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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS


DEPARTAMENTO DE ECOLOGIA E RECURSOS NATURAIS

OS PESCADORES ARTESANAIS DE SANTA CRUZ E O


DESENVOLVIMENTO DE SUAS ATIVIDADES

Ricardo de Freitas Netto

VITÓRIA

2001
FICHA CATALOGRÁFICA

NETTO, R. F.

Os pescadores artesanais de Santa Cruz e o desenvolvimento


de suas atividades. Ricardo de Freitas Netto. Vitória. UFES.
2001.

77p.; il.; figuras, tabelas, pranchas e anexos.


Monografia de especialização – Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES).

Palavras – chave: Pesca artesanal, Espírito Santo, Santa


Cruz, ecologia humana, etnobiologia.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE ECOLOGIA E RECURSOS NATURAIS

PESCADORES ARTESANAIS DE SANTA CRUZ: UM ESTUDO DO


DESENVOLVIMENTO DE SUAS ATIVIDADES

Ricardo de Freitas Netto

Monografia apresentada ao Curso de


Especialização “Lato Sensu” em
Ecologia e Recursos Naturais, da
Universidade Federal de Espírito Santo
– UFES para a obtenção do título de
Especialista em Ecologia e Recursos
Naturais.

Orientador:

_________________________________
Prof. Msc. André Gustavo Alves Nunes

VITÓRIA

2001
i
Aos meus pais,

que sempre me apoiaram na vida


acadêmica.
ii
Agradecimentos

Antes de qualquer coisa, gostaria de agradecer a todos os que de alguma


forma contribuíram na realização deste trabalho, mesmo que não citados aqui...

Ao meu amigo Lupércio Araújo Barbosa, um agradecimento especial, pois


durante todo o tempo do projeto esteve sempre ao meu lado.

A Seu Pedro, pescador de Santa Cruz, que me integrou à comunidade e


contribuiu consideravelmente na realização deste estudo. Agradeço também sua
mulher pelos almoços, e pela ajuda de seus filhos.

Aos meus orientadores André Alves e Jacqueline Albino, pela contribuição ao


meu crescimento acadêmico e profissional.

Aos professores Camilo Dias Júnior, Gilberto Fonseca Barroso e Claudia


Câmara Vale, pela atenção e material cedidos durante a realização do projeto.
Também ao departamento de Ecologia e Recursos Naturais pelo apoio logístico.

A empresa Aracruz Celulose pelo apoio financeiro fornecido ao projeto.

A Cynthia Massote Rodrigues de Oliveira, minha namorada, que agüentou as


minhas ausências e reclamações durante nossa convivência.

E finalmente à minha família, que independente do motivo sempre estará ao


meu lado.

iii
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Foto parcial da cidade de Santa Cruz.................................... 05


FIGURA 2 Localização da área de estudo............................................... 06
FIGURA 3 População urbana e rural no distrito de Santa Cruz nos
anos de 1970, 1980 e 1991...................................................... 08
FIGURA 4 Chefes de domicílios – em um total de 11.761 (Aracruz) e
2.392 (Santa Cruz) – por anos de estudo, segundo o
Município de Aracruz e Distrito de Santa Cruz em 1991...... 09
FIGURA 5 Número de cômodos por domicílios (Total de 6.982 em
Aracruz e 2.329 em Santa Cruz), segundo o Município de
Aracruz e o Distrito de Santa Cruz em 1991.......................... 09
FIGURA 6 Domicílios (11.761 em Aracruz e 2.392 em Santa Cruz) e
pessoas (52.254 em Aracruz e 10.161 em Santa Cruz), por
classes de rendimento nominal médio do chefe de
domicílio, segundo o Município de Aracruz e Distrito de
Santa Cruz em 1991................................................................. 10
FIGURA 7 Regime dos ventos (A) e sentido de chegada das ondas
(B) no litoral capixaba em condições normais..................... 11
FIGURA 8 Couraças lateríticas características da região de Santa
Cruz. Couraças emersas na seção inferior do estuário (A)
e no detalhe (B) arenitos ou couraças lateríticas................. 12
FIGURA 9 Mapa granulométrico dos sedimentos biolitoclásticos que
recobrem a plataforma continental interna adjacente à
Vitória a praia de Povoação, ao norte da desembocadura
do rio Doce – ES...................................................................... 13
FIGURA 10 Esquema ilustrativo do conteúdo de um Canto,
informando o habitat e etologia em uma relação
presa/predador......................................................................... 21

iv
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Comparação entre informações dos brejeiros e da


literatura sobre peixes.............................................................. 20
TABELA 2 Outras atividades remuneradas da comunidade de
pescadores de Santa Cruz....................................................... 30
TABELA 3 Estado civil, número de dependentes (média), número de
dependentes que trabalham (média) e escolaridade da
família da comunidade de pescadores de Santa Cruz.......... 30
TABELA 4 Moradia, naturalidade e iniciação na pesca da comunidade
de pescadores de Santa Cruz.................................................. 31
TABELA 5 Entidades onde estão registrados os pescadores da
comunidade de Santa Cruz...................................................... 31
TABELA 6 Técnicas de pesca utilizadas pela comunidade de
pescadores artesanais de Santa Cruz bem como sua
ocorrência entre os mesmos................................................... 32
TABELA 7 Descrição do pescado de Santa Cruz relacionando: nome
popular, família (Szpilman, 1992), técnica de pesca
utilizada, ocorrência e aceitação no mercado........................ 41
TABELA 8 Pescado, Família e Habitat e/ou Comportamento.................. 42
TABELA 9 Produção média por semana do pescado (Kg) na alta
estação, segundo entrevista com os pescadores, em
Santa Cruz e relação com o tamanho do barco (p –
pequeno < 10 m / g – grande > 10 m)...................................... 44
TABELA 10 Principais impactos sofridos pela comunidade de
pescadores artesanais de Santa Cruz, segundo
questionário............................................................................... 47

v
LISTA DE PRANCHAS

PRANCHA I Pesca de balão....................................................................... 38


PRANCHA II Pesca de linha........................................................................ 39
PRANCHA III Pesca de rede......................................................................... 40
PRANCHA IV Comercialização e valoração do pescado.......................... 46

vi
LISTA DE ANEXOS

ANEXO I Questionário base..................................................................... 71


ANEXO II Santa Cruz vive dilema da sobrevivência (Gazeta On-line –
28/01/2001)................................................................................. 73
ANEXO III Ibama chama Thotham para audiência pública (Gazeta On-
line – 09/06/2001)....................................................................... 76

vii
SUMÁRIO

Folha de rosto i
Dedicatória ii
Agradecimentos iii
Lista de figuras iv
Lista de tabelas v
Lista de pranchas vi
Lista de anexos vii
Resumo x

I – INTRODUÇÃO 01
1.1 Apresentação e justificativas 01
1.2 Objetivos 04
1.2.1 Objetivo geral 04
1.2.2 Objetivos específicos 04
II – ÁREA DE ESTUDO 05
2.1 Localização 05
2.2 Histórico da ocupação da região de Santa Cruz 06
2.3 Aspectos sócio-econômicos 08
2.4 Aspectos físicos 10
2.4.1 Aspectos climáticos 10
2.4.2 Aspectos oceanográficos 11
2.4.3 Aspectos tectônicos e estruturais 11
2.4.4 Plataforma Continental 12
III – EMBASAMENTO TEÓRICO 15
3.1 Evolução das formas de produção pesqueira no Brasil (Diegues, 1995) 15
3.1.1 Pesca de subsistência 15
3.1.2 Pesca realizada dentro dos moldes de pequena produção mercantil 15
3.1.3 A pesca empresarial-capitalista 18
3.1.4 O problema da “transição” de uma forma de organização a outra 18
3.2 O jogo da sobrevivência: bases cognitivas (Marques, 1995) 19
IV – METODOLOGIA 23
4.1 Considerações gerais 23
4.2 Obtenção de dados 24
4.2.1 Questionário 24
4.2.2 Entrevistas 25
4.2.3 O registro fotográfico 25
4.2.4 Dados secundários 26
V – RESULTADOS E ANÁLISES 27
5.1 Transformação das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos
sócio- econômicos da atual comunidade de pesca artesanal 27
5.1.1 Desenvolvimento da atividade pesqueira em Santa Cruz 27
5.1.2 Aspectos sócio-econômicos da comunidade de pescadores artesanais de
Santa Cruz 29
5.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca 32
5.2.1 Pesca de Balão 32
5.2.2 Pesca de Linha 33
5.2.3 Pesca de Rede 35
5.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado de
Santa Cruz 41
5.3.1 Descrição e conhecimento ecológico do pescado de Santa Cruz 41

viii
5.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz 43
5.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz 47
5.4.1 Embarcações de fora de Santa Cruz 47
5.4.2 A pesca industrial 49
5.4.3 Instalação de empresas mineradoras de calcário 50
5.4.4 Falta de estoque pesqueiro, proibição da pesca no período de “defeso” e
falta de apoio da prefeitura de Santa Cruz 50
VI – DISCUSSÃO 52
6.1 Evolução das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos sócio-
econômicos da atual comunidade de pesca artesanal 52
6.1.1 Desenvolvimento da atividade pesqueira em Santa Cruz 52
6.1.2 Aspectos sócio-econômicos da comunidade de pescadores artesanais de
Santa Cruz 54
6.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca 56
6.2.1 Pesca de Balão 56
6.2.2 Pesca de Linha 56
6.2.3 Pesca de Rede 57
6.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado de
Santa Cruz 59
6.3.1 Descrição e conhecimento ecológico do pescado de Santa Cruz 59
6.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz 60
6.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz 62
6.4.1 Embarcações de fora de Santa Cruz 62
6.4.2 A pesca industrial 63
6.4.3 Instalação de empresas mineradoras de calcário 64
6.4.4 Falta de estoque pesqueiro, proibição da pesca no período de “defeso” e
falta de apoio da prefeitura de Santa Cruz 64
VII – CONCLUSÃO 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 69
ANEXOS 71

ix
Resumo

O estudo da comunidade de pesca artesanal de Santa Cruz, Espírito Santo –


Brasil, buscou levantar dados referentes não só as técnicas, produção,
comercialização, mas também a importantes fatos como o desenvolvimento da
atividade na região, assim como o conhecimento tradicional, adquirido ao longo dos
anos pelos pescadores.
Além de uma extensa revisão bibliográfica, com objetivo de fundamentar a
proposta, servindo inclusive para enriquecer os dados históricos da pesca na região,
a metodologia empregou a aplicação de questionários e entrevistas. A princípio, o
questionário base, foi aplicado em toda comunidade de pescadores artesanais,
sendo as entrevistas posteriormente realizadas apenas com os “memes” –
pescadores que detêm o conhecimento e os transmite com maior facilidade aos
demais – fonte de informação mais detalhada a respeito da pesca. O registro
fotográfico além de gerar imagens que facilitaram a compreensão das descrições
feitas no estudo, serviu como ferramenta para foto-entrevistas, método utilizado para
levantar mais informações dos pescadores.
A pesca em Santa Cruz apresenta uma transformação ao longo do tempo, em
relação às formas de produção dentro do estuário do rio Piraquê-açú, inclusive com
evidências de intercâmbio de técnicas de pesca entre comunidades diferentes. A
comunidade artesanal de Santa Cruz apresenta um padrão sócio-econômico
relativamente semelhante ao resto da cidade e do município, entretanto a variação
do número de pescadores na comunidade durante o tempo e a ausência de filhos na
atividade de pesca, indica um desinteresse na sua continuidade. São três as
técnicas utilizadas pela comunidade: o balão, a linha e a rede, sempre de acordo
com o ambiente e pescado a ser capturado, evidenciando o profundo conhecimento
tradicional da comunidade. O principal pescado da região é o Peroá, e a
comercialização sempre feita por atravessadores. Os problemas enfrentados pela
comunidade são a invasão da região por embarcações de fora da cidade, a pesca
industrial, empresas mineradoras de calcário e a falta de apoio da Prefeitura local.

x
I – INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação e justificativas

Por muito tempo estudos a respeito de pescadores e de sua produção foram


marcados, no Brasil, por uma visão folclórica e idílica. Ressaltava-se apenas sua
vida pacata, indolente, ou seu tipo humano, como a coragem e os perigos da
profissão do mar. Em alguns casos se descreviam suas comunidades como
entidades isoladas, alheias aos processos econômicos desde o Brasil colônia até o
contemporâneo (Diegues, 1995). Entretanto, a pesca artesanal sempre foi um
importante meio de produção no litoral brasileiro, recebendo grande ênfase nos
últimos anos em relação à preservação cultural e biológica (Diegues, 1988 apud
Fernandes & Machado - Guimarães, 1994). Cresce o reconhecimento de que o
modo de vida de alguns segmentos, culturalmente diferenciados, é menos predatório
do que o da sociedade industrial. Segmentos dos quais as comunidades de
pescadores artesanais fazem parte, com sua produção intimamente ligada ao
ambiente no qual vivem e na adaptação que possuem para viver e explorar o
mesmo (Fernandes & Machado - Guimarães, 1994).
O modelo econômico brasileiro dos últimos anos, concentrador de renda e
voltado para exportação de grandes empresas, veio acentuar o abandono por que
passa a pequena produção tanto agrícola quanto pesqueira, em particular a pesca
artesanal. Daí ser fundamental se desmistificar a imagem corrente que existe não
somente nos meios urbanos quanto até nos órgão de administração pesqueira, que
vêem na pesca artesanal um “setor marginal” ou uma peça de folclore. A pesca
artesanal desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental na
produção pesqueira deste país, intimamente vinculada ao mercado e á pesca
empresarial capitalista, e que portanto não é nem marginal nem folclórica, mas sim
dependente, com seus produtores explorados e carentes do apoio que se deu tão
fartamente à pesca empresarial-capitalista nesses últimos anos, em particular
através dos incentivos fiscais. O resultado mais evidente desta política foi à

1
depredação dos recursos vivos do oceano, e exploração de mão-de-obra e o
empobrecimento do próprio pescador artesanal (Diegues, 1995).
A ecologia, embora permaneça firmemente radicada na biologia, já ganhou a
maioridade como uma disciplina integradora essencialmente nova, que une
processos físicos e biológicos e serve de ponto de ligação entre as ciências naturais
e as sociais (Odum, 1988). Justamente por esse motivo a ecologia foi escolhida
como a ciência fundamental do estudo. Dentro dela, inúmeras áreas de atuação se
definem, de acordo com o assunto que abordam. Uma destas vertentes, definida
como ecologia humana, defronta-se com uma problemática complexa ao ser forçada
pela natureza de seus estudos, a conceber o homem como um animal ligado, por
um lado, à teia de vida em condições idênticas aos demais seres vivos, e por outro,
ao sistema social como autor e ator (Lima, 1984 apud Marques, 1995). Surge então
a etnoecologia:

“Ciência que estuda as interações entre a humanidade e


o resto da ecosfera, através da busca da compreensão dos
sentimentos, comportamentos, conhecimentos e crenças a
respeito da natureza, característicos de uma espécie biológica
(Homo sapiens) altamente polimórfica, fenotipicamente plástica
e ontogeneticamente dinâmica, cujas novas propriedades
emergentes garantiram-lhe múltiplas descontinuidades com o
resto da própria natureza, sua ênfase, pois, deve ser na
diversidade biocultural e o seu objetivo principal, a integração
entre o conhecimento ecológico tradicional e o conhecimento
ecológico científico.”

(Marques, 1 995)

Esse conhecimento, segundo um periódico científico lançado no Canadá, o


qual, lidando com a sigla TEK1 (Traditional Ecological Knowledge), afirma em seu
primeiro número que: “o conhecimento ecológico tradicional refere-se ao
conhecimento adquirido por povos indígenas e locais, através de séculos de
2
experiências diretas e de contato com o meio ambiente”. E adianta que, tal
conhecimento assume diversas formas, a saber: um íntimo e detalhado
conhecimento do meio ambiente, incluindo plantas, animais e fenômenos naturais;
o desenvolvimento e o uso de tecnologias apropriadas para a caça, a
pesca, a agricultura e o florestamento; um conhecimento holístico ou “uma visão de
mundo”, que se paraleliza à disciplina científica da ecologia (Marques, 1995).
O que se buscou alcançar, através deste estudo, foram dados que mostrasse
a importância social, econômica e ambiental de uma comunidade pesqueira
artesanal em Santa Cruz. E para que o objetivo fosse alcançado foi necessária a
inclusão de um capítulo, de forma a fornecer um embasamento teórico ao leitor para
uma melhor compreensão do estudo proposto, principalmente no que se refere às
formas de produção pesqueira na comunidade. Dados sócio-econômicos foram
incluídos a fim de comparar o padrão de vida da comunidade diante do distrito de
Santa Cruz e Município de Aracruz. A descrição das técnicas de pesca mostram o
profundo conhecimento da comunidade em relação ao ambiente em que vivem, bem
como seu comportamento diante destas variações ambientais. Além disso, também
são descritos a forma de comercialização do pescado, e o conhecimento ecológico
que os pescadores possuem através da vivência na atividade em mar. Por fim, os
problemas que a comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz enfrentam
para continuar o desenvolvimento de suas atividades, fecham os objetivos deste
trabalho.
Socialmente, o mesmo fornece subsídios a esta comunidade para defesa de
“seu lugar”, no sentido radical da palavra “ecologia”, pois seu ambiente, subsistência
e sobrevivência, vêm sendo ameaçados por atividades pesqueiras industriais,
sempre predatórias, prejudicando a pesca e o ambiente de Santa Cruz. Como se
não bastasse o problema da pesca, outras atividades industriais como a empresa
mineradora Totham – exploradora de algas calcáreas – pode vir a prejudicar a pesca
artesanal da região, através da destruição de nichos utilizados pelo pescado da
região de Santa Cruz.

1
TEK-TALK. “A newsletter on traditional ecologiacl Knowledge”. 1 (1), 1992 (Marques, 1995).
3
1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Registrar o desenvolvimento da atividade de pesca em uma comunidade de


pescadores artesanais de Santa Cruz / ES – Brasil.

1.2.2 Objetivos específicos

• Verificar a evolução das formas de pesca das comunidades do estuário


do rio Piraquê-açú ao longo do tempo até o estabelecimento da pesca
artesanal, bem como os aspectos sócio-econômicos atuais da
comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz.
• Descrever as técnicas de pesca e o conhecimento tradicional envolvido
na atividade dos pescadores artesanais de Santa Cruz.
• Descrever os tipos de pescado e conhecimento ecológico adquirido
pela comunidade, bem como a comercialização e valoração do
pescado em Santa Cruz.
• Identificar os fatores que prejudicam a atividade da comunidade de
pescadores artesanais de Santa Cruz.

