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Franco Manenti

P A R A V I V E R M O S

C O M O F J L N O S

Lectio Divina sobre os Evangelhos feriais


do Tempo da Quaresma
Título original: Per vivere da figli
© 2002, Figiie di San Paolo - Milão

Tradução: António Maia da Rocha

Textos Bíblicos: © Secretariado Nacional de Liturgia

Capa: Departamento Gráfico Paulinas

Pintura da Capa: Fresco do arcosólio da família Teoteano


(catacumbas de S. Januário - Nápoles)

Fotocomposição, paginação e fotolitos: Paulinas - Prior Velho

Impressão e acabamentos: ARTITOL

Artes Tipográficas, Lda. - Agueda

Depósito Legal ti." 205 404/04

ISBN 972-751-591-6
(Edição original 88-315-2274-4)

© Fevereiro 2004, Inst. Miss. Filhas de S. Paulo


Rua Francisco Salgado Zenha, Lote 5
2685-332 Prior Velho
Tel. 219 405 640 - Fax 219 405 649
E-mail: paulinaseditora(r/;netcabo.pt
I

Ao Padre Lino.

Esperou o despontar do dia,


e o surgir da estrela da manhã,
meditando as Sagradas Escrituras.

i
Apresentação

A Quaresma é o «sinal da nossa conversão» e o tempo propício


para voltarmos para Deus, que «...não quer a morte do pecador,
mas que se converta e viva» (Ez 18, 23). Ao começar o seu minis-
tério, Jesus proclama: «Está próximo o reino de Deus. Arrependei-
-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). A conversão, a que
Jesus convida, é a resposta do homem à presença do reino de Deus
na história. Essa resposta significa uma adesão mais decidida e
concreta a Deus Pai, um acto de reconhecimento de Deus como
único Senhor que se aproxima de mim na obra de Jesus, determi-
nando uma mudança no meu modo de pensar e de avaliar, nas
orientações da minha vida e nos princípios que a regulam, e fa-
vorecendo um novo modo de pensar e de viver a partir de Jesus
Cristo que se torna o ponto de referência de cada uma das mi-
nhas decisões («Tudo o que fizerdes, porjpalavras ou por obras,
seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele, a Deus
Pai» - Cl 3,17).

A escuta da palavra de Deus desempenha um papel decisivo no


caminho da conversão.

1. A palavra de Deus revela-me e comunica-me o amor de


Deus, «rico de misericórdia», que em Jesus Cristo me chama à co-
munhão filial consigo. O amor do Pai é um amor gratuito («Não
fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou

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o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» - IJo
4, 10), fiel («Se formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode
negar-se a si mesmo» - 2Tm 2, 13; cf. Os 2, 21ss); um amor que,
diante do meu pecado, se transforma em misericórdia («O meu
coração dá voltas dentro de mim [...]. Não desafogarei o furor da
minha cólera» - Os 11, 8.9).

2. A palavra de Deus revela o meu pecado e as suas raízes. A


Palavra põe-me diante de Jesus Cristo, o Filho que vive a sua exis-
tência na obediência ao Pai, à sua vontade. Perante Jesus, eu, cha-
mado pelo Pai a ser «uma imagem idêntica à do seu Filho» (Rm
8, 29), verifico a minha deformidade e a distância a que estou des-
ta imagem, porque não vivo na mesma tensão de obediência filial
a Deus; descubro no meu coração aqueles pensamentos e aqueles
desejos que não correspondem aos pensamentos e aos desejos de
Jesus, e que estão na origem dos meus pecados («Na verdade, a
palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de
dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articu-
lações e das medulas, e discerne os sentimentos e as intenções do
coração» -Hb 4, 12).

3. A palavra de Deus é força de salvação que dá um coração


novo e que impele à conversão. A Palavra, acolhida no coração
(«Guarda no teu coração todas as palavras que Eu te disser» - Ez
3, 10), onde alimento os desejos, emergem os pensamentos, tomo
as decisões, recria o meu coração como «coração de carne» que re-
conhece o amor do Pai em Jesus, se liberta dos desejos ambíguos,
da busca exclusiva do seu próprio interesse para se abrir confia-
damente a Deus, à sua vontade, e com generosa caridade aos
outros.

Antes de começar a lectio divina, suplica a Deus Pai que te


conceda o Espírito Santo que abra o teu coração à escuta.

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Senhor nosso Deus, Pai da luz, enviaste ao mundo a tua
Palavra através da lei, dos profetas e dos salmos e, nos últi-
m o s tempos, quiseste que o teu próprio Filho, Palavra
eterna j u n t o de ti, nos desse a c o n h e c e r a tua Pessoa, Tu
que és o único Deus verdadeiro. Envia-me o teu Espírito
Santo, para que me dê um coração capaz de escutar, retire
o véu que tapa os meus olhos e me conduza a toda a ver-
dade. To peço por Cristo, o nosso Senhor, bendito pelos sé-
culos dos séculos. Amen 1 .

Ou:

Senhor, dou-te graças porque me chamaste à tua pre-


sença para que escute a tua Palavra: nela me revelas o teu
amor e dás-me a conhecer a tua vontade. Faz com que em
mim se calem todas as vozes além da tua; e para que a tua
Palavra não seja para minha c o n d e n a ç ã o - pelo facto de
apenas a ler mas não acolher, meditar mas não amar, rezar
mas não guardar, contemplar mas não realizar - , manda o
teu Espírito Santo abrir a m i n h a m e n t e e curar o meu
coração. Só assim o meu encontro com a Palavra será reno-
vação da aliança e comunhão contigo e o Filho e o Espírito
Santo. Deus seja bendito pelos séculos dos séculos. Amen

1 Cf. U/i rnggio delia tua Ince. Prcghierc alio Spirito santo, direcção de E. Bian-
chi, Q i q a j o n , M a g n a n o (Vercelli) 1998, p. 148.
1 Ibidem, p. 147.

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QUARTA-FElliA DE ClNZAS

«O TEU PAI TE DARÁ A RECOMPENSA»

'Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tende


cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos
homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhu-
ma recompensa do vosso Pai que está nos Céus. 2Assim,
quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, co-
mo fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem
louvados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a
sua recompensa. 3Quando deres esmola, não saiba a tua mão
esquerda o que faz a tua direita, ''para que a tua esmola fique
em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a re-
compensa. 'Quando rezardes, não sejais como os hipócritas,
porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esqui-
nas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade
vos digo: já receberam a sua recompensa. "Tu, porém, quando
rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em
segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recom-
pensa. "'Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como
os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos
homens que jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua
recompensa. l7Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça
e lava o rosto, '"para que os homens não percebam que jejuas,
mas apenas o teu Pai, que está presente no que é oculto; e teu
Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa» (Mt 6,1-
-6.16-18).

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Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O texto pertence ao S e r m ã o da M o n t a n h a (Mt 5 - 7 ) e


apresenta o ensino de Jesus em relação às três práticas clás-
sicas da piedade judaica: a esmola, a oração e o jejum. De-
pois do anúncio do tema (v. 1: «Tende cuidado em não pra-
ticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes
vistos por eles. Aliás, não tereis n e n h u m a recompensa do
vosso Pai que está nos Céus»), o trecho divide-se em três
secções que tratam a prática da esmola (vv. 2-4), da oração
(vv. 5-6) e do j e j u m (vv. 16-18). Cada parte apresenta a
mesma estrutura: um exemplo negativo (vv. 2.5.16), a con-
denação («Em v e r d a d e vos digo: já receberam a sua re-
compensa» - vv. 2.5.16), um exemplo positivo que apre-
senta a única razão por que se deve realizar a obra de
misericórdia («o teu Pai, que vê o que está no oculto, te
dará a recompensa» - vv. 4.6.18).

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrarem diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Com o seu ensino, Jesus não quer sugerir-me o que de-


vo fazer, mas antes como devo realizar estas acções - a es-
mola, a oração e o jejum - que Ele considera boas. Q u a n d o
faço o bem, o meu coração não deve estar voltado para os

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homens, mas para o Pai. Não devo praticar o bem para que
os h o m e n s me apreciem, me admirem. D e v o aprender a
fazer o bem olhando unicamente para Deus, em obediên-
cia e amor a Ele, para lhe agradar e c o r r e s p o n d e r à sua
vontade. Portanto, Jesus apela à minha relação filial com
Deus e convida-me a «purificar» o coração, a minha inte-
rioridade, para que nada substitua este amor ao Pai na ins-
piração da minha vida e das minhas obras.
A Q u a r e s m a é uma g r a n d e o p o r t u n i d a d e , o «tempo
propício» para purificar o coração, para aprender a viver
como filho de Deus, para amar com sinceridade o Pai e vi-
ver sob o seu olhar.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor Jesus, buscaste sempre a «recompensa» do Pai e


não a dos homens nem a sua admiração. O «alimento» da
tua vida não era o aplauso das multidões, mas a vontade
do Pai. E, quando as circunstâncias te obrigavam a fazer
uma escolha, escolheste sempre agradar ao Pai até ao ofe-
recimento da tua própria vida. Ajuda-me também a viver
como filho de Deus, com a tua própria liberdade e confian-
ça no Pai. Faz com que me baste a sua «recompensa», a sua
estima, o seu amor fiel e cheio de misericórdia. Faz com
que cada uma das minhas acções tenha sempre no Pai o
seu início e nele também o seu fim, para que as pessoas, ao
verem as minhas obras boas, não parem a admirar-me e a
elogiar-me, mas antes dêem louvor a Deus e o reconheçam
como Pai bom e em quem se pode confiar. Amen.

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Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as de-
cisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

No início da caminhada quaresmal aproximar-me-ei do


s a c r a m e n t o da reconciliação para purificar o coração e
aprender a viver como filho de Deus.

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QUINTA-FEIRA DEPOIS DE CINZAS

«QUEM PERDER A VIDA POR MINHA CAUSA,


SALVÁ-LA-Á»

"Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «O Filho


do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos,
pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas; tem de ser
morto e ressuscitar ao terceiro dia.» "E, dirigindo-se a todos,
disse: «Se alguém quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, to-
me a sua cruz todos os dias e siga-me. 24Pois quem quiser sal-
var a sua vida, tem de perdê-la; mas quem perder a vida por
minha causa salvá-la-á. 1,;Na verdade, que aproveita ao ho-
mem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou arruinar-
-se a si próprio?» (Lc 9,22-25).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

Jesus dá a conhecer a sua missão de «Filho do homem»,


primeiro como sofredor («O Filho do h o m e m tem de sofrer
muito, ser rejeitado pelos ancião, pelos príncipes dos sa-
cerdotes e pelos escribas, e tem de ser morto»), depois glo-
rioso («e ressuscitar ao terceiro dia»). Depois do anúncio

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que sublinha como a sequela se realiza na disponibilidade
a «renunciar a si mesmo», seguem-se duas sentenças, ex-
postas com um jogo de contraposição. A primeira baseia-
-se num paralelismo construído sobre a antítese entre os
verbos «salvar» e «perder» («Quem quiser salvar... perdê-
-la-á»/«Quem perder... salvá-la-á»). A segunda assenta no
contraste entre «ganhar o m u n d o inteiro» e «perder-se ou
arruinar-se a si próprio».

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus propõe-me o itinerário quaresmal da minha exis-


tência a caminho da Páscoa eterna, levando-me a abando-
nar o caminho que conduz à morte. Aqui, está em jogo a
minha própria vida, a possibilidade de «perdê-la» ou de
«salvá-la». É nesta perspectiva que devo ler os seus
convites a «renunciar a mim mesmo», a «tomar a minha
cruz todos os dias» e a «segui-lo». «Renunciar a mim mes-
mo» significa dizer não ao meu egoísmo, ao meu interesse,
ao m e u p e q u e n o m u n d o c o m o centro de tudo. Esta é a
minha cruz que tenho de carregar todos os dias: passar de
um estilo de vida - c u j o centro é o c u p a d o pelo meu eu,
pelos meus interesses, pelas minhas exigências - para uma
existência que se abre ao Senhor, à sua Palavra escutada
com confiança e docilidade, aos outros, às suas exigências,
acolhidas não com mal-estar e de maneira expedita, mas
com generosidade e grande atenção. Levo esta cruz, mas
não estou sozinho, estou com o Senhor, seguindo-o, obser-

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vando como Ele a carregou na sua vida, deixando-me en-
corajar, ajudar por Ele, quando parece tornar-se demasia-
do pesada, quando sou tentado a abandoná-la.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, devo confessar-te que esta é uma das páginas


do Evangelho que leio m e n o s gostosamente porque fala
uma linguagem dura e exigente. Pedes-me que «renuncie a
mim mesmo», q u a n d o em mim tudo m e pressiona para
que o escute e satisfaça, quando o m u n d o que me rodeia
apenas fala a linguagem da afirmação de si. Convidas-me
a «perder a vida por ti», quando faço tudo para não a dei-
xar fugir das minhas mãos, para gozá-la; quando, de mui-
tos lados e de muitos modos sou convidado a não perder
as ocasiões que me fazem saborear a vida. Tu propões-me
que «leve a cruz», quando eu procuro, de todos os modos,
evitar o trabalho, os empenhamentos exigentes, escolho o
que é fácil e imediatamente gratificante; quando, à minha
volta, não quero ouvir falar de sacrifício, de renúncia. Faz-
-me compreender que o caminho que me propões é o úni-
co capaz de me conduzir à vida; dá-me a lucidez e a cora-
gem de acolher a tua Palavra, de me deixar guiar por ela
neste tempo quaresmal, para que também eu possa cele-
brar a tua Páscoa de vida. Amen.

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Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as de-
cisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

Nestes primeiros dias de Quaresma identificarei com


clareza os sectores da m i n h a vida e m que devo pôr e m
prática a palavra do Senhor que me convida a «renunciar a
mim mesmo» e a segui-lo.

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SEXTA-FEIRA DEPOIS DE CINZAS

A PRESENÇA DO ESPOSO

"Naquele tempo, os discípulos de João Baptista foram ter


com Jesus e perguntaram-lhe: «Por que motivo nós e os fari-
seus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» '*Jesus respon-
deu-lhes: «Podem os companheiros do esposo ficar de luto,
enquanto o esposo estiver com eles? Dias virão em que o es-
poso lhes será tirado e nessa altura hão-de jejuar» (Mt 9,14-15).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

Em primeiro lugar, o texto indica que os discípulos de


João foram ter com Jesus. A ocasião do diálogo é constituí-
da por uma pergunta que os discípulos de João fazem a Je-
sus acerca do comportamento dos seus discípulos que, di-
f e r e n t e m e n t e deles e dos fariseus, não j e j u a m . Jesus
justifica os discípulos recorrendo à imagem do esposo e
das núpcias, durante as quais os convidados - os discípu-
los - não podem jejuar. Jesus, porém, anuncia um período

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em que o j e j u m readquirirá o seu significado para os discí-
pulos, quando o esposo «lhes for tirado».
A expressão é r e t o m a d a de Isaías (53, 8: «Sem defesa
nem justiça, levaram-no à força [...]. Foi suprimido da terra
dos vivos») e descreve o servo do Senhor destinado à mor-
te. Jesus alude pela primeira vez à sua morte como a uma
realidade em que os discípulos t a m b é m são envolvidos.
Para a c o m u n i d a d e dos crentes, o j e j u m adquire signifi-
cado em relação ao destino de Jesus crucificado.

Meditemos a Palavra

Tmtn-se de entrarem diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus define-se como o esposo, cuja presença é motivo


de alegria. Identificando-se com o esposo, Jesus quer di-
zer-me todo o seu amor por mim, um amor que me pro-
cura, que me chama pelo n o m e e fala ao meu coração; um
amor que me confia os maiores segredos que guarda, que
não quer afastar-se de mim, mas quer oferecer-me a sua
vida para que eu viva, que m e convida a permanecer com
Ele para tomar parte na festa do seu amor.
D e v o interrogar-me até que p o n t o r e c o n h e ç o este
amor; se a presença do Senhor na minha vida é verdadei-
ramente motivo de alegria profunda; se m e e m p e n h o em
corresponder a este amor com uma escuta sincera e con-
fiante da sua Palavra, com uma séria busca da sua vontade
sobre a minha vida, com uma recusa decidida do mal, de
tudo o que não é partilhado por Ele.
A Quaresma é um tempo propício para fazer com que

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a minha relação com o Senhor dê um salto de qualidade,
para libertá-la da superficialidade das tomadas de posição
e de compromisso, do medo que adia as decisões.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor Jesus, a imagem de ti próprio como esposo sur-


preende-me e tranquiliza-me. Surpreende-me porque não
estou habituado a pensar-te tão «próximo» de mim, antes,
por vezes, sinto-te distante; tranquiliza-me porque a tua
proximidade está cheia de a m o r e exprime-se com um
grande cuidado em relação a mim, como faz todo o esposo
que ama sinceramente a sua esposa. Por isso, te estou mui-
to agradecido. Faz com que eu compreenda a riqueza da
tua proximidade; ajuda-me a saborear a alegria que levas
aonde és acolhido e não permitir que vá procurá-la noutro
sítio. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as de-
cisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

Examinar-me-ei para verificar que espaço ocupa o Senhor


nas decisões relativas ao uso do meu tempo, das minhas re-
lações, dos bens materiais e dos meus compromissos.

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SÁBADO DEPOIS DE ClNZAS

«VIM CHAMAR OS PECADORES


PARA QUE SE ARREPENDAM»

27Naquele tempo, Jesus viu um publicano chamado Levi,

sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me.» "Ele,


deixando tudo, levantou-se e seguiu Jesus. wLevi ofereceu-lhe
um grande banquete em sua casa. Havia grande número de
publicanos e de outras pessoas com eles à mesa. "'Os fariseus
e os escribas murmuravam, dizendo aos discípulos: «Porque
comeis e bebeis com os publicanos e os pecadores?» "Então
Jesus, tomando a palavra, disse-lhes: «Não são os que têm
saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. "Eu não
vim chamar os justos, vim chamar os pecadores, para que se
arrependam» (Lc 5, 27-32).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O texto apresenta duas cenas que formam um quadro


unitário: a vocação de Levi (vv. 27-28) e o banquete com os
publicanos e os pecadores (vv. 29-31). O relato da vocação
de Levi está estruturado s e g u n d o o esquema de muitas

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narrações de chamamento. A cena começa com a indicação
do olhar de Jesus sobre o escolhido que se encontra no seu
lugar de trabalho («Jesus viu um publicano chamado Levi,
sentado no posto de cobrança»). Ele recebe o convite («Se-
gue-me!»), ao que lhe responde imediatamente, deixando
tudo e começando a seguir Jesus. A cena seguinte apresen-
ta o banquete em casa de Levi, em que participam os pu-
blicanos e outras pessoas. A composição dos convidados
provoca a reacção dos fariseus e dos escribas («murmura-
vam») e o pedido de explicações aos discípulos de Jesus
(«Porque comeis e bebeis com os publicanos e os pecado-
res?»). Jesus justifica o seu comportamento, citando uma
espécie de provérbio («Não são os que têm saúde que pre-
cisam de médico, mas sim os doentes») e esclarecendo o
objectivo da sua missão («Eu não vim chamar os justos,
vim chamar os pecadores»).

Meditemos a Palavra

Trntn-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Ao chamar as pessoas a segui-lo, a tornar-se seus ami-


gos, Jesus não olha para o seu passado, para a sua condi-
ção social nem para a sua situação religiosa. A única con-
dição para fazer parte do grupo de Jesus é a resposta ao
convite («Segue-me!») que deve ser pronta e generosa.
Diante do m u n d o judaico que discrimina os pecadores e
os afastados, Jesus não os põe à distância; apresenta-se co-
mo «médico do corpo e do espírito» (Santo Inácio de An-
tioquia), que os procura para «os curar» da sua doença in-

23
terior. N a figura de J e s u s - m é d i c o reflecte-se a figura de
Y H W H (Javé) que diz ao seu povo:«Curarei a sua infideli-
dade, amá-los-ei de todo o coração, porque a minha cólera
se afastou deles» (Os 14,5). «Convertei-vos, filhos rebeldes,
e Eu vos curarei da vossa rebeldia» (Jr 3,22).
Em mim há um Levi que está afastado do Senhor, um
publicano que não é comensal de Jesus, porque ainda não
me deixo «curar» pelo Senhor, porque ainda não acolho
seriamente o seu convite para me converter. No aspecto do
meu carácter que continua a opor-se à imitação do Senhor,
no hábito do pecado que não quero interromper, na me-
diocridade que recusa toda a decisão corajosa, na mesqui-
nhez que se torna cálculo face a todo o empenhamento, na
avareza que se subtrai a uma caridade generosa, na relu-
tância a oferecer o m e u generoso testemunho de cristão,
na perda de tempo a fazer coisas fúteis, na busca do aplau-
so, do louvor dos outros; em tudo isto está o Levi, o publi-
cano que deve ser curado.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, nada te mantém afastado dos homens, nem se-


quer o p e c a d o q u e marca a sua vida e os afasta de ti. Tu
vais procurá-los o n d e eles vivem e trabalham; deixas-te
convidar para as suas casas, para a sua mesa, porque os
queres curar do mal que endurece o coração e entristece a
vida. Fico admirado com este teu amor grande e insistente!
Também eu necessito de ser procurado por ti, preciso de

24
ter-te como comensal à mesa de minha vida, porque não
consigo ser «justo», porque necessito de um médico que
trate pacientemente do meu coração inclinado ao mal, o
cure das feridas do mal feito. Faz com que quando me vens
procurar para me sentar à mesa do teu pão que dá a vida,
quando me ofereces a tua Palavra que converte, purifica o
coração e o cura, quando me chamas para que te siga, eu
não me afaste mas acolha com alegria o teu convite e te
diga o meu sim pronto e generoso. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as de-
cisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

Neste tempo quaresmal estarei muito atento às oportu-


nidades que vêm ao meu encontro, oferecidas pelo Senhor,
através da Igreja, da minha c o m u n i d a d e , para «curar» o
meu coração do mal, para viver uma comunhão mais pro-
funda com o Senhor.

