferência de autoridade do Estado-nação para organizações
internacionais, enfatizando seu papel técnico, os construtivistas objetivam analisar o
processo de aprendizagem intrinsecamente vinculado à política.
O estudo do lugar do conhecimento especializado para o funcionamento e a relevância
das organizações internacionais foi impulsionado pela literatura sobre comunidades

63
epistêmicas. Essa literatura tem um caráter mais descritivo e, assim, não participa do debate
teórico lançado pelos autores mencionados. Contudo, seu alcance sociológico, em particular
sua ênfase em aspectos subjetivos, permite um amplo espaço para o diálogo. O termo
37
aparece em um número especial da revista International Organization, de 1992. Peter Haas
definiu uma comunidade epistêmica como uma rede de profissionais, reconhecidos como
especialistas em uma determinada área do saber, que adquire autoridade sobre
conhecimento relevante para a definição de políticas em uma área específica. Esses grupos
podem identificar interesses, delinear debates públicos, apontar para questões que devem ser
objeto de negociação, além de propor medidas específicas. Eles compartilham crenças
normativas (sobre como o mundo deve ser), crenças causais (sobre a relação entre políticas
específicas e resultados possíveis), noções de validação do conhecimento e o envolvimento
em práticas associadas a determinado conjunto de problemas.
Ernst Haas, por sua vez, em um artigo em que argumenta que o construtivismo subsume
o neofuncionalismo, introduziu a discussão sobre a forma como as organizações mudam
(Haas,1990). O autor busca explicar como as organizações definem os problemas que
buscarão resolver. Ele estabelece duas possibilidades básicas: a adaptação e o aprendizado. As
organizações se adaptam quando adicionam novas atividades à sua agenda e mudam
gradualmente. O processo de mudança envolve os meios para a ação. Novos objetivos são
incorporados, sem ser alcançado um encaixe lógico com aqueles já estabelecidos. As
organizações aprendem quando as crenças são questionadas e os objetivos e a formulação de
problemas são redefinidos. Nesse caso, as teorias que fundamentam as ações da organização
são questionadas. As comunidades epistêmicas têm um papel fundamental nesse processo.
As mudanças ocorridas no Banco Mundial seriam um exemplo desse último processo. Em
uma fase anterior, havia uma preocupação com projetos de infraestrutura e hoje se observa
uma ênfase no alívio da pobreza e na boa governança.
À medida que a perspectiva construtivista estabelece um diálogo mais intenso com a
literatura mais ampla de ciências sociais e busca estudar processos sociais, a literatura sobre
organizações apresenta-se como um conjunto bibliográfico a ser explorado. Os estudos sobre
cultura organizacional desenvolvidos por sociólogos e antropólogos a partir da década de
1970 são um polo para um novo diálogo. A visão de mundo dos indivíduos que colocam em
funcionamento as organizações internacionais incorpora regras, rituais e crenças enraizadas
nas estruturas organizacionais (Barnett & Finnemore, 1999). Devemos, por fim, salientar que
estudos baseados na perspectiva construtivista analisam a constituição e o funcionamento de
regimes internacionais (Hasenclever et al., 2000), assim como o processo de integração
regional (Risse, 2004).
Esse ambiente intelectual gerou uma preocupação com a história das organizações. Assim,
uma bibliografia sobre as instituições do sistema internacional, incluindo as OIs, e, mais
especificamente, sobre o sistema ONU foi produzida sob a liderança de Thomas Weiss. A
coleção da editora Routledge sobre instituições globais, focada na discussão sobre
governança global, inclui um conjunto de livros sobre organizações internacionais em que a
história, o funcionamento e o papel de cada organização são analisados na sua
38
especificidade. Nesse contexto, sob coordenação de Thomas Weiss, Louis Emmerij e
Richard Jolly, o projeto “História intelectual das Nações Unidas”, lançado em 1999, inclui
uma série de 17 volumes, publicados entre 2001 e 2010, em que variados pesquisadores
abordaram questões e desafios relevantes ao ordenamento internacional. Essa história

64
intelectual foi contada de um ponto de vista peculiar, segundo os próprios editores. Isto é,
uma história “orientada para o futuro” é narrada de acordo com a concepção da ONU,
organização essa cujas práticas passadas contribuíram para mudar o mundo por meio de
ideias inovadoras. Enfim, fundamentados na história das Nações Unidas, tais autores
constroem a trajetória que delimita o futuro guiado pelos termos da “governança global”, o
39
qual deveríamos alcançar (Pereira da Gama, 2011).
A literatura produzida pela Escola Inglesa também tem um renascimento nesse período.
Essa perspectiva tradicionalmente apresenta uma preocupação com análises históricas das
instituições internacionais (Linklater e Suganami, 2006) e tem como objeto central estudar a
natureza e a possibilidade de ordem na sociedade internacional. Com base na premissa de
que tal sociedade é anárquica, uma vez que é formada por Estados soberanos, argumenta-se
que a ordem internacional é mantida em grande parte pelas normas e instituições
internacionais e pela moralidade compartilhada. Autores que hoje escrevem dessa
perspectiva, como Andrew Hurrell ou Hidemi Suganami, ainda apresentam essa identidade
com os primeiros autores que permitiram a identificação da Escola Inglesa como Hedley Bull
e R. J. Vincent. O conceito de sociedade internacional, desenvolvido por essa perspectiva,
está embasado no argumento de que a prática dos Estados é moldada por normas
internacionais, por princípios morais e por instituições internacionais como a diplomacia e o
comércio, além das relações de poder. Interesses comuns e mútuo reconhecimento permitem
o surgimento de formas de interação social mesmo sendo mantida a independência entre as
unidades políticas. Instituições que podem surgir de interesses comuns numa visão
pluralista, ou de valores comuns em uma visão mais solidarista, são a base do funcionamento
da sociedade internacional e da manutenção de uma ordem internacional. Uma sociedade
mundial em que valores e normas comuns transcendem as comunidades nacionais também é
discutida em grande medida com base na discussão sobre direitos humanos. Embora as
organizações internacionais não sejam um tema central de estudos no âmbito desse
paradigma analítico, é possível incluir o debate desses atores internacionais em um contexto
mais amplo de construção do sistema internacional, da sociedade internacional ou da
sociedade mundial. Em outras palavras, no âmbito do debate pluralismo/solidarismo, no
qual o tema dos direitos humanos e, em consequência, os dilemas e desafios relacionados às
questões das intervenções humanitárias e da responsabilidade do Ocidente em relação ao
mundo em desenvolvimento (Sul Global) se tornam centrais, é possível refletir criticamente
acerca do papel das organizações internacionais como mais um elemento – ou ator –
40
relevante no processo de ordenamento internacional.

65
Perspectivas Críticas
Embora ainda sejam raras as análises pós-coloniais sobre as organizações e instituições
internacionais como um todo, é possível compreender e explorar as contribuições desse
paradigma analítico, em particular quando se trata especificamente das operações de paz
empreendidas pela Organização das Nações Unidas, em particular no período posterior à
Guerra Fria. Nesse contexto, autores como Moreno (2011), Richmond (2010), Sabaratnam
(2013) e Lidén (2009) tratam da crítica à paz liberal que informa as operações de paz e ao que
afirmam ser o legado colonial de tais operações.
Diferentemente das missões de operações de manutenção da paz clássicas da ONU durante a
Guerra Fria, as “novas” operações de paz a partir da década de 1990 passaram a envolver um
escopo muito mais vasto de atividades e atores (ver análise no Capítulo 3 sobre Segurança
Coletiva). Essas atividades visam não apenas o fim do conflito armado, mas, principalmente,
têm a pretensão de lidar com as causas profundas do mesmo, evitando sua retomada por
meio da recriação das instituições centrais do Estado e da sociedade. No fim, o objetivo
central dessas missões é a construção de Estados por meio de ações, tais como a
desmobilização e integração dos antigos combatentes à sociedade civil, fornecimento de
ajuda financeira, assistência humanitária, organização e fiscalização de eleições, repatriação
de refugiados, reconstrução da estrutura física dos países, monitoramento dos direitos
humanos, reestruturação do sistema judiciário e reforma legislativa. Nesse sentido, como
argumenta Moreno (2011), na maior parte da literatura sobre as “novas” operações de paz da
ONU, tais práticas são percebidas como um sinal de progresso e de “humanização” da
política mundial.
Em face da apresentação das “novas” operações de paz enquanto processos mais consensuais
e multilaterais do que os anteriores, que incluem a participação da população do Estado-alvo
e, em muitos casos, levados a cabo em nome dos Direitos Humanos universais (Paris, 1997),
perspectivas pós-coloniais buscam explorar como tal discurso é ainda informado e articula a
estratégia colonial de estabelecer fronteiras hierárquicas entre o “Eu” e o “Outro”, o
“moderno” e o “tradicional”, a “ordem” e a “desordem” (Moreno, 2011). Isto é, por meio da
abordagem pós-colonial, é possível criticar tal discurso ancorado em oposições binárias que
autorizam e promovem as operações de paz da ONU enquanto meios de “salvação”, do
“progresso” e da “modernização” de tais sociedades-alvo, produzidas e articuladas como
“atrasadas”, “falidas” ou “pré-modernas”. Nas palavras de Moreno (2011), a tarefa pós-
colonial é justamente a de evidenciar e permitir desconstruir tais polaridades, as quais
autorizam no plano político uma relação assimétrica entre o Ocidente e o seu “Outro” e
seguem orientando a produção de conhecimento e a intervenção política mesmo depois da
extinção do colonialismo formal.
Somando as críticas pós-coloniais às operações de paz da ONU, é importante incluir os
esforços dos autores que, ao criticar o projeto da “paz liberal”, questionam o nexo segurança-
desenvolvimento e o consequente incentivo às intervenções internacionais cada vez mais
abrangentes e intrusivas (ver, por exemplo, Duffield, 2001, 2007; Chandler, 2006; Richmond,
2005; Pugh, 2004, 2005). A paz liberal pode ser compreendida enquanto uma série particular
de ideias e práticas que visam reformar e regular os processos políticos no sul global e, assim,
evitar tanto a pobreza quanto o conflito (Sabaratnam, 2013). Desse modo, tais autores, em
vez de reafirmarem as estratégias de gerenciamento de conflito (conflict management) e
construção de Estados, buscam questionar a importância política e a legitimidade da paz
liberal enquanto uma forma de imposição da ordem global, entendida enquanto universal.

66
Nesse sentido, Chandler (2010), por exemplo, critica as abordagens liberais que apresentam e
constroem os projetos de construção da paz (peace building) enquanto meras soluções
técnicas para conflitos violentos, subdesenvolvimento e falência estatal e, portanto, propõe a
politização de tais projetos e construções discursivas que produzem o modelo da sociedade
liberal ocidental enquanto ontologicamente “dada”.
Dos pontos em comum entre as perspectivas pós-coloniais e aquelas que questionam o
projeto da paz liberal, destaca-se aqui a crítica feita por ambas às oposições binárias, que
legitimam as “novas” operações de paz da ONU ao associar o “local” com a “tradição” e, por
tabela, com a “regressão”, a “desordem”, o “subdesenvolvimento” e a “violência étnica” e,
portanto, alvo legítimo de ações internacionais que têm por fim a “salvação”, o
“desenvolvimento”, o “progresso” e, finalmente, a paz e a estabilidade. No entanto, a
tendência contemporânea à crítica aos projetos liberais também nos leva a salientar o risco
inverso, isto é, o de romantizar e enaltecer o “local” (Lidén, 2009; Kaplan, 2009; Richmond,
2010; Mac Ginty, 2010). Nesse sentido, Sabaratnam (2013) sugere que a estratégia central da
abordagem pós-colonial não é focar no caráter “incompreensível” ou “não autêntico” do
poder colonial, mas sim em seu aspecto alienante, isto é, os deslocamentos, a violência, os
silêncios, as humilhações e desapropriações promovidos contra determinados indivíduos e
grupos: “The point is that this becomes a positional, and thus political, story rather than a
‘culturalist’ one about ‘difference’” (Sabaratnam, 2013, p. 272). Assim, enfatizar o aspecto
alienante do poder colonial é fundamental, uma vez que nos permite evitar a organização do
mundo em caixas predeterminadas pela “cultura”, que tende a limitar e não aprofundar
nossa compreensão acerca das dinâmicas sociais locais.
Enfim, a denúncia pós-colonial da tendência à depreciação da diferença subjacente ao
discurso que legitima as “novas” operações de paz, como afirma Moreno (2011), contribui
para desestabilizar a alegada natureza progressiva, humanitária e inclusiva de tais operações.
Essas intervenções internacionais, segundo as perspectivas pós-coloniais, bem como aquelas
que questionam o projeto da paz liberal, continuam informadas pela lógica modernizadora
que, tal como ocorria à época colonial, continua dividindo os seres humanos em estágios
definidos pelo Ocidente e, baseando-se em tal classificação, criando as condições de
possibilidade para intervenções cada vez mais intrusivas nas suas vidas. Nesse sentido,
Sabaratnam (2013) afirma que descolonizar a forma como compreendemos e refletimos
sobre as intervenções internacionais informadas pelo discurso da paz liberal significa duas
coisas: primeiro, demanda um engajamento com aqueles que são alvo das intervenções e
como estes interpretam os efeitos materiais dessas intervenções e, segundo, exige uma análise
que visa politizar as formas de ação de tais intervenções e seus efeitos distributivos. Assim,
deve-se evitar a linguagem do “desenvolvimento” − já amplamente reconhecida enquanto
abordagem fundamentalmente colonial e despolitizante acerca da pobreza e dos conflitos – e
desafiar os termos históricos que subjazem e tornam possíveis as “novas” operações de paz.

67
Leituras para continuar seu estudo
Maja Zehfuss, Constructivism in International Relations: The Politics of Reality Cambridge: Cambridge
University Press, 2002.
Antje Wiener & Thomas Diez, European Integration Theory, Oxford, Oxford University Press, 2004.
David Baldwin, Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate, Nova York, Columbia University
Press, 1993.
Barnett, Michael N.; Finnemore, Martha (Autumn 1999). “The Politics, Power, and Pathologies of
International Organizations”. International Organization 53 (4): 699–732.

68
Notas
1. Para obter uma visão ampla da história da disciplina, veja os livros de Scott Burchill & Andrew Linklater e
Torbjorn Knutsen (Burchill & Linklater, 1996; Knudsen, 1992).
2. A literatura pós-moderna e/ou pós-estruturalista não foi abordada, já que essa bibliografia não consolidou
propostas sobre o papel das organizações internacionais, embora a crítica e a desconstrução dos conceitos
que fundamentam as instituições internacionais possam ser encontradas.
3. Salientamos que, durante as primeiras décadas do estabelecimento da disciplina, a maior parte dos textos
publicados e adotados nos cursos não tinha um caráter idealista, buscando descrever os processos
diplomáticos e não apontar para um mundo em que prevaleceria a harmonia de interesses.
4. Movimento que marcou a disciplina a partir do final dos anos 1950, visando a transformar o estudo de
relações internacionais em um empreendimento científico, nos moldes da ciência social norte-americana. A
ênfase sobre estudos empíricos e formas de medição afastou os especialistas de estudos voltados para
interpretações amplas da realidade internacional. Para esse ponto, veja o artigo de Michael Banks (Banks,
1984).
5. O conceito é definido na p. 20, Capítulo 1.
6. Veja, por exemplo, os trabalhos de Virginia Haufler, Charles Lipson e Mark Zacher & Brent Sutton.
(Haufler, 1997), (Lipson, 1986) e (Zacher & Sutton, 1996).
7. Entre os autores que produziram trabalhos importantes para esse debate podemos citar Robert Keohane e
Joseph Nye e James Rosenau (Keohane & Nye, 1977; Rosenau, 1990).
8. Veja as publicações da fundação norte-americana Heritage Foundation — www.heritage.org.
9. Mais detalhes sobre o debate de economia política internacional e integração regional podem ser
encontrados no Capítulo 5.
10. É possível estabelecer uma distinção entre o realismo clássico e o neorrealismo. A versão introduzida por
Kenneth Waltz e Robert Gilpin busca produzir um conhecimento mais científico, lidando com um número
menor de variáveis e propondo um programa de pesquisa empiricamente verificável (Waltz, 1979; e Gilpin,
1981).
11. Por exemplo o trabalho de Lloyed Gruber sobre o aumento do poder dos Estados Unidos nas negociações
sobre o acordo com o México como resultado da existê de um acordo de livre comércio entre este país e o
Canadá. (Gruber 2000).
12. Presidente norte-americano entre 1913 e 1921, apresentou em 1918 seus 14 pontos para a reorganização do
sistema internacional com base nos princípios do liberalismo. Foi uma liderança central durante a
Conferência de Paris (Versalhes), ao final da Primeira Guerra, tendo proposto a criação da Liga das Nações.
13. O termo perspectivas pluralistas é utilizado por muitos atores para se referir à literatura que critica a visão
do sistema internacional baseada apenas nas relações entre Estados. Os autores pluralistas seriam aqueles
que propõem uma visão do sistema internacional como uma rede de relações entre Estados e diversos outros
atores. Essa perspectiva está mais próxima do liberalismo, mas nem todos os atores liberais adotam essa
visão.
14. Durante os anos 1980 e 1990, o novo institucionalismo torna-se central para a ciência política norte-
americana. No período anterior (1950-1980), as instituições estavam ausentes das análises ou eram tratadas
como epifenômeno. A partir do final da década de 1970, estudos sobre as instituições políticas domésticas
americanas iniciam um movimento que enfatiza seu valor explicativo. O fenômeno atinge o campo das
relações internacionais no mesmo período.
15. Keohane e Nye discutem a perda de autonomia do Estado, dada a presença de forças transnacionais em seu
livro de 1977. Os mesmos autores retomam o tema dez anos depois (Keohane & Nye, 1987).
16. Veja o livro editado por David Baldwin para uma visão desse debate (Baldwin, 1993).
17. A teoria da escolha racional parte de alguns pressupostos: os seres humanos estabelecem uma hierarquia de
preferências e fazem um cálculo racional, pesando custos e benefícios, para adotar uma estratégia de ação e
os fenômenos sociais emergem como resultado dessas escolhas individuais.
18. Veja o trabalho editado por Walter Powell e Paul DiMaggio para esta discussão (Powell & DiMaggio,
1991).
19. A teoria dos jogos foi desenvolvida para estudos de economia e utiliza modelos formais para estudar
interações estratégicas. Os jogos são definidos de acordo com as preferências e o conhecimento dos atores
sobre a situação.
20. Os bens públicos geram vantagens indivisíveis em benefício de todos, e o uso por uns não diminui a
possibilidade do uso por outros.

69
21. Custos de transação são os custos associados à conclusão, monitoramento e execução de acordos.
22. Andrew Moravcsik cunhou o termo intergovernamentalismo liberal (Moravscik, 1993).
23. Em 2001 Haas publicou um artigo questionando se o construtivismo subsume o neofuncionalismo (Haas
2001).
24. O presidente francês impediu a aprovação do voto por maioria no Conselho e atacou a autoridade da
Comissão.
25. Esses autores propõem que a governança regional é gerada nos níveis europeus, nacionais e subnacionais,
sendo criadas associações transnacionais. Os Estados nacionais deixam de ser a única forma de agregação de
interesses domésticos, podendo gerar associações no nível regional. Atores subnacionais, supranacionais e
Estados convivem em uma rede complexa de relações (Marks, 1996).
26. Veja o texto sobre o assunto de Philipppe Schmitter (Schmitter, 2004).
27. Esse tema será retomado por Immanuel Wallestein (Wallestein, 1989) no contexto da teoria sistema
mundo e pelos teóricos da dependência na América Latina (Cardoso e Faletto, 1969).
28. Nos países do bloco soviético, o marxismo era a teoria oficial na qual se baseavam todas as análises do
sistema internacional.
29. Termo utilizado por Antonio Gramsci para se referir às relações entre a base socioeconômica e as práticas
políticas e culturais. Para Gramsci, a transformação da sociedade envolve ideias e economia e o
estabelecimento de uma nova hegemonia.
30. O ensaio A Plan for an Universal and Perpetual Peace, escrito por J. Bentham entre 1786 e 1789, já
incorpora o debate sobre a relação entre opinião pública e relações internacionais pacíficas, desenvolvida
mais tarde pelos liberais no século XX (Derek, 1996, p. 81).
31. O autor foi o primeiro a imaginar um Estado mundial republicano e não monárquico (Heater, 1996, p. 79).
32. Os autores definem ainda construtivistas críticos e pós-modernos (Katzenstein, Keohane & Krasner, 1999).
33. A influência do trabalho de Jurgen Habermas deve ser notada (Habermas, 1999).
34. Para ver uma análise da crítica ao positivismo na disciplina de relações internacionais, veja o artigo de John
Vasquez (Vasquez, 1995).
35. O autor ressalta que, no que concerne o debate entre positivistas e pós-positivistas, ele se coloca em um
ponto médio, defendendo a ideia de que é possível produzir ciência sobre relações sociais, mas criticando a
excessiva ênfase sobre métodos por autores no campo positivista (Wendt, 1999, p. 39).
36. Wendt se refere a uma cultura hobesiana, a uma cultura lockeana e a uma cultura kantiana. Em cada caso
um papel domina o sistema, respectivamente do inimigo, do rival e do amigo. (Wendt, 1999, Cap. 6).
37. Para ler mais sobre esse tema veja o número especial da revista International Organization n. 46, v. 1,
inverno de 1992 (Haas, 1992).
38. Ver por exemplo sobre a UNICEF (Jolly, 2014), sobre a OEA ( Herz, 2011, sobre a Organização da ONU
para o Desenvolvimento Industrial ( Browne, 2012).
39. Para uma reflexão crítica acerca do projeto “História intelectual das Nações Unidas”, ver a tese de
doutorado de Carlos Pereira da Gama, IRI PUC, 2011.
40. Para saber mais sobre o debate pluralismo/solidarismo no âmbito da Escola Inglesa, ver Buzan (2004) e
Hurrell (2007).

70
CAPÍTULO

3
Segurança Coletiva

PRINCIPAIS QUESTÕES ABORDADAS


O que é um sistema de segurança coletiva.
Como funcionava o sistema de segurança coletiva da Liga das Nações.
O projeto de criação de um novo sistema de segurança coletiva ao final da Segunda Guerra.
A administração da segurança pela ONU durante a Guerra Fria.
As principais mudanças do sistema de segurança coletiva, geradas após o final da Guerra Fria.

71
O Conceito de Segurança Coletiva
Os Estados cooperam na área da segurança de diferentes formas: através da formação de
alianças e coalizões, da criação de mecanismos de resolução de disputas, do estabelecimento
1
de medidas de confiança mútua, da assinatura de tratados para o controle de armamentos e
para o desarmamento. No começo do século XX, a geração do sistema de segurança coletiva
foi o empreendimento mais audacioso até aquele momento, com vistas à cooperação no
campo da segurança. O sistema de segurança coletiva é um dos mecanismos de
administração do sistema internacional mais estreitamente vinculado às organizações
2
internacionais.
O sistema é baseado na ideia da criação de um mecanismo internacional que conjuga
compromissos de Estados nacionais para evitar, ou até suprimir, a agressão de um Estado
contra outro. Ao engendrar uma ameaça crível de que uma reação coletiva seria produzida −
através de boicotes, de pressões econômicas e de intervenção militar − em qualquer hipótese
de agressão, o sistema deveria deter atores dispostos a iniciar uma empreitada militar. A
imensa agregação de recursos de poder levaria atores racionais a evitar uma derrota já
prevista. Essa lógica só se realizaria caso houvesse imensa confiança no funcionamento do
sistema e a participação universal — ou quase — dos membros do sistema internacional.
Dessa forma, qualquer ato de guerra seria objeto do sistema, não importando as causas: ato
de paixão ou cálculo racional, forma de resolver uma disputa territorial ou expansão
agressiva. A decisão poderia ser tomada por um regime democrático ou pelo mais autocrata
dos ditadores.
Assim como os mecanismos utilizados com frequência para a negociação de disputas,
como a investigação, os bons ofícios, a mediação, a conciliação, a arbitragem e a adjudicação,
foram originalmente pensados para induzir atores racionais, o sistema de segurança coletiva
também se baseia no pressuposto de que é possível mudar o cálculo racional dos Estados.
Dessa forma, o sistema funciona associado a arranjos para facilitar a resolução de disputas,
seja porque ambos visam limitar o uso da violência, seja porque se baseiam em uma
perspectiva racionalista. Contudo, ao contrário dos mecanismos de resolução de conflitos,
para os quais as causas das guerras são relevantes à determinação da melhor estratégia de
negociação, no caso do sistema de segurança coletiva elas não são determinantes.
As normas de uso da força são parte crucial do conjunto de mecanismos que representam
possibilidades e restrições para os atores no sistema internacional. No moderno sistema de
Estados, o monopólio do uso da força dentro do território de um Estado soberano ficou
estabelecido, pelo menos como princípio organizador das relações sociais. O uso da força
entre Estados é uma prática disseminada, mas também é circunscrito por normas relativas
aos motivos para uma ação militar (jus in bellum) e a forma que ela pode adquirir (jus ad
bellum). O direito humanitário regula as relações em uma situação de conflito, estabelecendo
3
limites para o uso da violência por parte dos Estados, visando à proteção do indivíduo.
Seus princípios básicos são a proporcionalidade, a humanidade, a distinção e a
necessidade militar e sua finalidade, proteger civis, prisioneiros de guerra, pessoal médico,
feridos, doentes e dando apoio religioso. Os tratados de controle de armamentos também
limitam o uso da violência com o estabelecimento de um conjunto de categorias de armas
que não podem ser utilizadas, como é o caso das armas químicas e biológicas. Aqui nos
interessa a discussão sobre os motivos aceitos para iniciar uma ação militar, já que esse tema
é central para a compreensão do sistema de segurança coletiva.

72
O sistema de segurança coletiva modifica as normas de intervenção, subordinando a
decisão do Estado de usar a força à autorização internacional, que um tratado multilateral
delineará e uma organização internacional interpretará. O direito de autodefesa é permitido,
mas as demais decisões sobre o uso da força passam a ser subordinadas ao compromisso
internacional. Garantir a ordem internacional seria então o motivo legítimo por excelência
para ir à guerra. Veremos a seguir como as normas referentes às justificativas para a guerra,
4
ou para uma intervenção, modificaram-se significativamente ao longo do último século.
A distinção entre uma aliança militar e um sistema de segurança coletiva é fundamental
para a compreensão do sistema. Enquanto uma aliança militar, sendo um acordo de defesa
coletiva, se dirige a um ou vários inimigos excluídos da coalizão em questão, o sistema de
segurança coletiva é mais amplo. O acordo sobre a reação coletiva à quebra da paz pode
referir-se às agressões geradas no seio dessa coalizão. As alianças seriam supérfluas caso o
sistema funcionasse, pois o compromisso com a defesa de cada Estado já teria sido
estabelecido. Por outro lado, há uma incompatibilidade entre o sistema de segurança coletiva
e as alianças militares, já que no segundo caso o compromisso assumido é mais estreito —
envolvendo um grupo específico de países — e esse poderia entrar em contradição com o
compromisso geral frente a qualquer agressão.
Durante o século XX, observa-se a presença de três oportunidades para a criação de um
5
sistema de segurança coletiva global, sendo as duas primeiras posteriores à Primeira e a
Segunda Guerra e a última ao final da Guerra Fria. Cada uma dessas oportunidades será
tratada mais adiante neste capítulo.

73
O Sistema de Segurança Coletiva da Liga das Nações
A Liga das Nações foi a primeira organização internacional universal, pois seus criadores
imaginaram uma entidade que poderia incluir todos os Estados soberanos que escolhessem
6
compor os seus quadros. Não foram estabelecidos critérios regionais, de tamanho ou de
poder dos Estados, e seu objetivo era lidar com a ordem internacional de forma global. O
desenho institucional e os temas a serem tratados, segundo seu Pacto, que é sua carta
constitutiva, expressam, ao mesmo tempo, a intenção das grandes potências de dar
continuidade ao status quo, mantendo a lógica do sistema de Estados soberanos e seu papel
especial de administrar a ordem internacional, e um projeto de transformação do sistema
baseado na crença no progresso, na razão e na democratização das relações internacionais.
A criação da Liga das Nações foi estabelecida pelo primeiro dos 440 artigos do Tratado de
Versalhes, concluído ao final da Primeira Guerra Mundial. Quando as sessões da
Conferência de Paris foram iniciadas em janeiro de 1919, um comitê com representantes das
cinco grandes potências — Grã-Bretanha, França, Estados Unidos, Itália e Japão — e cinco
representantes de Estados menores foi convocado para produzir o Pacto da nova
organização. O Pacto passou a vigorar a partir de 10 de janeiro de 1920, e a primeira sessão
do Conselho ocorreu em Londres, no dia 16 do mesmo mês.
As bases para o estabelecimento da nova organização foram construídas durante o
período do conflito mundial, entre 1914 e 1918. Grupos como a Liga para Impor a Paz
(League to Enforce Peace) nos Estados Unidos ou a Liga da Sociedade das Nações (League of
Nations Society) no Reino Unido mobilizaram cidadãos influentes para discutir e pressionar
governos no sentido de lidar com o problema da paz e da guerra de uma forma totalmente
nova. Os governos britânico e francês criaram comitês especiais para preparar propostas na
mesma direção. O presidente norte-americano Woodrow Wilson claramente apoiava uma
nova ordem mundial. A própria atuação conjunta dos aliados para vencer a guerra, através
do Conselho Supremo de Guerra e de outras instâncias para coordenação de políticas,
indicava novas potencialidades e necessidades de cooperação. À medida que informações
sobre os horrores da guerra se disseminavam e, em certa medida, sob a influência da ideia de
que a guerra se iniciara com base em um processo em que a racionalidade se perdera, de
forma quase acidental, construía-se o projeto que deveria evitar a repetição dos eventos de
1914.
Por outro lado, a vitória dos aliados incentivou-os a buscar a institucionalização da nova
configuração de poder. Assim, a Liga foi também uma forma de impor a paz dos vencedores
sobre os vencidos, nesse sentido é significativo que o Pacto da Liga tenha feito parte dos
Tratados de Paz de Paris. Contudo, a dissolução dos impérios austro-húngaro, russo e
otomano colocava na pauta das negociações o papel a ser exercido pelos pequenos Estados.
O sistema de segurança coletiva deveria, ao mesmo tempo, garantir o status quo e a
configuração de poder ao final da guerra e inserir os pequenos Estados no sistema de
maneira estável. Ademais, a Revolução Bolchevique, de 1917, levou as lideranças europeias e
norte-americanas a buscar a institucionalização de uma ordem internacional que se
contrapusesse às propostas de redefinição das relações internacionais presentes no ideário
marxista-leninista. A Liga se apresentava como um ícone da ordem baseada em Estados
nacionais, em contraposição aos laços de solidariedade transnacionais de classe,
proclamados pelo ideário marxista-leninista.

O pensamento sobre relações internacionais no período também teve impacto sobre o


74
O pensamento sobre relações internacionais no período também teve impacto sobre o
processo de formação da Liga. A figura do presidente norte-americano Woodrow Wilson
tornou-se paradigmática como representante da aplicação do pensamento liberal às relações
internacionais. Ao final da Primeira Guerra, Wilson fez seu famoso discurso, dirigido ao
Senado norte-americano, em 22 de janeiro de 1918, propondo quatorze princípios para
garantir a paz. O décimo quarto ponto refere-se à criação da Liga das Nações, que garantiria
a independência e a integridade territorial de todos os Estados. O sistema de segurança
coletiva tomaria o lugar do balanço de poder, então desacreditado. Segundo o presidente, o
balanço de poder seria substituído por uma comunidade de poder e as rivalidades
7
organizadas por uma paz comum organizada. Em sua visão, a Liga seria uma organização
de Estados democráticos, introduzindo de forma pioneira na arena política internacional a
associação entre paz e regimes políticos democráticos. A opinião pública é vista como
depositária da racionalidade, do bom senso que poderia evitar a guerra. A crescente
hegemonia norte-americana permitiu aliar a ideia de ordem internacional e a legitimidade
do Estado liberal democrático. O princípio da autodeterminação era, para Wilson, um
corolário da defesa do Estado liberal democrático, ou seja, se cada nação estivesse organizada
na forma de um Estado, a estabilidade do sistema seria muito mais provável.
A Liga existiu juridicamente de 1919 a 1946 e funcionou com sede em Genebra, na Suíça
[a sede foi Londres só entre junho de 1919 e outubro de 1920], embora em 1939 já não
estivesse mais funcionando. Entre 1925 e 1929 observa-se o período de sua maior
importância para a política internacional. As instituições, os procedimentos e os
funcionários públicos internacionais já estavam estabelecidos, e o Palácio das Nações, hoje
sede da ONU em Genebra, começou a ser construído em 1929. Com a entrada da Alemanha
em 1926, a Liga tornou-se um fórum importante de encontro dos líderes europeus, embora
fosse notável a ausência da União Soviética e dos Estados Unidos – em 1920, o Senado dos
EUA votou contra a participação do país na Liga.
De acordo com a tradição liberal ocidental, a formulação de sua estrutura organizacional
contemplou a ideia da divisão de poder entre um legislativo, um executivo e um judiciário
(veja o quadro a seguir). O Conselho era o órgão executivo, composto a princípio por quatro
membros permanentes — Reino Unido, França, Itália, Japão — e quatro membros
8
rotativos. Posteriormente, a Alemanha e a União Soviética foram incorporadas como
membros permanentes e mais cinco membros rotativos adquiriram representação. Embora o
modelo do Concerto Europeu esteja impresso nesse órgão, em especial através da ideia de
que as grandes potências têm responsabilidades e direitos específicos que devem ser
reconhecidos, a definição legal da autoridade, a continuidade institucional, a regularidade
das sessões e a composição distribuída entre potências e Estados menores atestam as
inovações introduzidas. Na Assembleia, todos os Estados-membro estavam representados,
cada um com direito a três votos. Enquanto previu-se originalmente que a Assembleia se
reuniria apenas uma vez a cada quatro anos, em sua primeira sessão, em 15 de novembro de
1920, foi decidido que as reuniões seriam anuais. As decisões eram tomadas por
unanimidade nas duas instâncias, expressando a proteção do princípio de soberania. O
Secretariado reproduzia o modelo das organizações funcionais do século XIX, tendo funções
9
administrativas.
PRINCIPAIS ÓRGÃOS DA LIGA

75
Órgão Composição e processo decisório
Conselho Quatro (depois seis) membros permanentes, quatro (depois nove)
membros não permanentes, cada qual com um representante e direito a
um voto e decisões por unanimidade.
Assembleia Representação de todos os Estados, cada qual com no máximo três
representantes e direito a um voto e decisões por unanimidade.
Secretariado Formado pelo secretário-geral, escolhido pelo Conselho e aprovado pela
maioria da Assembleia, e pelo corpo de servidores civis internacionais.
A Corte Permanente de Justiça Internacional, prevista no Pacto (artigo 14), só começou a
operar em 1922. Inicialmente, onze juízes selecionados pelo Conselho e pela Assembleia
compunham seu quadro. Suas atribuições envolviam o julgamento de casos e a emissão de
opiniões. Os Estados podiam declarar que aceitariam a jurisdição da Corte para certas
categorias de disputas. A lógica de funcionamento da organização conferia ao direito
internacional papel central na geração de ordem no sistema internacional, e a Corte seria
peça fundamental nesse contexto. No entanto, as tentativas de codificar as regras do direito
internacional, como a Conferência de Haia, de 1930, fracassaram.
Um corpo permanente para assessorar o Conselho em questões militares e uma Comissão
Permanente de Mandatos foram criados. O sistema de mandatos criado pela Liga
representou a primeira ingerência internacional no funcionamento do colonialismo. O
artigo 22 do Pacto, além de ter sido a primeira afirmação explícita da autoridade e
responsabilidade da comunidade internacional quanto ao bem-estar dos povos “ainda
incapazes de lidar com as condições do mundo moderno”, estabeleceu também a tutela sobre
os mesmos em nome da Liga. Essa foi a forma de legalizar o processo de transferência de
possessões coloniais, decorrente da nova configuração de poder após a guerra, já que o
sistema era aplicado apenas em territórios de países derrotados. Mas, ao mesmo tempo, o
sistema já expressava os valores anticoloniais crescentes e o movimento de humanização das
populações não europeias, introduzindo a ideia de obrigações legais e supervisão na prática
colonial.
Embora a Liga não tenha sido desenhada para lidar com questões econômicas e sociais, a
organização exerceu algumas funções nesse campo. Ela foi um fórum para a discussão dos
problemas econômicos globais, tendo sido realizada uma série de conferências
internacionais que, contudo, não geraram nenhum resultado, em um momento no qual a
economia mundial se encontrava em uma crise profunda. O esforço de reconstrução e
estabilização da Áustria, assim como o envolvimento em atividades similares na Húngria,
Bulgária e Grécia, teve algum sucesso. As organizações funcionais existentes não chegaram a
ser incorporadas, como havia sido inicialmente previsto, mas foram criados órgãos para lidar
com questões técnicas, educacionais e humanitárias. A Organização da Saúde e a
Organização de Comunicação e Trânsito, comitês para lidar com problemas como o tráfico
de drogas, refugiados, o tráfico de mulheres e de crianças e cooperação intelectual, entre
outros, são exemplos. A OIT (Organização Internacional do Trabalho), uma agência
vinculada à Liga, porém independente, está prevista no Tratado de Versalhes e passou a
funcionar em Genebra, em 1920, visando estabelecer padrões de condições de trabalho
mínimas universais. Estas três entidades existem até hoje, integrando o Sistema das Nações
Unidas.

A primeira formulação jurídica da ideia de segurança coletiva pode ser encontrada nos
76
A primeira formulação jurídica da ideia de segurança coletiva pode ser encontrada nos
10
artigos 10, 11 e 16 do Pacto da Liga das Nações. O conceito de segurança coletiva é a pedra
lapidar da proposta de administração do sistema internacional, gerado em 1919. Segundo o
artigo 10, “cada Estado-membro se compromete a respeitar e preservar a integridade
territorial e a independência política de todos os membros da Liga”. Segundo o artigo 11,
“qualquer ato de guerra ou ameaça de guerra, não importando se afetando algum membro
da Liga ou não, é declarado uma questão de importância para a Liga como um todo, e a Liga
deverá agir da forma que parecer sábia e efetiva para proteger a paz das nações”. Ainda no
artigo 16, “se qualquer Estado-membro da Liga recorrer à guerra (...) será considerado que
cometeu um ato de guerra contra todos os outros membros da Liga, os quais se
comprometem a submeter o mesmo à quebra de relações de troca e financeiras, à proibição
de contato entre seus nacionais e os nacionais do Estado quebrando o Pacto e prevenir todo
contato financeiro, comercial ou pessoal entre nacionais do Estado quebrando o Pacto e
nacionais de qualquer Estado, seja membro ou não da Liga. Será obrigação do Conselho em
tais casos recomendar aos governos a força militar, naval ou aérea que os membros da Liga
devem dispor para as forças armadas a serem usadas para proteger os membros da Liga. O
Estado que recorrer à guerra será sujeito a sanções e poderá ser coagido militarmente por
forças das partes contratantes”.
A proposta de criação de um sistema de segurança coletiva representava uma ruptura
dramática com a lógica do balanço de poder que havia regido as relações entre as potências
europeias até então. O balanço de poder permitia a manutenção da ordem internacional na
medida em que o sistema de alianças entre as potências evitava que um dos Estados
representasse uma ameaça à soberania dos demais. O princípio organizacional do sistema
seria assim preservado, ou seja, haveria soberania dos Estados territoriais. O projeto de um
sistema de segurança coletiva tinha objetivos mais ambiciosos, procurando lidar com a
guerra como ameaça à ordem, percebida de forma restrita (a existência de mecanismos de
governança global regulamentando diferentes aspectos das relações internacionais não é um
tema daquele momento). A agressão era o objeto do sistema, e a paz era tomada como
indivisível. Uma ameaça localizada deveria ser tratada como uma ameaça à paz
internacional. Além disso, os pequenos Estados deveriam estar protegidos da coerção que
sofrem em um sistema de balanço de poder.
Enquanto o balanço de poder, e mesmo o Concerto Europeu que o administrou durante
uma parte do século XIX, continha um baixo grau de institucionalização, o sistema de
segurança coletiva proposto ao final da Primeira Guerra teria um grau de institucionalização
elevado se inserido no projeto de criação da primeira organização internacional universal. O
aparato organizacional criado deveria funcionar de forma constante e não ser acionado em
momentos de crise.
A ocorrência de uma agressão deveria gerar uma resposta automática por parte de uma
coalizão de Estados. O emprego de sanções econômicas, políticas e diplomáticas e o uso de
meios militares para conter a agressão foram previstos. A lógica da dissuasão fundamentou a
proposta, sendo a efetividade do sistema proporcional à sua universalidade, ou seja, o
tamanho da coalizão. Por outro lado, a dissuasão gerada pelo sistema não impunha a
concentração de poder. Enquanto a operação do balanço de poder depende de certo grau de
concentração de poder, muitas vezes gerado pelo próprio sistema de alianças, o sistema de
segurança coletiva poderia, ao menos teoricamente, gerar o efeito deterrência na ausência de
processos de concentração de poder. O pressuposto era que nenhum dos membros do

77
sistema fosse tão poderoso que o conjunto de unidades independentes não poderia se opor a
esse.
Embora o projeto de criação de um sistema de segurança coletiva tenha se
consubstanciado no contexto da imensa indignação gerada pelos horrores da Primeira
Guerra Mundial, o pressuposto da ausência de relações conflituosas, ou mesmo de violência,
não estava presente. O uso legítimo da violência por Estados territoriais soberanos foi
preservado, sendo a legitimidade de seu uso em autodefesa a expressão jurídica desse
princípio.
Os autores do Pacto partiam da distinção entre conflitos internacionais para os quais uma
solução legal seria possível e outros para os quais não seria uma opção. Assim, o sistema
buscou criar mecanismos que valorizassem a solução pacífica de conflitos e também gerar
um período de esfriamento em caso de crise. A Liga se dedicaria à investigação, à mediação,
à arbitragem, ao desarmamento e à diplomacia aberta, como formas de incentivar a solução
pacífica de disputas e evitar o dilema de segurança, ou seja, a percepção de ameaça gerando
uma espiral armamentista. Foi prevista uma moratória de três meses, depois de uma decisão
de arbitragem ou da produção de um relatório de uma comissão de inquérito, antes do
recurso à guerra. As disputas deveriam ser referidas à Liga caso não houvesse acordo entre as
partes. O processo iniciava-se quando uma das partes, ou outro membro, registrava uma
reclamação. Os artigos 12, 13 e 15 do Pacto previam a sujeição de disputas interestatais ao
arbitramento da Corte Internacional Permanente de Justiça. A crença nos recursos da
diplomacia e na possível pressão popular contra a guerra pode ser claramente percebida.
Nos anos 1920, foram assinados tratados que objetivavam complementar o sistema. O
Tratado de Locarno de 1925 visava garantir a fronteira franco-germânica, belgo-germânica e
a zona desmilitarizada da Renânia, por meio de um tratado entre Reino Unido, França e
Alemanha. Finalmente, o ambicioso, mas ineficaz, Pacto Briand-Kellog de 1928 declarava a
renúncia à guerra como instrumento da política externa. O Protocolo de Genebra de 1924
deveria estabelecer a arbitragem obrigatória de disputas, mas o Reino Unido não aceitou a
proposta.
A existência da Liga das Nações, como sabemos, não evitou o conjunto de conflitos e a
corrida armamentista que precederam a Segunda Guerra Mundial. O sistema de segurança
coletiva, criado em 1919, é considerado um enorme fracasso. As principais negociações
internacionais do período foram realizadas em outros fóruns, como o Conselho Supremo e a
Conferência de Embaixadores. Vários conflitos não foram evitados pelo sistema; exemplos
11
que podem ser citados são: as invasões de Corfu em 1923 e da Etiópia em 1935 pela Itália; a
Guerra do Chaco entre Bolívia e Paraguai (1932-1935); a invasão da Manchúria pelo Japão
12
em 1931; a guerra civil espanhola, acompanhada pela intervenção alemã e italiana; a
absorção da Albânia pela Itália em 1939; o começo da expansão alemã na Áustria e nos
sudetenland (Checoslováquia); e as agressões alemãs que anunciavam a Segunda Guerra
Mundial.
De todos esses conflitos destaca-se a invasão da Etiópia pela Itália como um marco da
incapacidade da Liga para lidar com as crescentes tensões do período. Embora a Etiópia fosse
um Estado soberano, membro da Liga, e um tratado de 1928 previsse a arbitragem para
qualquer disputa entre os dois países, a Itália invadiu o país em 1935. Reagindo a essa
agressão, a Liga impôs um embargo sobre as exportações de materiais bélicos para a Itália, a
proibição de suas exportações e baniu sua concessão de empréstimos. Contudo, essas

78
medidas não tiveram resultado, e sanções mais efetivas, como um embargo de petróleo, que
chegou a ser considerado, não foram possíveis. Por um lado, considerou-se que, como os
Estados Unidos não faziam parte da Liga, suas companhias podiam optar por manter o
suprimento de petróleo; por outro lado, a França e o Reino Unido naquele momento
13
priorizaram uma última tentativa de evitar a aproximação entre Itália e Alemanha. Em
maio de 1936, o imperador da Etiópia, Haile Selassie, decidiu terminar a resistência à
ocupação italiana.
No entanto, uma série de intervenções da Liga em conflitos durante o período expressa a
disposição, em certos casos, de recorrer à organização e indica as potencialidades do sistema
montado, que não foram suficientemente exploradas. Decisões no âmbito do artigo 16 foram
tomadas: aplicaram-se sanções, em 1935 e 1936, por 52 dos 59 Estados-membro, contra a
Itália, após a agressão de Benito Mussolini contra a Etiópia; a China foi autorizada, pela
Assembleia, a sancionar o Japão, em represália à ocupação da Manchúria. A disputa entre
14
Grécia e Bulgária em 1925 foi mediada pela Liga, o conflito entre Iugoslávia e Albânia
gerou uma comissão de inquérito, e a fronteira em disputa foi demarcada. A Liga teve um
papel negociador em outros conflitos: entre Suécia e Finlândia, referente às ilhas Aland, em
1920; entre Grécia e Itália em 1923; entre Bolívia e Paraguai em 1933. A organização
governou o território de Saar, uma área na fronteira franco-germânica disputada pelos dois
países, durante 15 anos. Ao final do período, um plebiscito foi organizado, segundo a
designação do Tratado de Versalhes, e o território passou a fazer parte do Estado alemão.
Outras disputas na Europa oriental e central e sobre a política de nacionalidade francesa na
Tunísia também chegaram ao Conselho. Durante os anos 1920, a Liga desenvolveu um
conjunto de técnicas para a investigação de disputas, para a conciliação entre as partes e para
a manutenção da paz depois de um cessar-fogo, além do uso, ou ameaça do uso de sanções.
Por fim, em um de seus últimos atos, já em 1939, a Liga expulsou a União Soviética, como
reação à invasão da Finlândia.
Ao contrário do que previa o sistema implantado, a frequência com que os Estados
formaram alianças entre os anos de 1923 e 1933 levou o período a ser chamado de “a era dos
pactos”. Assim, o balanço de poder foi o mecanismo de ordenamento das relações
internacionais. Apesar da tentativa de incluir a Alemanha no sistema pelo Pacto de Locarno,
observa-se, ao longo dos anos, que a formação de alianças e a luta por poder nacional
atingiram proporções epidêmicas.
A literatura oferece uma série de explicações para o fracasso da Liga das Nações. A tensão
entre o conceito de soberania e a lógica da indivisibilidade da paz, presente no sistema de
segurança coletiva, estão na base das dificuldades de seu funcionamento. As ameaças à paz
localizadas, percebidas como obstáculos à paz internacional, deveriam gerar um cálculo
custo-benefício que se diferencia claramente daquele pressuposto na lógica do interesse
nacional. Por outro lado, o próprio interesse nacional teria de ser redefinido, sendo esse um
movimento extremamente difícil, dada a experiência de socialização vivida pelos Estados
desde a formação do sistema internacional moderno. A relação Estado/sociedade,
historicamente construída pelo menos desde a Revolução Francesa, conferia ao Estado o
papel de defensor do interesse nacional. O automatismo que o sistema pressupõe também
entra em contradição com a flexibilidade de formulação da política externa de Estados
soberanos.

