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Interculturalidade e Ensino
Superior Indígena no Brasil.
Cita:
Silva Pereira, Dayane Renata (2014). Interculturalidade e Ensino
Superior Indígena no Brasil. XI Congreso Argentino de Antropología
Social, Rosario.
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No Brasil, desde a mobilização dos povos indígenas nos anos 70 do século XX,
com a criação de organizações indígenas não governamentais e mais tarde com a
formação do Movimento Indígena, a política indigenista do país vem sofrendo
transformações no tocante de seus projetos políticos e educacionais que enfocam cada
vez mais no multiculturalismo, diversidade, interculturalidade e respeito aos grupos
étnicos. 1
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Ver Ferreira (2010) que apresenta a história escolar indígena no Brasil.
assim como a gerência de suas terras e o desenvolvimento sustentável de suas
comunidades.
Por outro lado, Walsh (2009) aponta para o que deveria ser de fato a politica
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intercultural, ou seja, a realização de uma interculturalidade crítica. A interculturalidade
crítica funcionaria como uma ferramenta pedagógica que questiona continuamente a
subalternização, inferiorização e seus padrões de poder.
Para grande parte dos estudiosos o termo intercultural está ligado a intercâmbio,
contato entre culturas ou diálogo entre a diversidade. Na Análise de Tassinari (1995) se
a cultura é comum a toda a humanidade, o “diálogo cultural” é iminente, ou seja,
“mesmo que eu viva e entenda o mundo a partir de um conjunto de significados
próprios, posso compreender modos diferentes de viver e dar sentido ao mundo”
(Tassinari, 1995, p.449). Nota-se, portanto, que a a educação intercultural não deve
simplesmente apontar para o diálogo entre conhecimentos mas trazer a tona à
discussão de poder e da desigualdade no país.
O fato de ser diferente não significa que não seja válido, ao contrário enriquece
as relações sociais sendo necessário novas construções políticas. Com base nesta
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idéia, alguns principios foram definidos para uma possivel política intercultural, no
encontro realizado na Guatemala, em 1999. Foram socializados três princípios
interculturais para o desenvolvimento de políticas públicas adequadas à sociedade
multiétnica, multilíngue e plurirreligiosa (Salazar Tetzagüic 2009), são eles:
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Esses princípios encontram-se no segundo volume do Guia de Interculturalidade: “Abordagem intercultural nas
políticas públicas para o desenvolvimento humano sustentável” (2000).
diálogo intercultural exige una conciencia, un aprecio, una autoestima de ló mejor de
nosotros mismos como miembros de una cultura.” (Fornet-Betancourt, 2007, p.82). “No
caso dos indígenas brasileiros, deve-se retirar-lhes a imagem dogmática de silvícolas
“parados no tempo”, descontruindo o estereótipo de "primitivo" no sentido de "simples",
"pobre" e "grosseiro"” (Souza Lima, 2012, p.122).
No Brasil “os índios passaram a assumir sua condição étnica com foros de uma
6 cidadania que até então lhes era praticamente negada.” (Oliveira, 2006, p.42). Tais
iniciativas correspondem ao que Carneiro da Cunha (1986) denominou como relação de
etnicidade. “A etnicidade é linguagem e forma de organização política” (1986, p. 101),
isto é, linguagem como algo constantemente reinventado, recomposto, investido de
novos significados; e forma de organização política, como grupos com identidade,
invocando uma ideia de origem e cultura comuns.
“Uma escola comunitária (na qual a comunidade indígena deveria ter papel
preponderante), diferenciada (das demais escolas brasileiras), específica (própria a
cada grupo indígena onde fosse instalada), intercultural (no estabelecimento de um
diálogo entre conhecimentos ditos universais e indígenas) e bilíngue/multilíngue (com
a consequente valorização das línguas maternas e não só de acesso à língua
7 nacional)” (GRUPIONI, 2008, p, 37).
