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VOLTA BOCAGE.

Encantador opúsculo
recebido através da m e -
diunidade de Francisco
Candido Xavier. São
doze magistrais sonetos,
fundados n a mais subli-
mada ética doutrinária,

JESUS NO LAR
com apreciação, comen-
tários e glossário pelo
douto P r o f . P o r t o C a r -
reiro Neto, que desenvol-
ve aí talentoso trabalho
de c r i t i c a construtiva
e ponderações valiosíssi-
mas sobre a personali-
dade de B o c a g e e sua
obra em vida, elevando,
assim, a u m total de 55
o número d e páginas
desse primoroso t r a b a -
lho que é — Volta Bo-
cage. ..
!
í
li • -'
Francisco C. Xavier

AGENDA CRISTÃ
(de André Luiz)
Conselhos, normas e
reflexões, p a r a todos os
momentos aflitivos da
vida cotidiana, ditados
pelo Espírito de A n d r é
Luiz.
Francisco Cândido Xavier

Pelo Espírito
de
ißeio l ú c i o

1." EDIÇÃO

10 milheiros

1950

FEDERAÇÃO ESPIRITA BRASILEIRA


(Departamento Editorial)
Rua Figueira de Melo, JflO e Avenida Passos,
Rio DE JANEIRO
INDICE

Págs.

Jesus no Lar 7
I O culto cristão no lar 9
II A escola das almas 12
in Explicações do Mestre 15
IV A lição da semente 18
V O servo inconstante 21
VI Os instrumentos da perfeição 24
VII O maior servidor 27
VIII O príncipe sensato 30
IX O mensageiro do amor . . . . 33
X O juiz reformado 36
XI O santo desiludido 39
XII Os descobridores do homem 42
XIII O revolucionário sincero . . . 46
XIV A coroa e as asas 50
XV O ministro sábio 53
XVI O auxílio mútuo 56
xvn A exaltação da cortesia . . . . 59
xvin A bênção do estímulo 62
XIX A receita da felicidade 65
XX A caridade desconhecida . . . 68
XXI O rico vigilante 71
Composto e impresso
nas oficinas da XXII O talismã divino ' 74
— FEDERAÇÃO — XXIII Os mensageiros distraídos . 76
XXIV Os sinais da renovação 79
XXV A visita da verdade 82
XXVI O valor do serviço 85
Págs.

O dom esquecido 88
XXVH
XXVIII A resposta celeste 91
XXIX A parábola relembrada 95
XXX A regra de ajudar 98
XXXI A razão da dor 101 JESUS NO LAR
XXXII A fé vitoriosa 104
O apelo divino 107 Para a generalidade dos estudiosos, o Cristo
xxxm A serva escandalizada 110 permanece tão somente situado na História, mo-
XXXIV A necessidade de entendi- dificando o curso dos acontecimentos políticos do
XXXV mento 113 mundo; para a maioria dos teólogos, é simples
XXXVI O problema difícil 116 objeto de estudo, nas letras sagradas, impri-
XXXVII O filho ocioso 119 mindo novo rumo às interpretações da fé; para
O argumento justo 122
xxxvni O poder das trevas 125
os filósofos, é o centro de polêmicas infindáveis,
XXXIX O venenoso antagonista . . . . 128 e, para a multidão dos crentes inertes, é o ben-
XL • O incentivo santo 131 feitor providencial nas crises inquietantes da
XLI A mensagem da compaixão 134 vida comum.
XLn A glória do esforço 137 Todavia, quando o homem percebe a gran-
xLin
A lição do essencial 140 deza da Boa-Nova, compreende que o Mestre não
XLIV
O imperativo da ação 143 é apenas o reformador da civilização, o legisla-
XLV
XLVI A árvore preciosa 146 dor da crença, o condutor do raciocínio ou o
XLVII O educador conturbado 149 doador de facilidades terrestres, mas também,
XLVín O proveito comum 152 acima de tudo, o renovador da vida de cada um.
A jornada redentora 155
XLIX Atingindo esse ápice do entendimento, a
Em oração 159
L criatura ama o templo que lhe orienta o modo
de ser; contudo, não se restringe às reuniões
conveywionais para as manifestações adorativas
e, sim, traz o Amigo Celeste ao santuário fami-
liar, onde Jesus, então, passa a controlar as pai-
xões, a corrigir as maneiras e a inspirar as pala-
vras, habilitando o aprendiz a traduzir-lhe os
ensinamentos eternos através de ações vivas,
com as quais espera o Senhor estender o divino
reinado da paz e do amor sobre a Terra.
Quando o Evangelho penetra o Lar, o co-
JESUS NO LAR
ração abre mais facilmente a porta ao Mestre
Divino.
Neio Lúcio conhece esta verdade profunda
e consagra aos discípulos novos algumas das
lições do Senhor no círculo mais íntimo dos
apóstolos e seguidores da primeira hora.
Hoje, que quase vinte séculos são já decor- I
ridos sobre as primícias da Boa-Nova, o domi-
cílio de Simão se transformou no mundo in- O CULTO CRISTÃO N O L A R
teiro ...
Jesus continua falando aos companheiros de Povoara-se o firmamento de estrelas, dentro
da noite prateada de luar, quando o Senhor, ins-
todas as latitudes. Que a sua voz incisiva e doce
talado provisoriamente em casa de Pedro, tomou
possa gravar no livro de nossa alma a lição
os Sagrados Escritos e, como se quisesse impri-
renovadora de que carecemos à frente do porvir, mir novo rumo à conversação que se fizera im-
convertendo-nos em semeadores ativos de seu produtiva e menos edificante, falou com bondade:
infinito amor, é a felicidade maior a que pode- — Simão, que faz o pescador quando se di-
remos aspirar. rige para o mercado com os frutos de cada dia?
EMMANUEL . O apóstolo pensou alguns momentos e res-
pondeu, hesitante:
— Mestre, naturalmente, escolhemos os pei-
Pedro Leopoldo, 3 de Outubro de 19^9.
xes melhores. Ninguém compra os resíduos da
pesca.
Jesus sorriu e perguntou, de novo:
— E o oleiro ? que faz para atender à tarefa
a que se propõe?
— Certamente, Senhor — redarguiu o pes-
cador, intrigado —, modela o barro, imprimin-
do-lhe a forma que deseja.
O Amigo Celeste, de olhar compassivo e ful-
gurante, insistiu:
. — E como procede o carpinteiro para alcan-
çar o trabalho que pretende?
10

O interlocutor, muito simples, informou sem


vacilar: que a constituem, a fartura começa no grão. "Fim
razão disso, o Evangelho não foi iniciado sobre
— Lavrará a madeira, usara a enxó e o
a multidão, mas, sim, no singelo domicílio dos
serrote, o martelo e o formão. De outro modo, pastores e dos animais.
não aperfeiçoará a peça bruta. Simão Pedro fitou no Mestre os olhos hu-
Calou-se Jesus, por a l g u n s instantes, e mildes e lúcidos e, como não encontrasse palavras
aduziu: adequadas para explicar-se, murmurou, tímido:
— Assim, também, é o lar diante do mundo. — Mestre, seja feito como desejas.
— Então Jesus, convidando os familiares do
O berço doméstico é a primeira escola e o pri-
apóstolo à palestra edificante e à meditação ele-
meiro templo da alma. A casa do homem é a
vada, desenrolou os escritos da sabedoria e abriu,
legítima exportadora de caracteres para a vida
na Terra, o primeiro culto cristão do lar.
comum. Se o negociante seleciona a mercadoria,,
se o marceneiro não consegue fazer um barco
sem afeiçoar a madeira aos seus propósitos, como
esperar uma comunidade segura e tranquila sem
que o lar se aperfeiçoe? A paz do mundo começa
sob as telhas a que nos acolhemos. Se não apren-
demos a viver em paz, entre quatro paredes,
como aguardar a harmonia das nações? Se nos
não habituamos a amar o irmão mais próximo,
associado à nossa luta de cada dia, como res-
peitar o Eterno Pai que nos parece distante?
Jesus relanceou o olhar pela sala modesta,
fêz pequeno intervalo e continuou:
— Pedro, acendamos aqui, em torno de quan-
tos nos procuram a assistência fraterna, uma
claridade nova. A mesa de tua casa é o lar de
teu pão.. Nela, recebes do Senhor o alimento para
cada dia. Porque não instalar, ao redor dela, a.
sementeira da felicidade e da paz na conversação,
e no pensamento ? O Pai, que nos dá o trigo para
o celeiro, através do solo, envia-nos a luz através
do Céu. Se a claridade é a expansão dos raios
— Que fazes inicialmente às lentilhas, antes
de servi-las à refeição?
A interpelada respondeu, titubeante:
— Naturalmente, Senhor, cabe-me levá-las
ao fogo para que se façam suficientemente cozi-
II das. Depois, devo temperá-las, tornando-as agra-
dáveis ao sabor.
A ESCOLA DAS A L M A S — Pretenderias, também, porventura, servir
pão cru à mesa?
Congregados, em torno do Cristo, os domés- — De modo algum — tornou a velha hu-
ticos de Simão ouviram a voz suave e persuasiva milde — ; antes de entregá-lo ao consumo caseiro,
do Mestre, comentando os sagrados textos. compete-me guardá-lo no calor do forno. Sem
Quando a palavra divina terminou a for- essa medida. ..
mosa preleção, a sogra de Pedro indagou, in- O Divino Amigo então considerou:
quieta : — Há também um banquete festivo, na vida
— Senhor, afinal de contas, que vem a ser celestial, onde nossos sentimentos devem servir
a nossa vida no lar? à glória do Pai. O lar, na maioria das vezes,
Contemplou-a e l e , significativamente, de- é o cadinho santo ou o forno preparador. O que
nos parece aflição ou sofrimento dentro dele é
monstrando a expectativa de mais amplos escla-
recurso espiritual. O coração acordado para a
recimentos, e a matrona acrescentou:
Vontade do Senhor retira as mais luminosas
— Iniciamos a tarefa entre flores para en-
bênçãos de suas lutas renovadoras, porque, so-
contrarmos depois pesada colheita de espinhos.
mente aí, de encontro uns com os outros, exami-
No começo, é a promessa de paz e compreensão; nando aspirações e tendências que não são nos-
-entretanto, logo após, surgem pedras e dissa- sas, observando defeitos alheios e suportando-os,
bores .. . aprendemos a desfazer as próprias imperfeições.
Preparando que a senhora galileia se sensi- Nunca notou a rapidez da existência de um
bilizara a£é às lágrimas, deu-se pressa Jesus em homem? A vida carnal é idêntica à flor da erva.
Pela manhã emite perfume, à noite, desaparece...
responder:
O lar é um curso ligeiro para a fraternidade que
— O lar é a escola das almas, o templo
desfrutaremos na vida eterna. Sofrimentos e
onde a sabedoria divina nos habilita, pouco a conflitos naturais, em seu círculo, são lições.
pouco, ao grande entendimento da Humanidade,
E, sorrindo, perguntou:
A sogra de Simão escutou, atenciosa, e
ponderou:
— Senhor, há criaturas, porém, que lutam
e sofrem; no entanto, jamais aprendem.
O Cristo pousou na interlocutora os olhos
muito lúcidos e tornou a indagar:
in
— Que fazes das lentilhas endurecidas que
não cedem à ação do fogo? E X P L I C A Ç Õ E S DO M E S T R E
— Ah! sem dúvida, atiro-as ao monturo,
porque feririam a boca do comensal descuidado Em plena conversação edificante, Sara, a
e confiante. esposa de Benjamim, o criador de cabras, ouvindo
— Ocorre o mesmo — terminou o Mestre — comentários do Mestre, nos doces entendimentos
com a alma rebelde às sugestões edificantes do do lar de Cafarnaum, perguntou, de olhos fasci-
lar. A luta comum mantém a fervura benéfica; nados pelas revelações novas:
todavia, quando chega a morte, a grande sele- — A ideia do Reino de Deus, em nossas
cionadora do alimento espiritual para os celeiros vidas, é realmente sublime; todavia, como ini-
de Nosso Pai, os corações que não cederam ao ciar-me nela ? Temos ouvido as pregações à beira
calor santificante, mantendo-se na mesma du- do lago e sabemos que a Boa-Nova aconselha,
reza, dentro da qual foram conduzidos ao forno acima de tudo, o amor e o perdão. .. Eu dese-
bendito da carne, serão lançados fora, a fim de jaria ser fiel a semelhantes princípios, mas sin-
permanecerem, por tempo indeterminado, na con- to-me presa a velhas normas. Não consigo des-
dição de adubo, entre os detritos da Natureza. culpar os que me ofendem, não entendo uma
. vida em que troquemos nossas vantagens pelos
interesses dos outros, sou apegada aos meus bens
a ciumenta de tudo o que aceito como sendo pro-
priedade minha.
A dama confessava-se com simplicidade, não
obstante o sorriso desapontado de quem encon-
tra obstáculos quase invencíveis.
— Para isso — comentou Pedro —, é indis-
pensável a boa vontade.
— Com a fé em Nosso Pai Celestial — aven-
NEIO LÚCIO JESUS NO L A R 17
16

turou a esposa de Simão —, atravessaremos os velho. Do serviço renovador da alma restará,-


tropeços mais duros. então, o vinagre da incompreensão, adiando o
Em todos os presentes transparecia ansiosa trabalho efetivo do Reino de Deus.
expectativa quanto ao pronunciamento do Se- A pequena assembleia, na sala de Pedro, re-
nhor, que falou, em seguida a longo silêncio: cebia a lição sublime e singela, comovidamente,
sem qualquer interferência verbal.
— Sara, qual é o serviço fundamental ,de
O Mestre, porém, levantando-se com discri-
tua casa? ção e humildade, afagou os cabelos da senhora
— E' a criação de cabras — redarguiu a que o interpelara e concluiu, generoso:
interpelada, curiosa. — O orvalho num lírio alvo é diamante ce-
— Como procedes para conservar o leite leste, mas, na poeira da estrada, é gota lama-
inalterado e puro no benefício doméstico? centa. Não te esqueças desta verdade simples e
— Senhor, antes de qualquer providência, é clara da Natureza.
imprescindível lavar, cautelosamente, o vaso em
que ele será depositado. Se qualquer detrito ficar
na ânfora, em breve todo o leite se toca de franco
azedume e já não servirá para os serviços mais
delicados.
Jesus sorriu e explanou:
— Assim é a revelação celeste no coração
humano. Se não purificamos o vaso da alma, o
conhecimento, não obstante superior, se confunde
com as sujidades de nosso íntimo, como que se
degenerando, reduzindo a proporção dos bens que
poderíamos recolher. Em verdade, Moisés e os
„ Profetas foram valorosos portadores de mensa-
gens divinas, mas os descendentes do Povo Esco-
lhido não purificaram suficientemente o recep-
táculo vivo do espírito para recebê-las. E' por
isto que os nossos contemporâneos são justos e
injustos, crentes e incrédulos, bons e maus ao
mesmo tempo. O leite puro dos esclarecimentos
elevados penetra o coração como alimento novo,
mas aí se mistura com a ferrugem do egoísmo
ocorre à semente de trigo, observa que longas
raízes o prendem às inibições terrestres... Sabe
que a maldade e a suspeita lhe rondam os passos,
que a dor é ameaça constante; todavia, experi-
menta, acima de tudo, o impulso de ascensão e
não mais consegue deter-se. Age constantemente
IV
na esfera de que se fêz peregrino, em favor do
bem geral. Não encontra seduções irresistíveis
A LIÇÃO DA SEMENTE nas flores da jornada. O reencontro com a Di-
vindade, de que se reconhece venturoso herdeiro,
Diante da perplexidade dos ouvintes, falou constitui-lhe objetivo imutável e não mais des-
Jesus, convincente: cansa, na marcha, como se uma luz consumidora
— Em verdade, é muito difícil vencer os e ardente lhe torturasse o coração. Sem perce-
aflitivos cuidados da vida humana. Para onde ber, produz frutoá de esperança, bondade, amor
se voltem nossos olhos, encontramos a guerra, e salvação, porque jamais recua para contar os
a incompreensão, a injustiça e o sofrimento. No benefícios de que se fêz instrumento fiel. A visão
Templo, que é o Lar do Senhor, comparecem o do Pai é a preocupação obcecante que lhe vibra
orgulho e a vaidade nos ricos, o ódio e a revolta na alma de filho saudoso.
nos pobres.. Nem sempre é possível trazer o O Mestre silenciou por momentos e concluiu:
coração puro e limpo, como seria de desejar, por- — Em razão disso, ainda que o discípulo
que há espinheiros, lamaçais e serpentes que nos guarde os pés encarcerados no lodo da Terra, o
rodeiam. Entretanto, a ideia do Reino Divino trabalho infatigável no bem, no lugar em que
é assim como a semente minúscula do trigo. se encontra, é o traço indiscutível de sua eleva-
Quase imperceptível é lançada à terra, supor- ção. Conheceremos as árvores pelos frutos e
tando-lhe o peso e os detritos, mas, se germina, identificaremos o operário do Céu pelos serviços
a pressão e as impurezas do solo não lhe para- em que se exprime.
lisam a marcha. Atravessa o chão escuro e, A essa altura, Pedro interferiu, pérgun- -
embora dele retire em grande parte o próprio tando:
alimento, o seu impulso de procurar a luz de — Senhor: que dizer, então, daqueles que
cima é dominante. Desde então, haja sol ou conhecem os sagrados princípios da caridade e
chuva, faça dia ou noite, trabalha sem cessar não os praticam?
no próprio crescimento e, nessa ânsia de subir, Esboçou Jesus manifesta satisfação no olhar
frutifica para o bem de todos. O aprendiz que e elucidou:
sentiu a felicidade do avivamento interior, qual
— Estes, Simão, representam sementes que
dormem, apesar de projetadas no seio dadivoso
da Terra. Guardarão consigo preciosos valores
do Céu, mas jazem inúteis por muito tempo.
Estejamos, porém, convictos de que os aguacei-
ros e furacões passarão por elas, renovando-lhes
a posição no solo, e elas germinarão, vitoriosas, V

