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2.

TEORIAS DEMOGRÁFICAS

Objetivos

1. Conhecer o pensamento dos primeiros demógrafos;


2. Conhecer as principais características do pensamento malthusiano;
3. Identificar as principais fases e a importância da teoria da transição
demográfica;
4. Descrever os traços essenciais que caracterizam a evolução global da população
do continente europeu durante o Antigo Regime;
5. Identificar quais as etapas do arranque demográfico da Europa Ocidental
segundo o Modelo de Dupâquier.

Introdução

As teorias demográficas ou teorias da população são correntes de opinião que tentam


explicar ou prever a evolução dos fenómenos demográficos, as interações entre estes e
os fenómenos económicos, sociais, psicológicos, do ambiente e outros, tentando prever
as consequências que possam levar à elaboração de uma política demográfica.

Neste capítulo, tentaremos explicar como foi evoluindo a Demografia relativamente aos
seus aspetos quantitativos da dinâmica populacional, como se foi constituindo e emergiu
como ciência ao longo dos séculos XVII e XVIII. Iremos ver também quem foram e o
que disseram os homens que transformaram em ciência a Demografia, quais são as
grandes teorias e os grandes problemas da Demografia contemporânea.

2.1. PRIMEIROS ESCRITOS SOBRE A POPULAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO


DA CIÊNCIA DEMOGRÁFICA

Define-se uma população “como um conjunto humano situado no seio de um espaço


geográfico delimitado (…) Este conjunto humano corresponde geralmente aos habitantes
de um país ou de um conjunto de um país com determinados traços comuns de um ponto
de vista político ou socioeconómico. (…). Pode também corresponder à população de
uma parte do território de um país dotado de particularidades política, sociológica ou
económica (províncias, bairros, zonas rurais, regiões linguísticas, regiões geográficas,
etc.) “(Gérard & Wunsch, 1973).
“O próprio termo população refere-se ao número de pessoas residentes numa área
geográfica específica. Da mesma forma, a demografia descreve características de
populações, não de membros individuais dessas populações” (Lundquist, Anderton,
Yaukey, 2015, p.3).

Numa definição mais geral, a população é o conjunto de todos os habitantes de um


determinado local, definida em termos espaciais e temporais. Pode não ser
necessariamente um grupo. A análise da população humana é intrinsecamente dinâmica
porque a atenção é focada nas mudanças e alterações da mesma no tempo.

Alguns dos principais sinónimos de população são: residentes; indivíduos; moradores;


habitantes; cidadãos; público; povo; massa; multidão e amostra. O termo demografia
é aliás por vezes utilizado como sinónimo de população, no sentido de um conjunto de
indivíduos que coexistem num dado momento e delimitado segundo critérios variados
de pertença. Etimologicamente, a palavra população originou-se a partir do latim
medieval popŭlus, que significa literalmente povo.

Uma população caracteriza-se pelo seu tamanho (número de indivíduos) e a sua


composição e está em perpétua evolução, pelo facto das entradas (nascimentos e
imigrações) e das saídas (mortes, emigrações). É fácil perceber então que uma parte
essencial do trabalho dos demógrafos será tentar explicar o que motiva a evolução dos
comportamentos demográficos. Na base, fecundidade, mortalidade e migrações
dependem de processos que têm na origem uma mesma lógica: partindo de pré-
condições biológicas características da espécie humana, as propensões em procriar,
migrar, morrer, são largamente influenciadas por um conjunto extremamente complexo
de determinantes, próximos ou longínquos, de ordem ecológica, geográfica, económica,
sociológica, política, cultural, filosófica, e que variam no tempo e consoante as
sociedades.

Em terminologia estatística, a palavra população pode designar toda uma coleção de


unidades distintas: é então sinónimo de universo. É comum usar a palavra população
para designar o conjunto de habitantes de um certo território, por vezes, uma fração
apenas desse conjunto: por exemplo a população em idade escolar. Nesse caso, trata-
se de uma subpopulação. Repare-se que até ao XVIII século, a palavra população tinha
também um sentido ativo que foi perdendo, entretanto. Designava a ação de povoar, e
foi substituído pela palavra povoamento. Muitas vezes entende-se por população,
não a coletividade em si, mas em termos de efetivos, isto é, o número dos seus
habitantes.
A Demografia é o ramo de estudo que analisa as populações humanas, as suas
transformações. Neste contexto, a população costuma ser classificada em duas
categorias: população absoluta e relativa.

A população absoluta consiste no número total de habitantes de um lugar (país,


estado, região, etc). Atualmente a população absoluta mundial é de cerca de 7,8 mil
milhões de pessoas e prevê-se que chegue a 8 mil milhões de pessoas no início de 2023,
e 10 mil milhões em 2050.

A população relativa, por outro lado, corresponde ao número de habitantes por área.
Este tipo de população também é conhecido por densidade demográfica ou densidade
populacional. Para obter a população relativa é necessário dividir a população absoluta
de determinado local pela área, normalmente em quilómetros quadrados (km2).

O ano 2020 foi marcado pelo inicio da pandemia do Covid -19. Considera-se que terá a
médio e longo prazo um impacto demográfico significativo. Observa-se que as pessoas
falecidas são maioritariamente idosas, população que já não teria tido filhos, não
interferindo neste caso com o número de nascimentos nos próximos anos (Institut
Montaigne, 2021). No entanto há outros efeitos que ainda não conhecemos, mas já se
notam no imediato, como é o aumento da mortalidade, a diminuição da esperança média
de vida, entre outros.

Quando se procura as origens longínquas das doutrinas de população, a maioria das


obras de história do pensamento demográfico e manuais, depois da referência à Bíblia-
“Mas vós frutificai, e multiplicai-vos; povoai abundantemente a terra”1, dedicam à China antiga
(Confúcio, Lao-Tsu) e aos pensadores da Antiguidade grega algumas linhas ou páginas.

