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VITÓRIA
2001
FICHA CATALOGRÁFICA
NETTO, R. F.
Orientador:
_________________________________
Prof. Msc. André Gustavo Alves Nunes
VITÓRIA
2001
i
Aos meus pais,
iii
LISTA DE FIGURAS
iv
LISTA DE TABELAS
v
LISTA DE PRANCHAS
vi
LISTA DE ANEXOS
vii
SUMÁRIO
Folha de rosto i
Dedicatória ii
Agradecimentos iii
Lista de figuras iv
Lista de tabelas v
Lista de pranchas vi
Lista de anexos vii
Resumo x
I – INTRODUÇÃO 01
1.1 Apresentação e justificativas 01
1.2 Objetivos 04
1.2.1 Objetivo geral 04
1.2.2 Objetivos específicos 04
II – ÁREA DE ESTUDO 05
2.1 Localização 05
2.2 Histórico da ocupação da região de Santa Cruz 06
2.3 Aspectos sócio-econômicos 08
2.4 Aspectos físicos 10
2.4.1 Aspectos climáticos 10
2.4.2 Aspectos oceanográficos 11
2.4.3 Aspectos tectônicos e estruturais 11
2.4.4 Plataforma Continental 12
III – EMBASAMENTO TEÓRICO 15
3.1 Evolução das formas de produção pesqueira no Brasil (Diegues, 1995) 15
3.1.1 Pesca de subsistência 15
3.1.2 Pesca realizada dentro dos moldes de pequena produção mercantil 15
3.1.3 A pesca empresarial-capitalista 18
3.1.4 O problema da “transição” de uma forma de organização a outra 18
3.2 O jogo da sobrevivência: bases cognitivas (Marques, 1995) 19
IV – METODOLOGIA 23
4.1 Considerações gerais 23
4.2 Obtenção de dados 24
4.2.1 Questionário 24
4.2.2 Entrevistas 25
4.2.3 O registro fotográfico 25
4.2.4 Dados secundários 26
V – RESULTADOS E ANÁLISES 27
5.1 Transformação das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos
sócio- econômicos da atual comunidade de pesca artesanal 27
5.1.1 Desenvolvimento da atividade pesqueira em Santa Cruz 27
5.1.2 Aspectos sócio-econômicos da comunidade de pescadores artesanais de
Santa Cruz 29
5.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca 32
5.2.1 Pesca de Balão 32
5.2.2 Pesca de Linha 33
5.2.3 Pesca de Rede 35
5.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado de
Santa Cruz 41
5.3.1 Descrição e conhecimento ecológico do pescado de Santa Cruz 41
viii
5.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz 43
5.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz 47
5.4.1 Embarcações de fora de Santa Cruz 47
5.4.2 A pesca industrial 49
5.4.3 Instalação de empresas mineradoras de calcário 50
5.4.4 Falta de estoque pesqueiro, proibição da pesca no período de “defeso” e
falta de apoio da prefeitura de Santa Cruz 50
VI – DISCUSSÃO 52
6.1 Evolução das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos sócio-
econômicos da atual comunidade de pesca artesanal 52
6.1.1 Desenvolvimento da atividade pesqueira em Santa Cruz 52
6.1.2 Aspectos sócio-econômicos da comunidade de pescadores artesanais de
Santa Cruz 54
6.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca 56
6.2.1 Pesca de Balão 56
6.2.2 Pesca de Linha 56
6.2.3 Pesca de Rede 57
6.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado de
Santa Cruz 59
6.3.1 Descrição e conhecimento ecológico do pescado de Santa Cruz 59
6.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz 60
6.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz 62
6.4.1 Embarcações de fora de Santa Cruz 62
6.4.2 A pesca industrial 63
6.4.3 Instalação de empresas mineradoras de calcário 64
6.4.4 Falta de estoque pesqueiro, proibição da pesca no período de “defeso” e
falta de apoio da prefeitura de Santa Cruz 64
VII – CONCLUSÃO 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 69
ANEXOS 71
ix
Resumo
x
I – INTRODUÇÃO
1
depredação dos recursos vivos do oceano, e exploração de mão-de-obra e o
empobrecimento do próprio pescador artesanal (Diegues, 1995).
A ecologia, embora permaneça firmemente radicada na biologia, já ganhou a
maioridade como uma disciplina integradora essencialmente nova, que une
processos físicos e biológicos e serve de ponto de ligação entre as ciências naturais
e as sociais (Odum, 1988). Justamente por esse motivo a ecologia foi escolhida
como a ciência fundamental do estudo. Dentro dela, inúmeras áreas de atuação se
definem, de acordo com o assunto que abordam. Uma destas vertentes, definida
como ecologia humana, defronta-se com uma problemática complexa ao ser forçada
pela natureza de seus estudos, a conceber o homem como um animal ligado, por
um lado, à teia de vida em condições idênticas aos demais seres vivos, e por outro,
ao sistema social como autor e ator (Lima, 1984 apud Marques, 1995). Surge então
a etnoecologia:
(Marques, 1 995)
1
TEK-TALK. “A newsletter on traditional ecologiacl Knowledge”. 1 (1), 1992 (Marques, 1995).
3
1.2 Objetivos
4
II – ÁREA DE ESTUDO
2.1 Localização
5
Figura 2 – Localização da área de estudo.
7
2.3 Aspectos sócio-econômicos
POPULAÇÃO URBANA E RUAL NO DISTRITO DE SANTA CRUZ NOS ANOS DE 1970, 1980 E
1991
Figura 3: População urbana e rural no Distrito de Santa Cruz nos anos de 1970, 1980 e 1991
(IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980 e 1991).
8
CHEFES DE DOMICÍLIOS, POR ANOS DE ESTUDO, SEGUNDO O MUNICÍPIO DE
ARACRUZ E DISTRITO DE SANTA CRUZ EM 1991
35
30
Aracruz
25
20
%
15
10
Santa Cruz
5
0
0a1 1a3 4a7 8 a 10 11 a 14 15 ou
mais
Anos de Instrução
Figura 4: Chefes de domicílios - em um total de 11.761 (Aracruz) e 2.392 (Santa Cruz) – por
anos de estudo, segundo o Município de Aracruz e Distrito de Santa Cruz em 1991 (IBGE,
Censo Demográfico, 1991).