um dia. Nos campos de Nosso Pai, há milhões


de almas assim, aguardando as tempestades re- O SERVO INCONSTANTE
novadoras da experiência, para que se dirijam
à frente de todos os presentes, o Mestre
à glória do futuro. Auxiliemo-las com amor e narrou com simplicidade:
prossigamos, por nossa vez, mirando a frente! — Certo homem encontrou a luz da Reve-
Em seguida, ante o silêncio de todos, Jesus lação Divina e desejou ardentemente habilitar-se
abençoou a pequena assembleia familiar e partiu. para viver entre os Anjos do Céu.
Tanto suplicou essa bênção ao Pai que, atra-
vés da inspiração, o Senhor o enviou ao aprimo-
ramento necessário com vistas ao fim a que se
propunha.
Por intermédio de vários amigos, orientados
pelo Poder Divino, o candidato, que demonstrava
acentuada tendência pela escultura, foi condu-
zido a colaborar com antigo mestre, em mármore
valioso. No entanto, a breve tempo, demitiu-se,
alegando a impossibilidade de submeter-se a um
homem ríspido e intratável; transferiu-se, desse
modo, para uma oficina consagrada à confecção
de utilidades de madeira, sob as diretrizes de
velho escultor. Abandonou-o também, sem de-
longas, asseverando que lhe não era possível
suportá-lo. Em seguida, empregou-se sob as de-
terminações de conhecido operário especializado
em construção de colunas em estilo grego. Não
tardou, entretanto, a deixá-lo, declarando não lhe
22 N E I O LÚCIO JESUS NO L A R 23

tolerar as exigências. Logo após, entregou-se ao dade, dentro da vida? O malho bate a bigorna,
trabalho, sob as ordens de experimentado es- o ferreiro conduz o malho, o comerciante exa-
cultor de ornamentações em arcos festivos, mas, mina a obra do ferreiro, o povo dá opinião sobre
finda uma semana, fugiu aos compromissos assu- o negociante, e o Senhor, no conjunto, analisa e
midos, afirmando haver encontrado um chefe por julga a todos. Se fugiste a pequenos serviços
demais violento e irritadiço. Depois, colocou-se do mundo, sob a alegação de que os outros eram
sob a orientação de um fabricante de arcas pre- incapazes e indignos da direção, como poderás
ciosas, de quem se afastou, em poucos dias, a entender o ministério celestial?
pretexto de se tratar de criatura desalmada e E o trabalhador inconstante passou às con-
cruei. sequências de sua queda impensada.
E, assim, de tarefa em tarefa, de oficina em Jesus fêz uma pausa e concluiu:
oficina, o aspirante ao Céu dizia, invariavel- — Quem estiver sob o domínio de pessoas
enérgicas e endurecidas na disciplina, excelentes
mente, que lhe não era possível incorporar as
resultados conseguirá recolher se souber e puder
próprias energias à experiência terrestre, por
aproveitar-lhes a aspereza, inspirando-se na ma-
encontrar, em toda parte, o erro, a maldade e a deira bruta ao contacto da plaina benfeitora.
perseguição nos que o dirigiam, até que a morte Abençoada seja a mão que educa e corrige, mas
veio busca-lo à presença dos Anjos do Senhor. bem-aventurado seja aquele que se deixa aper-
Com surpresa, porém, não os encontrou tão feiçoar ao seu toque de renovação e aprimora-
sorridentes quanto aguardava. Um deles avan- mento, porque os mestres do mundo sempre re-
çou, triste, e indagou: clamam a lição de outros mestres, mas a obra
do bem, quando realizada para todos, permanece
— Amigo, porque não te preparaste ante os
eternamente.
imperativos do Céu?
O interpelado que identificava a própria in-
ferioridade, nas sombras em que se envolvia,
clamou em pranto que só havia encontrado exi-
gência e dureza nos condutores da luta humana.
O Mensageiro, no entanto, observou, com
amargura:
— O Pai chamou-te a servir em teu próprio
proveito e, não, a julgar. Cada homem dará
conta de si mesmo a Deus. Ninguém escapará
à Justiça Divina que se pronuncia no momento
preciso. Como pudeste esquecer tão simples ver-
tência, que ambos são hipócritas, e não me arre-
pendi do que fiz.
O Mestre refletiu por minutos longos e falou,
compassivo:
— Pedro, que faz um carpinteiro na cons-
VI trução de uma casa?
— Naturalmente, trabalha — redarguiu o
OS I N S T R U M E N T O S D A P E R F E I Ç Ã O interpelado, irritadiço.
— Com quê? — tornou o Amigo Celeste,
Naquela noite, Simão Pedro trazia à con- bem humorado.'
versação o espírito ralado por extremo desgosto. — Usando ferramentas.
Agastara-se com parentes descriteriosos e Após a resposta breve de Simão, o Cristo
rudes. continuou:
Velho tio acusara-o de dilapidador dos bens — As pessoas com as quais nascemos e vi-
da família e um primo ameaçara esbofeteá-lo na vemos na Terra são os primeiros e mais impor-
via pública. tantes instrumentos que recebemos do Pai, para
a edificação do Reino do Céu em nós mesmos.
Guardava, por isso, o semblante carregado e
Quando falhamos no aproveitamento deles, que
austero.
constituem elementos de nossa melhoria, é quase
Quando o Mestre leu algumas frases dos impossível triunfar com recursos alheios, porque
Sagrados Escritos, o pescador desabafou. Des- o Pai nos concede os problemas da vida, de acor-
creveu o conflito com a parentela e Jesus o ouviu do com a nossa capacidade de lhes dar solução.
em silêncio. A ave é obrigada a fazer o ninho, mas não se lhe
Ao término do longo relatório afetivo, in- reclama outro serviço. A ovelha dará lã ao pas-
dagou o Senhor: tor; no entanto, ninguém lhe exige o agasalho
— E que fizeste, Simão, ante as arremetidas pronto. Ao homem foram concedidas outras tare-
dos familiares incompreensivos ? fas, quais sejam as do amor e da humildade, na
ação inteligente e constante para o bem comum,
— Sem dúvida, reagi como devia! — res- a fim de que a paz e a felicidade não sejam mitos
pondeu o apóstolo, veemente. — Coloquei cada na Terra. Os parentes próximos, na maioria das
um no lugar próprio. Anunciei, sem rebuços, as vezes, são o martelo ou o serrote que podemos
más qualidades de que são portadores. Meu tio utilizar a benefício da construção do templo vivo
é raro exemplar de sovinice e meu primo é men- e sublime, por intermédio do qual o Céu se mani-
tiroso contumaz. Provei, perante numerosa assis-
festará em nossa alma. Enquanto o marceneiro
usa as suas ferramentas, por fora, cabe-nos apro-
veitar as nossas, por dentro. Em todas as oca-
siões, o ignorante representa para nós um campo
de benemerência espiritual; o mau é desafio que
nos põe a bondade à prova; o ingrato é um meio
de exercitarmos o perdão; o doente é uma lição
à nossa capacidade de socorrer. Aquele que bem
vn
se conduz, em nome do Pai, junto de familiares O MAIOR SERVIDOR
endurecidos ou indiferentes, prepara-se com rapi-
dez para a glória do serviço à Humanidade, por- Presente à reunião familiar, Filipe, em dado
que, se a paciência aprimora a vida, o tempo tudo instante, perguntou ao Divino Mestre:
transforma.. — Senhor, qual é o maior servidor do Pai
Calou-se Jesus e, talvez porque Pedro tivesse entre os homens na Terra?
ainda os olhos indagadores, acrescentou serena- Jesus refletiu alguns minutos e contou:
mente : — Grande multidão se congregava em ex-
— Se não ajudamos ao necessitado de perto, tenso campo, quando aí estacionou famoso guer-
como auxiliaremos os aflitos, de longe? se não reiro carregado de espadas e medalhas, que pas-
amamos o irmão que respira conosco os mesmos sou a dar lições de tática militar, concitando os
ares, como nos consagraremos ao Pai que se circunstantes ao aprendizado da defesa. O povo
encontra no Céu? começou a fazer exercícios laboriosos, dando
saltos e entregando-se a perigosas corridas, sem
Depois destas perguntas, pairou na modesta
proveito real; todavia, continuou como dantes,
sala de Cafarnaum expressivo silêncio que nin-
sem rumo e sem júbilo, perdendo muitos jovens
guém ousou interromper.
nas atividades preparatórias de guerra provável.
Logo depois, apareceu na mesma região um gran-
de político, com pesada bagagem de códigos, e
dividiu a massa em vários partidos, declaran-
do-se os moços contra os velhos, os lares pobres
contra os ricos, os servos contra os mordomos,
e, não obstante a sementeira de benefícios mate-
riais, introduzidos na zona pela competição dos
grupos entre si, o político seguiu adiante, dei-
xando escuros espinheiros de ódio, desengano e
discórdia entre os seus colaboradores. Depois
dele, surgiu um filósofo, sobraçando volumosos seus companheiros de luta, aproveitando as ho-
alfarrábios e dividiu o povo em variadas escolas ras no ensinamento fraterno e edificante e trans-
de crença que, em breve, propagavam infrutífe- mitia suas experiências a todos os que se propu-
sessem ouvi-lo. Aperfeiçoou a madeira, plantou
ras discussões nos círculos de toda gente; a mul-
árvores benfeitoras, construiu casas e instalou
tidão duvidou de tudo, até mesmo da existência
uma escola modesta. Em breve, ao redor dele,
de si própria. A filosofia, sem dúvida, apresen- viçavam a saúde e a paz, a fraternidade e as
tava singulares vantagens, destacando-se a do bênçãos do serviço, a prosperidade e o contenta-
estímulo ao pensamento, mas as perturbações de mento de viver. Com o espírito de trabalho e
que se fazia acompanhar eram das mais lasti- educação que ele difundia, a defesa era boa, a
máveis, legando o filósofo muitas indagações inú- política ajudava, a filosofia era preciosa e o sa-
teis aos cérebros menos aptos ao esforço de cerdócio era útil, porque todas as ações, no cam-
elevação. Em seguida, compareceu um sacer- po, permaneciam agora presididas pelo santo
dote, munido de roupagens e símbolos, que for- imperativo da execução do dever pessoal no bem
neceu muitas regras de adoração ao Pai. O povo de todos.
aprendeu a dobrar os joelhos, a lavar-se e a Calou-se o Cristo, mas a assistência reduzida
suplicar a proteção divina, em horas certas. não ousou qualquer indagação.
Entretanto, todos os problemas fundamentais da Após contemplar o horizonte longínquo, em
comunidade permaneceram sem alteração. longos instantes de pensamento mudo, o Mestre
terminou:
No extenso domínio, não havia diretrizes ao
— Em verdade, há muitos trabalhadores
trabalho, nem ânimo consciente, nem valor, nem no mundo que merecem a bênção do Céu pelo
alegria. A doença e a morte, a necessidade e a bem que proporcionam ao corpo e à mente das
ignorância eram fantasmas de toda gente. criaturas, mas aquele que educa o espírito eterno,
Certo dia, porém, apareceu ali um homem ensinando e servindo, paira acima de todos.
simples. Não trazia armas, nem escrituras, nem
discussões e nem imagens, mas pelo sorriso es-
pontâneo revelava um coração cheio de boa von-
tade, guiando as mãos operosas. Não pregava
doutrinas espetacularmente; todavia, nos gestos
de bondade pura e constante, rendia culto sincero
ao Todo-Poderoso. Começou a evidenciar-se, la-
vrando uma nesga do campo e adornando-a de
flores e frutos preciosos. Conversava com os
se levantaram para a tarefa, entraram em com-
pridas conversações, com respeito às leis de soli-
dariedade, justiça e defesa, cada qual a exigir
especiais deferências dos outros. Quase ninguém
cuidava da aplicação dos regulamentos estabele-
cidos pelo governo central. Os príncipes e seus
vni afeiçoados, em maioria, por questões de confor-
to pessoal, esmeravam-se em procurar recursos
O PRINCIPE SENSATO
sutis com que pudessem sonegar, sem escândalos
visíveis entre si, os princípios a que haviam ju-
Comentavam os apóstolos, entre si, qual a
rado obediência e respeito. E tentando enganar
conduta mais aconselhável diante do Todo-Pode-
o Magnânimo Pai, por meio da bajulação, ao
roso, quando o Mestre narrou com brandura:
invés de honrá-lo com o trabalho sadio, interna- -
— Certo rei, senhor de imensos domínios,
ram-se em complicadas contendas, em torno de
desejando engrandecer o espírito dos filhos para problemas íntimos do soberano.
conferir-lhes herança condigna, conduziu-os a ex-
tenso vale verdoengo e rico de seu enorme impé- Gastaram anos a fio, discutindo-lhe a apre-
rio e confiou a cada um determinada fazenda, sentação pessoal. Insistiam alguns que ele re-
velava no rosto a brancura do lírio, enquanto
que deviam preservar e enriquecer pelo trabalho
outros perseveravam em proclamar-lhe a cor
incessante. O Pai desejava deles a coroa da com-
bronzeada, idêntica à de muitos cativos de Sídon.
preensão, do amor e da sabedoria, somente con- Muitos afirmavam que ele possuía um corpo de
quistável através da educação e do serviço; e, gigante e não poucos exigiam fosse ele um anjo
como devia utilizar material transitório, deu-lhes coroado de estrelas.
tempo marcado para as construções que lhes
Ao passo que as rixas verbais se multipli-
seriam indispensáveis, mais tarde, aos serviços
cavam, o tempo ia-se esgotando e os insetos
de elevação. Assim procedia, porque o vale era
destruidores, infinitamente reproduzidos, invadi-
sujeito a modificações e chegaria um momento
ram as terras, aniquilando-lhes grande parte dos
em que arrasadora tempestade visitaria a região,
recursos preciosos. Detritos desceram de serras
guardando-se em segurança apenas aqueles que
próximas e fizeram compacto acervo de mon-
houvessem erguido forte reduto. Assim que o turo naquelas regiões, enquanto os príncipes le-
soberano se retirou, os filhos jovens, seguidos vianos, inteiramente distraídos das obrigações
pelas numerosas tribos que os acompanhavam, fundamentais que lhes cabiam, se engalfinhavam,
descansaram, longamente, deslumbrados com a a todo instante, a propósito de ninharias.
beleza das planícies banhadas de sol. Quando
Houve, porém, um filho bem-avisado que
anotou os decretos paternais e cumpriu-os. Ja-
mais esqueceu os conselhos do rei e, quanto lhe
era possível, os estendia aos companheiros mais
próximos. Utilizou grande número de horas que
as leis vigentes lhe concediam ao repouso e cons-
truiu sólido abrigo que lhe garantiria a tranqui-
DC
lidade no futuro, semeando beleza e alegria em
toda a fazenda que o genitor lhe cedera por em- O M E N S A G E I R O DO AMOR
préstimo .
E assim, quando a tormenta surgiu, reno- Falava-se na reunião, com respeito à pre-
vadora e violenta, o príncipe sensato que amara ponderância dos sábios na Terra, quando Jesus
o monarca e servira-o, desvelado e carinhoso, tomou a palavra e contou, sereno e simples:
èstendendo-lhe as lições libertadoras, pela fra- — Há muitos anos, quando o mundo peri-
ternidade pura, e cumprindo-lhe a vontade justa gava em calamitosa crise de ignorância e perver-
e bondosa, pelo trabalho de cada dia, com as sidade, o Poderoso Pai enviou-lhe um mensageiro
aflições construtivas da alma e com o suor do da ciência, com a missão de entregar-lhe gloriosa
rosto, foi naturalmente amparado num santuário mensagem de vida eterna. Tomando forma, nos
de paz e segurança que os seus irmãos discutido- círculos da carne, o esclarecido obreiro fêz-se
res não encontraram. professor e, sumamente interessado em letras,
Doce silêncio pairou na sala singela. . . apaixonou-se exclusivamente pelas obras da in-
Decorridos alguns minutos, o Mestre fixou os teligência, afastando-se, enojado, da multidão
olhos lúcidos na pequena assembleia e concluiu: inconsciente e declarando que vivia numa van-
— Quem muito analisa, sern espírito de ser- guarda luminosa, inacessível à compreensão das
pessoas comuns. Observando-o incapaz de aten-
viço, pode viciar-se facilmente nos abusos da
der aos compromissos assumidos, o Senhor Com-
palavra, mas ninguém se arrependerá de haver
passivo providenciou a viagem de outro portador
ensinado o bem e trabalhado com as próprias
da ciência que, decorrido algum tempo, se trans-
forças, em nome do Pai Celestial, no bendito
formou em médico admirado. O novo arauto da
caminho da vida. Providência refugiou-se numa sala de ervas e
beberagens, interessando-se tão somente pelo
contacto com enfermos importantes, habilitados
à concessão de grandes recompensas, afirmando
que a plebe era demasiado mesquinha para cati-
2
JEsus :;o L A R 35