No caso de Platão (428-348 a.C.), foram as considerações sobre a demografia da cidade


ideal que legitimaram essa procura das origens. No fim do seu diálogo, Leis, Platão
idealiza uma população estacionária onde o número de fogos, por razões políticas e
sociais, seria de 5040. Platão acredita que é possível intervir no sentido de manter
constante o volume da população da sua cidade ideal, através da fixação de uma idade
mínima para o casamento (30 anos para os homens e 18 para as mulheres) e da
limitação da idade da procriação (apenas os 10 ou 14 anos de casamento); o risco da
população diminuir resolver-se-ia através de uma punição para os que não queriam ter

1
https://bible.knowing-jesus.com/Portuguese/G%C3%AAnesis/9/7
filhos, os celibatários e os casais estéreis. Estamos, pois, perante um precursor do
pensamento demográfico.

Por um lado, é efetivamente uma população de uma unidade territorial bem definida de
que se trata. A população é uma variável claramente identificada, cujas relações com o
ambiente não são ignoradas. Por outro lado, de maneira aparentemente bastante
moderna, Platão calcula com muita precisão algumas variáveis demográficas chaves, tais
como a idade no casamento ou a duração da vida fecunda. Ele parece introduzir uma
verdadeira política demográfica, através de medidas de incentivo ou de travão da
fecundidade, recurso à emigração ou imigração, com o objetivo de controlar o número
global da população (Charbit, 2002).

Aristóteles (384-322 a.C.) é mais realista do que o seu mestre Platão, ao pensar
sobretudo num número estável de habitantes. Esta procura de estabilidade não implica
um número fixo de habitantes. Pelo contrário, ao aperceber-se que a natalidade e a
mortalidade fazem variar o volume populacional, propõe uma “justa dimensão” da
população.

Na Idade Média, Santo Agostinho (345-430) e São Gregório (540-604) defendem que o
casamento une marido e mulher para gerar filhos. Esta linha de pensamento é dominada
pelo pensamento cristão, numa perspetiva teológica e moral, enquanto que as duas
anteriores formas (pertencentes à Antiguidade) foram analisadas numa perspetiva
política e social.

Com o início dos tempos modernos, as ideias respeitantes à população separam-se das
questões morais e passam progressivamente a depender de preocupações políticas e
económicas. É nesta linha de ideias e de acontecimentos que se deve interpretar o culto
pelo ideal mercantilista da riqueza, associado à valorização do Estado. Neste contexto,
as doutrinas mercantilistas são consideradas, no seu conjunto, explicitamente
populacionistas. Este populacionismo permitiu acelerar o processo que irá conduzir ao
aparecimento da Demografia como ciência.

No mercantilismo italiano dois pensadores merecem referência especial: Maquiavel


(1467-1527) e Botero (1540-1617). Maquiavel não defende todas as ideias
mercantilistas, nomeadamente no que diz respeito ao princípio de que o Estado só é
forte quando favorece o enriquecimento dos cidadãos, mas, ao defender que uma
população numerosa reforça o poder do Príncipe, adota uma atitude populacionista. Para
Botero, uma população numerosa deve ser a primeira preocupação do Estado.

No mercantilismo francês existem duas correntes diferenciadas: a que defende um


populacionismo intransigente (Bodin e Montchrestien) e a que defende um
populacionismo mais racional (Vauban). Jean Bodin (1530-1596) afirma que uma
população numerosa permite a valorização de um país. Ficou conhecido com a frase
“Não existe maior riqueza nem maior força do que os homens”. Montchrestien (1575-1621)
também defende o ponto de vista de que a grande riqueza da França é a inesgotável
abundância dos seus homens.

Vauban (1633-1707) é populacionista ao defender que a falta de população é a maior


desgraça que pode acontecer ao reino. Ficou conhecido na história do pensamento
demográfico pelas estimativas que faz e por chamar a atenção para a utilidade dos
recenseamentos da população.

Em Inglaterra, o mercantilismo é menos homogéneo do que em Itália e em França e


evolui ao longo do tempo. Consequentemente, a atitude face à problemática da
população também evolui.

Nesta evolução aparecem duas correntes de pensamento distintas: no princípio, a


população é considerada uma variável entre tantas outras do sistema social; depois, a
população aparece como interessante em si própria; são os primórdios da Demografia
científica.

Na primeira corrente encontramos autores que procuram refletir sobre o melhor


equilíbrio entre a população e os recursos. “Thomas More (1478-1535), ao estudar as
causas da miséria do seu país, pensa que esta deve-se a três fatores: o luxo da nobreza,
a existência de muitos criados improdutivos e a extensão da criação de carneiros.”
(Nazareth, 2004, p. 13). Se existem autores preocupados com esta questão do equilíbrio
população-recursos, no século XVII, em Inglaterra, a Demografia dá os seus primeiros
passos como ciência e pensadores como William Petty, John Graunt e Edmund Halley
começam a considerar que os problemas populacionais devem ser analisados e medidos
independentemente das relações que possam ter com quaisquer outros problemas
económicos, políticos e sociais.

A morte durante muito tempo foi estudada na Antiguidade e Idade Média na perspetiva
da longevidade, isto é, da idade mais elevada que o homem podia esperar atingir. O
termo mortalidade designava até ao século XVII as destruições causadas pelas guerras
e epidemias. Com Petty e John Graunt, que em 1661 publicam o primeiro livro de
Demografia, Natural and Political Observations Mentioned in a Following Index, and
Made Upon the Bills of Mortality na cidade de Londres, aparece a ideia moderna da
mortalidade, a de uma evolução regular dos riscos de morte com a idade. Os dois
homens imaginam as primeiras tábuas de mortalidade que indicam o número de mortes
observados a cada idade num grupo de pessoas seguidas desde o seu nascimento. O
número de sobreviventes numa determinada idade deduz-se por simples subtração das
mortes ocorridas entre essa idade e a anterior (Enciclopédia Universalis, 2021).

