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A Pesca na Europa

ISSN 1606-089X

n.° 6 Pasta Pesca ilegal: A comunidade


Fevereiro
de 2001 internacional toma a iniciativa

Reportagem no mar de Serge Lucas O atum do Atlântico


Wadden, nos Países Baixos A paixão pelo mar Uma viragem estratégica
Compromissos inadiáveis

Publicação da Comissão Europeia — Direcção - Geral das Pescas


2 A Pesca na Europa
CALENDÁRIO

Fishing 2001
A decorrer entre 22 e 24 de Março de 2001 no
Centro de exposições de Glasgow, na Escócia,
Neste número…
este evento é um dos maiores salões anuais
das indústrias ligadas à pesca na Europa. As
últimas novidades tecnológicas em matéria
Página 2 Calendário
de artes de pesca serão apresentadas por
centenas de fabricantes.
Contactos: Página 3 Editorial
Sue Hill, 21 John Street, London, WC1N 2BP, UK. Os próximos desafios para a renovação da PCP
Tel. (44)207 505 3608, fax: (44)207 831 2509.
E-mail: sue.hill@informa.com
Sítio Internet: http://www.fishing2001.co.uk Página 4 No terreno
International Boston
No país das terras baixas:
Seafood Show (IBSS) a união faz a força
Acolhendo mais de 750 expositores em cada
edição, este salão anual marca o encontro
de produtores de todo o mundo e proporciona Página 6 Pasta
a muitos profissionais uma rara ocasião para Pesca ilegal, não regulada e não comunicada:
admirar a vitrine mundial dos produtos do mar. a comunidade internacional toma a iniciativa
O evento realizar-se-á no Hynes Convention
Center de Boston entre 27 e 29 de Março de 2001.
Para mais informações, contacte
Diversified Business Communications, Página 10 Retrato
121 Free Street, Portland, ME 04112, United States. Para além do cais
Tel.: (1)207 842-5599, fax: (1)207 842 5505.
Ou consulte o sítio Internet:
http://www.bostonseafood.com

Nef - Dagene trade fair 2001 Página 11 Volta pelo mundo


O salão norueguês da indústria da transformação
A ICCAT enquanto organização charneira
alimentar acolhe, este ano, os representantes
no mundo da pesca
do sector da pesca e, em particular, os profissio-
nais da indústria da transformação dos produtos
de pesca. O evento contará com a presença
de muitos expositores que apresentarão as novas
Página 12 Breves
tecnologias desenvolvidas neste domínio
• TAC e quotas para 2001: as grandes decisões
e decorrerá entre 3 e 5 de Abril de 2001,
• A higiene na indústria das pescas
no Centro de Exposições de Sjølyst, em Oslo.
Poderá obter mais informações através dos seguintes
contactos: tel.: (47-22)43 9100,
E-mail: ta@messe.no
ou sítio na Internet: http//www.messe.no

A Pesca na Europa é uma revista publicada pela Direcção-Geral das Pescas da Comissão
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A Pesca na Europa é editada cinco vezes por ano, em onze línguas da União Europeia.
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I MPRESSO EM PAPEL BRANQUEADO SEM CLORO
3
E D I TO R I A L

Os próximos desafios
para a renovação da PCP
Caros leitores,

Faz agora um ano que tive o prazer de participar no lançamento de A palavra será vossa e esperamos pelas vossas reacções, críticas,
A pesca na Europa, fazendo na altura votos para que esta publicação comentários e propostas, que poderão ser dirigidas em qualquer
se tornasse rapidamente um canal de comunicação privilegiado entre formato a mim próprio ou aos meus serviços. Tomaremos ainda
a Comissão e os meios profissionais dos sectores da pesca e da a iniciativa de organizar encontros para que possam discutir connosco
aquicultura. É com o mesmo prazer que convido hoje os nossos propostas de opções, nomeadamente através de uma grande
leitores a soprar a vela do primeiro aniversário e lhes agradeço conferência que decorrerá na primeira semana de Junho.
o crescente interesse manifestado. Com efeito, o número de assinantes
não pára de aumentar. Irei, com base nessas discussões, apresentar ao Parlamento Europeu
e ao Conselho dos ministros da Pesca algumas propostas de alteração
Por tê-lo já repetido inúmeras vezes desde que assumi o meu cargo, à PCP, que desejaria que fossem discutidas de forma aprofundada
já todos devem certamente saber que uma das minhas prioridades e com calma. Tenciono assim ter essas propostas prontas antes
era melhorar o diálogo entre a Comissão e o sector da pesca e alargá-lo do final de 2001.
a todos os que têm algum interesse nesse domínio. Essa prioridade
assumiu, para mim, um carácter de urgência a partir do momento Quanto à forma, é tudo. Em relação ao conteúdo, o Livro Verde
em que passei a ter como objectivo a preparação dos vectores principais articular-se-á em torno de cinco grandes desafios. Em primeiro lugar,
deste diálogo para o grande desafio da revisão da Política Comum o grave problema da escassez dos recursos, que poderá causar
das Pescas, prevista para 2002. o declínio inevitável da indústria das pescas se não conseguirmos
inverter a tendência actual. De que forma e até que ponto deveremos
Esse primeiro passo já foi dado: o novo Comité Consultivo da Pesca envolver e associar mais todo o conjunto dos intervenientes do sector
e da Aquicultura encontrou um terreno de maior confiança propício na gestão deste recurso ou, por outras palavras, que tipo de governação
ao diálogo, A Pesca na Europa atingiu a sua velocidade de cruzeiro deveremos privilegiar? Que meios deverão ser criados para ajudar as
e as nossas ferramentas electrónicas de comunicação cumprem empresas a voltarem a ser competitivas? Como conjugar rentabilidade
plenamente a sua função. Paralelamente, tentei conhecer-vos melhor económica e preservação do tecido económico e social das zonas litorais
e entender melhor as vossas necessidades e expectativas. Desloquei-me tradicionalmente dependentes deste sector? Qual o papel a desempenhar
até à Galiza, ao Algarve, a Bremerhaven e à Escócia. Estive com e qual o lugar a ocupar pela Comunidade na cena internacional,
vocês, em Bruxelas, para discutir as questões ligadas ao controlo das nomeadamente no combate ao flagelo da pesca ilegal? Que política
actividades de pesca ou da sobrecapacidade das frotas comunitárias. adoptar para o Mediterrâneo, Mare nostrum, ameaçado?

