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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

A História no pensamento heideggeriano de


Ser e Tempo

Sílvia Cristina Salvan Strake

São Paulo
2006
Sílvia Cristina Salvan Strake

A História no pensamento heideggeriano de


Ser e Tempo

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do
título de mestre em Filosofia

Orientador: Mario Ariel González Porta

São Paulo
2006
BANCA EXAMINADORA

________________________

________________________

________________________
Dedico este trabalho a minha querida filha Júlia e a minha

amiga e mãe Ana


Agradecimentos

O trabalho acadêmico é um exercício contínuo de

interpretação de texto e de estruturação da escrita que exige

muita disciplina pessoal, mas ao mesmo tempo solicita uma rede

de apoio para sua realização. Eu gostaria de agradecer ao apoio

direto e indireto que recebi na minha jornada.

Antes de mais nada, quero agradecer imensamente ao

meu Professor e orientador Mario Ariel González Porta, pois sua

acolhida reorientou meu trabalho. Suas orientações foram

diretas e precisas, o seu modo ético e generoso de conduzir os

encontros em conversas significativas acerca do estudo e,

também, da “postura do aluno” diante do conhecimento

propiciou o exercício intelectual e um grande amadurecimento.

Muito obrigada por respeitar e contribuir com a minha proposta

de estudo.

Ao meu marido Guilherme, agradeço o apoio e a paciência

em tantos meses de estudo.

A Pedro Monticelli, obrigada pela leitura do projeto e pela

orientação sobre o Historicismo.


Aos meus pais, aos meus amigos e familiares que me

apoiaram nesta trajetória, muitíssimo obrigada a todos vocês.

Entretanto, eu não posso deixar de destacar a participação

intensa e a solicitude das queridas amigas Renata Spinelli e

Beatriz Cytrynowicz. Queridas amigas, o carinho, a

compreensão, as leituras cuidadosas dos capítulos me ajudaram

demasiadamente, a interlocução com vocês foi valiosa.

Aos professores do núcleo de fenomenologia da Faculdade

de Psicologia da Puc/SP, agradeço a oportunidade de, junto com

vocês, ter conhecido o pensamento de Martin Heidegger. À

Associação Brasileira de Daseinsanalyse, da qual me sinto filiada,

agradeço manterem vivo o pensamento e a investigação

fenomenológica existencial iniciada por Medard Boss.


Título: A História no pensamento heideggeriano de Ser e Tempo
Autor: Silvia Cristina Salvan Strake

Resumo

O presente estudo pretende explicitar a historicidade discutida na obra


Ser e Tempo de Martin Heidegger. Entendemos que o autor apresenta
uma discussão original do sentido da história, contrapondo-se às
concepções desenvolvidas pela Escola Histórica [Historicismo]. Para
tanto, descrevemos as considerações presentes no pensamento de
Heidegger de 1927 que corroboram para a superação da abordagem
epistemológica propondo, assim, uma compreensão ontológica da
história. A compreensão do que seja a história, segundo o autor, não se
caracteriza pela tentativa de estabelecê-la como ciência, mas a
compreensão ontológica da história se revela na explicitação da
condição fundamental do homem como Dasein. É a partir da existência
humana cotidiana que Heidegger problematiza o sentido da história, ou
seja, o modo de ser da história denominado de historicidade. Para
realizar a exposição do modo de ser da história, utilizamos a descrição
dos elementos fundamentais contidos na Analítica do Dasein, pois estes
elementos (ser-com-os-outros, temporalidade, compreensão, cuidado,
ser-para-a-morte, disposição, etc), juntamente com a descrição do
método fenomenológico-hermenêutico, evidenciam a perspectiva
ontológica original do pensamento de Heidegger para discutir o
problema da história.

palavras-chaves: história, historicidade, Dasein, ontologia, ser-com-


os-outros, temporalidade, compreensão, cuidado, ser-para-a-morte,
disposição, morte, fenomenologia.
Title: History in Heidegger’s Thought in Being and Time
Author: Silvia Cristina Salvan Strake

Abstract

This study intends to present historicity [or historicality] as discussed in


the work Being and Time by Martin Heidegger. We understand that this
author presents an original discussion about the meaning of history in
opposition to the conceptions developed by the Historicism. In order to
do so we described the considerations presented in Heidegger’s
thoughts in 1927, which reinforce his overcoming the epistemological
approach and proposing the ontological understanding of history.
According to him, the comprehension of what history means should not
be defined by the attempts to establish it as a science, but an
ontological comprehension of history is revealed by describing the
fundamental human condition as Dasein. Based upon daily human
existence Heidegger inquiries the significance of history, namely the
mode-of-being of history - called historicity [historicality]. We tried to
accomplish the exposition of the mode-of-being of history by means of
the fundamental elements description as inserted in the Analytics of
Dasein, because these elements (being-with-others, temporality,
understanding, care, being-towards-death, state-of-mind, etc), along
with the description of the phenomenologic-hermeneutical methodology,
bring into light the original ontological perspective by Heidegger’s
thoughts to discuss the problem of history.

palavras-chaves: history, historicity [historicality], Dasein, ontology,


being-with-others, temporality, understanding, care, being-towards-
death, state-of-mind, phenomenology.
Sumário

Introdução ................................................................................ p.1

Capítulo 1
Uma apresentação geral sobre o contexto de discussão acerca da
História no século XIX .................................................................. p.10

Capítulo 2
As idéias fundamentais do pensamento de Heidegger em Ser e
Tempo ....................................................................................... p.28
2.1 A proposta de Ser e Tempo..................................................... p.28
2.2 Breve delineamento do método fenomenológico
hermenêutico ................................................................... p.32
2.3 A apresentação das estruturas fundamentais do Dasein............... p.34

Capítulo 3
A importância do conceito de morte para a compreensão da
totalidade do Dasein em Ser e Tempo ............................................ p.51

Capítulo 4
Considerações acerca da temporalidade em Ser e Tempo .................. p.65
4.1 Temporalidade Imprópria ....................................................... p.74
4.2 Intratemporalidade ................................................................ p.77
4.3 Temporalidade Própria ........................................................... p.81

Capítulo 5
A explicitação da historicidade como possibilidade de
compreensão do modo temporal do Dasein ..................................... p.91
5.1 A apresentação dos caminhos para compreender a história ......... p.92
5.2 A discussão dos elementos fundamentais para exposição da
historicidade do Dasein ..................................................... p.97
5.3 A elucidação da historicidade .................................................. p.105
5.4 Historicidade Imprópria do Dasein ........................................... p.109
5.5 Historicidade Própria do Dasein ............................................... p.111

Considerações finais ................................................................. p.120

Referências Bibliográficas ......................................................... p.125


Introdução

O presente estudo discutirá a historicidade na obra Ser e Tempo,

de 1927, de Martin Heidegger. Neste texto de 1927, o autor

problematiza a história1 como acontecimento do Dasein2. Vale salientar

que Ser e Tempo é um texto importante, mas preparatório no que se

refere ao estudo da história na obra de Heidegger.

O pensamento heideggeriano acerca da história apresenta dois

momentos distintos. O primeiro momento está presente na discussão de

Ser e Tempo e nesta obra há uma explicitação da história a partir do

Dasein, ou seja, a compreensão da história proposta pelo autor se dá a

partir do ente que interroga a própria condição — o Dasein. O segundo

1
No texto utilizo o termo história escrito em letra minúscula para designar a compreensão
ontológica de Heidegger acerca do acontecimento do Dasein. E História escrita em letra maiúscula
para designar a História como ciência, conforme discussão do Historicismo e da Escola de
Marburgo.
2
Dasein: “O termo alemão, que é originário, começa a ser usado no século XVIII. (...) Mas, no uso
filosófico contemporâneo, essa palavra ingressou com o significado atribuído pelo existencialismo,
sobretudo por Heidegger, que a usou para designar a existência própria do homem. ‘Esse ente,
que nós mesmos sempre somos e que, entre as outras possibilidades de ser, possui a de
questionar, designamos com o termo Dasein’ (Ser e Tempo, § 2)” (ABBAGNANO, 2000, p.888).
No decorrer do presente trabalho, para designar a condição de ser do homem no mundo, utilizarei
o termo Dasein com o propósito de manter a designação original de Heidegger, bem como da
ª
tradução de Ser e Tempo de Jorge Eduardo Rivera, 4 edição, 2005, usada como apoio deste
estudo. O texto em alemão, Sein und Zeit, foi utilizado como apoio para as palavras — chaves do
pensamento de Heidegger. O termo Dasein aparecerá escrito em itálico para marcar que é um
conceito elaborado por Heidegger. As citações utilizadas neste estudo são retiradas da obra Ser e
Tempo, da edição chilena acima referida, e estão no corpo do texto em português (tradução minha)
e, em nota de rodapé, o trecho correspondente em castelhano.

1
momento da discussão da história no pensamento heideggeriano

acontece a partir de 19303, no trabalho Sobre a Essência da Verdade,

em que o autor apresenta uma nova discussão sobre o sentido da

história — a história passa a ser compreendida como história do ser.

Esta outra perspectiva de compreensão sobre a história é conhecida

como ‘a virada’ [kehre].

Após a publicação de Ser e Tempo, Heidegger abandona a

discussão do sentido do ser co-relacionada com a existência, isto é,

abandona a compreensão da história como acontecimento do Dasein,

ente que, naquela discussão, permitiria o acesso à resposta de tal

questão. Após 1930, para o autor interessava buscar o sentido do

próprio ser e sua revelação, isto é, a história do ser. Assim sendo, o

estudo do pensamento heideggeriano acerca da história compreende os

dois momentos acima citados, que, embora distintos, são

imprescindíveis no avanço das reflexões do autor sobre o tema.

Entendemos que a compreensão da história como acontecimento

do Dasein explicita a força inicial do pensamento de Heidegger, bem

como contribui para a continuidade e os avanços posteriores de seus

escritos acerca da história. Portanto, elegemos o tema da história em

Ser e Tempo para explicitar os primeiros esforços do autor em discutir o


3
O texto Sobre a Essência da Verdade foi apresentado por Heidegger pela primeira vez em 1930,
segundo nota do tradutor, Ernildo Stein, e a primeira edição impressa do texto data de 1943. Ver
Coleção os Pensadores, 1999, p.149.

2
tema de uma perspectiva ontológica, ou seja, como acontecimento do

Dasein.

A obra Ser e Tempo referida contém uma Introdução com 8

parágrafos, uma Primeira parte com duas Seções, sendo que a Primeira

Seção contém 6 capítulos com 44 parágrafos; a Segunda Seção contém

6 capítulos com 39 parágrafos. A explicitação das estruturas ôntico-

ontológicas do Dasein, propostas por Heidegger em ST4, é importante

para este estudo; no entanto, o enfoque de análise está concentrado

nos parágrafos: 6 e 7 da Introdução, que se referem, respectivamente,

à explicitação da questão do ser e do método descrito para explicitar tal

questão, e nos parágrafos 72, 73, 74, 75 e 76 da Segunda Seção, que

discutem diretamente a compreensão de história que Heidegger propõe

a partir da Analítica do Dasein.

A escolha do tema historicidade na obra Ser e Tempo (1927), de

Martin Heidegger, e a delimitação dos parágrafos para o estudo aqui

apresentado surgiram da necessidade, primeiramente, de sistematizar e

aprofundar estudos iniciados em 1993 sobre a fenomenologia

heideggeriana. Meu primeiro contato com a fenomenologia ocorreu no

final do curso de Psicologia, em 1993. A partir de 1994, iniciei um grupo

de estudo sobre Ser e Tempo na Associação Brasileira de

4
ST: abreviação da obra de Martin Heidegger, Ser e Tempo, 1927.

3
Daseinsanalyse. Em decorrência dos estudos acerca da fenomenologia

heideggeriana, nasceu meu interesse de realizar um trabalho de

investigação com um tema presente na Analítica do Dasein. O tema

eleito, historicidade, possibilita compreender a noção de história de um

modo peculiar, segundo a explicitação de Heidegger em Ser e Tempo.

A relevância do tema da historicidade apresentada por Heidegger

se dá em vários aspectos. O primeiro aspecto, que considero central, é a

mudança proposta por ele para discutir a História. E como decorrência

desta mudança, o sentido da História, ou seja, sua descrição e

compreensão tomam outras perspectivas no contexto de discussão da

História da Filosofia. A mudança de foco no estudo da História diz

respeito à discussão presente na Alemanha, desde o século XIX, para

tornar a História uma ciência segura e fidedigna como as ciências

naturais em ascensão nesse período, assim como reunir e resgatar o

passado e os feitos nacionais para valorizar as origens daquele povo. Em

1915, Heidegger apresenta o ensaio O Conceito de Tempo nas Ciências

Históricas5, levantando o problema da aplicação da estrutura e

justificação lógica das ciências naturais nas ciências históricas,

entendendo que as finalidades e os objetos de cada ciência requerem,

pela própria especificidade, uma dada delimitação. Apesar de propor

5
Esse ensaio foi apresentado por Heidegger em Freiburg, em 27 de julho de 1915. E foi impresso
em Leipzig, em 1916.

4
essa discussão, o autor não problematiza a História como ciência,

tampouco como narração de feitos e acontecimentos humanos como já

fora tratada na Antiguidade. A preocupação de Heidegger consiste em

problematizar a história do ponto de vista ontológico, isto é, explicitar o

acontecer dos entes em geral.

A mudança de foco, acima referida, busca justamente sair da

discussão de como justificar e validar o objeto da História, para torná-la

uma ciência, e propor uma discussão radical e em outra direção, ou

seja, deslocar a questão epistemológica para uma questão ontológica e,

desta maneira, apresentar a explicitação da história como condição

fundamental da existência humana. A partir desta consideração, o

estudo da história assume outros caminhos, ou seja, temos outros

aspectos, conforme mencionados, para analisar. Um deles é a

argumentação acerca da concepção de tempo, que sofre uma

modificação considerável na exposição do autor em ST, pois o tempo

não pode ser considerado, segundo Heidegger, uma medida linear e

sucessiva de passado, presente e futuro, mas o tempo acontece

circularmente a partir do futuro. A compreensão de tempo, para o autor,

é a essência da história. Isto é, a descrição do que é histórico deve

problematizar o que compreendemos como tempo.

5
A história discutida em ST não é estudo do passado, no sentido

dos acontecimentos, de feitos heróicos e políticos de uma realidade que

já aconteceu, pois a preocupação não é descrever situações específicas

de uma dada época, nem construir um campo de investigação que

legitime seu objeto de estudo e análise, mas explicitar as condições de

possibilidade de se dar algo, ou seja, o acontecer do ente na existência.

Neste sentido, a exposição realizada na Analítica do Dasein torna

evidente, através da descrição histórico-ontológica, que a compreensão

de história se coloca em outra perspectiva de reflexão, uma vez que

recorre à ontologia para buscar a origem, o sentido de um dado

fenômeno.

Portanto, em virtude da nova problematização, é necessário criar

elementos para sustentação e explicitação do sentido da história a partir

da ontologia. Assim sendo, o autor elaborou os existenciais ou

elementos fundamentais6 de análise a partir do existir humano. A vida,

enquanto existência, é compreendida como um fenômeno e não como

uma criação divina, entidade mística ou fato biológico. E, a partir de

1923, a vida é igualada a Dasein e é através da descrição de suas

estruturas, de sua constituição fundamental, que o autor alcança o

6
Os elementos fundamentais referidos no texto são as estruturas fundamentais do Dasein, ou seja,
os modos constitutivos do Dasein designados e elaborados por Heidegger como existenciais para
orientar a análise do sentido do ser presente em Ser e Tempo. Dentre os existenciais,
selecionamos os mais significativos para a discussão da historicidade: ser-com-os-outros,
espacialidade (ser em), temporalidade, disposição, compreensão, cuidado, queda e ser mortal.

6
sentido do que seja a história. Segundo Heidegger, Dasein deve ser

compreendido como a existência própria do homem — o ente humano

que interroga a si e a própria condição na existência, e que, portanto,

tem acesso à questão do sentido do ser. Simultaneamente à explicitação

das estruturas do Dasein, um outro ponto relevante a citar é o modo de

analisar essas estruturas, ou seja, o método fenomenológico

hermenêutico elaborado por Heidegger, considerando sua releitura da

ontologia tradicional, traz para Analítica do Dasein um modo peculiar de

compreender o acontecer dos entes, do qual trataremos adiante.

Para Heidegger, a historicidade é a compreensão temporal que o

Dasein possui de seu projeto existencial, isto é, o Dasein é um ser

temporal que possui uma duração entre nascimento e morte para

acontecer na existência.

Entretanto, para compreender o sentido do acontecer

propriamente histórico, isto é, o modo de ser da história, torna-se

necessário explicitar os elementos fundamentais encontrados em Ser e

Tempo para mostrar a constituição histórica do Dasein. Os elementos

fundamentais que serão discutidos ao longo do trabalho são: o conceito

de morte, o conceito de tempo, círculo da compreensão, ser-com,

cuidado e, propriamente, a historicidade.

7
Para propiciar essa primeira tentativa de esboçar o estudo da

história realizado por Heidegger em Ser e Tempo, utilizei algumas obras

do próprio autor, que constam na bibliografia e que sustentaram o

entendimento e o desdobramento deste trabalho. A obra Ser e Tempo,

fio condutor do estudo, apresenta algumas traduções (em português,

espanhol, castelhano e inglês), e, após uma breve apreciação delas, foi

adotada a tradução chilena, de Jorge Eduardo Rivera. A tradução

referida tem um texto muito cuidadoso e muito próximo do original (ver

prólogo do tradutor). A leitura dos comentadores como Kisiel, Dreyfus,

Stein, entre outros, foi imprescindível para compreender e elaborar o

problema da história.

O presente estudo compreende: o Capítulo 1, que apresenta um

contexto de discussão acerca da História na época de Ser e Tempo, e

que oferece alguns elementos para localizar o problema epistemológico

e apresentar a proposta ontológica heideggeriana; o Capítulo 2, que

mostra a proposta de Ser e Tempo e uma breve explicitação dos

existenciais que representam a proposta de superação da questão

epistemológica; o Capítulo 3, que traz a descrição da compreensão do

fenômeno da morte – a distinção da morte entendida na vida diária e na

dimensão ontológico-existencial; o Capítulo 4, que apresenta a descrição

da temporalidade própria, imprópria e da intratemporalidade, com o

propósito de demonstrar as considerações peculiares de Heidegger

8
sobre a noção de tempo; o Capítulo 5, que traz a explicitação das

estruturas fundamentais que contribuem para a descrição da

historicidade própria e imprópria, que representam uma nova

abordagem no entendimento da história.

O presente estudo estabelece os capítulos referidos para propiciar

um exercício de investigação que nos aproxime do problema, dos

argumentos e das soluções7 que Heidegger mostrou para abordar a

questão da história. Neste sentido, acredito manter os caminhos de um

possível discurso filosófico.

7
As três perguntas fundamentais, segundo Porta, que precisamos fazer para compreender um
autor: o problema, a solução ou resposta, quais são seus argumentos e fundamentos (Porta, 2002,
p.39).

9
Capítulo 1

Uma apresentação geral sobre o contexto de discussão acerca da

História

Torna-se relevante apresentar alguns aspectos presentes no

contexto da discussão acerca da História no momento de Ser e Tempo,

já que Heidegger propôs uma mudança de foco para a compreensão de

História, em 1927, conforme citado na Introdução deste trabalho. A

discussão presente na filosofia desde o século XIX, sobretudo na

Alemanha, concentrava-se na procura de tornar a História uma ciência.

Para esclarecer o tratamento dado ao tema da História, elegi três

dos autores com quem Heidegger dialogou nesse período: Willhem

Dilthey8 (1833-1911), Georg Simmel9 (1858-1918) e Wilhem

Windelband10 (1848- 1915). Podemos encontrar citações em Ser e

Tempo, sobretudo dos textos de Dilthey e Simmel, e algumas

8
Wilhelm Dilthey, historiador e filósofo, é considerado um importante representante da escola
histórica. Sua grande preocupação era fundamentar de maneira autônoma as ciências do
espírito.(REALE, 2006, p.36).
9
Georg Simmel, em suas considerações acerca da questão da história, é compreendido como
relativista, “as categorias da pesquisa histórica são produto de homens históricos, e elas mudam
com a história” (REALE, 2006, p.42).
10
Wilhelm Windelband é considerado representante da escola de Baden com sua filosofia dos
valores: “são os valores que estão na base do conhecimento, da moralidade e da arte”. O autor
também contribuiu com a ciência historiográfica na distinção de natureza e história (REALE, 2006,
p.24).

10
considerações no texto History of the Concept of Time11 (1925), de

Heidegger, acerca da discussão de Windelband. Obviamente não

trataremos da vasta obra desses autores, mas utilizaremos textos

específicos de cada um, que revelam a preocupação com a explicitação

do objeto e método da História para validá-la como ciência. Foram

selecionados os seguintes textos: de Dilthey, Acerca Del Estudio De La

Historia De Las Ciências Del Hombre, De La Sociedad y Del Estado

(1875), citado por Heidegger no § 74 de Ser e Tempo; de Simmel, El

Problema Del Tiempo Histórico, citado por Heidegger no §80; e de

Windelband, Historia y Ciencia de la Naturaleza12.

Dilthey, Simmel e Windelband são considerados autores

pertencentes ao Historicismo, isto é, autores que entendem que a

realidade é histórica e que, portanto, a história é obra dos homens, das

suas relações que ocorrem em um dado período temporal. A escola

histórica não é uniforme em seus posicionamentos acerca de como

compreender o homem, de como validar o objeto do conhecimento

histórico, mas o que é fundamental para o historicismo é a distinção

entre história e natureza. E é sobre a distinção entre história e natureza

que Dilthey começa a discussão no estudo acima citado.

11
O texto History of the Concept of Time é uma tradução do texto original de Heidegger:
Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs.
12
Discurso do reitorado da Universidade de Estrasburgo, 1894.

11
Dilthey, em seu estudo, pretende mostrar a diferença entre o

objeto e o método das ciências naturais e das ciências do homem para

tentar constituir o objeto próprio dessa última. Nesse estudo de 1875,

Dilthey ressalta as diferentes discussões de alguns autores na história

da filosofia, sobretudo de Comte e John Stuart Mill, que tentavam

validar e fixar o objeto das ciências do homem, da sociedade e do

estado, a partir dos parâmetros das ciências da natureza. O ponto

central que o autor trabalha é salientar a dificuldade em estabelecer o

objeto da ciência do homem, do estado e da sociedade, pois não se

trata de delinear fenômenos externos como os objetos das ciências

naturais, mas se trata de circunscrever as relações entre os indivíduos

num dado momento temporal. Assim sendo, sua tarefa se constitui em

tornar claro o modo de investigar e analisar o que é histórico, ou seja,

os produtos culturais, o viver do homem.

Dilthey destaca, no início de seu estudo, que as ciências do

homem, da sociedade e do estado serão designadas por ele de ciências

político-morais13 e que essas ciências não apresentam clareza e

transparência como as ciências da natureza em seus traços

fundamentais. É importante mencionar que esse estudo elaborado por

13
Nesse estudo de 1875, Dilthey designa as ciências do homem, da sociedade e do estado como
ciências político-morais, pois este é um dos seus estudos preliminares sobre o homem. É em 1883
que escreve Introdução às Ciências do Espírito, no qual estabelece firmemente a diferença entre
objeto das ciências naturais e ciências do espírito. Então, a designação não é mais ciências
político-morais, para estudar o homem, mas ciências do espírito. As ciências do espírito partem
das experiências do homem, do que está presente no mundo humano.

