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Ilustrações:
Gino Baiense
Agradecimentos:
Kátia Vasconcelos
Pedro Sobreiro
Rodrigo da Silva Lima
Victor Arthur
Waldir Stefano
2- Não tenha medo de tais nomes, eu mesmo demorei anos para memorizar tudo isso! Quando
importantes para a história irei aparecer para ajudar! Mas, como bom cientista, te incentivo
a realizar suas próprias pesquisas sempre que achar necessário!
3- Por sorte, nossa residência não foi atingida pelas chamas. Parece que a Königstrasse,
conjunto de palavras alemãs que significam “estrada de reis”, pôde assegurar sua nobreza,
sendo um dos poucos lugares intactos.
4- Uma sociedade já não tão secreta da Prússia. Foi encerrada há algumas décadas atrás.
Aqui está uma cópia perfeita, um exato fac-símile. Para mim, é im-
portante tornar estes símbolos bizarros publicamente conhecidos, pois
eles incitaram o Professor Lidenbrock e seu sobrinho a fazerem parte da
expedição mais estranha do século XIX.
1- Um tipo de tecido estampado, rico em detalhes floridos, produzido entre os séculos XVII
e XVIII, nos Países Baixos.
2- Esta “bíblia” dos contos nórdicos reúne sagas dos antigos reis.
3- O "pai de todos", como era conhecido, era também deus da sabedoria e da morte, duas
características envoltas nas aventuras de meu tio.
2-Este poeta romano é um pilar da literatura latina, nasceu 70 anos antes de Cristo
e é responsável pela Eneida, uma das maiores clássicos do latim.
1- São as famosas ninfas de água doce na mitologia grega, com seu dom de cura e uma voz
doce, dei como um bom ornamento para meus momentos de relaxamento.
Ao ler isso, meu tio saltou como se tivesse tocado sem querer em
uma garrafa de Leyden1. Sua audácia, sua alegria e sua convicção eram
incríveis de se ver. Ele veio e foi. Ele segurava sua cabeça com ambas
as mãos. Ele empurrava as cadeiras de seus lugares e empilhava livros.
Incrivelmente, ele fazia malabarismo com seus preciosos geodos. Chu-
tava aqui, esbarrava ali. Por fim, seus nervos se acalmaram e, como um
homem exausto pelo grande gasto de poder vital, afundou em sua pol-
trona.
— Que horas são? — perguntou após uns momentos de silêncio.
— Três da tarde — respondi.
— É mesmo? Meu jantar passou rapidamente. Estou faminto! Va-
mos comer. E então...
— Então?
— Você fará minha mala.
— O quê? — exclamei.
— E a sua! — respondeu o impiedoso professor e entrou na sala de
jantar.
1-Um dispositivo inventado acidentalmente por um professor de Leiden, nos Países Baixos, que
é capaz de armazenar energia elétrica.
2- Henderson foi um teólogo e missionário escocês que durante os anos de 1814-15 viajou para
a Islândia em nome da Sociedade Bíblica Britânica. Mais tarde, ele escreveu um livro sobre suas
experiências. É acompanhado por um mapa da Islândia, gravado por Daniel e William Home
Lizars sob a direção de Henderson. A base é o tipo Knoff, provavelmente um dos mapas de
Jón Eiríksson. Mas a escala é tão pequena que poucas das observações do autor são refletidas
no mapa. A principal inovação é que os Fiordes Ocidentais foram movidos para o sul do círculo
polar.
3- Jean-Baptiste Joseph Fourier foi um brilhante físico e matemático francês que ajudou
a entendermos melhor a condução do calor em corpos sólidos.
4- Outro célebre francês, também físico e matemático, é conhecido pela famosa “distribuição
de Poisson”, usada na teoria da probabilidade e na estatística.
5- Desde jovem meu tio já andava por entre grandes nomes da ciência, Sir Humphry,
um cavaleiro da rainha, responsável por grandes invenções, como a lâmpada de Davy,
usada como uma alternativa segura para mineradores em minas de carvão, e descobertas,
como dos elementos potássio e sódio!
1- Esses destinos turísticos ficam próximos de Hamburgo, Lubeck à nordeste, uma cidade com
construções medievais clássicas de alto valor histórico, e Heligoland é um pequeno arquipélago
no Mar do Norte, onde a classe alta europeia podia desfrutar de um spa e da atmosfera liberal
da ilha.
