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Sérgio Henrique
Aula 02 - Teoria da História
SUMÁRIO
História. 1
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Aula 02 - Teoria da História
História. 2
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Aula 02 - Teoria da História
1
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p.11.
2
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p.12.
História. 3
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Conforme destaca o historiador Jörn Rüsen, em sua obra Razão histórica (2001, p.14), a
Teoria da História se refere ao "pensamento histórico em sua versão científica". De acordo com
essa perspectiva, pode-se estabelecer uma distinção mais clara entre as "filosofias da história"
ou outras formas de concepção histórica como as ''teologias da história", e as ''teorias da
história'' propriamente ditas, considerando que estas se vinculam ao novo momento em que a
historiografia passa a reivindicar um estatuto de cientificidade3.
Mas vale dizer que a proposta de pensar a História com um viés cientificista é inaugurado
na passagem do século XVIII para o XIX, movido pelas propostas iluministas e a racionalização.
Em todo caso, já existiam formas de conhecimento histórico bem antes da passagem do século
XVIII ao XIX, que é esse momento particular em que se passa a tomar com parâmetro para a
historiografia a cientificidade e no qual, portanto, já se pode falar em ''teorias da história''.
Contudo, naqueles momentos anteriores – como a Antiga Grécia, o mundo romano, a Idade
Média, o Renascimento, ou o Moderno Absolutismo– apresentavam-se para a historiografia
referências muito diversas, como ''a anamnese grega, o patriotismo romano, o providencialismo
medieval, ou o oficialismo absolutista'' 4. O próprio século XVIII, na antessala para o surgimento
das ''teorias da história'' que passarão a vigorar no século XIX, também já oferece, com as
"filosofias da história'' ao modo de Herder ou de Kant, uma outra maneira de pensar sobre a
História que não é bem exemplificadas no século seguinte pelos paradigmas do Positivismo, do
Historicismo, ou do Materialismo Histórico, todos inarredavelmente alicerçados por uma
metodologia documental que já estará na base do surgimento da figura do historiador
profissional e da inserção da História como disciplina universitária 5.
As "filosofias da história", que se alastram no século XVIII e se estendem até as
realizações de Hegel no século XIX, constituem um gênero filosófico-historiográfico à parte, e
devem ser bem distinguidas das "teorias da história'' propriamente ditas. Tanto as ''filosofias da
história'' como as ''teorias da história'' já são enunciadas em uma nova era historiográfica,
distinta de tudo o que até então se tinha feito nas tradicionais ''histórias'' representadas pelos
inúmeros gêneros historiográficos que precederam o trabalho dos historiadores modernos.
Existe entre as ''filosofias da história'' e as ''teorias da história'' tanto uma certa cumplicidade,
como também uma diferença radical que será preciso considerar.
Ora, vale a pena dizer que é, senão em um contexto no qual a cientificidade se apresenta
como um referencial para a historiografia, aspecto que se afirma consistentemente na
passagem do século XVIII para o século XIX, que se pode falar da emergência de ''teorias da
história'' como grandes sistemas de compreensão sobre a História e a Historiografia. Nesse
3
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p.85.
4
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p.86.
5
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p.86.
História. 4
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período, começaram a surgir tanto uma ''matriz disciplinar'' mais definida para História, como os
primeiros grandes paradigmas historiográficos.
Uma teoria constitui certa visão de mundo relacionada a um ou outro dos diversos
campos científicos, uma Teoria da História, ou um Paradigma Historiográfico, corresponderá a
uma certa visão histórica do mundo, ou mesmo a determinada visão sobre o que vem a ser a
própria História e seus registros. Qualquer Teoria da História pressupõe, simultaneamente, uma
determinada concepção sobre o que é a História e sobre o que deve ser a historiografia, isto é, o
campo processual.6
Em termos de teorias da história, podemos nos remeter tanto àquelas que se referem a
objetos historiográficos específicos (eventos ou processos como a Revolução Francesa, o
Nazismo, as crises específicas do Capitalismo), ou às teorias mais amplas, mais generalizadoras,
que se referem a séries de eventos (não uma teoria sobre a Revolução Inglesa ou a Revolução
Francesa, mas uma teoria sobre as ''revoluções''; não uma teoria sobre o nazismo alemão ou
sobre o fascismo italiano, mas uma teoria sobre o ''totalitarismo''). Há, portanto, tipos diversos
de teorias: umas mais particularistas e outras mais genéricas. Os historiadores podem fornecer
uma teoria que diga respeito a determinado evento, a uma série de eventos, a um período, ao
desenvolvimento de instituições segundo um entrecruzamento cultural e assim por diante.
No limite máximo de generalização, os historiadores podem oferecer teorias acerca do
que seja a própria Historiografia. O que é a História, como ela se constrói, quais as tarefas do
historiador diante da produção desse tipo de conhecimento? Para que serve a História? Que
tipo de conhecimento é a Historiografia? É possível, ou desejável, que o historiador faça
previsões do futuro a partir de suas observações do passado? Que tipo de envolvimento –
contemplativo, distanciado, comprometido, militante – deve ter o historiador em relação à
História de sua própria época? Deve a Historiografia ser colocada a serviço de alguma causa, ou
deve conservar o ideal de constituir um tipo de conhecimento desinteressado? Essas são
perguntas fundamentais que movem o ofício do historiador e conduzem a escrita da História. 7
6
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp.87-88.
7
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp.88-89.
História. 5
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8
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 29-30.
9
HARTOG,2003:13apud D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 31.
10
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 32.
História. 6
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posta a cargo de escribas subalternos e de talentosos escravos, para, a partir daí, passar a ser
uma escolha exercida criativamente pro um homem livre.
O que o praticante da História fará desta sua escolha – a de se tornar um historiador e de
construir um discurso historiográfico – é já uma outra coisa. Mas o fato é que, ainda que um
historiador possa ter decidido dar um sentido eminentemente político ao seu discurso, e ainda
que decida servir à Política, a verdade é que desde Heródoto o seu trabalho já não é instituído
primordialmente pelos poderes públicos no âmbito mais íntimo de suas práticas. Ser historiador
constitui uma decisão pessoal e implica no ato de se entregar a uma prática que se estabelece a
partir de um sujeito, tal como ocorre com a decisão de alguém se tornar filósofo, poeta ou
músico. Desde Heródoto, e parodiando um famoso dito de Jean-Paul Sartre, “o historiador está
condenado a ser livre”.
A menção a Heródoto pode ainda nos ajudar a adentrar noutro conjunto de reflexões, já
relacionadas às tentativas de identificar aquilo que a História teria de mais singular, ou, por
assim dizer, a sua "identidade mínima" (identidade esta que, em última instância, estará sempre
igualmente sujeita a transformação no decurso do próprio devir). Na época dos antigos gregos –
muito antes de se relacionar a uma investigação específica sobre o passado vivido, ou de trazer
para a centralidade de suas operações a noção de temporalidade –, a História esteve
simultaneamente associada às três noções de: (1) “investigação”, (2) “relato” e (3) “testemunho
ocular”. Essa tríade de sentidos, intimamente imbricados no termo grego istorie (ἱστορία),
antecipa surpreendentemente a complexidade futura da palavra História, uma vez que desde
então a nova prática parecia querer se referir simultaneamente a um tipo de pesquisa, a um
modo de escrita e às fontes deste tipo de conhecimento. A “pesquisa”, para Heródoto, deveria
se dar em forma de um “inquérito”, com “intenção de verdade”; a escrita assumiria o gênero
narrativo, e as fontes, para os historiadores gregos, ainda deveriam ser preferencialmente
oriundas de testemunhas oculares dos próprios acontecimentos.
Ora, o objeto da História é o mundo humano, o que para a antiguidade grega já foi uma
originalidade, uma vez que neste ponto a História começou a se destacar muito claramente da
Filosofia – esta nobre prática intelectual que tinha por objeto o mundo supralunar
(especialmente depois de Platão), muito acima da transitoriedade humana e das singularidades
do vivido – da mesma forma que aquela mesma História também começou a se destacar muito
visceralmente da Mitologia, que se referia apenas aos deuses e àquilo que estava além ou acima
do homem. A História, portanto, já desde a Antiguidade Clássica, coloca-se como uma
investigação sobre a realidade humana, ou ao menos sobre a realidade das ações humanas no
tempo.11
11
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 34-35.
História. 7
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Mas o tipo de conhecimento verdadeiro que era buscado pelos historiadores gregos, que
imediatamente seguiram o modelo inaugurado por Heródoto – opondo-se ao filósofo que
buscava regularidades e verdades eternas em uma realidade atemporal – o que poderia se
tornar factível de ser apreendido e conhecido pelos seres humanos será precisamente esse
mundo de ações humanas em permanente mudança. Essa postura, diga-se de passagem, seria
retomada de maneira ainda mais sofisticada por Vico no século XVIII, que em sua Ciência Nova
chama atenção para o fato de que só podemos conhecer verdadeiramente aquilo do qual
efetivamente participamos. Isso implica que o homem só pode compreender aquilo que é
humano.
A Historiografia teve muitos desenvolvimentos posteriores aos seus primórdios na época
de Heródoto, e conheceu uma ampla variedade de gêneros que, com alguma liberdade,
poderíamos categorizar como “gêneros historiográficos”. A Historiografia Pré-moderna, por
exemplo, apresentava ou apresentou muitos objetivos e funções nas suas várias formas e
contextos sociais. “Evitar o esquecimento” (como entre os gregos), “ensinar à vida” (historia
vitae magistra), tal como propunham os teóricos renascentistas da política, "glorificar povos e
nações", à maneira dos historiadores que se puseram a serviço das monarquias absolutista da
primeira modernidade – estes eram alguns de seus nortes refundadores.
Na história da historiografia que precede a Modernidade, apesar da existência de
métodos os mais diferenciados para assegurar a “verdade”, e ao lado dos diversos usos para
esta verdade histórica que era perseguida pelos historiadores gregos, romanos, medievais,
renascentistas, podemos dizer que entre todas estas formas históricas pré-historiográficas
aintenção de “verdade” ocupava um lugar central na produção deste tipo de conhecimento,
como ainda hoje. Todavia, se a intenção de verdade já era condição sinequa non para a História
(historiografia), e isto praticamente já em todas as suas variações pré-modernas, no que passou
após a modernidade a busca pela verdade histórica, ou o seu registro, eram vistos acima de
tudo como uma atitude moral, como um princípio retórico da própria historiografia. É a partir
desse princípio que surge o campo disciplinar específico da História. 12
12
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 38-42.
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D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 19-22.
História. 9
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novo campo disciplinar se forme a partir de elementos dispersos oriundos de vários outros
campos.14
A dinâmica de transformações no vasto universo que abarca os campos disciplinares
produz um eterno movimento: novos campos podem surgir, e outros desaparecer; uns podem
se desprender de outros, e alguns podem se formar do casamento entre duas ou mais
perspectivas disciplinares. Há também o caso das "refundações", e essa ideia parece ser bem
adequada para entender a história da escrita da História, uma vez que esta correspondia a um
campo de práticas e expressões já milenar quando, a partir de fins do XVIII e início do XIX, será
como que "refundada" para se constituir como ''historiografia científica". A partir dessa
refundação, e da consolidação do estatuto do "historiador profissional", pode-se dizer que a
História passa de um conjunto de práticas muito diversificadas – da história dos cronistas à dos
antiquários, dos filósofos da história e dos teólogos – para a formação de uma "matriz
disciplinar'' mais bem definida.15
Essas tendências se apresentam como uma característica de praticamente todos os
"campos disciplinares" no período contemporâneo, especialmente com a crescente
especialização. Na verdade, isso tem sido um aspecto inerente à história do conhecimento na
civilização ocidental, sobretudo a partir da Modernidade, o que não impede que os efeitos mais
criticáveis da hiper-especialização sejam constantemente compensados pelos movimentos
interdisciplinares e transdisciplinares, voltados para uma "religação dos saberes" em um mundo
no qual os campos de produção de conhecimento vivem a constante ameaça do isolamento.
Neste sentido, há três aspectos fundamentais a serem considerados quando se fala na
constituição de um "campo disciplinar" – eles se relacionam ao fato de que nenhuma disciplina
adquire sentido sem que desenvolvam ou ponham em movimento certas teorias, metodologias
e práticas discursivas. Mesmo que tome emprestados conceitos e aportes teóricos originários de
outros campos de saber, que incorpore métodos e práticas já desenvolvidas por outras
disciplinas, ou que se utilize de vocabulário já existente para dar forma ao seu discurso, não
existe disciplina que não combine de alguma maneira Teoria, Método e Discurso.
Por outro lado, um campo disciplinar não se desenvolve no sentido de possuir apenas
uma única orientação teórica ou metodológica, mas sim de apresentar um certorepertório
teórico-metodológico que é preciso considerar, e que se torna conhecido pelos seus praticantes,
gerando adesões e críticas variadas.
O desenvolvimento de um campo disciplinar acaba gerando uma linguagem comum
através da qual poderão se comunicar os seus expoentes, teóricos, praticantes e leitores. Há até
14
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 23-24.
15
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p. 26.
História. 10
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campos disciplinares que acabam gerando certo repertório de jargões, facilmente reconhecidos,
mesmo externamente. De todo modo, qualquer campo se inscrevendo em certa modalidade de
Discurso, por vezes com dialetos internos. É por isso que não é possível a ninguém se
transformar em legítimo praticante de determinado campo disciplinar se o iniciante no novo
campo de estudos não se avizinhar de todo um vocabulário que já existe previamente naquela
Disciplina, e através do qual os seus pares se intercomunicam.16
À questão da Interdisciplinaridade, ao se colocarem em contato dois campos disciplinares
(seja de forma interdisciplinar ou transdisciplinar) podem enriquecer sensivelmente um ao
outro nos seus próprios modos de ver as coisas e a si mesmos. Particularmente a História, no
decorrer do século XX e além, foi beneficiada por uma longa história de contribuições
interdisciplinares às concepções e abordagens dos historiadores. A Geografia, a Antropologia, a
Psicologia, a Linguística, etc., estiveram fornecendo frequentemente conceitos e metodologias
aos historiadores, e certos desenvolvimentos em campos como História Cultural ou a História
das Mentalidades não teriam sido possíveis, certamente, sem os respectivos diálogos
interdisciplinares com a Antropologia e com a Psicologia.