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Para saber mais sobre as políticas públicas que correspondem a educação indígena, ver: Entre a diversidade e a
desigualdade: uma análise das políticas públicas para a educação escolar indígena no Brasil dos governos Lula de
Paladino e Almeida (2012) e Mapeando políticas públicas para povos indígenas de De Paula e Vianna (2011)
autoconfiança e vontade de estar no ensino superior e se fazer reconhecer como
integrante de uma rede de intelectuais acadêmicos e, assim, ser capaz de manejar o
mundo. Manejar no sentido de dominar códigos e conceitos - em prol do
desenvolvimento de suas comunidades. (Luciano, 2011)
Por meio dos cursos de Licenciatura Indígena, segundo Elias Januário (2002) os
professores indíos serão instrumentalizados de modo que, a partir daí, possam buscar
os conhecimentos que consideram importantes na sua vida. A licenciatura é um meio
para a produção e a reflexão de seus projetos sociais, políticos, ambientais ou culturais
e são alternativas de reorientação desses contextos em benefício do bem viver dos
seus grupos.
Deste modo, a educação tem gerado mudanças nas estuturas socias indígenas,
tornando a figura do professor indígena como primordial na interlocução política e
cultural de seu grupo étnico com a sociedade envolvente.
“A educação precisa está na nossa mente, no nosso corpo, no nosso
coração”
A fala seguinte é proferida por uma professora Krahô que ressalta que a educação
foi significante na sua prática docente e como antes pensava que havia apenas os
índios Krahô desconhecendo a diversidade fora da aldeia:
“Quem me motivou a ser professora foi meu marido, ele me dizia que era importante
aprender a ler, escrever e saber falar português. Depois ele me levou para a sala de
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Os discursos indigenas constam no relatório final do 1º Seminário de Educação Intercultural e Transdisciplinar:
gestão pedagógica. O seminário teve como proposta o debate acerca da possibilidade de construção de uma educação
intercultural, pondo em relevância a construção de novos paradigmas epistemológicos e novas atitudes sociais,
políticas e pedagógicas. O objetivo foi o de promover os primeiros encaminhamentos da produção da construção de
projetos pedagógicos das escolas indígenas na região Araguaia-Tocantins.
aula e me ensinou a lecionar para as crianças indígenas. Hoje para mim ser
professora é poder ensinar meus alunos a ler a escrever e, poder falar para eles que a
educação amplia sua ideias e quanto mais você estuda mais você sabe as coisas.
Porque antes eu pensava que havia apenas os índios Krahô, eu não conhecia outros
índios ou seus problemas. (…) Quando meu marido viajava ele falava da diversidade
lá fora, dos outros índios que existiam em outros países e em outras regiões do Brasil,
ele dizia que quanto mais eu tivesse conhecimento mais eu ia conhecer o mundo de
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fora”. (Creuza Prumkuy Krahô )
Autores como Grupioni (2006) e Maher (2006) escrevem que antes a educação
tradicional existente entre os povos indígenas dava conta da realidade do qual faziam
parte, mas a partir do contato com o branco, esse conhecimento passou a ser
insuficiente para garantir a sobrevivência. É preciso agora também conhecer os códigos
e os símbolos dos não-índios, o conhecimento tem que ser útil na percepção de mundo
e nas relações interétnicas.
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Entrevista realizada em julho de 2013 no período de aulas, na Universidade Federal de Goiás.
apresentam a escola como um instrumento de intercâmbio entre estes conhecimentos.
Esta percepção é abordada por Tassinari (2001) como escola de “fronteira”, que
enfatiza a ideia de “fronteira” não como um limite intransponível mas como “um espaço
de contato e intercâmbio entre populações, transitável, transponível, na qual os
conhecimentos e tradições são repensados, as vezes reforçados, as vezes rechaçados,
na qual emergem e se constroem as diferenças étnicas” (p.68). Trata-se de entender a
escola como um espaço possível de troca e intercâmbio.
Fica evidente ao longo dos discursos, que a escola indígena passa por um
período de (re) construção. E que ela busca promover uma tomada de consciência da
própria cultura da comunidade e de sua contextualização, em relação ao mundo
contemporâneo.
Para muitos estudiosos (Collet, 2012; Luciano, 2011, Tassinari, 2012) esta
divergência é latente na ideia de interculturalidade, tornando-se um paradoxo para
diversas compreensões.
“O ensino intercultural não deve ser apenas uma tarefa da escola, mas de toda a
comunidade indígena e da sociedade envolvente como tal. E se a escola precisa
contribuir mais para isso, se faz necessário recriá-la sob novas bases filosóficas,
epistemológicas e espaço-temporais, pois, a que está implantada certamente não dá
conta, por sua própria natureza histórico-institucional, afinal de contas não foi
concebida, organizada e preparada para exercer tal finalidade. (Luciano, 2011, p. 337)
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