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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

CENTRO REGIONAL DO PORTO


ESCOLA DAS ARTES
LICENCIATURA EM ARTE, CONSERVAÇÃO E
RESTAURO

Multiculturalidade: a Visão de
Sense8 e Slavoj Zizek.

Trabalho para a unidade curricular de “Arte,


Cultura e Cristianismo”.
Sob orientação de: Prof. Doutor Henrique
Pereira.

Realizado por: Cíntia Freitas

Porto
2023
Resumo
A Multiculturalidade baseia-se no debate pelo respeito da coexistência de
outras culturas, através da compreensão dos seus valores e normas. Para tal, é
necessário garantir a igualdade de direito global, de forma que seja colocada de
parte a discriminação seletiva e se preservem as características particulares de cada
cultura.

O objetivo deste trabalho é a realização de uma breve contextualização do


conceito de Multiculturalidade na atualidade, de forma a entender os seus limites e
benefícios e a análise da série Sense8 através do pensamento do filosofo Slavoj Zizek,
como exemplo da representação e debate sobre este tema.

Palavras-chaves: Multiculturalidade, Zizek, Sense8, Cultura.

Abstract
The term Multiculturalism is based on the debate about respecting the
coexistence of other cultures by understanding their values and norms. To this end,
it’s necessary to guarantee global equality, so that selective discrimination is set
aside, and the particular characteristics of each culture are preserved.

This paper aims to briefly contextualize the Multiculturalism concept in the


present, in order to understand its limits, and benefits and to analyze the series
Sense8 through the thought of philosopher Slavoj Zizek, as an example of the
representation and debate on this topic.

Keywords: Multiculturalism, Zizek, Sense8, Culture.

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Índice

Introdução................................................................................................................................3

1. Multiculturalidade: Contextualização Sociopolítica...........................................................4

2. A visão de Slavoj Zizek........................................................................................................6

3. Sense8 e o Pensamento de Zizek........................................................................................8

Conclusão...............................................................................................................................13

Bibliografia.............................................................................................................................14

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Introdução

O presente trabalho de investigação foi desenvolvido no decorrer do 1º ano


letivo do curso de licenciatura em Conservação e Restauro, na unidade curricular de
Arte, Cultura e Cristianismo.

O multiculturalismo é uma ferramenta que permite a partilha de experiências


e ideais. A hibridificação da sociedade e da sua cultura e a coexistência de vários
modos de vida, é o resultado natural da liberdade de vivência das populações que
tem a possibilidade de escolher partilhar o que lhes é inerente. Contudo, é
necessário compreender a oposição ao multiculturalismo e o que dentro do próprio
pode ser considerado minaz.

Como tal, este trabalho tem como principal objetivo realizar uma
contextualização sociocultural do termo multiculturalidade, de forma a entender
quais os principais fatores que permitem a existência e exploração deste, mas
também quais as principais ameaças e limitações apresentadas.

Pela necessidade de exemplificar e contextualizar a representação do


multiculturalismo na atualidade, apresenta-se o pensamento do filosofo
contemporânea Slavoj Zizek na sua visão sobre a multiculturalidade e os problemas
que esta gera e realiza-se uma análise comparativa utilizando a série Sense8, de
forma a ilustrar o modo como o multicultural é representado e o debate em torno da
série televisiva.

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1. Multiculturalidade: Contextualização Sociopolítica

Abordar a multiculturalidade é debater a coexistência de várias culturas na


mesma área urbana, sem que exista predominância de uma especifica perante as
outras, nem preconceito discriminativo. A palavra cultura com origem do latim,
significa “com a mesma raiz de cultus (cultivo e culto), do verbo colo, is, ere
(cultivar)”. Desta forma, este conceito aceita o cultivo da diversidade cultural dos
imigrantes e reconhece tanto o princípio da igualdade como o da diferença
(Kuti,2018).

