Você está na página 1de 6

1

Humildade e Fé
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Queridos irmãos e irmãs, o fato narrado no evangelho de hoje
deixa bem claro para nós que o Espírito Santo permitiu que cada
escritor bíblico pudesse se expressar em seu próprio estilo, como
vimos na lição dois dos estudos da profissão de fé. Mateus e Marcos
narram aquilo que aconteceu nas cidades de Tiro e Sidom, porém,
cada com à sua própria maneira. A respeito da mulher, Marcos assim:
“Essa mulher era estrangeira, de origem siro-fenícia” (Mc 7.26ª).
Mateus, por sua vez, é enfático em dizer que ela não era somente uma
“estrangeira”, mas, uma cananéia.
Talvez, alguns não percebam a diferença, mas ela está no
propósito de cada escritor. Marcos dava ênfase maior nas ações de
Jesus, por isso, a narrativa é dinâmica e impressiona o fato de o
advérbio “imediatamente” aparecer mais vezes em Marcos, um
número maior do que em todo o restante do Novo Testamento. Já
Mateus dá uma ênfase maior aos ensinos de Jesus. O amplo uso feito
por Mateus de citações e alusões ao Antigo Testamento chama a
atenção para mostrar que em Jesus aconteceu o cumprimento das
profecias. Por isso, a ênfase que Mateus dá ao fato de a mulher ser
cananeia, chama a atenção. Os cananeus eram inimigos dos judeus em
todos os aspectos, fosse social, religioso ou espiritual. Um povo que,

1
2

segundo o judaísmo, não tinha credibilidade nenhuma com ninguém


para nada. “E eis que uma mulher cananeia, que tinha vindo
daqueles lados, clamava” (Mt 15.22).
No entanto, é importante destacarmos que as ênfases de Mateus e
Marcos podem até ser diferentes uma da outra, mas, o ensino deles era
o mesmo: Jesus, o Filho de Davi, tem misericórdia daqueles que
clamam pedindo a sua ajuda. Por isso, vale muito a pena
compreendermos o contexto, no qual o texto está inserido.
As cidades de Tiro e Sidom ficavam fora da terra de Israel, onde
hoje é o Líbano. No início do capítulo 15, Jesus fala a respeito da
questão da pureza e impureza; daquilo que contamina o ser humano.
Então, o texto em si mostra que Jesus vai para um lugar impuro e
encontra uma mulher impura (por não pertencer ao povo de Israel). O
texto não diz o porquê de Jesus ter ido até lá, mas deixa claro que é o
Senhor quem decide ir. É Jesus quem toma a iniciativa. Agora, tentem
imaginar a reação dos discípulos ao descobrirem que iriam para lá?!
Certamente devem ter pensado: “como assim? Por quê?”
Então, a mulher cananeia entra em cena. Já pararam para pensar
como devia ser desgraçada a vida daquela mulher? Muito
provavelmente ela não tinha marido, porque as mulheres eram
consideradas inferiores na sociedade. Se ela fosse casada, era marido
quem procuraria Jesus. Sem contar que, a situação em que ela vivia

2
3

não era nada fácil. Sua filha estava possuída por um demônio. A
mulher não conhecia a Lei e os Profetas. Nunca tinha lido o Antigo
Testamento. Ela sabia da existência do judaísmo (assim como nós
temos ciência do islamismo, mas, nunca lemos o Alcorão). Quando
ela ficou sabendo que Jesus estava ali, muito provavelmente, trancou a
filha em casa como um animal em uma jaula, simplesmente porque
ninguém aceitaria cuidar de uma criança que estava possuída por um
espírito maligno. Isso significa que essa mulher deixou o problema de
lado e foi em busca da solução. E essa busca aconteceu com aquilo
que acreditamos ser a base da espiritualidade cristã: humildade e fé.
Agora, uma das coisas que mais chama a nossa atenção é a
posição de Jesus. A atitude que o Senhor tem é algo com o qual não
estamos acostumados a ver partindo de Jesus. Num primeiro
momento, ele age com indiferença ao não respondê-la. Em seguida,
diz aos discípulos que a prioridade dele era os judeus: “Não fui
enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 15.24).
Além disso, se dirige a ela com uma certa rispidez: “Não é correto
pegar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos.” (Mt 15.26).
Os cachorros naquela época não eram bem tratados como são
hoje. Eles eram vistos como carniceiros. Aqueles animais impuros que
reviravam o lixo atrás de comida. Então lembramos do rico e o