A ineficácia do sistema é atribuída, ainda, ao processo decisório criado pelo Pacto. Devem
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A ineficácia do sistema é atribuída, ainda, ao processo decisório criado pelo Pacto. Devem
ser lembradas: a exigência de unanimidade entre os membros do Conselho e da Assembleia,
o caráter das resoluções desses órgãos (sem o estabelecimento de obrigatoriedade), a
ausência de referências claras quanto à definição de situações em que o sistema deveria ser
acionado e a inexistência de mecanismos que assegurassem a implementação da coerção
militar.
A dificuldade de definição do agressor, ou mesmo do que é uma agressão, é um problema
inerente ao sistema de segurança coletiva. O silêncio sobre o assunto esconde a
pressuposição de que existem princípios morais universais. Se essa não é uma afirmação
verdadeira, ou mesmo se ela não encontra expressão no comportamento dos atores, estamos
diante de um pressuposto que acaba tornando o sistema refém de interesses particulares —
aqueles articulados como expressão de princípios morais universais.
O Conselho podia recomendar que as partes contratantes contribuíssem com forças
terrestres, navais ou aéreas para o combate à agressão, mas era deixada aos Estados,
individualmente, a decisão sobre o uso da força. Assim, embora o sistema da Liga previsse a
possibilidade de autorização de recurso à força militar coletiva, caso falhassem as sanções
políticas, comerciais e financeiras do artigo 16, essa decisão nunca foi tomada.
A ausência dos Estados Unidos na Liga, apesar dos esforços do presidente Wilson,
impediu que o sistema adquirisse um caráter universal, o que comprometeu sua
credibilidade e operacionalidade. No caso da imposição de sanções econômicas, em
particular, a universalidade da coalizão é fundamental, tanto na geração dos efeitos
desejáveis, quanto para a socialização dos custos. Ademais, a Alemanha esteve presente
apenas entre 1926 e 1933, a União Soviética só foi incorporada em 1934, o Japão deixou a
organização em 1933, a Itália em 1937 e 13 países latino americanos seguiram o mesmo
caminho (o Brasil saiu da Liga em 1928). No total, 63 países chegaram a fazer parte da Liga,
embora não ao mesmo tempo, e 17 países deixaram a organização. Assim, o sistema não
pode ser considerado universal, mesmo para os padrões do começo do século XX.
Os Estados Unidos não aderiram à Liga como resultado de um conjunto de variáveis. O
isolacionismo da maioria da Comissão de Negócios Estrangeiros do Senado impediu que o
Tratado de Versalhes fosse ratificado. Havia dois argumentos contra a participação norte-
americana. Percebia-se uma contradição entre a obrigação de garantir a integridade
territorial e independência de todos os membros da Liga e a defesa da soberania norte-
americana. Além disso, o pacto não assegurava aos Estados Unidos o mesmo número de
votos que o Império Britânico (então composto por Canadá, Austrália, África do Sul, Nova
Zelândia e Índia). Embora a preocupação em garantir o status especial dos Estados Unidos,
no hemisfério ocidental, também tenha sido um argumento contra a adesão norte-
americana, o Pacto foi modificado, em uma tentativa de convencer os senadores, e há
15
menção explícita à Doutrina Monroe. Aos Estados Unidos era atribuído o papel de
protetor do hemisfério, mesmo havendo contradição entre a lógica da Liga e o
reconhecimento de uma esfera de influência.
Essa atribuição, de protetor do hemisfério ocidental, legitimando assim a Doutrina
Monroe, criava uma zona de influência em que o sistema de segurança coletiva não
funcionaria, podendo os Estados Unidos envolver-se em atividades militares em desrespeito
aos princípios do Pacto. Como resultado, Georges Clemenceau, primeiro ministro francês,
demandou a garantia de segurança para a França por parte dos Estados Unidos e da
Inglaterra, fora do sistema, e o Japão demandou direitos especiais na província de Shantung

80
(China). As concessões representavam a perda de legitimidade do sistema, prevalecendo os
interesses das grandes potências.
A construção da credibilidade do sistema foi assim abortada, gerando um ciclo de
fracassos que impediu a lógica da dissuasão de funcionar. De fato, o sistema de segurança
coletiva da Liga das Nações sucumbiu à lógica do balanço de poder, justamente o mecanismo
que se buscava substituir. No entanto, seu papel no lento processo de construção de normas
referentes à administração coletiva do sistema internacional deve ser salientado, e as
experiências das décadas de 1920 e 1930 viriam a ter um impacto significativo sobre o
projeto de gestação de uma nova organização universal nos anos 1940.

81
O Sistema de Segurança Coletiva da ONU
Ainda durante a Segunda Guerra, a partir de 1943, as potências aliadas começaram a
trabalhar concretamente na criação de uma nova organização internacional. Nos Estados
Unidos, por determinação do presidente Franklin Roosevelt, uma equipe comandada por
Leo Pasvolsky e supervisionada pelo secretário de Estado Cordell Hull trabalhava na
elaboração de uma proposta para a implementação de um novo sistema de segurança
coletiva. Em Dumbarton Oaks, Washington, entre agosto e outubro de 1944, foi acordado
entre a União Soviética, os Estados Unidos, a China e o Reino Unido que uma organização
universal, baseada no princípio da igualdade entre Estados soberanos, seria criada, estando
impedidos de participar a Alemanha, a Itália, o Japão e a Espanha. Embora a formação de
uma organização multilateral universal não fosse consenso desde o início das negociações, o
tema da segurança coletiva dominou os debates entre as delegações dos Estados Unidos,
Reino Unido e União Soviética. O texto básico foi então examinado pelos participantes da
Conferência de São Francisco, em abril de 1945, quando a ONU foi criada por cinquenta
16
países. Em 24 de outubro de mesmo ano, com a ratificação da carta pelos futuros membros
17
do Conselho e pela maioria dos países, a ONU passou a existir oficialmente.
A ONU é uma organização intergovernamental, sendo a arena mais universal para a
negociação de normas internacionais, mas também é um ator, assumindo posições e
produzindo ideias dentro dos limites estabelecidos pelos Estados que a constituíram. Seu
caráter intergovernamental não impediu que as normas produzidas no âmbito do sistema
abandonassem o princípio de que o direito internacional se constitui de normas referentes às
relações apenas entre Estados. Tribunais especiais, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, as Convenções sobre Direitos Civis, Políticos e Sociais, de 1966, e o
Tribunal Penal Internacional, criado em 2002, têm como princípio que indivíduos, ou
grupos, são sujeitos do direito internacional.
O sistema ONU tem funções sociais e econômicas, mas a principal função da organização
é a administração da segurança pelo princípio de que o uso unilateral da força contra a
integridade territorial ou independência de qualquer Estado está proscrito e de que disputas
devem ser resolvidas pacificamente. A Carta é seu documento constitutivo, estabelecendo as
18
obrigações e os direitos dos países-membro e a estrutura da organização. A ONU é
composta por seis órgãos principais: o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, o
ECOSOC (Conselho Econômico e Social), o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de
Justiça e o Secretariado (veja a tabela a seguir). O sistema ONU é formado ainda por 21
agências, programas e entidades subordinadas à Assembleia Geral, quinze agências
especializadas , quatro organizações coligadas, oito comissões funcionais, cinco comissões
19
econômicas regionais, cada qual com orçamentos e mandatos distintos. O Conselho de
Direitos Humanos, criado em 2006, é responsável pela promoção dos direitos humanos e
inclui 47 membros eleitos pela Assembleia Geral. Os Estados normalmente mantêm missões
20
permanentes junto à organização. Sua sede principal fica em Nova York.
Cabe primordialmente ao Conselho de Segurança a administração da segurança;
entretanto os outros órgãos também têm funções nesse campo. O Conselho pode enfrentar
as ameaças à paz e segurança através da negociação, de decisões que sancionam os
agressores, da investigação, da formação de operações de paz ou apenas através do
estabelecimento de parâmetros para a resolução de um conflito. Ele é composto por cinco

82
membros permanentes e dez membros não permanentes que exercem um mandato de dois
anos. Outros países podem ser convidados a participar dos debates, quando envolvidos em
uma disputa. Os membros permanentes — Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e
21
China — têm poder de veto sobre as decisões tomadas. O poder de veto é fortalecido pela
impossibilidade de ratificar a Carta sem acordo dos membros permanentes e pode ainda ser
22
usado para impedir que uma determinada questão seja declarada processual. Os dez
membros não permanentes exercem um mandato de dois anos. A distribuição geográfica
confere maior universalidade ao Conselho: cinco membros não permanentes são da África e
da Ásia, dois da América Latina, dois da Europa Ocidental e um da Europa Oriental.
A norma da igualdade entre Estados soberanos é expressa no funcionamento da
Assembleia Geral, pois o princípio de um voto para cada Estado é a base do processo
23
decisório e é seu órgão mais representativo. A Assembleia é a grande arena da ONU na
qual as mais diversas questões são discutidas. Muitas vezes ela funciona como o corpo
legislativo da ONU, com suas resoluções estabelecendo a base para novas normas do direito
24
internacional e com a produção de tratados multilaterais. A admissão de novos membros,
a eleição de membros não permanentes do Conselho, do ECOSOC, do Conselho de Tutela,
do Conselho de Direitos Humanos, a designação de juízes da CIJ, a aprovação do orçamento
e a participação no processo de revisão da Carta são atribuições da Assembleia. A ‘discussão
e a análise de conflitos e a elaboração de recomendações sobre questões de segurança que o
Conselho não está enfrentando são previstas na Carta. Ademais, uma resolução de 1950
estabelece que a Assembleia pode fazer recomendações para medidas de segurança coletivas
quando o Conselho está paralisado devido ao uso do veto. A Assembleia é também um
espaço privilegiado para a formação de grupos regionais, ou com outro ponto de
convergência, que visam pressionar por determinadas políticas. Os Estados africanos, latino-
americanos e caribenhos, asiáticos, da Europa Oriental e Ocidental e outros, o grupo dos
25
77, movimento dos não alinhados, conferência islâmica, grupo nórdico, União Europeia
podem funcionar como coalizões relevantes dependendo do assunto tratado. Até meados da
década de 1950, os Estados Unidos tinham controle sobre o processo decisório na
Assembleia através do bloco formado por europeus ocidentais, latino-americanos e Estados
do Commonwealth britânico, porém ao final da década de 1960 o grupo dos 77 havia se
tornado uma coalizão dominante.
O Secretariado é composto por uma equipe de cerca de 41.000 funcionários, servindo nas
sedes da ONU em Nova York, Genebra, Addis Ababa, Bangkok, Beirute, Santiago,Viena e
Nairobi, além de outros postos. O secretário-geral é o administrador chefe da ONU,
responsável pela preparação do orçamento da Organização, por submeter um relatório anual
à Assembleia Geral e pelos estudos sobre diferentes problemas. Ele pode trazer para a agenda
do Conselho problemas e temas no campo da segurança, tendo assim um papel crucial na
prevenção e limitação de crises. A personalidade e a postura dos diferentes secretários, além
do momento histórico em que exerceram o cargo, tiveram um impacto sobre sua atuação,
tendo secretários como Dag Hammarskjold e Boutros Boutros-Ghali elaborado propostas
que, muitas vezes, intervinham no processo político. Seu mandato de cinco anos é renovável
apenas uma vez. O secretário exerce uma função de liderança, e suas atividades expressam e
simbolizam o lugar da ONU como ator no sistema internacional.
SECRETÁRIOS-GERAIS DESDE 1946

83
Trygve Lie — 1946-1953
Dag Hammarskjold — 1953-1961
U Thant — 1961-1971
Kurt Waldheim — 1972-1981
Javier Pérez de Cuellar — 1982-1991
Boutros Boutros-Ghali — 1992-1996
Kofi Annan —1997 – 2006
Ban Ki-Moon – desde 2007
O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) é responsável pela coordenação das
atividades das agências e programas especializados da ONU, além de fazer recomendações
gerais sobre questões econômicas, sociais, ambientais, de saúde pública, culturais,
educacionais e aquelas pertinentes ao respeito aos direitos humanos. O ECOSOC tem
adquirido novas funções e interagido com novos atores após as reformas da última década. O
foco em uma agenda voltada para o desenvolvimento sustentável é uma característica central
das reformas, além da maior atenção para a agenda de cooperação para o desenvolvimento.
Os 54 membros do ECOSOC são eleitos para um termo de três anos, sendo utilizado o
critério de representação geográfica (14 países africanos, 11 asiáticos, 6 europeus orientais,
10 latino-americanos e caribenhos, 13 europeus ocidentais e outros). Embora não haja uma
distinção entre membros permanentes e não permanentes, na prática os membros
permanentes do Conselho de Segurança são reeleitos continuamente. O funcionamento do
ECOSOC reflete a ideia de que a ONU deve ter um papel no campo econômico e social
muito maior do que aquele exercido pela Liga das Nações. A presença dos Estados Unidos
como nova potência hegemônica, fornecendo os contornos da ordem do pós-guerra, e a
percepção da associação entre conflito e condições econômicas pelos projetistas da
Organização explicam a mudança em questão.
A Corte Internacional de Justiça, localizada em Haia, na Holanda, formada por quinze
juízes eleitos para um mandato de nove anos, emite decisões sobre disputas legais entre
Estados e opiniões sobre questões legais referidas a ela. A Corte contribui para a resolução
pacífica de disputas, particularmente quando a definição de fronteiras terrestres e marítimas
é contestada. Os trabalhos foram iniciados em 1946, quando a Corte substituiu a Corte
Internacional Permanente de Justiça, em Haia.
O Conselho de Tutela era responsável por monitorar a administração de territórios sob
tutela, ainda de acordo com o sistema criado pela Liga. O Conselho gerou relatórios sobre as
condições dos povos e fazia visitas no contexto de suas atribuições de supervisão. A Carta
enfatiza a importância de promover o desenvolvimento do autogoverno, ou independência,
já indicando uma visão positiva em face do processo de descolonização. Em razão das
dificuldades de emendar a Carta da ONU, o Conselho ainda existe formalmente, mas suas
atividades foram suspensas quando a ilha de Palau adquiriu independência, em 1994.

PRINCIPAIS ÓRGÃOS DA ONU


Órgão PROCESSO DECISÓRIO
Conselho de Composto por cinco membros permanentes, com direito de veto, e
Segurança dez membros rotativos, eleitos para um mandato de dois anos pela
Assembleia. Suas decisões são obrigatórias.
Assembleia Todos os membros estão representados, cada um com direito a um

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Geral voto. Decisões são tomadas por maioria, com exceção do orçamento,
questões de paz e segurança e a admissão de novos membros
(aprovadas por 2/3 dos votos).
Secretariado Composto pelo secretário-geral (eleito para um mandato de cinco anos)
e pelo corpo de servidores públicos internacionais.
Corte Composto por 15 juízes, que não representam seus países, eleitos para
Internacional um mandato de nove anos pelo Conselho de Segurança e pela
Assembleia. Um juiz ad hoc pode ser designado para um caso em que
nenhum juiz originário do país, parte de um contencioso, componha a
Corte.
Conselho Composto por 54 membros eleitos pela Assembleia para um mandato
Econômico e de três anos. Cada membro tem direito a um voto e as decisões são
Social tomadas por maioria simples.
Conselho de As operações foram suspensas em 1994. Os integrantes em 1994 eram
Tutela membros permanentes do Conselho de Segurança, mas a Carta admite
outros membros.
A proposta de criação de uma nova organização universal e de um novo sistema de
segurança coletiva visava corrigir os erros detectados no sistema anterior. Assim, o papel
especial das grandes potências foi reconhecido na forma das atribuições específicas do
Conselho de Segurança e em um processo decisório que concede prerrogativas de soberania
especiais às grandes potências, na forma do poder de veto. A relevância da participação de
todas as grandes potências em uma organização universal, que buscava evitar um novo
conflito, logo após a Segunda Grande Guerra, era evidente. A experiência da Liga das Nações
salientava essa realidade. A decisão de criar o poder de veto teve esse objetivo.
Esse é um tema controverso, porque contradiz o princípio da igualdade entre Estados
soberanos e porque a mudança da distribuição de poder no sistema internacional deveria ser
expressa na composição do Conselho de Segurança.
A nova organização precisava de instrumentos de coação mais eficazes. Os criadores do
sistema estavam convencidos de que a ineficiência das sanções contra a Itália havia apenas
alienado o governo daquele país da comunidade que a Liga representava, durante os meses
em que Mussolini conquistava a Etiópia. A ameaça militar da ONU deveria ser mais crível.
Assim, as resoluções do Conselho que lidam com ameaças à paz são obrigatórias, e não
recomendações, como ocorria com as resoluções do Conselho da Liga, e a Carta enfatiza a
necessidade de uma capacidade militar para dar suporte ao sistema de ação coletiva. Essa é
uma inflexão fundamental na condução da política internacional. Contudo, o poder do
Conselho é limitado pela sua dependência nos Estados para adquirir os meios militares e
financeiros, o apoio político e a implementação de decisões como embargos. O caráter
intergovernamental da ONU explica essa realidade. Um conjunto de regras e os interesses de
atores poderosos acabam por permitir que o Conselho tenha uma capacidade de agência
importante em alguns casos, seja apenas um fórum para discussão em outros ou
simplesmente se silencie.
A base legal do sistema de segurança coletiva da ONU pode ser encontrada no Capítulo
VII da Carta; que estabelece que ameaças à paz e à segurança internacional devem ser
tratadas pelo Conselho de Segurança. Como não há uma definição clara no que consiste em
uma ameaça, é conferido amplo poder discricionário ao Conselho. Uma ameaça à paz não

85
envolve, necessariamente, o uso de violência armada, nem se limita aos conflitos entre
Estados. Durante a Guerra Fria, o Conselho considerou a inexistência de um governo
legítimo, claramente identificado, no Congo, em 1960, e a política de discriminação racial
dos governos da África do Sul e da Rodésia, ameaças à paz e à segurança internacional.
Nesses dois casos, a definição clássica de agressão não era aplicável. A mais importante
limitação ao amplo poder discricionário do Conselho na sua definição de ameaças à paz e à
segurança está presente no artigo 51 da Carta. Ele define o direito legítimo à autodefesa,
restrito, contudo, ao caso específico de uma reação a um ataque armado. Ataques
preventivos, como o bombardeio à Líbia pelos Estados Unidos em 1986, em resposta ao
apoio dado a grupos terroristas, ou a invasão do Panamá também pelos Estados Unidos em
1989, em resposta ao suposto envolvimento do governo local no tráfico de drogas, abrem
uma discussão sobre os limites da definição de autodefesa que se tornou ainda mais
importante no pós-Guerra Fria.
De acordo com o artigo 39 da Carta, uma ameaça ou quebra da paz, ou um ato de
agressão permite ao Conselho exercer seus poderes de imposição de resoluções, e, nesses
casos, a exceção da jurisdição doméstica não é aceitável. Por exemplo, pode ser adotado um
bloqueio naval, sendo essa uma medida coercitiva que não envolve um estado de guerra. O
precedente foi a resolução n. 221, de abril de 1966, que fortaleceu a proibição da venda de
petróleo à Rodésia. A resolução convocava a Grã-Bretanha a prevenir, com o uso de força se
necessário, a chegada de petróleo ao porto de Beira, em Moçambique, que se destinava a
continuar por terra para a Rodésia.
O artigo 40 refere-se às medidas de emergência preliminares a outra resolução, baseada
no Capítulo VII, em que o Conselho demanda, requer com urgência ou urge medidas que
evitem a escalada de um conflito. Algumas situações típicas em que o artigo é a base de uma
recomendação são: o requerimento de um cessar-fogo ou de soltura de presos políticos,
pedidos para que Estados não apoiem partes de um conflito e lhes forneçam armas, pedidos
de retirada de tropas estrangeiras ou para o afastamento de tropas até determinadas posições.
O artigo 41, por sua vez, faz menção às medidas que não envolvem o uso da força, mas
determinam sanções contra um Estado que tenha quebrado ou ameaçado a paz, ou é
considerado um agressor. As medidas incluem embargos (proibição de exportações),
boicotes (proibições de importações), restrições de ordem financeira, ou de relacionamento
cultural ou esportivo, interrupção de meios de comunicação, corte das relações diplomáticas,
ou outras medidas que levam ao isolamento do Estado em questão. De forma geral, essas são
decisões obrigatórias, embora o artigo 50 faça exceção aos países com necessidades
econômicas especiais. O artigo 16 do Pacto da Liga das Nações forneceu a base para a
elaboração do artigo 41. No entanto, no caso da Liga, a decisão de impor sanções cabia a
cada Estado-membro, já as medidas previstas no artigo 41 têm um caráter obrigatório para
todos os Estados-membro. Assim, a comunidade internacional adquiriu, após a Segunda
Guerra, a capacidade de impor sanções coletivamente.
O artigo 42 estabelece a possibilidade do uso direto da força contra um Estado. O caráter
doméstico da situação não constitui um obstáculo à ação do Conselho, pois medidas sob o
Capítulo VII não são limitadas pela proteção à jurisdição doméstica. Está especificado no
artigo 43 que, no sistema de segurança coletiva da ONU, a ação direta consiste no uso de
contingentes de forças armadas nacionais submetidas ao Conselho de Segurança.
Os artigos 43, 44 e 45 estabelecem a obrigação dos Estados-membro de assinar acordos
com o Conselho para determinar o tamanho e a prontidão das tropas a serem utilizadas.

86
Quando um país contribui para uma operação, ele pode participar dos debates no Conselho.
Os artigos 46 e 47 estabelecem que o uso de contingentes nacionais seja decidido pelo
Comitê do Alto Comando (Military Staff Committee), composto pelos comandantes em
chefe dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, sob sua autoridade. O
comitê do Alto Comando é composto por representantes das forças armadas dos membros
permanentes que se reúnem a cada 14 dias e discutem as operações militares nas quais a
ONU está envolvida.
Contudo, o mecanismo de implementação do sistema de segurança coletiva previsto no
artigo 43 da Carta não foi posto em prática. As negociações para a conclusão dos “acordos
especiais”, que teriam permitido à ONU dispor de forças armadas e direitos de passagem
foram interrompidas em decorrência do início das tensões entre as superpotências. Assim, as
operações militares foram executadas de duas formas diferentes (algumas vezes combinando
as duas): criando forças das Nações Unidas para operações de paz ou autorizando o uso de
força por Estados-membro, individualmente, em coalizões ou no contexto de organizações
regionais.
A operação na Coreia foi a única instância em que o Conselho decidiu responder a uma
agressão com o uso da força, nos moldes clássicos do sistema de segurança coletiva durante a
Guerra Fria. A Coreia do Norte havia invadido a Coreia do Sul em junho de 1950, ocupando
a maior parte do país, dividido, até então, segundo a lógica da Guerra Fria. Nessa ocasião, o
Conselho foi claramente objeto da política externa americana, tendo sido a resolução
aprovada porque a União Soviética estava ausente no momento da votação em protesto
contra a representação de Taiwan como membro permanente. A operação inicialmente
visava à volta do status quo, dentro dos princípios do sistema de segurança coletiva, ou seja, a
retirada das tropas norte-coreanas para além do paralelo 38. A intervenção armada esteve
sob controle dos Estados Unidos que proveu a maior parte das forças, mas incluiu uma
coalizão de quinze países. Quando a União Soviética retornou ao Conselho, os Estados
Unidos buscaram apoio da Assembleia para que as forças pudessem se mover ao norte do
paralelo 38. Até hoje o armistício de julho de 1953 divide a Coreia.
Durante a Guerra Fria, apenas em dois casos o Conselho agiu com medidas de imposição
sob o Capítulo VII, em situações que não envolveram operações militares. A política do
apartheid foi penalizada pelas resoluções 232, de dezembro de 1966, e 253, de maio de 1968,
contra a Rodésia e pela resolução 418, de novembro de 1977, contra a África do Sul.
O apoio do Conselho de Segurança a processos de resolução de conflito faz parte dos
papéis da ONU na administração da segurança internacional. Enquanto o Capítulo VII lida
com situações em que houve quebra da paz, situações em que uma crise já se estabeleceu, o
Capítulo VI lida com ameaças à paz em potencial. Nesses casos, o papel principal cabe às
partes — e não ao Conselho — que devem buscar uma forma de conciliar suas diferenças.
Quando o Conselho age sob a égide do Capítulo VI, a cooperação entre as partes em disputa
é o foco das recomendações, enquanto quando a ação é feita sob a égide do Capítulo VII, a
cooperação dos outros Estados para tornar efetivas as medidas sobre as quais o Conselho
tomou decisões é fundamental, e as decisões são direcionadas contra os agressores.
Embora o sistema de segurança projetado não tenha funcionado durante a Guerra Fria, a
ONU desempenhou um papel mais restrito no campo da segurança, na mediação de
conflitos isolados, ao monitorar arranjos de cessar-fogo ou ao separar forças hostis. As
operações de paz representam a mais significativa participação da ONU na administração da
segurança internacional, fazendo parte de um esforço de controle de conflitos, ou seja,

87
26
realizando os objetivos expressos no Capítulo VI. Essas atividades deixariam uma porta
aberta para a retomada das propostas de um sistema de segurança coletiva após o final da
Guerra Fria.
As operações de manutenção da paz envolvem o consentimento do Estado onde ela será
alocada e uma negociação com as partes envolvidas para sua realização. As operações
coercitivas (peace enforcement), por sua vez, usam a coerção da força para realização da
missão, definem um inimigo, abandonando a neutralidade e a imparcialidade da ONU. Essa
distinção é crucial e está relacionada com a base legal diferente das duas formas, mas em
alguns casos é difícil manter uma clara separação.
Duas categorias de operações coercitivas foram desenvolvidas: missões de observadores e
missões de manutenção da paz. As operações de paz são executadas com base em um
mandato por tempo determinado, normalmente de seis meses ou um ano, que pode ser
estendido.
As missões de observação são formadas por um pequeno contingente desarmado,
distribuído em uma região após o estabelecimento de um cessar-fogo. As primeiras missões
de observação da ONU, compostas por observadores militares, foram aprovadas já em 1947
e 1948. A primeira objetivava verificar o apoio externo recebido pela guerrilha grega (Comitê
Especial das Nações Unidas para os Bálcãs); a segunda visava monitorar o cessar-fogo nas
fronteiras israelenses e ainda está ativa (UNTSO, United Nations Truce Supervision
Organization).
As operações de manutenção da paz são formadas por um contingente maior,
multinacional, armado para a autodefesa, cuja função principal é a interposição entre forças
hostis. Elas geralmente visavam resolver uma crise ou estabilizar uma situação, afastando a
confrontação entre as partes para permitir um diálogo. A separação das partes e o
monitoramento dos acordos firmados, inclusive a verificação de acordos de controle de
armamentos, são realizados. São utilizadas forças de Estados neutros em relação ao conflito
específico e ao conflito sistêmico. Canadá, Fiji e Suécia contribuíram significativamente para
as operações até os anos 1990. A neutralidade era considerada fundamental para o sucesso
27
das operações. O Conselho delega ao secretário-geral a responsabilidade de prover forças
internacionais por meio de acordos com membros e de delegar o comando da operação. As
forças operam com o consentimento do Estado onde estão estacionadas. O consentimento é
considerado um requisito básico para esse tipo de operação. Contudo, o mesmo pode ser
uma ficção, como no caso do Congo em 1960-61 e da Somália em 1992, não havendo um
governo legítimo claramente constituído.
Entre 1947 e 1985, a ONU realizou somente treze operações de paz, estabelecendo-se uma
norma de conduta que perduraria até o final da Guerra Fria. Algumas operações devem ser
citadas porque representaram um marco na história da prática em foco.
A crise do Canal de Suez em 1956 permitiu o desenvolvimento do novo conceito de
operação de paz. Nesse mesmo ano, foi criada a primeira força de manutenção da paz e o
termo “operação de manutenção da paz” foi incorporado ao vocabulário da ONU (UNEF I
— United Nations Emergency Force). A operação tinha como mandato a separação de forças
israelenses e egípcias e durou onze anos. Nesse caso, o secretário-geral Hammarskjold teve
relativa autonomia em negociar a resolução da crise que se instalara. Seu mandato amplo e
sua liderança permitiram inaugurar uma nova prática. As forças foram lideradas por um
general canadense, subordinado ao secretário-geral, em contraste com a operação na Coreia,

88
em que as forças foram comandadas por oficiais norte-americanos. O peso da neutralidade e
as funções das operações de paz foram articulados nesse contexto. O secretário-geral se
responsabilizou ainda pela operação de limpeza do canal de Suez, que estava bloqueado por
navios afundados pelos egípcios. Essa missão mostrou-se peculiar uma vez que foi criada
pela Assembleia Geral, dada a obstrução do processo decisório pelos vetos britânico e francês
no Conselho de segurança.
A missão presente no Congo entre 1960 e 1964 (ONUC — Opération des Nations Unies
au Congo) para restaurar a ordem civil no país é considerada o “Vietnã da ONU” e afastou a
possibilidade de intervenções coercitivas por muitos anos. A amplitude do mandato, nesse
caso, incluindo a permissão para utilização de força ofensiva, acabou envolvendo a ONU em
um conflito intraestatal de grande proporção e a organização ainda não estava preparada
para essa experiência. A operação no Chipre (UNFICYP — UN Force in Cyprus), criada em
1964 e ativa até hoje, é um exemplo do congelamento de conflito que essas operações podem
gerar, não sendo resolvida a disputa entre as partes. Ademais, a operação não foi capaz de
evitar o conflito armado em 1974.
O sistema de segurança coletiva durante a Guerra Fria não funcionou como o previsto. As
grandes potências vetaram sistematicamente sua aplicação, e as negociações em torno da
Guerra Fria ocorreram em outros fóruns. Conflitos como o ocorrido no Vietnã jamais
chegaram ao Conselho de Segurança. O debate sobre como foi gerada a relativa estabilidade
do sistema internacional é bastante complexo, mas podemos mencionar aqui processos
amplamente estudados como a bipolaridade do sistema, as normas construídas ao longo da
existência do moderno sistema internacional, a ameaça de uma catástrofe nuclear, o sistema
de alianças e zonas de influência, e as normas acordadas entre as superpotências. O sistema
de segurança coletiva manteve-se congelado, e a ONU preencheu um papel relevante na
manutenção da paz através das operações de paz e de seu apoio a negociações internacionais.
O apoio ao processo de descolonização, a criação de um fórum para as negociações visando
28
ao controle de armamentos e ao desarmamento são também contribuições para a
administração da segurança internacional. Criada inicialmente com 51 membros, em 1990 a
ONU já contava com 158 Estados, demonstrando a força que a ideia de uma organização
universal havia adquirido. Em 2015, o número de Estados-membro da ONU já soma 193.
Finalmente, devemos acrescentar que a administração da segurança internacional é
realizada também no âmbito regional, e essa realidade é contemplada pela Carta da ONU. O
Capítulo VIII apresenta a possibilidade de autorização por parte do Conselho de Segurança
de ações implementadas por arranjos regionais. Além disso, o artigo 51, já mencionado,
refere-se à autodefesa individual e coletiva. A ideia de autodefesa coletiva foi contemplada
em São Francisco para conferir legitimidade aos acordos de assistência recíproca que
estavam sendo desenhados no continente americano e que depois proliferaram, com o
estabelecimento de organizações regionais, tais quais a OTAN (Organização do Tratado do
Atlântico Norte) e o Pacto de Varsóvia. Contudo, o direito à autodefesa coletiva, presente no
artigo 51 da Carta, não deve ser confundido com as medidas que uma organização regional
pode tomar sob direção do Conselho de Segurança, de acordo com o artigo 53. A Liga Árabe
(criada em 1945), a OEA (criada em 1948) e a Organização de Unidade Africana (criada em
1963, hoje União Africana) são organizações de segurança coletiva regionais. Essas foram as
organizações originalmente previstas para cooperar para o funcionamento do sistema de
segurança coletiva segundo o artigo 53. O sistema de segurança coletiva pode conviver com
acordos de segurança territorialmente circunscritos, podendo estes constituir mecanismos de

89
segurança coletiva regionais ou alianças militares. Contudo, como vimos, a existência de
alianças militares pode entrar em contradição com o funcionamento do sistema.

90
O Sistema de Segurança Coletiva no Pós-Guerra Fria
Está claro que o sistema de segurança coletiva previsto na Carta das Nações Unidas não se
tornou realidade durante a Guerra Fria. Essa possibilidade voltou a ser considerada a partir
de 1990. O processo decisório no Conselho de Segurança foi ativado no momento em que os
Estados Unidos e a União Soviética (e depois a Rússia) deixaram de usar o poder de veto
sistematicamente e em que uma tendência a decisões consensuais foi inaugurada. Por outro
lado, um conjunto de novos conflitos de caráter intraestatal, na sua maioria, pode ser
observado, levando à discussão sobre novas guerras (Kaldor, 2007b). O número de operações
de paz aumentou significativamente, assim como o escopo de suas atividades e a quantidade
29
de militares e civis envolvidos, a imposição de sanções tornou-se mais frequente, e foram
criados tribunais para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídios.
A cooperação entre as potências no Conselho de Segurança facilitou a resolução de
conflitos que tinham origem na Guerra Fria. Em 1988, uma resolução do Conselho forneceu
um quadro de referência para a cessação das hostilidades entre o Iraque e o Irã, uma guerra
que já durava oito anos, e a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão foi negociada
30
através da ONU. Seguiu-se sua atuação na Nicarágua, em El Salvador, na Namíbia e no
Camboja, mencionadas mais adiante. O fim do conflito entre os dois blocos político-
ideológicos também representou uma intensificação do processo de globalização, ou seja,
uma maior conexão e interdependência entre as sociedades, permitindo dessa forma que o
modelo ocidental de organização e governança das sociedades nacionais − baseado no tripé
economia de mercado, democracia e direitos − humanos fosse apresentado como um
31
modelo universal.
Por outro lado a força do ideário neoliberal durante os anos 1990 contribui para o
enfraquecimento de Estados em diversas partes do planeta, a partir da implementação de
programas de ajuste estrutural e das condições para apoio econômico, estabelecidas pelos
Estados do ocidente e desenvolvidas pelo FMI e pelo Banco Mundial, aumentando a
demanda por operações de paz. Ademais o acesso a informações e imagens sobre crises
humanitárias, atos de desrespeito aos direitos humanos e genocídios geraram pressões da
opinião pública por intervenções. O “efeito CNN”, termo que passou a ser incorporado pela
literatura, refere-se a essa tendência. Finalmente o crescente espaço conferido ao
humanitarismo na agenda internacional foi crucial para o aumento do número e
complexidade das operações de paz. Assim, as operações de paz passaram a incluir desde
mecanismos de resolução pacífica de conflitos como mediação e desarmamento até a
reestruturação de Estados. Por outro lado, as operações de paz passaram a envolver um
crescente uso da força. A redefinição do próprio conceito de segurança, tema amplamente
discutido pela literatura especializada nos últimos quinze anos, faz parte das transformações
32
históricas em foco aqui. Duas ideias prevalecem nesse debate: a internacionalização do
conceito de segurança, ou seja, o papel do sistema de segurança coletiva, a amplitude dos
critérios de intervenção, a crescente rede de normas internacionais, e a extensão do conceito
de segurança, envolvendo a redefinição das fontes e objetos de ameaças. Observa-se um
movimento de ampliação da definição das “ameaças à paz e à segurança internacional”, que
deixam de estar limitadas às ameaças à integridade territorial dos Estados. Esse movimento
de ampliação incorpora crises humanitárias (geradas por catástrofes naturais ou desrespeito
aos direitos humanos), terrorismo, proliferação de armas de destruição de massa e falência

91
de Estados. Os indivíduos passam a ser considerados objetos de ameaças. O conceito de
segurança humana (Kaldor 2007a), referindo-se às ameaças aos direitos humanos e à
dignidade humana, é incorporado ao vocabulário de atores e especialistas, contribuindo para
cristalizar esse translado. Ao mesmo tempo, em um contexto em que o número, a
intensidade e a atenção auferida aos conflitos intraestatais cresce, a fonte das ameaças é
reavaliada, não mais se limitando às agressões por parte de Estados.
Salientamos então que, ao longo das últimas décadas, a ONU e as organizações regionais
envolvidas com a administração da segurança internacional participaram de um processo de
redefinição das normas de segurança coletiva. A ONU, em particular, foi o fórum
privilegiado em que esse processo ocorreu, tendo sua identidade se transformado ao mesmo
tempo.
A partir de 1988, o Conselho de Segurança vive um primeiro renascimento, facilitando
soluções pacíficas para as crises herdadas da Guerra Fria no Afeganistão, no Camboja e na
América Central. Nos primeiros dez anos após o final da Guerra Fria, foram aprovadas mais
operações da ONU do que nos 45 anos anteriores. Ainda em 1988 e 1989, cinco operações
foram inauguradas (Afeganistão, fronteira Irã-Iraque, Angola, Namíbia e América Central),
depois de dez anos de interrupção.
No entanto, foi durante a Guerra do Golfo de 1991 que o Conselho de Segurança
deslocou-se para um novo espaço político e estratégico no cenário internacional. Nos casos
subsequentes, ocorreu um gradual processo de redefinição do paradigma de segurança
coletiva e da natureza das operações de paz. A ampliação das possibilidades de intervenção
internacional, seja em termos dos critérios, seja em termos dos meios utilizados, é a marca
das transformações em pauta. Ao longo desse processo, a distinção entre operações de paz,
como mecanismo de administração de conflitos, ou mesmo de resolução de conflitos, e o
sistema de segurança coletiva, observada no período entre 1946 e 1985, tornou-se difusa. Se
as operações de paz foram um “substituto” ao mecanismo de segurança coletiva, que não
pode funcionar durante a Guerra Fria, no pós-Guerra Fria, elas tornam-se gradualmente
parte desse sistema, na medida em que a definição de ameaças à paz e à segurança é reescrita
e os meios utilizados para enfrentá-las tornam-se cada vez mais intervencionistas.
O caráter das operações de paz da ONU tem se modificado drasticamente durante os
últimos anos. A fase das operações de paz tradicionais, que se estende de 1948 a 1989, foi
33
suplantada. Depois de 1989, novos parâmetros foram aos poucos sendo introduzidos. A
literatura especializada faz referência a diferentes gerações de operações de paz. Aqui,
optaremos por discutir as mudanças nas normas para a gestação e o funcionamento das
operações da ONU, sem nos determos no conceito de gerações. Por outro lado, as novas
atividades das operações e sua autorização em diferentes fases dos conflitos geraram um
debate na literatura especializada sobre como classificar as operações; com isso, novos
termos surgiram, como operações que mantêm a paz, operações que fazem a paz, operações
34
que constroem a paz ou operações coercitivas. A distinção entre operações coercitivas e
não coercitivas tem um papel crucial no debate atual sobre política internacional e o papel da
ONU. Mas para além dessa distinção acreditamos que aqui cabe analisar o escopo das
atividades possíveis para uma operação de paz hoje. Cada mandado e experiência histórica
deverá ademais merecer uma análise específica.
Voltamos nossa atenção inicialmente para a vasta ampliação das atividades das operações
de paz. As novas operações de paz são mais complexas e o envolvimento no processo de

92
resolução de conflitos, mais claro. As técnicas de resolução de conflito são amplamente
utilizadas. A paz negativa, ou seja, a supressão da violência, deixa de ser o objetivo
primordial e esforços se orientam para a criação de uma paz positiva, ou duradoura. Em vez
de se limitar a controlar conflitos, a organização passa a se dedicar intensamente a resolvê-
los.
A necessidade de ajuda humanitária e o desrespeito pelos direitos humanos tornam-se
critérios importantes para a criação de operações de paz, passando a segurança de indivíduos
a ser objeto dessas operações. O transporte e a distribuição de alimentos e suprimentos
médicos e a criação e gestão de campos de refugiados, frequentemente em cooperação com
organizações não governamentais, são atividades amplamente disseminadas a partir dos
anos 1990.
Em um conjunto de operações, a ONU passa a preencher uma série de funções
administrativas e políticas. A operação criada para a Namíbia em 1989 inaugura uma fase de
ampla participação na reconstrução pós-conflito; as operações em El Salvador, Moçambique,
Timor Leste e Kosovo são outros exemplos relevantes. Nesses casos, a integração entre
atividades militares, diplomáticas, humanitárias, políticas e administrativas aumenta
drasticamente a complexidade das operações. A construção de instituições estatais e da
sociedade civil é visada através do envolvimento em atividades como a reestruturação de
polícias, organização de eleições, gestação de novas ordens constitucionais, retirada de
minas, assistência humanitária, monitoramento no campo dos direitos humanos e criação de
comissões de reconciliação. A pacificação de sociedades que enfrentaram um conflito civil ou
interestatal é o objetivo central de muitas operações. Processos de desarmamento,
desmobilização e reintegração (ou DDR, no vocabulário da ONU) de combatentes geram
uma nova área de atuação, assim como a ação de forças policiais da ONU. Em alguns casos, a
ONU age como a instância de soberania em caráter transitório, como foi o caso em Timor
Leste e no Kosovo. A utilização do termo construção da paz ou construção de nações (nation
building) deriva dessa realidade.
Por outro lado, os meios utilizados vêm se modificando, com maior ênfase em ações
coercitivas, com uso de violência, ou não. Na “Agenda para Paz” de 1992, em diversos
trechos pode-se perceber a presença de propostas de uso de formas militarizadas e
35
coercitivas de preservação da paz. A ONU recomenda a criação de forças de mobilização
imediata como contribuição dos Estados-membro, as quais devem estar disponíveis para o
caso de uma autorização do Conselho de Segurança para uma ação militar. O departamento
de operações de paz (DPKO) criou uma seção militar para gerar maior coordenação e
preparo de tropas. Ainda assim, a transferência de responsabilidade para coalizões de
Estados, para um Estado ou para organizações regionais é a forma mais comum de
disponibilizar tropas para operações autorizadas pelo Conselho.
Como vimos, crises que representam uma “ameaça à paz e à segurança internacional”
podem, segundo a Carta da ONU, suscitar resoluções do Conselho de Segurança nos termos
do Capítulo VII. Assim, a conjunção de três fatores — a ampliação da definição de ameaças,
a tendência a recorrer a medidas coercitivas e o descongelamento do processo decisório no
Conselho de Segurança — permitiu um aumento significativo de resoluções com base no
Capítulo VII. Ao mesmo tempo, observa-se que a distinção entre resoluções baseadas no
Capítulo VII e resoluções baseadas no Capítulo VI torna-se mais difícil.
A ONU passa a intervir em conflitos ainda em curso ou em situações extremamente
voláteis, usando a força em situações que não se limitam à autodefesa. Em alguns casos, as

93
operações adquirem um caráter preventivo, ou seja, ainda não há um conflito armado ou
ocorre um conflito de baixa intensidade. As operações de paz tradicionais dependiam do
consentimento das partes e estavam subscritas pelo Capítulo VI da Carta, ou seja,
diretamente vinculadas aos mecanismos de resolução pacífica de disputas. Operações
coercitivas são legitimadas pelo Capítulo VII da Carta, não requerendo o consentimento das
partes.
A imparcialidade é redefinida como objetividade em face do mandato, tendo a busca de
representatividade ampla das forças sido abandonada, assim como o princípio de que
membros permanentes do Conselho ou países da região do conflito não deveriam contribuir
para as operações com tropas. Dessa forma, em muitos casos, as potências passam a operar
em suas zonas de influência sob o mandato da ONU.
A Guerra do Golfo de 1991 foi o marco em que o Conselho de Segurança autorizou
medidas coercitivas militares sob o Capítulo VII, em um contexto que permitia uma clara
aplicação dos princípios de segurança coletiva. De fato, esse pode ser considerado o primeiro
caso de realização do sistema de segurança coletiva da ONU. No caso da invasão do Kuwait
pelo Iraque em 2 de agosto de 1990, a referência ao Capítulo VII era clara: houve agressão,
ruptura da paz, recurso à força contra a integridade territorial e independência política de
um Estado-membro da ONU. A pergunta gerada por essa experiência é: em que medida a
Guerra do Golfo foi um caso sui generis ou um marco no início de um processo de
reconstrução do sistema. O caminho que seria percorrido pela ONU e pelas organizações
regionais afastaria a organização do modelo clássico de segurança coletiva.
O conceito de intervenção humanitária, disseminado ao longo dos anos 1990, estabelece
uma associação entre ameaças aos direitos humanos e/ou crises humanitárias e a segurança
36
internacional. A existência de populações submetidas à violência, mesmo que pelos
Estados exercendo soberania sobre o território onde as mesmas habitam, passa a justificar a
intervenção internacional. Nesse cenário, a convivência tensa entre diferentes partes do
sistema normativo da ONU — o princípio da não intervenção, presente no Artigo 2 da
Carta, e a defesa dos direitos humanos ou a necessidade de enfrentar crises humanitárias —
vem a ocupar lugar central na agenda internacional.
Embora o Capítulo IX, artigo 60, refira-se ao tratamento de questões humanitárias pela
Assembleia Geral, o tema passa progressivamente a ocupar a agenda do Conselho de
Segurança, conferindo-lhe um novo status. A princípio, o problema gerado pela ampla
movimentação de refugiados foi um argumento importante para que crises humanitárias
fossem consideradas questões de segurança e, portanto, passíveis de ser tratadas pelo
Conselho. Por exemplo, quando as sanções e o agravamento das tensões políticas
provocaram o êxodo de refugiados haitianos em direção à Flórida em junho e julho de 1994,
tornando a estabilização política no país um objetivo da política externa norte-americana, a
intervenção no Haiti tornou-se possível. Posteriormente, a abrangência das ameaças ao
indivíduo foi ampliada.
A intervenção humanitária não é uma prática inaugurada nos últimos quinze anos;
contudo, as normas que a conformam modificaram-se drasticamente. A proteção
humanitária foi estendida a qualquer população, enquanto no século XIX apenas cristãos
recebiam proteção. Ademais as intervenções são multilaterais, envolvendo os supostos do
multilateralismo discutidos no Capítulo 1. As intervenções na Somália, no Camboja, no
37
Kosovo e na Bósnia podem ser definidas como intervenções humanitárias.

O conceito de Responsabilidade de Proteger, acordado durante o Encontro de Cúpula de


94
O conceito de Responsabilidade de Proteger, acordado durante o Encontro de Cúpula de
2005 congregando representantes de 191 países, é incorporado ao vocabulário da ONU
representando uma tentativa de responder à tensão entre a responsabilidade internacional de
proteger indivíduos e os direitos de soberania dos Estados. O conceito é composto por três
pilares: 1) Os Estados nacionais tem responsabilidade primordial em proteger indivíduos
contra o genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica; 2) a
comunidade internacional tem a responsabilidade de assistir os Estados para que realizem
essa obrigação; 3) a comunidade internacional pode utilizar de diferentes meios, políticos,
diplomáticos, humanitários e outros, inclusive o uso da força, caso os Estados nacionais não
realizem suas obrigações de proteção.
A regionalização das operações também é uma característica das transformações em
curso. A intervenção da ECOWAS (Economic Community of West Africa States —
Comunidade Econômica dos Estados Africanos Ocidentais) na Libéria em 1990 deu início a
38
essa tendência e, de fato, o capítulo VIII da Carta prevê a cooperação entre arranjos
regionais e a ONU. O maior número de operações e a expansão de suas atividades geravam
uma demanda que poderia, em parte, ser atendida pelas organizações regionais. Há uma
tendência à institucionalização do novo papel das organizações regionais, tendo diversas
delas redefinido seus papéis e sua estrutura interna para poder responder às novas
demandas. A “Agenda para a paz” do secretário-geral de 1992, em um extenso subcapítulo
sobre organismos e arranjos regionais, enfatiza a flexibilidade oferecida pela Carta para a
definição desses arranjos e favorece o desenvolvimento de esforços complementares entre a
ONU e esses grupos, permitindo que “associações ou entidades, organizações criadas por
tratados, antes ou depois da fundação da ONU, para a segurança mútua ou defesa”, entre
39
outras, fossem aceitas como organismos regionais.
Estava aberta a brecha para que alianças, como a OTAN, viessem a ser tratadas como
organizações de segurança coletiva sob o Capítulo VIII (artigo 53), enquanto essa
organização havia sido criada com base no direito à autodefesa do artigo 51, e seu tratado
constitutivo só lhe permitia, a rigor, agir para a proteção do território de seus membros em
caso de ataque a um deles. O Relatório Brahimi de 2000, em uma extensa revisão das
operações de paz da ONU, também recomenda o fortalecimento da cooperação entre a ONU
40
e organizações regionais.
Uma das características do final da Guerra Fria é a ausência de um projeto amplo de
reconstrução da ordem internacional, em contraposição a outros momentos históricos em
que as grandes potências buscaram redefinir os parâmetros e as instituições do sistema
internacional, como na assinatura do tratado de Vestfália em 1648, na assinatura do tratado
de Utrecht em 1713, no Congresso de Viena em 1815, ou no Tratado de Versalhes ao final da
Primeira Guerra Mundial. Portanto, a articulação de um novo paradigma de segurança
coletiva ocorre com base em decisões ad hoc, que ocorreram como reação a um conjunto de
crises descongeladas com o final da Guerra Fria, ou como resultado da ascensão de temas à
agenda de segurança das grandes potências. Deve-se notar, contudo, o papel de um conjunto
de documentos produzidos pela ONU que se tornaram referência para o debate sobre as
novas operações de paz, a redefinição do conceito de segurança coletiva e as novas formas de
41
intervenção. Assim, é crucial um exame das mudanças incorporadas no debate e nas
resoluções aprovadas com relação a um conjunto de crises durante as últimas décadas.

