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Cartas?

Sim, um monte delas. Um monte de lixo e um monte de cartas.


E a mulher mesmo vc não achou?
Não.
E vai fazer o que agora?
Sei não.
Uhm... E as cartas?
Qq têm?
Vai fazer o que com elas?
Nada, ué. Que dá para fazer com cartas? Ainda mais cartas escritas para os
outros.
Uhm... tu leu?
Li, né.
E aí?
E aí, nada. tô dizendo. Nada demais. A maioria delas contava dos dias destas
minas. Coisas de casa, coisas da vida. Uma mulher viajou para algum canto e não voltou
nunca mais. O outra ficou para trás com uma criança para criar. Acho que era uma
criança. Chamam de Pequena. Alguém gostava de gatos. Alguém gostava de escrever.
Pareciam gostar uma da outra.
Um casal?
Como é que vou saber?
Ué, tu não leu?
Li, mas sei lá... tem coisa que não dá para saber.
Ah, para mim elas eram uma casal.
Para vc todo mundo é casal.
O mundo é muito mais interessante na minha na cabeça do que na vida real.
Mais interessante para quem?
Para mim!!!!
Ata
Cara, tu se descambou daqui para este fim de mundo atrás desta mulher e vai
sair daí com as mãos abanando? Sem saber de nada. Nem onde ela tá, nem de onde veio,
nem para onde vai?
Paciência. A mulher não usa WhatsApp, não responde e-mails, não atende
telefone, tô começando a achar que esta criatura nem existe. Foi uma alucinação minha.
Alucinação coletiva então. Porque eu bebi contigo as cervejas que você
comprava com o dinheiro do aluguel que ela pagava.
Alucinose alcoolica coletiva. hahaha
Delirium tremens partilhado. Hahaha
Besta. Volta logo para casa, então.
E as cartas?
Qq tem?
Faço o que com elas?
Trás.
Para que?
Para eu ler!!!
E por que tu quer ler a carta dos outros?
Para fazer o que eu faço de melhor!!
???
Inventar história.

***
Garota, já chegou?
A caminho ainda.
Quer fazer uma preta feliz hoje?
??
Fiquei pensando nesta história das cartas.
Lá vem.
***
Não sei porque eu deixei vc me convencer disso. Muito difícil este negocio de
carta. Além do que eu te vejo toda semana tenho nada para contar para vc que tu ainda
não saiba.
Para de reclamar e escreve.
***
Mais uma vez não te achei. Nem sei se devo continuar te procurando. Acho que
só estou fazendo isso para me distrair. Me distrair das coisas que eu posso de fato
resolver e me apego aquilo que não tem jeito. Eu não contei para mais ninguém o real
motivo. As vezes escondo de mim mesma. Você esta se escondendo de quem? As tais
cartas para quem eram? Me pego desejando que fossem para mim. Fantasiando que
houvesse alguém neste mundo que me amasse o suficiente para me endereçar palavras
a distancia. não é isso que fazem as cartas? Cruzam distâncias? Estranha sensação esta.
Querer que alguém me ame a distância. Sigo buscando pistas. Em disseram que cartas
em geral são escritas para tecer aproximação entre o destinatário e o remetente.
Disseram ainda que exatamente por isso seria necessário que soubéssemos de saída para
quem escrevemos. Disso não sei. Então parece desproporsitada leitura de missivas que
não saibamos de onde saiu. Eu julguei que te conhecia. Julguei. Quero te contar que
todo dia é uma boa noticia,

Psiu, tá aí?
Se vc não responder eu vou falar sozinha mesmo, hein...
Tô a beira de um surto aqui. As coisa parecem que se desalinharam. Foi ideia de
quem esta coisa de se aglomerar?
Fazia quase dois anos que não a olhava nos olhos. As vídeo chamadas já nem
mostravam as nossas caras cansadas. Nem lembro da onde o convite veio. Eu já devia
esta
Tava bêbada, né. Só assim para me tirar de casa numa terça feira no meio da
pandemia. Elas disseram que ia ser ‘só a gente’, mas tu sabe ‘ a gente’ é uma multidão
de mulheres. Papo para mais de dez. Carnaval disseram. Carnaval!! Mano era abril,
sabe. Ninguém mais se preocupa em contar o tempo.
Nuvem de purpurina nos olhos. Tinha colorida nos braços. E baldes e baldes de
bananinha.
Se eu tivesse que começar de algum lugar eu comeãria dali. Da purpurina nos
olhos deste carnaval deslocado no tempo.
Eu não sei o que eu esperava. Tá não esperava nada. O que se espera de uma
festa clandestina no meio da pandemia? O que se espera de uma festa? Não esperava
nada. Ela tava lá. Bêbada como todo mundo, languida com todo mundo e meio fora do
mundo como toda gente. Aquela altura da pandemia já oscilávamos entre o pânico de
chegar perto demais e a necessidade se encostar
E no espaço, né. Pq festa clandestina a gente faz as escondidas no quintal atrás
da casa. depois do carnaval, veio a pascoa, as férias na praia, não alacançamos o dia dos
namoradas. Tudo morreu antes. E se tu me perguntar o rolê só minguou pq começamos
a trocar palavras. Foi aquela história de cartas, aquela evolução dos post-its.

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