Obviamente, não é possível pensar uma disciplina sem admitir o seu lado de fora, uma
zona de interditos ou aquilo que se coloca como proibido aos seus praticantes. O exterior de um
campo de saber é tão importante para uma disciplina como aquilo que ela inclui, como as
teorias e métodos que ela franqueia aos seus praticantes, como o discurso que ela torna
possível, como as escolhas interdisciplinares estimuladas ou permitidas. O que se interdita em
uma disciplina, como tudo mais, também é histórico, sujeito a transformações, e as temáticas e
ações possíveis que um dia estiveram dentro de certo campo disciplinar podem ser
processualmente deslocadas para fora, como também algo do que estava fora também pode vir
para dentro, para um espaço de inclusão legitimado pela rede de praticantes da disciplina.
Existe de fato uma densa e complexa rede humana, constituída por todos aqueles que já
praticaram ou praticam a disciplina considerada e pelas suas realizações – obras, vivências,
práticas realizadas – e também isto é certamente tão inseparável da constituição de um campo
disciplinar que poderíamos propor a hipótese de que a entrada de cada novo elemento humano
em certo campo disciplinar já o modifica em alguma medida, da mesma maneira que cada obra
produzida sobre um campo de saber ou no interior desse mesmo campo de saber já o modifica
em menor ou maior grau, às vezes indelevelmente, às vezes tão enfaticamente a ponto de se
tornar visível o surgimento de novas direções no interior desse campo disciplinar.
Ao se falar em uma "rede humana" para cada campo disciplinar, também temos de ter
em vista, é claro, que essas redes encontram-se frequentemente interferidas por uma "rede
institucional" (universidades, institutos de pesquisa, circuitos editoriais de revistas científicas,
16
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 28-29.
História. 11
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etc.), e também por uma constelação de grupos de pesquisa e outras formas de parcerias e
associações dentro da qual essa vasta rede humana também se acomoda de uma maneira ou de
outra. A rede humana do campo disciplinar, dessa forma, assume aqui a forma de uma
"comunidade científica".17
Conforme Michel Foucault já fez notar com especial nitidez em seu ensaio A ordem do
discurso18, nem todos podem dizer tudo o tempo todo, o que nos remete mais uma vez à
questão dos ditos e interditos permitidos e hierarquizados por um campo disciplinar. A rede de
discursos que constitui uma das dimensões integrantes do campo disciplinar é também, ela
mesma, uma rede de textos e realizações, em dinâmica de interconexão.
Também Michel de Certeau, que examinou os desdobramentos deste campo disciplinar
que é a História, em seu clássico texto A operação historiográfica 19, procura mostrar como cada
realização empreendida por cada historiador coparticipante da rede historiográfica enunciativa
termina por fazer emergir "uma operação que se situa em um conjunto de práticas".
A certa altura de seu amadurecimento como campo disciplinar, começam a ser
produzidos, cada vez mais frequentemente no seio do próprio campo de saber em constituição,
os "olhares sobre si". Começam a surgir, elaboradas pelos próprios praticantes da disciplina, as
"histórias do campo'', aqui entendidas no sentido de narrativas e análises elaboradas pelos
praticantes do campo disciplinar acerca da própria rede de homens e saberes em que estão
inseridos. Compreender-se historicamente é o resultado mais visível desse "olhar sobre si".
Temos, então, dez dimensões importantes nesta caminhada para tentar compreender
uma disciplina, qualquer que ela seja: o seu campo de interesses (1), a sua singularidade (2), os
seus campos intradisciplinares (3), o seu padrão discursivo (4), as suas metodologias (5), os seus
aportes teóricos (6), as suas Interdisciplinaridades (7), os seus interditos (8), bem como a
extensa "rede humana" (9) que, através de suas realizações, empresta uma forma e dá
concretização ao campo disciplinar, sem contar o "olhar sobre si" que essa mesma rede
estabelece a certa altura de seu próprio amadurecimento (10).
Torna-se importante, portanto, compreender adicionalmente que cada uma das dez
dimensões atrás citadas, além de interligada às demais, está mergulhada ela mesma, por inteiro,
na própria história. Os padrões interdisciplinares se alteram, os desdobramentos
intradisciplinares se multiplicam ou se restringem, as teorias se redefinem, as metodologias se
recriam, o padrão discursivo se renova, os interditos são rediscutidos, e mesmo algo da
singularidade que permite definir uma "matriz disciplinar" no interior da rede de saberes pode
17
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 30-33.
18
Cf.FOUCAULT, 1996.
19
Cf. DE CERTEAU, 1982.
História. 12
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sofrer variações mais ou menos significativas à medida que surgem novos paradigmas e
contribuições teórico-metodológicas. Cada campo de saber está constantemente produzindo
novos “olhares sobre si mesmo” de acordo com as transformações que se dão dentro e fora do
campo – do contexto histórico-social às transformações teóricas e tecnológicas. Tudo é
histórico, enfim, e essa máxima é também válida para todo o conjunto de elementos daquilo
que vem a constituir um determinado campo disciplinar.
Uma vez tornado visível e reconhecido como novo espaço cientifico ou forma de
expressão, cada campo disciplinar (ou cada campo de saber, dito de outra maneira), passa a se
constituir em patrimônio de todos os que podem ou pretendem praticá-lo. Esse imenso
universo ou sistema que constitui um campo disciplinar, de todo modo, é anônimo, não
pertence especificamente a ninguém, embora dele nem todos possam se apossar.20
Conforme ressalta Foucault, um campo disciplinar depende de desencadear expansões
para existir, isto é, para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade de formular e
de formular indefinidamente, proposições novas.21
Portanto, a História (campo de conhecimento) jamais será constituída por tudo o que se
pode dizer de verdadeiro sobre a história (campo dos acontecimentos). Para que uma
proposição pertença à disciplina História em certa época é preciso que essa proposição
responda às condições desta disciplina tal como a definem ou definiram os seus praticantes de
então. A História, como qualquer outra disciplina, estará sempre atraindo para dentro de si ou
repelindo para fora de suas margens determinado conjunto de saberes, proposições e domínios
que em momento anterior poderiam ter estado ali, e que em um momento subsequente da
história dos saberes e dos discursos já não estão.22
20
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 35-38.
21
FOUCAULT, 1996, p. 30.
22
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 39-40.
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História. 14
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objetos ou processos muito singulares. Mas há também teorias sobre questões muito mais
amplas.23
A teoria é filha da Razão e irmã da Metodologia Científica. Não é uma forma melhor nem
pior de apreender o mundo ou de nele se movimentar é apenas uma forma específica. A teoria
corresponde a certa maneira de "ver" e de pensar sobre as coisas. A expressão ''teoria" deve
estar associada a um modo de ver que se estabelece processualmente através da razão
discursiva (isto é, de uma verbalização que se impõe passo a passo) bem como através de
mediações várias entre o sujeito e o objeto "contemplado". É importante se ter em vista que o
processo de elaboração teórica é contínuo e circular, de modo que nele estarão sempre
reaparecendo estes diversos mediadores – os conceitos e a linguagem de observação que darão
certa consistência à leitura da realidade trazida pelo sujeito que produz o conhecimento, as
hipóteses que serão formuladas, os procedimentos argumentativos e comprovações empíricas,
as análises encaminhadas através da demonstração, e a verbalização dos resultados através de
uma forma específica de discurso, racionalizada.
Para deixar mais claro, podemos enumerar esses “mediadores teóricos”: a) Hipóteses; b)
Procedimentos argumentativos; c) Demonstrações (por exemplo, através de procedimentos
analíticos); d) Verbalização dos resultados; e) Linguagem de observação; e f) Conceitos.
O fato é que a Ciência opera essencialmente no "modo teórico", e é por essa via que
tendemos a seguir quando praticamos uma disciplina que se pauta por algum padrão de
cientificidade. A Teoria, associada ao Método, é a principal forma de obter conhecimento aceito
pela Ciência. 24
Desde o início do século XX, e incluindo as próprias ciências exatas e da natureza,
cientistas como Albert Einstein e filósofos como Karl Popper, começaram cada vez mais a
chamar atenção para o fato de que é a “nossa” Teoria que decide o que podemos observar, ou
como observar. A teoria transforma a realidade observada, ou ao menos revela certos aspectos
de uma realidade observada e não outros, conforme essa teoria seja construída de uma maneira
ou de outra, ou a parir de certos pontos de vista e parâmetros. O que se pode perceber da
realidade acha-se francamente interferido pelo ponto de vista do sujeito que produz o
conhecimento.25
Paul Veyne, em seu livro Como se escreve a História26, já chamava a atenção para o fato
de que "a formação de novos conceitos é a operação mediante a qual se produz o
23
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 40-48.
24
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 53-55.
25
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 60-63.
26
Cf. VEYNE, 1998.
História. 15
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27
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 64-67.
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História. 17
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28
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 69-73.
História. 18
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coisas bem distintas, da mesma maneira que "ver" e "fazer" são atitudes verbais e práticas
diferenciadas, embora possam se interpenetrar.
Um ponto interessante que pode ser ressaltado para o caso da Teoria é que pode existir
uma grande diversidade de teorias possíveis para qualquer objeto de investigação ou para
qualquer campo de conhecimento examinado, e que as diversas teorias podem se contrapor, se
sucederem ou se sobreporem umas às outras.Uma vez que cada teoria propõe ou se articula a
uma determinada "visão de mundo", e ela também corresponde à formulação de determinadas
perguntas e, consequentemente, abre espaço a um certo horizonte de respostas. Na mesma
medida em que as teorias se diversificam, também variam muito as respostas proporcionadas
por cada teoria em relação a uma certa realidade ou objeto examinado. 29
Thomas Kuhn, autor do célebre livro A estrutura das revoluções científicas 30, de 1962, já
considerava que uma teoria frequentemente se afirma em detrimento de outra, precisamente
porque responde a algumas questões que a outra teoria não respondia. Nessa perspectiva, as
mudanças de teoria (ou as opções por uma ou outra teoria) ocorrem porque uma teoria passa a
satisfazer mais do que outra, isto é, porque as questões a que a nova teoria adotada dá resposta
começam a ser consideradas mais importantes ou relevantes pelo sujeito que produz o
conhecimento. Dito de outra maneira, cada teoria, ao corresponder ou ao equivaler a uma
determinada visão de mundo, permite que sejam formuladas certas perguntas e,
frequentemente, uma nova teoria contrasta com as teorias anteriores que abordaram esta ou
aquela questão precisamente pela sua capacidade de colocar novas perguntas.
O pensar no "modo teórico" deve se amparar, nos dias de hoje, em certos procedimentos
e pressupostos que foram reforçados pelo padrão de cientificidade da vida moderna. A "teoria"
sem demonstração, sem encadeamento coerente de suas partes, sem verificabilidade, pode se
converter meramente em um conjunto de "conjecturas", pelo menos de acordo com o
pensamento que passou a predominar no mundo contemporâneo. A Ciência, compreendida
como forma específica de produzir conhecimento, pode ser identificada a partir da co-presença
de alguns aspectos que lhe são inerentes. Deve antes de tudo visar e constituir um
conhecimento a ser produzido sistematicamente, com rigor metodológico. O saber científico
também deve ultrapassar, necessariamente, o mero nível descritivo ou narrativo, de modo a
fornecer explicações ou "sistemas para a compreensão" acerca dos fenômenos que examina.
Em última instância, não busca, a Ciência, no seu sistemático processo de produzir o
conhecimento, fornecer valorações éticas ou que tenham por escopo final julgar os fenômenos
observados de acordo com algum ponto de vista moral (tal como ocorre com a Ética ou com a
Religião). Sobretudo, trata-se de um conhecimento demonstrado, tanto a partir de uma lógica
29
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 75-77.
30
Cf. KUHN, 1998.
História. 19
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Aula 02 - Teoria da História
argumentativa, como no que se refere à comprovação de dados que lhe sirvam de base
informativa. É por fim, e este é um dos seus aspectos mais definidores, um conhecimento que
deve ser "testável", isto é passível de ser verificável ou percorrido mais de uma vez por qualquer
pesquisador que se proponha a seguir todos os passos da pesquisa original. Para tanto, o
conhecimento produzido cientificamente deve explicitar necessariamente o "caminho'' e os
"pressupostos" que permitiram que o mesmo fosse produzido (o "método" e também a "visão
de mundo", isto é, a "teoria", que o sustenta), assim como deve esclarecer as condições de
produção do conhecimento em questão.
Portanto, a História, desde o momento em que postulou se tornar científica, ou ao menos
se pôs a dialogar com as sociedades científicas, trouxe para o centro de suas preocupações um
extremo cuidado em indicar as suas fontes. Essa é uma questão "metodológica" da maior
importância para a História. É através da indicação das fontes utilizadas por um historiador que
um outro, que deseje submeter o seu trabalho à prova, poderá percorrer o mesmo caminho
traçado pelo primeiro pesquisador. A fonte está na base da dimensão de verificabilidade
possível à História. Se na Química o pesquisador pode repetir em laboratório a experiência
produzida pelo primeiro pesquisador, na História se deve assegurar que todos tenham acesso às
fontes examinadas. Faz parte da ideia de teoria a possibilidade de demonstração (de confirmar
ou de extrair consequências daquilo que é formulado). Para estarmos no âmbito da Teoria
também é necessário que o que se formula teoricamente seja submetido a um diálogo com
outras proposições teóricas, seja para reforço ou para refutação. Por isso as diversas teorias
relacionam-se, por contraste ou por interação, no interior de um campo de conhecimento mais
vasto, que é o campo científico que se tem em vista. 31
31
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 80-83.
