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Equipe de tradução

Armando M. Divan Junior (Capítulos 1-6)


Doutor em Ciências Agrárias (Fisiologia Vegetal) pela Universidade Federal de Viçosa.

Nelsa Cardoso (Capítulos 19-22, 24, glossário, apêndice, respostas, créditos, índice)
Bióloga e botânica do Departamento de Biodiversidade e Ecologia, Faculdade de Biociência,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutora em Paleontologia pela UFRGS,
com sanduíche em Paleoclimatologia pela Eberhard-Karls-Universität Tübingen.

Ricardo Lange Hentschel (Capítulos 7-10, 23)


Mestre em Botânica pela UFRGS.

Ricardo Silva Pereira Mello (Capítulos 11-14)


Doutor em Ciências (Ecologia) pela UFRGS.

Robert Lawson Foster (Capítulos 11-14)


Biólogo.

Sandra C. Müller (Capítulos 15-18)


Professora adjunta do Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, da UFRGS.
Doutora em Ciências (Ecologia) pela UFRGS.

C135e Cain, Michael L.


Ecologia [recurso eletrônico] / Michael L. Cain, William D.
Bowman, Sally D. Hacker ; revisão técnica: Leandro da Silva
Duarte, Fernando Joner. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Artmed, 2011.

Editado também como livro impresso em 2011


ISBN 978-85-363-2553-8

1. Ecologia. I. Bowman, William D. II. Hacker, Sally D.


III. Título.

CDU 574

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052


Ecologia 527

Use um computador para produzir as camadas de dados:

Satélite para a
captação da imagem

cional
e popula
Densidad Imagem final
(A)
Dados obtidos
no solo

ria
Malha viá
Fotografias aéreas

tegidas
Terras pro
Satélite para uso do GPS
(dados reunidos por telemetria)
(B)

Densidade
populacional

Cada região colorida no mapa é uma


bacia hidrográfica (bacia de drenagem)
na qual diferentes camadas SIG foram
combinadas para estimar a condição
geral da paisagem.

Malha viária

Terras protegidas

Melhor Pior Esta bacia hidrográfica possui uma


condição de paisagem de escore 10,
0 50 100 calculada pela combinação de pontos
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Milhas para seis camadas de SIG. Três destas
Condição da paisagem camadas são apresentadas acima.

Ecologia de paisagem

CONCEITO 23.1
A ecologia de paisagem investiga padrões espaciais e
suas relações com mudanças e processos ecológicos. FIGURA 23.3 Sistemas de Informação Geográfica inte-
gram dados espaciais de múltiplas fontes Os Sistemas
de Informação Geográfica (SIG) são sistemas computacionais
A ecologia de paisagem é uma subdisciplina da que permitem a coleta, armazenamento, análise e apresenta-
ecologia que enfatiza as causas e consequências da va- ção dos dados geograficamente explícitos. (A) Os dados são
riação espacial ao longo de uma gama de escalas. oriundos de muitas fontes, incluindo fotos aéreas, imagens de
Desse modo, ecólogos de paisagem registram os satélite e a confirmação dos dados em campo. Camadas de da-
padrões espaciais observados – incluindo aqueles que dos mapeados podem ser reunidas de modo a auxiliar na so-
ocorrem em amplas áreas geográficas – e estudam lução de questões particulares. (B) No Estado de Nova Iorque,
como esses padrões afetam e são afetados pelos pro- informações sobre os padrões de uso de solo (densidade da
cessos ecológicos. Os padrões de interesse se cons- população humana, malha viária, terras protegidas, barragens)
tituem em arranjos espaciais de diferentes elementos foram combinadas com variáveis naturais (cobertura natu-
ral e áreas de florestas) para estimar a condição da paisagem
da paisagem na superfície da Terra. Exemplos de ele-
e identificar áreas com as maiores oportunidades de conservação.
mentos da paisagem incluem manchas de florestas
circundadas por pastagens ou lagos espalhados por
528 Cain, Bowman & Hacker

(A) (B) (C)