12
Dilthey constitui um esforço em dialogar com as diferentes áreas do

pensamento, como a filosofia moral e as teorias da sociedade e da

política, para encontrar os elementos necessários para fundamentar as

ciências designadas por ele, nessa ocasião, de político-morais. Portanto,

os pesquisadores das ciências político–morais, nesse momento,

enfrentavam dificuldades em estabelecer o objeto de seu estudo

conjuntamente com o método para analisar e validar essa ciência.

O autor aponta o “estado imperfeito”14 do conjunto, próprio das

ciências político-morais. Na medida em que essa ciência lida com as

situações do povo, com os ideais de uma época, com a comoção da

sociedade, com os interesses que advêm da opinião pública, ou seja,

lida com as experiências dos homens, torna-se difícil submetê-la aos

parâmetros das ciências naturais para justilicá-la. As ciências político-

morais buscam unir o que Dilthey chama de “progressos da inteligência”

e “ordenação da sociedade”15 para encontrar um campo próprio de

investigação. Portanto, as ciências político-morais pretendem uma

investigação histórica com propósitos filosóficos para abordar os fatos

históricos, não apenas para elencar e agrupar tais fatos como faziam os

historiadores da época.

14
DILTHEY, 1875, p.433.
15
DILTHEY, 1875, p.437.

13
Segundo Dilthey, o filósofo deve, ao mesmo tempo, realizar a

tarefa do historiador de trazer o material histórico e propor a

investigação com intenção filosófica, ou seja, com intenção reflexiva e

rigorosa, buscando fundamentar seu objeto de estudo.

O método que poderia efetuar a conexão da história com as

ciências morais e políticas Dilthey chamou de “movimento espiritual”,

que pode ser entendido, por um lado, como o curso histórico (o passar

dos anos em décadas, séculos), e por outro lado, como as experiências

da vida humana em sua unidade natural (a duração da vida, a sucessão

das idades). Então, o recurso que as ciências político-morais dispunham

como instrumento de análise eram as experiências humanas, medidas

através da linha da vida.

Dilthey encontrou na experiência concreta do homem, bem como

em sua produção de costumes, valores e leis sociais, o ponto

fundamental para estabelecer e circunscrever o campo da investigação

das ciências político-morais. O autor entendia que, ao estudar o homem

e suas relações recíprocas em um momento temporal, ele encontraria o

ordenamento e o armazenamento dos fatos culturais, morais, sociais,

econômicos e políticos de um povo, isto é, encontraria tanto a linha da

vida dos homens quanto o seu curso histórico datados em anos,

14
décadas e séculos. Então, encontrou uma unidade que chamou de

“conjunto temporal da vida do homem”.16

E, segundo o autor, há uma importante noção relacionada com o

conjunto temporal da vida humana — a noção de geração. Essa noção

trouxe, segundo Dilthey, a concepção de espaço temporal de um grupo

e de uma época, possibilitando compreender tanto o movimento dentro

do grupo quanto o contexto mais amplo. Ou seja, a noção de geração

mostrou as relações de envolvimento do próprio grupo, isto é, os fatos e

as trocas experimentadas nesse interior, ao mesmo tempo em que pôde

retratar a comunidade mais ampla e armazenar os produtos culturais e

sociais produzidos historicamente e, assim, transmiti-los a outras

gerações. Nessa consideração podemos perceber que o autor não trata

das individualidades, mas da história dos homens, da história de um

povo.

Nos esforços de constituir a História como ciência, isto é, com

objeto e método próprio, o autor precisava, após delinear seu objeto de

estudo, encontrar sustentação para tal. E Dilthey estava convencido de

que as relações causais explicativas como sustentação metódica para

apreender os objetos naturais não poderiam dar conta da natureza

específica do objeto das ciências político-morais.

16
DILTHEY, 1875, p.438.

15
Portanto, entendia que deveria partir para algo simples, para uma

investigação do ponto de vista do conhecimento, ou melhor, como se

pode conhecer a realidade de uma sociedade, os conjuntos de fatos

morais, econômicos, sociais e políticos. O indivíduo cognoscente é o

caminho que permite nos aproximarmos das forças significativas que

estão presentes na sociedade, pois o indivíduo possui uma ação

consciente em sua interação na sociedade, ou seja, observa, considera e

investiga as relações em sociedade. Mesmo que fosse difícil delinear e

estudar os conjuntos de fatos de uma sociedade, os autores dessa

época não negavam as forças significativas advindas da sociedade e

buscaram, assim como Dilthey, caminhos para consolidar as ciências do

homem.

O estudo de Dilthey, de 1875, revela o vigor que o pensador

dispensou para problematizar a diferença entre a história e as ciências

da natureza. Entendia que era necessário discutir tais diferenças para

encontrar os traços fundamentais para torná-la, então, as ciências

político-morais que, naquele momento, não apresentavam nenhuma

clareza. Encontrou validade e fundamentação para o estudo pretendido

na experiência do homem concreto; as experiências vividas, fruto das

interações sociais em um período temporal, abriram caminho para a

emergência de um campo próprio de investigação para as ciências do

homem. Contudo, o autor manteve o questionamento em nível

16
epistemológico, uma vez que apresentou a experiência do homem como

um objeto diferente do objeto natural e que deveria ser investigado à

luz de suas especificidades com cunho e rigor científicos.

O trabalho de Dilthey é relevante e reconhecido por diversos

autores assim como por Heidegger, que faz referência a seus escritos no

decorrer de Ser e Tempo. Com relação a esse estudo de Dilthey,

Heidegger salientou a noção de geração como elemento significativo

para compreender a historicidade do Dasein17. Conforme referido

anteriormente, a noção de geração está subordinada, segundo Dilthey,

ao conjunto temporal da vida humana. E, por meio de sua descrição,

podemos compreender e analisar os aspectos referentes aos grupos, aos

povos e não aos indivíduos isoladamente, pois a noção de geração trata

das relações pertencentes dentro do grupo, como também do contexto

histórico ao qual a comunidade pertence. Apresenta, ainda, um outro

desdobramento: as gerações, por meio de seus grupos, ordenam e

armazenam seus valores, verdades que são transmitidas a outras

gerações. Heidegger reconhece no trabalho de Dilthey acerca da vida do

homem aspectos muito fecundos; no entanto, observa que não há um

questionamento ontológico da vida como um modo de ser próprio do

homem.

17
Comentário em nota do § 74 de Ser e Tempo.

17
Portanto, a questão levantada por Heidegger, não só acerca do

estudo de Dilthey, mas acerca do posicionamento do Historicismo, é que

essa escola manteve a discussão da História na perspectiva

epistemológica. E o esforço de Heidegger foi iniciar uma discussão mais

radical para a problematização da História, isto é, há um modo, segundo

o autor, anterior ao do conhecimento científico, pelo qual podemos

tratar o problema da História, e o modo ao qual se refere é o do

questionamento ontológico. O questionamento ontológico permitiu a

Heidegger discutir o modo de ser da história, ou seja, quais são as

condições de possibilidades do acontecer histórico; ele não estabeleceu

parâmetros para viabilizar a História como ciência.

Tomaremos agora as considerações esboçadas no estudo de

Simmel, que apresenta um tratamento para a questão do problema da

História no contexto do Historicismo, mas que traz também um

elemento relevante para a discussão acerca da historicidade — a

questão do tempo histórico.

O estudo de Simmel propõe uma discussão acerca do

estabelecimento do tempo histórico. A busca de circunscrever o objeto

da História traz a necessidade de encontrar elementos fundamentais

para essa problematização. Simmel ressaltou a idéia de que o tempo é

um dos elementos relevantes, portanto, fundamentais para

18
compreendermos o que pode ser delimitado como conteúdo histórico,

pois nem toda realidade apresentaria um conteúdo histórico. O autor

exemplifica tal afirmação:

Se, por exemplo, em qualquer parte da Ásia, descobrirem os


alicerces de uma cidade sepultada, com muitos objetos
interessantes, mas que não contenham o mais remoto indício
de sua idade, nem por seu estilo nem por seu testemunho
direto ou indireto, estes vestígios poderiam ter, em muitos
sentidos, grande valor e importância, mas não seriam um
documento histórico (SIMMEL, 1950, p.193)18.

O conteúdo propriamente histórico necessitaria de uma relação

simultânea, qual seja, do estabelecimento de um momento determinado

no tempo para ser qualificado como documento ou feito histórico, ao

mesmo tempo em que necessitaria da compreensão dos conteúdos

ocorridos. Segundo Simmel, é na relação de um momento determinado

no tempo com o elemento da compreensão, ou seja, de compreender os

conteúdos ocorridos num dado período, que podemos dizer que algo se

tornou histórico. O autor apresenta exemplos de algumas batalhas na

história, dentre elas, a guerra dos sete anos, de 1756 a 1763, que

apresentou essa duração de tempo; a guerra ocorreu continuamente

nesse espaço temporal com seus ataques e conquistas, no entanto,

escreve o autor, nesse período da história, outros fatos ocorreriam ao

redor, isto é, há uma continuidade na história se considerarmos a

18
Si, por ejemplo, em cualquer parte da Ásia se descubrieran los cimientos de uma ciudad
sepultada, com muchos objetos interesantes, que, no obstante, no dieran el más remoto indicio de
su edad, ni por su estilo ni por testimonios directos o indirectos, estos vestígios podrían tener em
muchos sentidos gran valor e importancia, pero no serían um documento histórico (SIMMEL, 1950,
p.193).

19
unidade que a guerra representa, mas uma descontinuidade quando

observamos outros fatos acontecendo paralelamente. Podemos dizer

que há um contexto histórico onde existem diferentes acontecimentos

que ocorrem e se remetem uns aos outros.

Simmel entende que o conhecimento se encontra nas experiências

e que, portanto, os fundamentos da pesquisa histórica estavam

presentes nos produtos históricos dos homens. Os fatos históricos foram

compreendidos como unidades contínuas remetidas a uma anterioridade

e a uma posterioridade, isto é, os fatos não são isolados, são fenômenos

que devem ser compreendidos em sua totalidade. Assim, os

acontecimentos ocorridos ao longo do tempo, como as batalhas, as

guerras ou as descobertas arqueológicas seriam consideradas como

conteúdo histórico a partir de parâmetros fixados pelo historiador, ou

seja, é ele quem compreende e qualifica o conhecimento histórico

baseado na relação, acima mencionada, de estabelecer um momento do

tempo com a categoria da compreensão que, segundo Simmel,

interpreta a realidade histórica.

A delimitação do problema do tempo histórico tratada por Simmel

salienta a importância da concepção de tempo para delinear o que seja

propriamente o tempo histórico e estabelece a categoria da

compreensão para interpretá-lo, porém mantém a discussão da História

20
na determinação do tempo cronológico e no esclarecimento de como

apreender o objeto histórico. Os fatos históricos ocorrem no tempo, as

batalhas ou guerras de um determinado período foram analisadas como

unidades compreensivas do tempo do mundo, como salientou Heidegger

na discussão do tempo ocupado (do qual trataremos no capítulo 4,

sobre Temporalidade), mas podemos mencionar que se tratou da

interpretação do tempo como contagem e datação.

Na perspectiva de encontrar validade e autonomia para as ciências

históricas, Simmel propôs trabalhar nesse estudo com a delimitação de

como poderia tornar possível o conhecimento do tempo histórico. E na

concepção de Heidegger, a compreensão do tempo deve ser guiada pela

ontologia, para que se encontre a noção mais originária para se dizer

acerca do tempo; assim sendo, compreender o tempo como datação ou

contagem é apontar uma das dimensões possíveis de acesso ao tempo.

Segundo Heidegger, apesar de tratarem de problemas relevantes

de um modo rigoroso, nem Dilthey nem Simmel, apresentaram uma

fundamentação radical e suficiente para investigar o problema da

história. Trataremos de apresentar, em seguida, as considerações que

Windelband propõe para responder ao problema da História.

O texto apresentado por Windelband, em 1894, no jubileu de

fundação da Universidade, tratou de discutir a investigação filosófica em

21
torno da questão das ciências históricas e das ciências da natureza.

Apontou criticamente, nessa ocasião, que o discurso filosófico poderia

tanto assumir um panorama meramente histórico quanto se apoiar em

uma ciência empírica como a psicologia, que estava em voga no

momento. No entanto, não assumiria nenhuma destas posturas para

oferecer uma discussão sobre os inegáveis avanços das ciências

históricas presentes no século XIX, mas acreditava que sua importante

tarefa naquele momento era:

(...)vir a testemunhar que a filosofia, ainda que sob sua forma


atual, depois de ter-se desprendido de toda apetência
metafísica, se sente à altura daqueles grandes problemas aos
quais deve o importante conteúdo de sua história, seu valor no
campo da literatura e o lugar que ocupa no ensino universitário
(WINDELBAND, 1949, p.312)19.

Portanto, para iniciar o questionamento, o autor utilizou a

metodologia e a teoria da ciência, segundo ele, temas presentes na

lógica, que possuem uma relação com a filosofia e as ciências. Entendeu

que se fazia necessário criar uma delimitação e propor um rigor

metodológico para estudar os diversos problemas novos que apareciam

nas ciências, pois os diferentes métodos iam se ramificando, e apontou:

era como se as disciplinas tivessem se misturado, perdendo a sua

especificidade na tentativa de responder aos novos tipos de problemas,

19
(...) venir a testimoniar que la filosofía, aun bajo su forma actual, después de haberse
desprendido de toda apetencia metafísica, se siente a la altura de aquellos grandes problemas a
los que debe el importante contenido de su historia, su valor en el campo de la literatura y el puesto
que ocupa em la enseñanza universitaria (WINDELBAND, 1949, p.312).

22
referindo-se à subordinação da ciência histórica aos fundamentos das

ciências da natureza.

Para Windelband, tanto a investigação da natureza quanto da

história tem um aspecto em comum, as ciências empíricas, pois ambas

se fundamentam na experiência de fatos dados pela percepção. O autor

não concordou, porém, em distinguir as ciências da natureza e as

ciências históricas, como fez Dilthey. Ele salientou que esta

contraposição é meramente objetiva; não é simples e evidente como

tratou Dilthey.

Se não me equivoco ao dedilhar a tônica da novissíma filosofia


e as suas repercussões epistemológicas, creio que esta
distinção tradicional, vinculada ao modo usual de pensar e de
expressar, não pode ser considerada imediatamente como algo
tão evidente que sirva como base indiscutível daquela
classificação fundamental (WINDELBAND, 1949, p.315)20.

Assim sendo, propõe uma outra classificação para apoiar a

discussão acerca das ciências da natureza e história. O pensamento

científico foi dividido, segundo o autor, em ciências nomotéticas, que

compreendem “as leis gerais que expressam a regularidade dos

fenômenos”21; e as ciências idiográficas, “que voltam sua atenção para

20
Si no me equivoco al pulsar la tónica de la novísima filosofia y las repercusiones de la
epistemológica, creo que esta distinción tradicional, adherida al modo usual de pensar y de
expresarse, no puede ser considerada ya como algo tan evidente que sirva como base indiscutible
de aquella clasificación fundamental (WINDELBAND, 1949, P.315).
21
REALE, 2006, p.41.

23
o fenômeno singular, visando compreender sua especificidade e

individualidade”22.

No momento em que realizou as distinções em ciências

nomotéticas e idiográficas, Windelband pretendeu estabelecer um valor

científico para os problemas das ciências naturais e históricas, isto é,

propôs uma fundamentação científica para a discussão da História.

Segundo as considerações de Heidegger, no texto History of the

Concept of Time (1925), Windelband e os representantes da Escola de

Marburg trataram a questão da história do ponto de vista mais

problemático, pois a discussão, sobretudo de Windelband, girou em

torno de estabelecer uma classificação e fundamentação teórica e

científica para a História, reduzindo todo o questionamento já discutido

por Dilthey acerca da vida e da aplicação do método das ciências

naturais para as ciências do homem. Do ponto de vista de Heidegger, a

contribuição de Windelband serviu para esvaziar metodologicamente a

discussão relevante da Escola Histórica, já que toda a explicitação para

criar um campo de investigação foi por ele reduzida e tratada como uma

questão de construir um sistema teórico-conceitual para discutir o

problema da História.

22
vide nota 7.

24
Sobre os três autores citados, Heidegger salientou que Dilthey foi

um pensador muito importante na Escola Histórica, pois percebeu a

dificuldade que seria transpor o método das ciências naturais para o

método das ciências históricas. Assim sendo, foram necessários alguns

esforços por parte de Dilthey para construir uma teoria a partir da

própria especificidade presente nas ciências históricas. A reflexão do

autor se deu em estabelecer o objeto da ciência que, naquele momento,

não apresentava transparência, ou seja, na discussão com as filosofias

da época, sobretudo de Comte e de Stuart Mill, pôde circunscrever que

o tema da ciência histórica era a realidade. Então, sua tarefa consistiu

em compreender a realidade histórica, tornando-a mais clara para,

desta maneira, elaborar modos possíveis de interpretar tal realidade.

As investigações de Dilthey, sejam nos escritos de 1875 citados ou

nos posteriores, possibilitaram elaborar uma ciência histórica que

rompeu, segundo Heidegger, com as concepções naturalistas de sua

época. Nas discussões posteriores sobre o Historicismo de Simmel ou de

Windelband, Heidegger não indicou um solo frutífero como encontrou

nos escritos de Dilthey, visto que o ponto de inflexão desses outros

autores para pensar a questão da história passou longe do que ele

entendia como saída para responder ao problema do que é

propriamente histórico.

25
A perspectiva de Heidegger, já presente no texto de 1925,

pretendeu trabalhar o tema da história do ponto de vista

fenomenológico. Nessa ocasião, explicitou que a compreensão

fenomenológica tinha como tarefa tratar a questão da história antes de

qualquer consideração científica. Escreve Heidegger em 1925:

Here it is not a matter of a phenomenology of the sciences of


history and nature, or even of a phenomenology of history and
nature as objects of these sciences, but of a phenomenological
disclosure of the original kind of being and constitution of both.
(HEIDEGGER, 1985, p.2)23.

Heidegger entendeu que a saída para o estudo da história não

estava em fixar uma distinção entre os objetos das ciências naturais e

históricas ou uma delimitação de cada ciência ou, ainda, a aplicabilidade

da transposição do método natural para o histórico. Entendia que a

investigação deveria aproximar-se de um entendimento original, ou

seja, do modo de ser da história, o modo de ser propriamente histórico

do homem.

E, portanto, para dar andamento à investigação pretendida, o

autor propôs algumas discussões iniciais nas conferências de 1924, em

O Conceito de Tempo; em 1925, no History of the Concept of Time e,

em 1927, na obra Ser e Tempo, trazendo a força e o questionamento

23
Tradução nossa: “Aqui não é uma questão de uma fenomenologia das ciências da história e da
natureza, ou mesmo de uma fenomenologia da história e da natureza como objetos dessas
ciências, mas de uma revelação fenomenológica do tipo original de ser e a constituição de ambas”.

26
radical da questão do sentido do ser. Foi na obra Ser e Tempo, então,

que Heidegger propôs tratar o problema da história a partir da ontologia

fenomenológica, isto é, a pergunta sobre o modo de ser da história por

meio da explicitação da constituição do Dasein como ente que

compreende a si e o mundo por ser constituído pela compreensão de

ser.

Salientamos a discussão acerca da História como uma disciplina

que passou a ter visibilidade e importância por meio de alguns autores

como Dilthey, Simmel e Windelband, entre outros, que pretenderam

validá-la como uma ciência, assim como procuramos mostrar algumas

discordâncias e a saída que Heidegger ofereceu pela ontologia para

investigar tal questão. Nos capítulos que se seguem, apresentaremos a

maneira como Heidegger elaborou os fundamentos necessários para

ultrapassar as questões epistemológicas estabelecidas pela escola

histórica, para compreendermos a história do ponto de vista ontológico.

27
Capítulo 2

As idéias fundamentais do pensamento de Heidegger em Ser e

Tempo

2.1 A proposta de Ser e Tempo

Nas considerações que seguem, pretendemos apontar as idéias

essenciais discutidas por Heidegger em Ser e Tempo, que demonstram a

compreensão da história na perspectiva ontológica, superando, assim, a

interpretação epistemológica presente no Historicismo. A apresentação


24
do projeto da Analítica do Dasein tem como finalidade contextualizar

e, em seguida, elucidar a importância de algumas das estruturas

fundamentais do Dasein, bem como a circularidade do método

fenomenológico hermenêutico, pois entendemos serem eles os

elementos primordiais que sustentam a explicitação do estudo da

historicidade como modo de ser Dasein.

Em Ser e Tempo a pergunta de Heidegger é sobre o sentido do

ser25. O autor recoloca a questão sobre o ser26, pois entende que,

24
“A Analítica do Dasein é, como o nome indica, uma interpretação ontológica determinada do ser-
homem como Dasein e, na verdade, a serviço da preparação da questão do ser”. (...) A Analítica
tem a tarefa de mostrar o todo de uma unidade de condições ontológicas. A Analítica como
analítica ontológica não é um decompor em elementos, mas a articulação da unidade de uma
estrutura” (HEIDEGGER, 2001, respectivamente, p 150 e 141).
25
A discussão sobre o sentido do ser, bem como a pergunta pelo ser podem ser encontradas na
Introdução de Ser e Tempo e nos Capítulos I e II, e o método de investigação no Capítulo II.
26
Neste trabalho o termo ser aparecerá grifado em itálico, pois é um conceito discutido por
Heidegger como conceito fundamental para compreender o caminho do conhecimento da tradição

28
embora o conceito de ser tenha recebido diferentes denominações no

decorrer da História da Filosofia, e tentativas de elaborar o problema, a

questão do ser não foi resolvida. Em sua análise, verificou que o

conceito ser tinha estado identificado com o divino e com o ente; ou

seja, a definição de ser estava remetida a outros conceitos. O conceito

de ser estava unido com a definição de um outro conceito para realizar

sua própria definição, isto é, a definição de ser não partia dele mesmo.

E, em suas investigações, Heidegger considerou a compreensão do

conceito ser a partir dele mesmo, ou seja, do próprio conceito.

O ‘ser’ é um conceito evidente em si mesmo. Em todo


conhecimento, em todo enunciado, em todo comportamento a
respeito de um ente, em todo comportar-se a respeito de si
mesmo, se faz uso do ‘ser’, e esta expressão tem um resultado
compreensível ‘sem mas’(HEIDEGGER, 2005, p.27)27.

A questão do ser é pensada, pelo autor, tanto no âmbito da

história conceitual, como também no âmbito de quem questiona ser.