Uma vez preparado o terreno, resta agora lançarmo-nos nesse grande Comprometo-me desde já a zelar para que as propostas da Comissão
empreendimento que é a revisão da PCP. A situação extremamente sejam ambiciosas, mas realistas ao mesmo tempo, para podermos
difícil em que nos encontramos actualmente exige, da parte de todos, construir uma PCP renovada, biologicamente sustentável, economi-
uma grande reflexão no sentido de melhorar o nosso sistema de gestão camente rentável e socialmente aceitável. Poderão acusar-me de ser
das pescas. Esta será certamente a minha maior preocupação e o ponto utópico, mas estou convencido de que, para os homens e as mulheres
principal da minha agenda para este ano. Estamos, neste momento, de boa vontade que tive a oportunidade de encontrar nos últimos
a dar os últimos retoques no Livro Verde que será publicado no início 18 meses, esta aposta não é uma missão impossível.
do mês de Março. Este estará disponível, nas próximas semanas,
numa edição especial de A Pesca na Europa. O número 7 da revista
será publicado no início do mês de Abril e abordará de forma ampla Franz Fischler,
os temas apresentadas na edição especial. Comissário europeu, responsável pelas pescas.
4 A Pesca na Europa
NO TERRENO

No país das terras baixas


A União faz a força
Há vários séculos que o mar de Wadden, nos Países Baixos, tem sido generoso para o homem,
oferecendo-lhe a riqueza dos seus vastos recursos em moluscos. É nas suas águas que o famoso mexilhão
da Zelândia, entre outras espécies, é recolhido antes de ser transferido para viveiros em águas vizinhas.
Mas este mar pantanoso é também uma das reservas naturais mais ricas da Europa. De que forma é, assim,
possível conciliar o desenvolvimento de uma actividade económica essencial com a protecção ambiental
de uma área vital? Na província da Zelândia, produtores, ambientalistas e administrações tentam em conjunto
encontrar uma solução para manter este difícil equilíbrio.

Yerseke é uma pequena cidade portuária do Escalda oriental, local de partida e chegada pouco tempo é que se tomou consciência
situada na península zelandesa, no Sul dos dos navios, onde os marinheiros descarregam da grande importância dessas zonas húmidas
Países Baixos, que possui o charme e a pacatez a sua mercadoria e os transformadores nego- para o equilíbrio ecológico do planeta.
de uma vila de província. Estamos numa ceiam a sua matéria-prima. Conhecido em O mar de Wadden foi classificado como
manhã de Inverno e as pessoas dirigem-se ao toda a Europa pelos seus moluscos, este centro monumento natural nacional pelas autoridades
seu trabalho, trocando um sinal com a mão nevrálgico é sobretudo a capital neerlandesa dos Países Baixos, em 1981. No mesmo ano,
à medida que se cruzam. Aqui, toda a gente da mitilicultura. Espalhados por toda a foi assinado um Memorando que regula
se conhece há várias gerações. Toda a gente província da Zelândia, existem cerca de as actividades toleradas na região. Quer
tem um pai, um amigo, um irmão ou um filho 80 produtores de mexilhão, mas a venda sejam económicas ou de lazer, todas essas
pescador ou empregado numa das empresas concentra-se neste local, na única lota de actividades apenas podem ser praticadas
sediadas no porto. Em Yerseke, a pesca mexilhão do país. Antigamente, a pesca era se respeitarem estritamente o ambiente.
é mais do que uma actividade económica. praticada a pé em duas zonas: o Escalda
É uma tradição secular, enraizada na cultura. oriental e o mar de Wadden, mais a norte. Uma queda vertiginosa dos stocks
Na Zelândia, a terra do mar1, o homem Estas zonas de maré características, sujeitas No início da década de 90, a região foi abalada
aprendeu a viver com o mar e dos seus ao fluxo e refluxo das águas, proporcionam por uma crise. A pesca intensiva de moluscos
produtos, quando não tentou dominá-lo, um ambiente ideal para a mitilicultura (sobretudo do mexilhão – Mytilus edulis – e
como o testemunham os antigos polders2 selvagem. Hoje em dia, o mexilhão já não do berbigão vulgar – Cerastoderma edule),
e diques que ligam a região ao porto velho. é capturado de forma natural no mar, mas associada a uma sucessão de invernos demasiado
sim cultivado em parcelas delimitadas. amenos, provocaram uma redução drástica
O verdadeiro ponto nevrálgico de Yerseke As sementes3 continuam, no entanto, dos stocks. Para superar a falta de sementes,
encontra-se precisamente neste porto velho a ser capturadas no mar de Wadden. os mitilicultores exploram intensivamente
as suas culturas, levando, inevitavelmente,
Situado no mar do Norte, ao seu esgotamento. O stock de berbigão,
entre a costa continental que não tem tempo para se renovar, acaba
e as ilhas Frísias, o mar também por diminuir. Inúmeras aves, sobre-
de Wadden é um dos tudo elderes-edredão (Somateria mollissima)
locais naturais mais e ostraceiros (Haematopus ostralegus), acabam
bonitos da Europa. também por morrer aos milhares por falta
O seu litoral pantanoso de alimento. Thijs Kramer da Zeeuwse
alberga uma fauna e uma milieufederatie (Federação Nacional para a
flora originais e extrema- Protecção do Meio Marítimo) recorda: «Os
mente ricas. Abriga ainda mexilhões selvagens, por exemplo, deixaram de
inúmeras aves migratórias existir, ameaçando a sobrevivência das aves que
que aí encontram uma se alimentavam e dependiam dessas espécies. A
A mitilicultura na Zelândia pratica-se agora respeitando estritamente grande fonte de alimenta- situação era dramática e urgia tomar as medidas
as normas ambientais. ção. Só há relativamente de conservação necessárias».
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© Eureka Slide

Mar de Wadden: uma reserva natural que passou a estar protegida.

