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TRANSFERÊNCIAS INTERNCIONAIS: A EXPORTAÇÃO DO “PÉ DE OBRA” NO

MERCADO FUTEBOLÍSTICO GLOBALIZADO


ANDRÉ GALDEANO SIMÕES 1

“E agora como é que eu fico


nas tardes de domingo
Sem Zico no Maracanã
Agora como é que eu me vingo
de toda derrota da vida
Se a cada gol do Flamengo
Eu me sentia um vencedor”
(“Saudades do Galinho”, Moraes Moreira, 1983).

1
André Galdeano Simões, advogado atuando desde 2010 como Gerente Jurídico de Futebol
do C.R. Flamengo, Mestrando em Direito Desportivo pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito
Desportivo – Centro Universitário da Cidade/RJ e em Gestão Esportiva pelo Programa
FGV/FIFA/CIES. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/RJ. Árbitro
Desportivo do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA).

1
RESUMO

O presente artigo tem como objetivo refletir quanto a relevância das transferências internacionais e
demonstrar na prática as principais cláusulas adotadas pelos clubes no Brasil e exterior. A
desvalorização da moeda nacional aliada ao talento dos nossos atletas faz com que o Brasil seja o
maior exportador de atletas, segundo estudo elaborado pela FIFA, evidenciando a vocação do Brasil
como exportador de “pé de obra”. Fato que aponta a necessidade de maior profissionalismo para lidar
com questões relativas à venda de atletas. É relevante o apoio jurídico desde a fase negocial da
transferência visto que um deslize pode acarretar no fim das negociações. Para a elaboração contratual
é importante conhecer e respeitar regras internacionais. Frequentemente ao negociarem atletas, os
dirigentes desportivos pensam apenas em valores líquidos deixando de levar em consideração outros
custos como impostos e com direito de formação, por exemplo. Cabe ao responsável jurídicos alerta-
los sobre a existência desses e outros valores. Deve-se atentar também para as cláusulas de
confidencialidade e suas exceções. Não menos importante é a nomeação da cláusula de foro e
legislação aplicável. Podem parecer pequenos detalhes irrelevantes, mas importantes para maior
segurança jurídica das partes envolvidas no contrato

Palavras-chave: transferências internacionais, direito esportivo, FIFA

ABSTRACT

This article aims to reflect on the relevance of international transfers and demonstrate in practice the
main clauses adopted by clubs in Brazil and abroad. The devaluation of the national currency
combined with the talent of our athletes makes Brazil the largest exporter of athletes, according to a
study conducted by FIFA, evidencing Brazil's vocation as an exporter of "manpower". This fact points
to the need for greater professionalism in dealing with issues related to the sale of athletes. Legal
support is relevant from the negotiation phase of the transfer, since a slip-up can lead to the end of
negotiations. For the contractual elaboration it is important to know and respect international rules.
Often when negotiating athletes, sports managers think only in net values, not taking into
consideration other costs such as taxes and training rights, for example. It is up to the legal responsible
to alert them about the existence of these and other values. One must also pay attention to the
confidentiality clauses and their exceptions. No less important is the appointment of the jurisdiction
clause and applicable law. These may seem like small irrelevant details, but they are important for the
greater legal security of the parties involved in the contract.

Keywords: international transfers, sports law, FIFA

2
1) Introdução:

O presente artigo tem como objetivo refletir a respeito da relevância das transferências
internacionais, bem como demonstrar na prática quais as principais cláusulas adotadas pelos
clubes no Brasil e em outros países.

Inicialmente, traremos uma breve evolução histórica sobre o tema; posteriormente,


serão analisados casos concretos, sendo apontadas críticas e observações a respeito.

Algumas sugestões de cláusulas e reflexões a respeito da matéria são necessárias para


o aperfeiçoamento, a fim de garantir o crescimento do profissionalismo no esporte.

2) Evolução Histórica:

As transferências internacionais eram raras no Brasil até o início da década de 80,


quando alguns dos astros da seleção que encantou o mundo na Copa de 1982, realizada na
Espanha, se transferiram para o futebol italiano que era naquele momento o grande centro
futebolístico europeu.

Claro que existiram exceções, como no final da década de 50, quando o atleta Evaristo
de Macedo se transferiu para o Barcelona. Na Europa, o futebol foi usado como instrumento
de propaganda política tanto em ditaduras de extrema direita (como nos casos da Alemanha
nazista de Hitler e a Itália fascista de Mussolini, nas décadas de 1930 e de 1940) quanto em
ditaduras de extrema esquerda (como nos casos dos países do leste europeu, durante a Guerra
Fria).

Na América do Sul, as conquistas pelas seleções de futebol do Brasil, em 1970, e da


Argentina, em 1978, foram exploradas pela propaganda dos seus respectivos regimes
militares.

No Brasil, a profissionalização do futebol que vem a ocorrer, de fato, em 1937, no


Estado Novo de Vargas, é mais um exemplo de que o futebol pode ser utilizado pelo governo
como instrumento aglutinador de seus valores pelo campo político.

Em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, foi promulgado o Decreto-lei nº 3.199,


que estabelecia as bases da organização das práticas desportivas em todo o Brasil.