FIGURA 23.4 A heterogeneidade da paisa- Lago Lago


gem Paisagens podem ser heterogêneas em Areia seca e ácida sem subsolo firme Área urbana ou pedreira
muitos tipos diferentes de elementos, que podem Areia seca e ácida com subsolo firme Floresta decídua de terra firme
ser dispostos de modo independente. (A) Fotografia Argila calcárea úmida Floresta perenifólia de terra firme
aérea da Península Superior de Michigan. (B) Mapa Argila ácida úmida Floresta mista decídua/perenifólia
com seis tipos diferentes de solo na mesma área. (C) Argila calcárea encharcada Floresta paludosa
Mapa com sete elementos diferentes de paisagem Areia ácida encharcada e lodo Área úmida sem floresta
na mesma área. (Conforme Delcourt, 2002.) Áreas de pastejo ou cultivo

uma grande região de floresta boreal. Em uma escala luentes entre os ecossistemas, como, por exemplo, de
espacial menor, os elementos da paisagem poderiam uma floresta para um lago adjacente. Também há o flu-
consistir em um indivíduo arbustivo de creosoto no xo biótico entre as manchas adjacentes do mosaico, à
deserto. Mas quaisquer que sejam os elementos, eles medida que animais, sementes, pólen e outros agentes
estão dispostos de certo modo no espaço. Como ve- biológicos se movem entre os fragmentos (Forman,
remos, o padrão espacial dos elementos da paisagem 1995). Para que esses movimentos ocorram, as man-
pode influenciar na composição de espécies residentes, chas devem estar diretamente conectadas umas com
assim como na dinâmica de processos ecológicos como as outras ou o hábitat do entorno (a matriz) deve ser do
distúrbios e dispersão. tipo que possibilite a dispersão (Figura 23.5). Na Aus-
trália, por exemplo, ratos deixam regularmente o meio
A paisagem é uma área heterogênea composta florestal para forragear em plantações de amêndoas de
de um mosaico dinâmico de ecossistemas que macadâmia adjacentes, resultando em maiores perdas
de produção nas zonas de contato com hábitats flo-
interagem uns com os outros
restais do que nas divisas com campos ou outras áreas
Uma paisagem é uma área em que ao menos um ele- de agricultura (White et al., 1997). Examinaremos essa
mento é espacialmente heterogêneo (varia de lugar dinâmica entre fragmentos em maior detalhe a seguir.
para lugar) (Figura 23.4). Paisagens podem ser hetero- A heterogeneidade da paisagem é estudada em
gêneas tanto por sua composição – a paisagem é com- uma ampla abrangência de escalas, embora a maioria
posta de doze tipos de cobertura vegetacionais ou ape- dos estudos de paisagem seja feita na escala de hecta-
nas três? – quanto pelo modo com que seus elementos res e a quilômetros quadrados. A questão da escala é
estão arranjados – existem muitas manchas pequenas essencial na ecologia de paisagem, uma vez que a es-
dispostas regularmente na paisagem ou existem poucas cala selecionada influenciará nas conclusões encontra-
manchas grandes? Ecólogos geralmente chamam essa das (Quadro 23.1).
combinação de elementos heterogêneos de mosaico. Ecólogos da paisagem descrevem a heterogenei-
Os diferentes ecossistemas que formam a paisa- dade observada na natureza em termos de composição
gem são dinâmicos e interagem continuamente uns e estrutura. A composição da paisagem se refere aos
com os outros. Essas interações podem ocorrer pelo tipos de elementos ou de manchas em uma área natu-
fluxo da água, da energia, dos nutrientes e dos po- ral, assim como o quanto de cada tipo se faz presente.
Ecologia 529