Como vimos, progressivamente amplia-se o leque de parâmetros para o desencadeamento


95
Como vimos, progressivamente amplia-se o leque de parâmetros para o desencadeamento
da coerção, abarcando situações de crise humanitária ou de violações de direitos humanos. O
marco mais significativo nesse processo foi a Resolução 688, que outorga ao secretário-geral
o mandato para levar a cabo esforços humanitários para a proteção dos curdos no Iraque.
Essa resolução, aprovada pelo Conselho de Segurança em abril de 1991, declara que a
repressão das populações curdas e xiitas do Iraque, pelo governo de Saddam Hussein,
constitui uma ameaça à paz e à segurança internacional e representa a primeira vinculação
explícita entre segurança e direitos humanos. A resolução 733, de janeiro de 1992, estabelece
a UNOSOM (United Nations Operation in Somalia — Operação da ONU na Somália, de
abril de 1992 a março de 1993), legitimando a intervenção norte-americana para proteção da
operação de assistência humanitária na Somália. Em dezembro de 1992, com a deterioração
da situação no país, o Conselho autorizou, pela resolução 794, a criação da UNITAF (Unified
Task Force, Força Tarefa Unificada, dezembro de 1992 — maio de 1993), uma operação que
visava criar um ambiente seguro para a distribuição de assistência humanitária. Uma
operação de caráter humanitário era criada, com base legal no Capítulo VII da Carta.
A experiência na Somália representou mais um passo em direção à legitimação do
conceito de intervenção humanitária. Apesar das dificuldades da operação, que afastou os
Estados Unidos de operações desse tipo e favoreceu posições isolacionistas no congresso
norte-americano, a operação abriu o debate sobre os “Estados falidos” e a responsabilidade
da comunidade internacional diante do estado de anomia social alcançado. Além disso, a
obsolescência das noções tradicionais de soberania e a inutilidade do apego rígido à regra do
consentimento como requisito para a presença de forças da ONU representaram um passo
na direção de novas normas para operações de paz. A operação introduziu o termo “linha de
Mogadíscio” ao vocabulário internacional, referindo-se à autorização do uso de força por
operações de paz.
Na ex-Iugoslávia observa-se uma gradual incorporação do elemento coercitivo para lidar
com um conflito em que a crise humanitária e o desrespeito aos direitos humanos ocupavam
a esfera pública internacional como resultado da presença da mídia e da pressão da opinião
pública. A declaração de independência da Croácia e da Eslovênia, em 1991, iniciou o
processo de desagregação da Iugoslávia no contexto de um conflito marcado por atrocidades,
desagregação de comunidades e um fluxo de refugiados intenso. Em 1992, a Bósnia-
Herzegovina e a Macedônia também declararam sua independência. A diversidade étnica e
religiosa na Croácia e na Bósnia e a reação da liderança sérvia ao movimento separatista são
o cenário em que o conflito se desenvolveu. As tentativas de mediação não tiveram sucesso, e
a ONU autorizou a criação de uma operação chamada UNPROFOR (United Nations
Protection Force — Força de Proteção da ONU, março de 1992 — dezembro de 1993), que
visava criar áreas protegidas para a população civil. Suas responsabilidades foram acrescidas
quando a Bósnia-Herzegovina aprovou sua própria independência em um referendum. A
instalação da UNPROFOR em um palco de batalhas entre os três grupos étnicos, sem
negociação prévia de acordo, expôs a força de paz a ataques, e essa conjuntura levou o
Conselho de Segurança a introduzir ingredientes coercitivos a seu mandato. Os sérvios
seriam o alvo privilegiado desses elementos coercitivos, já que não aceitaram a disposição de
forças da ONU na Bósnia que eles controlavam. Nesse caso, também o Capítulo VII foi
invocado. Sanções foram impostas contra a Iugoslávia, e os Estados-membro foram
autorizados a utilizar “todos os meios necessários” para o provimento de assistência
humanitária. A conjunção entre a perda da imparcialidade e a vulnerabilidade militar, não

96
obstante a presença do aparato da OTAN como retaguarda, gerou crises de graves
proporções para a ONU, com a tomada de dezenas de reféns pelas forças sérvias na Bósnia
em 1994 e em 1995. Em novembro de 1995, foi assinado o Acordo de Dayton, a
UNPROFOR foi substituída pela IFOR (Implementation Force, Força de Implementação,
dezembro de 1995 — dezembro de 1996), uma operação da OTAN, incluindo membros de
outros países, inclusive a Rússia. Deve-se mencionar ainda que um Tribunal Criminal
Internacional ad hoc foi instituído para julgar em 1993 os crimes cometidos contra as
populações da região.
Em duas outras intervenções do período — Ruanda e Haiti — o termo “todos os meios
necessários” aparece nos textos das resoluções do Conselho — um padrão claramente se
estabelecia. No primeiro caso, tratava-se de cessar as hostilidades intraestatais, e no segundo,
de restaurar a legitimidade institucional.
Em Ruanda, após a morte do presidente Juvenal Habyarimana, um hutu, em um acidente
de avião, extremistas iniciaram um massacre da minoria tutsi e de moderados hutus. O
capítulo VI foi invocado para o envio de uma operação multinacional. A UNAMIR UN
(Assistance Mission — Missão de Assistência da ONU), de outubro de 1993 a março de
1996), operação que já havia estado no país sem conseguir proteger a população, voltou a ser
constituída. O Conselho de Segurança também estabeleceu um Tribunal Criminal
Internacional ad hoc para Ruanda em 1995, para investigar o massacre em que pelo menos
750.000 pessoas foram assassinadas.
Em setembro de 1991, um golpe de Estado contra o presidente haitiano desencadeou uma
iniciativa para restauração da democracia envolvendo a ONU e a OEA. Depois de um longo
período de negociação e pressões internacionais, uma operação, da qual participaram 28
países, sob a liderança norte-americana, foi aprovada pelo Conselho de Segurança e chegou
ao Haiti em setembro de 1994 (MNF — Multinational Force — Força Multinacional, de
setembro 1994 a janeiro de 1995). A operação visava restaurar o governo legítimo, segundo
os termos do Acordo de Governors Island entre o governo haitiano no exílio e a junta militar
que havia assumido o poder depois do golpe. Uma operação ampliada foi posteriormente
instalada para assumir o processo de reconstrução do país a partir de janeiro de 1995
[UNMIH, UN Mission in Haiti, Missão da ONU no Haiti setembro de 1993 (criação),
janeiro de 1995 (começo das atividades) junho de 1996].
Operações, como aquela liderada pela França em Ruanda em 1994, pelos Estados Unidos
no Haiti em 1994-5, ou pela Itália na Albânia em 1997, permitem dividir os custos das
operações e legitimar a ação das potências em suas zonas de influência. Quando o termo
“todos os meios necessários” aparece nas resoluções da ONU que delegam a liderança de
uma operação a um país como a França em Ruanda e os Estados Unidos no Haiti, abre-se o
debate da falta de controle da ONU sobre as operações e os interesses nacionais específicos,
particularmente quando se trata de uma zona de influência tradicional de uma das grandes
potências.
A resolução 687 é muito significativa também, pois se trata do primeiro caso de ampliação
da atuação do conselho de Segurança na esfera do desarmamento e não proliferação. A
resolução, adotada em 3 de abril de 1991, prolongou as sanções contra o Iraque e impôs
rígidas condições para suspendê-las, mesmo depois de resolvida a agressão ao Kuwait. A
resolução afirmava que o país deveria aceitar a destruição de suas armas químicas e
biológicas, além de mísseis balísticos. Armas nucleares não deveriam ser desenvolvidas, e o
material nuclear deveria estar sob controle internacional. Uma comissão especial da ONU foi

97
criada para, juntamente com a IAEA (International Atomic Energy Agency — Agência
Internacional para Energia Nuclear), supervisionar o processo. As dificuldades do processo
de inspeção e um conjunto de outros interesses dos Estados Unidos e do Reino Unido
resultaram em um novo conflito em 2003; dessa vez sem a autorização do Conselho.
As operações na Namíbia, no Camboja e na Nicarágua representaram um marco na
ampliação das atividades da ONU no campo da construção de instituições do Estado e da
sociedade civil. Após o acordo regional de 1988, que permitiu a independência da Namíbia, a
UNTAG (UN Transition Assistance Group In Namibia — Grupo da ONU de Assistência à
Transição na Namíbia, abril de 1989 — março 1990) foi instituída com um mandato que
incluía tarefas tradicionais, como garantir o cessar-fogo e novas atribuições que visavam
garantir a ordem doméstica e estabelecer um regime democrático, criando um sistema legal
não discriminatório. A operação organizou eleições, supervisionou a força policial civil,
ajudou a mudança da legislação, entre outras atividades, permitindo que um governo eleito
fosse instalado em 1990. No Camboja, a ONU foi responsável pela implementação do acordo
que findava a guerra civil no país a partir de outubro de 1991. A UNTAC (UN Transitional
Authority in Cambodia — Autoridade de Transição da ONU no Camboja, outubro de 1991
— março de 1992) incorporou atividades militares, de polícia e de pessoal civil. Durante o
período de transição de oito meses, a operação tinha a responsabilidade de administrar o
país exercendo funções de governo. Durante a operação na Nicarágua, e em outros países da
América Central, que visava monitorar o acordo de Esquipulas II (ONUCA, United Nations
Observer Group in Central America — Grupo de Observação da ONU na América Central,
novembro de 1989 — janeiro de 1992), pela primeira vez a ONU participou de um esforço
de desmilitarização, recolhendo e destruindo armamentos. As operações multifuncionais no
Timor Leste (UNMISET, United Nation Mission in Support of East Timor — Missão de
Apoio da ONU ao Timor Leste, maio de 2002 até o presente) e no Kosovo (UNMIK, United
Nations Interim Administration Mission in Kosovo — Missão de Administração Interina da
ONU no Kosovo, junho de 1999 até o presente) representam uma transformação ainda
maior do envolvimento da ONU em atividades de construção de instituições estatais e da
sociedade civil.
A atuação da OTAN na Bósnia-Herzegovina, primeiramente como o braço armado da
42
UNPROFOR e — após os acordos de Dayton — no contexto da IFOR, autorizada pelo
Conselho de Segurança a cumprir sua missão sob o Capítulo VII, estabeleceria novos
parâmetros para a relação entre a ONU e uma aliança defensiva. Em julho de 1992, a OTAN
iniciou uma operação no mar Adriático para monitorar o embargo contra a Iugoslávia —
pela primeira vez em sua história, a aliança participava de uma ação militar. A proibição de
tráfego aéreo sobre a Bósnia-Herzegovina, pela resolução 816 de março de 1993, abriu as
portas para a cooperação entre a OTAN e a ONU. Posteriormente, foram criadas zonas
protegidas em torno de localidades com concentração de população muçulmana na Bósnia.
A OTAN passou a ser responsável por zelar por essas áreas. A criação da IFOR em dezembro
de 1995 (posteriormente denominada SFOR, Stabilization Force — Força de Estabilização)
representa uma primeira atuação da OTAN em um processo de reconstrução pós-conflito,
envolvendo a manutenção da cessação de hostilidades, troca de prisioneiros, ajuda no
estabelecimento de um ambiente seguro para realização das tarefas de reconstrução por parte
de outras organizações e manutenção da ordem pública. A crise humanitária no Kosovo no
início de 1998 e a impossibilidade de gerar um consenso no Conselho sobre a questão
levaram a OTAN a intervir na região em janeiro de 1999, dessa vez sem a autorização do

98
Conselho. Desde 1991, a OTAN tem investido na adaptação à nova realidade do pós-Guerra
Fria, ampliando sua concepção de defesa coletiva. Além da expansão em direção à Europa
Oriental, a aliança busca adequar seus princípios operacionais às novas funções. Em agosto
de 2003, a organização assumiu o controle sobre a força internacional, atuando no
Afeganistão já no contexto da guerra antiterrorista. Por fim, em 2011, a operação na Líbia
garantindo a interdição área definida pela resolução 1973 do Conselho de Segurança foi
realizada por forças da OTAN.
A possibilidade de ampliação de temas tratados no âmbito do sistema de segurança
coletiva ainda não se esgotou. A crescente complexidade do ambiente de segurança é gerada
por um conjunto de ameaças potenciais, antes pouco reconhecidas, como a degradação
ambiental, o tráfico de drogas, movimentos irregulares de capital, epidemias, terrorismo,
abusos aos direitos humanos, a desintegração de Estados e o movimento de refugiados. Essas
convivem com problemas tradicionais, como propagação de armas convencionais e
nucleares ou desrespeito às fronteiras territoriais. À medida que se configura uma situação
percebida pelas lideranças das grandes potências como uma ameaça ao fluxo de bens e
pessoas, e não mais apenas à integridade territorial, os temas migram para o Conselho de
Segurança, tornando-se objeto do sistema de segurança coletiva. Assim, no dia 10 de janeiro
de 2000, pela primeira vez o Conselho de Segurança debateu um tema ligado à saúde pública
com um discurso do vice-presidente norte-americano Al Gore. A epidemia de AIDS na
África foi então objeto de atenção.
A área na qual o Conselho de Segurança tem mais claramente ampliado sua atuação é o
combate às atividades terroristas, tendo sido criado um Comitê antiterrorismo logo após os
atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. Um conjunto de
convenções foi aprovado pela ONU tratando do tema. Resoluções específicas do Conselho
estabelecem as obrigações dos Estados de evitar o acesso de atores não estatais às armas de
destruição em massa ou fornecer qualquer tipo de apoio às organizações terroristas,
afirmando claramente a associação entre proliferação de armas de destruição em massa,
terrorismo e ameaças à paz e à segurança internacional. Nesse sentido, está aberta a porta
para a ação do Conselho dentro da lógica do Capítulo VII nos casos que se adequarem a essa
definição. Nos anos 1990 o terrorismo já era identificado como uma ameaça a paz e à
segurança internacional, mas um marco crucial foi a Resolução 1373 que gerou uma série de
medidas que os Estados têm obrigação de implementar no âmbito doméstico. Nesse
contexto o Conselho de Segurança age com base no capítulo VII em uma função quase
legislativa.
A preocupação com a capacidade operacional da ONU cresce à medida que suas
atividades se diversificam. A organização deve monitorar eleições, proteger os direitos
humanos, treinar polícias locais, garantir a entrega de ajuda humanitária e usar da força
quando necessário, integrando ainda suas atividades com as agências específicas do próprio
Sistema ONU, com as ONGIs e arranjos regionais. Trata-se de uma tarefa imensa. Dois
problemas são prementes: o déficit financeiro da organização e sua capacidade de mobilizar
e coordenar forças militares. Ademais, coloca-se a difícil relação com os Estados Unidos, país
sem o qual a organização carecerá de sustentação financeira, política e militar para realizar
suas tarefas. Por outro lado, para manter sua legitimidade a ONU não pode estar subjugada à
política externa norte-americana. Além disso, a partir do final da década de 1990,
apresentam-se situações em que a unanimidade entre os membros permanentes é rompida.
Como foi visto, a decisão da OTAN de intervir no conflito em Kosovo foi tomada sem a

99
aprovação do Conselho. Da mesma forma, a guerra contra o Iraque, iniciada em março de
2003, também não obteve essa aprovação (o conflito foi, portanto, ilegal do ponto de vista da
legalidade internacional, como declarou o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan).
Por fim, devemos mencionar a intervenção na Líbia em 2011. Inicialmente considerada
um exemplo de atuação baseada no princípio da Responsabilidade de Proteger, essa
operação realizada pela OTAN acabou por gerar uma crise de legitimidade do conceito de
intervenção humanitária com consequências visíveis no caso do desastre humanitário na
Síria, em relação ao qual não foi possível alcançar uma resolução da ONU que permitisse o
uso da força.
O sistema de segurança coletiva, projetado ao final da Primeira Guerra, visava garantir a
estabilidade do sistema internacional, mudando o cálculo custo/benefício dos países-
membro e gerando mecanismos de resolução de controvérsia alternativos ao confronto entre
Estados. O sistema não visava garantir um estado de direito internacional, embora
prescindisse de um quadro legal para funcionar. Hoje, em um contexto marcado pela fartura
de regimes internacionais e uma cultura internacional robusta, observam-se as tensões entre
o mecanismo e os interesses particulares dos Estados nos mesmo processo histórico de
crescente complexidade da atuação da ONU.
O sistema de segurança coletiva continuará contendo contradições inerentes à sua
convivência com um sistema de Estados territoriais soberanos e uma distribuição
hierárquica de poder. Contudo, as pesquisas sobre o assunto conduzidas nos últimos vinte
anos indicam o impacto desse mecanismo nas relações internacionais contemporâneas, com
a incorporação das modificações mencionadas anteriormente, sendo a mudança nas normas
para intervenção a transformação mais marcante do período. O sistema de segurança
coletiva não foi realizado segundo a proposta apresentada no início deste capítulo, o sistema
de Estados não passou a funcionar com base no princípio de que a paz é indivisível e as
políticas externas dos Estados não se modificaram a ponto de gerar uma ameaça crível que
detivesse agressores. Contudo, as experiências analisadas modificaram as identidades e os -
interesses dos principais atores do sistema — Estados, mas também outros — e a rede de
normas que representa limites e potencialidades para as formas de interação no meio
internacional. O lugar da agressão modificou-se. A opção pelo ato da guerra está enquadrada
em uma rede internacional de normas, que limita severamente a autonomia dos Estados. A
ideia de responsabilidade internacional diante da agressão, ou da insegurança, ocupa um
lugar central na pauta internacional, mesmo que a reação automática prevista pelo sistema
de segurança coletiva não tenha se tornado realidade. Um enorme conjunto de esforços no
campo da administração de conflitos busca evitar que a eclosão de choques armados ocorra.
A proposta de um sistema de segurança coletiva, sua história ao longo do século XX e as
transformações ocorridas a partir dos anos 1980 não são a única explicação para as
mudanças mencionadas, mas sua contribuição é inegável. Finalmente, a participação de 193
países no quadro da ONU salienta sua universalidade.
Diante da ampliação da atuação da ONU, a reforma e em particular a democratização da
Organização são temas fundamentais. Por sua vez, o debate sobre a reforma da ONU
tornou-se um tema crucial para a própria organização, assim como para as lideranças dos
Estados que a compõem, e um conjunto de organizações não governamentais. As propostas
de reforma caracterizam-se pela multiplicidade de questões abordadas, entre as quais
destaca-se a preocupação em democratizar a organização. Outros temas debatidos são: os
problemas operacionais da organização, particularmente o financiamento dos projetos e a

100
coordenação entre as unidades do sistema; as possibilidades de cooperação entre a ONU e as
organizações regionais; o papel da organização no incentivo ao desenvolvimento, o uso de
sanções e o recurso à ação militar.
O debate sobre a necessidade de democratizar a organização tem focalizado duas questões
centrais: o processo decisório dentro da organização e a representação de atores não estatais,
colocando-se em questão o próprio caráter intergovernamental da organização. As propostas
sobre a democratização do processo decisório dentro da organização incluem formulações
sobre: o equilíbrio de poder entre a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança; a
necessidade de ampliar o Conselho de Segurança e mudar o sistema de veto; o
estabelecimento de critérios mais claros sobre a jurisdição do Conselho de Segurança e o
papel da Corte Internacional de Justiça nesse contexto; a ampliação do Conselho, em
particular as possibilidades de inclusão da Alemanha e do Japão, mesmo que com um status
especial;e a necessidade de encontrar uma fórmula para a representação de países da Ásia,
África e América Latina.
Durante o período imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria, marcado pelo
“sucesso” da intervenção no Golfo Pérsico, observava-se uma articulação entre a ideia de
uma “nova ordem internacional” e o novo papel da ONU. Assim, as propostas surgidas nesse
momento mostram um elevado grau de otimismo em relação ao papel da organização e às
43
possibilidades de reforma da mesma. Hoje, o ceticismo e a rotinização do fluxo de
propostas e negociações marcam esse debate.

101
Leituras para continuar seu estudo
Karen Mingst & Margaret Karns (2012), The United Nations in the 21st Century ,Westview Press.
League of Nations (1935), The aims, methods and activity of the League of Nations, Secretariat of the League
of Nations. http://www.historyguide.de/zeige_datensatz_komplett.php?ID=002950&provider=SUB.
United Nations Department of Public Information (2014), Basic Facts about the United Nations.
Nicholas Tsagourias e Nigel White (2013), Collective Security Theory, Law and Practice, Cambridge University
Press.
Neil Macfarlen, Yuen Foong Khong (2006), Human Security and the UN - A Critical History, Indiana
University Press.
Paul Kennedy (2006), The Parliament of Man – The Past, Present, and Future of the United Nations, Vintage.

102
Notas
1. Medidas acordadas no âmbito bilateral ou multilateral que visam gerar confiança através do acesso a
informações sobre as forças armadas dos países em questão ou através de contatos entre militares (operações
conjuntas, atividades de ensino , etc.).
2. Veja o texto de Innis Claude para uma discussão do conceito (Claude, 1984; 1961).
3. Para uma discussão sobre o direito humanitário ver Kennedy, D. 2006. Of War and Law. Princeton:
Princeton University Press Ver também International Committee of the Red Cross
https://www.icrc.org/en/war-and-law/ihl-other-legal-regmies Gary Solis, The Law of Armed Conflict
Cambrige University Press, 2010.
4. Intervenções armadas também são uma forma de guerra, mas são tratadas a partir do século XIX como uma
ação que não visa modificar o status territorial de um ou mais Estados.
5. O conceito de segurança coletiva pode ainda ser encontrado no Pacto da Liga de Veneza, de 1454, no
Tratado de Londres, de 1518 e no Tratado de Munster, de 1648.
6. Veja, para um estudo sobre a Liga, os trabalhos de F. S. Northedge (Northedge, 1986), Ruth Hering (Hering,
2010) e www.unog.ch/library/archives/lon/ovrvfset.html.
7. Woodrow Wilson fala ao Senado, em 22 de janeiro de 1917 (Wilson, 1982).
8. A previsão inicial era de cinco membros permanentes, incluindo os Estados Unidos. O número de membros
não permanentes passou de quatro para seis, em 1922, e de seis para nove, em 1926. Em 1926, quando a
Alemanha foi admitida na Liga, o Brasil, a Polônia e a Espanha requisitaram um assento como membros
permanentes, gerando uma crise na organização. O aumento do número de assentos não permanentes
buscou administrar a crise, mas o Brasil decidiu desligar-se da Liga.
9. Os secretários-gerais foram Sir Eric Drummond (1919-1933), Joseph Avenol (1933-1940) e Sean Lester
(1940-1946).
10. Veja o Pacto da Liga em http://www.unog.ch/library/archives/lon/lbryfset.html.
11. Três diplomatas italianos foram assassinados na Grécia. Logo após o incidente tropas italianas invadiram
Corfu, expressando sua insatisfação com a distribuição de poder feita pelo Tratado de Versalhes.
12. O Japão invadiu a Manchúria, sob o pretexto de proteger seus interesses na estrada de ferro do sul da
Manchúria, posteriormente criando o Estado fantoche de Manchukuo. Uma comissão de investigação foi
enviada à Manchúria, mas a demora dos procedimentos e a falta de clareza quanto à agressão levaram a sua
ineficácia. Como resultado, o Japão retirou-se da Liga em março de 1933.
13. O comitê de sanções da Liga deveria reunir-se para incluir o petróleo entre as mercadorias banidas.
Naquele momento, em dezembro de 1935, os ministros das relações exteriores inglês e francês propuseram
conceder à Itália soberania sobre 60.000 milhas quadradas de território etíope, e uma área de 160.000 milhas
quadradas, cerca de metade do país, como zona para expansão econômica e colonização. O governo inglês
desautorizou a proposta, mas ela demonstra o movimento em direção à racionalidade do balanço de poder.
14. Uma comissão de inquérito foi designada para investigar a presença de tropas gregas dentro da Bulgária, a
Grécia recebeu ajuda econômica sob os auspícios da Liga e uma missão de observadores esteve presente na
fronteira por dois anos depois do cessar-fogo.
15. O presidente norte-americano James Monroe declarou, em 1823, os interesses especiais dos Estados
Unidos no hemisfério ocidental e a determinação de excluir a influência europeia na região.
16. A Polônia, que não estava representada na Conferência, também assinou a Carta, tornando-se um dos 51
membros fundadores da organização.
17. Veja os trabalhos de David Armstrong, L. Lloyed e J. Redmond (Armstrong, 1996), de B. Conforti
(Conforti, 1996), de T. Weiss, D Forsythe e R. Coate (Weiss, 1994) e para uma visão geral da organização, o
texto da própria ONU, Basic Facts About the United Nations
(http://www.un.org/aboutun/basicfacts/index.html).
18. A Carta foi revista em 1965, tendo sido o número de membros do Conselho (membros não permanentes
passam a ser 10) e do ECOSOC (de 16 para 27) modificado. Em 1973, a Carta também foi revista, passando
número de membros do ECOSOC de 27 para 54. Para uma leitura da Carta na íntegra veja
http://www.un.org/aboutun/charter/index.html.
19. Estas agências são tratadas no Capítulo 4.
20. Os membros do Conselho de Segurança devem manter missões permanentes.
21. Quando o governo comunista foi estabelecido na China em 1949 e o governo de Chiang-Kai-Shek na ilha
de Formosa, é decidido que a China nacionalista (Taiwan) assumiria a posição chinesa em todos os órgãos
da ONU. Apenas em 1971, a República Popular da China substituiu Taiwan no Conselho.

103
22. No caso de decisões de caráter processual o poder de veto não pode ser exercido.
23. As decisões são tomadas através de votação por maioria simples ou 2/3 para questões específicas, como
eleições e questões de segurança.
24. Depois do processo de descolonização a agenda da Assembleia mudou significativamente com a
incorporação de temas ligados ao desenvolvimento econômico.
25. O grupo dos 77 foi formado em 1964 durante a primeira sessão da UNCTAD (United Nations Conference
on Trade and Development — Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento) para promover os
interesses dos países em desenvolvimento. Conta hoje com 132 membros, mas o nome foi mantido.
26. Para uma discussão sobre as operações de paz durante a Guerra Fria, veja os livros de William Durch, Paul
Diehl e Paulo Fontoura (Durch, 1993; Diehl, 1994; Fontoura, 1999). Para uma discussão ampla sobre o papel
do Conselho de Segurança ver o livro de Lowe e Zaum (Lowe, Roberts Welsh Zaum 2008).
27. Observe a contradição entre o princípio da neutralidade aplicado a esse tipo de operação de paz e o
pressuposto da identificação do agressor no sistema de segurança coletiva.
28. A Conferência sobre Desarmamento, criada em 1979, é o mais amplo fórum para negociações multilaterais
sobre o assunto. Sessenta e seis países participam da Conferência.
29. No período anterior, cerca de 10.000 militares participavam de operações de paz, após o final da Guerra
Fria as operações chegam a envolver 60.000 militares. Veja uma lista das operações de paz da ONU em
http://www.un.org. Em 1992, o Departamento de Operações de Paz foi criado para administrar as operações,
assistindo os Estados-membro e o secretário-geral.
30. Os Acordos de Genebra, assinados em 14 de abril de 1988, puseram fim à invasão soviética no Afeganistão.
A ONU, além de apoiar o processo de negociação, criou uma operação de paz que visava monitorar a
retirada das tropas soviéticas (UNGOMAP — United Nations Good Offices Mission in Afghanistan and
Pakistan — Missão de Bons Ofícios da ONU no Afeganistão e no Paquistão, abril de 1988 – março de 1990).
31. Esse argumento é desenvolvido por Peter Viggo Jakobsen. O autor busca explicar a relação entre o
processo de globalização e a emergência de novas operações de paz depois do final da Guerra Fria (Jakobsen,
2002). Para uma discussão sobre as operações de paz no pós Guerra Fria e a ordem liberal há uma vasta
bilbiografia (Richmond 2004, 2007, 2011, Bellamy e Williams, 2009 Paris 2010 Newman, Paris e Richmond
2010, Chandler 2010, Kenkel 2013).
32. Para referências centrais nesta discussão sobre a ampliação do conceito de segurança ver Buzan, 1983 e
Buzan, Waever e Wilde, 1998.
33. Veja por exemplo os textos de Mackinlay e Chopra, de Richmond, de Thakur e Schnabel e de Kenkel
(Mackinlay & Chopra, 1992, Richmond 2002, Thakur and Schnabel 2001, Kenkel, 2013).
34. Uma classificação muito utilizada encontra-se no relatório de 1992 do secretário-geral Boutros Boutros-
Ghali (Boutros-Ghali, 1992).
35. Veja o relatório de Boutros Boutros-Ghali (Boutros-Ghali, 1992).
36. Para uma discussão sobre o conceito, veja o livro de Nicholas Wheeler (Wheeler, 2000) e de Tom Weiss
(Weiss, 2007).
37. Veja o livro de Martha Finnemore para uma discussão sobre a transformação das normas de intervenção
(Finnemore, 2003).
38. Para ver uma discussão sobre esse assunto veja o livro editado por Michael Pugh e Waheguru Pal Singh
Sidhu (Pugh & Sidhu, 2003).
39. Boutros Boutros-Ghali (Boutros-Ghali, 1992).
40. Relatório do Painel sobre Operações de Paz da ONU, 21 de agosto de 2000. http://www.un.org/
peace/reports/peace_operations/.
41. Salientamos o papel da Agenda para Paz de 1992, do Suplemento da Agenda para a Paz de 1995, o
Relatório Brahimi e a Doutrina Capstone de 2008. Uma reunião especial do Conselho de Segurança (reunião
de cúpula), congregando os chefes de Estados dos quinze membros, em 31 de janeiro de 1992, delegou ao
secretário-geral a preparação de um relatório sobre a organização. O documento “Uma Agenda para Paz” foi
então publicado em julho de 1992 e depois um suplemento foi acrescentado em janeiro de 1995.
42. Acordo assinado em 14 de dezembro de 1995 que estabelecia um quadro amplo para resolução do conflito
na ex-Iugoslávia.
43. Por exemplo, o texto de Urquhart e Childers, 1990 Veja http://www.un.org/Depts/dhl/reform.htm#B para
uma bibliografia sobre a reforma da ONU.

104
105
CAPÍTULO

4
Governança Global e as Agências Especializadas

Principais questões abordadas


Breve panorama acerca das agências especializadas no contexto da governança global.
A relação entre regimes e agências especializadas.
O papel das agências especializadas na Liga das Nações e na ONU.
A história, o funcionamento e as principais atividades da União Internacional de Telecomunicações
e da Organização Mundial da Saúde.
A cooperação na área de direitos humanos, direitos das crianças e o papel do Fundo das Nações
Unidas para Infância.

106
Agências para Governança Global em Áreas Específicas
No âmbito da governança global, interesses coletivos no plano internacional são
articulados e administrados por meio de um complexo de instituições, mecanismos e
processos formais e informais entre Estados, mercados, cidadãos e organizações
governamentais e não governamentais. Nesse sentido, como vimos no Capítulo 1, o conceito
de governança global se distingue da ideia de governo, uma vez que tais regras e mecanismos
articulados no plano internacional de forma a garantir a cooperação entre os variados atores
não são garantidos por uma autoridade soberana. Especificamente, neste capítulo, serão
analisadas as organizações destinadas à cooperação em uma área temática particular, que
podem ter abrangência global ou apenas regional. Tais organizações ou agências
especializadas produzem limites e possibilidades para as dinâmicas sociais internacionais,
permitindo, portanto, a produção de normas e a resolução de conflitos, além de outros
desafios em diversas áreas de convivência. Como veremos, elas funcionam num contexto
mais amplo de atuação e envolve atores não estatais.
Historicamente, essa dinâmica de cooperação se diferencia daquela identificada na área de
segurança, que, como visto no Capítulo 3, foi abordada pelos Estados de uma forma
particular. As organizações aqui tratadas englobam, portanto, a cooperação sobre questões
sociais e econômicas.
Ao longo do século XIX, os Estados passaram a ter um papel de destaque na organização
das questões sociais e econômicas em suas sociedades domésticas. À medida que essas
sociedades se tornaram mais complexas, cresceu a demanda por serviços específicos, e os
Estados passaram a atuar na organização da infraestrutura necessária para o
desenvolvimento. Esse fenômeno também começou a ocorrer em nível internacional, ainda
que com menos intensidade. Segundo Inis Claude (Claude, 1984), essa tendência não foi um
produto de propostas ideológicas, mas sim da necessidade de resolver problemas que
surgiam à medida que avançava a revolução industrial e aumentava a complexidade das
interconexões econômicas, sociais, técnicas e culturais entre as pessoas e as sociedades. Os
governos nacionais começaram, assim, a se engajar na coordenação das atividades
econômicas e sociais que tinham um caráter intrinsecamente transnacional.
As primeiras organizações internacionais que surgiram tinham o objetivo imediato
prático de possibilitar a comunicação entre os Estados, tais como a União Telegráfica
Internacional, criada em 1865, e a União Postal Universal, em 1874. Essas organizações
serviram como fóruns para a troca de informações e a discussão de problemas comuns aos
governos. Foram instrumentos para a realização da cooperação e para a coordenação de suas
políticas e práticas, por meio da formulação de padrões de comportamento. No início do
século XX, surgiram várias organizações com atuação especializada nas mais diversas áreas,
como: saúde, agricultura, patentes e condições das prisões.
Como visto no Capítulo 1, a cooperação pode ser conduzida em diversos graus de
institucionalização. No caso das agências especializadas aqui estudadas, a cooperação ocorre
com base em iniciativas de relação diplomática ad hoc, além de passar pelos regimes
internacionais. Embora, em muitos casos, tais organizações sejam criadas a partir de regimes
internacionais já estabelecidos, suas atividades tornam-nas fluídas, passando por
modificações constantes. Alguns regimes, como o de comércio internacional, possuem uma
organização referencial, no caso a Organização Mundial do Comércio. Em outros casos,

107
como o regime de direitos humanos, em detrimento de uma organização central, há uma
1
pluralidade de instituições.
Tais agências destinadas a áreas específicas de atuação apresentam em geral um caráter
mais técnico, no entanto essas não estão imunes a disputas políticas, como originalmente
defendido pelas premissas funcionalistas. A crise da UNESCO, nos anos 1970, é ilustrativa de
como essas organizações podem tornar-se palco de clivagens políticas entre seus Estados-
2
membro. Na União Internacional de Telecomunicações, Estados disputam para que sejam
adotadas normas técnicas que favoreçam suas indústrias nacionais, como será visto adiante.
Apesar de as agências especializadas conterem definições precisas sobre sua área de
atuação em seus documentos constituintes, a interligação que ocorre na prática entre
3
diversas áreas temáticas dificulta uma delimitação rígida. Algumas organizações
reconhecem esse fato e incluem a necessidade de promover a cooperação entre organizações
funcionais em seus documentos constituintes, como é o caso da OMS, que prevê a
cooperação com a UNICEF, ou do FMI, que prevê a cooperação com o Banco Mundial. A
maioria das agências especializadas e dos programas da ONU firmou acordos de cooperação
entre si, como é o caso das supracitadas. Já outras organizações têm incorporado com
relutância referências a outros temas além de sua área específica de atuação, como a
incorporação de questões de desenvolvimento, emprego e meio ambiente na OMC.
Um impacto importante dessas agências sobre as sociedades nacionais dá-se pelas
chamadas normas brandas (soft-law). As normas brandas são produzidas por organizações,
ou instituições em geral, que não têm caráter obrigatório e não são cobertas pela Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados. Esse é o caso da maioria das normas geradas por essas
organizações. Apesar de não serem obrigatórias, as normas produzidas, por exemplo, na UIT
4
e na OMS, são em geral incorporadas às legislações nacionais.
Os fundadores da Liga das Nações atribuíram um importante papel à cooperação por
meio das agências especializadas, que deveriam contribuir para a organização do mundo em
tempos de paz. O Pacto da Liga demanda, em seu artigo 23, que seus signatários se esforcem
para “assegurar e manter as condições de trabalho equitativas e humanas para o homem, a
mulher e a criança, fundando ou mantendo para isso as necessárias organizações
internacionais”, “comprometam-se a assegurar o tratamento equitativo das populações
indígenas”, “encarregam a organização de fiscalizar os acordos relativos ao tráfico de
mulheres e crianças, do ópio e outras drogas nocivas, do comércio das armas e munições”, e
“adotem as disposições necessárias para assegurar e manter a liberdade das comunicações e
do trânsito, bem como o tratamento equitativo do comércio de todos os seus membros”. O
artigo 24 ainda recomenda que todas as repartições internacionais anteriormente
estabelecidas por tratados coletivos, e todas que forem criadas depois, sejam postas sob a
5
autoridade da Liga.
Dessa forma foram criados, por exemplo, os institutos para Cooperação Intelectual, para
Unificação do Direito Privado e o Cinematográfico Educacional. Além dos institutos, foram
criadas as organizações técnicas para Comunicação e Trânsito, Saúde, e Economia e
Finanças. A Organização Econômica e Financeira patrocinou duas Conferências
Internacionais, em 1927 e 1933, com o objetivo de estabilizar as moedas e evitar a escalada
das tarifas comerciais. As conferências, no entanto, não tiveram sucesso como resultado do
conturbado período, marcado pelo nacionalismo, protecionismo e crise econômica. A
Organização para Comunicação e Trânsito obteve mais resultados, tendo facilitado a

108
conclusão de algumas convenções, tais quais a Convenção para Unificação dos Sinais
Rodoviários, de 1931.
A Organização da Saúde foi criada em 1922 e é considerada uma das organizações da Liga
de maior sucesso, tendo desenvolvido programas para conter epidemias e de vacinação
preventiva. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919, juntamente
com a Liga. Suas origens remetem aos movimentos trabalhistas, no século XIX, que se
formaram em reação aos abusos cometidos no contexto do processo de industrialização. Essa
organização tem um formato institucional particular, pois além dos Estados, possui
6
membros representantes dos trabalhadores e empresários.
A Liga também criou órgãos para lidar com questões associadas às crianças, mulheres,
minorias e refugiados. Apesar do fracasso em conter a Segunda Guerra, as atividades de
várias das instituições de cooperação em áreas específicas da Liga não foram suspensas e a
maioria foi incorporada pela ONU, dando origem à OMS, UNICEF, UNESCO, FAO, entre
outros.
PRINCIPAIS ÓRGÃOS E ORGANIZAÇÕES ESPECIALIZADAS LIGADAS À LIGA
DAS NAÇÕES
• Organização Internacional do Trabalho
• Organização para Comunicações e Trânsito
• Organização Econômica e Financeira
• Organização da Saúde
• Instituto Internacional de Cooperação Intelectual
• Instituto Internacional Educacional e Cinematográfico
• Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado
• Alto Comissariado para Refugiados
• Comitê para Proteção de Crianças e Jovens
Diante da intensificação das relações de interdependência entre Estados, mercados e
organizações governamentais e não governamentais, a ONU assumiu um papel ainda mais
ativo na promoção da cooperação, desenvolvendo uma verdadeira rede de órgãos, comissões
e organizações internacionais nas áreas econômica e social. O conceito de cooperação ganha
uma nova conotação nessa época, sob influência do desenvolvimento da perspectiva
funcionalista, de David Mitrany, vista no Capítulo 2. A cooperação por meio das agências
especializadas passa a ser vista não apenas como um facilitador para solução de problemas
técnicos de organização do mundo durante os tempos de paz, mas como uma condição para
a própria manutenção da paz. Em outras palavras, essa dinâmica de cooperação
internacional tem um papel importante na segurança preventiva.
Entre o final da Segunda Guerra Mundial e meados da década de 1970, o número e as
atividades das agências especializadas e de programas do sistema ONU cresceram
significativamente. Em contraposição ao congelamento do processo decisório no Conselho
de Segurança, resultado da tensão bipolar da Guerra Fria, tais agências ampliaram seus
programas, particularmente no que se refere ao apoio ao desenvolvimento. Esse processo foi
favorecido pela prosperidade econômica do período e pela ação dos países em
desenvolvimento, que aumentaram em número e influência com o desmonte do sistema

109
colonial. Contudo, os anos 1980 e 1990 foram caracterizados pela crise da atuação dessas
agências, engendrada pelas críticas norte-americanas.
O grau de institucionalização e independência das agências no âmbito do sistema ONU
varia desde programas diretamente a ela subordinados, como o Alto Comissariado para
Direitos Humanos, agências especializadas, como a Organização Internacional do Trabalho,
ou organizações relacionadas, como a Organização Mundial do Comércio. Algumas já
existiam no âmbito da Liga e foram incorporadas ao sistema ONU, como a Organização
Internacional do Trabalho; outras foram criadas posteriormente, como a Organização
Mundial do Comércio.
A Carta da ONU atribui competência à Assembleia Geral e ao ECOSOC (Economic and
Social Council — Conselho Econômico Social) para promover a cooperação nas áreas
econômica e social, em seus Capítulos IV, IX e X. A Assembleia Geral pode discutir e fazer
recomendações aos membros da ONU sobre quaisquer questões ou assuntos que estiverem
dentro das finalidades expressas na Carta (artigo 10), em particular sobre a cooperação
internacional nas áreas econômica, cultural, educacional e sanitária, e favorecer o pleno gozo
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (artigo 13-1(b)). Além disso, a
Assembleia Geral tem poderes para criar os órgãos subsidiários que julgar necessários ao
desempenho de suas funções (artigo 22) e iniciar negociações entre os Estados interessados
para a criação de novas agências especializadas (artigo 59). Finalmente, tem a função de
supervisionar todas as atividades do sistema ONU e de coordenar a atuação de seus órgãos e
agências especializadas (artigo 58).
Embora o ECOSOC esteja sob autoridade da Assembleia Geral (artigo 60), ele apresenta
uma estrutura independente da Assembleia e é considerado um dos seis órgãos principais da
ONU. Seu principal objetivo é promover o bem-estar da população mundial, incluindo seus
aspectos econômicos e sociais (artigo 60). Com essa finalidade, o ECOSOC pode elaborar
estudos e relatórios, fazer recomendações à Assembleia Geral, aos Estados-membro e às
entidades especializadas interessadas, e convocar conferências internacionais sobre assuntos
7
de sua competência (artigo 62). Ele pode ainda estabelecer acordos com as agências
especializadas a fim de determinar as condições em que a entidade interessada será vinculada
à ONU — desde que tais acordos sejam aprovados pela Assembleia Geral — e coordenar as
atividades dessas agências por meio de consultas e recomendações às agências, à Assembleia
Geral e aos membros da ONU (artigo 64).
O ECOSOC é composto por 54 membros, eleitos pela Assembleia Geral com base em
representação geográfica, sendo 14 deles do continente africano, 11 do asiático, 6 Estados da
Europa Oriental, 10 membros da América Latina e, finalmente, 13 membros da Europa
Ocidental e demais localidades. Os membros se reúnem uma vez por ano durante um mês,
normalmente em abril, de forma alternada em Nova York e Genebra. Suas decisões são
tomadas por maioria dos membros presentes e votantes, e cada membro tem um voto. Além
das sessões anuais, o ECOSOC se reúne, desde 1999, também em abril, com os chefes dos
principais comitês das organizações do FMI e o Banco Mundial.
A capacidade efetiva do ECOSOC para a realização e a coordenação de todas essas
atividades é, no entanto, muito questionada. Além da complexidade e do escopo das
atividades, o órgão não dispõe de instrumentos suficientes — materiais ou legais — à
disposição para essa tarefa. À falta de recursos, soma-se o problema de que o ECOSOC não
exerce autoridade real sobre as agências especializadas. Como visto, tem poderes apenas para
receber relatórios e emitir recomendações, e, mesmo assim, esses precisam ser aprovados

110
pela Assembleia Geral. Dessa forma, a maioria das agências especializadas do sistema ONU
exerce suas atividades com relativa independência.
Assim como o Pacto da Liga, a Carta da ONU recomenda que as organizações
internacionais preexistentes sejam a ela vinculadas, passando a ser designadas como
entidades, ou agências, especializadas (artigo 27). Esse foi o caso, por exemplo, das
mencionadas União Postal Universal e União Internacional de Telecomunicações, que se
8
tornaram agências especializadas em 1947. A relação entre as agências especializadas e a
ONU é formalizada por meio da conclusão de acordos de cooperação. Embora os acordos
não sejam uniformes, há certa padronização uma vez que quase todos incluem: provisões
para representação em reuniões e temas nas agendas recíprocas; troca de documentos e
informações; submissão de relatórios pela agência a ONU; consideração das agências dos
relatórios da ONU; consulta para promoção de padrões e práticas; e apresentação do
orçamento da agência à ONU para revisão e recomendações.
A seguir serão analisados alguns casos específicos de agências especializadas, atuantes na
área de telecomunicações, saúde, direitos humanos e, especificamente, direitos e proteção da
criança. A primeira área é mais técnica, embora não por isso imune a conflitos políticos, e
sua particularidade advém do fato de que essa área temática deu origem às primeiras
organizações internacionais. As duas últimas áreas, especialmente, envolvem questões mais
ideológicas e normativas e, por isso, são abertamente mais politizadas.
AGÊNCIAS ESPECIALIZADAS, PROGRAMAS E FUNDOS DO SISTEMA ONU
AGÊNCIAS ESPECIALIZADAS
• Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola
• Fundo Monetário Internacional
• Grupo do Banco Mundial
• Organização da Aviação Civil Internacional
• Organização da ONU para o Desenvolvimento Industrial
• Organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura
• Organização Internacional do Trabalho
• Organização Marítima Internacional
• Organização Mundial da Saúde
• Organização Mundial de Propriedade Intelectual
• Organização Mundial do Turismo
• Organização Meteorológica Mundial
• Organização da ONU para Alimentação e Agricultura
• União Internacional de Telecomunicações
• União Postal Universal
PROGRAMAS E FUNDOS
• Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento

111
• Programa da ONU para o Desenvolvimento
• Programa da ONU para o Meio Ambiente
• Fundo de População da ONU
• Programa da ONU para Assentamentos Humanos
• Alto Comissariado da ONU para Refugiados
• Fundo da ONU para Infância
• Escritório da ONU sobre Drogas e Crimes
• Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos
• Entidade da ONU para Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres
• Programa Mundial de Alimentos
ORGANIZAÇÕES RELACIONADAS
• Organização Mundial do Comércio
• Agência Internacional de Energia Atômica
• Organização do Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares
• Organização para a Proibição de Armas Químicas
A cooperação internacional na área de saúde está relativamente centralizada na
Organização Mundial da Saúde (OMS), e todas as outras instituições e organizações
comerciais internacionais e regionais refletem seus princípios e normas. Já a cooperação na
área de direitos humanos está muito menos centralizada e abarca uma grande diversidade de
instituições e organizações internacionais. Finalmente, as ações internacionais no campo da
proteção e desenvolvimento da criança são guiadas pelas ideias e conceitos do Fundo das
Nações Unidas para Infância (UNICEF), apesar de haver certas divergências em relação às
práticas adotadas por alguns Estados no âmbito doméstico.