O mencionado decreto criou o CND (Conselho Nacional de Desporto) órgão ligado ao


Estado, concentrando as funções legislativa, executiva e judicante, e que somente começou a
soltar suas amarras através da Constituição Federal de 1988, mais especificamente em seu
artigo 217, que prevê a autonomia esportiva e a necessidade de julgamento pela justiça
desportiva em matérias relativas a competições e disciplina.

3
Profunda modificação legislativa se deu com o advento da Lei Zico (Lei 8.672/93) e,
posteriormente, com a denominada Lei Pelé (Lei 9.615/98), atualmente em vigor, que
buscaram a profissionalização do desporto.

Portanto, no Brasil, em razão deste longo período de mais de meio século, pode-se
concluir que o desporto era unicamente ligado à iniciativa pública, que o utilizava como
manifestação cultural com finalidades políticas e religiosas, sempre tendo em vista a
manutenção do poder, passando a ser considerado autônomo apenas com a promulgação da
“Constituição Cidadã”.

A desvalorização da moeda nacional aliada ao enorme talento dos nossos atletas faz
com que o Brasil seja o maior exportador de atletas, segundo recente estudo elaborado pela
FIFA2 e conforme relatado em artigo publicado pelos renomados advogados Bichara Abidão
Neto e Victor Eleutério:

“De acordo com recente relatório publicado pela FIFA, o Brasil é


há pelo menos dez anos o maior exportador de atletas do futebol
mundial, superando em mais que o dobro a Argentina, segunda
colocada no ranking. Foram mais de quinze mil transferências de
brasileiros no período, mais de 11% do total mundial. Além disso,
o país figura no relatório como o maior recebedor de
pagamentospelatransferência de atletas, com mais de 7 bilhões de
dólares acumulados nesses dez anos.”3

Desta forma não há como negar a vocação brasileira de exportador de atletas, sendo
que também em razão da necessidade de geração de recursos, a venda de atletas para o
exterior é uma das maiores fontes de receita para alguns clubes.

3) Os desafios das entidades de prática desportiva em relação às transferências:

A evolução tecnológica e a crescente necessidade de profissionalismo fizeram com que


a FIFA adotasse o Transfer Matching System (TMS), que se tornou obrigatório para todas as
transferências internacionais de jogadores profissionais. O sistema de Regulamento de
Transferências da FIFA monitora a movimentação do mercado entre países e clubes
espalhados pelo mundo para evitar corrupção, lavagem de dinheiro, entre outras coisas.4

Posteriormente, no final de 2014, através da circular 1.464 a FIFA bane a possibilidade


de investidores no futebol que atuavam através de fundos que antecipavam receitas aos clubes
2
https://www.fifa.com/legal/football-regulatory/stakeholders/fifa-fund-for-players/media-
releases/fifa-publishes-report-on-ten-years-of-international-transfers. Acesso em 23/11/2021.
3
https://www.bicharaemotta.com.br/artigos/os-beneficios-da-saf-nao-sao-para-todos/. Acesso
em 23/11/2021.
4
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2012/01/problemas-em-
documentacao-podem-melar-permanencia-de-itamar-no-fla.html. Acesso em 23/11/2021.
4
através da garantia lastreada em direitos econômicos dos atletas. Havendo clara interferência
destes terceiros nas negociações dos atletas, assim possibilitando o retorno financeiro dos
valores investidos.

A grande maioria dos clubes no Brasil, sob o regime de associação sem finalidade
lucrativa, ainda geridos por dirigentes amadores conforme estatutos criados ainda no princípio
do século passado. Havendo a necessidade de profissionalização da administração desportiva
em âmbito nacional.

É importante definirmos o conceito de profissionalização. Profissionalizar é substituir a


gestão política por uma gestão técnica, responsável e transparente. Importante que este
conceito fique bastante claro para que possamos melhor analisar o futebol na atualidade.

A aversão pelo novo, característica inerente a maioria dos seres humanos, foi destacada
pelo craque Zico em artigo denominado “Amador x Profissional” pulicado no Diário Lance!
de 28/07/2004:

“Um dos dilemas do futebol brasileiro na atualidade, principalmente


nos grandes clubes, é a dificuldade de passar do amadorismo para o
profissionalismo na administração. E infelizmente o Flamengo deu na
última semana um forte exemplo das consequências negativas que a
manutenção desse modelo amador desgastado pode causar (...) O mês
precisa ter 30 dias! Mas o amador é assim. Na hora da paixão ele
chega e quer tomar a atitude ali, não raciocina com os números, não
vê o ambiente e nem se preocupa com a consequência de seus atos.
(...)”.5

Em outras palavras: há a necessidade de mudança de mentalidade para que a


transferência de atletas não seja para pagamento de dívidas e sim por questões desportivas.

A Lex Sportiva é estruturada integralmente de maneira a manter o ambiente esportivo


isento de interferências alheias, potencialmente lesivas aos princípios que regem as atividades
esportivas.

Desta forma, a FIFA foi obrigada a adotar regulamentos e procedimentos que tornassem
o futebol cada vez mais profissional através das medidas anteriormente mencionadas.

4) Questões práticas na elaboração de contratos de transferência internacional:

Antes mesmo da elaboração contratual é importante o apoio jurídico na fase negocial da


transferência, pois pequenos detalhes podem onerar o clube cedente sem que se atente para
questões tributárias, a título exemplificativo. Recentemente o fisco espanhol pretendia tributar

5
CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO. FLAFUTEBOL. Relatório de Gestão 2004. Rio
de Janeiro, 2004.

5
os clubes estrangeiros em razão da venda de atletas para aquele país. Ou seja, a ausência deste
e outros cuidados podem trazer prejuízos inesperados.