Stuart Hall estabelece a diferença entre multiculturalidade e


multiculturalismo: por multiculturalidade entende-se a descrição de “características
sociais e os problemas de governabilidade apresentada por qualquer sociedade na
qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em
comum, ao mesmo tempo que retém algo da sua identidade original”. E
multiculturalismo refere-se “às estratégias políticas adotadas para governar ou
administrar problemas de diversidade e multiplicidade geradas pelas sociedades
multiculturais” (Kuti,2018).

Mais concretamente, a multiculturalidade pode ser considerada como a


primeira versão do pluralismo cultural, uma vez que projeta uma ideia de
reconhecimento, através da implementação em diversos países de políticas públicas
em simultaneidade com a diversidade cultural. A implementação de uma política
multicultural implica, não apenas a deferência de especificidades socioculturais
relativas aos diversos grupos étnicos presentes na sociedade, mas também a sua
proteção. Desta forma, o conceito de multiculturalidade e multiculturalismo não
pode existir um sem o outro (Kuti,2018; Taylor, 1994).

Para entender a contextualização sociopolítica na qual o multiculturalismo se


insere, tem de se aceitar como base do funcionamento social o respeito e a
harmonia, sentimentos fáceis de divulgar através da política ou da cultura da
comunicação social (Taylor, 1994).

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Em termos concretos, trata-se de conferir centralidade aos denominados
“direitos dos grupos étnicos”, garantindo representação política e social destes em
diversos níveis de decisão institucional. Adicionalmente, desenvolvem-se com
frequência, em alguns países, “políticas de quotas” que distribuem lugares no
mercado de trabalho, nas instituições políticas e nas organizações sociais em função
da pertença étnica (Taylor, 1994).

A multiculturalidade envolve-se num debate atual, e complexo para a


sociedade que implica mais do que se idealiza. Onde o principal objetivo é a
comunidade socializar e conviver de forma harmoniosa, para tal é necessário garantir
a igualdade de direito para todos de forma que seja colocado de parte a
discriminação e se conservem as características particulares de cada grupo/cultura.
Poderá esta união global estar a dirigir-se para a criação de uma única ou
predominante futura cultura constituída por tudo o que constitui as atuais graças a
esta nova ligação e cruzamento?

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2. A visão de Slavoj Zizek

Nascido a 21 de março de 1949 na capital da Eslovénia, Liubliana, na época


Jugoslávia. Este cresceu numa família ateísta e teve uma formação académica inicial
focada na área da Sociologia na Universidade de Liubliana. Criado fora de qualquer
um destes eixos fundamentais que determinaram a receção do pensamento
freudiano, este filosofo acabou por enveredar por um agitado e inconstante percurso
académico de perspetiva de produção filosófica maioritariamente marxista
(Laureano, 2016; Brandão, 2020).

A queda do bloco da União Soviética influenciou diretamente o trabalho


produzido por Zizek, fazendo-o focar-se na problematização da esquerda e abranger,
com mais rigor e mais abertura, as culturas populares locais. O seu passado como
testemunha do interesse capitalista nos mercados recém-abertos, e nos paradoxos e
impasses da onda de democratização capitalista que atravessava os países do Leste
Europeu nos anos 80 e 90 é notável na obra produzida até a atualidade (Laureano,
2016; Brandão, 2020).

Zizek tornou-se uma das figuras centrais que protagonizam a comunidade


académica da Europa do leste na perspetiva ocidental. Destacando-se por um
“pensamento que procura desconstruir o marxismo tradicional aos olhos da
atualidade, mesclando esta visão com a psicanalise de Jacques Lacan e com o
idealismo do filosofo alemão Georg Friedrich Hegel” (Laureano, 2016; Brandão,
2020).

Quanto ao multiculturalismo, o autor em estudo defende a sua despolitização


como uma nova ideologia do capitalismo global, sendo essencial confirmar a
relevância do ímpeto político, fundamentado na discordância, e nunca deixa de
defender a politização da economia (Laureano, 2016).