Pois não é possível uma análise direta do sentido do ser, segundo o

autor, mas uma análise do ente. E, para tornar acessível a questão do

ser, precisamos nos guiar, como escreve Heidegger, por um ente

metafísica: “ser, argumenta Heidegger, é muitas vezes considerado como a mais vaga das
abstrações, o aspecto mais geral de tudo que é” (INWOOD, 2002, p.165). Assim, ser não possui
uma definição apreensível para o autor, ser não é isto ou aquilo. Heidegger escreve: “...nos
movemos desde siempre en una comprensión del ser. Desde ella brota la pregunta explícita por el
sentido del ser y la tendencia a su concepto. No sabemos lo que significa ‘ser’. Pero ya cuando
preguntamos: ‘qué es ‘ser’?, nos movemos en una compresión del ‘es’, sin que podamos fijar
conceptualmente lo que significa el ‘es’. Ni siquiera conocemos el horizonte desde el cual
deberíamos captar y fijar ese sentido” (HEIDEGGER, 2005, p.28-29). Ou, ainda: “Ser es siempre
el ser de un ente” (HEIDEGGER, 2005, p.32).
27
El ‘ser’ es un concepto evidente por sí mismo. En todo conocimiento, en todo enunciado, en todo
comportamiento respecto de un ente, en todo comportarse respecto de sí mesmo, se hace uso del
‘ser’, y esta expresión resulta comprensible ‘sin más’(HEIDEGGER, 2005, p.27).

29
privilegiado que em sua constituição existencial tem a possibilidade de

se interrogar e compreender o ser. Esse ente o autor denomina de

Dasein. “A esse ente que em cada caso somos nós mesmos, e que,

entre outras coisas, tem essa possibilidade de ser que é o perguntar, o

designamos com o termo Dasein. (HEIDEGGER, 2005, p.30)28.

Para constituir a Analítica do Dasein, Heidegger recoloca a questão

sobre o sentido do ser, pois não via solução para o problema do ser na

multiplicidade de sentidos, instaurado na metafísica. Procurando solução

no resgate à tradição, elaborou dois aspectos fundamentais

simultaneamente. Primeiro, foi buscar na História da Filosofia, por meio

de uma releitura dos diferentes entendimentos construídos do conceito

ser, as raízes, ou seja, as primeiras denominações do conceito e trazer

para investigação as noções originais que corroboram para explicitação

do conceito ser a partir dele mesmo (sem uma vinculação com outros

conceitos como ocorreu na metafísica), para elaborar o método

fenomenológico hermenêutico29. O segundo aspecto trata da

explicitação das estruturas do Dasein a partir da elaboração obtida na

investigação acerca do conceito ser. Heidegger, através da busca dos

28
A este ente que somos en cada caso nosotros mismos, y que, entre otras cosas, tiene esa
posibilidad de ser que es el preguntar, lo designamos con el término Dasein” (HEIDEGGER, 2005,
p.30).
29
“Heidegger usa Hermeneutik para significar ‘interpretação’, interpretação da ‘facticidade’, isto é,
de nosso próprio Dasein. Como também refere “Hermeneutik ist Destruktion (...) [para] interpretar
um texto recoberto por séculos de exegese distorcida” (INWOOD, 2002, p.79).

30
conceitos na tradição metafísica e da explicitação das estruturas do

Dasein, propõe, de um lado, o que chamou de destruição30: ao voltar à

História da Filosofia, recuperou e dialogou com o aspecto vivo presente

nos conceitos, trazendo de volta a origem perdida e encoberta pela

própria tradição; e, por outro, uma construção, quando explicitou as

estruturas do Dasein no horizonte da compreensão de ser. Esse

movimento simultâneo de destruição e construção presente na Analítica

do Dasein se refere à elaboração do método fenomenológico

hermenêutico, e, como escreve Stein (1988), trata-se de um ajuste:

“método e objeto vão se corrigindo sucessivamente”. Heidegger reúne

nesse questionamento uma saída original para se afastar da explicitação

epistemológica presente no Historicismo. Ou seja, através da pergunta

pelo sentido do ser, recupera a vida concreta e, pela compreensão

desta, busca o sentido do ser.

É de suma importância esclarecer as idéias fundamentais da

Analítica do Dasein contidas em Ser e Tempo, pois o universo conceitual

desenvolvido por Heidegger apresentou novos caminhos para

compreender a vida concreta, o tempo e a história. Para o autor, não

bastava recuperar o mundo da vida, fonte encontrada na filosofia de

Dilthey, na perspectiva de contrapor-se ao objetivismo das ciências

30
O termo destruição é utilizado por Heidegger no § 6 em ST. A destruição constitui uma tarefa “en
busca de las experiencias originarias en las que se alcanzaron las primeras determinaciones del
ser, que serían en adelante las decisivas.” (HEIDEGGER, 2005, p.46).

31
positivas e fundar uma ciência do espírito. Com essa perspectiva Dilthey

manteve uma solução epistemológica para o problema da história.

Heidegger considerou que precisava ir além do conhecimento teórico da

simples interpretação da vida e da história, sendo necessário interrogar

pela via ontológica para chegar à compreensão da constituição do ser.

Ele compreendeu que desdobrar tais estruturas fundamentais,

juntamente com a explicitação do método, possibilitaria elucidar a

questão, por ele investigada, do sentido do ser. Portanto, segundo Stein

(2002), a noção de historicidade e finitude elaborada em Ser e Tempo

foi conduzida por meio da pergunta pelo ser, da recuperação da vida

concreta e da abertura para retornar à História da Filosofia.

2.2 Breve delineamento do método fenomenológico hermenêutico

A elaboração do método fenomenológico hermenêutico conduz a

um novo caminho, a questão do sentido do ser. O método entendido

como um caminho, que dispõe de um modo de descrever e tornar

manifestos os fenômenos. Com a elaboração desse método, o autor

discutiu o sentido fenomenológico dos fenômenos, ou seja, discutiu as

condições de possibilidades de manifestação ou velamento de algo.

Deste modo, propôs uma fundamentação ontológica. E, neste sentido, a

32
fenomenologia é ontológica31. A fenomenologia heideggeriana,

fundamentada na ontologia como compreensão de ser, revela o ser que

já sempre se manifesta na pré-compreensão. Mas ela também é

hermenêutica, ou seja, sendo um caminho de interpretação para a

compreensão do Dasein, serve também para a elaboração do próprio

método através da recuperação dos conceitos legados pela tradição

ontológica. Assim, o método fenomenológico hermenêutico, sendo uma

possibilidade de dispor e clarear um fenômeno, é um método que se

constrói no seu próprio uso, a cada momento. Com a fenomenologia

hermenêutica, Heidegger recupera os aspectos básicos do sentido dos

fenômenos que sustenta a máxima da fenomenologia “voltar às coisas

mesmas”.32

A fenomenologia hermenêutica se propõe a compreender o sentido

do ser com base na existência do Dasein, por meio da explicitação dos

existenciais33. Para elucidar a existência do Dasein, como fenômeno, o

autor parte da vida concreta da existência cotidiana do Dasein para

constituir a investigação.

É importante salientar dois aspectos tratados na Analítica para

compreendermos e discriminarmos a relação entre a explicitação dos

31
“Considerada en su contenido, la fenomenología es la ciencia del ser del ente – ontologia.”
(HEIDEGGER, 2005, p.60).
32
ST § 7, p.51.
33
Vide nota 6.

33
modos de ser do Dasein e o próprio método. O primeiro aspecto é que

as estruturas fundamentais do Dasein são descritas e compreendidas

como fenômenos, ou seja, o autor demonstra o modo como cada

fenômeno se mostra e pode se esconder. O segundo aspecto revela que

os fenômenos possuem diferentes âmbitos de compreensão. São eles:

os âmbitos pré-ontológico e ontológico, que são considerados como as

condições de possibilidade de algo se dar; e o âmbito ôntico, no qual se

considera o cotidiano das experiências humanas, ponto de partida da

Analítica do Dasein.

Esses diferentes âmbitos explicitados compõem os fenômenos, e

podem ser demonstrados a partir da análise interpretativa elaborada por

Heidegger. As diferentes dimensões da compreensão do fenômeno

apontam para a complexidade e a originariedade que as constituem.

Portanto, as análises, propostas pelo autor, nos oferecem uma

aproximação vulgar ou cotidiana dos fenômenos, como também uma

aproximação ontológica, qual seja, uma apreciação que nos aparece

quando submetemos a interpretação a uma ontologia fundamental.34

2.3 A apresentação das estruturas fundamentais do Dasein

34
Ontologia Fundamental diz respeito ao método ontológico discutido por Heidegger em S.T § 7,
diferente da ontologia tradicional. (HEIDEGGER, 2005, p.50-62).

34
Examinados o contexto de discussão e o modo que Heidegger

elegeu para tratar a questão do sentido do ser em Ser e Tempo,

podemos expor as estruturas fundamentais do Dasein e compreender o

modo de ser desse ente para tornar acessível posteriormente o

entendimento da historicidade que pretendemos discutir. Entretanto,

vale salientar que a exposição a seguir não esgota e nem pretende

discutir detalhadamente todas as considerações acerca das estruturas

fundamentais abordadas em ST. Mas manteremos uma articulação da

totalidade do Dasein que favoreça uma elaboração teórica para apoiar o

estudo da historicidade.

Para o autor, o Dasein já sempre se encontra na compreensão de

ser. Portanto, o sentido do ser se revela na análise das estruturas do

próprio Dasein, conforme trataremos.

As estruturas fundamentais ou existenciais constituem os esforços

do autor em estabelecer novos parâmetros para discutir o problema da

interpretação histórica enfrentado pelo Historicismo (o estabelecimento

da ciência histórica — ver capítulo 1).

Heidegger inicia por compreender o Dasein com base em sua

estrutura fundamental como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Isto

significa dizer que o Dasein é constituído por uma tríplice unidade, ou

seja, é um ente que compreende a si mesmo e já se encontra junto às

35
coisas35, junto com os outros36, no mundo. Não há uma separação entre

o Dasein, as coisas e o mundo; eles perfazem uma totalidade. “A

expressão composta ser-no-mundo indica, em sua própria forma, que

com ela se mostra um fenômeno unitário” (HEIDEGGER, 2005, p.79)37.

Segundo Kisiel (1993), Heidegger utilizou pela primeira vez o

termo ser-no-mundo em 1916, na sua habilitação. Em 1924 coloca a

questão do ser-no-mundo sob o ponto de vista ôntico ‘o ente que é no

mundo’ e, em 1925, mais elaboradamente, como a questão do “ente

definido pelo ‘quem’ desse ser-no-mundo — e o como desse ser, como o

ente ele mesmo é no ser” (KISIEL 1993, p.332). Kisiel aponta, também,

que, nos primeiros usos do termo ser-no-mundo, Heidegger encontrou,

ao mesmo tempo, o ser-com-os-outros e a eqüiprimordialidade dos

termos. O termo ser-no-mundo mostra um modo de encontro com os

entes, não há uma fronteira entre o homem e o mundo, o homem não

apreende as coisas sensorialmente e racionalmente. O autor demonstra

a condição do Dasein de ser junto a, ou seja, faz parte de seu ser

acontecer no mundo. Portanto, há uma desubstancialização da noção do

sujeito que se remete ao objeto para conhecer.

35
Dasein se encontra junto às coisas, isto é, é constituído existencialmente no modo de ser- em
[In-sein]. Ver discussão nos §12 e 13 de ST.
36
Dasein é co-existente, isto é, já se encontra existencialmente junto com os outros, é ser-com
[Mitsein] mesmo que esteja sozinho. Pois seu modo de existir é no modo da co-existência. Ver
discussão nos § 25, 26 e 27 de ST.
37
“La expresión compuesta ‘estar-en-el-mundo’ indica, en su forma misma, que con ella se mienta
un fenómeno unitário” (HEIDEGGER, 2005, p.79).

36
A designação mundo [Umwlt] como parte integrante da expressão

ser-no-mundo, quer dizer que nossa condição, como Dasein, é pertencer

ao mundo e, como afirma Heidegger, o Dasein ‘sempre já se encontra

no aberto dos entes’, ou melhor, enquanto ser-no-mundo ele é

transcendência38. Com a noção de transcendência Heidegger pretendeu

mostrar a relação do Dasein e o mundo. É pelo modo de ser da

transcendência que o Dasein, como ente no mundo distingue-se dos

outros entes e reconhece a si mesmo.

A primeira apreensão do mundo acontece como significação

[Bedeutsamkeit]39. Segundo Heidegger, encontramos os entes no

mundo não como meras coisas, mas já significados, como instrumentos

para algo, isto é, para uma dada serventia. A esse modo de encontro

com entes o autor denominou manualidade [Zuhandenheit].

Assim, como o Dasein descobre os entes intramundamos,

[innerweltlich] (os entes não dotados do caráter do Dasein), em virtude

de sua abertura compreensiva constitutiva, também descobre os outros

Dasein junto consigo, ou seja, no seu modo de ser da co-existência

38
Transcendência: “Heidegger retorna para o sentido original de superação (Übersteigung), sendo
concebida como um aspecto distintivo de Dasein e envolve a compreensão de ser” (INWOOD,
2002, p.190-191).
“é pelo ato de transcendência que o homem, como ente no mundo, se distingue dos outros entes
ou objetos e se reconhece como ‘ele mesmo’”( ABBAGNANO, 2003, p. 971).
39
Comentário sobre os termos Bedeutung, Bedeutsamkeit: “Heidegger deve muito a Dilthey, que
usava estas palavras tanto para o que um sinal significa ou exprime quanto para o ‘significado’ de
uma totalidade complexa como uma vida, um processo histórico” (...) “Heidegger usa
Bedeutsamkeit para indicar a rede de relações que une firmemente o mundo de Dasein”
(INWOOD, 2002, p.172).

37
[Mitdasein]; sua constituição fundamental é de ser-com-os-outros

[Mitsein mit Anderen], seja num discurso comum no cotidiano ou no

modo autêntico. Os outros vêm ao encontro dentro do mundo, pois o

mundo do Dasein é mundo compartilhado. O Dasein se ocupa das coisas

no mundo, mas no seu modo de ser-com da convivência ele se encontra

como solicitude [Fürsorge].São duas as possibilidades de cuidado do

Dasein no modo da solicitude, no modo cotidiano a solicitude se mostra

como substituição [einspringen], ou seja, colocar-se no lugar do outro,

retirando o outro do seu próprio cuidado. E no modo autêntico da

solicitude o outro libera o cuidado a cada Dasein, isto é o Dasein pode

assumir o domínio de si.

Segundo Heidegger em sua Analítica, pertencem ao Dasein como

ser-no-mundo dois modos próprios de ser40: o modo da propriedade,

quando acolhe a totalidade do existir; e o modo da impropriedade,

quando se encontra disperso de si e envolvido no mundo diário.

Heidegger salientou que não há valoração de um modo em detrimento

40
Os modos de ser do Dasein impróprio e próprio são apresentados e mantidos ao longo da
explicitação das estruturas fundamentais em ST. Estes dois modos de ser do Dasein são
importantíssimos na filosofia heideggeriana, pois mostram de forma original a diferença e a tensão
na maneira de compreensão de si mesmo do Dasein, bem como sua compreensão e acesso ao
mundo. Conforme dito, o Dasein compreende a si mesmo, as coisas e o mundo por possuir uma
compreensão de ser. Heidegger nos aponta em ST que há uma estreita relação do homem com o
ser, e desta forma, podemos ter acesso ao ser através dos modos de compreensão que o Dasein
tem de si mesmo e do mundo. Estes modos de compreensão surgem no coditiano, modo mais
próximo ao Dasein, onde ele mantém um entendimento nivelador, todos são iguais, e uma
compreensão ontológica que, na Analítica, é a possibilidade do Dasein sair do discurso nivelador e
buscar o seu sentido mais próprio de existir finitamente. Heidegger salienta que devemos
considerar essa diferença no modo de ser do Dasein para, desta maneira, compreendermos
originariamente o sentido dos fenômenos presentes na existência.

38
do outro; mas pela sua própria peculiaridade e tendência ao

encobrimento, o Dasein se mantém em grande parte das vezes na

impropriedade, no modo de ser impróprio.

A denominação Dasein como ser-no-mundo pretende mostrar que

a totalidade presente nesse ente, ou melhor, a

compreensão41[Verstehen] que constitui seu modo de ser e o torna

acessível para si e para descobrir o mundo, é fundamental para

desdobrar as demais estruturas. A estrutura da compreensão, referida

pelo autor, não diz respeito ao intelecto ou à razão, tampouco é uma

estrutura teórica, mas é a possibilidade de ser do Dasein que, ao existir,

já pertence ao seu modo de ser.

Dilthey, em 188342, utilizou a noção de compreensão como

procedimento metódico das ciências do espírito para distingui-la do

método explicativo próprio das ciências naturais. Ele entendia que a

realidade humana era diferente da natureza e carecia de um

instrumento peculiar de interpretação, que encontrou na noção de

compreensão. A compreensão é o ponto central do conhecimento

histórico. Enquanto, para Heidegger, o fenômeno da compreensão está

vinculado à disposição afetiva e à noção de possibilidade, pois a

41
A estrutura da compreensão pressupõe: posição, visão e concepção prévia. Ver § 32 de ST.
42
Na obra de 1883 Introdução às ciências do espírito, Dilthey sustenta a diferença de objeto entre
as ciências da natureza e do espírito e discute a integração entre a experiência vivida e a
compreensão.

39
compreensão é uma noção fundamental para existência humana “já que

ela significa que a existência é, essencialmente, possibilidade de ser”

(ABBAGNANO, 2003, p.159).

Com a estrutura da compreensão, juntamente com a disposicão43

e o discurso44, abre-se a totalidade constitutiva do Dasein. Isto é, a

compreensão mostra-se enraizada no Dasein, ou seja, ele acontece na

compreensão, descobre a si mesmo, as coisas e o mundo, não como

mera coisa, mas como a estrutura que Heidegger denominou “como

hermenêutico”45 [hermeneutische Als], do algo como algo, por exemplo,

Dasein descobre a chave para abrir, o martelo para martelar.

Com a introdução do existencial da compreensão, as coisas são

encontradas no mundo com um ‘para quê’, com uma determinada

serventia; o Dasein encontra os utensílios com uma significação para

algo, para isto ou aquilo. A compreensão explicitada pode ser ‘aplicada’

tanto para as coisas, como para o Dasein. Não há necessidade da

43
Disposição afetiva é a tradução para o termo alemão Befindlichkeit. Este termo alemão é
traduzido por disposição fundamental por alguns autores brasileiros. No cotidiano, Heidegger utiliza
o termo Stimmung para referir-se ao humor.
44
Discurso “es la articulación ‘significante’ de la comprensibilidad del estar-en-el-mundo, estar-en-
el-mundo al que le pertenece el coestar, y que siempre se mantiene en una determinada forma del
convivir ocupado”(HEIDEGGER, 2005, p. 185).
45
Acerca da estrutura da interpretação do ‘como’ hermenêutico, esta estrutura demonstra que o
Dasein é um ente que interpreta o mundo, não vê o mundo e as coisas como entes simplesmente
dados. Conforme Heidegger, “El ‘en cuanto’ originario de la interpretación circunspectivamente
comprensora será llamado ‘em cuanto’ hermenêutico-existencial, a diferencia del ‘en cuanto’
apofántico del enunciado.” (HEIDEGGER, 2005, p.181).

40
separação, como fez Dilthey46, em relação à natureza e às experiências

vividas. A compreensão entendida ontologicamente é o poder-ser

[seinkönnen] próprio de cada Dasein, ou seja, é o projetar-se para as

possibilidades que estão em aberto na existência, e que em cada

momento Dasein pode se decidir e assim assumir o seu si mesmo.

A estrutura da compreensão forma um movimento circular,

próprio do enfoque hermenêutico, que remete cada estrutura existencial

a uma outra, constituindo uma totalidade fenomênica. Assim sendo, a

compreensão acontece em conjunto, ou seja, não há uma separação

entre quem conhece e a coisa a ser conhecida; conhecemos algo por

nos encontrarmos junto, remetidos a este algo. Ou melhor, o Dasein

como ser-no-mundo, por se constituir de compreensão, já se encontra

junto com os outros e junto às coisas no mundo nessa rede de

significância. O mundo não lhe é dado por acréscimo, mas é um caráter

de seu ser. A estrutura da compreensão, tratada por Heidegger,

salientou a consonância entre a totalidade das estruturas existenciais,

isto é, a implicação interpretativa de uma a outra, compondo simultânea

e articuladamente o Dasein, ou seja, fundam-no co-originariamente,

formando uma totalidade.

46
Para Dilthey as relações com a natureza deveriam ser explicadas com base na causalidade,
própria do método das ciências naturais. Enquanto as relações humanas careciam de uma outra
abordagem, visto que o homem é quem se indaga, ele pode compreender a si mesmo e as suas
relações com o mundo, assim sendo, o compreender é o instrumento que permitiu apreender a
realidade histórica. O homem é o sujeito do saber.

41
A constituição fundamental do Dasein, conforme descrito no

existencial da compreensão, é o seu poder-ser para as possibilidades

fácticas na existência. Isto é, o Dasein existe lançado no mundo com a

responsabilidade de cuidar de sua existência finita, em uma pertinência

com o mundo, com os outros e consigo. Não há uma separação do

mundo, dos outros e de si mesmo, pois habita o mundo de modo

integrado. Isto quer dizer que o Dasein é acolhido pelo mundo numa

proximidade e conformidade. Descobre o mundo e os outros com base

nas tarefas diárias que realiza; a esse modo de ser Heidegger

caracterizou como ocupação47 [Besorgen].

No dia-a-dia o Dasein encontra-se envolvido e absorvido em suas

tarefas e negócios junto com os outros, familiarizado com as tarefas e

empreendimentos; o discurso que se articula no cotidiano é o da

conformidade e da equivalência, isto é, o discurso denominado por

Heidegger de impessoal48[ das Man]. O impessoal é um modo peculiar

em que o Dasein, na convivência, se mantém cotidianamente, sem

permitir a expressão da diferença; o discurso impessoal pretende

manter nivelado e comum todos os acontecimentos da existência

concreta. Esse fenômeno do nivelamento Heidegger aponta como uma

das possibilidades de ser, pois, absorvido pelo cotidiano, Dasein não se

47
O modo de ser cotidiano do Dasein é denominado ‘ocuparse’ (em castelhano), e podemos
traduzir por ocupação. Ver ST § 12 p.83.
48
Considerações acerca do discurso impessoal - ver ST § 27.

42
responsabiliza por sua própria condição, ao contrário, encobre a

inospitalidade de estar lançado [Geworfenheit] para o fim.

O seu modo de ser envolvido no cotidiano, e, portanto, disperso e

desencontrado de si mesmo, é denominado de queda49 ou caída

[Verfallen]. A queda é uma condição ontológica que nos mostra o modo

como Dasein é absorvido pelas coisas e também pelos outros no modo

da solicitude [Fürsorge]50, no impessoal. A queda é um fenômeno que

encobre, a inospitalidade do mundo, ou seja, encobre a angústia

perante a impermanência das verdades e a transitoriedade do existir.

Diante do modo precário, inóspito que é existir, o Dasein se refugia e se

entrega ao mundo, cuidando de si, dos outros e de suas tarefas

presentes.