Sensibilizados pelos defensores do ambiente Relativamente às zonas abertas, o plano de


e pelos cientistas, os meios de comunicação gestão faz a distinção entre «anos normais» Pesca do berbigão: um futuro incerto
social exploraram o caso. Os pescadores de e «anos de penúria», com base em estudos O futuro da pesca do berbigão constitui
moluscos do mar de Wadden foram respon- científicos realizados anualmente. As activi- actualmente um motivo de preocupação nacional
sabilizados pela catástrofe e condenados. dades do sector encontram-se regulamentadas nos Países Baixos. Os ambientalistas, que detêm
para ambos os casos. O plano impõe quotas, uma posição muito influente, põem em causa
as técnicas modernas (sistemas hidráulicos de
Uma política de gestão comum limites de capacidade das frotas, e medidas
dragagem) utilizadas pelos pescadores, enquanto
A indústria das pesca reagiu. Em 1991, de controlo. Durante os anos mais problemá- que o sector tenta salvaguardar os cerca de
os mitilicultores associam-se em OP (organi- ticos, são preservados 60% dos recursos, 300 postos de trabalho. Os estudos recentemente
zação de produtores) e impõem voluntaria- correspondentes à quantidade estimada efectuados demonstram que, a curto prazo,
mente medidas de restrição de capturas (quotas), necessária para a alimentação das aves, a pesca do berbigão não provocará danos
partilhando as sementes com as aves. Em enquanto que a pesca autorizada é sujeita irreversíveis. Mas o mesmo não é garantido
1992, os pescadores de berbigão mobilizam-se a quotas muito restritas. Holstein explica: a longo prazo. Já proibida nas águas alemãs
também. Um ano mais tarde, e desta vez «A OP de moluscos encomenda os estudos sobre e dinamarquesas do mar de Wadden, a pesca
com a colaboração dos ambientalistas, a o estado dos stocks de sementes. As quotas de do berbigão praticada pelos neerlandeses
é autorizada temporariamente.
política nacional das pescas sofre um reforma pesca, assim como todas as medidas decididas
centrada em dois eixos principais: a integração todos os anos são definidas em função desses
da componente ambiental na gestão das pescas estudos. O nosso plano de gestão anual, que
e a partilha de responsabilidades entre o sector inclui ainda medidas de controlo, é em seguida novas medidas serão definidas pelos parceiros,
em causa e o governo. Segundo Jan van Dijk, enviado ao Ministério para fins de aprovação a fim de favorecer um melhor recrutamento
do Ministério das Pescas neerlandês, essa e de atribuição das licenças.» das espécies, considerado ainda insuficiente.
reforma (que dedicava um vasto capítulo
à pesca de moluscos no mar de Wadden) era Este plano de gestão comum da pesca do Graças a todos os intervenientes no sector,
inevitável: «Não tínhamos conseguido cumprir molusco foi sujeito a uma primeira avaliação a pesca do molusco no mar de Wadden é,
a nossa missão de proteger o mar de Wadden. científica em 1997. Esta revelou-se positiva, hoje, uma actividade respeitadora do meio
Cabia a nós, em colaboração com o sector nomeadamente no que dizia respeito ao ambiente. Em 2003, deverá ser efectuada
envolvido, reparar os danos. Optámos por um impacto da pesca sobre a população das aves. outra avaliação para decidir sobre o futuro
encerramento parcial (26%) das águas e por «A indústria da pesca», confiou-nos van Dijk, desta actividade e do sector. Os produtores
uma gestão reforçada das zonas abertas.» Os «fez prova de uma grande capacidade de já estão, no entanto, a planear possíveis
produtores não foram esquecidos. «Não havia, adaptação e conseguiu efectuar com sucesso melhoramentos.
simplesmente, outra alternativa», explica Jaap a passagem de uma actividade livre para uma
Holstein, secretário da OP de moluscos do actividade em regime de co-gestão. Assumiu as
mar do Norte. Os factos eram incontornáveis suas responsabilidades de gestão não só ao nível 1 Tradução literal de «Zeeland».
e era necessário agir. Preferimos participar na dos stocks, como também em matéria de 2 Os polders são terrenos conquistados ao mar, drenados
e valorizados, sobre os quais se construíram diques.
elaboração das medidas do que acatar à força ambiente.» Graças a este sucesso, o plano foi 3 Mexilhão na sua fase juvenil ou larvar, antes
restrições decididas unilateralmente.» prorrogado por mais cinco anos e reforçado: da sua fixação.
6 A Pesca na Europa
PA S TA

Pesca ilegal, não regulada e não comunicada

A comunidade internacional
toma a iniciativa
Estamos em meados de Abril, ao largo de Angola, em pleno oceano Atlântico. Nesta zona propícia à pesca
do atum patudo1, alguns atuneiros carregados navegam na direcção de cargueiros. Os primeiros, que arvoram
pavilhão do Camboja, do Belize ou da Guiné, preparam-se para transferir o produto das suas pescarias ilegais
para os segundos, que ostentam pavilhão do Panamá, às escondidas dos controlos e contra as regras
internacionais. Esta cena é bastante comum em alto mar e evidencia a prática dos pavilhões de conveniência,
considerados por muitos como o elemento mais perverso da pesca ilegal, não regulada e não comunicada2.
Entretanto, aumenta a fúria no sector e cresce o protesto internacional perante este flagelo que, além
de comprometer os esforços de conservação e de gestão, ameaça ainda dizimar pescarias por completo.
O comité das pescas da FAO está a lançar um plano de acção internacional para lutar firmemente
contra essas actividades descontroladas.
Apresentamos o ponto da situação e uma panorâmica das principais medidas previstas.