Além desta questão acima, o dirigente deve sempre buscar conhecer os usos e costumes
do país para o qual está negociando o atleta. Um pequeno deslize pode acarretar o final das
negociações. Por exemplo, no mundo árabe deve sempre se sentar sem que mostre a sola dos
sapatos pois é considerado um grande insulto nesses países. Por isso, muitas das vezes, o
intermediário é peça fundamental para a concretização do negócio.

a) Questões preliminares - O início da redação de qualquer contrato é primordial que


as partes incluam os “considerandos” em que todo o histórico relativo a questões do atleta e
da negociação estejam presentes a fim de retratar a realidade dos fatos que culminaram com a
assinatura deste contrato de transferência. É preciso ter em pensamento que este contrato
poderá ser analisado por terceiros que não estiveram envolvidos diretamente nas tratativas
(conselho fiscal do clube ou algum órgão fiscalizador ligado a entidade de administração
desportiva).

Desde informações contratuais com o clube cedente, como prazo de vigência e se há


compartilhamento de direitos econômicos, passando pela performance esportiva do atleta
naquele momento (atleta revelação da temporada, por exemplo) até a necessidade do clube
cessionário para aquisição do vínculo federativo.

Estes detalhes podem parecer que não são importantes, mas caso o atleta não possua boa
performance no novo clube e com intuito de se defender de eventuais críticas ou supostas
alegações de fraude na contratação. Por outro lado, os clubes brasileiros muitas vezes são
cobrados pela torcida e da mídia em razão da venda “precipitada” de uma jovem promessa.
Então a inclusão da necessidade de venda e de uma oferta vantajosa financeiramente justifica
a razão da venda.

A forma de pagamento, eventuais sanções em caso de inadimplemento e a participação


de intermediários devidamente cadastrados não podem faltar na redação destes contratos.

Em razão do fair play financeiro tem sido costumeiro que o pagamento das
transferências seja efetuado de maneira parcelada, portanto caso o parcelamento seja a longo
prazo é importante que o clube cedente tente incluir cláusula de vencimento antecipado das
parcelas vincendas em caso de transferência definitiva do atleta para terceiro clube.

b) Do objeto da transferência - O objeto da transferência é o vínculo federativo do


atleta, mas algumas questões se originam desta transferência do direito federativo. Tais como
questões relativas à forma de transferência (temporária ou definitiva), eventuais bônus,
prêmios de revenda, dentre outros.

Importante ressaltar a definição trazida pelo Regulations on the Status and Transfer of
Players (RSTP) da FIFA que define a transferência internacional como “o movimento do
registro de um jogador de uma associação para outra associação.” Claro que quando a FIFA
menciona “associação” está se referindo a uma entidade nacional, pois a entidade máxima do
futebol não reconhece as associações regionais existentes dentro de uma entidade de
administração desportiva nacional.

6
Cabe ao clube cessionário sempre observar o período de registros que são definidos
pelas associações nacionais, as chamadas “janelas de transferência”. Neste aspecto, a
transferência poderá ocorrer a qualquer tempo, mas o registro para que o atleta tenha
condições de atuação dependem da “janela” ou período de registro.

Além do clube cessionário sempre se atentar para regra que os jogadores poderão
registrar-se em, no máximo, três clubes em uma temporada. Ou seja, durante essa temporada,
o jogador somente poderá ser relacionado para atuar em partidas oficiais por dois clubes.
Como exceção a essa regra, um atleta em trânsito entre dois clubes pertencentes a associações
com temporadas sobrepostas (ou seja, o início da temporada de verão/outono oposta à
temporada de inverno/primavera) poderá ser relacionado para jogar em partidas oficiais por
um terceiro clube durante a temporada sobreposta, desde que tenha cumprido com as
disposições contratuais em relação aos seus clubes anteriores.

Como de conhecimento público, a FIFA veda transferências que envolvam menores de


18 (dezoito) anos de idade.

Os atletas menores de 18 (dezoito) anos podem firmar contrato com a duração


estabelecida pela legislação nacional de cada associação, porém, em caso de litígio submetido
a órgão da FIFA, somente serão considerados os 3 (três) primeiros anos, em atendimento ao
artigo 18.2 do FIFA RSTP.

A título exemplificativo, em meados de 2020 ocorreu o caso do atleta Lucas Fasson que
notificou seu clube de origem com um pedido de rescisão unilateral do seu contrato que
possuía validade superior aos 3 anos. O São Paulo discordou e ingressou com demanda junto
a FIFA visando que o zagueiro cumprisse na íntegra seu contrato. O clube paulista notificou
clubes europeus que possivelmente estivessem interessados e informou que, em caso de acerto
com o jogador, exigiria o pagamento da multa rescisória de 40 milhões de euros. A FIFA
determinou a liberação do registro provisório para que o jogador pudesse ser registrado pelo
La Serena (Chile). O caso ainda está pendente de decisão final na Corte Arbitral do Esporte
(CAS). No ano seguinte o atleta se transferiu definitivamente do clube chileno para o
Athletico Paranaense.