1- Esta embarcação retirou o nome da mitologia nórdica. As valquírias eram mulheres que serviam
ao deus Odin e eram enviadas por ele aos campos de batalha para levar as almas de guerreiros
dignos aos salões de Valhalla. A nossa Valquíria nos levaria apenas para a Islândia, onde não espero
encontrar festas pela nossa chegada.
2- "A nova praça do Rei", traduzido do dinamarquês.
3- Nota do autor: Cerca de 2 francos e 75 centavos.
4- Bertel Thorvaldsen foi um escultor dinamarquês, a inspiração para suas obras vinham muitas
vezes da mitologia grega, esculpindo de deuses a heróis.
1- Os liliputianos eram os habitantes da ilha de Lilliput, uma das ilhas fictícias do clássico
“As viagens de Gulliver” de Jonathan Swift. Esses habitantes mediam cerca de 15 centímetros.
O jantar estava pronto. Ele foi devorado com voracidade pelo Pro-
fessor Lidenbrock, cuja dieta forçada a bordo havia transformado seu
estômago em um abismo profundo. Esta refeição, mais dinamarquesa
que islandesa, não possuía nada de notável nela mesma, mas nosso an-
fitrião, mais islandês que dinamarquês, me lembrou os heróis da antiga
hospitalidade. Pareceu-me evidente que éramos mais parte da casa dele
que ele mesmo.
A conversa se deu na língua nativa, que meu tio entrelaçava com o
alemão e o senhor Fridriksson com o latim de modo que eu a pudesse
compreendê-la. Ela abrangeu questões científicas, como convém aos sá-
bios. Mas o Professor Lidenbrock se manteve na mais excessiva reserva,
e, a cada frase, seus olhos me recomendavam um silêncio absoluto em
relação aos nossos próximos projetos.
Em primeiro lugar, o senhor Fridriksson questionou meu tio sobre
o resultado de suas pesquisas na biblioteca.
— Sua biblioteca! — exclamou o último — Ela consiste apenas de
livros incompletos em prateleiras quase desertas.
— O quê!? — respondeu o senhor Fridriksson — Nós possuímos
oito mil volumes, muitos dos quais são preciosos e raros, de obras na
velha língua escandinava e todas as novidades cujo Copenhague nos
abastece a cada ano.
— De onde você tirou esses oito mil volumes? Pelas minhas con-
tas...
— Ora, Professor Lidenbrock, eles percorrem o país. Nós temos
gosto pelo estudo em nossa velha ilha de gelo. Não há um fazendeiro
ou pescador que não saiba ler e que não leia. Nós acreditamos que os
livros, ao invés de mofar atrás de uma grade de ferro, longe dos olhares
curiosos, são destinados a se desgastar sob os olhos dos leitores. Assim,
esses volumes são passados de mão em mão, lidos e relidos, e muitas
vezes não retornam às suas prateleiras até um ou dois anos de ausência.
— E enquanto isso — respondeu meu tio com um certo despeito
— os estrangeiros…
1- O Index Librorum Prohibitorum é a lista de livros banidos pela Igreja Católica por serem
considerados heréticos ou contrários à moral.
2- Nota do autor: La Recherce foi enviada em 1835 pelo almirante Duperré para encontrar
os vestígios da expedição perdida de Jules de Blosseville e sua embarcação La Lilloise,
da qual nunca tivemos notícias.
3- Nota do autor: O aparelho de M. Ruhmkorff consiste em uma pilha Bunzen, ativada no centro
de bicromato de potássio, que não exala odor; uma bobina de indução coloca a eletricidade
produzida pela bateria em comunicação com uma lanterna de um arranjo particular; nesta
lanterna há uma serpentina de vidro onde o vácuo foi criado e na qual apenas um resíduo
de dióxido de carbono ou nitrogênio permanece. Quando o aparelho está em funcionamento,
esse gás torna-se luminoso produzindo uma luz esbranquiçada e contínua. A bateria
e o carretel são colocados em uma bolsa de couro que o viajante carrega ao ombro.
A lanterna, colocada externamente, ilumina muito suficientemente nas obscuridades
profundas; permite aventurar-se, sem medo de qualquer explosão, no meio dos gases mais
inflamáveis, e não sai nem nos rios mais profundos. O Sr. Ruhmkorff é um físico culto
e habilidoso. Sua grande descoberta é a bobina de indução que possibilita a produção
de eletricidade em alta tensão. Acabava de obter, em 1864, o preço quinquenal de 50.000
Francos que a França reservava para a mais engenhosa aplicação da eletricidade.