Repostas às vossas
perguntas mais frequentes
O que é a pesca ilegal? dicações nacionais), a evolução do direito desembarque e na comercialização em geral.
Por definição, tudo o que infringe a lei é ilegal. do mar ou, ainda, a extensão das zonas econó- Compete a cada Estado fazer cumprir as
Para os membros da União Europeia, a pesca micas exclusivas (ZEE) para 200 milhas, que regras em vigor e, consequentemente, controlar
«fora-da-lei» abrange assim um vasto leque pôs um termo ao princípio do mar livre. as actividades desenvolvidas no seu território.
de comportamentos que podem manifestar-se É, naturalmente, impossível quantificar ou
a nível nacional, comunitário e internacional. qualificar as infracções. Sabe-se que elas exis- Quem são os «piratas»?
Toda e qualquer violação das legislações nacio- tem a todos os níveis e que assumem diferen- Quando se fala em pesca ilegal, é comum
nais ou das regulamentações comunitárias, tes formas ao longo do tempo. Algumas destas surgir-nos a imagem dos piratas sem escrúpulos
assim como todo e qualquer incumprimento infracções são detectadas e reprimidas, mas de outrora. Grande parte dos infractores são
das recomendações das instâncias internacionais, muitas delas não chegam a ser conhecidas. pescadores motivados pelos mais diversos
nomeadamente, das organizações regionais de interesses: a tentação do lucro fácil a curto
pesca (ORP), constitui uma infracção. Onde se praticam prazo que certas pescarias proporcionam, co-
essas actividades ilegais? mo a marlonga negra (Dissostichus eleginoides)
Conhece-se concretamente A grande maioria das actividades de pesca ou o atum rabilho (Thunnus thynnus), a falta
a amplitude deste fenómeno? ilegais a nível internacional é praticada dentro de meios financeiros para adquirir artes de
A pesca ilegal sempre existiu. Assistimos, no das ZEE ou junto às faixas costeiras. As fraudes pesca regulamentares ou, nalguns casos, a
entanto, ao longo das últimas décadas, a uma cometidas em alto mar correspondem apenas necessidade de rentabilizar um investimento
proliferação das actividades de pesca descon- a uma pequena percentagem. A maior parte importante ou, ainda, o peso da tradição,
troladas. Vários factores terão contribuído das infracções no mar é, deste modo, cometida que leva os pescadores a utilizar os mesmos
para este fenómeno: o progresso técnico (mo- nas águas abrangidas pela jurisdição do país métodos há várias gerações. Os pescadores
torização, possibilidade de congelar o pescado, costeiro em questão. As ilegalidades manifes- não são, todavia, os únicos autores das ilega-
evolução das artes de pesca), os processos de tam-se, aliás, em todas as fases regulamentadas lidades. Tal como já referimos, a fraude pode
descolonização (dando origem a novas reivin- do sector: a bordo das embarcações, no surgir, ao longo de toda cadeia (as possibili-
7

Um flagelo que afecta todos os sectores


Europêche propõe a ideia de um ETF denuncia: «Condições Os ambientalistas propõem:
código de conduta para as inspecções deploráveis para os trabalhadores» «Fechar os portos aos navios que
arvoram pavilhão de conveniência»
Os armadores europeus também condenam a pesca Peter Mortensen, porta-voz da Federação
ilegal e salientam os seus efeitos perversos sobre os Europeia dos Sindicatos de Transportes (ETF), A organização ambientalista Greenpeace,
pescadores (concorrência desleal, destruição dos afirma estar muito preocupado com a problemá- conhecida pelas suas perseguições aos navios
recursos). Na conferência sobre o controlo organi- tica dos navios com pavilhão de conveniência, ilegais, também manifesta grandes preocupações
zada pela Comissão no passado mês de Outubro, que constituem «uma feroz concorrência» em relação àquilo que considera como um
Alain Parres, presidente da Europêche, manifestou para os pescadores honestos e empregam «muitos «fenómeno em plena expansão». Para Hélène
a seguinte posição: «insurgimo-nos contra as trabalhadores ilegais em condições deploráveis, Bours, porta-voz do movimento, é preciso tomar
condições desumanas das tripulações dos navios sem se preocuparem com os seus direitos e a sua medidas prioritárias contra os pavilhões de
piratas e aguardo com alguma expectativa, junta- segurança». Peter Mortensen é, deste modo, um conveniência: «este sistema constitui uma via
mente com todos os profissionais do sector, acérrimo apoiante da acção da União Europeia de saída demasiado fácil para quem pretende
por uma legislação internacional que erradique neste domínio e confirma a necessidade da criação escapar às regulamentações. Este grave problema
o sistema dos pavilhões de conveniência. Se não de um plano internacional. A ETF lamenta, só pode ser resolvido através da cooperação e da
for tomada nenhuma iniciativa concreta, acres- no entanto, o facto de «a União Europeia não acção internacionais». Entre as ideias defendidas
centou ainda, a frota comunitária desaparecerá apresentar propostas verdadeiramente firmes» pela Greenpeace, figuram « a necessidade
lenta, mas inevitavelmente... Os pescadores são no seio da FAO, no que diz respeito aos meios de fechar os portos aos navios que arvoram
acérrimos defensores da pesca sustentável, da a pôr em prática para sancionar os infractores, pavilhão de conveniência e de impedir os produtos
gestão racional e da exploração moderada dos defendendo que «quem não respeitar as regras desembarcados de entrarem nos mercados.
recursos, porque dependem destes mesmos recur- deve ser punido. O plano de acção internacional Outra solução consistiria em obrigar os Estados
sos». Relativamente à questão do controlo das não pode descurar a importância das sanções a tomar severas medidas contra as empresas e os
actividades de pesca, Alain Parres insiste sobre e do poder dissuasor que estas representam, proprietários que recorrem a este estratagema».
a necessidade de haver equidade e transparência: sob pena de os infractores continuarem a fugir A Greenpeace também deposita grandes
«o pescador tem sempre a sensação de estar a ser às suas responsabilidades». Peter Mortensen esperanças no plano de acção da FAO, mas
prejudicado, enquanto que os seus colegas estão considera, por último, que o plano de acção lamenta as reservas que alguns Estados
a ser beneficiados. O controlo tem de ser aplicado internacional da FAO deveria prever mais manifestam em relação aos argumentos defendidos
de forma uniforme e equitativa. A solução poderia medidas de ajuda aos países em vias de desenvol- por esta organização.
passar pela adopção de um código de conduta vimento, na medida em que «a FAO goza de
sobre os métodos de controlo e as relações entre um grande prestígio junto destes países e poderia
controladores e controlados». Esta ideia já está aproveitar a sua popularidade para os sensibilizar
a ser encaminhada. para o perigo deste flagelo».
© Lionel Flageul

dades após o desembarque são enormes), mas armadores que registam os seus navios num
também pode ser imputada às administrações país estrangeiro. As regulamentações cada vez
nacionais. Cada Estado é, efectivamente, mais rígidas e os custos sociais para os empre-
responsável pelo «policiamento» no seu terri- gadores são outros factores que contribuem,
tório (realização dos controlos, aplicação das sem dúvida, para desenvolver ainda mais este
sanções aos infractores). A nível comunitário, fenómeno. As vantagens desta prática para o
a responsabilidade por uma transgressão será, pescador, que passa a estar sob a jurisdição
assim, imputada ao Estado que não cumprir do Estado ao qual pertence o pavilhão, são
as suas obrigações. No plano internacional, mais do que evidentes: fugir às regras impostas
é mais difícil obrigar os Estados soberanos no seu país de origem, aceder livremente aos
a aplicar as regras. Não existe, com efeito, recursos haliêuticos, escapar aos controlos,
nenhuma autoridade supranacional. As melhorar a sua competitividade, etc.
convenções e os tratados apenas vinculam os O Estado ao qual pertence o pavilhão também
Estados signatários. É por essa razão que, retira alguma vantagem, ainda que esta seja
de há cerca de vinte anos para cá, o número mínima: receitas fiscais e criação de eventuais
de navios com pavilhão de conveniência têm postos de trabalho. Estes Estados são, muitas
vindo a aumentar cada vez mais. vezes, países em fase de desenvolvimento que
não possuem meios (nem o interesse) para
O que significa pavilhão criar sistemas de controlo eficazes, sobretudo
de conveniência?
Ao liberalizar os mercados e a circulação de 1 (Thunnus obesus). Controlo nos portos: um dos cavalos
capitais, a mundialização da economia contri- 2 Tradução da expressão inglesa: illegal, unregulated de batalha da CE na elaboração do plano
buiu igualmente para aumentar o número de and unreported fisheries (IUU). de acção da FAO.
8 A Pesca na Europa
PA S TA