4
II – ÁREA DE ESTUDO

2.1 Localização

O Município de Aracruz, localizado no litoral norte do Espírito Santo, a 80 Km


da capital de Vitória, situa-se nas coordenadas 19° 49’ 06’’ S e 40° 16’ 37’’ W.
Dividido politicamente em cinco distritos: Sede, Santa Cruz, Riacho, Guaraná e
Jacupemba, ocupa uma área de 1.435 Km 2.
O Município é drenado pelas bacias do rio Riacho com 1.081 Km e também
do rio Piraquê cuja localização está entre 40° 05’ W e 20° 00’ S, possuindo cerca de
457 Km 2. As margens do rio Piraquê – na desembocadura do rio junto ao estuário –
está localizado a Distrito de Santa Cruz (Figura 1), distante 65 Km da capital do
Estado, Vitória (Figura 2).

Figura 1 – Foto parcial da cidade de Santa Cruz.

5
Figura 2 – Localização da área de estudo.

2.2 Histórico da ocupação da região de Santa Cruz

Somente os índios habitavam as terras e matas de Aracruz, e chefiados pelo


cacique Maracaiá-Guaçu (Gato Grande do Mato), viviam totalmente isolados
naquele território. Em 1556 chegaram os homens brancos com o processo de
catequização na antiga Aldeia Nova, hoje Santa Cruz. O padre Brás Lourenço
auxiliado pelo também padre Diogo Jácome, fundou em 1556 um núcleo de
catequese para onde atraiu várias tribos de índios, entre elas a do cacique
Maracaiá-Guaçú. Mais tarde, com a fundação da Aldeia dos Reis Magos, atual Nova
Almeida, o núcleo passou a denominar-se Aldeia Velha. O cacique Maracaiá-Guaçu
chegou a se incorporar à expedição de Mem de Sá para a expulsão dos franceses
da Guanabara. Segundo Levy Rocha em seu livro “De Vasco Coutinho aos
Contemporâneos”, a aldeia teria sido apelidada pelos tupiniquins de Huuassu (Rio
Caudaloso). Conforme o autor - a Aldeia Velha – pode ter sido o primeiro ponto da
6
costa brasileira, onde a 26 de fevereiro de 1557, aportou o barco que trouxe o
francês Jean de Lxry. Aldeia Velha tornou-se distrito em 16 de dezembro de 1837. O
município foi criado com o nome de Santa Cruz, em 3 de abril de 1848. Em 1860,
Santa Cruz recebeu a visita de D. Pedro II, que pernoitou na cidade e inaugurou o
chafariz público. Em 1891, o município perdeu o território de Conde D’Edu (Ibiraçú).
No atual século, observando a divisão administrativa estadual e o recenseamento de
1920, criou-se o distrito da sede. Em 1943, uma resolução da comarca municipal
transfere a sede do município para o povoado de Sauassu – maior centro de
serrarias – para centralizar os poderes públicos locais. Em 31 de dezembro de 1943,
através do decreto n° 15.177, o município e a sede receberam o nome de Aracruz (A
Gazeta, 1994).
Segundo levantamento da Prefeitura, economicamente, Aracruz passou por
três fases. De 1556 a 1848, estagnação. De 1848 a 1948, conquista das terras do
interior pelos imigrantes italianos. Com o Decreto Imperial n° 5.295, de 31 de maio
de 1872, é autorizada a imigração de 700 italianos para o Espírito Santo. As
primeiras 386 famílias chegaram em 1874 e foram levadas para a Fazenda Nova
Trento em Santa Cruz. Outros que chegaram a Santa Cruz, subiram o rio Piraquê-
Açu e se fixaram na Fazenda das Palmas (Córrego Fundo), dedicando-se ao cultivo
de cana-de-açúcar. Alguns imigrantes subiram ainda mais o rio e embrenharam-se
nas matas de Timbuí, estabelecendo-se no lugar hoje denominado Santa Tereza.
Esta fase é marcada pela expansão da cultura do café e da mandioca. De 1948 a
1967, fase auto-suficiente liderada pelo café, mandioca, cana de açúcar e serrarias.
Uma nova fase se inicia com a implantação do Complexo Industrial de Celulose nos
anos 70, quando Aracruz substitui sua economia essencialmente agrícola/extrativista
por uma economia industrial, incentivada pela política estadual de implantação de
indústrias de grande porte. Este incentivo objetivava uma transformação qualitativa
na economia estadual, através da captação de grandes capitais nacionais e
estrangeiros. Essa mudança refletiu-se diretamente na composição da população e
na ocupação do solo. A população passou de predominantemente rural a
essencialmente urbana no final dos anos 70 (Projeto de Gerenciamento Costeiro do
Estado do Espírito Santo).

7
2.3 Aspectos sócio-econômicos

A densidade demográfica da região Litoral norte é de 29,19 hab/Km2,


apresentando a menor densidade, se comparada com a do Litoral Sul e Grande
Vitória. O distrito de Santa Cruz tem o segundo maior número de habitantes (10.188
hab) dentro do município e abrange uma área de 265 Km2. A densidade demográfica
é de 38,44 hab/Km 2 (IBGE Censo Demográfico, 1991 – Prefeitura Municipal de
Aracruz).
Conforme mencionado anteriormente a partir de 1970, com a implantação do
Complexo Industrial de Celulose, a população rural diminuiu enquanto que a urbana
cresceu, concentrando a maioria da população do município. Em Santa Cruz não foi
diferente e da década de 70 até a de 90, a população urbana passou de 577
habitantes para 7.043 enquanto que a rural caiu de 4.378 para 3.145 habitantes
(Figura 3).

POPULAÇÃO URBANA E RUAL NO DISTRITO DE SANTA CRUZ NOS ANOS DE 1970, 1980 E
1991

12.000 População Total


10.000
8.000
Número de habitantes 6.000 Urbana
4.000
2.000
0 Rural
1970 1980 1991
Anos

Figura 3: População urbana e rural no Distrito de Santa Cruz nos anos de 1970, 1980 e 1991
(IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980 e 1991).

Dados referentes ao nível de ensino dentro do Distrito de Santa Cruz –


tomando por base os chefes de família – mostram que a maioria (24,8%) tem pelo
menos de 4 a 7 anos de estudo, tempo necessário ao ensino fundamental pelo
menos. A minoria está representada pelos que estudaram por 15 anos ou mais -
tempo necessário a conclusão do Ensino Superior - perfazendo apenas 8,9% da
amostra (Figura 4).

8
CHEFES DE DOMICÍLIOS, POR ANOS DE ESTUDO, SEGUNDO O MUNICÍPIO DE
ARACRUZ E DISTRITO DE SANTA CRUZ EM 1991

35
30
Aracruz
25
20
%
15
10
Santa Cruz
5
0
0a1 1a3 4a7 8 a 10 11 a 14 15 ou
mais
Anos de Instrução

Figura 4: Chefes de domicílios - em um total de 11.761 (Aracruz) e 2.392 (Santa Cruz) – por
anos de estudo, segundo o Município de Aracruz e Distrito de Santa Cruz em 1991 (IBGE,
Censo Demográfico, 1991).

O número médio de cômodos por domicílio em Santa Cruz é de 6,41,


ligeiramente maior do que o Município de Aracruz (5,59). Em Santa Cruz 52,4% dos
domicílios apresentam de 6 a 9 cômodos. Este média alta pode ser explicada pelo
fato de muitas casas são ou carregam características da época da colonização.
Apenas 2,8% possuem apenas um cômodo (Figura 5).

NÚMERO DE CÔMODOS POR DOMICÍLIO SEGUNDO O MUNICIPIO DE ARACRUZ E


DISTRITO DE SANTA CRUZ EM 1991

55
50
45 Aracruz
40
35
% 30
25
20
15
10 Santa Cruz
5
0
1 2 3 4 5 6a9 > 10
Número de cômodos

Figura 5: Número de cômodos por domicílios (Total de 6.982 em Aracruz e 2.329 em Santa
Cruz), segundo o Município de Aracruz e o Distrito de Santa Cruz em 1991 (IBGE, Censo de
1991).

O rendimento nominal mensal por salário mínimo*, segundo chefes de


domicílio e pessoas, em Santa Cruz é dominado pelos que ganham de 1 a 3 salários

9
(31,3%), sendo a minoria representada pelos que não possuem rendimento mensal
algum (2,7%) (Figura 6).

DOMICÍLIO E PESSOAS, POR CLASSES DE RENDIMENTO NOMINAL MÉDIO DO


CHEFE DO DOMICÍLIO, SEGUNDO O MUNICÍPIO DE ARACRUZ E DISTRITO DE
SANTA CRUZ EM 1991

50
45
40 Aracruz
35
30
% 25
20
15 Santa Cruz
10
5
0
0 até 1 1a3 3 a 10 > 10
Salários Mínimo

Figura 6: Domicílios (11.761 em Aracruz e 2.392 em Santa Cruz) e pessoas (52.254 em Aracruz
e 10.161 em Santa Cruz), por classes de rendimento nominal médio do chefe de domicílio,
segundo o Município de Aracruz e Distrito de Santa Cruz em 1991 (IBGE, Censo de 1991).

2.4 Aspectos físicos

2.4.1 Aspectos climáticos

O clima deste trecho do litoral brasileiro é do tipo W pseudo-equatorial


(Köppen, 1948 apud Albino, 1999), em zona caracterizada por chuvas tropicais de
verão – estação chuvosa – com estação seca durante o outono e inverno. Porém, as
duas últimas estações podem registrar precipitações frontais de descargas devido às
massas polares. A temperatura média anual é de 22° C, ficando a média das
máximas entre 28° e 30° C, enquanto que as mínimas apresentam-se em torno de
15° C.
Tanto os dados levantados pelo Centro Tecnológico de Hidráulica da
Universidade de São Paulo (CTH/USP) entre fevereiro de 1972 e janeiro de 1973,
quanto os fornecidos pela EMCAPA (1981), demonstram que os ventos de maior
freqüência e maior intensidade são os provenientes dos quadrantes NE-ENE e SE,
respectivamente (Bandeira et al., 1975 apud Albino, 1999). Os primeiro estão
associados aos ventos alísios, que sopram durante a maior parte do ano, enquanto

10
que os de SE estão associados às frentes frias que chegam periodicamente à costa
capixaba (Figura 7).

Figura 7: Regime dos ventos (A) e sentido de chegada das ondas (B) no litoral capixaba em
condições normais (Martin et al.,1993 apud Albino, 1999).

2.4.2 Aspectos oceanográficos

Estudos realizados pela CTH/USP entre 1972-1973, na planície deltaica do rio


Doce, indicaram que as ondas procedem de dois setores principais: NE – E e SE –
E, com predominância do primeiro setor. Estas ondas, que pouco ultrapassam 1,5 m
com alturas de 0,9 e 0,6 m, são as mais freqüentes. Possuem um período freqüente
em torno de 5 a 6,5 s, nunca ultrapassando 9,5 s. Essas ondas são geradas pelos
dois sistemas de ventos existentes na região. As ondas do setor sul, associadas às
frentes frias, embora sejam menos freqüentes, são mais energéticas do que as do
quadrante NE. A amplitude de maré do litoral capixaba varia de 1,40 a 1,50 m,
característica de litoral submetido a micromaré, abaixo de dois metros de amplitude
(Albino, 1999).

2.4.3 Aspectos tectônicos e estruturais

Os eventos tectônicos denominados de ciclos Transamazônico e Brasileiro,


foram fundamentais para que a atual linha de costa adquirisse a direção
predominantemente norte-sul e também pelos principais domínios morfogenéticos
11
reconhecidos na região. King (1965) apud Albino (1999), sugere a formação de uma
estrutura monoclinal íngreme na faixa costeira, que ocasionou o soerguimento da
superfície terciária, em relação ao nível do mar, durante o terciário médio.
Este arqueamento da superfície, sobre a qual se depositaram os sedimentos
terciários, estaria representado no município de Santa Cruz, onde ocorrem couraças
lateríticas submersas que durante a maré baixa ficam emersas (Figura 8).

A B
Figura 8 – Couraças lateríticas características da região de Santa Cruz. Couraças emersas na
seção inferior do estuário (A) e no detalhe (B) arenitos ou couraças lateríticas.

2.4.4 Plataforma Continental

O compartimento fisiográfico da plataforma continental do Espírito Santo


denominado Embaíamento de Tubarão – que começa em Regência e se estende
até Itapemerim (ES) – apresenta-se consideravelmente estreito, com largura média
em torno de 50 Km e mínima de 40 Km, na altura de Santa Cruz. Segundo Albino
(1999), os sedimentos da plataforma continental na região estudada, distribui-se da
seguinte forma: na zona submersa adjacente à planície deltaica do rio Doce
predominam sedimentos lamosos litoclásticos; já nas regiões próximas às
desembocaduras dos rios Riacho, Piraquê-Açu e Reis Magos, lamas litobioclásticas
são encontradas em pontos isolados; e finalmente, na porção mais externa – ao sul
– ocorrem predominantemente as couraças (Figura 9).
12
Figura 9: Mapa granulométrico dos sedimentos biolitoclásticos que recobrem a plataforma
continental interna adjacente à Vitória a praia de Povoação, ao norte da desembocadura do rio
Doce – ES (Albino, 1999).

13
Quanto à composição mineralógica dos sedimentos, segundo Kowsmann &
Costa (1979) apud Albino (1999), a plataforma continental é recoberta
principalmente por sedimentos carbonáticos, com teores de CaCO3 superiores a
75%. Recobrindo a plataforma continental de Salvador a Vitória, foram identificados
por Melo et al. (1975) apud Albino (1999), dez assembléias de bioclastos, com
predomínio de algas coralinas, briozoários, moluscos e foraminíferos bentônicos.

14
III – EMBASAMENTO TEÓRICO

3.1 Evolução das formas de produção pesqueira no Brasil (Diegues, 1995)

Existem no litoral brasileiro distintas formas pelas quais o trabalho produtivo


na pesca se organiza. Não são estanques, mas se interpenetram de forma bastante
complexa. A fim de coordenar sob o ponto de vista teórico essa multiplicidade de
situações, estabeleceram-se três categorias que, acredita-se, possam ser úteis
como modelos explicativos das formas de produção existentes ao longo do litoral
brasileiro:

3.1.1 Pesca de subsistência

Hoje é praticamente desaparecida do litoral brasileiro, com alguma ocorrência


em locais distantes do Amazonas, praticada seja dentro dos quadros das tribos
indígenas ou de pequenos agrupamentos ribeirinhos. Realizada por reduzidos
agrupamentos humanos, a pesca é somente uma das atividades do grupo, aliada à
caça e a pequena lavoura, também de subsistência. É, sobretudo, uma economia de
troca, onde só existe a produção de valores de uso. Em geral, não há mediação de
moedas nas trocas existentes e o eventual excedente é reduzido. A unidade de
trabalho pode ser a própria tribo ou a unidade familiar. Ainda se encontram vestígios
dessa “economia de troca” em locais isolados, ao sul do complexo lacustre de
Iguape-Cananéia (Mourão, 1972 apud Diegues, 1995).

3.1.2 Pesca realizada dentro dos moldes de pequena produção mercantil

A principal característica dessa forma de organização é a produção do valor


de troca em maior ou menor intensidade; isto é, o produto final, o pescado, é
realizado tendo-se em vista a sua venda. Isto pressupõe uma certa divisão social do
trabalho, já com produtores mais ou menos especializados que não
15
necessariamente participam da captura. É o caso do artesão “fazedor de canoas”.
Em suma, o princípio que norteia essa forma de organização de produção é o da
mercadoria, que se converte em dinheiro através da circulação mercadoria-dinheiro,
que é utilizada para aquisição de novas mercadorias (M-D-M).
Pode-se distinguir, ainda, dois subtipos:

a) Produção mercantil simples dos pequenos produtores litorâneos, os


“pescadores-lavradores”

Neste caso, a pesca continua sendo uma atividade ocasional, restrita em


geral a períodos de safra (tainha, por exemplo). Aí a propriedade típica é a família
e/ou grupo de vizinhança. O pescado, além de poder ser salgado e secado para o
consumo direto é, em geral, vendido. Constitui uma das principais fontes de dinheiro
disponível para a compra de outras mercadorias essenciais. Em todos os casos a
atividade pesqueira se inscreve dentro de atividades predominantemente agrícolas
que constituem a base de subsistência e organização social desses pescadores (em
São Paulo é a típica lavoura-caiçara, centrada no plantio de mandioca associada ao
artesanato caseiro e a coleta de frutos do mato).
Em geral, os instrumentos de pesca, incluindo a rede, são feitos também com
base no trabalho familiar. No que diz respeito aos instrumentos de trabalho, as
embarcações por exemplo, não são motorizadas e o seu raio de ação é bastante
limitado. A pesca é realizada principalmente em lagunas, baias fechadas ou dentro
de ambientes protegidos. A pesca, sendo uma atividade complementar destinada a
produzir valores de troca, rege-se pelo sistema de partilha ou quinhões, e à medida
que a pesca passa a se tornar mais intensa, e o excedente maior, a dependência
em relação ao intermediário (pombeiro ou atravessador) cresce proporcionalmente.

b) Pequena produção mercantil pesqueira (ampliada): o pescador artesanal

Apesar da manutenção de algumas características básicas, próprias da


pequena produção mercantil familiar simples, surgem alguns elementos que
permitem falar-se em pequena produção mercantil ampliada.
16
Em primeiro lugar, o grupo doméstico, ainda que importante na atividade
pesqueira, não mais constitui a base das unidades de produção e cooperação. À
medida que a pesca deixa de ser uma atividade complementar para tornar-se a
principal fonte de produção de bens destinados à venda, surge um excedente,
utilizado na compra de embarcações motorizadas, que exigem uma outra
“tripulação”, ou seja, a mão-de-obra mais apropriada nem sempre é a familiar.
Em segundo lugar, a atividade pesqueira passa a ser a principal fonte de
renda, propiciando, em determinadas situações, uma maior produção de excedente,
em cuja distribuição entre os pescadores passa a ser introduzidos padrões menos
igualitários. O “dono da embarcação motorizada”, por exemplo, passa a exigir um
“quinhão maior”, alegando custos maiores na manutenção da embarcação,
pagamento de financiamentos feitos etc., com isto torna-se mais nítida a diferença
entre os proprietários dos meios de produção e os “camaradas”. As grandes
“companhas” ou grupos de pesca vão reduzindo o seu contingente de mão-de-obra
para dar lugar à “tripulações” menores, mais especializadas.
Em terceiro lugar, esse novo tipo de pesca, explorando ambientes marinhos e
costeiros mais amplos exige conhecimentos mais específicos que os anteriormente
usados pelo “pescador-lavrador”. Em quarto lugar, a propriedade dos meios e
instrumentos de trabalho na pesca passa a ser um elemento fundamental em toda a
organização produtiva, ao passo que a “propriedade familiar” deixa de ser tão
importante. Em quinto lugar, há um avanço tecnológico importante como a
introdução da embarcação motorizada, das redes de náilon, de novos processos de
conservação e transporte de pescado, e em sexto lugar, organiza-se todo um
processo de comercialização do pescado em que progressivamente os
“atravessadores” individuais vão perdendo gradativamente o terreno para as “firmas”
de compra e financiamento da produção.
Em suma, é somente nesse estágio que surge o “pescador” como tal, que
passa viver exclusiva ou quase exclusivamente de sua “profissão”. A expulsão das
terras onde viviam e a conseqüente urbanização, o afastam cada vez mais das
atividades agrícolas de subsistência. Na verdade, ele não tem mais a alternativa de
cultivar seu pequeno pedaço de terra de onde, com a ajuda do trabalho “familiar”,
pode retirar sua subsistência quando o mar não lhe permite ir ao trabalho. O
17
mercado é o objetivo de sua atividade, ainda que o “balaio” ou cesto de peixe para o
autoconsumo separado antes da partilha constitua uma das bases de sua
sobrevivência e de sua família.