4- Um tipo de bebida forte de países como Holanda, Bélgica, Alemanha e França, feita com
zimbro.
1- Esses lugares parecem ter saído de um conto de fadas, a Calçada do Gigante é palco
de lendas irlandesas sobre uma batalha de gigantes, e a Caverna de Fingal recebeu
até uma poesia composta por Felix Mendelssohn em 1830.
2- Os elfos, seres belos e luminosos, eram muito ligados à natureza, e eram abençoados com
a longevidade e magia de dar inveja aos alquimistas. Já as sílfides, também conhecidas como
elementais do ar, manipulam o vento, as nuvens e flocos de neve ao seu bel prazer.
3- Esta arma de fogo possui um cano com abertura similar a um funil, era usada para espalhar
uma carga de chumbo grosso. Não queria servir de munição para esse vulcão.
4- Hades para os gregos, Plutão era o deus dos mortos e responsável por tudo aquilo que
se encontrava no submundo abaixo da Terra. Infelizmente, isso estava prestes a nos incluir.
Segunda-feira, 1º de Julho.
Cronômetro: 8h 17m da manhã.
Barômetro: 29 p. 7l.
Termômetro: 6º.
Direção: E. -S. -E.
1- Para os não familiarizados com a arquitetura gótica, nave é o termo usado para definir
as alas de uma catedral.
2- Nota do autor: Assim chamado porque as terras deste período são muito extensas
na Inglaterra, nas regiões outrora habitadas pela tribo céltica dos Silures.
A descida recomeçou, desta vez, pela nova galeria. Hans estava ca-
minhando para frente, como era seu hábito. Não tínhamos dado cem
passos, quando o professor, movendo sua lâmpada ao longo das pare-
des, exclamou:
— Aqui estão os terrenos primitivos! Estamos no caminho certo,
vamos lá! Vamos andar!
Quando a Terra resfriou gradativamente nos primeiros dias do
mundo, a diminuição de seu volume produziu na casca deslocamentos,
rupturas, recuos, rachaduras. O corredor atual era uma fenda desse tipo,
através da qual o granito eruptivo uma vez se derramava. Seus mil des-
vios formavam um labirinto inextricável no solo primordial.
À medida que descíamos, a sucessão de camadas que formavam o
terreno primitivo apareceu com mais clareza. A ciência geológica con-
sidera este solo primitivo como a base da crosta mineral, e reconheceu
que é constituído por três camadas diferentes, os xistos, os gnaisses e os
micaxistos, repousando sobre esta rocha inabalável chamada granito.
Mas nunca os mineralogistas se encontraram em circunstâncias
tão maravilhosas para estudar a natureza na hora. O que a sonda, má-
quina pouco inteligente e brutal, não conseguiu trazer à superfície do
globo desde sua textura interna, íamos estudar com os olhos, o toque
com as mãos.
Do outro lado do andar superior dos xistos, coloridos com belos
tons de verde, serpenteavam veios metálicos de cobre, manganês com
alguns vestígios de platina e ouro. Eu estava pensando nessas riquezas
enterradas nas entranhas do globo e das quais a humanidade ganancio-
sa nunca terá prazer! Esses tesouros, as convulsões dos primeiros dias
enterraram-nos em tal profundidade que nem a picareta nem o pico
poderão arrancá-los de seu túmulo.
Os xistos foram seguidos pelos gnaisses, de estrutura estratiforme,
notável pela regularidade e paralelismo das suas camadas, seguidos pe-
los micaxistos dispostos em grandes faixas realçadas à vista pelas cinti-
lações da mica branca.
Devo admitir que até aqui as coisas estavam indo bem, e eu teria
sido ingrato por reclamar. Se a média das dificuldades não aumentasse,
não poderíamos deixar de alcançar nosso objetivo. E que glória, então!
Cheguei até a raciocinar como um Lidenbrock. Realmente. Foi devido
ao meio estranho no qual estava vivendo? Talvez.
Durante alguns dias, encostas mais acentuadas, algumas até de
uma verticalidade assustadora, nos levavam e nos arrastavam profun-
damente no maciço interno. Em alguns dias, ganhávamos de seis a oito
quilômetros em direção ao centro. Perigosas descidas, durante as quais a
destreza de Hans e seu maravilhoso sangue-frio nos foram muito úteis.
Esse impassível islandês se dedicou com uma irreverência incompreen-
sível e, graças a ele, sobrevivemos a mais de um passo em falso, do qual
não sairíamos sozinhos.