História. 20
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5. O PARADIGMA HISTORIOGRÁFICO
Pertencem ao âmbito da teoria da história os grandes paradigmas historiográficos e os
sistemas teóricos mais amplos que se destinam a encaminhar a compreensão e análise
historiográfica. Os paradigmas Positivista, Historicista e o Materialismo Histórico, entre outros,
pertencem ao quadro de grandes correntes teóricos disponíveis aos historiadores (embora
frequentemente essas correntes também envolvam aspectos metodológicos). 32
Mas o que é um paradigma? Ora, paradigma é um conceito das ciências e da
epistemologia (a teoria do conhecimento) que define um exemplo típico ou modelo de algo. É a
representação de um padrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma
teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica
com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de
modelo para estudos e pesquisas.
Como dito alhures, a segunda metade do século XVIII é um momento de passagem
importante para um novo momento na historiografia, até o século XIX, quando se consolidará a
historiografia científica. Esta metade de século em que surgem as "filosofias da história" é como
que uma antessala para algo ainda mais inovador, que será o ambiente de surgimento das
"teorias da história" ainda na primeira metade do século XIX. Estes dois momentos da
historiografia, embora distintos, fazem parte de um mesmo movimento que já podemos situar
no ambiente de uma nova era historiográfica.
Embora fosse já antiga a prática da historiografia, ou de vários tipos de pesquisa e de
elaboração de textos assemelhados à historiografia, surgiria efetivamente em fins do século
XVIII a primeira formulação do conceito atual de história, entendida como um “singular-
coletivo”, isto é, como a interação de todas as experiências humanas, desaparecendo a
tendência a se falar em “histórias”, no plural, separadas umas das outras. Essa mudança
semântica anuncia efetivamente os novos tempos: a partir de então um mesmo conceito –
"História" passaria a designar simultaneamente a realidade vivida (a história enquanto processo
de acontecimentos) e a reflexão sobre esta realidade vivida (a historiografia produzida pelos
historiadores na sua narração ou análise da história). Daqui em diante, a História passará a
carregar o nome de sua carne.
O novo tipo de historiador extrairá parte de suas inspirações e traços essenciais não
apenas dos filósofos, como também dos teólogos e filólogos; além do que, é claro, aquilo que
naturalmente se extrairá dos antigos praticantes de gêneros cronísticos e proto-historiográficos.
32
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p. 70.
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As interessantes observações da filósofa Hannah Arendt 33 sob uma sutil mudança que ocorria
pela mesma época (fins do século XVIII) na própria história da Filosofia, pois esta mudança no
ambiente mental dos filósofos vai de fato ao encontro da emergência da nova mentalidade
historiográfica que já vinha surgindo por outras vias. Arendt observou que a história do
chamado "pensamento filosófico ocidental" conheceu três grandes épocas, a saber:
1) Era filosófica– extraordinariamente extensa na história do pensamento ocidental, no que
concerne a esta questão específica que seria a determinação da principal tarefa do
filósofo, seria aquela que foi atravessada por uma filosofia que valorizava
prioritariamente a Metafísica. Teríamos aqui aquela filosofia que, desde Platão e
Aristóteles, havia fixado como tarefa maior e mais nobre da Filosofia investigar as "causas
primeiras" (isto é, aquelas que estão acima do mundo humano, que se referem às
reflexões sobre o próprio Ser enquanto Ser, examinado como se estivesse fora da história
e do fugaz e revolto mundo humano). De Aristóteles até fins da Idade Média, passando
pelos tomistas, esta teria sido a tônica maior da história da Filosofia que precede o
período moderno.
2) Primeira Modernidade– os séculos XVI e XVII trarão, em seguida, a ''primeira
modernidade''. A "primeira modernidade" se traduz efetivamente em mudanças
importantes na história do pensamento filosófico com relação a esta questão específica,
isto é, "qual seria a principal tarefa do filósofo?". Do inquérito metafísico sobre as causas
primeiras, a tarefa maior e mais nobre da Filosofia passa a ser vista, nos séculos XVI e
XVII, como aquela que é cumprida pelas Teorias Políticas. De Maquiavel (1469-1527) a
Locke (1632-1704) e a Hobbes (1469-1527), há fartos exemplos. A Filosofia, já desde a
primeira modernidade, passa a ser preocupar enfaticamente com o mundo humano, com
a sua organização política, com o mundo da "ação". Não que esta Filosofia como na
Filosofia da Antiguidade também se tratou muito do "Político''), mas sim que, neste novo
período, o ''Político" é que passa a ser enfatizado como a temática mais importante.
3) Segunda Modernidade– O último terço do século XVIII (coincidindo precisamente com o
período que JornRusen qualificará como do surgimento de uma nova era historiográfica)
assistira ao "concomitante" declínio do interesse pelo puramente político". Diante do
portal que introduz, no século XIX, a "segunda modernidade". Esta já nasce, por assim
dizer, distintivamente marcada pela "consciência histórica”. De uma maneira até então
inédita a História passa a contaminar a Filosofia, toda ela se torna histórica, e se auto
percebe como mergulhada na história. Esta é pelo menos a tendência geral, da qual
Hegel nos oferecerá o mais bem acabado exemplo.34
33
ARENDT, 2009, p. 101apudD'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 45.
34
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 43-50.
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grande busca de leis ou generalizações. Almejavam compreender, na História, o que estava por
trás da própria História. Haveria "leis" presentes por trás do desenvolvimento das sociedades
humanas, tal como havia leis que regiam os fenômenos físicos? Esta busca também foi a dos
positivistas no século seguinte.
Já os primeiros românticos do século XVIII, e mais tarde os historicistas do XIX, não
estavam propriamente interessados em leis gerais, em grandes generalizações que permitissem
compreender a história como um desenvolvimento único e sob a perspectiva de uma
universalidade que abarcasse toda a humanidade. Essencialmente, buscavam na história as
singularidades, as diversidades, a especificidade de cada sociedade ou processo histórico. Sua
perspectiva historiográfica, em uma palavra, seria "particularizante", e não "universalizante".
Quanto à pergunta metodológica (''que estratégias cognitivas deveriam ser utilizadas
para lidar com a experiência do passado?”), as respostas foram também várias, mas a mais
consistente seria trazida pelos historicistas que se afirmariam a partir do início do século XIX: a
historiografia deveria desenvolver métodos sistemáticos de críticas das fontes, das evidências
que registravam as experiências do passado humano. Este trato sistemático das fontes ficaria
conhecido como "Crítica Documental", e foi de fato uma das maiores contribuições do
Historicismo dos primeiros tempos – e da Escola Histórica Alemã em particular – ao
desenvolvimento da historiografia como um todo.
Outras duas contribuições, para além da própria difusão do paradigma historicista, foram
a inserção e consolidação da História como disciplina universitária, e a instituição da figura do
historiador profissional como aquele sujeito humano que, legitimamente, poderia tomar a seu
cargo a tarefa da escrita da História com base em uma rigorosa especialização laboriosamente
conquistada. A nova figura do historiador profissional logo passaria a se contrapor à do sábio
erudito que, entre inúmeros outros interesses, já vinha escrevendo no século XVIII também as
suas obras historiográficas, a exemplo de filósofos iluministas como Voltaire, Montesquieu ou
David Hume. De igual maneira – em que pese que eventualmente as ''teorias da história" do
século XIX achem-se eventualmente impregnadas de alguma ''filosofia da história" (como o
Positivismo comtiano ou a perspectiva da marcha teleológica da civilização para o socialismo
que se acha inserida no materialismo Histórico de Marx e de Engels) o historiador do século XIX,
o "historiador científico", passa a se dedicar cada vez mais ao exame do concreto vivido trazido
pelas suas fontes, e a se distanciar cada vez mais das perspectivas teleológicas daquelas
"filosofias da história" que buscavam antecipar um futuro e refletir essencialmente sobre o
sentido e o ponto de chegada da história, mais do que sobre a história em si mesma. 35
35
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 53-55.
História. 24
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O historiador profissional que surge no século XIX, e que seguirá pelos séculos
posteriores, estará muito claramente ocupado em sedimentar as suas reflexões em evidências,
e em se afastar de especulações não comprováveis ou sem alguma base empírica.
Em face da necessidade de estabelecer um método que o tornasse capaz de atingir a
essencialidade do processo histórico ou da experiência humana examinada, passaram a ocupar
uma centralidade fundamental para a produção do conhecimento histórico estes materiais,
vestígios ou evidências de todos os tipos que vão sendo deixados pelas sucessivas épocas e pela
a ação humana através do tempo. Em uma palavra: a ideia de História, no sentido moderno,
passa a ser quase que automaticamente associada ao conceito de ''Fonte Histórica", embora a
definição sobre o que poderia ou não ser considerado como fonte histórica tenha passado por
sucessivas transformações ao longo do desenvolvimento da historiografia, em geral na direção
de uma gradual expansão que terminaria por abarcar um universo praticamente infinito de
possibilidades. Desde então, destacam-se dois elementos entre aqueles que mais habitualmente
associamos à matriz disciplinar que constitui este campo de conhecimento que denominamos
História: a Fonte Histórica, e a referência ao Tempo.
História. 25
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36
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 63-65.
História. 26
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Os Positivistas contam de fato com toda uma fortuna crítica que inclui as já clássicas
discussões iluministas em torno de questões que lhes seriam caras: (1) a possibilidade de um
conhecimento humano inteiramente objetivo; (2) a construção de uma história universal,
comum a toda a humanidade; (3) a possibilidade de amparar um conhecimento científico sobre
as sociedades humanas com base na ideia de imparcialidade do sujeito que produz o
conhecimento. Estes três princípios, no que apresentam de mais essencial, sustentam-se sobre a
noção de que haveria uma "natureza imutável do Homem''. São estes fundamentos, que já
vinham sendo discutidos há muito pelo pensamento Ilustrado, que o Positivismo tomaria para
si, emprestando-lhes uma nova coloração. Por isso, podemos dizer que, no essencial das
questões que irá colocar a si mesmo, o Positivismo já inicia o século XIX com um quadro
bastante claro de seus posicionamentos.
Naturalmente que a ideia de uma "imparcialidade absoluta'' será sempre um problema. O
Iluminista, contudo, via a si mesmo como um homem desprovido dos ''preconceitos'' que
seriam tão típicos da Igreja, dos partidários da Monarquia Absoluta, dos defensores dos
privilégios da Aristocracia, ou mesmo do povo mais humilde, por estar sujeito à ignorância que
lhe impunham aqueles que o dominavam. O Homem ilustrado, burgueses e intelectuais, livres
de preconceitos e dotados de pensamento crítico, estaria apto a enxergar as coisas como elas
são, sendo esta a ideia que seráretomada mais tarde pelo Positivismo. Além disso, a noção de
progresso e linearidade histórica também emergem do pensamento iluminista, ao passo que
conservavam a ideia de que o transcurso das ações dos homens no tempo constituía um
acumulo de experiências (como nas ciências naturais) que vão sendo selecionadas e guiadas de
forma teleológica, objetivando alcançar sempre o aperfeiçoamento da humanidade. 37
Já para os primeiros historicistas, como dito, nada de fato estava propriamente pronto no
início do século XIX. O Historicismo ainda precisará construir a si mesmo, estendendo
contribuições diversas em um arco que irá de Ranke – ainda preocupado em ''narrar os fatos tal
como eles aconteceram'' – até Droysen e Dilthey, historicistas relativistas que já se ocupam em
trazer à historiografia uma reflexão sobre a subjetividade do próprio sujeito que constrói a
História, bem como sobre a singularidade do padrão metodológico a ser encaminhado pela
Historiografia: um padrão "compreensivo'' e não ''explicativo'' como nas ciências naturais. Esta
mesma discussão estende-se através do século XX, chegando a nomes como Gadamer, Paul
Ricoeur e outros historicistas modernos, como Marrou. 38
Para deixar mais claro, a distinção fundamental entre Positivistas e Historicistas, de um
lado, refere-se ao contraste de suas perspectivas sobre o Homem – percebido como uma
natureza imutável, pelos positivistas, e como um ser em movimento e em processo de
37
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 66.
38
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 67.
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39
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 68-71.
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7. MATERIALISMO HISTÓRICO
O Materialismo Histórico é uma abordagem metodológica dedicada ao estudo da sociedade,
da economia e da história que foi elaborada originalmente por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895), apesar de eles próprios nunca terem empregado essa expressão. Em todo
caso, Marx e Engels foram os criadores de uma nova forma de compreensão da sociedade que
permitiu superar tanto o idealismo como o materialismo do seu tempo. Essa nova abordagem
desvelou o caráter limitado e a natureza mistificadora da filosofia e da economia política burguesa.
Dessa forma, com o propósito de estudar histórica e cientificamente a sociedade de sua época,
Marx e Engels começaram por criticar as teorias existentes, para então e formularem uma nova
forma de interpretação da realidade. É nesse sentido que, analisando as teorias dos idealistas, dos
metafísicos, dos materialistas ingênuos, representantes do pensamento burguês, eles elaboraram
uma explicação radicalmente oposta.
A partir da análise das teorias sociais existentes, Marx e Engels realizaram a ruptura com o
pensamento de vários teóricos. Entre eles, o pensamento de Hegel (1770-1831), filósofo alemão
que acreditava que a ideia constitui-se a própria realidade, ou seja, que são os pensamentos, as
ideias, que determinam a vida material; e o pensamento de Feurbach (1804-1872), que dizendo-se
materialista, toma a essência genérica do homem como ponto de partida da história, admitindo a
existência do indivíduo isolado, abstraído do seu contexto histórico. Além desses dois pensadores,
Marx faz também, severas críticas a Proudhon (1809-1865) que, devido à sua concepção pequeno-
burguesa, analisa as relações sociais capitalistas como imutáveis.