var-lhe a atenção. O Todo-Bondoso determinou,


então, a vinda de outro emissário da ciência, que fiança do Pai que o enviara. Por amar sem re-
se converteu em guerreiro célebre. Usou a es- servas os seus irmãos de luta, em muitas situa-
ções foi compelido a orar e pedir o socorro do
pada do cálculo com mestria, pôs-se à ilharga
Céu, perante as garras da calúnia e do sarcasmo;
de homens astuciosos e vingativos e, afastando-
entretanto, entendia, nas mais baixas manifesta-
-se dos humildes e dos pobres, afirmava que a ções da natureza humana, dobrados motivos para
única finalidade do povo era a de salientar a consagrar-se, com mais calor, à melhoria dos
glória dos dominadores sanguinolentos. Contris- companheiros animalizados, que ainda desconhe-
tado com tanto insucesso, o Senhor Supremo ex- ciam a grandeza e a sublimidade do Pai Benevo-
pediu outro missionário da ciência, que, em breve, lente que lhes dera o ser.
se fêz primoroso artista. Isolou-se nos salões Foi assim, fazendo-se o último de todos, que
ricos e fartos, compondo música que embriagasse conseguiu acender a luz da fé renovadora e da
de prazer o coração dos homens provisoriamente bondade pura no coração das criaturas terres-
felizes e afiançou que o populacho não lhe se- tres, elevando-as a mais alto nível, com plena
duzia a sensibilidade que ele mesmo acreditava vitória na divina missão de que fora investido.
excessivamente avançada para o seu tempo. Houve ligeira pausa na palavra doce do
Foi, então, que o Excelso Pai, preocupado Messias e, ante a quietude que se fizera espon-
com tantas negações, ordenou a vinda de um tânea no ruidoso ambiente de minutos antes,
concluiu ele, com expressivo acento na voz:
mensageiro de amor aos homens.
— Cultura e santificação representam for-
Esse outro enviado enxergou todos os qua- ças inseparáveis da glória espiritual. A sabe-
dros da Terra, com imensa piedade. Compade- doria e o amor são as duas asas dos anjos que
ceu-se do professor, do médico, do guerreiro e alcançaram o Trono Divino, mas, em toda parte,
do artista, tanto quanto se comoveu ante a des- quem ama, segue à frente daquele que simples^
ventura e a selvageria da multidão e, decidido a mente sabe.
trabalhar em nome de Deus, transformou-se no
servo diligente de todos. Passou a agir em bene-
fício geral e, identificado com o povo a que viera
servir, sabia desculpar infinitamente e repetir
mil vezes o mesmo esforço ou a mesma lição.
Se era humilhado ou perseguido, buscava com-
preender na ofensa um desafio benéfico à sua
capacidade de desdobrar-se na ação regenera-
dora, para testemunhar reconhecimento à con-
E, transcorridos alguns instantes, contou:
— Quando Israel vivia sob o governo doa
grandes juízes, existiu um magistrado austero
e violento, em destacada cidade do povo esco-
lhido, que imprimiu o terror e a crueldade em
todos os serventuários sob a sua orientação.
X Abusando dos poderes que a lei lhe conferia,
criou ordenações tirânicas para a punição das
O JUIZ REFORMADO mínimas faltas. Multiplicou infinitamente o nú-
mero dos soldados, edificou muitos cárceres e
Como houvesse o Senhor recomendado nas inventou variados instrumentos de flagelação.
instruções do dia muita cautela no julgar, a con-
O povo, asfixiado por estranhas proibições,
versação em casa de Pedro se desdobrava em der-
devia movimentar-se debaixo de severa fiscali-
redor do mesmo tema. zação, qual se fora rebanho de bravios animais.
— E' difícil não criticar — comentava Ma- Trabalharia, descansaria e adoraria o Senhor, em
teus, com lealdade —, porque, a todo instante, horas rigorosamente determinadas pela autori-
o homem de mediana educação é compelido a dade, sob pena de sofrer humilhantes castigos,
emitir pareceres na atividade comum. nas prisões, com pesadas multas de toda espécie.
— Sim — concordava André, muito fran- Se bem mandava o juiz, melhor agiam os
co —, não é fácil agir com acerto, sem analisar subordinados, cheios de natural malvadez.
detidamente. Assim foi que, certa feita, dirigindo-se o
Depois de vários depoimentos, em torno do magistrado, alta noite, a casa de um filho en-
direito de observar e corrigir, interferiu Jesus fermo, foi aprisionado, sem qualquer considera-
sem afetação: ção, por um grupo de guardas bêbedos e incons-
— Inegavelmente, h o m e m algum poderá cientes que o conduziram a escura enxovia que
cumprir o mandato que lhe cabe, no plano divino ele mesmo havia inaugurado, semanas antes. Não
da vida, sem vigiar no caminho em que se movi- lhe valeram a apresentação do nome e as hon-
menta, sob os princípios da retidão. Todavia, é rosas insígnias de que se revestia. Tomado por
necessário não inclinar o espírito aos desvarios temível ladrão, foi manietado, despojado doa
do sentimento, para não sermos vitimados por bens que trazia e espancado sem piedade, afir-
nós mesmos. Seremos julgados pela medida que mando os sentinelas que assim procediam, obe-
aplicarmos aos outros. O rigor responde ao decendo às instruções do grande juiz, que era
rigor, a paciência à paciência, a bondade à bon- ele próprio.
dade. ..
Somente no dia imediato foi desfeito o equí-
voco, quando o infeliz homem público já havia
sofrido a aplicação das penas que a sua autori-
dade estabelecera para os outros.
O legislador atribulado reconheceu, então,
que era perigoso transmitir o poder a subalter-
nos brutalizados e ignorantes, percebendo que XI
a justiça construtiva e santificante é aquela que
retifica ajudando e educando, na preparação do O SA_NTO DESILUDIDO
Reinado do Amor entre os homens.
Desde a singular ocorrência, a cidade adqui- Inclinara-se a palestra, no lar humilde de
riu outro modo de ser, porque o juiz reformado, Cafarnaum, para os assuntos alusivos à devoção,
embora prosseguisse atento às funções que lhe quando o Mestre narrou com significativo tom
competiam, ergueu, sobre o tribunal, a benefício de voz:
— Um venerado devoto retirou-se, em defi-
de todos, o coração de pai compreensivo e amo-
nitivo, para uma gruta isolada, em plena floresta,
roso.
a pretexto de servir a Deus. Ali vivia, entre
Lá fora, brilhavam estrelas, retratadas nas orações e pensamentos que julgava irrepreensí-
águas serenas do grande lago. Depois de longa veis, e o povo, .crendo tratar-se de um santo
pausa, o Mestre concluiu: messias, passou a reverenciá-lo com intraduzível
— Somente aquele que aprendeu intensa- respeito. Se alguém pretendia efetuar qualquer
mente com a vida, estudando e servindo, suando negócio do mundo, dava-se pressa em buscar-lhe
e chorando para sustentar o bem, entre os espi- o parecer. Fascinado pela alheia consideração, o
nhos da renúncia e as flores do amor, estará crente, estagnado na adoração sem trabalho,
habilitado a exercer a justiça, em nome do Pai. supunha dever situar toda gente em seu modo
de ser, com a respeitável desculpa de conquistar
o paraíso.
Se um homem ativo e de boa fé lhe trazia
à apreciação algum plano de serviço comercial,
ponderava, escandalizado:
— E' um erro. Apague a sede de lucro
que lhe ferve nas veias. Isto é ambição crimi-
nosa. Venha orar e esquecer a cobiça.
Se esse ou aquele jovem lhe rogava opinião
sobre o casamento, clamava, aflito: haviam sitiado o espírito em tão pavoroso e in-
— E* disparate. A carne está submetendo fernal torvelinho, sendo esclarecido que, se não
o seu espírito. Isto é luxúria. Venha orar e fora homicida vulgar na Terra, era ali identifi-
consumir o pecado. cado como matador da coragem e da esperança
Quando um ou outro companheiro lhe implo- em centenas de irmãos em humanidade.
rava conselho acerca de algum elevado encargo, Silenciou Jesus, mas João, muito admirado,
na administração pública, exclamava, compun- considerou:
gido: —- Mestre, jamais poderia supor que a devo-
ção excessiva conduzisse alguém a infortúnio
— E' um desastre. Afaste-se da paixão pelo
tão grande!
poder. Isto é vaidade e orgulho. Venha orar e O Cristo, porém, respondeu, imperturbável:
vencer os maus pensamentos. — Plantemos a crença e a confiança entre
Surgindo pessoa de bons propósitos, recla- os homens, entendendo, entretanto, que cada
mando-lhe a opinião quanto a alguma festa de criatura tem o caminho que lhe é próprio. A fé
fraternidade em projeto, objetava, irritadiço: sem obras é uma lâmpada apagada. Nunca nos
— E' uma calamidade. O júbilo do povo é esqueçamos de que o ato de desanimar os outros,
desregramento. Fuja à desordem. Venha orar, nas santas aventuras do bem, é um dos maio-
subtraindo-se à tentação. res pecados diante do Poderoso e Compassivo
E assim, cada consulente, em vista da imen- Senhor.
sa autoridade que o santo desfrutava, se entris-
tecia de maneira irremediável e passava a parti-
lhar-lhe os ócios na soledade, em absoluta para-
lisia da alma.
O tempo, todavia, que tudo transforma,
trouxe ao preguiçoso adorador a morte do corpo
físico.
Todos os seguidores dele o julgaram arre-
batado ao Céu e ele mesmo acreditou que, do
sepulcro, seguiria direto ao paraíso. Com inexce-
dível assombro, porém, foi conduzido por forças
das trevas a terrível purgatório de assassinos.
Em pranto desesperado indagou, à vista de seme-
lhante e inesperada aflição, dos motivos que lhe
A Necessidade que, em casos desses, sempre
surge em primeiro lugar, aproximou-se do gran-
de crente e se fêz sentir, de vários modos, dan-
do-lhe privações, obstáculos, doenças e abandono
de entes amados; entretanto, o devoto, robusto
xn na confiança, compreendeu na mensageira uma
operária celeste e venceu-a, revelando-se cada
OS D E S C O B R I D O R E S DO H O M E M vez mais firme nas virtudes de que se tornara
modelo.
Finda a leitura de alguns trechos da his- Chegou, então, a vez do Dinheiro. Acercou-
tória de Job, a palestra na residência de Simão -se do homem e conferiu-lhe mesa lauta, recursos
versou acerca da fidelidade da alma ao Pai imensos e considerações sociais de toda sorte;
Todo-Bondoso. mas o previdente aprendiz lembrou-se da cari-
Diante da vibração de alegria em todos os dade e, afastando-se das insinuações dos pra-
semblantes, Jesus contou, bem humorado: zeres fáceis, distribuiu moedas e posses em mul-
— Apareceu na velha cidade de Nínive um tiplicadas obras do bem, conquistando o equilí-
homem tão profundamente consagrado a Deus brio financeiro e a veneração geral.
que todos os seus contemporâneos, por isso, lhe ..Vitorioso na segunda prova, veio o Poder
rendiam especial louvor. Tão rasgados eram os que o investiu de larga e brilhante autoridade.
elogios à sua conduta que as informações su- O devoto, contudo, recordou que a vida, cem
biram ao Trono do Eterno. E, porque vários todas as honrarias é dons, é simples empréstimo
Arcanjos pedissem ao Todo-Poderoso a transfe- da Providência Celestial e usou o Poder com
rência dele para o Céu, determinou a Divina brandura, educando quantos o rodeavam, por
Sabedoria fosse procurado, na selva da carne, intermédio da instrução e do trabalho bem orien-
a fim de verificar-se, com exatidão, se estava tados, recebendo, em troca, a obediência e a
efetivamente preparado para a sublime inves- admiração do povo entre o qual nascera.
tidura . Triunfante e feliz, o crente foi visitado, en-
Para isso, os Anjos Educadores, a serviço fim, pela Cólera. De maneira a sondar-lhe a
do Altíssimo, enviaram à Terra quatro rudes des- posição espiritual, a instrutora invisível valeu-se
cobridores de homens santificados — e a Neces- dum servo fraco e ignorante e tocou-lhe o amor
sidade, o Dinheiro, o Poder e a Cólera desceram, próprio, falando, com manifesta desconsideração,
cada qual a seu tempo, para efetuarem as provas em assunto privado que, embora expressão da
verdade, constituía certo desrespeito a qualquer
indispensáveis.
pessoa de sua estatura social e indiscutível dig-
nidade .
do homem anotar-lhe a diminuição do amor pró-
O devoto não resistiu. Intensa onda sanguí- prio, sem a qual o espírito não reflete o brilho
nea lhe surgiu no rosto congesto e ele se desfez e a grandeza do Criador, nos campos da vida
em palavras contundentes, ferindo familiares e eterna.
servidores e prejudicando as próprias obras. O Mestre calou-se, sorriu compassivamente,
Somente depois de muitos dias, conseguiu res- de novo, e, porque ninguém retomasse a palavra,
taurar a tranquilidade, quando, porém, a Cólera a reunião da noite foi encerrada.
já lhe havia desnudado o íntimo, revelando-lhe
o imperativo de maior aperfeiçoamento e noti-
ficando, ao Senhor que aquele filho, matriculado
na escola de iluminação, ainda requeria muito
tempo, na experiência purificadora, para situar-
-se nas vibrações gloriosas da vida superior.
Curiosidade geral transparecia do semblante
de todos os presentes, que não ousaram trazer
à baila qualquer nova ponderação. Estampando
no rosto sereno sorriso, o Cristo terminou:
— Quando o homem recebe todas as infor-
mações de que necessita para elevar-se ao Céu,
determina o Pai Amoroso seja ele procurado
pelas potências educadoras. A maioria dos cren-
tes perdem a boa posição, que aparentemente des-
frutavam, nos exercícios da Necessidade que lhes
examina a resistência moral; muitos voltam es-
tragados das sugestões do Dinheiro que lhes
observa o desprendimento dos objetivos inferio-
res e a capacidade de agir na sementeira do bem;
alguns caem, desastradamente, pelas insinuações
do Poder que lhes experimenta a competência
para educar e salvar os companheiros da jornada
humana, e raríssimos são aqueles que vencem a
visita inesperada da Cólera, que vem ao círculo
fervor que um Anjo das Alturas lhe foi enviado
para a confabulação de espírito a espírito.
À frente do emissário sublime, o profeta
acusou o soberano, asseverando quanto sabia
de oitiva e suplicando aprovação celeste ao plano
xin de revolta renovadora.
O mensageiro anotou-lhe a sinceridade, es-
O REVOLUCIONÁRIO SINCERO cutou-o com paciência e esclareceu: — "Em
nome do Supremo Senhor, o projeto ficará apro-
No curso das elucidações domésticas, Judas vado, com uma condição. Conviverás com o rei,
conversava, entusiástico, sobre as anomalias na durante cem dias consecutivos, em seu próprio
governança do povo, e, exaltado, dizia das pro- palácio, na posição de servo humilde e fiel, e,
babilidades de revolução em Jerusalém, quando findo esse tempo, se a tua consciência perseve-
o Senhor comentou, muito calmo: rar no mesmo propósito, então lhe destruirás o
Trono, com o nosso apoio".
— Um rei antigo era considerado cruel pelo
O chefe honesto aceitou a proposta e cum-
povo de sua pátria, a tal ponto que o principal priu a determinação.
dos profetas do reino foi convidado a chefiar
Simples e sincero, dirigiu-se à casa real,
uma rebelião de grande alcance, que o arrancasse
onde sempre havia acesso aos.trabalhos de lim-
do Trono.
peza e situou-se na função de apagado servidor;
O profeta não acreditou, de início, nas de- no entanto, tão logo se colocou a serviço xlo
núncias populares, mas a multidão insistia. "O monarca, reparou que ele nunca dispunha de
rei era duro de coração, era mau senhor, perse- tempo para as menores obrigações alusivas ao
guia, usurpava e flagelava os vassalos em todas gosto de viver. Levantava-se rodeado de con-
as direções" — clamava-se desabridamente. selheiros e ministros impertinentes, era ator-
Foi assim que o condutor de boa fé se in- mentado por centenas de reclamações de hora
flamou, igualmente, e aceitou a ideia de uma em hora. Na qualidade de pai, era privado da
ternura dos filhos; na condição de esposo, vivia
revolução por único remédio natural e, por isso,
distante da companheira. Além disso, era obri-
articulou-a em silêncio, com algumas centenas gado, frequentemente, a perder o equilíbrio da
de companheiros decididos e corajosos. Na vés- saúde física, em vista de banquetes e cerimônias,
pera do cometimento, contudo, como possuía se- excessivamente repetidos, nos quais era compe-
gura confiança em Deus, subiu ao topo dum lido a ouvir toda a sorte de mentiras da boca
monte e rogou a assistência divina com tamanho
de súditos bajuladores e ingratos. Nunca dor-
mia, nem se alimentava em horas certas e, onde ponderação irreverente, mas o Mestre Divino an-
estivesse, era constrangido a vigiar as próprias tecipou-se a ele, falando, incisivo:
palavras, sendo vedada ao seu espírito qualquer — A revolução é sempre o engano trágico
expressão mais demorada de vida que não fosse daqueles que desejam arrebatar a outrem o cetro
do governo. Quando cada servidor entende o
o artifício a sufocar-lhe o coração.
dever que lhe cabe no plano da vida, não há
O orientador da massa popular reconheceu disposição para a indisciplina, nem tempo para
que o imperante mais se assemelhava a um a insubmissão.
escravo, duramente condenado a servir sem re-
pouso, em plena solidão espiritual, porquanto
o rei não gozava nem mesmo a facilidade de
cultivar a comunhão com Deus, por intermédio
da prece comum.
Findo o prazo estabelecido, o profeta, radi-
calmente transformado, regressou ao monte para
atender ao compromisso assumido, e, notando
que o Anjo lhe aparecia, no curso das orações,
implorou-lhe misericórdia para o rei, de quem
ele agora se compadecia sinceramente. Em se-
guida, congregou o povo e notificou a todos os
companheiros de ideal que o soberano era, talvez,
o homem mais torturado em todo o reino e que,
ao invés da suspirada insubmissão, competia-
-lhes, a cada um, maior entendimento e mais tra-
balho construtivo, no lugar que lhes era próprio
dentro do país, a fim de que o monarca, de si
mesmo tão escravizado e tão desditoso, pudesse
cumprir sem desastres a elevada missão de que
fora investido.
E, assim, a rebeldia foi convertida em com-
preensão e serviço.
Judas, desapontado, parecia ensaiar alguma
tasse atrás dos próprios passos, a ver o trilho
percorrido e que, de sua atitude na revisão do ca-
minho, dependeria a concessão de asas com que
lhe seria possível voar ao encontro do Pai Eterno.
O interessado regressou, mas, agora, auxi-
XIV
liado pela fulgurante auréola de que fora inves-
tido, podia contemplar todos os ângulos da senda,
A COROA E AS ASAS antes inextricável ao seu olhar.
Não conteve o riso, diante das estranhas
Comentava-se, na reunião, as glorias do sa- roupagens de que os viajadores da retaguarda se
ber, quando o Cristo, para ilustrar a palestra,
vestiam.
contou, despretensioso:
Aqui, notava uma túnica rota; acolá, uma
— Um homem amante da verdade, infor- sandália extravagante. Peregrinos inúmeros se
mando-se de que o aprimoramento intelectual apoiavam em bordões quebradiços, enquanto ou-
conduz à divina sabedoria, atirou-se à elevação tros se amparavam em capas misérrimas; entre-
da montanha da ciência, empenhando todas as tanto, cada qual, com impertinência infantil,
forças que possuía no decisivo cometimento. A marchava senhor de si, como se envergasse a
vereda era sombria qual obscuro labirinto; con- roupa mais valiosa do mundo.
tudo, o esforçado lidador, olvidando dificulda- O vencedor da ciência não suportou as im-
des e perigos, avançava sempre, trocando de pressões que o quadro lhe causava e abriu-se em
vestuário para melhor acomodar-se às exigên- frases de zombaria, reprovando acremente a igno-
cias da marcha. De tempos a tempos, lançava rância de quantos seguiam em vestes ridículas
à margem da estrada uma túnica que se fizera ou inadequadas. Gritou, condenou e fêz apodos
estreita ou uma alpercata que se lhe afigurava contundentes. Dirigiu-se à comunidade dos via-
inservível, procurando indumentária nova, até jantes com tamanha ironia que muitos renun-
que, um dia, depois de muitos anos, alcançou ciaram à subida, retornando à inércia da pla-
a desejada culminância, onde um representante nície vasta.
de Deus lhe surgiu ao encontro. Após amaldiçoar a todos, indistintamente,
O emissário cumprimentou-o, abraçou-o e re- voltou o herói coroado ao cume do monte, na
vestiu-lhe a fronte com deslumbrante coroa de expectativa de partir sem detença ao encontro
luz. Todavia, quando o vencedor do conheci- do Pai, mas o Anjo, muito triste, explicou-lhe
mento quis prosseguir adiante, na direção do que a roupagem dos outros, que lhe provocara
v
tanto sarcasmo inútil, era aquela mesma de que
Paraíso, recomendou-lhe o mensageiro que vol-
52 N E T O Ltrcio