Por exemplo, seu silêncio aumentava dia a dia. Eu até acho que ele
nos dominava. Os objetos externos têm um efeito real sobre o cérebro.
Quem se fecha em quatro paredes perdendo a capacidade de associar
ideias com palavras. Quantos prisioneiros em suas celas se tornaram
imbecis, se não loucos, por não exercerem suas capacidades pensantes?
Durante as duas semanas que seguiram nossa última conversa, não
houve nenhum incidente digno de ser relatado. Só consigo encontrar
em minha memória, e por um bom motivo, apenas um evento de extre-
ma gravidade. Teria sido difícil de esquecer dos mínimos detalhes.
No dia 7 de Agosto, nossas sucessivas descidas nos levaram a uma
profundidade de cento e vinte quilômetros. Ou seja, havia sobre nossas
cabeças cento e vinte quilômetros de rochas, oceano, continentes e cida-
des. Devíamos estar então a oitocentos quilômetros da Islândia.
Naquele dia, o túnel estava seguindo um plano pouco inclinado.
Eu andava à frente. Meu tio levava um dos aparelhos de Ruhmkorff
e eu o outro. Eu estava examinando as camadas de granito.
De repente, quando me virei, percebi que estava sozinho.
2- Também conhecido como Baco pelos romanos, é o deus grego do vinho e das festividades,
dada a minha experiência até o momento diria se tratar de um deus que não olha muito para
debaixo da Terra.
1- Lembro-me das aulas de geografia que meu tio fazia das nossas idas ao litoral. Simplificando
suas longas palestras, um cabo consiste de uma massa de terra que se estende, formando uma
ponta, na direção do mar ou oceano. Um promontório é basicamente um cabo composto por
rochas elevadas e penhascos.
3- Proserpina é uma deusa da mitologia romana, equivalente à Perséfone (grega). Nas lendas,
foi raptada por Plutão, que a fez sua esposa e a levou para junto de si no submundo. As duas
estrelas fazem alusão ao casal que governa nas profundezas da Terra.
4- Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt, nascido em Berlim, foi um grande
geógrafo, naturalista e explorador que desempenhou um grande papel em suas viagens pela
América, estudando tanto a geografia quanto a biologia local.
5- Esse importante médico e botânico fez grandes contribuições para a área de micologia,
descrevendo inúmeros cogumelos.
9- Esses grandes mamíferos, já extintos, são parentes de espécies que conhecemos hoje
em dia. Os mastodontes, mais conhecidos como mamutes, e os dinotérios eram semelhantes
aos elefantes, já os megatérios eram preguiças gigantes.
10- São depósitos de sedimentos compostos por areia, cascalho ou lama, que se acumulam
no leito dos rios.
1- Nota do autor: Mares do período secundário que formaram as terras que compõem a serra
do Jura.
……………………….
[Aqui minhas notas de viagem ficaram muito incompletas. Encon-
trei apenas algumas observações fugazes, feitas mecanicamente, por
assim dizer. Mas em sua brevidade, em sua própria obscuridade, elas
estão imbuídas da emoção que me dominou e, melhor do que minha
memória, elas transmitem o sentimento da situação.]
……………………….
1- Escolho é um topo de rochedo ou arrecife que desponta à flor da água. Geralmente não
possuem vegetação e são pequenas demais para serem habitadas.
1- Descrito por Homero na Ilíada como uma “muralha”, Ájax foi um herói da mitologia grega,
forte e imponente.
2- Esses parentes distantes do tatu, eram gigantes herbívoros que viveram nas Américas até
sua extinção ao término da última Era Glacial.
4- Gostaria de poder explicar para você todos esses grupos maravilhosos, mas temo não ter
tanto papel à minha disposição!
5- O biólogo francês Jean Louis Armand de Quatrefages de Bréau realizou diversos estudos
no campo da zoologia e foi membro de diversas sociedades científicas da época.
Para compreender essa evocação feita por meu tio a esses ilustres
sábios franceses, é necessário saber que um fato de grande importância
na paleontologia havia ocorrido há algum tempo antes de nossa partida.
Em 28 de Março de 1863, trabalhadores cavando sob a direção do
senhor Boucher de Perthes as pedreiras de Moulin-Quignon, perto de
Abbeville, no departamento de Somme na França, encontraram uma
mandíbula humana quatro metros abaixo da superfície do solo. Foi o
primeiro fóssil dessa espécie trazido à luz do dia. Perto dali encontraram
machados de pedra e sílex talhados, coloridos e revestidos pelo tempo
com uma pátina1 uniforme.