55
50
45 Aracruz
40
35
% 30
25
20
15
10 Santa Cruz
5
0
1 2 3 4 5 6a9 > 10
Número de cômodos
Figura 5: Número de cômodos por domicílios (Total de 6.982 em Aracruz e 2.329 em Santa
Cruz), segundo o Município de Aracruz e o Distrito de Santa Cruz em 1991 (IBGE, Censo de
1991).
9
(31,3%), sendo a minoria representada pelos que não possuem rendimento mensal
algum (2,7%) (Figura 6).
50
45
40 Aracruz
35
30
% 25
20
15 Santa Cruz
10
5
0
0 até 1 1a3 3 a 10 > 10
Salários Mínimo
Figura 6: Domicílios (11.761 em Aracruz e 2.392 em Santa Cruz) e pessoas (52.254 em Aracruz
e 10.161 em Santa Cruz), por classes de rendimento nominal médio do chefe de domicílio,
segundo o Município de Aracruz e Distrito de Santa Cruz em 1991 (IBGE, Censo de 1991).
10
que os de SE estão associados às frentes frias que chegam periodicamente à costa
capixaba (Figura 7).
Figura 7: Regime dos ventos (A) e sentido de chegada das ondas (B) no litoral capixaba em
condições normais (Martin et al.,1993 apud Albino, 1999).
A B
Figura 8 – Couraças lateríticas características da região de Santa Cruz. Couraças emersas na
seção inferior do estuário (A) e no detalhe (B) arenitos ou couraças lateríticas.
13
Quanto à composição mineralógica dos sedimentos, segundo Kowsmann &
Costa (1979) apud Albino (1999), a plataforma continental é recoberta
principalmente por sedimentos carbonáticos, com teores de CaCO3 superiores a
75%. Recobrindo a plataforma continental de Salvador a Vitória, foram identificados
por Melo et al. (1975) apud Albino (1999), dez assembléias de bioclastos, com
predomínio de algas coralinas, briozoários, moluscos e foraminíferos bentônicos.
14
III – EMBASAMENTO TEÓRICO
18
Há efetivamente processos que inviabilizam em maior ou menor grau a
pequena produção mercantil: a produção dos pescadores-lavradores e a dos
pescadores artesanais. Fatores tais como: a expulsão dos pescadores-lavradores de
suas terras nas praias pela especulação imobiliária; a urbanização desorganizada, e
de forma acelerada; a crescente poluição dos estuários e outros ecossistemas
litorâneos e costeiros; a sobre-pesca (exercida em particular pelos arrastões da
pesca empresarial-capitalista) e os conflitos entre os pescadores artesanais e a
pesca industrial, prejudicam as atividades desses pequenos produtores inibindo a
produção e reprodução dos mesmos.
Tabela 1: Comparação entre informações dos brejeiros e da literatura sobre peixes (Marques,
1995).
“No cará comum (Cichlidae), as ovas “(Cichlidae) põem poucos ovos (...) O
fica em baixo e ele fica tomando conta, casal protege a prole durante várias
balançando as barbatanas. O macho e a semanas”. (Junk, 1983).
feme fica perto”.
20
Eis um exemplo:
Canto:
Criei um cari num tanque da minha casa e disse: vou ver se se cria.O cari
engordou. Criou junto com a xira. A peixa (a xira) ficou fina, mas o cari... Comeu o
que? Aquele lodozinho”.
22
IV – METODOLOGIA
4.2.1 Questionário
24
em populações com tamanho entre 15 e 20 indivíduos a amostra precisa cobrir
todos, podendo ficar apenas um indivíduo da população de fora da amostragem.
4.2.2 Entrevistas
26
V – RESULTADOS E ANÁLISES
“...a lavoura agente mexia muito pouco né! Trabalhava durante o dia de tarde botava a rede
no outro dia mirava, um certo período do dia concertava rede... então agente sempre trabalhava com
rede e de canoa né!... e teve ocasião que eu e meu pai sempre vínhamos pesca da onde agente
morava né! Agente vinha pesca com Seu finado Faustino, Faustino, e agente saia de Baleeira né!... e
papai antigamente ele diz pegava um saco de lagosta pra comprar um quilo de carne seca, vendia
um saco de lagosta pra compra um quilo de carne seca!”
(Arnaldo C., Pescador Artesanal de Santa Cruz)
“...eu pesco mais junto com a minha esposa, pesco mais só com ela, pesco de dia e de noite
só eu mais ela, botamo rede eu mais ela, só eu e minha esposa que pescamo, é! Difícil pesca com
outros companheiros, só quando eu vô junto com meu cunhado né! Mais é coma minha esposa...”
“... é porque às vezes agente só pesca ai mesmo pra come né! Inclusive igual essa semana
eu pesquei, botei rede ai! Peguei uns peixinho, porque eu to trabalhando na roça né! Aí é devagar!”
(Olindo C., Índio de Caiera Velha)
27
A comunidade indígena que originou a existente hoje, instalada no mesmo
lugar, já se encaixava como “pescadores-lavradores”, pelo fato de utilizarem a
pescaria como fonte de renda extra, trabalhando a maior parte do tempo na “roça”.
“A pescaria antiga nóis vivia bem aqui de que?!? Caranguejo, caranguejo, ostra, ostra que dá
naquelas casca lá! Esteira, tá vendo aquela esteira ali? Aqui era uma fábrica de esteira arrumada!
Isso acabou tudo, e nóis só vivia daquilo, era só mesmo ostra, caranguejo e esteira. É ostra,
caranguejo e esteira! Nóis desfiava muita ostra pra vende em Santa Cruz, Aracruz mesmo né! E
esteira fazia em quantidades de esteira de dúzias e mais dúzias! Vinha caminhão pega aqui! O
caranguejo tirava de lá já tinha comprador!”
(Olindo C., Índio de Caiera Velha)
“Alimentam-se sobretudo de moluscos e peixes; daí haver ainda, nas margens dos rios,
grandes montões de conchas... além do rio, [Piraquê-Açú], viam-se matas extensas onde se
espalhavam às plantações dos índios: cultivavam principalmente milho, mandioca e baga (ricinus) de
cuja semente extraem óleo” (Neuwied, 1940).
“Nos lugares onde essa vegetação deixa entre si espaços descobertos, os índios
teem o costume de fazer armadilhas com folhas de palmeira, onde o peixe entra quando sobe as
marés e, para apanha-lo sem trabalho quando às águas descem” (Saint-Hilaire, 1936).
28
motorizada, com suas canoas de Traquete e Baleeiras viajavam até 10 milhas além
do estuário.