ele se servira para elevar-se, ao tempo em que


era frágil e semi-cego, e que as asas de luz, com
que deveria erguer-se ao Trono Divino, somente
lhe seriam dadas, quando edificasse o amor no
imo do coração. Faltavam-lhe piedade e en-
tendimento; que ele voltasse demoradamente ao
caminho e auxiliasse os semelhantes, sem o que XV
jamais conseguiria equilibrar-se no Céu.
Alguns minutos de silêncio seguiram-se in- O MINISTRO SABIO
devassáveis.. .
O Mestre, todavia, imprimindo significativa Mateus discorria, solene, sobre a missão
ênfase às palavras, terminou: dos que dirigem a massa popular, especificando
— Há muitas almas, na Terra, ostentando deveres dos administradores e dificuldades dos
a luminosa coroa da ciência, mas de coração servos.
adormecido na impiedade, salientando-se no sar- A conversação avançava, pela noite a den-
casmo pueril e na censura indébita. Envenenadas tro, quando Jesus, notando que os aprendizes lhe
pela incompreensão, exigentes e cruéis, fulminam esperavam a palavra amiga, narrou, sorridente:
os companheiros mais fracos no entendimento ou — Um reino existia, em cuja intimidade
na cultura, ao invés de estender-lhes as mãos apareceu um grande partido de adversários do
fraternais, reconhecendo que também já foram soberano que o governava. Pouco a pouco, o
assim, tateantes e imperfeitos.. . Enquanto, po- espírito de rebeldia cresceu em certas famílias
rém, não se decidirem a ajudar o irmão menos revoltadas e, a breves semanas, toda uma pro-
esclarecido e menos afortunado, acolhendo-o no víncia em desespero se ergueu contra o mo-
próprio espírito, com sinceridade e devotamente, narca, entravando-lhe as ações.
não receberão as asas com que lhes será lícito Naturalmente preocupado, o rei convidou
partir na direção do Céu. um hábil juiz para os encargos de primeiro mi-
nistro do país, desejoso de apagar a discórdia;
mas o juiz começou a criar quantidade enorme
de leis e documentos escritos, que não chegaram
a operar a mínima alteração.
Desiludido, o imperante substituiu-o por um
doutrinador famoso. O tribuno, porém, condu-
zido à elevada posição, desfez-se em discursos
veementes e preciosos que não modificaram a
perturbação reinante. Reparou, aí, a existência de inúmeras cria-
turas sem teto, sem trabalho e sem instrução,
Continuavam os inimigos internos solapando
e erigiu casas, criou oficinas, abriu estradas e
o prestígio nacional, quando o soberano pediu o
improvisou escolas, incentivando o serviço e a
socorro de um sacerdote que, situado em tão educação, lutando, com valioso espírito de enten-
nobre posto, amaldiçoou, de imediato, os ele- dimento e fraternidade, contra a preguiça e a
mentos contrários ao rei, piorando o problema. ignorância.
Desencantado, o monarca trouxe um médico Não transcorreu muito tempo e todas as
à direção dos negócios gerais, mas tão logo se discórdias do reino desapareceram, porque a ação
viu em palácio, partilhando as honras públicas, concreta do bem eliminara toda a desconfiança,
o novo ministro afirmou, para conquistar o favor toda a dureza e indecisão dos espíritos enfermi-
régio, que o partido de adversários da Coroa se ços e inconformados.
constituía de doentes mentais, e fêz disso pro- Mateus contemplava o Senhor, embevecida-
paganda tão ruinosa que a indisciplina se tornou mente, deliciando-se com as ideias de bondade
mais audaciosa e a revolta mais desesperada. salvadora que enunciara, e Jesus, respondendo-
-lhe à atenção com luminoso sorriso, acrescen-
Pressentindo o trono em perigo, o sobe-
tou para finalizar:
rano substituiu o médico por um general célebre,
que tomou providência drástica, arregimentando — O ódio pode atear muito incêndio de dis-
forças armadas nas regiões fiéis e mobilizando-as córdia, no mundo, mas nenhuma teoria de salva-
ção será realmente valiosa sem o justo benefício
contra os irmãos insubmissos. Estabeleceu-se a
aos espíritos que a maldade ou a rebelião dese-
guerra civil. E quando a morte começou a ceifar
quilibraram. Para que o bem possa reinar entre
vidas inúmeras, inclusive a do temido lidador os homens, há-de ser uma realidade positiva no
militar que se convertera em primeiro ministro campo do mal, tanto quanto a luz há-de surgir,
do reino, o imperante, de alma confrangida, con- pura e viva, a fim de expulsar as trevas.
vidou um sábio a ocupar-se do posto então vazio.
Esse chegou à administração, meditou algum
tempo e deu início a novas atividades. Não criou
novas leis, não pronunciou discursos, não cen-
surou os insurretos, não perdeu tempo em zom-
baria e nem estimulou qualquer cultura de vin-
gança.
Dirigiu-se em pessoa à região conflagrada,
a fim de observar-lhe as necessidades.
desconhecido seria um peso insuportável. Temos
frio e tempestade. Precisamos ganhar a aldeia
próxima sem perda de minutos".
E avançou para diante em largas passadas.
O viajor de bom sentimento, contudo, incli-
nou-se para o menino estendido, demorou-se al-
XVI
guns minutos colando-o paternalmente ao próprio
peito e, aconchegando-o ainda mais, marchou
O AUXILIO MÚTUO adiante, embora menos rápido.
A chuva gelada caiu, metódica, pela noite
Diante dos companheiros, André leu expres- a dentro, mas ele, sobraçando o valioso fardo,
sivo trecho de Isaías e falou, comovido, quanto depois de muito tempo atingiu a hospedaria do
às necessidades da salvação. povoado que buscava. Com enorme surpresa,
Comentou Mateus os aspectos menos agra- porém, não encontrou aí o colega que o prece-
dáveis do trabalho e Filipe opinou que é sempre dera. Somente no dia imediato, depois de minu-
muito difícil atender à própria situação, quando ciosa procura, foi o infeliz viajante encontrado
nos consagramos ao socorro dos outros. sem vida, num desvão do caminho alagado.
Jesus ouvia os apóstolos em silêncio e, quan- Seguindo à pressa e a sós, com a ideia
do as discussões, em derredor, se enfraqueceram, egoística de preservar-se, não resistiu à onda
comentou, muito simples: de frio que se fizera violenta e tombou enchar-
— Em zona montanhosa, através de região cado, sem recursos com que pudesse fazer face
deserta, caminhavam dois velhos amigos, ambos ao congelamento, enquanto que o companheiro,
enfermos, cada qual a defender-se, quanto pos- recebendo, em troca, o suave calor da criança
sível, contra os golpes do ar gelado, quando que sustentava junto do próprio coração, superou
foram surpreendidos por uma criança semi-mor- os obstáculos da noite frígida, guardando-se in-
ta, na estrada, ao sabor da ventania de inverno. dene de semelhante desastre. Descobrira a subli-
Um deles fixou o singular achado e clamou, midade do auxílio mútuo.. . Ajudando ao menino
irritadiço: — "Não perderei tempo. A hora exige abandonado, ajudara a si mesmo. Avançando
com sacrifício para ser útil a outrem, conseguira
cuidado para comigo mesmo. Sigamos à frente".
triunfar dos percalços da senda, alcançando as
O outro, porém, mais piedoso, considerou:
bênçãos da salvação recíproca.
— "Amigo, salvemos o pequenino. E' nosso
irmão em humanidade". A história singela deixara os discípulos sur-
— "Não posso — disse o companheiro, en- preendidos e sensibilizados.
durecido —, sinto-me cansado e doente. Este
Terna admiração transparecia nos olhos hú-
midos das mulheres humildes que acompanhavam
a reunião, ao passo que os homens se entreolha-
vam, espantados.
Foi então que Jesus, depois de curto silêncio,
concluiu expressivamente:
— As mais eloquentes e exatas testemunhas XVII
de um homem, perante o Pai Supremo, são as
suas próprias obras. Aqueles que amparamos A EXALTAÇÃO DA CORTESIA
constituem nosso sustentáculo. O coração que
socorremos converter-se-á agora ou mais tarde À frente da multidão de sofredores e desa-
em recurso a nosso favor. Ninguém duvide. Um lentados, relacionou o Mestre as bem-aventuran-
homem sozinho é simplesmente um adorno vivo ças, destacando, com ênfase, a declaração de que
da solidão, mas aquele que coopera em benefício os mansos herdariam a Terra.
do próximo é credor do auxílio comum. Ajudan- A afirmativa, porém, soou entre os discípu-
do, seremos ajudados. Dando, receberemos: esta los de maneira menos agradável.
é a Lei Divina. Tal asserção não seria encorajamento à ocio-
sidade mental?
Se o Evangelho reclamava espíritos valo-
rosos na sementeira das verdades renovadoras,
como acomodar a promessa com a necessidade
do destemor? Se o mal era atrevido e contun-
dente, em todos os climas e posições, como esta-
belecer o triunfo inadiável do bem através da
incapacidade de reagir, embora pacificamente?
Nessas interrogações imprecisas, reuniu-se
a assembleia familiar no domicílio de Pedro.
Iniciados os comentários edificantes da noi-
te, entreolhavam-se os discípulos entre a inda-
gação e a curiosidade.
O Divino Amigo parecia perceber os moti-
vos da expectação, em torno, mas esperava, se-
reno, que os seguidores se pronunciassem.
Foi então que Judas, rompendo o véu de
respeito que aureolava a presença do Mestre,
inquiriu, loquaz:
filhos do equilíbrio e da gentileza que aprendem
— Senhor, porque atribuíste aos mansos a negar o mal, sem ferir o irmão ignorante que
a posse final da Terra? Os corações acovardados o solicita sem saber o que pede! Abençoados os
gozarão de semelhante bênção? Os incapazes de que repetem mil vezes a mesma lição, sem alarde,
testemunhar a fé, nos momentos graves de luta para que o próximo lhes aproveite a influencia-
e sacrifício, serão igualmente bem-aventurados? ção na felicidade justa de todos! Bem-aventura-
Jesus não respondeu, de imediato. dos aqueles que sabem tratar o rico e o pobre,
o sábio e o inculto, o bom e o mau, com espírito
Vagueou o olhar, através dos circunstantes, de serviço e entendimento, dando a cada um,
como a pedir-lhes a exposição de quaisquer dú- de conformidade com os seus méritos e necessi-
vidas que lhes povoassem a alma. dades e deixando os sinais de melhoria, de ele-
Pedro cobrou ânimo e perguntou: vação, bem-estar e contentamento por onde cru-
— Sim, Mestre: se um malfeitor visitar-me zam ! Em verdade vos digo que a eles pertencerá
a casa, não devo recordar-lhe os imperativos do o domínio espiritual da Terra, porque todo aquele
acatamento recíproco? entregar-me-ei sem qual" que acolhe os semelhantes, dentro dag normas
quer admoestação fraternal aos seus delituosos do amor e do respeito, é senhor dos corações que
caprichos, a pretexto tíe guardar a mansidão a se aperfeiçoam no mundo!
que te referiste? Alívio e alegria transbordaram do ânimo
O Cristo sorriu, como tantas vezes, e enun- geral e, de olhos fitos, agora, nas águas imensas
ciou, calmo: do grande lago, o Senhor pediu a Mateus encer-
rasse o fraterno entendimento da noite, pronun-
— Enganaram-se todos, naturalmente. Eu
ciando uma prece.
não fiz o elogio da preguiça, que se mascara de
humildade, nem da covardia que se veste de
cordura para melhor acomodar-se às conveniên-
cias humanas. As criaturas que se afeiçoam
a semelhantes artificies sofrerão duramente os
instrumentos espirituais de que o mundo se uti-
liza para reajustar os caracteres tortuosos e
indecisos. Exaltei, na realidade, a cortesia de
que somos credores uns dos outros. Bem-aventu-
rados os homens de trato ameno que sabem usar
a energia construtiva entre o gesto de bondade
e o verbo da compreensão! Bem-aventurados os
Cercada de tantas lamentações e lágrimas,
a senhora meditou, meditou... e, em seguida,
dirigiu-se ao interior, de onde voltou sobraçando
pequena caixa de madeira, cuidadosamente cer-
rada, e falou aos rapazes com segurança:
xvm — "Meus filhos, não nos achamos em tama-