O barulho dessa descoberta era grande, não apenas na França, mas
na Inglaterra e na Alemanha também. Vários sábios do Instituto Francês,
entre eles os senhores Milne-Edwards e Quatrefages, se empenharam de
coração, demonstraram a autenticidade incontestável das ossadas em
questão e tornaram-se os mais fervorosos defensores do “julgamento da
mandíbula”, usando a expressão inglesa.
Aos geólogos do Reino Unido que tomaram o fato como certo, os
senhores Falconer, Busk, Carpenter etc., juntaram-se sábios da Alema-
nha e, entre eles, em primeiro na fila, o mais fervoroso, o mais entusias-
ta, meu tio Lidenbrock.
A autenticidade de um fóssil humano da época quaternária parecia,
portanto, indiscutivelmente demonstrada e admitida.
Esse sistema, na verdade, teve um adversário ferrenho, o senhor
Élie de Beaumont. Esse sábio de tão alta autoridade que a terra de Mou-
lin-Quignon não pertencia ao diluvium2, mas a uma camada menos
antiga e, concordando com Cuvier, não admitia que a espécie humana
fosse contemporânea dos animais da época quaternária. Meu tio Li-
denbrock, em conjunto com a maioria dos geólogos, manteve-se firme,
argumentando, discutindo, e o senhor Élie de Beaumont acabou ficando
praticamente sozinho em seu partido.
Conhecíamos todos esses detalhes do caso, mas estávamos igno-
rantes de que, desde a nossa partida, a questão havia progredido. Outras
2- Antigo termo geológico para depósitos superficiais formados por inundações. O nome vem
do dilúvio bíblico, cunhado por cientistas da época que buscavam conexões entre a geologia
e os eventos descritos no Gênesis.
3- Nota do autor: O ângulo facial é formado por dois planos, um mais ou menos vertical que
é tangente à testa e aos incisivos, e outro horizontal, que passa pela abertura dos canais auditivos
e pela espinha nasal inferior. Chamamos de prognatismo, em linguagem antropológica, essa
projeção da mandíbula que modifica o ângulo facial.
Por mais meia hora, nossos pés pisaram nessas camadas de ossos.
Seguimos em frente, movidos por uma curiosidade ardente. Que outras
maravilhas essa caverna ainda continha, quais tesouros para ciência?
Meus olhos esperavam todas as surpresas, minha imaginação, todos os
espantos.
As margens do mar haviam há muito tempo desaparecido atrás das
colinas do ossuário. O imprudente professor, pouco preocupado em se
perder, me arrastava para longe. Avançávamos silenciosamente, banha-
dos por ondas elétricas. Por um fenômeno que não posso explicar, e gra-
ças à sua difusão, que então era completa, a luz brilhava uniformemente
sob as diversas faces dos objetos. Seu foco não existia mais em um ponto
determinado do espaço e ela não produzia nenhum efeito de sombra.
Podíamos pensar que estávamos em pleno verão, no meio-dia, no meio
das regiões equatoriais sob os raios verticais do Sol. Todo vapor desapa-
receu. As rochas, as montanhas distantes e algumas massas confusas de
florestas longínquas, assumiram um aspecto estranho sob a distribuição
igual do fluido luminoso. Parecíamos aquele personagem fantástico de
Hoffmann1 que perdeu sua sombra.
Depois de uma caminhada de um quilômetro e meio, surgiu a bor-
da de uma floresta, mas não mais um daqueles bosques de cogumelos
vizinhos ao Porto Graüben.
Era a vegetação da época terciária em toda sua magnificência.
Grandes palmeiras, de espécies hoje extintas, magníficas palmáceas, pi-
nheiros, teixos, ciprestes, tuias, representavam a família das coníferas
e estavam ligados por uma rede de cipós inextricáveis. Um tapete de
musgos e hepáticas revestia suavemente o solo. Alguns riachos murmu-
ravam sob o sombreado das árvores, pouco digno desse nome, pois elas
não produziam sombra. Em suas bordas cresciam samambaias arbóre-
as, semelhantes às das estufas do globo habitado. Somente a cor faltava
a essas árvores, arbustos e plantas, privados do vivificante calor do Sol.