Este incentiva uma certa dose de intolerância como uma necessidade caso o
objetivo seja elaborar uma critica, a sua definição de despolitização da economia
parte de uma reflexão sobre a sua participação plena através da atitude ideológica
atualmente hegemónica – o liberalismo multicultural e complacente (Laureano,
2016).

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É através de uma discussão sobre o universal e o particular, que Zizek defende
que é natural à corrente política conceber um tipo de atalho entre o universal e o
particular: um individual universal é uma contradição onde o individual surge como
substituto do universal. O multiculturalismo é a melhor conformação da ideologia do
capitalismo planetário, uma postura que cuida toda a cultura local à vontade do
colono que interage com uma multidão colonizada (Laureano, 2016).

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3. Sense8 e o Pensamento de Zizek

Sense8 é uma série televisiva que se foca na desconstrução, promoção e


enfatização da problemática da cultura contemporânea. Esta lida com a dissonância e
tensão instável das modificação e interações que uma sociedade pode sofrer.

As criadoras da série Lily e Lana Wachoswki, assumiram um papel ativo na


criação televisiva de ficção científica que se foca na exploração de um enredo
hegemónico. A estória apresenta a narrativa de um grupo de 8 personagens que
estabelecem um elo empático fictício ao estarem psiquicamente ligados.

As personagens são Lito (México), Sun (Coreia do Sul), Will (Estados Unidos da
América), RJ (Reino Unido), Kala (India), Wolfgang (Alemanha), Nomi (Estados Unidos
da América) e Capheus (Quénia) e o grupo é caraterizado como pertencentes à
“próxima” evolução da espécie humana denominada de homo sensorium. Estes
distinguem-se ao terem as suas mentes unidas – uma consequência da ligação
psíquica. Conseguem também “habitar” o corpo uns dos outros e partilhar as suas
aptidões de forma intercambiável como se os seus cérebros fossem parte de uma
rede. O enredo da série desenvolve-se na descoberta e tentativa de comunicação
entre estes, enquanto são perseguidos pelo Whispers, uma personagem que usa o
mesmo poder, a única diferença é a sua necessidade de os olhar nos olhos para
conseguir ligar-se ao seu elo psíquico.

As autoras utilizam a união das personagens e o enredo para sublinhar a


importância do desmantelamento da separação e as barreiras de preconceito da
sociedade, visando apontar para o objetivo claro de uma necessidade de
desconstrução do pós-estruturalismo. Estas propõem que seja utilizada a visibilidade
e representabilidade, sendo que esta proposta contribui diretamente como uma
ideia de solução através da rejeição ao desafiar a “invisibilidade” da identidade
cultural, apontando para a necessidade de desconstruir as oposições e relacionar
através do conceito de igualdade (Borrás Diás, 2019).

Na visão de Slavoj Zizek, este propõe três justificações primárias para a


necessidade de rejeição do multiculturalismo: a incapacidade de pôr em causa a
economia capitalista global, a identidade especulativa com a violência irracional e a

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exclusão da politização. Para o filosofo, despolitizar a economia é necessário como
base do plano inquestionável da sociedade, da cultura e da política e como forma de
dar visibilidade às questões socioeconómicas apenas será possível numa análise
reconstrutiva sem qualquer ligação aos fatores políticos. Sendo que o conflito radical
encontra a rejeição da política quanto à esfera da cultura e da subjetividade. A
sublimação do radicalismo político na relação da sociedade com a cultura é que deixa
intocada a “base marxista” da luta sociocultural quanto à dinâmica económica do
capitalismo global sendo “a forma como a economia funciona aceite como uma
simples visão do estado objetivo das coisas” (Zizek, 2001).