25
PRIMEIRA SEMANA
DA QUARESMA
11,1
SECUNDA-FEKA

«A MIM O FIZESTES»

^Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quando


o Filho do homem vier na sua glória com todos os seus Anjos,
sentar-se-á no seu trono glorioso. 12Todas as nações se reunirão
na sua presença e Ele separará uns dos outros, como o pastor
separa as ovelhas dos cabritos; "e colocará as ovelhas à sua di-
reita e os cabritos à sua esquerda. "Então o Rei dirá aos que es-
tiverem à sua direita: "Vinde, benditos de meu Pai; recebei
como herança o reino que vos está preparado desde a criação
do mundo. 15Porque tive fome e destes-me de comer; tive sede
e destes-me de beber; era peregrino e me recolhestes; '"não ti-
nha roupa e me vestistes; estive doente e viestes visitar-me;
estava na prisão e fostes ver-me." 17Então os justos lhe dirão:
"Senhor, quando é que te vimos com fome e te demos de co-
mer, ou com sede e te demos de beber? "Quando é que te
vimos peregrino e te recolhemos, ou sem roupa e te vestimos?
^"Quando é que te vimos doente ou na prisão e te fomos ver?"
4"E o Rei lhes responderá: "Em verdade vos digo: Quantas ve-

zes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim


o fizestes." JI Dirá então aos que estiverem à sua esquerda:
"Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado
para o diabo e os seus anjos. 42Porque tive fome e não me des-
tes de comer; tive sede e não me destes de beber; "era peregri-
no e não me recolhestes; estava sem roupa e não me vestistes;
estive doente e na prisão e não me fostes visitar." "Então tam-
bém eles lhe hão-de perguntar: "Senhor, quando é que te vi-

29
mos com fome ou com sede, peregrino ou sem roupa, doente
ou na prisão, e não te prestámos assistência?" 45E Ele lhes res-
ponderá: "Em verdade vos digo: Quantas vezes o deixastes
de fazer a um dos meus irmãos mais pequeninos, também a
Mim o deixastes de fazer." '"'Estes irão para o suplício eterno e
os justos para a vida eterna» (Mt 25, 31-46).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

A parábola do juízo final é introduzida por uma ceno-


grafia que apresenta a vinda gloriosa do Filho do homem,
a convocação dos povos e a sua separação (vv. 31-33). A
parte central do texto (vv. 34-45) é dedicada aos dois diá-
logos que o Filho do h o m e m instaura, primeiro com aque-
les que estão à direita (vv. 34-40) e, depois, com aqueles
que se e n c o n t r a m à sua esquerda (vv. 41-45). Ambos os
diálogos são iniciados por Jesus, o Senhor, com uma sen-
tença de bênção ou de maldição a que se segue a motiva-
ção («Tive fome e destes-me/não me destes de comer»), rela-
cionada com seis situações de mal-estar. A dupla pergunta -
dos justos (vv. 37-39) e dos outros (vv. 44) - , Jesus responde
identificando-se com as pessoas que vivem situações de
necessidade e de limite (vv. 40.45). A intervenção conclusi-
va r e p r e s e n t a a m o t i v a ç ã o da palavra de b ê n ç ã o ou de
maldição que especifica o destino definitivo de felicidade
ou infelicidade (v. 46) e que tem como critério o socorro
p r e s t a d o ou n ã o «a um dos m e u s irmãos» mais pobres,
com quem Jesus se identifica.

30
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus apresenta-se como o Senhor da história que reúne


à sua volta os homens, para conduzi-los à comunhão plena
e definitiva com Deus que é amor. Nesta comunhão com o
Deus trinitário serão admitidos aqueles que, na sua vida,
se tornaram próximos das pessoas marcadas pelo sofri-
mento, pelas inúmeras formas de pobreza. Jesus recorda-
-me que se identifica com estas pessoas e que, portanto,
ocupar-me destas pessoas com um amor solidário é aco-
lhê-lo pessoalmente. A atitude do amor solidário, adopta-
do pelo Senhor como critério decisivo para o meu futuro
definitivo, deve inspirar a minha existência, caracterizar as
minhas opções de vida e guiar o meu coração.
O tempo da Quaresma é tempo propício para exprimir
este amor, para educar o meu coração a estar cada vez mais
atento a quem sofre, a quem necessita de ajuda, para fazer
gestos significativos de solidariedade. A prática da esmola
pode ser uma modalidade concreta para me tornar próxi-
mo de quem está em necessidade, uma prática que não po-
de ser apenas um gesto superficial e pouco incisivo na ma-
neira de usar o meu tempo, os meus bens...

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

31
Senhor, quantas pessoas vivem como se o mundo, a sua
vida, não devessem jamais acabar; quantas pessoas vivem
unicamente para si mesmas, exclusivamente atentas ao seu
bem-estar. Liberta-me da superficialidade de uma existên-
cia encerrada em si própria, que não tem em conta a comu-
n h ã o contigo, Senhor, com o Pai e com o Espírito a quem
se destina. Ajuda-me a viver a minha vida como um cami-
nho para ti, n o qual me pedes para me tornar próximo da-
queles que são p o b r e s , daqueles que sofrem e que nin-
guém vai procurar. Faz com que eu não me esqueça de que
em cada uma das minhas acções p o n h o as bases do juízo
que Tu um dia pronunciarás a meu respeito. Faz com que o
meu tempo, as minhas energias, os meus bens sejam em-
penhados no teu serviço e num amor solidário para com
os outros, s u p e r a n d o a tentação do egoísmo e do medo.
Acompanha-me nesta Quaresma para que todos os dias eu
renove a decisão de gastar-me por ti e pelos outros. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as de-
cisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

Diante desta página concreta do Evangelho pensarei


no meu encontro com Jesus, Senhor da história; programa-
rei gestos concretos e constantes de solidariedade e uma
generosa prática da esmola.

32
TERÇA-FEIRA

A ORAÇÃO DOS FILHOS DE DEUS

'Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quando


orardes, não digais muitas palavras, como os pagãos, porque
pensam que serão atendidos por falarem muito. "Não sejais
como eles, porque o vosso Pai bem sabe do que precisais, an-
tes de vós lho pedirdes. "Orai assim: "Pai nosso, que estais nos
Céus, santificado seja o vosso nome; "'venha a nós o vosso
reino; seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu.
"O pão nosso de cada dia nos dai hoje; l2perdoai-nos as nossas
ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofen-
dido; "e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do
mal." "Porque se perdoardes aos homens as suas faltas, tam-
bém o vosso Pai celeste vos perdoará. l5Mas se não perdoardes
aos homens, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas
faltas» (Mt 6, 7-15).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O trecho pertence ao Sermão da Montanha (Mt 5 - 7 ) em


que Jesus esclarece em que consiste a «boa nova do Reino».

33
A instrução sobre a oração está inserida na secção que se
refere às três práticas religiosas judaicas: a esmola (vv. 2-4),
a oração (vv. 5-15) e o j e j u m (vv. 16-18). Falando da oração,
Jesus convida os seus ouvintes a evitar duas atitudes nega-
tivas: a dos hipócritas (vv. 5-6) e a dos pagãos (vv. 7-8). O s
hipócritas usam a oração para exibir a sua piedade e, dessa
maneira, adquirir credibilidade e estima. Os pagãos usam
as palavras de m o d o desenfreado, esforçando-se por do-
brar Deus às suas exigências. Jesus convida, antes de tudo,
a orarmos com confiança, porque o Pai sabe muito bem do
que precisamos; depois, propõe a oração do Pai-Nosso (vv.
9-13), a que junta um texto breve sobre o perdão ( w . 14-15).
Depois de uma invocação inicial que se dirige a Deus,
chamando-lhe «Pai», a oração exprime dois tipos de pedi-
dos: o primeiro refere-se prioritariamente à iniciativa de
D e u s (vv. 9b-10). O s e g u n d o , as necessidades h u m a n a s
fundamentais (vv. 11.13). Na breve instrução final do per-
dão - onde o verbo «perdoar», que é como que um eco da
oração do Pai-Nosso, ocorre quatro vezes - , Jesus retoma a
lógica do perdão divino que tem como condição o perdão
entre os homens.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar cm diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

O ensino de Jesus sobre a oração ajuda-me a compreen-


der qual deve ser o clima, a atitude de f u n d o da m i n h a
oração de discípulo: a confiança em Deus, reconhecido co-
mo Pai que c o n h e c e bem o m e u coração, sabe aquilo de

34
que realmente preciso. Por isso, não é necessário recorrer a
muitas palavras com medo de que Ele não conheça ou não
se lembre das minhas necessidades e/ou para tentar vergá-
-lo aos m e u s desejos e aos m e u s pedidos. A confiança a
que Jesus me convida é a m e s m a que guiava a sua vida,
que habitava a sua oração e que o dispunha a realizar a
vontade do Pai.
O tempo de Quaresma oferece-me a possibilidade de
recuperar e aprofundar a minha confiança filial em Deus
Pai, de requalificar a minha oração, para que não se oriente
para convencer Deus a tomar conta de mim, a escutar-me,
mas para que faça crescer em mim a consciência do seu
olhar paterno voltado para mim e para que seja o lugar
onde aprendo a desejar e a escolher o que Deus Pai deseja
e escolhe para mim, onde recupero as relações com as pes-
soas e me torno capaz de lhes estender aquele perdão que
recebi do Pai.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da meditação


do texto sagrado e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou confissão.

Senhor Jesus, devo reconhecer que também eu encho a


minha oração de demasiadas palavras com medo de que
D e u s se esqueça de mim ou p o r q u e d e s e j o que preste
atenção a tantas necessidades da minha vida. Falas-me de
um Deus que não precisa de ser informado a meu respeito,
sobre as minhas necessidades, de um Deus que não se dis-
traiu, mas que deseja para mim um destino feliz, que quer
que me sinta filho amado e que aceite tornar-me realmente
seu filho. Por isso, ensina-me a orar c o m o filho que tem

35
confiança no Deus que permanece fiel às suas promessas,
que não «se esquece» dos seus filhos. Livra-me da descon-
tinuidade e da superficialidade, para que a minha oração
não seja feita de m u i t a s palavras, mas seja guiada pela
consciência de que Deus é um Pai em quem se pode con-
fiar. Ensina-me a encontrar na oração filial a capacidade e a
força de um amor que sabe perdoar. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

H o j e , rezarei com insistência e com grande atenção a


oração do Pai-Nosso, e m p e n h a n d o - m e em repensar a mi-
n h a relação filial com D e u s e as relações com as pessoas
que m e são próximas. Se devo perdoar a todas as pessoas,
fá-lo-ei perante Deus.

36
QUARTA-FEIRA

O SINAL DEJESUS

"Naquele tempo, aglomerava-se uma grande multidão à


volta de Jesus e Ele começou a dizer: «Esta geração é uma ge-
ração perversa: pede um sinal, mas nenhum sinal lhe será
dado, senão o sinal de Jonas. "'Assim como Jonas foi um sinal
para os habitantes de Nínive, assim o será também o Filho do
homem para esta geração. 3lNo juízo final, a rainha do sul le-
vantar-se-á com os homens desta geração e há-de condená-
-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria
de Salomão; e aqui está quem é maior do que Salomão. ,2No
juízo final, os homens de Nínive levantar-se-ão com esta gera-
ção e hão-de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir
a pregação de Jonas; e aqui está quem é maior do que Jonas»
(Lc 11,29-32).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto para pôr em destaque os elementos mais significa-


tivos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Senhor
dizer com este texto?

Jesus, diante de uma multidão que se apinha à sua vol-


ta, responde a quem, para o pôr à prova, lhe tinha pedido

37
«um sinal do céu» («Outros, para o experimentar, reclama-
vam um sinal do Céu» - 11, 16). A resposta começa com
uma investida contra esta «geração», construída sobre o
contraste entre a «geração perversa» que procura «sinais»
e Jesus que promete apenas o «sinal de Jonas». A interpre-
tação do sinal é dada por uma comparação entre o profeta
Jonas, sinal de Deus com a sua pregação aos «habitantes de
Nínive» e Jesus, o Filho do h o m e m (v. 30). A invectiva tor-
na-se condenação mediante duas sentenças, que apresen-
tam em paralelo um anúncio de julgamento, uma motiva-
ção e uma conclusão solene (vv. 31-32). A primeira sentença
alude à rainha do sul que foi ouvir Salomão; a segunda re-
toma o tema de Jonas, enviado aos habitantes de Nínive,
que se converteram, levados pela sua pregação. A parte fi-
nal das duas s e n t e n ç a s p r o p õ e uma c o m p a r a ç ã o dupla,
com Salomão e com Jonas («e aqui está quem é maior do
que Salomão... e aqui está quem é maior do que Jonas»),
que evidencia o papel da missão de Jesus em relação ao
Antigo Testamento.

Meditemos a Palavra

Tratn-sc de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus recusa uma fé que se baseia em sinais espectacula-


res, que dispensa as pessoas de tomar uma decisão livre,
que protege do risco de escolher. Também eu posso ser
tentado a pedir ao S e n h o r «provas» evidentes, imediata-
mente tranquilizadoras. O único sinal que se refere à liber-
dade - e que Jesus me oferece - é Ele próprio, a sua Palavra

38
que é apelo à conversão, mais urgente que o dirigido pelo
profeta J o n a s aos habitantes de Nínive e que revela a
sabedoria de Deus numa forma mais autorizada que a do
rei Salomão, procurado pela rainha de Sabá.
A Quaresma obriga-me, todos os dias, a colocar no cen-
tro dos meus interesses, das minhas buscas a pessoa de Je-
sus, a sua Palavra; a fazer da minha fé nele um amor tão
decidido para se tornar d e t e r m i n a n t e para qualquer
opção; a fazer da minha existência uma aventura exaltan-
te, através da qual receber e dar a sabedoria de Jesus.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, Tu vens a mim com a salvação que o Pai me ofe-


rece; o sinal de uma sabedoria de vida que não tem com-
parações, porque és a Palavra de verdade; o sinal de um
amor que me solicita e atrai. Tu és o fundamento da minha
esperança, és Tu a minha esperança! Livra-me da tentação
de esperar outros sinais; faz com que a tua luz habite no
meu coração, de modo que eu saiba confiar em ti, sem es-
perar outra coisa, até me confiar a ti e entregar-te a tarefa
de plasmar o meu coração e a minha vida, porque só Tu co-
nheces o desígnio bom do Pai a meu respeito, aquele de-
sígnio que, acolhido e realizado, me e n c h e de alegria.
Ámen.

39
Vivamos a Palavra

O importante é permitir que a palavra de Deus dê fruto na minha


existência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as
decisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

Hoje verificarei as razões que retardam a minha decisão


por Jesus Cristo, o meu e m p e n h a m e n t o em realizar a sua
palavra.

40
QUINTA-FEIRA

O PAI QUE ESTÁ NOS CÉUS DÁ COISAS BOAS

'Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Pedi e


dar-se-vos-á, procurai e encontrareis, batei à porta e abrir-se-
-vos-á. "Porque todo aquele que pede recebe, quem procura
encontra e a quem bate à porta abrir-se-á. "Qual de vós dará
uma pedra a um filho que lhe pede pão, "'ou uma serpente se
lhe pedir peixe? "Ora, se vós que sois maus, sabeis dar coisas
boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos
Céus as dará àqueles que lhas pedem! l2Portanto, o que quiser-
des que os homens vos façam fazei-lho vós também: esta é a
Lei e os Profetas» (Mt 7, 7-12).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende dizer
o Senhor com este texto?

\ O texto é introduzido por uma exortação de Jesus que


anuncia o tema, constituída por três imperativos: «pedi»,
«procurai» e «batei à porta», a que correspondem três pro-
messas: «dar-se-vos-á», «encontrareis» e «abrir-se-vos-á». A
motivação do pedido insistente volta a usar os m e s m o s
verbos («todo aquele que pede recebe, quem procura en-

41
contra e a quem bate à porta abrir-se-á»). Jesus, para dar
ulterior força à exortação, faz referência ao comportamen-
to de um pai h u m a n o , e m p e n h a d o em conceder aos filhos
«coisas boas»: se n e n h u m pai terreno é tão «desumano»
que não atenda ao pedido dos filhos, muito menos o Pai
celeste se deixa superar na generosidade. O trecho termina
com a segunda exortação de Jesus que expõe a chamada
«regra de ouro», baseada sobre o princípio da solidarie-
dade/identificação que inspira a convivência h u m a n a e
corresponde à «Lei» e aos «Profetas».

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus convida-me a ter confiança em Deus quando re-


zo, porque é um Pai bom que não se aproveita da ingenui-
dade dos seus filhos, os quais p o d e m também não estar
sempre em condições de distinguir um peixe de uma ser-
pente, um pão de uma pedra. Na oração, por vezes, tam-
bém eu sou como um bebé desprevenido que não sabe o
que pedir, porque não estou em condições de reconhecer
o meu verdadeiro bem. Deus-Pai, que conhece aquilo de
que preciso, acolhe a minha oração, não porque não quer
ser perturbado - como o juiz iníquo da parábola (cf. Mt 6,
25-34) - mas, porque deseja dar-me «coisas boas», úteis pa-
ra a m i n h a vida. Por isso a m i n h a oração deve estar im-
pregnada pela profunda certeza de que o Pai me dará, me
abrirá e me levará a encontrar; deve ser inspirada, como a
oração de Jesus, por uma grande confiança em Deus-Pai

42
(«Pai, dou-te graças por me teres atendido. Eu já sabia que
sempre me atendes...» - Jo 11,41-42).
Posso dizer que a minha oração é filial, inspirada por
esta confiança em Deus?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, agradeço-te esta tua Palavra que me convida a


ter confiança em Deus. Conheces bem o seu coração de Pai
e o seu desejo de dar coisas boas a todos os seus filhos. Por
isso, insistes em que eu não me canse de pedir, de procurar
junto dele as coisas boas de que a minha vida precisa. En-
sina-me, Senhor, a confiar como Tu quando oro ao Pai; a
esperar com paciência que se realizem na minha vida as
promessas de Deus; a acolher as coisas boas que o Pai ten-
ciona oferecer-me. Dá-me um coração filial, que pede sem
se cansar; um coração fraterno que ora pelos outros, por
q u e m sofre, para que e n c o n t r e a serenidade; por quem
não crê, para que encontre a fé; por quem é chamado por
ti, para que saiba dizer-te sim. Mestre, ensina-me a orar.
Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

43
D u r a n t e a Q u a r e s m a , quero prestar muita a t e n ç ã o à
minha oração, para que seja vivida com ânimo filial, pleno
de confiança em Deus-Pai. Além disso, tornar-me-ei atento
na oração às pessoas que estão à minha volta e às situações
de sofrimento de que tenho conhecimento.

44
SEXTA-FEIRA

A JUSTIÇA DO REINO

^Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Se a


vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entra-
reis no reino dos Céus. 2l Ouvistes que foi dito aos antigos:
"Não matarás; quem matar será submetido a julgamento."
"Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra o seu
irmão será submetido a julgamento. Quem chamar imbecil a
seu irmão será submetido ao Sinédrio, e quem lhe chamar
louco será submetido à geena de fogo. "Portanto, se fores
apresentar a tua oferta sobre o altar e ali te recordares que o
teu irmão tem alguma coisa contra ti, ^deixa lá a tua oferta
diante do altar, vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão e
vem depois apresentar a tua oferta. 1,;Reconcilia-te com o teu
adversário, enquanto vais com ele a caminho, não seja caso
que te entregue ao juiz, o juiz ao guarda, e sejas metido na
prisão. ^Em verdade te digo: Não sairás de lá, enquanto não
pagares o último centavo» (Mt 5,20-26).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende dizer
o Senhor com este texto?

O trecho introduz a parte do Sermão da Montanha em


que Jesus ilustra a n o v a «justiça», ligada à presença do
reino dos Céus (5, 20-48). Depois de uma sentença, em que

45
estabelece uma comparação negativa entre a «justiça» dos
escribas e dos fariseus e a dos discípulos do Reino (v. 20: «Se
a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não
entrareis no reino dos Céus»), Jesus apresenta esta nova jus-
tiça com a primeira de seis antíteses (vv. 21-48), construídas
com o m e s m o esquema: a citação do antigo Testamento
(«Ouvistes o que foi dito aos antigos»), a interpretação au-
torizada de Jesus introduzida pela expressão «Eu, porém,
digo-vos», um princípio geral interpretativo seguido de al-
gumas aplicações. Na primeira antítese discute-se o manda-
mento «Não matar» que faz parte do Decálogo (cf. Ex 2 0 , 1 -
-17). Com a expressão «Eu, porém, digo-vos» Jesus arroga-se
a autoridade de pôr à discussão a própria palavra de Deus.
Recorrendo a três exemplos e a duas imagens, não pre-
tende opor-se ao mandamento, mas mostrar as suas raízes
mais profundas. No primeiro exemplo refere-se o caso de
quem se zanga com o seu irmão, cuja pena corresponderá
ao próprio juízo de Deus. Os outros dois exemplos descre-
vem o conflito verbal que chega ao insulto e que conduz os
dois adversários à barra do «Sinédrio» ou à «geena de fo-
go». Jesus põe-se na linha do livro de Ben Sira (Eclesiásti-
co) 22,24, segundo o qual a injúria prepara o homicídio («o
vapor e o fumo precedem o fogo na chaminé; assim tam-
bém as injúrias precedem o derramamento de sangue»). O
conflito que tende ao aniquilamento do outro, antes de se
concluir com o homicídio, já está presente no choque verbal.
A nova apresentação do mandamento «Não matar» conti-
nua com a imagem de quem, ao aproximar-se do altar para
oferecer o sacrifício, se lembra de que o seu irmão tem algu-
ma coisa contra si. Para Jesus, essa situação, mesmo que uni-
lateral, anula o valor da acção litúrgica. Isto, na perspectiva
do Evangelho segundo Mateus, significa que a misericórdia
vale mais do que o sacrifício «Ide aprender o que significa:

46
"Prefiro a misericórdia ao sacrifício"» - 9,13; cf. Os 6,6; 9,13;
12,7). A outra imagem apresenta o caso de duas pessoas que,
para resolver uma contenda, vão procurar o juiz. O convite
de Jesus é a busca de um entendimento antes que o adversá-
rio entregue o outro ao juiz, tendo consciência da implacabi-
lidade da lei («e sejas metido na prisão»).

Meditemos a Palavra

Tmta-se de entrar em diálogo com n palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus entende que é preciso evitar não somente a acção


má da violência extrema (o homicídio), mas também a mal-
dade no coração e as palavras maldosas que ferem profun-
damente.
O conflito com outra pessoa não pode arrancar o amol-
do meu coração, não pode envenená-lo nem, muito me-
nos, deteriorar as relações com palavras venenosas, ofensi-
vas. Jesus p r o p õ e - m e a reconciliação c o m o modalidade
positiva para resolver eventuais conflitos. E de tal modo
importante, que se deve até suspender o sacrifício, a ora-
ção a Deus para atingi-la; é de tal modo urgente e necessá-
ria que para a alcançar é necessário empreender todos os
meios em qualquer circunstância. Naturalmente não pode
ser imposta, mas deve ser procurada por ambas as partes.
Isto, porém, não me isenta de fazer tudo o que está nas mi-
nhas possibilidade para a atingir.
A Quaresma deve ser para mim a grande ocasião para a
m i n h a reconciliação com aquelas pessoas em relação às
quais conservo no coração um dissabor, um ressentimento,
uma rotura.

47
O n d e vivo, sou artífice de c o m u n h ã o fraterna? C o m o
revolvo os conflitos com as pessoas? Evitando atitudes e
palavras que ferem, procurando a reconciliação?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor Jesus, contigo Deus-Pai, «lento para a ira e gran-


de no amor», tornou-se próximo de mim e de todo o ser
h u m a n o com a sua misericórdia que livra do mal. Com a
tua vinda, cada h o m e m é o meu irmão. Ajuda-me a ser ir-
m ã o de quem vive comigo, de quem encontro na minha
vida. Torna-me capaz de perdoar a quem me fez mal, por-
que sempre fui perdoado pelo Pai.
Q u e a m e m ó r i a do p e r d ã o que recebo do Pai tire do
meu coração todo o ressentimento e dos meus lábios toda
a palavra nociva; apoie o meu e m p e n h o em procurar uma
reconciliação plena com quem entrei em conflito. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

No silêncio da oração, examinarei as minhas relações à


luz da palavra de Jesus e pedir-lhe-ei que me ajude a per-
doar e a reconciliar-me.

