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Violência nos Estádios: Até quando o torcedor

Brasileiro irá tolerar isso?

Coronel Res PMESP Libório


Consultor de Segurança
Pré – candidato a Vereador por São Paulo
O dono do espetáculo de Futebol é o torcedor que paga ingresso, e quer conforto e
segurança.
Dois anos após o Campeonato Mundial de Futebol da FIFA no Brasil (FIFA WC BRASIL 2014),
ainda assistimos cenas de violência nos jogos dos campeonatos nacionais e regionais, de forma
constante e corriqueira. Parecemos
anestesiados em uma ideia de que será
impossível resolver esses problemas.
Com os altos investimentos públicos e privados
para realizarmos um torneio de padrão
internacional como a Copa, questionados até
hoje, ainda identificamos comportamentos de
arenas de gladiadores nos tempos do império
romano na antiguidade, porém em um
Coronel Libório trabalhou como Consultor em projetos
para a Copa do Mundo e atuou durante três ambiente moderno edificado para atender um
anos como Gerente de Operações de Segurança do público cada vez mais exigente.
Comitê Organizador Local – COL da FIFA FWC BRASIL
2014. Pelo que parece, governantes e empresários do
mundo desportivo jogaram no lixo o chamado
Legado da Copa, afirmando que o planejamento e as operações desenvolvidas não se aplicam
a realidade do futebol brasileiro. Como não? Estão vamos à alguns números:
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a) Durante a Copa do Mundo em 2014 3.429.873 pessoas compareceram aos jogos, em


uma média de 53.591,8 pessoas por partida (muito superior a média dos torneios nacionais
com um detalhe: ingressos muito mais caros). 64% deste público era constituído por
brasileiros, amantes do futebol, grande parte frequentadores dos estádios nacionais, que
acreditando na organização e na segurança foram com amigos e familiares aos jogos. Os
demais 36% eram torcedores latino americanos, norte-americanos, europeus e asiáticos que
visitaram o País, identificando a organização e segurança semelhante as melhores eventos do
mundo. Portanto, a Copa foi dos Brasileiros amantes do futebol: aqueles que frequentam
estádios e torcem por clubes nacionais no cotidiano, e não de estrangeiros;
b) No ambiente de todos os Estádios, Hotéis de Delegações e escritórios da FIFA,
aeroportos, centros de treinamento e centros de mídia executamos um planejamento
detalhado que priorizava o atendimento do torcedor, dirigentes, atletas, imprensa e gestores
das diversas operações e serviços, sempre atendendo e orientando pessoas, e minimizando
riscos, compartilhado todas as ações efetivamente com as forças de segurança pública, não
avançando na competência legal de nenhum órgão e respeitando rigorosamente o planejado;
c) Foram estabelecidos 1.300 procedimentos operacionais em 32 postos de segurança
patrimonial, que iam do controle de acesso, verificação de pertences dos torcedores,
orientação de público, transporte de valores, circulação de delegações, prevenção à invasões
de campo, dentre outros.
Este modelo estabelecido para a Copa do Mundo no Brasil surgiu ao final da década de 80 na
Europa, consubstanciado em uma investigação promovida pelo juiz britânico Lorde Taylor de
Gosforth, a partir da análise da "Tragédia de Hillsborough", ocorrida em 15 de abril de 1989
no Estádio Hillsborough, em Sheffield (Inglaterra) durante o jogo entre Liverpool
FC e Nottingham Forest, válido pelas semifinais da Taça da Inglaterra. A partir do Relatório
Taylor, como ficou mundialmente conhecido, as Federações Europeias começaram a
implementar seu planejamento, atendendo recomendações que delineavam diversos ajustes
também nas leis do País que previam, além dos cuidados com circulação e ocupação dos
espaços, punições severas para torcedores em condutas inadequadas ou violentas. A alvo
principal era os Hooligans (torcedores violentos espalhados em toda a Europa).
A partir da Inglaterra e os demais países europeus, a UEFA (União das Federações Europeias
de Futebol) estabeleceu este conceito como base de planejamento para os torneios nacionais
e os organizados para jogos no continente Europeu. A FIFA só assimilou, implementando o
modelo a partir da Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos.
O conceito, em sua essência, prevê nas diversas atividades de planejamento, uma série de
ações preparatórias para a prevenção de eventos que possam se configurar em ameaças aos
torcedores ou a realização dos jogos. A proteção do negócio chamado FUTEBOL e os
patrocínios que o cercam, é prioritário, pois grandes marcas mundiais não querem sua imagem
associada a violência e a desorganização. Daí o nível de detalhamento e exigência.
Quando efetivamos esse modelo durante a Copa do Mundo do Brasil de 2014, a contribuição
para os resultados comerciais foram muito satisfatórios, com uma repercussão mundial
bastante positiva. A sensação de segurança foi enorme, com a aceitação média do público
torcedor acima de 90% em todas as Arenas da Copa, segundo a mídia nacional. Os negócios
foram consideráveis (injeção de R$ 30 bilhões na economia do turismo do Brasil, além de lucros