Portanto, vale perguntar: se Marx critica esse materialismo existente até então, como ele vê
o indivíduo? Qual o conceito de história que ele propõe? Em que consiste o Materialismo Histórico
proposto por Marx e Engels? Ora, o materialismo histórico procura as causas de desenvolvimentos
e mudanças na sociedade humana nos meios pelos quais os seres humanos produzem
coletivamente as necessidades da vida. As classes sociais e a relação entre elas, além das
estruturas políticas e formas de pensar de uma dada sociedade, seriam fundamentadas em sua
atividade econômica. O materialismo histórico, na qualidade de sistema explanatório, foi
expandido e refinado por milhares de estudos acadêmicos desde a morte de Marx.
Na obra A Ideologia Alemã, escrita conjuntamente por Marx e Engels, a ruptura com o
filósofo Feuerbach, o principal expoente da filosofia neohegeliana, ocupa lugar central. Discordam
enfaticamente do princípio de que é o pensamento quem determina e direciona a vida humana, de
que as ideias, os princípios, os pensamentos, são os determinantes da forma de ser dos homens.
Nessa análise de Feuerbach é a consciência que determina a vida, sendo assim, “a Ideia constitui-
se a própria realidade, na medida em que o mundo real nada mais é que a exteriorização
História. 30
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deliberada da Ideia. Decorre daí que o pensamento não depende das coisas mas estas é que
dependem dele” 40.
Nessa perspectiva, não se leva em consideração a história real, em vez de ser interpretado
como produto do trabalho humano, o homem é concebido como fruto do seu próprio
pensamento. É, portanto, abstraído do seu contexto histórico, das relações sociais estabelecidas na
produção da vida material. Assim, parte-se do que os homens dizem, representam ou imaginam e
não dos homens em seu processo real de vida.
Feuerbach, concebe o real apenas como objeto sensível. Não concebe assim, o homem em
sua conexão social com outros homens e com a natureza, não chega aos homens ativos, existentes,
produtores de sua própria existência, ele fica só na abstração do homem. “Na medida em que
Feuerbach é materialista, não aparece nele a história e, na medida em que toma a história em
consideração, não é materialista. Materialismo e história aparecem completamente divorciados
nele”.41
Além disso, Marx também deixa claro que se diferencia de Hegel, a sua fundamentação
teórica e o seu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta.
Para Hegel, o processo de pensamento, que ele, sob o nome de ideia, transforma num sujeito
autônomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas a sua manifestação externa. “Para mim,
pelo contrário, o ideal não é nada mais que o material transposto para a cabeça do homem e por
ela interpretado” 42. Marx distancia-se do modo hegeliano abstrato e a-histórico de entender o
homem, ao afirmar que não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência. Quando Marx fala da produção da vida, ele está tratando de uma atividade produtiva
concreta que decorre da maneira de viver do homem. Esta noção de produção do homem pelo
trabalho ocupa um papel de suma importância no seu pensamento. É da produção que ele parte
para explicar a própria sociedade, é pela produção que se entende o caráter social e histórico do
homem.
Para Marx, as explicações para as questões postas na sociedade devem ser buscadas na
práxis material dos homens. A categoria da práxis ocupa lugar central na teoria marxiana, por isso,
toma a produção da vida material como ponto de partida: “Indivíduos produzindo em sociedade –
portanto uma produção de indivíduos socialmente determinada, este é, naturalmente, o ponto de
partida”43. A leitura de Marx é uma leitura da realidade social e a categoria de práxis ocupa um
lugar fundamental em sua obra. É precisamente sobre a concepção do homem como ser prático e
40
MARCUSE, 1978, p.19apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 2.
41
MARX, 1986, p. 40apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 2.
42
MARX, 1983, p. 20apudSOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 2.
43
MARX, 1983, p. 201apudSOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 4.
História. 31
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social que repousa na ideia capital do trabalho como forma modelar de práxis, vale dizer, o único
modo de criação, é precisamente a partir dessa concepção que Marx elabora a sua teoria da
história.
Portanto, podemos dizer que, do ponto de vista de Marx e Engels, as relações sociais de
produção são construídas a partir das condições materiais existentes. É o entendimento dessas
condições que permite a compreensão de todas as questões humanas. Dessa forma, a base da
sociedade está no trabalho. O trabalho em Marx é uma categoria essencial que permite além de
explicar o mundo e a sociedade, explicar também a própria constituição do homem, um ser que
pelo trabalho se constituiu homem. Para Marx, o trabalho é um processo entre o homem e a
natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a natureza. Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de
trabalho. A ideia é que o trabalho pertence exclusivamente ao homem. No fim do processo de
trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e
portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural;
realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, o seu objetivo. Os elementos simples do processo de
trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. O
processo de trabalho é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação
do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o
homem e a natureza, condição eterna da vida humana e, portanto, comum a todas as suas formas
sociais.44
O trabalho é apontado por Marx como a primeira necessidade humana, a partir da
satisfação dessa necessidade, outras vão sendo criadas no interior do processo de produção. Nesse
sentido, todas as questões humanas são produtos do trabalho, e só podem ser compreendidas no
contexto em que foram produzidas. Podemos afirmar então que, em suas análises, Marx parte dos
indivíduos reais, produtores de suas ações, de suas condições de vida, de suas ideias. Assim é que,
produzindo seus meios de vida, produzem sua própria vida material. "Tal como os indivíduos
manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto
com o que produzem, como o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende
das condições materiais de sua produção"45.
Para tanto, Marx diz que existe uma única ciência, a da história, que pode ser examinada
sob dois aspectos: a história da natureza e a dos homens. Essas duas são inseparáveis e coincidem
reciprocamente. Para ele, o homem é um ser natural, criado pela própria natureza e que está
sujeito as suas leis. Mas, ao mesmo tempo, o homem não se confunde com a mesma natureza de
que ele faz parte, transformando-a conscientemente segundo suas necessidades. É no processo de
44
MARX, 1983apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 5.
45
MARX 1986, p.28apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 5.
História. 32
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busca da satisfação de suas necessidades materiais que o homem trabalha, criando a si mesmo e à
sua história nesse processo.
Para Marx, a história não é um movimento linear, não é determinista, ela se dá através de
contradições, de antagonismos e conflitos, enfim, é um campo aberto de possibilidades: “Os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquela com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado”.46
A busca pela satisfação das necessidades vitais para a manutenção da vida humana faz com
que os homens produzam os meios de satisfazê-las, esse é para Marx o primeiro ato histórico.
Desse modo, a satisfação dessas necessidades leva a outras. A própria divisão do trabalho por
exemplo, se deu a partir das necessidades reais desses homens que produziam em sociedade.
Assim, o próprio mundo sensível é um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma
série de gerações.
Nas palavras de Marx: “A história nada mais é do que a sucessão de diferentes gerações,
cada uma das quais explora os materiais, os capitais e as forças de produção a ela transmitidas
pelas gerações anteriores; ou seja, de um lado prossegue em condições completamente diferentes
a atividade precedente, enquanto, de outro lado, modifica as circunstâncias anteriores através de
uma atividade totalmente diversa” 47.
Nesse contexto, a consciência do homem pode ser entendida como fruto do seu trabalho, já
que na produção social da própria vida os homens estabelecem determinadas relações que, por
sua vez corresponde a uma certa etapa de desenvolvimento das forças produtivas. O conjunto
dessas relações de produção formam a estrutura da sociedade que corresponde a formas sociais
determinadas de consciência. Sendo assim, o representar, o pensar, o intercâmbio espiritual,
aparecem como emanação do comportamento material dos homens.
A análise da realidade, portanto, deve se dar a partir da teoria da infraestrutura e
superestrutura que circundam um determinado modo de produção. Isto significa dizer que a
história sempre está ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condições
concretas de vida e, portanto, tem sua base fincada nas raízes do mundo material, organizado por
todos aqueles que compõem a sociedade. Os modos de produção são históricos e devem ser
interpretados como uma maneira que os homens encontraram, em suas relações, para se
desenvolver e dar continuidade à espécie. Segundo Marx, não é a consciência que determina a
vida, mas a vida que determina a consciência.
46
MARX, 1985, p.1apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 5.
47
MARX, 1986, p.70apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 5.
História. 33
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Marx deixa claro o método que está propondo para a história: é o método que parte dos
fenômenos reais – não se parte do que os homens dizem, representam ou imaginam, nem
tampouco do homem predicado, pensado, representado ou imaginado, para chegar, partindo
daqui, ao homem de carne e osso; parte-se do homem que realmente atua e, partindo de seu
processo de vida real, se expõe também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos
deste processo de vida. Tão logo se expõe este processo ativo de vida, a história real deixa de ser
uma coleção de fatos mortos, ainda abstratos, como o é para os empiristas, ou uma ação
imaginária de sujeitos imagináveis como o é para os idealistas. Ao propor o seu método, Marx
acredita que não está desenvolvendo um conhecimento contemplativo, mas um conhecimento
que implica na possibilidade de transformar o real. O real é um movimento contraditório, marcado
por conflitos e interesses antagônicos. A ciência da história deve buscar desvendar esse
movimento que é a base para a compreensão da economia, da história, da política, enfim, de
qualquer campo de estudo48.
Assim, o entendimento de qualquer fenômeno, implica em compreendê-lo a partir da
realidade concreta do qual faz parte. Além disso, Marx fala que as ideias da classe dominante são
em cada época as ideias também dominantes. A classe que tem em seu poder os meios de
produção, tem também em suas mãos os instrumentos de dominação, já que é a classe consciente,
pensante. A produção intelectual se transforma com a produção material. As ideias dominantes de
uma época sempre foram apenas as ideias da classe dominante. Por isso, que as ideias dominantes
expressam as relações que estão estabelecidas, ou seja, as relações materiais dominantes. Nesse
sentido, o Manifesto do Partido Comunista escrito por Marx e Engels, buscando superar o que está
posto, colocando as bases da teoria social de um novo socialismo e de uma política revolucionária,
que expressa teoricamente a perspectiva de classe proletária na qual o proletariado constitui-se
como sujeito histórico revolucionário.
A análise de Marx revela que, quando se desenvolvem as forças produtivas que a relação
capitalista de produção é capaz de conter, esta, de forma de desenvolvimento das forças
produtivas transforma-se no seu entrave. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças
produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes
ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das
quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas,
essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social.
Nesse contexto, manifesta-se com toda potência a contradição entre forças produtivas
sociais e a relação de produção. Se a ordenação da sociedade em classes distintas foi
historicamente necessária em decorrência do insuficiente nível de desenvolvimento das forças
48
MARX, 1986, p.37apud SOUZA; DOMINGUES, 2009, p. 6.
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49
DE CERTEAU, 1982.
50
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 58.
História. 36
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51
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, pp. 59-60.
52
DROYSEN, 2009, p. 46apudD'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 62.
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53
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2014, p. 63.
História. 38
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54
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 11-15.
História. 39
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Aula 02 - Teoria da História.
55
BURKE, 1992, pp. 13-14.
56
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2010, p. 5.
História. 40
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também os seus refundadores? Se representaram de fato uma Nova História, foram eles os únicos
setores da historiografia que puderam se auto perceber como uma Nova História? E quanto aos
setores estigmatizados pelos primeiros annalistas como uma “Velha História”, estavam todos
mergulhados, em sua inteireza, em uma velha história totalmente retrógrada e inadaptada aos
novos tempos? Estas perguntas podem ser colocadas provocativamente a respeito dos Annales, e
algumas delas se expressam em ambiguidades relacionadas à própria designação do movimento.
Frequentemente, quase como um sinônimo para a contribuição dos Annales ou para o tipo
de historiografia que se pretende que este movimento tenha inaugurado, é empregada a
expressão Nova História em seu sentido ampliado, o que inclui tanto a Escola dos Annales
propriamente dita como a corrente à qual, a partir dos anos 1970, muitos se referem também
como Nouvelle Histoire, mas agora em sentido mais restrito. Por outro lado, uma vez que os mais
recentes historiadores da Nouvelle Histoire muito habitualmente reivindicam uma herança
historiográfica que remete às duas primeiras gerações dos Annales, não é raro o uso da expressão
“Escola dos Annales” de modo a abarcar as diversas gerações de historiadores que têm como
referência a Revista dos Annales.
Para além do importante diálogo bibliográfico que já existe em torno dos Annales, é
fundamental considerar, antes de tudo, as fontes que revelam diretamente o pensamento dos
historiadores dos Annales. Afirmam-se aqui obras já clássicas, como: A apologia da História, de
Marc Bloch; os Combates pela História, de LucienFebvre; os ensaios de Fernand Braudel incluídos
na obra A escrita da história; o ensaio Território do historiador, de Ladurie; o livro História, ciência
social, de Pierre Chaunu; os ensaios reunidos por François Furet em 1982 sobre a rubrica A oficina
da história; ou ainda as grandes coletâneas coordenadas por historiadores da Nouvelle Histoire,
como Jacques Le Goff e Pierre Nora, entre os quais a coletânea Faire de I’Hisoireou a coletânea
Nouvelle Histoire.
Finalmente, a própria atuação de cada historiador ligado aos Annales, no exercício de sua
prática e elaboração de estudos históricos específicos, deixa entrever novas nuances. Obras como
Os Reis Taumaturgos, de Marc Bloch, o Rabelais de LucienFebvre, A crise da economia francesa no
Antigo Regime de Labrousse, O Mediterrâneo de Fernand Braudel, ou Sevilha e o Atlântico de
Pierre Chaunu, tornaram-se aqui páginas privilegiadas para a identificação de um novo e complexo
padrão historiográfico que iria deixar seus traços definitivos na história da historiografia. 57
No tocante ao programa comum partilhado pelos historiadores que se identificavam com a
Escola dos Annales, podemos identificar que alguns itens referem-se tanto à primeiras gerações de
historiadores dos Annales – as gerações Bloch-Febvre-Braudel – como aos historiadores ligados à
chamada Nouvelle Histoire, que reivindicam para si mesmos a herança do movimento, e
57
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 53-59.