A condição precária sem garantias e segurança de existir diz

respeito ao modo lançado próprio do Dasein. O Dasein cuida de sua

existência de modo próprio ou impróprio; enquanto cuida de seu ser,

49
Inwood explicita o sentido da queda utilizado por Heidegger: “La caída (em espanhol), ‘queda’, é
Fall. O prefixo ver - dá a verfallen e Verfall um tom de declínio e deterioração.(...) Apesar do
sentido de deterioração, Heidegger insiste que Verfallen não é um termo de desaprovação moral,
nada tendo em comum com a acepção cristã de queda da graça. (...) Heidegger dá três
explicações daquilo em que Dasein caiu e, implicitamente, de onde Dasein se afastou (ST, 175): 1.
Verfallen significa: ‘Dasein está antes de tudo e, na maioria das vezes, junto ao [bei] ‘mundo’ de
sua ocupação’ (ST, 250). 2. ‘Esta absorção em...[Aufgehen bei...] geralmente possui o caráter de
estar perdido na publicidade do impessoal’. 3. “Decair no ‘mundo’ significa ser absorvido no ser-
um-com-o-outro, à medida que isto é guiado pelo falatório, pela curiosidade e pela ambigüidade’”
(INWOOD, 2002, p.31).
50
Fürsorge é um existencial e se refere ao modo do Dasein ser-com-os-outros, é um dos membros
da tríade Sorge, Fürsorge e Besorge. Fürsorge é usado para falar da relação entre Daseins. O
cuidado com os outros acontece tanto no modo próprio quanto no modo impróprio.

43
assume o seu poder-ser, isto é, assume ser para as possibilidades

abertas na existência.

O existencial do cuidado [Sorge] é denominado por Heidegger

como o ser do Dasein. O modo de ser desse ente enquanto cuidado é

antecipar-se a si mesmo [Sich-vorweg-sein] junto a, isto é, já se

encontrar no mundo. A noção de cuidado, elaborada por Heidegger,

pretende demonstrar que nossa atitude no mundo não é primeiramente

cognitiva e teórica, seja em relação a nós mesmos, às coisas e aos

outros, mas se refere ao modo de ser próprio concebido como cuidado,

de já ser lançado em um mundo entregue a si mesmo, ou seja, o Dasein

tem a tarefa de cuidar de si, de viabilizar a sua própria existência.

Antecipar-se a si mesmo é uma condição peculiar ao Dasein como ser-

no-mundo. Isto significa que ele existe projetado para adiante de si. O

cuidado pode ser compreendido como um conjunto de disposições que

compõem o existir humano, seja no modo de antecipar-se a si mesmo

[Sorge], um ater-se a uma certa situação [Fürsorge] ou ocupar-se com

as coisas com as quais se encontra [Besorge]. Com esse existencial,

Dasein retoma o domínio de si mesmo e pode assumir sua unidade

fundamental, como existência, facticidade e queda. Enfim, com o

existencial do cuidado Heidegger pretende demonstrar a totalidade das

estruturas ontológicas do Dasein como ser-no-mundo.

44
Um importante existencial descrito em Ser e Tempo é o da

angústia51 [Angst], no qual Heidegger aponta uma característica

fundamental da existência humana — ser-para-a-morte, pois a angústia

é a disposição afetiva que revela o nada da existência, ou seja, a

possibilidade da impossibilidade de existir. Assim, o Dasein se angustia

com o seu próprio ser, com a indeterminação de sua morte. Segundo o

autor, é na disposição da angústia52 que o Dasein é convocado a ser

responsável por si mesmo. Sendo assim, a angústia convoca53 para a

apropriação de seu poder-ser, pois, retirando o Dasein da dispersão

peculiar da queda, possibilita a sua singularidade e liberdade de escolher

a si mesmo. Na convocação da consciência [Ruf des Gewissens], o

Dasein é chamado a existir no modo da propriedade a assumir o vazio

de estar lançado no mundo para o fim, pois a convocação para


51
O conceito de angústia empregado na Analítica Existencial é fortemente inspirado na filosofia de
Soren Kierkegaard. A angústia, segundo Kierkegaard, pode ser entendida como a atitude do
homem diante de sua situação no mundo. É o sentimento puro da possibilidade que se apresenta
ao homem sem nenhuma garantia de realização. A angústia, segundo o autor, é um sentimento
que jamais deixa de estar presente no homem. Alguns trechos selecionados (da obra de 1968)
para elucidar a sua explicitação da angústia:
“(...) Angústia é a realidade da liberdade como puro possível”, p.45
“A liberdade (como possível) anuncia-se em plena angústia; nestes comenos, uma simples censura
poderá fazer desabar o ser da angústia”, p.79
“O homem constituído pela angústia é constituído pela possibilidade e apenas aquele que a
possibilidade forma está formando em sua infinitude. Por essa razão, a possibilidade é a mais difícil
das categorias” (KIERKEGAARD, 1968,p.158).
O ponto central de Kierkegaard que Heidegger assume é considerar a angústia como revelação
afetiva e possibilidade constitutiva da situação humana.
52
“La angustia revela en el Dasein el estar vuelto hacia el más propio poder-ser, es decir, revela su
ser libre para la liberdad de escogerse y e tomarse a sí mismo entre manos.” (HEIDEGGER, 2005,
p.210).
53
A convocação se dá através do que Heidegger chamou de voz da consciência ou Clamor. A voz
da consciência é um fenômeno originário do Dasein que se contrapõe à familiaridade e tagarelice
do impessoal. Neste fenômeno originário, Dasein clama por si mesmo, é um discurso silencioso
que convoca para a condição de possibilidades de poder-ser si mesmo. O dizer silencioso da voz
da consciência significa poder assumir o ser e estar em débito, próprio do Dasein — Ver § 60 ST.

45
apropriação de sua própria e peculiar condição vem acompanhada da

compreensão da morte54. Deste modo, entendemos como a angústia

revela o modo temporal e finito do Dasein, como também o seu modo

singular de ser responsável, isto é, ser cuidador de ser. Podemos

entender como o Dasein angustia-se, tendo sido já afetado pela

possibilidade da morte. A angústia se desentranha diante da

possibilidade de estar lançado para a impossibilidade de existir. A

compreensão da morte no sentido ontológico revela ao Dasein a sua

finitude, ou seja, o Dasein não pode ser pensado como uma totalidade

acabada, mas como ser para o fim sempre em vias de findar.

É a partir da morte que o Dasein se descobre como duração — sua

condição existencial se esgota. A morte é um fenômeno existencial que

singulariza e diz respeito a cada Dasein. Existindo, já possui sua morte;

Heidegger denomina esta constituição fundamental de ser-para-a-morte

[Sein-zum-Tode]. A morte não é um acontecimento no transcurso da

vida, mas um modo próprio de o Dasein assumir a si mesmo, ou seja, é

a sua condição mais própria.

Dasein é enquanto existe e descobre que o tempo, que ele mesmo

é, termina. Portanto, para discutir a compreensão do tempo na

existência do Dasein, Heidegger parte do fenômeno existencial da

morte.
54
O fenômeno existencial da morte será tratado no capítulo 3.

46
Até o momento descrevemos as estruturas existenciais que

revelam, segundo o autor, o modo de ser do Dasein e assim,

consideramos a sua totalidade no fenômeno da cura, pois neste se

mostra o ser do Dasein. É o modo de antecipar-se a si mesmo que

permite ao Dasein ser todo, apreender a sua existência lançada com a

tarefa de ter que ser. Mas resta, ainda, submeter as estruturas a uma

análise temporal (que Heidegger desenvolve na parte II da segunda

seção de ST).

É importante, também, esclarecer que o tempo, assim como as

demais estruturas, foi discutido, ontologicamente, partindo de

considerações da compreensão cotidiana para desdobrar o sentido

próprio do fenômeno. Essa discussão em ST evidenciou que o tempo

não está encerrado na dimensão do presente, mas deve ser

compreendido a partir da dimensão do futuro. O tempo não é isto ou

aquilo, observa Heidegger, pode ser compreendido como a possibilidade

de cada Dasein apropriar-se de sua extrema condição – a morte. Logo,

o tempo se abre pela da compreensão da morte e o Dasein se descobre

como um ente temporal.

É na resolução precursora da morte [Entslossenheit Vorlaufen] que

o Dasein se projeta para adiante de si (para a morte), para o futuro;

nesse movimento se dá conta de seu fim e volta para o seu ainda estar

47
aí e, desta maneira, se apropria do tempo de modo originário —

temporalidade própria [eigentliche Zeitlichkeit]. Neste sentido, a

temporalidade enquanto projetar-se para o futuro revela-se como o

sentido ontológico do cuidado. A descrição da temporalidade possibilita

compreender a unidade da existência. (A discussão do fenômeno do

tempo será explicitada no capítulo 4). Com isto, a compreensão da

história55 se tornará acessível com base na temporalidade própria, pois

é ancorada nessa compreensão que a dimensão temporal desse ente se

torna evidente.

O tempo próprio fundamenta a história. Neste sentido, a história

não é a narração dos fatos humanos ou dos acontecimentos do passado,

mas a história explicitada pelo autor é constitutiva do Dasein e

fundamentada no horizonte do tempo. A história autêntica do Dasein se

dá na apropriação da possibilidade mais própria que advém do futuro e

permite ao Dasein retornar a si mesmo, assumindo seu estar lançado, e,

com isso, abre sua destinação. História autêntica, denominada

historicidade própria [eigentliche Geschichtlichkeit], compreende o

acontecer nessa unidade existencial entre nascimento e morte do

Dasein. O acontecer denota a idéia de movimentação, de realização que

o Dasein empreende ao compreender sua própria finitude. O Dasein

possui um projeto existencial que tem uma duração e chega ao fim.

55
No presente capítulo apresento a idéia central da historicidade elaborada em ST, mas a
discussão propriamente encontra-se no capítulo 5.

48
Quando compreende a impossibilidade da existência, a própria morte, o

Dasein volta-se para si, para suas possibilidades mais próprias (para o

já ter sido lançado no mundo), assume sua facticidade e decide-se por

empreender sua, existência. Heidegger nos mostra, na explicitação de

ST, que a compreensão da história não é uma característica ou

propriedade empírica, mas o modo como Dasein acontece no mundo.

A possibilidade de acesso à história funda-se na possibilidade


de um presente poder realmente compreender-se como sendo
algo futuro. Este é o primeiro enunciado de toda hermenêutica.
Ele diz algo sobre o ser do ser-aí56, que é a historicidade
mesma (HEIDEGGER, 1997, p.37).

Segundo Heidegger, a história é modo próprio de ser do Dasein. O

Dasein é histórico quando se apropria do tempo. Escreve o autor:

“Histórico é o modo como me relaciono com aquilo que vem ao meu

encontro, com o que está presente e com o que já foi”. (HEIDEGGER,

2001, p.181).

As estruturas fundamentais do Dasein foram explicitadas para

mostrar, brevemente, o contexto de discussão de Ser e Tempo, como

também, para dar suporte e fornecer os elementos necessários para

56
As citações foram retiradas do texto “O Conceito de Tempo”, da edição de 1997, na qual o
tradutor utiliza o termo ser-aí para o termo alemão Dasein. No presente estudo, optei por utilizar o
termo original do autor — Dasein, mesmo com essa diferença na tradução mantive algumas
citações dessa obra, por achar relevante para a compreensão da discussão acerca da
Historicidade.

49
compreender a historicidade. Os elementos selecionados para a

discussão fundamentam a compreensão do Dasein como ente temporal

e histórico e deste modo, podemos conduzir o estudo da história.

50
Capítulo 3

A importância do conceito de morte para a compreensão da

totalidade do Dasein em Ser e Tempo

O presente capítulo pretende expor a noção da morte discutida por

Heidegger em Ser e Tempo no intuito de construir um caminho para

abordarmos a noção da temporalidade e, subseqüentemente, da

historicidade do Dasein.

A exposição do conceito de morte na obra de Heidegger já se

encontra presente desde 192257, nos seus escritos acerca da vida

fáctica, entretanto, trata-se de um esboço inicial em comparação aos

escritos elaborados em Ser e Tempo. Todos os esforços do autor

concentram-se em inaugurar uma nova compreensão do conceito de

morte com base em uma fundamentação ontológica.

A compreensão da morte que vigorava na década de 20 na

tradição filosófica e das ciências médicas referia-se a uma ordem de

fatos e coisas naturais ou a uma visão espiritual e religiosa. A morte é

percebida como um fato verificável quando se atesta o falecimento do

ser vivo, ou seja, um organismo finda. Essas considerações estão

57
Nas Interpretações fenomenológicas sobre Aristóteles: Indicação da situação hermenêutica.

51
presentes na biologia e nas ciências médicas. Em uma outra apreciação,

a morte pode ser entendida como início do ciclo da vida, quando se

admite a imortalidade da alma; como considerava Platão, a ‘separação

entre a alma e o corpo’ (ABBAGNANO, 2003, p.683). A separação entre

corpo e alma permite iniciar um novo ciclo para a alma que se

desprendeu do corpo material. Uma outra perspectiva para compreender

a morte é como fim do ciclo da vida, ou seja, o findar da vida permite

um descanso das atribulações pertinentes ao viver. Essa é uma

concepção muito comum no cotidiano, “aquele que morre descansa”. A

morte compreendida religiosamente em uma perspectiva bíblica

representa uma pena pelo pecado original. Essas breves considerações,

acima esboçadas, são ultrapassadas, ou melhor, superadas no momento

em que Heidegger elabora a compreensão da morte como possibilidade

que sempre vigora na existência do Dasein. As reflexões ulteriores

pretendem elucidar a nova perspectiva de compreensão do fenômeno da

morte.

O conceito de morte em Ser e Tempo, assim como os conceitos de

tempo, história, compreensão, interpretação são explicitados do ponto

de vista fenomênico. Heidegger entende que tal explicitação favorece a

ampliação e a análise dos conceitos. Ao tratá-los como fenômenos, o

autor amplia a compreensão dos conceitos para além do que é

manifesto e encontra o aspecto velado ou inaudito presente em cada um

52
deles. Assim sendo, o conceito de morte examinado em Ser e Tempo

compreende tanto o sentido vulgar do fenômeno, isto é, o sentido

comum compartilhado com todos no cotidiano, quanto o sentido

originário, inaugurado por Heidegger através da análise fenomenológica

hermenêutica, que compreende as condições de possibilidades em que o

fenômeno se dá — trata-se de uma compreensão que não se dá

imediatamente, mas requer uma análise ontológica conforme proposta

pelo autor.

Pretendemos explicitar o fenômeno da morte no sentido comum,

ou seja, no modo de acesso mais imediato em que Dasein é interpelado

acerca da morte no cotidiano, bem como no sentido existencial58, no

qual Heidegger refere conter o aspecto primordial de um fenômeno.

Antes de qualquer consideração acerca da morte, podemos dizer

que a morte revela o fim, o término. O fim do tempo que temos, o fim

da vida animal e vegetal. Algo chegou ao fim. O entendimento da morte

como fim é um tema difundido e conhecido no dia-a-dia.

No sentido comum, na conversa popular, a morte é entendida

como um fim, porém, trata-se de um fim que acontece às pessoas. A

compreensão da morte como um mero acontecimento na vida denota

58
A palavra existencial é utilizada na tradução chilena de Ser e Tempo e designa as condições
ontológicas ou fundamentais do Dasein (ST, 2005).

53
um distanciamento e, de certa maneira, um alheamento dessa

possibilidade. As pessoas morrem, nós morremos, mas não se sabe

quando; um dia a morte chega.

Morrem pessoas próximas e distantes. Desconhecidos ‘morrem’


diariamente e a toda hora. ‘A morte’ comparece como um
evento habitual dentro do mundo (HEIDEGGER, 2005,
p.273)59.

A morte é conhecida pelo Dasein. Todos sabem do fim da

existência mesmo quando nada querem dela saber, escreve Heidegger.

“O ‘saber’ e o ‘não saber’ acerca do mais próprio ser em direção ao fim,

que de fato sempre impera no Dasein” (HEIDEGGER, 2005, p.271)60.

No entanto, o modo como Dasein lida no dia-a-dia com a morte

faz dela um acontecimento indefinido que diz respeito ao outro. Acerca

da morte ouvimos e conhecemos piadas, ditos populares, poemas que

conferem ao outro o morrer, embora a mortalidade esteja para todo

Dasein; um dito popular conhecido que demonstra certeza e

distanciamento da morte diz: “para morrer basta estar vivo”61. A

incerteza da morte é tão acentuada neste dito popular que não chega a

atingir o Dasein; é um evento distante. Há um conhecimento e um

entendimento que circula sobre a morte e o morrer nos ditos populares,


59
“Este o aquel cercano o lejano ‘muere’. Desconocidos ‘mueren’ diariamente y a todas horas. ‘La
muerte’ comparece como um evento habitual dentro do mundo” (HEIDEGGER, 2005, p.273).
60
“El ‘saber’ o ‘no saber’ acerca del más próprio estar vuelto hacia el fin, que de hecho siempre
impera en el Dasein” (HEIDEGGER, 2005, p.271).
61
Fonte desconhecida, dito popular.

54
nos obituários dos jornais, nas missas e rituais de sepultamento, ou

seja, há um espaço no cotidiano para acolher a morte. Mesmo

observando diferentes modos de dizer e acolher a morte no cotidiano,

ainda assim a morte referida neste contexto é uma ocorrência pela qual

o Dasein ainda não foi atingido: “(....)algum dia se morre, mas no

momento ainda não” (HEIDEGGER, 2005, p.275)62.

No dia-a-dia a morte não é compreendida como uma possibilidade

constitutiva da existência do Dasein. Ao contrário, a morte é

compreendida como um fato indefinido no transcurso da existência que

cedo ou tarde nos atinge.

Então, Heidegger constata que a experiência da morte

compartilhada no dia-a-dia é impessoal, diz respeito a todos e ao

mesmo tempo a ninguém, todos morrem, mas enquanto o Dasein não

for atingido, experiencia a morte junto ao que se foi. A experiência da

morte, do deixar de existir, acontece com a morte de um ente próximo

ou pelos casos ouvidos e conversados.

Não experimentamos, em sentido próprio, o morrer dos outros,


no máximo, somente ‘assistimos’ a ele (HEIDEGGER, 2005,
p.260)63.

62
“... uno también se muere alguna vez, pero por el momento todavía no” (HEIDEGGER, 2005,
p.275).
63
“No experimentamos, en sentido próprio, el morir de los otros, sino que, a lo sumo, solamente
‘asistimos’ a él” (HEIDEGGER, 2005, p.260).

55
Nas situações de morte, de pesar, o Dasein se aproxima da dor do

outro, especialmente daqueles que ficam e choram pelo finado, mas a

rigor não assumimos a morte do outro – compadecemo-nos com o

sofrimento. A morte não é intercambiável ou substituível; não se morre

por alguém, a não ser metaforicamente. A morte singulariza cada

Dasein, pois cada um encontra e tem a possibilidade de assumir a sua

própria morte.

No cotidiano, nas tarefas diárias, nas discussões sobre as doenças,

nas ciências médicas ou nos casos de falecimento, o dizer é sobre a

morte e não como somos afetados na nossa condição de ser-para-a-

morte. Heidegger nos chama a atenção para esta dimensão do

fenômeno no cotidiano: o Dasein, no dia-a-dia, no viver comum, dilui e

encobre64 sua condição mais própria de ser-para-a-morte. O

encobrimento acontece pela dificuldade em acolher a sua condição

finita. O Dasein se angustia65 perante seu fim e, então, foge e se

dispersa de si mesmo, entrega-se ao cotidiano em seus assuntos e

tarefas numa compreensão de conformidade, junto com os outros.

64
Kisiel refere, em suas considerações sobre os escritos de Heidegger, que a noção de
encobrimento advinda da queda do Dasein no mundo na análise do fenômeno da morte, somente
aparece nos escritos de novembro de 1924. É nesse período que Heidegger enfatiza a importância
da indeterminação da morte e a absorção no mundo, que leva o Dasein ao esquecimento da
possibilidade da morte.(KISIEL, 1993, p.339).
65
“La angustia no es sólo angustia ante..., sino que, como disposición afectiva, es al mismo tiempo
angustia por. Aquello por lo que la angustia se angustia no es un determinado modo de ser nin una
posibilidad del Dasein. En efecto, la amenaza misma es indeterminada y, por consiguiente, no
puede penetrar amenazadoramente hacia este o aquel poder-ser concreto fáctico. Aquello por lo
que a angustia se angustia es el estar-en-el-mundo mismo.” (HEIDEGGER, 2005, p.209-210).

56
Portanto, não se apropria de sua condição finita o seu poder-ser mais

próprio – a morte.

Na angústia diante da morte o Dasein é levado diante de si


mesmo,mantendo-se entregue à possibilidade insuperável
(HEIDEGGER, 2005, p.274)66.

Este modo de o Dasein se distanciar da própria morte demonstra o

peso de existir como ente que nasce e já se dirige para o fim; contudo,

em grande parte dos momentos, Dasein se encontra, como afirma

Heidegger, na queda, neste modo de impropriedade.

O cotidiano ser em direção à morte é queda, uma contínua


fuga de si mesmo (HEIDEGGER, 2005, p.274)67.

A impropriedade é um modo de existir legítimo e peculiar ao

Dasein que, entregue ao cotidiano, busca familiaridade, tranqüilidade,

referência e conformidade para existir. Mesmo disperso de sua condição,

o Dasein possui sua morte; é um ser-para-a-morte no modo impróprio,

isto é, um ente que nasce e se dirige para o seu fim interpretando-se

impropriamente. Como escreve Heidegger em O Conceito de Tempo,

mesmo não querendo saber, Dasein sabe de sua morte.

66
“En la angustia ante la muerte el Dasein es llevado ante sí mismo como estando entregado a la
posibilidad insuperable” (HEIDEGGER, 2005, p.274).
67
“El cotidiano estar vuelto hacia la muerte es, en tanto que cadente, un continuo huir ante ella”
(HEIDEGGER, 2005, p.274).

57
Na impropriedade, desencontrado de si mesmo, o Dasein vive a

maior parte de seus dias com o entendimento da morte como um fato

ou ocorrência vaga e distante, ocultando sua condição finita. No

entanto, esse entendimento perfaz um aspecto do fenômeno da morte,

o outro aspecto que Heidegger salienta em Ser e Tempo é o aspecto

ontológico. Com a explicitação do fenômeno da morte na dimensão

ôntica, acima referida, e posteriormente com a dimensão ontológica,

compreenderemos a totalidade do fenômeno, isto é, a possibilidade do

Dasein de se compreender em sua condição de ser-para-a-morte na

dispersão do dia-a-dia e na apropriação de si mesmo assumindo o seu

fim.

Na compreensão da morte em sentido próprio _ ontológico, o

autor demonstra a totalidade e a singularidade do Dasein, retirando-o

da tendência à dispersão e fuga, devolvendo-o para si mesmo. O

desenvolvimento ontológico da morte permitiu a Heidegger ultrapassar

as concepções tradicionais estabelecidas e propor, a partir deste novo

conceito, um outro acesso ao tempo e à história, conforme veremos.

Ontologicamente a morte não pode ser compreendida como um

acontecimento que ainda não chegou, pois a morte pertence à condição

mais própria do Dasein, a morte constitui cada Dasein desde o momento

em que existe. Existindo, Dasein já se dirige para o seu fim e, portanto,

58
a existência desse ente é permeada de finitude. A concepção da morte

como uma possibilidade sempre presente na existência, que Heidegger

aproxima para a analítica do Dasein, é uma concepção já considerada

por Dilthey68 em 1905, assinala Abbagnano. Dilthey afirmava que a

morte não poderia ser tratada como acontecimento que inicia ou

termina o ciclo da vida, mas, sim, como um modo profundo que limita a

existência e, ao mesmo tempo, torna-se decisiva para compreender a

vida.