3.1.3 A pesca empresarial-capitalista

No caso extremo encontra-se a pesca realizada dentro dos moldes


empresarial-capitalista, que se resume nas seguintes características fundamentais: a
propriedade e/ou posse dos instrumentos de produção está nas mãos de uma
empresa capitalista; no limite, todas as funções do barco de pesca empresarial são
remuneradas por salário; o pescador perde uma parte considerável de seu poder de
decisão no que diz respeito a quanto pescar, onde pescar e descarregar etc; a
introdução de equipamentos modernos tais como o sonar, o radar, a ecossonda etc,
tende a transformar bastante a função do “mestre de pesca”, a mais importante na
embarcação, ainda que ele continue detendo um grande cabedal de conhecimento
empírico sobre a localização de cardumes, ele começa a passar por um processo de
despossesão de seu conhecimento, que caracteriza o “mestre artesanal”; a
produção em larga escala é implementada com barcos de tonelagem considerável
que exigem ampla infraestrutura em terra e a atividade é voltada totalmente para a
produção de mercadoria sendo que a reposição da força de trabalho se realiza
totalmente através do trabalho assalariado ou equivalente.
Trata-se, evidentemente, de modelos teóricos, instrumentos de análise que
precisam ser operacionalizados quando se tratar de emprega-los empiricamente.

3.1.4 O problema da “transição” de uma forma de organização a outra

Ao se examinar uma formação social historicamente existente, como a


brasileira, pode-se perceber que não há necessariamente uma evolução de uma
forma de organização para a outra. Elas coexistem conflitivamente apesar de que,
nessa articulação, a dominância é exercida pela forma em que o desenvolvimento
das forças produtivas é maior: a forma de produção capitalista.

18
Há efetivamente processos que inviabilizam em maior ou menor grau a
pequena produção mercantil: a produção dos pescadores-lavradores e a dos
pescadores artesanais. Fatores tais como: a expulsão dos pescadores-lavradores de
suas terras nas praias pela especulação imobiliária; a urbanização desorganizada, e
de forma acelerada; a crescente poluição dos estuários e outros ecossistemas
litorâneos e costeiros; a sobre-pesca (exercida em particular pelos arrastões da
pesca empresarial-capitalista) e os conflitos entre os pescadores artesanais e a
pesca industrial, prejudicam as atividades desses pequenos produtores inibindo a
produção e reprodução dos mesmos.

3.2 O jogo da sobrevivência: bases cognitivas (Marques, 1995)

“Quem me ensinou a pescar foi a precisão,


não foi a vontade de pescar não”.

(Um brejeiro de Marituba)

O texto que se segue faz parte de um estudo realizado com as comunidades


da região do baixo São Francisco – próximo à foz do rio, em terras/águas que se
estendem por áreas dos Municípios de Penedo, Piaçabuçu e Feliz Deserto –
constituindo a “Várzea de Marituba” (AL).
Partindo-se do postulado de que toda sociedade humana mantém seis
conexões fundamentais: cosmológica, metereológica, geológica e hidrológica,
botânica, zoológica, humana e sobrenatural; é com os astros, com o tempo, com a
terra e as águas, com as plantas e animais, com os congenéricos e com o
imaginário, que a espécie Homo sapiens age e/ou interage, e é deles que, por sua
vez, recebe ação.
Algumas dessas conexões mantidas pelo homem maritubano, notadamente
pelo brejeiro – e nessa particularização, exemplifica o universal modo de conectar-se
da espécie, que é o de coexistir cooperativa e conflitivamente, procurando adaptar-
19
se, conhecendo e agindo, através de um jogo de sobrevivência (Toledo, 1991 apud
Marques, 1995).
Além de inserir-se comportamentalmente na complexa rede de um
ecossistema dulciaquático influenciável por marés, o brejeiro aí se insere também
cognitivamente; classificando seres e eventos, distribuindo-os no tempo e no
espaço; e até mesmo descrevendo os intrincados caminhos pelos quais a energia
flui através de cadeias tróficas. Sua percepção é bastante acurada, conforme
demonstram a suas cognições quando comparadas às de pesquisadores (Tabela 1).

Tabela 1: Comparação entre informações dos brejeiros e da literatura sobre peixes (Marques,
1995).

COMPARAÇÃO ENTRE INFORMAÇÕES DOS BREJEIROS E DA LITERATURA


SOBRE PEIXES
CITAÇÕES DAS ENTREVISTAS DOS CITAÇÕES DA LITERATURA
BREJEIROS
“O cará-boi (Astronotus, Cichlidae) (...) “A família Cichlidae inclui cerca de 20
(macho) de vez em quando olhava para gêneros com 100-150 espécies sul-
os filhotes. Ela (a fêmea) voltava e americanas, peixes perciformes que
ficava balançando o rabo, chamando os põem guarda aos ovos e filhotes (...)
filhotinho. Eles vinham pra junto dele e Muitos são bem conhecidos (...) tais
ficava tudo juntinho, andando atrás como Astronotus...” (Lowe-McConell,
dele”. 1975)

“Traíra (Hoplias malabaricus, um “Os caracoideos também incluem (...)


caracoídeo) come peixe; o que cair, ela peixes piscívoros, os quais engolem
pega e engole”. suas presas (...): o amplamente
distribuído Hoplias malabaricus”. (Lowe-
McConell, op. Cit.)

“No cará comum (Cichlidae), as ovas “(Cichlidae) põem poucos ovos (...) O
fica em baixo e ele fica tomando conta, casal protege a prole durante várias
balançando as barbatanas. O macho e a semanas”. (Junk, 1983).
feme fica perto”.

O percebido, por sua vez, torna-se comunicável e assim, mensagens sobre o


meio ambiente podem ser transmitidas, inclusive por meio de fragmentos mêmicos
muito consistentes, em cantos, contos, adivinhas, dísticos, etc.

20
Eis um exemplo:

Canto:

“O carão tá lagoa beliscando aruá”

O canto Informa sobre a ecologia trófica da ave Aramus guarauna. Além de


deixar evidente o elo Aramus guarauna / Pomacea sp., em um único verso o canto
informa ainda habitat e etologia em uma relação presa/predador. O esquema abaixo
ilustra melhor tal conteúdo informativo:

“O carão tá na lagoa, beliscando o aruá”...

Componente Habitat Comportamento Item


biótico trófico alimentar alimentar

CARÃO LAGOA BELISCANDO ARUÁ

Quem Onde Como O que


come come come come

Figura 10: Esquema ilustrativo do conteúdo de um Canto, informando o habitat e etologia em


uma relação presa/predador (Marques, 1995).

A aquisição de informações sobre o meio ambiente e seus recursos, bem


como o modo de com eles lidar, estabelece-se através de uma transmissão cultural
que se processa, tanto verticalmente (em relação transgeracional), quanto
horizontalmente (entre integrantes de uma mesma coorte). Além disso, processa-se
também pelo aprendizado individual que a experiência diretamente vivenciada traz.
O trabalho infantil inserido intrafamiliarmente no contexto intratribal é um bom
exemplo de processo de aquisição de informação sobre o meio ambiente que se
processa por transmissão cultural na verticalidade, sendo uma forma de ensino
21
intencional (“é, só tô com um filho. Eu vou prepara ele pra pesca”). Ela funciona
também na horizontalidade, mas aí, por condicionantes sexuais, pode-se
estabelecer também um não-ensino, o qual também é intencional. Assim é que
“homem ensina prá os homem pescar”, mas “para as mulheres, não”, enquanto que
as “mães ensinam as filhas a fazer trança e a costurar com a palha do aricuri”. O
aprendizado individual, por sua vez, pode chegar a um nível de “experimentação”,
como fica evidente no relato de um brejeiro que descobriu de que se alimentava o
cari (peixe, locaricariídeo):

Criei um cari num tanque da minha casa e disse: vou ver se se cria.O cari
engordou. Criou junto com a xira. A peixa (a xira) ficou fina, mas o cari... Comeu o
que? Aquele lodozinho”.

22
IV – METODOLOGIA

4.1 Considerações gerais

Tanto nas ciências sociopsicológicas como nas chamadas “ciências naturais”,


por mais elaborado e abstrato que seja o corpo de conhecimentos construído a partir
das observações sensoriais, o conhecimento científico começa com os dados
obtidos através dos sentidos e termina com eles, uma vez que “a confirmação pelos
sentidos é sempre necessária para a prova final” (Wootton, 1950). Isto não quer
dizer, evidentemente, que o cientista não empregue a sua capacidade de abstração,
em suas múltiplas modalidades, em relação aos dados que constituem a matéria-
prima de seu trabalho. Significa, simplesmente, que esta atividade de abstração tem
de ser disciplinada e que a reflexão e a imaginação, por si mesmas, sem disciplina,
sem orientação, sem o contato com os objetos ou fenômenos a serem estudados
não podem prover o desenvolvimento de qualquer campo científico. Não vamos,
aqui, entrar em controvérsias filosóficas quanto à natureza, condições e significado
do conhecimento. Tomaremos, simplesmente, como ponto de partida aquilo que
lembrou, certa vez, um psicólogo, ao dizer que todas as ciências naturais partem do
pressuposto, talvez ingênuo e otimista, segundo certas correntes filosóficas, de que
o mundo existe e pode ser conhecido pelo homem (Köhler, 1947). É, aliás, na base
deste pressuposto que todos os seres humanos, inclusive filósofos, agem e tomam
atitudes em sua vida cotidiana. Como adverte outro autor, “dúvidas sobre se as
descobertas científicas são simples pensamentos nas mentes dos cientistas, não
poderiam servir de consolo para o povo de Hiroxima no dia 6 de agosto de 1945”
(Wootton, 1950).
Enfim, o que o parágrafo acima tenta explicar é que – em um estudo de
etnoecologia, cujo objetivo é alcançar o conhecimento ecológico tradicional do
homem – eventualmente muitas das informações levantadas foram informais,
obtidas através da experiência vivida pelo pesquisador, principalmente através da
observação direta. Para que o emprego desta técnica no trabalho de campo seja
23
bem sucedido, Stebbins (1978, apud Nordi 1992), sugere três pré - requisitos
básicos: primeiro, o pesquisador deve ter pelo menos uma compreensão mínima das
atividades e do estilo de vida dos indivíduos com os quais fará contato inicial, ou
seja, deve se saber o suficiente da população ou pessoas que deseja estudar, para
parecer competente para tanto; segundo, deve ser compreensivo com prováveis
intolerâncias, ser paciente e ter discernimento quanto ao momento mais adequado
para buscar informações, procurando intervir o mínimo possível, respeitar a posição
do indivíduo e a dinâmica do grupo observado; e terceiro, o pesquisador precisa
demonstrar entusiasmo e curiosidade sinceros acerca do que os indivíduos têm a
dizer, pois eles estão falando sobre o seu modo de vida, e continuarão a fazê-lo com
desprendimento, se isto lhes parecer agradável e se é percebido que há interesse
verdadeiro entre seus interlocutores.

4.2 Obtenção dos dados

4.2.1 Questionário

Conforme dito anteriormente, a abstração necessita de uma disciplina a fim


de que não se perca dentro do contexto da pesquisa. Sendo assim, em um primeiro
momento foi aplicado um questionário denominado Base, para que fossem
comprovadas algumas das características essenciais da comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz. Este questionário Base foi dividido em quatro módulos: A,
B, C e D (Anexo I). O módulo A buscou levantar informações a respeito da situação
sócio-econômica dos pescadores artesanais em Santa Cruz; o módulo B abrangeu
as técnicas e o comportamento dos pescadores em sua atividade; o módulo C
identificou o pescado de Santa Cruz bem como sua comercialização; e finalmente o
módulo D, relacionou as dificuldades ou impactos que a comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz vêm sofrendo em sua atividade. Estes dados são
apresentados em forma de tabela nos resultados deste estudo. É válido salientar
que este questionário foi aplicado a todos os pescadores artesanais da comunidade,
segundo proposto por Krejcie e Morgan (1970, apud Gerardi 1981), que afirma que

24
em populações com tamanho entre 15 e 20 indivíduos a amostra precisa cobrir
todos, podendo ficar apenas um indivíduo da população de fora da amostragem.

4.2.2 Entrevistas

A partir do questionário Base, envolvendo todos os pescadores, foi possível


identificar pessoas consideradas como “menores pedaços reconhecíveis de
informação cultural, os blocos de construção de idéias” (Ball, 1984 apud Marques,
1995), denominados “memes” (Dawkins, 1979 apud Marques, 1995), entidades
autoduplicadoras capazes de serem transmitidas através de comportamento verbal
(Marques, 1995). Estes “memes” – pescadores que detêm o conhecimento e os
transmite com maior facilidade aos demais – foram alvo de entrevistas mais
fechadas, buscando informações mais precisas e detalhadas a respeito da: história
da pesca em Santa Cruz, atividade pesqueira hoje em dia, conhecimento tradicional,
pescado, impacto e etc. Estas entrevistas, com o auxilio da técnica de gravador,
respeitaram sempre um roteiro, semi-orientado, onde o pesquisador de tempos em
tempos efetua intervenções para trazer o informante aos assuntos que pretende
investigar. O informante fala mais que o pesquisador, dispõe de certa dose de
iniciativa, mas na verdade quem orienta todo o diálogo é o pesquisador (Queiroz,
1991). Os dados obtidos nas entrevistas com gravador foram todos transcritos,
analisados, e dispostos nos resultados em forma de trechos das entrevistas que
ratificam os dados obtidos.

4.2.3 O registro fotográfico

O registro fotográfico implementado forneceu dados visuais importantíssimos,


principalmente para a descrição das técnicas utilizadas pelos pescadores. Além
disso a fotografia serviu como importante ferramenta para a realização de uma outra
modalidade de entrevista – a foto-entrevista – onde as fotos são examinadas em
conjunto, pelo pescador e pesquisador durante a entrevista. Dessa forma a tensão
da entrevista pôde ser reduzida, havendo um alivio por parte do informante, pois ele
deixa de ser o assunto principal da investigação, passando a ser um guia experiente,
25
que conduz o pesquisador através do conteúdo das imagens. Este método
favoreceu ao informante falar sobre personalidades, lugares, processos e artefatos,
promovendo um grande fluxo de informações enriquecendo o trabalho (Nunes,
1998). Vale ressaltar que neste estudo a intenção da foto não é nem a arte, nem
apenas a comunicação, mas a referência, que é a ordem fundadora da fotografia
(Barthes, 1984). Algumas das fotos estão presentes nas pranchas que ilustram parte
das atividades da pesca artesanal de Santa Cruz.

4.2.4 Dados secundários

Anteriormente ao estudo de campo, uma extensa pesquisa bibliográfica foi


conduzida, visando levantar o maior número de informações possível para
fundamentar a proposta de estudar as características da comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz. Esta pesquisa, além de fornecer informações
fundamentais para uma melhor organização do projeto, serviu posteriormente como
fonte de dados utilizados para enriquecer os resultados obtidos neste estudo. Outra
pesquisa realizada foi o levantamento de reportagens – nos jornais de maior
circulação da Grande Vitória – que registrassem acontecimentos relacionados a
impactos (Ambientais ou Sociais) sofridos pela Comunidade de Pescadores
Artesanais de Santa Cruz.
As fontes de tais pesquisas foram: a Prefeitura Municipal de Santa Cruz e
Aracruz; Secretaria do Estado para Assuntos do Meio Ambiente (SEAMA) e acervo
do Jornal “A Gazeta”, na cidade de Vitória.

26
V – RESULTADOS E ANÁLISES

5.1 Transformação das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos


sócio-econômicos da atual comunidade de pesca artesanal

5.1.1 Desenvolvimento da atividade pesqueira em Santa Cruz

Atualmente, no estuário do rio Piraquê-açu, apenas a comunidade de pesca


artesanal de Santa Cruz, com embarcações motorizadas de pesca em mar,
permanece em atividade. Hoje, existe apenas um pescador, na comunidade, que
ainda realiza a pesca de canoa não motorizada, forma de produção que antecedeu a
pesca artesanal motorizada. Os poucos “pescadores-lavradores” que restaram
daquela época, ou adquiriram sua embarcação motorizada, ou passaram a trabalhar
nas embarcações da pesca artesanal. Eram pescadores que alternavam suas
atividades entre a lavoura e a pesca. Navegavam em suas Baleeiras e Canoas de
Traquete, geralmente pescando com rede e com a linha de Tucum, sempre em
família e/ou com amigos vizinhos. O produto da pesca era vendido para auxiliar nas
despesas familiares.

“...a lavoura agente mexia muito pouco né! Trabalhava durante o dia de tarde botava a rede
no outro dia mirava, um certo período do dia concertava rede... então agente sempre trabalhava com
rede e de canoa né!... e teve ocasião que eu e meu pai sempre vínhamos pesca da onde agente
morava né! Agente vinha pesca com Seu finado Faustino, Faustino, e agente saia de Baleeira né!... e
papai antigamente ele diz pegava um saco de lagosta pra comprar um quilo de carne seca, vendia
um saco de lagosta pra compra um quilo de carne seca!”
(Arnaldo C., Pescador Artesanal de Santa Cruz)

A pesca dos indígenas se restringe em grande parte para o consumo próprio,


no âmbito familiar, complementando a produção colhida na “roça”.

“...eu pesco mais junto com a minha esposa, pesco mais só com ela, pesco de dia e de noite
só eu mais ela, botamo rede eu mais ela, só eu e minha esposa que pescamo, é! Difícil pesca com
outros companheiros, só quando eu vô junto com meu cunhado né! Mais é coma minha esposa...”
“... é porque às vezes agente só pesca ai mesmo pra come né! Inclusive igual essa semana
eu pesquei, botei rede ai! Peguei uns peixinho, porque eu to trabalhando na roça né! Aí é devagar!”
(Olindo C., Índio de Caiera Velha)
27
A comunidade indígena que originou a existente hoje, instalada no mesmo
lugar, já se encaixava como “pescadores-lavradores”, pelo fato de utilizarem a
pescaria como fonte de renda extra, trabalhando a maior parte do tempo na “roça”.