(A) (B) gem é composta por fragmentos pequenos ou grandes,


qual o grau de conexão ou de dispersão dos fragmen-
tos, se os fragmentos possuem formatos simples ou re-
cortados e o quão fragmentada é a paisagem (Turner et
al., 2001). Tinker e colaboradores estavam aptos a utili-
zar as métricas da paisagem que eles elaboraram para
Yellowstone, para comparar a fragmentação natural
causada por queimadas e a fragmentação do entorno
do parque causada pelo corte raso de madeira. Não há
uma medida simples que congregue todos os aspectos
Fragmento
da estrutura da paisagem que podem ser aplicados em
Matriz 1 diferentes situações. Seja qual for a medida quantita-
Matriz 2 tiva utilizada, essa abordagem nos permite comparar
Corredor uma paisagem com outra e relacionar os padrões da
paisagem com processos ecológicos e com a dinâmica
FIGURA 23.5 Dinâmica entre fragmentos Interações en- da mudança da paisagem.
tre elementos adjacentes da paisagem podem ocorrer com fre-
quência (setas largas) ou raramente (setas finas). (A) Trocas entre
um fragmento e a matriz circundante ocorrem com frequência. Padrões de paisagem afetam processos
(B) Trocas entre manchas do mesmo tipo ocorrem frequente- ecológicos regulando a movimentação de
mente, mas trocas com a matriz raramente ocorrem. (Conforme elementos e organismos
Hersperger, 2006.)
A configuração espacial dos elementos da paisagem
exerce importante papel na dinâmica ecológica. Ela
Esses elementos são definidos pelo investigador e in- pode influenciar, por exemplo, se e como os animais se
fluenciados pela fonte de dados utilizada (Figura 23.6).
Em um exemplo do Parque Nacional de Yellowstone,
pesquisadores designaram cinco diferentes classes etá- Apenas remanescentes
de florestas mais velhas
rias de florestas de pinheiro lodgepol utilizando dados permanecem após focos Grandes populações de
de campo, imagens aéreas e SIG (Tinker et al., 2003). A recentes de incêndio. árvores mais velhas são
encontradas nesta região
composição dessa paisagem pode ser quantificada pela sem queimadas.
contagem dos tipos de elementos presentes na área
mapeada (cinco neste caso), pelo cálculo da proporção
da área de cobertura de cada elemento na área mapea-
da ou pela medição da diversidade e da dominância de
diferentes elementos da paisagem de modo semelhan-
te ao feito com as espécies, utilizando medidas como o
índice de Shannon, por exemplo (ver Capítulo 15). Lago
Yellowstone
Na Figura 23.6, também podemos notar variação
em como as diferentes classes etárias estão distribuí-
das na paisagem. Quando percebemos que uma área
Classes etárias
é mais fragmentada que outra, estamos comparando dos bosques
a estrutura da paisagem, ou a configuração física dos 1–25
diferentes elementos constituintes. Podemos ver que, 26–158
em algumas partes da paisagem, existem blocos con- 159–247
248–323
tínuos de florestas mais antigas (área B), enquanto 0 16
324–560
que em outras partes a paisagem é mais fragmenta- km

da, apresentando um mosaico de pequenas manchas


de diferentes classes etárias (área A), principalmente
FIGURA 23.6 Composição e estrutura da paisagem Nes-
devido a episódios de queimadas no passado. Como
te mapa da floresta de pinheiro lodgepole (Pinus contorta var. la-
os ecólogos da paisagem quantificam essas diferen- tifolia), no Parque Nacional de Yellowstone, podemos ver que a
ças? Centenas de diferentes medições quantitativas paisagem é composta por cinco tipos diferentes de estágios de
têm sido desenvolvidas para medir, analisar e interpre- desenvolvimento. A complexidade estrutural varia na paisagem,
tar padrões de paisagem, muitas envolvendo análises como pode ser visto no grau de variação da fragmentação natu-
complexas. De modo geral, elas verificam se a paisa- ral. (Conforme Tinker et al., 2003.)
530 Cain, Bowman & Hacker