“Antigamente não existia nem motor né! Nem existia também outro sistema que não fosse
vela, baleeira à vela, aqueles traquete né! E quando não tinha vento era remo né! E remava, remava
em voga né! Arrastando os dois remos, cada um remando de um lado... tinha uma ocasião que
agente saia até 10 milhas de mar afora né!”
(Arnaldo C., Pescador Artesanal de Santa Cruz)
”...era linha de Tucum, aquela do mato ai! ...linha de Tucum é um mato, uma folha tipo uma
folha, é que desfia, dá uma folha com quatro dedos de largura assim, mais ou menos né! Ai ele é
cheio de espinho... a folha do Tucum ela é isso aqui ó! Ela é mais, não, é quase isso aqui de largura!
Aí nóis pegava e dobrava ela aqui ó! Dobrava ela aqui ó! E tirava ela aqui ó! Oi ó! A pele dela ó! Tá
vendo isso ai é a linha! Aí agente pegava pra limpa, e papai cochava e é a linha que nóis fazia, aí ia
imendando, imendando tudo assim imendando, dez, vinte metros, ai pegava essa Aroeira e dava uma
tinta nela, e nóis pescava mais com essas linha...”
(Olindo C., Índio de Caieira Velha)
“...linha de Tucum tecido na mão né! Agente chegava naqueles coquinho de Guriri, aqueles
coisinha que tem no mato do tal do Tucum, e tirava aquelas folhas e dobrava ela no meio e puxava e
depois cochava na mão e fazia as jogadas de Tucum.”
(Arnaldo C., Pescador Artesanal de Santa Cruz)
29
manutenção de embarcações ou em restaurantes especializados em peixes da
região (Tabela 2).
30
Tabela 4 – Moradia, naturalidade e iniciação na pesca da comunidade de pescadores de Santa
Cruz.
31
5.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca
32
“Botá o balão no barco e joga na posição certa onde tem a lâmina, aí você arrasta uma duas
volta, três volta né! No período de uma hora, uma hora e meia, aí nesse meio tempo levanta o balão e
pega o camarão pra você pesca né! Aí depois que você tá com aquele camarão dentro da
embarcação dentro do bote, aí você sai praticamente uma hora duas horas de mar a fora e vai
procura o peixe até a posição! Mas primeiramente é o balão né! E depois que você vai pesca!... Barra
do Saí é... lá no rio Doce! Essas regiões aí que tem lamas muito longas né! E as nossas lamas aqui
dentro de Santa Cruz principalmente elas fica por dentro das pedras dos arrecifes altos né!... O balão
sempre de preferência de madrugada né!... não aqui em Santa Cruz, aqui em Santa Cruz só dá
mesmo pra isca.”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
“Quando é peroá você pesca cada pargueira com vinte anzol, trinta anzol, né Arnaldo?!?... Ai
quando a linha bate no fundo você deixa ela firme ali, quando tem o peixe você logo cê vê logo o
balançar da linha, puxando pro fundo, ai você puxa em retorno que o anzol entra na boca do peixe e
você puxa às vezes dois, três peixes, quando tem muito você pode até puxar cinco ou seis peixes,
como já aconteceu né! Até treze eu já peguei! Agora peroá até vinte quando você bota trinta anzol,
vinte cinco anzol, até vinte mesmo se tiver muito você traz. Agora quando tem pouca elas começam
a roubar as isca né!... Uma faixa de 14 pargueira pra cada pescador, cada pescador leva quatorze
pargueira, quinze pargueira, isso é o mínimo, tem gente que leva vinte, o Arnaldo mesmo leva uma
porção pra pesca até o meio dia né?!? É importante que quanto mais você leva mais você vai
desenvolver a pesca, porque quando embolô com uma daquela ali você tira aquilo e joga lá no canto
e isso aí engata outra, a outra que tá novinha e isca ela e ripa pra frente né! Num pode perde tempo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
33
por volta de três a cinco dias, portanto é necessário que esteja equipado com
instrumentos de navegação, suprimentos para a tripulação e gelo para conservar o
pescado. Durante a pescaria, à medida que os peixes vão sendo capturados, estes
vão sendo acumulados na borda do barco e quando chega o meio dia são dispostos
dentro da urna com o gelo. Depois do almoço continuam a pescar gelando o peixe
só pela tarde. O motivo de se abrir à urna apenas duas vezes ao dia é para a
economia do gelo, porém quando o dia está nublado ou chuvoso o pescado pode
ser gelado só à tarde pois não existe o perigo do peixe estragar. Entretanto, uma
nova técnica de conservação do pescado e do gelo está sendo usada por um
pescador de Santa Cruz, que consiste no uso de esteiras de Taboa confeccionadas
pelos índios de Caieira Velha. A técnica consiste em – à medida que o pescador for
capturando os peixes - colocar todo o pescado na borda do barco, e por cima
estender a esteira molhando-a freqüentemente com água do mar, está técnica
permite a conservação do peixe até o final do dia, mesmo em dias quentes, fazendo
com que a abertura da urna seja feita apenas uma vez, e mesmo assim em um
horário de temperatura mais amena conservando melhor o gelo também.
“Essa pescaria do meu barco por exemplo, é pescaria de três dias a cinco dias, ai você tem
que colocar cem caixas de gelo né! No meu barco agora coloca 200 litros de óleo diesel, 200 litros de
água, um rancho que é a comida que se fala rancho né!... peroá eles pesca até praticamente meio dia
quando o sol tá muito quente né!,Gela aquela quantidade, quando o dia tá frio, chuva assim pesca o
dia inteirinho e só gela o peixe só à tarde né! Aí à noite descansam, dormem, faz o rancho lá e
comem e vão dormir e quando chegam ali de manha cedo ai começa a pesca outra vez,... Agora é
que eu to usando uma técnica ai!... É com esteira, eles vão pegando o peixe, vão pegando o peroá e
vão amontoando e bota a esteira em cima, esteira mesmo, aquelas feita de taboa! Aí o sol pode tá
quente do jeito que tiver e joga água do mar em cima daquela esteira, e aquela esteira conserva o
peixe até de tarde! Aí você pesca desde manhã cedo até de tarde... e gela o peixe à tarde, sem
perigo de estragar o peixe, perde o peixe. Ai adianta, em vez de você tá abrindo a urna perdendo
gelo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
Ainda existem outras duas formas de pesca de linha menos utilizadas pelos
pescadores de Santa Cruz, que são a “Jogada ou Arco” e a “Garatéia”, que é uma
espécie de Pargueira. O Arco consiste em uma estrutura de metal de forma
semicircular, com um peso no meio deste arco, de modo que as duas extremidades
do arco ficam voltadas para cima. Em uma das extremidades está ligada a linha que
vai para o barco – de controle do pescador – e na outra extremidade uma curta linha
34
com anzóis presos com isca. Está última por ser curta, fica oscilando ao gosto dos
movimentos das correntes do mar atraindo os peixes próximos. Já a Garatéia é bem
semelhante a Pargueira – principalmente no que diz respeito à maneira de utiliza-la
– só que possui no máximo dez anzóis dispostos de palmo em palmo ao longo na
linha, e com um chumbo na extremidade. Nas duas formas a linha vai até o fundo,
ou até a profundidade que o cardume estiver, e fica descansando até que os peixes
comecem a mordiscar a isca, momento em que deve ser puxada para fisgar os
peixes.