A invenção das primeiras tábuas de mortalidade constitui o certificado de nascimento


dessa nova ciência. Os conceitos estatísticos das tábuas de mortalidade são ainda hoje
elementos fundamentais dos métodos demográficos. Com as tábuas de mortalidade de
Graunt, a Demografia define-se como ciência que, a partir da observação de dados,
mede o risco dos fenómenos demográficos e que, a partir dos resultados dessas
medidas, aspira a conhecer não apenas o presente e o passado, mas também a
aventurar-se na projeção do futuro. É esta ambição prospetiva que vai acionar a
formulação de teorias universais da população, de que são principais expressões o
malthusianismo e a teoria da transição demográfica (Leston Bandeira, 1996c).

Os Dupâquier, em História da demografia (1985), assinalam o livro de Graunt de 1661


como sendo a obra que introduz pela primeira vez três elementos singulares: o primeiro
quadro estatístico por ano e por causa de morte em Londres, o primeiro enunciado de
uma lei demográfica, isto é, a proporção constante de homens e mulheres na população;
e a primeira tabela de mortalidade que mostra quantas pessoas sobrevivem em cada
idade a partir de 100 gravidezes (e não 100 nascimentos) iniciais. Os Dupâquier lembram
que Graunt é considerado como o “pai” da demografia por muitos historiadores da
disciplina (Dupâquier, 1985; Le Bras, 2013).

2.2. OS PRIMEIROS DEMÓGRAFOS

A partir do século XVII a Demografia elege o homem e a sociedade como objeto do


conhecimento científico. Os progressos da nova ciência influenciarão o debate entre
populacionistas e antipopulacionistas que se intensificará durante o século XVII.

A questão do crescimento demográfico aparecerá sempre, entre os antipopulacionistas,


associada ao problema das subsistências e, por arrastamento, das desordens sociais e
da miséria decorrentes do excesso de população. Entre os antipopulacionistas
predominava uma visão pessimista. Ao contrário dos seus adversários, defendiam que a
pobreza e a desordem social não eram devidas à má organização social, mas antes ao
desequilíbrio entre o crescimento dos homens e o crescimento dos meios de
subsistência. O que implicava a necessidade imperiosa de restrições e de controlo da
reprodução humana (Leston Bandeira, 1996a).

A publicação, em 1798, da 1ª edição do Ensaio de Malthus virá ampliar a repercussão


social e científica deste debate.
Malthus

“O século XVIII foi fértil em ideias e ideais (...) debates apaixonados, e nem sempre
muito bem fundamentados, relativos às questões da população, e sobre o sub ou sobre
povoamento do Mundo, da Europa ou de alguns países”, escreve Maria Luís Rocha
Pinto (2010, p. 48).

Deve-se também, segundo ela, ao aparecimento de várias teorias e ideologias pelo facto
de não haver verdadeiros recenseamentos.

É neste contexto que surge “uma obra que marcará quer o pensamento demográfico, quer a
demografia, quer ainda as políticas de população até aos dias de hoje”. Trata-se da obra de
Thomas Robert Malthus, An essay on the principle of on population as it affects the
future improvement of society with remarks on the speculations of Mr. Godwin, Mr.
Condorcet and other writers – 1ª edição 1798. Esta obra foi seguida, ainda em vida de
Malthus, por mais cinco edições até 1826, tendo sido comentada, discutida, contestada
por muitos e apoiada por outros, traduzida em várias línguas, transformando o
malthusianismo numa doutrina.

Thomas Malthus, padre inglês que viveu no século XVIII (1766-1834), professor de
História Moderna e Economia Política em Inglaterra, grande observador de fenómenos
populacionais, estabeleceu o célebre paralelo entre a multiplicação do homem e a sua
subsistência.

Em 1798, Malthus publica o Ensaio sobre o Princípio da População. O livro faz


escândalo devido a uma das suas teses: “a assistência aos pobres é inútil porque não
serve senão para os multiplicar sem os consolar” (conforme citado em Nazareth,
2004, p. 26).

Também faz escândalo devido a um parágrafo: “um homem que nasce num mundo
ocupado, se não lhe é possível obter dos seus pais os meios de subsistência… e se a
sociedade não tem necessidade do seu trabalho, não tem direito a reclamar a mínima
parte da alimentação e está a mais…” (conforme citado em Nazareth, 2004, p. 26).

A sua teoria baseia-se no facto de uma população ter um aumento constante e esse
aumento ser mais rápido do que os meios de subsistência, sendo o equilíbrio entre o
tamanho da população e o nível de subsistência mantido através do controlo do
crescimento da população.
Princípio de População de Thomas Malthus

O pensamento demográfico de Malthus pode ser sistematizado em torno de três eixos


fundamentais: 1) população e subsistências, 2) obstáculos e 3) remédios. Quanto ao
primeiro tema - população e subsistências – o autor distingue duas leis antagónicas: a
lei da população que cresce em progressão geométrica e a das subsistências, que cresce
em progressão aritmética. Para Malthus, quando uma população não é controlada,
duplica todos os 25 anos.

De acordo com Malthus, as populações tendem a crescer mais rapidamente do que os


meios de subsistência; isto é, as populações tendem a crescer numa progressão
geométrica (1, 2, 4, 8, 16 etc.). Por outro lado, não existe essa tendência para os meios
de subsistência se expandirem por progressão geométrica; em vez disso, eles
expandem–se por progressão aritmética (1, 2, 3, 4, 5, 6, etc.).

A população é mantida dentro dos limites dos meios de subsistência principalmente por
meio de controlos positivos, operando através das taxas de mortalidade. Quando os
meios de subsistência não são adequados para cuidar de uma população de um
determinado tamanho, a taxa de mortalidade aumentará até que a população encolha a
um nível suportável.