48
SÁBADO

«SEDE PERFEITOS COMO


O VOSSO PAI CELESTE É PERFEITO»

"Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Ouvis-


tes que foi dito aos antigos: "Amarás o teu próximo e odiarás o
teu inimigo." "Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos
e orai por aqueles que vos perseguem, 45para serdes filhos do
vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o Sol sobre
bons e maus e chover sobre justos e injustos. 4"Se amardes
aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a
mesma coisa os publicanos? 47E se saudardes apenas os vossos
irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os
pagãos? "Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é
perfeito» (Mt 5, 43-48).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o
Senhor dizer com este texto?

O texto apresenta a última «antítese» com a qual Jesus


ilustra a «maior» justiça do reino de Deus. Na primeira par-
te (vv. 43-45) o m a n d a m e n t o do amor do próximo justa-
põe-se, por contraste, ao do ódio aos inimigos. Jesus, in-

49
vertendo a última parte do m a n d a m e n t o , solicita o amor
aos adversários e convida a orar pelos próprios persegui-
dores, indicando como motivação o estilo de Deus-Pai que
«faz nascer o Sol sobre bons e maus e chover sobre justos e
injustos». A segunda parte (vv. 46-47), composta por duas
exemplificações que fundamentam ulteriormente o amor
indiscriminado, apresenta quatro interrogações: a primeira
e a segunda interrogação põem em questão um amor cor-
respondido, semelhante ao dos publicanos; a terceira e a
quarta, pelo contrário, uma saudação dirigida exclusiva-
mente aos irmãos, à maneira dos pagãos. O texto termina
com uma sentença que sintetiza a posição de Jesus («Por-
tanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito»).
A afirmação fundamenta o comportamento do discípulo à
m a n e i r a de Deus. O c u m p r i m e n t o da lei, realizado por
Jesus («Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas.
Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição» - 5,17), que
c o r r e s p o n d e à justiça «maior», tem c o m o c o n t e ú d o a
perfeição vivida pelo discípulo, fundamentada na própria
imagem do agir de Deus.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus indica no amor do Pai, cuja experiência os seus


discípulos fazem todos os dias, o princípio inspirador das
relações humanas, de todas as relações, m e s m o daquelas
que na opinião c o m u m o excluem, c o m o a relação com
quem me é hostil, meu «inimigo». Para o discípulo de Jesus

50
não há inimigos, mas apenas irmãos, porque para o Pai
não há estranhos, mas unicamente filhos com quem Ele se
preocupa. O cristão é aquele que imita Deus-Pai no seu
m o d o de agir na história dos h o m e n s , que é o do amor
misericordioso e indiscriminado. Trata-se de uma indica-
ção difícil de realizar na minha vida. Estou sempre dispos-
to a amar as pessoas que me amam e a orar por elas; contu-
do, p a r e c e - m e l o n g í n q u o o p e n s a m e n t o do amor pelas
pessoas que me são hostis, que, de algum modo, são mi-
nhas «inimigas». Basta olhar a fundo na minha existência
para ver quantas pessoas excluo, marginalizando-as com o
alheamento e a frieza nas relações.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Pai Santo, na minha oração quero contemplar e adorar


o teu amor universal. Não fazes discriminações e desejas
que cada ser h u m a n o se dê conta do teu grande amor por
ele. Por isso, m a n d a s t e Jesus, o teu filho unigénito, que
ofereceu a sua vida por todos, sem n e n h u m a distinção.
M a n d a s t e - o para que chamasse os pecadores, para que
sarasse os doentes, reunisse os dispersos; para que todos
vissem claramente o desejo que desde sempre mora no teu
coração; que cada homem se deixe amar por ti como filho.
Torna-me capaz de te imitar no teu amor indiscriminado,
como Jesus fez na sua vida; livra o meu coração de todo o
alheamento em relação aos teus filhos, também daqueles
que me são hostis. Ámen.

51
Vivamos a Palavra

O importante é permitir que a palavra de Deus dê fruto na minha


existência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: quais as
decisões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e
rezei?

Prestarei atenção especial para não marginalizar, para


não tratar mal aquelas pessoas com as quais, por diversas
razões, vivo relações difíceis.

52
SEGUNDA SEMANA
DA QUARESMA

Í
i

K
SEGUNDA-FEIRA

«PERDOAI E SEREIS PERDOADOS»

'"Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Sede


/ misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso. "Não
julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis con-
denados. '"Perdoai e sereis perdoados. Dai e dar-se-vos-á: dei-
tar-vos-ão no regaço uma boa medida, calcada, sacudida, a
transbordar. A medida que usardes com os outros será usada
também convosco» (Lc 6, 36-38).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O trecho começa com a exposição do princípio geral da


misericórdia fundada na de Deus («Sede misericordiosos,
como o vosso pai é misericordioso»). A atitude da miseri-
córdia é ilustrada com quatro mandamentos, dois expres-
sos de forma negativa («Não julgueis»/«Não condeneis») e
dois de forma positiva («Perdoai»/«Dai»), Cada mandamen-
to repete o verbo duas vezes: a primeira para tornar mani-
festa uma solicitação, a segunda para oferecer uma motiva-
ção. A exortação conclui com a i m a g e m , retomada do
mundo agrícola, da medida derramada no regaço, que con-
vida a uma generosidade sem cálculos, f u n d a d a n u m a
grande recompensa por parte de Deus.

55
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus, mediante


certas perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através
deste texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

O Deus que Jesus me revela e me convida a i m i t a r a m


Deus «rico de misericórdia», um Deus que é amor em si
mesmo e se dirige ao h o m e m com amor, toma conta da sua
vida, das suas profundas e dramáticas feridas, para abri-lo
à esperança de uma existência já não ameaçada pelo mal.
Jesus pede-me que assuma a mesma atitude de Deus-Pai
em relação às pessoas que estão próximas de mim. Amado
por Deus como seu filho, objecto da sua misericórdia in-
finita, devo aprender a viver como irmão, exercitando a
misericórdia que evita a crítica indiscriminada e dura, a
condenação sem apelo e severa; que na sua doação é des-
medida e desinteressada.
Na Q u a r e s m a , p r e p a r o - m e para celebrar a Páscoa de
Jesus, expressão do amor transbordante de Deus pelos ho-
m e n s , d e i x a n d o crescer n o m e u coração este amor que
neles foi derramado pelo Espírito Santo (cf. Rm 5, 5), para
que inspire cada vez mais os meus sentimentos e atitudes
em relação aos outros.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, estou s u r p r e e n d i d o com a misericórdia de


Deus-Pai que m e dás a c o n h e c e r e fazes experimentar.
Aproximas-te de mim, procurando-me na minha situação

56
de pecado, porque o Pai me ama. Dás-te a mim para me li-
vrar da minha condição de pecado, porque o Pai me ama.
Concedes-me o dom do teu Espírito, que m e guia no mun-
do, porque o Pai me ama. Estou-te grato, Senhor, por este
amor fiel e trasbordante. Faz com que eu experimente to-
dos os dias este amor misericordioso, até me sentir um per-
doado, um agraciado. Põe no meu coração tanta misericór-
dia para ser fraterno e generoso com todos aqueles com
'quem me encontro, a fim de que também eu revele a mise-
ricórdia trasbordante de Deus-Pai. Ámen.

Vivamos a Palavra
i
O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-
í têneia. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Na oração examinarei as minhas relações com as pes-


soas com quem vivo, sobretudo aquelas relações que me
são mais difíceis porque me exigem o e m p e n h o de não jul-
gar e de não condenar.

57
TERÇA-FEIRA

«UM SÓ É O VOSSO PAI»

'Naquele tempo, Jesus falou à multidão e aos discípulos,


dizendo: 2«Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os
fariseus. Tazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não
imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem. 4 Atam
fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens, mas eles
nem com o dedo os querem mover. Tudo o que fazem é para
serem vistos pelos homens: alargam as filactérias e ampliam
as borlas; "gostam do primeiro lugar nos banquetes e dos pri-
meiros assentos nas sinagogas, 7das saudações nas praças
públicas e que os tratem por "Mestres". "Vós, porém, não vos
deixeis tratar por "Mestres", porque um só é o vosso Mestre e
vós sois todos irmãos. "Na terra não chameis a ninguém vosso
"Pai", porque um só é o vosso pai, o Pai celeste. '"Nem vos dei-
xeis tratar por "Doutores", porque um só é o vosso doutor, o
Messias. "Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo.
l2Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exal-

tado» (Mt 23,1-12).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O texto faz parte de um longo discurso em que Jesus cri-


tica os escribas e os fariseus. Jesus não contesta o ensino

58
dos responsáveis do povo, mas desaprova a dissociação
entre o ensino que oferecem e o seu comportamento («di-
zem e não fazem»), o seu exibicionismo («tudo o que fa-
zem é para serem vistos pelos homens»). As duas críticas
são a c o m p a n h a d a s por algumas motivações: a primeira
apresenta a imagem de escribas e fariseus que põem fardos
pesados aos ombros das pessoas (v. 4); a segunda desen-
volve diversos exemplos: alargam as filactérias (tiras de
couro que contêm algumas passagens bíblicas, como por
exemplo, Ex 13,1-10; 13,11-16; Dt 6, 4-9; 11,13-21, levadas
durante a recitação matutina do Shema' [Escuta, Israel...] e
as franjas, as quatro borlas penduradas nas bordas das ves-
tes que, feitas de cordão de púrpura violeta, recordavam
os mandamentos de Deus), gostam dos primeiros lugares
(v. 6), de ser saudados na via pública e de ser chamados
com títulos honoríficos (v. 7). A crítica em relação àqueles
que gostam de ser chamados «Mestres»,jseguida pelo con-
vite dirigido aos discípulos para que não aceitem este títu-
lo, mas vivam entre si uma relação de fraternidade (v. 8),
introduz um quadro de relações diversas do estilo de vida
dos escribas e dos fariseus (vV. 8-12). As imposições
[injunções] expressas em forma negativa («Não vos deixeis
tratar por "Mestres"», «Não chameis a n i n g u é m vosso
"Pai"», «Não vos deixeis tratar por "Doutores"»), são se-
guidas das respectivas motivações (vv. 8.9.10). O quadro
encerra com duas sentenças, uma no serviço (v. 11) e outra
na humildade (v. 12).

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus, mediante cer-


tas perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através
deste texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

59
Jesus chama-me antes de tudo a uma unidade entre a
fé e a vida, para evitar a incoerência de um dizer que é
contradito pelos factos, pelos comportamentos. A disponi-
bilidade declarada ao Senhor deve influir nas minhas ati-
• .. o .
tudes, nos m e u s desejos e nas m i n h a s escolhas de vida.
Jesus previne-me para que faça o bem por si mesmo ou em
referência a Deus, e não para ser admirado, para obter re-
conhecimentos especiais, papéis de prestígio. Por isso, re-
corda-me que os seus discípulos, antes m e s m o de serem
diferentes uns dos outros - pela posição, pelas tarefas de-
senvolvidas - , são irmãos postos no mesmo plano, filhos
de um único Pai, discípulos de um único Mestre.
O c a m i n h o q u a r e s m a l é u m a ocasião preciosa para
identificar e superar as incoerências da minha vida cristã,
para aprofundar a minha ligação com o único Mestre e o
único Pai, que m e protege da tentação de realizar o bem
para promover a minha pessoa aos olhos dos outros e que
me permite viver uma fraternidade que se exprime n u m
serviço generoso.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da me-


ditação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, Tu não queres discípulos que esgotem nas pala-


vras a sua fé em ti, o seu amor por ti e pelos outros; pedes-
-lhes que tornem credíveis as palavras com a sua existên-
cia. Não queres de m o d o n e n h u m discípulos que se inte-
ressem mais pelo reconhecimento da sua pessoa ou pelo
elogio das suas acções do que pelo bem, pelo teu Evange-

60
lho. Ensina-me a seguir-te com toda a minha vida, a tradu-
zir em obras de serviço a minha fé. Livra-me das palavras
que frequentemente criam ilusões. Torna-me muito humil-
de e simples para não fazer de exibicionista diante dos ou-
tros. Faz com que eu saiba anunciar, com a vida e com a
palavra, o teu Evangelho que salva. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta à qual responder é a seguinte: Quais as decisões con-
cretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Verificarei fia oração diante do Senhor em que situações


procuro r e c o n h e c i m e n t o s , elogios à m i n h a pessoa; que
compromissos, tomados no início da Quaresma, ainda não
foram realizados. Não me limitarei a uma verificação, mas
tomarei decisões concretas.

61
QUARTA-FEIRA

«VIR PARA SERVIR»

"Naquele tempo, enquanto Jesus subia para Jerusalém,


chamou à parte os Doze e durante o caminho disse-lhes: "«Va-
mos subir a Jerusalém e o Filho do homem vai ser entregue
aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, que o condenarão
à morte e '"o entregarão aos gentios, para ser por eles escarne-
cido, açoitado e crucificado. Mas ao terceiro dia Ele ressusci-
tará.» 2"Então a mãe dos filhos de Zebedeu aproximou-se de
Jesus com os filhos e prostrou-se para lhe fazer um pedido.
2lJesus perguntou-lhe: «Que queres?» Ela disse-lhe: «Ordena

que estes meus dois filhos se sentem no teu reino um à tua di-
reita e outro à tua esquerda.» "Jesus respondeu: «Não sabeis
o que estais a pedir. Podeis beber o cálice que Eu hei-de be-
ber?» Eles disseram: «Podemos.» "Então Jesus declarou-lhes:
«Haveis de beber do meu cálice. Mas sentar-se à minha direita
e à minha esquerda não pertence a Mim concedê-lo; é para
aqueles a quem meu Pai o designou.» "Os outros dez, que ti-
nham escutado, indignaram-se com os dois irmãos. 1,;Mas Je-
sus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os chefes das nações
exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre
elas o seu poder. 2"Não deve ser assim entre vós. Quem entre
vós quiser tornar-se grande seja vosso servo 27e quem entre
vós quiser ser o primeiro seja vosso escravo. "Será como o fi-
lho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir
e dar a vida pela redenção dos homens» (Mt 20,17-28).

62
Leiamos o texto
i
Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais
significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
! nhor dizer com este texto?

O texto compõe-se de três partes: a revelação do desti-


no do Filho do homem aos «doze» (vv. 17-19), o pedido da
mãe de Tiago e de João (vv. 20-23), a instrução de Jesus (vv.
24-28). O terceiro a n ú n c i o da sorte i m i n e n t e de Jesus é
construído à volta dos três pólos da paixão, morte e ressur-
reição. Q u a n t o aos precedentes refere a dupla entrega -
primeiramente aos J u d e u s e, depois, aos pagãos - , o es-
cárnio e a flagelação, precisa a modalidade da morte por
crucifixão. A cena seguinte apresenta o pedido da mãe de
dois discípulos, pertencentes ao grupo dos doze, Tiago e
João («Ordena que estes meus dois filhos se sentem no teu
reino um à tua direita e outro à esquerda»). O pedido pro-
voca um breve diálogo entre Jesus e os dois irmãos: a pri-
meira intervenção de Jesus é uma contra-exigência sobre a
sua disponibilidade para tomar parte no seu destino do-
loroso (v. 22). Diante da sua disponibilidade em participar
na sua própria sorte, Jesus assegura a possibilidade de se
associar ao seu destino doloroso, mas não nos postos de
honra pedidos, que estão relacionados com o Pai (v. 23).
A reacção negativa dos outros dez discípulos contra os
dois irmãos oferece a Jesus a oportunidade de uma instrução
formada por três sentenças. A primeira refere-se ao com-
portamento dos poderosos (v. 25); a segunda contrapõe-se a
esta lógica e apresenta como modelos para as relações entre
os discípulos a figura do servo (em grego diákonos) e do es-
cravo (vv. 26-27). Na sentença conclusiva, Jesus apresenta,
como fundamento desta atitude, a si mesmo que, como Filho
do homem, serve e dá a vida pela redenção dos homens.

63
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus, mediante cer-


tas perguntas: Que me diz o Senhor concretamente a mim ? Que atitude
me sugere através deste texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

O texto evangélico põe-me diante de dois modos dife-


rentes de interpretar a vida: o de Jesus e o dos discípulos.
Para Jesus, o vértice da sua existência é a Páscoa, em que
«serve» os h o m e n s oferecendo a sua vida por eles; no seu
coração existe o d e s e j o de realizar o desígnio b o m de
Deus-Pai a favor dos homens. Os discípulos, pelo contrá-
rio, estão concentrados em si mesmos, na busca de uma si-
tuação. Mais do que dispostos a servir os outros, procuram
servir-se a si mesmo. Jesus instrui-me sobre a autêntica fi-
gura do discípulo: é aquele que decide a vida pelo Mestre,
se e m p e n h a em segui-lo, v i v e n d o c o m o Ele, liberto do
egoísmo, da busca exclusiva de si próprio, para viver da
vontade do Pai, para fazer da sua existência uma missão
pelos outros, «para servir e dar a vida pela redenção dos
homens».
Neste t e m p o quaresmal, p r e p a r o - m e para celebrar
com/como Jesus a sua Páscoa, abandonando todas as for-
mas de me dobrar sobre mim mesmo, deixando-me guiar
pelo seu a m o r que m e leva a servir, a oferecer a m i n h a
vida.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

64
Senhor Jesus, quero exprimir-te toda a minha gratidão
pela decisão de pores a tua existência ao serviço dos ho-
mens, e de a ofereceres por eles e por mim. Quiseste mani-
festar-te como a resposta do Pai misericordioso às nossas
misérias, inquietações e aspirações; tem-nas abundante-
mente superado, porque nos amaste como só Tu és capaz,
até dar a vida por nós, até derrotar os inimigos mais in-
quietantes do homem, do pecado e da morte. Senhor, re-
conheço-te como Messias e Salvador e p o n h o - m e no teu
seguimento. Faz por mim o que fizeste pelos teus discípu-
los: livra-me de que dobre sobre mim mesmo, do medo de
dar a vida. Faz com que, seguindo-te, eu assuma a tua co-
ragem da missão, pondo à disposição dos irmãos a minha
vida, gastando as m i n h a s energias para a sua salvação.
Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Estarei particularmente atento às exigências de serviço


por parte das pessoas que vivem ao meu lado, empenhan-
do-me em acolhê-las sem pedir nada em troca e escutá-las
com grande generosidade.

65
QUINTA-FEIRA

«O HOMEM NA PROSPERIDADE
NÃO COMPREENDE...»

'''Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Havia um ho-


mem rico, que se vestia de linho fino e se banqueteava esplen-
didamente todos os dias. 2"Um pobre chamado Lázaro jazia
junto do seu portão, coberto de chagas. 2lBem desejava ele sa-
ciar-se com os restos caídos da mesa do rico; mas até os cães
vinham lamber-lhe as chagas. 22Ora sucedeu que o pobre mor-
reu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão. Morreu
também o rico e foi sepultado. "Na mansão dos mortos, es-
tando em tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lá-
zaro a seu lado. 24Então ergueu a voz e disse: "Pai Abraão, tem
compaixão de mim. Envia Lázaro, para que molhe em água a
ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou ator-
mentado nestas chamas." "Abraão respondeu-lhe: "Filho,
lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas
os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado, en-
quanto tu és atormentado. ^Além disso, há entre nós e vós um
grande abismo, de modo que se alguém quisesse passar daqui
para junto de vós, não poderia fazê-lo." 2 7 0 rico exclamou:
"Então peço-te, ó pai, que mandes Lázaro à minha casa pa-
terna - pois tenho cinco irmãos - "para que os previna, a fim
de que não venham também para este lugar de tormento."
M Disse-lhe Abraão: "Eles têm Moisés e os Profetas: que os

oiçam." "Mas ele insistiu: "Não, pai Abraão. Se algum dos


mortos for ter com eles, arrepender-se-ão." "Abraão respon-
deu-lhe: "Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, muito
menos se hão-de arrepender, se alguém ressuscitar dos mor-
tos"» (Lc 16,19-31).

66
Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

A parábola articula-se em três cenas: a condição dos


dois h o m e n s antes da morte (vv. 19-21), no m o m e n t o da
morte (v. 22) e depois da morte (vv. 23-31). A cena introdu-
tória apresenta primeiro a condição do rico, descrito atra-
vés do seu vestuário elegante, luxuoso e da sua vida irre-
flectida (v. 19). A seguir, vem a apresentação, paralela e
antitética, do pobre, c h a m a d o pelo n o m e a partir da sua
condição social de indigente, do lugar em que vivia («jazia
junto do portão do rico»), do seu aspecto físico («coberto
de chagas»), da sua condição de esfomeado (vv. 20.21). Na
segunda cena, os dois destinos, muito diferentes um do
outro, tornam-se, por m o m e n t o s , paralelos, e n q u a n t o
assemelhados na morte, mas imediatamente se opõem no-
vamente: o rico acaba no inferno, enquanto o pobre «ao
lado de Abraão». A terceira cena representa um longo diá-
logo entre o rico e Abraão, diálogo que pode ser articulado
em duas partes. Na primeira parte (vv. 24-26) o pedido do
rico para que Lázaro seja enviado é rejeitado com uma du-
pla motivação: a contraposição entre a situação terrena e a
definitiva das duas personagens («Recebeste os teus bens
em vida e Lázaro apenas os males. Por isso, ele agora en-
contra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado») e
a impossibilidade de comunicação entre a Geena e o paraí-
so. Na segunda parte do diálogo (vv. 27-31), o pedido ini-
cial do rico é semelhante ao anterior: dirige-se ainda ao
«pai Abraão» para que «mande» Lázaro à casa paterna, on-
de vivem os seus cinco irmãos, para os avisar. Também este

67
pedido é repelido pelo patriarca, que convida a escutar
«Moisés e os Profetas». Ao pedido insistente do rico para
que mande Lázaro aos seus irmãos que, ao verem alguém
que chegou de entre os mortos, «se arrependerão», Abraão
lembra novamente «Moisés e os Profetas» que, se não fo-
rem escutados, tornam inútil o próprio facto de uma pes-
soa ressurgir dos mortos.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Na parábola contada por Jesus, o rico representa quem


identifica o sentido da vida no prazer de viver, quem vive
apenas para si, para o seu prazer. Vivendo assim torna-se
indiferente a q u e m é pobre, marginalizado e sofre; o seu
coração permanece fechado a qualquer atitude e decisão
de solidariedade. O destino do h o m e m que procura ape-
nas o seu próprio prazer, que fica indiferente em relação ao
povo, dirige-se para a ruína total, irreversível. O coração
do rico que não se abriu ao pobre está irreparavelmente fe-
chado na sua ruína e desespero. Nem sequer a ressurrei-
ção de um morto poderia convertê-lo.
Serei, porventura, uma destas pessoas? Talvez até diga
muitas palavras bonitas acerca dos pobres e dos margina-
lizados; mas, depois, em concreto, c o n c e d o tudo a mim
próprio: divertimentos dispendiosos, roupa caríssima, es-
tômago sempre satisfeito... Devo meditar seriamente esta
página do E v a n g e l h o , para verificar as m i n h a s escolhas
concretas.