Segundo Kisiel (1993), Heidegger reconheceu também a

importância das colocações de Jaspers69 sobre o conceito de situação-

limite (a morte) para sua analítica, pois o conceito expressa a situação

decisiva e essencial da natureza humana no seu modo inevitável de ser

finito. Esse contexto de discussão acerca da morte possibilitou a

Heidegger selecionar as concepções mais pertinentes para elaborar o

poder ser todo do Dasein. Isto é, compreendendo a morte

ontologicamente, o Dasein é revelado como um projeto existencial

singular e finito que dispõe de um tempo para se desdobrar, ou seja,

possui uma duração para cuidar de si mesmo.

Assim sendo, a morte em sentido próprio pode ser entendida

como a possibilidade constitutiva mais própria e extrema de ser do

68
Na obra Experiência vivida e poesia (1905).
69
Na obra Psychology of Worldviews (1919).

59
Dasein. O Dasein chega ao fim, possui uma duração; não tem um tempo

infinito, porém ganha tempo a partir de apropriar-se de sua condição

finita. A compreensão da morte ontológica, ao contrário do que se diz no

cotidiano, não pode ser interpretada com uma familiaridade tal que

encubra o sentido mais próprio e singular da morte do Dasein, mas deve

liberá-lo para dispor de sua existência com as possibilidades disponíveis.

Entendida como um fenômeno primordial, a morte é singular, isto

é, irremissível, intransferível, indeterminada e incontestável; é uma

possibilidade sempre “minha” que não remeto ao outro e não posso

negociar ou alterar, isto é, cada Dasein possui sua morte, não como um

fato empírico que possa ser alterado, mas como uma condição inerente

a si mesmo, que delimita o seu fim – a morte compreende a totalidade

de cada existir. A morte pertence ao Dasein, ou seja, o Dasein se

encontra com a morte como a possibilidade de não existir.

Com esta explicitação da morte em sentido próprio, Heidegger

alcança um novo dizer acerca da morte fora do contexto dos fatos

naturais, religiosos ou espirituais. A morte, segundo o autor,

circunscreve a condição do Dasein como finita, em que cada Dasein

sempre possui a sua própria morte como a possibilidade mais extrema.

60
Segundo Heidegger, quando Dasein compreende a morte como “a

possibilidade enquanto a impossibilidade da existência em geral”70,

como a possibilidade de não existir, mantém-se no que o autor

denomina adelantarse71[Vorlaufen].

Semelhante ser em direção à possibilidade, chamaremos de


adiantar-se à possibilidade (HEIDEGGER, 2005, p.281)72.

No movimento de adiantar-se a si [Vorlaufen], Dasein assume sua

existência como possibilidades. As possibilidades assumidas não estão

remetidas a uma realização em particular, pois a morte não oferece

nada para o Dasein realizar, mas apenas diz respeito ao modo em que

Dasein acontece, ou seja, no modo do poder-ser. O Dasein compreende

no adiantar-se à morte o seu modo de estar lançado para a

possibilidade mais própria (seu fim), e assim se depara com a disposição

afetiva fundamental e privilegiada da angústia [Angst]. A angústia como

modo existencial privilegiado de abertura do Dasein abre o mundo como

mundo, isto é, arrasta o Dasein na ameaça indeterminada do ‘nada’,

para a impossibilidade da sua existência. Isto quer dizer que a ameaça

não advém de um ente intramundano específico, mas, sim, de sustentar

70
“la posibilidad en cuanto de la imposibilidad de la existencia en general” (HEIDEGGER, 2005,
p.281).
71
O termo adelantarse é utilizado na tradução chilena de Ser e Tempo, e antecipar, na tradução
em português. Adelantarse ou Antecipar referem-se (no alemão) ao Vorlaufen. Utilizarei, no
presente texto, adiantar-se para traduzir [Vorlaufen], que “explicita um modo de ser que se
caracteriza, essencialmente, por dirigir-se para” (HEIDEGGER, 1993, p.258).
72
“ Semejante estar vuelto hacia la posibilidad lo llamaremos adelantarse hasta la posibilidad”
(HEIDEGGER, 2005, p.281).

61
o sentimento genuíno da própria possibilidade, ou seja, sustentar a

ameaça indeterminada de sua morte e apropriar-se de sua condição de

ser-para-a-morte.

De fato, a ameaça mesma é indeterminada e, por conseguinte, não


pode penetrar ameaçadoramente em direção a este ou aquele poder-
ser fáctico concreto. Aquilo pelo que a angústia se angustia é o ser-no-
73
mundo mesmo (HEIDEGGER, 2005, p.209-210) .

A angústia revela dois aspectos importantes para a

fundamentação da analítica do Dasein: O primeiro aspecto é o caráter

ameaçador que revela o peso da existência, pois o Dasein é ameaçado

em seu ser-no-mundo e se angustia de ser em possibilidades, lançado

na indeterminação de sua morte certa, irremissível e insuperável. O

segundo aspecto é o caráter singularizador e liberador presente no

fenômeno da angústia. A angústia singulariza o Dasein abrindo-o para

seu próprio poder ser, ou melhor, para o seu ser possível. E mesmo

diante de toda tensão presente na revelação do ser finito, o Dasein

acolhe a angústia de ser e estar lançado para o fim e, assim torna-se

livre da opressão do cotidiano para assumir e escolher a si mesmo. O

Dasein é livre para encontrar-se consigo mesmo e ser o que já sempre

foi – lançado em possibilidades com a responsabilidade de ser.

73
“En efecto, la amenaza misma es indeterminada y, por consiguiente, no puede penetrar
amenazadoramente hacia este o aquel poder-ser concreto fáctico. Aquello por lo que la angustia
se angustia es el estar-en-el-mundo mismo” (HEIDEGGER, 2005, p.209-210).

62
A caracterização do adiantar-se [Vorlaufen] à morte é

extremamente relevante para a compreensão da morte em sentido

próprio, pois através do adiantar-se à morte o Dasein se afasta da

compreensão niveladora que a morte recebe no cotidiano e abre-se para

o futuro e apropria-se do tempo. Em face do peso advindo da angústia

para assumir sua condição finita, o Dasein busca uma compreensão

imprópria, decaída acerca da morte, ou seja, a morte acontece em

algum momento, mas não agora. A compreensão da morte no cotidiano

permanece dispersa e difusa. E somente no adiantar-se à morte o

Dasein compreende a convocação em assumir seu próprio fim, sua

condição singular e finita. Portanto, no adiantar-se à morte o Dasein

pode retomar-se e compreender-se como ser-para-a-morte em sentido

próprio.

O fenômeno da morte como a extrema possibilidade demonstra o

poder ser todo do Dasein, isto é, sua condição fundamental. No

movimento do adiantar-se à morte, o Dasein se dá conta dos seus

limites bem como da irreferencialidade da morte, assim sendo,

compreende a totalidade, a singularidade e a liberdade presentes em

sua existência, pois a compreensão, acima referida, brota da

impossibilidade de existir. A morte encerra o projeto, portanto, ela

delimita e dá o sentido do próprio existir. Compreender-se como um

ente finito, que dispõe de um tempo no mundo junto com os outros para

63
empreender sua existência, provoca a angústia diante da

impossibilidade do existir, mas também convoca o Dasein a assumir a si

mesmo com um destino diante de uma comunidade.

A presente exposição permite compreender que Heidegger

estabeleceu uma fundamentação ontológica para o conceito de morte,

para retirá-lo de uma ‘visão de mundo’ simplificada, impessoal e

encoberta que não oferecia o acesso ao sentido mais próprio da

integralidade (ser todo) e da subsistência (existir) do Dasein. A morte

afeta e torna finita a existência e, deste modo, resta ao Dasein

desdobrar-se nas possibilidades disponíveis.

Desenvolveremos, a partir da presente explicitação, o estudo da

temporalidade própria e imprópria para compreendermos como Dasein

dispõe do tempo e viabiliza sua existência, pois acreditamos que, desta

maneira, construiremos o caminho para tornar mais esclarecedora a

noção de historicidade do Dasein, conforme descrita por Heidegger.

64
Capítulo 4

Considerações acerca da temporalidade em Ser e Tempo

Pretendemos abordar a noção de tempo74, segundo Heidegger,

para compreendermos como a historicidade75 do Dasein está

fundamentada no tempo.

Com base nas considerações acerca da morte, apresentadas

anteriormente, explicitamos que a morte, como um fenômeno

74
A discussão acerca do tempo, no presente capítulo, baseia-se em três textos de Heidegger, que
nos permitem aproximar da noção de tempo, segundo o autor. Os textos utilizados são: O Conceito
de Tempo (1924), Ser e Tempo (1927), tradução de Rivera, e Seminários de Zollikon (1965).
Utilizamos também o texto The Genesis of Heidegger’s Being and Time (1993), de Kisiel.
O texto O Conceito de Tempo, de 1924, foi preparado para uma conferência apresentada para a
Sociedade de Teólogos de Marburgo. Nesse estudo, o autor investiga detalhadamente o modo
mais adequado de abordar e compreender o tempo. Heidegger explicita de maneira contundente,
embora preliminar, a noção de temporalidade que desenvolverá posteriormente em Ser e Tempo.
A obra Ser e Tempo nos oferece uma discussão profunda e detalhada da analítica do Dasein, bem
como da temporalidade, no intuito de explicitar a questão do ser em geral.
Os Seminários de Zollikon, um trabalho realizado de 1959 a 1970 entre Heidegger e Boss,
contavam com a participação de médicos. As discussões ocorriam a partir dos fundamentos
ontológicos heideggerianos e situavam-se em torno das seguintes questões: os fundamentos da
psiquiatria clássica e da psicanálise, bem como dos fenômenos saudáveis e patológicos do ser
humano. Na atual discussão, esse texto é esclarecedor, sobretudo, nos seminários de discussão
acerca do tempo, pois Heidegger explicita com muita clareza noções complexas acerca do tempo,
já expostas em Ser e Tempo.
O texto The Genesis of Heidegger´s Being and Time, como o próprio título sugere, problematiza a
constituição, ou melhor dizendo, a origem da discussão presente em Ser e Tempo. Kisiel, de uma
maneira cuidadosa e consistente, oferece os caminhos iniciais em que Heidegger foi
problematizando as questões sobre o sentido do ser, sobretudo na década de 20, e que em 1927
culminou com a publicação de Ser e Tempo. O texto é extenso. Portanto, utilizo a parte três “Three
Drafts of Being and Time”, que centraliza os aspectos relevantes para discutir a noção do tempo.
75
O sentido da historicidade será explicitado detalhadamente no capítulo 5. Somente para situar e
elucidar inicialmente o contexto da presente discussão: “A historicidade de Dasein depende de seu
acontecimento ou ‘historização’, o modo peculiar pelo qual ele se estende entre seu nascimento e
sua morte” (INWOOD, 2002, p.84).

65
existencial revela a remissão76 entre Dasein e tempo. A compreensão da

morte permite ao Dasein se descobrir como um ente finito que possui

uma duração, um tempo para existir. Portanto, a compreensão do

tempo se abre a partir da finitude, isto é, do adiantar-se à morte

[Vorlaufen in den Tod] em sentido próprio.

A compreensão da morte como possibilidade última traz o modo

de ser singular do Dasein, qual seja, ser-para-a-morte, assim como

permite a compreensão do tempo em sentido próprio. No entanto,

segundo o autor, a compreensão do tempo não se mostra ao Dasein no

modo próprio, a partir da compreensão de sua possibilidade extrema. O

entendimento do tempo mais habitual ao Dasein acontece no decorrer

de seus dias no cotidiano, isto é, na realização de cada tarefa

estabelecida, nos parâmetros medidos pelo uso do relógio, do

calendário, na alternância de dia e noite. A informação mais próxima

sobre o tempo é que contamos com o tempo e medimos o tempo. Para

compreendermos como Dasein lida e dispõe do tempo, porém,

precisamos abordar alguns aspectos desse fenômeno.

As discussões realizadas por Heidegger acerca do tempo na

conferência O Conceito de Tempo, Ser e Tempo ou Seminários de

Zollikon, guardando a especificidade de cada obra, mantêm uma

76
Remissão é utilizada no texto com o sentido de “ação ou efeito de remeter, de referir-se”
(FERREIRA, 1999, p. 1740).

66
preocupação comum, isto é, desvelar77 o que seja o tempo. Para o

autor, o tempo não pode ser caracterizado como movimento, tampouco,

como instantes sucessivos e homogêneos que podemos medir. O tempo

não é isto ou aquilo, ou melhor, o tempo não é uma coisa, mas

podemos dizer que o tempo se mostra como um fenômeno.

Se perguntarmos pelo que é o tempo, então não devemos


agarrar-nos precipitadamente a uma resposta – isto ou aquilo
é o tempo – que sempre designa um o que (HEIDEGGER,
1997, p.39).

A preocupação de Heidegger já nos anos 20, segundo Kisiel,

anterior à publicação de Ser e Tempo, era elaborar um novo conceito de

tempo que pudesse explicitar a complexidade e retirar as expressões e

conceitos tradicionais que, segundo Heidegger, mantêm a discussão do

tempo como ordem mensurável do movimento ou como movimento

intuído. Em ambas perspectivas, a compreensão do tempo funda-se na

primazia do presente, ou como explicita Heidegger, em diferentes

passagens de seus textos, ‘no tempo do agora’. O tempo do agora

representa um aspecto do tempo e não seu fenômeno original.

Heidegger, ao tratar a questão do tempo, dialogou com diferentes

autores da Filosofia, entre eles Aristóteles, Kant e Hegel. E, segundo as

reflexões do autor, o fenômeno original do tempo não se encontra na

77
Utilizo a palavra desvelar com o significado de dar a conhecer, aclarar, esclarecer. (FERREIRA,
1999, p.669).

67
medição ou mensuração do tempo, como elucida a definição de

Aristóteles ‘o Tempo é o número do movimento segundo o antes e o

depois’ (ABBAGNANO, 2003, p.945). E há ainda, outros filósofos na

História da Filosofia que compartilharam desta concepção aristotélica do

tempo.

O tempo, para Kant, não representa uma ordem de sucessão, mas

uma ordem causal. O tempo, para o autor, não é um conceito empírico

que pode ser obtido com base na experiência, mas o tempo é dado a

priori. Não é um conceito discursivo ou universal, mas uma “forma pura

da intuição sensível”. O tempo não é algo que subsista por si mesmo,

ele adere, segundo Kant, ao sujeito que o intui.

Logo, o tempo é simplesmente uma condição subjetiva da nossa


(humana) intuição (que é sempre sensível, isto é, na medida em que
somos afetados por objetos), e em si, fora do sujeito, não é nada
(KANT, 1999, p.80).

A compreensão de Kant é importante para a Filosofia, apesar de

apresentar um caráter centrado na intuição humana, no que é intuído

no imediato, ou seja, em uma dada sucessão causal.

A concepção de tempo como movimento intuído descrito por Hegel

é discutida por Heidegger, sobretudo, no §82 de Ser e Tempo, onde

Heidegger aponta a justaposição de espaço e tempo efetuada naquela

68
explicitação. Hegel elaborou a concepção de tempo como intuição do

movimento ou ‘devir intuído’, ou seja, trata-se de uma mudança

absoluta que faz o movimento do ser ao nada e do nada ao ser.

Conforme esse ponto de vista, o tempo é “o passo não pensado que

simplesmente se apresenta na seqüência de agoras” (HEIDEGGER,

2005, p.444)78.

As concepções de tempo, acima mencionadas, não são eliminadas

por Heidegger, mas, ao contrário, discutidas e compreendidas à luz de

sua fenomenologia hermenêutica, ou seja, à luz da destruição

fenomenológica da história da ontologia com a pretensão de recolocar,

nesse momento, a problematização acerca do tempo. E é com essas

reflexões acerca do tempo que Heidegger busca avançar na elaboração

do fenômeno.

Heidegger sustentou, em 1924, que havia uma conexão entre o

ser humano (Dasein) e o tempo; de algum modo privilegiado, o humano

é interpelado pelo tempo, e que, portanto, a partir dele poderíamos

compreender o tempo. O tempo não pode ser compreendido como

sucessão de movimento, intuição, devir, e não está circunscrito em um

“agora” pontual. Segundo considerações de Kisiel (1993), Heidegger

78
“el paso no pensado que simplemente se presenta en la secuencia de los ahoras”
(HEIDEGGER, 2005, p.444).

69
apresenta dois tempos diferentes para reconduzir a questão; o tempo

próprio e o tempo comum a todos “The time proper to me; the time

commom to Everyone: two different times”79(KISIEL, 1993, p.345). As

duas dimensões do tempo não são separadas, ao contrário, compõem a

totalidade do fenômeno. O tempo comum a todos é o que Heidegger

compreende como o tempo presente, isto é, a interpretação do imediato

que o Dasein absorvido no mundo realiza sobre o tempo. E o tempo

próprio é o que define o ser do Dasein e que advém do futuro.

O desdobramento do tempo em comum e próprio, ou os “dois

tempos diferentes” como chamou Kisiel, representa uma das grandes

contribuições de Heidegger para a Filosofia, pois revela a complexidade

envolvida na discussão e elaboração do que seja o tempo, isto é, ele

mostra as diferentes dimensões de acesso ao tempo, ao mesmo passo,

aponta a tensão entre o tempo do cotidiano e o tempo próprio na

existência do Dasein. A tensão denota o próprio movimento constitutivo

do Dasein de esquecer (encobrir) sua condição finita e perder-se de si,

mas ter a possibilidade de retomada. O tempo se torna acessível ao

Dasein, conforme veremos adiante, no entanto, assume modos

diferentes em cada âmbito da existência.

79
Tradução livre: “O tempo próprio para mim; e o tempo comum a Todos: dois tempos diferentes”.

70
Kisiel (1993) recupera em seu texto uma nota na qual o próprio

Heidegger, em correspondência com Löwith, em 1927, observa que

antes dele ninguém havia fundamentado a ontologia onticamente. Essa

relação ôntico-ontológica que Heidegger explicitou a partir da

constituição própria do Dasein como possibilidade de acesso à questão

do ser abre um novo horizonte de questionamento ao tempo. Passemos

à exposição da nova compreensão da temporalidade extática

[Ekstase]80.

A temporalidade exposta por Heidegger compreende o tempo

como fenômeno. Isto é, o tempo não se revela em sua totalidade, mas

solicita um esclarecimento passo a passo para elucidar as distintas

dimensões nele presentes. Então, devemos primeiramente analisá-lo, a

fim de compreender o modo de acesso, segundo o autor, mais adequado

para abordar tal fenômeno. E este acesso não se dará do ponto de vista

abstrato, mas no modo concreto, ou seja, partimos da existência

cotidiana81 do Dasein, ente que interroga e responde acerca do tempo;

pois a existência cotidiana favorece a demonstração fenomenal que se

“Ekstase(n) vem do grego existanai, deslocar, desordenar (...) Heidegger reanima o sentido
80

original de ‘sair de si’: o tempo sai de si para o passado, presente e futuro” (INWOOD, 2002,
p.141).
81
Cotidianidade se refere “evidentemente, a aquel modo de existir en que el Dasein se mantiene
‘todos los dias’ (...). el término cotidianidad mienta um determinado cómo de la existencia: el que
domina al Dasein durante toda su vida” (HEIDEGGER, 2005, p.385).

71
quer explicitar, conforme as considerações de Heidegger em Ser e

Tempo.

O Dasein, como afirmamos anteriormente, é um ente que

interroga sua própria condição e compreende seu modo de ser-no-

mundo, junto com os outros e junto às coisas. O Dasein é ser-no-

mundo, é um ente que se encontra numa pertinência com o mundo,

com os outros e com as coisas; a pertinência referida é a unidade que

perfaz a totalidade desse fenômeno. A designação do Dasein como ser-

no-mundo refere-se à sua constituição fundamental.

Ser-aí enquanto ser-no-mundo significa: estar de tal modo no


mundo que este ser designe: lidar com o mundo, permanecer
nele num modo de fazer algo, de realizar, de efetuar, mas
também de contemplar, de questionar e de determinar por
observação e comparação (HEIDEGGER, 1997, p.17-19).

Existindo o Dasein já perfaz esta tríplice unidade, isto é,

demonstra sua estrutura eqüiprimordial. Em virtude de seu modo

remissivo aberto pela compreensão, podemos dizer que o Dasein guarda

uma relação de pertinência com o tempo, ou seja, de algum modo é

interpelado pelo tempo no mundo e, desta maneira, pergunta pelo

tempo.

Para explicitar o fenômeno do tempo e o modo como Dasein é

interrogado por ele, pretendemos descrever as diferentes dimensões do

72
tempo elaboradas por Heidegger, para dar conta das inovações

conceituais estabelecidas para discutir o fenômeno. São elas:

1o) A temporalidade imprópria do Dasein, também denominada

como queda [Verfallen], pois neste modo de compreensão e apreensão

do tempo, Dasein se ocupa do tempo;

2o) A intratemporalidade [Innerzeitigkeit], denominada como

tempo do mundo [Weltzeit]. Com a descrição da intratemporalidade

levamos em conta o tempo do mundo, o tempo disponível a todos no

cotidiano que vem ao encontro dentro do mundo (o tempo referente às

coisas), o modo como Dasein conta com o tempo;

3o) A temporalidade própria do Dasein, também denominada como

resolução precursora da morte [Entschlossenheit Vorlaufen Tod]. Nesse

modo de compreensão e apreensão do tempo, Dasein é o próprio

tempo. A compreensão do tempo como um fenômeno primordial do

Dasein, a partir da resolução precursora da morte, revela o tempo não

como sucessão linear, mas como um horizonte circular e simultâneo

denominado pelo autor como horizonte extático do tempo. As êxtases82

da temporalidade são: porvir, sido e presente83.

82
A palavra êxtase utilizada por Heidegger em ST traz a idéia de movimento, do projetar-se para
fora de si, do dirigir-se para.
83
As três êxtases da temporalidade são, segundo Heidegger: Zukunft; na tradução chilena,
“porvenir” próprio. No texto utilizo a designação porvir, êxtase que designa o caráter futural do

73
Com a explicitação da temporalidade imprópria, da

intratemporalidade e da temporalidade própria, podemos fundamentar a

existência do Dasein como um ente temporal. Resta-nos adiante, para

complementar a análise, demonstrar o seu caráter histórico na descrição

da historicidade com base nas considerações da temporalidade descritas

segundo a fenomenologia hermenêutica.

4.1 Temporalidade Imprópria

A pergunta e a compreensão do tempo mais imediata e comum

surge no cotidiano. O Dasein compreende o tempo a partir de seu dia-a-

dia, das tarefas e atividades que realiza, de seus empreendimentos e

desempenho para si junto com os outros. Nesse desempenho mantém

uma relação de conformidade consigo e com os outros na busca de

familiaridade e regularidade para existir. Esse modo de existir no

cotidiano, característico do ocupar-se84[Besorgen] no mundo, é

denominado de modo impróprio. O Dasein existe e se reconhece a partir

Dasein. Gewesenheit; na tradução chilena, “haber-sido” próprio. No texto utilizo a designação sido
para a êxtase que revela o modo como Dasein já sempre é ‘lançado’ no mundo. Gegenwart; na
tradução chilena, “presente” próprio. No texto utilizo a designação presente para a êxtase que
mostra o modo em que o Dasein se apropria dos entes intramundanos sem distorções, sendo
aquilo que podem ser em sua manualidade.
84
“(....) usa-se a expressão ‘ocuparse de’[Besorgen] na presente investigação como um termo
ontológico para designar (....) o ser de uma determinada posibilidad de estar-en-el-mundo”
(HEIDEGGER, 2005, p.83). Para o termo ocupar-se, da tradução chilena, utilizamos os termos
“ocupar-se, envolver-se no mundo” ou “estar absorvido” como sinônimos.