112
Cooperação Internacional na Área de Telecomunicações e a União Internacional de
Telecomunicações (UIT)
Como já visto, a área de comunicações inaugurou o processo de gestação de organizações
funcionais, com a criação da União Telegráfica Internacional e da União Postal Universal. A
área de telecomunicações se restringe às formas de comunicação realizadas por meio de
cabos, fibra óptica e propagação pelo ar, ou seja, que não dependem do transporte de objetos
9
físicos, como é o caso do serviço postal. É interessante notar como a própria definição da
área de telecomunicações requer certo conhecimento técnico.
Embora o aspecto técnico dessas organizações especializadas seja uma das suas principais
características, essas organizações não estão isentas de conflitos políticos. Essa politização,
porém, não costuma atingir a opinião pública, ou quando o faz, permanece em termos
muitos superficiais devido à complexidade técnica das questões debatidas. A disputa ocorre
principalmente pela adoção de padrões técnicos que favoreçam a indústria de um dado país.
O antagonismo atualmente se concentra entre os Estados Unidos, UE e Japão.
A área de telecomunicações é uma das mais importantes para o funcionamento das
sociedades contemporâneas. Apesar das divergências políticas e diferenças de conhecimento
tecnológico entre os diversos Estados, a cooperação nessa área é uma necessidade prática:
sem padrões e tecnologias comuns, a comunicação não consegue ser realizada, ainda que
para fins não cooperativos.
A União Internacional de Telecomunicações (UIT) foi criada em 1932, pela junção das
Uniões de Telégrafos e de Rádio-Telégrafo, herdeiras da União Telegráfica Internacional. Em
1947, tornou-se uma agência especializada da ONU e transferiu sua sede de Berna para
Genebra. Na ocasião, tinha 74 Estados-membro; atualmente são 193, isto é, todos os atuais
Estados-membro da ONU, o que demonstra a importância a ela acordada. Além dos
Estados-membro, a organização conta com a participação de mais de 700 entidades do setor
privado e instituições acadêmicas. O setor de telecomunicações se tornou o terceiro maior
setor de negócios no mundo ao longo do século XX, contando com um volume de transações
anuais acima de um trilhão de dólares. A UIT tem um papel central no regime internacional
dessa área, sendo o principal fórum no qual os padrões técnicos são decididos. Além das
atividades relacionadas à padronização, a organização administra o espectro de frequências
de rádio e promove a assistência técnica e cooperação com os países em desenvolvimento.
PRINCIPAIS ATIVIDADES DA UIT
• Promoção de padrões técnicos globais
• Administração do espectro de frequências de rádio
• Assistência técnica e cooperação com países em desenvolvimento
O principal órgão da UIT é a Conferência Plenipotenciária, que normalmente se reúne
apenas a cada cinco anos, sendo que a última conferência foi realizada em outubro de 2014
em Pusan, na Coreia do Sul. Nesses encontros, determinam-se as políticas gerais da
organização, além do estabelecimento do orçamento. As decisões são tomadas por maioria, e
cada membro tem direito a um voto. Outros órgãos são as Conferências Administrativas e o
Conselho Administrativo, que se encontram em intervalos variados. O Conselho é composto
por 48 membros eleitos pela Conferência, seguindo critérios de distribuição geográfica, e sua
principal função é facilitar a implementação de normas e decisões adotadas pela União, além

113
de supervisionar o trabalho dos órgãos permanentes. As atividades diárias da organização
são realizadas no Secretariado-Geral e pelas três divisões da UIT: Radiocomunicações (UIT-
R), Padronização de Telecomunicações (UIT-T) e Desenvolvimento de Telecomunicações
(UIT-D).
A principal atividade da divisão de Radiocomunicações é a administração do espectro de
frequências de rádio e de órbitas de satélites. Tanto as ondas de rádio quanto as órbitas de
satélites são recursos naturais limitados, que são essenciais para o funcionamento de um
número crescente de serviços, tais como: navegação, sistemas de posicionamento global
(GPS), pesquisa espacial, telecomunicações de emergência, meteorologia, sistemas de -
posicionamento global, monitoramento ambiental e serviços de comunicações. Com essa
finalidade, a divisão registra as concessões para assegurar que os satélites de transmissão
funcionem sem causar interferências, tarefa cada vez mais difícil à medida que o espaço da
órbita da terra começa a ficar superlotado. A divisão também facilita as negociações para
assinatura das Regulações de Rádio, que têm caráter obrigatório para seus signatários. As
Regulações estipulam a forma como o espectro deve ser utilizado, no que se refere às
frequências de 9kHz a 400GHz. A plataforma para os serviços da terceira e quarta gerações
de telefonia celular (3G e 4G) também foi desenvolvida por essa divisão. Em 2015, a UIT-R
planeja finalizar a sua “visão” de uma sociedade conectada via banda larga móvel 5G.
A divisão de Padronização de Telecomunicações é a encarregada das atividades mais
antigas da UIT: desenvolver padrões técnicos e operacionais internacionais e definir tarifas e
princípios contábeis para os serviços de telecomunicações. A divisão elabora recomendações,
em geral adotadas pelos membros da organização − embora não sejam obrigatórias. Os
grupos de estudo da divisão são compostos por especialistas dos setores governamentais e
privados, e as especificações cobrem uma área muito abrangente, incluindo, por exemplo, os
10
padrões para transmissão de dados, voz e vídeo pela Internet.
A terceira divisão da UIT, a de Desenvolvimento de Telecomunicações, busca facilitar o
acesso às infraestruturas e às novas tecnologias de informação pelos países em
desenvolvimento. Esse trabalho é feito através da assistência técnica e promoção de parcerias
público-privadas. O setor também promove a divulgação sobre os meios de
telecomunicações e as práticas adotadas pelos diversos Estados em publicações tais como a
World Telecommunication Development Report e a Telecommunication Regulatory Survey.
Para facilitar seu trabalho, o setor tem escritórios regionais na África, nos Estados Árabes,
Ásia e América Latina e promove conferências internacionais com a participação de setores
11
governamentais, privados e da sociedade civil global.
Uma característica particular da UIT em relação à maioria das OIGs é que, além dos
Estados-membro, ela tem duas outras categorias de membros: os membros setoriais e os
associados setoriais. Esses membros podem ser do setor privado e participam apenas das
atividades da divisão à qual são filiados (UIT-R, UIT-T e UIT-D). Os membros setoriais são,
na maioria, agências operadoras, organizações industriais ou científicas, instituições
financeiras ou de desenvolvimento, e os associados setoriais são entidades e organizações
menores. Embora representantes do setor privado participem das atividades da UIT desde
sua criação, seu poder cresceu bastante nos últimos anos. Críticos sugerem que a organização
esteja passando por um verdadeiro processo de “privatização” (Lee et al., 1997).
Originalmente os representantes das empresas privadas participavam dos comitês
consultivos nas delegações dos Estados-parte, e sua presença era justificada pelo caráter

114
técnico das questões tratadas. Atualmente, como visto, seu status é de membro independente
dos Estados. Ainda que os membros setoriais e os associados setoriais não tenham poder de
voto, eles têm direito a participar dos encontros setoriais, além de acesso irrestrito às
informações e documentos da UIT. Sua participação lhes concede grande influência na
organização, pois atuam como lobbies numa situação privilegiada, participando
informalmente de coalizões e colaborando com os Estados onde têm suas sedes e filiais.
Outra crítica feita à UIT é que a organização não dispõe de mecanismos efetivos de
imposição de normas e decisões, nem para garantia de aquiescência dos membros. Seu
funcionamento depende, essencialmente, do reconhecimento por seus membros dos efeitos e
custos de suas normas e decisões não serem respeitadas. Apesar do alto índice de
aquiescência por parte dos membros, a UIT tem enfrentado problemas decorrentes de
clivagens políticas internas entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Com o
aumento do hiato tecnológico, especialmente nas últimas duas décadas, cresceu a demanda
por parte dos países em desenvolvimento para que a UIT não restrinja suas atividades à
regulação e à padronização, mas também promova a transferência de tecnologia.
A distribuição desigual de recursos e tecnologia, combinada com o sistema igualitário de
votação, no qual cada membro tem um voto, tem resultado em impasses na União, que
chegou a um momento de crise no início da década de 1990. A contribuição financeira dos
membros é decidida de forma voluntária. Cada membro escolhe uma “classe” de acordo com
sua capacidade de contribuição, o que faz com que os países desenvolvidos sejam
responsáveis pela quase totalidade do orçamento da organização. Esses países têm
questionado o sistema de contribuição, demandando que a instituição institua um sistema de
voto ponderado de acordo com as contribuições financeiras. Na Conferência
Plenipotenciária de 1989, em Nice, o Reino Unido se tornou o primeiro contribuinte
12
principal a não ser eleito para o Conselho Administrativo.
Algumas reformas foram realizadas na UIT na década de 1990, com o objetivo de tornar a
organização mais flexível e adaptável às mudanças tecnológicas e do contexto internacional.
A atual estrutura, descrita anteriormente, foi estabelecida por reformas estruturais propostas
na Conferência Plenipotenciária de 1992. Em 1994, foi criado o Fórum Mundial de Políticas
na Área de Telecomunicações, para encorajar a troca de informações e ideias sobre questões
relacionadas às mudanças na área. O primeiro fórum foi realizado em 1996 sobre o tema das
comunicações pessoais móveis globais por satélite (Global Mobile Communications by
Satelite — GMCS); o segundo ocorreu em 1998, sobre o comércio dos serviços de
telecomunicações; o terceiro sobre Telefonia do Protocolo de Internet (Internet Protocol
Telephony) foi realizado em 2001. No entanto, essa iniciativa foi suspensa em 2002 sob
alegação de falta de recursos. Em 2009 ocorreu o quarto fórum, cujo foco foi o
enfrentamento da crise financeira no âmbito da indústria da tecnologia da informação. E, em
2013, foi realizado o quinto fórum, tendo como tema as questões internacionais relativas às
políticas públicas da Internet.
No final da década de 1990 foi criado um grupo de trabalho formado por membros
estatais e setoriais e um Comitê Consultivo, composto por especialistas e representantes
governamentais e do setor privado, para dar continuidade aos esforços de reforma. Outra
iniciativa recente da UIT foi a proposta de realização de uma Conferência Internacional
sobre a Sociedade de Informação (World Summit on the Information Society). A iniciativa
foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2001, e se deu em duas partes: um primeiro
encontro ocorreu em dezembro de 2003, em Genebra, e um segundo encontro foi realizado

115
em novembro de 2005, na Tunísia. A conferência representou um evento único na história
da UIT para a promoção e a colaboração com ONGIs. Essas organizações emitiram um
documento no final do encontro de 2003, que enfatiza a importância do acesso às novas
tecnologias, informação e meios de comunicação aos países e povos menos desenvolvidos e
13
clama que a UIT aumente sua atuação nessa área. Desde 2006, são realizados fóruns anuais
com o objetivo de dar continuidade às discussões e produção de documentos e relatórios
relativos ao tema “sociedade da informação”. O próximo fórum está previsto para maio de
2015, em Genebra.

116
Cooperação Internacional na Área de Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS)
Assim como as telecomunicações, a saúde tem um componente bastante técnico. No
entanto, sua relação com as outras áreas de cooperação é mais intensa. Praticamente todas as
atividades em que há cooperação internacional têm implicações sobre a saúde humana, tais
como: alimentação, agricultura, habitação, patentes de medicamentos, meio ambiente e
trabalho. Com isso, diversos aspectos da saúde são tratados em distintas organizações, nos
níveis regional e universal. No nível regional, devemos destacar a Organização Pan-
Americana da Saúde, que foi uma das primeiras organizações especializadas nessa área,
14
criada em 1902, com sede em Washington.
No nível global, a principal organização na área de saúde é a Organização Mundial da
Saúde (OMS), que pode ser vista como uma herdeira da Organização da Saúde, criada no
âmbito da Liga das Nações, como já visto. No entanto, outras organizações do sistema ONU
também atuam em áreas diretamente relacionadas à saúde, como a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) a Organização Internacional do Trabalho
(OIT) a Agência Internacional para Energia Atômica (IAEA) e a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que fizeram acordos de
cooperação com a OMS e realizam vários projetos em conjunto, além das organizações da
área de direitos humanos. Somado a essas organizações, o Banco Mundial e a Organização
Mundial do Comércio têm também um papel crescente na área da saúde.
A OMS foi criada em 1948 como uma agência especializada da ONU e tem como
principal objetivo atingir o maior nível de saúde para todas as pessoas. A organização adota
uma definição de saúde que compreende o bem-estar físico, mental e social, conforme consta
no preâmbulo de sua Carta constituinte. Embora suas atividades se limitassem, inicialmente,
a intervenções técnicas e programas específicos destinados a enfrentar doenças particulares,
a partir da década de 1970 tornaram-se mais abrangentes, passando a abarcar questões
socioeconômicas e a prevenção de doenças em geral com a melhoria das condições de vida
da população.
Essa ampla orientação foi consolidada na Conferência Mundial da Saúde, realizada em
1978, na cidade de Alma Ata, atual Amalty, no Cazaquistão. Inclusive, a Declaração de Alma
Ata, “Saúde para todos no ano 2000”, é considerada um marco do discurso sobre a saúde,
tendo explicitado sua pertença aos direitos humanos fundamentais, em consonância com o
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que entrou em vigor em
1973.
Apesar do aspecto positivo associado à relação entre saúde e direitos humanos, devemos
salientar os dilemas que surgem quando a proteção da saúde pública implica restrições às
liberdades individuais. Por exemplo, no caso da vacinação obrigatória, ou, em situações mais
graves, nas quais epidemias são detectadas e a hospitalização ou o isolamento são
obrigatórios, visando evitar o contato dos contaminados com o resto da população. Algumas
dessas medidas têm sido questionadas por ativistas de direitos humanos, que alegam que
devem existir limites à privação da liberdade dos indivíduos. Essa questão é extremamente
polêmica em casos de AIDS, por exemplo, que não é uma doença temporária, levando o ex-
secretário geral da ONU, Javier Pérez de Cuellar, a enfatizar que o mundo deveria fazer uma
15
guerra contra a AIDS, mas não contra os portadores da doença. Recentemente, diante da
epidemia de ebola no oeste da África, iniciada em janeiro de 2014, o comitê de urgência da
OMS declarou a situação “uma emergência de saúde pública de alcance mundial” dadas as

117
condições nos países afetados. Assim, tais Estados precisaram adotar, entre outras medidas,
exames para detectar o vírus do ebola em aeroportos, portos e postos de fronteiras, em todas
as pessoas que apresentarem febre e outros sintomas semelhantes aos da doença. Esse
dispositivo de emergência é o terceiro da OMS depois do decretado em 2009 pela epidemia
de gripe aviária na Ásia e daquele estabelecido em maio de 2014, diante do número crescente
de contaminações por poliomielite em pelo menos dez países da Ásia, da África e do Oriente
Médio. Em termos de privação da liberdade de indivíduos contaminados em situações de
epidemia, no caso do ebola, Keiji Fukuda, vice-diretor-geral da OMS responsável pela
epidemia, afirmou que as pessoas infectadas precisariam ficar 30 dias em quarentena, uma
vez que o tempo de incubação do vírus é de 21 dias. Já as pessoas que estão em contato com
os doentes – com exceção das equipes médicas – não poderiam viajar. Libéria e Serra Leoa,
dois países em estado de emergência em função do ebola, colocaram em quarentena três
cidades localizadas na zona contaminada, o que gerou uma reação de ativistas de direitos
16
humanos em todo o mundo.
A Declaração de Alma Ata enfatizou a necessidade da garantia ao acesso igualitário à
saúde em escala global e foi adotada pela Assembleia da OMS em 1981. Essa agenda se
inseriu no contexto do movimento para uma nova ordem econômica internacional e tinha
um viés socialdemocrata, com propostas concretas de intervenção estatal e das OIGs com o
objetivo de atingir a meta proposta de saúde para todos em 2000. Apesar dos avanços, a
avaliação feita no final do século constatou uma discrepância enorme entre os objetivos e os
resultados obtidos. Entre os principais fatores apontados para esse fracasso estão a crise
17
econômica e a falta de priorização acordada para a saúde na política internacional.
Em sua sessão de 1998, a Assembleia da OMS endossou a Declaração “Saúde para todos
no século XXI”, que estabeleceu um novo paradigma na governança global na área da saúde.
As metas foram revisadas e redefinidas de uma forma muito mais limitada, em termos de
doenças específicas e objetivos quantitativos. Apesar de continuar definindo a saúde como
um direito humano universal, a estratégia adotada tem um viés liberal e seu principal
componente é a busca de parcerias público-privadas para canalizar mais investimentos.
Nesse contexto, a OMS perdeu seu lugar de principal financiador dos programas
relacionados à saúde para o Banco Mundial. No novo cenário, os programas de saúde são
18
sujeitos às condicionalidades, que se referem em geral às metas macroeconômicas.
O principal objetivo da nova estratégia passou a ser o aumento da liquidez de recursos no
setor, de forma que o mercado solucione o problema da saúde. Apenas determinados
serviços primários de saúde deveriam permanecer sob responsabilidade dos Estados. A
provisão de medicamentos deveria ser determinada pelo mercado, e seu comércio
internacional estar condicionado às regras da OMC. Essa organização virou palco de
disputas da área da saúde, como no caso da luta pela quebra de patentes e produção de
19
genéricos para países em desenvolvimento.
Apesar de algumas conquistas, como o acordo sobre a quebra de patentes e algumas
adaptações no contexto do “pós-Consenso de Washington”, os críticos apontam que o
regime internacional de saúde continua condicionado a uma lógica econômica limitada, o
20
que tem contribuído para acirrar a desigualdade no acesso à saúde. No que se refere ao
papel da OMS, a organização adotou uma postura mais crítica, principalmente após a gestão
de Gro Harlem Brundtland, e procurou implementar algumas reformas e adotar novas
estratégias.

118
As principais reformas se concentram em duas áreas: flexibilização de sua estrutura
interna e fortalecimento dos mecanismos de monitoramento e aquiescência. A estrutura da
organização tem sido criticada por ser hierárquica e rígida. O fato de os funcionários da
OMS serem, na sua maioria, profissionais da área de saúde, também imprime pouca
multidisciplinaridade no enfoque da organização para lidar com assuntos que claramente
extrapolam questões técnicas, prejudicando a formulação de estratégias mais abrangentes.
O principal órgão na estrutura da OMS é a Assembleia, que se reúne uma vez ao ano,
normalmente em maio, em Genebra. Em geral, as decisões são adotadas por consenso,
embora as regras formais determinem uma maioria composta por dois terços dos membros
presentes para questões importantes e maioria simples para outras questões, cada membro
tendo direito a um voto. A Assembleia tem poderes para adotar regulações obrigatórias para
os membros, embora eles possam optar por não participar, mas essa não tem sido a prática; a
21
maioria das decisões é feita em caráter de recomendação.
O segundo órgão mais importante é o Conselho Executivo, composto por 34 membros
eleitos pela Assembleia para mandatos de três anos, segundo os critérios de distribuição
geográfica e qualificação técnica na área da saúde. O Conselho se reúne duas vezes ao ano e
suas principais funções são a formulação da agenda para a Assembleia, aconselhá-la e
facilitar o seu trabalho. A OMS tem ainda representantes em vários países em
desenvolvimento e escritórios no Congo (África), Dinamarca (Europa), Índia (Sudeste
Asiático), Filipinas (Mediterrâneo Ocidental) e Estados Unidos (Américas). As orientações
gerais e políticas específicas da organização são decididas no Secretariado, em Genebra, e os
escritórios regionais se encarregam apenas da implementação dos programas. Esse fato tem
sido um dos principais objetos de crítica, pois limita a criatividade profissional e a adaptação
das políticas às realidades locais. A OMS também conta com “centros de colaboração” em
diversos países, com os quais estabelece uma relação de parceria nas áreas de pesquisa e
22
implementação de programas.
Entre as propostas para reformas estão a transferência da autoridade do Secretariado para
os representantes nacionais e a incorporação de profissionais de outras áreas. A presença de
funcionários além da área de medicina no assessoramento do planejamento de novas
estratégias para prevenção de doenças e prevenção da saúde traria visão mais abrangente.
Também são propostos o aumento da transparência e a maior participação de ONGs no
processo decisório e na implementação de programas. As reformas teriam o efeito de tornar
a organização mais flexível e eficaz, como também estimular um aumento das contribuições
23
financeiras.
Essas contribuições diminuíram significantemente ao longo das últimas décadas. O
problema apontado, assim como na UIT, é que há uma incompatibilidade entre as regras
para contribuição e o sistema de representatividade no processo de votação. Enquanto o
processo de votação é feito por maioria, a contribuição dos membros se baseia na capacidade
de pagamento. Atualmente, os seis maiores contribuidores (o principal sendo os Estados
Unidos) representam cerca de 70% do orçamento, mas têm pouco poder sobre a alocação
dos recursos. Como resultado, há uma tendência dos países desenvolvidos em preferir fazer
contribuições extraorçamentárias, o que possibilita que tenham maior controle sobre a
alocação de recursos, já que são feitas diretamente aos programas específicos e não precisam
ser aprovadas pela Assembleia.

A segunda área que concentra propostas de reforma refere-se aos instrumentos para
119
A segunda área que concentra propostas de reforma refere-se aos instrumentos para
garantir a aquiescência dos membros. No caso das epidemias, por exemplo, embora haja
regulações obrigatórias, a OMS depende da notificação voluntária dos Estados sobre a
existência de surtos em seus territórios, não tendo instrumentos para monitorar, nem
sancionar os que não o façam. O problema é a existência de uma resistência em geral por
parte dos Estados em fazer essas notificações, como foi verificado nos casos de surtos de
cólera nos anos 1970, de AIDS nos anos 1980 e no caso da SARS nos anos 2000.
Diferentemente, no caso da epidemia de ebola, o governo da Guiné anunciou, em março de
2014, o surto de uma febre hemorrágica ainda misteriosa. Em seguida, essa foi identificada
como o vírus do ebola, que logo se espalhou para Libéria e Serra Leoa. Essa resistência é fruto
do medo dos governos nacionais de criar pânico e de incitar medidas discriminatórias contra
as exportações e o trânsito de cidadãos nacionais, e faz com que a OMS acabe atuando
somente quando as epidemias já atingiram dimensões praticamente incontroláveis e os
24
Estados são forçados a notificá-las.
Apesar de todas as críticas à OMS, devemos salientar que, no que se refere a suas
atividades mais tradicionais, a organização ainda é considerada uma das agências
especializadas de maior sucesso da ONU. Além de ser o principal fórum internacional para
formação de consenso sobre padrões e normas técnicas, algumas de suas campanhas são
extremamente eficazes, tais como as de vacinação infantil e para viajantes, a campanha a
25
favor da amamentação, realizada em cooperação com a UNICEF, e a campanha para
contenção da Síndrome Respiratória Aguda e Severa (SARS). Além dessas campanhas
específicas, a organização apresenta campanhas de saúde pública global consideradas
“oficiais”, como aquelas contra malária e o uso do tabaco, a favor da doação de sangue,
contra a AIDS e contra a hepatite, que são lembradas e celebradas em dias específicos todo
ano.

120
A Cooperação na Área de Direitos Humanos e o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos
Ao contrário dos outros casos vistos neste capítulo, a cooperação na área de direitos
humanos não é tratada em uma única organização específica. O Alto Comissariado da ONU
para Direitos Humanos (OHCHR — Office of the United Nations High Comissioner for
Human Rights), a quem poderia ser atribuído esse papel, é apenas um órgão da ONU — não
é, portanto, uma organização internacional. A maioria das organizações internacionais que
atuam na área de segurança, como a própria ONU, a OEA e a UE, trata de questões
relacionadas aos direitos humanos, mas esse não é, em geral, seu principal objetivo. Embora
esse cenário possa mudar à medida que se transforma o conceito de segurança no âmbito
dessas organizações, como visto no Capítulo 2, não podemos falar de uma organização
internacional de direitos humanos, mas de um regime internacional nessa área, que inclui
26
uma diversidade de instituições.
As principais instituições desse regime são aquelas que compõem o sistema ONU, os
tratados internacionais sobre os direitos humanos, obrigatórios para seus signatários, as
cortes regionais de direitos humanos, os tribunais penais internacionais ad hoc, e o Tribunal
Penal Internacional permanente, criado em 2002. Cada um desses componentes do regime
internacional de direitos humanos será analisado a seguir.
A ONU adotou uma perspectiva bem mais abrangente sobre os direitos humanos do que
a Liga das Nações. Embora a Carta de São Francisco se baseie no princípio da soberania
estatal e da não intervenção, ela concede um destaque aos direitos humanos já no primeiro
parágrafo de seu preâmbulo: “Nós, povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as
gerações vindouras do flagelo da guerra (...) e reafirmar a fé nos direitos fundamentais do
homem, da dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das
mulheres (...)”. Fruto dessa ambiguidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
assinada em 1948, não é um Tratado Internacional, apenas uma declaração, como diz seu
nome, não tendo, portanto, caráter obrigatório. A Declaração contém uma proposta de
elaboração de um tratado internacional sobre os direitos humanos, que nunca foi, no
entanto, realizado. Com o desenvolvimento da Guerra Fria, cristalizou-se uma divergência
central a respeito da definição substancial dos direitos humanos. Enquanto para os países
ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, maior importância era concedida aos direitos
civis e políticos; para o bloco comunista, os direitos sociais e econômicos eram mais
importantes. Essa divergência fez com que, em 1966, fossem assinados dois tratados
distintos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos entraram em vigor em 1976 e são
instituições centrais do regime dos direitos humanos.
Desde então, consolidou-se um movimento para a criação de um Alto Comissariado na
ONU nos moldes daquele já existente para refugiados, mas isso ocorreu somente em 1993,
na Conferência de Direitos Humanos promovida pela ONU em Viena.
O OHCHR é chefiado pelo Alto Comissário de Direito Humanos da ONU, que assumiu
um papel de destaque na ONU, principalmente durante o mandato de Mary Robinson, ex-
presidente da Irlanda. Seu sucessor, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, morreu em um
atentado no Iraque em 2003 onde exercia temporariamente o cargo de Representante
Especial do secretário-geral da ONU naquele país. Louise Arbour assumiu essa posição em
27
2004. Em 2008, Arbour foi substituída pela sul-africana Navenethem Pillay, e finalmente,

121
em 2014, o jordaniano Zeid Ra’ad Al Hussein assumiu a posição de Alto Comissário de
Direitos Humanos da ONU.
O OHCHR centraliza as atividades da ONU na área de direitos humanos, funcionando
como um fórum central para as diversas instituições que lidam com questões particulares. A
principal distinção entre essas instituições refere-se ao fato de atuarem com base na Carta da
ONU (charter-based institutions) ou com base nos Tratados Internacionais (treaty-based
institutions). A principal diferença entre os dois tipos de instituição é o caráter mais político
do primeiro tipo, e o mais jurídico do segundo. As instituições que atuam com base na Carta
são: a ex-Comissão de Direitos Humanos, o Conselho de Direitos Humanos e
28
Procedimentos Especiais. O Conselho de Direitos Humanos, que substituiu a Comissão de
29
Direitos Humanos, realizou o primeiro encontro em junho de 2006. Tal órgão
intergovernamental encontra-se uma vez por ano em Genebra ao longo de 10 semanas e é
composto por 47 Estados-membro eleitos. O Conselho tem como objetivo prevenir abusos,
desigualdade e descriminação, proteger os mais vulneráveis e criticar perpetradores. Já os
procedimentos especiais são mecanismos estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos
para lidar ora com situações específicas em certos países ora com temas particulares. Os
procedimentos especiais são implementados por especialistas independentes e voluntários
indicados pelo Conselho de Direitos Humanos. Os relatórios produzidos por esses
mecanismos visam alertar a comunidade internacional sobre violações de direitos humanos.
Até o fim de 2014, existiam 39 mandatos baseados nesses relatórios sobre questões temáticas
e 14 relacionados a situações em países específicos.
Henry Steiner e Philip Alston (Steiner & Alston, 2000) apontam três características das
instituições da ONU que atuam com base na Carta. A primeira seria a maior ênfase aos
direitos civis e políticos em relação aos sociais e econômicos, em especial no que se refere à
ex-Comissão de Direitos Humanos. A segunda característica seria a ênfase nas violações que
atinjam um número grande de pessoas, ou que são particularmente graves, tais como
conflitos étnicos violentos e declarações de leis marciais. Finalmente, essas instituições dão
pouca atenção a atividades educacionais e que estimulam a consciência a respeito dos
direitos humanos e das prevenções das violações.
Ao contrário das instituições que operam com base na Carta da ONU, as que operam com
base nos tratados têm um caráter mais jurídico. Essas instituições operam com base em
tratados específicos. Assim, temos o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o
Comitê de Direitos Humanos (que operam com base nos dois pactos anteriormente
mencionados), o Comitê para a eliminação da discriminação racial (convenção para a
eliminação de todas as formas de discriminação racial), o Comitê para a eliminação da
discriminação contra as mulheres (convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra as mulheres), o Comitê contra a tortura (convenção contra a tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes), o Comitê dos direitos da
criança (convenção sobre os direitos da criança), o Comitê sobre trabalhadores migrantes
(convenção internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e
membros de suas famílias), o Comitê dos direitos das pessoas com deficiência (convenção
internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência) e o Comitê sobre os
desaparecimentos forçados (convenção internacional para a proteção de pessoas contra o
desaparecimento forçado).

A principal função dos Comitês é o monitoramento do cumprimento dos acordos por


122
A principal função dos Comitês é o monitoramento do cumprimento dos acordos por
parte de seus signatários. Todos esses acordos, exceto o de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, têm protocolos facultativos pelos quais os Estados autorizam os comitês receber
petições de indivíduos. Historicamente, o mais destacado desses comitês é o Comitê dos
Direitos Humanos, em razão da ênfase acordada aos direitos civis e políticos. O Comitê
Econômico, Social e Cultural é o mais controverso, como resultado da discordância em
30
relação a sua implementação.
Devemos ressaltar que, embora o regime de direitos humanos englobe vários tratados
internacionais obrigatórios, como os mencionados anteriormente, não existe uma Corte
Internacional que abranja os direitos humanos de uma forma ampla. Existem cortes
regionais, como a Corte Europeia de Direitos Humanos, criada sob auspícios do Conselho da
Europa (CdE), com sede em Estrasburgo, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
criada sob auspícios da OEA, com sede em São José, na Costa Rica.
No nível internacional, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) tem se pronunciado sobre
questões de direitos humanos, apesar de não receber petições de indivíduos. Além disso,
existem os tribunais penais internacionais. As primeiras iniciativas no sentido de
responsabilizar criminalmente indivíduos perante crimes contra a humanidade
contemporaneamente foram os tribunais de guerra ad hoc criados no contexto dos conflitos
em Ruanda e da ex-Iugoslávia. Esses tribunais foram estabelecidos sob auspícios do
Conselho de Segurança da ONU e se basearam na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, na Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes de Genocídio, e no
precedente dos tribunais internacionais militares de Nuremberg e de Tóquio no final da
Segunda Guerra Mundial. O mais importante precedente dos tribunais militares foi estender
o escopo tradicional do direito humanitário, adicionando o direito penal às normas de
Genebra e Haia, mas foram, no entanto, iniciativas predominantemente políticas, dos
vencedores da guerra, principalmente os Estados Unidos. Ainda assim, os tribunais militares
introduziram o conceito legal de crime contra a humanidade no direito internacional
consuetudinário.
Em 1993, ainda durante o conflito na ex-Iugoslávia, o Conselho de Segurança confirmou
sua decisão de estabelecer um tribunal penal internacional com o instrumento para
manutenção da paz e segurança, sob o Capítulo VII da Carta da ONU. Em 1994, o Conselho
de Segurança criou um órgão similar para lidar com os crimes cometidos durante o conflito
em Ruanda. Nenhum dos dois tribunais tem, no entanto, um mecanismo de imposição para
execução de suas sentenças, e ambos dependem da cooperação voluntária dos Estados-parte
da ONU para a realização de seu trabalho.
Nesse contexto se consolidou o movimento a favor da criação de uma instituição
permanente, curiosamente sob a liderança inicial de um pequeno país, Trinidad e Tobago,
que enfrentava problemas criminais relacionados ao tráfico de drogas. Finalmente, em junho
de 1998, 120 Estados iniciaram as negociações para a criação do Tribunal Penal
Internacional (TPI) e, após cinco semanas de trabalhos árduos, aprovaram o Estatuto de
Roma, que funciona como a base legal para o estabelecimento de um Tribunal Penal
Internacional permanente e independente do sistema das Nações Unidas, embora seja
mantida uma relação de cooperação entre ambas as organizações. O estatuto entrou em
vigor em julho de 2002 diante da ratificação por parte de 60 países e o Tribunal foi criado
com sede na cidade de Haia, na Holanda. Embora o Tribunal já tenha sido ratificado por 122
Estados (até maio de 2013), entre os que não o fizeram estão os Estados Unidos, o que tem

123
31
sido apontado como fator que compromete sua efetividade. Até o início de 2015, quatro
Estados signatários do Estatuto de Roma – Uganda, República Democrática do Congo,
República Centro-africana e Mali – denunciaram situações ocorridas em seus territórios ao
Tribunal. Entre os crimes denunciados, está o recrutamento militar de crianças por parte dos
grupos armados não oficiais, o que é considerado “crime de guerra” segundo o Estatuto de
Roma (artigo 8). Somado a esses casos, o Conselho de segurança da ONU denunciou
violações ocorridas em Darfur, no Sudão, e na Líbia (ambos não são Estados-parte do TPI).
Todos os casos citados estão sendo investigados pelo Tribunal, incluindo também situações
32
denunciadas no Quênia e na Costa de Marfim.

124
A Cooperação Internacional na área dos Direitos da Criança: UNICEF e a Normatização das Práticas
de Proteção da Infância
Com base na ideia de que o desenvolvimento e cuidado da criança são elementos centrais
para o progresso da humanidade, o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) foi
criado, em 1946, com o objetivo de lidar com os desafios impostos pela pobreza, violência e
por doenças ao crescimento da criança. Nesse sentido, tal organização investe tanto em
medidas destinadas a garantir as melhores condições de vida desde o nascimento quanto na
educação das crianças, em especial de meninas. Somado a essas ações, a UNICEF age
fortemente na área de vacinação contra doenças comuns na infância e busca aliviar o
sofrimento das crianças em situações chamadas de “emergência”, como conflitos armados e
desastres naturais. Todas as atividades da organização são guiadas em certa medida pela
Convenção dos Direitos da Criança (CDC), aprovada em 1989. Até o momento da
elaboração do livro, a CDC é o documento com maior número de Estados-parte – apenas os
Estados Unidos e a Somália não assinaram o documento. Por meio dos programas e comitês
nacionais da organização, a UNICEF está presente em 190 países e territórios.
Na última seção deste capítulo, buscamos analisar, com base nos pilares que sustentam a
organização – desenvolvimento e proteção da criança –, desde a história da UNICEF, a sua
estrutura organizacional até as principais campanhas direcionadas às crianças em todo o
mundo e os documentos internacionais que perpassam e constituem as ideias, conceitos e
missão dessa agência internacional.
A história da UNICEF tem início no pós-Segunda Guerra Mundial, em dezembro de
1946, diante da tragédia humanitária que impactou milhões de crianças na Europa. Assim,
nesse primeiro momento, a ONU, por meio da UNICEF, buscou prover comida, roupas e
tratamento de saúde a essas crianças. Já em 1953, a Assembleia Geral das Nações Unidas
amplia o mandato da UNICEF de forma que o fundo inicia a campanha bem-sucedida
contra a doença bouba, que provoca lesões na pele e afeta milhões de crianças, e contra outra
que poderia ser curada com o uso da penicilina. Seis anos depois, o ano de 1959 é um
33
momento importante, marcado pela adoção da Declaração dos Direitos da Criança pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, que define os direitos da criança à proteção, educação,
assistência médica, moradia e boa alimentação. Vale ressaltar que esse não é o primeiro
documento internacional voltado à proteção e desenvolvimento da criança: já em 1924, a
Assembleia da Liga das Nações adotou a Declaração de Genebra dos Direitos da
34
Criança. Em cinco sentenças curtas, tal declaração reivindica o investimento nacional e
internacional destinado a responder às necessidades das crianças, fundamentadas, segundo
Wall (2008, p. 534), no que a Declaração chama de “obrigação” que a “humanidade deve à
criança” somado aos “direitos de proteção”, isto é, direitos contra qualquer forma de
exploração. No entanto, a Declaração da Liga das Nações não teve impacto significativo e
suficiente ao pleno reconhecimento internacional dos direitos da criança, talvez até como
decorrência do próprio cenário histórico que já se desenhava e do previsível insucesso da
organização.
Após quase duas décadas desde a criação da organização, em que o foco das atividades
foram as questões relativas à saúde na infância, em 1961, a UNICEF amplia seu escopo de
interesses a fim de lidar com o desenvolvimento completo da criança, no qual a educação
ocupa um lugar central. Assim, ações direcionadas ao treinamento de professores e à
composição das salas de aula em Estados recém-independentes são intensificadas. Em 1965,

125
a UNICEF recebe o Prêmio Nobel da Paz pela “promoção da irmandade entre as nações”.
Vinte anos depois de adotada a Declaração dos Direitos da Criança, as Nações Unidas
35
estabelecem, em 1979, o Ano Internacional da Criança. Por meio de celebrações em todo o
mundo, pessoas e organizações reafirmaram o compromisso com os direitos das crianças:
“Reconhecendo a importância fundamental em todos os países, em desenvolvimento e
industrializados, dos programas que beneficiam as crianças não apenas em função do bem-
estar da criança, mas também como parte dos esforços mais amplos para acelerar o
progresso social e econômico” (ONU, 1979, parágrafo 2).
É interessante notar como a linguagem do Ano Internacional da Criança aponta para uma
abordagem diferenciada da ONU e, especificamente, da UNICEF em que o desenvolvimento
da criança e o desenvolvimento – e progresso – dos Estados e da sociedade internacional
passam a caminhar juntos. Por exemplo, em 1987, o relatório anual lançado pela UNICEF
36
“Adjustment with a Human Face” abre espaço para o debate internacional sobre como
proteger crianças e mulheres dos efeitos malignos dos ajustes e reformas econômicos
adotados para reduzir a dívida nacional de certos Estados mais pobres. Isto é, podemos
argumentar que o desenvolvimento da criança – ou a própria criança – é percebido enquanto
símbolo da promessa de um futuro internacional de progresso. Nas palavras do ex-
Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, no relatório “We are the children” (2001,
p. 102): “são as crianças, cujo desenvolvimento individual e contribuição social, que moldam
o futuro do mundo – e é por meio das crianças que ciclos já enraizados de pobreza, exclusão,
intolerância e discriminação podem ser finalizados”. Nesse mesmo momento, a UNICEF
torna tal ideia ainda mais clara, quando afirma que o “progresso das nações” deve ser
avaliada não só pela capacidade militar e/ou econômica, mas através da “proteção que é
garantida às mentes e corpos crescentes das crianças” (2000, p. i).
Dez anos após a celebração do Ano Internacional da Criança, a Assembleia Geral das
Nações Unidas finalmente adota a Convenção dos Direitos da Criança. Mais complexa do
que os documentos anteriores, a CDC soma aos direitos à proteção o direito à participação.
Isto é, o direito à participação, que está representado nos artigos 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da
Convenção, equivale a ser considerado membro da comunidade, ou seja, que suas
expectativas e interesses devem ser incluídos nas decisões que impactam a criança.
Considerando tais mudanças, Jacqueline Bhabha (2008) afirma que o principal avanço da
CDC em relação aos acordos anteriores é fato que esta permite pensar a criança não apenas
como objeto de proteção dos adultos, mas também como portadores de direitos – ou
agentes.
Em 1996, mais um aspecto é adicionado à agenda de proteção da criança: o desafio de
lidar com os impactos dos conflitos armados na infância. Esse difícil cenário fica claro no
37
Relatório Machel “O Impacto do Conflito Armado nas crianças”, no qual as experiências
de crianças-soldado, crianças refugiadas, órfãs e deslocadas internas são trazidas à tona,
apontando para o que Graça Machel, autora do relatório, chama de “crise fundamental na
nossa civilização” (p. 73):
Acima de tudo, o presente relatório consiste num apelo à ação. É uma inconsciência vermos tão clara e
consistentemente os direitos das crianças a serem atacados e não os defendermos. É imperdoável que as
crianças sejam agredidas, violadas, assassinadas e, mesmo assim, a nossa consciência não se revolte ou o
nosso sentido de dignidade não seja abalado. Isto representa uma crise fundamental na nossa civilização. O
impacto dos conflitos armados nas crianças tem de ser preocupação de todos e é da responsabilidade de
cada um: Governos, organizações internacionais e cada elemento da sociedade civil. Cada um de nós, cada

126
indivíduo, cada instituição, cada país, tem de encetar e apoiar uma ação global para proteger as crianças. As
estratégias têm de reforçar-se e de ser reforçadas através da mobilização internacional.
Em resposta ao apelo da Graça Machel, em 1998, acontece o primeiro debate público do
Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre os efeitos das guerras nas crianças. Desde
então, o Conselho já adotou 10 resoluções específicas sobre o recrutamento e uso de
crianças-soldado. Entre as resoluções, o marco central é a adoção da Resolução 1612 (2005),
38
que estabelece um mecanismo de monitoramento, no qual o recrutamento militar de
crianças é considerado uma das seis graves violações contra crianças, e um grupo de trabalho
no Conselho de Segurança da ONU específico sobre crianças e conflito armado.
Enfim, ao longo de quase 70 anos de história, a UNICEF ampliou seu escopo de atividades:
de ações direcionadas especificamente à assistência médica às crianças a atividades voltadas
ao desenvolvimento educacional e à proteção em situação de emergência humanitária.
Atualmente, as ações da organização estão divididas em quatro áreas principais: (i) proteção
da criança e inclusão social; (ii) sobrevivência da criança, que inclui a assistência médica e
campanhas de imunização; (iii) educação; e (iv) ação humanitária e proteção em situações de
emergência. Em termos de estrutura organizacional, sua sede encontra-se em Nova York,
mas a UNICEF está presente em 190 países por meio dos escritórios nacionais e programas
desenvolvidos em parceria com os governos locais. Há também os escritórios regionais que
auxiliam os programas nacionais. Além dessas atividades, há também o Innocenti Research
Centre em Florença, na Itália, que atua especialmente na captação de recursos. A UNICEF é
financiada por recursos voluntários, sendo que dois terços dos recursos advêm de governos e
um terço restante é constituído por doações de empresas privadas e cerca de 6 milhões de
doadores individuais, que contribuem por meio dos 36 comitês nacionais, compostos por
ONGs. Finalmente, há o comitê executivo, composto por 36 membros governamentais
eleitos pelo ECOSOC, liderado, desde 2010, por Anthony Lake, que orienta e monitora todas
as ações da UNICEF. Tal comitê estabelece as políticas da organização, aprova os programas
e delibera sobre os planos financeiros e administrativos.
ALGUNS SITES DA INTERNET DE INTERESSE
• Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola: www.ifad.org
• Fundo Monetário Internacional: www.imf.org
• Grupo do Banco Mundial: www.worldbank.org
• Organização da Aviação Civil Internacional: www.icao.org
• Organização da ONU para o Desenvolvimento Industrial: www.unido.org
• Organização Educacional, Científica e Cultural da ONU (UNESC0): www.unesco.org
• Organização Internacional do Trabalho: www.ilo.org
• Organização Internacional Marítima: www.imo.org
• Organização Mundial da Saúde: www.who.int
• Organização Mundial de Propriedade Intelectual: www.wipo.int
• Organização Mundial do Turismo: www.unwto.org
• Organização Mundial Meteorológica: www.wmo.ch
• Organização para Alimentação e Agricultura: www.fao.org

127
• União Internacional de Telecomunicações: www.itu.int
• União Postal Universal: www.upu.int
• Organização Mundial do Comércio: www.wto.org
• Agência Internacional de Energia Atômica: www.iaea.org

128
Leituras para continuar seu estudo
Claude, Inis Jr., Swords into Plowshares: The Problems and Progress of International Organization, Nova York,
McGraw-Hill, 1984.
Schachter, Oscar & Christopher C. Joyner, United Nations Legal Order, Cambridge University Press, 1995.
Steiner, Henry J. & Philip Alston, International Human Rights in Context. Law, Politcs, Morals, Oxford
University Press, 2000.
Thorstensen,Vera, Organização Mundial do Comércio. As regras do comércio internacional e a Rodada do
Milênio, Rio de Janeiro, Aduaneiras, 1999.

129
Notas
1. Para a definição de regime, veja o Capítulo 1. Sobre a relação entre regimes e organizações internacionais,
veja o livro de Volker Rittberger (Rittberger, 2004).
2. No contexto do movimento para criação de uma Nova Ordem Econômica Internacional, os países em
desenvolvimento buscaram reestruturar os fluxos de informações no mundo, que viam como sendo
unilaterais: do “Norte” para o “Sul”. Além desse objetivo mais geral, surgiram disputas específicas sobre o
funcionamento da UNESCO, em particular a abrangência de suas atividades. Para mais detalhes veja o artigo
de Kittel e outros (Kittel et al., 1995).
3. Essa questão é tratada principalmente na literatura de regimes internacionais. Teóricos críticos ao conceito
liberal de regime internacional, como por exemplo Susan Strange (Strange, 1982) e Robert Cox (Cox, 1983,
1986, 1987) que apontam para os conflitos intrínsecos entre regimes internacionais tais como entre o de
comércio e de meio ambiente.
4. Sobre o debate a respeito das normas brandas, veja, por exemplo, os artigos de Kenneth Abbot e Ducan
Snidal (Abbot & Snidal, 2000) e Hartmut Hillgenberg (Hillgenberg, 1999).
5. League of Nations, 1935, p. 31.
6. Sobre a OIT, veja os livros de Ernst Haas (Haas, 1964) e Craig Murphy (Murphy, 1994).
7. Para uma listagem completa das Conferências Internacionais da ONU, veja o site: http://
www.un.org/esa/coordination/ecosoc/puc.htm. Da iniciativa de cooperação com as organizações de Bretton
Woods, surgiu, por exemplo, a proposta para realização da Conferência Internacional para o Financiamento
do Desenvolvimento em 2002, no México (Monterrey). Sobre o papel das conferências internacionais para
democratização da política internacional, veja o Capítulo 6.
8. Em ambos os casos o status de Agência Especializada da ONU exigiu mudanças em sua estrutura interna e a
introdução de um órgão supervisor que se encontrasse anualmente para prover uma continuidade entre os
encontros entre plenipotenciários (Lyall, 1996).
9. Podemos distinguir dois tipos de serviços de telecomunicações. O primeiro são as telecomunicações
realizadas por meio de cabos e fibras ópticas, que requerem a instalação de redes físicas que devem conectar
as partes que desejam se comunicar. O segundo são as telecomunicações realizadas por ondas de rádio, que
são transmitidas pelo ar. Nesse último caso, podemos perceber a relação entre a cooperação na área de
telecomunicações e a cooperação sobre o uso do espaço internacional, já que as ondas de rádio de alta
frequência são cada vez mais enviadas com a intermediação de satélites, e que esses precisam ser colocados
em órbita para funcionarem, sendo a posição orbital um recurso escasso.
10. Sobre a Internet, veja os artigos de Christoph Knill e Dirk Lehmkuhl (Knill & Lehmkuhl, 2002) e de Simon
Craig (Craig, 1998).
11. Para mais informações sobre as atividades das três divisões da UIT veja seu site: www.iut.org.
12. Lyall, 1996, p. 818.
13. Veja a íntegra da declaração “Shaping Information Society for Human Needs” no site da conferência:
http://www.itu.int/wsis/documents/doc_multi.asp?lang=en?&id=1179|1208.
14. Desde a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde
também serve como escritório regional para as Américas da OMS no seu secretariado em Washington,
sendo, portanto, reconhecida como parte do sistema da ONU. Para mais detalhes sobre a Organização Pan-
Americana, veja seu site: http://www.paho.org
15. Para mais detalhes sobre a relação entre saúde e direitos humanos, veja o artigo de Katarina Tomasevski
(Tomasevski, 1995).
16. Ver, por exemplo, http://www.oxfam.org/en/research/quarantines-sierra-leone
17. Veja o artigo de Caroline Thomas & Martin Weber (Thomas & Weber, 2004).
18. Para uma descrição precisa da definição das condicionalidades, veja o dicionário (Factsheet) no site do
FMI: http://www.imf.org/external/np/exr/facts/conditio.htm.
19. Sobre essa questão, veja o artigo de M. Heywood (Heywood, 2002).
20. Por Pós-Consenso de Washington se entende o reconhecimento, por parte, principalmente, do Banco
Mundial e do FMI dos problemas relacionados ao modelo econômico e as condicionalidades impostas aos
países beneficiários de seus créditos após as crises nos países em desenvolvimento da Ásia, América Latina e
Rússia, que seguiam seu receituário econômico no final da década de 1990.
21. Stein, 2001, p. 497.
22. No Brasil, por exemplo, alguns desses centros são a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, o
Instituto Evandro Chagas, em Belém, o Instituto Nacional do Câncer e vários centros de pesquisa em

130
universidades tais como a PUC de Porto Alegre e a USP. Para uma lista completa, veja o site da OMS.
23. Veja o artigo de John Peabody (Peabody, 1995).
24. É interessante notar que o princípio da obrigatoriedade de notificação, juntamente com a restrição da
imposição de medidas excessivas por parte de terceiros substituíram as regulações anteriores de
“quarentena” para objetos e pessoas, pois foi comprovado que o fechamento das fronteiras estatais não
impedia o alastramento de epidemias, já que vírus e bactérias podem atravessá-las de diversas formas
incontroláveis. Para mais detalhes, veja o artigo de Katarina Tomasevski (Tomasevski, 1995).
25. Sobre a campanha da amamentação veja o artigo de Kathryn Silkkink (Sikkink, 1986). A autora demonstra
a importância da atuação da OMS e da UNICEF para combater a promoção comercial de alimentação
infantil em substituição à amamentação na década de 1970, com efeito prejudicial claro à saúde nos bebês. A
campanha culminou com a criação do Código Internacional para o Marketing de Substitutos do Leite
Materno, adotado por ambas organizações em 1981 (a caráter não obrigatório), e o comprometimento de
uma das maiores empresas multinacionais na área, a Nestlé, em cumpri-lo, em 1984.
26. Sobre as origens do regime internacional de direitos humanos e seu impacto sobre as sociedades
domésticas estatais, veja as obras de Andrew Moravisik (Moravisik, 2000) e Thomas Risse et al. (Risse et al.,
1998). Sobre a evolução do papel dos direitos humanos na ONU, veja também o artigo do secretário Kofi
Annan, Two concepts of sovereinty no site: http://www.economist.com/node/324795.
27. O primeiro Alto Comissário foi José Ayala-Lano (mandato de 1994 a 1997).
28. Para detalhes sobre essas instituições veja o livro de Henry Steiner e Philip Alston (Steiner & Alston, 2000).
29. Criada em 1946, a Comissão de Direitos Humanos foi a primeira instituição da ONU para os direitos
humanos. Era composta por 53 representantes governamentais eleitos pelo ECOSOC para um mandato de
três anos e era um órgão político, não jurídico. A Comissão de Direitos Humanos também era responsável
por eleger relatores especiais para países ou temas, tais quais o Relator Especial para Execuções
Extrajudiciais.
30. Veja o debate sobre a justiciabilidade no livro de Henry Steiner e Philip Alston (Steiner & Alston, 2000, pp.
275-300).
31. Sobre o Tribunal veja os artigos de Antônio Cassesse et al. (Cassesse et al., 2002) e M.C. Bassiouni
(Bassiouni, 2002) e de Spires Economics (Economics, 2001).
32. Para saber mais sobre cada caso, ver http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/situations%20and%20cases/Pages/situations%20and%20cases.aspx).
33. Para saber mais sobre cada caso, ver http://www.icc-
cpi.int/en_menus/icc/situations%20and%20cases/Pages/situations%20and%20cases.aspx).
34. http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html
35. http://www.un-documents.net/gdrc1924.htm
36. http://www.refworld.org/docid/3b00f1b462.html
37. http://www.unicef.org/about/history/files/unicef_annual_report_1987.pdf
38. https://www.unric.org/html/portuguese/peace/Graca_Machel.htm

131
CAPÍTULO

5
Integração Regional

Principais questões abordadas


O que é integração regional.
Quando ocorreram as duas ondas de regionalismo e qual a diferença entre elas.
A relação entre regionalismo e multilateralismo.
Como se desenvolveu e quais são os maiores obstáculos para a consolidação dos processos de
integração regional na Europa e no Cone Sul da América do Sul.
As principais caraterísticas e o desenho institucional da União Europeia, do Mercosul e da UNASUL.