História. 41
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pretendem desenhar sua imagem como a de uma terceira e quarta gerações dos Annales. Outros
dos itens expostos indicam pontos de discordância entre esses blocos, como é o caso da oposição
entre a ideia de História Total, típica das duas primeiras gerações annalistas, e a Fragmentação
Temática que não é propriamente apresentada como um ponto programático pelos próprios
historiadores da Nouvelle Histoire, mas que tem sido indicada por alguns de seus críticos como
traço característico deste grupo historiográfico.
O primeiro item programático dos Annales a ser considerado – ao mesmo tempo
coincidindo com uma estratégia de projeção da escola no meio acadêmico, e com uma concepção
com a qual Bloch e Febvre pessoalmente já estavam sintonizados antes mesmo de seu encontro na
Universidade de Estrasburgo – é a interdisciplinaridade.
Esta orientação interdisciplinar tornou-se um dos itens mais importantes do programa de
História dos Annales, e continuaria tendo a mesma importância na época da geração de
historiadores franceses que se autodenominaria Nouvelle Histoire. Por outro lado, ao entrar em
contato com novos aportes e metodologias, com novos sistemas conceituais e mesmo com novas
linguagens, e, sobretudo, ao ampliar cada vez mais suas temáticas para além das instâncias da
política oficial, a História também iniciou um movimento de diversificação interna. A multiplicação
de campos interdisciplinares, ou a proliferação de identidades que pareciam diversificar por dentro
o saber histórico, surgiu como uma consequência quase natural para os historiadores que abriram
seus horizontes interdisciplinares, que ampliaram seus objetos de estudo, e que passaram a
trabalhar com novos tipos de fontes e problemas.
Podemos exemplificar o desenvolvimento de um campo mais sistemático que poderia ser
denominado História Econômica, oportunizado ao lado das realizações historiográficas ligadas ao
Materialismo Histórico, ainda por se desenvolver, e também de outras escolas de História
Econômica que já vinham se desenvolvendo em outros países. Além de uma História Política, os
historiadores agora poderiam pensar em uma História Econômica, assim como poderiam em breve
redefinir em novos termos um campo a ser conhecido como História Cultural. Alguns dos campos
históricos foram surgindo primeiro, em função de uma fortuna crítica pregressa ou de contextos
históricos específicos. A História Econômica, surgida junto a um campo ainda um tanto vago que
foi batizado de História Social, uma História Demográfica que emergia no próprio contexto das
expansões demográficas na primeira metade do século XX, uma nova forma de consideração do
espaço pelos historiadores que resultaria na consolidação de uma Geo-história, a promessa de
uma futura Psico-história incentivada pelo diálogo entre História e Psicologia – cada uma dessas
possibilidades começou a ser explorada atentamente pelos historiadores dos Annales, de modo
que a multiplicação de campos intradisciplinares confirmou-se como um item importante no
programa dos Annales.
História. 42
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D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 102-130.
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fotografia, um filme, ou, quando se trata de um passado mais longínquo, vestígios de pólen fóssil,
uma ferramenta, um ex-voto são documentos de primeira ordem para a História Nova. 59
Outro aspecto importante é acerca da transformação da noção de espaço. O espaço, é
importante dizer, não será tratado pela nova historiografia apenas como lugar no interior do qual
se acomoda o homem. Tal como Marc Bloch demonstrou em sua exemplar obra sobre os
Caracteres originais da história rural francesa (1931), o espaço também é construído pelo próprio
homem, a ação humana está constantemente remodelando a paisagem, dando ao espaço a face
humana que têm os campos de cultivo, e neles imprimindo sob forma visível sua própria história.
Daí que o espaço natural, nas mãos dos novos historiadores, pode se tornar fonte histórica com a
mesma legitimidade que um grande conjunto documental.
Obviamente que, como não poderia deixar de ser, esta história que enxerga seus objetos
num ponto, em uma linha, na profundidade – em outras palavras, esta história que percebe seus
objetos concretamente situados no espaço e impregnados de uma realidade que emana das três
dimensões do mundo físico, mesmo que seja preciso percebê-las por meio de fontes indiretas –,
tampouco não poderia deixar de lidar criativamente com a quarta dimensão: o tempo. Talvez
algumas das contribuições mais criativas dos Annales tenham sido as experimentações em torno
das novas formas de lidar com o tempo, e este item certamente faz parte de seu programa. O
mestre nestas realizações, certamente, foi o líder da segunda geração dos Annales: Fernand
Braudel. Com ele concretiza-se um item programático de vital importância para a Escola dos
Annales, que é a proposta de uma maior criatividade em relação ao tempo histórico. 60
Fernand Braudel, autor do estudo sobre o Mediterrâneo e Felipe II, no qual é possível
encontrar três formas de temporalidade diferentes: a primeira é referente a uma história quase
sem tempo (homem e ambiente); já a segunda uma história das estruturas civilizacionais dos
territórios banhados pelo mediterrâneo (tempo lento); a terceira uma história dos acontecimentos
(tempo curto). Em tal obra enfatizou a mudança das estruturas, desejando alcançar o
entendimento dos fatos em sua totalidade. Produziu um trabalho voltado para a longa duração,
característica marcante da segunda geração dos Annales.61
A linha de pesquisa de Braudel era baseada em tempos heterogêneos (temporalidades
diferentes), sendo ela a longa duração, o tempo conjuntural e o factual. O factual estava sujeito à
longa duração. Braudel teve considerável influência da Antropologia e criou uma entidade
interdisciplinar, a Maison desSciences de I’Homme (Casa das Ciências Humanas), onde passou a ter
59
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 140-141.
60
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 150-151.
61
REIS, 2012.
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contato com intelectuais, como Pierre Bourdieu e Claude Lévi-Strauss. Tal contato com a
Antropologia pôde promover, por parte de Braudel, um trabalho voltado para o estruturalismo.
Afirmando a crise das Ciências do Homem, que, segundo o mesmo, são meras acumulações
de novos conhecimentos e estão esmagadas sob seus próprios progressos, pregava a completa
união de tais ciências, mas destacando a utilidade da história em relação às outras. Para Braudel, a
história estaria no centro de todas as ciências sociais e, por isso, era mais importante, sendo capaz
de tratar do passado e da atualidade, sendo esta, para Braudel, a fórmula da história indispensável
a todas às ciências sociais, pois englobava as múltiplas temporalidades. 62
Para Braudel, o tempo curto representava o tempo dos eventos. Fala do evento como algo
explosivo, que enche a consciência das pessoas, mas que, ao mesmo tempo, não dura. A visão de
Braudel com relação ao tempo curto era contrária à dos filósofos, que, baseados em uma série de
significações, atribuem ao evento um tempo muito maior do que sua verdadeira duração. Falam
do evento como sendo apenas uma parte que se anexa, que se liga – ou não – a toda uma série de
acontecimentos.
Para o historiador, o evento significa o tempo curto, afirmando que tal tempo existe em
vários âmbitos: social, econômico, religioso, geográfico, entre outros. Foi esta a principal
característica da história política (ocorrencial, factual, baseada praticamente só no documento) do
século XIX, que foi criticada não só pela primeira geração dos Annales, mas também por Braudel na
segunda geração. Ele enfatiza assim a passagem do foco da produção da história política para a
produção da história econômica e social, permitindo estas últimas, conforme sua visão, uma
análise muito mais ampla do que a primeira.63
Temos a forma de abordagem histórica recitativa estrutural. Assim chegamos ao Tempo
Lento (longa duração). Passa-se, assim, à análise da mudança pelo tempo lento no econômico e
social, dando grande ênfase ao aspecto da quantificação. Tal aspecto ajudará na elaboração de
análises de temporalidades dentro da própria história econômica, buscando aplicação social,
como, por exemplo, preços que sobem em um determinado período e que baixam em outro.
Como o aspecto mais estrutural para os historiadores, segundo Braudel, é algo que se
veicula muito lentamente (ao contrário do pensamento de Lévi-Strauss, que considera as
estruturas invariáveis; por isso Braudel, mesmo utilizando-se de tal modelo, o estrutural, aplica a
temporalidade da história, dizendo que, mesmo que muito lentamente, as estruturas se
modificam), tais aspectos são as prisões de longa duração, porque são onde o homem está
62
REIS, 2012.
63
REIS, 2012.
História. 45
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enraizado. Elementos estáveis como os quadros mentais e mais ainda a coerção geográfica. Pode-
se perceber as durações da história propostas por Braudel, mas não separadas e, sim, solidárias. 64
Braudel chega a falar das diferenças entre o tempo do historiador e o tempo do sociólogo.
Para ele, o historiador passaria do tempo curto ao longo e depois ao muito longo, proporcionando
uma análise aprofundada, dentro daquilo que Braudel chama de história inconsciente (que
ultrapassa a simples superficialidade dos eventos). Já o sociólogo estaria mais voltado apenas para
análise particular, não dando ênfase ao todo.
Sendo assim, segundo o pensamento Braudeliano, a história lidaria muito melhor com a
temporalidade do que a sociologia e as demais ciências sociais, proporcionado uma análise
completa e aprofundada. Por isso, ela seria superior às outras ciências. Isso se torna mais evidente
a partir dos diálogos com Lévi-Strauss. Há, deste modo, a reaproximação e, ao mesmo tempo, a
disputa e críticas entre a história e as outras ciências sociais no contexto pós-guerra. São
justamente estes diálogos e críticas que levarão Braudel a uma abordagem mais estrutural, típica
da antropologia. Isso proporcionou a formulação de uma linha de pensamento dos Annales na 2ª
geração: noção precisa da multiplicidade do tempo e grande valorização da longa duração. 65
Ademais, vale dizer que a consciência da relação entre o presente e o passado é
precisamente outro dos itens programáticos importantes para a Escola dos Annales. Marc Bloch
lembrará que esta interação existe em duas vias: “Compreender o presente pelo passado”, mas
também “compreender o passado pelo presente”, constituem as duas vias desta complexa relação.
Marc Bloch também elabora uma definição de História que se tornou clássica. Em oposição à
antiga definição de que “a História é o estudo do passado humano”, Bloch propunha a definição de
que “a História é a ciência dos homens no tempo”. Dizer isso significa que não importa,
rigorosamente, se o historiador estuda esta ou aquela época do passado, ou se estuda mesmo o
presente, disputando um território com os sociólogos e antropólogos. O que faria de um
historiador um historiador seria o fato de que ele estuda os homens imerso na temporalidade,
vivendo o tempo, percebendo o tempo, produzindo o tempo. O mesmo historiador que estuda o
passado, de acordo com esta perspectiva, poderia estudar o tempo presente – que, de fato, estaria
em breve por se converter, em um futuro não muito distante, em mais uma modalidade histórica:
a “História do Tempo Presente”. Por fim, uma última implicação do aforismo blochiano: nesta
ciência dos homens no tempo, as temporalidades poderiam dialogar a partir da mediação
historiador.
Ora, a História que traz a consciência de que o passado é diferente do presente é bem
distinta da História na qual o presente pretende aprender do passado uma velha lição.
64
REIS, 2012.
65
REIS, 2012.
História. 46
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Febvreparece dar seu recado a respeito da velha ideia da história “mestra da vida”. A História tem
algo a nos ensinar, mas não de maneira linear, como uma fórmula que pode ser sempre
empregada, uma vez aprendida através de ciclos que sempre se repetem. A História não se repete,
diz Febvre. 66
Podemos concluir esta lembrança de que também as ausências constituem um programa –
tanto as proibições escolares como aquilo que não é mencionado no programa ou nos manifestos
e que deixam aos membros do grupo um espaço livre para se movimentar nesta escola. 67
66
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, pp. 182-186.
67
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2012, p. 205.
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A renovação dos estudos culturais trazida pela Escola Inglesa tem sido fundamental para
repensar o Materialismo Histórico nos dias de hoje – particularmente para flexibilizar o já
desgastado esquema de uma sociedade que ainda era vista, por muitos marxistas, a partir de uma
cisão entre infraestrutura e superestrutura. Com a Escola Inglesa do Marxismo, o mundo da
Cultura passa a ser examinado como parte integrante do “modo de produção”, e não como um
mero reflexo da infraestrutura econômica de uma sociedade. Existiria, de acordo com esta
perspectiva, uma interação e uma retroalimentação contínua entre a Cultura e as estruturas
econômico-sociais de uma Sociedade, e a partir deste pressuposto desaparecem aqueles
esquemas simplificados que preconizavam um determinismo linear e que, rigorosamente falando,
também já havia sido criticado por Antonio Gramsci, outro historiador marxista especialmente
preocupado com o campo cultural. Será oportuno citar uma memorável passagem de Thompson:
“Uma divisão teórica arbitrária como esta, de uma base econômica e uma superestrutura cultural,
pode ser feita na cabeça e bem pode assentar-se no papel durante alguns momentos. Mas não
passa de uma ideia na cabeça. Quando procedemos ao exame de uma sociedade real, seja qual for,
rapidamente descobrimos (ou pelo menos deveríamos descobrir) a inutilidade de se esboçar a
respeito de uma divisão assim”.68
Thompson rejeita, inclusive, a habitual prioridade interpretativa atribuída ao “Econômico”.
Se algures já se disse que “sem produção não há história”, o historiador inglês acrescenta, com
alguma ironia: “sem cultura, não há produção”. Por vezes, não seria mesmo possível separar
economia e cultura com relação a certos processos ou fatos históricos, mesmo já referentes ao
período moderno.