Tudo se fundia em um tom uniforme, acastanhado e como se estivesse
desbotado. As folhas eram desprovidas de seu verdor e as próprias flo-
Sim! Immanior ipse! Não era mais o ser fóssil cujo cadáver havía-
mos encontrado no ossuário, era um gigante capaz de comandar esses
monstros. Sua altura ultrapassava três metros e meio. Sua cabeça tão
grande quanto a de um búfalo, desaparecia em meio a uma cabeleira
selvagem. Parecia uma verdadeira crina, semelhante a dos elefantes das
primeiras eras. Ele brandia com a mão um enorme galho, digno cajado
de um pasto antediluviano.
Tínhamos permanecido imóveis, estupefatos. Mas podíamos ser
vistos. Era necessário fugir.
— Venha, venha! — exclamei arrastando meu tio, que pela primei-
ra vez se deixou levar.
Quinze minutos mais tarde, estávamos fora da vista deste formidá-
vel inimigo.
E agora, quando penso nisso tranquilamente, agora que a calma se
refez em minha mente, que meses se passaram desde aquele estranho
e sobrenatural encontro, o que pensar, o que acreditar? Não! É impos-
sível! Nossos sentidos foram enganados, nossos olhos não viram o que
estavam vendo! Nenhuma criatura humana existe neste mundo subter-
râneo! Nenhuma geração de homens habita essas cavernas inferiores do
globo, sem se preocupar com os habitantes da superfície, sem comuni-
cação com eles! Isso é insano, profundamente insano!
Prefiro admitir a existência de algum animal cuja estrutura se asse-
melha à estrutura humana, algum macaco das primeiras épocas geoló-
1- Esse personagem vem da peça Les Contes d’Hoffmann de Jules Barbier and Michel Carré,
um grande sucesso de 1851.
2- Essa deidade grega era um deus do mar, responsável pelos rebanhos marítimos. O nome
é relativo também à palavra “primeiro”.
3- Essa citação vem do grande Victor Hugo, em seu livro "O corcunda de Notre Dame" e pode ser
traduzida como "Guardião de um rebanho monstruoso, ele próprio mais monstruoso ainda".
Victor emprestou a frase de Virgílio " formosi pecoris custos formosior ipse" ou "guardião
de um belo rebanho, ele próprio mais belo ainda".
Suponho que deviam ser dez da noite. O primeiro dos meus senti-
dos que funcionou após este último impacto foi a audição. Ouvi quase
imediatamente, pois foi um ato de audição verdadeiro, ouvi o silêncio
pesar sobre a galeria, sucedendo os ruídos que, por longas horas, preen-
chiam meus ouvidos. Por fim, estas palavras do meu tio chegaram em
mim como um murmúrio:
— Estamos subindo!
— O que você quer dizer? — exclamei.
— Sim, estamos subindo! Estamos subindo!
Estendi o braço, toquei a muralha. Minha mão ficou ensanguenta-
da. Estávamos subindo com extrema rapidez.
— A tocha! A tocha! — exclamou o professor.
Hans, não sem dificuldades, conseguiu acendê-la, e a chama, man-
tendo-se de baixo para cima, apesar do movimento ascendente, lançava
uma claridade suficiente para iluminar toda a cena.
— Foi bem o que eu pensei — disse meu tio. — Estamos em um
poço estreito, que não tem oito metros de diâmetro. A água, tendo che-
gado ao fundo do abismo, volta ao seu nível e nos leva consigo.
— Para onde?
— Não sei, mas temos que estar prontos para tudo. Estamos subin-
do a uma velocidade que estimo em quatro metros por segundo, ou du-
zentos e quarenta metros por minuto, ou mais de quatorze quilômetros
por hora. Nesse passo, percorreremos um bom caminho.
— Sim, se nada nos impedir, se este poço tiver uma saída! Mas se
estiver bloqueado, se o ar se comprime pouco a pouco sob a pressão da
coluna d’água, vamos ser esmagados!
— Axel — respondeu o professor com muita calma — a situação
é quase desesperadora, mas existem algumas chances de salvação e são
essas que estou examinando. Se a qualquer instante podemos morrer, a
qualquer instante também podemos ser salvos. Então, sejamos capazes
de tirar proveito das menores circunstâncias.
— Mas o que fazer?
1- A expressão em latim, muito frequente em textos científicos, é usada para definir algo único
ou não enquadrado em classificações conhecidas. Pensando bem, grande parte de nossa
jornada merece o termo.
Viagens Extraordinárias
As inspirações de Verne