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A MULHER SIRO-FENÍCIA

EXISTE LUGAR PARA CACHORRO?


Pr EMILIO GAROFALO

encontro de Jesus com a mulher Siro-Fenícia é um dos pontos


mais complicados e intrigantes dentre todos os encontros
registrados de Jesus. Leia o texto, Mateus 15:21-28 (Marcos 7: 24-30).
O que está acontecendo aqui? Por que Jesus está interagindo
com essa estrangeira? Ele não veio para os da casa de Israel?
Por que ele a chama de cadela? E por que ela nem se ofende?
É preciso entender algumas coisas sobre o contexto do que vem
se passando nesse ponto do evangelho e também algumas
considerações sobre etnia para vermos bem o que esse texto
ensina.

Após andar por toda a Galiléia Jesus estava para começar um


período mais intenso de instrução aos 12; isso envolveu ele se
dirigir mais frequentemente a regiões gentias.
Nesse evento Jesus vai para noroeste da Galiléia, para a região
de Tiro, onde fica hoje o Líbano. Note que este era terreno
gentio: território de antigos inimigos e (às vezes) aliados de
Israel; foram os de Tiro que introduziram a adoração a Baal para
Israel.
Foram eles que se aliaram a Davi e Salomão em certas
ocasiões. Isso é importante em nossa história, não é que uma
mulher gentia aparece em território judeu – Jesus e seus
discípulos é que estão indo, intencionalmente ao território dela.
Precisamos entender um pouco melhor biblicamente essa
questão da diferença étnica, da identidade cultural.

O ideal de pureza racial é uma tolice, mas todos nós entramos


um pouco nele. Todos temos uma origem comum em Adão e
Eva, e depois, em Noé, a partir de três grandes ramos (Sem,
Cam e Jafé). Deles vem toda a diversidade do mundo. Não
percebemos, mas instintivamente achamos que na história
bíblica os personagens ou são brancos caucasianos ou o que
chamaríamos de árabes hoje em dia; Livros de histórias bíblicas
infantis perpetuam estas ideias errôneas.

Mas a realidade é muito mais complexa. Os Hebreus são apenas


um de diversos grupos semitas; e mesmo dentro desse grupo
não há uma linhagem de pureza étnica. Vamos lembrar a origem
destes: Abraão vem da Terra de Ur. Isaque voltou para
conseguir uma esposa dentro os Arameus, assim o fez também
Jacó (Israel).
Mas os filhos de Jacó se casam com mulheres Cananéias e José
se casa com uma Egípcia. Desta mistura vêm as tribos de
Israel! Hoje talvez pensemos em judeus como um povo bem
branquelo ( fãs de Big Bang Theory sabem disso…), porque mais
tarde houve bastante mistura como povos europeus.
Mas Jesus e seus discípulos não eram assim. No AT temos
exemplos de povos diversos como os oriundos da África negra,
Egípcios, Fenícios, Assírios… Sabe quem eram os mais
parecidos fisicamente com os caucasianos de hoje? Os Filisteus
e os Hititas Com isso tudo em mente voltemos ao encontro de
Jesus com essa gentia.

Vale lembrar que você, provavelmente tem mais em comum com


ela do que com Jesus e os discípulos – nós somos gentios.
Nascida gentia, com background pagão. Não uma filha de
Abraão geneticamente…
Ela sabe que não poderia vir até Jesus, mas ela foi assim
mesmo; Tim Keller diz “Existem covardes, existem pessoas
normais, existem corajosos e existem pais” – ela vai encarar o
que for necessário pelo bem estar de sua filhinha.

Algo estranho se passa então, como é que aqueles que


deveriam estar aprendendo de Jesus se ressentem da presença
dessa gentia? Por quê? Por que é que eles não abraçam essa
mulher e a acolhem ao pacto? Ela está voluntariamente vindo
até Cristo e eles querem rejeitá-la. Se a diversidade étnico-
cultural é algo criado por Deus, porque ressentimos tanto? Em
nossa pecaminosidade nós não gostamos da diversidade
criacional, preferimos a unidade e a segurança dos
semelhantes. Mas e Jesus?

Ele a trata melhor que os fariseus ou os discípulos fariam. Como


assim trata bem? Ele a chama de cadela! Vamos olhar com mais
cuidado para estas palavras duras. Não é surpresa pra ninguém
que há varias sugestões de interpretação dessa passagem.
Creio que o que está acontecendo aqui é um teste elaborado
por Jesus para examinar o coração dela e o coração dos
discípulos.

Vejamos: 1 – O teste para a mulher – Havia desde o início uma


prioridade pactual a Israel; mas o pacto com Abraão já deixava
claro que a salvação estaria disponível a todas as nações da
terra – prioridade nunca foi exclusividade. Tivemos exemplos
como Rute e Raabe – que foram parar na genealogia do Senhor
Jesus.