nha miserabilidade. Neste cofre possuímos va-
lioso tesouro que a previdência paternal lhes
A B Ê N Ç Ã O DO ESTÍMULO
deixou. E' fortuna capaz de fazer a nossa feli-
cidade geral; entretanto, os maiores depósitos
Comentavam os aprendizes que a verdade
do mundo desaparecem quando não se alimentam
constitui dever primordial, acima de todas as nas fontes do trabalho honesto e produtivo. Em
obrigações comuns, quando Filipe afiançou que, verdade, o nosso ausente, quando desceu ao re-
a pretexto de cultuar-se a realidade, ninguém pouso, nos empenhou em dívidas pesadas; toda-
deveria aniquilar a consolação. E talvez por rc- via, não será justo o esforço pelas resgatar com
portar-se André à franqueza com que o Mestre a preservação de nosso precioso legado? Apro-
atendia aos mais variados problemas da vida, o veitemos o tempo, melhorando a própria sorte e,
Senhor tomou a palavra e contou, atencioso: se concordam comigo, abriremos a caixa, mais
— Devotado chefe de família que lutava tarde, a menos que as exigências do pão se façam
com bravura por amealhar recursos com que insuperáveis".
pudesse sustentar o barco doméstico, depois de Belo sorriso de alegria e reconforto apa-
desfrutar vasto período de fartura, viu-se pobre receu no semblante de todos.
e abandonado pelos melhores amigos, de uma Ninguém discordou da sugestão materna.
semana para outra, em virtude de enorme desas- No dia seguinte, os seis jovens atacaram
tre comercial. O infeliz não soube suportar o corajosamente o serviço da terra. Valendo-se de
golpe que o mundo lhe vibrava no espírito e grande gleba alugada, plantaram o trigo, com
imenso desvelo, em valoroso trabalho de colabo-
morreu, após alguns dias, ralado por inominá-
ração e, com tanto devotamento se portaram
veis dissabores. que, findos seis anos, os débitos da família se
Entregue a si mesma, ao pé de seis filhos achavam liquidados, enorme propriedade rural
jovens, a valorosa viúva enxugou o pranto e fora adquirida e o nome do pai coroado, de
reuniu os rebentos, ao redor de velha mesa que novo, pela honra justa e pela fortuna próspera.
lhes restava, e verificou que os moços amargu- Quando já haviam superado de muito os
rados pareciam absolutamente vencidos pela tris-
teza e pelo desânimo.
bens perdidos pelo pai, reuniram-se, certa noite,
com a genitora, a fim de conhecerem o legado
intacto.
A velhinha trouxe o cofre, com inexcedível
carinho, sorriu satisfeita e abriu-o sem grande
esforço. Com assombro dos filhos, porém, den-
tro do estojo, encontraram somente velho per- XJX
gaminho com as belas palavras de Salomão:
— "O filho sábio alegra seu pai, mas o A RECEITA DA FELICIDADE
filho insensato é a tristeza de sua mãe. Os tesou-
ros da impiedade de nada aproveitam; contudo, Tadeu, que era dos comentaristas mais in-
a justiça livra-nos da morte no mal. O Senhor flamados, no culto da Boa-Nova, em casa de
não deixa com fome a alma do justo; entretanto, Pedro, entusiasmara-se na reunião, relacionando
recusa a fazenda dos ímpios. Aquele que tra- os imperativos da felicidade humana e clamando
balha com mão enganosa, empobrece; todavia, contra os dominadores de Roma e contra os
a mão dos diligentes enriquece para sempre". rabinos do Sinédrio.
Entreolharam-se os rapazes com júbilo indi- Tocado de indisfarçável revolta, dissertou
zível e agradeceram a inolvidável lição que o largamente sobre a discórdia e o sofrimento rei-
carinho materno lhes havia doado. nantes no povo, situando-lhes a causa nas defi-
Silenciou o Mestre, sob a expressão de con- ciências políticas da época, e, depois que expen-
tentamento e curiosidade dos discípulos e, finda deu várias considerações preciosas, em torno do
a ligeira pausa, terminou, sentencioso: assunto, Jesus perguntou-lhe:
— Quem classificaria de enganadora e men- — Tadeu, como interpreta você a felici-
dade?
tirosa essa grande mulher? Seja o nosso falar
"sim, sim" e "não, não" nos lances graves da — Senhor, a felicidade é a paz de todos.
vida, mas nunca espezinhemos a bênção do estí- O Cristo estampou significativa expressão
mulo nas lutas edificantes de cada dia. O grelo fisionômica e ponderou:
tenro é a promessa do fruto. A pretexto de — Sim, Tadeu, isto não desconheço; entre-
tanto, estimaria saber como se sentiria você real-
acender a luz da verdade, que ninguém destrua
mente feliz.
a candeia da esperança.
O discípulo, com algum acanhamento, enun-
ciou :
— Mestre, suponho que atingiria a suprema
3
tranquilidade se pudesse alcançar a compreensão
boa vontade que presumo conservar em mi-
dos outros. nhalma.
Desejo, para esse fim, que o próximo me Acima de tudo, Senhor, estaria sumamente
não despreze as intenções nobres e puras. satisfeito se quantos peregrinam comigo me con-
Sei que erro, muitas vezes, porque sou hu- cedessem direito de experimentar livremente o
mano; entretanto, ficaria contente se aqueles que meu gênero de felicidade pessoal, desde que me
convivem comigo me reconhecessem o sincero sinta aprovado pelo código do bem, no campo
propósito de acertar. de minha consciência, sem ironias e críticas des-
cabidas .
Respiraria abençoado júbilo se pudesse con-
fiar em meus semelhantes, deles recebendo a Resumindo, Mestre, eu queria ser compreen-
dido, respeitado e estimado por todos, embora
justa consideração de que me sinto credor, em
não seja, ainda, o modelo de perfeição que o
face da elevação de meu ideal. Céu espera de mim, com o abençoado concurso
Suspiro pelo respeito de todos, para que eu da dor e do tempo.
possa trabalhar sem impedimentos. Calou-se o apóstolo e esboçou-se, na sala
Regozijar-me-ia se a maledicência me singela, incontido movimento de curiosidade ante
quecesse. a opinião que o Cristo adotaria.
Vivo na expectativa da cordialidade alheia Alguns dos companheiros esperavam que o
e julgo que o mundo seria um paraíso se as Amigo Celeste usasse o verbo em comprida dis-
sertação, mas o Mestre fixou os olhos muito
pessoas da estrada comum se tratassem de acor-
límpidos no discípulo e falou com franqueza e
do com o meu anseio honesto de ser acatado doçura:
pelos demais.
— Tadeu, se você procura, então, a alegria
A indiferença e a calúnia doem-me no co- e a felicidade do mundo inteiro, proceda para
ração . com os outros, como deseja que os outros pro-
cedam para com você. E caminhando cada ho-
Creio que o sarcasmo e a suspeita foram
mem nessa mesma norma, muito breve estende-
organizados pelos Espíritos das trevas, para tor- remos na Terra as glórias do Paraíso.
mento das criaturas.
A impiedade é um fel quando dirigida con-
tra mim, a maldade é um fantasma de dor quan-
do se põe ao meu encontro.
Em razão de tudo isso, sentir-me-ia ventu-
roso se os meus parentes, afeiçoados e conter-
râneos me buscassem, não pelo que aparento ser
nas imperfeições do corpo, mas pelo conteúdo de
Rodeado de filhinhos pequeninos, era es-
cravo do lar que lhe absorvia o suor.
Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado
o esforço na caridade pública, podia perfeita-
mente guerrear o mal, em todas as circunstân-
XX cias de sua marcha pela Terra.
Assim é que passou a extinguir, com inces-
A CARIDADE DESCONHECIDA sante atenção, todos os pensamentos inferiores
que lhe eram sugeridos; quando em contacto com
A conversação em casa de Pedro versava, pessoas interessadas na maledicência, retraía-se,
nessa noite, sobre a prática do bem, com a viva cortês, e, em respondendo a alguma interpelação
colaboração verbal de todos. direta, recordava essa ou aquela pequena virtude
da vítima ausente; se alguém, diante dele, dava
Como expressar a compaixão, sem dinheiro?
pasto à cólera fácil, considerava a ira como enfer-
por que meios incentivar a beneficência, sem re- midade digna de tratamento e recolhia-se à quie-
cursos monetários? tude; insultos alheios batiam-lhe no espírito à
Com essas interrogativas, grandes nomes da maneira de calhaus em barril de mel, porquanto,
fortuna material eram invocados e a maioria in- além de não reagir, prosseguia tratando o ofen-
clinava-se a admitir que somente os poderosos sor com a fraternidade habitual; a calúnia não
da Terra se encontravam à altura de estimular a encontrava acesso em sua alma, de vez que toda
denúncia torpe se perdia, inútil, em seu grande
piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opi-
silêncio; reparando ameaças sobre a tranquili-
nando, bondoso: dade de alguém, tentava desfazer as nuvens da
— Um sincero devoto da Lei foi exortado incompreensão, sem alarde, antes que assumis-
por determinações do Céu ao exercício da bene- sem feição tempestuosa; se alguma sentença con-
ficência; entretanto, vivia em pobreza extrema denatória bailava em torno do próximo, mobili-
e não podia, de modo algum, retirar a mínima zava, espontâneo, todas- as possibilidades ao seu
parcela de seu salário para o socorro aos seme- alcance na defesa delicada e imperceptível; seu
lhantes. Em verdade, dava de si mesmo, quanto zelo contra a incursão e a extensão do mal era
possível, em boas palavras e gestos pessoais de tão fortemente minucioso que chegava a retirar
detritos e pedras da via pública, para que não
conforto e estímulo a quantos se achavam em
oferecessem perigo aos transeuntes.
sofrimento e dificuldade; porém, magoava-lhe o
coração a impossibilidade de distribuir agasalho Adotando essas diretrizes, chegou ao termo
e pão com os andrajosos e famintos à margem
de sua estrada.
da jornada humana, incapaz de atender às suges-
tões da beneficência que o mundo conhece. Ja-
mais pudera estender uma tigela de sopa ou ofer-
tar uma pele de carneiro aos irmãos necessitados.
Nessa posição, a morte buscou-o ao tribunal
divino, onde o servidor humilde compareceu re- XXI
ceoso e desalentado. Temia o julgamento das
autoridades celestes, quando, de improviso, f o i O RICO V I G I L A N T E
aureolado por brilhante diadema, e, porque in-
dagasse, em lágrimas, a razão do inesperado prê- Tiago, o mais velho, em explanação preciosa,
mio, foi informado de que a sublime recompensa falou sobre as ânsias de riqueza, tão comuns em
se referia à sua triunfante posição na guerra con- todos os mortais, e, findo o interessante debate
tra o mal, em que se fizera valoroso empreiteiro. doméstico, Jesus comentou, sorridente:
Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar per- — Um homem temente a Deus e consagrado
cuciente e calmo e concluiu, em tom a m i g o : à retidão, leu muitos conselhos alusivos à pru-
dência, e deliberou trabalhar, com afinco, de
— Distribuamos o pão e a cobertura, acen-
modo a reter um tesouro com que pudesse bene-
damos luz para a ignorância e intensifiquemos ficiar a família. Depois de sentidas orações, me-
a fraternidade aniquilando a discórdia, mas não teu-se em várias empresas, aflito por alcançar
nos esqueçamos do combate metódico e sereno seus fins. E, por vinte anos consecutivos, ajun-
contra o mal, em esforço diário, convictos de tou moeda sobre moeda, formando o patrimônio
que, nessa batalha santificante, conquistaremos de alguns milhões.
a divina coroa da caridade desconhecida. Quando parou de agir, a fim de apreciar a
sua obra, reconheceu, com desapontamento, que
todos os quadros da própria vida se haviam alte-
rado, sem que ele mesmo percebesse.
O lar, dantes simples e alegre, adquirira
feição sombria. A esposa fizera-se escrava de
mil obrigações destinadas a matar o tempo; os
filhos cochichavam entre si, consultando sobre
a herança que a morte do pai lhes reservaria; a
amizade fiel desertara; os vizinhos, acreditando-o
completamente feliz, cercaram-no de inveja e iro-
N E I O LÚCIO 73
72 JESUS N O LAR