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aos diretamente envolvidos na organização), demonstrando que o Brasil, por sua tradição no
esporte, pode e sabe organizar grandes espetáculos futebolísticos.
Falando da realidade atual, a situação dos estádios brasileiros (inclusive os utilizados durante
a Copa do Mundo) é favorável a implementação de mudanças conforme a que tivemos no
Brasil, nas doze sedes (e não na Europa, como parecem afirmar). Para isso é preciso interpretar
os seguintes pontos:
1. O futebol é um grande negócio. Os jogos da Copa nos mostraram isso;
2. O futebol embora tendo o apelo público, é de iniciativa privada, dirigida por
organizações e agremiações que visam lucro em toda a sua atividade de
planejamento e realização, com a participação de empresas e marcas
comerciais, além da mídia em geral;
3. É um evento grandioso, com uma grande participação e apelo popular, gerando
paixões. Exige um detalhamento de planejamento para todos os serviços, que
vão desde a venda de ingressos e assentos (numerados), venda de direitos de
imagem, serviços de alimentos e bebidas, orientação e segurança do público,
dentro das expectativas geradas que pagou para assistir os jogos;
4. É estimulante e motivador o retorno do torcedor amante do futebol aos
estádios, devido ao conforto, fornecimento de serviços, segurança e acesso
controlado aos estádios, com serviços confiáveis, conforme vimos no Mundial.
As Arenas da Copa mostraram que quando essas atividades andam juntas o
resultado são os estádios cheios, próximos a sua capacidade total de público. As
Arenas modernas propiciam isto, pois estimulam a frequência dentro de uma
visão de lazer familiar, onde será possível se alimentar, se divertir e torcer por
sua agremiação querida, sem riscos ou ameaças.
Um negócio vantajoso para todos os envolvidos: dos torcedores, passando pelos setores
públicos, as empresas envolvidas, as agremiações e os trabalhadores pela massa de empregos
geradas (durante os jogos mais de 2.500 funcionários trabalhavam nos estádios, nos diversos
serviços estabelecidos).
No que se refere ao planejamento para grandes eventos voltados ao futebol, podemos indicar
os principais pontos, dentre outros, que podem contribuir para a melhoria da segurança:
 Para a realização dos jogos deve ser estabelecido um planejamento detalhado
e antecipado, com estudos e definições para intervenção operacional nos
diversos ambientes de serviços oferecidos ao torcedor, analisando fluxos,
disponibilidade das atividades (tempo, local e tipo de serviços). Isto ocorrer em
reuniões com organizadores e patrocinadores, além dos dirigentes dos clubes
envolvidos e as forças policiais;
 Criação e controle de um banco de dados para venda de ingressos controlados,
preferencialmente vinculando o nome/número do espectador ao assento,
exigindo a sua permanência no local destinado (conforme estabelecido pelo
Estatuto do Torcedor), impedindo fluxos desnecessários no ambiente do
estádio. Neste ponto o controle de acesso é muito importante;
 Controle efetivo, com banco de dados nacionais, das torcidas organizadas e seus
membros, com ingressos identificando os integrantes que estarão no recinto
dos jogos, em local definido, portões de acesso dedicados, horário de entrada e

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saída controlados. Tudo isso compartilhado entre as federações organizadoras