“A pescaria antiga nóis vivia bem aqui de que?!? Caranguejo, caranguejo, ostra, ostra que dá
naquelas casca lá! Esteira, tá vendo aquela esteira ali? Aqui era uma fábrica de esteira arrumada!
Isso acabou tudo, e nóis só vivia daquilo, era só mesmo ostra, caranguejo e esteira. É ostra,
caranguejo e esteira! Nóis desfiava muita ostra pra vende em Santa Cruz, Aracruz mesmo né! E
esteira fazia em quantidades de esteira de dúzias e mais dúzias! Vinha caminhão pega aqui! O
caranguejo tirava de lá já tinha comprador!”
(Olindo C., Índio de Caiera Velha)

A presença de atividade pesqueira na região de Santa Cruz, ainda no


Século XVI, foi registrada através dos índios Tupinikim, nas áreas delimitadas pela
Coroa Portuguesa, por inúmeros viajantes. O Príncipe Maximiliano Wied Neuwied
(1817) ao passar próximo a aldeia de Caieira Velha, observou:

“Alimentam-se sobretudo de moluscos e peixes; daí haver ainda, nas margens dos rios,
grandes montões de conchas... além do rio, [Piraquê-Açú], viam-se matas extensas onde se
espalhavam às plantações dos índios: cultivavam principalmente milho, mandioca e baga (ricinus) de
cuja semente extraem óleo” (Neuwied, 1940).

Auguste Saint-Hilaire, percorrendo a região próxima dos Rios Piraquê-Mirim e


Piraquê-Açú que margeiam as atuais aldeias de Caieira Velha e Irajá observou o
profundo conhecimento tradicional daquelas populações que pescavam no
manguezal.

“Nos lugares onde essa vegetação deixa entre si espaços descobertos, os índios
teem o costume de fazer armadilhas com folhas de palmeira, onde o peixe entra quando sobe as
marés e, para apanha-lo sem trabalho quando às águas descem” (Saint-Hilaire, 1936).

Os dados permitem classificar a forma de produção dos indígenas no século


XVI como subsistente, atingindo seu auge no século passado, quando geravam uma
produção de pescado próprio para venda. Entretanto, a pesca realizada pelos
indígenas nunca passou de uma produção mercantilista simples, sempre dentro do
rio Piraquê-açu, ao contrário da pesca empreendida pelos pescadores-lavradores da
comunidade de Santa Cruz que, apesar de ainda não disporem de embarcação

28
motorizada, com suas canoas de Traquete e Baleeiras viajavam até 10 milhas além
do estuário.

“Antigamente não existia nem motor né! Nem existia também outro sistema que não fosse
vela, baleeira à vela, aqueles traquete né! E quando não tinha vento era remo né! E remava, remava
em voga né! Arrastando os dois remos, cada um remando de um lado... tinha uma ocasião que
agente saia até 10 milhas de mar afora né!”
(Arnaldo C., Pescador Artesanal de Santa Cruz)

Um fato importante a ser destacado, é em relação a uma técnica de pesca em


especial, a com linha de Tucum 2, utilizada pelos índios antigamente e que também
foi descrita por pescadores artesanais.

”...era linha de Tucum, aquela do mato ai! ...linha de Tucum é um mato, uma folha tipo uma
folha, é que desfia, dá uma folha com quatro dedos de largura assim, mais ou menos né! Ai ele é
cheio de espinho... a folha do Tucum ela é isso aqui ó! Ela é mais, não, é quase isso aqui de largura!
Aí nóis pegava e dobrava ela aqui ó! Dobrava ela aqui ó! E tirava ela aqui ó! Oi ó! A pele dela ó! Tá
vendo isso ai é a linha! Aí agente pegava pra limpa, e papai cochava e é a linha que nóis fazia, aí ia
imendando, imendando tudo assim imendando, dez, vinte metros, ai pegava essa Aroeira e dava uma
tinta nela, e nóis pescava mais com essas linha...”
(Olindo C., Índio de Caieira Velha)

“...linha de Tucum tecido na mão né! Agente chegava naqueles coquinho de Guriri, aqueles
coisinha que tem no mato do tal do Tucum, e tirava aquelas folhas e dobrava ela no meio e puxava e
depois cochava na mão e fazia as jogadas de Tucum.”
(Arnaldo C., Pescador Artesanal de Santa Cruz)

5.1.2 Aspectos sócio-econômicos da comunidade de pescadores artesanais de


Santa Cruz

A comunidade de pescadores atualmente em Santa Cruz é composta por 18


indivíduos, sendo este número variável visto que alguns dos pescadores só
trabalham na pesca quando não há um outro emprego disponível.
Dos 18 pescadores em Santa Cruz, metade não possui nenhuma outra
atividade a não ser a pesca. Os outros pescadores que possuem alguma outra
atividade remunerada, só o fazem fora do tempo gasto na pesca. Mesmo assim de 4
destes pescadores estão relacionados direta ou indiretamente a pesca, seja na

29
manutenção de embarcações ou em restaurantes especializados em peixes da
região (Tabela 2).

Tabela 2 – Outras atividades remuneradas da comunidade de pescadores de Santa Cruz.

ATIVIDADES REMUNERADAS COMPLEMENTARES A PESCA NA COMUNIDADE DE


PESCADORES ARTESANAIS DE SANTA CRUZ
Manutenção de embarcações 2 Cozinha de restaurante 1
Pedreiro 3 Garçom em restaurante 1
Aposentado 2 Nenhuma outra atividade 9

Dos pescadores de Santa Cruz, 14 têm apenas o Ensino Fundamental


completo, e dos 13 que são casados 9 de suas esposas têm a mesma escolaridade.
Dos seus filhos, metade cursa o Ensino Médio e dois deles têm curso superior
(Tabela 3).

Tabela 3 – Estado civil, número de dependentes (média), número de dependentes que


trabalham (média) e escolaridade da família da comunidade de pescadores de Santa Cruz.

ESTADO CIVIL E ESCOLARIDADE DAS FAMILIAS DA COMUNIDADE DE


PESCADORES ARTESANAIS DE SANTA CRUZ
ESTADO CIVIL Casado: 13 Solteiro: 3 Outros: 2

ESCOLARIDADE Marido Esposa Filhos


Nenhuma 1 1 0
Ensino Fundamental 14 9 4
Ensino Médio 3 3 6
Ensino Superior 0 0 2

Média do número de Dependentes: 3 a 4 Média de dependentes que trabalham: 1

A faixa etária dos pescadores desta comunidade está em torno de 40 anos e


o tempo médio em que trabalham na pesca é de 12,4 anos. Todos são residentes
em Santa Cruz (13 com residência própria), a metade deles vivendo em ambientes
de 1 a 3 cômodos. Entretanto uma boa parte vive em ambientes de mais de 6
cômodos, a média fica em 4 cômodos por residência. Os naturais da cidade
perfazem 8 do total de pescadores. Metade deles herdaram a atividade de seus
pais, entretanto nenhum de seus filhos até o momento se iniciou na atividade
pesqueira como profissão, apenas como lazer (Tabela 4).

30
Tabela 4 – Moradia, naturalidade e iniciação na pesca da comunidade de pescadores de Santa
Cruz.

MORADIA, NATURALIDADE E A MANEIRA COMO INICIOU A ATIVIDADE PESQUEIRA


DA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS DE SANTA CRUZ
RESIDÊNCIA Própria: 13 Alugada: 3 Outros: 2

NÚMERO DE CÔMODOS De 1 a 3: 9 De 4 a 5: 3 Mais de 6: 6

NATURALIDADE Santa Cruz: 8 Espírito Santo: 5 Bahia: 2


Minas Gerais: 1 Rio de Janeiro: 1 Maranhão: 1

INICIAÇÃO NA PESCA Família: 8 Necessidade: 8 Outros: 2

Na comunidade metade dos pescadores possui uma embarcação, sendo


todas elas registradas na Capitania dos Portos de Vitória e/ou no Ministério da
Agricultura. Dos pescadores sem embarcação cinco não são registrados em
nenhuma associação em relação à pesca (Tabela 5).

Tabela 5 – Entidades onde estão registrados os pescadores da comunidade de Santa Cruz.

ENTIDADES EM QUE A COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAL DE SANTA CRUZ


POSSUI REGISTRO DE PESCA
Capitania dos Portos de Vitória 7 Ministério da Agricultura 2
Ass. Pescadores de Barra do Riacho 6 Sem Registro de Pesca 5

31
5.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca

A partir do Questionário Base (Módulo B) aplicado foi possível identificar o


uso de três técnicas de pesca pelos pescadores artesanais de Santa Cruz: o balão,
linha e rede (Tabela 6).

Tabela 6: Técnicas de pesca utilizadas pela comunidade de pescadores artesanais de Santa


Cruz bem como sua ocorrência entre os mesmos.

TÉCNICAS DE PESCA UTILIZADAS PELA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS


DE SANTA CRUZ BEM COMO SUA OCORRÊNCIA ENTRE OS MESMOS
TÉCNICA UTILIZADA OCORRÊNCIA
Balão e linha 1
Balão, linha e rede 4
Linha 4
Linha e rede 8
Rede 1

5.2.1 Pesca de Balão (Prancha I)

A técnica da pesca de balão consiste em posicionar o balão na lâmina d’água,


e navegando em uma velocidade bem lenta para que as portas do balão não se
quebrem, fazer o arrasto deste ao fundo durante um período variável de uma a duas
horas, dando voltas na região onde se encontra o pescado. Ao final do arrasto o
pescado que ficou retido na malha do balão é colhido dentro do barco. O pescador
3
conhece sua região e sabe que “lamas longas” só ocorrem na região de Barra do
Riacho e do Rio Doce (Figura 9), dentro de Santa Cruz se encontram em meio às
rochas (Arenito – Figura 8) características da região. Daí o fato da pesca do balão,
realizada principalmente para a pesca do camarão, não ser muito produtiva,
servindo principalmente como isca para a pescaria de linha. Os pescadores de
Santa Cruz saem para a pesca do balão na madrugada, período em que há maior
fartura de camarão, por uma ou duas horas conforme descrito anteriormente, e logo
após iniciam a viagem para o “pesqueiro”4 onde se realizará a pesca de linha usando
o camarão como isca.

32
“Botá o balão no barco e joga na posição certa onde tem a lâmina, aí você arrasta uma duas
volta, três volta né! No período de uma hora, uma hora e meia, aí nesse meio tempo levanta o balão e
pega o camarão pra você pesca né! Aí depois que você tá com aquele camarão dentro da
embarcação dentro do bote, aí você sai praticamente uma hora duas horas de mar a fora e vai
procura o peixe até a posição! Mas primeiramente é o balão né! E depois que você vai pesca!... Barra
do Saí é... lá no rio Doce! Essas regiões aí que tem lamas muito longas né! E as nossas lamas aqui
dentro de Santa Cruz principalmente elas fica por dentro das pedras dos arrecifes altos né!... O balão
sempre de preferência de madrugada né!... não aqui em Santa Cruz, aqui em Santa Cruz só dá
mesmo pra isca.”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

5.2.2 Pesca de Linha (Prancha II)

A técnica da pesca de linha consiste principalmente no uso da Pargueira, uma


espécie de linha - com um peso na extremidade final - onde são dispostos de 20 a
30 anzóis. A pargueira é presa através de um grampo no carretel que o pescador
manuseia na pescaria. Quando existe fartura no pesqueiro em uma Pargueira
podem vir até vinte peixes dependendo do número de anzóis que foi utilizado. Cada
pescador leva em média 14 Pargueiras nas saídas de pesca, esse grande número é
devido à facilidade de emaranhamento dos anzóis. Caso isso aconteça o melhor é
utilizar outra Pargueira ao invés de tentar desemaranha-la, o que seria uma perda de
tempo na pescaria.

“Quando é peroá você pesca cada pargueira com vinte anzol, trinta anzol, né Arnaldo?!?... Ai
quando a linha bate no fundo você deixa ela firme ali, quando tem o peixe você logo cê vê logo o
balançar da linha, puxando pro fundo, ai você puxa em retorno que o anzol entra na boca do peixe e
você puxa às vezes dois, três peixes, quando tem muito você pode até puxar cinco ou seis peixes,
como já aconteceu né! Até treze eu já peguei! Agora peroá até vinte quando você bota trinta anzol,
vinte cinco anzol, até vinte mesmo se tiver muito você traz. Agora quando tem pouca elas começam
a roubar as isca né!... Uma faixa de 14 pargueira pra cada pescador, cada pescador leva quatorze
pargueira, quinze pargueira, isso é o mínimo, tem gente que leva vinte, o Arnaldo mesmo leva uma
porção pra pesca até o meio dia né?!? É importante que quanto mais você leva mais você vai
desenvolver a pesca, porque quando embolô com uma daquela ali você tira aquilo e joga lá no canto
e isso aí engata outra, a outra que tá novinha e isca ela e ripa pra frente né! Num pode perde tempo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

A pesca de linha em Santa Cruz, quando se trata de barcos de menor porte –


em torno de 6 metros e sem cabine – é geralmente realizada em um dia, saindo pela
madrugada do cais e retornando por volta de meio dia. Já os barcos de porte um
pouco maior – com cerca de dez metros e dotados de cabine – a pesca se estende

33
por volta de três a cinco dias, portanto é necessário que esteja equipado com
instrumentos de navegação, suprimentos para a tripulação e gelo para conservar o
pescado. Durante a pescaria, à medida que os peixes vão sendo capturados, estes
vão sendo acumulados na borda do barco e quando chega o meio dia são dispostos
dentro da urna com o gelo. Depois do almoço continuam a pescar gelando o peixe
só pela tarde. O motivo de se abrir à urna apenas duas vezes ao dia é para a
economia do gelo, porém quando o dia está nublado ou chuvoso o pescado pode
ser gelado só à tarde pois não existe o perigo do peixe estragar. Entretanto, uma
nova técnica de conservação do pescado e do gelo está sendo usada por um
pescador de Santa Cruz, que consiste no uso de esteiras de Taboa confeccionadas
pelos índios de Caieira Velha. A técnica consiste em – à medida que o pescador for
capturando os peixes - colocar todo o pescado na borda do barco, e por cima
estender a esteira molhando-a freqüentemente com água do mar, está técnica
permite a conservação do peixe até o final do dia, mesmo em dias quentes, fazendo
com que a abertura da urna seja feita apenas uma vez, e mesmo assim em um
horário de temperatura mais amena conservando melhor o gelo também.

“Essa pescaria do meu barco por exemplo, é pescaria de três dias a cinco dias, ai você tem
que colocar cem caixas de gelo né! No meu barco agora coloca 200 litros de óleo diesel, 200 litros de
água, um rancho que é a comida que se fala rancho né!... peroá eles pesca até praticamente meio dia
quando o sol tá muito quente né!,Gela aquela quantidade, quando o dia tá frio, chuva assim pesca o
dia inteirinho e só gela o peixe só à tarde né! Aí à noite descansam, dormem, faz o rancho lá e
comem e vão dormir e quando chegam ali de manha cedo ai começa a pesca outra vez,... Agora é
que eu to usando uma técnica ai!... É com esteira, eles vão pegando o peixe, vão pegando o peroá e
vão amontoando e bota a esteira em cima, esteira mesmo, aquelas feita de taboa! Aí o sol pode tá
quente do jeito que tiver e joga água do mar em cima daquela esteira, e aquela esteira conserva o
peixe até de tarde! Aí você pesca desde manhã cedo até de tarde... e gela o peixe à tarde, sem
perigo de estragar o peixe, perde o peixe. Ai adianta, em vez de você tá abrindo a urna perdendo
gelo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

Ainda existem outras duas formas de pesca de linha menos utilizadas pelos
pescadores de Santa Cruz, que são a “Jogada ou Arco” e a “Garatéia”, que é uma
espécie de Pargueira. O Arco consiste em uma estrutura de metal de forma
semicircular, com um peso no meio deste arco, de modo que as duas extremidades
do arco ficam voltadas para cima. Em uma das extremidades está ligada a linha que
vai para o barco – de controle do pescador – e na outra extremidade uma curta linha
34
com anzóis presos com isca. Está última por ser curta, fica oscilando ao gosto dos
movimentos das correntes do mar atraindo os peixes próximos. Já a Garatéia é bem
semelhante a Pargueira – principalmente no que diz respeito à maneira de utiliza-la
– só que possui no máximo dez anzóis dispostos de palmo em palmo ao longo na
linha, e com um chumbo na extremidade. Nas duas formas a linha vai até o fundo,
ou até a profundidade que o cardume estiver, e fica descansando até que os peixes
comecem a mordiscar a isca, momento em que deve ser puxada para fisgar os
peixes.

“O arco é mais ou menos assim ó!... Isso aqui encosta no fundo, aqui é a linha que vai pro
barco, os anzóis fica ó! (Balançando na água) Cê entendeu como é que o negócio? Chamando a
atenção, provocando o peixe, e eles chamam o tal do arco ou jogada né Arnaldo! (Garatéia) É o
mesmo sistema da pargueira né! Uns dizem que é a garatéiazinha pequena né, mas é o chumbo
mesmo é chumbado né! No fundo como a pargueira, mas só que tem que os anzóis não é igualzinhos
os de peroá né! Anzol 619, distância de palmo em palmo um anzol né! Ai quando a linha bate no
fundo você deixa ela firme ali, quando tem o peixe você logo ce vê logo o balançar da linha, puxando
pro fundo ai você puxa em retorno que o anzol entra na boca do peixe...”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

5.2.3 Pesca de Rede (Prancha III)

A técnica do uso da rede consiste em amarrar vários “Panos de Rede” de


modo que se forme uma rede de tamanho grande, que proporcionará a captura de
um maior número de peixes. Entretanto existe uma forma correta de se amarrar e
colocar os panos de rede dentro d’água, para que o conjunto não fique tenso
demais, prejudicando tanto o emalhamento dos peixes bem como recolhimento da
rede. Antes de colocar a rede no barco, para a saída de pesca, o conjunto deve ser
montado ainda em terra, pois dentro do barco e no mar fica inviável a montagem do
conjunto. Inicialmente, amarra-se ao primeiro pano de rede da série a poita – que vai
segurar a rede para que as correntes não as levem mar afora – e em seguida a bóia,
que marcará o local onde foi deixada a rede. Alguns pescadores usam a bandeira
junto à bóia. A poita, que é uma espécie de ancora, algumas vezes é substituída por
uma pedra ou outro objeto capaz de realizar o mesmo trabalho. Pronto este
conjunto, amarra-se a ele outra poita, e a partir dessa mesma poita, outro conjunto
de panos de rede. Isto é o Pé de Galinha, um ponto fixo que segura um conjunto de

35
panos de rede de cada lado, dando seguimento à estrutura linear que a rede inteira
possui. A vantagem deste processo é que a rede fica mais maleável as correntes,
“pescando” como diz o pescador, e mais leve quando tiver que ser puxada de volta
para o barco, pois serão quatro panos de rede de cada vez e não todos juntos.