Sense8 é uma aclamação da luta pela liberdade e diversidade, pode


argumentar-se que o espetáculo procura evoluir e/ou desconstruir o conceito de
intersecionalidade e apresenta um grupo de 8 pessoas profundamente conectados –
com diferentes origens sexuais, étnicas, raciais e culturais – que são, no entanto,
capazes de vivenciar as vidas uns dos outros, compartilhando os seus pensamentos,
e a capacidade de se afetarem profundamente uns aos outros, assim como de
partilhar simultaneamente emoções e sensações (Borrás Diás, 2019; Martins, 2019).

A busca desta criação por um mundo de diversidade racial e cultural foi


recebida com um certo grau de controvérsia em relação ao processo de construção e
desenvolvimento do caráter, potencialmente apontando para a subjetividade do
mundo. Sense8 é uma construção artística produzida sobre a celebração, conexão,
diversidade e diferença. A série começa com a grande aspiração de retratar uma
leitura multidimensional e holística da diferença e multiplicidade, colocando uma
crítica sobre a raça e a política racial nos seus temas centrais, claramente
influenciados pelos problemas sociais, económicos e políticos da atualidade. Todavia,
em alguns casos, a série é acusada de fazer retratos unidimensionais, mais focados
no olhar ocidental de raça branca, pois durante a primeira temporada às
personagens dessa raça foi concedido um enredo mais sutil, mesmo sendo o tempo
de ecrã dividido de forma equilibrada pelas restantes personagens (Borrás Diás,
2019; Martins, 2019).

Este fator levantou diversas questões sobre se a experiência de subordinação


inserida no eixo categórico da raça, deve ser abordada por Wachowski, uma vez que

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estas não se podem identificar plenamente nas vivências e experiência de indivíduos
não brancos e as ramificações ou implicações de tal realidade (Borrás Diás, 2019;
Martins, 2019).

Zizek aponta que pensamentos como estes numa sociedade contemporânea


global influenciam para a negação de ideologias da verdadeira fonte de
antagonismos. Apontando para o seguimento não da experiência e do conhecimento
global partilhado pela multiculturalidade, mas sim para a vivência natural
relacionada e limitada à origem que aflige a democracia liberal moderna da
sociedade. Esta limitação leva ao isolamento da luta revolucionária para a esfera da
cultura e da sociedade e pode desviar as causas radicais e o pensamento baseando-
se em fatores isolantes classificados como “totalitários” ou “terroristas”. O modo
predominante de fazer política é uma política do medo, uma defesa contra a
vitimização potencial ou o assédio. Uma tal política assenta sempre na mobilização
assustadora de povos assustados. A atitude liberal-democrática dominante baseia-se
na ideia de que reconhecer qualquer ato radical significa "suspender politicamente o
ético" (Zizek, 2001).

Uns dos termos mais associados com Sense8 é a palavra “conexão”, esta está
enquadrada na realidade tecnologicamente abundante do século XXI. A conexão,
como conceito, é fortemente imbuída de noções de vida e realidades virtuais,
chegando a um ponto, nos dias de hoje, onde fortemente – embora não
exclusivamente – denota aplicação direta na conetividade digital. No entanto, Sense8
emprega o retrato de relações sexuais íntimas para contar um conto de outro tipo de
conexão, a humana. Este conceito ligado ao emocional e “real”, traz uma versão de
conetividade constituída a partir de uma resposta à incerteza que vem com a vida na
sociedade pós-moderna, uma sociedade onde tudo é instável e maleável (Maia &
Galego, 2021).

A tangibilidade das interações e relações é completamente questionada,


assim como a forma como o homem está no mundo e o seu próprio significado e
lugar existencial. A constante incerteza, fragilidade e fragmentação do mundo
globalizado torna o homem ontologicamente inseguros. É através da conexão erótica
que se poderia potencialmente ler um remédio, uma resposta, uma solução para

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essas problematizações. Percebendo e adaptando esses debates sociológicos no seu
enredo, a série sugere que os relacionamentos eróticos podem ser considerados
gatilhos e plataformas para a aquisição de segurança (Maia & Galego, 2021).