dos jogos, agremiações, a inteligência das organizações de segurança pública e
a segurança corporativa das federações;
 Acompanhamento de movimentos pelas redes sociais permanentemente (e não
apenas nos dias de jogos) de eventos que possam potencializar conflitos entre
torcidas (principalmente as organizadas), compartilhando as informações entre
as forças de segurança, as equipes corporativas das federações e as
agremiações;
 Estabelecer um planejamento prévio de cada jogo, a partir de uma padrão
definido, estabelecendo graus de risco vinculados ao tipo de torcida, condição
da agremiação no torneio, situações ambientais (espaços, condições de acesso,
transporte e mobilidade nas imediações do estádio, estacionamentos),
compartilhando e validando as operações com as forças de segurança pública
para que, havendo a quebra da ordem, as organizações públicas possam atuar
prontamente para o retorno à normalidade, com apoio da segurança privada
empregada nas operações do estádio.
 Contratação e preparação das equipes de segurança privada. Como o serviço é
de natureza privada, que visa lucro, as atividades devem ser patrimoniais (não
policiais) de proteção do negócio, direcionadas à orientação e segurança dos
espectadores, que pagaram ingressos e tem direito a esse serviço, bem como a
proteção de bens e serviços;
 Atuação das equipes de segurança privada na manutenção do patrimônio e dos
serviços do estádio, a partir do controle de acesso (catracas e portões de
entrada/saída), nos diversos ambientes (bares, restaurantes, camarotes e áreas
nobres), locais de público (assentos com cadeiras numeradas) e espaços
destinados as equipes e representantes das delegações (vestiários, salas
antidoping e de arbitragem dos jogos);
 Estabelecimento de uma sala de operações para coordenação de todos os
serviços no estádio, inclusive segurança, prevendo espaços adequados para
emprego das forças de segurança pública em situações de pronta resposta e
intervenção em ações de manutenção da ordem. Da mesma forma um espaço
dedicado à Polícia Judiciária (Polícia Civil) para registro imediato de ocorrências
para identificação de autoria e início do processo penal. Havendo
disponibilidade de espaço para um Juizado de Pequenas Causas, seria
importante para celeridade da ação penal;
 Rigoroso sistema de credenciamento. Credenciais tem seu aspecto vinculado a
atividade funcional no ambiente do estádio, controlando e definindo funções.
Não deve ser utilizado como convite (outra categoria de acesso vinculada aos
organizadores da partida) e não substitui ingressos (destinado ao público
espectador). Em um planejamento de segurança, as definições de quem tem
direito a credenciais, convites ou ingressos, estabelecem a ação da segurança
nos acessos aos diversos ambientes internos;
 Planejamento coordenado e compartilhado com todos os responsáveis
pelos serviços, com padronização visual definida, favorecendo a rápida
identificação visual de público, colaboradores e forças públicas. Este é o papel
dos chamados Stewards (do inglês, mordomo, que significa orientador de

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público), com a missão de facilitar ou controlar o acesso, organizar filas e intervir


em pequenos conflitos que possam causar desconforto ou o iminente
comportamento antissocial, que exijam a intervenção das forças de segurança
pública. A atividade é sempre coordenada e pode determinar o emprego
individual ou coletivo, sempre priorizando a segurança do espectador. O
responsabilidade convencionada é o do agente de segurança privada (o
vigilante) no Brasil e em grande parte dos países que utiliza esta metodologia
de segurança;
 Monitoramento dos espaços por câmeras ou sistemas eletrônicos, antecipando
a identificação de possíveis problemas como invasão de áreas, danos em
ambientes, dentre outros.
 Estabelecimento de um código de conduta para estádios, definindo itens
proibidos e comportamento antissociais ou desvios de conduta não desejados.
Isto deve ser público, com acesso nas redes sociais, amplamente divulgado pela
mídia e redes sociais e fixado nos portões de acesso. Isto facilitaria a orientação
do público;
 Adequação das normas legais e penais (Estatuto do Torcedor e Código de
Defesa do Consumidor, Códigos Penal e Civil), prevendo efetivamente penas
que inibam ações de vândalos, como impedimento de frequência em estádios,
comparecimento em estabelecimentos policiais durante os jogos,
ressarcimento e indenização de danos materiais e pessoais de forma célere
(como o confisco de bens para indenização imediata, principalmente para
tratamentos médicos em consequência da violência causada, quando da
identificação da autoria);
 Exigência, por parte dos patrocinadores dos eventos futebolísticos, da melhoria
dos serviços destinados a segurança dos jogos (destinados ao patrimônio,
proteção de bens e serviços), promovendo a proteção das marcas comerciais,
evitando vendas ilegais e o comércio de falsos utensílios, ou produtos de
consumo indevido ou de natureza duvidosa, além da segurança do público.
Grande parte do assuntos que indicamos acima estão consubstanciados no planejamento
operacional das 12 ARENAS utilizadas durante a Copa do Mundo e devem estar disponíveis nas
Federações Regionais e na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), bem como o
planejamento para Hotéis, centros de treinamento e proteção de delegações, disponíveis
como Legado da Copa pelo Comitê Organizador Local da FIFA após o término dos
jogos. Também o conhecimento e os instrumentos de coordenação operacional estabelecidos
no seio das organizações públicas de segurança e das empresas dos segmentos de segurança
privada que atuaram na Copa do Mundo no Brasil. Todos devem ter o interesse em contribuir
para o início da solução dos problemas, relacionados à segurança em nossos estádios, e por
consequência do público torcedor.
Enfatizo que se não houver interesse em resolver o problema, com um planejamento
coordenado e organizado do negócio FUTEBOL, problemas como a violência serão constantes
e cada vez mais comuns, maculando a imagem já desgastada do dito País do Futebol,
prejudicando ainda mais empresas e clubes envolvidos em torneios oficiais no Brasil.

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