Como acima mencionado, o artigo 19 do RSTP da FIFA estabelece algumas regras


que tem a finalidade de proteger os atletas menores de 18 anos. Nesse sentido, a regra geral
que deve ser observada por clubes e associações nacionais é de que transferências
internacionais apenas serão permitidas quando os atletas envolvidos sejam maiores de 18
anos.

Contudo, a própria FIFA estabelece alguns critérios excepcionais que viabilizam


eventual transferência ou vinculação de atleta menor de idade com clubes estrangeiros.

A primeira hipótese de vinculação de atleta menor de idade com clube estrangeiro


prevista no RSTP se refere aos casos em que os pais do atleta se mudam para o país desse
novo clube estrangeiro, por razões não relacionadas ao futebol. Importante destacar que no
passado os próprios clubes costumavam empregar os pais dos atletas estrangeiros que desejam
contratar a fim de enquadrar a contratação destes atletas na permissão regulamentar emanada
pela FIFA. Portanto, a condição de que essa mudança de país por razões não relacionadas ao
futebol é fundamental para que ratio legis desta norma regulamentar não seja desvirtuada.
7
Para ilustrar essa hipótese, podemos mencionar o atleta Metinho Silu, congolês,
vinculado ao Fluminense Football Club. Seus pais se mudaram para o Brasil quando o atleta
tinha cerca de 2 anos de idade. O Fluminense realizou todos os procedimentos juntos às
entidades de administração desportiva e o seu vínculo desportivo foi estabelecido com o clube
brasileiro.6

Outra hipótese se refere exclusivamente a atletas maiores de 16 anos e menores de 18,


que podem ser transferidos ou vinculados a clubes estrangeiros, desde que essa transferência
ocorra dentro da União Europeia ou da Zona do Euro. Bem, esse é o teor do que dispõe o
Artigo 19(2)(b)(i) do RSTP.

No entanto, a FIFA e o CAS têm interpretado essa disposição regulamentar de forma


extensiva e gravemente prejudicial aos clubes que não são localizados na área da União
Europeia ou da Zona do Euro, especialmente os clubes da CONMEBOL, tradicionais
formadores de talentos no futebol. O entendimento que prevalece atualmente na FIFA e no
CAS é de que esta norma foi criada justamente para se adequar às regras de livre circulação
de trabalhadores dentro da União Europeia e a criação de uma regra, por parte da FIFA, que
tratasse desigualmente cidadãos europeus (com relação à possibilidade de se transferir em
âmbito internacional) exclusivamente pelo fato um deles estaria anteriormente vinculado a um
clube localizado dentro da União Europeia (ou Zona do Euro) e o outro vinculado a um clube
localizado fora da União Europeia (ou Zona do Euro), estaria indo em sentido contrário à
motivação inicial da FIFA quando editou esta norma específica.7

Sem dúvida alguma, a interpretação do artigo 19(2)(b) gera um risco e um prejuízo


sem precedentes aos clubes sul-americanos, na medida em que gera um desequilíbrio no
mercado de transferências do futebol, tendo em vista que o RSTP e o entendimento adotado
pela FIFA garantem aos clubes da União Europeia a possibilidade de atrair jogadores de todo
o mundo, desde que esses atletas sejam maiores de 16 anos e possuam um passaporte europeu.
No caso mencionado em nota de rodapé abaixo, o atleta argentino, que possui passaporte
italiano, se vinculou ao clube inglês (antes do Brexit) com permissão expressa da FIFA e do
CAS. No entanto, o mesmo atleta com dupla cidadania (argentina e italiana), caso quisesse
realizar o caminho inverso, sair de um clube inglês e se vincular a um clube argentino, não
poderia ser transferido por ausência de permissão regulamentar.

Outra hipótese excepcional de vinculação de um atleta menor de idade a um clube


estrangeiro prevista no Artigo 19 do RSTP é quando um determinado atleta vive a 50km da
fronteira e o clube ao qual este atleta menor se vincula está igualmente a 50km da fronteira. A
distância entre a sede do clube e a residência do atleta menor não pode ser superior a 100km.

A quarta hipótese prevista pela FIFA para que um atleta menor se vincule a um clube
estrangeiro é quando o atleta sai de seu país, sem os seus pais, por razões humanitárias, tendo

6
https://globoesporte.globo.com/futebol/times/fluminense/noticia/metinho-revela-emocao-do-
pai-e-de-parentes-no-congo-com-periodo-na-selecao-chegaram-a-chorar.ghtml
7
Processo CAS 2016/A/4903, ajuizada pelo Club Atlético Velez Sarsfield v. The Football
Association Ltd., Manchester City FC e FIFA, em 16 de abril de 2018.

8
sua vida ou liberdade ameaçadas por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertencer a um
determinado grupo social ou em razão de opinião política.

Por fim, a última hipótese prevista pela FIFA é quando o jogador é estudante e está
participando de programa de intercâmbio acadêmico. Nessa hipótese, o vínculo do atleta
menor com o clube estrangeiro não pode durar mais que um ano e o clube estrangeiro deve ser
exclusivamente amador, sem equipe profissional e sem qualquer vínculo com clubes
profissionais.

c) Vedações legais (TPO, TPI e Transferências Ponte):

I. Transferência Ponte (Transfer Bridge): quando ocorrer duas transferências


consecutivas de um mesmo jogador, nacionais ou internacionais, ligadas entre si e
compreendendo um registro desse jogador com o clube do meio para contornar a aplicação
dos regulamentos ou regras relevantes e/ou defraudar outra pessoa ou entidade.