A ideia era que primeiro se alimentam as crianças da casa e


não os cães – os judeus sendo primeiro e depois os gentios. Mas
lembre-se da historia do próprio Senhor Jesus e seu
acolhimento frequente entre gentios quando mesmo os judeus
não queriam nada com ele. Herodes tentou matá-lo quando
ainda neném, ele foi se refugiar em terreno gentio com seus
pais. Os fariseus e escribas queriam acabar com ele.

As cidades o rejeitavam; mas os magos gentios do oriente vêm


e o adoram. Israel era lugar perigoso; terrenos gentios eram
seguros. Curiosamente gentios em muitos casos eram mais
abertos que os judeus. Ele elogia a fé de gentios como o
centurião enquanto critica a falta de fé dos judeus.

Parece que as crianças estão recusando a comida… devem


achar que não precisam mais de pão. Jesus usa a percepção
das separações étnicas para avaliar sua fé; talvez ele estivesse
querendo ver se ela não estava no fundo apenas buscando um
operador de milagres, ou se entendia que ele era algo mais.

A mulher não se ofende com as duras palavras de Cristo; ela


sabe que não tem direitos diante de Deus. Se o que Deus tem
pra ela são migalhas, ela as aceitará de bom grado. Quão
diferente da atitude arrogante de tantos que se julgam
merecedores! Ela demonstra uma medida de fé: note que ela
chega ajoelhando, ela o chama de Senhor, ela sabe acerca de
seu poder. Com o pouco de conhecimento acerca de Cristo que
tem ela já é movida a ação. Note ainda que ela pega muito mais
rápido a linguagem figurada do que os discípulos! Jesus não
precisa ficar explicando as metáforas como tinha que fazer com
os doze…

Ele no fundo diz: você não é digna de se sentar à mesa. Mas ele
deixa a porta aberta ao dizer primeiro se alimentam as
crianças… quem sabe não sobra algo para você. É vital
notarmos que ela aceita sua condição – ela reconhece que não
é digna de ser ajudada por Cristo.

Ela com fé diz: eu não mereço pão, não sou parte do povo
escolhido, se pela tua bondade o que tem para mim são
migalhas, quero as migalhas com alegria! Ela não declara ou
exige pão, como se merecesse.
Ela não é orgulhosa a ponto de não aceitar o que Cristo diz
acerca dela! Mas nós somos muitas vezes. Nós odiamos a ideia
de que somos depravados e impuros; afinal passamos a vida
ouvindo comerciais de TV dizendo que merecemos tanto…
aceitar o que a Bíblia fala a nosso respeito é difícil!

À luz disso tudo, Jesus elogia sua fé; coisa que não vemos ele
fazendo acerca dos discípulos! Logo antes tinham sido
repreendidos pela sua falta de entendimento. Ela passa no teste
com louvor. E ela recebe mais que migalhas, não é verdade? 2 –
Teste para os discípulos: Lembre-se que por vezes Jesus, o
grande professor; lançava perguntas complicadas ou dizia
coisas estranhas para fazer o povo pensar e agir.

Lembre-se que às vezes ele falava um provérbio comum de sua


época e logo virava ele de cabeça para baixo, mostrando que a
sabedoria popular era muitas vezes tolice popular. Creio que
isso está acontecendo aqui também. Em Mateus fica registrado
que os discípulos pediram que Cristo se livrasse dela; eles não
eram tão diferente dos fariseus em sua falta de compaixão.

Mas o que eles tinham de ter feito era ter pedido a Cristo por
ela! Talvez ao Jesus falar aquilo ele estivesse esperando pela
ação dos discípulos. A essa altura, eles já deveriam ter
aprendido misericórdia com Cristo – Pedro mesmo já clamara ao
Senhor por ajuda como ela estava fazendo ali. Essa é a primeira
falha. Mas a outra falha dos discípulos é mais interessante.
Note bem.

Eles ouviram Jesus dizer algo como “não há pão suficiente…os


cães só comem se sobrar… é um mundo de recursos limitados…
não há pão para todos…alguém tem de ficar sem pão.” Agora,
note na sua Bíblia o que acontece no capítulo anterior e o que
acontece no capitulo seguinte. Percebeu?

Essa história esta entre as duas ocasiões da multiplicação do


pão!! Na economia do reino a surpreendente mensagem é que
há pão para todos! Os discípulos ainda estão operando numa
visão humana mui limitada do alcance da graça e do poder de
Cristo. Eles deveriam ter tido: “mas Senhor, tu és capaz de fazer
pão se multiplicar – não há limites!

Não é necessário que apenas as crianças comam!” Israel era


culpado de usar a verdade de sua prioridade como desculpa
para não ir aos gentios, para não fazer o que Cristo estava
fazendo!

Indo na terra de gentios e trazendo boas novas a estes! O


evangelho do reino é para todas as nações; as boas novas
envolvem o fato de que Cristo morreu numa cruz para que cães
de toda raça, língua e nação pudessem ser adotados na família
e se sentarem à mesa, tornando-se criancinhas.

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