132
O Conceito de Integração Regional
O termo integração regional envolve dois conceitos básicos: integração e região. Uma
região pode ser definida por critérios econômicos, socioculturais, político-institucionais,
climáticos, entre outros, e remete a uma localidade territorial. Essa localidade pode ser
geograficamente contínua, ou não, e pode mudar com o tempo, o que dificulta a
1
determinação das fronteiras de certas regiões. Regiões podem ser definidas, então, como
espaços socialmente construídos entre os níveis nacional e global, que têm uma referência
geográfica, mas que não precisam necessariamente ter contiguidade territorial.
A integração pode ser definida como um processo ao longo do qual atores, inicialmente
independentes, se unificam, ou seja, se tornam parte de um todo. Os atores envolvidos em
um processo de integração podem ser classificados segundo dois critérios. Primeiramente,
podem ser governamentais ou não governamentais, ou seja, representantes de governos, ou
da sociedade civil. O termo regionalismo se refere a processos liderados por atores
governamentais (de cima para baixo – top down), enquanto que o termo regionalização
equivale a processos liderados por atores não governamentais (de baixo para cima – bottom
up). Em segundo lugar, os atores podem ser nacionais, subnacionais ou transnacionais. Um
exemplo de ator nacional governamental são os ministérios, tais como os de Relações
Exteriores. Já entre os atores nacionais não governamentais, podem ser citadas federações
nacionais de indústria, agricultura ou comércio e ONGs de abrangência nacional. Entre os
atores subnacionais governamentais, encontram-se os governos estaduais e municipais, e
entre os atores subnacionais não governamentais, ONGs regionais e federações estaduais de
indústria, agricultura ou comércio. Um exemplo de ator governamental transnacional são as
2
organizações transnacionais compostas por prefeitos ou governadores. Exemplos de atores
transnacionais não governamentais são as ONGs internacionais e redes acadêmicas
compostas por membros de dois ou mais Estados.
Levando-se em conta os conceitos analisados, podemos definir a integração regional
como um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações
entre atores, levando à criação de novas formas de governança político-institucionais de
escopo regional.
DEFINIÇÃO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL
É um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações
entre atores, levando à criação de novas formas de governança político-institucionais de
escopo regional.
Deve-se destacar que os processos de integração regional podem, ou não, “gerar”
3
organizações regionais. Uma organização de integração regional é um resultado
institucional específico de um processo de integração regional, que inclui um documento
básico constituinte e a criação de uma sede com um secretariado permanente. Embora uma
grande variedade de atores, como os anteriormente mencionados, possa ter um papel
determinante para o estímulo e para o sucesso de um processo de integração regional, sua
institucionalização na forma de uma organização é conduzida por governos nacionais de
Estados. Apesar de as organizações de integração regional serem criadas por governos de
Estados e, nesse sentido, poderem ser classificadas como intergovernamentais, seu formato

133
jurídico institucional pode ser supranacional, ou seja, pode limitar o escopo da soberania dos
Estados nas atividades exercidas pela organização.
Outra questão importante sobre processos de integração regional é que são
multidimensionais, ou seja, englobam cooperação em diversas áreas temáticas tais como
econômica, política, social, meio ambiente, segurança. O escopo das atividades de
cooperação de uma organização de integração regional é, portanto, bastante amplo. Aqui fica
clara a distinção entre uma organização regional funcional e uma organização de integração
regional. Enquanto as primeiras são organizações com uma abrangência temática específica,
a última se refere a organizações criadas no contexto de um processo de integração regional,
que abrangem várias áreas temáticas de cooperação.
Com base nessa definição, devemos distinguir uma organização de integração regional de
acordos regionais que visam apenas criar áreas de livre-comércio. Ainda que a integração
comercial possa ser promovida intencionalmente como uma etapa de um processo de
integração regional, como o advogado pelos neofuncionalistas, a integração regional, como
aqui definida, envolve também questões sociais, políticas e culturais. Além disso, acordos de
integração econômica não precisam estabelecer organizações regionais com sedes
permanentes para administrar suas atividades.
TIPOS DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA
• Área de livre-comércio: As tarifas comerciais entre seus membros são eliminadas, mas
cada um tem tarifas comerciais diferenciadas com terceiros.
• União aduaneira: É uma área de livre-comércio com uma tarifa externa comum.
• Mercado comum: Além da tarifa externa comum, promove também a harmonização da
política comercial e livre circulação de serviços, capitais e pessoas.
• União monetária: Mercado comum, e acrescentando-se uma moeda comum à
harmonização da política monetária.
Processos de integração regional são, portanto, associados à criação de organizações de
integração regional por parte dos governos dos Estados envolvidos. Historicamente,
distinguem-se dois períodos quando se observou uma intensificação no número de
organizações de integração regional, referidas como primeira e segunda onda de
4
regionalismo. A primeira onda de regionalismo iniciou-se no pós-guerra, e embora seu
vigor tenha sido maior até a década de 1970, engloba também os acordos e organizações
5
criados até o início da década de 1980:
Na Europa — Organização Europeia de Cooperação Econômica, em 1948 (renomeada
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1960); União
Ocidental, em 1948 (renomeada União da Europa Ocidental (WEU) em 1955); Conselho
da Europa (CdE), em 1949; Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1949;
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1952; Comunidade Econômica
Europeia (CEE) e Comunidade Europeia de Energia Atômica (EURATOM), em 1958; Área
de Livre-Comércio Europeia, em 1960; Conselho para Assistência Econômica Mútua
(COMECON), em 1949; o Pacto de Varsóvia, em 1955; e a Organização para Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE), em 1975.

Nas Américas — Tratado Interamericano de Defesa (TIAR, ou Pacto do Rio), em 1942;


134
Nas Américas — Tratado Interamericano de Defesa (TIAR, ou Pacto do Rio), em 1942;
Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948; Mercado Comum da América
Central, em 1960; Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC), em 1960;
Pacto Andino, em 1969; Comunidade Caribenha, em 1973; Sistema Econômico Latino-
Americano (SELA), em 1975; Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), em
1980; e Organização dos Estados do Leste Caribenho, em 1981.
Na Ásia — Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), em 1954; e Associação
das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em 1967.
Na África — Organização da União Africana (OUA), em 1963; União Econômica e
Aduaneira da África Central, em 1964; Comunidade Econômica dos Estados da África
Ocidental (ECOWAS), em 1975; Comunidade Econômica dos Estados dos Grandes Lagos,
em 1976; Comunidade Econômica dos Estados da África Central, em 1983; e União Árabe
do Magreb, em 1989.
Oriente Médio — Liga dos Estados Árabes, em 1945; Organização dos Países Árabes
Exportadores de Petróleo (OPEC), em 1960; Organização da Conferência Islâmica, em
1969; Organização Árabe para o Desenvolvimento Agrícola, em 1970; e Conselho de
Cooperação para os Estados Árabes do Golfo, em 1981.
<br />
No que se refere aos aspectos de segurança, o surgimento da primeira onda de
regionalismo foi fortemente influenciado pela estratégia promovida pelos Estados Unidos no
pós-guerra. Várias organizações e alianças, como a Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) e Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), foram propostas ou
promovidas pelos Estados Unidos para conter o comunismo. O caso da OEA foi diferente,
pois sua criação refletiu principalmente o tradicional interesse dos países latino-americanos
de institucionalizar o princípio da não intervenção contra possíveis interferências por parte,
entre outros, dos Estados Unidos. A criação de organizações regionais de segurança não era
percebida como uma ameaça ao sistema universal de segurança e sim como complementar,
desde que respeitando a hierarquia prevista no Capítulo VIII da Carta da ONU, que concede
primazia ao Conselho de Segurança e obriga as organizações regionais a mantê-lo informado
6
sobre suas atividades.
Já no que se refere aos aspectos econômicos, a primeira onda de regionalismo ficou
conhecida como regionalismo “fechado”. Na América Latina, esse tipo de regionalismo foi
promovido como uma estratégia de desenvolvimento econômico, dado que a percepção era
de que os regimes econômicos internacionais, principalmente o de comércio, promovido
pelo GATT, não atendiam a essa necessidade. A principal ideia que sustentava o
regionalismo fechado era que os países mais atrasados não podiam concorrer em igualdade
com os mais desenvolvidos e precisavam de incentivos especiais para promoção de sua
industrialização. Essa tese foi defendida por organizações funcionais da ONU, como a
UNCTAD e a CEPAL, ainda que na Carta da ONU nada constasse a respeito da relação entre
7
a integração econômica regional e a cooperação multilateral. Já no Acordo GATT de 1947,
essa questão foi tratada em seu artigo 24, que prevê a aprovação de áreas de livre-comércio e
8
uniões aduaneiras, desde que não em prejuízo do sistema multilateral. No caso do processo
de integração na Europa, posto que a ideologia do regionalismo fechado não fosse uma
motivação explícita, a liberalização comercial interna acabou por ser discriminatória na

135
medida em que não foi acompanhada pela liberalização externa, levando à percepção de que
a Europa estava se transformando em uma “fortaleza” (Fortress Europe).
A relação entre regionalismo e universalismo/multilateralismo na área comercial ainda é
uma questão polêmica, já que os estudos sobre a criação/desvio de comércio são
inconclusivos. Alguns autores, como Anne Krueger (Krueger, 1995), defendem que são
atividades complementares e mutuamente benéficas, e outros, como Jagdish Bhagwati
(Bhagwati, 1991), defendem que são incompatíveis e que a proliferação de acordos e
organizações regionais representa uma ameaça ao sistema multilateral, à custa do
9
crescimento econômico global.
A partir de meados da década de 1970, a onda de regionalismo se enfraqueceu. A crise
econômica global, propulsionada pelo fim do sistema de Bretton Woods, e as crises do
petróleo e da dívida do terceiro mundo provocaram uma profunda mudança na conjuntura
internacional. Na América Latina (e Ásia), a estratégia protecionista de substituição de
importações foi levada adiante e o regionalismo, deixado em segundo plano. Os Estados
Unidos e o Reino Unido, ao contrário, se engajaram na promoção da desregulamentação e
liberalização no âmbito global, que acabaram por ter um profundo impacto sobre os fluxos
econômicos internacionais. O processo de integração na Europa, que já passava por um
período delicado, sofreu uma verdadeira estagnação com a recessão econômica, como será
visto adiante.
Somente na segunda metade da década de 1980, com o fim da Guerra Fria, com a
recuperação econômica global e a aceleração do processo de globalização, é que a integração
10
regional foi retomada, dando origem a uma “nova onda de regionalismo”. Nesse período,
foram criadas novas organizações e acordos de integração e outras já existentes foram
11
revigoradas, como pode ser visto a seguir:
Na Europa — Assembleia do Báltico, em 1991; Conselho dos Estados do Báltico, em 1992;
Área Econômica Europeia, em 1992; e União Europeia (UE) em 1992.
Nas Américas — Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA), em 1989;
Sistema de Integração na América Central, em 1991; Mercado Comum do Cone Sul
(Mercosul) em 1991; Associação dos Estados Caribenhos, em 1994; Área de Livre-
Comércio do Grupo de Três (G3), em 1995; e Comunidade Andina (CAN), em 1997;
Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), em 2004; União de Nações
Sul-Americanas (UNASUL), em 2008; (CELAC); e Aliança do Pacífico, em 2011.
Na Ásia — Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), em 1989; Comunidade dos
Estados Independentes (CIS), em 1992; e Comissão do Rio Meking, em 1995.
Na África — Comunidade do Sudeste Africano para o Desenvolvimento (SADC), em 1992;
Comunidade Econômica e Monetária da África Central, em 1994; Mercado Comum da
África Oriental e do Sul (COMESA), em 1994; União Econômica e Monetária da África
Ocidental, em 1994; Comunidade da África Oriental, em 1999; e União Africana (AU), em
2002.
No campo da segurança, embora o fim da Guerra Fria tenha possibilitado inicialmente
uma maior atuação do Conselho de Segurança, as organizações regionais também foram
revigoradas, vistas como complementares aos esforços no nível multilateral universal. A
mudança do conceito de segurança, que passou a abarcar uma série de questões como a

136
democracia, os direitos humanos e o meio ambiente, também ampliou o espaço para atuação
12
dessas organizações.
No que se refere aos aspectos econômicos, a maior motivação para esse novo impulso de
regionalismo foi a busca de uma melhor inserção na economia internacional no contexto do
processo de globalização econômica. O termo regionalismo aberto se refere ao fato de que os
processos regionais de integração econômica passaram a ser vistos como etapas
intermediárias para a liberalização multilateral e não como fins em si mesmos. Nesse sentido,
os blocos regionais passam a promover a liberalização entre eles, ou seja, não apenas uma
liberalização intrarregional, mas também inter-regional. A União Europeia, por exemplo,
concluiu uma série de Acordos de Associação com diversas regiões do mundo com esse
objetivo, como será visto adiante. Ao contrário da primeira onda, os Estados Unidos foram
um dos principais promotores do novo regionalismo econômico ao proporem a criação do
13
NAFTA, APEC e posteriormente a ALCA.
REGIONALISMO ECONÔMICO ABERTO E FECHADO
• O regionalismo econômico aberto é visto como uma etapa intermediária para a
liberalização econômica multilateral, e não como um fim em si mesmo. É, portanto,
complementar ao regime de comércio promovido pelo GATT/OMC.
• O regionalismo econômico fechado promove o protecionismo no nível regional,
confrontando o regime de comércio promovido pelo GATT/OMC.
No início do século XXI, a crença otimista do regionalismo aberto como forma de
promover o desenvolvimento econômico diminuiu, principalmente após as crises
14
econômicas na Ásia e na América Latina. Na América Latina, debate-se o conceito de
regionalismo pós-neoliberal no sentido de que a priorização da liberalização comercial é
substituída pela promoção da cooperação na área de segurança e nos campos da economia,
infraestrutura e energia. Na Europa, a crise do euro também gerou um debate acerca das
políticas econômicas e prioridades relativas ao processo de integração, apesar de a
liberalização comercial ser ainda a principal estratégia de inserção na economia global.
A despeito dos novos desafios enfrentados pelos processos de integração, tendo em vista a
crise das instituições multilaterais internacionais de governança global, o regionalismo é
ainda considerado uma alternativa viável para manutenção da ordem e estabilidade da
política internacional. Esta perspectiva fortaleceu-se na última década, quando a percepção
da hegemonia dos Estados Unidos foi substituída por considerações sobre o papel da China e
dos países emergentes.
No restante deste capítulo serão analisados os processos de integração na Europa e na
América do Sul e, em particular, a criação e o desenvolvimento da União Europeia, do
Mercosul e da UNASUL.

137
Integração Regional na Europa: a União Europeia
O processo de integração na Europa englobou a criação de várias instituições e
organizações regionais, culminando na criação da União Europeia (UE) em 1993, quando
entrou em vigor o Tratado de Maastricht. A UE passou por modificações desde então,
formalizadas pelos tratados de Amsterdam (em vigor em 1999), Nice (2003) e Lisboa (2009).
Independentemente de sua institucionalização, a ideia de integração na Europa tem origens
históricas distantes. No século XIX, pode-se mencionar o projeto do Conde Henri de Saint-
Simon, preparado para o Congresso de Viena de 1815, que propôs a criação de uma
organização europeia nos moldes de uma confederação, iniciando-se com a aproximação
entre a França e a Inglaterra. Embora o projeto tenha despertado interesse de intelectuais,
não teve nenhum impacto sobre as decisões finais do Congresso, que impôs uma visão de
Europa fundada sobre o princípio da legitimidade das dinastias e do equilíbrio de poder
15
entre os grandes Estados europeus.
Em reação ao sistema imposto pelo Congresso, proliferaram projetos defendendo a ideia
da integração na Europa como os de Béranger, Mazzini, Pierre Leroux, Frédéric Bastiat,
Carlo Cattaneo, Joseph Proudhon e Constantin Frantz. Após a Primeira Guerra, no espírito
de cooperação lançado pela Liga das Nações, alguns esforços foram retomados, em particular
a proposta do então ministro de relações exteriores da França, Aristide Briand. Foi
necessário, no entanto, que o continente passasse por mais uma guerra para que os projetos
de integração europeia fossem transformados em políticas concretas. Antes mesmo do fim
da Segunda Guerra, circulavam projetos de integração como os propostos por ativistas
políticos da resistência não comunista, como Walter Lipgens, Altiero Spinelli, Ernesto Rossi
e León Blum, e políticos exilados, como o ministro de relações exteriores belga Paul-Henri
Spaak. Nesse contexto, foi criado, por um Tratado concluído em Londres em setembro de
1944, o Benelux, uma organização regional entre a Bélgica, os Países Baixos e Luxemburgo,
16
compreendendo uma união aduaneira.
Inicialmente, os Estados Unidos resistiram à ideia de integração regional na Europa, já
que o presidente Roosevelt defendia a criação de uma organização universal, a Organização
das Nações Unidas, e não organizações regionais para institucionalizar a cooperação entre os
Estados. Contudo, com a configuração do conflito leste-oeste e a criação do bloco soviético, a
política norte-americana se alterou rapidamente. O Plano Marshall, criado em abril de 1948
como um programa de ajuda à recuperação europeia, já incluiu como requisito a cooperação
entre os Estados europeus. Com o objetivo de facilitar a implementação dessa cooperação, os
quatorze países classificados como receptores de fundos do Programa, — Reino Unido,
França, Benelux, Turquia, Grécia, Itália, Portugal, Irlanda, Áustria, Suíça, Suécia, Noruega,
Dinamarca e Islândia — criaram a Organização Europeia de Cooperação Econômica
(OECE), com sede em Paris, que pode ser considerada a primeira organização regional
gerada no contexto do processo de integração na Europa. Apesar de o nome sugerir uma
ênfase na cooperação econômica, o preâmbulo do tratado constituinte dessa organização
deixa claro que a cooperação econômica era vista como instrumental para atingir os
17
objetivos de paz e de liberdades individuais acordados na Carta da ONU.
Pouco antes da criação da OECE, em março de 1948, foi assinado, também com apoio e
incentivo dos Estados Unidos, o Tratado de Bruxelas entre o Reino Unido, França e países
do Benelux, criando uma organização regional chamada União Ocidental (UO). O Tratado
incluiu a cooperação econômica, social e cultural e também um artigo de defesa coletiva

138
(artigo 4), sendo essa a primeira iniciativa de cooperação na área de defesa entre países
europeus após a guerra. Apesar de ser revitalizada em 1954, como visto adiante, a UO passou
a funcionar como um apêndice da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Uma terceira organização regional criada no âmbito do processo de integração na Europa,
e que funciona até o presente momento, foi o Conselho da Europa (CdE). Seu tratado
constituinte foi assinado em maio de 1949 entre Reino Unido, França, países do Benelux,
Itália, Irlanda, Dinamarca, Noruega e Suécia, e previu um campo de atuação bem vasto,
18
excluindo, porém, as questões de defesa. Apesar de também ter sido apoiado pelos Estados
Unidos, o CdE foi uma iniciativa mais diretamente impulsionada por forças europeias. Além
do papel decisivo dos governos europeus, em especial o inglês e o francês, devendo-se
destacar a atuação do então ministro de relações exteriores da França, Robert Schuman, a
sociedade civil, articulada no chamado Movimento Europeu, também teve grande influência
sobre o processo de integração.
A criação do Movimento Europeu, na Conferência de Haia em maio de 1948, representou
o apogeu da cooperação entre diversos grupos de intelectuais e políticos a favor da
integração regional. Entre os principais grupos se destacaram: a União Europeia dos
Federalistas, o Movimento para uma Europa Unida, a Liga Europeia de Cooperação
Econômica, as Novas Equipes Internacionais, o Movimento Socialista pelos Estados Unidos
19
da Europa e a União Parlamentar Europeia. Apesar do consenso sobre ideia e a
institucionalização da integração regional, o movimento incluía orientações bem diversas
quanto ao desenho institucional específico que suas organizações deveriam ter. O principal
eixo de divergência se referia à soberania dos Estados, questão que sempre foi e continua
sendo o principal foco de conflitos e polêmicas no processo de integração regional europeu.
De um lado, havia os defensores da manutenção do tradicional formato intergovernamental,
ainda que na forma de uma confederação; de outro, os federalistas, subdivididos entre
maximalistas, defensores de uma constituição europeia que incluísse uma divisão clara de
competências, e moderados, favoráveis à transferência de soberania progressiva e negociada
para os órgãos supranacionais.
Nesse contexto, Robert Schuman proferiu seu famoso discurso de 9 de maio de 1950. No
discurso, ele propõe a criação de uma organização supranacional para coordenar a produção
de carvão e aço da França e da Alemanha, aberta a outros países europeus interessados em
20
participar dessa iniciativa. A produção siderúrgica não apenas representava o principal
setor no processo de industrialização e desenvolvimento econômico, como também tinha
um caráter simbólico por ser um setor estratégico na produção de armamentos. O caráter
setorial da organização proposta marcou também a implementação de uma nova estratégia
para o processo de integração regional, baseada nos escritos funcionalistas em voga na época
que, como vimos, também influenciavam a criação das agências especializadas da ONU e
cuja principal ideia era que a cooperação seria mais fácil de ser atingida se iniciada em
21
setores mais técnicos e menos politizados.
O projeto (neo)funcionalista de integração europeia, embora levado a cabo por Robert
Schuman, tinha como principal mentor o francês, então comissário-geral do Plano de
Modernização e de Equipamento, Jean Monnet. Defensor do processo de integração já desde
a Segunda Guerra, Monnet acreditava que era essencial impedir a reconstrução da soberania
econômica dos Estados europeus e que a prosperidade e o progresso social dependeriam de

139
seu reagrupamento em uma entidade econômica comum e, posteriormente, uma verdadeira
federação europeia.
O projeto de Monnet e Schuman recebeu apoio do então chanceler alemão Konrad
Adenauer. Na Alemanha, ocupada pelas forças aliadas, os empresários propunham a
internacionalização das usinas siderúrgicas como alternativa ao seu desmonte completo,
22
proposta pelos vencedores. Quatro outros países demonstraram interesse na proposta de
Schuman: a Itália e Luxemburgo, que foram os mais entusiastas, a Bélgica, que apesar da
apreensão por razões econômicas, preferiu discutir suas críticas dentro da organização, e os
Países Baixos, que receavam a perda de soberania, mas também não queriam ser excluídos. O
Reino Unido, embora fosse o principal produtor de carvão e de aço na época, resistiu
23
fortemente a participar de um projeto de caráter supranacional. Foram portanto apenas
esses seis países, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo, Bélgica e Países Baixos, que fizeram
parte da Conferência sobre o Plano Schuman, aberta em 20 de junho de 1950, em Paris, para
negociar a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Apesar de seus
objetivos imediatos terem um caráter meramente econômico, a CECA foi criada como a
primeira etapa de um processo que deveria culminar na integração política nos moldes de
uma federação supranacional.
A Guerra da Coreia, iniciada apenas cinco dias após a Declaração de Schuman, e o
acirramento da Guerra Fria trouxeram aos debates a possibilidade de incluir no projeto a
cooperação político-militar. A tentativa de gerar uma política de defesa comum, incluindo a
criação de um exército europeu e um ministro europeu de defesa, promovida pelo primeiro
ministro francês René Pleven, foi, no entanto, frustrada. Entre os fatores determinantes do
fracasso do chamado Plano Pleven, estava a complexa questão do rearmamento alemão,
também presente nas negociações para a criação da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN). Apesar de, no curso das negociações, ter sido proposto o fim da ocupação e a
reconquista da soberania integral da Alemanha como uma etapa para possibilitar sua
participação no que seria a Comunidade Europeia de Defesa, seu tratado constitutivo,
assinado em junho de 1952, acabou não sendo ratificado pela Assembleia Nacional francesa,
24
em agosto de 1954.
Já o Tratado de Paris, assinado em abril de 1951, propondo a criação da Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço (CECA), entrou em vigor em julho de 1952, não tendo havido
dificuldades no processo de ratificação. O principal órgão da CECA, a Alta Autoridade, tinha
poderes supranacionais em diversas áreas, detalhadamente definidas no Tratado. Deve-se
destacar que o artigo 9 do Tratado dispõe que seus membros deveriam exercer suas funções
em plena independência pelo interesse geral da Comunidade, não devendo solicitar nem
25
aceitar instruções de nenhum de seus governos. A Alta Autoridade podia emitir
declarações não obrigatórias e adotar decisões aplicáveis após sua publicação. Além desse
órgão, o Tratado ainda criou: a Assembleia Comum, composta por representantes
parlamentares dos Estados-membro, com poderes apenas de controle dos membros da Alta
Autoridade, sem portanto poderes legislativos nem orçamentários; o Conselho Especial de
Ministros, que deveria dar seu consentimento para certas decisões da Alta Autoridade; e a
Corte de Justiça, composta por sete juízes nomeados pelos Estados-membro e com a função
de assegurar o respeito ao direito na interpretação e aplicação do Tratado e de se pronunciar
sobre recursos contra as decisões da Alta Autoridade por parte dos Estados-membro, do
Conselho e de empresas privadas.

140
Em seus primeiros anos de funcionamento, a CECA ganhou credibilidade no exterior,
abrindo delegações em terceiros países e em organismos internacionais, como o GATT e a
OECE, e alcançou sua independência financeira através de empréstimos americanos. A
organização negociou acordos bilaterais de comércio, destacando-se o Acordo de Associação
com o Reino Unido em 1954, e fez investimentos sociais na área siderúrgica. Apesar de
alguns fracassos na expansão de suas competências, como a tentativa de desenvolver uma
política de concorrência comum, a CECA se estabeleceu como o principal fórum de
convergência dos interesses europeus.
A conjuntura econômica do período inicial do desenvolvimento da CECA foi favorável,
tendo sido retomado o crescimento econômico e se iniciado o “milagre alemão”. Na área de
segurança, houve um relaxamento das tensões leste-oeste após a morte de Stalin, mas logo
interrompido com a crise de Suez e a escalada das tensões em Berlim. A despeito do fracasso
da Comunidade Europeia de Defesa, a integração permaneceu uma prioridade para os países
europeus e na política externa dos Estados Unidos. Após uma série de encontros e pré-
projetos, realizou-se, sob influência de Monnet, uma conferência intergovernamental entre
os Estados-membro da CECA, na qual foi estabelecido um comitê, presidido pelo ministro
belga, Paul Henri Spaak, encarregado de elaborar um projeto de relançamento do processo
de integração. O projeto deveria discutir a cooperação econômica e de energia nuclear. O
Reino Unido foi convidado a participar, mas se retirou do comitê por não concordar com a
ideia da criação de um mercado comum, preferindo uma área de livre-comércio, além de
não se interessar pela cooperação na área de energia atômica, dado que já tinha uma bomba
nuclear desde 1952 e um programa de cooperação com os Estados Unidos e Canadá. O
relatório final dessa conferência foi adotado como base de negociação para uma nova
conferência intergovernamental, iniciada em junho de 1956 em Val Duchesse, com o
objetivo de elaborar dois novos tratados para aprofundar o processo de integração.
O primeiro deveria estabelecer as condições para a criação da Comunidade Econômica
Europeia (CEE), que, além de expandir setorialmente a cooperação funcional econômica
iniciada com a CECA, deveria criar metas para a consolidação de um mercado comum entre
os Estados-membro. O segundo tratado teria como objetivo a cooperação na área de energia
atômica e pode ser visto como uma resposta à crescente preocupação com a questão nuclear
no cenário mundial. A organização a ser criada, a Comunidade Europeia da Energia
Atômica (Euratom), trataria da cooperação na área de pesquisa e produção de energia
nuclear para fins não militares com o objetivo de atender à demanda crescente por energia
em um cenário de insegurança quanto ao fornecimento do petróleo e de saturação da
indústria de carvão, além de evitar uma corrida secreta entre os países europeus por essa
tecnologia.
Os tratados constituintes da CEE e da Euratom foram assinados em Roma, em março de
1957, e entraram em vigor em janeiro de 1958. O desenho institucional de ambas as
organizações seguiu em grande medida o modelo da CECA, estabelecendo um órgão
intergovernamental, o Conselho de Ministros e um supranacional, sendo que a instância
equivalente à Alta Autoridade foi denominada Comissão nas duas novas organizações. Em
relação ao órgão parlamentar, decidiu-se racionalizar as atividades criando-se apenas uma
Assembleia única para as três Comunidades. Inicialmente, a ideia era que a Assembleia seria
composta por parlamentares nacionais, mas depois o sistema mudou para sufrágio universal
direto, que ocorreu pela primeira vez em 1979. Em relação ao órgão jurídico, também optou-
se por atribuir à Corte Europeia de Justiça competência no âmbito das três Comunidades.

141
Criou-se também um novo órgão comum às duas novas organizações, o Comitê Econômico
e Social, para representação dos empregados e assalariados, embora com poder apenas
consultivo.
Apesar das tensões iniciais após a proposta do Reino Unido para criação de uma área de
livre-comércio como uma alternativa ao mercado comum, esse começou a ser implementado
a partir de janeiro de 1959, e avançou rapidamente, alcançando uma união aduaneira em
26
julho de 1968. Um dos maiores sucessos do mercado comum foi a criação da Política
Agrícola Comum (PAC), que se tornou um verdadeiro símbolo da integração. Se, por um
lado, a posição do General de Gaulle, que voltara ao poder na França em junho de 1958, foi
determinante para o desenvolvimento do mercado comum, por outro lado, o estadista tinha
uma visão bastante inflexível do projeto de integração, insistindo na preservação da
soberania dos Estados-parte, o que impediu a formação de um consenso sobre a integração
política.
Para de Gaulle, a Europa deveria assumir um papel influente na política internacional,
com independência em relação aos Estados Unidos, inclusive na área de segurança e defesa,
mas institucionalmente deveria ser uma confederação de caráter intergovernamental e não
uma federação de caráter supranacional. O Plano Fouchet para integração política
27
apresentado em 1961 refletiu essa visão de Gaulle e, apesar da conjuntura internacional
favorável (um pouco antes da construção do Muro de Berlim), não foi aprovado. Assim, a
integração institucionalizada permaneceu apenas em seu âmbito econômico. O pedido de
adesão do Reino Unido justamente nesse momento desequilibrou o delicado consenso entre
de Gaulle e os defensores de um projeto federal de cunho supranacional. Em represália, de
Gaulle se opôs abertamente à adesão do Reino Unido, deslanchando uma profunda crise
política no processo de integração, que culminou na chamada “crise da cadeira vazia”.
Embora a causa imediata da crise tenha sido um impasse nas negociações sobre reformas
orçamentárias no âmbito da PAC, ela refletiu a intransigência fundamental do governo
francês a respeito da cessão de soberania, seja pelo aumento das competências dos órgãos
supranacionais, seja pela introdução de votação por maioria nos órgãos
28
intergovernamentais. O governo francês acabou por suspender a participação de seus
representantes nos órgãos comunitários em junho de 1965, paralisando suas atividades por
seis meses, até encontrar uma solução através da conclusão do chamado Compromisso de
Luxemburgo. Esse documento estabeleceu que as decisões consideradas de interesse nacional
vital deveriam ser votadas por unanimidade, mesmo que de acordo com os tratados estas
29
devessem ser votadas por maioria.
Apesar da retomada dos trabalhos nas Comunidades, o processo de integração continuou
avançando muito lentamente até o final da década de 1960. A segunda candidatura do Reino
Unido foi novamente rejeitada por um “veto de veludo” de de Gaulle a contragosto dos
outros Estados. O impasse político só foi revertido com a mudança do governo na França
após a demissão de Gaulle em abril de 1969. Em uma Cúpula de chefes de Estado e Governo,
ainda em 1969 em Haia, o novo presidente francês, George Pompidou, propôs um programa
de ação para aprofundar e ampliar o escopo da integração. Um dos principais resultados do
programa foi o lançamento de um projeto de integração monetária. Apesar de esse primeiro
projeto, o Plano Werner, ter sido rejeitado novamente pelo governo francês, que era -
contrário à supranacionalização, ele representou o primeiro passo para criação da união
monetária. Outro resultado importante dessa iniciativa foi o apoio à adesão dos quatro

142
países que haviam se candidatado: Noruega, Dinamarca, Irlanda e, novamente, Reino Unido.
Após três anos de negociações, em 1973, tais Estados se tornaram membros da Comunidade
Europeia, com exceção da Noruega, que não pôde ratificar o tratado uma vez rejeitado em
referendo popular.
Apesar da ampliação, que continuou com a adesão da Grécia, em 1981, e de Portugal e
Espanha, em 1986, a integração econômica e monetária foi lenta durante a década de 1970 e
início de 1980, período que ficou conhecido como “eurosclerosis”. Entre os fatores
determinantes dessa estagnação, pode-se mencionar: a conjuntura econômica desfavorável,
marcada pelo fim do sistema de Bretton Woods; a desvalorização do dólar; as crises do
petróleo; e a recessão e desemprego na Europa. A retomada do aprofundamento do processo
de integração europeu só ocorreu com a oficialização do Ato Único Europeu, em 1986, que
estabeleceu metas para a conclusão do mercado comum até janeiro de 1993, e reformas
30
institucionais, entre elas a formalização da Cooperação Política Europeia.
O relançamento da integração foi promovido por diversos atores em manifestações, tais
quais a Declaração Solene do Conselho Europeu de 1983, sob a motivação dos ministros de
relações externas alemão e italiano, Hans-Dietrich Genscher e Emílio Colombo; a criação de
dois lobbies empresariais, também em 1983, advogando a consolidação do mercado comum:
a Mesa Redonda de Industriais Europeus (ERT) e a União das Confederações e Industriais e
Empregadores da Europa (UNICE); o Relatório Spinelli do Parlamento Europeu, de 1984; e,
por fim, o “Livro Branco para consolidação do mercado interno”, emitido pela Comissão
31
Europeia em 1985 sob motivação do seu recém-eleito presidente Jacques Delors.
Com o desenvolvimento do mercado comum, o processo de integração passou a impactar
cada vez mais a vida dos cidadãos. O programa lançado pelo Ato Único Europeu foi um
verdadeiro divisor de águas, uma vez que marcou a passagem da integração econômica
negativa, ou seja, a mera liberalização, para uma integração positiva, que equivale à
harmonização das legislações nacionais e à formulação de políticas comuns regulatórias em
32
diversas áreas. O Ato Único também contribuiu para a consolidação da união monetária.
Apesar do fracasso do plano Werner de 1970, visto anteriormente, o colapso do sistema de
Bretton Woods levou os europeus a criarem um sistema monetário para manter a
estabilidade de suas moedas e evitar desvalorizações competitivas. Esse sistema foi
consolidado com o Ato Único Europeu e desenvolvido pelo Plano Delors de 1989. O Tratado
de Maastricht finalmente estabeleceu um calendário e critérios para adoção da moeda única,
embora o Reino Unido e a Dinamarca tenham decidido não participar. Em 1998, os Estados-
parte qualificados para participar da união monetária, tendo cumprido as metas do Pacto de
Estabilidade, constituíram a Zona do euro, também chamada de EU 11. No ano seguinte, a
paridade das moedas dos onze países foi fixada ao euro e o Banco Central Europeu assumiu a
condução da política monetária comum, que passou a ser supranacional. Os Bancos Centrais
nacionais continuam existindo como entidades executivas e administrativas em nível
regional, mas devendo obedecer às decisões tomadas no BCE. Em janeiro de 2002, o euro
entrou em circulação e, com a saída de circulação das moedas nacionais em fevereiro, passou
a ser a única moeda válida em todos os países da Zona do Euro.
O impacto do euro sobre o processo de integração ultrapassa seus aspectos técnicos. A
moeda é considerada um dos símbolos da soberania estatal. Além disso, certas moedas,
como o franco francês e o marco alemão, tinham um valor cultural particular, o primeiro
tendo sido criado por Napoleão, e o segundo, após o conturbado período das hiperinflações.

143
A aceitação do euro por parte da população não foi livre de controvérsias, e a propaganda
para sua introdução foi cuidadosamente planejada pela Comissão, inclusive com estratégias
diferentes para cada país. A queda inicial de seu valor frente ao dólar e a percepção da
“inflação escondida”, decorrente de ajustes de preços, contribuiu para uma apreensão geral.
À medida que os ganhos econômicos decorrentes da eliminação de gastos com conversões e
a facilidade do manuseio em viagens de negócios e turismo foram sendo percebidos, a
população foi se identificando com a nova moeda. A crise do euro deslanchada com a crise
global de 2008 reverteu esse processo e provocou uma onda de perda de confiança na moeda,
que se tornou objeto de críticas principalmente pelos partidos eurocéticos, tanto de direita
como de esquerda, que, consequentemente, ganharam espaço em quase todos países da UE
nos últimos anos. Além de proporem a saída da UE, tais partidos têm plataformas racistas e
xenófobas. Na Espanha e na Grécia, destacam-se o Podemos e o Syriza, respectivamente. Na
Alemanha, França e Reino Unido, os partidos são Alternativa para a Alemanha, Frente
Nacional e Partido de Independência, respectivamente.
Outro fator importante que contribuiu para o desenvolvimento de uma nova percepção
de participação em uma coletividade entre os cidadãos europeus foi a incorporação do
Acordo de Schengen pelo Tratado de Amsterdã em 1997. Esse Acordo, em vigor desde 1995,
eliminou os controles fronteiriços entre seus signatários e, ao ser incorporado à União
Europeia, significou a implementação da liberdade de circulação de pessoas no âmbito do
mercado comum. O impacto da possibilidade de cruzar fronteiras livremente sem controle
33
de passaporte foi enorme.
A queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, e os eventos que se deram em seguida
− a reunificação alemã, em outubro de 1990 e a dissolução da União Soviética em dezembro
de 1991 − aceleraram essa profunda transformação do processo de integração. A Europa
passou a buscar um espaço proeminente na reconfiguração da nova ordem internacional, em
particular com a decisão de incorporar os países do centro e leste europeu no processo de
integração. Nesse contexto, os Estados-parte deram um grande passo para a
institucionalização do processo de integração ao concluir o Tratado em Maastricht. O
Tratado, assinado em fevereiro de 1992, entrou em vigor em janeiro de 1993 e criou uma
nova organização do processo de integração na Europa: a União Europeia (UE).
As negociações para a criação da União Europeia envolveram novamente a polêmica
questão da cessão de soberania. A falta de consenso sobre a inclusão de várias áreas de
cooperação no âmbito comunitário supranacional, entre elas a de segurança, levou a um
exercício criativo de desenho institucional e a configuração de uma estrutura composta por
três “pilares” independentes. Nessa estrutura, apesar de estarem inseridos em um quadro
institucional único, os poderes e os métodos de decisão dos órgãos da UE variavam
conforme a área temática tratada.
AMPLIAÇÕES DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO EUROPEU
• 1951: Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos
• 1973: Dinamarca, Irlanda, Reino Unido
• 1981: Grécia
• 1986: Portugal, Espanha
• 1995: Áustria, Finlândia, Suécia

144
• 2004: Chipre, Eslovênia, Eslováquia, Estônia, Hungria, Lituânia, Letônia, Malta, Polônia,
República Checa
• 2007: Bulgária, Romênia
• 2013: Croácia
A Turquia deu entrada em pedido para inclusão na UE em 1987. Negociações para sua
adesão se iniciaram em 2005, mas diversos obstáculos, tais como o reconhecimento do
Chipre, impedem que avancem. Outros países candidatos são: Albânia, Antiga República
Iugoslava da Macedônia, Islândia, Montenegro e Sérvia. Bósnia e Herzegovina e Kosovo são
considerados potenciais candidatos.
Em preparação para a ampliação para o centro e leste europeu, a EU passou por várias
reformas institucionais, tais como as implementadas Tratado de Nice, assinado em fevereiro
de 2001. Além dos problemas logísticos ocasionados pelo aumento significativo do número
de membros, o debate incluiu um questionamento mais profundo sobre o desenho
institucional da UE, considerando a “finalidade” da integração. Embora tal debate tenha
estado sempre presente desde as primeiras ideias acerca da integração europeia no século
XIX, ele perdeu proeminência nas décadas de 1980 e 1990, sendo substituído por discussões
34
de mais curto prazo sobre o funcionamento prático do mercado comum. Como não
conseguiam chegar a um consenso sobre a maioria das questões na agenda, os chefes de
Estado e Governo decidiram convocar uma Convenção para que fosse discutido “o futuro da
União” na Declaração de Laeken, anexada ao Tratado de Nice.
A Convenção foi composta pelo ex-presidente francês Giscard d’Éstaing, o ex-primeiro
ministro italiano Giuliano Amato e ex-presidente belga Jean Luc Dahaene, quinze
representantes dos Estados-membro, dois parlamentares de cada Estado-parte, dezesseis
membros do Parlamento Europeu e dois representantes da Comissão. Representantes dos
países do centro e leste europeu cujo processo de adesão já tinha sido aprovado também
participaram, assim como representantes do Comitê Econômico e Social e das Regiões e o
Ombudsman. Eles não podiam, no entanto, impedir a formação de consensos. A sociedade
civil também foi convidada a participar de um fórum cujas propostas foram incorporadas ao
debate. Os trabalhos da Convenção se iniciaram em março de 2002 e terminaram em junho
de 2003, quando foi aprovado o “Projeto de Tratado que institui uma Constituição para a
Europa”. O esboço do Tratado Constitucional foi apresentado ao Conselho Europeu de
Thessaloniki em junho de 2003, mas não foi aprovado em razão de discordâncias
fundamentais, principalmente a oposição da Polônia e da Espanha às novas regras propostas
35
para ponderação dos votos da maioria qualificada. Em outubro de 2004, foi aberta uma
nova Conferência Intergovernamental, e em junho o Conselho Europeu aprovou finalmente
o texto do novo tratado. O Tratado foi assinado em Roma, em novembro de 2004,
simbolicamente no mesmo local onde foi assinado os Tratados da Comunidade Econômica
Europeia e da Euratom. No entanto, o Tratado Constitucional não foi ratificado por ter sido
rejeitado pelos referendos na França e nos Países Baixos em 2005. Em 2007, foi concluído,
como visto anteriormente, o Tratado de Lisboa. As principais mudanças propostas pelo
Tratado Constitucional acabaram sendo incorporadas pelo Tratado de Lisboa, assinado em
2007 e em vigor desde 2009. A diferença principal na versão final do documento foi a
exclusão do polêmico termo ‘constitucional’ do seu título.

A incorporação formal, mesmo que de forma intergovernamental, da política de


145
A incorporação formal, mesmo que de forma intergovernamental, da política de
segurança e defesa ao processo de integração foi um tema amplamente debatido por políticos
e acadêmicos. Sempre houve uma relutância por parte dos Estados-parte e da população em
tornar a União Europeia uma potência militar, como explicitada nos debates sobre o
36
conceito de potência civil (civilian power), definido por François Duchêne. Após os
fracassos das tentativas nos anos 1950 (Comunidade Europeia de Defesa) e anos 1960
(Planos Fouchet), a cooperação na área de segurança permaneceu por muitos anos restrita à
tentativa informal de coordenação de políticas no âmbito da Cooperação Política Europeia.
O Tratado de Maastricht estabeleceu pela primeira vez um mecanismo para formulação e
implementação de políticas comuns nessa área, inclusive no terceiro pilar (não mais
existente), em que decisões eram tomadas por unanimidade. Além da Política Externa e de
Segurança Comum (PESC), o Tratado de Maastricht estabeleceu o cargo de Alto
Representante para PESC, ocupado pelo espanhol Javier Solana de 1999 a 2009. No contexto
dos debates acerca do papel da UE na área de segurança e defesa, o Conselho Europeu,
reunido em Petersberg em 1992, limitou o escopo desta política apenas à intervenção em
missões humanitárias, manutenção e restabelecimento da paz, sem, portanto, incluir a defesa
comum. Sua implementação era realizada em cooperação com a União da Europa Ocidental
(UEO) e a OTAN.
Os conflitos nos Balcãs aceleraram o processo de cooperação na área de segurança; o
Acordo de St. Malo entre França e Reino Unido em 1998 sobre a percepção de necessidade
da EU desenvolver instrumentos militares foi aprovado pelo Conselho de Helsinki em 1999,
e representou uma mudança histórica. Entre outros foi aprovado um acordo visando a
criação de uma Força Europeia de Reação Rápida (FERR) até 2003 com 50.000-60.000
pessoas, capazes de serem deslocadas em 60 dias e por um ano. O Tratado de Nice (2003)
incorporou o conceito de defesa nos tratados, renomeando a PESC em Política Europeia de
Segurança e Defesa (PESD). Embora o objetivo de estabelecer a FERR ainda exista, na prática
foi substituído pelos Grupos de Combate, compostos por cerca de 1.500 militares de três ou
quatro Estados, e pelo Mecanismo de Reação Rápida composto por civis, assim como 5.000
policiais para serem mobilizados em caso de emergência. Desde então a UE conta com suas
próprias missões de segurança, civis e militares. Embora as primeiras operações tenham sido
destinadas aos Balcãs (Bósnia e Herzegovina, Kosovo, República da Macedônia), atualmente
a maioria das operações são na África (Mali, Republica Central da África, Somália, Congo,
Níger, Líbia). O debate acerca do interesse da organização em ter instrumentos militares foi
então substituído pelo debate da finalidade desses instrumentos. Ian Manners (2002) cunhou
nesse contexto o conceito de potência normativa para caracterizar a identidade e atuação
internacional da EU e diferenciá-las da dos Estados-nacionais.
O Tratado de Lisboa deu continuidade à consolidação de uma política externa comum,
incluindo segurança e defesa. Com a extinção da UEO em 2011, a defesa coletiva permanece
predominantemente no contexto da OTAN, mas o Tratado de Lisboa estabeleceu que os
Estados-parte devem atuar em conjunto, num espírito de solidariedade, em caso de ataque
terrorista ou catástrofe natural ou de origem humana (TFEU Art.222). Outras modificações
na área de segurança e defesa do Tratado de Lisboa foram a renomeação da PESD em
Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), e a junção do cargo de Alto Representante
com o de Vice-Presidente da Comissão Europeia, criando o Alto Representante da União
Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, ocupado entre 2009 e 2014 pela
britânica Catherine Ashton e, desde então, pela italiana Federica Mogherini.As mudanças

146
institucionais do Tratado de Lisboa representaram uma restruturação das atividades externas
das UE com o objetivo de facilitar a coordenação entre as suas dimensões externas, tais como
segurança, comércio, investimentos e ajuda ao desenvolvimento. A UE conta desde então
com o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), que é um embrião do serviço diplomático
comum, chefiado pelo Alto Representante. Embora a estrutura do SEAE ainda esteja
plenamente consolidada, tal serviço se assemelha cada vez mais ao Ministério de Relações
Exteriores, sendo as delegações da Comissão também substituídas por Embaixadas da União
Europeia.
No campo de suas atividades externas, a UE concluiu, ao longo da década de 1990, uma
série de acordos com quase todos os países e regiões do mundo, consolidando uma vasta
rede de relações institucionalizadas. Embora haja uma variação muito grande em relação aos
compromissos jurídicos contidos em cada acordo em função dos interesses específicos, essa
rede contribuiu para consolidar a imagem da UE como um ator independente dos Estados-
37
parte. De fato, a UE passou a ser cada vez mais vista não apenas como um fórum de
negociações para seus Estados-parte, mas como um ator da política internacional, ganhando
38
representação em outros fóruns e organizações internacionais. Esse processo foi favorecido
pelas reformas institucionais estabelecidas pelo Tratado de Lisboa, principalmente com a
criação do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE) e do cargo de Alto Representante da
União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, vistos anteriormente.
No âmbito dessa densa rede de relações externas, há uma clara hierarquia na política
externa da UE. Primeiramente, são priorizadas as relações com os países passíveis de
entrarem em futuras ondas de ampliação, como foi o caso dos países do centro e leste
europeu. Antes mesmo de terem suas candidaturas aceitas, eles se beneficiaram de uma série
de acordos preferenciais e programas de cooperação que visavam manter sua estabilidade
39
política e econômica na transição democrática e capitalista. Os chamados países ACP, ex-
colônias da África, Caribe e Pacífico, e do Mediterrâneo também recebem atenção destacada.
Além das parcerias estratégicas com os Estados Unidos e países como a Rússia e a China, as
relações com blocos regionais, como a ASEAN, e o Mercosul, têm um papel especial, sendo
40
vistos como suscetíveis à adoção do modelo de integração à la UE. O Brasil concluiu um
acordo de parceria estratégica com a UE em 2007.
Os principais órgãos da União Europeia, após as modificações estabelecidas pelo Tratado
de Lisboa são o Conselho Europeu, o Conselho de União Europeia (ex-Conselho de
Ministros, também chamado apenas de Conselho), a Comissão Europeia, o Parlamento
Europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal de Contas Europeu.
O Conselho Europeu é composto pelos chefes de Estado e de Governo dos Estados-parte e
pelo presidente da Comissão. O Conselho se reúne pelo menos uma vez a cada seis meses,
sendo coordenado pelo Estado-parte que no momento exerce também a Presidência do
Conselho da União Europeia. Embora se reúna desde 1974, o Conselho foi incorporado à
estrutura formal da UE somente pelo Tratado de Lisboa. Sua principal função é definir as
orientações políticas gerais da União e, desde o Tratado de Lisboa, opera também como um
órgão legislativo, tendo poderes para iniciar políticas em todas áreas, principalmente
assuntos constitucionais, reformas institucionais e questões orçamentarias.
O Conselho da União Europeia é o principal órgão legislativo da UE, de caráter
intergovernamental. Embora seja um órgão único, sua composição varia conforme a área
temática, tendo sempre um representante de cada Estado-parte em nível ministerial. Entre as

147
principais áreas, pode-se mencionar o Conselho de Assuntos Externos, cujos participantes
são os ministros de relações exteriores, o Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros,
cujos participantes são os ministros da economia; e o Conselho de Agricultura, cujos
participantes são os ministros de agricultura. Os encontros do Conselho são coordenados
pelo Estado-parte que esteja exercendo a Presidência e preparados por oficiais nacionais em
41
comitês e grupos de trabalhos. O Conselho da UE delibera e emite decisões com base nas
propostas da Comissão e, desde o Tratado de Lisboa, do Conselho, por unanimidade ou
maioria qualificada dependendo da área temática, embora busque sempre o consenso.
Apesar de o Compromisso de Luxemburgo ter incluído uma salvaguarda para votação por
unanimidade em casos de interesse vital, como visto anteriormente, o escopo das decisões
por maioria qualificada tem aumentado progressivamente, o que significa uma verdadeira
diluição da soberania dos Estados-parte, já que as decisões tomadas são obrigatórias. O
Conselho da UE conta com uma vasta rede de comitês e grupos de trabalho que são
compostos por funcionários dos Estados-parte; esse complexo processo legislativo é referido
como comitologia. Os comitês mais importantes são os comitês que lidam com: agricultura;
comercio (ex-Comitê 133); assuntos econômicos e financeiros; assuntos políticos e de
segurança; imigração, fronteiras e asilo; emprego. Desde o Tratado de Lisboa, a Presidência
do Conselho é exercida por três Estados-partes (troika) cuja composição muda a cada 18
meses, sendo sua liderança alternada, cada Estado a exercendo por 6 meses. O Conselho da
UE é assessorado por um Secretariado Geral, que conta com cerca de 3.500 funcionários, dos
quais 500 diplomatas nacionais dos Estados-parte.
A Comissão Europeia exerce funções principalmente administrativas e executivas de
caráter supranacional, embora sua autonomia varie de acordo com a área temática e as
competências da UE. Além disso, a Comissão também detém o direito, em geral exclusivo,
de iniciativa, ou seja, de definir a agenda do Conselho da União Europeia. Embora esses
poderes tenham sido enfraquecidos com o Tratado de Lisboa e com os poderes de iniciativa
do Conselho Europeu, a Comissão ainda tem a capacidade de ter uma influência direta no
processo legislativo. É ainda também a “Guardiã dos Tratados”, ou seja, deve monitorar o
cumprimento pelos Estados-parte das decisões obrigatórias tomadas pelo Parlamento e pelo
Conselho da UE e sancioná-los, caso não o cumpram, via abertura de um caso na Corte
Europeia de Justiça. Outra função da Comissão é representar a UE em negociações e
organizações internacionais tais como na Organização Mundial do Comércio ou acordos
bilaterais, sob mandato conferido pelo Conselho da UE.
A Comissão é composta por Comissários responsáveis por Diretórios Gerais, que
equivalem aos ministérios estatais, e um presidente, que tem ganhado cada vez mais
42
autoridade. Com o processo de ampliação da Comissão, o número de Comissários
aumentou de 9 para 27 desde 2007, um para cada Estado-parte. Desde o Tratado de
Maastricht, os Comissários têm mandato de cinco anos, coincidindo com o período do
mandato dos parlamentares europeus; e, desde o Tratado de Amsterdã, devem ser aprovados
pelo Parlamento Europeu, após recomendação dos Estados-parte, o que lhe conferiu um
maior caráter democrático. As decisões e propostas dos Comissários devem ser aprovadas
por consenso ou, se necessário, por votação de maioria simples para serem levadas ao
Conselho. Desde o Tratado de Lisboa, o Presidente da Comissão é proposto pelo Conselho
Europeu (escolhido por maioria qualificada) e deve ser eleito pelo Parlamento Europeu por
maioria absoluta.