68
Rezemos com a Palavra

A oração c a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e dn medi-


tação do texto sagrado e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, talvez a minha vida se assemelhe em parte à do


rico da parábola: não me falta nada, tenho muitas possibi-
lidades, c o n c e d o f r e q u e n t e m e n t e a mim m e s m o tudo o
que desejo. Ao m e s m o t e m p o , q u e r o ser teu discípulo,
quero estar contigo, seguir-te. Contudo, não me preocupo
muito com os pobres. Tenho as minhas seguranças, o meu
tempo e as minhas comodidades, enquanto eles sofrem e
morrem. Livra-me desta duplicidade, ensina-me a amar
seriamente os pobres e quem sofre, passando das palavras
aos factos. Torna-me capaz de renunciar a alguma coisa
para visitar, ajudar os pobres, levando-lhes o teu amor, que
me deu bens em abundância para que servissem não so-
mente a mim, mas também a eles. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Nesta parte da Quaresma, analisar-me-ei no que se re-


fere ao meu empenhamento a favor dos pobres. Concluirei
essa análise com alguma decisão concreta sobre o uso dos
meus bens materiais, do meu tempo.

69
SEXTA-FEIRA

«A PEDRA REJEITADA PELOS CONSTRUTORES


TORNOU-SE A PEDRA ANGULAR»

"Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes


e aos anciãos do povo: «Ouvi outra parábola: Havia um pro-
prietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe,
cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois arrendou-a
a uns vinhateiros e partiu para longe. "Quando chegou a épo-
ca das colheitas, mandou os seus servos aos vinhateiros para
receber os frutos. ,5 Os vinhateiros, porém, lançando mão dos
servos, espancaram um, mataram outro e a outro apedreja-
ram-no. "'Tornou ele a mandar outros servos, em maior núme-
ro que os primeiros, e eles trataram-nos do mesmo modo.
"Por fim mandou-lhes o seu próprio filho, pensando: "Irão
respeitar o meu filho." "Mas os vinhateiros, ao verem o filho,
disseram entre si: "Este é o herdeiro; vamos matá-lo e ficare-
mos com a sua herança." "Agarraram-no, levaram-no para
fora da vinha e mataram-no. ""Quando vier o dono da vinha,
que fará àqueles vinhateiros?» -"Os príncipes dos sacerdotes e
os anciãos do povo responderam-lhe: «Mandará matar sem
piedade esses malvados e arrendará a vinha a outros vinha-
teiros que lhe entreguem os frutos a seu tempo.» "Disse-lhes
Jesus: «Nunca lestes na Escritura: "A pedra rejeitada pelos
construtores tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Se-
nhor e é admirável aos nossos olhos?" "Por isso vos digo: Ser-
-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza
os seus frutos.» <5Ao ouvirem as parábolas de Jesus, os prínci-
pes dos sacerdotes e os fariseus compreenderam que falava
deles e ""queriam prendê-lo; mas tiveram medo do povo, que
o considerava profeta (Mt 21,33-43.45-46).

70
Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O texto apresenta a parábola dos vinhateiros homicidas


(vv. 33-41), a interpretação de Jesus (vv. 42-44) e uma con-
clusão (vv. 45-46). A parábola desenvolve-se em duas se-
quências: a primeira (v. 33) fixa a atenção sobre a figura do
proprietário que, depois de ter plantado uma vinha, con-
fia-a a vinhateiros. O cuidado com que o dono planta a vi-
nha é sublinhado por quatro verbos: «plantou..., cercou...,
cavou... e levantou.» A segunda cena (vv. 34-39), introdu-
zida pela partida do dono, descreve as suas tentativas de
receber os frutos. A reacção agressiva e prepotente ao seu
duplo envio de servos é evidenciada com três acções: «es-
pancaram..., mataram... e apedrejaram.» A cena mostra o
seu vértice dramático com o envio do filho que é morto
pelos vinhateiros, que pensam, deste modo, apoderarem-
-se da vinha. O relato da parábola termina com a pergunta
de Jesus acerca da sorte dos camponeses homicidas (v. 40)
e com a resposta dos ouvintes (v. 41). A sentença final de
Jesus refere-se a um texto bíblico (SI 118, 22-23) que passa
da simbologia da «vinha» para a da «pedra» e oferece uma
aplicação que retoma a resposta dos ouvintes, afirmando a
perda do Reino e a sua transferência para um povo capaz
de dar frutos. Na conclusão identificam-se os destinatários
da parábola - «os príncipes dos sacerdotes e os fariseus» -
que, tendo compreendido que a parábola lhes é dirigida,
procuram suprimir Jesus, sem, contudo, conseguir realizar
os seus intentos porque a multidão estima Jesus, e consi-
dera-o um «profeta».

71
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

A parábola revela o mistério da pessoa e da missão de


Jesus: m a n d a d o por D e u s c o m o expressão do seu amor,
grande e paciente, como última e definitiva possibilidade
para Israel, é rejeitado pelo seu povo. Jesus é o Filho que o
Pai, no seu grande amor, me enviou para me salvar; é o Fi-
lho que m e livra do caruncho do mal com a sua morte e
ressurreição, me introduz na comunhão plena com o Deus
trinitário.
A recusa dos vinhateiros a entregar os frutos da vinha
avisa-me do perigo que t a m b é m eu posso correr se não
corresponder ao amor paciente de Deus, ao dom de Jesus.
Por isso, ao longo do caminho quaresmal devo renovar a
minha fé na pessoa e na missão de Jesus, para que a pro-
fissão de fé nele, que repetirei na grande vigília pascal, seja
autêntica, seja o fruto bom que entrego ao Pai.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medita-


ção do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou con-
fissão.

Senhor, quero uma vez mais renovar a minha profissão


de fé em ti, dizer-te que confio e m ti. Acolher-te c o m o
aquele que o Pai mandou para me saciar na minha necessi-
dade de vida, de amor. Acolho-te como o filho m a n d a d o

72
para me salvar da experiência negativa do mal que gera
morte. Acolho-te como aquele que tanto me amou a ponto
de dar a vida por mim. Acolho-te como o portador das exi-
gências de c o m u n h ã o íntima que o Pai tem em relação a
mim. Faz, Senhor Jesus, com que na noite de Páscoa a mi-
nha profissão de fé exprima a minha adesão sincera a ti;
dá-me o Espírito, para que passe da profissão de fé à tua
imitação, na missão, dando todas as energias para os ir-
mãos, para que sejam salvos na alegria do teu amor. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Reflectirei na situação da minha fé em Jesus, para fazer


emergir as dificuldades e o fechamento em relação a Ele.
Pedirei com insistência ao Senhor o dom do seu Espírito,
para que ilumine a minha reflexão e guie a minha liber-
dade nas decisões.

73
SÁBADO

1 «ESTE TEU IRMÁO ESTAVA MORTO


E VOLTOU A VIDA»

'Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproxima-


vam-se todos de Jesus, para o ouvirem. 2Mas os fariseus e os
escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe
os pecadores e come com eles.» 'Jesus disse-lhes então a se-
guinte parábola: "«Um homem tinha dois filhos. , 2 0 mais no-
vo disse ao pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me toca."
O pai repartiu os bens pelos filhos. "Alguns dias depois, o fi-
lho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para
um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida
dissoluta. 'Tendo gasto tudo, houve uma grande fome naque-
la região e ele começou a passar privações. "Entrou então ao
serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou
para os seus campos guardar porcos. '"Bem desejava ele ma-
tar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas nin-
guém lhas dava. "Então, caindo em si, disse: "Quantos traba-
lhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a
morrer de fome! "Vou-me embora, vou ter com meu pai e di-
zer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. '"Já não mereço
ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus traba-
lhadores." ^Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele es-
tava longe, quando o pai o viu: encheu-se de compaixão e
correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. 2lDis-
se-lhe o filho: "Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não me-
reço ser chamado teu filho." "Mas o pai disse aos servos:

74
"Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um
anel no dedo e sandálias nos pés. "Trazei o vitelo gordo e ma-
tai-o. Comamos e festejemos, "porque este meu filho estava
morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado." E
começou a festa. ^Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e
as danças. 2"Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que
era aquilo. 2 7 0 servo respondeu-lhe: "O teu irmão voltou e
teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são
e salvo." "Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai
veio cá fora instar com ele. 2"Mas ele respondeu ao pai: "Há
tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem
tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os
meus amigos. *'E agora, quando chegou esse teu filho, que con-
sumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o
vitelo gordo." 3lDisse-lhe o pai: "Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu. "Mas tínhamos de fazer uma festa e
alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à
vida, estava perdido e foi reencontrado"» (Lc 15,1-3.11-32).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende dizer
o Senhor com este texto?

A introdução (vv. 1-3) apresenta um duplo grupó de


ouvintes com reacções opostas: os publicanos e os pecado-
res escutam, os fariseus e os escribas murmuram. Provoca-
do pela crítica destes últimos («Este h o m e m acolhe os pe-
cadores e come com eles»), Jesus conta a parábola do pai
misericordioso (vv. 11-32). Depois da apresentação dos três
protagonistas (v. 11), no primeiro quadro (vv. 12-24) é con-

75
tada a vida do filho mais novo, com duas cenas: o abando-
no da casa paterna (vv. 12-20) e o seu regresso ao pai: a de-
cisão do filho mais novo de deixar a casa, pedindo a heran-
ça ao pai (v. 12); a sua partida, a vida dissoluta (v. 13), a
situação de pobreza, agravada pela fome (v. 14); o trabalho
de guardador de porcos de um pagão (vv. 15-16); a decisão
de voltar a casa (vv. 17-20a). A segunda cena descreve o
m o d o c o m o o pai acolhe o filho. À declaração do filho
(«Pai, pequei contra o Céu e contra ti...») segue-se o acolhi-
mento carinhoso do pai («Encheu-se de compaixão e cor-
reu a lançar-se ao pescoço, cobrindo-o de beijos») e as dis-
posições que indicam a plena reintegração do filho na casa
(«Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe
um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo
e matai-o. Comamos e festejemos»), expressão de um amor
que quer restituir ao filho não só as coisas, mas também a
sua própria condição de filho. O segundo quadro (vv. 25-
-32) descreve o protesto do filho mais velho face ao modo
como o irmão foi tratado («Ele ficou ressentido e não que-
ria entrar»). No diálogo com o pai, o filho mais velho apre-
senta a sua fidelidade («Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua»), critica o compor-
tamento do pai a seu respeito («e nunca me deste um ca-
brito para fazer uma festa com os meus amigos») e em rela-
ção ao filho mais novo («E, agora, quando chegou esse teu
filho, q u e c o n s u m i u os teus b e n s com m u l h e r e s de m á
vida, mataste-lhe o vitelo gordo»). O pai corrige a atitude
servil do filho mais v e l h o e faz-lhe c o m p r e e n d e r a sua
dignidade filial («Filho, tu estás comigo e tudo o que é meu
é teu») e justifica a sua conduta em relação ao irmão («...tí-
nhamos de fazer uma festa e alegrar-nos porque este teu
irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi
reencontrado»).

76

1
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrarem diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus revela-me um Deus que vai ao encontro dos seus


filhos, não para reafirmar a sua autoridade ou para fazer
valer os seus direitos, mas para acolhê-los: vai «comovido»
e «a correr», ao encontro do filho que tinha saído de casa,
desejoso de o conduzir ao lar que abandonara, para lhe
restituir uma vida digna e livre. Não se interessa por si
mesmo, mas por salvar o seu filho; também não se preo-
cupa com o que as pessoas p o d e r ã o dizer, se irá perder
prestígio, se poderá parecer um pai fracassado com um
filho assim. O seu amor supera o juízo e a rebelião do filho.
Depois, também vai procurar o filho mais velho e «pede-
-lhe», suplica-lhe que não se alheie da festa do seu amor,
que não fique fora da casa em que sempre morou. Por isso,
não se preocupa com ter de enfrentar a sua contestação
dura e zangada. O Deus que Jesus me dá a conhecer, para
quem me conduz, tem o rosto do pai que sai de casa e vem
ao meu encontro «comovido» - impulsionado pelo seu amor
que nunca desfalece - para cuidar de mim, para que eu
compreenda que a liberdade e a vida não estão garantidas,
não florescem longe dele, do seu amor (num «país distan-
te»), para que não esteja com Ele como um servo que executa
as ordens à espera de uma recompensa, mas como um filho
que sabe que, com Ele, já possui uma grande herança.
Durante a Quaresma tenho a possibilidade de experi-
mentar, sobretudo com o s a c r a m e n t o da Penitência, o
amor de Deus que me faz encontrá-lo, me volta a acolher
em casa e tira do meu coração as asperezas que nele mo-
ram para o tornar um coração filial e fraterno.

77
Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medita-


ção do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou con-
fissão.

Pai de imensa bondade, amas-me com um coração sur-


preendente quando abandono a tua casa, para procurar de
novo a vida e a Uberdade; amas-me com um amor paciente
quando p e r m a n e ç o contigo como servo que não percebe
que é amado como filho. Faz-me compreender as surpre-
sas e as riquezas do teu amor, para que eu não procure a
vida longe de ti, não viva a m i n h a liberdade c o m o um
afastamento do teu amor que toma conta de mim. Faz com
que eu não fique na tua casa como servo que obedece para
ser retribuído, para obter uma qualquer recompensa, mas
como filho que se apercebe de que é amado gratuitamente
e como irmão que ama gratuitamente. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Na minha oração pessoal agradecerei com sinceridade


a Deus-Pai pelo seu amor fiel e paciente em relação a mim.
Aproximar-me-ei da Confissão, meditando esta página do
Evangelho de Lucas.

78
TERCEIRA SEMANA
DA QUARESMA
SECUNDA-FEIRA

O PROFETA MANDADO PELO PAI

^Naquele tempo, Jesus veio a Nazaré e falou ao povo na


sinagoga, dizendo: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é
bem recebido na sua terra. ^Digo-vos a verdade: Havia em
Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu
se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande
fome em toda a terra; 2,'contudo, Elias não foi enviado a ne-
nhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidó-
nia. "Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta
Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio
Naamã.» ^Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos
na sinagoga. 2"Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e
levaram-no até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava
edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. "Mas Jesus, pas-
sando pelo meio deles, seguiu o seu caminho (Lc 4,24-30).

Leiamos o texto

Ler c reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental ca seguinte; Que pretende o SE-
nhor dizer com este texto?

O texto refere a segunda parte do discurso feito por Je-


sus na sinagoga de Nazaré, durante uma liturgia sabática.
Jesus, depois de ter apresentado a sua missão, comentando
o texto do profeta Isaías 61, 1-2; 5-8 (vv. 17-21), polemiza
com o seu auditório, citando um provérbio («Nenhum pro-

81
feta é bem recebido na sua terra»), seguido de dois exem-
plos, que f a z e m referência ao profeta Elias (vv. 25-26) e
Eliseu (v. 27), onde a salvação não atingiu o povo de Israel
mas estrangeiros, como a viúva de Sarepta ( l R s 17, 7-16) e
Naamã, um sírio (2Rs 5,1-27).
O discurso polémico de Jesus provoca a reacção desde-
nhosa dos presentes, que tentam eliminá-lo. O episódio
termina com a partida de Jesus.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus apresenta-se c o m o «o profeta» que não se deixa


d e t e r m i n a r pelas expectativas e pelas exigências da sua
gente, pelas suas perspectivas limitadas, porque oferece a
salvação a todos. Jesus é o profeta por excelência da minha
vida, aquele que me diz a palavra de Deus sobre a minha
existência, uma palavra que faz luz no meu coração e ilu-
mina os meus passos, as minhas decisões. Jesus pede para
ser acolhido com liberdade, que não seja constringido nos
esquemas das minhas expectativas sobre a vida, de ser ou-
vido com confiança nas opções da vida. Também eu, como
os habitantes de Nazaré, posso correr o risco de vislumbrar
o S e n h o r e, de algum modo, «tirá-lo do meio» da minha
vida porque a sua Palavra contesta-me, não corresponde
às minhas expectativas, aos meus planos.
Neste tempo de Quaresma tenho a oportunidade de es-
cutar mais frequentemente a palavra de Jesus, de deixá-la
entrar no meu coração, para que guie as minhas escolhas,
corrija os meus comportamentos, trace o percurso da mi-
nha vida.

82
Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medita-


ção do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou con-
fissão.

Senhor Jesus, Tu és a Palavra que o Pai dirige aos ho-


mens para fazer luz na sua vida e no seu coração. A tua Pa-
lavra revela-me o segredo profundo do meu coração, fa-
z e n d o emergir os desvios que m e c o n d u z e m ao mal;
cura-me do meu egoísmo que se exprime de muitos mo-
dos surpreendentes também para mim; dá-me a coragem
de fazer escolhas comprometidas, ditadas pelo amor, pela
disponibilidade. Dá-me o teu Espírito para que o meu co-
ração seja dócil a escutar-te, que a minha inteligência se
abra à tua Palavra e a minha vida seja um testemunho cre-
dível dela. Ámen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Esta semana, prestarei muita atenção à escuta da pala-


vra de Jesus, às suas solicitações, às suas críticas sobre os
m e u s c o m p o r t a m e n t o s , às suas propostas, sobretudo
aquelas que convidam a abrir de par em par o meu cora-
ção, a minha vida à realidade (pessoas, factos, situações)
que me rodeia.

83
TERÇA-FEIRA

«PERDOAI E SER-VOS-Á PERDOADO»

2lNaquele tempo, Pedro aproximou-se de Jesus e pergun-


tou-lhe: «Se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei
perdoar-lhe? Até sete vezes?» "Jesus respondeu: «Não te digo
até sete vezes, mas até setenta vezes sete. "Na verdade, o rei-
no de Deus pode comparar-se a um rei que quis ajustar contas
com os seus servos. "Logo de começo, apresentaram-lhe um
homem que devia dez mil talentos. ^Não tendo com que pa-
gar, o senhor mandou que fosse vendido, com a mulher, os fi-
lhos e tudo quanto possuía, para assim pagar a dívida. ^Então
o servo prostrou-se a seus pés, dizendo: "Senhor, concede-me
um prazo e tudo te pagarei." 27Cheio de compaixão, o senhor
daquele servo deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida.
"Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que
lhe devia cem denários. Segurando-o, começou a apertar-lhe
o pescoço, dizendo: "Paga o que me deves." "Então o compa-
nheiro caiu a seus pés e suplicou-lhe, dizendo: "Concede-me
um prazo e pagar-te-ei." "'Ele, porém, não consentiu e man-
dou-o prender, até que pagasse tudo quanto devia. ^Testemu-
nhas desta cena, os seus companheiros ficaram muito tristes e
foram contar ao senhor tudo o que havia sucedido. "Então, o
senhor mandou-o chamar e disse: "Servo mau, perdoei-te
tudo o que me devias, porque me pediste. "Não devias, tam-
bém tu, compadecer-te do teu companheiro, como eu tive
compaixão de ti?" "E o senhor, indignado, entregou-o aos ver-
dugos, até que pagasse tudo o que lhe devia. ,5Assim procede-
rá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a
seu irmão de todo o coração» (Mt 18, 21-35).

84
Leiamos o texto

Ler e reler o texto para pôr em destaque os elementos mais signifi-


cativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Senhor
dizer com este texto?

O texto apresenta um diálogo entre Pedro e Jesus (vv.


21-22), uma parábola contada por Jesus (vv. 23-34) e uma
conclusão (v. 35). O diálogo é preparado por uma pergun-
ta de Pedro sobre o perdão («Se m e u irmão me ofender,
quantas vezes deverei perdoar-lhe?»). Com a sua pergun-
ta, o apóstolo mostra u m a g e n e r o s a disponibilidade ao
perdão («sete vezes»), superior à indicada pelos mestres
judeus. Jesus responde com uma sentença que convida a
uma misericórdia sem reservas («Não te digo até sete ve-
zes, mas até setenta vezes sete»), seguida de uma parábola
que motiva a resposta dada. A parábola é composta de três
cenas. A primeira (vv. 23b-27) apresenta a decisão de um
rei que quer fazer contas com os seus servos e o diálogo
com um deles, devedor de uma soma enorme, impossível
de saldar (dez mil talentos). O diálogo, em que o servo
dirige uma súplica ao rei (Senhor, concede-me um prazo»),
acompanhado por uma promessa praticamente irrealizá-
vel («e tudo te pagarei»), termina com a decisão do patrão
de perdoar a dívida. A segunda cena (vv. 28-30), construí-
da sobre o m e s m o esquema que a primeira, apresenta o
encontro entre o servo e um colega seu que lhe deve uma
soma irrisória e facilmente restituível (cem denários). A ati-
tude do colega («caiu a seus pés e suplicou-lhe») e o seu
pedido («Concede-me um prazo e pagar-te-ei») retomam a
cena precedente. Mas a conclusão é diferente: o servo cre-
dor, sem levar em conta a dívida enorme que lhe havia si-
do perdoada, mandou meter o colega na prisão. A terceira

85
cena (vv. 31-34) apresenta um diálogo entre o servo e o rei,
que agora o julga severamente («Servo mau»), recorda-lhe
o favor que lhe fez («Perdoei-te tudo o que me devias, por-
q u e m e pediste») e c e n s u r a - o pelo seu c o m p o r t a m e n t o
com o colega («Não devias, também tu, compadecer-te do
teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?»). A con-
clusão do encontro é diferente da anterior («E o senhor, in-
dignado, entregou-o aos verdugos, até que pagasse tudo o
que lhe devia»), Jesus conclui a parábola com uma aplica-
ção que se relaciona com a pergunta inicial de Pedro, evi-
dencia a necessidade de um perdão incondicional e chama
a atenção dos discípulos, advertindo-os, para um compor-
tamento similar ao do servo mau.

Meditemos a Palavra

Trnta-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Da parábola contada por Jesus e m e r g e a atitude de


Deus em relação aos homens. O senhor que perdoa o total
da dívida ao servo que lhe pedira um adiamento do paga-
mento é a imagem de um Deus que, na sua resposta, vai
muito além do pedido, supera as expectativas dos homens.
O facto de o rei perdoar a dívida sem n e n h u m a referência
a eventuais méritos do servo, mas apenas pela sua própria
m a g n a n i m i d a d e , diz-nos que o p e r d ã o de Deus não se
mede pelos méritos do servo, mas pelo grande e surpreen-
d e n t e a m o r que D e u s lhe tem. Portanto, a parábola de
Jesus é também um exame do meu modo de me relacionar
com as pessoas, de lhes perdoar. E um convite a tratar as

86
pessoas partindo de um pressuposto que muda tudo: o
perdão imenso, gratuito, que continuo a receber de Deus.
Se me esquecer de que fui, primeiramente, perdoado por
Deus, gratuitamente amado, nunca compreenderei nada
acerca do p e r d ã o que devo c o n c e d e r n e m conseguirei
nunca perdoar.
Frequentemente, a Quaresma recorda-me o perdão que
Deus continua a conceder-me e convida-me a deixar-me
regenerar pelo encontro com este amor gratuito e pacien-
te, a assumir um m o d o novo de viver as relações com as
pessoas que vivem ao meu lado: o modo da gratuidade, da
paciência e do perdão generoso.

Rezemos com a palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, tenho de admitir diante de ti que não me é fácil


perdoar a quem me faz mal, a quem, de algum modo, me
faz sofrer, porque o meu instinto leva-me a fechar-me so-
bre mim próprio e a responder aos outros por aquilo que
merecem. Sou continuamente tentado a rejeitar quem se
comporta mal comigo. E, no entanto, se eu quiser ser teu
discípulo e filho de u m D e u s que é Pai de todos, devo
a p r e n d e r a perdoar, c o m o Tu e o Pai me perdoais; devo
procurar os irmãos c o m o Tu e o Pai me procurais, estar
com eles e dar-lhes, como Tu e o Pai me dais. Ajuda-me, Se-
nhor, a viver a comunhão fraterna todos os dias e a saber
perdoar. Ámen.