nia; as autoridades da localidade em que vivia induziram a amontoar centenas de peles, em


obrigavam-no a dobradas atitudes de artifício, torno do lar, quando alguns fragmentos de lã
em desacordo com a sinceridade do seu coração. te aquecem o corpo, em trânsito para o sepul-
Os negociantes visitavam-no, a cada instante, cro ? í . . . Volta e converte a tua arca de moedas
propondo-lhe transações criminosas ou descabi- em cofre milagroso de salvação! Estende os jú-
das; servidores bajulavam-no, com declarado fin- bilos do trabalho, cria escolas para a sementeira
gimento quando ao lado de seus ouvidos, para lhe da luz espiritual e improvisa a alegria de muitos!
amaldiçoarem o nome, por trás de portas semi- Somente vale o dinheiro da Terra pelo bem que
-cerradas. Em razão de tantos distúrbios, era possa fazer!
compelido a transformar a residência numa for- Sob indizível espanto, o caçador de ouro des-
taleza, vigiando-se contra tudo e contra todos. pertou transformado e, do dia seguinte em dian-
te, passou a libertar as suas enormes reservas,
Sobrava-lhe tempo, agora, para registar as para que todos os seus vizinhos tivessem, junto
moléstias do corpo e raramente passava algum dele, as bênçãos do serviço e do bom ânimo...
dia sem as irritações do estômago ou sem do- Desde o primeiro sinal de semelhante reno-
res de cabeça. vação, a esposa fixou-o com estranheza e revolta,
Em poucas semanas de meticulosa observa- os filhos odiaram-no e os seus próprios benefi-
ção, concluiu que a fortuna trancafiada no cofre ciados o julgaram louco; todavia, robustecido e
era motivo de desilusões e arrependimentos sem feliz, o milionário vigilante voltou a possuir no
termo. domicílio um santuário aberto e os gênios da
Em certa noite, porque não mais tolerasse alegria oculta passaram a viver em seu coração.
as preocupações obcecantes do novo estado, orou Silenciando o Mestre, Tiago, que comandava
em lágrimas, suplicando a inspiração do Senhor. a palestra da noite, exclamou, entusiasta:
— Senhor, que ensinamento valioso e su-
Depois da comovente rogativa, eis que um anjo blime ! . . .
lhe aparece na tela evanescente do sonho e lhe
Jesus sorriu e respondeu:
diz, compadecido: — Sim, mas apenas para aqueles que tive-
— Toda fortuna que cone, à maneira das rem "ouvidos de ouvir" e "olhos de v e r " .
águas cristalinas da fonte, é uma bênção viva,
mas toda riqueza, em repouso inútil, é poço ve-
nenoso de águas estagnadas. . . Porque exigiste
um rio, quando o simples copo d'água te sacia
a sede? como te animaste a guardar, ao redor
de ti, celeiros tão recheados, quando alguns grãos
de trigo te bastam à refeição? que motivos te
abençoadas sementeiras de alegria. Reveste-se
de mil oportunidades de paz com todos. Indica
vasta rede de trilhos para o trabalho salutar.
Revela mil modos de enriquecer a vida que vive-
mos. Facilita o acesso da alma ao pensamento
XXII
dos grandes mestres. Dá comunicações com os
mananciais celestes da intuição.
O TALISMÃ DIVINO — Q mais ? — disse o Senhor, imprimindo
U e

ênfase à pergunta.
Entabularam os familiares interessante pa- E após sorrir, complacente, continuou:
lestra, acerca das faculdades sublimes de que o — Sem esse divino talismã, é impossível
Mestre dava testemunho amplo, curando loucos começar qualquer obra de luz e paz na Terra.
e cegos, quando Isabel, a zelosa genitora de João Os olhos dos ouvintes permutavam expres-
e Tiago, indagou, sem preâmbulos: sões de assombro, quando a esposa de Zebedeu
— Senhor, terás contigo algum talismã de inquiriu, espantada:
cuja virtude possamos desfrutar? algum objeto — Mestre, onde poderemos adquirir seme-
mágico que nos possa favorecer? lhante bênção? Dize-nos. Precisamos desse acu-
Jesus pousou na matrona os olhos penetran- mulador de felicidade.
tes e falou, risonho: O Cristo, então, acrescentou, bem humorado:
— Realmente, conheço um talismã de mara- — Esse bendito talismã, Isabel, é proprie-
dade comum a todos. E' "a hora que estamos
vilhoso poder. Usando-lhe os milagrosos recur-
atravessando". .. Cada minuto de nossa alma
sos, é possível iniciar a aquisição de todos os permanece revestido de prodigioso poder oculto,
dons de Nosso Pai. Oferece a descoberta dos quando sabemos usá-lo no Infinito Bem, porque
tesouros do amor que resplandecem ao redor de toda grandeza e toda decadência, toda vitória
nós, sem que lhes vejamos, de pronto, a grandeza. e. toda ruína são iniciadas com a colaboração
Descortina o entendimento, onde a desarmonia do dia.
castiga os corações. Abre a porta às revelações E diante da perplexidade de todos, rematou:
da arte e da ciência. Estende possibilidades de — O tempo é o divino talismã que devemos
luminosa comunhão com as fontes divinas da aproveitar.
vida. Convida à bênção da meditação nas coisas
sagradas. Reata relações de companheiros em
discordância. Descerra passagens de luz aos es-
píritos que se demoram nas sombras. Permite
Longos dias perderam na disputa, até que
o grupo se desuniu, cada falange atendendo aos
próprios caprichos, com absoluto esquecimento
do objetivo fundamental.
As dificuldades, porém, não foram solucio-
nadas com decisão. Criados os roteiros diferen-
xxm tes, como que se dilataram os conflitos. Reduzi-
das agora, numericamente, a3 expedições sofre-
OS M E N S A G E I R O S DISTRAÍDOS ram, com mais rigor, os golpes esterilizantes das
opiniões pessoais. Os viajantes não cuidavam
Os ouvintes do culto da Boa-Nova discor- senão de inventar novos motivos para o atrito
riam sobre as polêmicas que se travavam inces- inútil. Entre os que marchavam pelo trilho mais
santemente em torno da fé, nos círculos do fari- curto, pela vargem e pela serra lavraram dis-
saísmo de várias escolas, quando o Cristo, dentro cussões improdutivas, contundentes e intermi-
da profunda simplicidade que lhe era caracterís- náveis. Dias e noites preciosos eram despendidos
tica, narrou, tolerante: em comentários ruidosos quanto à febre, quanto
à condição dos enfermos ou quanto às paisagens
— Um grande senhor recebeu alarmantes
em torno. Horas difíceis de amargura e desar-
notícias de vasto agrupamento de servos, em
monia, de momento a momento, interrompiam a
zona distante da sede do seu governo, que se viagem, sendo a muito custo evitadas as cenas
viam fustigados por febre maligna, e, desejoso de pugilato e homicídio.
de socorrer os tutelados que sofriam na região
remota de seus domínios, enviou-lhes mensagei- Surgiam as contendas, a propósito de míni-
mas questões, com pleno desperdício da oportu-
ros de confiança, conduzindo remédios adequado»
nidade, e, em razão disso, tanto se atrasaram os
à situação e providências alusivas ao reajusta-
viajores do atalho, quanto os da planície e do
mento geral. monte, de vez que se encontraram no vale da
Os emissários saíram do palácio com gran- peste a um só tempo, com enorme e irremediável
des promessas de trabalho, segurança e eficiência desapontamento para todos, porquanto, à míngua
na missão; todavia, assim que se viram fora das do prometido recurso, não sobrara nenhum doen-
portas do senhor, começaram a rixar pela escolha te vivo na carne.
dos caminhos.
A morte devorara-os, um a um, enquanto
Uns reclamavam o atalho, outros a planície os mensageiros discuüdores matavam o tempo,
sem espinheiros e outros, ainda, pediam a pas- através da viagem.
sagem através dos montes.
O Mestre fixou nos aprendizes o olhar muito
lúcido e aduziu:
— Neste símbolo, temos o mundo atacado
pela peste da maldade e da descrença e vemos
o retrato dos portadores da medicação celeste,
que são os religiosos de todos os matizes, que
falam na Terra, em nome do Pai. Os homens
iluminados pela sabedoria da fé, entretanto, ape- XXXV
sar de haverem recebido valiosos recursos do
Céu para os que sofrem e choram, em conse- OS S I N A I S D A R E N O V A Ç Ã O
quência da ignorância e da aflição dominantes no Ante a assembleia familiar, o Mestre tomou
mundo, olvidam as obrigações que lhes assinalam a palavra e falou, persuasivo:
a vida e, sobrepondo os próprios caprichos aos — E quando o Reino Divino estiver às por-
propósitos do Supremo Senhor, se desmandam tas dos homens, a alma do mundo estará re-
em desvarios verbais de toda espécie. Enquanto novada .
alimentam o distúrbio, levianos e distraídos, os O mais poderoso não será o mais desapie-
necessitados de luz e socorro desfalecem à falta dado e, sim, o que mais ame.
de assistência e dedicação. O vencedor não será aquele que guerrear o
E afagando uma das crianças presentes, qual inimigo exterior até à morte em rios de sangue,
se concentrasse todas as esperanças no sublime mas o que combater a iniquidade e a ignorância,
futuro, finalizou, sorridente e calmo: dentro de si mesmo, até à extinção do mal, nos
— A discussão, por mais proveitosa, nunca círculos da própria natureza.
deve distrair-nos do serviço que o Senhor nos deu O mais eloquente não será o dono do mais
a fazer. belo discurso, mas, sim, o que aliar as palavras
santificantes aos próprios atos, elevando o pa-
drão da vida, no lugar onde estiver.
O mais nobre não será o detentor do maior
número de títulos que lhe conferem a transitória
dominação em propriedades efêmeras da Terra,
mas aquele que acumular, mais intensamente,
os créditos do amor e da gratidão nos corações
das mães e das crianças, dos velhos e dos enfer-
mos, dos homens leais e honestos, operosos e
dignos, humildes e generosos.
O mais respeitável não será o dispensador
de ouro e poder armado e, sim, o de melhor de grandeza coletiva; quando o livro edificante
coração. u r
absorver o lugar da espada no espírito do povo;
quando a bondade e a sabedoria presidirem às
O mais santo não será o que se isola em competições das criaturas para que os bons se-
altares do supremo orgulho espiritual, evitando jam venerados; quando o sacrifício pessoal em
o contacto dos que padecem, por temerem a de- proveito de todos constituir a honra legítima
gradação e a imundície, mas, sim, aquele que da individualidade, a fim de que a paz e o amor
descer da própria grandeza, estendendo mãos não se percam, dentro da vida — então uma
fraternas aos miseráveis e sofredores, elevan- Nova Humanidade estará no berço luminoso do
do-lhes a alma dilacerada aos planos da alegria Divino Reino...
e do entendimento. Nesse ponto, a palavra doce e soberana fêz
branda pausa e, lá fora, na tepidez da noite suave,
O mais puro não será o que foge ao inter-
as estrelas fulgentes, a cintilarem no alto, pare-
câmbio com os maus e criminosos confessos, mas
ciam saudar essa era distante...
aquele que se mergulha no lodo para salvar os
irmãos decaídos, sem contaminar-se.
O mais sábio não será o possuidor de mais
livros e teorias, mas justamente aquele que,
embora saiba pouco, procura acender uma luz
nas sombras que ainda envolvem o irmão mais
próximo. . .
O A m i g o Divino pousou os olhos lúcidos
na noite clara que resplandecia, lá fora, em
pleno coração da Natureza, fez longo intervalo
e acentuou:
— Nessa época sublime, os homens não se
ausentarão do lar em combate aos próprios ir-
mãos, por exigências de conquista ou pelo ódio
de raça, em tempestades de lágrimas e sangue,
porquanto estarão guerreando as trevas da igno-
rância, as chagas da enfermidade, as angustias
da fome e as torturas morais de todos os m -
t i z e s . . . Quando o arado substituir o carro. sun
tuoso dos triunfadores, nas exibições puo»
conservado ali, naquele insulamento doloroso ?
Chorava e bradava, não ocultando aflições e
exigências. Que razões o obrigavam a viver na-
quela atmosfera insuportável?
Notando Nosso Pai que aquele filho formu-
XXV lava súplicas incessantes, entre a revolta e a
amargura, profundamente compadecido enviou-
A VISITA DA VERDADE -lhe a Fé.
A sublime virtude exortou-o a confiar no
Certa feita, disse o Mestre que só a verdade futuro e a persistir na oração.
fará livre o homem; e, talvez porque lhe não pu- O infeliz consolou-se, de algum modo, mas,
desse apreender, de imediato, a vastíssima exten- a breve ternpo, voltou a lamuriar.
são da afirmativa, perguntou-lhe Pedro, no culto Queria fugir ao monturo e, como se lhe
doméstico: aumentassem as lágrimas, o Todo-Poderoso man-
— Senhor, que é a verdade? dou-lhe a Esperança.
Jesus fixou no rosto enigmática expressão A emissária afagou-lhe a fronte suarenta
e falou-lhe da eternidade da vida, buscando se-
e respondeu:
car-lhe o pranto desesperado. Para isso, rogou-
— A Verdade total é a Luz Divina total; -lhe calma, resignação, fortaleza.
entretanto, o homem ainda está longe de supor- O pobre pareceu melhorar, mas, decorridas
tar-lhe a sublime fulguração. algumas horas, retomou a lamentação.
Reparando, porém, que o pescador conti- Não podia respirar — clamava, em desa-
nuava faminto de esclarecimentos novos, o Ami- lento .
go Celeste meditou alguns minutos e falou: Condoído, determinou o Senhor que a Cari-
— Numa caverna escura, onde a claridade dade o procurasse.
nunca surgira, demorava-se certo devoto, implo- A nova mensageira acariciou-o e alimén-
rando o socorro divino. Declarava-se o mais tou-o, endereçando-lhe palavras de carinho, qual
infeliz dos homens, não obstante, em sua ceguei- se lhe fora abnegada mãe.
ra, sentir-se o melhor de todos. Reclamava con- Todavia, porque o mísero prosseguisse gri-
tra o ambiente fétido em que se achava. O ar tando, revoltado, o Pai Compassivo enviou-lhe a
empestado sufocava-o — dizia ele em gritos co- Verdade.
moventes. Pedia uma porta libertadora que o Quando a portadora de esclarecimento se fêz
conduzisse ao convívio do dia claro. Afirmava-se sentir na forma de uma grande luz, o infortu-
robusto, apto, aproveitável. P o r que motivo era
NETO LUCIO

'nado, então, viu-se tal qual era e apavorou-se.