“A rede se você não souber colhe ela na embarcação e coloca a tralha certa, num vai
funciona não! Ela vai ficar dura, vai fica tensa dentro d´água! Num vai pesca não!...nóis a cada quatro
pano de rede, nóis coloca um ancorote, o ancorote é uma ancora, ela segura quatro pano de rede!
Ali vem o pé de galinha, aí solta mais quatro pano tudo emendado, mais aí aquele ancorote segura
quatro pano... e assim por diante num tem peso pra você puxar que a rede num vem toda de uma
vez, ela num estaca todinha em cima da embarcação, ela estaca de quatro em quatro pano no
ancorote, ai você puxa aquilo dali é mais fácil pra você puxá, a rede fica mais molinha num fica
tensa... sempre coloquei duas poitas, em meses de maré grande né, que nóis já perdemos rede
inteirinha de ressaca de maré né!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

O uso da rede em Santa Cruz normalmente se restringe apenas aos períodos


de frente fria, quando entra o vento Sul e o mar fica agitado, e o peixe se afasta da
costa. Segundo os pescadores quando o mar fica agitado o peixe “endoida” fica
“alvoroçado” – pelo fato de entrar areia nas guelras dele - fugindo da costa. Nesse
intervalo em que o peixe se desloca é que ele encontra a rede e fica preso, de modo
que precisa ser retirado num curto intervalo de tempo. Os pescadores de Santa Cruz
sempre colocam as redes no período da tarde e as colhem logo ao amanhecer. Isto
porque o pescado não resiste muito tempo dentro d’água, e logo estragam,
principalmente se a pesca estiver sendo realizada para o “lado do Norte”
(desembocadura do rio Doce) onde as águas são mais quentes. Como a pesca é
realizada de um dia para o outro, não é necessário o uso de gelo para conservação
do pescado, mesmo porque ele só vai ser retirado da rede junto ao cais. Ainda
existem dois tipos de rede que são a boiada ou a de fundo, ou seja, uma fica na
superfície e outra junto ao fundo. Segundo os pescadores de Santa Cruz utiliza-se a
rede boiada em luas escuras (Nova) pois o peixe fica na superfície, quando a lua
está clara (Cheia) os peixes se deslocam para o fundo, daí a utilização da rede de
fundo. O pescador de Santa Cruz percebeu que a luminosidade, lua cheia ou nova,
interfere no comportamento do pescado.

36
“E a rede também pra pode pega peixe só na época do mar agitado, com a mudança de
tempo do vento sul é que o peixe se afasta da beira da costa né,... porque? Ah, o peixe de rede,
quando o mar mexe, que o mar fica brabo, o mar mexe todinho o peixe endoida, o peixe endoidando,
ai cê tem facilidade de pega ele, porque alvoroça todo, sai né, ai cê pega ele na saída, então é
porque? Por que o mar mexeu o peixe fico endoido, entre areia nas guelras do peixe, tem peixe que
sai mais pra fora né, quando o mar volta a acalmar você pega ele na entrada outra vez... e nesse
intervalo onde encontra, e que passa na rede e que pega... Então eles vão colhendo periodicamente
e vão tirando o peixe né! Porque o peixe passo de um certo período, se a água estiver quente
principalmente, eles estragam com muita facilidade né! Se a água ta fria não, mas quando a água ta
quente, o peixe, fácil fácil eles estragam, ficam meio moído. A nossa região aqui a água ainda é muito
fria na! Mas do rio Doce pra cima, passo de duas hora o peixe apodrece, ce perde o peixe, com
certeza você perde o peixe, a água é quente mesmo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

Na comunidade de Santa Cruz 100% dos pescadores concordaram que o


fenômeno ambiental que mais interfere nas atividades pesqueiras da comunidade é
à entrada do Vento Sul, visto que predomina o Vento Nordeste em todo o litoral do
estado do Espírito Santo (Figura 7). Esta alteração interfere nas condições do mar,
tornando-o muito agitado, com isso aumenta a probabilidade de danificação das
embarcações. Outro problema é que a navegação passa a não ser segura para o
pescador, por esse motivo eles optam pelo uso da rede, que demanda menos tempo
no mar.
Em Santa Cruz os pescadores não se restringem apenas a um tipo de pesca,
eles normalmente trabalham com os três tipos dependendo das condições
ambientais.

“Linha você procura o local lá fora onde você pode achar o peixe, tem vezes que você acha,
tem vezes que você não acha, e tem ocasião que num dá peixe de rede só de linha! Tem ocasião
quando a lua fica muito clara num dá peixe na rede é mais em ocasião de lua escura né, então
quando num dá uma coisa então eles só consertam uma rede na praia, vão procura outro tipo de
peixe, vão procura através de espinhel né!... é uma coisa rotativa não é uma coisa fixa né! Você não
pode trabalhar numa pesca só, se você só trabalha na pesca de camarão por exemplo você não vive!
Se você trabalhar só na pesca de rede ainda vá lá que seje ainda, a pessoa que pesca só com rede
que tem muito material, que tem muito material mesmo, cinqüenta peças em cada barco, quarenta
cinquenta peças em cada barco, você ainda consegue vende, consegue arranjar alguma coisa né!
Mas pesca de camarão pesca de linha isso tem que diversifica né!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

37
PRANCHA I – Pesca de Balão

B C

(A) Esquema ilustrativo da pesca de balão


(B) Foto ilustrativa da pesca de balão
(C) A puxada do balão após a pescaria
(D) O produto do balão sendo colhido
dentro do barco
D

38
PRANCHA II – Pesca de Linha

A
E

B F
(A) Esquema ilustrativo da pesca de
linha
(B) Foto em detalhe da pargueira
(C) Modo de guardar a pargueira
sem emaranhá-la
(D) Grampo que liga a linha ao
carretel, caso a pargueira
embole, a mesma é retirada e
substituída por outra.
(E) Foto ilustrativa da pesca de
linha
C (F) Esteira que recobre e conserva
o pescado sendo molhada
39
PRANCHA III – Pesca de Rede

G
(A) Esquema ilustrativo da pesca de
rede
(B) Ancorote e a bóia em detalhe
(C) O pé de galinha ao centro ligado
ao pano de rede, acima
(D) Colocando a rede no mar
(E) Retirando a rede do mar
(F) Rede sendo retirada à beira do
cais
(G) Detalhe do pescado sendo
retirado da rede
D
40
5.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado
de Santa Cruz

5.3.1 Descrição e conhecimento ecológico do pescado de Santa Cruz

Através do Questionário Base (Módulo C), e das entrevistas feitas com os


pescadores artesanais de Santa Cruz, foi possível a identificação de 25 tipos de
peixe pescados atualmente pela comunidade. Também foi possível identificar quais
as técnicas de pesca utilizadas na captura de cada pescado, a ocorrência e sua
aceitação no mercado (Tabela 7). Vale ressaltar que quando o pescador define a
ocorrência de um determinado pescado como raro, não quer dizer exatamente que é
de extrema dificuldade capturar este peixe. O objetivo dessa classificação é apenas
estabelecer um parâmetro de ocorrência entre o pescado de Santa Cruz.

Tabela 7: Descrição do pescado de Santa Cruz relacionando: nome popular, família (Szpilman,
1992), técnica de pesca utilizada, ocorrência e aceitação no mercado.

TABELA DESCRITIVA DO PESCADO DE SANTA CRUZ INDICANDO:NOME POPULAR,


FAMÍLIA, TÉCNICA DE CAPTURA, OCORRÊNCIA E ACEITAÇÃO NO MERCADO

Nome Popular Família Técnica Ocorrência Mercado


Anchova Pomatomidae Rede Raro Bom
Ariocó Lutjanidae Linha Raro Bom
Badejo Serranidae Linha Raro Bom
Bagre Ariidae Rede Raro Ruim
Baiacu Tetraodontidae Linha Raro Bom
Cação Ordem Squaliformes Linha/Rede Raro Bom
Cioba Lutjanidae Linha Raro Bom
Corvina Sciaenidae Linha/Rede Freqüente Regular
Dentão Lutjanidae Linha Raro Bom
Dourado Coryphaenidae Linha Freqüente Bom
Garoupa Serranidae Linha Raro Bom
Namorado Mugiloididae Linha Freqüente Bom
Olhete Carangidae Linha Freqüente Bom
Olho de Boi Carangidae Linha Freqüente Bom
Papa Terra Sciaenidae Linha Freqüente Bom
Pargo Sparidae Linha Freqüente Ruim
Peroá Balistidae Linha Freqüente Bom
Pescada Sciaenidae Rede Raro Bom
Pescadinha Sciaenidae Rede Raro Bom
Robalo Centropomidae Linha/Rede Raro Bom
Sarda Scombridae Rede Freqüente Bom
Sargo Sparidae Linha Raro Bom
Vermelho Lutjanidae Linha Raro Bom
Xixarro Carangidae Rede Freqüente Bom
Roncador Pomadasyidae Linha/Rede Raro Ruim

41
O pescado de Santa Cruz ainda pode ser classificado, segundo os
pescadores da região, como: “Peixes de Pedra”, habitante das couraças lateríticas
(Arenitos) – características do litoral de Santa Cruz – que se encontram com maior
abundância quando se navega em direção ao sul; e “Peixes de Lama”, habitando o
sedimento inconsolidado denominado anteriormente de “lamas”, com localização ao
norte de Santa Cruz. Esta classificação, decorrente da vivência diária na pesca – e
ratificado por bibliografia especializada (Tabela 8) – é baseada na relação entre o
peixe, o local onde foi pescado (habitat) e o tipo de técnica utilizada. O peixe de
pedra vive sobre as formações rochosas e só pode ser capturado através da pesca
de linha, porque se usada à rede, certamente ficaria presa no substrato causando o
rompimento da mesma quando puxada para o barco. Um bom exemplo seria o
Peroá, apenas pescado com linha e em hipótese nenhuma com rede, classificado
pelos pescadores como peixe de pedra habitante de fundo rochoso. Um outro
exemplo – a Pescadinha – classificada como peixe de lama, ou seja, encontrada
fora das formações rochosas de Santa Cruz e só capturada com o uso da rede,
raramente emergem do fundo exceto por mudança ambiental, conforme descrito
anteriormente nas técnicas de pesca. Poucos são os peixes que são capturados por
ambas as técnicas de pesca, como o Cação Lambaru, pois tem o costume de se
esconder nos acúmulos de areia entre as rochas em Santa Cruz.

Tabela 8: Pescado, Família e Habitat e/ou Comportamento (Szpilman, 1992).

QUADRO DEMONSTRATIVO DE TRÊS ESPÉCIES DE PESCADO (FAMÍLIA) EM SANTA CRUZ


BEM COMO SEU HABITAT E/OU COMPORTAMENTO
Pescado: Nome popular / Família Comportamento/habitat
Peroá / Balistidae “Esta é uma espécie de águas costeiras rasas
que vivem em corais, rochas...”
Pescadinha / Sciaenidae “São encontradas de pequenos a grandes
grupos nadando em águas relativamente rasas,
junto a areia e/ou fundo lodoso.”
Cação Lambaru / Ginglymostomatidae “É uma espécie costeira, comum de águas
rasas, com especial preferência por fundos
arenosos ou rochosos (bentônico).”

Um detalhe importante, que será apresentado adiante, é a diminuição do


estoque pesqueiro em Santa Cruz e o diagnóstico feito pelos pescadores a respeito
do motivo dessa diminuição. Os pescadores, através da observação direta e diária

42
por vários anos em seu ofício, destacam duas espécies de peixe que estão sofrendo
redução no seu estoque populacional: o Peroá e o Dourado.
Os pescadores, por meio da vivência no mar, observam que o período de
“desova” do Peroá acontece normalmente em torno do mês de outubro. Sendo
assim ele acredita que uma proibição de três meses, em torno desse período,
beneficiaria a regeneração da população de Peroá. O Dourado, segundo os
pescadores de Santa Cruz, também desova mais ou menos nesse período. A
proibição da pesca, ano sim outro não, é uma posição que os pescadores acreditam
também reduzir a pressão sobre o estoque deste pescado.

“A época de desova do peroá devia de ser proibido... e o IBAMA devia tomar uma providência
sobre isso, suspende pelo menos um mês a dois meses na época da desova do peroá, eu cheguei a
limpá peroá que o barco do Eliseu na época da coisa aí e de limpa cem peroá e apenas dez não tá
ovada... Foi sempre na época de outubro no ano passado né! Outubro dezembro nessa faixa aí,
nesses meses aí!
E da época do Dourado também né! É porque o Dourado parece que ele vêm desovar nessa
época né? È, ele vem pra desovar. Então o cara pega ele né?!? A pesca devia de ser proibida, um
ano sim outro não né! Esse ano não tem pesca do Dourado por exemplo, ai ele vai desovar! Nesse
ano você ia pegar o Dourado, no outro ano não pegava!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

5.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz

Segundo os pescadores da comunidade de Santa Cruz, o ano pode ser


dividido em duas fases – verão e inverno – sendo que no verão a produtividade é
maior e mais estável, ao contrário do inverno, sempre instável e com uma produção
relativamente menor que o verão. Na alta estação o pescador chega a pescar uma
média de 500 quilos de peixe em uma semana de trabalho. No inverno o pescador
não consegue estimar uma produção por semana justamente devido à instabilidade
das condições ambientais, podendo ficar impossibilitado de realizar as saídas de
pesca por tempo indeterminado. É importante frisar que das nove embarcações,
apenas quatro são capazes de navegar cerca de quinze horas até o pesqueiro,
além de ter tamanho para armazenar grande quantidade de pescado na urna. Estas
embarcações ficam de quatro a cinco dias no mar e geralmente pescam acima de
1000 quilos de peixe por semana, uma média de 1375 quilos por semana. As
demais embarcações são de pequeno porte e só realizam pescarias de apenas um
43
dia, portanto com uma produção bem menor em torno de 225 quilos de pescado por
semana (Tabela 9).

Tabela 9 – Produção média por semana do pescado (Kg) na alta estação, segundo entrevista
com os pescadores, em Santa Cruz e relação com o tamanho do barco (p – pequeno < 10 m / g
– grande > 10 m).

PRODUÇÃO MÉDIA SEMANAL EM Kg DE PESCADO


DE FORMA ARTESANAL EM SANTA CRUZ NA ALTA ESTAÇÃO
Número Produção por semana / Pescador Produção por semana /
Pescador Tamanho do barco Tamanho do barco
1 1500 / g 9 1000 / g
2 300 / p 10 200 / p
3 1000 / g 11 2000 / g
4 400 / p 12 500 / p
5 80 / p 13 500 / p
6 80 / p 14 100 / p
7 60 / p 15 100 / p
8 300 / p 16 100 / p
TOTAL p = 2720 TOTAL g = 5500 TOTAL = 8220

Em relação à formação da tripulação para as saídas de pesca, 67% trabalham


em três na embarcação – um “Mestre” 5 e dois pescadores – e 33% trabalham em
dois apenas. O sistema de divisão da produção é no sistema de partilha, depois de
vender o pescado, 67% dos pescadores repartem os lucros meio a meio, ou seja,
metade para o barco – no caso o Dono da embarcação e geralmente o mestre – e a
outra metade para a tripulação.
O atravessador é o meio de comercialização de todos os pescadores de
Santas Cruz. Ao desembarcar na cidade o caminhão frigorífico, como é chamado, já
está pronto para comprar o peixe. Além do atravessador, existe também a
possibilidade de compra do pescado pela comunidade e por restaurantes da cidade,
embora bem menos freqüente. O suprimento para as saídas de pesca é sempre
fornecido por caminhões de gelo – que descarregam junto ao cais – e de óleo diesel,
para abastecimento dos barcos. Em um barco de dez metros usualmente são
necessários duzentos litros de óleo diesel, duzentos litros de água para a tripulação,
o rancho (a comida da tripulação) e cem caixas de gelo dentro da urna para a
conservação do pescado.

44
A maior produção em Santa Cruz é a do Peroá, isso porque quando o tempo
está bom (vento Nordeste brando), 17 dos pescadores da comunidade direcionam a
pesca para este pescado, mais abundante na costa capixaba e de fácil
comercialização. O preço do pescado pode variar segundo três motivos: quando há
escassez de pescado – no inverno por exemplo - a produção diminui e o preço
aumenta; turismo durante o verão até a Semana Santa também melhora o preço do
pescado; e quando o peixe é de “Primeira”, como a Pescada por exemplo. O peixe
de “Primeira” é o peixe, segundo os pescadores de Santa Cruz, procurado por
consumidores de poder aquisitivo alto, entretanto hoje na região existe uma
escassez destes tipos de peixes.

“... sempre no inverno você tem caída na produção! Geral! Isso é duma maneira geral, rede,
linha tudo!... hoje em dia o mínimo que eu já vendi foi de 80 centavos, um real, real e dez!... No
inverno vai ser sempre menor, com certeza, com certeza no inverno sempre vai ser menor cê não tem
dúvida!... o que influência é só a falta do peixe né! O que faz o peixe ter mais valor é só a falta, mais
nada, porque comprador tem muito né, o que influência subi o preço do peixe aqui é quando o peixe
diminui, ou então no verão que existe muita gente de fora dentro do nosso estado e vem pro nosso
município, é que influi né! Faz o peixe melhorá um pouquinho de preço até a semana Santa né!... 80
centavos... no inverno... No verão tava até um e dez, por causa do movimento de gente de fora né!...
Peixe de primeira é peixe procurado demais por camarada de poder bom, poder aquisitivo bom né! É
um peixe assim muito procurado no mercado né!... são os peixes procurados por isso são os peixes
caros né!... hoje em dia tá escasso, é difícil você pega um badejinho ai fora ...”
(Seu Pedro – Pescador Artesanal de Santa Cruz)

45
PRANCHA IV - Comercialização e
valoração do pescado

B F

(A) Pescado sendo descarregado


no cais de Santa Cruz
(B) O atravessador é o meio de
comercialização para os
pescadores
(C) O peroá é o principal pescado
de Santa Cruz
(D) Seleção do pescado proveniente
da pesca de rede
(E) Abastecimento dos barcos com
C óleo ainda no cais da cidade
(F) Abastecimento dos barcos com
gelo ainda no cais da cidade
46
5.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de
pescadores artesanais de Santa Cruz

Os principais problemas enfrentados pelos pescadores artesanais de Santa


Cruz são: as embarcações provenientes de fora do município de Santa Cruz; a
pesca industrial, a possível instalação de uma Empresa Mineradora de Calcário
Biogênico na região, a falta de estoque pesqueiro, proibições da pesca por um
determinado período de desova, e finalmente a falta de apoio da prefeitura de Santa
Cruz para com a comunidade de pescadores artesanais (Tabela 10).

Tabela 10 – Principais impactos sofridos pela comunidade de pescadores artesanais de Santa


Cruz, segundo questionário.

PRINCIPAIS IMPACTOS SOFRIDOS PELA COMUNIDADE


DE PESCADORES ARTESANAIS DE SANTA CUZ
Embarcações de fora de Santa Cruz 11
Pesca Industrial 6
Instalação de Empresas Mineradoras de Calcário 2
Falta de Estoque Pesqueiro 2
Proibição da pesca no período de “Defeso” 2
Falta de Apoio da Prefeitura de Santa Cruz 1

5.4.1 Embarcações de fora de Santa Cruz

Conforme apontado na tabela acima, o principal fator que prejudica hoje o


pescador de Santa Cruz é a ocupação da cidade pelas embarcações de fora, ou
seja, embarcações que não pertencem à comunidade e que na maioria das vezes
não estão registradas para exercer a atividade. As principais reclamações da
comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz, em relação aos de fora, são o
comportamento bastante diferente do cotidiano da cidade e as técnicas de pesca,
muitas delas predatórias. Várias foram às notas nos jornais da Grande Vitória
comentando a respeito do atrito entre a comunidade de Santa Cruz e os pescadores
provenientes de fora da cidade de Santa Cruz (Anexo II). Em relação às técnicas de
pesca predatórias utilizadas por estes pescadores de fora, destacam-se o Puçá e a
Rede de Caída de Fundo, ambas reconhecidamente predatórias.