87
Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Hoje examinar-me-ei sobre a minha disponibilidade em


perdoar e esclarecerei as dificuldades que sinto em receber
e dar o perdão. Diante do Senhor renovarei o meu com-
promisso e e m p e n h a m e n t o em perdoar.

88
QUARTA-FEIRA

«VIM COMPLETAR A LEI...»

"Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não


penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revo-
gar, mas completar. '"Em verdade vos digo: Antes que passem
o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o
mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. '"Portanto, se al-
guém transgredir um só destes mandamentos, por mais pe-
quenos que sejam, e ensinar assim aos homens, será o menor
no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será
grande no reino dos Céus» (Mt 5,17-19).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O trecho apresenta um anúncio solene da parte de Jesus


(v. 17) e um grupo de sentenças que explicam esse anúncio
(vv. 18-19). Com o anúncio («Não penseis que vim revogar
a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar»), Je-
sus esclarece o sentido da sua missão: a sua vinda realiza as
profecias messiânicas (cf. o grande prólogo com as diversas
citações do Antigo Testamento, em Mt 1, 1-4.16), que, por-
tanto, não são abolidas, mas confirmadas no seu valor de

89
palavra de Deus. Também a interpretação dada por Jesus à
lei, com autoridade, não a destrói como revelação da von-
tade de Deus, mas confirma-a, reportando-a ao seu signi-
ficado original e ao fim a que se destina. Enunciado o prin-
cípio, Jesus explica-o com duas afirmações. De acordo com
a primeira (v. 18), n e n h u m p o n t o particular da lei - seja
um «jota» (a letra mais pequenina do alfabeto hebraico) ou
um «ápice» (um sinal acrescentado a algumas letras do al-
fabeto hebraico) - será descurado até ao fim do m u n d o ,
mas, pelo contrário, será cumprido. Mesmo as coisas mais
pequenas serão devidamente valorizadas no seu justo sen-
tido, no sentido ilustrado pelo ensino de Jesus. A segunda
afirmação (v. 19) é um realce posterior da precedente. Se
Jesus vem completar a lei, os discípulos devem-na obser-
var. É esta a condição e a medida do juízo divino.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diátogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus apresenta-se como a norma da minha vida de dis-


cípulo. Precisamente porque me comunica definitivamen-
te a vontade de Deus, não posso prescindir dele, não posso
ignorá-lo. A minha existência deve deixar-se guiar pela sua
Palavra, deve ser enformada pelos seus ensinamentos. A
minha pertença ao reino de Deus e a salvação da minha
vida d e p e n d e m da observância da justiça ensinada por
Ele. Qualquer outra palavra (a da opinião pública, a dos
meus desejos, a dos mass media...) não pode tomar o lugar
da palavra de Jesus, não pode substituí-la na orientação da
minha existência e inspirar as minhas opções.

90
A caminhada quaresmal é uma ocasião propícia para
«escutar» com maior atenção a palavra do Senhor, para lhe
obedecer, para me afastar decididamente de tantas «pala-
vras» que ecoam na minha vida, que atulham o meu cora-
ção e acabam por substituir a palavra de Jesus.
A palavra de Deus, que me é oferecida por Jesus Cristo,
será verdadeiramente a lanterna para os passos da minha
vida, a luz sobre o meu caminho? Procuro-a com insistên-
cia, escuto-a com atenção, e executo-a com decisão?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medita-


ção do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou con-
fissão.

S e n h o r Jesus, na vinha vida ecoam muitas palavras e


batem à porta do meu coração com promessas sedutoras,
mostrando-se carregadas de vida e menos exigentes que a
tua Palavra. Muitas vezes, sou tentado a escutá-las e a dar-
-lhes crédito, a deixar-me guiar por elas nas minhas opções
diárias, a deixar-me instruir por elas naquilo que é o bem
para mim, para a minha vida. Por isso, peço-te que me tor-
nes capaz de fixar o meu coração na tua pessoa, na tua Pa-
lavra, para poder receber a plenitude de vida a que aspiro
e a que Tu me chamas. Faz de mim um discípulo capaz de
obedecer a Deus-Pai no concreto da minha vida quotidia-
na. Que eu não sinta a tua Palavra como limite à minha li-
berdade, mas como possibilidade de vida, instrumento de
um amor autêntico. Faz com que eu acolha a tua mensa-
gem de amor e a viva hoje, para que o m u n d o te reconhe-
ça como Salvador. Ámen.

91
Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Hoje, encontrar-me-ei perante algumas escolhas, mes-


mo que sejam pequenas, e interpelarei o Senhor com toda
a coragem, para amadurecer uma decisão conforme com a
sua vontade.

92
QUINTA-FEIRA

«O REINO DE DEUS C H E G O U ATÉ VÓS»

"Naquele tempo, Jesus estava a expulsar um demónio que


era mudo. Logo que o demónio saiu, o mudo falou e a multi-
dão ficou admirada. l5Mas alguns dos presentes disseram: «É
por Belzebu, príncipe dos demónios, que Ele expulsa os de-
mónios.» "'Outros, para o experimentarem, pediam-lhe um
sinal do céu. "Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos,
disse: «Todo o reino dividido contra si mesmo, acaba em ruí-
nas e cairá casa sobre casa. '"Se Satanás está dividido contra si
mesmo, como subsistirá o seu reino? Vós dizeis que é por Bel-
zebu que Eu expulso os demónios. '''Ora, se Eu expulso os de-
mónios por Belzebu, por quem os expulsam os vossos discí-
pulos? Por isso eles mesmos serão os vossos juízes. ^Mas se Eu
expulso os demónios pelo dedo de Deus, então quer dizer que
o reino de Deus chegou até vós. 2'Quando um homem forte e
bem armado guarda o seu palácio, os seus bens estão em se-
gurança. ~Mas se aparece um mais forte do que ele e o vence,
tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos.
^Quem não está comigo está contra Mim e quem não junta
comigo dispersa» (Lc 11,14-23).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

93
O exorcismo de um endemoninhado (v. 14) provoca di-
versas reacções nos presentes (vv. 15-16). Uns - as multi-
dões - admiram-se; outros acusam Jesus de ligado a Belze-
bu, em cujo n o m e realiza milagres; outros ainda põem-no
à prova exigindo-lhe um sinal do céu. Jesus r e s p o n d e à
acusação com alguns argumentos (vv. 17-20). O primeiro
(vv. 17-18) acentua a impossibilidade de uma contraposi-
ção entre duas forças no interior da mesma instituição (rei-
no/casa), formulando uma interrogação que aplica o prin-
cípio a Satanás («Se Satanás está dividido contra si mesmo,
c o m o subsistirá o seu reino?»). No s e g u n d o a r g u m e n t o
(vv. 18b-20), Jesus retoma a acusação inicial - «expulsar os
demónios em n o m e de Belzebu» - e, com uma interroga-
ção retórica, compara os exorcismos por si realizados aos
efectuados pelos discípulos dos seus acusadores. A per-
gunta tem c o m o consequência a afirmação de que «eles
mesmos serão os vossos juízes». Por fim, Jesus apresenta a
sua interpretação dos exorcismos que realiza (v. 20): a sua
actividade de exorcista indica a presença do reino de Deus.
A semelhança do h o m e m «forte» vencido por outro ainda
mais forte que ele é seguida de uma sentença que realça a
existência de dois grupos, o dos que o acolhem e o dos que
o rejeitam ( « Q u e m não está c o m i g o está conta mim e
quem não junta comigo dispersa»).

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto?» Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Na sua d e f o r m a ç ã o religiosa, os chefes de Israel não


conseguem reconhecer na acção de Jesus a presença da se-

94
nhoria real de Deus que liberta o h o m e m do mal, mas até
se confundem radicalmente. Em Jesus encontro o liberta-
dor do mal que agride a minha vida de muitas maneiras.
Ele é mais forte que Satanás, livra-me dele e das suas su-
gestões, que alimentam em mim desejos desordenados,
provocam retracções e reticências. Contudo, Jesus pede-
-me que renove quotidianamente a minha adesão a Ele,
que esteja cada vez mais disponível para viver com Ele e
como Ele viveu. O reconhecimento de Jesus como autên-
tico libertador do mal, a adesão a Ele e o acolhimento da
sua Palavra, representam o sentido, o objectivo da minha
caminhada quaresmal.
A Q u a r e s m a acaba por ser u m a g r a n d e escola da fé
onde aprendo a acolher e a seguir Jesus, permitindo-lhe li-
vrar a minha vida do mal.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor Jesus, apresento-me a ti com o peso das minhas


misérias, com a presença dos m e u s pecados, com as mi-
nhas inclinações ao mal, com a m i n h a d e p e n d ê n c i a da
mentalidade mundana, mas t a m b é m r e c o n h e c e n d o que
Tu és o meu libertador, que restauras a minha personali-
dade segundo o teu projecto, c o m o fonte da minha liber-
dade. Ajuda-me a caminhar nesta consciência, a seguir-te,
d e i x a n d o - m e libertar por ti. Vence o mal que habita no
meu coração e condiciona as m i n h a s decisões, retarda a
minha adesão a ti e, muitas vezes, torna confusos os meus
passos. Faz-me compreender que longe de ti não se reco-
lhe nada, mas se perde, se arruina apenas. Amen.

95
Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

H o j e examinarei as principais tentações que me ator-


m e n t a m e c o m o reajo contra elas. Pedirei ao S e n h o r que
me livre do mal.

96
SEXTA-FEIRA

O PRIMEIRO DE TODOS OS MANDAMENTOS

"Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um escriba e per-


guntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?»
2"Jesus respondeu-lhe: «O primeiro é este: "Escuta, Israel: O

Senhor, nosso Deus, é o único Senhor: ^"Amarás o Senhor teu


Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo
o teu entendimento e com todas as tuas forças." "O segundo é
este: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo." Não há ne-
nhum mandamento maior que estes.» ,: Disse-lhe o escriba:
«Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes: Deus é único e
não há outro além dele. MAmá-lo com tom todo o coração,
com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próxi-
mo como a si mesmo, vale mais do que todos os holocaustos e
sacrifícios.» '''Ao ver que o escriba dera uma resposta inteli-
gente, Jesus disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus.» E
ninguém mais se atrevia a interrogá-lo (Mc 12, 28b-34).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O trecho, que fala de um diálogo entre «um escriba» e


Jesus, desenrola-se em duas partes: a primeira compreen-

97
de uma pergunta do escriba, seguida da resposta de Jesus
(vv. 28b-31); a segunda é uma réplica do escriba seguida da
apreciação de Jesus (vv. 32-34). O trecho conclui-se com
uma anotação do evangelista («E ninguém mais se atrevia
a interrogá-lo»), A pergunta feita pelo escriba («Qual é o
primeiro de todos os mandamentos?») é típica de um in-
térprete da Tora (Lei). Se a Lei tem por missão comunicar a
vontade de Deus, qual dos mandamentos está «antes de
tudo» segundo a vontade de Deus? Jesus responde, citan-
do o Shema' da piedade hebreia («Escuta, Israel...» - Dt 6,4-
-5) que todos os israelitas têm de recitar de manhã e à tarde
como o f u n d a m e n t o da sua fé. O Deus único deve ser
objecto de amor, isto é, de uma devoção que se exprime na
obediência aos m a n d a m e n t o s . Ao lado deste primeiro
mandamento Jesus cita um segundo, que alude ao amor
do próximo («Amarás o próximo como a ti mesmo» e que é
tirado do Levítico (19,18b). Jesus conclui a resposta decla-
rando: «Não há nenhum mandamento maior que este.»
O escriba, caso único no Evangelho, replica a Jesus, ex-
primindo a sua concordância («Muito bem, Mestre! Tens
razão»). No entanto, reconhece em Jesus um mestre com
um ensino seguro, isto é, conforme a vontade de Deus; re-
toma a sua resposta, acrescentando que os dois manda-
mentos «valem mais do que todos os holocaustos e sacrifí-
cios»), Jesus reconhece a sabedoria da resposta e declara ao
seu interlocutor que não está «longe do reino de Deus»,
isto é, que está apto a entrar nele.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

98
A resposta de Jesus à pergunta do escriba indica que
aquilo que unifica a vida cristã, a minha existência de discí-
pulo, nas suas diversas expressões, é o amor. Um amor que
compreende Deus e os outros; que não tem o aspecto de
um sentimento frágil ou de um entusiasmo fugaz, mas em-
penha totalmente a minha pessoa. De facto, trata-se de
amar a Deus «com todo o meu coração, com toda a minha
inteligência e com todas as minhas forças» e de amar os
outros como «amo a mim mesmo». Amar Deus assim, com
tudo aquilo que sou, significa abrir-me a Ele sem reservas,
procurá-lo com um interesse profundo, deixar-me aproxi-
mar dele sem opor resistências e medos. Amar o próximo
«como amo a mim mesmo» significa aceitar os outros na
sua singularidade, reconhecer que também eles são queri-
dos por Deus, como eu. Um amor deste tipo exige um
exercício paciente e constante sobre o meu coração, sobre
a minha pessoa, sobre as minhas opções de vida, para que
não se limite a «sentir», a «experimentar alguma coisa» por
Deus, pelos outros, mas se decida a amar a Deus e aos ou-
tros como o Senhor indica. Certamente, trata-se de uma
decisão que, dada a sua radicalidade, precisa de ser acom-
panhada pelo Senhor, pela sua graça.
O convite que provém do tempo quaresmal à conver-
são encontra no mandamento do amor a sua concretização
mais autêntica: trata-se de converter a minha pessoa, a
minha existência a este tipo de amor, a Deus e aos outros.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

99
Senhor, és radical nas tuas exigências. Exiges q u e os
teus discípulos a m e m a Deus-Pai, e m p e n h a n d o tudo aqui-
lo que eles são. Por ti, o amor ao Pai não é um sentimento,
uma emoção fugaz, mas uma forma de doação na qual eu
p o n h o em jogo toda a minha pessoa.
Pedes um amor ao próximo que se inspira no amor, no
cuidado, na atenção que cada um de nós tem por si mes-
mo. Como posso amar a Deus com tudo o que sou, se me
incomoda ter tempo para Ele, se, muitas vezes, estou tão
inseguro e cheio de medos, se fico fascinado com tantas
coisas da vida a ponto de me esquecer dele? Como posso
amar os outros com a mesma paciência e cuidado com que
me trato a mim mesmo, se me custa aceitar quem é dife-
rente de mim, a não me dobrar sobre mim próprio, a não
pôr em primeiro plano as minhas exigências, em não fazer
valer sempre as minhas decisões?
Senhor, ensina-me a amar o Pai e o meu próximo como
Tu me convidas a fazer. Por isso, dá-me o teu Espírito, que
é amor total e gratuito, corajoso e generoso, paciente e te-
naz, de m o d o que o teu mandamento se torne a tarefa da
minha vida. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. /I pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Examinar-me-ei diante do Senhor para identificar o que


me impede de dar um salto de qualidade no meu amor a
Deus e ao próximo.

100
SÁBADO

JUNTOS DIANTE DO PAI

"Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para al-


guns que se consideravam justos e desprezavam os outros:
"'«Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e
o outro publicano. "O fariseu, de pé, orava assim: "Meu
Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens,
que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publi-
cano. l2Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo
quanto possuo." L10 publicano ficou a distância e nem sequer
se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia:
"Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador." NEu
vos digo que este desceu jusficado para sua casa e o outro
não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e
quem se humilha será exaltado» (Lc 18,9-14).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

U m a breve introdução indica o auditório especial a


quem se dirige a parábola de Jesus («Alguns que se consi-
deravam justos e desprezavam os outros» - v. 9). A compa-
ração entre aqueles que se consideram justos e os outros é

101
retomada no discurso centrado na apresentação dos dois
protagonistas, o «fariseu» e o «publicano». Ambos vão orar
ao templo, local onde se desenrola a narração da parábola.
O confronto entre os dois acontece através da apresenta-
ção da sua oração. O fariseu é apresentado de pé; a sua
oração (vv. 11-12), introduzida pelo vocativo «Meu Deus»,
é de agradecimento, com a motivação: «por não ser como
os outros homens». O fariseu conclui a oração referindo
como exemplos da sua diferença em relação aos outros ho-
mens, o j e j u m e o p a g a m e n t o do dízimo. O publicano é
apresentado na sua localização espacial («ficou à distân-
cia») e na sua dupla atitude («e nem sequer se atrevia a er-
guer os olhos ao Céu, mas batia no peito»). A sua oração é
muito mais breve do que a do fariseu; introduzida pelo vo-
cativo «Meu Deus», é seguida pela oração: «tende compai-
xão de mim, que sou pecador».
O m a n d a m e n t o de Jesus conclui a narração e compara
a acção de Deus com a dos dois protagonistas: «Este des-
ceu justificado para sua casa e o outro não» - v. 14). A nova
situação, uma reviravolta em relação à que foi apresentada
na parábola, é explicada com um comentário final: «Todo
aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha
será exaltado.»

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Na oração do fariseu estão presentes dois limites, que


não o tornam «justo» aos olhos de Deus e que me d e v e m

102
fazer reflectir. O primeiro é dado pelo facto de ele se sentir
auto-suficiente, sem o desejo de ser protegido por Deus,
que não o pode elevar a si, porque este homem se sente já
no alto, não se r e c o n h e c e necessitado do seu perdão. O
segundo, que parece uma agravante do primeiro, é que a
presunção da sua justiça vive do desprezo dos outros, pelo
facto de não estarem à altura de Deus. Os limites da oração
do fariseu d e v e m - m e fazer reflectir, p o r q u e p o d e m ser
também os meus. Não se trata de atribuir a mim próprio
culpas que não tenho ou de inventar pecados não cometi-
dos, nem sequer de não reconhecer o bem por mim reali-
zado. Pelo contrário, trata-se de saber agradecer a Deus
por me ter protegido e continuar a proteger e suplicar-lhe
por quem não se deixou proteger, porque se mantém afas-
tado dele, mantendo assim afastado de mim o desprezo, o
juízo que mata.
Sei agradecer a Deus o bem que há na minha vida? Re-
conheço-me necessitado da sua misericórdia, não à altura
do seu amor? Encarrego-me na minha oração de quem me
aborrece mais, de quem está longe do Senhor?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Ensina-me, Senhor, a ser humilde e reconhecido diante


de ti, a estar consciente da minha miséria, das minhas ina-
dequações, dos m e u s i n c u m p r i m e n t o s , sem e s m o r e c e r
nem me abandonar ao pessimismo; ensina-me a reconhe-
cer a tua fidelidade no bem que faço. Por isso, quero dizer-

103
-te as graças que me fizeste, os momentos mais significati-
vos em que me manifestaste a tua bondade e a tua miseri-
córdia. Q u e r o recordar-te também as minhas infidelida-
des, para que se t o r n e m imploração. Eis-me, Senhor,
diante de ti com coração humilde e grato. Acolhe o m e u
louvor e escuta a minha súplica. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Na oração louvarei o Senhor pelo bem presente na mi-


n h a vida e expor-lhe-ei tudo aquilo de que preciso ser
perdoado por Ele e pelos irmãos, exprimindo a minha con-
fiança na sua misericórdia.

104
QUARTA SEMANA
DA QUARESMA

I
SEGUNDA-FEIRA
'1
CREIO, SENHOR, NA TUA PALAVRA

•"Naquele tempo, Jesus saiu da Samaria e foi para a Gali-


leia. 44Ele próprio tinha declarado que um profeta nunca era
apreciado na sua terra. 45Ao chegar à Galileia, foi recebido
pelos galileus, porque tinham visto quanto Ele fizera em Jeru-
salém, por ocasião da festa, a que também eles tinham assistido.
•"'Jesus voltou novamente a Caná da Galileia, onde convertera a
água em vinho. Havia em Cafarnaum um funcionário real cujo
filho se encontrava doente. "Quando ouviu dizer que Jesus
viera da Judeia para a Galileia, foi ter com Ele e pediu-lhe que
descesse a curar o seu filho, que estava a morrer. "Jesus disse-
-lhe: «Se não virdes sinais e prodígios, não acreditareis.» 4 "0
funcionário insistiu: «Senhor, desce, antes que meu filho mor-
ra.» 5"Jesus respondeu-lhe: «Vai, que o teu filho vive.» O ho-
mem acreditou nas palavras que Jesus lhe tinha dito e pôs-se
a caminho. 5lJá ele descia, quando os servos vieram ao seu en-
contro e lhe disseram que o filho vivia. HPerguntou-lhes então
a que horas tinha melhorado. Eles responderam-lhe: «Foi on-
tem à uma da tarde que a febre o deixou.» "Então o pai verifi-
cou que àquela hora Jesus lhe tinha dito: «O teu filho vive.»
E acreditou, ele e todos os de sua casa. 54Foi este o segundo
milagre que Jesus realizou, ao voltar da Judeia para a Galileia
0o 4,43-54).

107
Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O texto é introduzido por um sumário (vv. 43-45) que


descreve o regresso de Jesus à Galileia depois de dois dias
passados j u n t o dos Samaritanos. O evangelista realça o
comportamento diferente dos Judeus e dos Galileus em re-
lação a Jesus. Enquanto os habitantes da Judeia criam obs-
táculos à revelação de Jesus, os da Galileia a c o l h e m - n o
bem. No relato do s e g u n d o «sinal» de Caná (vv. 46-53),
emergem três estádios através dos quais passa a fé do fun-
cionário régio: de uma fé inicial mostrada no recurso a Je-
sus (vv. 46-49), a uma fé na palavra de Jesus (v. 50) e na fé
em Jesus dador de vida, mediante o «sinal» (vv. 51-52).
A fé inicial. O funcionário dirige-se a Jesus como a um
curador, pedindo-lhe que cure o filho que está em perigo de
vida. Jesus responde, convidando a superar a fé ligada aos
sinais («Se não virdes sinais e prodígios, não acreditareis»).
A fé na palavra. Perante a insistência do pai («Senhor,
desce, antes que meu filho morra»), Jesus concede a graça
pedida («Vai que o teu filho vive»), O evangelista anota: «O
h o m e m acreditou nas palavras que Jesus lhe tinha dito e
pôs-se a c a m i n h o » . N o quarto E v a n g e l h o a expressão
«acreditai na palavra» indica a fé autêntica que se baseia na
palavra (cf. Jo 2,22; 4,41-42; 17,20). O funcionário supera a
fé na capacidade curadora de Jesus, e confia na sua pala-
vra. Os servos informam-no da cura do seu filho, precisa-
mente na hora em que Jesus tinha pronunciado a palavra a
que o funcionário tinha dado crédito.
A fé mediante o «sinal» («Então, o pai verificou que àque-

108
la hora Jesus lhe tinha dito: "O teu filho vive." E acreditou,
ele e todos os de sua casa»), E o último passo da fé: o fun-
cionário, através do «sinal», reconhece Jesus como dador
de vida.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus não é somente um curador, mas também a Palavra


do Pai que contém a vida: a sua palavra não é vazia, inefi-
caz, como as palavras dos homens, mas está cheia de vida.
Também me é pedido percorrer o caminho do funcionário
que pede a Jesus a cura do filho: de uma fé incerta, impres-
sionada apenas com os milagres, os gestos clamorosos, os
acontecimentos extraordinários, a uma fé autêntica, que
confia plenamente na palavra do Senhor, acolhida como
palavra que me restitui a vida em plenitude.
Lido neste momento da Quaresma, o episódio é signi-
ficativo. A Páscoa será a expressão da vida mediante a res-
surreição de Jesus, oferecida nos sacramentos, que são
palavras eficazes do Senhor. Se eu quiser receber verdadei-
ramente o dom pascal da ressurreição de Jesus, devo pro-
curar apaixonadamente a sua Palavra.