74
do envolvimento no mundo, pois existir de modo impróprio é a sua

condição legítima, peculiar e freqüente.

Imerso no cotidiano, na convivência com os outros, Dasein vê

passar as horas, os dias, os meses, contando o tempo no uso do relógio

e no calendário. O tempo que aparece é o tempo a partir de suas

tarefas, das questões imediatas que surgem do presente — o tempo

assim apreendido na cotidianidade é descrito como tempo ocupado. A

compreensão do tempo como tempo ocupado se dá pelo fato do Dasein

se entregar ao cotidiano como um modo de existir apaziguador e

familiar para dispersar a sua condição mais própria de ser-para-a-morte

[Sein zum Tode]. Ao buscar a conformidade com os outros em um

discurso idêntico, no qual todos compartilham suas idéias e suas

tarefas, evitando as surpresas e o que é estranho, o Dasein se mantém

no modo caracterizado por Heidegger como queda ou estar caído

[Verfallen].

O Dasein se compreende, escreve Heidegger, na uniformidade, na

convivência impessoal, caído, pois não suporta sua condição de existir

lançado no mundo e entregue à responsabilidade de si mesmo para

cuidar-se. Angustiado diante de estar lançado na ameaça indeterminada

da morte, foge e refugia-se no mundo cotidiano. Entrega-se no

envolvimento do mundo e nas solicitações mais imediatas, isto é,

75
dispersa-se de si mesmo, da sua condição finita. Ou seja: Dasein se

angustia diante do seu poder-ser [könnensein] mais próprio, ser-para-a-

morte.

Contudo, o Dasein empenha-se nos afazeres, nas atividades,

espera e faz planos, mas não está comprometido com a situação

esperada, está distante de seu poder-ser mais próprio, e esse modo

impróprio de compreender o futuro Heidegger denominou de espera

[Gewärtigen]. Distanciado de si mesmo no modo da espera, o Dasein

fecha-se para o seu ser e estar lançado constitutivo, e esquece de seu

modo de poder-ser em possibilidades, e assim, toma o tempo

impropriamente no modo denominado de esquecimento

[Vergessenheit]. Esquecendo-se do seu modo de ser originário, o

Dasein se ocupa com as coisas do mundo e realiza as solicitações

imediatas que vêm ao seu encontro; esse modo de ser entregue às

falações e ocorrências cotidianas o autor denominou como o sentido

impróprio do presente, como presentação [Gegenwärtigen].

Somente uma convocação, a resolução85[Entschlossenheit],

advinda da sustentação da angústia, pode levar o Dasein a recuperar-se

85
“O ‘estado de resolução’ indica um modo de abertura do ‘Dasein’: Este eminente modo próprio
de la aperturidad, atestiguado en el Dasein mismo por su conciencia – el callado proyectarse en
disposión de angustia hacia el más propio ser-culpable - es lo que nosotros llamamos la resolución
[Entschlossenheit]. La resolución es un modo eminente de la aperturidad del Dasein”
(HEIDEGGER, 2005, p.314).

76
da dispersão, encontrando a si mesmo e, portanto, apropriando-se de

sua condição finita (conforme veremos na temporalidade própria).

A explicitação do tempo no cotidiano revela um dos modos como

Dasein compreende o tempo e dele dispõe, ou seja, empenhado nas

atividades e cuidando das tarefas, está disperso de si, porém

comprometido com o que é imediato, junto ao tempo impróprio

(presente). Então, as solicitações no cotidiano convidam-no a, a partir

das tarefas, a dispor do tempo, medindo e calculando.

Com a descrição da temporalidade imprópria [uneigentliche

Zeitlichkeit], Heidegger situa esse modo de acesso ao tempo, acima

mencionado, como o tempo comum a todos. O tempo assim

caracterizado revela sua dimensão ôntica, o seu enredamento no

presente. Diante das considerações acerca da temporalidade imprópria,

passaremos à explicitação do que seja o tempo que vem ao encontro no

mundo.

4.2 Intratemporalidade

A explicitação da intratemporalidade86 tornará mais clara a

essência do tempo público, do tempo do mundo. Compreendemos, por

meio da elucidação da temporalidade imprópria, que o Dasein descobre

86
“O Dasein não é apenas temporal: enquanto Dasein de facto é também <no tempo>” (DASTUR,
1990, p.116).

77
o tempo a cada momento, no cotidiano, na relação com os outros;

descobre o tempo ‘para algo’ em virtude de seus afazeres e

empreendimentos. Ou seja, concebe o tempo com base nas tarefas,

interpretando-o como algo que é imediato. A compreensão do tempo a

partir do envolvimento no mundo não é um tempo que Dasein

reconhece como seu, mas é o tempo que dá a si mesmo, e que

impessoalmente está disponível no mundo.

Portanto, arrebatado no cotidiano, escapa ao Dasein qualquer

possibilidade de compreensão do tempo que não seja aquela em que

pode contá-lo.

Posto que o Dasein existe essencialmente como lançado e


decaído, em sua ocupação interpreta o tempo na forma de
uma contagem do tempo (HEIDEGGER, 2005, p.426)87.

A contagem do tempo é uma característica do estar absorvido no

mundo, pois o Dasein descobre o tempo no mundo, como tempo para

algo e disponível para todos — o tempo é publico. Quanto mais o Dasein

se ocupa do tempo e se orienta impessoalmente, mais conta com o

tempo e torna-o disponível para todos. O tempo pode ser contado

porque de algum modo ele nos é dado. O Dasein mantém uma

proximidade com o tempo que permite contar com o tempo e quantificá-

87
“Puesto que el Dasein existe esencialmente como arrojado y cadente, en su ocupación interpreta
el tiempo en la forma de um cómputo del tiempo” (HEIDEGGER, 2005, p.426).

78
lo, “Porque sempre só posso tomar algo que me é dá-vel [Geb-bar]”

(HEIDEGGER, 2001, p.69).

Contar com o tempo para algo e por ele se orientar é um modo

peculiar ao Dasein que antecede qualquer medição ou uso de relógios,

já “ter tempo” é o que possibilita mensurá-lo. Contar com o tempo

manifesta-se nas maneiras de dizer: tenho tempo, leva tempo,

desperdicei tempo, falta tempo; estas expressões mostram as

estruturas88 pertinentes ao tempo, pois, segundo Heidegger, à medida

que o Dasein interpreta o tempo na convivência, já indica o ‘para quê’

deste tempo e não compreende o tempo sem uma significância — “O

tempo é sempre tempo para algo. O tempo é sempre o tempo em que

isto ou aquilo acontece” (HEIDEGGER, 2001, p.87).

A contagem no tempo público se refere a um tempo apropriado ou

inapropriado para efetuar as tarefas que respondem ao imediato, ao que

é presente. O Dasein compreende o tempo, a partir do presente, como

possibilidade de ser contado, datado, “agora em que isto acontece”,

“agora que o vaso quebrou”. Mas essa compreensão do tempo do

mundo é uma possibilidade ancorada na temporalidade imprópria do

Dasein. O tempo, segundo o autor, também pode ser quantificado no

88
Os caracteres do tempo são databilidade, interpretabilidade, amplitude temporal e estado
público. Ver Seminários de Zollikon (HEIDEGGER, 2001, p.74-75).

79
cotidiano como mera coisa, isto é, pode ser compreendido como uma

sucessão linear de instantes idênticos ou seqüência de ‘agoras’, um após

o outro.

O tempo é passível de ser medido somente quando é


constituído homogeneamente. O tempo é, assim, um
desenrolar, cujas fases estão numa relação mútua do mais
tarde com o mais cedo. (HEIDEGGER, 1997, p.13-15).

A essa quantificação ou mensuração Heidegger denominou

compreensão vulgar [Verständnis Vulgäre] do tempo. A compreensão

vulgar do tempo acontece quando há um nivelamento do tempo público.

O tempo é compreendido como mera coisa, sem o caráter do ‘para quê’,

isto é, sem a possibilidade de o tempo estar remetido a algo em um

contexto de significância.

A elucidação da intratemporalidade, como tempo do mundo,

mostra como Dasein ‘está no tempo’ e como se compreende a partir do

tempo que vem ao encontro dentro do mundo. Compreende o tempo do

mundo a partir da contagem do tempo, no uso do relógio que se atém

no presente e não consegue unir as dimensões do tempo; então, fica

disperso e entregue às ocupações cotidianas junto ao tempo impróprio.

Abordamos a temporalidade da queda como o sentido impróprio

do fenômeno do tempo, assim como a condição do Dasein no tempo

pela compreensão da intratemporalidade como tempo do mundo.

80
Passaremos, em seguida, a descrever um outro aspecto do tempo que

contribui, juntamente com os aspectos anteriores, para compreender a

totalidade do fenômeno.

4.3 Temporalidade Própria

Tanto na descrição da temporalidade da queda quanto na

intratemporalidade, constatamos a pertinência do Dasein ao tempo, isto

é, o tempo de algum modo diz respeito a esse ente, por isso, pode

contar com ele e quantificá-lo. Embora o fenômeno do tempo no sentido

primordial, proposto por Heidegger, não seja nem o ‘contar com’ nem o

‘quantificar’ o tempo, podemos dizer que ambos derivam do

denominado tempo primordial ou próprio.

O entendimento do tempo em sentido próprio se dá pela

compreensão do adiantar-se à morte89[Vorlaufen]. É no adiantar-se à

morte, na compreensão da finitude, que o Dasein se abre e se apropria

do tempo.

A morte, conforme foi tratada, é um modo de ser próprio ao

Dasein, que, existindo, já possui sua morte. Ao nascer, esse ente já se

dirige para o fim. Mesmo que não lide com ela, na temporalidade da

89
O adiantar-se à morte diz respeito ao adiantar-se à possibilidade extrema realizada pelo Dasein
na apropriação de sua condição de ser-para-a-morte.

81
queda o Dasein sabe, de algum modo, de sua condição finita; porém,

encobre-a, refugiando-se nas tarefas diárias, enquanto na

temporalidade própria o Dasein resoluto assume sua impossibilidade de

existir, de não estar mais aí. Quando o Dasein é afetado pela sua

possibilidade mais própria, a morte, ele se angustia diante dessa

ameaça indeterminada. No entanto, o Dasein resoluto diante da

silenciosa convocação da consciência [Ruf des Gewissens] sustenta a

tensão da angústia advinda de ser finito, assumindo e se apropriando de

sua condição de ser-para-a-morte. Ao apropriar-se da sua condição de

ser-para-a-morte assume a si mesmo, ou seja, o seu poder-ser mais

próprio: encontra-se consigo mesmo. A resoluta convocação da

consciência não é para uma possibilidade específica da existência, senão

para a possibilidade de retornar a si mesmo, isto é, o Dasein volta a si

mesmo para o seu poder-ser lançado no mundo sem ruídos e dispersões

e, desta maneira, escolhe a sua existência porvindoura. Neste sentido, é

através da resolução precursora [Entschlossenheit Vorlaufen] que o

Dasein se descobre como tempo.

Projetar-se para a possibilidade da impossibilidade de existir, para

o futuro90, próprio da resolução precursora, retira o Dasein da dispersão

presente no cotidiano e revela a singularidade e a finitude de sua

90
O termo futuro é utilizado como sinônimo de porvir no presente texto e indica a designação
elaborada por Heidegger do ‘adiantar-se’. “(...) El ‘antes’ y ‘anticiparse’ indican ese futuro que, en
definitiva hace posible que el Dasein pueda ser de tal manera que le vaya su poder-ser”
(HEIDEGGER, 2005, p.345).

82
condição. Contudo, cada Dasein deve encontrar-se com sua própria

morte, com seu fim intransferível. A compreensão de sua existência

finita, adiante de si, mostra-o como duração — ao Dasein é concedido

um tempo. Apropriar-se como duração, com um tempo, situa o Dasein

em seu ainda estar aí, e deste modo, é convocado para retornar a si e

empreender sua existência.

Portanto, o Dasein torna-se temporal, ou seja, é o próprio tempo

quando projeta-se para o futuro, compreendendo sua extrema

possibilidade: “O ser-aí, apreendido em sua extrema possibilidade de

ser, é o próprio tempo, não está no tempo” (HEIDEGGER, 1997, p.27).

Assim sendo, o futuro é a dimensão temporal que se abre na

resolução precursora da morte e disponibiliza a compreensão do tempo

próprio. Esse é o modo originário de acesso ao tempo, que Heidegger

denominou temporalidade própria [eigentliche Zeitlichkeit].

Somente à medida que o Dasein está determinado pela


temporalidade, torna-se possível para si mesmo o modo
próprio do poder-ser-todo que temos caracterizado como
resolução precursora (HEIDEGGER, 2005, p. 344)91.

O Dasein, em sua constituição fundamental, conforme

salientamos, já se encontra lançado adiante de si em um mundo junto

às coisas e com os outros. O seu próprio modo de ser, como cuidado, é

91
“Sólo en la medida en que el Dasein está determinado por la temporeidad, hace posible para sí
mismo el modo propio del poder-estar-entero que hemos caracterizado como resolución
precursora” (HEIDEGGER, 2005, p.344).

83
antecipar-se-a-si mesmo [Sich-vorweg-sein] em um mundo, ocupando-

se das coisas em co-existência. Isto quer dizer que o Dasein, por sua

própria condição, projeta-se em direção ao futuro.

Projetar-se para o futuro permite ao Dasein compreender-se como

um ente finito que, ao apropriar-se de seu poder-ser mais próprio,

retorna a si mesmo para o que já sempre tem sido, ou seja, sua

condição de lançado no mundo. O retornar a si mesmo do Dasein,

sustentando a ameaça indeterminada de sua condição, o porvir próprio,

[Zukunft] Heidegger chamou de adiantar-se ao precursar [Vorlaufen].

O já ter sido, ou seja, a retomada a si mesmo, abre-se a partir do

futuro. O Dasein apropria-se de sua condição de já ter sido lançado

quando retorna a si mesmo, após assumir-se como possibilidade finita

pela abertura compreensiva da resolução precursora da morte. A esse

fenômeno originário do tempo o autor denominou repetição

[Wiederholung]. Do mesmo modo que o ter sido se abre a partir do

futuro, nas considerações acerca do tempo propostas por Heidegger, o

presente também é temporalizado (torna-se temporal) pelo futuro.

Novamente, a resolução precursora da morte, com seu caráter

“liberador”92, retira o Dasein da dispersão das atividades cotidianas

92
As aspas são acrescentadas por mim. A utilização da expressão ‘caráter liberador’ pretende
designar o modo próprio em que na resolução precursora é liberada, ou seja, é permitida ou
concedida a apropriação da totalidade do Dasein para ele mesmo.

84
compartilhadas no modo desencontrado de si, e coloca-o agindo por si

mesmo e apropriando-se de seu ser mais próprio. A esse modo de

compreensão do presente próprio o autor denominou instante

[Augenblick].

Portanto, o tempo é compreendido, por Heidegger, a partir do

adiantar-se à morte circular e simultaneamente, ou seja, o tempo

acontece na apropriação da possibilidade extrema no horizonte extático,

e não em uma sucessão temporal irreversível onde as dimensões

temporais presente, passado e futuro são encerradas em si mesmas.

O fenômeno do tempo elaborado por Heidegger apresenta

inovações relevantes em contraposição ao tempo como ordem

mensurável, que apresenta simultaneidade das suas partes (uma

seqüência de instantes um após o outro) ou devir intuído, onde ambas

as concepções interpretam o tempo a partir do presente. Para o autor, o

tempo deve ser compreendido como o modo de ser do Dasein e não

como cronologia.

Ao descrever a pertinência do Dasein ao tempo, o autor estabelece

a diferença ontológica e retira o tempo da compreensão meramente

presente. Isto é, o Dasein, por sua constituição existencial ôntico-

ontológica privilegiada, possui um acesso ao tempo tanto no cotidiano,

na dimensão ôntica, quanto na dimensão ontológica, uma vez que

85
possui a compreensão de ser. O tempo no cotidiano oferece ao Dasein

uma linguagem comum, um calendário compartilhado, uma organização

necessária à convivência. Contudo, quando Heidegger descreve a

convocação da consciência e a resolução precursora da morte, ele cria

uma nova proposta de compreensão e apreensão do tempo. O

fenômeno do tempo aparece, então, tematizado nas dimesões: ôntica e

ontológica, quebrando a primazia do presente e incorporando o primado

do futuro. Em verdade, Heidegger propõe uma eqüiprimordialidade das

dimensões temporais (porvir, sido e presente); isto quer dizer que todas

as dimensões são temporalizadas (tornam-se temporais)

simultaneamente, e juntas se articulam e formam uma tríplice unidade

co-originária. Essa tríplice unidade, designada como êxtase, é, cada

qual, um horizonte possível de o tempo se abrir; entretanto, há primazia

de uma delas em cada modo temporal: “As êxtases não são

simplesmente saídas de si mesmas em direção a..., senão que às

êxtases lhe pertence também um “em direção a que’ da saída”

(HEIDEGGER, 2005, p.380)93.

As êxtases explicitam, conforme mencionado, cada modo

temporal, seja em sentido próprio ou impróprio, contudo, elas se

temporalizam a partir de diferentes momentos estruturais. Os

93
“Los éxtasis no son simplemente salidas de sí mismo hacia..., sino que al éxtasis le pertenece
también un ‘hacia qué’ de la salida” (HEIDEGGER, 2005, p.380).

86
momentos estruturais se referem à unidade estrutural do cuidado94

[Sorge] e são eles: compreensão, queda, disposição e discurso. Cada

um desses fenômenos da abertura do Dasein torna-se temporal a cada

vez em uma das êxtases, embora todas as êxtases sejam

temporalizadas95. Em suma, o esquema horizontal descrito a partir da

tríplice unidade possibilitou não achatar sobre o presente as demais

determinações do tempo, ao contrário, permitiu com o primado do

futuro diluir a força do imediato.

Outros aspectos significativos na discussão do tempo são a

convocação da consciência como um modo autenticador do tempo, pois

interrompe a conformidade e a familiaridade instaurada no cotidiano

pelo Dasein. Conforme discutido, a convocação retira o Dasein da

indiferença em relação a sua condição de ser-para-a-morte. Trata-se de

uma auto-retomada para o Dasein, visto que ele se apropria de sua

morte encoberta na existência cotidiana. A compreensão da morte como

fenômeno também oferece uma importância potencial na discussão do

94
“cuidado...: en alemán, Sorge... Tal como lo advierti el próprio Heidegger, el término Sorge
designa solamente una estrutura existencial y no un fenómeno existentivo como sería, por ejemplo,
el de la preocupación, de la inquietud o de la solicitud... El cuidado debe ser entendido en este
contexto en el sentido del conjunto de disposiciones que constituyen el existir humano: un cierto
mirar hacia delante, un atenerse a la situación en que ya se está, un habérselas con los entes en
medio de los cuales uno se encuentra” (HEIDEGGER, 2005, p.484).
95
O fenômeno da compreensão se torna temporal a partir do porvir; o fenômeno da disposição
afetiva se torna temporal a partir do sido; e a queda, a partir do presente, e o discurso não se torna
temporal por uma dada êxtase específica.

87
tempo, já que evidencia o ser todo do Dasein e, com isso, torna finita a

existência do Dasein.

A resolução precursora descrita é extremamente significativa para

consolidação do novo conceito de tempo que Heidegger pretendeu

elaborar desde o início dos anos 20, que toma forma na publicação de

Ser e Tempo. Na resolução precursora modo da temporalidade extática

o Dasein torna-se porvindouro, ou seja, a própria resolução só é

possível porque o Dasein, em sua constituição fundamental, é projetado

para o futuro, sempre já vem a si. Com a descrição dessas estruturas,

Heidegger inaugura a concepção de tempo como possibilidades, ou seja,

como projeção.

Até aqui pretendemos explicitar a temporalidade própria, salientar

que o sentido do tempo é o próprio Dasein. Heidegger nos demonstrou,

com a descrição do tempo próprio, que o conceito tradicional do tempo

como seqüência de instantes sucessivos e idênticos ou a sucessão

temporal presente, passado e futuro não compreendem o acesso

primordial para tratar do tempo, mas apenas dizem respeito à

compreensão vulgar do tempo. O tempo ocupado com o qual Dasein

conta em seus dias foi descrito na temporalidade imprópria e deriva do

tempo próprio; por sua vez, o tempo como sucessão de agoras diz

88
respeito à compreensão vulgar de tempo com origem na

intratemporalidade.

A temporalidade possibilita a unidade da existência, ou seja,

possibilita uma compreensão da totalidade do Dasein. Ao realizarmos a

discussão dos modos de ser do Dasein no contexto da temporalidade

imprópria, intratemporal e própria, segundo Heidegger, demonstramos a

pertinência do Dasein ao fenômeno do tempo.

A temporalidade própria, segundo Heidegger, constitui o modo de

ser do Dasein, ou seja, é a condição fundamental de cada existir. Assim,

a explicitação da temporalidade nos oferece os elementos para

compreender o sentido temporal do Dasein. E o sentido temporal se

mostra, conforme dito, na projeção em direção ao futuro, na resolução

precursora da morte. Pretendemos, agora, elucidar o caráter histórico

do Dasein baseados na demonstração fenomenal do tempo próprio.

Fundamentada na temporalidade própria que descobre o Dasein

como ente temporal, explicitaremos a historicidade que, conforme

escreve Heidegger, é desentranhada como concretização da

temporalidade: “a interpretação da historicidade do Dasein se revela,

89
em última instância, como uma elaboração mais concreta da

temporalidade”. (HEIDEGGER, 2005, p.398)96.

96
“la interpretación de la historicidad del Dasein se revela, en última instancia, como una
elaboración más concreta de la temporeidad” (HEIDEGGER, 2005, p. 398).

90
Capítulo 5

A explicitação da historicidade como possibilidade de

compreensão do modo temporal do Dasein

Consideramos relevante desenvolver nos capítulos anteriores uma

explicitação geral da discussão acerca da História, assim como, uma

discussão dos fenômenos da compreensão da morte e da temporalidade

em sentido próprio, que são aspectos fundamentais e imprescindíveis

para a discussão da historicidade como o caráter do ser do Dasein.

Com a elucidação da temporalidade própria, ou seja, do precursar

da morte, descobrimos o fundamento temporal do Dasein. No precursar

da morte, o Dasein compreende seu projeto existencial finito e assume

seu desdobrar-se temporal, isto é, entende-se como duração e retorna

para si mesmo para empreender sua história. Sua condição existencial

inacabada e lançada no mundo com a responsabilidade de ter que ‘ser’

solicita o cuidado como modo próprio de ser desse ente.