se os recursos em causa se encontrarem fora Para que os sistemas de controlo cumpram


das suas águas territoriais. O recurso ao sistema o seu papel com eficácia e para que os
do pavilhão de conveniência constitui uma comportamentos se alterem, é indispensável
prática perversa que compromete a eficácia que toda a gente, independentemente
de todo o sistema de controlo. Segundo uma do local e do tipo de actividade, cumpra
organização não governamental (Greenpeace), as mesmas regras.
o número desses navios elevar-se-á a mais de
1300 em todo o mundo. O próximo alargamento da UE levan-
ta algum motivo de preocupação?
Em que medida é que a pesca ilegal Todos os países candidatos devem integrar o
constitui um grave problema? acervo comunitário em matéria de controlo.
As actividades de pesca praticadas à margem São obrigados a dotar-se do sistema de con-
da lei constituem um verdadeiro flagelo para trolo por satélite previsto pela regulamentação A opinião do
toda a comunidade internacional. Compro- comunitária3, devendo os navios com mais
metem os esforços de conservação e de gestão de 24 m estar já equipados com o sistema Comissário Fischler
dos stocks em todas as pescarias. A exploração «blue box» (VMS), e dispor de um dispositivo
descontrolada dos recursos haliêuticos pode de recepção de dados em terra e de um registo Reforçar o controlo nos portos
até acabar com as pescarias ou prejudicar das frotas. Poderá ser-lhes prestada uma assis-
A União Europeia está muito preocupada com
gravemente os esforços de recuperação dos tência comunitária para poderem desenvolver
o problema da pesca ilegal, contra a qual luta
stocks. Esta situação pode, por último, trazer a sua capacidade administrativa e técnica de
a todos os seus níveis de competência. O regula-
graves consequências a nível social e econó- controlo, através, nomeadamente, de programas
mento sobre o controlo, que abrange todas as
mico tanto a curto, como a longo prazo. As de geminação com outros Estados-Membros. actividades do sector nas águas territoriais da
regras que nos governam são elaboradas com O Chipre, por exemplo, que no seu registo Europa, reflecte bem o desejo de levar todos
o intuito de preservar a riqueza dos nossos de conveniência dá conta de uma frota de os Estados-Membros a assumir as suas responsa-
mares e de assegurar o futuro das actividades 104 navios, adoptou um plano de três anos bilidades. No plano internacional, a União
profissionais ligadas ao sector da pesca. para regularizar a sua situação antes da adesão. Europeia, que é actualmente signatária de 10 ORP,
Se hoje essas regras não forem cumpridas O próximo alargamento da União Europeia tem também um papel activo no seio das instâncias
à risca, amanhã as redes já não trarão peixe. não deverá, em princípio, levantar qualquer internacionais, nomeadamente na FAO.
A produção mundial de peixe quadruplicou problema de monta nessa matéria.
nos últimos cinquenta anos. A curva dessa Entre os pontos principais do plano de acção
produção tem vindo a inverter-se impiedosa- 3 Regulamento (CE) n.° 2847/93. JO L 261 internacional defendido pela Comissão, conta-se
mente desde 1990, devido à falta de recursos. de 23.10.93 o controlo pelos Estados do porto. Para Franz
Fischler, Comissário europeu, responsável pelas
pescas: «Trata-se de um ponto fundamental,
em que devemos concentrar os nossos esforços.
É neste campo que conseguiremos obter a melhor
relação custo-eficácia. Actualmente, muitos Estados
Os meios a pôr em prática não tomam medidas neste domínio porque não
existe qualquer instrumento jurídico vinculativo.
É preciso preencher esta lacuna no direito inter-
A preocupação da Comunidade Europeia e da comunidade nacional. Por outro lado, quando os instrumentos
jurídicos já existem, importa ratificá-los e aplicá-los
internacional em relação às actividades de pesca ilegais não é de hoje.
de forma efectiva. O acordo das Nações Unidas
Vários instrumentos foram sendo criados ao longo das últimas décadas, sobre as populações de peixes transzonais, por
alargando cada vez mais o alcance do direito internacional. O plano exemplo, constitui um excelente instrumento
de acção da FAO representa um novo passo, que contribuirá jurídico para combater a pesca ilegal. É pena que os
Estados-Membros da Comunidade ainda não se
para aumentar a cooperação, a equidade e a transparência.
tenham dado conta da urgência em ratificá-lo.»

Relativamente à questão dos pavilhões de conve-


O Comité de Pescas da FAO (COFI) Expectativas centradas num
niência, a posição do Comissário não é menos
é actualmente a única instância intergover- instrumento internacional eficaz
alarmista: « Os pavilhões de conveniência são
namental que lida de forma periódica com O «Plano de acção mundial contra a pesca uma calamidade para o mundo marítimo de hoje.
as grandes questões ligadas à pesca e à ilegal, não regulada e não comunicada», que Esta prática prejudicial afecta tanto o sector das
aquicultura a nível mundial. Nas suas sessões deverá, em princípio, ser adoptado em Feve- pescas, como o dos transportes. Apesar de os
bienais, este comité examina os pontos reiro pelo COFI1, abrange todas as actividades acidentes com petroleiros (pelo «espectáculo» que
da agenda definidos pelos seus membros e de pesca e destina-se a prevenir as actividades proporcionam) mobilizarem mais facilmente a
formula recomendações dirigidas à comuni- ilegais sob todas as suas formas. Os Estados opinião pública do que os atentados perniciosos
dade internacional (governos, ORP, ONG, são convidados a pôr esse plano em prática ao ambiente marinho praticados pelos navios de
representantes de trabalhadores e FAO). com a maior brevidade possível, quer pesca, não devemos menosprezar este flagelo.»
9