QUADRO 23.1
Pensando em escalas

C onsiderações sobre escalas não


podem ser ignoradas na ecologia
de paisagem. Uma paisagem pode ser
dados que devem ser manipulados
na análise: usar uma abordagem com
grânulos grandes pode ser apropriado
Examinando questões de escala,
estudos de ecossistemas e de pai-
sagem também devem determinar
heterogênea em uma escala relevante quando se estiver procurando por pa- como processos aumentam ou dimi-
para um besouro, mas homogênea drões de escala regional a continental nuem de escala. Por exemplo, uma
para um pássaro canoro ou para um (Figuras A-C). Extensão se refere à pessoa estudando trocas de carbono
alce. A escala que escolhemos para es- área ou período de tempo envolvido em nível de paisagem precisa saber
tudar uma paisagem determina os re- pelo estudo. Considere os modos va- como medições de CO2 baseadas nas
sultados que iremos obter. Dessa for- riados pelos quais podemos descre- folhas mudam aumentando a escala
ma, parte da ecologia de paisagem ver a composição de um ambiente para toda a planta, o ecossistema e
envolve o entendimento das implica- dependendo de como definimos a por fim, para o mosaico de ecossiste-
ções da escala. extensão espacial (Figuras D-F). A mas que formam a paisagem. Ecólo-
Escala, dimensão espacial ou tem- Figura D, por exemplo, mostra muito gos têm buscado elucidar princípios
poral de um objeto ou processo, é ca- pouco da sucessão final do pinhei- gerais que possam ser aplicados em
racterizada tanto pelo grânulo quanto ro-de-casca-branca, enquanto a Fi- questões de escala, as consequências
pela sua extensão. Grânulo é o tama- gura F contém uma considerável área de se agrupar dados ou simplificar en-
nho da menor unidade homogênea dessa espécie (Turner et al., 2001). Po- tre os níveis de escala, e como os pa-
de um estudo (como o pixel das ima- dem existir fronteiras antropogênicas drões e os fenômenos em uma dada
gens digitais) e determina a resolução ou naturais que determinam a exten- escala afetam aqueles que ocorrem
na qual vemos a paisagem. A seleção são de um estudo, ou elas podem ser abaixo ou acima na hierarquia das es-
do grânulo afetará a quantidade de definidos por um pesquisador. calas (Levin, 1992).

Imagens de A-C são de uma só À medida que o grânulo ... a resolução da imagem piora,
região de 5 x 5 km no Parque aumenta de A para C... mas existem menos pixels para
Nacional de Yellowstone. armazenar e analisar.

(A) (B) (C)

Tamanho do pixel: 50 x 50 m 100 x 100 m 200 x 200 m


Número de pixels: 10.000 2.500 625

(D) (E) (F)


Não é floresta
Pinheiro lodgepole, sucessão inicial
(queimado)
Pinheiro lodgepole, sucessão intermediária
De D a F, o Pinheiro lodgepole, sucessão tardia
tamanho do pixel é Pinheiro-de-casca-branca, sucessão inicial
de 50 x 50 m em (queimado)
cada painel.
Pinheiro-de-casca-branca, sucessão
intermediária
Efeitos do grânulo e da extensão (A-C) mos-
Pinheiro-de-casca-branca, sucessão tardia
tram o efeito de aumentar o grânulo; (D-F) mos-
tram o efeito de aumentar a extensão. (Conforme
Turner et al., 2001.)
Ecologia 531