Compreendemos o sentido temporal do Dasein pela explicitação da

morte em sentido próprio, da temporalidade própria, da temporalidade

no cotidiano e da intratemporalidade e, com isso, descrevemos o fim do

Dasein. Para completarmos a análise do sentido temporal, precisamos

considerar, com base na compreensão do tempo explicitado segundo

Heidegger, o começo, ou seja, o nascimento como um fenômeno

91
pertencente à existência, que, junto com a morte, constituem a

totalidade desse ente. O desdobramento entre nascimento e morte diz

respeito ao modo de acontecer do Dasein na existência.

5.1 Apresentação dos caminhos para compreender a história em

Ser e Tempo

A história constituiu um foco de interesse nos estudos de

Heidegger, não do ponto de vista epistemológico, conforme as

discussões presentes na Alemanha do século XIX, mas assumiu um

interesse ontológico em resposta ao debate vigente. No entanto,

Heidegger acompanhou e sofreu grande influência, observa Kisiel

(1993), com as correspondências e escritos de Dilthey e Yorck acerca da

historicidade. Heidegger salientou que o interesse comum entre ele e os

dois autores citados girava em torno da compreensão da historicidade, e

“Historicidade não é ‘história do mundo’, mas antes, ser-

histórico”(KISIEL, 1993, p.323).

Dilthey entende que a história deveria se tornar o centro

fundamental da compreensão. Ele buscava estruturar uma ciência,

elaborando uma teoria do ser humano através da história concreta do

espírito; tentava trazer “a vida para uma compreensão filosófica”

(HEIDEGGER, 2005, P.413). Procurava diferenciar o ser da natureza e o

ser da história, mas Yorck apontou, na ocasião, a pouca diferença entre

92
a compreensão ôntica e histórica no trabalho de Dilthey, que Heidegger

entendeu ser o ponto fundamental para consolidar a filosofia da vida

elaborada por Dilthey (tema discutido no § 77de ST97).

Apesar das críticas esboçadas por Heidegger ao projeto de Dilthey,

o autor homenageia-o como o grande pensador que perguntou acerca

da vida. Heidegger considerou que as idéias de Dilthey e Yorck foram

fundamentais, segundo ele, para avistar o problema enfrentado, nessa

filosofia. Ou seja, Heidegger localizou o problema no modo de

questionar o ser, ainda, nas bases da ontologia tradicional, e assim,

pôde buscar um outro caminho na ontologia fundamental que

possibilitou estabelecer a diferença entre ser e ente e, com isso,

descrever a historicidade do Dasein. Para Heidegger, outros dois

aspectos relevantes, da filosofia de Dilthey, conforme mencionado,

foram: compreender o sentido da história e da vida (do ser humano).

Acerca do sentido da vida, Heidegger oferece sua própria contribuição,

discutindo a tensão entre o cotidiano do Dasein e o seu modo próprio —

ontológico.

Alguns aspectos da discussão da História foram rechaçados por

Heidegger como, por exemplo, compreendê-la como uma disciplina que

97
A discussão presente no § 77 de ST, segundo Kisiel, foi escrita por Heidegger em 1924, que
tentou publicá-la em 1926, “mas o co-editor Paul Kluckhohn expressou algumas reservas sobre a
publicação do artigo pela linguagem e pelo estilo ‘ponderous’”. Heidegger conseguiu publicar o
artigo no Husserl’s Jahrbuch, ou seja, a publicação conhecida de ST (KISIEL, 1993, p.322).

93
carecia de estabelecer objeto e método em contraposição às ciências

naturais, ou uma ciência que precisava construir um sistema próprio

para justificá-la e defini-la no cenário científico. Essas considerações

sobre a delimitação e construção de método e objeto mantinham

encoberto, segundo o autor, o sentido propriamente dito da história.

Assim, ele entendia que precisava elaborar uma outra compreensão

diferente daquelas propostas pela Escola Histórica.

Heidegger considerava haver uma confluência entre história e

ontologia. Segundo o autor, já em 1925, o que tornava acessível o

modo de ser histórico era a explicitação dos fenômenos pela

compreensão da fenomenologia ontológica. Este foi o recurso

encontrado para o problema da história. Heidegger salientou que a

questão central, então, seria perguntar pelo modo de ser da história,

visto ser uma questão anterior a qualquer epistemologia. Tratava-se,

para ele, de uma investigação originária, ou seja, de uma investigação

ontológica. Na investigação ontológica, a pergunta busca o sentido

primordial acerca da história, isto é, procura revelar a condição de

possibilidade do acontecer da história.

Portanto, para fundamentar a investigação, o autor explicitou,

com base na vida concreta, as estruturas fundamentais do Dasein que

constituem uma compreensão ontológica do sentido do ser, assim como

94
retornou à História da Filosofia para recuperar os aspectos originais e

fecundos dos conceitos da tradição. Nesse movimento de construção e

destruição do método fenomenológico, o autor afastou-se da

perspectiva epistemológica presente nas discussões da Escola Histórica

e propôs uma possibilidade de compreensão fundamental da história,

isto é, perguntar pelo modo de ser da história.

Então, para diferenciar seus interesses e manter seus propósitos

ontológicos perante as discussões da questão da História em sua época,

o autor propôs inicialmente uma distinção de seu significado. Na língua

alemã são utilizadas duas palavras para designar história, Geschichte98 e

Historie99. A designação Geschichte “significa a história que acontece”100

. Quando usa essa terminologia Heidegger se refere à historicidade do

Dasein. Historie “significa o estudo sistemático de acontecimentos do

passado, historiografia”101, isto é, a ciência histórica, a realidade

histórica e a historiografia.

Com essa designação o autor delimitou sua investigação da

compreensão de história como Geschichte. No entanto, Heidegger não

abandonou o entendimento da História como Historie, mas recolocou

98
A palavra Geschichte “relaciona-se, para Heidegger, aos acontecimentos”. A palavra Geschichte
vem de geschehen - ‘acontecer’ (INWOOD, 2002, p.85).
99
A palavra Historie “vem do grego historien, ‘inquirir’” (INWOOD, 2002, p.85).
100
Inwood, 2002, p.83-84.
101
Inwood, 2002, p.83-85.

95
esse entendimento a partir da compreensão da historicidade ontológica

do Dasein, pois é pelo próprio caráter histórico do Dasein que a ciência

histórica e a historiografia podem ser tematizadas, conforme escreve o

autor.

Se o ser do Dasein é fundamentalmente histórico, resulta


evidente que toda ciência fáctica se verá envolvida nesse
acontecer [histórico]. Mas o saber histórico pressupõe de um
modo próprio e especial a historicidade do Dasein
(HEIDEGGER, 2005, p.407)102.

Em Ser e Tempo, a história foi tratada como acontecer do Dasein,

isto é, como constituição própria do modo de ser desse ente. A história

incorpora como fundamento o tempo em sua ‘tríplice dimensão’103

circular e simultaneamente, para designar o fenômeno do que seja

propriamente histórico. A consideração acerca da temporalidade nos

mostra que, a partir do futuro, Dasein compreende o seu poder-ser

próprio como um ente histórico.

Portanto, a história que vamos explicitar “não é mais a do

conhecimento histórico como método”104, mas o modo constitutivo em

que Dasein continuamente acontece na existência consigo e com os

outros, isto é, no modo da historicidade [Geschichtlichkeit]. A

“Si el ser del Dasein es fundamentalmente histórico, resulta evidente que toda ciencia fáctica se
102

verá envuelta en este acontecer [histórico]. Pero el saber histórico presupone de un modo propio y
especial la historicidad del Dasein” (HEIDEGGER, 2005, p.407).
103
A tríplice dimensão do tempo é composta pelo futuro, ter sido e presente. As dimensões do
tempo referidas estão presentes na obra Ser e Tempo, de Heidegger.
104
Stein, 2002, p.45.

96
historicidade é o modo pelo qual o Dasein viabiliza sua existência no

mundo, e como um ente histórico, não se separa da história de seu

povo e de seu destino [Schicksal].

A elaboração proposta para o presente capítulo compreende a

elucidação da historicidade própria e imprópria do Dasein. Entretanto,

para chegarmos a tal elaboração, julgamos importante considerar as

estruturas fundamentais do Dasein, essenciais para compreender a

historicidade. As estruturas essenciais que, juntas, formam o sentido

ontológico da história — historicidade são: o círculo hermenêutico ou da

compreensão, o ser com, o cuidado, morte e tempo (morte e tempo

descritos nos capítulos 3 e 4 respectivamente).

Realizadas essas considerações iniciais, passaremos a discutir as

estruturas fundamentais que, juntas, representam uma nova proposta

para uma compreensão da história na filosofia hedeggeriana.

5.2 A discussão dos elementos fundamentais para a exposição da

historicidade do Dasein

A compreensão da historicidade está diretamente vinculada à

explicitação das estruturas fundamentais da compreensão, do ser-com,

do cuidado, da morte e do tempo, pois percebemos uma relação de

97
pertinência entre tais estruturas na exposição de Heidegger, em Ser e

Tempo; isto é, há uma relação remissiva de uma estrutura a outra, cada

estrutura relacionando-se co-originariamente a outra. Logo, a

historicidade deve ser esclarecida juntamente com essas estruturas que

formam a circularidade e a unidade do fenômeno.

O primeiro elemento inegavelmente percebido em Ser e Tempo é

a circularidade própria do método fenomenológico hermenêutico, ou

seja, a explicitação de cada estrutura na analítica existencial está

remetida a uma outra estrutura, numa relação de estreito

pertencimento, lançando-nos em direção a um fenômeno que acontece

na totalidade — o Dasein como ser-no-mundo. A circularidade funciona

como a armação que dispõe toda possibilidade de aproximação e

compreensão dos fenômenos do tempo, da história, do mundo, da

morte (entre outros fenômenos explicitados em ST).

A circularidade da compreensão, deste modo, é um aspecto

presente na analítica existencial e, segundo o autor, não é um fenômeno

que deve ser evitado, mas ao contrário, deve ser positivamente

considerado.

Os esforços deverão dirigir-se, também, a saltar de um modo


originário e pleno dentro do ‘círculo’, para assegurar, desde o

98
começo da análise do Dasein, a plena visão do caráter ‘circular’
deste (HEIDEGGER, 2005, p.334)105.

O movimento circular do pensamento heideggeriano, aspecto

peculiar do método, consiste em uma explicitação cuidadosa do caminho

utilizado para indagar as questões pretendidas. O autor parte das

noções cotidianas e procura voltar às origens, a proveniência da

questão, para resgatá-las sem as distorções possíveis ao longo das

épocas. Nesse resgate dos conceitos, aspecto da destruição do método

fenomenológico, o Dasein descobre a tradição, pois a retomada do

passado que ainda vigora é o modo constitutivo em que ele apreende o

seu próprio acontecer.

Em seu ser fáctico, o Dasein é sempre como e ‘o que’ já tem


sido. Expressa ou tacitamente, ele é o seu passado. E isto não
somente no sentido de que seu passado se descuide, por assim
dizer, ‘detrás’ dele e que o Dasein possua o passado como uma
propriedade que está ainda aí e que de vez em quando volta a
atuar sobre ele (HEIDEGGER, 2005, p.43-44)106.

O movimento circular não é linear, não é dedutivo e nem pretende

explicar as questões que elege para investigar (conforme discussão do

capítulo 2). Mas a circularidade do método fenomenológico

hermenêutico possibilita reconhecer o movimento remissivo das

105
“Los esfuerzos debieran dirigirse, más bien, a saltar de un modo originario y pleno dentro de este
‘círculo’, para asegurarse, desde el comienzo del análisis del Dasein, la plena visión del caráter
circular de éste” (HEIDEGGER, 2005, p.334).
106
“En su ser fáctico, el Dasein es siempre como y ‘lo que’ ya ha sido. Expresa o tácitamente, él es
su pasado.Y esto no sólo en el sentido de que su pasado se deslice, por así decirlo, ‘detrás’ de él y
que el Dasein posea lo pasado como una propiedad que esté todavía ahí y que de vez en cuando
vuelva a actuar sobre él” (HEIDEGGER, 2005, p.43-44).

99
estruturas, ou seja, um fenômeno que se mostra como uma espiral;

como também o próprio modo de o Dasein acontecer na existência

(conforme veremos adiante). E a estrutura que articula essa

remissividade é a compreensão, pois a compreensão é a própria

projeção das possibilidades, é o poder-ser pelo qual o Dasein torna-se

acessível para si mesmo e descobre o mundo. A elucidação do fenômeno

da compreensão esclarece a importância do círculo hermenêutico no

pensamento de Heidegger.

Com o existencial da compreensão, aspecto fundamental na

discussão e elaboração do método fenomenológico hermenêutico,

Heidegger demonstra, segundo Gadamer107, com a explicitação do

círculo hermenêutico ou da compreensão, a indissolubilidade de objeto e

método, sujeito e objeto, assim como explicita a importância da

recuperação da tradição108, tanto para a compreensão das raízes e

107 ª
Gadamer, em seu livro Verdade e Método (2003, 5 edição), descreve a importância do método
fenomenológico hermenêutico de Heidegger tanto para um novo caminho para a Fenomenologia
quanto para o estudo da hermenêutica. O existencial da compreensão oferece uma nova
perspectiva de entendimento para a construção do método e do objeto na Analítica do Ser em Ser
e Tempo.
108
Importante ressaltar que o termo tradição é utilizado em Ser e Tempo como “Tradition (que
vem do latim traditio) entrega, transmissão; que tende a ser obscura e está associada com
Destruktion”. A desconstrução compreende um aspecto do método hermenêutico elaborado por
Heidegger para constituir o que chamou de ontologia fenomenológica. E utiliza o termo como
“Tradere transmitir a posse, ceder, no alemão Überlieferung tende a promover possibilidades e
está associada com a reiteração. DasÜberlieferte, ‘o que nos é transmitido’, é um dos significados
de geschichtlich, ‘histórico’. Também utiliza Erbe e Erbschaft, ‘herança’” (INWOOD, 2002, p.189).
Nesse contexto, tradição significa: “Herança cultural, transmissão de crenças ou técnicas de uma
geração para outra. No domínio da filosofia, o recurso à Tradição implica o reconhecimento da
verdade da Tradição, que, desse ponto de vista, torna-se garantia de verdade e, às vezes, a única
possível” (ABBAGNANO, 2000, p.966).

100
origens dos conceitos discutidos na metafísica, quanto para a

transmissão dos costumes e crenças do Dasein.

Através da interpretação transcendental da compreensão feita


por Heidegger, o problema da hermenêutica ganha uma
abrangência universal, e até se enriquece com o surgimento de
uma nova dimensão. A pertença do intérprete ao seu objeto,
que não conseguia encontrar uma legitimação correta na
reflexão da escola histórica, obtém agora um sentido que pode
ser demonstrado concretamente (GADAMER, 2003, p.353).

Assim sendo, a compreensão hermenêutica presente na analítica

heideggeriana contribuiu para a consolidação da hermenêutica de um

modo geral, como escreve Gadamer, como também para a elaboração

do método fenomenológico hermenêutico e para a explicitação da

questão do ser em Ser e Tempo.

A compreensão como modo constitutivo do Dasein descrito por

Heidegger pretendeu superar a dicotomia presente entre os

procedimentos explicativos das ciências naturais e os procedimentos das

ciências históricas, que assumiram o modelo compreensivo para definir

seu campo de atuação. O autor estabeleceu a noção de compreensão

como abertura originária do Dasein. A partir dessa abertura

compreensiva constitutiva o Dasein descobre o mundo, a si mesmo, os

outros e as coisas em uma conjuntura significativa. O Dasein

compreende-se como um projeto de possibilidades, como um modo de

encontro com os entes.

101
O elemento da compreensão demonstra a totalidade que perfaz as

estruturas fundamentais do Dasein. Portanto, o círculo da compreensão

ou hermenêutico deve ser entendido como uma estrutura fundamental

na análise heideggeriana que salienta a unidade das estruturas do

Dasein.

O Dasein, por sua constituição fundamental, como ser-no-mundo,

encontra-se desde sempre implicado no mundo, em uma pertinência

indissolúvel com o mundo, logo, esse ente não fala fora da história, mas

se encontra na história implicado em responder e acolher a sua

existência, como também o seu legado. A noção de compreensão

demonstra o modo como Dasein em seu poder-ser, projeta, significa e,

assim, pode abrir sua destinação.

O existir do Dasein não se dá por acréscimo, mas pela sua

pertinência com o mundo em que já se encontra lançado desde o

momento em que existe. É importante apontar essa unidade do

fenômeno da existência, uma vez que a discussão da historicidade em

Ser e Tempo é realizada considerando essa tríplice unidade (ser-com-

os-outros, junto às coisas, em um mundo).

A historicidade do Dasein é delineada nos § 72 a 77 de ST como o

acontecer do ser-com; não há nenhuma referência da história individual

do Dasein, mas da história da co-existência do Dasein. A existência do

102
Dasein pertence a uma comunidade, a um povo, pois sua condição

fundamental pressupõe a co-existência, o ser-com-os-outros. A partir

das considerações de Heidegger, a história não pode ser vista como a

somatória de experiências de vários sujeitos num dado período

temporal, visto que o existir como ser-com já pressupõe que o Dasein

sempre compreende os outros no mundo. Assim como a compreensão

abre o mundo dos utensílios na estrutura de significância, abre

conjuntamente os outros no modo da convivência, no modo da

solicitude [Fürsorge]109.

A abertura — implicada no ser-com [mitsein] — da


coexistência de outros [mitdaseins], significa: na compreensão
do ser do Dasein já está dada, posto que seu ser é ser-com, já
subsiste à compreensão de outros (HEIDEGGER, 2005,
p.148)110.

No modo de ser da co-existência o Dasein compreende os outros a

partir desse cuidado, disposto na solicitude, que ele mesmo possui. O

Dasein como ser-no-mundo é cuidador de sua existência e isto implica

dizer que em sua totalidade estrutural ele é compreendido como cuidado

[Sorge], isto é, ele compreende todas as possibilidades da existência

que diz respeito a si mesmo, aos outros e às coisas no mundo.

109
O modo da Fürsorge (no alemão) no castelhano solicitude significa “preocupación-por (los
demás)”, nota da tradução chilena de Ser e Tempo, 2005. Fürsorge (preocupação ou solicitude) é
descrito por Heidegger “como o modo básico de ser do Dasein como ser-um-com-o-outro”
(INWOOD, 2002, p.26).
110
“La apertura — implicada en el coestar — de la coexistência de otros, significa: en la
comprensión de ser del Dasein ya está dada, puesto que su ser es coestar, la comprensión de
otros” (HEIDEGGER, 2005, p.148).

103
O cuidado é o existencial que sustenta o Dasein como ser-no-

mundo, é o modo pelo qual ele instala sentido para habitar o mundo,

visto que sua condição de estar lançado no mundo para o seu poder-ser

mais próprio — a morte, angustia o Dasein, pois aberto para as

possibilidades na existência, defronta-se com a precariedade de sua

condição, que entregue a sua própria responsabilidade é convocado para

cuidar e acolher a sua existência. No poder-ser mais próprio, cada

Dasein encontra a própria morte; a possibilidade da impossibilidade

diante de todas as possibilidades abertas na existência.

A morte remete o Dasein em direção ao seu fim. É por meio do

precursar da morte, ou seja, a partir do adiantar-se à morte que o

Dasein apreende a sua possibilidade mais própria, qual seja, a morte.

No precursar da morte Dasein projeta-se para as possibilidades futuras

da existência; nesse projetar-se, Dasein se dá conta de sua totalidade e

do tempo. É diante das possibilidades do futuro, de ser-para-a-morte

autêntico, que Dasein decide assumir a si mesmo, apropriar-se de sua

condição finita. Assim, volta-se para o passado, retorna às

possibilidades já descobertas e providencia111 sua existência. O

movimento de apropriação da morte revela o modo próprio pelo qual

Dasein dispõe do tempo. No entanto, a maneira cotidiana de lidar com o

111
Providenciar: prover, atender.

104
tempo é no modo da impropriedade, desencontrado de si mesmo,

Dasein conta o tempo, vê seus dias passar — no cotidiano, o tempo

originário escapa.

O Dasein compreende seu projeto existencial como algo finito,

instável e inacabado. Logo, quando se apropria da possibilidade de sua

impossibilidade, apropria-se do tempo que ele mesmo é. A duração que

pertence a cada Dasein é indeterminada; o que podemos dizer é que

cada ente possui um tempo para realizar-se entre nascimento e morte.

Em cada passo da analítica amplia-se a constituição ontológica do

Dasein, no mesmo instante que revela a remissividade de uma estrutura

à outra. A morte é a constituição fundamental que aponta a finitude do

ente e a abertura ao tempo, e, deste modo, alcançamos o todo do

Dasein, ou seja, descrevemos o fundamento temporal do ente em sua

unidade estrutural temporalizada.

Temos, portanto, os elementos da analítica existencial que

formam os nexos essenciais para explicitar o acontecer do Dasein.

5.3 A elucidação da historicidade

Segundo as considerações de Heidegger em ST, para

completarmos a análise do todo do Dasein é preciso descrever o seu

acontecer na existência – a historicidade.

105
O ser do Dasein foi definido como cuidado. O cuidado se funda
na temporalidade. Por conseguinte, devemos buscar dentro do
âmbito desta um acontecer que determine a existência como
histórica. Desta maneira, a interpretação, a historicidade do
Dasein se revela, em última instância, como uma elaboração
mais concreta da temporalidade (HEIDEGGER, 2005, p.398)112.

Então trataremos de explicitar o modo concreto do acontecer do

Dasein. Em toda analítica fenomenológica, Heidegger demonstrou a

constituição fundamental do Dasein com base em três âmbitos: o

âmbito mais distante em que o ente se encontra – o ontológico; o

âmbito em que Dasein não é estranho a si mesmo – o pré-ontológico, e

o âmbito mais próximo e familiar – o ôntico. Para elaborar a questão do

modo de ser da história, o autor parte do âmbito ôntico onde Dasein se

encontra mais familiarizado para desdobrar a sua existência e, a partir

daí, explicita os demais âmbitos.

A história, conforme mencionado, é uma concretização da

temporalidade, ou seja, também é uma constituição fundamental do

Dasein. Portanto, podemos dizer que o Dasein é um ente histórico, à

medida que se compreende como um ente temporal a partir do

fenômeno da morte e, assim, revela a finitude de sua condição

existencial. No entanto, é necessário explicitar um outro aspecto,

conforme nos apresentou Heidegger no § 72, que compõe a unidade do

112
“El ser del Dasein ha sido definido como cuidado. El cuidado se funda en la temporeidad. Por
consiguiente, debemos buscar dentro del ámbito de ésta un acontecer que determine a la
existencia como histórica. De esta manera, la interpretación de la historicidad del Dasein se revela,
en última instancia, como una elaboración más concreta de la temporeidad” (HEIDEGGER, 2005,
p.398).

106
fenômeno — o nascimento. A morte e o nascimento conjuntamente

constituem o acontecer existencial e temporal do Dasein.

O acontecer entre nascimento e morte é o modo concreto como

Dasein se desdobra na existência. Quando Heidegger tratou desses

elementos, tratou-os como a totalidade de um fenômeno existencial. A

discussão acerca do nascimento e da morte não surgiu como um fato

histórico, mas como um fenômeno, e podemos recuperar essa questão

na nota do tradutor113 de Ser e Tempo: o Dasein compreende

(apreende, “experimenta”) a existência como uma unidade de nascer e

morrer. Em sua condição existencial e temporal, o Dasein existe lançado

e já se dirige para o fim; a extensão entre nascimento e morte

corresponde à duração, ao tempo que o Dasein dispõe para realizar-se

na existência.