-Seu corpo era um conjunto monstruoso de chagas
pustulentas da cabeça aos pés e, agora, percebia,
espantado, que ele mesmo era o autor da atmos-
fera intolerável em que vivia. O pobre tremeu
cambaleante, e, notando que a Verdade serena
lhe abria a porta de libertação, horrorizou-se de XXVI
si mesmo; sem coragem de cogitar da própria
cura, longe de encarar a visitadora, frente a O V A L O R DO SERVIÇO
frente, para aprender a limpar-se e a purificar-se,
fugiu, espavorido, em busca de outra furna onde Filipe, velho pescador de Cafarnaum, enle-
conseguisse esconder a própria miséria que só vado com as explanações de Jesus sobre um
então reconhecia. texto de Isaías, passou a comentar a diferença
O Mestre fêz longa pausa e terminou: entre os justos e injustos, de maneira a destacar
— Assim ocorre com a maioria dos homens, o valor da -santidade na Terra.
perante a realidade. Sentem-se com direito à O Mestre ouviu calmamente, e, talvez para
recepção de todas as bênçãos do Eterno e gri- prevenir os excessos de opinião, narrou, com
tam fortemente, implorando a ajuda celestial. bondade:
Enquanto amparados pela Fé, pela Esperança — Certo fariseu, de vida irrepreensível, atin-
ou pela Caridade, consolam-se e desconsolam-se, giu posição de imenso respeito público. Passava
crêem e descrêem, tímidos, irritadiços e hesitan- dias inteiros no Templo, entre orações e jejuns
tes; todavia, quando a Verdade brilha diante incessantes. Conhecia a Lei como ninguém. Des-
deles, revelando-lhes a condição em que se en- de Moisés aos últimos Profetas, decorara os mais
contram, costumam fugir, apressados, em busca importantes textos da Revelação. Se passava nas
de esconderijos tenebrosos, dentro dos quais pos- ruas, era tão grande a estima de que se fizera
credor, que as próprias crianças se curvavam,
s a m cultivar a ilusão.
reverentes. Consagrara-se ao Santo dos Santos
e fazia vida perfeita entre os pecadores da época.
Alimentava-se frugalmente, vestia túnica sem
mancha e abstinha-se de falar com toda pessoa
considerada impura.
Acontece, todavia, que, havendo grande peste
em cidade próxima de Jerusalém, um Anjo do
Senhor desceu, prestimoso, a socorrer necessita-
dos e doentes, em nome da Divina Providência. ânimo, aliviou os aflitos, renovou a coragem dos
enfermos, libertou inúmeras criancinhas ameaça-
Necessitava, porém, das mãos diligentes de
das pelo mal, criou serviços de consolação e espe-
um homem, através das quais pudesse t r a b a l h a r ,
rança e, com isso, conquistou sólidas amizades
apressado, em benefício de enfermos e sofredores. no Céu, adiantando-se de surpreendente maneira,
Lembrou-se de recorrer ao santo fariseu, no caminho do Paraíso.
conhecido na Corte Celeste por seus reiterados
Os presentes registaram a pequena história,
vptos de perfeição espiritual, mas o devoto se entre a admiração e o desapontamento e, porque
achava tão profundamente mergulhado em suas ninguém interferisse, o Senhor comentou, em se-
contemplações de pureza que não lhe sobrava o guida a longo intervalo:
mínimo espaço interior para entender qualquer — A virtude é sempre grande e venerável,
pensamento de socorro às vítimas da epidemia. mas não há-de cristalizar-se à maneira de jóia
Como cooperar com o emissário divino, nesse rara sem proveito. Se o amor cobre a multidão
setor, se evitava o menor contacto com o mundo dos pecados, o serviço santificante que nele se
vulgar, classificado, em sua mente, como vale inspira pode dar aos pecadores convertidos ao
da imundície? bem a companhia dos anjos, antes que os justos
O Anjo insistia no chamamento; contudo, ociosos possam desfrutar o celeste convívio.
a peste era exigente e não admitia delongas. E reparando que os ouvintes se retraíam
O mensageiro afastou-se e recorreu a outras no grande silêncio, o Senhor encerrou o culto
doméstico da Boa-Nova, a fim de que o repouso
pessoas amantes da Lei. Nenhuma, entretanto,
trouxesse aos companheiros multiplicadas bên-
se julgava habilitada a contribuir. çãos de paz e meditação, sob o firmamento pon-
Ninguém desejava arriscar-se. tilhado de luz.
Instado pelas reclamações do serviço, o E n -
viado de Cima encontrou antigo criminoso que
mantinha o propósito de regenerar-se. Através
dos fios invisíveis do pensamento, convidou-o a
segui-lo; e o velho ladrão, sinceramente trans-
formado, não hesitou. Obedeceu ao doce cons-
trangimento e votou-se sem demora, com a espon-
taneidade da cooperação robusta e legítima, ao
ministério do socorro e da salvação.
Enterrou cadáveres insepultos, improvisou
remédios adequados à situação, semeou o bom
Extenuado, em face do permanente conflito
interior em que vivia, retornou ao Celeste Dis-
pensador e suplicou o Poder.
Entrou na posse da nova dádiva e reves-
tiu-se de grande autoridade. Entendeu, porém,
XXVII
mais cedo que esperava, que o mando gera ódio
e revolta nos corações preguiçosos e incompreen-
O DOM ESQUECIDO sívos e, atormentado pelos estiletes ocultos da
indisciplina e da discórdia, dirigiu-se ao benfeitor
Centralizara-se geral atenção em torno de e implorou-lhe a Inteligência.
curiosa palestra referente aos dons com que o
Todavia, na condição de cientista e homem
Céu aquinhoa as almas, na Terra, quando o Se-
de letras, perdeu o resto de paz que desfrutava.
nhor comentou, paciente: Compreendeu, depressa, que lhe não era possível
— Existiu um homem banhado pela graça semear a realidade, de acordo com os seus dese-
do merecimento, que recebeu do Alto a permissão jos. Para não ser vítima da reação destruidora
de abeirar-se do Anjo Dispensador dos dons dos próprios beneficiados, era compelido a colocar
divinos que florescem no mundo. um grão de verdade entre mil flores de fantasia
Ante o Ministro Celeste, o mortal venturoso passageira e, longe de acomodar-se à situação,
pediu a bênção da Mocidade. tornou à presença do Anjo e pediu-lhe o Matri-
mônio Feliz.
Recebeu a concessão, mas, em breve, reco-
nheceu que a juventude poderia ser força e be- Satisfeito em seu novo desígnio, reconfor-
leza, mas também era inexperiência e fragilidade tou-se em milagroso ninho doméstico, estabele-
cendo graciosa família, mas, um dia apareceu a
espiritual, e, já desinteressado, voltou ao doador
morte e roubou-lhe a companheira.
sublime e solicitou-lhe a Riqueza.
Angustiado pela viuvez, procurou o Ministro
Conseguiu a abastança e gozou-a, longo tem-
do Eterno e afirmando que se equivocara, mais
po; todavia, reparou que a retenção de grandes uma vez, suplicou-lhe a graça da Saúde.
patrimônios provoca a inveja maligna de muitos.
Recebeu a concessão. Entretanto, logo que
Cansando-se na defesa laboriosa dos próprios
se escoaram alguns anos, surgiu a velhice e des-
bens, procurou o Anjo e rogou-lhe a Liberdade.
figurou-lhe o corpo, desgastando-o e enrugando-o
Viu-se realmente livre. N o entanto, foi de-
sem compaixão.
frontado por cruéis demônios invisíveis, que lhe
Atormentado e incapaz agora de ausentar-se
perturbaram a caminhada, enchendo-lhe a cabeça de casa, o Anjo amigo veio ao encontro dele e,
de inquietudes e tentações.
90 NEIO L Ü d O

abraçando-o, paternal, indagou que novo dom


pretendia do A l t o .
O infeliz declarou-se em falência.
Que mais poderia pleitear?
Foi então que o glorioso mensageiro lhe ex-
plicou que ele, o candidato à felicidade, se esque-
cera do maior de todos os dons que pode susten-
XXVTII
tar um homem no mundo, o dom da Coragem
que produz entusiasmo e bom ânimo para o ser- A RESPOSTA CELESTE
viço indispensável de cada d i a . . .
Jesus interrompeu-se por alguns minutos; Solicitando Bartolomeu esclarecimentos quan-
depois, sorrindo ante a pequena assembleia, re- to às respostas do Alto às súplicas dos homens,
matou : respondeu Jesus para elucidação geral:
— Formosa é a Mocidade, agradável é a For- — Antigo instrutor dos Mandamentos Di-
tuna, admirável é a Liberdade, brilhante é o vinos ia em missão da verdade celeste, de uma
Poder, respeitável é a Inteligência, santo é o Ca- aldeia para outra, profundamente distanciadas
samento Venturoso, bendita é a Saúde da carne, entre si, fazendo-se acompanhar de um cão ami-
mas se o homem não possui Coragem para sobre- go, quando anoiteceu, sem que lhe fosse pos-
sível prever o número de milhas que o separavam
por-se aos bens e males da vida humana, a fim de
do destino.
aprender a consolidar-se no caminho para Deus,
Reparando que a solidão em plena Natureza
de pouca utilidade são os dons temporários na era medonha, orou, implorando a proteção do
experiência transitória. Eterno Pai e seguiu.
E tomando ao colo um dos meninos presen- Noite fechada e sem luar, percebeu a exis-
tes, indicou-lhe o firmamento estrelado, como a tência de larga e confortadora cova, à margem
dizer que somente no A l t o a felicidade perene da trilha em que avançava, e acariciando o ani-
das criaturas encontraria a verdadeira pátria. mal que o seguia, vigilante, dispôs-se a deitar-se
e dormir. Começou a instalar-se, pacientemente,
mas espessa nuvem de moscas vorazes, o atacou,
de chofre, obrigando-o a retomar o caminho.
O ancião continuou a jornada, quando se lhe
deparou volumoso riacho, num trecho em que a
estrada se bifurcava. Ponte rústica oferecia pas-
Bftgem pola via principal, e, além dela, a terra
parecia sedutora, porque, mesmo envolvida na
O velho, agora sozinho, chorou angustiado,
sombra noturna, semelhava-se a extenso lençol
acreditando-se esquecido por Deus e passou a
branco. noite ao relento. Alta madrugada, ouviu gritos
O santo pregador pretendia ganhar a outra e palavrões indistintos, sem poder precisar de
margem, arrastando o companheiro obediente, onde partiam.
quando a ponte se desligou das bases, estalando Intrigado, esperou o alvorecer e, quando o
e abatendo-se por inteiro. Sol ressurgiu resplandecente, ausentou-se do es-
Sem recursos, agora, para a travessia, o ve- conderijo, vindo a saber, por intermédio de cam-
lhinho seguiu pelo outro rumo, e, encontrando poneses aflitos, que uma quadrilha de ladrões
robusta árvore, ramalhosa e acolhedora, pensou pilhara a choupana onde lhe fora negado o asilo,
em abrigar-se, convenientemente, porque o fir- assassinando os moradores.
mamento anunciava a tempestade pelos trovões Repentina luz e s p i r i t u a l aflorou-lhe na
longínquos. O vegetal respeitável oferecia asilo mente.
fascinante e seguro no próprio tronco aberto. Compreendeu que a Bondade Divina o li-
Dispunha-se ao refúgio, mas a ventania começou vrara dos malfeitores e que, afastando dele o
a soprar tão forte que o tronco vigoroso caiu, cão que uivava, lhe garantira a tranquilidade do
partido, sem remissão. pouso.
Informando-se de que seguia em trilho opos-
Exposto então à chuva, o peregrino movi-
to à localidade do destino, empreendeu a marcha
mentou-se para diante.
de regresso, para retificar a viagem, e, junto à
Depois de aproximadamente duas milhas,
ponte rompida, foi esclarecido por um lavrador
encontrou um casebre rural, mostrando doce luz
de que a terra branca, do outro lado, não pas-
por dentro, e suspirou aliviado. sava de pântano traiçoeiro, em que muitos via-
Bateu à porta. O homem ríspido que veio jores imprevidentes haviam sucumbido.
atender foi claro na negativa, alegando que o O velho agradeceu o salvamento que o Pai
sítio não recebia visitas à noite e que lhe não lhe enviara e, quando alcançou a árvore tombada,
era permitido acolher pessoas estranhas. um rapazinho observou-lhe que o tronco, dantes
acolhedor, era conhecido covil de lobos.
Por mais que chorasse e rogasse, o pregador
Muito grato ao Senhor que tão milagrosa-
foi constrangido a seguir além.
mente o ajudara, procurou a cova onde tentara
Acomodou-se, como pôde, debaixo do tem-
repouso e nela encontrou um ninho de perigosas
poral, nas cercanias da casinhola campestre; no
serpentes.
entanto, a breve espaço, notou que o cão, ater- Endereçando infinito reconhecimento ao Céu
rado pelos relâmpagos sucessivos, fugia a uivar,
perdendo-se nas trevas.
pelas expressões de variado socorro que não sou-
bera entender, de pronto, prosseguiu adiante, são
e salvo, para desempenho de sua tarefa.
Nesse ponto da curiosa narrativa, o Mestre
fitou Bartolomeu demoradamente e terminou:
— O Pai ouve sempre as nossas rogativas,
mas é preciso discernimento para compreender XXIX
as respostas d'Ele e aproveitá-las.
A PARÁBOLA RELEMBRADA