movimentarão e, portanto, indiretamente, influenciar


taxas de polinização, dispersão e predação. Na Guiana
Francesa, Mickael Henry e colaboradores estudaram a
movimentação de um morcego frugívoro (Rhinophylla
pumilio) em uma floresta tropical madura seguida de
fragmentação causada pela construção de uma barra-
gem. Utilizando as métricas da paisagem que quanti-
ficam o grau de conectividade da paisagem em seus
pontos amostrais, eles concluíram que a conectividade
era um fator determinante para a densidade de morce-
gos. Fragmentos de hábitat mais isolados tinham me-
nor probabilidade de serem visitados pelos morcegos,
mesmo se tivessem abundantes estoques de recursos
(Henry et al., 2007). Assim, a estrutura da paisagem FIGURA 23.7 Padrões de deslocamento da borboleta
afetava o comportamento de forrageio dos morcegos e, bog fritillary Os padrões de deslocamento desta borboleta
consequentemente, os padrões de dispersão das plan- (Proclossiana eunomia) são influenciados pelas características da
tas das quais se alimentam os morcegos. paisagem ao redor. As borboletas hesitam em deixar os fragmen-
Padrões de paisagem também modulam ciclagens tos onde habitam se não houver outro fragmento com hábitat
biogeoquímicas. Ecólogos de ecossistemas têm indica- apropriado nas cercanias, mas atravessam uma matriz de hábitat
do hotspots biogeoquímicos cujas taxas de reações quí- não apropriado do entorno quando o fragmento seguinte esti-
ver próximo.
micas são maiores do que nos ambientes do entorno.
A água possui um papel fundamental nessa variação,
uma vez que as interfaces entre os ecossistemas terres- meas atravessavam prontamente de um fragmento a
tres e aquáticos são locais típicos de altas taxas de ro- outro. No entanto, onde o hábitat era mais fragmenta-
tatividade biogeoquímica, mas outros fatores também do e havia uma distância maior de matriz para atraves-
podem influenciar (McClain et al., 2003). Por exemplo, sar, as borboletas hesitaram mais em deixar a mancha
Kathleen Weathers e colaboradores constataram que (Schtickzelle & Baguette, 2003).
acréscimos de enxofre, cálcio e nitrogênio oriundos de O formato e a orientação dos elementos da paisa-
deposição atmosférica eram maiores nas bordas das gem também podem ser importantes na interceptação
florestas do que no interior das florestas, basicamente física dos organismos e, assim, serem funcionais na
em decorrência da maior interceptação de partículas determinação da composição das espécies. Gutzwiller
aéreas pelas copas mais densas das árvores e da maior e Anderson concluíram que as aves em época repro-
complexidade física tipicamente encontrada nas bor- dutiva na rota migratória para o norte estavam mais
das florestais. Dessa forma, as florestas fragmentadas propensas a nidificar nos fragmentos florestais orienta-
próximas de áreas urbanas podem ser significativa- dos em um eixo leste-oeste nas pradarias do Wyoming,
mente influenciadas por entradas de poluentes e nu- de tal forma que o fragmento de hábitat viesse a atuar
trientes – descoberta que tem implicações na dinâmica efetivamente como uma rede, interceptando as aves
de micro-organismos de solo, no crescimento da vege- quando migram para o norte. Eles não verificaram essa
tação herbácea e nas comunidades animais nas bordas associação em espécies de pássaros residentes. Nes-
destes fragmentos (Weathers et al., 2001). se caso, a estrutura da paisagem determina em parte
Em geral, fragmentos da paisagem variam em qua- a composição das espécies da comunidade das aves
lidade de hábitat e em disponibilidade de recursos. (Gutzwiller & Anderson, 1992).
Esta variação pode afetar as densidades populacionais Interações entre padrões da paisagem e processos
de espécies habitando cada mancha, o tempo em que ecológicos são recíprocas. Processos ecológicos são re-
os animais permanecem forrageando na mancha e o gulados pelos padrões da paisagem, como acabamos
deslocamento dos organismos entre manchas. As fron- de ver, mas os padrões da paisagem, por sua vez, po-
teiras das manchas, as conexões entre os fragmentos dem ser resultados dos processos ecológicos, como
e a matriz entre os fragmentos também podem afetar quando grandes mamíferos pastejadores moldam a
a dinâmica populacional, tanto dentro como entre as paisagem na qual vivem. Os efeitos do alce (Alces alces)
manchas. Schtickzelle e Baguette, por exemplo, estu- na Ilha Royale no Lago Superior têm sido estudados
daram os padrões de deslocamento da borboleta bog pelo uso de cercas instaladas desde a década de 1940.
fritillary (Proclossiana eunomia) entre fragmentos da A alta taxa de consumo do alce diminui a produção
paisagem na Bélgica (Figura 23.7). Onde os fragmen- primária líquida do ecossistema, não apenas pela re-
tos apropriados de hábitat estavam agregados, as fê- moção direta de biomassa, mas também indiretamente
532 Cain, Bowman & Hacker

pela alteração das taxas de mineralização do nitrogênio


e das taxas de decomposição do folhiço. Pastando, o
alce também modifica a composição das árvores en-
contradas na paisagem em favor do espruce, e o pre-
domínio do espruce por sua vez acaba determinando
as taxas dos processos biogeoquímicos (Pastor et al.,
1988). Assim, ao mesmo tempo, os alces respondem à
paisagem e atuam como seus modificadores. Em escala
mais ampla, padrões da paisagem interagem com dis-
túrbios de larga escala, como veremos adiante.