Na unidade do estar lançado e do estar em fuga [flüchtigem]


ou precursantemente ser-para-a-morte [sein zum tode],
nascimento e morte se conectam na forma característica do
Dasein (HEIDEGGER, 2005, p.391)114.

113
Nota do tradutor (referente à p.391) “(....)existe nativamente [gebürtig]...’. Como se vê,
Heidegger emplea aquí la palabra gebürtig en um sentido adverbial. Gebürtig, proveniente de
Geburt, que significa nacimiento, se traduce habitualmente por ‘natural de’ (....) Que el Dasein
exista nativamente quiere aquí que su nacimiento no es un mero hecho ‘ histórico’, es decir, algo
del pasado, sino más bien algo que afecta a su existencia en todo momento: la existência humana
es vivida siempre como uma ‘existencia nacida’, es decir, como uma existencia que tiene detrás de
ella, sosteniéndola, su próprio nacimento. No se trata de que ‘sepamos’ de esto porque otros nos
dicen que algún día nacimos, sino que experimentamos la existência como ‘nascida’ y como
‘muriente” Nota de Rivera acerca de (HEIDEGGER, 2005, p.496).
“En la unidad del estar arrojado y del estar vuelto rehuyente o precursantemente hacia la muerte,
114

nacimiento y muerte se conectan en la forma característica del Dasein” (HEIDEGGER, 2005,


p.391).

107
Enquanto unidades existenciais e temporais, o nascimento e a

morte singularizam o acontecer do Dasein como ente histórico, pois

pertence ao Dasein esse modo de existir lançado no mundo em direção

ao seu fim. A movimentação do Dasein entre nascimento e morte no

mundo é entendida como historicidade, ou seja, o modo de ser da

história.

Heidegger apontou em sua investigação ontológica o modo de ser

da história, demonstrando que o ser do Dasein se constitui pela história

e, portanto, a compreensão da existência é histórica. A compreensão do

que é propriamente histórico não se encontra em uma narração de fatos

passados, em vivências individuais num período temporal ou na

construção de um saber histórico. Mas a compreensão histórica se abre

na tríplice unidade do ser-no-mundo co-originariamente com a

temporalidade própria.

O Dasein, como ser-no-mundo, abre uma cena originária, isto é,

existindo já é lançado no mundo, junto às coisas que vêm ao seu

encontro no modo da co-existência. A abertura compreensiva que

constitui o próprio Dasein conjuntamente com a resolução precursora da

morte abrem o sentido histórico do mundo, das coisas, do si mesmo no

modo da convivência. A história do Dasein é a história do ser-com-os-

108
outros que acontece no mundo. O mundo e os entes presentes nesse

contexto significativo juntamente com o Dasein também são históricos.

Nesta perspectiva ontológica, a história assume uma compreensão

singular, pois ela pertence ao Dasein assim como o Dasein pertence à

história. A compreensão da história não se separa do Dasein e vice-

versa na discussão presente em Ser e Tempo. A relação de

reciprocidade constituinte do Dasein, como ser-no-mundo, traz à tona a

compreensão da historicidade.

A historicidade como acontecer do Dasein pode se dar de modo

impróprio, isto é, quando o Dasein está mais próximo e familiarizado

com o seu mundo cotidiano, mas também a historicidade pode se dar de

modo próprio, quando Dasein pode assumir sua destinação. Vamos

descrever o acontecer tanto no modo impróprio quanto no modo

próprio.

5.4 Historicidade Imprópria do Dasein

Segundo Heidegger, o Dasein em seu cotidiano conhece o tempo a

partir do seu envolvimento, de suas tarefas, portanto se mantém

entregue às solicitações do imediato, do que surge no presente.

Envolvido com seus afazeres, com as coisas que precisa comprar, com

as pessoas que precisa encontrar, permanece disperso de si mesmo e,

deste modo, entende a história como uma seqüência de vivências, fatos

109
e acontecimentos que transcorrem no dia-a-dia: “O Dasein cotidiano

está disperso na multiplicidade do que se passa diariamente”

(HEIDEGGER, 2005, p.405)115.

Contudo, a história fica caracterizada como uma percepção de algo

que passou ou de antiguidades conservadas. A compreensão da história,

desse modo, se dá justamente pela imersão do Dasein no dia-a-dia,

escreve o autor, preocupa-se com o hoje, em dar conta do que é

imediato, e o antigo passou “perdido no presente do hoje, compreende

o ‘passado’ a partir do ‘presente’” (HEIDEGGER, 2000, p.422). Quando o

Dasein se encontra imerso no cotidiano ele esquece de si, conhece a

história a partir das inúmeras circunstâncias em que vive no presente,

vê seus dias passarem e o seu destino escapa; esse modo de

compreensão Heidegger denomina de historicidade imprópria

[uneigentliche Geschichtlichkeit]: “O Dasein impropriamente existente

somente contabiliza sua história a partir do que é objeto de ocupação”

(HEIDEGGER, 2005, p.405)116.

Entregue às solicitações do presente, o Dasein não reconhece sua

condição finita, logo, não assume a finitude de sua existência e, com

isso, não retorna a si mesmo; ao contrário, mantém-se entregue nas

115
“El Dasein cotidiano está disperso en la multiplicidad de lo que ‘pasa’ diariamente”
(HEIDEGGER, 2005, p.405).
116
“ El Dasein impropiamente existente sólo contabiliza su historia a partir de lo que es objeto de
ocupación” (HEIDEGGER, 2005, p.405).

110
várias possibilidades que circulam no dia-a-dia, encobrindo sua história

e seu destino, isto é, o seu acontecer histórico se mantém no modo da

impropriedade.

5.5 Historicidade Própria

Contudo, o Dasein pode retirar-se da dispersão cotidiana e das

interpretações casuais e transitórias, quando se apropria da

temporalidade própria. Na temporalidade própria escolhe a si mesmo,

ou seja, assume sua condição de ser-para-a-morte e de estar lançado

no mundo no modo do poder-ser. O Dasein assume que dispõe de um

tempo para realizar-se, para ser em possibilidades e não para esta ou

aquela possibilidade disponíveis no cotidiano, mas para retornar à sua

possibilidade finita projetada na existência. As possibilidades, referidas

segundo Heidegger, não são retiradas da morte; elas são oriundas da

herança, do legado que advém do mundo e são transmitidas na

resolução precursora. O Dasein é poder-ser sempre diante de um

legado.

A resolução, em que o Dasein retorna a si mesmo, abre as


possibilidades fácticas do existr próprio a partir do legado que
esse existir assume enquanto lançado (HEIDEGGER, 2005,
p.399)117.

“La resolución, en la que el Dasein retorna a sí mismo, abre las possibilidades fácticas del existir
117

propio a partir del legado que ese existir asume en cuanto arrojado” (HEIDEGGER, 2005, p.399).

111
Ao assumir o legado de modo autêntico, na resolução precursora,

o Dasein retira-se do cotidiano, do provisório e passa a ter um destino

[Schicksal], pois assume sua liberdade finita e escolhe à luz do possível.

O Dasein assume seu destino junto com os outros no modo da co-

existência, logo, o seu acontecer se dá em conjunto; esse fenômeno

Heidegger chamou de destino comum [Geschick]. Importante salientar

que o autor não entende destino comum como a somatória de destinos

individuais, mas como o “acontecer pleno e próprio do Dasein e sua

geração” (HEIDEGGER 2005, p.400).

A noção de destino designa a resolução autêntica do Dasein, é o

que possibilita transmitir-se a si mesmo e assumir a herança das

possibilidades passadas. Criando uma destinação, o Dasein se apropria

do tempo e acontece como um ente histórico. Portanto, a historicidade

própria [eigentliche Geschichtlichkeit] deve ser compreendida a partir do

futuro, do poder-ser finito de cada Dasein que, a partir da resolução

precursora da morte, reitera as suas possibilidades já descobertas na

existência, advindas do legado, modo próprio em que esse ente

transmite seu acontecer.

(....) o acontecer que tem lugar na resolução precursora,


temos definido como historicidade, chamamos mais

112
precisamente, o modo próprio da historicidade do Dasein
(HEIDEGGER, 2005, p.402)118.

A historicidade própria é o modo ontológico pelo qual podemos

compreender o modo de ser histórico do Dasein, enquanto no cotidiano

encontramos encoberta sua destinação, em virtude de sua dispersão e

interpretação que, baseadas nos acontecimentos imediatos, mantêm

sua historicidade impropriamente. O Dasein é histórico, pois seu modo

de ser é destino. Compreende a sua história e do mundo, por ser um

ente histórico, ou seja, a sua constituição fundamental é temporal.

O Dasein, quando se encontra no mundo comprometido com sua

condição finita, temporal, reitera suas possibilidades abertas na

existência; assim sendo, ele transmite e, portanto, faz a história. Na

compreensão da história ontológica, o Dasein não pode ser entendido

como um mero observador dos acontecimentos ou um sujeito com um

transcurso de vivências; isto, mesmo quando se mantém na

impropriedade histórica, pois o ente que se encontra em uma

pertinência com o mundo, junto às coisas e com os outros, não se

separa do mundo e da própria compreensão de si e do mundo para

constituir a história. Não podemos, nem para efeito didático, efetuar tal

118
“(....) al acontecer que tiene lugar en la resolución precursora, hemos definido como historicidad,
lo llamamos, más precisamente, el modo propio de la historicidad del Dasein” (HEIDEGGER, 2005,
p.402).

113
consideração, pois esta seria uma construção artificial, considerando-se

a ontologia heideggeriana.

A compreensão da historicidade nos mostra o acontecer concreto

do Dasein, o modo como realiza a sua existência no tempo que lhe é

concedido. O projeto existencial do Dasein é finito e inacabado e

constantemente solicita cuidado não para uma tarefa específica, mas

para cuidar e ser responsável pela própria existência.

O sentido temporal da historicidade revela o si mesmo do Dasein,

ou seja, revela a entrega de si mesmo a si mesmo. Isto é, a partir da

apropriação da finitude, o Dasein apreende a sua existência não mais

como um tempo infinito e homogêneo, ao contrário, como um tempo

finito que advém do futuro. Assumir sua condição de ser e estar lançado

para a morte traz de volta o si mesmo do Dasein para ele mesmo, ou

seja, reitera119 [Wiederholung] suas possibilidades de já ter sido lançado

no mundo. O modo da reiteração traz um aspecto novo e fundamental

na compreensão da história desenvolvida em ST, muito embora a noção

de reiteração [Wiederholung] não tenha sido introduzida por Heidegger,

mas por Kierkegaard. Segundo Abbagnano, Kierkegaard utilizou esse

conceito para descrever a natureza da vida ética em contraposição à

vida estética; a vida ética “baseia-se na continuidade, na escolha

119
Na tradução chilena de ST, para Widerholung o autor utilizou repetição; no texto utilizo o termo
reiteração como sinônimo de repetição.

114
repetida que o indivíduo faz de si mesmo e de sua tarefa” (ABBAGNANO,

2003, p.853). E Heidegger utiliza o conceito para explicitar, conforme

exposto, a historicidade própria a partir do momento da resolução

precursora, a reiteração é a transmissão, ou melhor, é o retorno às

possibilidades do que o Dasein já tem sido.

Definiremos a reiteração como modo da resolução que se


entrega a si mesma [uma possibilidade herdada] e mediante a
qual o Dasein existe explicitamente como destino
(HEIDEGGER, 2005, p.401)120.

Esse modo de retornar a si mesmo, advindo da resolução

precursora da morte, escreve Heidegger, abre as possibilidades do

existir a partir do legado disposto no mundo.

O legado ou herança é o modo de o Dasein acontecer no mundo.

O legado diz respeito às possibilidades fácticas do existir próprio e

impróprio do Dasein encontradas no mundo. Essas possibilidades são

transmitidas pelas gerações em cada época no modo da co-existência

que é o modo peculiar da constituição do Dasein. No entanto, o legado

como possibilidade fáctica do existir pode, por um lado, gerar um

encobrimento e retirar o Dasein da orientação de sua existência no

momento em que ele se envolve nos costumes, crenças e nas regras da

convivência cotidiana, mas, por outro lado, permite que o Dasein

“Definiremos la repetición como el modo de la resolución que se entrega a sí misma [una


120

posibilidad heredada] y mediante el cual el dasein existe explícitamente como destino”


(HEIDEGGER, 2005, p.401).

115
aproprie-se de si quando se compreende a partir da projeção de

possibilidades futuras, assumindo as possibilidades passadas (o seu

existir como lançado). Assim sendo, o Dasein transmite uma herança

originária no momento da resolução precursora da morte, que reitera o

seu estar lançado e compreende sua existência como destino. Há,

portanto, um modo de, na transmissão do legado, o Dasein recuperar-se

das possibilidades do encobrimento.

As considerações acerca da transmissão do legado ou herança,

que Heidegger propôs na discussão da historicidade do Dasein,

salientaram um retorno positivo ao passado, pois retomar as

possibilidades passadas na existência propicia ao Dasein dissolver os

encobrimentos enraizados na herança e trazer as possibilidades

originárias sem distorções. O passado, conforme apontou Heidegger121,

não é o que passou, o que não vigora ou o passado que faz parte da

história, tampouco, o que determina o que seja propriamente histórico.

Mas o passado significa o legado que o Dasein recebe do mundo sem

nenhuma primazia de caráter histórico. Retornar ao passado devolve ao

Dasein a sua condição originária de já ser lançado no mundo. Cada vez

que volta a si mesmo, realiza a reiteração que revela para o Dasein,

segundo o autor, a sua própria história. O passado e o presente não têm

primazia na existência — ambos são modificados pela abertura do


121
Considerações de Heidegger no § 73 de Ser e Tempo.

116
futuro. “A reiteração revela ao Dasein pela primeira vez sua própria

história” (HEIDEGGER, 2005, p.402)122.

A exposição da história realizada em ST, como o acontecer do

Dasein, demonstra, conforme as colocações acima, vários aspectos

novos para compreendê-la. O autor faz um esforço analítico para

apresentar a totalidade dos fenômenos que se propôs explicitar pelo

modo como questionou o sentido do ser, das reflexões da vida concreta,

constituindo as estruturas do Dasein e a recuperação da tradição como

aspecto da destruição do método. Mas, mesmo entendendo a articulação

fenomênica proposta por Heidegger, é necessário recortar a discussão

da compreensão temporal, (obviamente constituída a partir das

considerações acima mencionadas), como um dos aspectos relevantes

na analítica do Dasein, que propiciou uma elaboração significativa e

diferenciada que sustenta a mudança de foco da história.

A abordagem do fenômeno do tempo como temporalidade extática

possibilitou uma mudança radical no entendimento da história. A

descrição da temporalidade como um movimento circular e simultâneo,

no qual as dimensões do tempo (as êxtases) tornam-se temporais e co-

originárias, inviabilizou o entendimento do tempo como seqüência

temporal de passado, presente e futuro encerradas em si mesmas,

122
“La repetición le revela al Dasein por primera vez su propia historia” (HEIDEGGER, 2005, p.402).

117
como também quebrou a primazia do passado, quando incorporou a

noção de possibilidade ao tempo que acontece a partir do futuro.

A primazia do passado como um caráter essencial para definir o

que é histórico ruiu, pois a dimensão temporal do passado, por si

mesma, não define o que é histórico. A rigor, isoladamente, na ontologia

heideggeriana, nenhuma das dimensões temporais representa algo; no

entanto, juntas, a cada vez há a primazia de uma das dimensões em

cada modo temporal (conforme capítulo 4). A dimensão do passado

adquire uma nova interpretação em ST, o passado não é o que passou

nem para os instrumentos nem para o Dasein, mas, aponta Heidegger,

o passado é “o que vigora por ter sido presente” (HEIDEGGER, 2005,

p.397). O passado [Gewesenheit] (sido) e o presente são liberados pela

dimensão do futuro (porvir). O passado liberado pelo futuro autêntico

significa de volta a, isto é, de volta às possibilidades que já sempre

foram (refere ao estado lançado no mundo) e podem ser reiteradas pelo

Dasein na resolução precursora. O Dasein tem a possibilidade de sair do

esquecimento de si e retomar a sua condição de já ser lançado no

mundo, abrindo sua destinação e, assim, tornar-se histórico. A

compreensão do passado como Gewesenheit propicia ao Dasein um

contato vivo com a herança deixada pela tradição, ou seja, o Dasein não

esquece, mas mantém vivo o que vigorou.

118
A explicitação da historicidade própria e imprópria revelou o modo

radical e fundamental de demonstrar o modo de ser da história à luz da

temporalidade própria como possibilidade de abrir a destinação do

Dasein.

119
Considerações Finais

Iniciamos o presente estudo para compreender a discussão acerca

da história, realizada por Heidegger na sua obra Ser e Tempo. A

estrutura do estudo descreve os caminhos que demonstram o

entendimento da história como modo de ser do Dasein. A partir deste

estudo podemos reunir algumas considerações decorrentes dessa

exposição.

Conforme observamos, Heidegger, em Ser e Tempo, apresenta o

sentido do ser como um problema de investigação. O autor aponta para

uma vinculação próxima entre o homem e o problema do ser; o homem

é o ente privilegiado, segundo ele, que compreende o ser, pois está

aberto para o ser e, deste modo, deve guiar tal questão. A proposta de

investigação em ST afasta o pensamento da subjetividade e de uma

antropologia, entretanto, pretende explicitar a questão do ponto de vista

mais profundo e originário, isto é, o homem na sua relação com o ser

(seu pertencimento com o ser).

O aspecto inicial, no entanto, primordial para sustentar a questão

do sentido do ser, é buscar para a filosofia a compreensão da vida.

Heidegger vislumbra uma conexão entre vida e filosofia, inspirado nos

escritos de Dilthey. A filosofia, segundo ele, emerge da vida,

preocupação já presente nas suas preleções dos anos 1920, e não de

120
um problema epistemológico ou de questões éticas. A vida [Leben] é

igualada a Dasein, pois Heidegger pretende retirar o aspecto meramente

biológico, para mostrar que o Dasein transmite mais precisamente a

nossa relação com o ser. A partir de encontrar e fundamentar a noção

do Dasein como o “lugar” da manifestação do ser, o autor explicita os

modos de ser, seja no cotidiano no qual acontece impropriamente ou

seu acontecer próprio, demonstrando uma tensão do próprio Dasein, de

existir na dispersão de si mesmo ou escolher a si mesmo. Com a

explicitação dos modos de ser, o Dasein é caracterizado como cuidado,

cujo sentido é constituído pela temporalidade extática. Desvelar o

sentido temporal do Dasein é compreendê-lo como um ente finito que

possui sua morte, isto é, o Dasein no sentido originário é um ser-para-

a-morte que descobre sua existência finita e, portanto, dispõe de um

tempo para acontecer.

Por meio da Analítica do Dasein, Heidegger expõe os fundamentos

do Dasein primeiramente e, em seguida, interpreta-os pela

temporalidade e, assim, explicita o tempo como horizonte para

compreender a questão do ser. Essa é uma das tarefas esboçadas em

Ser e Tempo para elaborar a questão do ser; a outra tarefa, que ocorreu

simultaneamente, foi a elucidação do método fenomenológico

hermenêutico, que resgata a história da ontologia e já aponta,

juntamente com a explicitação dos existenciais, a mudança da

121
compreensão da história, de epistemológica para ontológica-

hermenêutica.

O método fenomenológico hermenêutico foi fundamental, pois

permitiu, pela destruição, desvelar o sentido do ser e, com esse resgate,

elaborar as estruturas do Dasein (aspecto positivo do método). O

método conduziu à interpretação da facticidade, ou seja, a interpretação

que o Dasein faz de si mesmo de modo próprio e impróprio.

A destruição da ontologia tradicional é um aspecto muito relevante

na discussão da história em Ser e Tempo, já que conduz à preparação

para a explicitação da história do ser na ‘virada’ [kehre]. A destruição

empreendida na Analítica do Dasein buscou perguntar outra vez pelo ser

a partir do Dasein. O questionamento não é novo, mas nova é a

possibilidade de revelar algo não pensado e inaudito acerca do ser. Na

busca pela tradição, Heidegger inaugura um outro caminho: ele não

conversa com as opiniões passadas, mas dialoga com os problemas

filosóficos. A reflexão se dá sobre as preocupações da filosofia e sobre a

própria filosofia.

Portanto, a história elucidada em Ser e Tempo é a história do

acontecer do Dasein, o modo como o Dasein se vincula com o ser. O

acontecer desse ente sempre pertence a uma tradição e, a cada época,

segundo esta visão, haverá uma discussão com a tradição. A tradição

122
não representa o passado acabado, mas o ‘acontecido’, isto é, algo que

ainda vigora e pode ser recuperado. E devemos considerar uma

similaridade na noção de destruição e de Wiederholung, pois elas

significam a volta, a reiteração das possibilidades descobertas que

podem retornar ao Dasein na escolha resoluta de si e abrir sua

destinação. Quando Dasein descobre e não decai na tradição, aponta o

autor, ele pode investigar e questionar sua historicidade. Neste sentido,

o Dasein autêntico prepara a historicidade do Dasein como condição

ôntica da possibilidade da história [Historie]; caso contrário, fica oculta

para ele mesmo a possibilidade de questionar e descobrir a história.

A história em Ser e Tempo prepara e abre caminho para a

radicalização que Heidegger propõe a partir de 1930, ou seja, o acesso

ao ser por meio da Analítica do Dasein é superado quando o autor se

propõe a pensar o ser como história. O sentido do ser não se revela na

estreita vinculação com o homem, mas na verdade do ser (no

ocultamento e desvelamento – Alethéia, já tematizada em ST).

Heidegger observa que na metafísica o ser123 foi esquecido, isto é,

o seu ocultamento foi esquecido e a lembrança é apenas da

possibilidade do desvelamento. Depois de ST o autor entendia que era

preciso ir além da historicidade do Dasein para compreender a dimensão

123
Acerca do esquecimento do ser podemos verificar os primeiros esboços nos parágrafos iniciais
de ST.

123
histórica do ser; o acontecer histórico do Dasein não capta o tempo

unido ao ser, mas o que possibilitava tal captação foi aproximar-se da

história do esquecimento do ser. Ao voltar para a história do

esquecimento do ser, Heidegger não realiza uma reflexão histórica, mas

uma profunda desconstrução na história da filosofia para pensar o

impensado que se vela em todo pensamento do ocidente.

Heidegger, em Ser e Tempo, inicia uma proposta para superar a

compreensão de história epistemológica presente no Historicismo,

explicitando a história como acontecer do Dasein; na ‘virada’, ele leva às

últimas conseqüências a sua própria visão anti-historicista de história ao

compreendê-la como o desvelamento do ocultamento do ser. O

pensamento heideggeriano pode ser entendido como uma

desconstrução da História da Filosofia, sobretudo, acentuadamente

nesse segundo momento de seu pensamento.

Entendemos as considerações esboçadas neste estudo como um

primeiro exercício acadêmico de compreender e aproximar o sentido da

história como modo de ser do Dasein, conforme explicitada em Ser e

Tempo.

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