directamente em cooperação com outros


Estados, quer indirectamente através de
organismos regionais competentes em matéria
de gestão das pescas. As medidas previstas
articulam-se, na sua maioria, em torno
de quatro eixos fundamentais:
• o controlo pelo Estado de pavilhão: todos
os Estados são convidados a velar para
que as pessoas singulares e colectivas, assim
como os navios que estejam sob a sua
jurisdição, respeitem as regras nacionais,
regionais e internacionais;
• o controlo pelo Estado costeiro: todos
os Estados são incumbidos de controlar
as actividades de pesca praticadas nas suas
águas territoriais;
• o controlo pelo Estado de porto: enquanto
local de passagem obrigatório, o porto
constitui um elemento central na luta contra
a pesca ilegal, não regulada e não comunicada.
O COFI solicita aos Estados de porto
que tomem as medidas adequadas (controlo
das entradas e saídas, inspecção das artes de
pesca, das capturas, das tripulações ou de
qualquer outro elemento pertinente);
• o controlo dos mercados: os Estados
têm obrigação de controlar os produtos
importados ou objecto de qualquer Controlo no mar: uma medida difícil de pôr em prática, mas indispensável.
operação comercial no seu território.

Para poder reforçar este novo instrumento


internacional, o COFI exorta ainda todos
os Estados a elaborar e pôr em prática planos dos seus países associados. Após alguns anos, no plano internacional, através de diversos
de acção nacionais, num espírito de o Panamá decidiu aderir à ORP e acatar as meios: consolidação institucional, definição
transparência e cooperação. regras estabelecidas. de sanções, instauração de registos de navios
que operam nas suas águas, elaboração de
O papel fundamental das ORP A CCAMLR (Convenção para a Conservação programas de esclarecimento do público,
O plano de acção internacional da FAO da Fauna e da Flora Marinhas da Antárctida) aumento do número de controlos e das
reserva um lugar de destaque às organizações é outra ORP com papel precursor neste operações de vigilância, etc. As ORP são
regionais de pesca, que desempenham um domínio. Essa organização tem vindo a lutar, ainda encorajas a colaborar entre si e a
papel essencial. A crescente importância das desde o início da década de 90, contra a pesca inspirar-se mutuamente.
ORP neste domínio é incontestável, não só ilegal da marlonga negra (Dissostichus eleginoi-
porque a sua missão primordial consiste em des), uma prática que tem vindo a aumentar O plano de acção internacional contra a
assegurar a gestão e conservação dos recursos cada vez mais. A par de diversas medidas pesca ilegal, não regulada e não documentada
haliêuticos, mas também porque detêm um mais tradicionais, a CCAMLR instaurou em deverá contribuir para consolidar certas práticas
grande poder de dissuasão junto dos Estados. 1999, de forma totalmente inédita, um sistema e sistematizar métodos de trabalho. Espera-se
Essas organizações preenchem, deste modo, de certificação para a captura da marlonga ainda que este novo instrumento venha a
um vazio existente devido à ausência de uma negra, que permite traçar o percurso do peixe, preencher uma lacuna no direito internacional,
autoridade supranacional. O exemplo mais desde a sua captura até ao momento em que cujo desenvolvimento ainda está um pouco
flagrante da sua importância é a pressão que é vendido ao consumidor. Esta rotulagem atrasado. Para os cidadãos, este plano representa
a ICCAT (Comissão para a Conservação dos obrigatória é controlada e validada em todos o ponto de partida para o restabelecimento
Tunídeos do Atlântico) conseguiu exercer os estádios e os Estados signatários da ORP do equilíbrio das medidas de controlo e da
sobre o Panamá. Muitos navios arvorando são obrigados a recusar o produto, sempre equidade.
o pavilhão do Panamá pescavam atum ou que seja detectada alguma não conformidade.
espadarte, desrespeitando as regras estabelecidas 1 Elaborado no contexto do «Código de Conduta
pela ICCAT. Descontente com essa prática, O plano de acção da FAO estabelece uma da Pesca Responsável», adoptado em 1995 pela FAO
em Roma. Este código estabelece os princípios
a ICCAT proibiu a importação de todos série de recomendações dirigidas às ORP. aplicáveis à conservação, gestão e desenvolvimento
os produtos de pesca do Panamá no território Todas elas visam reforçar a posição das ORP de todas as pescarias.
10 A Pesca na Europa
R E T R AT O

Para além do cais


Serge Lucas é um jornalista/fotógrafo francês. Passou os últimos vinte
anos no meio dos pescadores europeus, pondo a sua escrita e a sua
objectiva ao serviço de uma profissão fora do comum. Está hoje à beira
da reforma e deixa-nos um testemunho recheado de respeito e afecto Serge Lucas: um jornalista/fotógrafo fascinado
sobre o mundo do mar e a sua evolução. pelo mundo marítimo.