“O arco é mais ou menos assim ó!... Isso aqui encosta no fundo, aqui é a linha que vai pro
barco, os anzóis fica ó! (Balançando na água) Cê entendeu como é que o negócio? Chamando a
atenção, provocando o peixe, e eles chamam o tal do arco ou jogada né Arnaldo! (Garatéia) É o
mesmo sistema da pargueira né! Uns dizem que é a garatéiazinha pequena né, mas é o chumbo
mesmo é chumbado né! No fundo como a pargueira, mas só que tem que os anzóis não é igualzinhos
os de peroá né! Anzol 619, distância de palmo em palmo um anzol né! Ai quando a linha bate no
fundo você deixa ela firme ali, quando tem o peixe você logo ce vê logo o balançar da linha, puxando
pro fundo ai você puxa em retorno que o anzol entra na boca do peixe...”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
35
panos de rede de cada lado, dando seguimento à estrutura linear que a rede inteira
possui. A vantagem deste processo é que a rede fica mais maleável as correntes,
“pescando” como diz o pescador, e mais leve quando tiver que ser puxada de volta
para o barco, pois serão quatro panos de rede de cada vez e não todos juntos.
“A rede se você não souber colhe ela na embarcação e coloca a tralha certa, num vai
funciona não! Ela vai ficar dura, vai fica tensa dentro d´água! Num vai pesca não!...nóis a cada quatro
pano de rede, nóis coloca um ancorote, o ancorote é uma ancora, ela segura quatro pano de rede!
Ali vem o pé de galinha, aí solta mais quatro pano tudo emendado, mais aí aquele ancorote segura
quatro pano... e assim por diante num tem peso pra você puxar que a rede num vem toda de uma
vez, ela num estaca todinha em cima da embarcação, ela estaca de quatro em quatro pano no
ancorote, ai você puxa aquilo dali é mais fácil pra você puxá, a rede fica mais molinha num fica
tensa... sempre coloquei duas poitas, em meses de maré grande né, que nóis já perdemos rede
inteirinha de ressaca de maré né!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
36
“E a rede também pra pode pega peixe só na época do mar agitado, com a mudança de
tempo do vento sul é que o peixe se afasta da beira da costa né,... porque? Ah, o peixe de rede,
quando o mar mexe, que o mar fica brabo, o mar mexe todinho o peixe endoida, o peixe endoidando,
ai cê tem facilidade de pega ele, porque alvoroça todo, sai né, ai cê pega ele na saída, então é
porque? Por que o mar mexeu o peixe fico endoido, entre areia nas guelras do peixe, tem peixe que
sai mais pra fora né, quando o mar volta a acalmar você pega ele na entrada outra vez... e nesse
intervalo onde encontra, e que passa na rede e que pega... Então eles vão colhendo periodicamente
e vão tirando o peixe né! Porque o peixe passo de um certo período, se a água estiver quente
principalmente, eles estragam com muita facilidade né! Se a água ta fria não, mas quando a água ta
quente, o peixe, fácil fácil eles estragam, ficam meio moído. A nossa região aqui a água ainda é muito
fria na! Mas do rio Doce pra cima, passo de duas hora o peixe apodrece, ce perde o peixe, com
certeza você perde o peixe, a água é quente mesmo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
“Linha você procura o local lá fora onde você pode achar o peixe, tem vezes que você acha,
tem vezes que você não acha, e tem ocasião que num dá peixe de rede só de linha! Tem ocasião
quando a lua fica muito clara num dá peixe na rede é mais em ocasião de lua escura né, então
quando num dá uma coisa então eles só consertam uma rede na praia, vão procura outro tipo de
peixe, vão procura através de espinhel né!... é uma coisa rotativa não é uma coisa fixa né! Você não
pode trabalhar numa pesca só, se você só trabalha na pesca de camarão por exemplo você não vive!
Se você trabalhar só na pesca de rede ainda vá lá que seje ainda, a pessoa que pesca só com rede
que tem muito material, que tem muito material mesmo, cinqüenta peças em cada barco, quarenta
cinquenta peças em cada barco, você ainda consegue vende, consegue arranjar alguma coisa né!
Mas pesca de camarão pesca de linha isso tem que diversifica né!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
37
PRANCHA I – Pesca de Balão
B C
38
PRANCHA II – Pesca de Linha
A
E
B F
(A) Esquema ilustrativo da pesca de
linha
(B) Foto em detalhe da pargueira
(C) Modo de guardar a pargueira
sem emaranhá-la
(D) Grampo que liga a linha ao
carretel, caso a pargueira
embole, a mesma é retirada e
substituída por outra.
(E) Foto ilustrativa da pesca de
linha
C (F) Esteira que recobre e conserva
o pescado sendo molhada
39
PRANCHA III – Pesca de Rede
G
(A) Esquema ilustrativo da pesca de
rede
(B) Ancorote e a bóia em detalhe
(C) O pé de galinha ao centro ligado
ao pano de rede, acima
(D) Colocando a rede no mar
(E) Retirando a rede do mar
(F) Rede sendo retirada à beira do
cais
(G) Detalhe do pescado sendo
retirado da rede
D
40
5.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado
de Santa Cruz
Tabela 7: Descrição do pescado de Santa Cruz relacionando: nome popular, família (Szpilman,
1992), técnica de pesca utilizada, ocorrência e aceitação no mercado.