Os funcionários da Comissão são recrutados, em sua maioria, por processos de seleção


148
Os funcionários da Comissão são recrutados, em sua maioria, por processos de seleção
competitiva, constituindo um serviço civil europeu, “eurocratas”, nos moldes dos
funcionários dos Secretariados das organizações internacionais, ou seja, devem buscar os
interesses da organização e não de seus países de origem. O número total de seus
funcionários é considerado relativamente pequeno em comparação com suas atividades,
cerca de 33.000 em 2014. Em consequência dessa falta de pessoal, a Comissão desenvolveu
uma vasta rede de canais com os Estados-parte e especialistas que cooperam na formulação
43
de suas propostas.
O Parlamento Europeu era originalmente um órgão apenas consultivo, mas teve seus
poderes legislativos fortalecidos desde o Tratado de Maastricht, com quatro tipos de inserção
no processo decisório: consentimento, consulta, cooperação e codecisão (procedimento
ordinário desde o Tratado de Lisboa), em ordem crescente de poder legislativo. Além disso,
o Parlamento Europeu deve aprovar os comissários da Comissão e tem poderes para
44
destituí-los com aprovação de maioria de 2/3, como ocorreu em 1999. O Tratado de Lisboa
adicionou o direito de eleger o presidente da Comissão após a proposta do Conselho
Europeu, de forma a refletir os resultados das eleições parlamentarias. Esses poderes foram
positivamente colocados a prova com a eleição do presidente Jean Claude Juncker, em 2014.
Secretariado do PE conta com cerca de 6.000 funcionários, e embora mais da metade
trabalhe na sede localizada em Luxemburgo, as sessões plenárias do Parlamento ocorrem nas
sedes localizadas em Estrasburgo e Bruxelas. A existência de três sedes é um problema
logístico, mas tem origens históricas. Desde 1979, os membros do EP são eleitos por sufrágio
direto pelos cidadãos dos Estados-parte, por um mandato de cinco anos. Apesar da alta taxa
de abstenção (61,99% em 1979; 58,98% em 1984; 58,41% em 1989; 49,51% em 1999; 45,47%
em 2004; 43% em 2009; 43,09% em 2014), é considerado o órgão da UE com maior
legitimidade democrática. Um dos principais problemas do PE é a ausência de um
verdadeiro sistema partidário. Embora o TEU tenha previsto a criação de partidos
transnacionais europeus, na prática o que existe são apenas grupos políticos que englobam
45
os candidatos dos partidos nacionais de maior proximidade ideológica.
O Tribunal de Justiça da União Europeia é composto por um juiz de cada Estado-parte e
advogados gerais, nomeados pelos Estados-parte por um período de seis anos. O Tribunal
tem um papel central no processo de integração europeu, tendo sido acionado por
indivíduos, empresas e Estados-parte sobre questões extremamente diversas. Como
resultado do enorme número de casos trazidos ao Tribunal, foi criado, pelo Ato Único
Europeu, o Tribunal Geral (ex-Tribunal de Primeira Instância), que julga principalmente as
demandas de indivíduos. Em sua jurisprudência, o Tribunal estabeleceu dois princípios
básicos do direito comunitário europeu: o princípio do efeito direto e a sua primazia sobre o
direito nacional. O princípio do efeito direto estipula que o direito comunitário, originário e
derivado, é diretamente aplicável aos Estados-parte e aos seus cidadãos, não necessitando
passar por nenhum processo de internalização. Desde o TEU, o Tribunal tem poderes para
impor penalidades aos Estados-parte caso não cumpram suas decisões. Já o princípio da
primazia do direito comunitário significa que, no caso de conflito com o direito nacional de
qualquer Estado-parte, a norma comunitária deve prevalecer, mesmo que essa seja posterior,
garantindo que o direito comunitário tenha uma aplicação uniforme. Apenas as normas
constitucionais estão excluídas desse princípio, já que não são aceitas como inferiores ao

149
direito comunitário em vários Estados-parte. O Tribunal de Contas foi criado em 1977 para
fiscalizar as contas e o orçamento da Comunidade.
Além desses órgãos principais, a UE tem ainda vários órgãos essenciais para o
desenvolvimento de suas atividades, tais como o Comitê Econômico e Social (CES), o
Comitê das Regiões (CdR), o Banco Central Europeu (BCE), o Banco Europeu de
Investimento (BEI) e o Provedor de Justiça Europeu (Ombudsman). O Comitê Econômico e
Social foi criado pelo Tratado de Roma como um canal de representação de interesses
setoriais, divididos nas categorias de empregadores, empregados e outros, mas não se tornou
um fórum efetivo para canalização das pressões políticas da sociedade civil, que se articula,
46
principalmente, através de canais informais por meio de grupo de interesse e lobbies. Já o
Comitê das Regiões, embora tenha sido criado pelo Tratado de Maastricht nos moldes do
Comitê Econômico e Social, tem uma atuação de maior peso político, em parte pela
crescente importância do princípio de subsidiariedade, que estabelece que as decisões da UE
devem ser tomadas no nível mais próximo possível do cidadão, ou seja, que a UE não deve
assumir tarefas que sejam realizadas com maior eficiência por administrações locais,
regionais ou nacionais. As opiniões do CdR são obrigatórias para questões tratadas no
Conselho da UE e na Comissão que tenham repercussão a nível regional e local, em diversas
áreas, tais como coesão social e infraestrutura, e facultativas em outras. O Banco Central
Europeu, criado em 1998, em Frankfurt, é o órgão encarregado de implementar a política
monetária comum. O Banco Europeu de Investimento foi estabelecido pelo Tratado de
Roma e sua principal função é prover financiamento de longo prazo para os projetos
comunitários, embora também financie projetos para outros países como instrumento da
política de cooperação ao desenvolvimento. O Ombudsman lida com reclamações do público
sobre a UE.
As agências europeias, ainda que não façam parte do processo decisório formal, também
se tornaram importantes atores na política regional. Algumas são criadas por um período
temporário para ajudar a Comissão Europeia na administração de programas, tais como a
Agencia para Pequenas e Médias Empresas e a Agência para Educação, Audiovisual e
Cultura. Outras são criadas por período indeterminado (atualmente cerca de 35) e apoiam a
cooperação entre a EU e os governos nacionais, tais como o Serviço Europeu de Polícia
(EUROPOL), a Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras
Externas (FRONTEX) e a Agência Europeia de Defesa (EDA). A falta de transparência sobre
suas funções e atividades tem sido a causa de as agências europeias terem se tornado alvo de
críticas da sociedade civil.
PRINCIPAIS ÓRGÃOS DA UNIÃO EUROPEIA E SEU PROCESSO DECISÓRIO
• Conselho Europeu: Votação por unanimidade, busca do consenso, declarações não
obrigatórias ou decisões obrigatórias desde o Tratado de Lisboa.
• Conselho da União Europeia (ex-Conselho de Ministros): Votação por unanimidade ou
maioria qualificada dependendo da área temática, decisões obrigatórias.
• Comissão Europeia: Votação por maioria simples entre os comissá-rios, busca de consenso
para propostas legislativas.
• Parlamento Europeu: Votação por maioria simples ou 2/3, decisões de caráter
recomendatório ou obrigatório, dependendo da área temática.
• Tribunal de Justiça da União Europeia: Decisões obrigatórias.
150
Apesar das críticas ao seu complexo desenho institucional, a UE se tornou um fórum
essencial para o exercício da política na Europa, tanto no nível de suas atividades internas
quanto externas. Tornou-se cada vez mais difícil não estar envolvido em atividades cujas
decisões não sejam tomadas no nível comunitário. Empresários e trabalhadores começaram
a compartilhar um mercado único. Paralelamente, a sociedade civil foi se
transnacionalizando; ONGs, movimentos sociais e grupos de interesse começaram a se
deslocar das capitais europeias, como Paris, Londres, Berlim e Roma, para Bruxelas. A
cooperação universitária, tanto no nível de redes de pesquisa como no nível de intercâmbio
de estudantes, aumentou, fomentada por programas da Comissão Europeia. A divisão entre
as sociedades nacionais e a sociedade europeia tornou-se cada vez mais fluida.
Principais Tratados do Data de Data da Principais Características
Processo de Assinatura Entrada
Integração da União em Vigor
Europeia
Tratado de Paris 18/04/1951 25/07/1952 Criação da CECA
Tratados de Roma 25/03/1957 14/01/1958 Criação da CEE e Euratom
Tratado de Fusão 08/04/1965 01/07/1967 Unificação das instituições das
três comunidades
Ato Único Europeu 17/02/1986 01/07/1987 Mais VMQ no CE, mais poderes
ao PE, metas para o mercado
comum
Tratado de Maastricht 07/02/1992 01/11/1993 Criação da UE, mais VMQ no CE,
Comitê de Regiões, princípio da
subsidiaridade, EURO
Tratado de Amsterdã 02/10/1997 01/05/1999 Mais poderes para PE,
incorporação do Schengen
Tratado de Nice 26/02/2001 01/02/2003 Reformas institucionais para
ampliação
Tratado de Lisboa 13/12/2007 01/12/2009 Fusão dos pilares, solidariedade
mutua, Carta dos Direitos
Fundamentais, Presidente do
Conselho, Alto Representante
À medida que foi aumentando a consciência da população europeia quanto ao impacto do
processo de integração e suas consequências de curto e médio prazo, intensificou-se também
47
o debate sobre o “déficit democrático” de suas instituições.
Enquanto organização internacional, a UE pode ser considerada tanto um fórum de
negociações para seus Estados-parte quanto um ator da política internacional, embora sua
capacidade de atuar conjuntamente ainda varie conforme a área temática. Essa fragmentação
se reflete na própria população, que se encontra dividida entre cidadania e identidade
nacional e europeia. Reformas institucionais podem oferecer soluções ao problema jurídico
da cidadania e déficit democrático, mas a questão da identidade provavelmente permanecerá
no espírito dos europeus até a vivência comum possibilitar a acomodação das fronteiras
sociais e culturais na Europa. As mudanças na ordem global resultantes da ascensão das

151
chamadas potências emergentes, da crise financeira global e do euro, do fundamentalismo
religioso, dos novos conflitos e da onda de refugiados apresentam um cenário desafiante
para o processo de integração na Europa. O ciclo de politização e polarização ideológica em
curso promove mais fragmentação do que integração. Assim, a dúvida que fica é se esse é um
fenômeno temporário, ou se a persistência da conjuntura desfavorável representa uma
ameaça mais profunda ao sistema de governança regional desenvolvido na Europa desde o
pós-guerra.

152
Integração Regional no Cone Sul da América Latina: o Mercosul
A ideia de integração nas Américas, assim como na Europa, também não é recente. Pode-
se atribuir a Simon Bolívar a primeira tentativa integracionista no continente. Na célebre
Carta da Jamaica, de 1815, não por coincidência o mesmo ano em que foi realizado o
Congresso de Viena, o general venezuelano já havia expressado seu desejo de criar três
federações no continente, uma entre o México e América Central, uma no norte e uma no
sul da América do Sul. A ideia de integração foi novamente proposta por Bolívar em um
projeto político que, dessa vez, deveria englobar todo o continente, no Primeiro Congresso
Americano realizado no Panamá, em 1826. Esse projeto de integração tinha um caráter
defensivo, na medida em que era visto como uma estratégia para garantir a independência
dos Estados latino-americanos contra possíveis tentativas de reconquista por parte das
potências europeias e também de uma política expansionista dos Estados Unidos, que havia,
48
em 1823, declarado a Doutrina Monroe. O Congresso ainda se reuniu mais três vezes: em
Lima, em 1847; em Santiago, em 1856; e em Lima novamente, em 1864, mas não obteve
sucesso em promover a integração. A maioria dos documentos aprovados, incluindo uma
Aliança de Defesa, não foi ratificada pelos signatários.
Entre os fatores determinantes do fracasso do movimento integracionista de Bolívar,
deve-se destacar o fato de os próprios Estados nacionais latino-americanos ainda estarem em
processo de consolidação. Além disso, alguns, como os do Cone Sul, não aderiram à sua
causa. O Brasil, em particular, tinha uma postura diferenciada, pois, por um lado, além de ser
o único país não colonizado pela Espanha, manteve um regime monárquico ligado à Coroa
Portuguesa mesmo após sua independência, ao contrário dos outros países latino-
americanos, que lutaram verdadeiras guerras de independência e estabeleceram regimes
republicanos. A Argentina, embora inserida no contexto revolucionário republicano, havia
liderado o movimento independentista no sul do continente sob comando do General San
Martin e preferiu não participar por considerar o projeto integracionista uma expressão da
49
tentativa de Bolívar de exercer uma liderança hegemônica na região.
Apesar do fracasso, a doutrina do pan-americanismo criada pelos Congressos Americanos
deixou um legado no continente, sendo resgatada por ocasião da criação da Organização dos
Estados Americanos (OEA), em 1948, e da Associação Latino-Americana de Livre-Comércio
50
(ALALC), em 1960. O projeto de integração promovido no âmbito da ALALC, diferente
dos anteriores, partiu da premissa de que a integração deveria ser implementada
primeiramente na esfera econômica, como advogado pelo pensamento funcionalista na
época, que também influenciou a criação das comunidades europeias e das organizações
51
funcionais universais. O projeto também teve influência do pensamento econômico
desenvolvido no âmbito da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), criada em
52
1948 pelo ECOSOC (ONU). O “cepalismo” pregava, além da substituição de importações,
a integração regional como estratégia para promoção do desenvolvimento econômico dos
53
países mais atrasados. A criação do Instituto para Integração Latino-Americana (INTAL)
pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (IDB), em 1966, também reflete a
importância concedida, nesse período, à integração regional. Embora os países do Cone Sul
tenham participado da ALALC, não fizeram dela sua prioridade, o mesmo tendo ocorrido no
caso da Associação Latino-Americana para o Desenvolvimento de Integração (ALADI), que
54
substituiu a ALALC em 1980.

153
O fracasso da ALADI levou ao questionamento da possibilidade de promover a
integração, ainda que somente econômica, em uma área tão abrangente e diversa como a
América Latina. Se, na Europa, a integração se expandiu progressivamente de um subgrupo
mais homogêneo, o inverso parecia ocorrer nas Américas. Apesar do resgate da ideia de
integração continental pela proposta de criação de uma Área de Livre-Comércio (ALCA), a
promoção da integração sub-regional ganhou força no final da década de 1980, no âmbito da
55
segunda onda de regionalismo. Como visto anteriormente, o novo regionalismo se insere
em um paradigma do pensamento do desenvolvimento econômico de cunho liberal. Os
projetos de integração regional são vistos como etapas para inserção internacional. Alguns se
limitam à integração econômica, outros têm um forte componente político, como é o caso
do Mercosul.
Nesse contexto se desenvolveu o processo de integração no Cone Sul. A definição do
Cone Sul como uma região específica é recente e refere-se ao formato geográfico dos
Estados-parte do Mercosul. Historicamente, a região não era vista como uma unidade; pelo
contrário, foi palco de disputas hegemônicas entre a Argentina e o Brasil desde suas
independências. Desde o final da década de 1970, mudanças na política externa da Argentina
e do Brasil possibilitaram uma série de iniciativas de cooperação, antecedentes diretos do
56
processo de integração. A primeira dessas iniciativas, tomada ainda durante os governos
militares, foi a conclusão do Acordo Multilateral Corpus-Itaipu, em outubro de 1979, como
solução para a incompatibilidade da construção de duas usinas hidrelétricas: Corpus, entre
Argentina e Paraguai e Itaipu, entre Brasil e Paraguai, a poucos quilômetros de distância.
Já completada a transição democrática, os presidentes recém-eleitos Raul Alfonsín e
Tancredo Neves explicitaram a vontade de desenvolver um projeto de integração de cunho
mais político. Apesar da morte de Tancredo, José Sarney levou adiante o projeto comum e
assinou juntamente com Alfonsín, em novembro de 1985, a Declaração de Iguaçu, que
constituiu a Comissão Mista Binacional de Alto Nível para acelerar o processo de integração
bilateral. Mais um passo foi dado com a criação do Programa para Integração e Cooperação
Econômica, em julho de 1986, e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, em novembro
do mesmo ano. O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, assinado em
novembro de 1988, projetou a criação de um espaço econômico comum em dez anos. Com a
troca de governo e a eleição de Carlos Meném e Fernando Collor de Mello na Argentina e
Brasil, respectivamente, os dois países adotaram uma política econômica liberalizante sem
precedentes e, nesse contexto, se propuseram a formar um mercado comum. A Declaração
de Buenos Aires, assinada em julho de 1990, criou o Grupo Mercado Comum, encarregado
57
de elaborar um projeto para a implementação do mercado comum.
Apesar de sua origem bilateral, o Uruguai e, posteriormente, o Paraguai aderiram ao
projeto de integração. A preferência inicial por parte da Argentina e do Brasil pela
manutenção do projeto no âmbito bilateral foi definitivamente revertida após a declaração
da Iniciativa para as Américas pelo governo norte-americano. Aqui percebe-se o caráter
exógeno e defensivo da integração no Cone Sul, que se adicionou aos fatores endógenos
anteriormente citados. A integração regional passou a ser vista como um instrumento para
agregar forças e coordenar posições frente às negociações internacionais. A incorporação do
Chile também foi cogitada, mas esse país acabou optando por não participar, já que tinha um
maior grau de abertura comercial e demonstrava ter mais interesse em participar do
58
NAFTA. Os quatro países assinaram assim, em março de 1991, o Tratado de Assunção.

154
Embora a iniciativa de integração tivesse claros objetivos políticos, o Tratado de Assunção
só incluiu compromissos na esfera comercial, especialmente em seus anexos, que
estabeleceram critérios e prazos para implementação do programa de liberalização
59
comercial, regime de origem, salvaguarda e um sistema de solução de controvérsias. A
própria estrutura jurídico-institucional do Mercosul só veio a ser estabelecida três anos após
sua criação, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em dezembro de 1994, que
estabeleceu também sua personalidade jurídica. Dessa forma, apenas com a entrada em vigor
do Protocolo de Outro Preto em dezembro de 1995 é que se pode falar no Mercosul como
uma organização internacional.
Um aspecto importante do Mercosul é a progressiva importância concedida ao caráter
democrático dos governos de seus Estados-parte. Esse aspecto é em particular relevante pelo
fato de o projeto de integração ter se desenvolvido concomitantemente ao processo de
redemocratização de seus Estados-parte. As primeiras eleições após as ditaduras militares
foram realizadas em 1983 na Argentina; em 1985 no Brasil e no Uruguai; e em 1989 no
Paraguai. Apesar de ter sido um pressuposto do projeto de integração, não consta nenhuma
referência à democracia no Tratado de Assunção, seja no preâmbulo, no artigo 1, no qual
constam seus propósitos e princípios, ou no artigo 20, sobre a adesão de novos membros,
que é aberta a qualquer Estado-parte da ALADI. No entanto, a instabilidade política no
Paraguai, onde ocorreu uma tentativa de golpe por parte do General Oviedo em abril de
1996, levou os Estados-parte a desejarem uma maior institucionalização do compromisso
democrático. Nesse sentido foi concluída, em julho do mesmo ano, a Declaração sobre o
Compromisso Democrático, na qual “os presidentes reafirmaram sua plena adesão aos
princípios e às instituições democráticas, aos estados de direito e ao respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais”. Esse compromisso foi formalmente incorporado ao
Tratado de Assunção, por via da conclusão do Protocolo de Ushuaia em julho de 1998, que
entrou em vigor em janeiro de 2002. O Protocolo prevê, após uma fase de consultas, a
suspensão dos direitos do Estado-parte onde tenha ocorrido a ruptura da ordem democrática
de participar dos órgãos, ou mesmo dos direitos e obrigações dos tratados do processo de
integração. Além das preocupações internas, a incorporação da cláusula democrática, como
instrumento para promoção e estabilização da democracia, também reflete a prática em
60
outras organizações regionais, como a OEA e a UE. O Protocolo de Ushuaia foi
complementado pelo Protocolo de Montevideo assinado em 2011, também referido como
Ushuaia II. Embora ainda não tenha entrado em vigor, o Protocolo fortalece o compromisso
democrático ao estabelecer que pode ser invocado não apenas nos casos de ruptura da ordem
democrática, mas também no caso de ameaças de ruptura, violação da ordem constitucional,
ou qualquer situação que coloque em risco o exercício legitimo de poder nos Estados-parte.
Outra evolução importante no processo de integração regional foi a Declaração de Zona
de Paz de 1998. Embora seus Estados-parte já participassem de mecanismos de segurança e
defesa comum regionais, como a OEA e o TIAR, e bilaterais, como o “Mecanismo de
Consulta e Coordenação entre os Governos do Brasil e da Argentina em matéria de Defesa e
Segurança Internacional”, estabelecido em 1997, o Mercosul não incluía, até então, a
cooperação nessa área, não havendo nenhuma referência a esses temas no Tratado de
Assunção. Impulsionados pelas explosões nucleares na Índia e no Paquistão e pela ênfase
sobre a ameaça da proliferação de armas de destruição em massa nos fóruns internacionais,
os Estados-parte do Mercosul decidiram assumir um compromisso contra uma possível

155
corrida armamentista. A declaração explícita à paz como um elemento essencial para a
continuidade e o desenvolvimento do processo de integração incentiva o fortalecimento dos
mecanismos de consulta e da cooperação existentes e o avanço da cooperação no âmbito das
medidas de fomento à confiança e segurança na área do uso pacífico da energia nuclear,
entre outros.
Em relação a possíveis ampliações, o Tratado de Assunção prevê, em seu artigo 20, a
possibilidade da adesão de qualquer membro da ALADI, sujeita à aprovação unânime pelos
Estados-parte. A Venezuela foi o primeiro Estado que aderiu ao Mercosul como membro
pleno. O Tratado de Adesão foi assinado em 2006. A Argentina e o Uruguai o ratificaram em
2007, mas partidos de oposição e setores da sociedade civil no Brasil e Paraguai promoveram
um debate acerca do regime político do governo do presidente Hugo Chávez, que resultou
num bloqueio do processo de ratificação nos seus respectivos congressos. No Brasil, um
novo consenso foi alcançado e o acordo foi ratificado em 2010. O processo ainda está
pendente no Paraguai, mas os outros Estados-membro ‘se aproveitaram’ da suspensão desse
país do processo decisório do Mercosul em função do impeachment do presidente Lugo,
considerado ilegal, e portanto uma ruptura da ordem democrática, e oficializaram a adesão
da Venezuela durante a Cúpula Presidencial de dezembro de 2012 − um processo
juridicamente controverso. Na mesma ocasião, a Bolívia, que já era membro associado,
concluiu um Tratado de Adesão como membro pleno, mas o processo de ratificação ainda
não foi finalizado. O Mercosul também conta com membros associados, que tem acordos de
livre-comércio e participam das reuniões do Mercosul como observadores. Os membros
associados atuais são Chile (desde 1996), Peru (2003), Colômbia e Equador (2004), Guayana
61
e Suriname (2013).
Tratados e Protocolos Mais Data de Data da Principais Características
Importantes do Mercosul Assinatura Entrada em
Vigor
Tratado de Assunção 26/03/1991 29/11/1991 Cria o Mercosul
Protocolo de Brasília 17/12/1991 22/04/1993 Solução de controvérsias
Protocolo de Ouro Preto 17/12/1994 15/12/1995 Estrutura institucional
definitiva, personalidade
jurídica
Protocolo de Ushuaia 24/07/1998 17/01/2002 Cláusula democrática Zona
de Paz
Protocolo de Olivos 18/02/2002 10/02/2004 Corte Permanente de
Solução de Controvérsias
Protocolo de Assunção de 20/06/2005 30/04/2010 Proteção de Direitos
Direitos Humanos Humanos
Protocolo Constitutivo do 09/12/2005 4/02/2007 Criação do Parlamento do
Parlamento do Mercosul Mercosul
Protocolo de Montevideo 20/12/2011 Ratificação Clausula democrática
(Ushuaia II) pendente
O desenho institucional do Mercosul tem um caráter intergovernamental, não incluindo
nenhuma instituição supranacional e exigindo a tomada de decisão por consenso com a

156
presença de todos os Estados-parte em todos os órgãos, como estabelecido no artigo 37 do
Protocolo de Ouro Preto. A existência de uma forte assimetria de poder entre o Brasil e os
demais países, acirrada ao longo da década de 1990, sobretudo após a crise argentina, é
apontada como um dos fatores determinantes da rejeição à cessão parcial de soberania no
âmbito da integração. Além da inexistência de órgãos supranacionais e votação por maioria,
a validade das normas produzidas no âmbito das instituições do Mercosul só ocorre após sua
incorporação aos sistemas jurídicos domésticos. Em outras palavras, o sistema jurídico do
Mercosul não é comunitário, como no caso da União Europeia, mas equipara-se ao Direito
Internacional. Para tornar o processo decisório ainda mais complexo, algumas questões são
automaticamente validadas após sua recepção, enquanto outras requerem que todos os
62
membros a tenham recepcionado.
Os principais órgãos do Mercosul são: o Conselho do Mercado Comum, o Grupo
Mercado Comum, a Comissão de Comércio, a Comissão Parlamentar Conjunta, o Foro
Consultivo Econômico-Social, o Tribunal Permanente de Revisão e a Secretaria
Administrativa. O Conselho do Mercado Comum tem poder legislativo e é o principal órgão;
suas decisões, tomadas por consenso, são obrigatórias. O Conselho também é o titular da
personalidade jurídica do Mercosul, e pode negociar acordos com terceiros. É composto
pelos ministros de relações exteriores e de economia dos Estados-parte, que exercem a
presidência pro tempore rotativamente a cada seis meses. O Conselho funciona em
articulação com órgãos auxiliares consultivos, tais como as Reuniões de Ministros, que,
assim como o Conselho da União Europeia, variam sua composição de acordo com o setor, e
a Comissão de Representantes Permanentes, composta por altos funcionários dos
Ministérios de Relações Exteriores.
O Grupo Mercado Comum tem poder executivo e de iniciativa legislativa, já que prepara
a agenda do Conselho, e é composto pelos ministros de relações exteriores e de economia e
pelos presidentes dos Bancos Centrais dos Estados-parte, e emite resoluções, por consenso,
de caráter obrigatório. O Grupo Mercado Comum dispõe de vários órgãos subordinados,
tais como subgrupos setoriais, reuniões e comitês especializados. As áreas temáticas
abordadas nos subgrupos foram redefinidas ao longo do tempo, sendo atualmente as
seguintes: comunicações, aspectos institucionais, regulamentos técnicos e avaliação da
conformidade, assuntos financeiros, transportes, meio ambiente, indústria, agricultura,
energia e mineração, assuntos laborais, emprego e segurança social, saúde, investimentos,
comércio eletrônico, acompanhamento da conjuntura econômica e comercial.
A Comissão de Comércio tem como principal função divulgar e monitorar a aplicação da
política comercial comum, recebendo inclusive reclamações do Estados-parte a esse respeito
e podendo emitir diretrizes, de caráter obrigatório, ou propostas, ambas por consenso. A
Comissão conta com comitês subordinados, encarregados de fazer propostas sobre assuntos
específicos, tais como tarifas, normas comerciais, políticas públicas, competitividade,
concorrência e defesa do consumidor.
A Secretaria Administrativa está localizada em Montevidéu e tem um diretor de caráter
administrativo, eleito pelo Grupo Mercado Comum por um mandato de dois anos, sem
possibilidade de reeleição, e um corpo de funcionários. Uma decisão do Conselho de 2002
(Decisão 30/2002) implementou reformas importantes na secretaria ao criar um setor — a
Assessoria Técnica — com o objetivo de gerar um espaço de reflexão sobre o processo de
integração. A reforma tem como meta transformar a secretaria administrativa em uma
secretaria técnica e é vista como favorável aos adeptos da supranacionalização do Mercosul,

157
já que, apesar de atender a quotas nacionais, os consultores foram selecionados através de
concurso competitivo para trabalhar na secretaria, e não apenas apontados pelos Estados-
63
parte, assim como ocorre na Comissão da UE.
Os outros dois setores têm um caráter mais administrativo. O Setor de Normativa e
Documentação tem como principais funções apoiar a elaboração, implementação e
divulgação das normas do Mercosul, inclusive sua incorporação aos ordenamentos jurídicos
dos Estados-parte, e prestar assistência nos procedimentos de solução de controvérsia. O
Setor de Administração e Apoio tem como principais funções a administração financeira e
patrimonial, como a elaboração dos projetos de orçamento e administração de recursos
humanos.
A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, estabelecida pelo Protocolo de Outro
Preto, foi substituída pelo Parlamento do Mercosul (Parlasul) em 2006. O Parlasul, assim
como a Comissão Parlamentar, tem poder apenas consultivo; suas funções principais são
velar pela observância das normas do Mercosul e acelerar os procedimentos internos nos
Estados-parte para sua entrada em vigor, velar pela preservação do regime democrático dos
Estados-parte, elaborar e publicar anualmente um informe sobre a situação dos direitos
humanos nos Estados-parte, emitir declarações, recomendações e informes sobre questões
vinculadas ao desenvolvimento do processo de integração, por iniciativa própria ou por
solicitação de outros órgãos do Mercosul. Os parlamentares deverão ser eleitos diretamente
em todos os países, mas somente o Paraguai regularizou este processo até o momento, os
demais tiveram o prazo prorrogado para 2020. A distribuição de representantes foi alterada
desde o primeiro mandato, quando todos Estados-partes tinham 18 parlamentares, para a
fórmula proporcional, onde o Uruguai e Paraguai contam 18; Venezuela, 31; Argentina, 43; e
Brasil, 74. As sessões plenárias são realizadas mensalmente na sede do Parlamento em
Montevidéu.
Como órgão de representação da sociedade civil, o Mercosul criou o Foro Consultivo
Econômico-Social, que é composto por representantes de trabalhadores, empresários e
consumidores e emite recomendações ao GMC. O formato tripartite dificultou a geração de
consensos para elaboração de recomendações, assim como no caso do Comitê Social e
Econômico da União Europeia. Consequentemente, atores da sociedade civil participam de
outras formas, tais como via o Parlamento, o Instituto Social e a Unidade de Apoio a
64
Participação Social, entre outros.
Quanto ao sistema jurídico, desde a entrada em vigor do Protocolo de Olivos, o Mercosul
conta com um Tribunal Permanente de Revisão. O modelo original do sistema de solução de
controvérsias havia sido previsto no Tratado de Assunção, criado pelo Protocolo de Brasília,
65
assinado em dezembro de 1991 e em vigor a partir de abril de 1993. Esse sistema passou
por uma reforma substancial, incorporada pelo Protocolo de Olivos, assinado em fevereiro
de 2002 e em vigor a partir de fevereiro de 2004. O sistema novo é composto pelas três etapas
tradicionais de solução de controvérsias, já presentes anteriormente: negociação direta,
conciliação (com a intervenção do GMC, que pode requerer o assessoramento de
especialistas) e arbitragem, e também um Tribunal Permanente de Revisão. O tribunal é
composto de três a cinco árbitros, escolhidos da lista depositada na Secretaria pelos Estados-
66
parte.
O Tribunal pode confirmar, modificar ou revogar os laudos da arbitragem, mas também
pode ser acionado sem intermediário, após a etapa de negociação direta, o que despertou

158
muitas críticas entre especialistas. O problema levantado é que, mesmo tendo buscado
aprofundar a segurança jurídica, o TPR permaneceu tendo um caráter arbitral, não judiciário
(composto por juízes permanentes), o que complicou a sua relação com a etapa anterior de
arbitragem, especialmente quando se leva em conta que os árbitros que podem ser
convocados em ambas as instâncias são os mesmos. Um aspecto progressivo do sistema de
solução de controvérsias do Mercosul é a consideração de reclamações de particulares,
pessoas físicas ou jurídicas, além dos Estados-parte. Os particulares, no entanto, devem obter
o apoio das Sessão Nacional do Estado-parte onde tenha sua residência habitual ou a sede de
67
seus negócios, o que limita seu acesso de fato ao sistema de solução de controvérsias. O
Protocolo de Olivos prevê, em seu artigo 53, que o mecanismo de solução de controvérsias
seja novamente revisto até a finalização do processo de convergência da Tarifa Externa
Comum, originalmente previsto para 2006. Até o presente momento, sua jurisprudência
inclui apenas 18 laudos (10 de tribunais ad hoc segundo o Protocolo de Brasília, 2 de
tribunais ad hoc segundo o Protocolo de Olivos, e 6 do Tribunal Permanente de Revisão),
três opiniões consultivas, e seis resoluções. O caso das papeleiras (Laudo TPR 02/2006),
referente a disputa entre Argentina e Uruguai sobre a construção de indústrias papeleiras
por parte do último no Rio Uruguai, foi particularmente relevante. Por um lado, o caso
fortaleceu o sistema, ao lançar um debate, ainda que inconclusivo, acerca da possibilidade e
das condições sobre as quais casos além de disputas comerciais podem ser julgados, no caso
direitos humanos (livre circulação de pessoas). Por outro lado, o caso enfraqueceu o sistema
pelo fato da Argentina, parte derrotada no sistema regional, ter levado o caso posteriormente
à Corte Internacional de Justiça tomando por base o Estatuto do Rio Uruguai, instrumento
bilateral entre as partes. A sentença da CIJ de 2010 favoreceu a Argentina, contradizendo
portanto o laudo do sistema de controvérsias do Mercosul.
PRINCIPAIS ÓRGÃOS DO MERCOSUL E SEU PROCESSO DECISÓRIO
• Conselho do Mercado Comum: Poder legislativo, decisões por consenso, obrigatórias
(devem ser internalizadas).
• Grupo do Mercado Comum: Poder executivo e de iniciativa legislativa, resoluções por
consenso.
• Comissão de Comércio do Mercosul: Diretrizes obrigatórias, ou propostas, por consenso.
• Parlamento do Mercosul: Poder consultivo, recomendações por consenso.
• Tribunal Permanente de Revisão: Laudos arbitrais adotados por maioria e obrigatórios.
• Foro Consultivo Econômico-Social: Poder consultivo, recomendações ao Grupo Mercado
Comum.
No plano externo, o Mercosul teve um reconhecimento imediato. Deve-se destacar a
importância do Acordo de Cooperação Interinstitucional, concluído com a UE, em 1992,
que, além de ter sido o primeiro acordo internacional concluído pelo Mercosul, incluiu o
financiamento de projetos para a Secretaria Administrativa e para a harmonização
aduaneira. Desde então, o Mercosul iniciou diálogo, negociações e concluiu acordos com
68
mais de 20 parceiros, como pode ser visto na tabela a seguir.
Tabela 1: Diálogos e Acordos Internacionais do Mercosul

Ano Assinatura Parceiro Tipo

159
(Entrada em Vigor)
1992 (1992) UE Coop técnica em integração regional
(signatário CMC) (Comissão Europeia)
1995 (1999) EU Coop/neg. livre-comércio desde
(Comunidades Europeias) 1999 (7ª rodada fev.2014)
1996 (1996) Chile (membro associado) Livre Comercio (ACE35)
1996(1997) Bolívia (membro associado) Livre-Comércio (ACE36)
1996 ASEAN Encontro diálogo
1998 Canadá Encontro diálogo
1999 CER Encontro diálogo
2000 (2000) África do Sul Acordo Quadro
2002 (2006) México Complementação Econ (ACE54), neg.
livre comércio desde 2005
2003 (-) Índia Acordo Quadro
2004 (-) SACU Preferência tarifária
2004 (2010) Marrocos Acordo Quadro
2004 (-) Egito Acordo Quadro
2004 (2009) Índia Preferência tarifária
2004 CARICOM Discussôes acordo livre-comércio
2005(2005) Peru (membro associado) Livre-Comércio (ACE58)
2005 (2005) Colômbia, Equador, Venezuela Livre-comércio (ACE59)
(membros associados)
2005 Rep Dominicana Declaração coop
2005 SICA Declaração coop
2005 Panamá Discussões sobre neg. comerciais
2005 (-) GCC Acordo Quadro Coop
2005 Coreia do Sul Discussões sobre neg comerciais
2005 (-) Israel Acordo Quadro
2006 (-) Paquistão Acordo Marco
2006 Cuba Complementação Econ (ACE62)
2006 (2006) Rússia Memo Entend Cooperação Política
2007 (-) Singapura Memo Entend. Comércio e Inv.
2007 (2011) Israel Livre-Comércio
2008 (-) Turquia Acordo Quadro
2008 (2011) Jordânia Encontro diálogo
2009 (-) SACU Referência tarifária
2010 (2010) Cuba Memo Entend. Diálogo Político
2010 (-) Egito Livre-Comércio

160
2010 (-) Síria Livre-Comércio
2010 (-) Palestina Acordo Marco
2010 (-) Turquia Memo Entend Cooperação Política
2011 (-) Palestina Livre-Comércio
2011 Canada Discussões sobre acordo comercial
2013 (-) Guyana (membro associado) Acordo Marco de Associação
2013 (-) Suriname (membro associado) Acordo Marco de Associação
O sucesso econômico inicial do Mercosul superou todas as expectativas. Em janeiro de
1995, foi implementada a Tarifa Externa Comum, com uma variação de 0 a 20%, marcando a
passagem do Mercosul de uma área de livre-comércio para uma união aduaneira. A Tarifa
Externa Comum, no entanto, assim como o regime tarifário intrabloco, apresenta muitas
exceções, e, por isso, o Mercosul é considerado uma união aduaneira imperfeita. A
liberalização tarifária teve um efeito de crescimento de 89% do comércio intrabloco e 311%
do comércio extrabloco entre 1990-1996. Apesar desse sucesso inicial, o Mercosul passou
por uma crise profunda no final da década de 1990. A adoção de medidas unilaterais, sem
consultas prévias, por parte dos Estados-parte em áreas de claro impacto mútuo, minou a
credibilidade do processo de integração. Entre as medidas mais críticas, é possível mencionar
a desvalorização do real em 1999, e a modificação das tarifas externas sobre bens de capital e
de consumo por parte do governo argentino em 2001. Em reação a essa tendência, o
Conselho do Mercado Comum tomou a decisão em julho de 2001 (Decisão 05/01) de
estabelecer um grupo de alto nível para examinar a consistência e a dispersão da tarifa
externa comum. O grupo criado — Grupo de Reflexão Prospectiva — realizou uma análise
muito mais ampla do que as instruções da decisão previam. As contribuições do grupo, que
contou com várias personalidades do meio acadêmico, empresarial e governamental dos
quatro Estados-parte, foram apresentadas em um seminário no Palácio Itamaraty e
buscaram extrair conclusões para informar as deliberações da 26ª reunião do Conselho do
Mercado Comum e da Conferência de Cúpula de Chefes de Estado, ambas realizadas em
dezembro do mesmo ano. Algumas das recomendações consensuais foram: a consolidação
da união aduaneira, o aprimoramento da estrutura institucional do Mercosul, a
incorporação das normas ao direito interno, a integração fronteiriça, a coordenação das
políticas macroeconômicas, o fortalecimento dos laços comerciais com mercados emergentes
69
e a conclusão de um acordo de livre-comércio com a Comunidade Andina.
Essa iniciativa de relançamento do processo de integração foi reforçada pela nova agenda
integracionista avançada pelos novos governos eleitos no Brasil (Luiz Inácio da Silva, 2003),
Argentina (Néstor Kirchner, 2003), Bolívia (Evo Morales, 2004), Uruguai (Tabaré Vasquez,
2005), e Equador (Rafael Correa, 2005). Esses governos constituíram uma coalisão de
orientação de esquerda, que redefiniu os objetivos e estratégias do Mercosul, os quais
passaram a ser menos centrados no livre-comércio como motor de crescimento, e incluíram
uma agenda social, refletindo as novas prioridades no nível doméstico. O Mercosul tem
perdido sua relevância como parceiro comercial para seus Estados-parte; em 2014, perdeu o
primeiro lugar nas exportações argentinas para os países asiáticos. A China tornou-se um
dos três principais parceiros comerciais nos últimos anos de grande parte dos países sul-

161
americanos, em 2012 já era o terceiro parceiro do Mercosul (17,2%) logo atrás dos EUA
(19,1%) e da UE (19,9%).
Apesar da nova dinâmica de integração regional, o Mercosul ainda enfrenta desafios. Por
exemplo, a eficácia de suas normas é questionável em função da demora no processo de
internalização nos sistemas jurídicos nacionais. Entre 1991 e 2002, por exemplo, apenas 30%
das decisões aprovadas pelo CMC haviam sido internalizadas.
A falta de credibilidade tanto no sistema de solução de controvérsias, evidenciada no caso
das papeleiras, quanto no próprio sistema de tomada de decisão no âmbito do Conselho,
evidenciada no caso da suspensão do Paraguai, são outros exemplos. A legitimidade do
Mercosul é colocada, então, em questão; um problema que é ainda acirrado pelo fato de ser
muito difícil falar de uma identidade comum mercosulina. Não há um debate público ou
acadêmico abrangente sobre esse tema, e indicadores de pesquisa de opinião tais como o
Latinobarômetro sugerem que não há uma identificação por parte da população com
organizações regionais. O Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul,
criado em 2009, tem avançado a ideia da democracia e direitos humanos como um elemento
da identidade regional, assim como a memória das ditaduras, como consta no Art.2 da
Decisão do CMC que o criou (14/2009), e em diversas declarações do seu primeiro diretor,
Victor Abramovich.
Como uma organização internacional, o Mercosul pode ser considerado um fórum de
discussão entre seus Estados-parte. No entanto, várias decisões importantes, como as
mencionadas, colocam em questão a importância atribuída à cooperação, especialmente em
momentos de crise. O Mercosul não pode ser considerado um ator da política internacional,
que atue independentemente de seus Estados-parte. Apesar de participar nas negociações
internacionais, como no âmbito da OMC ou como outras organizações regionais como a
União Europeia, sua estrutura jurídico-institucional restringe qualquer autonomia da
organização, não existindo nenhum órgão supranacional que pudesse exercê-la. A Secretaria
Técnica poderia vir a ser um embrião de tal órgão, mas a importância atribuída à soberania
nacional, claramente subordinando a cooperação regional à lógica dos interesses particulares
nacionais, parece impedir a emancipação da organização.
Finalmente, pode-se questionar o papel do Mercosul na arquitetura regional sul-
americana após a criação da UNASUL em 2008. Embora o Mercosul e a UNASUL tenham
mandatos distintos (destacando-se a ausência de uma agenda comercial na UNASUL até o
presente momento e a inclusão de uma agenda de segurança com a criação do Conselho de
Defesa Sul-Americano), seus Estados-membro, plenos e associados são praticamente os
mesmos. Apesar de o fenômeno de sobreposição de regionalismos (overlapping regionalism)
não ser uma exclusividade das Américas – na África e na Europa, também testemunhamos
esses processos –, ele torna mais complexa a análise do papel das organizações regionais
como atores fora do contexto político e institucional regional mais amplo.

162
70
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL)
O Tratado Constitutivo da UNASUL foi assinado em maio de 2008 pelos doze países da
região sul-americana − Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guayana,
Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela − e entrou em vigor em março de 2011. Sua
estrutura institucional inclui quatro Conselhos, formados por Chefes de Estado,
Chanceleres, Delegados e Conselhos Ministeriais e Setoriais, respectivamente, liderados pela
Presidência Pro-Tempore rotativa, e uma Secretaria-geral, localizada na sede em Quito,
Equador. As decisões em todos os órgãos são tomadas por consenso. É previsto o
funcionamento de um Parlamento Regional, em Cochabamba, Bolívia, e o Banco do Sul, em
Caracas, Venezuela. O primeiro Secretário-geral foi o ex-presidente argentino Néstor
Kirchner; após sua súbita morte em 2010, alguns meses após ter tomado posse, foi sucedido
pela colombiana Maria Emma Mejia (maio 2011-junho 2012), pelo venezuelano Ali
Rodriguez Araque (junho 2012-julho 2014) e pelo colombiano Ernesto Samper (desde agosto
de 2014).
A ideia da integração sul-americana pode ser remetida à criação da Área de Livre-
Comércio Sul-Americana (ALCSA), proposta pelo ex-presidente brasileiro Itamar Franco
em 2003. A ALCSA fez parte de uma estratégia que visava dar uma resposta à criação do
NAFTA e, posteriormente, proposta da ALCA, como visto anteriormente. Seu eixo principal
era a criação de uma área de livre-comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina. O
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, sucessor de Itamar Franco, buscou
transformar o projeto em uma organização regional mais abrangente, a Comunidade Sul-
Americana de Nações (CSAN), incorporando uma estratégia comum na luta contra o tráfico
de drogas, a proteção do meio ambiente e a criação de uma zona de paz na América do Sul.
Veiga e Rios (2007) argumentam que esse foi o início do regionalismo pós-liberal, mas,
apesar da extensão da agenda e a incorporação da Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), o principal pilar do projeto ainda era o
livre-comércio.
A centralidade do livre-comércio diminuiu ainda mais com a renomeação da CSAN, em
2007, durante a Primeira Reunião de Energia Sul-Americana, na Ilha de Margarita,
Venezuela, e a criação da UNASUL. Segundo o Ministério das Relações Exteriores brasileiro,
“a UNASUL privilegia um modelo de ‘desenvolvimento para dentro’ na América do Sul,
71
complementando, dessa forma, o antigo modelo de ‘desenvolvimento para fora’”.
Em termos práticos isso significa que o livre-comércio perdeu a centralidade no modelo
de cooperação e desenvolvimento econômico regional. O Art.3, que trata de objetivos
específicos, não menciona o termo livre-comércio, mas propõe a promoção da “cooperação
econômica e comercial para consolidar um processo inovador, dinâmico, transparente,
equitativo e equilibrado, que contemple um acesso efetivo, promovendo o crescimento e o
desenvolvimento econômico que supere as assimetrias mediante a complementação das
economias dos países da América do Sul, assim como a promoção do bem-estar de todos os
setores da população e a redução da pobreza” (Art.3 Tratado Constitutivo UNASUL). A
convergência dos interesses comerciais representa, no entanto, um desafio, já que entre seus
Estados-membro há uma grande variação, desde governos de países adeptos do Socialismo
do Século XXI, tais como a Venezuela e Bolívia, a países adeptos a políticas mais liberais, tais
como o Chile e Peru (Fairle 2013:14).