47
O Puçá consiste em um arco de metal com diâmetro variável de um a dois
metros, com uma rede presa a ele assemelhando-se a um grande coador. A rede
fica voltada para baixo do arco; para cima, em direção ao barco, está a corda que
serve para içar o puçá de dentro d´água, em que é presa também a isca logo na
entrada do arco. A pescaria é realizada da seguinte forma: joga-se o puçá no mar
com a isca na “boca” do puçá, quando o cardume estiver todo concentrado acima do
arco, comendo a isca, o pescador puxa o puçá. A tendência do cardume ao sentir o
movimento do aparelho é afundar, nisto ele fica preso na rede e é içado ao barco. O
grande problema desta técnica é que em meio ao cardume, que em uma puxada
pode trazer de cinquenta a cem quilos em média, também está preso o peixe
pequeno que ainda não chegou a idade reprodutiva e não tem valor comercial. O
pescador pode até alegar que usa uma malha grossa, para pegar apenas o pescado
grande, entretanto quando o cardume é capturado mesmo os pequenos não
escapam, pois a grande quantidade de pescado que vem de uma só vez obstrui a
malha mantendo os pequenos peixes presos. Nesta pescaria o barco precisa estar
equipado com uma espécie de guincho, para içar a grande quantidade de pescado.

“Tem alguns pescador do sul que fazem isso aí! Esse pessoal aí de fora faz. O puçá é um
arco né! Grande igual um coador feito de rede, certo! Aí chama-se puçá! Aí você bota a isca ali, ai o
peroá vai juntando na isca, aí ele dá aquela puxada aí a tendência do peixe é descer, se mexer a
tendência do peixe é ir pro fundo, aí ele vai só ensacando ali, e quando ali tem uns 50, 100 quilo o
cara puxa em dois, três lá praquele troço lá em cima! A pesca predatória é essa aí ó!... Essa pesca
ainda é utilizada pelas pessoas de Guarapari, Conceição da Barra, pessoal de Barra de Itabapoana,
Estado do Rio, esse pessoal daqui de Santa Cruz não usa esse tipo de pesca não!... ce vai faze a
pescaria de o puçá, aí que que acontece, aí vai vem o peroá grande, peroá médio e aquele
pequenininho que você vai vende a vinte centavo, dez centavo o quilo, que aí não tem nem comercio,
significa somente prejuízo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

A Rede de Caída de Fundo consiste na disposição de vários panos de rede


formando uma grande barreira e como o nome já diz, são colocadas poitas para que
a rede fique junto ao substrato no fundo do mar. Para realizar esta pesca é
necessário sondar o fundo, pois a presença de formações rochosas vai impedir a
passagem da rede, danificando-a. A pesca de rede de caída de fundo se aplica a
fundo sem rochas muito grandes. Após a sonda do local é escolhido um ponto onde
a rede vai ser solta, visto que nesta modalidade a rede é liberada em um ponto
48
determinado para que as correntes marinhas a carreguem. Este é exatamente o
problema desta pesca, posto que a rede vai arrastando no fundo e revirando o
substrato, causando enorme impacto sobre o bentos marinho. A rede é
acompanhada pelo barco sendo monitorada através de sinalizadores ou pisca-
alertas, ou ainda bandeiras dispostas na rede para que a mesma não seja perdida
de vista. O barco decide quando colher a rede.

“E a rede de caída de fundo ainda que é a rede que vai arrancando aí! É uma pesca que
destrói porque além de mexer no fundo né! Mexe no fundo e vem colhendo tudo aí pra dentro né!
Fazendo uma limpeza no fundo! Essa rede corre solta, ela corre através da correnteza marinha né!...
Eles acompanham com o barco, tem dois sinalizadores né! Ou mais, chama pisca alerta né! Eles
amarram umas bandeiras na rede e você sabe onde ta a rede, você ta no barco ali e fica um na
vigília, os outros dormem e um fica vigiando, pro barco não distancia da rede, porque o barco vai
corre mais do que a rede! Ai na hora que ta longe, piscando bem longe ai funciona o barco joga o
barco em cima da rede outra vez na!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

5.4.2 A pesca industrial

A pesca industrial é outra atividade que os pescadores de Santa Cruz


destacam como principal responsável pela redução do estoque pesqueiro na região.
Essa pesca é realizada por barcos de grande porte ou até mesmo navios, que
pertencem a grandes empresários. Essa pesca é chamada também de Arrastão ou
pesca com Traineira, e consiste em dispor uma rede, relativamente grande,
esticada no mar ligada a dois barcos ou Traineiras que vão arrastando a mesma por
um tempo determinado, daí o nome de arrastão. Em meio a este arrastão são
capturadas enormes quantidades de pescado, cerca de até oito mil quilos em cada
arrasto, e como acontece com o puçá e a rede de caída de fundo, mesmo se a
malha for grossa os pequenos peixes ainda ficarão retidos devido a grande
quantidade de peixes aprisionados. Outro fator que prejudica os pescadores
artesanais é que se uma de suas pequenas redes estiverem no caminho, também
serão levada pelo arrastão. Depois de um tempo arrastando a rede pelo mar, um
pequeno bote a motor pega uma das extremidades da rede de um barco e liga ao
outro, para que a produção seja içada para a embarcação e o pescado ser
selecionado a bordo.

49
“Um tipo é uma rede amarrada num barco e no outro e sai arrastando aquele troço todo e o
que tem ali no meio entre um barco e outro eles ensaca tudo! É uma imensidade de rede viu! Tudo
próprio pra isso aí, e ali vai o pequenininho e vai o grande e vai tudo e os pequeno eles joga fora o
grande eles aproveita, é de pega em cada colheita dessa aí até oito mil quilos de uma vez, então eles
tem uma aparelho próprio que localiza o cardume, tem esses bote inflável com motor de 25 hp, joga
ele n´água aí o cara pega a ponta da rede a reboque vai arrastando e faz o cerco onde ta o cardume
de peixe né! Pega a outra ponta e entrega no barco aí através daqueles guinchos que coleta aquela
quantidade de peixe que daria pra cem barco pesca dentro de dez, quinze dias. São barcos de firmas
grandes sempre do estado do Rio, daqui mesmo de Santa Cruz ou Barra do Riacho não existe não!
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

5.4.3 Instalação de empresas mineradoras de calcário

A chegada de uma Empresa Mineradora de Calcário Biogênico (Anexo III),


que ainda não se instalou completamente devido as reinvidicações da comunidade
de Santa Cruz, Organizações Não-Governamentais (ONG’s) e Ambientalistas de
todo o Estado, também é fator destacado pelos pescadores como possível impacto
sobre o pescado de Santa Cruz, principalmente no que diz respeito à movimentação
de equipamentos industriais no mar próximo, além da retirada do calcário, principal
componente do substrato da região e nicho ecológico de várias espécies de bentos,
plâncton e macroalgas, afetando toda a teia alimentar na região e influenciando
diretamente no pescado.

“E ainda vai acontecer coisa pior em cima da pesca ainda aqui que vai acabar com mais
ainda, essa exploração de algas que acontece, aí que acaba tudo, aí acaba tudo! O Arnaldo mesmo
pode falar que ele é pescador que vem de herança, essa pesca do Arnaldo aí essa pesca de herança
que veio do pai, que eu conheci o pai dele e conversei demais com o pai dele sobre isso ai né! E ele
pesco em cima de rocha de calcário que é o que tem mais de habitat de lagosta que tem ai! Se eles
tirá isso aí, aí que ceis vão vê só! Aí é que não vai ter nada mesmo! O Arnaldo por exemplo na
pescaria que ele fazia de primeira, Seu Eufrásio nada vai ter mais aí, Seu Eufrásio acho que ele vive
daquilo ali né Arnaldo?... Morre os pequenos peixes e a moradia deles...”
(Sales Candeira e Seu Pedro – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)

5.4.4 Falta de estoque pesqueiro, proibição da pesca no período de “defeso” e falta


de apoio da prefeitura de Santa Cruz

Quando o pescador de Santa Cruz aponta a falta de estoque pesqueiro como


impacto na região, ele liga este fator diretamente aos impactos descritos acima. Em

50
relação à proibição da pesca no período de “defeso”, é destacado a falta de apoio
financeiro aos pescadores neste período de resguardo – “Defeso”. A falta de apoio
da Prefeitura de Santa Cruz destacada pelos pescadores se refere principalmente a
infraestrutura para a atividade pesqueira como: um cais para aportar embarcações
da cidade e de fora da cidade, locais para a limpeza do pescado, sanitário público
para os mesmos entre outras obras. Essa falta da Prefeitura acaba promovendo o
desconforto, e até mesmo conflito, hoje existente na cidade em relação aos
pescadores de fora, que ao chegarem utilizam vias públicas e particulares para
realizarem suas necessidades, e passar o tempo durante o intervalo entre as saídas
de pesca. Neste período em que o “pescador de fora” está na cidade onde não tem
moradia, e procura o lazer na maioria das vezes em bares e na prostituição. A partir
destes comportamentos que os conflitos surgem dentro da cidade.

2
O Tucum (Bactris e Astrocaryum ) e o buriti no norte do Brasil fornecem material para tecelagem
(redes, cordas etc.) (Joly, 1998).
3
“Lamas longas” – O pescador de Santa Cruz se refere ao sedimento inconsolidado ou mesmo
lamacento, local onde o camarão habita (nota do autor).
4
“Pesqueiro” – Local onde se encontra o cardume (nota do autor).
5
“Mestre” - Conhece as condições de mar e do tempo, quando o vento vai virar, para que lado,
navegar a distâncias maiores sem necessitar ter a terra como referência. Guia as embarcações,
diferente dos pescadores que só puxam peso e não tem o conhecimento de navegação (Nota do
autor).
51
VI – DISCUSSÃO

6.1 Evolução das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos sócio-
econômicos da atual comunidade de pesca artesanal

6.1.1 Desenvolvimento da atividade pesqueira em Santa Cruz

A atividade pesqueira ao longo do litoral brasileiro apresenta-se de maneira


bastante diversificada – regionalidade, costumes, entre outras peculiaridades – a
fazem rica culturalmente. Entretanto toda esta variedade pode ser classificada em
três categorias, segundo a forma de produção pesqueira: subsistente, pequena
produção mercantil e empresarial-capitalista (Diegues, 1995). Na história da cidade
de Santa Cruz – que é dividida em três fases – todas as formas de produção de
pesca, exceto a empresarial-capitalista, estiveram presentes.
A primeira fase da cidade (1556-1848), na qual ainda era ainda denominada
Aldeia Velha, foi classificada como estagnada. Isto provavelmente devido a suas
terras serem ocupadas principalmente pelos indígenas, cuja atividade de pesca
destinava-se a suprir apenas as necessidades da comunidade. Segundo Diegues
(1995) esta modalidade de pesca, onde o produto da pesca era utilizado apenas
para o consumo ou troca, dificilmente é encontrado hoje no litoral brasileiro.
A segunda fase (1848-1948) foi marcada pela colonização do estado por
imigrantes e implantação das culturas de mandioca, cana-de-açúcar e café. A
colonização da cidade por imigrantes certamente exerceu pressão sobre o modo de
vida das comunidades indígenas locais, tanto que a forma de produção de pesca
dos índios jamais tornou a ser subsistente, mesmo com a demarcação de suas
terras como reserva indígena (Decreto número 88.926, de 27/10/1983 – D. O.
01/11/1983). A forma de produção da pesca nesta comunidade passa a ser de uma
pequena produção mercantil, visto que o pescado agora além de consumido é
também destinado a venda. Na verdade, são classificados como “pescadores-
lavradores”, pois dividem seu tempo entre a lavoura e a pesca. Além da comunidade
indígena a pesca também era realizada pelos imigrantes que vieram para Santa
52
Cruz, nos mesmos moldes de produção, exceto que os últimos exerciam suas
atividade de pesca da barra do estuário para o mar, enquanto que os indígenas
sempre permaneceram dentro do estuário do rio Piraquê-açu. A pesca com linha de
Tucum, realizada pelas duas comunidades, representa uma interação entre elas no
que diz respeito às técnicas utilizadas na região, e principalmente indica uma
passagem de conhecimento entre duas culturas diferentes. Isso é um fator que
6
ratifica o incremento na riqueza cultural apresentado pelo país. Hoje, das poucas
famílias da comunidade indígena (Caieira Velha) que restam na região, a maioria
estão voltadas para a atividade agrícola, pescando eventualmente para consumo
próprio. A comunidade de pescadores da vila de Santa Cruz, com as repercussões
da terceira fase da cidade, incrementariam suas atividades se tornando pescadores
artesanais.
A terceira fase (1948 a 1967), marcada pela auto-suficiência e principalmente
pela implantação do complexo industrial de celulose, promove uma grande
transformação – de agrícola/extrativista a industrial – no Município principalmente
em relação à ocupação populacional (Figura 3). A implantação de grandes projetos
econômicos quase sempre promovem uma grande mudança social nas
comunidades da região. Um bom exemplo disso foi à construção da Ponte Hercílio
Luz (1926), ligando a ilha de Florianópolis ao continente, assim como a
implementação de grandes projetos turísticos de padrão internacional na década de
70 na mesma ilha. Isso provocou uma decadência no modo de vida do ilhéu,
principalmente dos pescadores, que passaram de artesanais a empregados dos
barcos de pesca industrial. O ambiente foi descaracterizado o que contribuiu para
desorganização social dos pescadores artesanais (Panitz, 2000).
Com o aumento da população do Distrito de Santa Cruz – 577 habitantes
(1970) para 7.043 (1990) – houve um desenvolvimento proporcional da cidade
favorecendo o mercado para a venda do pescado. A tabela 4 mostra que 10
pescadores são de fora da cidade, enquanto que 8 são naturais de Santa Cruz.
Nesse sentido a comunidade passa a uma produção mercantil ampliada (Pesca
Artesanal), já que a procura pelo pescado proporciona uma melhoria na qualidade
dos materiais de pesca, inclusive na aquisição de um barco motorizado.

53
Segundo Diegues (1995) ao se examinar uma formação social historicamente
existente, como a brasileira, pode-se perceber que não há necessariamente uma
evolução de uma forma de organização para a outra. Elas coexistem conflitivamente
apesar de que, nessa articulação, a dominância é exercida pela forma em que o
desenvolvimento das forças produtivas é maior: Entretanto, na breve descrição da
história de pesca dentro do Distrito de Santa Cruz, pode se perceber uma
transformação ao longo do tempo. Na comunidade indígena, a forma de produção
passou de subsistente a uma pequena produção mercantil, visto que há cinquenta
anos atrás os índios tinham compradores certo para as ostras, caranguejos e
pescado (Olindo C., Índio de Caiera Velha). Na década de 70, com a implantação
das Indústrias de Celulose, a comunidade indígena pereceu não mais produzindo
pescado para comercialização. A comunidade de “pescadores-lavradores” da cidade
de Santa Cruz, evolui separadamente da comunidade indígena, quando na mesma
época a aglomeração populacional nas cidades promoveu um maior mercado para o
pescado, gerando mais renda, o que permitiu a aquisição de embarcações
motorizadas para atividade pesqueira.
Apesar deste desenvolvimento da atividade de pesca ter ocorrido
separadamente, já foi discutido acima que o intercâmbio de tecnologias de pesca
existia entre as duas comunidades, mostrada através do conhecimento da pesca
com linha de tucum por ambas as comunidades. A coexistência e o conflito entre
formas de produção não existiram dentro de Santa Cruz, apenas as formas de pesca
predatórias geraram conflitos na região.

6.1.2 Aspectos sócio-econômicos da comunidade de pescadores artesanais de


Santa Cruz

Hoje a comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz é composta por


18 pescadores, variável, devido à instabilidade da atividade. Pelo mesmo motivo,
metade deles exercem outra atividade remunerada para a complementação da
renda familiar (Tabela 2). Estes dados mais o fato de nenhum dos filhos de
pescadores terem iniciado a atividade de pesca, mostra um crescente desinteresse
da comunidade em promover a continuidade desta atividade nas próximas gerações.
54
Outro fator que pode estar contribuindo para isso é o fato de que, quatorze
dos chefes de família da comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz,
possuem o ensino fundamental, que corresponde à cerca de 4 a 7 anos de estudo.
Já a maioria dos filhos destes pescadores já cursam o ensino médio, e dois
possuem inclusive formação superior universitária (Tabela 3). Certamente um maior
nível educacional adquirido permite que o cidadão almeje padrões mais altos de
ocupação social.
A comunidade de pescadores artesanais da cidade de Santa Cruz apresenta
uma faixa etária alta, em torno de 40 anos, com uma baixa média de tempo na
atividade, 12,4 anos. A razão pode ser explicada pelo fato de que 8 dos pescadores
iniciaram a atividade por necessidade, ou seja, não a praticam desde jovem,
característica do resto dos pescadores que deram continuidade a atividade dos pais,
quando a pesca foi passada de geração em geração.. A maioria dos pescadores
possui residência própria (13 dos 18 pescadores), com uma média de quatro
cômodos por residência. O valor é menor do que a média da cidade de Santa Cruz –
6 a 7 cômodos por residência – e do município que é de 5 a 6 (Figura 5). Isso mostra
que a comunidade de pescadores artesanais, em relação à moradia, se encontra
abaixo das expectativas da população da cidade, mesmo porque – apesar da média
– a maioria vive em ambientes de 1 a 3 cômodos (Tabela 4).
As embarcações somam um total de nove, ou seja, metade dos pescadores
da comunidade possui embarcação. Todas registradas em alguma – ou até mais de
uma – entidade regulamentadora da atividade de pesca. Dos pescadores, pela
irregularidade da atividade, cinco não possuem registro de pesca (Tabela 5). Os
fatos apontados até agora mostram uma comunidade de pescadores artesanais que
– apesar de continuar a lutar para exercer a profissão – apresentam muita
dificuldade em dar continuidade a atividade. O desinteresse pela atividade nos filhos
é o principal fator para o desaparecimento destas comunidades, visto que a
perpetuação da “espécie” – pescador artesanal – não se reproduz dentro de uma
nova formação social.