O exemplo mais brilhante desta impossibilidade de separar economia e cultura no estudo de
alguns processos históricos específico foi dado pelo próprio Edward Thompson em suas pesquisas
sobre as revoltas populares na Inglaterra no século XVIII, que foram expressas em um texto escrito
em 1971 com o título A Economia Moral da multidão inglesa do século XVIII. Thompson demonstra
que neste contexto social era em nome dos princípios morais que se faziam as queixas, confiscos
de grãos e pães, e inúmeros outros processos pertinentes ao mundo econômico e também à
Política. A Economia, neste contexto social e relativamente a estes diversos processos, não era,
portanto, separável de certas concepções morais que circulavam na sociedade em questão.
Economia e Moral, e, portanto, Economia e Cultura, não eram separáveis. Separá-las
historiograficamente seria equivalente a perder a possibilidade de compreender aqueles processos
históricos. Em vista disto, Thompson introduz um novo conceito no âmbito das reflexões
historiográficas: o de “Economia Moral” (na verdade, conforme indica Thompson, a expressão já
havia sido empregada na própria Inglaterra do século XVIII, em uma polêmica de BronterreO’Brien
contra os autores vinculados à Economia Política). Posteriormente, o conceito foi incorporado às
68
THOMPSON, 2001, p.258.
História. 49
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análises historiográficas e passou a ser utilizados por historiadores para a análise de contextos
diversos.
Outro historiador notável da Escola Britânica do Marxismo foi Christopher Hill, que trouxe
grande impacto aos meios teóricos ligados ao Materialismo Histórico ao propor uma leitura inédita
da Revolução Inglesa de 1640, com o livro O Mundo de Ponta-Cabeça. Nesta obra, Christopher Hill
propõe uma hipótese inusitada sobre aquele processo histórico: a de que a Revolução Inglesa não
foi um processo único, unilinear, homogêneo, ou sequer uma única revolução. Na verdade, teriam
ocorrido, durante os acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução Inglesa, duas
revoluções paralelas, tensionando-se uma contra a outra. A revolução que representava os
interesses da burguesia acabou por prevalecer e por apagar a outra, a revolução dos grupos
radicais, determinando consequentemente os rumos do processo revolucionário inglês a partir do
triunfo da ética protestante e dos interesses burgueses. Contudo, teria existido uma outra
revolução, radical – representada por grupos como os diggers, ranters, levellers, quacres – esta sim
propondo uma radical reviravolta da sociedade. É este olhar para uma história esquecida, apagada
por uma historiografia que trouxe os vencedores para o centro do palco, o que Christopher Hill
procura trazer. Aqui temos outro aspecto importante da escola Britânica do Marxismo, que é uma
especial atenção ao que Thompson chamou de uma “História Vista de Baixo”.
O terceiro grande nome da Escola Britânica do Marxismo é bem conhecido no Brasil: Eric
Hobsbawm. Com sua série de livros intitulados "eras" – a Era das Revoluções, a Era dos Impérios e
a Era dos Extremos – Hobsbawm tornou-se de grande sucesso no meio editorial. Tento alcançado
uma grande longevidade, viveu todo o século XX, o que resultou em outro livro, intitulado Tempos
Interessantes - Uma Vida no século XX, que permite mostrar um historiador que assiste à passagem
de sucessivas eras neste século no qual o tempo parece ter se comprimido tal a velocidade das
transformações políticas, tecnológicas e ambientais nele implicadas. Hobsbawm também traz a
marca da Escola Britânica, escrevendo ensaios teóricos Sobre a História (1998), e também
revelando sua faceta de historiador cultural na série de críticas sobre o Jazz que publicou durante
anos, e que resultou finalmente no livro intitulado História Social do Jazz.
Conforme podemos ver, sem abrir mão dos elementos essenciais do paradigma do
Materialismo Histórico, os historiadores da Escola Britânica o renovam, rediscutindo seus
conceitos, e trazendo um novo olhar sobre a Cultura e sobre a "História Vista de Baixo".
Constituem um exemplo oportuno de escola que se desenvolve no interior de um único
paradigma.69
69
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
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Eles se tornam nômades, viajando de Genebra para Paris, então para os EUA, até se fixarem
na Universidade de Columbia, em Nova York. A primeira obra produzida pelo grupo foi
denominada Estudos sobre Autoridade e Família, gerada em Paris, na qual eles questionam a real
vocação da classe operária para a revolução social. Assim, eles naturalmente se distanciam dos
trabalhadores, atitude que se concretiza com o lançamento do livro Dialética do Esclarecimento,
lançado em 1947, em Amsterdã, que já praticamente elimina do ideário destes filósofos a
expressão “marxismo”. Erich Fromm e Marcuse dão uma guinada teórica ao juntar os conceitos da
Teoria Crítica aos ideais psicanalíticos. Marcuse, que optou por ficar nos Estados Unidos depois da
volta do Instituto para o solo alemão, em 1948, foi um dos integrantes da Escola que mais
receptividade encontrou para sua produção intelectual, uma vez que inspirou os movimentos
pacifistas e as insurreições estudantis, fundamentais em 1968 e 1969, os quais alcançaram o auge
no chamado Maio de 68.
Por outro lado, Adorno, até hoje tido como um dos filósofos mais importantes da Escola de
Frankfurt, prosseguiu sua missão de transformação dialética da racionalidade do Ocidente, na sua
obra Dialética Negativa. Sua morte marca a passagem para o que alguns estudiosos consideram a
segunda etapa da Escola, que encontra seu principal líder em Jürgen Habermas, ex-assessor de
Adorno e, posteriormente, seu crítico mais ardoroso. 70
O trabalho da Escola de Frankfurt pode ser completamente compreendido sem igualmente
entenderem-se as intenções e os objetivos da teoria crítica. Inicialmente delineada por Max
Horkheimer no seu Teoria Tradicional e Teoria Crítica, de 1937, a teoria crítica não pode ser
definida como uma autoconsciência social crítica que é o objetivada na mudança e na
emancipação através do esclarecimento, e não se liga dogmaticamente aos seus próprios
pressupostos doutrinais.
Horkheimer a opôs à "teoria tradicional", que se refere à teoria no modo positivista,
cientificista, ou puramente observacional, isto é, do qual derivam generalizações ou leis sobre
diferentes aspectos do mundo. Baseando-se no pensamento sociológico de Max Weber,
Horkheimer argumentou que as ciências sociais são diferentes das ciências naturais, visto que
generalizações não podem ser feitas facilmente supostas por experiências, porque o entendimento
de uma experiência social em si é sempre moldada por ideias que estão nos pesquisadores. O
pesquisador não percebe que é capturado em um contexto histórico cujas ideologias moldam o
pensamento; portanto, a teoria estaria em conformidade com as ideias na mente do pesquisador
mais do que na própria experiência. A ideia é que os fatos que os nossos sentidos apresentam para
nós são socialmente efetuados de duas maneiras: através do caráter histórico do objeto percebido
e através do caráter histórico do órgão que percebe. Ambos não são simplesmente naturais, ao
70
SANTANA, 2019.
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passo que eles são moldados pela atividade humana e também pelas percepções individuais deles
mesmos como receptivos e passivos no ato da percepção.
Para Horkheimer, abordagens para o entendimento nas ciências sociais não podem
simplesmente imitar aquelas das ciências naturais. Apesar de várias abordagens teóricas tornarem-
se próximas de romper as restrições ideológicas que as restringem, como o positivismo,
pragmatismo, neo-Kantianismo e fenomenologia, Horkheimer argumentaria que elas falharam,
porque todas estavam sujeitas a um prejuízo "lógico-matemático" que separava a atividade teórica
da vida real (significando que todas aquelas escolas tentaram encontrar uma lógica que sempre
permaneceria verdadeira, independentemente de consideração pelas atividades humanas
correntes). De acordo com Horkheimer, a resposta apropriada para este dilema é o
desenvolvimento de uma teoria crítica.
O problema, Horkheimer argumentou, é epistemológico: nós não deveríamos meramente
reconsiderar o cientista, mas o conhecimento individual em geral. Diferente do marxismo
ortodoxo, que meramente aplica um "padrão" não original a tanto crítica quanto ação, a Teoria
Crítica procura ser uma autocrítica e rejeita quaisquer pretensões de uma verdade absoluta. A
teoria crítica defende a primazia nem da matéria (materialismo) nem da consciência (idealismo),
argumentando que ambas as epistemologias distorcem a realidade para o benefício, afinal, de
algum grupo pequeno. O que a teoria crítica tenta fazer é colocar ela mesma fora de estruturas
filosóficas e do confinamento das estruturas existentes. Entretanto, como um modo de pensar e
"recuperar" o autoconhecimento da humanidade, a teoria crítica frequentemente se inspira no
marxismo pelos seus métodos e ferramentas.
Horkheimer sustentou que a teoria crítica deveria ser direcionada para a totalidade da
sociedade na sua especificidade história, assim como ela deveria melhorar o entendimento da
sociedade integrando todas as maiores ciências sociais, incluindo a geografia, economia, história,
ciência política, antropologia e psicologia. Enquanto a teoria crítica deve em todas as vezes ser
autocrítica, Horkheimer insistiu que uma teoria é somente crítica se é explicativa. A Teoria Crítica
deve, portanto, combinar pensamento prático e normativo para que possa explicar o que está
errado com a realidade social corrente, identificar atores para mudá-la e fornecer normas claras
para o criticismo e finalidades práticas para o futuro. Visto que a teoria tradicional pode apenas
refletir e explicar a realidade como presentemente é, o propósito da teoria crítica é mudá-la; nas
palavras de Horkheimer, o objetivo da teoria crítica é a emancipação dos seres humanos das
circunstâncias que os escravizam.
Os teóricos da Escola de Frankfurt foram explicitamente associados com a filosofia crítica de
Immanuel Kant, na qual o termo crítica significou reflexão filosófica nos limites de reivindicações
feitas por certos tipos de conhecimento e uma conexão direta entre crítica e a ênfase na
autonomia moral – como oposta às tradicionais deterministas e estáticas teorias de ação humana.
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materialistas, em que o desenvolvimento das forças produtivas é visto como o motivo primário
para deflorar uma mudança histórica, e de acordo com qual as contradições material e social
inerentes ao capitalismo irão inevitavelmente levar a sua negação, desse modo substituindo o
capitalismo por uma nova forma racional de sociedade: o comunismo.
Marx assim contou vastamente com uma forma de análise dialética. Esse método, para
saber a verdade descobrindo as contradições em ideias presentemente predominantes e, por
extensão, nas relações sociais às quais elas estão ligadas, expõe a luta básica entre forças opostas.
Para Marx, é apenas tornando-se consciente da dialética de tais forças opostas, em uma luta pelo
poder, que os indivíduos podem se libertar e mudar a ordem social existente.
De outro lado, os teóricos da Escola de Frankfurt rapidamente vieram a perceber que um
método dialético poderia apenas ser adotado se pudesse ser aplicado a si mesmo – o que é dizer,
supondo que eles adotassem um método autocorretivo – um método dialético que lhes permitiria
corrigir falsas interpretações dialéticas anteriores. Do mesmo modo, a teoria crítica rejeitou os
dogmáticos historicismo e materialismo do marxismo ortodoxo. De fato, as tensões materiais e
lutas de classes das quais Marx falou não eram mais vistas pelos teóricos da Escola de Frankfurt
como tendo o mesmo potencial revolucionário dentro das sociedades ocidentais contemporâneas
– uma observação que indicou que as interpretações dialéticas e as previsões de Marx estavam
incompletas ou incorretas.
Contrário à práxis ortodoxa marxista, que somente procura implementar uma imutável e
estrita ideia de "comunismo" na prática, os teóricos críticos tomaram que a práxis e a teoria,
seguindo o método dialético, deveriam ser interdependentes e deveriam influenciar mutuamente
uma a outra. Quando Marx expôs nas suas Teses de Feuerbach que filósofos têm apenas
interpretado o mundo de muitos modos, dizendo que o ponto é mudá-lo, a sua ideia real era que a
única validade da filosofia era em como ela informa a ação. Teóricos da Escola de Frankfurt
corrigiriam isso afirmando que quando a ação falha, então o orientador da teoria deve ser revisto.
Em suma, ao pensamento filosófico socialista tem de ser dada a habilidade de criticar a si mesmo e
"subjugar" seus próprios erros. Enquanto a teoria deve participar da práxis, a práxis deve também
ter uma chance de participar da teoria.
A Escola de Frankfurt também foi alvo de diversas críticas, dentre elas está a crítica do
intelectual italiano Umberto Eco. Ele teceu diversas críticas aos frankfurtianos, entre elas o
anacronismo e a posição elitista de seus teóricos, a defesa da cultura erudita e a rejeição da cultura
de massa. No livro Apocalípticos e integrados, ele os classifica como “apocalípticos”, adjetivo usado
largamente na crítica à Escola de Frankfurt. Segundo o autor, eles seriam responsáveis por esboçar
teorias sobre a decadência, enquanto aos integrados, pela falta de teorização, só lhes restaria
produzir e afirma: “O Apocalipse é uma obsessão do dissentir, a integração é a realidade concreta
dos que não dissentem. Caberia aos apocalípticos o papel de consolar o leitor, já que, em meio à
História. 55
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catástrofe, se elevariam os “super-homens”, ou seja, aqueles acima da média, que olhariam para o
mundo com desconfiança”.
Para Umberto Eco, essa atitude seria um convite à passividade. O problema estaria em
pensar a cultura de massa como algo bom ou mau. O verdadeiro problema reside em aceitar que
se vive em uma sociedade industrial na qual os meios de massa são uma realidade. A partir de tal
premissa, o teórico questiona qual seria então o modo pelo qual as massas medias poderiam servir
para transmitir valores culturais.
