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Diferentemente de outros clássicos psicodélicos, Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band não soa
como idealismo hippie. Ao contrário, o comportamento de inclusão e a abertura para a diversidade
da identidade britânica que o álbum defendeu era, para a época, essencial.
Há cinquenta anos, Sgt Pepper deu o tiro inicial para o Verão do Amor (1). O ano agora é 2017 e, a
julgar pelas mídias sociais, estamos entrando em um Verão Político de Ódio. Nestas circunstâncias,
relembrar o disco parece um gesto nostálgico, reflexo das nossas dores atuais. Mesmo assim, o re-
trato envelhecido do sol a nascer pode iluminar a situação de nosso presente. De acordo com Pep-
per, há uma rota desconhecida junto das nossas costumeiras.
A maior parte da música psicodélica da década de 60 focou na viagem interna; quando espi-
ou para fora do corpo e irradiadou-se pelo mundo, se mostrou tipicamente seletiva. De The Times
They Are A-Changin, do Bob Dylan a Monkey Island, do 13th Floor Elevators, a geração mais velha
e sua cultura foram satirizadas, temidas ou veementemente rejeitadas. Um slogan famoso dos anos
60 é “Nunca confie em alguém com mais de 30 anos”. A psicodelia se posicionou como um movi-
mento separado da sociedade. Sgt Pepper é uma parte essencialmente integral da cultura psicodélica
e é fácil verificar como ele é diferente: o álbum é para e sobre todo mundo.
O “sargento Pimenta” (Sgt Pepper) não fala sobre rejeição ao pré e pós-guerra britânico, mas
sim sobre o pré e pós-guerra vistos sob a perspectiva duma iluminação pirofágica. Desde os primei-
ros segundos, com o ruído inicial típico de uma multidão, o álbum é inteiramente inclusivo. O lan-
çamento original, aliás, vinha com pecinhas de jogo para crianças. Pode oferecer um olhar bastante
particular em certos pontos, mas acerta ao acreditar o quanto necessitamos de With a Little Help
from My Friends. Expõe a distância entre jovens e velhos nos anos 60 como em She’s Leaving
Home, mas a geração mais velha, incompreendida, é também retratada com compaixão e compreen-
são. Enquanto outras bandas da época zombavam do slogan, os Beatles entenderam a lição da psi-
codelia: nós todos somos apenas um.
Como as canções no Sgt Pepper, as histórias da coleção de Canterbury causam mais impacto
juntas do que separadas. É como o sentido de comunidade: a verdadeira natureza dos seus amigos e
família é revelada com mais clareza quando eles interagem. As histórias de Chaucer, de modo simi-
lar às canções deste álbum dos Beatles, são mais do que apenas a soma de suas partes.
Os habitantes do Reino Unido que rejeitam a ideia de serem “cidadãos de lugar nenhum”,
procuram exatamente expressões culturais profundamente enraizadas na consciência da convivência
coletiva. Sgt Pepper nos mostra que conseguimos este feito somente acolhendo e incluindo todos. O
álbum traz personalidades alemãs e norte-americanas na capa porque estas foram culturalmente im-
portantes para os rapazes. E inclui músicos indianos porque estes inspiraram a banda, devido em
parte à ligação história entre os dois países.
Visto desta forma, o fracasso dos nacionalistas em produzir uma expressão inglesa que fun-
cionasse culturalmente e que valha a pena ser citado da mesma forma que as histórias de Canterbury
ou o Sgt Pepper é compreensível. A história do Reino Unido é a soma de cada pessoa que viveu nas
ilhas. Excluir sessões da cultura é diminuir ou distorcer seu caráter autêntico. Quem almeja a igual-
dade mas está preso no viés isolacionista não irá alcançá-la. Não se alcança o modo de ser inglês
quem tenta afastar qualquer coisa que não pareça britânica, mas sim quem simplesmente vive neste
país interagindo com toda a diversidade que a região tem a oferecer.
A única forma de resolver uma cultura dividida é encontrar uma perspectiva que valorize to-
dos os lados, que não os desequilibre, não enalteça um ponto mais que outro e que os aponte como
sendo partes essenciais de algo maior. Pode ser feito por meio de tratados políticos, como o Acordo
de Belfast (3) ou a Rosa de Tudor, que ajudou a unir os lados de York e de Lancaster após a Guerra
das Rosas. Historicamente, esta foi possivelmente a única vez em que tais divisões foram elimina-
das. Apenas quando há uma complexidade maior, como por exemplo o conflito entre palestinos e is-
raelenses, fica mais difícil de ser encontrada uma solução.
Nós, na Inglaterra da era do Brexit, temos sorte a esse respeito, por termos disponível uma
perspectiva maior que poderia resolver nossas divisões se a quiséssemos usar. Sgt Pepper nos revela
que expressar a identidade inglesa, abraçar um mundo mais amplo e não rejeitar pessoas são ações
compatíveis. A propósito, o êxito de uma destas ações depende do êxito das demais.
As canções do álbum nos fazem recordar de coisas sobre a identidade inglesa que às vezes
podemos esquecer. Fixing A Hole (Tapando um buraco) nos conta que nós temos capacidade para
arregaçar as mangas e consertar coisas que estão quebradas. Getting Better (Melhorando) nos expli-
ca que podemos ser otimistas, mesmo quando o futuro parece desanimador. Within You Without You
(Dentro de Você Sem Você) nos aconselha a olhar para dentro e entender quem somos. Mas isto so-
mente pode ser realizado, o álbum nos lembra, com uma pequena ajuda dos amigos (With a little
help from my friends).
Notas de tradução:
1) O Verão do amor foi uma série de manifestações pela paz em várias partes do mundo em meados
de 1967 durante o verão do hemisfério norte.
2) A Ilha de Wight, situada ao sul de Southampton, na costa sul da Inglaterra, é a maior ilha do Ca-
nal da Mancha.
3) O Acordo de Belfast foi assinado naquela cidade em 1998 pelos governos britânico e irlandês,
com a finalidade de acabar com os conflitos entre nacionalistas e unionistas sobre a questão da uni-
ão da Irlanda do Norte com a República da Irlanda)