55
6.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca

Segundo Toledo (1991, apud Marques 1995), a espécie Homo sapiens


coexiste – cooperativamente e conflitivamente – com o ambiente que o cerca,
procurando se adaptar, conhecendo e agindo, através de um jogo de sobrevivência.
Isso resume de forma bastante simples, a condição do homem, que está ligado à
teia de vida em condições idênticas aos demais seres vivos, e ao mesmo tempo ao
sistema social como autor e ator na natureza (Lima, 1984 apud Marques, 1995).
Esta é a condição do pescador artesanal de Santa Cruz – que busca de diversas
maneiras sustentar a atividade pesqueira – a fim de assegurar sua sobrevivência
dentro de um ecossistema imprevisível como o marinho. Por esse motivo à técnica
da pesca deve estar aliado a um comportamento, e um conhecimento adequado
adquirido através das gerações, do qual assegurará o sucesso da atividade.

6.2.1 Pesca de balão

Na comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz cinco utilizam o


balão (Tabela 6). O arrasto do balão, conforme dito anteriormente, permite apenas a
captura de pequena quantidade de camarão. A utilização desta técnica com o intuito
de produzir quantidade de pescado para venda é completamente inviável na região.
O motivo é a constituição da plataforma continental em Santa Cruz (Figura 9), que
apresenta predominância de grânulos de cascalho ou areia muito grossa, as lamas
litobioclásticas – descritas anteriormente como “lamas” – são encontradas apenas
em pontos isolados, o que não favorece o desenvolvimento do camarão. Sendo
assim, a técnica é utilizada na maioria das vezes para obter isca para a pesca de
linha e eventualmente para consumo próprio ou venda na comunidade.

6.2.2 Pesca de linha

A pesca de linha é indiscutivelmente a técnica mais utilizada pelos


pescadores da comunidade, apenas um não a utiliza (Tabela 6). O motivo pelo qual

56
a técnica é preferida na comunidade pode ser resumida em dois fatores: primeiro, a
técnica permite a especificação do pescado a ser capturado, e segundo, é a técnica
que as condições ambientais favorecem ao longo do ano. A pesca de linha permite
ao pescador localizar o pescado que estiver em abundância e/ou melhor aceitação
no mercado. Através da vivência diária no mar, o pescador consegue de certa forma
monitorar o cardume ao longo de sua área de atuação, e buscar exatamente o que é
de seu interesse. As condições ambientais precisam ser favoráveis para as saídas
de pesca, e na região estudada, assim como em boa parte do litoral do estado, são
predominantes os vento alísios (Figura 7), vindos do quadrante NE - ENE durante a
maior parte do ano (Bandeira et al., 1975 apud Albino, 1999), fazendo com que o
mar fique calmo a maior parte do ano também. As condições a favor do pescador e
uma embarcação com: grande capacidade de armazenamento de pescado, porte,
potência e aparelhos de navegação, à pesca pode vir a durar até seis dias no mar.
Já as pequenas embarcações que não possuem condições de viajar longas
distâncias atrás do pescado, ficam pescando junto à costa. Um detalhe interessante
é que alguns pescadores, que não possuem instrumentos de navegação ou
experiência no mar, só navegam até distâncias que eles ainda avistem algum ponto
fixo em terra para se guiarem, como a fumaça das chaminés das indústrias de
celulose da região. Estes fazem pescarias de apenas um dia, saindo pela
madrugada e retornando quando ocorre a viração, como é chamada. A viração é
quando o vento NE se torna mais forte geralmente após o meio-dia.

6.2.3 Pesca de rede

A pesca de rede em Santa Cruz é utilizada por 13 pescadores e, exceto por


um deles que só pesca com rede – pois é proveniente do sul e tem diferentes
costumes de pesca – todos os demais a utilizam de forma complementar a pesca de
linha. Isso ocorre porque a pesca de rede só tem eficiência durante as épocas de
frente fria quando entra o vento sul. O vento sul, confirmado por todos os
pescadores como principal fator ambiental que influencia a atividade de pesca na
região, promove a entrada de fortes ondas, sempre mais altas e energéticas que as
promovidas pelos ventos alísios do NE (Bandeira et al., 1975 apud Albino, 1999).
57
Esta condição ambiental, como descrito anteriormente, não favorece a pesca de
linha que demanda a presença do pescador todo o tempo na atividade. Com o uso
da rede é possível coloca-la pela tarde e retira-la na manhã seguinte, evitando desta
forma permanecer no mar por muito tempo. O prejuízo causado pela permanência
em um mar agitado pode ser desde danificação da embarcação até problemas com
a saúde dos pescadores como por exemplo: ferimentos com anzóis, gás de cozinha,
parte elétrica da embarcação, resfriados entre outros. O movimento constante da
embarcação por causa das grandes ondas de frente frias provoca constantes
náuseas, que podem levar inclusive a desidratação do pescador em alto mar. Todos
estes fatores fazem com que a pesca de linha com frentes frias não sejam nem um
pouco viáveis. Outro motivo pelo qual a pesca de linha não acontece com frentes
frias é que o pescado de linha usualmente para de se alimentar neste período. Nesta
ocasião a rede é mais eficiente, pois captura o pescado durante a sua
movimentação na tentativa de se afastar da costa.
Na comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz, as três técnicas de
pesca estão constantemente sendo alternadas, de acordo com as condições
ambientais. Durante a estação chuvosa (primavera e verão), existe uma maior
estabilidade das condições marítimas, com predomínio de ventos alísios do NE e
conseqüentemente mar calmo, o que favorece a pesca de linha. Já na estação seca,
quando ocorrem precipitações frontais de descargas devido às massas polares – ou
frentes frias – as condições se tornam mais instáveis, havendo a necessidade de
alternar a técnica de pesca segundo a condição ambiental. O mesmo foi percebido
na comunidade de Zacarias, na lagoa de Marica – RJ, onde durante os meses de
maior estresse climático (junho/julho, outubro/novembro e dezembro/janeiro) houve
uma distribuição das três técnicas de pesca existentes dentro da comunidade
(Fernandes & Machado-Guimarães, 1994).
Dessa forma, fica claro como o homem, inserido dentro de um ecossistema,
procura reagir de acordo com as imposições ambientais. Sendo que só a vivência é
que permite a percepção, que por sua vez, torna-se comunicável e assim,
mensagens sobre o meio ambiente podem ser transmitidas gerando o que
chamamos de conhecimento tradicional de uma comunidade.

58
6.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado
de Santa Cruz

6.3.1 Descrição e conhecimento ecológico do pescado de Santa Cruz

O pescado produzido pela comunidade de pescadores artesanais de Santa


Cruz se resume a 25 tipos (Tabela 7), sendo que nem todos eles têm aceitação no
mercado. Dos vinte cinco tipos de peixes capturados em Santa Cruz, dez deles são
freqüentes durantes as saídas de pesca, e apenas oito destes têm boa aceitação do
mercado. Isso quer dizer que, mesmo que ocorram todos estes tipos de peixes, os
esforços de captura se concentram apenas em alguns poucos pescados, na maioria
peixes de pedra – visto que a região é caracterizada pela formação de couraças
lateríticas ou arenitos (Figura 8) – favorecendo a distribuição deste tipo de pescado.
O pescador artesanal de Santa Cruz está inserido na complexa rede do
ecossistema marinho na qual vive diariamente, e assim como Marques (1995)
observou em seu trabalho com os brejeiros da “Várzea da Marituba” – AL, os
pescadores percebem seu ambiente como por exemplo, à classificação e
distribuição dos tipos de peixe (“Pedra” ou “Lama”) na região de Santa Cruz,
ratificada por bibliografia especializada (Tabela 8). Isso demonstra que o
conhecimento que o pescador têm a respeito do ambiente em que vivem é real,
entretanto, conforme Gasalla & Tutui (2000), um dos maiores problemas em relação
à pesca responsável e conservação dos estoques pesqueiros na região sudeste, é
que defesos possuem falhas biológicas e ambientais. Justamente porque não é
considerado, além de problemas regionais específicos, o conhecimento da
população em contato direto com o recurso que se deseja manejar. Esse é um ponto
levantado pelos pescadores de Santa Cruz, pois percebem a necessidade da
conservação do Peroá e do Dourado, entretanto nenhuma medida foi tomada e
continuam a se estabelecer períodos de defeso que não estão de acordo com o
objetivo desejado. Semelhante acontecimento foi registrado por Nunes (1998), com
os caranguejeiros da ilha de Vitória, no Espírito Santo.

59
6.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz

Quando a pesca empregada é a de linha, todo o esforço de captura se


concentra principalmente no Peroá, que além de ser relativamente o pescado de
maior abundancia, têm uma ótima aceitação no mercado. Na verdade, as saídas de
pesca em Santa Cruz sempre buscam os cardumes de Peroá, principalmente
durante a alta estação (verão) que apresentam: condições ambientais favoráveis
estáveis, calmaria com ventos NE; abundância dos cardumes de Peroá e turismo de
verão, que significa altíssima procura no mercado. Esse é um dos fatores que fazem
o preço do pescado subir, chegando até a 1,1 R$ (Reais) o quilo (Pescador
Artesanal de Santa Cruz).
Entretanto, na baixa estação (inverno), a produção cai em relação à alta
estação. Dois são motivos: instabilidade das condições ambientais, devido a
eventuais frentes frias que chegam a costa, e pouca procura no mercado. Isso faz
com que o preço caia até a 0,8 R$ (Reais) o quilo do Peroá (Pescador Artesanal de
Santa Cruz – Fita 1/B). Neste período de baixa estação a pesca continua procurando
os cardumes de Peroá utilizando a pesca de linha, entretanto, com a chegada das
eventuais frentes frias e conseqüentemente agitação do mar, a pesca de linha é
substituída pela pesca de rede. A pesca de rede, ao contrário da de linha que pode
selecionar o pescado, captura uma grande variedade de pescado e pouca
quantidade específica. Isso é um fator desfavorável no mercado, visto que o
atravessador nunca sabe exatamente qual será o pescado que ele poderá comprar
exatamente. Dessa forma a pesca de rede, de pequena escala, acaba não sendo de
grande interesse econômico para os atravessadores.
Segundo os pescadores de Santa Cruz, a produção na alta estação (Tabela
9) é sempre maior do que a baixa estação, mesmo que no inverno dois esforços de
pesca (linha e rede) são empregados na captura do pescado. Pois na alta estação
existe abundância de pescado e procura no mercado, oposto a baixa estação. O
mesmo fato foi observado por Fernandes & Machado-Guimarães (1994), na
comunidade pesqueira de Zacarias – RJ, durante os períodos de estresse climático
60
houve uma ocorrência mais distribuída das técnicas de pesca, porém não significou
um aumento de captura, sendo inclusive os bimestres de menor produção
pesqueira. Ainda foi verificado que apenas um das técnicas (Cerco), foi que atingiu
maiores valores de ocorrência e produção, justo como foi visto na comunidade de
pescadores artesanais de Santa Cruz, onde a pesca de linha além de ser a mais
utilizada é a que gera uma maior produção.

61
6.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz

6.4.1 Embarcações de fora de Santa Cruz

O principal impacto sobre as atividades de pesca apontado pelos pescadores


de Santa Cruz, e registrado durante o período de estudo, foi à invasão da cidade por
pescadores de fora da cidade. Dois são os motivos pelos quais os pescadores se
sentem prejudicados por essa invasão: o comportamento inadequado perante a
comunidade e a pesca predatória que alguns deles praticam.
O principal problema da chegada dos “pescadores de fora” foi o excesso de
embarcações – cerca de duzentas – no rio Piraquê-Açu, que não comporta tamanha
quantidade de barcos que vieram do sul. Isso gerou os primeiros conflitos pois na
falta de cais, as embarcações dos pescadores de Santa Cruz começaram a ser
utilizados pelos “de fora” como atracadouros. Durante o tempo que permaneciam na
cidade, moravam nas próprias embarcações, utilizando o rio para: suas
necessidades, banho, despejo de lixo da embarcação como restos de cozinha e
limpeza de pescado. A maioria dos “pescadores de fora” vinha de cidades maiores
que Santa Cruz, e conseqüentemente apresentavam comportamento compatível de
seu local de origem, gerando conflito também com o modo de vida pacato da
comunidade não só de pescadores artesanais como da cidade inteira (Anexo II).
A pesca artesanal em Santa Cruz – que utiliza apenas a linha, rede e balão –
se viu prejudicada pela utilização de técnicas predatórias de pesca pelos pescadores
de fora, como o puçá e a rede de caída de fundo. Enquanto que a pesca de linha,
através do tamanho do anzol, seleciona o tamanho dos peixes, as técnicas
predatórias colhem todo o cardume independente do tamanho do pescado. Esse fato
causa revolta nos pescadores artesanais de Santa Cruz, pois se eles pescam 100 Kg
de Peroá em uma saída de pesca, a embarcação com o puçá o faz de uma só vez,
na primeira “puxada” do dia. Este tipo de impacto também é descrito por Castanheira
& Carrasco (1998), na comunidade tradicional da Ilha Comprida- - SP, onde um
pescador salientou que: “...como aquela não é a sua casa, não se preocupam com os
prejuízos que estão causando. Quando acabar o que tem aqui, eles vão para outro
62
lugar.”, quando se referia a extração predatória de ostras no manguezal de onde a
comunidade tirava seu sustento. E isso foi exatamente o que aconteceu em Santa
Cruz, pois os “pescadores de fora” chegaram na alta estação, exploraram o pescado
desrespeitando os pescadores locais, e quando o pescado diminuiu na baixa estação
todos deixaram a cidade. A comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz,
assim como as de Pedrinhas e Jaraúva – na Ilha comprida, SP – conhecem a região
onde vivem e seus ciclos biológicos. Conhecem bem a sua área e a respeitam por
sua importância, e principalmente passam este respeito e conhecimento para as
futuras gerações, seus filhos.

6.4.2 A pesca industrial

Segundo Diegues (1995), a sobrepesca – exercida em particular pelos


arrastões da pesca empresarial-capitalista – é fator preponderante que gera conflitos
entre essas duas formas de produção, prejudicando a produção e reprodução dos
pescadores artesanais. A questão da sobrepesca foi citada por Carneiro et al (2000),
que em seu trabalho no biênio de 98-99 verificou uma maior concentração da
atividade pesqueira industrial na região sudeste. Um total de 48.854,3 toneladas de
pescado capturado até os 100 metros de profundidade, distribuídas nas seguintes
formas de pesca: arrasto-pequeno, arrasto-médio, emalhe, espinhel-de-fundo,
arrasto de parelha, traineira e espinhel-de-superfície; foi registrado para o biênio de
98-99, apenas pelas principais frotas pesqueiras de Santos e Guarujá do estado de
São Paulo. Diversos trabalhos têm apontado que a pesca industrial concentra-se na
região costeira até 100 metros de profundidade e que seus estoques tradicionais vêm
sendo explorados ao nível de produção máxima sustentável ou até mesmo sobre-
explotados (Castello & Haimovici, 1991; MMA, 1995; Haimovici, 1997 apud Carneiro
et al, 2000). Carneiro et al (2000) ainda conclui em seu trabalho que a prospecção de
demandas por recursos pesqueiros alternativos e a diversificação dos métodos de
captura, incentivando aqueles mais seletivos, tornam-se necessários para a
utilização sustentável dos recursos vivos dos ambientes marinhos. Pescadores
artesanais da comunidade de Santa Cruz citam que antigamente era necessário
viajar no máximo uma hora de barco para encontrar o “pesqueiro”, hoje pode ser
63
necessário viajar até quatorze ou vinte horas para achar um bom “pesqueiro”. A
comunidade concluiu que foi o desenvolvimento da pesca empresarial-capitalista que
promoveu a diminuição do pescado não só em Santa Cruz mas em toda a região
adjacente, fato observado por Valentini (1990) apud Mendonça et al (2000), em
relação à diminuição do pescado na costa sudeste do Brasil. Em Iguape – no
complexo estuarino-lagunar de Cananéia-Iguape-Paranaguá, SP – a sobre-pesca
resultou no desaparecimento de cações, camarão sete barbas e pescada-foguete
nos desembarques dos pescadores da comunidade (Mendonça et al, 2000).

6.4.3 A instalação de empresas mineradoras de calcário

Os pescadores artesanais da comunidade de Santa cruz acreditam que a


implementação da atividade de exploração de calcário biogênico na região (Anexo
III), contribuirá para uma diminuição ainda mais drástica dos estoques pesqueiros da
região. Isso porque eles sabem que este é o substrato predominante na região, e que
associado a ele estão inúmeros organismos bentônicos – principalmente algas e
invertebrados – que constituem a base da teia alimentar do pescado da região, por
eles denominados “peixes de pedra”. Enganam-se os empresários e inclusive
técnicos na área de ecologia e meio ambiente, quando tacham de ignorantes as
comunidades tradicionais e não leva em consideração o seu conhecimento. Além de
interferir na teia alimentar, a extração deste substrato pode gerar mudança na
movimentação do sedimento na região, gerando problemas que só podem ser
calculados com um estudo sério e sistematizado que demanda tempo, ao contrário
de estudos realizados em alguns meses – com dados que não refletem a realidade
do problema – e que são aprovados como relatórios de impacto ambiental por órgãos
governamentais irresponsáveis.

6.4.4 Falta de estoque pesqueiro, proibição da pesca no período de “defeso” e falta


de apoio da prefeitura de Santa Cruz

As reclamações em relação à diminuição do estoque pesqueiro na região e


proibição em períodos de “Defeso”, estão relacionados respectivamente a pesca
64
predatória discutida anteriormente, e o descaso da comunidade científica e órgão
ambientais pelo conhecimento das comunidades tradicionais, conforme exposto na
discussão sobre o pescado de Santa Cruz.
A falta de apoio da Prefeitura de Santa Cruz é citada, pois é o órgão que
deveria estar dando suporte a comunidade de Santa Cruz, entretanto a mesma
sempre tomou providências que só prejudicaram os moradores da cidade.
Providências como: fechar os sanitários públicos da cidade durante a permanência
dos “pescadores de fora”, causando ainda mais desconforto para as pessoas da
cidade; liberação da construção de um cais em área indígena para atividade
mineradora, ao invés de trabalhar na construção de um cais e boxes para
descarregamento do pescado na cidade; incentivo a exploração industrial em um
balneário com grande potencial turístico, que certamente traria mais retorno para o
município em termos de emprego e conservação da maior riqueza da região, visto
que o turismo hoje, é certamente o melhor investimento para uma cidade. O fato de
ser lucrativo, gerar grande número de empregos diretos e indiretos e se bem
planejado, ainda promover a conservação de recursos naturais, o torna importante
fonte de renda para a região. Exemplos como o litoral nordestino, sul do Brasil,
região dos lagos no estado do Rio de Janeiro, são poucos, diante do grande
contingente de cidades que hoje investem no turismo. Além disso, a preservação dos
recursos naturais, aliado aos núcleos de hábitos tradicionais (pesca, vilas, folclores e
etc.), é condição fundamental, não só para a sobrevivência de importante segmento
da população e cultura local, como paradoxalmente para a própria sustentação
destas áreas como pólos privilegiados de atração turística (Lago, 1996 apud Panitz,
2000).
Fatores como grande esforço de pesca, competição com o sistema industrial,
depredação dos ecossistemas, falta e ineficácia de órgãos governamentais, cercam o
pescador artesanal de situações de difícil exercício da profissão (Panitz, 2000),
fazendo com que mais um segmento cultural de nosso se país se extingue.