Embora a CBF já regulasse desde 2016 a questão das transferências ponte, somente
em 2019 a FIFA regulou a matéria. Assim evitando novos casos que ferem transferências que
não possuem caráter desportivo e visam apenas benefícios financeiros.

A FIFA estabelece a presunção de transferência ponte caso ocorra transferência


sucessiva com prazo inferior a 16 (dezesseis semanas). Cabem as partes envolvidas
demonstrar que a transferência possui caráter desportivo e não visa nenhum tipo de lucro
financeiro.

O primeiro caso de punição disciplinar em decorrência de transferência ponte foi


atribuída ao Racing Club de Avellaneda / Argentina (CAS 2014/A/3536).

II. Third Party Ownership (TPO): Os Contratos de Cessão de Direitos Econômicos


eram permitidos até 31/12/2014 desde que com empresas que não interferissem nas
transferências ou em questões trabalhistas e podiam ser divididos. Não era difícil lermos nos
jornais casos em que os atletas eram “fatiados” como verdadeiras pizzas e seus percentuais
eram divididos entre os investidores e os clubes.

Durante um longo período esta era uma fonte de receita importante para a
sobrevivência dos cofres de clubes em dificuldades para quitar suas obrigações em dia.

A FIFA, em razão de pressão da UEFA, editou a circular 1464 (22/12/2014) que bania
a possibilidade de terceiros serem detentores de direitos econômicos. Os contratos assinados
até 31 de dezembro de 2014 seriam respeitados, desde que fossem inclusos no sistema TMS
até abril de 2015, e aqueles assinados entre 1º de janeiro de 2015 e 30 de abril de 2015
somente teriam efeitos pelo período de 1 (um) ano.

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Assim diversos clubes foram obrigados a correr para formalizar transferências ainda
no ano de 2014, a fim de não serem contrárias a nova regulamentação imposta pelo novo
artigo 18ter do RSTP da FIFA.8

Havia diversos casos de abuso dos investidores que impunham aos clubes cláusulas
leoninas e assim nunca saiam perdendo. A título exemplificativo abaixo transcrevo um
exemplo desta modalidade de cláusula imposta pelos investidores:

“Na hipótese de ser recebida uma proposta para a transferência do


ATLETA por valor igual ou superior a €4.000.000,00 (quatro milhões
de euros) mesmo que em qualquer outra moeda diferente, e não
havendo interesse do CLUBE X em aceitá-la, fica conferida a
EMPRESA a faculdade de optar entre:

I - Exigir e receber do CLUBE X o valor percentual a que teria direito


a receber caso a proposta fosse aceita e nos moldes em que pactuado
no presente instrumento, finalizando sua participação nos direitos
econômicos do ATLETA; ou

II - Manter a vigência do presente instrumento e assim continuar


detentora do percentual referido na Cláusula Primeira.”

Particularmente a maneira açodada que foi editada a circular foi de maneira impensada
apenas excluir todo e qualquer terceiro, sendo que no período de sua edição consideravam o
atleta como terceiro. Fato este que é um verdadeiro absurdo, pois os direitos econômicos
nascem do vínculo federativo entre clube e atleta, portanto não seria o atleta uma figura
estranha a relação e em boa hora a FIFA reviu seu pensamento e incluiu o atleta, além dos
clubes anteriores, como aqueles que estão no rol que não podem ser considerados como
terceiros.

Não apenas em razão da pandemia, que impossibilitou algumas fontes de receitas para
os clubes, a FIFA deveria rever a sua opinião e ao invés de abolir deveria regulamentar a
questão dos terceiros.

Portanto regular apesar de dar mais trabalho seria uma solução melhor para os clubes,
pois assim viabiliza que clubes com menor possibilidade de investimento tenham capacidade
de manter seus craques que cada vez mais cedo se transferem para o exterior e poderiam
completar sua formação em seu país de origem.

III. Third Party Influence (TPI): A FIFA, através do artigo 18bis, veda toda e
qualquer influência de terceiros em relação ao contrato de trabalho entre clube e atleta,
mesmo que este terceiro seja o clube detentor do vínculo definitivo do atleta e cede

8
http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2014/12/fla-corre-
para-garantir-cirino-ate-esta-quarta-feira-por-conta-de-regras-da-fifa.html

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temporariamente apara outro clube. Ou seja, o clube cedente não pode interferir no vínculo do
novo contrato de trabalho entre atleta e clube cessionário.

Portanto, inválidas são as cláusulas que preveem a rescisão antecipada em razão de


recebimento de propostas pelo clube cedente.

Um caso muito frequente são as denominadas cláusulas de “não atuação” em relação


ao clube cedente. Estas são proibidas, então uma maneira de driblar esta questão é a cobrança
de algum valor em razão da escalação do atleta. Nestes casos, o empréstimo gratuito se torna
oneroso.

5) Cláusulas típicas nos contratos de transferência internacional:

5.1) Sell on fee (Prêmio de Revenda) – A cláusula “Sell-on fee” se refere à


participação sobre os valores recebidos a título de transferência onerosa e definitiva do Atleta
para outra entidade de prática desportiva, nacional ou estrangeira, durante a vigência do
presente contrato, ou seja, se o novo clube transfere o jogador para um terceiro clube, o antigo
clube tem direito a uma porcentagem sobre a nova taxa de transferência acordada, conforme
definição da FIFA (Anexo III, art. 4.2 do RSTP) que impõe aos clubes o dever de informar o
sell-on fee no sistema TMS.