Se, por um lado, a UNASUL excluiu a centralidade do livre-comércio em suas atividades,


163
Se, por um lado, a UNASUL excluiu a centralidade do livre-comércio em suas atividades,
por outro lado ela ampliou a agenda na cooperação nas áreas de infraestrutura, via a
incorporação da IIRSA pelo Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN);
políticas sociais, tais como saúde e educação (Rigirozzi 2014); bem como nas áreas de
segurança e defesa. Esses dois últimos campos de atuação são uma novidade na agenda de
organizações regionais na América Latina, que até então eram relegadas a OAS (Herz 2010).
A criação do Conselho Sul-Americano de Defesa (CSD) foi proposta pelo presidente
brasileiro Lula da Silva em 2008, logo após uma crise entre Colômbia, Equador e Venezuela,
deslanchada com a perseguição por parte do exército colombiano às forças FARC no
território equatoriano sem consentimento prévio. A crise teria sido percebida pelos países
sul-americanos como uma ameaça aos princípios de soberania e não intervenção. A
militarização da política externa dos EUA na América Latina, justificada pela guerra ao
terrorismo e transferida para a guerra às drogas, tornou-se uma questão polêmica na política
doméstica da Colômbia e de outros países sul-americanos. A crise representou uma
oportunidade para os países sul-americanos formularem uma resposta conjunta (Gratious
2008, Battaglino 2012).
De acordo com o Estatuto do CDS (Art.4), os objetivos dos países sul-americanos na área
de segurança e defesa são: a consolidação de uma zona de paz na região, base para
estabilidade democrática e desenvolvimento integral dos povos e da paz mundial; uma
identidade sul-americana de defesa que leve em conta as características sub-regionais e
nacionais e que contribua para o fortalecimento da unidade da América Latina e Caribe; e a
geração de consensos para fortalecer a cooperação regional em matéria de defesa. O Plano de
Ação 2009-2010 enfatizou a promoção de transparência na defesa militar e a criação do
Centro de Estudos Estratégicos de Defensa (CEED), criado em 2011 e localizado em Buenos
72
Aires. Uma das atividades promovidas pelo Centro é a Escola Sul-Americana de Defesa
73
(ESUDE), cuja primeira reunião foi realizada em abril de 2014 em Quito.
Um elemento central do conceito de segurança na UNASUL é o compromisso
democrático, formalizado com a conclusão do Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo
assinado na Cúpula de Georgetown em 2010 (em vigor desde março de 2014). A UNASUL
teve uma atuação importante na mediação da crise entre Colômbia e Venezuela em 2010 e
das crises democráticas na Bolívia (2008), no Equador (2010) e no Paraguai (2012), quando a
participação deste país na UNASUL foi suspensa até o restabelecimento da ordem
democrática com a posse no novo presidente democraticamente eleito em 2013. A UNASUL
também tem promovido o diálogo entre o governo venezuelano e a oposição nas crises
ocorridas ao longo de 2013 e 2014.
Apesar do papel central adquirido pela UNASUL na cooperação entre países sul-
americanos, não se pode afirmar que a organização seja um ator da política internacional; ela
é mais bem caracterizada como uma arena para discussão e geração de consensos regionais.
ALGUNS SITES DA INTERNET DE INTERESSE

• ACP: http://www.acpsec.org
• ALCA: http://www.ftaa-alca.org
• APEC: http://www.apec.org

164
• Área de Livre-Comércio G3: http://www.americas.fiu.edu
• Área Econômica Europeia: http://www.efta.int
• Área Europeia de Livre-Comércio: http://www.efta.int
• ASEAN: http://www.aseansec.org
• CAN : http://www.comunidadandina.org
• CdE: http://www.coe.intCIS: http://www.cis.minsk.by/
• COMECOM: http://www.caricom.org
• Comissão do Rio Meking: http://www.mrcmekong.org
• Comissão do Oceano Índico: http://www.coi-info.org
• Comunidade Econômica dos Estados dos Grandes
Lagos:http://www.polisci.com/almanac/organs/intorg/20055
• Conselho de Cooperação do Golfo: http://www.gcc-sg.org
• Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo: http://www.gcc-sg.orgConselho
Nórdico: http://www.norden.org
• Cooperação Econômica do Mar Negro http://www.bsec.gov.tr
• ECOWAS: http://www.ecowas.int
• Liga Árabe: http://www.leagueofarabstates.org
• Mercado Comum para África Oriental e do Meridional: http://www.comesa.int
• Mercosul: http://www.mercosur.org.uy
• NAFTA: http://www.nafta-sec.alena.org
• OCDE : http://www.oecd.org
• OEA: http://oas.org
• OPEC: http://www.opec.org
• Organização Árabe para Desenvolvimento Agrícola: http://www.aoad.org
• Órgão da Conferência Islâmica: http://www.oic-oci.org
• OSCE: http://www.osce.org
• OTAN: http://nato.int
• Regional Integration Information System, UNU/CRIS:
http://amantoin.brinkster.net/ri/site/index.htm.
• SADC: http://www.sadc.int

165
• SELA: http://www.sela.org
• UA: http://www.africa-union.org
• UE: http://europa.eu.int
• União Árabe do Magred: http://www.maghrebarabe.org
• União do Rio Mano: http://www.manuriver.com
• WEU: http://www.weu.org
• UNASUR: http://www.unasursg.org/

166
Leituras para continuar seu estudo
Rigirozzi, Pia and Diana Tussie (eds) (2012) The Rise of Post-Hegemonic Regionalism. The Case of Latin
America. Dordrecht: Sprinter.
Baert, Francis, Tiziana Scaramagli and Fredrik Söderbaum, eds (2014). Intersecting Interregionalism. Regions,
Global Governance and the EU. United Nations University Series on Regionalism. Springer.
Costa Vaz, Alcides, Cooperação, integração e processo negociador. A construção do Mercosul, FUNAG, 2002.
th
Neill, Nugent, The government and politics of the European Union, 7 ed., Palgrave Macmillan, 2010.

167
Notas
1. Algumas organizações regionais incluem uma definição precisa dos limites geográficos para adesão de
membros, como a OTAN ou a OEA; outras não, como a União Europeia, que será vista adiante. Para a
discussão a respeito da definição de região veja, por exemplo, os artigos de Amitav Acharya (Acharya, 2002)
e Alexander Murphy (Murphy, 1991).
2. Exemplos particulares no âmbito do processo de integração na Europa e Cone Sul são o Comitê de Regiões
da União Europeia e o fórum Mercocidades do Mercosul.
3. Da mesma forma que um regime também pode, ou não, gerar uma organização internacional funcional,
como visto no Capítulo 4.
4. Veja os artigos de Raimo Vaeyrynen (Vaeyrynen, 2003), Arvind Panagyrya (Panagyrya, 1999), Björn Hettne
(Hettne, Inotai & Sunkel, 1999, 2000a e 2000b) e Edward Mansfield & Helen Milner (Mansfield & Milner,
1997, 1999).
5. Alguns exemplos incorporam membros de mais de uma região; a classificação considerou a região onde se
encontra a maioria dos membros.
6. Para o regionalismo na área de segurança e sua relação com a ONU, veja o artigo de Michael Pugh (Pugh,
2003) e o Capítulo 3. Para o caso da OEA, veja o artigo de Mônica Herz (Herz, 2003).
7. Sobre as orientações da CEPAL, veja o artigo de Ricardo Bielschowsky (Bielschowsky, 2000).
8. Na década de 1970, abriu-se a possibilidade para que processos de integração econômica entre países em
desenvolvimento também fossem aprovados por suspensões (waivers) da Cláusula de Nação-mais-
Favorecida a fins de desenvolvimento (Decisões do GATT de 1971 e de 1979).
9. Sobre essa questão, veja também o artigo Joseph Weiler (Weiler & Cho, 2003).
10. Veja nota n. 4.
11. Veja nota n. 5.
12. Sobre a relação entre a ONU e as organizações regionais de segurança no período pós-Guerra Fria, veja os
artigos de Louise Fawcett (Fawcett, 2003) e Michael Pugh (Pugh, 2003), e o Capítulo 3.
13. Autores como Alberta Sbragia atribuem essa mudança na política externa norte-americana aos entraves
nas negociações na OMC, ao sucesso da integração europeia e à superação da tese do multilateralismo
econômico ser uma precondição para a paz (Sbragia, 2004). É interessante notar que as duas ondas de
regionalismo foram acompanhadas por duas ondas de perspectivas teóricas desenvolvidas com o intuito de
explicar sua criação. A primeira onda incorpora as chamadas perspectivas clássicas de integração regional,
como o federalismo, funcionalismo e neofuncionalismo. A segunda onda incorpora, além das perspectivas
clássicas revigoradas como o neoneofuncionalismo, novas perspectivas, estando entre as mais importantes o
intergovernamentalismo liberal, as perspectivas neoinstitucionalistas e a chamada “governança multinível”.
Para as pespectivas teóricas, veja o Capítulo 2.
14. Para o impacto da crise asiática sobre o regionalismo, veja o artigo de Douglas Webber (Webber, 2001) e
de Amitav Acharya (Acharya, 1999). Para críticas ao NAFTA, veja, por exemplo, o artigo de Tony Porter
(Porter, 2002).
15. Veja o Capítulo 1.
16. Para uma visão histórica detalhada sobre a integração na Europa, veja o livro de Marie-Thérèse Bitsch
(Bitsch, 2001).
17. Mesmo após o fim do Programa de Reconstrução Europeia, em 1952, a OECE não foi extinta e acabou
sendo transformada, em dezembro de 1960, na Organização Europeia de Cooperação ao Desenvolvimento
Econômico (OECD).
18. A estrutura do CdE é intergovernamental, e seu principal órgão é um Comitê de Ministros, composto pelos
ministros de relações exteriores. Além do Secretariado Administrativo, situado em Estrasburgo, o CdE ainda
conta com uma Assembleia, que embora só tenha caráter consultivo e não seja eleita por sufrágio universal,
foi a primeira assembleia parlamentar internacional.
19. Deve-se destacar a participação de Winston Churchill como principal mentor dos grupos da União
Europeia dos Federalistas e Movimento para uma Europa unida. O ex-primeiro ministro inglês, após as
derrotas eleitorais, em 1945, foi um dos principais promotores da integração, ainda que nos moldes
intergovernamentais.
20. Em consideração à Declaração de Schuman, comemora-se no dia 9 de maio o aniversário da União
Europeia.
21. Para o funcionalismo, veja o Capítulo 2.

22. A participação de Adenauer nas negociações para a criação da CECA precisou ser autorizada pelo
168
22. A participação de Adenauer nas negociações para a criação da CECA precisou ser autorizada pelo
presidente da Alta Comissão Aliada, o americano John McCloy, dado que essa ainda detinha o controle
sobre as relações externas da Alemanha.
23. Além da relutância em aceitar a criação de um órgão supranacional, a resistência inicial do Reino Unido
em participar da integração europeia é atribuída à preocupação em manter sua relação especial com a
Commonwealth, e de uma forma mais ampla, a não aceitação de sua decadência como uma potência
hegemônica.
24. Com o fracasso da CED, a União Ocidental foi reforçada e renomeada União da Europa Ocidental (UEO).
A Alemanha, assim como a Itália, foi convidada a participar tanto dessa organização quanto da OTAN.
25. A Alta Autoridade era composta por nove membros: dois franceses, dois alemães, um de cada outro
Estado-membro e um eleito pelos outros, Jean Monnet tendo sido o primeiro escolhido.
26. A Associação Europeia de Livre-Comércio acabou sendo criada pelo Tratado, assinado em Estocolmo em
janeiro de 1960, entre o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Suíça, Áustria e Portugal, sem, portanto, nenhum
dos membros das Comunidades Europeias.
27. O Plano foi elaborado por uma comissão ministerial chefiada pelo diplomata gaulista Christian Fouchet,
que recebera o mandato dos chefes de Estado e Governo dos Seis para fazer alterações no plano para
integração política, inicialmente proposto por de Gaulle.
28. Como visto no Capítulo 1, a votação por maioria, ao contrário da unanimidade ou do consenso, implica
que um Estado seja obrigado a implementar as decisões acordadas, mesmo sem sua concordância.
29. O texto do compromisso diz que “sempre que, no caso de decisões que podem ser tomadas por maioria
relativamente a uma proposta da comissão, estiverem em jogo interesses importantes de um ou mais
parceiros, os membros do Conselho diligenciarão, em um prazo razoável, no sentido de encontrar as
soluções que possam ser adotadas por todos os membros do Conselho no respeito dos seus interesses
mútuos e dos interesses da comunidade, nos termos do Artigo 2 do tratado”. O Compromisso de
Luxemburgo representou uma diminuição dos poderes legislativos da Comissão vis-à-vis o Conselho, já que
passou a ser mais conservadora em suas iniciativas para evitar que fossem bloqueadas.
30. A cooperação política entre os governos dos Estados-parte já ocorria na prática desde a década de 1970,
mas fora das instituições comunitárias já que as tentativas anteriores de incorporá-la, tais como o Plano
Fouchet, fracassaram.
31. Livros brancos são relatórios preparados pela Comissão para o Conselho da UE com propostas para ação
comunitária. Caso aceitos pelo Conselho, como foi o caso em questão, são implementados em programas de
ação.
32. Argumento defendido por Alasdair Young e Helen Wallace (Young & Wallace, 2000).
33. O Acordo de Schengen havia sido concluído inicialmente entre a França, a Alemanha e o Benelux, em
1985, e posteriormente incluiu todos os membros da UE, exceto o Reino Unido e a Irlanda. Sua abrangência
também foi aumentada pela Convenção de Aplicação do Acordo de Shengen, de 1990, prevendo a
harmonização dos procedimentos para a concessão de vistos, asilo e extradição, entre outros. Com o Tratado
de Amsterdã, o Reino Unido e a Irlanda optaram por não participar da área de livre-circulação de pessoas,
embora participem de algumas iniciativas particulares como a cooperação policial e legal em assuntos
criminais. A Islândia e a Noruega, apesar de não serem membros da UE, fazem parte do Acordo de
Schengen, pois participavam da União Nórdica com a Suécia, Finlândia e Dinamarca, que compreendia a
livre-circulação de pessoas quando as últimas se tornaram membros da UE. A incorporação do Schengen
pelo Tratado de Amsterdã também significou a transferência de várias políticas do terceiro para o primeiro
pilar.
34. A retomada do debate sobre a finalidade da integração é atribuída à palestra do ministro de relações
exteriores da Alemanha Joshka Fisher na Universidade de Humboldt em Berlim em 12 de maio de 2000.
Para um brilhante compêndio incluindo a análise da palestra de Fisher por vários acadêmicos proeminentes,
veja a obra organizada por Joerges e outros (Joerges, Meny & Weiler, 2000). Veja também o artigo de Sônia
Camargo (Camargo, 2004).
35. Até o Tratado de Nice, a maioria qualificada exigia aproximadamente 71% dos votos, e a ponderação dos
votos era feita com base na população dos Estados-parte, sendo corrigida de forma a favorecer os Estados
menos populosos. O Tratado de Nice recalculou o peso dos Estados e modificou os critérios de ponderação,
passando também a incluir o requerimento de que a maioria qualificada represente pelo menos 62% do total
da população da União. Para o poder dos Estados-parte no Conselho da União Europeia, veja os quadros em
anexo.

169
36. Em um artigo de 1972 que se tornou clássico, o professor francês Francois Duchene defendeu que o papel
da Europa para a manutenção da paz deveria se basear em seu poder econômico, e não militar (Duchene,
1972). Para o debate contemporâneo sobre o conceito, veja as obras de Richard Whitman (Whitman, 1998) e
Ian Manners (Manners, 2000).
37. Ramon Torrent, acadêmico e ex-assessor do serviço jurídico do Conselho da União Europeia, classifica os
acordos internacionais da União Europeia entre “cheios” e “vazios”, os últimos não contendo nenhum
compromisso jurídico específico, apenas referências gerais sobre intenções futuras (Torrent, 1998).
38. Há uma ampla literatura sobre a subjetividade (actorness) da UE. Alguns autores negam essa possibilidade,
tais como os realistas Mersheimer (Mersheimer, 2001) e Hedley Bull (Bull, 1982). Outros estabeleceram
critérios para determinação de quando a UE pode ser considerada um ator da política internacional. Para
Sjostedt, os critérios deveriam incluir a existência de uma comunidade de interesses, um sistema decisório,
canais de representação e comunicação com o exterior (Sjostedt, 1977); Breternton e Vogler enfatizam a
existência de um compromisso a valores e princípios comuns (Bretherthon & Vogler, 1999); Christopher
Hill identifica o principal obstáculo a lacuna (gap) entre as expectativas e a capacidades da UE (Hill, 1993,
1998). Finalmente, um terceiro grupo de autores, incluindo Ian Manners, Richard Whitman, Alan Ginsberg
e Karen Smith (Manners, 1997, Whitman 1998, Ginsberg 2001, Smith 1999), defendem a possibilidade de
analisar a UE como um ator da política internacional, dado que, apesar de não cumprir vários dos critérios
apontados, já se estabeleceu como uma presença na arena global. Alguns realistas, como Keneth Waltz
(Waltz, 2000) e Robert Kagan (Kagan, 2002), consideram que a UE pode ser tratada “como se fosse” um ator
internacional.
39. Para uma análise detalhada do processo de ampliação para o centro e leste europeu, veja o livro de Karen
Smith (Smith, 2003).
40. Para um estudo sobre a política externa da União Europeia para o Mercosul, veja o livro de Andrea Ribeiro
Hoffmann (Ribeiro Hoffmann, 2004).
41. Entre os comitês mais importantes, encontram-se os Comitês de Representantes Permanentes dos Estados-
parte, COREPER I, compostos pelos chefes das representações, e COREPER II, composto por outros
membros das representações.
42. O número de Comissários e de Diretórios Gerais sofreu várias modificações, assim como a divisão das
áreas temáticas dos últimos. Conforme estipulado pelo Tratado de Nice, com a ampliação para o leste
europeu, o número de Comissário passará de 20 (dois para França, dois para Alemanha e um para cada
outro Estado-parte da UE-15) para 25 (um por Estado-parte da UE25), após um período transitório, de 30
entre 1 de maio e 31 de outubro de 2004.
43. A rede de canais com os Estados-parte se constitui principalmente de encontros no âmbito de comitês
formais mistos, um processo referido como “comitologia”, descrito por Wolfgang Wessels (Wessels, 1997).
Já a rede com grupos de interesse, ou lobbies, tem caráter mais informal, embora não menos importante,
como destacado por Justin Greenwood (Greenwood, 1997).
44. No contexto das alegações de corrupção e investigações por parte do Parlamento, a Comissão resignou
coletivamente em março de 1999, não tendo sido necessário, portanto, que o Parlamento exercesse seus
poderes de destituí-la. Para uma análise desse evento, veja o artigo de Angelina Topan (Topan, 2002).
45. Os principais grupos são o Grupo do Partido Popular Europeu (democrata-cristão) e Democratas
Europeus (PPE-DE), Grupo do Partido dos Socialistas Europeus (PSE), Grupo do Partido Europeu dos
Liberais, Democratas e Reformistas (ELDR), Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia (Verts/ALE), Grupo
Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL); Grupo União para a
Europa das Nações (UEN) e Grupo para a Europa das Democracias e das Diferenças (EDD). Parlamentares
que não se enquadrem em nenhum dos grupos anteriores são classificados como Grupo dos Não Inscritos
(NI).
46. Para esse argumento, veja, por exemplo, o estudo de Justin Greenwood sobre os grupos de interesse e
lobbies atuantes em diversas áreas na União Europeia (Greenwood, 1997).
47. Sobre o debate do déficit democrático na eu, veja o livro de Philippe Schmitter (Schmitter, 2000) e os
artigos de Ives Meny (Meny, 2002) e Joseph Weiler (Weiler, 2003).
48. A Doutrina Monroe aumentou a apreensão latino-americana a respeito das intenções dos Estados Unidos.
Sem entrar no mérito do que seria melhor para a América Latina, estar sob influência europeia ou dos
Estados Unidos, o fato é que a Doutrina Monroe marcou a entrada desse último na disputa de influência
sobre a América Latina, como destacado pelo primeiro ministro inglês George Canning em discurso
reproduzido na obra de Evan Louard (Louard, 1992).

170
49. Para uma visão histórica do período colonial e dos processos de independência no Cone Sul, veja as obras
de Moniz Bandeira (Bandeira, 1995), Amado Luiz Cervo e Mario Rapoport (Cervo & Rapoport, 1998), e
Jean-Marie Lambert (Lambert, 2002). É interessante notar que, como destacado por Pope Atkins, após o
Congresso de Lima de 1865, os Estados americanos redirecionaram seus esforços políticos da integração
regional para a consolidação do direito internacional, uma característica que marca a diplomacia latino-
americana até o presente momento (Atkins, 1995).
50. Ainda no século XIX, o pan-americanismo foi resgatado pelos Estados Unidos, que promoveu a primeira
Conferência Pan-americana, em 1888. A iniciativa foi percebida como uma estratégia expansionista no
continente, e as propostas de criar uma união aduaneira e uma corte de arbitragem obrigatória para solução
de conflitos no hemisfério não foram aceitas sobretudo pelos países do Cone Sul. No entanto, a sede criada
em Washington (Escritório Internacional das Repúblicas Americanas) não foi extinta, mas incorporada pela
OEA anos mais tarde.
51. Sobre o funcionalismo, veja o Capítulo 2.
52. Sobre o ECOSOC, veja também o Capítulo 6.
53. A teoria econômica estruturalista e o modelo de substituição de importações foram desenvolvidos pela
CEPAL, principalmente pelas contribuições de seu primeiro secretário-geral, o argentino Raul Prebish, e
outros economistas como: Celso Furtado e Osvaldo Sunkel. As ideias centrais da teoria inspiraram a criação
da Comissão para o Comércio e Desenvolvimento da ONU (UNCTAD), o movimento da Nova Ordem
Econômica Internacional e a teoria da dependência, uma vertente política da teoria estruturalista que
vinculou o processo de desenvolvimento a estrutura de poder e comportamento das classes sociais nos
planos doméstico e internacional, desenvolvida, entre outros, por Fernando Henrique Cardoso, Enzo Faletto
e José Medina Echavarria. Para uma análise detalhada das teorias estruturalista e da dependência, veja as
obras de Ricardo Bielschowsky (Bielschowsky, 1998 e 2000).
54. Para uma análise da ALALC e ALADI, veja o artigo de Rubens Barbosa (Barbosa, 1991).
55. A decisão de estabelecer uma Área de Livre-Comércio nas Américas foi tomada pelos chefes de Estado e
Governo dos 34 Estados da região durante a Cúpula das Américas, realizada em Miami em 1994, pela
proposta do presidente norte-americano George H.W. Bush no âmbito da Iniciativa para as Américas de
1991. As negociações do acordo se iniciaram em abril de 1998, durante a Segunda Cúpula, realizada em
Santiago, e têm previsão para terminar até o final de 2005. Para detalhes sobre o processo de negociações,
veja o site http:// www.ftaa-alca.org. Nota-se que, como destacado por Pope Atkins, a abordagem de
integração econômica proposta pela CEPAL era inicialmente sub-regional, mas mudou logo no início da
década de 1960, defendendo que a integração latino-americana serviria melhor ao interesse de
contrabalançar a hegemonia norte-americana (Atkins, 1995).
56. Veja, por exemplo, a obra de Alcides Costa Vaz (Vaz 2002).
57. Sobre as iniciativas de cooperação bilaterais, veja, por exemplo, os artigos de Sônia Camargo (Camargo,
1997) Paulo Wrobel e Mônica Herz (Wrobel & Herz, 1988).
58. Para detalhes sobre as negociações e a multilateralização do projeto de integração, veja a obra de Alcides
Costa Vaz (Vaz, 2002).
59. Regimes de origem estabelecem conjuntos completos de critérios que definem os requisitos a que as
mercadorias devem atender a fim de serem consideradas originárias, inclusive os procedimentos acordados
entre os países-parte de uma área de livre-comércio para a administração e verificação de origem.
Salvaguardas são medidas adotadas, em geral, de natureza tarifária, que incide em caráter provisório sobre a
importações de bens que causem ou ameacem causar prejuízos graves a uma determinada indústria
doméstica que produz bens iguais ou similares (Dicionário de Termos de Comércio OEA, BID, CEPAL).
60. Sobre o tratamento da democracia pela OEA, veja o artigo de Mônica Herz (Herz, 2003). É interessante
notar que a maioria das organizações universais, como a OMC e a própria ONU, não condiciona a adesão de
membros à prática da democracia. As organizações regionais na Ásia também não incluem a cláusula
democrática.
61. Veja a Decisão 14/96 do Conselho do Mercado Comum.
62. Sobre a questão da intergovernabilidade/supranacionalidade no Mercosul, veja a obra de Wagner Rocha
D’Angelis (D’Angelis, 2003).
63. Veja o artigo de Fernando Pedro Meinero (Meinero, 2004).
64. Para uma análise da participação dos sindicatos no Mercosul, veja a obra de Tullo Vigevani (Vigevani,
1998).
65. Para os laudos do Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul até 2003, veja Seitenfus, 2004.

171
66. Cada Estado-parte elaborou uma lista de especialistas que podem ser chamados a atuar no processo de
solução de controvérsias, que fica depositada na SAM. Nota-se que, no caso de um conflito, os Estados-parte
podem optar por tentar solucioná-lo no âmbito do Mercosul, mas também no âmbito de outros foros, tais
como o da OMC, se de comum acordo. No entanto, uma vez levado a um foro, não podem recorrer a outro,
concomitante ou posteriormente.
67. Para mais detalhes sobre o sistema de solução de controvérsias do Mercosul e as críticas a ele endereçadas,
veja por exemplo as obras de Elizabeth Accioly (Accioly, 2004) e Wagner Rocha D’Angelis (D’Angelis,
2003). Dreysin de Klor & Arroyo (2004) e Jorge Fontoura (Fontoura, 2004).
68. O Mercosul também tem atuado de forma coesa nas negociações no âmbito da OMC, ALCA e com a UE.
69. Um compêndio dos trabalhos apresentados foi publicado pelo Instituto de Pesquisas de Relações
Internacionais (IPRI) da Fundação Alexandre de Gusmão, em Brasília, sob organização de Clodoaldo
Hugueney Filho e Carlos Henrique Cardim (Hugueney & Cardim, 2002).
70. Esta sessão se baseia extensivamente em Briceno e Ribeiro Hoffmann (2015).
71. http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=688: uniao-de-nacoes-sul-
almericanas&catid=144:chamada-1&itemid=434&lang=pt-br.
72. http://www.ceedcds.org.ar/.
73. http://www.ceedcds.org.ar/Espanol/04-Eventos/0031-Eventos.html (accessado em 30/04/2014).

172
CAPÍTULO

6
Sociedade Civil Global

Principais questões abordadas


O que é a sociedade civil global e quem são seus atores.
O que são ONGIs e quando surgiram.
As estratégias de atuação das ONGIs e sua relação com os Estados nacionais e com as OIGs.
As ONGs como elementos democratizantes da governança global.
A origem e as principais atividades da Cruz Vermelha, do Greenpeace e da Human Rights Watch.

173
O Conceito de Sociedade Civil Global
O conceito de sociedade civil global invoca a existência ou o processo de desenvolvimento
de uma sociedade civil que se estenda por todo o globo, ou seja, que perpassa as fronteiras
dos Estados. Esse conceito tem sido usado tanto descritiva, quanto normativamente, com
viés ora positivo, ora negativo. Para sua compreensão, é necessário entendermos, antes, o
conceito de sociedade civil, para depois vermos como ele tem sido apropriado ao estudo das
relações internacionais.
O conceito de sociedade civil é central na disciplina de Ciência Política. Segundo
Norberto Bobbio, seu entendimento variou ao longo dos séculos e no pensamento de autores
clássicos, tais como Thomas Hobbes, John Locke, Immanuel Kant, Friedrich Hegel e Karl
Marx. Na linguagem política contemporânea, o conceito de sociedade civil global seria
marcado pela literatura marxista e refere-se à esfera das relações sociais não reguladas pelo
Estado. Na contraposição sociedade civil/Estado, entende-se por sociedade civil a esfera das
relações entre indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se desenvolveram à margem
das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Ela é representada assim
como o terreno dos conflitos econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado deve
resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os.
Ainda segundo Bobbio, o conceito contemporâneo é o oposto do utilizado em sua
acepção original, corrente na doutrina política tradicional e, em particular, na doutrina
jusnaturalista. Conforme os modelos jusnaturalistas da origem do Estado, seja o proposto
por Hobbes, Locke ou Kant, a sociedade civil (societas civilis) contrapõe-se à sociedade
natural (societas naturalis), sendo sinônimo de “sociedade política” e, portanto, de “Estado”.
A ideia de sociedade civil, ou o Estado, nasce em contraste a um estado primitivo da
humanidade em que o homem vivia sem outras leis, se não as naturais. Ela implica uma zona
de civilidade, na qual impera o estado de direito, uma comunidade política e uma ordem
pacífica baseada no consentimento explícito ou implícito dos indivíduos que dela
participam. A sociedade civil nasce, portanto, com a instituição de um poder comum que só
é capaz de garantir aos indivíduos associados alguns bens fundamentais como a paz, a
liberdade, a propriedade e a segurança, que, no estado natural, são ameaçados seguidamente
1
pela explosão de conflitos, cuja solução é confiada exclusivamente à autotutela.
Historicamente, o termo sociedade civil global ganhou proeminência nos anos 1990,
impulsionado pela intensificação da globalização e das relações transnacionais. Embora
ambos os fenômenos já fossem verificados nas décadas de 1970 e 1980, o final da Guerra Fria
2
impulsionou o debate acadêmico sobre o tema. É questionado até que ponto o sistema
internacional não deve ser caracterizado por uma anarquia, nem uma sociedade de Estados,
mas sim uma sociedade global, composta por indivíduos e grupos cujos interesses e
identidades não são limitados pelas fronteiras dos Estados. Também é debatido até que
ponto os indivíduos e grupos que fazem parte da sociedade civil global podem ser vistos
como novos atores da política internacional. Nesse sentido, o debate acerca da sociedade
civil global está diretamente ligado ao debate acerca das transformações do sistema
3
internacional, da soberania estatal e da governança global.
A literatura da disciplina de Relações Internacionais reflete a diversidade de premissas a
respeito da sociedade civil. Ronnie Lipschutz define a sociedade civil global como um tipo de
interação política focalizada na construção consciente de redes de ação e conhecimento por
atores locais que transpassam as fronteiras reificadas do espaço, ou seja, os Estados. Essas

174
redes seriam, em grande medida, unidas por normas e códigos de comportamento que
4
emergiram em reação às ficções legais e sociais construídas pelo sistema de Estados.
Outros autores são mais céticos quanto à harmonia interna e às promessas
democratizantes da sociedade civil global. Robert Cox vê a sociedade civil global como
associada ao mercado capitalista e à contestação entre forças hegemônicas e contra-
5
hegemônicas. Richard Falk e R.B.J. Walker definem a sociedade civil global como uma
expansão da arena de pluralismo e contestação, não apenas como uma fonte de civilidade,
mas também de “incivilidade”. Esses autores, no entanto, fazem uma distinção entre a
6
sociedade civil e o mercado. A sociedade civil global refere-se ao espaço de atuação e
pensamento ocupado por iniciativas de cidadãos, individuais ou coletivos, de caráter
7
voluntário e sem fins lucrativos. Assim como esses últimos autores, buscamos
problematizar as condições sob as quais surgiu a sociedade civil global e seu papel na
governança global, além de excluir iniciativas de caráter lucrativo, tais como as corporações
multinacionais.
DEFINIÇÃO DE SOCIEDADE CIVIL GLOBAL
Espaço de atuação e pensamento ocupado por iniciativas de indivíduos ou grupos, de
caráter voluntário e sem fins lucrativos, que perpassam as fronteiras dos Estados.
Podemos distinguir diversos tipos de ação coletiva ou de organização dos participantes da
sociedade civil. Essas formas de organização da sociedade civil global podem ser vistas como
fóruns em que os indivíduos e grupos colaboram na formulação de normas, ou como atores,
dependendo de seu grau de institucionalização e autonomia. Além das organizações não
8
governamentais internacionais (ONGIs), que serão vistas em detalhes a seguir, as principais
formas de organização dos participantes da sociedade civil global são os movimentos sociais
transnacionais, as coalizões ou redes transnacionais, as redes de políticas globais e as
comunidades epistêmicas. Alguns autores também incluem as corporações multinacionais
como atores da sociedade civil global. Aqui, consideramos que, embora as corporações
multinacionais sejam atores não estatais, elas não fazem parte da sociedade civil global já que
sua lógica de atuação não é política, e sim econômica: seu objetivo primordial é a
9
maximização de lucros.
Os movimentos sociais transnacionais são indivíduos e grupos que se juntam com o
objetivo de transformar o status quo. Eles atuam através de meios não violentos, embora
possam desrespeitar o estado de direito na promoção da mudança social. Esses movimentos
se desenvolvem ao redor de clivagens sociais, tais quais: classe, religião, região, idioma,
gênero ou algum objetivo particular como meio ambiente, direitos humanos,
desenvolvimento e imigração. Alguns exemplos seriam o movimento abolicionista no final
do século XIX e o Pentacostalismo Cristão.
As redes ou coalizões transnacionais são ligações entre diversos tipos de organização da
sociedade civil global que, embora se mantenham independentes organizacionalmente,
atuam em conjunto para promover uma determinada atividade, como o Fórum Social
Mundial. Tal qual consta em sua Carta de Princípios, o Fórum Social Mundial foi criado
como um “espaço aberto de encontro para o aprofundamento da reflexão, o debate
democrático de ideias, a formulação de propostas, a troca livre de experiências e a articulação
para ações eficazes, de entidades e movimentos da sociedade civil que se opõem ao

175
neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo, e
10
estão empenhadas na construção de uma sociedade planetária centrada no ser humano”.
Um tipo particular de coalizão são as redes de advocacia (advocacy networks), que
compartilham valores e discursos, buscando defender uma causa ou promover novas ideias
no debate político, como a rede criada em 1993 para promover a Campanha Internacional
para Proibição Total de Minas Terrestres. Essa rede transformou o discurso internacional a
respeito das minas, definindo-as não como uma questão de controle de armas ou de
segurança nacional, mas como uma questão de segurança humanitária.
• As redes de política global são redes que incluem setores governamentais, tais como a
Comissão Mundial de Represas. Essa comissão foi criada em 1998, como um fórum para
cooperação a respeito do papel das represas sobre o desenvolvimento econômico, e é
formada por representantes governamentais, de OIGs como o Banco Mundial, ONGIs e do
setor privado. Em 2000, lançou um relatório “Represas e Desenvolvimento: um novo
arcabouço para tomada de decisões”, com a presença de Nelson Mandela, que se tornou
11
referência para a área.
• As comunidades epistêmicas são redes compostas por especialistas de vários países, que
podem trabalhar em institutos de pesquisa, universidades ou nos governos (Haas, 1992).
Trata-se de grupos transnacionais de especialistas com alguma autoridade para produção
de um discurso sobre problemas e soluções em uma área específica. Comunidades
epistêmicas muitas vezes definem as alternativas possíveis para uma área de atuação, como
o meio ambiente, definição de democracia ou o controle de armamentos (Cross, 2013).
Finalmente, as ONGIs compõem a sociedade civil global. Ao contrário dos outros tipos,
essas organizações têm um caráter particular devido a seu maior grau de formalização e
institucionalização. Elas são organizações internacionais, como definido no Capítulo 1, o que
não é o caso das outras formas de organização da sociedade civil global. Deve-se destacar, no
entanto, que, ao contrário das organizações internacionais intergovernamentais (e das
corporações multinacionais), às ONGIs não pode ser acordada personalidade jurídica
internacional. Elas são registradas como entidades sem fins lucrativos em cada Estado onde
atuam, de acordo com a legislação nacional. Para se configurar como uma ONG
internacional, e não apenas uma rede de ONGs nacionais, as ONGs internacionais contam
com um documento constituinte e um secretariado internacional, localizado em um Estado
específico. A ligação entre o secretariado e as “filiais” é prevista no documento constituinte e
varia quanto à centralização, distribuição de recursos e responsabilidades.
PRINCIPAIS TIPOS DE PARTICIPANTES DA SOCIEDADE CIVIL GLOBAL:

• Movimentos sociais transnacionais: Indivíduos e grupos que se juntam com o objetivo de


transformar o status quo.
• Coalizões ou redes transnacionais: Ligações entre diversos tipos de organização da
sociedade civil global, que, embora se mantenham independentes organizacionalmente,
atuam em conjunto para promover uma determinada atividade.
• Redes de advocacia: Tipo particular de rede, em que seus participantes compartilham
valores e discursos, buscando defender uma causa e promover novas ideias no debate
político.
• Redes de políticas globais: Redes que incluem setores governamentais.
176
• Comunidades epistêmicas: Redes compostas por especialistas de vários países, que
podem trabalhar em institutos de pesquisa, universidades ou nos governos.
• Organizações não governamentais: Organizações voluntárias estabelecidas por
indivíduos e grupos e que contam com um documento constituinte e sedes permanentes.
O Greenpeace Internacional, por exemplo, tem uma estrutura federal, com filiais bastante
autônomas. Já a Human Rights Watch tem uma estrutura mais centralizada. Embora a
maioria das ONGIs seja universal, aberta à participação de indivíduos e grupos de qualquer
parte do globo, algumas são regionais, tais como a Federação Europeia de Biotecnologia ou a
12
União Árabe de Advogados.
O papel das ONGIs na política global ganhou proeminência após as demonstrações em
Seattle, no final de 1999, durante o encontro ministerial da Organização Mundial do
Comércio, que tinha na agenda a abertura de uma nova rodada de negociações. O
movimento foi comparado ao de 1968, contando com milhares de manifestantes contra a
globalização, e foi um sucesso absoluto, paralisando as negociações e colocando as ONGIs no
centro das atenções da mídia global. A manifestação foi planejada e divulgada
principalmente pela Internet. O impacto da Internet sobre a capacidade de influência das
ONGIs é considerável, já que a grande maioria mantém contato e divulga suas atividades
13
através dos instrumentos gerados neste espaço social como sites, e-mails e mídia social.
Apesar do destaque recente, as primeiras ONGIs surgiram no século XIX. A organização
mais antiga registrada na União das Associações Internacionais (Union of International
Association — UIA) é a Sociedade Antiescravista para a Proteção dos Direitos Humanos,
criada em 1839. Outros exemplos de ONGIs antigas são a Cruz Vermelha e a Associação dos
Homens Trabalhadores, criadas na década de 1860. Em 1874, havia apenas 32 ONGIs
registradas na UIA; em 1914, 1.083. Houve um crescimento significativo no número de
ONGIs criadas no final do século XIX, cerca de dez por ano, atingindo um pico de 51 por
ano em 1910. Esse ritmo caiu durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, mas
acelerou-se novamente na segunda metade da década de 1940, com uma média de cerca de
90 ONGIs criadas por ano. O ritmo se estabilizou até a década de 1960 e 1970, quando
recomeçou a acelerar. Durante a década de 1990, o número de ONGIs registradas na UIA
cresceu de 10.292 para 13.206, e posteriormente de forma ainda mais exponencial chegou a
14
67000.
NÚMERO DE ONGIS REGISTRADAS NA UNIÃO DAS ASSOCIAÇÕES
INTERNACIONAIS
• 1874 — 32
• 1914 — 1.083
• 1990 — 10.292
• 2015 — 67.000
Algumas dessas organizações são grandes, contam com orçamentos consideráveis e atuam
em uma área abrangente, tais como o Greenpeace Internacional (meio ambiente), a Oxfam
Internacional (desenvolvimento) e a Anistia Internacional (Direitos Humanos). Outras são
pequenas e atuam em uma área mais específica, como sociedades profissionais e

177
organizações de refugiados. Elas atuam nas mais diversas áreas, como de medicina e saúde,
ciência, matemática e espaço, esportes, comunicações, finanças e turismo, bem-estar e
direitos individuais, política mundial, religião, família e identidade cultural, profissões e
trabalho, educação, humanidades, artes e filosofia e, finalmente, partidos e ideologias
15
políticas. Essas organizações produzem canais de participação para indivíduos, proveem
assistência, monitoram normas internacionais e mobilizam o público em geral para
pressionar governos.
Em termos das estratégias de atuação das ONGIs, podemos diferenciar entre a
colaboração com outros atores da política internacional, tais como os Estados ou OIGs, e o
confronto com esses atores pelas campanhas diretamente direcionadas à opinião pública
global, clamando a mudança de políticas adotadas ou reformas específicas. A estratégia mais
frequente é atingir a opinião pública de forma direta através da mídia, conseguindo, assim,
fazer pressão sobre a reputação do Estado ou OIGs ao colocá-los, em situações embaraçosas.
Podemos citar os exemplos da campanha contra a Organização Mundial do Comércio no
movimento das ONGIs antiglobalização durante a Conferência Ministerial em Seattle, em
1999, e o caso do Japão nas campanhas do Greenpeace contra a caça às baleias.
A colaboração entre ONGIs e autoridades governamentais estatais é fruto do interesse
tanto das ONGIs em influenciar a formulação e a implementação de políticas sociais, quanto
dos Estados em “terceirizar” serviços, seja no âmbito local ou no da cooperação
internacional. Essa atuação tem sido alvo de críticas. As ONGIs (assim como as ONGs) são
percebidas como substitutos do Estado que escapam, no entanto, dos mecanismos de
controle democráticos. No caso da cooperação internacional, a crítica é ainda mais intensa;
as ONGIs operam como fornecedores de serviços em um contexto de liberalização imposta
por meio de condicionalidades do Banco Mundial. Bangladesh, por exemplo, um dos
Estados com o maior número de ONGIs, tem sido apontado como um exemplo de “Estado
16
de franchise”, um Estado sem cidadãos. Uma área de colaboração entre ONGIs menos
controversa é a de monitoramento da aquiescência às normas internacionais, na qual as
17
ONGs são, em geral, consideradas eficazes.
A relação entre as ONGIs e as OIs intergovernamentais é bastante abrangente. Além da
colaboração, o processo de surgimento das ONGIs e OIs está intrinsecamente ligado. A
criação da própria Liga e da ONU teve forte influência das ONGIs. Grupos promotores da
paz, tais como a Liga para Promoção da Paz e a Sociedade da Liga das Nações, contribuíram
para o desenvolvimento das ideias que levaram à criação da Liga. Representantes de mais de
1.200 organizações voluntárias estiveram presentes na Conferência de São Francisco, quando
foi assinada a Carta da ONU. Algumas OIGs foram criadas de ONGIs, como é o caso da
Organização Internacional do Trabalho, da Organização Mundial Meteorológica e da
Organização Mundial de Turismo. Criadas originalmente como ONGIs, essas organizações
foram cooptadas pelos Estados e transformadas em OIGs. A criação de diversas organizações
18
funcionais e regionais sofreu o mesmo processo.
De modo inverso, muitas ONGIs foram criadas com o incentivo de OIGs. As conferências
internacionais promovidas pela Liga e pela ONU tiveram grande impacto sobre a criação de
novas ONGIs. Além disso, muitas OIGs fazem referência às ONGIs em seus documentos
constituintes, em geral incentivando os Estados-membro a apoiá-las. O artigo 25 do Pacto da
Liga, por exemplo, incita a cooperação de seus membros com as organizações voluntárias da
Cruz Vermelha “que tenham por finalidade a melhoria da saúde, defesa preventiva contra as

178
enfermidades e o alívio dos sofrimentos no mundo”. A Liga também publicava um boletim
quadrienal sobre as atividades de recomendações políticas das ONGIs e tinha funcionários
no Secretariado encarregados de supervisionar suas relações com as ONGIs. A Carta da
ONU faz referências às ONGIs, em seu artigo 71, no qual é atribuído ao ECOSOC poder
para “entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com organizações não
governamentais, encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própria
competência”. O artigo acrescenta que “tais entendimentos poderão ser feitos com
organizações internacionais e, quando for o caso, com organizações nacionais, depois de
efetuadas consultas com os membros das Nações Unidas interessados no caso”.
No que se refere à colaboração efetiva entre ONGIs e OIGs, ela pode ocorrer no âmbito da
formulação de normas, da implementação de decisões ou políticas, ou de monitoramento da
aquiescência dos Estados-membro. Assim como no caso da colaboração com autoridades
governamentais dos Estados, visto anteriormente, a área de implementação costuma ser
bastante criticada, e a de participação na formulação de normas e de monitoramento, menos
controversa.
PRINCIPAIS FORMAS DE COLABORAÇÃODAS ONGIS COM ESTADOS OU
OIGS
• Formulação de normas e políticas públicas
• Implementação de decisões ou políticas (terceirização de serviços)
• Monitoramento da aquiescência às normas internacionais
A colaboração no âmbito de formulação de normas ocorre através da participação nos
processos decisórios como observadoras nos órgãos legislativos das OIGs ou através da
participação nas conferências internacionais. No que se refere às conferências, algumas
ONGIs participam diretamente, prática que já ocorria com a Liga, como nos casos da
Conferência Financeira de 1920, da Conferência Mundial Econômica de 1927 e da
19
Conferência de Desarmamento de 1932. Mais recentemente, em especial após a
Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1972, em Estocolmo, consolidou-
se a prática das ONGIs se reunirem em fóruns paralelos. A participação de ONGIs nas
conferências internacionais cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Na Conferência
do Meio Ambiente de Estocolmo em 1972, participaram cerca de 250 ONGIs; na do Rio de
Janeiro em 1992, cerca de 1.400; na Conferência sobre a Mulher de Beijing em 1995, foram
aproximadamente 2.100 ONGs; e, finalmente, na Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável Rio+20, que foi realizada na cidade do Rio de Janeiro em 2012,
contou com a participação de 9.856 ONGs, segundo o Comitê Nacional Organizador do
Brasil para a Rio+20. A participação das ONGIs varia em cada conferência, podendo ter
apenas o direito de fazer declarações finais ou recomendações legislativas, ou ter um papel
formal na implementação das decisões acordadas, como foi o caso do documento final da
20
Conferência do Rio, a Agenda 21.
A prática de participação de ONGIs nos processos decisórios como observadoras também
já ocorria na Liga, em que ONGIs podiam ser convidadas para participar de encontros da
Assembleia e do Conselho. Embora essa participação tivesse um caráter informal, várias
propostas de ONGIs foram incorporadas aos trabalhos desses órgãos, principalmente na área
dos direitos de minorias e das crianças. Eglantyne Jebb, por exemplo, que fundou a Save the

179
Children, em 1919, colaborou na redação da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada
pela Liga em 1924. A Save the Children e outras ONGs estavam representadas no Comitê do
Bem-Estar da Criança da Liga, assim como nos grupos feministas no Comitê sobre o Tráfico
de Mulheres e Crianças, embora não tivessem direito a voto. Várias ONGs abriram
escritórios em Genebra para facilitar os contatos com a Liga, e ali permanecem até os dias de
21
hoje.
A carta da ONU formaliza a colaboração das ONGIs, que podem adquirir status
consultivo no ECOSOC, como previsto no artigo 71 da Carta, anteriormente citado. O
número de ONGs registradas nesse órgão cresceu de 41, em 1946, para 4.045, atualmente. As
decisões sobre a concessão de status consultivo são tomadas pelo próprio ECOSOC, com
base em recomendações de seu Comitê de ONGIs, composto por dezenove Estados. Os
22
critérios atuais para elegibilidade e seleção são determinados pela Resolução 1996/31.
Qualquer ONG, internacional, regional, nacional ou subnacional, pode se candidatar, desde
que atenda aos critérios de ter mais de dois anos de existência, uma sede, uma constituição e
uma estrutura democrática. São acordados três tipos de status consultivo: geral, especial e de
listagem (roster). O primeiro tipo é mais abrangente e é concedido a ONGs grandes e
multifacetadas, tais como a Legião da Boa Vontade, que se engajam em diversas áreas. Essas
ONGs podem consultar funcionários do Secretariado da ONU, propor temas para a agenda
através do Comitê de ONGs do ECOSOC, submeter declarações escritas e se pronunciar
oralmente no ECOSOC ou nas reuniões das comissões funcionais. O status especial é
concedido a ONGs conhecidas internacionalmente que apresentem conhecimento
especializado em uma área particular, tal como a Associação Latino-Americana de Desenho
Industrial. Elas têm quase os mesmos direitos das ONGs de status consultivo geral, exceto
propor temas para a agenda. O status de listagem (roster) é concedido a ONGs menores, tais
como a IBASE, que tenham interesses ocasionais específicos e que tenham os mesmos
23
direitos das de status especial.
A participação das ONGIs na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança não é tão
formalizada como no ECOSOC. Apesar da resistência por parte dos Estados-membro para
uma maior formalização, algumas práticas têm ocorrido. O Comitê Internacional da Cruz
Vermelha, por exemplo, adquiriu status de observador na Assembleia em 1994 e a Federação
Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em
1996. Algumas ONGs têm participado nas sessões dos comitês especiais e nas sessões
24
especiais da Assembleia. Em 1997, pela primeira vez o Conselho de Segurança permitiu
que representantes da Oxfam, CARE e Médicos Sem Fronteiras se pronunciassem nesse
órgão, a respeito da crise dos Grandes Lagos. Desde então, essa prática se repetiu algumas
25
vezes, mas de forma ad hoc e não formalizada. Além da participação nos órgãos existentes,
há propostas para a criação de um novo fórum na ONU somente para as ONGs, no formato
de uma Assembleia Consultiva Parlamentar ou um Fórum da Sociedade Civil. Embora essa
ideia seja rejeitada por muitos Estados, o projeto tem sido discutido, entre outros, no âmbito
da Assembleia Global das Pessoas do Milênio (Global Millenium Peoples Assembly),
26
realizada em abril de 2000, em Samoa.
As ONGIs também podem colaborar formalmente com a ONU no âmbito da
disseminação de informações, associando-se ao Departamento de Informação Pública do
Secretariado. As ONGIs credenciadas têm acesso livre aos prédios e podem, assim, assistir a

180
quaisquer debates públicos, ou fazer lobby com os delegados nos corredores, uma prática que
tem sido reconhecida como cada vez mais importante.
Assim como nos órgãos principais da ONU, as ONGIs também têm acesso aos órgãos
legislativos de grande parte das agências da ONU, tais como a Organização Mundial da
Saúde ou a Organização Internacional do Trabalho, sendo que cada uma tem autonomia
27
para estabelecer seus próprios critérios para seleção e mecanismos de colaboração. As
ONGIs também colaboram com as OIGs regionais, tais quais a União Europeia e o
28
Mercosul.
Como foi visto ao longo desta seção, a atitude em relação à sociedade civil global e às
ONGIs não é uniforme. Alguns estudiosos e ativistas as veem positivamente, como
elementos democratizantes da política internacional. Outros as acusam de serem
instrumentos da manutenção da hegemonia cultural ocidental ou de perpetuarem as
clivagens sociais e econômicas inerentes ao sistema capitalista (Kennedy, 2004; Karns e
Mingst, 2009 Willet, 2010).
Uma crítica feita às ONGIs, nesse contexto, é até que ponto conseguem se manter
organizações sem fins lucrativos, não se confundindo com corporações privadas. Em suas
campanhas direcionadas ao público em geral, as ONGIs utilizam técnicas de marketing do
setor privado, como o uso de logomarcas e a divulgação em objetos de consumo, como
camisetas. O Greenpeace, por exemplo, conta com lojas em centros comerciais em São Paulo
e no Rio de Janeiro. A filial do Canadá, onde foi originalmente criada a organização, perdeu
seu status de instituição de caridade em 1989, sob alegação de que suas atividades não
29
traziam benefícios públicos, e que tinham perfil empresarial.
As ONGs também não são sempre bem vistas pelos Estados-membro da OIGs com as
quais colaboram. Enquanto Estados menos democráticos tendem a rejeitar ONGIs atuantes
na área de direitos humanos, os Estados mais ricos resistem à presença das ONGIs
antiglobalização. Por insistência da China e de outros Estados Asiáticos, as ONGIs foram
excluídas do comitê que preparava os documentos para a Conferência sobre Direitos
Humanos em Viena em 1993. Ademais, as ONGIs nem sempre trabalham em harmonia,
havendo clivagens recorrentes, tais como entre as ONGs “do Norte” e as “do Sul”, entre as
mais reformistas e as mais radicais. Essas questões serão levantadas a seguir na análise de
alguns exemplos de ONGIs: a Cruz Vermelha, o Greenpeace Internacional e a Human Rights
Watch.