Da mesma forma, sempre que surgir um excedente nos meios de subsistência, isso
tenderá a diminuir temporariamente a taxa de mortalidade (e aumentar a taxa de
crescimento natural) até que a população tenha crescido até os limites dos novos meios
de subsistência. Este é o “dilema malthusiano”.

Hipoteticamente, a saída do dilema é a aplicação de “controlos preventivos” ao


crescimento populacional, operando por meio da taxa de natalidade. Estes enquadram-
se em duas categorias: “restrição moral” e “vício”.

Chegamos ao segundo tema: os obstáculos ao crescimento da população. Para Malthus,


existem dois tipos de obstáculos: os positivos (ou regressivos), que serão todos os
obstáculos que podem de algum modo diminuir a vida humana (ex: pobreza, epidemias,
fomes) e os preventivos, que serão os acontecimentos que levam à diminuição da
fecundidade, isto é, casamentos adiados (criando condições para que os cônjuges casem
mais tarde), abstinência antes do casamento (limitações morais), casamentos tardios
dos pobres ou até apelo ao celibato “A miséria deriva do crescimento excessivamente
rápido da população” (conforme citado em Nazareth, 2004, p.33). Quanto ao terceiro
eixo - os remédios - Malthus não hesita em afirmar que o único obstáculo que não
prejudica nem a felicidade moral, nem a felicidade material é a obrigação moral.
“Restrição moral”, conforme defendida por Malthus, consiste em não se casar até que
se possa sustentar os filhos resultantes e em permanecer sexualmente casto fora desse
casamento. Além disso, se o casamento e a companhia sexual têm de ser conquistados,
as pessoas trabalharão mais arduamente para ganhar esse prémio, aumentando assim
os meios de subsistência agregados.

“Vício”, de acordo com Malthus, inclui promiscuidade, homossexualidade, adultério e


controlo de natalidade (incluindo o aborto). A sua objeção declarada foi em bases
morais. Envolver-se em qualquer um desses vícios representava uma indulgência nos
apetites sexuais sem a aceitação da responsabilidade pelas consequências de tal
indulgência. Foi uma rejeição da responsabilidade individual, e Malthus viu a aceitação
dessa responsabilidade como - no longo prazo - a única esperança da humanidade para
sair do dilema (Lundquist, Anderton, Yaukey, 2015).

Duas correntes alternativas surgem em paralelo – o neomalthusianismo e o


antimalthusianismo.

O malthusianismo dá rapidamente lugar aos movimentos neomalthusianos, iniciados no


Reino Unido logo em 1822 por Francis Place, que, ao contrário de Malthus, vai defender
o controlo dos nascimentos no seio do casamento, através da contraceção. Ser
malthusiano, antimalthusiano ou neomalthusiano vai depender muito mais das práticas
do que das teorias económicas e políticas. São movimentos que vão percorrer o resto
do século XIX e o século XX (Rocha Pinto, 2010).

A primeira corrente aposta na limitação dos nascimentos, enquanto a segunda relaciona


o número de habitantes com os “meios de subsistência” (produtos alimentares,
vestuário, habitação, entre outros). O pensamento liberal de tendência antimalthusiana
é representado fundamentalmente por A. Dumont (1849-1902) e Durkheim (1858-
1902). Dumont constata a existência de uma oposição entre o crescimento demográfico
e o desenvolvimento do indivíduo. Para Durkheim, um dos pilares da sociologia, a
expansão demográfica é acompanhada de uma mudança qualitativa da sociedade.

O pensamento demográfico do século XX é particularmente enriquecido com as


contribuições de A. Sauvy. Também é considerado um antimalthusiano e um natalista,
mas a riqueza do seu pensamento merece alguma atenção. Em primeiro lugar, devemos
a Sauvy a elaboração da teoria do “ótimo da população”, ou seja, qual deve ser o número
de habitantes de um dado território para que o nível de vida de cada um seja o mais
elevado possível?

Se para os neomalthusianos o único problema é o excesso da população, Sauvy


considera que, se existem países que têm “gente a mais”, outros têm gente a menos.
Mas o nome deste autor está sobretudo ligado à explicação do dilema com que todos os
países do mundo são confrontados – crescer ou envelhecer?

Nas últimas décadas, uma perspetiva neomalthusiana usou parte da teoria de Malthus
como justificação para programas de planeamento familiar em todo o mundo. As
perspetivas neomarxistas e a teoria do desenvolvimento económico, entretanto,
promoveram políticas de desenvolvimento como tecnologia agrícola mais evoluída,
oportunidades e acesso ao crédito para grupos sociais marginalizados e sistemas de
distribuição social eficientes dentro das regiões menos desenvolvidas. Não
surpreendentemente, essas duas perspetivas são complementares, refletindo o
numerador (ou seja, o tamanho da população) e o denominador (ou seja, meios de
subsistência) para a densidade populacional. Ambas têm claramente um papel nas
preocupações com o crescimento populacional. A contribuição de Malthus foi chamar a
atenção para a importância do crescimento populacional nesta equação.

Muitos países deram importância ao crescimento populacional. A China, por exemplo,


passou a reconhecer a sua enorme população e rápido crescimento como causa do
subdesenvolvimento contínuo e tomou medidas na forma de regulação da fecundidade
para neutralizá-lo (no entanto, as evidências mostram que o declínio da fecundidade
começou na China antes da regulamentação). Embora poucos países tenham adotado
uma abordagem tão extrema e controversa como a da China, as autoridades em muitos
países estão atentas às possíveis consequências negativas de um crescimento
populacional totalmente descontrolado.