3
4

Lázaro, cujas feridas eram lambidas pelos cachorros (mostrando o


tamanho de sua humilhação).
Então, a mulher dá uma resposta fantástica a Jesus. “É verdade,
Senhor, pois os cachorrinhos comem das migalhas que caem da
mesa dos seus donos.” (Mt 15.27). A mulher reconhece que na cultura
judaica os cães eram desprezados. Ele se reconhecia como alguém que
merecia desprezo por parte dos judeus. Mas, também demonstrou que
na cultura dela os cães, mesmo sendo desprezados, podiam comer
aquilo que sobrava. Em outras palavras: também recebiam graça e
misericórdia, porque confiavam nos donos da casa.
Então Jesus fica impressionado! Ela fez aquilo que os fariseus
tentaram e não conseguiram: vencer Jesus em uma discussão. O
Senhor ficou sem palavras diante da fé daquela mãe desesperada. Por
isso o Senhor dá a ela essa resposta magnífica: “Mulher, que grande
fé você tem! Que seja feito como você quer. E, desde aquele
momento, a filha dela ficou curada.” (Mt 15.28).
Nesse momento, Mateus entendeu qual era o ensino de Jesus para
ele, para os demais discípulos e para todos nós. Em primeiro lugar:
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito
debaixo do céu” (Ec 3.1). Porque “Sabemos que todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados segundo o seu propósito.” (Rm 8.28). O foco de Jesus ali

4
5

era buscar as ovelhas perdidas da casa de Israel, mas, isso não


significa que os gentios ficariam de fora da salvação que ele traria
com sua morte e ressurreição. E, pela história, nós sabemos que no
momento certo, o apóstolo Paulo seria levantado por Deus para
anunciar o evangelho para os gentios, os cananeus e demais
estrangeiros.
Segundo, precisamos aprender a deixar de lado aquilo que não
edifica. Muitas vezes, direcionamos as nossas mentes e corações para
o problema em si, a ponto de pensarmos que não existe mais solução.
Somos como os discípulos que, limitados pela razão e pela lógica,
acreditaram que a única opção era mandar embora as a multidão, e
esquecemos que Deus é todo-poderoso e que está ao nosso lado.
Precisamos aprender a deixar de lado aquilo que nos afasta de Deus e
focar nos privilégios e oportunidades que temos em estar diante da sua
Palavra e dos Santo Sacramentos. Tudo isso só será possível quando
aprendermos agir com humildade e fé diante do Senhor e também
diante do irmão que erra, ou até mesmo quando nós somos o irmão
que cometeu o erro.
Terceiro, precisamos aprender a forma correta de nos colocarmos
diante de Deus. Não podemos chegar de peito estufado cobrando de
Deus aquilo que achamos que temos o direito de receber dele.
Precisamos nos achegar diante de Deus com humildade e fé,

5
6

reconhecendo que não somos dignos de estar diante dele, mas que,
mesmo assim, ele nos concede graça e misericórdia. Nos colocamos
diante de Deus com humildade e fé, porque depositamos a nossa
confiança no dono da casa.
O maior ensinamento é que Deus sempre está disposto a ouvir e
atender nosso pedido de “Kyrie Eleison” — tem misericórdia de mim,
Senhor! Porque Jesus ultrapassou os limites da Terra de Israel para
alcançar o mundo inteiro. Ele desceu do céu, entrou no inferno e
ressurgiu dos mortos, não para nos dar migalhas daquilo que sobra,
mas para nos conceder um banquete do perdão dos pecados e da vida
eterna.

Você também pode gostar