Primeiro exemplo: O clube A e o clube B concordam na transferência 1 de modo que


quando o jogador é transferido para o clube C (transferência 2), o clube A terá́ direito a
receber 10% da nova taxa de transferência acordada entre o clube B e o clube C na
transferência 2. O clube A e o clube B devem declarar a porcentagem da taxa de sell-on
acordada na transferência 1.

Contrato: “Caso ocorra a transferência para terceiro clube (clube C) o clube B pagará
ao clube A 10% (dez por cento) do total líquido da futura transferência (Cláusula ‘Sell-on
fee’).”

A manutenção deste percentual de uma transferência futura pode possuir variações.

Segundo Exemplo: percentual fixo sobre o valor total da futura transferência x


percentual sobre eventual lucro obtido pelo novo clube em uma transferência futura:

Contrato: “Clube A e o clube B acordam a venda do Atleta no valor de € 10 milhões


(transferência 1), caso o jogador seja transferido para o clube C (transferência 2), o clube A
terá́ direito a receber 10% sobre o montante que exceder ao valor da transferência 1. Ou seja,
caso a transferência acordada entre o clube B e o clube C na transferência 2 seja equivalente a
€11 milhões; o clube B deverá pagar ao clube A o percentual de 10% (dez por cento) sobre €1
milhão excedentes da transferência 1.
Valor excedente de €1 milhão corresponde a € 100 mil (10% que deverá ser pago ao
clube A).”

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Uma questão que o clube cedente sempre deve se atentar para evitar que o clube
cessionário que adquire o vínculo do atleta burle o direito de sell-on fee é sempre registrar que
no caso de transferência para terceiro clube que não envolva valores, mas apenas troca de
atletas as partes busquem um órgão com credibilidade para mensurar o valor de mercado
daquela transferência e assim possa resguardar seu direito.

Ao contrário do mercado sul-americano, o mercado europeu prefere adotar a cláusula


sell-on fee em detrimento da nomenclatura direitos econômicos.

5.2) Add-on fee (Bônus por performance): É o pagamento de bonificação em razão


do alcance de metas pré-determinadas ligadas a performance desportiva pelo atleta
(individual) ou pela equipe (coletiva).

É uma taxa de transferência condicional em que a quantia adicional paga pelo novo
clube ao antigo clube, caso certas condições forem cumpridas.

Exemplo I: se o jogador marcar 10 gols ou atuar em 15 partidas como titular, o Clube


B pagará ao Clube A a quantia de € 500 mil (bônus por performance individual).

Exemplo II: se o Clube B for campeão nacional ou se classificar para o principal


torneio continental, o Clube B pagará ao Clube A a quantia de € 1 milhão (bônus por
performance coletiva).

5.3) Loyalty bonus (Bônus de lealdade): O bônus por lealdade normalmente é pago
pelo cumprimento do contrato de trabalho, pois ele privilegia a manutenção do contrato – uma
espécie de pagamento de luvas de forma invertida.

Contrato: “Pela efetiva permanência no primeiro ano de contrato (01/07/2019 à


30/06/2020) - o CLUBE A terá direito a receber a quantia líquida de € 2 milhões, a título de
bonificação de lealdade, através de parcela única, com vencimento em 31 de julho de 2020.”

Também pode ser pago ao Atleta, conforme disposição em seu contrato de trabalho:

Exemplo: “Pelo presente instrumento, a CONTRATANTE se obriga a pagar ao


CONTRATADO, a título de bonificação individual de lealdade, um loyalty bonus, caso
permaneça vinculado ao CONTRATANTE até o término de seu vínculo federativo, a
bonificação conforme as tabelas do Anexo I ao presente instrumento.”

6) Cessão temporária com opção de compra:

Há casos que o clube cede um atleta para outro e as partes, em comum acordo,
resolvem fixar o valor de eventual transferência definitiva do vínculo federativo do atleta. 9
9
https://ge.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/dirigente-do-independiente-
confirma-acordo-e-vasco-aguarda-documentacao-para-acerto-com-benitez.ghtml
12
Neste caso importantíssimo que o clube cessionário faça o acerto salarial de eventual
futuro contrato de trabalho, pois neste caso pode se acertar com o clube cedente, mas não
conseguir efetivar a transferência.

Normalmente, esta é a redação desta cláusula de eventual transferência:

“O CEDENTE, com autorização e concordância expressa do ATLETA, concede ao


CESSIONÁRIO a opção de aquisição em definitivo do direito de inscrição federativa e
vínculo esportivo, além de 50% (cinquenta por cento) dos direitos econômicos do ATLETA,
pelo valor líquido de €10.000.000,00 (dez milhões de euros), a qual deverá ser exercida pelo
CESSIONÁRIO por meio de notificação por escrito formalizada em até 30 (trinta) dias antes
do término da presente cessão temporária.