41
O pescado de Santa Cruz ainda pode ser classificado, segundo os
pescadores da região, como: “Peixes de Pedra”, habitante das couraças lateríticas
(Arenitos) – características do litoral de Santa Cruz – que se encontram com maior
abundância quando se navega em direção ao sul; e “Peixes de Lama”, habitando o
sedimento inconsolidado denominado anteriormente de “lamas”, com localização ao
norte de Santa Cruz. Esta classificação, decorrente da vivência diária na pesca – e
ratificado por bibliografia especializada (Tabela 8) – é baseada na relação entre o
peixe, o local onde foi pescado (habitat) e o tipo de técnica utilizada. O peixe de
pedra vive sobre as formações rochosas e só pode ser capturado através da pesca
de linha, porque se usada à rede, certamente ficaria presa no substrato causando o
rompimento da mesma quando puxada para o barco. Um bom exemplo seria o
Peroá, apenas pescado com linha e em hipótese nenhuma com rede, classificado
pelos pescadores como peixe de pedra habitante de fundo rochoso. Um outro
exemplo – a Pescadinha – classificada como peixe de lama, ou seja, encontrada
fora das formações rochosas de Santa Cruz e só capturada com o uso da rede,
raramente emergem do fundo exceto por mudança ambiental, conforme descrito
anteriormente nas técnicas de pesca. Poucos são os peixes que são capturados por
ambas as técnicas de pesca, como o Cação Lambaru, pois tem o costume de se
esconder nos acúmulos de areia entre as rochas em Santa Cruz.
42
por vários anos em seu ofício, destacam duas espécies de peixe que estão sofrendo
redução no seu estoque populacional: o Peroá e o Dourado.
Os pescadores, por meio da vivência no mar, observam que o período de
“desova” do Peroá acontece normalmente em torno do mês de outubro. Sendo
assim ele acredita que uma proibição de três meses, em torno desse período,
beneficiaria a regeneração da população de Peroá. O Dourado, segundo os
pescadores de Santa Cruz, também desova mais ou menos nesse período. A
proibição da pesca, ano sim outro não, é uma posição que os pescadores acreditam
também reduzir a pressão sobre o estoque deste pescado.
“A época de desova do peroá devia de ser proibido... e o IBAMA devia tomar uma providência
sobre isso, suspende pelo menos um mês a dois meses na época da desova do peroá, eu cheguei a
limpá peroá que o barco do Eliseu na época da coisa aí e de limpa cem peroá e apenas dez não tá
ovada... Foi sempre na época de outubro no ano passado né! Outubro dezembro nessa faixa aí,
nesses meses aí!
E da época do Dourado também né! É porque o Dourado parece que ele vêm desovar nessa
época né? È, ele vem pra desovar. Então o cara pega ele né?!? A pesca devia de ser proibida, um
ano sim outro não né! Esse ano não tem pesca do Dourado por exemplo, ai ele vai desovar! Nesse
ano você ia pegar o Dourado, no outro ano não pegava!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
Tabela 9 – Produção média por semana do pescado (Kg) na alta estação, segundo entrevista
com os pescadores, em Santa Cruz e relação com o tamanho do barco (p – pequeno < 10 m / g
– grande > 10 m).
44
A maior produção em Santa Cruz é a do Peroá, isso porque quando o tempo
está bom (vento Nordeste brando), 17 dos pescadores da comunidade direcionam a
pesca para este pescado, mais abundante na costa capixaba e de fácil
comercialização. O preço do pescado pode variar segundo três motivos: quando há
escassez de pescado – no inverno por exemplo - a produção diminui e o preço
aumenta; turismo durante o verão até a Semana Santa também melhora o preço do
pescado; e quando o peixe é de “Primeira”, como a Pescada por exemplo. O peixe
de “Primeira” é o peixe, segundo os pescadores de Santa Cruz, procurado por
consumidores de poder aquisitivo alto, entretanto hoje na região existe uma
escassez destes tipos de peixes.
“... sempre no inverno você tem caída na produção! Geral! Isso é duma maneira geral, rede,
linha tudo!... hoje em dia o mínimo que eu já vendi foi de 80 centavos, um real, real e dez!... No
inverno vai ser sempre menor, com certeza, com certeza no inverno sempre vai ser menor cê não tem
dúvida!... o que influência é só a falta do peixe né! O que faz o peixe ter mais valor é só a falta, mais
nada, porque comprador tem muito né, o que influência subi o preço do peixe aqui é quando o peixe
diminui, ou então no verão que existe muita gente de fora dentro do nosso estado e vem pro nosso
município, é que influi né! Faz o peixe melhorá um pouquinho de preço até a semana Santa né!... 80
centavos... no inverno... No verão tava até um e dez, por causa do movimento de gente de fora né!...
Peixe de primeira é peixe procurado demais por camarada de poder bom, poder aquisitivo bom né! É
um peixe assim muito procurado no mercado né!... são os peixes procurados por isso são os peixes
caros né!... hoje em dia tá escasso, é difícil você pega um badejinho ai fora ...”
(Seu Pedro – Pescador Artesanal de Santa Cruz)
45
PRANCHA IV - Comercialização e
valoração do pescado
B F
47
O Puçá consiste em um arco de metal com diâmetro variável de um a dois
metros, com uma rede presa a ele assemelhando-se a um grande coador. A rede
fica voltada para baixo do arco; para cima, em direção ao barco, está a corda que
serve para içar o puçá de dentro d´água, em que é presa também a isca logo na
entrada do arco. A pescaria é realizada da seguinte forma: joga-se o puçá no mar
com a isca na “boca” do puçá, quando o cardume estiver todo concentrado acima do
arco, comendo a isca, o pescador puxa o puçá. A tendência do cardume ao sentir o
movimento do aparelho é afundar, nisto ele fica preso na rede e é içado ao barco. O
grande problema desta técnica é que em meio ao cardume, que em uma puxada
pode trazer de cinquenta a cem quilos em média, também está preso o peixe
pequeno que ainda não chegou a idade reprodutiva e não tem valor comercial. O
pescador pode até alegar que usa uma malha grossa, para pegar apenas o pescado
grande, entretanto quando o cardume é capturado mesmo os pequenos não
escapam, pois a grande quantidade de pescado que vem de uma só vez obstrui a
malha mantendo os pequenos peixes presos. Nesta pescaria o barco precisa estar
equipado com uma espécie de guincho, para içar a grande quantidade de pescado.