Serge Lucas ainda conserva uma incrível ficaram sensibilizados com a imagem diferente não podem simplesmente deixar de pescar: estão
energia e, como qualquer normando que que projectei deles. Eram finalmente vistos num beco sem saída. Estes homens são os
se preze, aprecia os prazeres da gastronomia. como trabalhadores normais». Seguiram-se primeiros a defender as medidas de conservação
Talvez seja a paixão pela sua profissão que outros artigos em diversos jornais. Serge para que os seus filhos possam perpetuar
o move ou ainda o seu fascínio por aqueles Lucas conta no seu activo com 500 dias de a tradição. O problema reside na injustiça
que designa como «os trabalhadores do mar». mar e 130 embarques. das medidas impostas, que obrigam toda
«Comecei a interessar-me pela vida dos pesca- a gente a respeitar as mesmas regras.»
dores porque ninguém se interessava por eles, Da Idade Média
confia-nos. E quando a imprensa falava deles, à época moderna Mas, para Serge Lucas, «Bruxelas» não
não os tratava da forma como mereciam». Serge Lucas viveu dias felizes ao longo destes deve ser apenas alvo de elogios, mas também
últimos 20 anos em que acompanhou os de duras críticas. A proibição1 das redes de
O seu primeiro contacto com os homens pescadores europeus. Aprendeu muito sobre emalhar de deriva na pesca dos tunídeos
do mar deu-se por ocasião de uma greve, as pessoas e as técnicas e testemunhou a sua deixou-o indignado: «essas redes constituem
em Fevereiro de 1968. Serge Lucas era então fulgurante evolução: «em meados da década artes de pesca eficazes que permitiram relançar
jornalista do Paris-Normandie. Fixado no de 70, a pesca no mar evoluiu da Idade Média a pesca do atum voador (thunnus alalunga).
porto de Dieppe, o seu contacto com os para a época moderna, sem passar por uma A sua proibição não foi baseada num estudo
pescadores prosseguia de forma episódica, ao fase de transição. Os pescadores conseguiram científico aprofundado. O problema é que não
sabor da actualidade local. Em 1978, motivado assimilar progressos técnicos com uma ensinaram os pescadores a utilizá-las como
por uma curiosidade cada vez maior pela habilidade fora do comum. A tecnologia deve ser e de forma racional. Deveria ter sido
profissão de pescador, decide «ir mais além melhorou as condições de vida a bordo definido um quadro para a sua utilização.»
do cais». Queria partilhar a vida dos pescadores e diminuiu o peso das tarefas. No tempo dos
a bordo, vê-los trabalhar. «Tinha três pontos navios à vela, uma calmaria era suficiente para Um pouco antes de se reformar, Serge Lucas
a meu favor: tempo livre, boas relações e não imobilizar um navio e estragar todo o peixe. tinha planeado percorrer a Europa para
enjoava no mar! Seria extremamente incómodo Era preciso devolver o peixe capturado ao mar conhecer o mundo da pesca de cada um
para eles ter uma pessoa doente a bordo.» e rumar novamente para o largo, para não dos seus países. O projecto não foi, contudo,
voltar ao porto sem peixe. O progresso trouxe concretizado. Encontra-se neste momento
Serge Lucas publica a sua primeira reportagem ao homem um poder considerável, mas deu-lhe a escrever a sua terceira obra, dedicada
em 1979, na revista francesa Géo. Nessa também a capacidade para esgotar o mar». à pesca em alto mar. O jornalista/fotógrafo
reportagem, relata a sua expedição de 70 dias explica-nos o motivo da sua reforma:
ao largo da Gronelândia, a bordo do Para Serge Lucas, a chegada da Política «Se continuar nas mesmas andanças, vou
«Finlande», um navio de pesca de camarão. Comum da Pesca foi, sem dúvida, uma acabar por repetir-me. É preciso que outras
Uma viagem inesquecível de que se orgulha novidade positiva. A Europa azul, como ele pessoas agarrem o testemunho e transponham,
enquanto repórter fotográfico: «os pescadores lhe chama, desempenha um papel funda- também, a linha que separa o cais do mar».
mental na gestão dos recursos haliêuticos.
O jornalista do mar acrescenta: «os pescadores
têm consciência disso. Já se aperceberam que
1 Proibição que abrange o Atlântico e o Mediterrâneo
o tamanho do peixe diminuiu. Conhecem os
e que entrará em vigor em Janeiro de 2002.
perigos que a sua actividade comporta, mas
11
V O LTA P E L O M U N D O

A ICCAT enquanto organização


charneira no mundo da pesca
A ICCAT, Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico1, realizou a sua reunião anual
no passado mês de Novembro na cidade de Marraquexe, em Marrocos.Tratou-se de uma sessão decisiva para
esta organização regional de pesca modelo que se encontra, actualmente, num ponto de viragem estratégico.
A pesca de tunídeos em alto mar começou altura em que surgem, por outro lado, vários sucedidos em relação à pesca do atum patudo
a ganhar importância há cerca de trinta anos. países em vias de desenvolvimento a reclamar (Thunnus obesus), ao conseguir fazer aceitar
Até há bem pouco tempo, o estado dos uma parte nas quotas de pesca atribuídas, que os limites de captura se aplicassem não só
stocks ainda não suscitava grandes preocupa- juntamente com outros países que sempre aos palangreiros, como também aos navios de
ções. No início da década de 90, os primeiros estiveram ligados à pesca (como os Estados cerco. Muitos elementos ficaram, no entanto,
sinais de alarme começaram, porém, a ser Unidos, o Japão ou a Comunidade Europeia). por definir. A tal ponto que decidiu-se
detectados. Os investigadores científicos O bolo é cada vez mais pequeno e é necessário organizar uma reunião em Maio de 2001,
começaram a emitir relatórios preocupantes dividi-lo num maior número de fatias. A questão para estabelecer critérios objectivos (e, conse-
sobre a sobre-exploração destas espécies. A é particularmente sensível, uma vez que se não quentemente, mais facilmente aceitáveis)
limitação das capturas surge como uma solu- houver um compromisso que satisfaça todas as em matéria de repartição dos recursos.
ção clara. São adoptadas as primeiras medidas partes, os países em vias de desenvolvimento Nessa reunião, a ICCAT reforçou o seu papel
para o atum rabilho (Thunnus thynnus) e o ameaçam apoderar-se de quotas autónomas em matéria de gestão dos recursos. O ponto
espadarte (Xiphias gladius). Mas essas medidas e estender a sua zona económica exclusiva. mais marcante diz respeito às sanções comer-
revelam-se insuficientes. É preciso impor Isso conduziria ao sistema do «cada um por si» ciais aplicáveis às partes não contratantes.
restrições para a maior parte dos stocks. e os efeitos seriam desastrosos para todos. No passado, agia-se com pouco à-vontade neste
Para a ICCAT, criada oficialmente em 1969, A esta oposição Norte-Sul, junta-se outro dife- domínio controverso. Mas, com o tempo,
este novo contexto alterou por completo o seu rendo: o que opõe a União Europeia aos Estados a ideia acabou por se consolidar. A ICCAT
papel. Se, durante anos, a sua actividade se Unidos. O problema em jogo tem a ver com decidiu proibir as importações de patudo
centrava essencialmente na troca de informa- a noção de «rendimento máximo sustentável». proveniente de quatro países não signatários
ções técnicas, o surgimento das primeiras me- Os EUA, que praticam uma pesca mais e de um país signatário que não tinham
didas restritivas levou a ICCAT a assumir cada desportiva, defendem níveis de captura mais respeitado as regras em vigor.
vez mais o papel de gestora. As discussões baixos, porque lhes interessa mais a abundância Foi igualmente proposto, em Marraquexe,
assumem uma dimensão cada vez mais política. de peixe a curto prazo. À Comunidade Europeia, um esquema de controlo que prevê a
Os grandes interesses económicos em jogo que pesca por razões comerciais, interessa mais realização de inspecções no mar e autoriza
justificam aliás esta nova tendência. Todos definir níveis de captura mais altos. os signatários a controlarem-se mutuamente.
os anos, entre 2 e 3 milhões de toneladas Até há bem pouco tempo, esta questão era
de atum são capturadas a nível mundial, sendo Progressos à vista considerada tabu. O assunto foi, no entanto,
a União Europeia responsável pela captura de As discussões na reunião anual da ICCAT, abordado sem rodeios em Novembro, ainda
400.000 toneladas. O atum rabilho, em parti- no passado mês de Novembro, estiveram que as decisões tomadas tenham sido reenvia-
cular, constitui um produto caro, muito bastante animadas. Foram realizados alguns das para um grupo de trabalho que se reunirá
procurado e altamente competitivo. progressos efectivos, entre os quais, figura, também em Maio de 2001.
Como resolver este caso bicudo? Por um lado, nomeadamente, a definição dos TAC para O número de países signatários (28), a dimen-
é necessário limitar as capturas, e isto numa o atum rabilho e o atum voador do norte são do território abrangido (o Atlântico e o
(Thunnus alalunga), em que a Comunidade Mediterrâneo) e a natureza das suas actividades
O atum, uma das espécies mais Europeia2 conseguiu fazer valer o seu ponto fazem da ICCAT a organização regional de
procuradas do mundo. de vista. Os europeus também foram bem pesca mais importante do mundo. Conseguirá
esta organização enfrentar os desafios que se
colocam? A verificar-se o caso, as consequências
ultrapassarão largamente o simples quadro da
pesca do atum. Tal como ficou demonstrado
na história recente, a ICCAT conseguiu muitas
vezes inovar e, por efeito de indução, influenciar
as outras organizações regionais de pesca.