Rezemos com a Palavra

A oração c a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

109
Senhor Jesus, também eu te dirijo a oração evangélica:
«Diz uma palavra e a minha alma será salva!» Com a tua
Palavra restituíste e continuas a restituir a alegria e a vida a
muitas pessoas. A tua existência é uma palavra de amor
para quem a escuta e a acolhe. Faz com que cada dia eu
saiba dedicar-lhe um tempo adequado de escuta atenta,
para a t r a n s f o r m a r em oração, para e x p e r i m e n t a r a tua
promessa: «Quem escuta a minha palavra passa da morte
à vida.» Suscita em mim todos os dias o desejo de escutar a
tua palavra de amigo, para que viva como teu discípulo.
Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Hoje, na oração, examinarei com o Senhor a minha ati-


tude diante a sua Palavra, para verificar quanto tempo lhe
dedico, como a escuto, com que e m p e n h a m e n t o a ponho
em prática.

110
TERÇA-FEIRA

«NO MESMO INSTANTE O HOMEM FICOU SÁO»

'Naquele tempo, por ocasião de uma festa dos judeus,


Jesus subiu a Jerusalém. 2Existe em Jerusalém, junto à porta
das ovelhas, uma piscina, chamada, em hebraico, Betsatá, que
tem cinco pórticos. 'Ali jazia um grande número de enfermos,
cegos, coxos e paralíticos. 5Estava ali também um homem, en-
fermo havia trinta e oito anos. ''Ao vê-lo deitado e sabendo
que estava assim há muito tempo, Jesus perguntou-lhe: «Que-
res ser curado?» 7 0 enfermo respondeu-lhe: «Senhor, não te-
nho ninguém que me introduza na piscina, quando a água é
agitada; enquanto eu vou, outro desce antes de mim». "Disse-
-lhe Jesus: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». "No mes-
mo instante o homem ficou são, tomou a sua enxerga e come-
çou a caminhar. Ora aquele dia era sábado. "'Diziam os judeus
àquele que tinha sido curado: «Hoje é sábado: não podes
levar a tua enxerga.» "Mas ele respondeu-lhes: «Aquele que
me curou disse-me: "Toma a tua enxerga e anda".» l2Pergunta-
ram-lhe então: «Quem é que te disse: "Toma a tua enxerga e
anda".» "Mas o homem que tinha sido curado não sabia quem
era, porque Jesus tinha-se afastado da multidão que estava
naquele local. "Mais tarde, Jesus encontrou-o no templo e
disse-lhe: «Agora estás são. Não voltes a pecar, para que não
te suceda coisa pior.» '"O homem foi então dizer aos judeus
que era Jesus quem o tinha curado. Desde então os judeus co-
meçaram a perseguir Jesus, por fazer isto num dia de sábado
(Jo 5, l-3a.5-16).

111
Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O trecho evangélico apresenta a cura de um h o m e m


paralítico (vv. l - 9 a ) e a reacção dos Judeus ao milagre rea-
lizado por Jesus em dia de sábado (vv. 9b-16).
A cura do paralítico acontece no ambiente de uma festa,
junto da porta das ovelhas, lugar reservado aos anhos des-
tinados aos sacrifícios do templo.
Uma piscina com cinco pórticos, denominada Betsatá
( = casa da misericórdia), acolhia nos seus b o r d o s «uma
grande multidão de enfermos, cegos, coxos e paralíticos»,
que esperavam um m o v i m e n t o da água que, segundo a
crença popular, era produzido pelo anjo. O milagre é pre-
cedido por um breve diálogo entre Jesus e o h o m e m doen-
te havia já trinta e oito anos. À pergunta de Jesus («Queres
ser curado?»), o paralítico responde, explicando a sua si-
tuação («Não t e n h o ninguém que m e introduza na pisci-
na...») e exprimindo a crença popular na virtude terapêutica
da água agitada pelo anjo («... quando a água é agitada...»).
Jesus ordena ao homem: «Levanta-te, toma a tua enxerga e
anda.» A salvação provém mais da palavra de Jesus do que
da água. O evangelista assinala a cura e o dia em que acon-
tece («Ora, aquele dia era sábado»). Esta circunstância pro-
voca a censura dos J u d e u s («Hoje é sábado: não p o d e s
levar a tua enxerga»), para os quais não observar o sábado
significava violar a aliança entre Deus e o seu povo (cf. Ex
31, 13-17). O h o m e m defende-se, atirando a responsabili-
dade para aquele que o curou («Aquele que me curou dis-
se-me: "Toma a tua enxerga e anda"»), do qual nem sequer
conhece o n o m e («não sabia quem era»). No encontro se-
guinte, já no templo, com o h o m e m curado, Jesus esclare-

112
ce-o de que a cura não é o bem maior, porque muito mais
importante é evitar o pecado, é a ligação com Deus, e re-
corda-lhe o valor limitado do dom recebido. Conhecida a
identidade do seu curador, o h o m e m comunica-a aos Ju-
deus, que perseguem Jesus como pecador por ter violado o
repouso sabático.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus apresenta-se como o autêntico curador do ser hu-


mano, o seu salvador e como aquele que pode superar a lei
do sábado. Ele é o dador da vida, porque é o autor da pró-
pria vida e pode indicar um modo novo de estabelecer as
relações com Deus. A reacção dos j u d e u s , incapazes de
perceber a novidade trazida por Jesus e de reconhecer na
palavra de Jesus que cura a mesma raiz da lei, adverte-me
de que posso correr o risco de não saber c o m p r e e n d e r a
novidade perene trazida por Ele, pela sua Palavra que me
transforma. Também eu preciso de ser curado de todas as
minhas «paralisias» e das minhas incompreensões, para,
com espanto, descobrir todos os dias o amor de Jesus que
pergunta se quero ser curado e me salva, para fazer da mi-
nha fé uma relação pessoal, apaixonada e profunda com
Ele. Se m e faltar isto, mesmo que faça muitas coisas boas,
dificilmente ficarei imune ao desgaste do tempo e das difi-
culdades, que nos paralisa e torna insatisfeitos.
A Quaresma é um tempo propício para permitir que o
Senhor «me cure», me faça «caminhar» no meu amor por
Ele; é tempo propício para voltar a dar profundidade e re-
novar a minha relação com Ele.

113
Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da me-


ditação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, estou diante de ti com a minha vontade de te


amar, mas também com o peso dos hábitos e do cansaço
que abranda o ritmo da minha caminhada de fé. Sinto ne-
cessidade de receber de ti a força que não me deixa tornar
prisioneiro do hábito, do aborrecimento e da repetitivida-
de na minha relação contigo. Dá-me um coração puro que
não se canse de te amar, de se te dar na busca apaixonada
da tua presença, na escuta humilde da tua Palavra, no ser-
viço generoso ao teu Evangelho. Livra-me deste meu es-
tado permanente de cansaço provocado pelo hábito, para
que eu esteja sempre aberto às tuas surpresas e as acolha
com um coração agradecido. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Hoje, mas não apenas hoje, porei muita atenção na mi-


nha oração, na qualidade da minha escuta da palavra de
Jesus, para evitar o hábito que m e faz repetir as palavras
distraidamente, que me faz escutar a palavra de Jesus co-
m o se fosse u m a palavra qualquer. Por isso, prepararei
b e m a m i n h a oração, criarei à m i n h a volta e d e n t r o de
mim o silêncio, rezarei sem pressa e com grande atenção.

114
QUARTA-FEIRA

O FILHO DÁ A VIDA A QUEM ELE QUER

l7Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «Meu Pai traba-


lha incessantemente e Eu também trabalho em todo o tem-
po.» '"Esta afirmação era mais um motivo para os judeus
quererem dar-lhe a morte: não só por violar o sábado, mas
também por chamar a Deus seu Pai, fazendo-se igual a Deus.
'"Então Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Em verdade, em
verdade vos digo: O Filho nada pode fazer por si próprio, mas
só aquilo que viu fazer ao Pai; e tudo o que o Pai faz também
o Filho o faz igualmente. ^Porque o Pai ama o Filho e lhe ma-
nifesta tudo quanto faz; e há-de manifestar-lhe coisas maiores
que estas, de modo que ficareis admirados. 2'Assim como o Pai
ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim o Filho dá vida a
quem Ele quer. "O Pai não julga ninguém: entregou ao Filho o
poder de tudo julgar, "para que todos honrem o Filho, como
honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o
enviou. 24Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a mi-
nha palavra e acredita naquele que me enviou tem a vida
eterna e não será condenado, porque passou da morte à vida.
"Em verdade, em verdade vos digo: Aproxima-se a hora - e já
chegou - em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e
os que a ouvirem, viverão. "Assim como o Pai tem a vida em si
mesmo, assim também concedeu ao Filho que tivesse a vida
em si mesmo; 27e deu-lhe o poder de julgar, porque é o Filho
do homem. "Não vos admireis do que estou a dizer, porque
vai chegar a hora em que todos os que estão nos sepulcros ou-
virão a sua voz: 2"Os que tiverem praticado boas obras irão
para a ressurreição dos vivos e os que tiverem praticado o mal
para a ressurreição dos condenados. "'Eu não posso fazer

115
nada por Mim próprio: julgo segundo o que oiço e o meu
juízo é justo, porque não procuro fazer a minha vontade, mas
a vontade daquele que me enviou» (Jo 5,17-30).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto?

O texto apresenta a defesa de Jesus perante a hostili-


dade dos judeus por causa da cura realizada em dia de sá-
bado e por causa da sua declaração considerada uma blas-
fémia («por c h a m a r a D e u s seu Pai, f a z e n d o - s e igual a
Deus»), Jesus começa a sua defesa com uma afirmação que
desenvolverá no discurso seguinte («Meu Pai trabalha in-
cessantemente e Eu também trabalho em todo o tempo» -
v. 17), com que atribui a si próprio a mesma prerrogativa
de Deus: julgar e dar a vida, até em dia de sábado.
A reacção dos seus acusadores é cada vez mais decidida
(«... era mais um motivo para os judeus quererem dar-lhe a
morte»), porque não só se coloca acima da lei, mas também
se põe no mesmo plano de Deus. Neste ponto, Jesus come-
ça um longo discurso (vv. 19-47), com que explica a decla-
ração acabada de fazer. Na primeira parte (vv. 19-30), que
constitui o nosso trecho, Jesus defende a sua acção. A defe-
sa estrutura-se n u m a tríplice repetição da afirmação sole-
ne: «Em verdade, e m verdade vos digo...» (vv. 19.24.25).
Antes de mais, esclarece que realiza as obras do Pai; não
faz nada que não tenha visto o Pai fazer, o qual, precisa-
mente .porque o ama, lhe mostra tudo o que faz. As obras
que o Filho realiza, imitando o Pai, são a ressurreição dos
mortos e o juízo. Deus deu este poder ao Filho, para que

116
todos o reconheçam como seu enviado. Depois, Jesus afir-
ma que ninguém pode ficar indiferente à vinda do Filho.
Cada homem tem de escolher. Diante do Filho, o homem
p o d e assumir uma atitude de fé ou de incredulidade.
Q u e m acredita na sua Palavra, é feito participante na sua
verdadeira vida; quem não crê, auto-exclui-se da salvação.
Por fim, Jesus desenvolve o tema do juízo, que terá como
consequência a vida ou a morte eterna. A sua palavra vivi-
ficante comunica a q u e m a escuta c o m fé um g e r m e de
vida, que produzirá fruto só ao final da história, quando
Cristo julgar o mundo, completando a sua obra.

Meditemos a Palavra

Trata-se dc entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

O texto do Evangelho põe-me diante do centro verda-


deiro da minha vida, da minha experiência: escutar a pa-
lavra de Jesus e acreditar no Pai, que mandou Jesus, signi-
fica «passar da morte à vida», isto é, significa encontrar-se
numa situação decisiva em ordem à sua vida: a salvação.
Isto é assim porque na palavra e nas obras de Jesus se ma-
nifesta a própria vida de Deus, a vida que o Pai concedeu a
Jesus e que Jesus me oferece generosamente.
A Quaresma lembra-me frequentemente que não posso
fechar o coração à palavra de Jesus, mas que o devo abrir
confiadamente a Ele; convida-me a uma obediência activa,
realizadora, face a esta Palavra que quer conduzir-me em
direcção à vida.
Estou a escutar a palavra de Jesus e a empenhar-me por
a pôr em prática, com a consciência de que ela me faz «pas-
sar da morte à vida»?

117
Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Pai Santo, dá-me um coração puro, límpido como uma


nascente, capaz de acolher de ti a presença de Jesus como
o teu dom mais precioso. Somente quando eu puder dizer
que o amo com todas as minhas forças, embora débeis, re-
conhecerei que Tu m o enviaste como vida da minha vida;
saberei que Tu o mandaste a mim para fazer-me passar da
morte à vida.
Senhor Jesus, acolho-te das mãos do Pai, escuto a tua
Palavra, creio em ti m a n d a d o pelo Pai que me ama, para
me libertar. Faz da minha vida uma comunhão permanen-
te contigo, para que te experimente como alegria e vida, e
para que possa testemunhar com a minha existência que
Tu fazes passar da morte à vida quem escuta a tua Palavra
e a põe em prática. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Antes de me pôr à escuta da palavra de Jesus repetirei a


mim próprio a sua declaração: «Quem ouve a minha pala-
vra e acredita naquele que me enviou..., passou da morte
à vida.» Por isso, empenhar-me-ei em escutar com atenção
a sua palavra e pô-la em prática com generosidade.

118
QUINTA-FEIRA

O TESTEMUNHO DO PAI

"Naquele tempo, Jesus disse aos judeus: «Se Eu der teste-


munho de mim mesmo, o meu testemunho não será conside-
rado verdadeiro. 12É outro que dá testemunho de mim e Eu sei
que o testemunho que Ele dá de mim é verdadeiro. "Vós
mandastes emissários a João Baptista e ele deu testemunho da
verdade. "Não é de um homem que Eu recebo testemunho,
mas digo-vos isto para que sejais salvos. 15João era uma lâm-
pada que ardia e brilhava e vós, por um momento, quisestes
alegrar-vos com a sua luz. '"Mas Eu tenho um testemunho
maior que o de João, pois as obras que o Pai me deu para con-
sumar - as obras que realizo - dão testemunho de que o Pai
me enviou. "E o Pai, que me enviou, também Ele deu teste-
munho de mim. Nunca ouvistes a sua voz, nem vistes a sua
figura "e a sua palavra não habita em vós, porque não acredi-
tais naquele que Ele enviou. '"Examinais as Escrituras, pen-
sando encontrar nelas a vida eterna; são elas que dão teste-
munho de mim 4"e não quereis vir a mim para encontrar essa
vida. '"Não é dos homens que Eu recebo glória; 42mas Eu co-
nheço-vos e sei que não tendes em vós o amor de Deus. "Vim
em nome de meu Pai e não me recebeis; mas se vier outro em
seu próprio nome, recebê-lo-eis. '"Como podeis acreditar, vós
que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória que
vem só de Deus? 45Não penseis que Eu vou acusar-vos ao Pai:
o vosso acusador será Moisés, em quem pusestes a vossa es-
perança. 4"Se acreditásseis em Moisés, acreditaríeis em mim,

119
pois ele escreveu a meu respeito. 47Mas se não acreditais nos
seus escritos, como haveis de acreditar nas minhas palavras?»
(Jo 5, 31-47).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o
Senhor dizer com este texto?

Jesus continua a sua defesa diante dos judeus. Em pri-


meiro lugar apresenta a seu favor quatro testemunhos (vv.
31-40) que representam diversos aspectos do único teste-
m u n h o credível do Pai («E outro que dá t e s t e m u n h o de
mim e Eu sei que o testemunho que Ele dá de mim é ver-
dadeiro» - v. 32). Depois, polemiza com os adversários,
acusando-os de incredulidade e de procurarem a sua gló-
ria (vv. 41-47). O primeiro testemunho é o de João Baptista
(vv. 33-35) q u e «deu t e s t e m u n h o da verdade», isto é, de
Cristo (cf. J o 1, 19-28). Para Jesus, p o r é m , é i n a d e q u a d o
porque João é apenas um h o m e m («uma lâmpada»). Por
isso, não pode dar testemunho da luz de maneira adequa-
da, isto é, porque a lâmpada h u m a n a não pode testemu-
nhar adequadamente a luz transcendente e divina. O seu
aparecimento tinha suscitado grande entusiasmo, mas de-
masiado efémero («vós, por um momento, quisestes ale-
grar* vos com a sua luz»). O segundo testemunho é ofereci-
do pelas obras de Jesus (v. 36). A actividade e o ensino de
Jesus manifestam a acção do Pai nele e por meio dele. Estas
obras provêm do Pai e testemunham a origem e a missão
divina de Jesus. O terceiro testemunho provém do Pai (vv.
37-38) que age no íntimo do coração, fazendo compreen-
der o ensino e as obras de Jesus. Os judeus, recusando as

120
obras de Jesus, não podem acolher este testemunho. Por-
tanto, a palavra de D e u s n ã o p o d e « p e r m a n e c e r » neles
para dar frutos de salvação. O quarto testemunho a favor
de Jesus é o das Escrituras (vv. 39-40). Os judeus conside-
ram-nas fonte de vida porque contêm a palavra de Deus;
por isso, «examinam-nas» com assiduidade. Ora, as Escri-
turas são orientadas para Jesus Cristo, ponto de conver-
gência da história da salvação. Nelas, os judeus procuram
a vida, mas inutilmente porque não estão dispostos a aco-
lher Jesus que é a sua chave de leitura. Jesus identifica a ra-
zão de os j u d e u s se lhe oporem, pois vivem fora do am-
biente da sua Palavra, não deixando actuar neles o dom de
Deus e recusando-se a acolher o seu amor, princípio de
vida nova. Depois, eles estão disponíveis para ouvir todos
os que, em seu próprio nome, se apresentam como envia-
dos de Deus. Além disso, buscam apenas o parecer favorá-
vel dos outros («... recebeis glória uns dos outros»), esque-
c e n d o - s e de que a verdadeira glória se f u n d a m e n t a em
Deus e a autêntica segurança está na palavra de vida reve-
lada pelo Filho. Esta oposição merece aos judeus a acusa-
ção de Moisés, de quem se sentem discípulos, pelo facto
de, ao rejeitar Jesus, não darem crédito ao que Moisés es-
creveu sobre Ele.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Há uma convergência de testemunhos ao indicar Jesus


como aquele que faz com que os homens passem de uma
situação de morte a uma situação de vida. Atestam-no o

121
Pai, João Baptista, a própria vida de Jesus, o livro das Sa-
gradas Escrituras. E, contudo, basta um coração dobrado
sobre si mesmo, prisioneiro da sua própria auto-suficiên-
cia, para tornar estes testemunhos ineficazes. Assim acon-
teceu com os judeus e o mesmo acontece comigo sempre
que reproduzo na minha vida a sua recusa de Jesus, sem-
pre que procuro a minha glória junto dos outros. Por isso,
devo interrogar-me seriamente nesta Q u a r e s m a sobre a
minha fé em Jesus; devo verificar se busco o testemunho
que o Pai dá a Jesus por mim, para que eu acredite, se o
procuro nas Sagradas Escrituras, na Igreja, no meu cora-
ção, seriamente iluminado; devo desmascarar onde se ra-
dica a minha incredulidade, e o que é que a inspira.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Pai Santo, liberta o meu coração da concentração em si


mesmo que o leva a procurar a sua glória, e dá-me um de-
sejo profundo de ti. Torna a minha vida um serviço a ti,
para que eu possa receber o teu testemunho da parte de
Jesus, o Filho Unigénito, e crescer na fé. Torna-me capaz de
cultivar a m i n h a fé na h u m i l d a d e da oração, na escuta
amorosa das Escrituras, no acolhimento jubiloso da prega-
ção da Igreja. D e p õ e a Palavra que salva dentro de mim,
para que se torne fermento da minha vida e animação da
minha jornada. Faz com que eu procure Jesus, o Filho que
amas, sem nunca m e cansar, e, depois de o ter encontrado,
que eu o procure para o conhecer e o amar cada vez mais.
Amen.

122
Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Para relançar a minha fé, hoje reflectirei sobre os obstá-


culos que encontro; farei sobretudo emergir as situações
em que procuro a minha glória, o meu interesse, e não a
glória e o interesse do Senhor. Depois, apresentarei ao Se-
nhor o resultado da minha «pesquisa».

123
SEXTA-FEIRA

A V E R D A D E I R A O R I G E M DE JESUS

'Naquele tempo, Jesus percorria a Galileia, evitando andar


pela Judeia, porque os judeus procuravam dar-lhe a morte.
2Estava próxima a festa dos Tabernáculos. '"Quando os seus

parentes subiram a Jerusalém, para irem à festa, Ele subiu


também, não às claras, mas em segredo. "Diziam então algu-
mas pessoas de Jerusalém: «Não é este homem que procuram
matar? ^Vede como fala abertamente e não lhe dizem nada.
Teriam os chefes reconhecido que Ele é o Messias? ^Mas nós
sabemos de onde é este homem, e, quando o Messias vier,
ninguém sabe de onde Ele é.» "Então, em alta voz, Jesus ensi-
nava no templo, dizendo: «Vós me conheceis e sabeis de onde
Eu sou! No entanto, Eu não vim por minha própria vontade e
é verdadeiro Aquele que me enviou e que vós não conheceis.
2"Mas Eu conheço-o, porque dele venho e foi Ele que me en-

viou.» "'Procuravam então prender Jesus, mas ninguém lhe


deitou a mão, porque ainda não chegara a sua hora (Jo 7,1-
-2.10.25-30).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto ?

124
O trecho apresenta outro debate polémico entre Jesus e
«algumas pessoas de Jerusalém». A cena introdutória apre-
senta Jesus decidindo inicialmente ficar na Galileia, para
fugir aos judeus que procuram matá-lo. Depois muda de
ideia e desloca-se a J e r u s a l é m para a festa dos Taberná-
culos (a festa, que ocorria em finais de Setembro/inícios de
Outubro e durava sete dias, era a mais alegre e popular
dos Hebreus, originariamente relacionada com uma cele-
bração de acção de graças pelas colheitas outonais e, de-
pois, associada à recordação da estada no deserto, nas ten-
das, durante os q u a r e n t a anos do êxodo do Egipto). O
debate é introduzido pelas i n t e r r o g a ç õ e s de «algumas
pessoas de Jerusalém» (vv. 25-26), que se admiravam de
que Jesus pudesse falar em público livremente no templo e
p u n h a m a hipótese de um possível reconhecimento, por
parte das autoridades judaicas, de Jesus como Messias. Os
interlocutores de Jesus excluem que Ele seja o Messias por-
que conhecem a sua proveniência («nós sabemos de onde
é este homem»), enquanto o Messias, segundo uma teoria
comum, deveria nascer em Belém para depois aparecer em
público i m p r e v i s t a m e n t e , de m o d o espectacular. Jesus
r e s p o n d e de maneira solene: «em voz alta ensinava no
templo, dizendo.» «Ensinar em voz alta» indica uma reve-
lação pública de especial importância; por isso m e s m o é
pronunciada no templo. Jesus afirma que os seus interlo-
cutores c o n h e c e m a sua origem terrena, mas não a sua
origem celeste: Ele «vem do Pai». Reivindica uma expe-
riência única, total do Pai pela sua comunhão de vida com
Ele. A reacção é uma tentativa de captura («procuravam,
então, prender Jesus»), que não acontece «porque ainda
não chegara a sua hora», o momento preestabelecido pelo
Pai.