“Tem alguns pescador do sul que fazem isso aí! Esse pessoal aí de fora faz. O puçá é um
arco né! Grande igual um coador feito de rede, certo! Aí chama-se puçá! Aí você bota a isca ali, ai o
peroá vai juntando na isca, aí ele dá aquela puxada aí a tendência do peixe é descer, se mexer a
tendência do peixe é ir pro fundo, aí ele vai só ensacando ali, e quando ali tem uns 50, 100 quilo o
cara puxa em dois, três lá praquele troço lá em cima! A pesca predatória é essa aí ó!... Essa pesca
ainda é utilizada pelas pessoas de Guarapari, Conceição da Barra, pessoal de Barra de Itabapoana,
Estado do Rio, esse pessoal daqui de Santa Cruz não usa esse tipo de pesca não!... ce vai faze a
pescaria de o puçá, aí que que acontece, aí vai vem o peroá grande, peroá médio e aquele
pequenininho que você vai vende a vinte centavo, dez centavo o quilo, que aí não tem nem comercio,
significa somente prejuízo!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
“E a rede de caída de fundo ainda que é a rede que vai arrancando aí! É uma pesca que
destrói porque além de mexer no fundo né! Mexe no fundo e vem colhendo tudo aí pra dentro né!
Fazendo uma limpeza no fundo! Essa rede corre solta, ela corre através da correnteza marinha né!...
Eles acompanham com o barco, tem dois sinalizadores né! Ou mais, chama pisca alerta né! Eles
amarram umas bandeiras na rede e você sabe onde ta a rede, você ta no barco ali e fica um na
vigília, os outros dormem e um fica vigiando, pro barco não distancia da rede, porque o barco vai
corre mais do que a rede! Ai na hora que ta longe, piscando bem longe ai funciona o barco joga o
barco em cima da rede outra vez na!”
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
49
“Um tipo é uma rede amarrada num barco e no outro e sai arrastando aquele troço todo e o
que tem ali no meio entre um barco e outro eles ensaca tudo! É uma imensidade de rede viu! Tudo
próprio pra isso aí, e ali vai o pequenininho e vai o grande e vai tudo e os pequeno eles joga fora o
grande eles aproveita, é de pega em cada colheita dessa aí até oito mil quilos de uma vez, então eles
tem uma aparelho próprio que localiza o cardume, tem esses bote inflável com motor de 25 hp, joga
ele n´água aí o cara pega a ponta da rede a reboque vai arrastando e faz o cerco onde ta o cardume
de peixe né! Pega a outra ponta e entrega no barco aí através daqueles guinchos que coleta aquela
quantidade de peixe que daria pra cem barco pesca dentro de dez, quinze dias. São barcos de firmas
grandes sempre do estado do Rio, daqui mesmo de Santa Cruz ou Barra do Riacho não existe não!
(Seu Pedro e Arnaldo Cabral – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
“E ainda vai acontecer coisa pior em cima da pesca ainda aqui que vai acabar com mais
ainda, essa exploração de algas que acontece, aí que acaba tudo, aí acaba tudo! O Arnaldo mesmo
pode falar que ele é pescador que vem de herança, essa pesca do Arnaldo aí essa pesca de herança
que veio do pai, que eu conheci o pai dele e conversei demais com o pai dele sobre isso ai né! E ele
pesco em cima de rocha de calcário que é o que tem mais de habitat de lagosta que tem ai! Se eles
tirá isso aí, aí que ceis vão vê só! Aí é que não vai ter nada mesmo! O Arnaldo por exemplo na
pescaria que ele fazia de primeira, Seu Eufrásio nada vai ter mais aí, Seu Eufrásio acho que ele vive
daquilo ali né Arnaldo?... Morre os pequenos peixes e a moradia deles...”
(Sales Candeira e Seu Pedro – Pescadores Artesanais de Santa Cruz)
50
relação à proibição da pesca no período de “defeso”, é destacado a falta de apoio
financeiro aos pescadores neste período de resguardo – “Defeso”. A falta de apoio
da Prefeitura de Santa Cruz destacada pelos pescadores se refere principalmente a
infraestrutura para a atividade pesqueira como: um cais para aportar embarcações
da cidade e de fora da cidade, locais para a limpeza do pescado, sanitário público
para os mesmos entre outras obras. Essa falta da Prefeitura acaba promovendo o
desconforto, e até mesmo conflito, hoje existente na cidade em relação aos
pescadores de fora, que ao chegarem utilizam vias públicas e particulares para
realizarem suas necessidades, e passar o tempo durante o intervalo entre as saídas
de pesca. Neste período em que o “pescador de fora” está na cidade onde não tem
moradia, e procura o lazer na maioria das vezes em bares e na prostituição. A partir
destes comportamentos que os conflitos surgem dentro da cidade.
2
O Tucum (Bactris e Astrocaryum ) e o buriti no norte do Brasil fornecem material para tecelagem
(redes, cordas etc.) (Joly, 1998).
3
“Lamas longas” – O pescador de Santa Cruz se refere ao sedimento inconsolidado ou mesmo
lamacento, local onde o camarão habita (nota do autor).
4
“Pesqueiro” – Local onde se encontra o cardume (nota do autor).
5
“Mestre” - Conhece as condições de mar e do tempo, quando o vento vai virar, para que lado,
navegar a distâncias maiores sem necessitar ter a terra como referência. Guia as embarcações,
diferente dos pescadores que só puxam peso e não tem o conhecimento de navegação (Nota do
autor).
51
VI – DISCUSSÃO
6.1 Evolução das formas de produção pesqueira em Santa Cruz e aspectos sócio-
econômicos da atual comunidade de pesca artesanal
53
Segundo Diegues (1995) ao se examinar uma formação social historicamente
existente, como a brasileira, pode-se perceber que não há necessariamente uma
evolução de uma forma de organização para a outra. Elas coexistem conflitivamente
apesar de que, nessa articulação, a dominância é exercida pela forma em que o
desenvolvimento das forças produtivas é maior: Entretanto, na breve descrição da
história de pesca dentro do Distrito de Santa Cruz, pode se perceber uma
transformação ao longo do tempo. Na comunidade indígena, a forma de produção
passou de subsistente a uma pequena produção mercantil, visto que há cinquenta
anos atrás os índios tinham compradores certo para as ostras, caranguejos e
pescado (Olindo C., Índio de Caiera Velha). Na década de 70, com a implantação
das Indústrias de Celulose, a comunidade indígena pereceu não mais produzindo
pescado para comercialização. A comunidade de “pescadores-lavradores” da cidade
de Santa Cruz, evolui separadamente da comunidade indígena, quando na mesma
época a aglomeração populacional nas cidades promoveu um maior mercado para o
pescado, gerando mais renda, o que permitiu a aquisição de embarcações
motorizadas para atividade pesqueira.