Por outro lado, assiste-se a políticas de planeamento familiar que os países


implementaram para tratar das preocupações com o crescimento populacional. Essas
políticas são exemplos de neomalthusianismo, que defende abertamente o uso de
controlos preventivos para escapar do dilema malthusiano. Isso inclui, principalmente, o
controlo da natalidade (que Malthus chamou de "vício"), um produto da era vitoriana.
Malthus, em vez disso, defendeu “restrição moral” por meio da abstinência e do
adiamento do casamento. Apesar dessa diferença, os neomalthusianos e o movimento
de planeamento familiar moderno descendem diretamente de Malthus e baseiam-se no
“princípio de população”, neste caso apontando para programas de planeamento familiar
(Lundquist, Anderton, Yaukey, 2015, p.70).
2.3. TEORIA DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA

Receios de sobrepopulação ou falta de população subsistem ambos ainda nos dias de


hoje e emanam paradoxalmente de um mesmo fenómeno. O do um processo histórico
no meio do século VXIII nos países europeus nomeado de « revolução demográfica »,
depois pela transição demográfica. Duas expressões para descrever e explicar a
mudança do regime demográfico conhecido pela população durante os dois últimos
séculos (Clément, Brugeilles, 2020). É a primeira vez que a população mundial vive uma
« explosão demográfica », no sentido em que o último período é marcado pela rapidez
e amplitude do crescimento. Em 2 séculos passa-se de 1 milhar de milhão para 7 milhares
de milhões de pessoas. Outra particularidade é a intervenção do homem nos
acontecimentos demográficos, o controlo da fecundidade e de certo modo também da
mortalidade.

Toda a segunda metade do século XX é dominada pelo pensamento produzido pela


Teoria da Transição Demográfica, que surgiu antes da segunda Guerra Mundial. O termo
“revolução demográfica” foi primeiro introduzido em 1929 pelo demógrafo polaco Léon
Rabinowicz e adotado no mesmo ano pelo demógrafo americano Warren Thompson. Foi
mais tarde utilizado pelo francês Adolphe Landry (1934), na sua obra intitulada La
révolution démographique, Études et essais sur les problèmes de la population, que
desenvolve a teoria a uma escala mundial, chamando-lhe Transição Demográfica
(Rocha Pinto, 2010, p.54).

Outros autores vão desenvolver o conceito numa teoria explicativa da evolução da


população ao longo do século XX, nascendo assim um modelo com o objetivo de explicar
a evolução da população. Economicamente, os países da Europa Ocidental já tinham
progredido nas suas revoluções agrícolas antes do século XIX. Durante o período de
transição demográfica, estavam a passar por um complexo conjunto de mudanças
chamado de revolução industrial, com mudanças sociais associadas, tais como a
urbanização, alfabetização, e o crescente consumismo.

Na segunda metade do século XX pensava-se que as teorias da transição demográfica,


estabelecidas para tentar dar conta de mudanças e transformações demográficas eram
a chave, não só para a compreensão das evoluções passadas ou em curso, mas também
para a especulação sobre as perspetivas futuras.

Assim, se desde o fim dos anos 1950, os especialistas das Nações Unidas puderam prever
que o planeta estaria povoado por 6 mil milhões de homens no ano 2000, a teoria da
transição demográfica fornecia um corpo de hipóteses particularmente exato sobre a
evolução da dinâmica das populações de países em desenvolvimento, principal foco para
o futuro da população mundial da época (Lundquist, Anderton, Yaukey, 2015).

A primeira grande interpretação da transição demográfica provém diretamente da teoria


estruturo-funcionalista que monopoliza a sociologia anglo-saxónica (sobretudo
americana) nos anos 50-60. Nessa perspetiva, a transição demográfica inscreve-se num
conjunto de transformações estruturais ligadas à industrialização e à urbanização.

O essencial da teoria pode resumir-se do seguinte modo: a industrialização transforma


as estruturas económicas e sociais, as quais trazem mudanças na estrutura familiar que,
por sua vez, provocam uma diminuição da fecundidade.

Entre as transformações estruturais mais importantes, notam-se as seguintes: a


diminuição da mortalidade, a diminuição das atividades agrícolas a favor da
generalização de uma economia de mercado urbana-industrial, a mobilidade geográfica
e a urbanização, a melhoria do estatuto da mulher e o aumento da escolarização.

Perante essas transformações, a família conhece uma série de adaptações, o antigo


sistema familiar tornando-se disfuncional. No meio destas adaptações, os demógrafos
da transição realçaram sobretudo a diminuição da importância da parentalidade e a
nuclearização estrutural da família, o aparecimento de novos papéis familiares,
nomeadamente no que diz respeito ao valor económico e social dos filhos, uma maior
igualdade e comunicação entre os cônjuges e um novo tipo de casamento
essencialmente baseado na livre escolha. Os casais desse novo tipo de família desejam
menos filhos e, graças à contraceção moderna, planeiam famílias menos numerosas
(Piché e Poirier, 1990).

A teoria de transição demográfica foi descrita pela primeira vez nos anos 40. Desde
então tem sido modificada, acrescentada e escrita de novo. A definição clássica desta
teoria foi descrita por Davis (1945), Notestein (1945), Blacker (1947) e outros autores e
define-se do seguinte modo: existem uma série de estádios durante os quais a população
se move de uma situação onde tanto a mortalidade como a natalidade são altas, para
uma posição onde tanto a mortalidade como a natalidade são baixas. O crescimento de
ambos os indicadores antes e depois da transição demográfica é muito baixo. Durante a
transição, o crescimento da população é muito rápido devido essencialmente ao declínio
da mortalidade ocorrer antes do declínio da fecundidade.

A teoria da transição demográfica clássica enfatiza o declínio da fecundidade como


consequência do declínio da mortalidade e devido às mudanças na vida social que
acompanham a industrialização e a urbanização (Thompson, 1930; Notestein, 1945).
Mason (1997, conforme citado em Lundquist, Anderton, Yaukey, 2015), resume o que
os demógrafos estabeleceram sobre a transição demográfica:

1. O declínio da mortalidade é geralmente uma condição necessária, mas não suficiente,


para o declínio da fecundidade.