Na hipótese de exercício da opção pelo CESSIONÁRIO, o ATLETA se compromete


a celebrar contrato especial de trabalho desportivo, que deverá viger pelo período mínimo de
3 (três) anos a contar da data do exercício pelo CESSIONÁRIO até 31/12/2022, com salário
mensal inicial de € 8.000,00 (oito mil euros) a partir de 01/07/2020, € 12.000,00 (doze mil
euros) a partir de 01/01/2021; e € 15.000,00 (quinze mil euros) a partir de 01/01/2022. Sendo
desde já estipulada entre as partes que a Cláusula Indenizatória Desportiva para o exterior será
equivalente em reais a € 30.000.000,00 (trinta milhões de euros).”

Qualquer contrato de transferência depende da expressa concordância e acerto salarial


prévio com o atleta a fim de possuir eficácia, senão será uma “cláusula de arquibancada”, tais
quais aquelas que impõem a possibilidade de nova transferência apenas para determinado
clube ou a obrigatoriedade de apenas se transferir para o clube cedente em caso de eventual
cessão temporária futura. No máximo, o que o clube cessionário poderá garantir é um direito
de preferência, mas que na prática esbarra na vontade do atleta.

Outra questão que deve ser observada é a razoabilidade do valor da clausula


indenizatória imposta pelo clube empregador, pois caso não tenha razoabilidade com os
valores de mercado ou pagos a título de remuneração ao atleta podem ser revistos pelo CAS.

Tem sido cada vez mais frequentes casos em que os clubes, com intuito de evitar
sanções impostas pelo fair play financeiro, incluem uma “opção obrigatória de compra”, foi o
caso do empréstimo do atleta Mbapé do Mônaco ao PSG, em agosto/2017, com opção de
compra por €180 milhões.

As metas devem ser razoáveis e obrigatoriamente guardar relação direta com a atuação
do atleta, por exemplo não se pode incluir como meta “chover em Londres”, ou seja, uma
meta sem razoabilidade desportiva (“atuar em 1 partida o clube B deve exercer a opção de
compra”).

6.1) Cláusula de recompra (Buy-back clause):

Esta modalidade de cláusula é frequente nos empréstimos com opção de compra para
atletas consideradas “jovens promessas”, um exemplo de redação desta cláusula seria:

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“No caso em que o Clube A exerça a Opção de Compra do Jogador, o Clube B terá,
durante o período de dois anos após a data em que a Opção de Compra do Clube A
entrar em vigor, uma opção para readquirir o registro do Jogador permanentemente em
consideração da Taxa de Recompra (a “Opção de Recompra”). A Opção de Recompra
deve poder ser exercida pelo Clube B: - enviando uma notificação por escrito ao
Clube A em ou antes de 30 de novembro de 2019 para entrar em vigor no mais breve
possível após 1 de janeiro de 2020; ou, - notificando por escrito o Clube A em ou antes
de 30 de novembro de 2020, a partir de 1 de janeiro de 2021 ou o mais cedo possível.
No caso de a Opção de Recompra ser exercida (sujeito ao Clube B e o Jogador
concordar com os termos do contrato de jogo que serão aplicados após o retorno do
Jogador ao Clube B, e esse fato ser notificado ao Clube A por escrito), pelo Clube B, o
Clube A e o Jogador tomarão imediatamente as medidas necessárias para efetivar a
transferência permanente do registro do Jogador para o Clube B e o cancelamento do
contrato do Jogador com o Clube A o mais rápido possível. A Taxa de Recompra a
ser paga pelo Clube B ao Clube A pelo exercício da Opção de Recompra na cláusula x
acima será: 22.000.000 € pagáveis em três parcelas iguais da seguinte maneira:
7.333.333 € pagáveis dentro de 7 dias após o re-registro do Jogador no Clube B (o
"Re-registro do Clube B”); 7.333.333 euros a pagar no aniversário do Reinscrição do
Clube B; e 7.333.334 € a pagar no segundo aniversário do Reinscrição do Clube B, em
cada caso, sujeito ao re-registro do Jogador no Clube B, de forma permanente.”

Esta modalidade de cláusula é bastante utilizada pelos multi-club ownership que ao


adquirirem jovens atletas costumam emprestá-los com intuito de adquirirem experiência e
valorização no mercado.

6.2) A validade da transferência: condicionantes nulas:

De acordo com a FIFA a reprovação nos exames médicos após a sua assinatura e que
deveriam ter ocorrido antes da celebração do ajuste laboral, além da obtenção de visto ou
permissão de trabalho, quando se tratar de atleta estrangeiro, não podem ser condicionantes
nulas, por força do art. 18.4 do Regulamento da FIFA sobre o Status e a Transferência de
Jogadores, para a validade do contrato de trabalho.

7) Mecanismo de Solidariedade e Training Compensation.

Frequentemente os dirigentes desportivos ao negociarem os atletas pensam apenas em


valores líquidos e o clube que contrata deixa de levar em consideração o custo com direito de
formação ou mecanismo de solidariedade.

Portanto, importante sempre alertar sobre esta questão que pode causar um desgaste
desnecessário, a fim de também evitar um aumento no custo final da operação.

Será sempre devida seja por transferência temporária ou definitiva, desde que onerosa.
Incluindo-se também eventuais bônus acessórios recebidos em função da transferência e
acima mencionados.
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Em regra, o clube cessionário deve reter o percentual de 5% (cinco por cento) para
após a análise do passaporte desportivo do atleta fazer a distribuição dos valores daqueles
clubes que contribuíram para formação desportiva do atleta entre 12 e 23 anos de idade.