6
Segundo as estimativas de Hemmming (1978) a população nativa em apenas uma parte do território
Tupinikim, a região entre o Espírito Santo e o sul da Bahia, eram em 1500 de 55 mil habitantes. O
número total de pessoas, em 1994/1995, na aldeia de Caieiras Velha é de 591 (FUNAI, 1995).
65
VII – CONCLUSÃO

A comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz se desenvolveu ao


longo do tempo a partir da comunidade anterior, a dos “pescadores-lavradores”.
Estes por sua vez ocuparam a região junto com os indígenas, na época da
colonização, adquirindo inclusive vários conhecimentos dos nativos. Dessa forma, o
tipo de produção pesqueira em Santa Cruz apresenta uma mudança gradativa, que
vai desde os índios até os pescadores artesanais, sem registro de conflito entre as
comunidades de formas de produção diferentes. Isso foi possível principalmente
pelo fato das comunidades, apesar de ocuparem a mesma região, utilizarem nichos
diferentes em suas atividades de pesca.
A instabilidade da atividade pesqueira, em função da variação do estoque do
pescado, faz com que atualmente a comunidade de pescadores artesanais de Santa
Cruz não alcance os mesmos padrões sócio-econômicos que o Distrito de Santa
Cruz, e Município de Aracruz. Essa condição da comunidade, faz com que os filhos
de pescadores não tenham interesse em continuar na atividade de pesca.
As técnicas utilizadas pelos pescadores artesanais de Santa Cruz seguem um
padrão para alcançar o objetivo da atividade, como por exemplo: o balão de
madrugada para capturar camarão, que servirá de isca para a linha; esta está
direcionada aos “peixes de pedra” e é utilizada na maioria das vezes por causa dos
padrões de vento NE predominantes na região; e finalmente em frentes frias, a rede
é empregada na captura dos “peixes de lama”, visto que a linha é inviável. Estes
padrões foram determinados em função do conhecimento dos pescadores em
relação ao ambiente em que vive. As relações que ele estabelece (intraespecificas)
no comportamento social da pesca com os companheiros, e interespecífica nas
técnicas mais apropriadas para a captura do pescado, só ratificam o profundo
conhecimento ecológico e tradicional do pescador artesanal.
Apesar de bastante diversificado, dentre o pescado de Santa Cruz, apenas
alguns deles são de interesse econômico para a comunidade. E o conhecimento
ecológico a respeito do pescado, é o que possibilita um melhor aproveitamento,
como descrito anteriormente, do pouco pescado hoje existente na região. Sendo o
66
Peroá o principal recurso pesqueiro da região, principalmente durante a alta estação,
quando o ambiente está favorável a pesca, há abundância no pescado e existe
muita procura devido ao turismo de verão. Estes são motivos que fazem o preço do
pescado aumentar. Entretanto, quando chega a baixa estação, os pescadores
enfrentam um período de instabilidade tanto na pesca quanto na vida financeira,
fazendo com que muitos abandonem a pesca temporariamente.
A pesca artesanal em Santa Cruz vem sofrendo muitas pressões contrárias
ao seu desenvolvimento, principalmente pela pesca predatória cada vez mais
empregada por barcos vindo de outras regiões do estado ou do país durante a alta
estação. A pesca industrial, assim como em vários outros estados e países do
mundo, vem sendo um grande impacto na região devido à sobre pesca e
conseqüente redução do estoque pesqueiro nos litorais – principal área de atuação
dos grandes barcos. A especulação industrial, para a exploração de calcário
biogênico, na região também é um impacto muito serio para pesca, visto que extrai
todo o microambiente que sustenta a base das teias alimentares nos oceanos.
Como se não bastasse, órgão ambientas e Prefeitura local não oferecem nenhum
tipo de apoio à comunidade de pescadores artesanais de Santa Cruz, ao contrário,
dão preferência aos que prejudicam o ecossistema do Piraquê-açu como no caso
dos pescadores de fora e a indústria mineradora de calcário biogênico.
A atividade de pesca em Santa Cruz tem uma história, não se trata de uma
atividade nova na região, mas uma atividade que vem sendo praticada há várias
gerações e por diferentes comunidades étnicas dentro do estuário do rio Piraquê-
açu. Os pescadores artesanais, comunidade em questão, apresentam profundo
conhecimento da região, do ambiente em que trabalham e sobretudo do recurso do
qual sobrevivem. O conhecimento aqui é denominado tradicional, porque foi
construído pela comunidade, fruto da necessidade de sobreviver em uma atividade
tão instável como a pesca artesanal. E esta comunidade prosperou até hoje,
entretanto, muitas são as pressões contra o desenvolvimento desta atividade de
pesca, e a oportunidade de mudar de ramo é sempre bem vista por alguns dos
pescadores artesanais.
A pesca industrial, responsável pela sobre pesca em regiões costeiras com
conseqüente redução de estoques pesqueiros. Atividades de exploração de calcário,
67
também em regiões costeiras, com conseqüente destruição do bentos, suporte da
teia alimentar marinha. Técnicas predatórias de pesca empregadas por barcos de
fora da comunidade. Todos estes impactos são reais e ignorados por órgão
responsáveis como a Prefeitura de Santa Cruz, SEAMA, IBAMA e etc. Esse tipo de
atitude no passado permitiu a descaracterização da cobertura vegetal do Estado do
Espírito Santo e hoje, da mesma forma ignoram os impactos aos ecossistemas
marinhos do Estado, que destroem não só o ambiente, mas também comunidades
que dependem diretamente dele para sobreviver.

68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PROJETO DE GERENCIAMENTO COSTEIRO DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO: REGOÃO LITORAL NORTE. Macrozoneamento Costeiro – Memorial
Descritivo – Meio Antrópico. Instituto de apoio à pesquisa e ao
desenvolvimento Jones dos Santos Neves. SEAMA.
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WOOTTON, B. Testament for social science. 1. ed. Londres: George Allen &
Unwin Ltd., 1950.

70
ANEXO I
“Estudo da cultura de pesca na comunidade de Santa Cruz – ES”

Questionário base para levantamento das informações de pesca na comunidade de


Santa Cruz – Abrangendo toda a população dos pescadores

Módulo A
Nome: Data de nascimento:

Endereço:

Naturalidade:

Que documentos você possui?


c RG c CPF c Nenhum

Estado civil:
c Casado c Solteiro c Outros _____________
Número de dependentes: _____________
Quantos trabalham? _____________

Escolaridade: (M) Marido (E) Esposa (F) Filhos


c 1O Grau completo c 2O Grau completo c Outros
c 3O Grau completo c Nenhum _____________

Residência:
c Própria c Alugada c Outros _____________
Quantos cômodos? _____________

Possui embarcação? c Sim Quantas? _____________ c Não

Em que entidade você possui registro relacionado à atividade de pesca?


c Capitania dos Portos c IBAMA
c Associação comunitária c Outros _____________

Há quantos anos você trabalha na pesca? _____________

Como que foi sua iniciação na atividade de pesca?


c Família c Necessidade c Outros _____________

Quantos dos seus filhos trabalham na pesca?


c 1 c 2 c 3 c 4 c Outros _____________ c Nenhum

Você procura ou têm outra atividade remunerada complementar a pesca?

____________________________________________________________
71
Módulo B
Qual ás técnicas utilizadas na pesca em Santa Cruz?
c Pesca de linha c Pesca de rede c Outros _____________

As condições do tempo interferem na atividade de pesca?


c Maré c Correntes c Vento c Estação do ano
c Outros _____________

Como é o regime de trabalho da embarcação nas saídas de pesca? Qual a sua


ocupação ( )?
c Mestre c Pescador c Outros _____________

Qual o sistema de distribuição da produção da embarcação entre os tripulantes?

____________________________________________________________

Módulo C
Qual o pescado que ocorre em Santa Cruz?
c Peroá c Curvina c Pargo c Baiacu c Pescada
c Cação c Badejo c Outros _____________

Qual o pescado que tem maior aceitação no mercado?


c Peroá c Curvina c Pargo c Baiacu c Pescada
c Cação c Badejo c Outros _____________

Qual a técnica utilizada para cada tipo de pescado?


c Peroá c Curvina c Pargo c Baiacu c Pescada
c Cação c Badejo c Outros _____________

Qual quantidade de pescado que uma embarcação produz, por semana, ao longo do
ano?
Verão _____________ Inverno _____________

Qual a renda que se pode alcançar com esta atividade, por semana, ao longo do
ano?
Verão _____________ Inverno _____________

Como é feita a comercialização do pescado?


c Atravessador c Peixaria c Restaurante c Pessoas físicas
c Outros _____________

Módulo D
Qual a maior dificuldade encontrada atualmente na pesca em Santa Cruz?
c Falta de estoque pesqueiro c Pesca industrial
c Outros _____________ Data:

72
ANEXO II
28/01/2001
Santa Cruz vive dilema da sobrevivência

Zeniltom Custódio

Linhares – Sucursal – A escassez de peixes na costa do Sul do Estado provocou


uma corrida ao litoral Norte capixaba, motivada principalmente pela pesca do peroá.
A maior concentração de embarcações, entretanto, ocorre em Santa Cruz, município
de Aracruz, para onde mais de 200 embarcações pesqueiras de vários pontos do
Espírito Santo migraram, levando o caos à pacata vila.

O clima de bucolismo que atraía os turistas e proporcionava tranqüilidade aos


moradores está ameaçado, assim como o Rio Piraquê-Açu e a extensa área de
manguezal que enriquecem a paisagem. Tanto o rio quanto o mangue estão
castigados pelo derramamento de óleo diesel das embarcações e pela grande
quantidade de peixe estragado jogado em suas águas.

O problema, que já mobilizou as autoridades municipais e do Estado, dividiu a


comunidade. De um lado, estão moradores e empresários que exploram o turismo.
Do outro, a parte mais pobre da população, que encontra na pesca uma fonte de
renda.

Empregos

Esta não é a primeira vez que os cerca de três mil moradores de Santa Cruz são
envolvidos neste tipo de dilema. A notícia da implantação de uma indústria de
calcário no local, a Thotham Mineração, há dois anos, também provocou um
impasse entre os habitantes da vila, e a questão acabou indo parar na Justiça.
Dessa vez, novamente a comunidade é desafiada a solucionar um problema,
mesmo que os interesses em jogo não sejam os mesmos para todos.

Este é o segundo ano consecutivo que os pescadores de peroá se deslocam para


Santa Cruz, em temporada que foi iniciada em meados do ano passado. Mas desta
vez o número de embarcações, com capacidade para transportar de duas a três
toneladas de peixes, é maior, entre 200 e 250. Os barcos se aglomeram em um
trecho de cerca de 300 metros da praia do Rio Piraquê-Açu, onde são
desembarcadas diariamente cerca de 50 toneladas de peroá.

Lixão

O principal problema é que o ponto de concentração dos barcos, onde ocorre o


desembarque do pescado, fica localizado justamente na área mais nobre do
balneário, o "point" dos turistas na vila. Neste espaço, também estão concentrados
os principais bares, restaurantes e hotéis de Santa Cruz.

73
Os empresários que exploram o turismo na orla do Piraquê-Açu alegam que a
atividade pesqueira desordenada está comprometendo o desenvolvimento do
turismo. Luiz Carlos Fanchioti, que mantém um ponto comercial na área, afirma que
a situação é caótica. "O rio se transformou em um depósito de lixo, onde é
despejado todo tipo de detrito, além de óleo e peixes podres."Outro comerciante,
que preferiu não se identificar temendo represálias, disse que durante a noite a área
mais nobre do balneário transforma-se em um local de prostituição e de consumo de
drogas. O empresário Carlos Augusto Ewad, que explora o turismo no balneário,
acha que está faltando empenho da parte da administração pública para resolver o
problema. Disse ainda que o assunto já foi levado ao conhecimento da Secretaria de
Estado para Assuntos do Meio Ambiente (Seama), da ouvidoria do Ministério do
Meio Ambiente e da Capitania dos Portos. "Este movimento ameaça o ecossistema",
alerta.

Alguns moradores da orla também se revelam inconformados com a situação.

É o caso de dona Carmem Araújo Carlos Lamêgo, de 82 anos. Ela reclama do mau
cheiro, do barulho dos motores dos barcos, da sujeira da praia e do movimento
permanente de pescadores, que usam a calçada de sua casa para almoçar e
deixam o lixo espalhado pelo chão. Disse, inclusive, que já pensou em construir um
muro alto em volta da casa, uma construção de mais de 100 anos que se constitui
em um das referências históricas da vila. "Minha filha acha que eu não devo fazer
isto porque vou perder a visão para o rio", comentou.

"Só quer a saída dos pescadores quem não precisa deles", reage o pescador Jaó,
de 49 anos, morador do local há 10 anos. Para ele e para parte da população mais
carente, a presença das embarcações de fora representa a oportunidade de
conseguir uma fonte de renda e de alimentos. "Eles me dão peixe todos os dias e
ainda ganho dinheiro consertando redes", explica. Para Madalena Vicente Ribeiro,
60 anos, a invasão de barcos pesqueiros "foi a melhor coisa que aconteceu ". Ela
disse que fatura de R$ 5,00 a R$ 15,00 por dia preparando iscas para os
pescadores. "Já consegui até comprar um carrinho de mão", relatou, acrescentando
que pretende utilizá-lo para transportar o peixe que ganha para sua casa, no morro
de Nova Santa Cruz.

Outro que também lucra com a situação é Edilsom Machado Oliveira, de 16 anos,
que ganha entre R$ 20,00 e R$ 30,00 para descarregar um barco. A mãe, Lena, de
42 anos, que tem mais seis filhos menores, também trabalha preparando iscas e
comemora, afirmando que a atividade "caiu do céu".

Drama

Os pequenos comerciantes como Hélio Crema, de 60 anos, que mantém uma


sorveteria na vila, também defendem os pescadores. "Eles dão peixe para todo
mundo. Hoje mesmo eu ganhei sete quilos de peroá", contou. É desta forma,
distribuindo o excedente de peixe entre os moradores mais pobres, que os
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pescadores, conforme o empresário Carlos Augusto, conseguem transmitir a "falsa
impressão de que contam com o apoio da população".

Mas os pescadores também vivem seu drama. Aíltom Milagres de Souza, de 53


anos, é dono do barco José Adriano, que tem capacidade para transportar 400
quilos de peixes. Ele mora em Guarapari e enfrenta uma viagem de 12 horas para
chegar ao litoral Norte, porque o pescado está escasso na costa Sul. "Nós também
temos famílias para sustentar e estamos tentando ganhar nosso dinheiro
honestamente e com muita luta", desabafa.

A exploração turística

está ameaçada pela atividade dos pesqueiros, que lançam óleo e lixo no Rio
Piraquê-Açu e nas praias. Mas o pescador Jaó, que mora em Santa Cruz há dez
anos, diz que só quem não precisa é que quer a saída dos barcos do balneário.
Além de garantir dinheiro com o conserto das redes, ele ganha parte do excedente
de peixes.

Ailtom Milagres, dono de um dos barcos, mora em Guarapari e explica que só tenta
ganhar dinheiro de forma honesta para sustentar sua família

TRAJETÓRIA
História marcada pela riqueza e decadência

A história da vila de Santa Cruz lhe confere uma importância muito grande no
processo de colonização da região. No local onde hoje vivem cerca de quatro mil
habitantes, em 1556 foi fundado um núcleo de catequese indígena que recebeu o
nome de Aldeia Nova. Mas como se construiu outro núcleo perto dali, o de Nova
Almeida, a Aldeia Nova teve de mudar o nome para Aldeia Velha, que ficou em
grande abandono. Em meados do século XIX, a aldeia acabou se tornando sede da
freguesia religiosa, o que a levou, em 3 de abril de 1848, a se tornar sede municipal,
batizada como Santa Cruz. A sede, por muito tempo, foi uma cidade importante,
graças ao seu movimentado porto, por onde escoava toda a produção agrícola da
região. No local ainda existem prédios antigos, como o que foi construído em 1860
para abrigar a sede da Prefeitura Municipal, sendo que várias casas conservam as
características arquitetônicas da época.
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ANEXO III

09/06/2001
Ibama chama Thotham para audiência pública

Zeniltom Custódio

Linhares – Sucursal – O Departamento de Registro e Licenciamento do Instituto


Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), de Brasília,
convocou uma audiência pública para o próximo dia 21, com a empresa Thotham
Mineração Ltda., que pretende explorar sedimentos calcários no município de
Aracruz.

A decisão, entretanto, surpreendeu técnicos do órgão no Estado, já que os trabalhos


desenvolvidos por uma comissão local, com o propósito de avaliar os estudos de
impactos ambientais apresentados pela indústria, estão ainda na fase inicial.

A coordenadora da comissão, engenheira de pesca Ana Lúcia Regina Melo,


destacada no Ibama do Espírito Santo, seguiu ontem para Brasília, com o propósito
de tentar adiar a data marcada para a audiência pública.

Importância
Entretanto, Augusto Carlos Quintanilha, técnico do Departamento de Registro e
Licenciamento, não vê motivos para qualquer tipo de polêmica. Ele considera,
inclusive, que a audiência poderá fornecer subsídios para a comissão e enriquecer o
debate em torno da questão. "Uma coisa nada tem a ver com a outra", disse,
referindo-se ao fato de a audiência pública ter se antecipado à conclusão dos
técnicos capixabas sobre o assunto.

Comissão
A comissão em Brasília, que avalia os estudos de impacto ambiental apresentados
pela Thotham, é integrada por técnicos do Ibama, da Secretaria de Estado Para
Assuntos do Meio Ambiente (Seama), por representantes de segmentos
organizados da comunidade de Aracruz e também por especializadas em algas
calcárias de universidades dos estados da Bahia e São Paulo.

A primeira reunião do grupo aconteceu no dia 1º, quando foram discutidos aspectos
sócio-econômicos do projeto. O prazo para a comissão fazer a análise se esgota no
final do mês.

CRONOLOGIA DOS FATOS

A empresa Thotham Mineração Ltda., que concentra suas atividades no Estado do


Rio de Janeiro, anunciou sua intenção de explorar algas calcárias no Estado, em
agosto de 1999.
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A polêmica começou em setembro de 1999, quando a empresa iniciou a construção
de um terminal de desembarque em Santa Cruz, em área doada pela Prefeitura
Municipal de Aracruz.

No mesmo mês, em meio a protestos de ambientalistas locais, a obra foi embargada


pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

Em outubro, a Thotham trouxe para o Litoral Norte capixaba o barco Obstinance,


com o propósito de desenvolver pesquisas.

No mesmo mês, a empresa organizou uma reunião para fazer uma apresentação do
projeto à comunidade de Santa Cruz, que rejeitou os argumentos.

Em agosto de 2000, a área de Santa Cruz onde a Thotham pretende se instalar, foi
ocupada pelos índios guarani.

Em outubro de 2000, o juiz federal José Ferreira Neto concedeu liminar favorável à
Organização Consciência Ambiental (Orca) e determinou a suspensão do processo
de licenciamento da Thotham.

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