2. As transições de fecundidade ocorrem em diferentes circunstâncias, quando várias


combinações de condições são suficientes para motivar ou permitir que as populações
adotem o controlo da natalidade.

3. Uma transição causada por circunstâncias numa determinada população pode


influenciar ou difundir-se para outras regiões de circunstâncias diferentes.

4. Tais influências podem ocorrer em velocidades diferentes, dependendo de uma


variedade de circunstâncias.

5. O número de crianças que as famílias podem sustentar varia entre as populações


anteriores à transição.

6. Se as famílias excederem a sua capacidade de sustentar os filhos, os pais recorrerão


a alguma forma de controlo da fecundidade.

7. O controlo da fecundidade após a gravidez ou nascimento depende das formas


disponíveis e aceitáveis de tal controlo (por exemplo, aborto ou infanticídio).

8. Quando as condições limitarem esses controlos após a gravidez, os controlos pré-


natais, como anticoncetivos ou alargamento dos intervalos entre nascimentos, serão
incentivados (especialmente se apoiados por políticas ou programas estatais).

Maria Luís Rocha Pinto (2010, p. 55) resume as quatro fases por que todos os países já
passaram, estão a passar ou vão passar:

a) uma fase do “quase equilíbrio” antigo, (ou de pré-transição) entre uma mortalidade
elevada e uma fecundidade igualmente elevada, o que implica um crescimento natural
da população reduzido – característica de sociedades agrícolas e rurais. A esta primeira
fase, dá-se o nome de fase de pré-transição ou pré-industrialização. Durante milhares
de anos o mundo era caracterizado por altas taxas de natalidade e mortalidade e
crescimento populacional estável. Na maioria dos países, esta época está terminada. A
fase pré-transicional foi seguida pela fase de transição (Fase 2), caracterizada por uma
taxa de fecundidade elevada e o declínio da taxa de mortalidade.

b) A segunda fase, a fase do declínio da mortalidade, e da consequente aceleração do


crescimento natural da população, diz respeito à etapa em que a mortalidade diminui,
mas com grande aceleração do crescimento da população, em que a fecundidade se
mantém elevada: é uma fase de crescimento demográfico rápido. Vários países em
desenvolvimento estarão ainda nesta fase, o que suscita inúmeros debates sobre os
efeitos negativos do crescimento demográfico rápido no desenvolvimento económico.

A mortalidade começou a diminuir em muitos países do mundo com o início da


industrialização e modernização, e sob a ação de um aumento dos orçamentos da saúde
e medidas sanitárias.

A fecundidade permaneceu alta, a população continuou a aumentar, a taxa de


crescimento populacional foi alta (exemplos: Guatemala, Iraque, África subsaariana).

c) A fase do declínio da fecundidade; a mortalidade continua a declinar embora a um


ritmo mais moderado e o crescimento natural da população diminui de intensidade. Esta
terceira fase caracterizou durante muito tempo as sociedades industriais e urbanas,
quando a revolução demográfica produziu baixos níveis de fecundidade e de
mortalidade. Hoje, fala-se até de uma revolução mundial, na medida em que os níveis
de fecundidade estão baixos.

Esta fase foi caracterizada por um crescimento populacional negativo devido a menores
taxas de natalidade, recuo da fecundidade e da mortalidade seguida por uma contração
do crescimento natural;

d) uma última fase do “quase-equilíbrio” moderno entre uma mortalidade com baixos
níveis e uma fecundidade igualmente baixa, tendendo para um crescimento nulo, abaixo
do nível de substituição da população (menos de 2,1 filhos por mulher) e anuncia uma
possível diminuição da população em números absolutos. Nesta fase (chamada declínio
incipiente), a fecundidade e a mortalidade são muito baixas. Durante esta fase,
entretanto, frequentemente ocorrem pequenas flutuações na fecundidade.

Quase todos os países do mundo já passaram pela segunda fase (declínio da


mortalidade) e quase todos já chegaram à terceira fase (declínio da fecundidade). A
transição demográfica começou nos países mais avançados da Europa no século XVIII
quando a mortalidade começou a declinar de uma forma consistente e continuada.
Chegando ao século XX, o declínio da mortalidade expande-se a todos os países
europeus e aos outros continentes. O aumento da população acelera. A tendência
dominante da evolução da população mundial aponta atualmente para uma situação em
que, a partir de meados deste século, se admite o início de um processo que conduzirá
a um declínio progressivo da população mundial, através da diminuição do número total
de nascimentos.
A ideia central da teoria da transição demográfica, que é a de provar a existência dos
efeitos da modernização nos comportamentos demográficos, parece estar mais do que
demonstrada pelos factos. A revolução sanitária fez que no mundo, nos anos 90, não
existissem países com uma esperança de vida à nascença inferior a 50 anos. Os raros
países que se encontravam nessa situação pertencem todos à África subsaariana. A
revolução dos métodos anticoncetivos generalizou a ideia de que um baixo nível de
fecundidade é um símbolo de modernidade, seja à escala de um país seja à microescala
dos indivíduos e dos casais.

A esta transição demográfica no sentido restrito, Piché (2013) acrescenta outras


transições fundamentais. Relacionado com a fecundidade, menciona a transição familiar:
aparecimento de novos modelos familiares e de uniões, mudanças nos papéis dos
homens e das mulheres. Para além dos níveis de mortalidade, considera de modo mais
global uma transição em saúde, isto é, mudanças nas causas de morte (a transição
epidemiológica) e dos novos fatores de risco (novos vírus, poluição). Uma das transições
mais importantes pelas suas consequências sociais e económicas é a passagem de uma
sociedade jovem para uma sociedade envelhecida (transição da estrutura por idade).