No cálculo do pagamento de mecanismo é a questão do cômputo de acordo com o


período da temporada, isto porque na Europa, por exemplo, o início da temporada ocorre no
meio do ano enquanto no Brasil a temporada se inicia em janeiro.

Desta forma, há a sobreposição de temporadas (overlaping seasons) que pode gerar


uma pequena alteração nos cálculos.

Definição no contrato de transferência se o valor de transferência já inclui eventuais


valores devidos à título de mecanismo de solidariedade e/ou training compensation é
importante para evitar discussões futuras sobre a responsabilidade sobre o pagamento
destes valores.

Exemplo: Clube A pagará x milhões líquidos (livre de impostos). O valor da


transferência não inclui valores de mecanismo de solidariedade e/ou direito de formação
que não serão retidos e ficarão sob responsabilidade do Clube A pagar diretamente aos
clubes que contribuíram com a formação do atleta.

Definição no contrato de transferência se o antigo clube do atleta será responsável


por reembolsar o novo clube caso este seja cobrado por um terceiro clube em valores de
mecanismo de solidariedade ou training compensation.

Exemplo: Em caso de cobrança direta, o Clube A deverá reembolsar o Clube B


pelas despesas decorrentes do pagamento que seria de sua responsabilidade.

O mecanismo de solidariedade interno, recentemente, passou a ser admitido pelo


RSTP da FIFA. Portanto, o caso de um atleta que se transfere entre dois clubes de um
mesmo país. Anteriormente não seria possível a cobrança de mecanismo de solidariedade –
fato que hoje pode ser cobrado.

Já a compensação por treinamento poderá ser cobrada caso o atleta assine seu primeiro
contrato de trabalho com clube diverso daquele que foi seu clube formador ou em caso de
transferência internacional em idade de formação (até 23 anos de idade).

8) Da importância das disposições finais do contrato de transferência:

Uma questão primordial que as partes sempre devem sempre estarem atentas na redação
de um contrato de transferência internacional é em relação ao idioma. Escolher dentre os
idiomas oficiais da FIFA aquele que tenha maior proximidade e em caso de contratos bi
colunados com outro idioma não deixar de incluir que em caso de eventual controvérsia
prevaleça o idioma que lhe for mais próximo e traga maior segurança.

Os canais de comunicação devem ser incluídos, pois com o crescimento tecnológico é


importante a agilidade na troca de correspondências entre as partes. Ideal é sempre adotar os
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e-mails corporativos dos clubes, pois os e-mails dos profissionais podem mudar caso tenha
mudança no corpo diretivo dos clubes.

Deve-se atentar também para as cláusulas de confidencialidade e suas exceções, além de


cláusulas anticorrupção e compliance – além do respeito as leis de proteção de dados.

Não menos importante é a nomeação da cláusula de foro e legislação aplicável. Ideal é


escolher os estatutos da FIFA e seus órgãos judicantes. Subsidiariamente a legislação suíça, a
fim de fugir de eventuais desgastes com a parte contrária.

O CAS tem sido a melhor alternativa para eventual recurso das decisões emanadas dos
órgãos judicantes da FIFA, mas é importante prever como será composto o painel em razão
do alto custo da arbitragem internacional. Se será arbitro único ou três árbitros, além da língua
do painel.

Podem parecer pequenos detalhes irrelevantes, mas importantes para maior segurança
jurídica das partes envolvidas no contrato.

9) Conclusão:

A evidente vocação do Brasil como exportador de “pé de obra” fortalece a necessidade


de maior profissionalismo para lidar com as questões relativas à venda de atletas. Desde os
usos e costumes até a legislação pertinente sobre a matéria.

Contratos melhor elaborados trazem maior segurança jurídica aos clubes e


consequentemente mais recursos que podem ser investidos no futebol de base.

Desta forma elevaremos o número de novos talentos e criando um ciclo virtuoso que
contribuirá para o fortalecimento de nosso futebol e novamente colocando o Brasil em
posição de destaque no cenário mundial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL Lei 9.615/98 de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá
outras providências. (Lei Pelé). Diário Oficial da União, Brasília - DF, publicado em 25 de
março de 1998.

CALIXTO, Vinicius. Lex Sportiva e Direitos Humanos. Entrelaçamentos


transconstitucionais e aprendizados recíprocos. Editora D’Plácido. Belo Horizonte, 2017.

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CAMARGOS, Wladimyr. Constituição e Esporte no Brasil. Editora Kelps. Goiânia, 2018.

COELHO, Paulo Vinicius. Bola fora: a história do êxodo do futebol brasileiro. Editora
Panda Books. São Paulo, 2009.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Regulamento Nacional de Registro e


Transferência de Atletas de Futebol. Rio de Janeiro, 2021.

COUTINHO FILHO, José Eduardo. Futebol Globalizado: paixão de bilhões, mercado de


trilhões. Editora D’Plácido. Belo Horizonte, 2021.

FEDERATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION. Regulations


on the Status and Transfer of Players. Zurique (Suíça), 2021.

MELO FILHO, Álvaro & SANTORO, Luiz Felipe Guimarães. Direito do Futebol - Marcos
e Linhas Mestras. Editora Quartier Latin. São Paulo, 2019.

NICOLAU, Jean Eduardo. Direito Internacional Privado do Esporte. Editora Quartier


Latin. São Paulo, 2018.

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