Esta forma de conexão é um dos fatores que leva Sense8 a destacar-se como
criação fictícia, uma vez que Wachowski leva a idealização ao próximo nível, no seu
universo, onde o casal não é limite. Diversas vezes é sublinhado no decorrer da
história que os personagens são capazes de experienciar o amor na sua forma mais
pura. A este fator adiciona-se o facto de a sua evolução como homo sensorium levar
à formação de vínculo com mais sete indivíduos, os quais compartilham um laço
inquebrável de afeto. Tal acaba por se tornar, de certo modo, uma nova noção
idealizada do ethos do envolvimento erótico. Noutra perspetiva, a do caos da
globalização, o modo de vida sempre mutante e nunca estável, leva aos personagens
da série a terem um ponto de referência emotivo imutável e irrefutável (Borrás Diás,
2019).

Em suma, a insistência na conetividade que transcende fronteiras e desafia as


probabilidades, ou mesmo a realidade, revela um desejo mais profundo de superar
ou penetrar as fronteiras de uma distância literal e metafórica, da luta contra a
fragmentação da pós-modernidade. O sexo desempenha um papel central e sagrado
nesse esforço, e é através de Sense8 que essa precariedade é contornada, ecoando
numa necessidade de suportar a conexão humana. O amor é definido como o
pináculo da existência e a única saída para se agarrar à segurança ontológica contra a
precariedade do ser (Maia & Galego, 2021).

Zizek acredita que é apenas quando nos identificamos com a dimensão


denegada e transgressora, que nos tornamos membros de uma comunidade. Existe
uma correlação e uma dependência, entre a dimensão do “conservadorismo” que
afirma que o mundo não é nada mais do que aquilo que ele é, aquilo que se
apresenta e é aceite e por outro lado uma transgressão inerente, onde a afirmação
de que para além do mundo sensível existe a coisa em si mesma, que seria proibida
ao nosso conhecimento finito e limitado (Zizek, 2001).

Em termos de conetividade, vale ressaltar como Sense8 propõe uma narrativa

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de desconexão do mundo digital, mais especificamente, não se trata mais de desejar
ou de precisar experimentar conexão no mundo digital, uma conexão fora do
ciberespaço é proposta como uma resposta à futilidade de sujeitos pós-modernos
ontologicamente inseguros. Embora durante a série a conexão entre os indivíduos
seja descrita usando termos como um computador (ou seja, um “cérebro com
rede”), os protagonistas não precisam de um computador para experimentar a sua
conexão. Num mundo globalizado, essa desconsideração do ciberespaço e do espaço
real torna-se essencial, ou seja, a resposta mais eloquente para as realidades
digitalizadas e desencaixadas que nos envolvem, fora só que é considerado
“conservador” e gera insegurança perpétua – é a perspetiva de uma conexão que,
intuitiva e instantaneamente une os indivíduos (Borrás Diás, 2019; Rohmann, 2020).
O globalmente diverso – em termos de etnia e geografia – são as origens dos
sentidos e do cenário mais apropriado e simbólico, na medida que destaca a
diminuição dos obstáculos espaciais. A sexualidade em Sense8 pode ser lida de uma
forma alternativa, primariamente através das relações sexuais dos protagonistas que
constituem um ato de transgressão e desobediência e, por último, através do que diz
respeito às próprias representações e às mensagens que elas transmitem sobre o
sexo, o género e o sexismo (Maia & Galego, 2021; Rohmann, 2020).
A posição de Zizek quanto à luta pela diferença cultural, é a hegemonização
través da criação de consensos partilhados se o objetivo for a luta pelo
multiculturalismo e o progressismo idealizado. Em vez de se estabelecer elementos
em comum partilhados, deve priorizar-se a luta contra a política. A sociedade não
deve viver a tolerar as suas diferenças, como um pacto, mas sim a lutar em conjunto,
um pacto de luta que atravessa as civilizações e a sua identidade a partir do interior
contra um núcleo opressivo. Emancipando-se no fundo não com a cultura global
partilhada pelas vantagens políticas, mas sim pelos reprimidos, os explorados que se
conectam para um objetivo comum através do lado negativo das vivencias humanas.
O universal neste caso, não se baseia no sentimento profundo resultante da
existência de diferenças, mas onde se partilham os mesmos valores básicos. Baseia-
se sim na experiência da negatividade e do desfavorecimento de uma identidade
particular que se conecta (Zizek, 2001).