Durante os anos 1980, os socialistas antiautoritários no Reino Unido e Nova Zelândia
também criticaram a visão rígida e determinista sobre a cultura popular implantada dentro das
teorias da Escola de Frankfurt a respeito da cultura capitalista, que parecia excluir qualquer papel
pre-figurativo para a crítica social dentro desse trabalho. Recentes críticas da Escola de Frankfurt
feitas pelo libertário Instituto Cato focadas na afirmação de que a cultura tem crescido mais
sofisticada e diversificada como consequência da liberdade econômica e da disponibilidade dos
nichos culturais para a mídia de massa.
História. 56
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12. MICRO-HISTÓRIA
A Micro-História, como o próprio nome sugere, é um gênero da historiografia que reduz a
escala de observação de seus objetos na pesquisa histórica. Ora, vale lembrar que existem várias
formas de se escrever história. A ciência História é definida por várias metodologias que resultam
em técnicas de pesquisas diferenciadas. A forma tradicional de se escrever História fazia uso de
uma abordagem narrativa geral, identificando estruturas que se alteravam em eventos de longa
duração. Mas o desenvolvimento da ciência permitiu o florescimento de novas metodologias que
enriqueceram o campo.
Entre 1981 e 1988 surgiu uma coleção, na Itália, organizada pelos historiadores Carlo
Ginzburg e Giovanni Levi e intitulada de Microstorie. A coleção fez muito sucesso apresentando sua
forma inovadora de se abordar o objeto de pesquisa e passou a influenciar historiadores em várias
partes do mundo com as novas metodologias.
Como dito, a Micro-História é uma forma de se pesquisar e escrever História na qual a
escala de observação é reduzida. Sem deixar de levar em consideração as estruturas estabelecidas
pela História Geral, a Micro-História se foca em objetos bem específicos para apresentar novas
realidades. A proposta é que o historiador desenvolva uma delimitação temática extremamente
específica em questão de temporalidade e de espaço para conseguir observar realidades que não
são retratadas pela História Geral.
A Micro-História oferece grandes serviços à História Geral, já permite revelar fatos e
realidades até então desconhecidas. Assim, a Micro-História aborda o cotidiano de comunidades
determinadas ou apresenta biografias que complementem o contexto geral, mesmo que os
indivíduos destacados fossem figuras anônimas. Na verdade, é isso que permite esclarecer as
realidades conjunturais existentes dentro das estruturas já conhecidas.
A diferença da Micro-História para a História Geral é notória também quando é escrita.
Enquanto esta se desenvolveu como um gênero mais ligado à narrativa histórica, a Micro-História
se dedica a uma profunda exploração das fontes, utilizando os artifícios da narrativa, as vezes até
retórica, mas também da descrição etnográfica. Ainda assim, a Micro-História demorou a se tornar
conhecida no mundo. Durante muito tempo permaneceu como um método muito característico e
restrito aos italianos.
A relação da Micro-História com a História Social se demonstrou muito frutífera. Uma vez
que esta procura dar voz às camadas mais baixas da sociedade, a Micro-História contribui
fornecendo elementos enriquecedores para permitir que os excluídos da História Geral se
expressem.
História. 57
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71
GASPARETTO JUNIOR, 2013.
História. 58
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História. 59
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apropriado para conduzir à percepção de certos aspectos do universo (por exemplo, o espaço
sideral ou o espaço intra-atômico). De igual maneira, a Micro-História procura enxergar aquilo que
escapa à Macro-História tradicional, empreendendo para tal uma redução da escala de observação
que não poupa os detalhes e que investe no exame intensivo de uma documentação.
Considerando os exemplos antes citados, o que importa para a Micro-História não é tanto a
unidade de observação, mas a escala de observação utilizada pelo historiador, o modo intensivo
como ele observa, e o que ele observa. 72
72
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
História. 60
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73
KOSELLECK, 2006, p.308apud D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
História. 61
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74
KOSELLECK, 2006, p.309-310apud D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
História. 62
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O “Passado Presente” pode melhor ser representado como um espaço porque concentra
um enorme conjunto de coisas já conhecidas. Pensemos na figura acima como uma possibilidade
de representação. Ela é composta de uma linha horizontal, que representará o horizonte de
expectativas, e de um semicírculo colado a esta, que representará o campo de experiências. Existe
uma infinita região do Passado que não é conhecida, e que, na verdade, jamais será conhecido.
Podemos entender este Passado incognoscível, do qual jamais saberemos nada a respeito, como
estando fora do semicírculo. Aquilo que não deixou memória, ou cujas memórias já pereceram;
aquilo que não deixou vestígios, nem fontes para os historiadores; aquilo que não está
materializado no presente a partir das permanências, das continuidades, da língua, dos rituais
ainda praticados, dos hábitos adquiridos, tudo isto faz parte de uma experiência perdida, que se
situa fora do semicírculo. O que está dentro do semicírculo, contudo, corresponde ao “espaço de
experiência”. Tudo o que ficou do que um dia foi vivido, e se projeta hoje no presente de alguma
maneira, está concentrado neste espaço que é fundamental para a vida, e particularmente vital
para os historiadores – pois estes só podem acessar o que foi um dia vivido através deste espaço
de experiências que se aglomeram sob formas diversas, e dos quais eles extraem as suas fontes
históricas. Tal como esclarece Koselleck, a experiência elabora acontecimentos passados e tem o
poder de torná-los presentes, e neste sentido está “saturada de realidade”. 75
Pode-se pensar ainda na transferência de elementos do “campo de experiência” para
aquele espaço indefinido do passado que já se torna inacessível. Memórias podem se perder,
fontes podem se deteriorar e se tornarem ilegíveis, arquivos podem se incendiar, rituais podem
deixar de serem praticados e tradições podem passar a não mais serem cultivadas. Quando morre
um indivíduo, certamente o mundo perde para este espaço exterior algo do que poderia ser
conhecido, do que estava efemeramente situado dentro do semicírculo e que jamais poderá ser
recuperado. A História Oral, uma modalidade mais recente das ciências históricas, apresenta, aliás,
uma conquista extremamente importante para a historiografia, e mesmo para a humanidade.
Através desta abordagem histórica, é possível fixar o que um dia irá perder, pois as memórias
podem ser registradas em depoimentos, gravados ou anotados, e as visões e percepções de
mundo de indivíduos que um dia irão perecer também podem encontrar o seu registro. É possível
imaginar que algo que também parecia estar no espaço exterior também venha um dia para
dentro do semicírculo, nos momentos em que os historiadores descobrem novas fontes, ou
mesmo novas técnicas para extrair de fontes já conhecidas elementos que antes não pareciam
fazer parte do “espaço de experiência”.
Qualquer Passado, qualquer coisa que hoje está no interior deste semicírculo que é o
“espaço de experiência” ou o “Passado Presente”, assim como ainda aquilo o que se perdeu para
fora dele, mas que um dia também foi vivido, já correspondeu outrora a um Presente. Nosso
75
KOSELLECK, 2006, p.312 apud D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
História. 63
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presente, cada instante que vivenciamos, logo se tornará um passado, e mesmo ocorrendo com o
futuro que ainda não conhecemos. Por isto mesmo, a cada segundo, a cada novo presente, o
espaço de experiência se transforma. O que podemos acessar de um vivido e de uma experiência
que nos chega do passado revolve-se constantemente, reapresentando-se a cada vez de uma nova
maneira. As próprias experiências já adquiridas podem se modificar com o tempo.
Quanto ao “Futuro Presente” (este Futuro que ainda não ocorreu, mas cuja proximidade ou
distância repercute no Presente sob a forma das mais diversas expectativas), este é representável
por uma linha. Na verdade, é representado por uma linha porque é efetivamente o que está para
além desta linha, correspondendo àquilo que ainda não é conhecido. Temos apenas uma
“expectativa” sobre o futuro, mas efetivamente não podemos dizer como ele será. Por isso a
metáfora do horizonte – o extremo limite que se oferece à visão, e para além do qual sabemos que
há algo, mas não sabemos exatamente o que é. Sempre que nos aproximamos do horizonte, ele
recua, de modo que nunca deixará de persistir como uma linha além da qual paira o desconhecido,
que logo se tornará conhecido porque se converterá em presente. Conforme as próprias palavras
de Koselleck, “horizonte quer dizer aquela linha por trás da qual se abre no futuro um novo espaço
de experiência, mas um espaço que ainda não pode ser contemplado; a possibilidade de se
descobrir o futuro, embora os prognósticos sejam possíveis, se depara com um limite absoluto,
pois ela não pode ser experimentada”76.
Entre estas duas imagens se comprime o Presente: um fugidio momento de difícil de
representação visual que parece se comprimir entre o espaço concentrado que representa o
Passado (e logo se incorporar a ele) e a linha fugidia que representa o Futuro – esta linha
eternamente móvel (pois rapidamente o que ele traz, tão logo se torne conhecido, transforma-se
por um segundo em Presente e logo depois passa a ser englobado pelo interior do semicírculo que
corresponde ao “espaço de experiência” (quando não se perde no Passado incognoscível situado
fora do semicírculo).
É importante ressaltar ainda que o “Passado Presente” e o “Futuro Presente”, ou o “campo
de experiências” e o “horizonte de expectativas”, não constituem conceitos simétricos.
Imaginariamente, o campo de experiência, o Presente, e o horizonte de expectativas podem
produzir as relações mais diversas, e assim ocorre no decorrer da própria história. Há épocas em
que o tempo parece aos seus contemporâneos se desenrolar lentamente, e outras em que parece
estar acelerado, em função da rapidez das transformações políticas ou tecnológicas. Existem
períodos da história, crivados de movimentos revolucionários, nos quais os agentes que deles
participam desenvolvem a sensação de que o futuro é aqui agora, tendo se fundido ao presente.
Em outros, inclusive, o futuro parece permanecer “atrelado ao passado”, tal como naqueles em
que as expectativas do futuro não se referem a este mundo, mas sim a um outro que será
76
KOSELLECK, 2006, p.311 apud D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
História. 64
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escatologicamente trazido pela redenção dos tempos. As fusões e clivagens que se estabelecem
imaginariamente entre as três temporalidades – Passado, Presente e Futuro – podem aparecer ao
ambiente mental predominante em cada época, e às consciências daqueles que vivem nestas
várias épocas, de maneiras bem diferenciadas.
Para Koselleck, o Tempo Histórico é ditado, de forma sempre diferente, pela tensão entre
expectativas e experiência. Há por exemplo ações e práticas humanas que são constituídas
precisamente desta tensão, tal como ocorre com a elaboração de “prognósticos”, que sempre
exprimem uma expectativa a partir de um certo campo de experiências (portanto, a partir de um
“diagnóstico”). Diz-nos também o historiador alemão que “o que estende o horizonte de
expectativa é o espaço de experiência aberto para o futuro”, o que se pode dar de múltiplas
maneiras, conforme a relação estabelecida entre as duas instâncias 77. Como se disse, em cada
época pode haver uma tendência distinta a reavaliar a tensão entre o espaço de experiência e o
horizonte de expectativas (ou entre o Passado e o Futuro, através da mediação do Presente).
Apenas para ilustrar com uma das hipóteses de Koselleck, na modernidade as expectativas passam
a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então; em contrapartida, em todo o
ambiente mental predominante no ocidente até meados do século XVII, o futuro parecia
permanecer fortemente atrelado ao próprio passado. Poderíamos mesmo pensar em duas
representações para os dois momentos da história das sensibilidades europeias em relação ao
Tempo, já que, no período propriamente moderno, o espaço de experiência deixa de estar limitado
pelo horizonte de expectativa; os limites de um e de outro se separam.
O aparato conceitual desenvolvido por Koselleck foi incorporado pela historiografia como
aquilo que de mais eficaz se produziu até hoje para operacionalizar uma visão historiográfica do
tempo.78
77
KOSELLECK, 2006, p.313 apud D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
78
D'ASSUNÇÃO BARROS, 2011.
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terceira geração dos Annales virou-se decididamente para a história das mentalidades e para a
história cultural.
Conforme exposto acima, a nova história buscou a superação dos pressupostos que
caracterizam o positivismo.
“Sua maior contribuição à história foi a introdução de conceitos, métodos e modelos das ciências
naturais na investigação social, e a aplicação à história, conforme parecessem adequadas, das
descobertas nas ciências naturais.” (HOBSBAWN, 1998, p.158).
Segundo os PCNs (BRASIL, 1997, p. 35-36) O saber histórico escolar, na sua relação com o
saber histórico, compreende de modo amplo, a delimitação de três conceitos fundamentais: o fato
histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. Os contornos e as definições que são dadas a
estes três conceitos orientam a concepção histórica, envolvida no ensino da disciplina.
Tratando-se de História, de acordo com Neves (1985), o que se objetiva é desenvolver na
criança
“[...] a percepção da multiplicidade temporal da História, em termos de ritmos de mudanças-mais
rápidas ou mais lentas-, e que explicariam certas contradições aparentes da sociedade atual.” (p.
17).
[...] o ensino e aprendizagem de História estão voltados, inicialmente, para atividades em que os
alunos possam compreender as semelhanças e as diferenças, as permanências e as
transformações no modo de vida social, cultural e econômico de sua localidade, no presente e no
passado, mediante a leitura de diferentes obras humanas (BRASIL, 2000, p. 49).
História. 69
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O Ensino de História nas Séries Iniciais deve considerar a história de vida do aluno, uma vez
que somos seres históricos. Contudo o Ensino de História nas Séries Iniciais, nas palavras de Cruz é
de suma importância já que para este autor:
Estudar História e Geografia na Educação Infantil e no Ensino Fundamental resulta em uma
grande contribuição social. O ensino da História e da Geografia pode dar ao aluno subsídios para
que ele compreenda, de forma mais ampla, a realidade na qual está inserido e nela interfira de
maneira consciente e propositiva (CRUZ, 2003, p.2).