1 A designação em português é CICTA. Esta organização


é contudo mais conhecida pela sua sigla inglesa, que
decidimos, por essa razão, manter.
2 A Comunidade Europeia aderiu à ICCAT em 1997,
© Lionel Flageul

data a partir da qual tem vindo a representar os


Estados-Membros da União Europeia no seio dessa
organização.
12 A Pesca na Europa

© Lionel Flageul
BREVES

3 10 14
TAC e quotas para 2001:

K L - A F - 0 1 - 0 0 1 - P T- C
as grandes decisões
Os totais admissíveis de captura e as quotas nacionais de pesca foram
adoptadas pelo Conselho de ministros da Pesca nos dias 14 e 15 de
Dezembro último. Foram estabelecidas novas reduções. As mais severas
aplicam-se a duas espécies ameaçadas, o bacalhau e a pescada, em todas Espécie particularmente ameaçada
as zonas de pesca do Atlântico Norte. no Atlântico Norte.

O Conselho adoptou, por maioria qualificada, âmbito dos planos de 5 anos destinados ao tardar, até ao final de 2001, um limite de
o regulamento que fixa os totais admissíveis restabelecimento destas populações. Com este capturas (TAC) para as espécies demersais,
de captura e as quotas para o ano de 2001. mesmo objectivo, a Comissão apresentará assim como medidas em matéria de gestão.
O volume de capturas autorizadas foi, propostas ao Conselho antes do mês de Junho. A Comissão consultará os Estados-Membros
para grande parte das espécies, drasticamente sobre essa matéria durante o ano de 2001.
reduzido em comparação com o volume O Conselho e a Comissão acordaram, por 1 Com excepção do mar da Irlanda, onde a pesca
fixado para o ano de 2000. último, sobre a necessidade de fixar, o mais do bacalhau continua proibida.

O bacalhau e a pescada foram as espécies


mais afectadas. As capturas de bacalhau1
no mar do Norte foram alvo de uma redução
média de 40% e as capturas de pescada no
A higiene na indústria das pescas
mar do Norte e no golfo de Gasconha foram
reduzidas para 41 e 55%, respectivamente. De há uns anos para cá, as questões sanitárias num registo económico, é antes de mais uma
As capturas das espécies associadas a estas na indústria alimentar têm vindo a merecer excelente ferramenta pedagógica para os tra-
pescarias (capturas acessórias) foram alvo de cada vez mais atenção. As recentes polémicas balhadores do sector. Dividido em 8 capítulos
reduções menos severas. Relativamente a das dioxinas e das vacas loucas sensibilizaram distintos e ilustrado com muitas fotografias
estas últimas (lagostim, solha, linguado, a opinião pública sobre a necessidade de os e esquemas, este guia informa o leitor sobre
escamudo), o Conselho previu, para certos produtores respeitarem determinadas regras os hábitos a adquirir no dia-a-dia, os equipa-
casos, uma flexibilidade anual similar à estabe- básicas. As empresas que actuarem de forma mentos indispensáveis e as normas de higiene
lecida nos anos anteriores. Os TAC de arinca responsável em termos sanitários conseguirão a respeitar em cada estádio da cadeia de pro-
foram reduzidos em 16 a 17%, conforme as assegurar um produto de qualidade e aumentar dução, desde a transformação ao acondiciona-
zonas, no mar do Norte e a oeste da Escócia. a sua competitividade. mento. Apresenta, no final, um amplo capítulo
dedicado à monitorização e outras técnicas
Outra decisão notável respeitante aos stocks No seu novo Guia de higiene para a indústria de controlo das instalações profissionais.
de bacalhau e de pescada é a aplicação, num das pescas1, a organização Eastfish da FAO
futuro próximo, de novas medidas de conser- afirma logo no início que: «o cumprimento 1 Guide to Hygiene within the Fish industry, FAO
vação (que incluem, nomeadamente, medidas das normas de higiene constitui um pré- Eastfish, PO Box 0896, UN Centre, Midtermolen 3,
técnicas e de controlo, destinadas a reabilitar requisito essencial para todas as empresas que 2100 Copenhaga, Dinamarca. Tel.: (45)35 46 71
80, fax (45)35 46 71 81, E-mail:fao@eastfish.org;
os stocks e a acabar com as capturas de juvenis), pretendam ser bem sucedidas no mercado sítio Internet: http:// www.eastfish.org; preço: 30 dólares
medidas estas que serão estabelecidas no internacional». Esta obra, que se inscreve americanos. Disponível apenas em inglês.


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