181
A Cruz Vermelha
A Cruz Vermelha tem uma história e um papel na política internacional muito particular.
O termo Cruz Vermelha abrange o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, as Sociedades
Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a Federação Internacional das
Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e é referido como um
30
movimento global. A Federação foi criada em 1919 pelas Sociedades Nacionais existentes.
Elas surgiram das propostas levadas aos líderes mundiais pelo Comitê, cuja origem remete à
visão e à determinação de Henry Dunant, um banqueiro suíço que, por razões pessoais e
profissionais, estava na Lombardia durante as guerras italianas de independência. Dunant se
confrontou com milhares de soldados feridos após uma luta entre italianos e austríacos na
cidade de Solferino e, chocado com a falta de médicos e assistência, permaneceu para ajudá-
los. Em 1862, publicou um livro relatando sua experiência e propondo a criação de
sociedades compostas por voluntários qualificados para assistir os feridos durante as guerras.
O livro foi um sucesso, e Gustave Moynier, advogado em Genebra e membro da Sociedade
para Bem-Estar Público dessa cidade, convidou Dunant para participar de um comitê que
deveria examinar e implementar as propostas do livro. O comitê, originalmente chamado
Comitê Internacional para Ajuda aos Feridos Militares, foi renomeado Comitê Internacional
da Cruz Vermelha em 1880.
Um dos consensos do comitê era a necessidade de as Sociedades Nacionais serem
reconhecidas oficialmente pelos governos para evitar a resistência dos comandantes militares
e colocar os voluntários em risco. Os membros do comitê, especialmente Dunant, se
engajaram em uma estratégia de cima para baixo, entrando em contato diretamente com
representantes governamentais das principais potências europeias e convidando-os a
participar de uma conferência com o objetivo de formular um acordo internacional que
tratasse das propostas do comitê. Apesar da importância atribuída ao apoio do público em
geral, a estratégia foi predominantemente direcionada a representantes políticos e legalistas.
A Conferência se realizou em 1863 e contou com delegados da Áustria, Baden, Bavária, Grã-
Bretanha, França, Hanover, Hesse, Itália, Holanda, Prússia, Rússia, Saxônia, Espanha, Suécia
e Suíça e sociedades filantrópicas tais como a Ordem de São João de Jerusalém e a Sociedade
de Ciências Sociais de Neuchatel.
ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DO MOVIMENTO GLOBAL DA
CRUZ VERMELHA
• Comitê Internacional da Cruz Vermelha
• Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
• Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho
Apesar de discordâncias entre os participantes, a proposta do Comitê foi adotada por
unanimidade. Os delegados retornaram a seus países com a tarefa de organizar sociedades
nacionais e persuadir seus governos a assinarem um acordo internacional reconhecendo a
neutralidade dos voluntários e dos feridos. Os voluntários deveriam portar o emblema
distintivo adotado: a cruz vermelha sobre o fundo branco, cores invertidas da bandeira
nacional suíça. O acordo foi assinado em conferência ocorrida no ano seguinte e, em 1868,
praticamente todos os países europeus e vários não europeus, como os Estados Unidos e a

182
Turquia, haviam aderido. A Convenção de Genebra de 1864 foi o primeiro acordo
internacional de direito humanitário, sendo sua principal característica o princípio da
neutralidade para feridos e voluntários civis encarregados de assisti-los. Originalmente
aplicado somente a guerras interestatais, o princípio foi expandido para o caso de conflitos
domésticos. Da mesma forma, não apenas soldados, mas qualquer vítima de violência passou
a ser objeto de assistência das normas humanitárias e de proteção da Cruz Vermelha.
O papel determinante da Cruz Vermelha no desenvolvimento das normas humanitárias
internacionais e das Convenções de Genebra é enfatizado por Martha Finnemore. A autora
defende, em um estudo abrangente, que os outros fatores usualmente atribuídos a seu
desenvolvimento, como a expectativa de reciprocidade, o interesse instrumental do Estados
em reaproveitar seus feridos e razões políticas domésticas, não se sustentam empiricamente
(Finnemore, 1996).
A relação da Cruz Vermelha com os Estados difere da maioria das outras ONGIs. As
Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos de 1977, sucessores da Primeira
Convenção, de 1864, concedem mandato oficial para a organização proteger e assistir as
vítimas de conflitos armados. As Sociedades da maioria dos países concluíram acordos com
suas respectivas autoridades, nos quais à Cruz Vermelha são atribuídos privilégios e
imunidades normalmente concedidas apenas às organizações intergovernamentais.
a
Em 1965, durante a 20 Conferência Internacional da Cruz Vermelha, realizada em Viena,
na Áustria, sete princípios foram oficialmente proclamados: humanidade; imparcialidade;
31
neutralidade; independência; serviço voluntário, unidade e universalidade. Em relação à
imparcialidade e à neutralidade, é interessante notar que nem sempre foi essa a percepção
dos povos não cristãos. Durante as guerras nos Balcãs de 1875, quando a Bósnia,
Herzogovina e a Bulgária se rebelaram contra os turcos, os voluntários da Cruz Vermelha
não foram poupados; pelo contrário, foram explicitamente alvejados pelos turcos
mulçumanos. Um resultado desse problema foi a inclusão do Crescente Vermelho como
símbolo alternativo à Cruz Vermelha.
Atualmente, a Cruz Vermelha tem Sociedades em 186 países — a Cruz Vermelha
Brasileira foi uma das primeiras a ser criada, em 1907, e seu primeiro presidente foi Oswaldo
32
Cruz. Atualmente, o CICV conta com mais de 1,6 mil pessoas (voluntários e funcionários)
em missões no terreno no mundo todo. Esse trabalho é respaldado por cerca de 10 mil
funcionários locais, que contam com o apoio e a coordenação de cerca de 900 funcionários
na sede da organização, em Genebra. Existem dois tipos de voluntários: delegados e
especialistas. Qualquer homem ou mulher entre 25 e 35 anos pode se tornar um delegado,
desde que tenha disponibilidade para viajar, diploma universitário e fale inglês ou francês.
Os delegados atuam em diversas áreas na organização e implementação dos programas de
assistência. Os especialistas são recrutados de acordo com as necessidades e, em geral,
participam de missões que duram de seis meses a um ano. O recrutamento dos voluntários é
feito pela Sociedade em seu país, que podem seguir carreira na organização, tanto no campo
quanto nas sedes nacionais ou em Genebra.
Os membros do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, entre 15 e 25 pessoas, no
entanto, precisam ter a nacionalidade suíça — peculiaridade fundamentada pela
neutralidade da Suíça. Eles se reúnem periodicamente na Assembleia do Comitê para
estabelecer as políticas gerais da organização. O Comitê ainda possui um Conselho,
composto por cinco membros da Assembleia, e uma diretoria para administrar o dia a dia da

183
organização na sede em Genebra. Apesar de determinar as políticas gerais, o Comitê não
exerce autoridade sobre as Sociedades Nacionais, que são organizações autônomas em seus
países de estabelecimento. As Sociedades criaram uma federação em 1919, com um
33
secretariado também em Genebra.
A relação entre o Comitê, as Sociedades Nacionais e a Federação é atualmente
regulamentada pelo Acordo de Sevilha de 1997 e pelos seus documentos constituintes. Cada
uma dessas organizações pode receber doações de Estados ou OIGs, e as Sociedades
Nacionais repassam parte dos seus recursos para a Federação e parte para o Comitê. O
Movimento da Cruz Vermelha, como são referidas em conjunto, se reúne a cada dois anos
para decidir assuntos de interesse comum, em um fórum chamado Conselho dos Delegados.
Além desse fórum, o movimento participa, juntamente com os Estados signatários das
Convenções de Genebra, a cada quatro anos de conferências, a última tendo ocorrido em
Genebra em 2011.
Em relação à atuação no campo, a participação da Cruz Vermelha ocorre principalmente
durante os conflitos armados, mas também após seu término, na reconstrução de sistemas de
saúde, treinamento de profissionais da saúde e distribuição de medicamentos. A Cruz
Vermelha também atua na prevenção de conflitos, assistências de vítimas de desastres
naturais e refugiados e fiscalização do tratamento dos prisioneiros de guerra, entre outros.
ATUAÇÃO DA CRUZ VERMELHA
• Atividades de campo (ajuda humanitária durante conflitos armados e desastres naturais,
assistência aos refugiados, fiscalização do tratamento de prisioneiros de guerra, entre
outros).
• Colaboração com Estados e OIGs na formulação de normas humanitárias, sua
implementação e seu monitoramento.
Além de sua atuação nas áreas de conflito, a Cruz Vermelha também busca influenciar a
formulação de normas, tanto internacionais quanto domésticas, e garantir sua
implementação através do monitoramento dos Estados. Ela ainda provê assistência aos
Estados para cumprirem suas obrigações e assistência jurídica para a instauração de
34
processos de crime de guerra.
Quando observa uma violação das normas humanitárias, a Cruz Vermelha primeiramente
entra em contato com as autoridades responsáveis de modo confidencial. Se os governos não
atuarem sob essas recomendações, a Cruz Vermelha pode chegar a denunciá-los em público.
Embora essa prática seja rara, esse foi o caso, por exemplo, das denúncias sobre o tratamento
dos prisioneiros na base militar norte-americana na Baía de Guantânamo, em Cuba, detidos
sob suspeita de participarem da rede Al Qaeda de terrorismo. A Cruz Vermelha foi a
primeira entidade a denunciar as condições em que estavam sendo mantidos e a alertar que a
guerra contra o terrorismo não pode implicar a violação do direito humanitário e dos
direitos humanos.
Finalmente, devemos destacar a colaboração da Cruz Vermelha com as outras OIs e
ONGIs que atuam na área de emergências humanitárias e proteção dos direitos humanos.
Como já mencionado, o artigo 25 do Pacto da Liga incitava à cooperação de seus membros
com a Cruz Vermelha. No caso da ONU, além do status de observadora na Assembleia Geral
e no ECOSOC, um dos principais eixos de colaboração dá-se através da participação no

184
Comitê Inter-Agência (Inter-Agency Standing Committee). Esse comitê foi criado em 1992
como um mecanismo de coordenação e é composto pela Organização Mundial da Saúde,
pela UNICEF, pelo Escritório da ONU para Coordenação de Questões Humanitárias,
Organização da ONU para Alimentação e Agricultura, Alto Comissariado para Refugiados,
Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, Fundo das Nações Unidas para População. A Federação da Cruz
35
Vermelha e o Comitê da Cruz Vermelhar participam, além de representantes de outras
36
ONGIs.

185
O Greenpeace Internacional
O Greenpeace Internacional é uma das maiores ONGIs contemporâneas e também uma
das mais carismáticas. Dois componentes de sua principal estratégia — o uso de navios e a
testemunha ocular — são atribuídas à influência Quacker. Um de seus símbolos, o arco-íris,
foi adotado por inspiração do romance “Guerreiros do Arco-Íris” (Warriors of the Rainbow)
escrito por William Willoya e Vinson Brown, que conta a profecia dos índios Cree, do
Canadá, que um dia, quando a terra estivesse envenenada por seres humanos, um grupo de
pessoas de todas as nações iria se unir para defender a natureza. A bandeira da organização
foi abençoada pelo Papa, pelo Karmapa Budista e pelos índios Kuakuitl. Sua história
mistura-se com o desenvolvimento do movimento ecológico global, incluindo a criação dos
37
partidos verdes e do regime internacional de meio ambiente.
A organização foi criada com base em um movimento de ativistas no final da década de
1960 em Vancouver, no Canadá, contra a realização de testes nucleares realizados pelo
governo dos Estados Unidos na ilha de Amchitka, no Alasca. O grupo criou um comitê para
promoção da campanha chamado “Não façam ondas” (Don’t make a wave Comitee), em
referência às ondas potencialmente criadas com as explosões, especialmente pelo fato de a
área ser sujeita a terremotos. A campanha mobilizou a população local e diversos grupos,
desde pacifistas até biólogos (a ilha era habitada por várias espécies animais em extinção) e
foi considerada um sucesso. Como resultado, posteriormente os Estados Unidos
suspenderam os testes na região.
O comitê de ativistas adotou o nome Greenpeace em 1971 e, no ano seguinte, promoveu
uma campanha para protestar contra os testes nucleares franceses no atol Mururoa, no
Pacífico, marcando o caráter global de sua atuação. Essa campanha colocou o Greenpeace no
centro das atenções da mídia internacional, principalmente por causa do conflito com o
governo francês. O capitão do navio, David McTaggart, navegou até a zona de testes da
bomba nuclear, ancorando a três milhas de Mururoa de forma a impedir que o navio francês
fizesse os testes. Ele, no entanto, abordou o navio do Greenpeace danificando-o. Com isso,
McTaggart acabou tendo de retornar a Rarotonga, e os testes foram realizados, mas ele
38
moveu ações na justiça acusando os franceses de pirataria em alto mar.
O Greenpeace tornou-se uma organização não governamental no Canadá, em 1972
(Greenpeace Foundation), e sua segunda campanha foi contra a caça de baleias, enfatizando
seu caráter ecológico vis-à-vis o pacifista. A caça das baleias era praticada principalmente no
Japão, ex-União Soviética, Noruega e Islândia. Sob inspiração do cientista neo-zelandês Paul
Spong e seus estudos sobre a inteligência das baleias, o Greenpeace se engajou nessa
campanha. As normas internacionais estabelecidas no âmbito da Comissão Internacional de
Caça à Baleia, que consistiam basicamente em um sistema de cotas para o número total
permitido para cada país, não eram respeitadas. A estratégia, mais uma vez, foi a de chocar a
opinião pública, gerando a mobilização mencionada, retratando a caça desses mamíferos
como uma carnificina praticada por navios comerciais. As cenas filmadas de uma caça em
1975 contribuíram, segundo Robert Hunter, um dos fundadores da organização, para mudar
a imagem coletiva mundial a respeito das baleias. Em vez de grandes monstros contra
pequenos e corajosos homens, como retratado em Moby Dick, o filme mostrou navios
enormes e animais indefesos, na maioria não adultos. O objeto da coragem passou a ser a
proteção, e não a caça de baleias. Ademais, a campanha ainda contribuiu para aumentar a

186
eficácia da Comissão Internacional de Caça à Baleia, que decretou uma moratória à caça
39
comercial em 1982.
O sucesso de suas campanhas e a atenção na mídia estimularam a criação de outros
grupos ligados ao Greenpeace em diversos países. A proliferação de grupos ativistas ampliou
as possibilidades de atuação da organização, mas as dificuldades de coordenação entre os
diversos grupos criaram conflitos organizacionais. Para solucionar esse problema, foi criado,
em 1979, o Greenpeace Internacional, uma organização não governamental internacional,
com sede em Amsterdã, na Holanda.
MARCOS INSTITUCIONAIS NO DESENVOLVIMENTO DO GREENPEACE
• Comitê “Não faça ondas” contra testes nucleares dos Estados Unidos na ilha de Amchitka,
Alasca (1969).
• ONG canadense Greenpeace (1971).
• ONGI Greenpeace Internacional (1979).
Respeitando a autonomia que já existia entre os diversos grupos, o Greenpeace
Internacional adotou um formato federalizado. Atualmente são 28 escritórios nacionais e
40
regionais relativamente autônomos, marcando a presença em mais de 40 países. Uma das
funções centrais do Greenpeace Internacional é coordenar a redistribuição dos recursos
captados pelas filiais de acordo com as prioridades globais, além de liderar o processo de
formulação de planos de desenvolvimento organizacional para todos os escritórios em todo
o mundo. O Greenpeace não aceita doações de governos, empresas nem partidos políticos,
buscando assim não comprometer sua independência, financiando-se exclusivamente da
contribuição dos membros. Qualquer indivíduo interessado pode tornar-se membro do
Greenpeace. Atualmente são 3.875.000 de colaboradores, mas sua participação se limita à
contribuição financeira. Para participar dos órgãos legislativos, os membros precisam atuar
nas filiais e seguir uma carreira profissional na organização.
As orientações gerais das atividades da organização são decididas em seu principal órgão
legislativo: o Conselho Internacional. Esse órgão é composto por representantes das filiais e
se reúne uma vez ao ano no Secretariado, em Amsterdã. Ele também elege os participantes
do Conselho Internacional, órgão que aprova a estratégia política de longo prazo, gerencia o
dia a dia da organização e elege seu diretor-executivo.
Além das campanhas contra testes nucleares e caça de baleias, já mencionadas, as
principais campanhas atuais do Greenpeace são: promover o desenvolvimento sustentável,
conter o desflorestamento, a mudança climática, a poluição dos mares e do ar, e os
transgênicos. Com base nesses temas, as filiais promovem campanhas específicas para
atender às necessidades de cada país.
CAMPANHAS ATUAIS DO GREENPEACE INTERNACIONAL
• Pare a mudança climática.
• Proteja as florestas.
• Salve os mares.
• Pare a caça das baleias.
• Diga não à engenharia genética.

187
• Pare a ameaça nuclear.
• Elimine químicos tóxicos.
• Incentive o comércio sustentável.
A campanha contra os transgênicos é um exemplo que vale a pena ser ressaltado, pois
envolve não apenas a questão ecológica, mas também tornou-se um símbolo do movimento
41
antiglobalização. Essa campanha ilustra bem como tem se tornado cada vez mais difícil
classificar as ONGIs de acordo com suas áreas de atuação. Ecologia e desenvolvimento
econômico estão intrinsecamente ligados, como proposto na formulação do conceito de
42
desenvolvimento sustentável.
Transgênicos são definidos como seres vivos (animais e plantas) criados em laboratórios
com técnicas de engenharia genética. Os seres vivos geneticamente modificados podem ser
patenteados, e seu comércio passa a ser controlado pelas firmas que os criaram. No caso da
agricultura transgênica, seus defensores alegam que ela é mais saudável do que a agricultura
tradicional, pois usa menos agrotóxicos, e é mais eficiente, aumentando a produção total e,
portanto, contribuindo para o combate à fome no mundo. Os críticos, como o Greenpeace,
apontam que essas alegações não têm base científica, são mitos disseminados para favorecer
interesses econômicos de empresas particulares. No caso da soja, por exemplo, 90% das
sementes transgênicas são produzidas pela Monsanto e pela Novartis, ambas multinacionais
norte-americanas. Na agricultura transgênica, os agricultores passam a depender totalmente
das empresas fornecedoras, já que as plantas geneticamente modificadas não geram sementes
que possam ser reaproveitadas. Como essas empresas também produzem agrotóxicos para as
sementes modificadas, passam a controlar todo o ciclo agrícola.
As estratégias de atuação do Greenpeace variam nas diversas campanhas. Como visto,
uma de suas principais características é a busca da atenção do público nas diversas partes do
mundo, através da mídia internacional, em atitude de confronto com os responsáveis pelo
status quo. No entanto, a organização também busca colaborar com Estados e OIs no âmbito
de formulação legislativa e de monitoramento. No caso da campanha contra transgênicos, o
Greenpeace defende a formulação de regulamentos internacionais, tal como o Protocolo de
Biossegurança, e busca modificar as legislações nacionais dos países onde a produção ou
consumo de transgênicos é autorizada. No Brasil, por exemplo, teve uma atuação marcante
na proibição do plantio e comercialização de transgênicos em 1999 (ainda que a
comercialização tenha sido autorizada posteriormente), decretada em função de uma
sentença judicial do caso aberto pelo Greenpeace Brasil juntamente como o Instituto de
Defesa do Consumidor. O Greenpeace Brasil também divulga uma tabela com os produtos
transgênicos para cobrir a deficiência do cumprimento da obrigatoriedade de rotulagem e
fazendo pressão para aumentar a aquiescência das empresas à legislação nacional.
O Greenpeace colabora com a ONU por meio de diversos mecanismos, principalmente
no âmbito do ECOSOC e das conferências internacionais. A Conferência de Meio Ambiente
e Desenvolvimento de Estocolmo é considerada um marco divisor em relação à participação
de ONGs nesses eventos. A participação do Greenpeace na Conferência do Rio de Janeiro
em 1992 foi expressiva: juntamente com outras quatro ONGIs participou inclusive das
sessões preparatórias da Conferência (PrepComs). A Organização também colabora no
monitoramento e na implementação da Agenda 21 sob responsabilidade da Comissão de
43
Desenvolvimento Econômico do ECOSOC. Em 2012, na Conferência das Nações Unidas

188
sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a principal bandeira do Greenpeace
Internacional foi o desmatamento zero. No entanto, diante da decepção dos ambientalistas
em relação ao rascunho do documento que serviu de base das negociações durante a
conferência, conhecido como ‘draft zero’, a participação do Greenpeace ocorreu
principalmente em eventos paralelos, na Cúpula dos Povos, fora da agenda oficial da
conferência.

189
A Human Rights Watch (HRW)
A HRW tem suas origens no estabelecimento em 1978 de um comitê de ativistas de
Direitos Humanos nos Estados Unidos (“Helsinki Watch”), objetivando apoiar os grupos
formados em Moscou e, posteriormente, em outros países comunistas, para monitorar o
44
cumprimento das provisões dos Acordos de Helsinki. Na ocasião, a principal atenção era
aos prisioneiros políticos. Um dos idealizadores e participantes do grupo, considerado um
dos fundadores da HRW, foi Robert Bernstein, que trabalhava na ocasião na editora Random
45
House Inc., e havia conhecido dissidentes russos em viagens anteriores. Na década de
1980, foram criados outros comitês, tais como o Americas Watch, com o objetivo de
denunciar as violações aos direitos humanos cometidas durante o conflito na América
Central, e a Asia Watch, para monitorar a situação de prisioneiros políticos, principalmente
na China. Em 1988, foi então fundada a Human Rights Watch, uma ONGI que uniu os
comitês Watch situados nos diversos países, em uma estrutura única.
Ao contrário de ONGIs com uma estrutura federal, tais como a Anistia Internacional ou o
Greenpeace Internacional, as atividades da HRW são mais centralizadas na sede, localizada
em Nova York. As filiais, atualmente em Amsterdã, Berlim, Bruxelas, Chicago, Genebra,
Johanesburgo, Londres, Los Angeles, Moscou, Nairóbi (Quênia), Paris, São Francisco,
Sidney, Tóquio, Washington e Zurique, não lidam apenas com as campanhas de seus
respectivos países, como é o caso da maioria das ONGIs federalizadas, mas funcionam como
escritórios de apoio para o acompanhamento da situação dos direitos humanos nos países
designados pela sede, nos planejamentos anuais. A HRW também tem por prática abrir
escritórios temporários em países onde esteja envolvida mais intensivamente em um
determinado momento. Atualmente, a HRW monitora a situação dos direitos humanos em
cerca de 90 países. A escolha dos países é feita na sede, de acordo com o grau de gravidade
dos abusos detectados, o número de pessoas afetadas e a avaliação da possibilidade de
impacto da sua atuação.
As atividades e as prioridades da HRW são decididas por seu Conselho de Diretores, que
conta com nove comitês consultivos, cinco regionais — África, Américas, Ásia, Europa &
Ásia Central e Oriente Médio & Norte da África —, e quatro temático-Direitos da Criança,
Saúde e Direitos Humanos, Direitos de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros e Direitos
da Mulher. A estrutura administrativa da organização ainda inclui um corpo executivo em
Nova York, composto pelo diretor-executivo, um diretor-associado, um assistente-executivo
e um assistente especial.
A principal estratégia adotada pela HRW é a elaboração de relatórios, que são então
apresentados às autoridades relevantes e, principalmente, à mídia internacional. A ideia é
envergonhar os infratores publicamente e exercer pressão para que sejam punidos. Essas
autoridades são os representantes governamentais dos países onde são cometidos os abusos,
mas também representantes de OIGs, tais como a ONU ou a UE. A elaboração dos relatórios
é feita por pesquisas, visitas aos locais onde os abusos ocorreram e entrevistas com vítimas,
testemunhas e acusados.
Alguns de seus projetos especiais são sobre os direitos da criança, da mulher, liberdade
acadêmica, responsabilidade corporativa, pena de morte, prisões e refugiados. Mas a
organização denuncia qualquer tipo de discriminação e violação dos direitos humanos, seja
ela cometida por autoridades governamentais, empresas privadas ou indivíduos, criminais
ou não. O escopo de suas atividades é, portanto, bastante amplo.

190
Um princípio da HRW é ser imparcial em relação aos conflitos nos quais ocorra o abuso
dos direitos humanos. A organização já fez denúncias contra judeus e palestinos, hutus e
tutsies, comunistas e ditadores de direita, cristãos e mulçumanos. Para garantir sua
imparcialidade política, a HRW não aceita contribuições financeiras de nenhum governo,
apenas de indivíduos e fundações.
Algumas das campanhas atuais são sobre os refugiados na região do Saara Ocidental,
crianças migrantes e desacompanhadas na Europa, o tráfico de crianças e mulheres na África
Ocidental, os prisioneiros da guerra ao terrorismo nos Estados Unidos, a discriminação
contra os homossexuais no exército norte-americano, o uso de crianças como soldados na
Síria, proteção das escolas para que não sejam alvos de operações militares, contra o uso de
46
“robôs assassinos” (killer robots). Essas campanhas refletem uma seleção de questões
temáticas tratadas pela HRW nos diversos países onde atua, tais como os direitos das
crianças, das mulheres e dos homossexuais, tratamento de prisioneiros e refugiados,
liberdade de expressão e de religião, entre outros, e que remetem às normas do regime de
Direitos Humanos, visto no Capítulo 4.
A HRW também monitorou e denunciou a atuação dos militares norte-americanos no
Iraque. Em 2003, publicou vários relatórios denunciando o fracasso das forças armadas em
conduzir investigações sobre as mortes de civis em Bagdá causadas pelo uso excessivo ou
47
indiscriminado de força.
Além de suas atividades de pesquisa e denúncia de casos de violação, a HRW ainda faz
pressão sobre os governos para que esses adotem legislações favoráveis à proteção dos
Direitos Humanos. Nos Estados Unidos, onde está sua sede, também faz pressão para a
incorporação de questões a respeito de Direitos Humanos em sua política externa. Esse nível
de atuação tem sido alvo de críticas: a HRW é acusada de promover os valores ocidentais dos
48
Direitos Humanos em outros países do mundo.
Um instrumento interessante criado pela HRW para a divulgação das violações dos
Direitos Humanos é o Festival Internacional de Cinema promovido desde 1988. A
organização seleciona os filmes a serem incluídos no programa, usando critérios sobre o
conteúdo de Direitos Humanos e o mérito artístico. As primeiras edições do Festival foram
realizadas apenas em Nova York, mas, atualmente, o evento, que apresenta cerca de 500
filmes, ocorre ao longo do ano em diferentes cidades. Em 2015, o festival será realizado em
Amsterdã, Nova York, Los Angeles, San Diego e Toronto.
O processo decisório da HRW é influenciado pela atuação do “Conselho da HRW”.
Embora suas atividades sejam diretamente ligadas a HRW, o Conselho é uma organização
independente, e não um órgão subsidiário. Suas principais funções são contribuir para a
consciência a respeito dos Direitos Humanos, apoiar a HRW, por meio de arrecadação de
fundos, entre outras formas, e emitir recomendações sobre diversos aspectos das atividades
dessa organização. O Conselho é formado por 600 voluntários em 32 diferentes cidades.
Críticos salientam o caráter elitista e etnocêntrico do Conselho, composto em sua grande
maioria por norte-americanos e europeus afluentes, como George Soros. Em troca de suas
atividades de arrecadação de fundos, esses indivíduos têm aumentado sua influência na
determinação da atuação da HRW.
ALGUNS SITES DA INTERNET DE INTERESSE
• Anistia Internacional: www.amnesty.org

191
• ATTAC Internacional: www.attac.org
• Campanha Internacional para Proibição Total de Minas Terrestres: www.icbl.org
• CARE Internacional: www.care.org
• Comitê Internacional da Cruz Vermelha: www.icrc.org
• Cruz Vermelha Brasileira: http://cruzvermelha.org.br/
• Federação Internacional da Cruz Vermelha e das Sociedades do Vermelho Crescente:
www.ifrc.org
• Fórum Social Mundial: www.forumsocialmundial.org.br/home.asp
• Greenpeace International: www.greenpeace.org
• Human Rights Watch: www.hrw.org
• International Red Cross and Red Crescent Movement: www.redcross.int
• Médicos Sem Fronteiras: www.msf.org
• Oxfam International: www.oxfam.org
• Save the Children: www.savethechildren.org
• União das Associações Internacionais (UIA): www.uia.org
• WWF: www.worldwildlife.org

192
Leituras para continuar seu estudo
Colas, Alejandro, International Civil Society. Social Movements in World Politics, Polity Press, Cambridge,
Reino Unido, 2002.
Keck, M.E. & Sikkink, Kathryn, Activists beyond Borders: Advocacy Networks in International Politics, Ithaca,
Cornell University Press, 1998.
Ottaway, Marina, Corporativism Goes Global: International Organizations, Non-Governmental Organization
Networks and Transnational Business, Global Governance 7:3, 2001.
Weiss, Thomas & Leon Gordenker. NGOs, the UN & Global Governance, Lynne Rienner, Boulder, Londres,
1996.
Karns, Margaret P. , Karen A. Mingst International Organizations: The Politics and Processes of Global
Governance Lienner Rienner, 2009.

193
Notas
1. Para uma discussão mais aprofundada sobre o conceito de sociedade civil, veja, por exemplo, as obras de
Norberto Bobbio (Bobbio, 1985, 1997).
2. Mary Kaldor enfatiza a influência dos movimentos de oposição aos regimes comunistas e dos processos de
democratização nessa região e na América Latina sobre o desenvolvimento da sociedade civil global (Kaldor,
2003).
3. Veja o site do Centro de Estudos sobre Governança Global da London School of Economics, que conta com
a participação de Mary Kaldor e David Held, entre outros, e que tem diversas publicações sobre governança
global e sociedade civil internacional: http://www.lse.ac.uk/Depts/global/AboutCsGG.htm.
4. (Lipschutz, 1992, p. 390.) Veja também as contribuições de M.J.Peterson e Martin Shaw no volume especial
do periódico Millennium de 1992.
5. Veja as obras de Robert Cox (Cox, 1981 e 1983) e a de Alejandro Colás (Colás, 2002).
6. Argumento também defendido por Jan Aart Scholte (Scholte, 1999).
7. (Falk, 1999, p. 163.) Estes autores expõem suas ideias, entre outros, no contexto do Projeto de Modelos de
Ordem Mundial (World Order Models Project — WOMP). Para um resumo das propostas e ideias do
projeto WOMP veja o artigo de Simon Dalby (Dalby, 1997) e os artigos dos periódicos Alternatives: Global,
Local, Politcs, e Social Transformation and Humane Governance.
8. John Boli destaca que o Escritório Central de Associações Internacionais foi ativo na criação da Liga das
Nações e do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (Boli & Thomas, 1999, p. 20).
9. Não há uma tipologia padrão para classificar os tipos de organização da sociedade civil global, ela varia de
acordo com os interesses específicos de cada autor, e, em geral, se baseia nas tipologias usadas nas disciplinas
de Ciência Política e Sociologia. A tipologia que utilizamos segue a de Margeert Kans e Karen Mingst (Karns
& Mingst, 2004), que praticamente coincide com a de Khagram, Riker e Sikkink (Khagram et al., 2002).
10. O Fórum Social Mundial se reuniu pela primeira vez em Porto Alegre, em 2001, com o intuito de se
contrapor ao Fórum Econômico Mundial, que se reúne todos os anos na cidade de Davos, na Suíça. O
número de participantes cresceu de cerca de 20.000 pessoas no primeiro encontro para 50.000 no segundo e
100.000 no terceiro, ambos também em Porto Alegre em 2002 e 2003. O terceiro encontro foi realizado em
Mumbai na Índia, em 2004, e o quarto encontro foi em Porto Alegre, em janeiro de 2005. Em 2006, o FSM
foi policêntrico, ou seja, ocorreu de forma descentralizada em diversas cidades do mundo. Em 2007, o
encontro foi realizado em Nairóbi, no Quênia. Em 2008, não houve encontro do FSM. Já em 2009, o
encontro foi realizado em Amazonas. Em 2010, o processo do Fórum Social Mundial se deu de forma
descentralizada, com evento e atividades em várias partes do mundo ao longo do ano. E, finalmente, o
último encontro até então ocorreu em 2011, em Dacar (Senegal). Para mais sobre o FSM, veja o site
http://www.forumsocialmundial.org.br/home.asp.
11. Para uma crítica dessa iniciativa, veja o artigo de Marina Ottaway (Ottaway, 2001).
12. Para estatísticas sobre o aparecimento de ONGIs regionais, veja o artigo de John Boli e M.Thomas (Boli &
Thomas, 1999).
13. Sobre os movimentos da ONGs em Seattle, veja, por exemplo, os artigos da Global Policy Forum no
número especial “Protests in Seattle”.
14. Sobre a UIA, veja a nota n. 5.
15. Para mais detalhes sobre o aparecimento, evolução quantitativa e área de atuação das ONGs, veja o
Capítulo 1 do livro de John Boli e M.Thomas (Boli & Thomas, 1999), o Capítulo 4 do livro de Mary Kaldor
(Kaldor, 2003) e o Capítulo 1 de Sanjeev Khagram et al. (Khagram et al., 2002).
16. Para um compêndio de estudos de caso críticos a colaboração de ONGIs com os Estados e OIGs, veja o
livro editado por David Hume e Michael Edwards (Hume & Edwards, 1997). Para o caso de Bangladesh, veja
o artigo de Geof Wood no compêndio.
17. Veja sobre esse tema o livro de Abram Chayes e Antonia Chayes (Chayes & Chayes, 1998).
18. Boli & Thomas, 1999, p. 29.
19. Karns & Mingst, 2004, p. 225.
20. Sobre as Conferências Mundiais promovidas pela ONU e uma análise sobre o papel da ONGIs em casos
específicos, veja o livro editado por Michael G. Schechter (Schechter, 2001) e o de José Augusto Alves (Alves,
2001). Para uma lista das conferências internacionais promovidas pela ONU desde 1994, veja o site
http://www.un.org/events/conferences.htm.
21. Karns & Mingst, 2004, p. 225.

22. Para uma descrição do sistema anterior e uma crítica do sistema atual, veja o artigo de Marina Ottawa
194
22. Para uma descrição do sistema anterior e uma crítica do sistema atual, veja o artigo de Marina Ottawa
(Otttawa, 2001).
23. Sobre a participação de ONGS na ONU, veja também o livro de Ricardo Neiva Tavares (Tavares, 1999),
veja uma lista completa e atualizada das ONGs com status consultivo no ECOSOC no site
http://www.un.org/esa/coordination/ngo/
24. Domnini, 1996, pp. 85-86. Sobre a potencial colaboração entre ONGs e a ONU nas questões de paz e
segurança, veja, por exemplo, a introdução de Boutros Boutros-Ghali no livro editado por Thomas Weiss e
Leon Gordenken (Weiss & Gordenken, 1996).
25. Kaldor, 2003.
26. Para uma dessas propostas, veja o artigo de Richard Falk e Andrew Strauss (Falk & Strauss, 2001). Mais
informações sobre a campanha em prol da criação da Assembleia Consultiva Parlamentar:
http://en.unpacampaign.org/about/unpa/index.php29.
27. Para as agências funcionais, veja o Capítulo 6.
28. Para as organizações regionais, veja o Capítulo 5.
29. Veja o artigo de Roger Bate (Bate, 1999).
30. Veja mais detalhes nos sites: Comitê Internacional da Cruz Vermelha: www.icrc.org; Federação
Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho: www.ifrc.org; Movimento da
Cruz Vermelha: www.redcross.int.
31. Para detalhes sobre os princípios, veja CICV, 2000.
32. Veja o site da Cruz Vermelha Brasileira: www.cruzvermelha.org.br.
33. A Federação foi proposta por Durant após a Primeira Guerra Mundial como forma de fortalecer os
vínculos entre as Sociedades Nacionais. Originalmente chamava-se Liga das Sociedades da Cruz Vermelha.
Em 1983 foi renomeada Liga das Sociedades da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho e em 1991 adotou o
nome atual.
34. Veja o site da agencia http://www.humanitarianinfo.org/iasc/pageloader.aspx?page=content-about-default.
Sobre o trabalho de monitoramento, veja ICRC, 2001.
35. Veja os artigos de Andrew Natsios (Natsios, 1996) e Antonio Donini (Donini, 1996).
36. Para um relato sobre as origens do Greenpeace de um de seus fundadores, veja o artigo de Rex Weyler
(Weyler, 2001).
37. McTaggart se juntou ao Greenpeace nessa campanha e tornou-se um de seus principais líderes e primeiro
diretor-executivo do Greenpeace Internacional, trazendo sua experiência empresarial e de velejador
profissional. Um ano após dar entrada na ação judicial contra a França retornou a Mururoa, onde foi
agredido fisicamente por franceses. O incidente com o barco Rainbow Warrior em 1985 também foi
atribuído a sabotadores do serviço secreto francês. Para obter mais detalhes, veja o livro McTaggart
(McTaggart, 1978).
38. Apesar da moratória, Noruega, Islândia e o Japão não proibiram a caça das baleias. Sobre a campanha e as
estratégias da Greenpeace, veja o livro de Robert Hunter (Hunter, 1979) e os artigos de Rex Weyler (Weyler,
2001), Paul Wapner (Wapner, 1995) e de Robert Mandel (Mandel, 1980).
39. A filial no Brasil foi aberta em 1990 e conta com um escritório em São Paulo e um em Manaus. Para
detalhes, veja o site do Greenpeace-Brasil: www.greenpeace.org.br.
40. Para este argumento e uma análise da campanha contra os transgênicos no Brasil, veja o artigo de
W.E.Jepson (Jepson, 2002).
41. A definição mais usada para conceito de desenvolvimento sustentável está no Relatório Nosso Futuro
Comum (Relatório Brundtland) da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento:
desenvolvimento que atenda às necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras
gerações de atenderem as suas. (World Commission on Environment and Development, 1987 p. 43). A ligação
intrínseca entre Direitos Humanos e desenvolvimento também tem sido enfatizada por ONGIs como a
Oxfam Internacional e a CARE Internacional, que, segundo Paul Nelson, estariam desenvolvendo novos
métodos e estratégias globais para se adequar a essa percepção (Nelson, 2003).
42. Conca, 1996, p. 111. Veja também http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Documentos/Posicao-preliminar-
do-Greenpeace-na-Rio20/.
43. A Conferência de Segurança Europeia, realizada em julho e agosto de 1975, foi um momento importante
no contexto das tentativas de resfriamento da Guerra Fria nos anos 1970. Os acordos de Helsinque incluíam
três áreas: prevenção de confrontos entre o bloco ocidental e oriental, propostas para colaboração econômica

195
e tecnológica e contato entre as populações de diferentes nações, além da afirmação dos princípios de
respeito pelos diretos humanos.
44. Sobre Robert Bernstein e os outros participantes da Helsinki Watch, Orville Schell, Aryeh Neier e Jere
Laber, veja o perfil de Robert Bersntein no Relatório da HRW de 1998 (Human Rights Watch, 1998).
45. Para uma lista completa, veja o site: http://www.rnw.org/ourthemes/human-rights.
46. Veja os relatórios no site: http://www.hrw.org/campaigns/iraq/# Recent.
47. Para uma crítica ao caráter etnocêntrico da HRW, veja o artigo de Makau Mutua (Mutua, 2003).
48. Veja as críticas de Paul Trenor (Trenor, 2004).

196
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completo de doenças da pele em todos os tipos de pele em adultos, crianças e
recém-nascidos; Destaca uma grande variedade de subtipos de condições comuns,
tais como lichen planus, granuloma annulare e psoríase; Novas descobertas de
doenças em cabelo, unha e membrana mucosa são apresentados no livro; Inclui
representações de importantes condições sistêmicas como sarcoidose, lúpus
eritematoso e doenças infecciosas; Apresenta imagens nunca antes publicadas
contribuídas por 54 líderes globais em dermatologia; Texto introdutório conciso em
cada capítulo fornece aos leitores uma visão geral rápida e compreensiva da
doença abordada.

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216
Netter atlas de neurociência
Felten, David L.
9788535246261
464 páginas

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A nova edição do Netter Atlas de Neurociência oferece rica orientação visual,


combinada a um texto conciso para ajudar você a dominar os princípios complexos,
porém importantes, da neurociência.Uma cobertura de fácil entendimento dividida
em três partes — uma visão geral do sistema nervoso, neurociência regional e
neurociência sistêmica — permite o estudo das estruturas e sistemas neurais em
múltiplos contextos. No conteúdo, você encontrará:• Informações atualizadas e
novas figuras que refletem os atuais conhecimentos dos componentes neurais e de
tecido conjuntivo, regiões e sistemas do cérebro, medula espinal e periferia para
garantir que você conheça os avanços mais recentes.• Novas imagens coloridas
em 3D de vias comissurais, de associação e de projeção do cérebro.• Quase 400
ilustrações com a excelência e o estilo Netter que destacam os conceitos-chave da
neurociência e as correlações clínicas, proporcionando uma visão geral rápida e
fácil de memorizar da anatomia, da função e da relevância clínica.• Imagens de alta
qualidade — Imagens de Ressonância Magnética (RM) de alta resolução nos
planos coronal e axial (horizontal), além de cortes transversais do tronco encefálico
— bem como angiografia e venografia por RM e arteriografia clássica — o que
oferece uma melhor perspectiva da complexidade do sistema nervoso.• Anatomia
esquemática transversa do tronco encefálico e anatomia cerebral axial e coronal —
com RM — para melhor ilustrar a correlação entre neuroanatomia e neurologia.•
Uma organização regional do sistema nervoso periférico, da medula espinal, do
tronco encefálico, cerebelo e prosencéfalo — e uma organização sistêmica dos
sistemas sensitivos, sistemas motores (incluindo o cerebelo e os núcleos da base)
e dos sistemas límbicos/hipotalâmicos/autonômicos — que torna as referências
mais fáceis e mais eficientes.• Novos quadros de correlação clínica que enfatizam a
aplicação clínica das neurociências fundamentais.A compra deste livro permite
acesso gratuito ao site studentconsult.com, um site com ilustrações para download
para uso pessoal, links para material de referência adicional e conteúdo original do
livro em inglês.

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Robbins Patologia Básica
Kumar, Vinay
9788535288551
952 páginas

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Parte da confiável família Robbins e Cotran, Robbins Patologia Básica 10ª edição
proporciona uma visão geral bem ilustrada, concisa e de leitura agradável dos
princípios de patologia humana, ideal para os atarefados estudantes de hoje em
dia. Esta edição cuidadosamente atualizada continua a ter forte ênfase na
patogênese e nas características clínicas da doença, acrescentando novas
ilustrações e diagramas mais esquemáticos para ajudar ainda mais no resumo dos
principais processos patológicos e expandir o já impressionante programa de
ilustrações.

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Fundamentos de Diagnóstico por Imagem em Pediatria
Donnelly, Lane F.
9788535289121
376 páginas

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Realize com segurança e interprete com precisão os estudos de imagem pediátrica


com este recurso conciso e altamente ilustrado! Fundamentos de Diagnóstico por
Imagem em Pediatria, 2ª edição, abrange os conceitos essenciais que residentes e
profissionais precisam dominar, estabelecendo uma base sólida para a
compreensão do básico e a realização de diagnósticos radiológicos precisos. Este
título, fácil de usar na série Fundamentos de Radiologia, enfatiza técnicas
avançadas de imagem, incluindo aplicações neurológicas, ao mesmo tempo em
que destaca a anatomia básica necessária para entender essa complexa
especialidade.• Novas informações revisadas sobre temas de qualidade e de
segurança, neuroimagem, ultrassonografia em imagens pediátricas e muito mais. •
Pela primeira vez especialistas adicionais fornecem atualizações em suas áreas:
imagens neurológicas, musculoesqueléticas, cardíacas, torácicas e genitourinárias.
• Cerca de 650 imagens digitais clinicamente relevantes e de alta qualidade
demonstram, claramente, conceitos, técnicas e habilidades de interpretação
essenciais. • Temas avançados de RM, como a enterografia por RM, a urografia
por RM, a TC e a RM cardíacas, são discutidos minuciosamente. • Textos, tabelas
e imagens acessíveis ao leitor facilitam e simplificam consultas a referências. •
Editado por Lane F. Donnelly, MD, agraciado com o Prêmio 2009 Singleton-Taybi
da Sociedade de Radiologia Pediátrica pela dedicação profissional à educação
médica.

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