Apesar deste desenvolvimento da atividade de pesca ter ocorrido
separadamente, já foi discutido acima que o intercâmbio de tecnologias de pesca
existia entre as duas comunidades, mostrada através do conhecimento da pesca
com linha de tucum por ambas as comunidades. A coexistência e o conflito entre
formas de produção não existiram dentro de Santa Cruz, apenas as formas de pesca
predatórias geraram conflitos na região.
55
6.2 Descrição das técnicas, comportamento e conhecimento tradicional dos
pescadores artesanais de Santa Cruz em relação à pesca
56
a técnica é preferida na comunidade pode ser resumida em dois fatores: primeiro, a
técnica permite a especificação do pescado a ser capturado, e segundo, é a técnica
que as condições ambientais favorecem ao longo do ano. A pesca de linha permite
ao pescador localizar o pescado que estiver em abundância e/ou melhor aceitação
no mercado. Através da vivência diária no mar, o pescador consegue de certa forma
monitorar o cardume ao longo de sua área de atuação, e buscar exatamente o que é
de seu interesse. As condições ambientais precisam ser favoráveis para as saídas
de pesca, e na região estudada, assim como em boa parte do litoral do estado, são
predominantes os vento alísios (Figura 7), vindos do quadrante NE - ENE durante a
maior parte do ano (Bandeira et al., 1975 apud Albino, 1999), fazendo com que o
mar fique calmo a maior parte do ano também. As condições a favor do pescador e
uma embarcação com: grande capacidade de armazenamento de pescado, porte,
potência e aparelhos de navegação, à pesca pode vir a durar até seis dias no mar.
Já as pequenas embarcações que não possuem condições de viajar longas
distâncias atrás do pescado, ficam pescando junto à costa. Um detalhe interessante
é que alguns pescadores, que não possuem instrumentos de navegação ou
experiência no mar, só navegam até distâncias que eles ainda avistem algum ponto
fixo em terra para se guiarem, como a fumaça das chaminés das indústrias de
celulose da região. Estes fazem pescarias de apenas um dia, saindo pela
madrugada e retornando quando ocorre a viração, como é chamada. A viração é
quando o vento NE se torna mais forte geralmente após o meio-dia.
58
6.3 Descrição, conhecimento ecológico, comercialização e valoração do pescado
de Santa Cruz
59
6.3.2 Comercialização e valoração do pescado de Santa Cruz
61
6.4 Problemas enfrentados na atividade de pesca pela comunidade de pescadores
artesanais de Santa Cruz
6
Segundo as estimativas de Hemmming (1978) a população nativa em apenas uma parte do território
Tupinikim, a região entre o Espírito Santo e o sul da Bahia, eram em 1500 de 55 mil habitantes. O
número total de pessoas, em 1994/1995, na aldeia de Caieiras Velha é de 591 (FUNAI, 1995).
65
VII – CONCLUSÃO
68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
69
MENDONÇA, J. T. A pesca da manjuba (Anchoviella lepidentostole) e sua influência
no complexo estuarino-lagunar de Cananéia-Iguapé-Paranaguá. In: SIMPÓSIO
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Anais.... Vitória: ACIESP, 2000. v. 1, p.251-260.
NEUWIED, M.W. Viagem ao Brasil. 1. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1940.
NORDI, N. Os catadores de caraguejo-uçá (Ucides cordatus) da região de
Várzea Nova (PB): uma abordagem ecológica e social. 1992. 98 p. Tese
(Doutorado em Ciências) – Programa de Pós-Graduação em Ecologia e
Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos.
NUNES, A. G. A. Os argonautas do mangue: uma etnografia visual dos
caranguejeiros do município de Vitória – ES. 1998. 207 p. Dissertação
(Mestre em Multimeios) – Programa de Pós – Graduação em Multimeios da
Universidade Federal de Campinas.
ODUM, E.P. Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 1988. 434
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PANITZ, C.M.N. Comunidades tradicionais do litoral de Santa Catarina. In:
SIMPÓSIO DE ECOSSISTEMAS BRASILEIROS: CONSERVAÇÃO, 5, 2000,
Vitória. Anais.... Vitória: ACIESP, 2000. v. 1, p.40-45.
PROJETO DE GERENCIAMENTO COSTEIRO DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO: REGOÃO LITORAL NORTE. Macrozoneamento Costeiro – Memorial
Descritivo – Meio Antrópico. Instituto de apoio à pesquisa e ao
desenvolvimento Jones dos Santos Neves. SEAMA.
QUEIROZ, M.I.P. Variações sobre a técnica de gravador no registro da
informação viva. 1. ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991. 171 p.
SAINT-HILLAIRE, A. Segunda viagem ao interior do Brasil: Espírito Santo. 1. ed.
São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1936.
SZPILMAN, M. Aqualug guide to fishes – A pratical guide to the identification of
Brazilian coastal fishes. 1. ed. São Paulo: Cabicieri Editorial Ltd., 1992. 307 p.
WOOTTON, B. Testament for social science. 1. ed. Londres: George Allen &
Unwin Ltd., 1950.
70
ANEXO I
“Estudo da cultura de pesca na comunidade de Santa Cruz – ES”
Módulo A
Nome: Data de nascimento:
Endereço:
Naturalidade:
Estado civil:
c Casado c Solteiro c Outros _____________
Número de dependentes: _____________
Quantos trabalham? _____________
Residência:
c Própria c Alugada c Outros _____________
Quantos cômodos? _____________
____________________________________________________________
71
Módulo B
Qual ás técnicas utilizadas na pesca em Santa Cruz?
c Pesca de linha c Pesca de rede c Outros _____________
____________________________________________________________
Módulo C
Qual o pescado que ocorre em Santa Cruz?
c Peroá c Curvina c Pargo c Baiacu c Pescada
c Cação c Badejo c Outros _____________
Qual quantidade de pescado que uma embarcação produz, por semana, ao longo do
ano?
Verão _____________ Inverno _____________
Qual a renda que se pode alcançar com esta atividade, por semana, ao longo do
ano?