O distúrbio tanto cria heterogeneidade da


paisagem quanto responde a ela
Paisagens são naturalmente dinâmicas. Na natureza, as FIGURA 23.8 Distúrbios podem moldar padrões da paisa-
mudanças às vezes chegam aos ecossistemas de modo gem O fogo que queimou aproximadamente um terço do Par-
catastrófico – florestas e pradarias são queimadas em que Nacional de Yellowstone no verão de 1988 resultou em um
complexo mosaico de manchas queimadas e não queimadas,
grandes extensões, e enchentes trazem súbitos acrés-
que moldará a composição da paisagem nas próximas décadas
cimos de sedimento em ecossistemas fluviais – e, em ou séculos. Áreas que aparecem em preto nesta vista aérea do
outros momentos, de modo vagaroso, como resultado Cânion Madison foram queimadas por intensas chamas no dos-
da mudança do clima e movimentação dos continen- sel, e as manchas de cor marrom foram queimadas por intenso
tes. Vimos no Capítulo 16 que o distúrbio é um fator fogo próximo ao solo; ambos os modos mataram a maior parte
importante na determinação da composição da comu- ou toda a vegetação.
nidade. Ecólogos da paisagem têm perguntado se pa-
drões particulares de paisagem tornam mais lenta ou
meiros povoadores se fixaram e desbravaram áreas com
aceleram a disseminação de distúrbios e se aumentam
os solos mais férteis para a agricultura. Naturalmente
ou diminuem a vulnerabilidade dos ecossistemas aos
atraídos para boas localizações portuárias, sujeitaram
distúrbios (Turner, 2005).
assim os ecossistemas desses locais aos primeiros dis-
Em 1988, um incêndio florestal queimou pratica-
túrbios antrópicos. Áreas próximas às aldeias tiveram a
mente um terço dos 900.000 hectares do Parque Na-
madeira extraída, foram convertidas em lavouras e so-
cional de Yellowstone. Essa queimada sucedeu décadas
freram com a caça mais cedo do que as áreas restantes.
de supressão antropogênica do fogo e veio num verão
de seca extrema e de fortes ventos. Nos últimos 10.000 Esses padrões de distúrbio continuam interferindo na
anos, grandes queimadas como essa parecem ter ocor- biodiversidade atual, mesmo depois dos povoamentos
rido no norte das Montanhas Rochosas, em intervalos terem abandonado as terras e que elas tenham voltado
de 100 a 500 anos. O fogo queimou manchas de flo- a ser floresta (Butzer, 1992).
restas de diversos estágios de desenvolvimento e com Tais legados da paisagem moldam as comunidades
diferentes espécies, deixando um complexo mosaico vegetais de maneiras que apenas começamos a enten-
de fragmentos queimados em intensidades distintas der. Os efeitos dos distúrbios antropogênicos podem
(Figura 23.8). Esse distúrbio de larga escala era parcial- ser detectados em comunidades ecológicas até mesmo
mente controlado pelas condições florestais existentes séculos após o distúrbio. Na França Central, Etienne
naquela época e era favorecido pelo vento e pela seca Dambrine e colaboradores demonstraram que comu-
de um verão em particular. A queimada de 1988 defini- nidades de plantas florestais em locais onde foram os
rá provavelmente a composição da paisagem durante acampamentos dos romanos há 1.600 anos ainda apre-
as próximas décadas ou séculos (Turner et al., 2003). sentam sinais desses distúrbios. A área de floresta ma-
Aqui, o distúrbio – fogo – era a força primária a mol- peada não tinha mudado substancialmente desde 1665
dar o padrão da paisagem do futuro. Ao mesmo tempo, e foi, provavelmente, mantida como floresta durante
também respondia à estrutura da paisagem existente. séculos antes dessa data. Os pesquisadores analisa-
Essa interação recíproca entre paisagem e distúrbio é ram a diversidade de plantas na floresta em diferentes
um tanto comum. distâncias dos locais das ruínas romanas recentemente
Com o aumento da pegada ecológica da humani- desvendadas e constataram que a riqueza de espécies
dade, o tipo e a extensão dos níveis de distúrbios na aumentou ao redor das ruínas. A análise das proprie-
paisagem foram alterados. Alguns locais estão mais dades do solo revelou que esse aumento era principal-
sujeitos aos distúrbios humanos do que outros. Os pri- mente devido a um pH mais elevado, que parece de-
Ecologia 533