História. 70
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O estudo de História nas Series Iniciais deve partir da própria história de vida do aluno,
avançando para o estudo da história local que deve ser apresentada como algo, vivo, vibrante,
capaz de despertar paixão e colaborar para a compreensão do mundo. A Educação Infantil,
entretanto, foi pensada globalmente e não fragmentada, por isso ela não está dividida em
disciplinas. Nesse sentido, a Secretaria de Educação, dispõe-se no planejamento do Currículo para
a educação Infantil, os campos de experiências em que se organiza a BNCC, que são:
O eu, o outro e o nós;
Corpo, gestos e movimentos;
Traços, sons, cores e formas;
Escuta, fala, pensamento e imaginação;
Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
Nesse sentido, o documento normativo para a Educação Infantil aponta:
Considerando que, na Educação Infantil, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças
têm como eixos estruturantes as interações e as brincadeiras, assegurando-lhes os direitos de
conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer- se, a organização curricular da
Educação Infantil na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito dos quais
são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Os campos de experiências
constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida
cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte de
patrimônio cultural (ANÁPOLIS, SEMED; 2019.)
Tendo em vista os eixos estruturantes das práticas pedagógicas e as competências gerais da
Educação Básica propostas pela BNCC, seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento
asseguram, na Educação Infantil, as condições para que as crianças aprendam em situações nas
quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a
sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais possam construir significados sobre si, os outros e
o mundo social e natural.
História. 71
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De acordo com algumas pesquisas com professores deste nível de ensino, a influência da
chamada “História Local” e da “História do Cotidiano” aparece em seus apontamentos, que
consideraram os conteúdos História local (bairro, cidade) e História pessoal da criança, como os
mais importantes de serem trabalhados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Contudo, de acordo com Silva (2013), há uma desvalorização do saber histórico nos anos
iniciais. Tal processo é atribuído ao foco na alfabetização, de acordo com o que determinam os
documentos oficiais para os três primeiros anos de escolarização. O autor confirma com Silva e
Fonseca (2010), que consideram que algumas concepções e práticas de ensino não inserem o
conhecimento histórico no processo de alfabetização e letramento, de maneira que a História
apenas é introduzida após a consolidação da leitura e da escrita. Entretanto, consideram ainda
que,
História. 72
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O “foco na alfabetização”, todavia, não pode perder de vista as diversas dimensões que o
processo envolve, pois, como nos ensinou Paulo Freire, ler é ler o mundo: não podemos aprender
a ler as palavras sem a busca da compreensão do mundo, da História, da Geografia, das
experiências humanas, construídas nos diversos tempos e lugares (SILVA; FONSECA, 2010, p.60)
14.2.3. Conteúdos
Sobre a seleção de conteúdos escolares, Bezerra (2007) considera que eles não são mais um
fim em si mesmo, perante um projeto educacional, anunciado pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), nº 9394/1996, no qual,
[...] os objetivos da escola básica, segundo essa lei, não se restringem à assimilação maior ou
menor de conteúdos prefixados, mas se comprometem a articular conhecimento, competências e
valores, com a finalidade de capacitar os alunos a utilizarem-se das informações para a
transformação de sua própria personalidade, assim como para atuar de maneira efetiva na
transformação da sociedade (BEZERRA, 2007, p. 37).
História. 73
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Nos PCN´s há a indicação para organização dos conteúdos em eixos temáticos. Os eixos
propostos procuram introduzir noções e conceitos básicos para a História a partir do processo de
alfabetização, sendo progressivamente trabalhados ao longo de todo o ensino fundamental e
médio. No documento curricular destacam-se os conceitos de cultura, de organização social e do
trabalho e as noções de tempo / espaço históricos, sendo que o conceito tempo é apresentado
por meio da noção do antes e do depois, buscando uma construção conceitual que não se
restrinja a ideia de tempo cronológico (BITTENCOURT, 2011).
Como exemplo, abaixo temos dois quadros com os respectivos conceitos e habilidades a
serem trabalhados na primeira etapa do Ensino Fundamental. Ambos quadros, tanto do 1º Ano
quanto o do 5º Ano, são dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2019, de modo a ser seguido por
toda a rede municipal de Anápolis, nas devidas proporções e realidades escolares.
- Comparar as condições de
existência das moradias dos - Selecionar e ordenar fatos
membrosde grupo de convívio dos utilizando fontes históricas escritas
quais participo no passado e enão escritas sobre a(s) minha(s)
naatualidade. (I/A) moradia(s) (fotos,
documentos,relatos orai etc.), para - Ordenar os fatos históricos de
- Reconhecer as casas, suas
formular e expressar ordem pessoal, familiar e do grupo
histórias e diferenciar os tipos de
(oralmente,graficamente e por de convívio escolar. (I/A)
casasconstruídas ontem e hoje.
(I/A) escrito) uma sequência narrativa, - Diferenciar ações e eventos
da minhahistória em relação à(s) cotidianos
- Descrever oralmente a sua moradia(s), na qual entenda que ocorridossequencialmente, antes e
moradia, incluindo cômodos e asmoradias fazem parte da minha depois de outros e ao mesmo
suasfunções. (I/A/C) história. (I/A) tempo em que outros. (I)
- Compreender as várias formas de - Identificar aspectos da produção - Situar-se em relação ao “ontem”
moradias das pessoas artística e cultural da localidadeno (ao que passou), com relação ao
(própria,aluguel, favelas, passado e no presente, noentorno hoje (ao que está ocorrendo) e com
aglomerado, da minha moradia. (I) relação ao amanhã (a expectativa
cortiços,apartamentos,
- Identificar as práticas do porvir). (I)
cedida,financiadas, etc.) (I/A)
econômicas, de organização do - Reconhecer as semelhanças e
- Identificar através de gravuras de trabalho epolítica da localidade diferenças, a relação tempo x
construções antigas e atuais, onde moro no passado e compará- espaço, através do estudo da
emvisita a museu ou observação in las aspráticas econômicas e história da escola. (I/A)
loco, construções antigas e políticas atuais. (I)
modernas;e verificar as mudanças - Comparar fotos do seu passado
que ocorrem ao longo do tempo. - Identificar os grupos de convívio e com fotos atuais. (I/A)
(I/A) as instituições relacionadas
àcriação, utilização e manutenção
- Identificar os diferentes tipos de dos patrimônios culturais
trabalhos e de dalocalidade. (I)
trabalhadoresresponsáveis pelo
sustento de seugrupo de convívio
História. 74
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https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/158.pdf
De maneira geral, a Base estabelece dez competências gerais que os estudantes devem
desenvolver ao longo da Educação Básica. Essas competências guiam o trabalho dos componentes
curriculares e têm como objetivo a formação integral do aluno, preparando-o para os desafios do
século XXI. O documento ainda define para as escolas de todo território nacional, a Base Comum
Curricular de História, estruturada em: Competências Gerais da Base; Competências Específicas de
História para o Ensino Fundamental; Unidades Temáticas, Objetos de Conhecimento e Habilidades
a serem desenvolvidas em cada uma das etapas/anos do ensino fundamental.
O documento apresenta algumas das perspectivas recorrentes no debate da área do ensino
de História ao orientar sobre o processo de ensinar e aprender: a importância de estabelecer
relações entre passado e presente.
A área de Ciências Humanas contribui para que os alunos desenvolvam a cognição in situ, ou
seja, sem prescindir da contextualização marcada pelas noções de tempo e espaço, conceitos
fundamentais da área. Cognição e contexto são, assim, categorias elaboradas conjuntamente, em
meio a circunstâncias históricas específicas, nas quais a diversidade humana deve ganhar
especial destaque, com vistas ao acolhimento da diferença. O raciocínio espaço-temporal baseia-
se na ideia de que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em
determinada circunstância histórica. A capacidade de identificação dessa circunstância impõe-se
como condição para que o ser humano compreenda, interprete e avalie os significados das ações
realizadas no passado ou no presente, o que o torna responsável tanto pelo saber produzido
quanto pelo controle dos fenômenos naturais e históricos dos quais é agente (BRASIL, 2017, p.
353).
História. 76
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Guimarães (2012) afirma que as diferentes fontes e linguagens podem ampliar o olhar do
historiador e o seu campo de estudo, tornando o processo de transmissão e produção de
conhecimentos interdisciplinar, dinâmico e flexível. Além disso, questionam as fronteiras
disciplinares, permitem a religação dos saberes e possibilitam aos estudantes a reconhecerem a
estreita relação entre os saberes escolares e a vida social.De acordo com a BNCC, os usos de
fontes, linguagens, objetos materiais contribuem para formar nos estudantes uma “atitude
historiadora”.
De acordo com o documento, a história não emerge como um dado ou um acidente que
tudo explica: ela é a correlação de forças, de enfrentamentos e da batalha para a produção de
sentidos e significados, que são constantemente reinterpretados por diferentes grupos sociais e
suas demandas – o que, consequentemente, suscita outras questões e discussões. (BRASIL, 2017c)
Entre os saberes produzidos, destaca-se a capacidade de comunicação e diálogo,
instrumento necessário para o respeito à pluralidade cultural, social e política, bem como para o
enfrentamento de circunstâncias marcadas pela tensão e pelo conflito. O texto do documento
seleciona e indica os processos considerados imperativos na formação dos estudantes:
identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise de um objeto. Reforça que
tais processos estimulam o pensamento.
No entanto, o texto é discreto em relação a problematização. Lembramos Karnal (2004) ao
defender que ensinar a construir conceitos e situações problema contribuem no processo de
interpretação, na construção de argumentos que permitam explicar a si próprios e aos outros, de
maneira convincente, potencializa a apreensão da situação histórica e desenvolve uma percepção
mais abrangente da condição humana nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados
problemas.
De acordo com a Base, um dos objetivos da disciplina História é
[...] estimular a autonomia do pensamento e a capacidade de reconhecer que os indivíduos agem
de acordo com a época e o lugar nos quais vivem, de forma a preservar ou transformar seus
hábitos e condutas. A percepção de que existe uma grande diversidade de sujeitos estimula o
pensamento crítico, a autonomia e a formação para a cidadania (BRASIL, 2017c, p. 350).
História. 77
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e de falas sensíveis, nos diversos ambientes educativos (bibliotecas, pátio, praças, parques,
museus, arquivos, entre outros).
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História. 79
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E de maneira geral, os PCN´s afirmam, “[...] o trabalho pedagógico requer estudo de novos
materiais (relatos orais, imagens, objetos, danças, músicas, narrativas), que devem se transformar
em instrumentos de construção do saber histórico escolar” (BRASIL, 1997, p. 39).
O uso de variadas fontes, já consolidado na pesquisa histórica, mostra-se importante para o
ensino da disciplina, na medida em que,
Ao se recuperar esses materiais, que são fontes potenciais para construção de uma história local
parcialmente desconhecida, desvalorizada, esquecida ou omitida, o saber histórico escolar
desempenha um outro papel na vida local, sem significar que se pretende fazer do aluno um
“pequeno historiador” capaz de escrever monografias, mas um observador atento das realidades
do seu entorno, capaz de estabelecer relações, comparações e relativizando sua atuação no
tempo e espaço (BRASIL, 1997, p. 39)
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Fonte: Guia de Implementação da Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://implementacaobncc.com.br/wp-
content/uploads/2018/06/guia_de_implementacao_da_bncc_2018.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019
O livro didático de história sofreu as mais variadas mudanças desde sua implantação. Ao
longo do tempo, o livro se cristalizou como a forma mais consistente de apresentar uma proposta
curricular aos professores e alunos, expressando uma seleção e organização de determinados
conteúdos culturais. Nessa perspectiva, os LD são produtos culturais didatizados, de forma a
garantir a cultura comum, e, como tal, está suscetível às influências do contexto sócio político-
econômico e cultural. Segundo Bittencourt:
Um aspecto fundamental a ser considerado em análises sobre materiais didáticos é seu papel de
instrumento de controle do ensino por parte dos diversos agentes do poder [...]. O despreparo do
professor, resultante de cursos sem qualificação adequada, e as condições de trabalho nas
escolas muitas vezes favorecem, [...], uma cultura mercantilizada que transforma cada vez mais
a escola em um mercado lucrativo para a indústria cultural, [...] (Bittencourt, 2004, p. 298).
História. 81
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Prof. Sérgio Henrique
Aula 02 - Teoria da História.
Tendo o livro didático como produto cultural fabricado por técnicos (professores,
pesquisadores, outros), o LD é uma mercadorialigada ao mundo editorial; é um suportede
conhecimentos escolares propostos pelos currículos educacionais; é também um suporte
demétodos pedagógicos, ao conter exercícios, atividades e formas de avaliação do conteúdo
escolar; e é veículo de um sistema de valores, de uma cultura de uma dada época e de uma dada
sociedade (Bittencourt, 2004).
Devido a esse panorama, o LD tem sido material importante no cotidiano escolar e,
geralmente, é enfatizado como uma ferramenta auxiliar e não como um instrumento de trabalho
exclusivo e único de professores e alunos. Destaca-se ainda a mediação do LD pelo professor, que
se reflete no seu comprometimento com a autonomia intelectual dos alunos.
Bittencourt (2004) aponta que a História e as demais disciplinas escolares fazem parte de
um sistema educacional que, mesmo se redefinindo constantemente, tem suas especificidades no
processo de constituição de saberes ou do conhecimento escolar. Ainda segundo a autora, uma
das dificuldades dos professores do Ensino de História é fazer a dessincretização do saber histórico
do livro. É nesse sentido que a teoria da transposição didática abordada por Chevallard (1991)
avança nessa discussão, afirmando que os saberes produzidos na academia precisam circular no
espaço da escola, de modo que os alunos compreendam com fluência o que está sendo estudado.
Nesta perspectiva, o conceito de transposição didática (Chevallard, 1991) aparece como um
instrumento relevante para esclarecer esse tipo de problema. O termo transposição implica no
reconhecimento da diferenciação entre saber acadêmico e saber escolar, considerados como
saberes específicos de natureza e funções sociais distintas, nem sempre evidentes nas análises
sobre a dimensão cognitiva do processo de ensino aprendizagem.
História. 82
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