Acrescenta, por fim, a transição migratória, caracterizada pelo fim do êxodo rural e a
importância crescente da migração internacional no crescimento demográfico.

Além de observar estas diversas transições, o importante, segundo Piché (2013) é


mostrar que estas transições estão todas ligadas, produzindo assim uma teoria global
da mudança social.

Maria Luís Rocha Pinto (2010) nota que para Landry existem apenas três fases ou
“regimes demográficos” que se sucedem no tempo:

- o regime primitivo no qual a fecundidade não sofre nenhuma restrição de ordem


económica. A população tende para um máximo que será alcançado quando a
mortalidade atingir o nível da natalidade;

- o regime intermédio no qual as preocupações de ordem económica provocam restrições


da nupcialidade com vista a manter para os indivíduos e suas famílias um certo grau de
bem-estar. A nupcialidade torna-se então o principal regulador da população;

- o regime contemporâneo caracterizado por um aumento da produtividade, a diminuição


da mortalidade e a limitação da procriação. O progresso técnico intervém como fator
regulador do crescimento da população.

Atualmente a transição demográfica encontra-se numa fase no mundo ocidental, e


particularmente na Europa em que os níveis de mortalidade e de fecundidade são baixos
e o crescimento é de praticamente « zero ». Este regime demográfico moderno resulta
num certo equilibrio em que os nascimentos iguais aos óbitos induzem a uma fraca
progressão e a uma estabilidade da população (Clément, Brugeilles, 2020).

Desde os anos 60 que existe uma critica à teoria clássica da transição demográfica e
passou-se a considerar uma pluralidade de transições. A sua transposição aos paises em
desenvolvimento, veicula uma visão muito europeista e não tem em conta a diversidade
de contextos. A visão linear e uniforme foi refutada. Para aém dos tempos diferentes,
dos momentos diferentes, existe uma énorme variedade de situações pré e pós
transição, ritmos, duração e intensidade de evolução.

Se esta diversidade de ritmos de evolução não põe em causa os postulados centrais da


teoria clássica da transição demográfica para muitos teóricos (Chesnais, 1986),
anterioridade do recuo da mortalidade, papel do arranque económico na baixa da
fecundidade, outros mostram que a transição demográfica não coïncide necessáriamente
com as importantes mutações económicas. Em vários países em situaçãod e crise
económica evidencia-se a quebra da fecundidade. A crise económica suscita mudanças
de comportamentos.

A teoria clássica da transição demográfica parece então como um modelo geral de


evolução da população mas no qual os mecanismos são variáveis e devem ser
contextualizados geograficamente historicamente e politicamente. Historicamente
observa-se uma relação entre a transição demográfica e o envelhecimento da população
(Clément, Brugeilles, 2020).

De acordo com Leston Bandeira (1996a) um dos aspectos da singularidade portuguesa


dizia respeito na década de 90 do século XX, à coexistência de dois processos de
transição distintos. Enquanto a evolução demográfica nas regiões do Sul se desenvolveu
com alguma proximidade do modelo dominante na Europa, foi entre as populações do
Norte que se exprimiu o modelo de modernização lenta e tardia.

Em Portugal, deu-se uma coincidência temporal entre a liberalização do casamento e o


início da queda da natalidade. Tudo começou a acontecer no início da década de 1960.
A partir da segunda metade da década seguinte, acelerou-se a passagem para um
regime de baixa natalidade. Todas estas rápidas acelerações exprimiam a urgência de
mudanças sociais que se impunham a uma sociedade que, durante demasiado tempo,
se manteve isolada e reticente aos ventos da modernidade (Leston Bandeira (coord),
2014).
Se a esperança de vida aumentou efetivamente na maior parte dos países, a situação
de pós transição em contexto nacional é de uma fecundidade abaixo do nível de
substituilção (2,1 por mulher) com uma forte diminuição dos nascimentos e de forma
duradoura. Esta segunda transição é fruto da alteração profunda das sociedades
ocidentais e traduz uma mudança de valores, atitudes, normas, associada à subida do
individualismo, a emancipação feminina, da liberalização sexual, da generalização da
secularização. Nesta segunda transição a conjugalidade e as novas formas familiares
interferem menos na procriação. Em paralelo mantem-se a subpopulação e o
envelhecimento acentuado da população.

No contexto Europeu, a modernização ou transição demográfica em Portugal é original


por ter sido muito tardia. Em comparação com a generalidade das populações europeias,
a queda da fecundidade iniciou-se com mais de oitenta anos de atraso. Também o
desfasamento temporal entre o recuo da mortalidade e o início da queda da natalidade
foi mais longo do na generalidade dos países europeus. A partir dos anos 60, a
progressiva afirmação da autonomia da nupcialidade em relação à natalidade confirma
que a demografia portuguesa começou finalmente a entrar na era moderna. A
liberalização do mercado matrimonial, com um substancial aumento da nupcialidade,
parece ter sido, em grande parte, resultado da vaga emigratória das décadas de
1960/70. No novo quadro social e familiar assim criado, as restrições no acesso ao
casamento perderam a sua função auto-reguladora, deixaram de fazer sentido. Em
consequência destas mudanças, até 1975, ao mesmo tempo que o número de
casamentos cresce em espiral, a natalidade vai baixando irreversivelmente (Leston
Bandeira (Coord., 2014).

2.4. O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO

As primeiras civilizações de que dispomos algumas informações escritas respeitantes à


população, revelam-nos a existência de uma dinâmica populacional pouco conhecida,
complexa e diversificada. Muito há a esperar ainda das investigações em curso. Porém,
apesar da sua diversidade, existem alguns elementos comuns: guerra, crises de
mortalidade motivadas pela fome, conhecimentos de sobre contraceção, a existência de
grandes migrações. É uma Demografia de povos migrantes cuja errância pauta a história,
misturando populações, costumes e civilizações.