FIGURA 23.9 Legados da paisagem Na França Central, o (A) 30


legado dos acampamento e das práticas de agricultura dos ro-

Número de espécies de plantas


25
manos, abandonado há quase dois milênios, ainda é percebido
20
na riqueza das espécies de plantas na floresta que ocupou estes
locais. (A) Mais espécies foram encontradas próximas ao cen- 15
tro dos locais dos acampamentos, incluindo mais espécies que 10
preferem pH mais elevado. (B) O pH do solo e (C) o fósforo do
5
solo também foram mais elevados próximo aos acampamentos.
(Conforme Dambrine et al., 2007.) 0

–5

correr da argamassa de cal utilizada nas construções –10

romanas e das suas práticas de agricultura. Os níveis de (B) 1,5


fósforo também foram mais altos nas proximidades dos
locais de acampamento (Dambrine et al., 2007) (Figura 1,0
23.9). Quantos outros lugares na Terra, depois de serem

pH do solo
abandonados, devem apresentar as marcas das ativida- 0,5
des humanas em suas estruturas de comunidade?
Distúrbio, mesmo se natural ou antrópico, é um 0
fator determinante no delineamento da paisagem. Al-
guns distúrbios atuais dos humanos estão tendo efei- –0,5
tos ecológicos muito severos, como veremos na próxi-
ma seção. –1,0

(C) 40

Fragmentação de hábitat 30
Fósforo do solo (mg/kg)

CONCEITO 23.2 20

A fragmentação de hábitat diminui a área de hábitat,


10
isola populações e altera condições nas bordas dos
hábitats. 0

–10
Em 1986, o projeto de uma grande hidrelétrica no
Rio Caroni em um vale da Venezuela inundou 4.300 –20
km2 de um terreno acidentado, criando um reservató- 0 100 200 300 400 500
Distância do centro do acampamento (m)
rio conhecido como Lago Guri (Figura 23.10). O resul-
tado foi a formação de várias ilhas de floresta tropical
circundadas por água, onde antes havia uma floresta
relativamente intacta. Essa mudança na paisagem deu
uma oportunidade para John Terborgh e seus alunos
e colegas estudarem os efeitos da fragmentação em Área de estudo
um ecossistema de floresta tropical seca. Seus resul-
tados foram inquietantes. As ilhas pequenas e médias Roma
não tinham mais os predadores de topo encontrados
na região, principalmente os felinos (onças, pumas, ja-
guatiricas), aves de rapina e grandes serpentes. Dessa
forma, sem seus predadores, populações de herbívoros
generalistas, predadores de sementes e predadores de Império Romano, 117 d.C.
invertebrados eram de 10 a 100 vezes mais abundantes
nas ilhas do que nas florestas intactas. Entre as espé-
cies que tiveram aumento na abundância estão for-
migas-cortadeiras, pássaros, roedores, sapos, aranhas, tamento decaiu e a mortalidade das árvores aumentou
micos-pretos, porcos-espinhos, tartarugas e lagartos. devido à elevada taxa de herbivoria, causada especial-
O aumento na abundância dessas espécies gerou um mente pelas formigas (Figura 23.11). As mudanças que
efeito drástico na vegetação dessas ilhas, pois o recru- a comunidade vegetal sofreu, segundo Terborgh, eram
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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