Verão _____________ Inverno _____________
Módulo D
Qual a maior dificuldade encontrada atualmente na pesca em Santa Cruz?
c Falta de estoque pesqueiro c Pesca industrial
c Outros _____________ Data:
72
ANEXO II
28/01/2001
Santa Cruz vive dilema da sobrevivência
Zeniltom Custódio
Empregos
Esta não é a primeira vez que os cerca de três mil moradores de Santa Cruz são
envolvidos neste tipo de dilema. A notícia da implantação de uma indústria de
calcário no local, a Thotham Mineração, há dois anos, também provocou um
impasse entre os habitantes da vila, e a questão acabou indo parar na Justiça.
Dessa vez, novamente a comunidade é desafiada a solucionar um problema,
mesmo que os interesses em jogo não sejam os mesmos para todos.
Lixão
73
Os empresários que exploram o turismo na orla do Piraquê-Açu alegam que a
atividade pesqueira desordenada está comprometendo o desenvolvimento do
turismo. Luiz Carlos Fanchioti, que mantém um ponto comercial na área, afirma que
a situação é caótica. "O rio se transformou em um depósito de lixo, onde é
despejado todo tipo de detrito, além de óleo e peixes podres."Outro comerciante,
que preferiu não se identificar temendo represálias, disse que durante a noite a área
mais nobre do balneário transforma-se em um local de prostituição e de consumo de
drogas. O empresário Carlos Augusto Ewad, que explora o turismo no balneário,
acha que está faltando empenho da parte da administração pública para resolver o
problema. Disse ainda que o assunto já foi levado ao conhecimento da Secretaria de
Estado para Assuntos do Meio Ambiente (Seama), da ouvidoria do Ministério do
Meio Ambiente e da Capitania dos Portos. "Este movimento ameaça o ecossistema",
alerta.
É o caso de dona Carmem Araújo Carlos Lamêgo, de 82 anos. Ela reclama do mau
cheiro, do barulho dos motores dos barcos, da sujeira da praia e do movimento
permanente de pescadores, que usam a calçada de sua casa para almoçar e
deixam o lixo espalhado pelo chão. Disse, inclusive, que já pensou em construir um
muro alto em volta da casa, uma construção de mais de 100 anos que se constitui
em um das referências históricas da vila. "Minha filha acha que eu não devo fazer
isto porque vou perder a visão para o rio", comentou.
"Só quer a saída dos pescadores quem não precisa deles", reage o pescador Jaó,
de 49 anos, morador do local há 10 anos. Para ele e para parte da população mais
carente, a presença das embarcações de fora representa a oportunidade de
conseguir uma fonte de renda e de alimentos. "Eles me dão peixe todos os dias e
ainda ganho dinheiro consertando redes", explica. Para Madalena Vicente Ribeiro,
60 anos, a invasão de barcos pesqueiros "foi a melhor coisa que aconteceu ". Ela
disse que fatura de R$ 5,00 a R$ 15,00 por dia preparando iscas para os
pescadores. "Já consegui até comprar um carrinho de mão", relatou, acrescentando
que pretende utilizá-lo para transportar o peixe que ganha para sua casa, no morro
de Nova Santa Cruz.
Outro que também lucra com a situação é Edilsom Machado Oliveira, de 16 anos,
que ganha entre R$ 20,00 e R$ 30,00 para descarregar um barco. A mãe, Lena, de
42 anos, que tem mais seis filhos menores, também trabalha preparando iscas e
comemora, afirmando que a atividade "caiu do céu".
Drama
A exploração turística
está ameaçada pela atividade dos pesqueiros, que lançam óleo e lixo no Rio
Piraquê-Açu e nas praias. Mas o pescador Jaó, que mora em Santa Cruz há dez
anos, diz que só quem não precisa é que quer a saída dos barcos do balneário.
Além de garantir dinheiro com o conserto das redes, ele ganha parte do excedente
de peixes.
Ailtom Milagres, dono de um dos barcos, mora em Guarapari e explica que só tenta
ganhar dinheiro de forma honesta para sustentar sua família
TRAJETÓRIA
História marcada pela riqueza e decadência
A história da vila de Santa Cruz lhe confere uma importância muito grande no
processo de colonização da região. No local onde hoje vivem cerca de quatro mil
habitantes, em 1556 foi fundado um núcleo de catequese indígena que recebeu o
nome de Aldeia Nova. Mas como se construiu outro núcleo perto dali, o de Nova
Almeida, a Aldeia Nova teve de mudar o nome para Aldeia Velha, que ficou em
grande abandono. Em meados do século XIX, a aldeia acabou se tornando sede da
freguesia religiosa, o que a levou, em 3 de abril de 1848, a se tornar sede municipal,
batizada como Santa Cruz. A sede, por muito tempo, foi uma cidade importante,
graças ao seu movimentado porto, por onde escoava toda a produção agrícola da
região. No local ainda existem prédios antigos, como o que foi construído em 1860
para abrigar a sede da Prefeitura Municipal, sendo que várias casas conservam as
características arquitetônicas da época.
Copyright © 1999 - S.A. A Gazeta
75
ANEXO III
09/06/2001
Ibama chama Thotham para audiência pública
Zeniltom Custódio
Importância
Entretanto, Augusto Carlos Quintanilha, técnico do Departamento de Registro e
Licenciamento, não vê motivos para qualquer tipo de polêmica. Ele considera,
inclusive, que a audiência poderá fornecer subsídios para a comissão e enriquecer o
debate em torno da questão. "Uma coisa nada tem a ver com a outra", disse,
referindo-se ao fato de a audiência pública ter se antecipado à conclusão dos
técnicos capixabas sobre o assunto.
Comissão
A comissão em Brasília, que avalia os estudos de impacto ambiental apresentados
pela Thotham, é integrada por técnicos do Ibama, da Secretaria de Estado Para
Assuntos do Meio Ambiente (Seama), por representantes de segmentos
organizados da comunidade de Aracruz e também por especializadas em algas
calcárias de universidades dos estados da Bahia e São Paulo.
A primeira reunião do grupo aconteceu no dia 1º, quando foram discutidos aspectos
sócio-econômicos do projeto. O prazo para a comissão fazer a análise se esgota no
final do mês.
No mesmo mês, a empresa organizou uma reunião para fazer uma apresentação do
projeto à comunidade de Santa Cruz, que rejeitou os argumentos.
Em agosto de 2000, a área de Santa Cruz onde a Thotham pretende se instalar, foi
ocupada pelos índios guarani.
Em outubro de 2000, o juiz federal José Ferreira Neto concedeu liminar favorável à
Organização Consciência Ambiental (Orca) e determinou a suspensão do processo
de licenciamento da Thotham.
77