Três traços essenciais caracterizam a evolução global da população do continente


europeu durante o Antigo Regime: o crescimento moderado da população de 70 milhões
no início do século XIV para 111 milhões em meados do século XVIII, as quebras de
crescimento populacional ocasionado pelas crises de mortalidade e as crises de
subsistência.

As crises de mortalidade têm duas fases: a fase da peste e a fase das epidemias sociais
que se estende até ao início da época contemporânea. A mortalidade era um fator
regulador e um fator destruidor das populações desta época. Alguns historiadores da
população têm uma visão mecanicista das sociedades humanas nesta época ao
pensarem que o verdadeiro elemento regulador é a morte. Esta visão mecanicista não
resistiu à vaga de investigações sobre o sistema demográfico do Antigo Regime que
caracteriza os nossos dias com o desenvolvimento da Demografia Histórica. Os
Dupâquier foram os grandes pioneiros no final dos anos 70 ao levantar a seguinte
questão: como é que 18 milhões de súbditos de Luís XIV mal alimentados, aumentaram
num século para 27 milhões vivendo numa relativa abundância e reagindo à oscilação
de preços? (Dupâquier, 1979).

Houve longos períodos de crescimento estacionário, até por volta da época de Cristo,
quando a população mundial era de aproximadamente 250 milhões. A população não
duplicou novamente até cerca do ano 1600. A taxa média anual de crescimento foi de
apenas 0,04 por cento nesse período. Essas condições estacionárias continuaram até
meados de 1650, quando a população mundial foi estimada em cerca de
aproximadamente 650 milhões. Durante muitos milhares de anos, a população mundial
foi mantida em tamanho pequeno pelos vários testes malthusianos. A população cresceu
de cerca de 650 milhões em 1650 para mil milhões em 1850. Levou menos de 80 anos
para duplicar novamente em 1927. Com a Revolução Industrial, as pessoas começaram
a deslocar-se do campo para as cidades para trabalhar em fábricas e moinhos, e o nível
de urbanização aumentou. Muito do crescimento deveu-se a taxas de mortalidade mais
baixas, enquanto as taxas de natalidade permaneceram altas. A melhoria do padrão de
vida resultante da industrialização ajuda a explicar o declínio das taxas de mortalidade.

Após milénios de crescimento lento, a população mundial evoluiu para uma taxa sem
precedentes, começando nos anos 1600 e atingindo o pico no final dos anos 1960. Os
padrões de consumo da população - mais do que o crescimento populacional - podem
desafiar a capacidade de suporte do planeta, embora a fecundidade tenha começado a
diminuir em todo o mundo. As preocupações com os padrões de consumo excessivo da
população incluem as emissões de carbono que levam à mudança climática, o
esgotamento dos recursos pesqueiros e de água doce e assim por diante.
O crescimento da população na segunda metade do século XVIII é um fenómeno
europeu que ultrapassa o quadro das regiões industrializadas e que não pode ser
explicado apenas pela revolução agrícola.

Os Dupâquier esquematizam o arranque demográfico da Europa Ocidental da seguinte


forma:

 1ª etapa (1650-1750): as populações submetidas a crises periódicas de


mortalidade põem a funcionar em pleno o mecanismo auto-regulador;
este mecanismo, ao fazer aumentar de intensidade a nupcialidade,
proporciona a existência de estruturas de idades muito jovens;
 2ª etapa (segunda metade do século XVIII): os acidentes sendo menos
frequentes, diminuem a mortalidade e a população aumenta; mas, o
mecanismo regulador, que tinha funcionado bem numa direção, revelou-
se ineficaz na direção inversa; mais ainda, este mecanismo tem um peso
oposto nos destinos individuais – os quocientes de nupcialidade
diminuem, a idade média do casamento aumenta, os jovens têm cada
vez mais dificuldades em estabelecer-se; a indústria nascente passa a
dispor de uma reserva de mão-de-obra abundante e a baixo preço; as
tensões sociais aumentam e aparecem conflitos de gerações;
 3ª etapa (primeira metade do século XIX): a industrialização, ao permitir
fazer baixar a idade no casamento, relança o crescimento demográfico; a
emigração para o outro lado do Atlântico vai-se tornando cada vez mais
importante;
 4ª etapa (segunda metade do século XIX): o recuo da mortalidade,
associado a um grande progresso da medicina e das condições de higiene
e saúde, acaba de vez com o mecanismo autorregulador; com o aumento
da duração de vida dos pais, as jovens gerações camponesas perdem a
esperança de se estabelecerem com uma idade razoável; não lhes resta
mais do que escolher entre o celibato definitivo ou o êxodo para sítios
mais ou menos longínquos (como operários, como funcionários, como
militares ou como colonos).

A grande mutação não resultou de um modelo simplista que apenas considera os efeitos
diretos e indiretos das condições de saúde (modelo simplificado), mas de um modelo
mais complexo que integra diversos componentes (Modelo de Dupâquier, conforme
citado em Nazareth, 2004, p. 90-93):
Modelo de Dupâquier

ALGUM PROGRESSO TÉCNICO


ESTRUTURAS DE POPULAÇÃO
CADA VEZ MAIS JOVENS
OUTROS FACTORES

ARRANQUE INDUSTRIAL

PROGRESSO TÉCNICO E SOCIAL


DECLÍNIO DA IDADE MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE
MÉDIA DO HIGIENE E SAÚDE
CASAMENTO

AUMENTO DOS NASCIMENTOS DIMINUIÇÃO DOS ÓBITOS

EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA
Fonte: adaptado de Nazareth, 2004, p. 93, figura 5
ATIVIDADE FORMATIVA

1. Descreva a Teoria da Transição Demográfica e as suas fases.

2. Explique o “Problema Malthusiano” e como os escritos de Malthus foram


interpretados e criticados.

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