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Professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas – ENCE – do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
O debate sobre as políticas populacionais é, geralmente, controverso e
eivado de conotações ideológicas, por isto mesmo, cercado de tabus. Foi o
reverendo Thomas Malthus, em 1798, quem primeiro colocou, sem rodeios, a
população como culpada pelos seus próprios males e como o principal
obstáculo ao desenvolvimento econômico e social. As afirmações do pastor
Malthus ecoaram ao longo dos tempos e pairaram como uma sombra
pessimista à espreita dos momentos difíceis. A metáfora da “bomba
populacional” propagou imagens catastróficas. No contexto da Guerra Fria,
as disputas ideológicas se concentraram em duas alternativas antagônicas: o
controle da natalidade versus as políticas desenvolvimentistas.
Contudo, na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento
(CIPD), realizada na cidade do Cairo, em 1994, as questões relativas à
população e desenvolvimento ganharam novos elementos consagrando-se a
noção dos direitos sexuais e reprodutivos como direitos inalienáveis das cidadãs
e cidadãos de todo o mundo. O ambiente pós-Guerra Fria e o ciclo de
Conferências Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU) ajudaram na
criação do Consenso do Cairo.
A questão das políticas populacionais no Brasil, ao longo das três últimas
décadas do século XX, ficou muito contaminada por uma associação espúria
entre política populacional, planejamento familiar e controle da natalidade.
Entretanto, estes três conceitos não são sinônimos. Uma política populacional
refere-se aos três componentes da dinâmica demográfica: mortalidade,
natalidade e migração. Planejamento familiar, apesar de ser um termo ambíguo,
tem a ver com idade do casamento e do primeiro filho, espaçamento das
gestações, terminação da parturição e métodos de concepção e contracepção.
O controle da natalidade, enquanto livre decisão da pessoa ou do casal é um
direito, mas como uma imposição estatal e como uma ideologia
neomalthusiana é uma forma coercitiva de retirar direitos e atribuir à população
problemas que não são dela.
A população já foi tratada como o bode expiatório e culpada pelas mazelas
do desenvolvimento econômico. Já foi utilizada, também, como arma de
Quadro 1
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Nos primeiros três séculos após a chegada de Cabral, a população indígena passou por um processo de depopulação
e quase extermínio devido, dentre outros fatores, à difusão de várias doenças e epidemias trazidas pelo colonizador
europeu.
“Os brasileiros foram, de há muito, atraídos pela idéia da grandeza, seja ela
territorial, econômica, política ou demográfica; encontram-se referências
freqüentes ao conceito, nas expressões oficiais e populares de consciência
nacional (por exemplo, ‘Brasil maior, você melhor’). Povoar as regiões
escassamente colonizadas é uma aspiração desde os tempos coloniais, e o
rápido crescimento da população é visto, em geral, como um fator positivo na
realização desse objetivo” (p. 340).
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O médico Drauzio Varella (2003) relacionou a alta fecundidade dos pobres com a violência e chegou a falar da
gravidez na adolescência como uma “epidemia”, argumentando, também, que a população pobre brasileira tinha
uma “fecundidade africana”. Em 2004, o jornal Folha de São Paulo publicou matéria dizendo que a então ministra
Emília Fernandes planejava instituir o planejamento familiar como um contrapartida do Programa Bolsa-família
(depois houve recuo da ministra), apesar da Dra. Ana Fonseca, coordenadora do Programa, ter descartado tal exigência.
Já o ministro Patrus Ananias disse, repetindo o Papa Paulo VI, que o Brasil não precisava “diminuir o número de
participantes no banquete e sim aumentar a oferta de alimentos” e chegou a indicar uma população de 350 milhões
de habitantes para o país.
Referências Bibliográficas