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Conclusão

Em conclusão, Sense8 pode ser entendido como uma construção artística que
procura utilizar a plataforma consumista dominante ao apresentar a diversidade e a
conexão não como individualismo, mas como um apelo unificador de pura
intimidade. Ao mesmo tempo, é igualmente possível que o espetáculo tenha
inadvertidamente caído na tentativa de defender a liberdade do erotismo,
apresentando representações comemorativas da sexualidade que, ao contrário,
resultam na mercantilização da experiência sexual.
A história contada por Sense8 implica o atual debate moral e político sobre a
multiculturalidade, defendendo novas possibilidades, as próprias criadoras
introduzem várias influências visuais para afirmar a importância das construções
artísticas como ferramentas através das quais o público pode perceber, compreender
e ampliar as suas ideias em torno da partilha multicultural e a sexualidade.
Assim, Sense8, implica e explica, encoraja até, esse mesmo processo: onde
através dos vários discursos, narrativas e metáfora, mesmo que contraditórias, o
espetador é motivado a ser um recipiente ativo, podendo identificar-se, aceitar ou
rejeitar momentos da crónica, mas entende a necessidade de ser necessário uma
união para lutar. Isto é, pode-se dizer que tudo nesta série é sobre sexo, menos o
próprio sexo; o sexo nesta obra é sobre conexão, celebração, diversidade, liberdade,
uma estrutura surrealista, distópica ou de ação abundante é articulada apenas para
tornar o cenário para a metáfora principal florescer: os sujeitos humanos têm a
capacidade de se conectar independentemente de qualquer limite.
A (in)sensibilidade deste imaginário pós-humano para as modalidades raciais,
de classe e de género pode ser criticada, contudo, o que permanece contante é o
pensamento desejoso de um remédio para a fragmentação do espácio-temporal
literal, metafórica e da insegurança existencial da pós-modernidade.
Em conclusão, tanto Sense8 como as reflexões de Zizek alertam para uma
discussão ainda não de todo ultrapassada entre o universal e o particular, entre
aquilo que deve constituir o patrimônio de toda a sociedade, seja ele referente à
história, à cultura ou aos bens materiais, e aquilo que constitui a história e a cultura
dos grupos pertencentes a uma dada sociedade.

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Bibliografia

Borrás Diás, S., (2019) Sense8’s Wolfgang Bogdanow: The Epitome of the Process of
Deconstruction, tese para obtenção do grau em Estudo Ingleses apresentada à
Universidade das Ilhas Baleares;

Brandão, L., (2020) S. Zizek, Um dos Mais Consagrados Pensadores Contemporâneos


in Comunidade, Cultura e Arte.

Kuti, S., (2018) Transnationalism and Multiculturalism: An Intellectual Cul-de-sac or


Paths for Further Research? in Treatises And Documents Journal Of Ethnic
Studies;

Laureano, P., (2016) Uma breve Introdução ao Pensamento de Slavoj Zizek in


Analytica: Revista De Psicanálise;

Maia, L. & Galego, L. (2021) Lito And Hernando: A Semiotic And Speech Analysis
About Sexuality In Sense8 Christmas Special Episode in Revistafsa;

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For Space Analysis In Serial Narrative in XXVIII Encontro Anual da Compós,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre;

Rohmann, R., (2020) Transnational Identity in Online Discourse – Netflix’s Sense8 and
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apresentada à Universidade de Waterloo e a Universidade Mannheim;

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Zizek, S., (2001) Multiculturalism, or, the Cultural Logic of Multinational Capitalism in
New Left Review;

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