125
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

É essencial para a minha fé conhecer o mistério da ori-


gem de Jesus. Ele não é apenas um h o m e m cheio de amor
pelos que sofrem, um mestre com autoridade, um amigo
em quem se pode confiar; Ele é Deus, o Filho unigénito de
Deus, que me foi enviado pelo Pai para que eu tenha vida
em plenitude. Contemplar esta proveniência de Jesus sig-
nifica pôr-me em adoração humilde tanto do Pai como de
Jesus. Adorar é uma das atitudes e dos gestos essenciais à
fé, porque é r e c o n h e c e r a riqueza do dom, Jesus o Filho
unigénito, que o Pai me faz no seu grande e fiel amor.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da me-


ditação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Adoro-te, Senhor, na tua h u m i l d e h u m a n i d a d e que


vem de Nazaré, porque com ela nos comunicaste a glória
de Deus e o seu amor. Adoro-te na tua origem que brota
do Pai de maneira única e irrepetível. Adoro-te, verdadeiro
Deus e verdadeiro h o m e m , mandado a mim pelo Pai para
m i n h a salvação. Faz com que te c o n h e ç a para te p o d e r
amar; que experimente a tua força que me arranca do mal,
porque és o Emanuel, o Deus-connosco, vindo para salvar
o seu povo dos pecados. Faz com que eu ouça na tua voz a

126
voz afectuosa do Pai e concede-me também que participe
na tua condição filial, para que me sinta envolvido pelo
amor do Pai e tenha a coragem de me doar aos meus ir-
mãos, para construir um mundo novo, habitado pelo amor
e pela justiça. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder c a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Hoje lerei atentamente o primeiro capítulo do Evange-


lho segundo Mateus que me apresenta o mistério da ori-
gem de Jesus.

127
SÁBADO

« N U N C A N I N G U É M FALOU C O M O ESSE H O M E M »

""Naquele tempo, alguns que tinham ouvido as palavras


de Jesus diziam no meio da multidão: «Ele é realmente o Pro-
feta.» "'Outros afirmavam: «É o Messias.» Outros, porém, di-
ziam: «Poderá o Messias vir da Galileia? "2Não diz a Escritura
que o Messias será da linhagem de David e virá de Belém, a
cidade de David?» "Houve assim desacordo entre a multidão
a respeito de Jesus. ""Alguns deles queriam prendê-lo, mas
ninguém lhe deitou as mãos. "Então os guardas do templo
foram ter com os príncipes dos sacerdotes e com os fariseus e
estes perguntaram-lhes: «Porque não o trouxestes.» ""Os guar-
das responderam: «Nunca ninguém falou como esse ho-
mem.» "7Os fariseus replicaram: «Também vos deixastes se-
duzir? ""Porventura acreditou nele algum dos chefes ou dos
fariseus? ""Mas essa gente, que não conhece a Lei, está mal-
dita.» ^Disse-lhes Nicodemos, aquele que anteriormente tinha
ido ter com Jesus e era um deles: 5'«Acaso a nossa Lei julga um
homem sem antes o ter ouvido e saber o que ele faz?» "Res-
ponderam-lhe: «Também tu és galileu? Investiga e verás que
da Galileia nunca saiu nenhum profeta.» "E cada um voltou
para sua casa (Jo 7,40-53).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto ?

128
O episódio narrado pelo texto coloca-se no último dia
da festa dos Tabernáculos («No último dia, o mais solene
da festa...» - 7, 37). O convite que Jesus proclamou em voz
alta («Se alguém tem sede, v e n h a a mim; e quem crê em
mim que sacie a sua sede! c o m o diz a Escritura, hão-de
correr do seu coração rios de água viva» - 7, 37-38) provoca
entre as gentes reacções diferentes. Alguns reconhecem
em Jesus «o profeta», o ungido de Deus. Outros, pelo con-
trário, recusam-se a considerar Jesus como o Messias, por-
que é um Galileu, enquanto o Messias deveria provir da
estirpe de David e nascer em Belém. Uma nova tentativa
de captura não é b e m sucedida e os próprios guardas, en-
viados alguns dias antes (cf. v. 32), ficam impressionados
com o ensino de Jesus («Nunca ninguém falou como este
homem»). Este apreço dos guardas irrita os chefes, que os
censuram de terem sido influenciados por um impostor
(«Também vos deixastes seduzir?»). Estes desprezam a opi-
nião da gente («Mas essa gente, que não conhece a Lei, es-
tá maldita») e respondem de maneira despicienda a Nico-
d e m o s que exige o respeito pela lei, c o n v i d a n d o - o a
estudar a lei, que exclui a proveniência de qualquer pro-
feta da Galileia.

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Diante de Jesus, as pessoas dividem-se. O motivo da


divisão não é de pouca monta; de facto, relaciona-se com a
sua identidade, com o sentido que tem para a história hu-

129
mana, para a vida dos h o m e n s e, portanto, também para a
minha vida. Para poder perceber este significado não devo
assumir a atitude cheia de preconceitos e de bloqueio dos
chefes de Israel. Tenho de perceber que não posso obrigar
Jesus a seguir os m e u s esquemas e as minhas categorias,
m e s m o religiosas, porque Ele representa uma novidade
absoluta. Não devo dobrar Jesus a mim; sou eu quem tem
de se abrir a Ele; não posso identificá-lo a partir das mi-
nhas representações, mas devo tornar-me ouvinte da sua
Palavra que o revela aos meus olhos, que m o dá a conhe-
cer. Trata-se de me converter como crente, isto é, de passar
de uma fé que tem as suas ideias sobre Jesus, a uma fé que
se põe à escuta de Jesus, de tudo o que Ele diz de si, de
Deus e dos homens.
A Quaresma, com o seu convite insistente à conversão,
é tempo favorável para esta purificação da minha fé, para
abandonar os meus preconceitos, as minhas leituras par-
ciais de Jesus.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado e dirigc-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, ensina-me a estar diante de ti com um coração


livre daqueles p r e c o n c e i t o s que ofuscam em mim a tua
imagem. Dá-me um coração simples que saiba perceber, na
palavra das Sagradas Escrituras, meditadas quotidiana-
mente, o teu rosto de Deus que salva, se torna próximo de
cada h o m e m para libertá-lo do mal. U m coração capaz de
usufruir de tudo o que me ofereces, disposto a uma escuta

130
obediente. Dá-me o teu Espírito para que me diga toda a
verdade sobre ti, a d e f e n d a e m mim das i n t e r p r e t a ç õ e s
parciais e desviantes. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus de fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Quero analisar o meu conhecimento de Jesus, para fa-


zer emergir eventuais dúvidas, confusões e i n f o r m a ç õ e s
parciais ou inexactas.

131
QUINTA SEMANA
DA QUARESMA
SECUNDA-FEIRA

«EU SOU A LUZ DO M U N D O »

l2Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «Eu sou a luz do


mundo. Quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz
da vida.» "Disseram-lhe então os fariseus: «Tu dás testemunho
de ti próprio: o teu testemunho não é verdadeiro.» "Jesus res-
pondeu-lhes: «Embora Eu dê testemunho de mim próprio, o
meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim e para
onde vou. Vós, porém, não sabeis de onde venho nem para
onde vou. "Vós julgais pelas aparências, mas Eu não julgo
ninguém; '"e se julgar, o meu juízo é verdadeiro, porque não
estou só: estou Eu e o Pai que me enviou. l7Está escrito na vos-
sa Lei que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro. '"Eu
dou testemunho de mim próprio e também o Pai, que me
enviou, dá testemunho de mim.» '"Perguntaram-lhe então:
«Onde está o teu Pai?» Jesus respondeu: «Não me conheceis a
mim nem a meu Pai. Se me conhecêsseis, conheceríeis tam-
bém o meu Pai.» 2"Jesus disse estas palavras quando ensinava
no templo, junto à sala do tesouro. E ninguém o prendeu,
porque ainda não chegara a sua hora (Jo 8,12-20).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto ?

135
O texto relata o debate entre Jesus e os fariseus durante
a festa dos Tabernáculos, q u a n d o muitas luzes estavam
acesas no templo de Jerusalém e nas casas hebraicas. Cele-
brava-se a memória da nuvem luminosa que, no deserto,
havia indicado aos antepassados o caminho, e agradece-se
a Deus por ter guiado o povo. Jesus, diante deste cenário
sugestivo, fala ainda de si. O texto apresenta três momen-
tos: a auto-revelação de Jesus-luz, o valor do seu testemu-
nho e a recusa dos fariseus. O diálogo entre Jesus e os fa-
riseus começa com uma declaração solene («Eu sou a luz
do mundo. Q u e m m e segue não anda nas trevas, mas terá
a luz da vida» - v. 12) que revela a sua identidade (Ele é a
revelação de Deus que traz a luz, a vida e a salvação) e o
sentido da sua missão entre os homens (vence as trevas do
mundo, dando vida aos homens). O s fariseus reagem con-
testando a validade do seu t e s t e m u n h o («Tu dás teste-
m u n h o de ti próprio: o teu testemunho não é verdadeiro»
- v. 13). Jesus responde, reivindicando a credibilidade do
seu testemunho por dois motivos. Em primeiro lugar por-
que tem consciência da sua dependência do Pai, de quem
v e m e para q u e m voltará, depois de ter realizado a sua
missão («sei de onde vim e para onde vou» - v. 14b); de-
pois, porque o próprio Pai dá testemunho dele («e também
o Pai, q u e m e enviou, dá t e s t e m u n h o de mim» - v. 18).
Neste ponto os fariseus fazem a Jesus uma pergunta explí-
cita: «Onde está o teu Pai?» (v. 19). Jesus não responde di-
rectamente, mas reafirma o motivo e a consequência da in-
compreensão: «Não m e conheceis a mim nem a meu Pai»
(v. 19b). E uma acusação grave para os judeus que se van-
gloriavam de c o n h e c e r o verdadeiro Deus, em oposição
aos outros povos, q u e o i g n o r a v a m . C o m o conclusão o
evangelista assinala q u e «ninguém o p r e n d e u porque
ainda não chegara a sua hora».

136
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Para perceber toda a importância da auto-apresentação


de Jesus como luz da minha vida, basta pensar no que
seria a minha vida sem a luz que me permite mover com
segurança, evitar os obstáculos, observar os rostos das pes-
soas queridas, os cenários maravilhosos da natureza, a be-
leza de muitas coisas. Jesus é a luz que me traz a vida
(«Nele estava a Vida [...] e a Vida era a Luz dos homens» -
Jo 1, 4), que transforma o mundo de um lugar de caduci-
dade e de morte num lugar onde começa a vida nova, na
participação na sua própria vida. Jesus é a luz que revela o
sentido original, autêntico da minha vida, dos desejos que
habitam no meu coração, das pessoas que eu amo, das coi-
sas que encontro no mundo. Por isso convida-me a segui-
lo, a confiar-me a Ele, a deixar-me guiar por Ele no meu
modo de viver, que me permite evitar os caminhos erra-
dos, que conduzem longe da vida, a caminhar em direcção
àquela vida em plenitude que o meu coração deseja.
Neste ponto da caminhada quaresmal posso dizer que
acolhi Jesus como luz da minha vida, seguindo-o com de-
cisão e confiança, deixando que Ele indique o caminho que
devo percorrer?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

137
Senhor Jesus, Tu sabes como os passos dos homens são
f r e q u e n t e m e n t e inseguros e o seu coração confuso. Co-
nheces a nossa dificuldade em compreender e escolher o
bem, em identificar e «conquistar» o tesouro precioso que
torna bela e vivível a nossa vida e que « n e n h u m ladrão
pode roubar» n e m «a ferrugem corroer». Vês toda a escuri-
dão que invade o nosso coração e esconde o teu rosto aos
nossos olhos. Permanece connosco com a tua palavra que
ilumina e consola; que corrige as nossas leituras erradas
acerca de ti, de Deus, da vida e das pessoas que estão pró-
ximas de nós; que é mais forte que as nossas fragilidades;
que sabe falar ao nosso coração e transformar-se em cami-
nho da nossa vida. Fica connosco, Senhor, para que sobre a
nossa vida não desça uma noite sem luz, sem esperança e
sem amor. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto narninlmexis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Esta s e m a n a , prestarei muita a t e n ç ã o à palavra de


Deus, escutada na celebração da Eucaristia e meditada
pessoalmente, fazendo de maneira que ilumine a minha
vida, me sugira as escolhas a fazer, as atitudes a assumir.

138
TERÇA-FEIIÍA

«AQUELE QUE ME E N V I O U ESTÁ C O M I G O »

2lNaquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Eu vou partir.


Haveis de procurar-me e morrereis no vosso pecado. Vós não
podeis ir para onde Eu vou.» "Diziam então os judeus: «Irá
Ele matar-se? Será por isso que Ele afirma: "Vós não podeis ir
para onde Eu vou"?» "Mas Jesus continuou, dizendo: «Vós
sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste mundo, Eu
não sou deste mundo. "Ora Eu disse-vos que morrereis nos
vossos pecados, porque senão acreditardes que "Eu sou",
morrereis nos vossos pecados.» "Então perguntaram-lhe:
«Quem és Tu?» Respondeu-lhes Jesus: «Absolutamente aquilo
que vos digo. "Tenho muito que dizer e julgar a respeito de
vós. Mas Aquele que me enviou é verdadeiro e Eu comunico
ao mundo o que lhe ouvi.» 27Eles não compreenderam que
lhes falava do Pai. "Disse-lhes então Jesus: «Quando levan-
tardes o Filho do homem, então sabereis que "Eu sou" e que
por mim nada faço, mas falo como o Pai me ensinou. -Aquele
que me enviou está comigo: não me deixou só, porque Eu
faço sempre o que é do seu agrado.» '"Enquanto Jesus dizia
estas palavras, muitos acreditaram nele (Jo 8, 21-30).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto ?

139
O trecho, no qual prossegue o debate entre Jesus e os
chefes do povo, p o d e ser dividido em duas partes: a pri-
meira refere-se ao pecado dos judeus que determina uma
clara divisão entre eles e Jesus (vv. 21-24); a segunda apre-
senta a automanifestação de Jesus que terá o seu momento
culminante sobre o Gólgota (vv. 25-30). O pecado imputa-
do aos judeus é a incredulidade e a rejeição de Jesus como
Filho de Deus. A falta de adesão plena a Ele na fé explica a
ameaça de morte que pesa sobre eles («morrereis no vosso
pecado») e que os impede de se deslocar para onde Jesus
está a dirigir-se («Vós não podeis ir para onde Eu vou!»). A
razão da oposição está no facto de Jesus e os seus interlo-
cutores se moverem em dois planos radicalmente diferen-
tes («Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima; vós sois deste
mundo, Eu não sou deste mundo» - v. 23). Jesus pertence à
esfera de Deus e da vida, os judeus, pelo contrário, estão
sujeitos à morte e à mentira, por isso permanecem no seu
pecado. Jesus usa palavras fortes com os seus adversários
(«disse-vos que morrereis nos vossos pecados, porque se
não acreditardes que " E u sou", morrereis nos vossos peca-
dos» - v. 24). Antes, Jesus tinha falado de «pecado» no sin-
gular (v. 21), aqui fala de «pecados» no plural (v. 24). O «pe-
cado» é a incredulidade e a recusa de Jesus; os «pecados»
referem-se às diversas formas e consequências do pecado
que é a incredulidade. A única maneira de evitar o pecado
e a morte é acreditar em Jesus, através do qual Deus en-
contra os h o m e n s e os salva. O s judeus, depois de tudo o
que Jesus disse sobre a sua divindade, fazem-lhe uma per-
gunta: «Quem és Tu?» - v. 25). Jesus responde falando do
Pai e daquilo q u e e s c u t o u do Pai (v. 26). O s j u d e u s n ã o
c o m p r e e n d e m que Jesus está a falar do Pai. Neste ponto,
Jesus orienta os seus interlocutores para o acontecimento
da cruz-ressurreição, c o m o m o m e n t o de revelação e de

140
salvação: «Quando levantardes o Filho do homem, então
sabereis que "Eu sou" e que por mim nada faço, mas falo
c o m o o Pai m e ensinou» (v. 28). Neste contexto, o verbo
«levantardes» significa não só levantar fisicamente n u m
pau, mas também glorificar, exaltar. Ambos os significados
se realizam em Jesus. Falando da sua morte na cruz, Jesus
insinua que esta morte será um evento que superará a pró-
pria morte com o triunfo do amor e da vida. Jesus não se
desencoraja com a incompreensão e a oposição, sabe que o
Pai «está com Ele» e «não o deixa só», porque Ele «faz sem-
pre o que é do seu agrado».
O versículo final do trecho assinala a adesão a Jesus de
muitos dos seus ouvintes ( « E n q u a n t o Jesus dizia estas
palavras, muitos acreditaram nele»).

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Na declaração de Jesus, «quando levantardes o Filho do


h o m e m , então sabereis que " E u sou"» (v. 28), encontro o
gesto da sua revelação plena. Na exaltação real da cruz e
na ressurreição, Jesus aparece como o Deus presente para
me salvar, para salvar os homens. A Páscoa é o m o m e n t o
mais alto da revelação de Jesus; só q u a n d o me aproximo
de modo adequado é que não fico prisioneiro da incredu-
lidade. De facto, não posso ver a luz se tenho os olhos fe-
chados nem ouvir a música se tapar os ouvidos; nem se-
quer posso encontrar uma pessoa amiga no meu egoísmo.
Dado que a Páscoa é o irromper na minha vida do amor de
Deus que me liberta do mal e da morte, para reconhecer

141
nela este amor e experimentá-lo como amor que livra do
pecado que há em mim, tenho de chegar lá com o «coração
aberto», ou seja, capaz de captar no dom de Jesus a presen-
ça de D e u s na m i n h a vida (nos m e u s p e n s a m e n t o s , nos
meus afectos, nas minhas decisões, no meu presente e no
meu futuro), disponível para me deixar guiar por Ele con-
fiadamente.
Na proximidade da Páscoa, que devo rever na minha
caminhada de fé para alcançar a celebração pascal com o
coração mais aberto a Jesus Cristo, ao seu dom?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Não quero ficar no meu pecado, Senhor Jesus, mas pro-


curar-te na cruz, no sepulcro que ficou vazio, porque res-
suscitaste. Sei que vais a caminho do Pai que te ama, por-
que és o Filho unigénito que não faz nada por si mesmo
mas realiza as suas obras. Q u e r o ouvir as palavras que o
Pai te disse para que Tu mas comunicasses. Naquelas pala-
vras há o eco de um amor que nunca ninguém poderá co-
municar, excepto Tu. Aquelas palavras fazem-me dom do
amor que desejo e procuro, são fundamento seguro da es-
perança de que preciso para viver. Venho à tua cruz e à tua
ressurreição para receber em ti, Crucificado-Ressuscitado,
o Deus que me ama como Pai e, amando-me, me oferece a
experiência de u m a liberdade plena e sólida. Acolho-te
para estar contigo e, desse modo, experimentar-te como
amor que liberta. Ámen.

142
Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder e a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomara partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Hoje, terei particular cuidado com a minha oração, para


estar na presença do S e n h o r com r e c o l h i m e n t o e con-
fiança.

143
QUARTA-FEIRA

A VERDADE QUE NOS LIBERTA

"Naquele tempo, dizia Jesus aos judeus que tinham acre-


ditado nele: «Se permanecerdes na minha palavra, sereis ver-
dadeiramente meus discípulos, "conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará.» "Eles responderam-lhe: «Nós somos
descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém.
Como é que Tu dizes: "Ficareis livres"?» "Respondeu Jesus:
«Em verdade, em verdade vos digo: Todo aquele que comete
o pecado é escravo. 15Ora o escravo não fica para sempre em
casa; '"sereis realmente homens livres. 17Bem sei que sois des-
cendentes de Abraão; mas procurais matar-me, porque a mi-
nha palavra não entra em vós. wEu digo o que vi junto de meu
Pai e vós fazeis o que ouvistes ao vosso pai». "Eles disseram:
«O nosso pai é Abraão.» Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis
filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. "Mas procurais
matar-me, a mim que vos disse a verdade que ouvi de Deus.
Abraão não procedeu assim. "'Vós fazeis as obras do vosso
pai.» Disseram-lhe eles: «Nós não somos filhos ilegítimos; só
temos um pai, que é Deus.» 42Respondeu-lhes Jesus: «Se Deus
fosse o vosso Pai, amar-me-íeis, porque saí de Deus e dele ve-
nho. Eu não vim de mim próprio; foi Ele que me enviou. "Por
que não entendeis a minha linguagem? Por que não podeis
ouvir a minha palavra? 44Vós tendes por pai o diabo, e quereis
realizar os desejos do vosso pai. Ele foi assassino desde o prin-
cípio, e não esteve pela verdade, porque nele não há verdade.
Quando fala mentira, fala do que lhe é próprio, porque é

144
mentiroso e pai da mentira. 45 Por isso, não acreditais em mim,
porque vos digo a verdade. 4 "Quem de vós pode acusar-me
de p e c a d o ? Se digo a verdade, por q u e não me acreditais?
4 7 Quem é de Deus escuta as palavras de Deus; vós não as es-
cutais, porque não sois de Deus» (Jo 8, 31-47).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o
Senhor dizer com este texto?

N o debate, entre Jesus e «os j u d e u s que tinham acre-


ditado nele», referido pelo nosso texto, p o d e m o s realçar
duas articulações: a) a verdade torna livres aqueles que fa-
zem as obras de Abraão (vv. 31-41); b) a filiação divina gera
a liberdade, e n q u a n t o a do d e m ó n i o gera a mentira (vv.
41b-47). O debate na primeira articulação gira à volta da
afirmação de Jesus: «Se permanecerdes na minha palavra,
sereis v e r d a d e i r a m e n t e m e u s discípulos, conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará» (vv. 31b-32). As palavras
de Jesus contêm uma promessa/condição («se permanecer-
des na minha palavra»), seguida de três resultados («sereis
meus discípulos», «conhecereis a verdade» e «a verdade
vos libertará»). O s j u d e u s e n t e n d e m mal as palavras de
Jesus e reivindicam a sua liberdade dado que «somos des-
cendentes de Abraão» (v. 33). Jesus, por sua vez, esclarece
o sentido da verdadeira afirmação, proclamando solene-
mente («Em verdade, em verdade vos digo») que a verda-
deira escravidão é a do pecado («Todo aquele que comete
o pecado é escravo» - v. 34) e que a verdade-que-liberta é
comunicada pelo Filho («Mas, se o Filho vos libertar, sereis

145
realmente livres» - v. 36). Reconhece que os seus interlo-
cutores são descendentes de Abraão; contudo, em vez de
imitar a fé de Abraão, eles opõem-se à revelação de Jesus
que «disse a verdade que ouviu de Deus». Por isso, Jesus
exorta-os a imitar as obras do seu pai Abraão («Se fôsseis
filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Vós fazeis as
obras do vosso pai» - vv. 39.41).
A nova resposta dos j u d e u s introduz a segunda arti-
culação do debate. Eles replicaram reivindicando Deus co-
m o Pai e afirmando a sua fidelidade a Deus, sem cair na
idolatria (prostituição: cf. Os 2, 4). Jesus contesta que os
seus interlocutores t e n h a m D e u s c o m o Pai, porque não
acreditam nele que diz «as palavras de Deus» («Quem é de
Deus escuta as palavras de Deus; vós não as escutais, por-
que não sois de Deus» - v. 47), acusa-os de «terem por pai
o diabo», porque se c o m p o r t a m c o m o ele, realizando as
suas obras que são o homicídio e a mentira (cf. v. 44).

Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

A afirmação de Jesus: «Se permanecerdes na minha pa-


lavra, sereis verdadeiramente m e u s discípulos, conhece-
reis a verdade e a verdade vos libertará» é de importância
capital para a minha vida de discípulo. Em primeiro lugar,
Jesus diz que é preciso ser-se fiel à sua Palavra. Não basta
que eu escute a sua Palavra, mas devo permanecer agarra-
do a esta palavra, fiel a ela, conservá-la n o coração, deixan-
do-me treinar por ela para a realizar na minha vida. O pri-

146
meiro fruto bom que esta m i n h a fidelidade à palavra de
Jesus produz em mim é que me torno seu discípulo, sigo-
-o, partilho com Ele as coisas que ouviu ao Pai (cf. 15,15), a
sua vida, a sua paixão pelo Evangelho, o seu amor pelos
h o m e n s . Estar com Jesus c o m o seu discípulo, c o m o seu
«amigo», leva-me a conhecer aquela verdade que me torna
livre. A verdade que conheço e que me liberta não é uma
série de afirmações sobre Deus, sobre o h o m e m , sobre o
mundo, sobre a minha vida, mas é o próprio Jesus: é Ele a
verdade que, conhecida e acolhida, me liberta do mal, que
levo e m mim e que está à m i n h a volta, da mentira que
ofusca o meu coração, desvia os meus desejos e confunde
a minha caminhada.
Na caminhada quaresmal, permaneci fiel à palavra de
Jesus? Será que me tornei mais seu discípulo e mais livre?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela nasce da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, desejo ser livre, porque somente na liberdade a


minha personalidade está em condições de realizar aquele
desenvolvimento harmonioso que me torna feliz; apenas
na liberdade é possível a experiência de c o m u n h ã o , de
amor, em direcção à qual me faz vibrar todo o meu ser. Sê
Tu o meu libertador de cada forma de escravidão que há
em mim: a escravidão do pecado e das paixões, da menta-
lidade mundana, que m e encerra na espiral da sensuali-
dade, da avareza e da vaidade e da inutilidade. Torna-me
livre pela força daquele amor com que Tu enfrentaste a

147
morte para a m i n h a liberdade, d e r r o t a n d o - a na ressur-
reição. Dá-me, Senhor, o teu Espírito, que é Espírito liber-
tador. Ámen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Empenhar-me-ei n u m a análise pontual e corajosa dos


maiores obstáculos que a minha liberdade encontra. Toma-
rei uma decisão adequada.

148
QUINTA-FEIRA

«SE ALGUÉM GUARDAR A MINHA PALAVRA,


NUNCA VERÁ A MORTE»

" N a q u e l e tempo, disse Jesus aos judeus: «Em verdade, em


verdade vos digo: Se alguém guardar a m i n h a palavra, nunca
verá a morte.» " R e s p o n d e r a m - l h e os judeus: «Agora sabemos
que tens o demónio. Abraão morreu, os profetas também, mas
Tu dizes: " S e alguém guardar a minha palavra, nunca sofrerá
a m o r t e . " " S e r á s Tu maior do que o n o s s o pai Abraão, q u e
m o r r e u ? E os profetas também m o r r e r a m . Q u e m pretendes
ser?» H Disse-lhes Jesus: «Se Eu me glorificar a mim próprio, a
m i n h a glória n ã o vale nada. Q u e m m e glorifica é m e u Pai,
Aquele de quem dizeis: " É o nosso Deus." 55 Vós não o conhe-
ceis, mas Eu conheço-o; e se dissesse q u e não o conhecia, seria
mentiroso como vós. Mas Eu c o n h e ç o - o e guardo a sua pala-
vra. ^Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; ele viu-o e
exultou de alegria.» 5 7 Disseram-lhe e n t ã o os judeus: «Ainda
não tens cinquenta anos e viste Abraão?!» w Jesus respondeu-
-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Antes de Abraão
existir, "Eu sou".» w Então agarraram em pedras para apedre-
jarem Jesus, mas Ele ocultou-se e saiu do templo (Jo 8, 51-59).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o Se-
nhor dizer com este texto ?

149
O debate entre Jesus e os j u d e u s termina com o con-
fronto entre J e s u s e Abraão. C o m u m a fórmula solene
(«Em verdade, em verdade vos digo»), Jesus associa a es-
cuta obediente da sua Palavra («Se alguém guardar a mi-
nha palavra») o alcance da vida em plenitude («nunca verá
a morte»). De novo, os judeus entendem mal as palavras
de Jesus e põem-no em discussão («Serás Tu maior do que
o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas t a m b é m
morreram. Q u e m pretendes ser?»). Jesus responde decla-
rando que a sua grandeza («a minha glória») provém do
Pai, com quem vive em perfeita comunhão («conheço-o»),
fazendo p l e n a m e n t e a sua vontade. Depois, proclama a
sua superioridade sobre Abraão, porque ele «exultou por
ver o m e u dia; ele viu-o e exultou de alegria» (v. 56). De
facto, Deus tinha prometido a Abraão uma descendência
numerosa, da qual haveria de nascer o Messias, b ê n ç ã o
para todos os povos. E Abraão exultou de alegria por esta
perspectiva da salvação, tornando-se, desta maneira, tes-
t e m u n h a do Messias. À afirmação sarcástica dos j u d e u s
(«Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?»), Jesus
responde declarando solenemente a sua divindade («Em,
verdade, e m v e r d a d e vos digo: Antes de Abraão existir,
"Eu sou"»). Ele, atribuindo a si mesmo o nome sacrossanto
de J H W H («Aquele que é»), proclama-se Deus, o Vivente,
como o é o Senhor Deus do Antigo Testamento. Esta pro-
clamação desencadeia a reacção dos judeus, que tentam
lapidar Jesus.
No livro do Levítico estava prescrito que quem blasfe-
masse o n o m e do S e n h o r fosse lapidado (24, 16). O uso
blasfemo da parte de Jesus do nome de J H W H merece-lhe,
segundo os judeus, a pena de morte por lapidação ou ape-
drejamento.

150
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Jesus apresenta-se a mim n ã o só c o m o aquele para


quem Abraão e o Antigo Testamento se encaminham, mas
também como o interlocutor de toda a história e de cada
pessoa que entra na história humana. Jesus é o interlocutor
de cada homem, porque garante a cada um a vida liber-
tada da ameaça da morte («Se alguém guardar a minha pa-
lavra, nunca verá a morte»). Também no Prólogo, o evan-
gelista João apresenta Jesus assim: «No princípio existia o
Verbo... Por Ele é que tudo começou a existir... Nele é que
estava a Vida ... e a vida era a Luz dos homens» (Jo 1,1-4).
Cada homem que entra na história provém de Jesus, cami-
nha à luz de Jesus, dirigiu-se para Jesus. Se eu quiser reali-
zar-me a mim mesmo, aceder àquela vida que é subtraída
à pesada hipoteca da morte, devo reconhecer Jesus como
o interlocutor privilegiado da minha existência, a raiz que
me dá consistência, a meta para onde estou a encaminhar-
-me. Este reconhecimento deve traduzir-se na escuta da
sua Palavra, no empenhamento em realizá-la todos os dias,
mas diversas circunstâncias da minha existência.
Neste ponto da c a m i n h a d a quaresmal, p e r g u n t o - m e
com sinceridade: Quanto conta Jesus na minha vida? Por-
que conta?

151
Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor, toda a minha vida é verdadeiramente centrada


em ti, porque «ainda antes da fundação do mundo», o Pai
m e escolheu em ti, me abençoou em ti, me amou em ti, me
libertou em ti. Devo alcançar a plena consciência desta ver-
dade, porque todo o m e u projecto, toda a minha aspira-
ção, toda a m i n h a decisão provêm de ti, são conduzidos
para ti, desembocam e m ti. Ajuda-me a reconhecer-te co-
mo a fonte do meu ser, o centro da minha personalidade, o
objectivo da m i n h a vida, o apaixonado o b j e c t o do m e u
amor, para que eu seja uma pessoa autêntica. Ámen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Terei em grande atenção a escuta da palavra de Deus,


na qual Jesus m e indica o caminho a percorrer. Empenhar-
-me-ei em realizar na minha vida tudo o que emergir desta
escuta.

152
SEXTA-FEIRA

«O PAI ESTÁ EM MIM E EU ESTOU NO PAI»

" N a q u e l e tempo, os j u d e u s a g a r r a r a m em pedras para


apedrejarem Jesus, " E n t ã o Jesus disse-lhes: «Apresentei-vos
muitas boas obras, da parte de meu Pai. Por qual dessas obras
me quereis apedrejar?» " R e s p o n d e r a m os judeus: «Não é por
qualquer boa obra que te q u e r e m o s apedrejar: é por blasfé-
mia, porque Tu, sendo h o m e m , te fazes Deus.» 1 4 Disse-lhes

Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: " E u disse: vós sois deu-
ses"? 15 Se a Lei chama " d e u s e s " a quem a palavra de Deus se
dirigia - e a Escritura não pode abolir-se - , v 'de mim, que o Pai
consagrou e enviou ao mundo, vós dizeis: "Estás a blasfemar",
por Eu ter dito: "Sou Filho de Deus"!» 17Se não faço as obras de
meu Pai, não acrediteis. "Mas se as faço, embora não acrediteis
em mim, acreditai nas minhas obras, para reconhecerdes e sa-
berdes que o Pai está em mim e Eu estou no Pai.» w De novo
procuraram prendê-lo, mas Ele escapou-se das suas mãos. ""Je-
sus retirou-se novamente para além do Jordão, para o local on-
de anteriormente João tinha estado a baptizar e lá permaneceu.
"'Muitos foram ter com Ele e diziam: «É certo que João não fez
n e n h u m milagre, mas tudo o que disse deste homem era ver-
dade.» 42E muitos ali acreditaram em Jesus (Jo 10,31-42).

Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o
nhor dizer com este texto ?

153
O trecho apresenta um n o v o conflito entre Jesus e os
judeus. Desenrola-se no templo, sob o pórtico de Salomão,
durante a festa da dedicação do templo (cf. vv. 22-23). A
primeira parte do debate fora provocada pela pergunta
feita pelos judeus a Jesus («Até quando nos deixarás na in-
certeza? Se és o Messias, di-lo claramente» - v. 24). A res-
posta de Jesus («Eu e o Pai somos Um» - v. 30) os judeus
reagiram com uma nova tentativa de lapidação (v. 31), in-
dicando a razão na sua blasfémia («Tu, sendo h o m e m , te
fazes Deus» - v. 33). Jesus é formalmente acusado pela pri-
meira vez de blasfémia e esta representará o motivo da
pergunta a Pilatos da sua c o n d e n a ç ã o à morte («Porque
disse que é Filho de Deus» (19, 7). Jesus prova que é Filho
de D e u s b a s e a n d o - s e , e m primeiro lugar, nas Escrituras
(«Não está escrito na vossa Lei: " E u disse: vós sois deu-
ses"?» - v. 34). A citação é extraída do salmo 82, 6. A expli-
cação dos rabinos considerava os deuses simples h o m e n s
(como os Juízes, Moisés e Jeremias), pela autoridade rece-
bida de D e u s em função de u m a missão i m p o r t a n t e a
favor do povo. Jesus, seguindo este tipo de explicação, per-
gunta-se porque é que, se alguns homens por uma função
particular são chamados deuses, não se pode chamar Filho
de D e u s àquele «que o Pai consagrou e enviou ao m u n -
do»? (v. 36). Jesus extrai a segunda prova das suas obras
(«Embora n ã o acrediteis em mim, acreditai nas m i n h a s
obras»), cuja função é precisamente a de testemunhar a
perfeita unidade entre Jesus e o Pai («para reconhecerdes
e saberdes que o Pai está em mim e Eu estou no Pai»), A
reacção dos judeus é ainda negativa: procuram prendê-lo,
mas Jesus escapa-se das suas mãos.
O trecho termina com a notícia do retiro de Jesus «para
além do Jordão», o n d e Ele tinha iniciado a sua missão e
onde, diferentemente de Jerusalém, «muitos ali acredita-
ram em Jesus».

154
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

Este texto põe-me diante de um facto desconcertante:


Jesus revela-se e os homens recusam-no. Nesta revelação
Deus liberta o homem em Jesus e o homem recusa a liber-
dade. Deus ama o homem em Jesus e o homem recusa o
amor. Deus dá ao homem aquele futuro de comunhão com
Ele e de vida, pelo qual é feito, e o homem repele-o. Deste
modo, o homem, recusando Jesus, rejeita a liberdade, o
amor, o seu próprio futuro. O problema põe-se também a
mim: acolher a revelação de Jesus, fonte da minha liberda-
de, da minha capacidade e experiência de amar, possibili-
dade de dar à minha existência um horizonte de esperan-
ça. Para mim, acolher a revelação de Jesus será escutar e
interiorizar a sua Palavra na procura e na oração, com fide-
lidade e generosidade. Cada vez que me deixar convencer
e guiar por sugestões mundanas, que me afastam de Jesus,
colocar-me-ei no caminho da recusa, fechando-me em
mim mesmo face a Ele.
Em que sectores da minha vida oponho ainda a minha
recusa ao Senhor, à sua Palavra? E por que razões?

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

155
Senhor Jesus, v e n h o a ti para te pedir que abras o meu
coração à tua Palavra, para que eu a acolha com confiança,
sem medos ou preconceitos, de m o d o que saiba reconhe-
cer-te c o m o fonte p e r m a n e n t e da m i n h a existência, ga-
rantia de liberdade, p r o m e s s a credível do m e u futuro.
Estou diante de ti com o d e s e j o p r o f u n d o de me sentir
amado por ti, até abandonar todos os medos e superar to-
das as incertezas em escutar o teu testemunho e em aco-
lher a tua oferta. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante é deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

Examinarei a m i n h a c a m i n h a d a de fé, com todas as


suas dificuldades, incertezas e conquistas.

156
SÁBADO

JESUS DEVIA MORRER


PARA REUNIR TODOS OS FILHOS DE DEUS

" N a q u e l e tempo, muitos judeus que tinham vindo visitar


Maria, para lhe apresentarem condolências pela morte de Lá-
zaro, ao verem o que Jesus fizera, ressuscitando-o dos mortos,
acreditaram nele. ""Alguns deles, p o r é m , foram ter com os
fariseus e c o n t a r a m - l h e s o q u e Jesus tinha feito. " 7 Então os
príncipes dos sacerdotes e os fariseus r e u n i r a m c o n s e l h o e
disseram: «Que havemos de fazer, u m a vez que este homem
realiza tantos milagres? ""Se o deixamos continuar assim, to-
dos acreditarão nele; e virão os romanos destruir-nos o nosso
Lugar santo e toda a nação.» ""Então Caifás, que era sumo sa-
cerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não sabeis nada. w Não

compreendeis que é melhor para nós morrer um só h o m e m


pelo povo do que perecer a nação inteira?» 5 l Não disse isto
por si próprio; mas, p o r q u e era s u m o sacerdote nesse ano,
profetizou que Jesus havia de m o r r e r pela nação; 52e não só
pela nação, mas também para congregar na unidade todos os
filhos de Deus que a n d a v a m dispersos. S, A partir desse dia,
decidiram matar Jesus. 5"Por isso Jesus já não andava aberta-
mente entre os judeus, mas retirou-se para u m a região próxi-
ma do deserto, para uma cidade chamada Efraim, e aí perma-
neceu com os discípulos. "Entretanto, estava próxima a Páscoa
dos judeus e muitos subiram da província a Jerusalém, para
se purificarem, antes da Páscoa. "'Procuravam então Jesus e
perguntavam uns aos outros no templo: «Que vos parece? Ele
não virá à festa?» (Jo 11,45-56).

157
Leiamos o texto

Ler e reler o texto, tentando pôr em destaque os seus elementos mais


significativos. A pergunta fundamental é a seguinte: Que pretende o
Senhor dizer com este texto?

O trecho é composto por três cenas: a reacção diante da


ressurreição de Lázaro (vv. 45-48); o valor salvífico da mor-
te de Jesus (vv. 49-53); o retiro de Jesus em Efraim (vv. 54-
-56). A primeira cena apresenta as diversas reacções peran-
te o milagre de Jesus, que chama à vida o amigo Lázaro:
muitos judeus «acreditaram nele», outros foram até aos fa-
riseus para denunciar Jesus.
O s chefes do povo preocupam-se com as consequên-
cias políticas da actividade de Jesus («virão os r o m a n o s
destruir-nos o nosso Lugar santo e toda a nação»), Jesus é
um profeta i n c ó m o d o e deve ser eliminado. Na segunda
cena intervém o sumo sacerdote, Caifás, que de maneira
inconsciente declara o valor salvífico da morte de Jesus
(«Não compreendeis que é melhor para nós morrer um só
h o m e m pelo p o v o do que perecer a nação inteira?»). O
evangelista exprime o seu ponto de vista; o próprio sumo
sacerdote proclama o valor universal do sacrifício de Jesus,
o qual não morre só a favor da nação judaica, «mas tam-
bém para congregar na unidade todos os filhos de Deus
que andavam dispersos». Os «filhos de Deus» são os segui-
dores de Jesus, provenientes de todas as nações, adquiri-
dos com o seu sangue. A reunião do sinédrio conclui-se
com a decisão de eliminar Jesus. A terceira cena descreve o
momentâneo retiro de Jesus em Efraim, uma aldeia a cerca
de vinte quilómetros de Jerusalém. A fama de Jesus já é co-
nhecida em toda a parte e a gente, que sobe a Jerusalém
para a Páscoa, procura-o.

158
Meditemos a Palavra

Trata-se de entrar em diálogo com a palavra de Deus mediante certas


perguntas: Que me diz o Senhor? Que atitude me sugere através deste
texto? Contra que atitude me põe de sobreaviso?

O evangelista João fala da fecundidade da morte de Je-


sus. Os samaritanos tinham proclamado Jesus como «Sal-
vador do mundo». Uma das dimensões da salvação é pre-
cisamente a recomposição da convivência humana numa
unidade mais profunda. A morte de Jesus fará dos homens
uma família de autênticos irmãos, porque libertando-os do
pecado que os impede de se dirigirem a Deus como Pai, é
também fonte de divisões. Cada pecado determina tam-
bém uma fractura entre os homens, porque é sempre a ex-
pressão de um egoísmo que encerra o ser h u m a n o em si
mesmo, isolando-o de Deus e dos outros. Em mim, a fra-
ternidade é possível porque, na fé e nos sacramentos, o
amor que conduziu Jesus à cruz tira do meu coração o pe-
cado e torna-o capaz de sentimentos e atitudes fraternas.
Por isso, vivendo uma real e generosa fraternidade, mos-
trarei a todos o fruto bom da morte de Jesus.

Rezemos com a Palavra

A oração é a minha resposta a Deus; ela brota da escuta e da medi-


tação do texto sagrado, e dirige-se ao Senhor como súplica, louvor ou
confissão.

Senhor Jesus, adoro-te no momento da tua morte; con-


templo-te crucificado, como se contempla o rosto da pes-
soa amada que tudo ofereceu por amor. Peço-te que a tua

159
morte desenraíze do meu coração toda a forma de egoís-
m o que me e n c e r r a perante os outros ou m e põe n u m a
atitude de possessividade e de exploração. Faz com que a
tua m o r t e t r a n s f o r m e a m i n h a existência n u m acto de
amor, que se torna dedicação sem cálculos, serviço sem
medida, fraternidade generosa em dar-se até ao sacrifício
pessoal. Dá-me, Senhor, um coração grande e magnânimo
que n e n h u m a ingratidão possa fechar e n e n h u m a indife-
rença possa parar. Amen.

Vivamos a Palavra

O importante e deixar que a palavra de Deus dê fruto na minha exis-


tência. A pergunta a que devemos responder é a seguinte: Quais as deci-
sões concretas a tomar a partir desta Palavra que escutei, meditei e rezei?

E m p e n h o - m e em viver a Semana Santa na atitude do


serviço e da disponibilidade gratuita, a exemplo de Jesus
crucificado. Para estar em condições de manter este empe-
n h a m e n t o , participarei com grande recolhimento e fé na
liturgia do Domingo de Ramos e do Tríduo Sagrado.

160
índice

Apresentação 7

Quarta-feira de Cinzas (Mt 6,1-6.16-18) 11


Quinta-feira depois de Cinzas (Lc 9,22-25) 15
Sexta-feira depois de Cinzas (Mt 9 , 1 4 - 1 5 ) 19
Sábado depois de Cinzas (Lc 5,27-32) 22

PRIMEIRA SEMANA DA QUARESMA

Segunda-feira (Mt 25, 31-46) 30


Terça-feira (Mt 6, 7-15) 33
Quarta-feira (Lc 11,29-32) 37
Quinta-feira ( M t 7 , 7 - 1 2 ) 41
Sexta-feira (Mt 5,20-26) 45
Sábado (Mt 5,43-48) 49

SEGUNDA SEMANA DA QUARESMA

Segunda-feira (Lc 6, 36-38) 55


Terça-feira (Mt 23,1-12) 58
Quarta-feira (Mt 20,17-28) 62
Quinta-feira (Lc 16,19-31) 66
Sexta-feira (Mt 21, 33-43.45-46) 70
Sábado (Lc 15,1-3.11-32) 74
TERCEIRA SEMANA DA QUARESMA

Segunda-feira (Lc 4, 24-30) 81


Terça-feira (Mt 18,21-35) 84
Quarta-feira (Mt 5 , 1 7 - 1 9 ) 89
Quinta-feira (Lc 11,14-23) 93
Sexta-feira (Mc 12, 28b-34) 97
Sábado (Lc 18, 9-14) 101

QUARTA SEMANA DA QUARESMA

Segunda-feira (Jo 4, 43-54) 107


Terça-feira (Jo 5, l-3a.5-16) 111
Quarta-feira (Jo 5,17-30) 115
Quinta-feira (Jo 5, 31-47) 119
Sexta-feira (Jo 7,1-2.10.25-30) 124
Sábado (Jo 7, 40-53) 128

Q U I N T A SEMANA DA QUARESMA

Segunda-feira (Jo 8 , 1 2 - 2 0 ) 135


Terça-feira (Jo 8, 21-30) 139
Quarta-feira (Jo 8, 31-47) 144
Quinta-feira (Jo 8, 51-59) 149
Sexta-feira Qo 10, 31-42) 153
Sábado 0 o 11,45-56) 157

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