Depois da parábola do bom samaritano, à


noite, em casa de Simão, Tadeu, sinceramente
interessado no assunto, rogou ao Mestre fosse
mais explícito no ensinamento, e Jesus, com a
espontaneidade habitual, falou:
— Um homem enfermo jazia no chão, em
esgares de sofrimento, às portas de grande ci-
dade, assistido por pequena massa popular menos
esclarecida e indiferente.
Passou por ali um moço romano de coração
generoso, em seu carro apressado, e atirou-lhe
duas moedas de prata, que um rapazelho de maus
costumes subtraiu às ocultas.
Logo após, transitou pelo mesmo local um
venerando escriba da Lei, que, alegando serviços
prementes, prometeu enviar autoridades, em be-
nefício do mendigo anônimo.
Quase de imediato, desfilou por ali um sa-
cerdote que lançou ao viajante desamparado um
gesto de bênção e, afirmando que o culto ao
Supremo Senhor esperava por ele, exortou o povo
a asilar o doente e alimentá-lo.
Depois dele, surgiu, de relance, respeitável
senhora, a quem o pobre se dirigiu em comove-
dora súplica; todavia, a nobre matrona, lasti-
mando as dificuldades da sua condição de mulher, - Em tua opinião, quem exerceu a caridade
invocou o cavalheirismo masculino, para aliviá-l j
0
legítima ?
como se fazia imprescindível. — Ah! sem dúvida — exclamou Tadeu, bem
humorado —, embora aparentemente desprezível,
Minutos após, um grande juiz varou o mes- foi o publicano, porquanto, além de dar o di-
mo trecho da via pública asseverando que no- nheiro e a palavra, deu também o sentimento, o
mearia testemunhas a fim de saber se o mísero tempo, o braço e o estímulo fraterno, utilizando,
não seria algum viciado vulgar, afastando-se, lé- para isso, as próprias forças.
pido, sob o pretexto de que a oportunidade lhe Je3us, complacente, fitou no aprendiz os
não era favorável. olhos penetrantes e rematou:
Decorridos mais alguns instantes, veio à — Então, faze tu o mesmo. A caridade, por
cena um mercador de bolsa que, condoído, asse- substitutos, indiscutivelmente é honrosa e lou-
vável, mas o bem que praticamos em sentido
verou a sua carência de tempo e deu vinte moe-
direto, dando de nós mesmos, é sempre o maior
das a um homem que lhe pareceu simpático, a e o mais seguro de todos.
fim de que o problema de assistência fosse resol-
vido, mas o preposto improvisado era um mal-
feitor evadido do cárcere e fugiu com o dinheiro
sem prestar o socorro prometido.
O doente tremia e suava de dor, rojado ao
pó, quando surgiu ali velho publicano, conside-
rado de má vida, por não adorar o Senhor, se-
gundo as regras dos fariseus. Com espanto de
todos, aproximou-se do infeliz, endereçou-lhe pa-
lavras de encorajamento e carinho, deu-lhe o
braço, levantou-o e, sustentando-o com as pró-
prias energias, conduziu-o a uma estalagem de
confiança, fornecendo-lhe medicação adequada e
dividindo com ele o reduzido dinheiro que trazia
consigo. Em seguida, retomou a sua jornada,
seguindo tranquilamente o seu caminho.
Depois de interromper-se, ligeiramente, o
Mestre perguntou ao discípulo:
Acolhe o irmão do caminho, não somente
com a saudação recomendada pelos imperativos
da polidez, mas também com o calor do teu sin-
cero propósito de servir.
XXX Fixa nos olhos as pessoas que te dirigirem
a palavra, testemunhando-lhes carinhoso inte-
resse, e guarda sempre a posição dé ouvinte
A R E G R A DE AJUDAR
delicado e atencioso; não levantes demasiada-
mente a voz, porque a segurança e a serenidade
João, no auge da curiosidade juvenil, com-
com que os mais graves assuntos devem ser
preendendo que se achava à frente de novos tratados não dependem de ruído.
métodos de viver, tal a grandeza com que o
Evangelho transparecia dos ensinamentos do Abstém-te das conversações improfícuas; o
Senhor, perguntou a Jesus qual a maneira mais comentário menos digno é sempre invasão deli-
digna de se portar o aprendiz, diante do próximo, tuosa em questões pessoais.
no sentido de ajudar aos semelhantes, ao que Louva quem trabalha e, ainda mesmo diante
o Amigo Divino respondeu, com voz clara e dos maus e dos ociosos, procura exaltar o bem
firme: que são suscetíveis de produzir.
— João, se procuras uma regra de auxiliar Foge ao pessimismo, guardando embora a
os outros, beneficiando a ti mesmo, não te esque- prudência indispensável perante as criaturas ar-
ças de amar o companheiro de jornada terrestre, rojadas em negócios respeitáveis, mas passa-
tanto quanto desejas ser querido e amparado geiros, do mundo; a tristeza improdutiva, que
por ele. apenas sabe lastimar-se, nunca foi útil à Huma-
A pretexto de cultivar a verdade, não trans- nidade, necessitada de bom ânimo.
formes a própria existência numa batalha em que Usa, cotidianamente, a chave luminosa do
teus pés atravessem o mundo, qual furioso com- sorriso fraterno; com o gesto espontâneo de
batente no deserto; recorda que a maioria dos bondade, podemos sustar muitos crimes e apagar
enfermos conhece, de algum modo, a moléstia muitos males.
que lhes é própria, reclamando amizade e enten- Faze o possível por ser pontual; não deixes
dimento, acima da medicação. o companheiro à tüa espera, a fim de que te não
Lembra-te de que não há corações na Terra, seja atribuída uma falsa importância.
sem problemas difíceis a resolver; em razão dis- Agradece todos os benefícios da estrada,
so, aprende a cortesia fraternal para com todos. respeitando os grandes e os pequenos; se o Sol
100 N S I O LUCIO

aquece a vida, é a semente de trigo que fornece


o pão.
Deixa que as águas vivas e invisíveis do
Amor, que procedem de Deus, Nosso Pai, atra-
vessem o teu coração, em favor do círculo de luta
em que vives; o Amor é a força divina que en- XXXI
grandece a vida e confere poder.
Façamos, sobretudo, o melhor que pudermos, A RAZÃO D A DOR
na felicidade e na elevação de todos os que nos Raquel, antiga servidora da residência de
cercam, não somente aqui, mas em qualquer par- Cusa, ergueu a voz para indagar do Mestre por
te, não apenas hoje, mas sempre. que motivo a dor se convertia em aflição nos
Silenciou o Cristo e, assinalando a beleza caminhos do mundo.
do programa exposto, o jovem apóstolo inquiriu Não era o homem criação de Deus? Não
respeitosamente: dispõe a criatura do abençoado concurso dos
— Senhor, como conseguirei executar tão anjos? Não vela o Céu sobre os destinos da
expressivos ensinamentos ? Humanidade ?
O Mestre respondeu, resoluto: Jesus fitou na interlocutora o olhar firme
— A boa vontade é nosso recurso de cada e considerou:
hora. — A razão da dor humana procede da pro-
E, afagando os cabelos do discípulo inquieto, teção divina. Os povos são famílias de Deus
encerrou as preces da noite. que, à maneira de grandes rebanhos, são cha-
mados ao Aprisco do Alto. A Terra é o caminho.
Á luta que ensina e edifica é a marcha. O sofri-
mento é sempre o aguilhão que desperta as
oveüias distraídas à margem da senda verda-
deira .
Alguns instantes se escoaram mudos e o
Mestre voltou a ponderar:
— O excesso de poder favorece o abuso, a
demasia de conforto, „ não raro, traz o relaxa-
mento, e o pão que se amontoa, de sobra, cos-
tuma servir de pasto aos vermes que se alegram
no mofo...
Reparando, porém, que a assembleia dé ami-
gos lhe reclamava explicação mais ampla, elu-
cidou fraternalmente: lho digno e respeitável; clareou-lhe o cérebro
— Um anjo, por ordem do Eterno Pai, to- jovem, insuflou-lhe entusiasmo santo, rumo à
vida superior, e estimulou-o a formar um reino
mou à própria conta um homem comum, desde
de santificação e serviço, progresso e aperfei-
o nascimento. Ensinou-lhe a alimentar-se, a mo- çoamento, num lar... O homem, todavia, que
ver os membros e os músculos, a sorrir, a re- nunca se lembrara de agradecer as bênçãos que
pousar e a asilar-se nos braços maternos. Sem o cercavam, fêz-se orgulhoso e cruel, diante dos
afastar-se do protegido, dia e noite, deu-lhe as interesses alheios. Ele, que retinha tamanhas
primeiras lições da palavra e, em seguida, orien- graças do Céu, jamais se animou a estendê-las
tou-lhe os impulsos novos, favorecendo-lhe o en- na Terra e passou simplesmente a humilhar os
sejo de aprender a raciocinar, a ler, a escrever outros com a glória de que fora revestido por
e a contar. Afastava-o, hora a hora, de influên- seu devotado e invisível benfeitor. Quando expe-
cias perniciosas ou mortíferas de Espíritos infe- rimentou o primeiro desgosto, que ele mesmo
lizes que o arrebatariam, por certo, para o sor- provocou menosprezando a lei do amor universal,
que determina a fraternidade e o respeito aos
vedouro da morte. Soprando-lhe ao pensamento
semelhantes, gesticulou, revoltado, contra o Céu,
ideias iluminadas aos clarões do Infinito Bem, acusando o Supremo Senhor de injusto e indife-
através de mil modos de socorro imperceptível, rente. Aflito, o anjo guardião procurava levan-
garantiu-lhe a saúde e o equilíbrio do corpo. tar-lhe o ideal de bondade, quando um Anjo
Dava-lhe medicamentos invisíveis, por intermédio Maior se aproximou dele e ordenou que o pri-
do ar e da água, da vestimenta e das plantas. meiro dissabor do tutelado endurecido por ex-
Vezes sem conto, salvou-o do erro, do crime e cesso de regalias se convertesse em aflição.
dos males sem remédio que atormentam os peca- Rolando, mentalmente, de aflição em aflição, o
dores . Ao amanhecer, o Pagem Celestial acorria, homem começou a recolher os valores da paciên-
atento, preparando-lhe dia calmo e proveitoso, cia", da humildade, do amor e da paz com todos,
fazendo-se, então, precioso colaborador do Pai,
defendendo-lhe a respiração, a alimentação e o
na Criação.
pensamento, vigiando-lhe os passos, com amor,
para melhor preservar-lhe os dons; ao anoitecer, Finda a historieta, esperou Jesus que Ra-
postava-se-lhe à cabeceira, amparando-lhe o cor- quel expusesse alguma dúvida, mas emudecendo
po contra o ataque de gênios infernais, aguar- a servidora, dominada pela meditação que os en-
dando-o, com maternal cuidado, para as doces sinamentos da noite lhe sugeriam, o culto da
instruções espirituais nos momentos de sono. No Boa-Nova foi encerrado com ardente oração de
transcurso da vida, guiou-lhe os ideais, auxiliou-o júbilo indefinível.
a selecionar as emoções e a situar-se em traba-
Depois de ásperas altercações, guerrearam
abertamente.
Um dos três se munira de pesada carga de
minério, outro reuniu grande acervo de pedras
e o último se ocultara por trás de compacto
XXXII monte de madeira. Achas de lenha e rudes ca-
lhaus eram as armas do grande conflito.
A FÉ VITORIOSA Invocavam todos a proteção do Supremo Se-
nhor para os seus núcleos familiares e empe-
, Destacava André certas dificuldades na ex- nhavam-se em luta. E tamanhas foram as per-
pansão dos novos princípios redentores de que turbações que espalharam na floresta, prejudi-
o Mestre se fazia emissário e se referia aos cando as árvores e os animais que lhes sofreram
fariseus com amargura violenta, concitando os a flagelação, que o Todo-Compassivo lhes enviou
companheiros à resistência organizada. Jesus, um anjo amigo.
porém, que ouvia com imperturbável tolerância O mensageiro visitou-lhes o reduto, na for-
a argumentação veemente, asseverou tão logo ma de um homem vulgar, e, longe de retirar-lhes
se estabeleceu o silêncio: os instrumentos com que destruíam a vida, afir-
— Nenhuma escola religiosa triunfará com mou que os patrimônios de que dispunham eram
o Pai, ausentando-se do amor que nos cabe culti- todos preciosos entre si, elucidando-os tão so-
var uns para com os outro3. mente de que necessitavam imprimir nova dire-
E talvez porque se manifestasse justificada ção às atividades em curso. Explicou-lhes que os
expectativa em torno dos apólogos que a sua di- três estavam certos na crença que alimentavam,
vina palavra sabia tecer, contou, muito calmo: porque Deus reside no Sol que sustenta as cria-
— Na época da fé selvagem, três homens turas, no vento que auxilia a Natureza e no
primitivos com as suas famílias se localizaram trovão que renova a atmosfera. E, com muita
em vasta floresta e, findo algum tempo de con- paciência, esclareceu a todos que o Criador só
vívio fraternal, passaram a discutir sobre a na- pode ser honrado pelos homens, através do tra-
tureza do Criador. Um deles pretendia que o balho digno e proveitoso, ensinando o primeiro
Todo-Poderoso vivia no trovão, outro acreditava a transformar os duros fragmentos de minério
que o Pai residisse no vento e o terceiro, que Ele em utensílios para o trato da terra, nas ocasiões
morasse no Sol. Todos se sentiam filhos d'Ele, de sementeira; ao segundo, a converter as achas
mas queriam à viva força a preponderância indi- de lenha em peças valiosas ao bem-estar, e, ao
vidual nos pontos de vista. terceiro, a utilizar as pedras comuns na edifi-
cação de abrigos confortáveis, acrescentando, em
tudo, a boa doutrina do serviço pelo progresso
e aperfeiçoamento geral. Os contendores com-
preenderam, então, a grandeza da fé vitoriosa
pela ação edificante, e a discórdia terminou para
sempre...
O Mestre fêz pequena pausa e aduziu: XXXIII
— Em matéria religiosa, cada crente possui
razões respeitáveis e detém preciosas possibili- O APELO DIVINO
dades que devem ser aproveitadas no engran-
decimento da vida e do tempo, glorificando o Pai. Reunidos os componentes habituais do grupo
Quando a criatura, porém, guarda a bênção do doméstico, o Senhor, de olhos melancólicos e
Céu e nada realiza de bom, em favor dos seme- lúcidos, surpreendendo, talvez, alguma nota de
oculta revolta no coração dos ouvintes, falou,
lhantes e a benefício de si mesma, assemelha-se
sublime:
ao avarento que se precipita no inferno da sede
e da fome, no intuito de esconder, indèbitamente, — Amados, quem procura o Sol do Reino
Divino há-de armar-se de amor para vencer na
a riqueza que Deus lhe emprestou. Por isto
grande batalha da luz contra as trevas. E para
mesmo, a fé que não ajuda, não instrui e nem
armazenar o amor no coração é indispensável
consola, não passa de escura vaidade do coração. ampliar as fontes da piedade.
Pesado silêncio desceu sobre todos e André Compadeçamo-nos dos príncipes; quem se
baixou os olhos tímidos, para melhor fixar a eleva niuito alto, sem apoio seguro, pode experi-
mensagem de luz. mentar a queda em desfiladeiros tenebrosos.
Ajudemos aos escravos; quem se encontra
nos espinheiros do vale pode perder-se na incon-
formação, antes de subir a montanha redentora.
Auxiliemos a criança; a erva tenra pode ser
crestada, antes do Sol do meio-dia.
Amparemos o velhinho; nem sempre a noite
aparece abençoada de estrelas.
Estendamos mãos fraternas ao criminoso da
estrada; o remorso é um vulcão devastador.
Ajudemos aquele que nos parece irrepre-
ensível; há uma justiça infalível, acima dos
108 NEIO LÚCIO JESUS N O L A R 109

círculos humanos, e nem sempre quem morre Sem a lâmpada acesa da compaixão frater-
santificado aos olhos das criaturas surge santi- nal, é impossível atender à Vontade Divina.
ficado no Céu. O primeiro passo da perfeição é o entendi-
Amparemos quem ensina; os mestres são mento com o auxílio justo...
torturados pelas próprias lições que transmitem Interrompeu-se o Mestre, ante os compa-
aos outros. nheiros emudecidos.
Socorramos aquele que aprende; o discípulo E porque os ouvintes se conservassem cala-
dos, de olhos marejados de pranto, Ele voltou à
que estuda sem proveito, adquire pesada respon-
palavra, em prece, e suplicou ao Pai luz e socorro,
sabilidade diante do Eterno.
paz e esclarecimento para ricos e pobres, senho-
Fortaleçamos quem é bom; na Terra, a res e escravos, sábios e ignorantes, bons e maus,
ameaça do desânimo paira sobre todos. grandes e pequenos...
Ajudemos o mau; o espírito endurecido pode Quando terminou a rogativa, as brisas do
fazer-se perverso. lago se agitaram, harmoniosas e brandas, como
Lembremo-nos dos aflitos, abraçando-os, fra- se a Natureza as colocasse em movimento na
ternalmente ; a dor, q u a n d o incompreendida, direção do Céu para conduzirem a súplica de
transforma-se em fogueira de angústia. Jesus ao Trono do Pai, além das estrelas. ..
Auxiliemos as pessoas felizes; a tempestade
costuma surpreender com a morte os viajores
desavizados.
A saúde reclama cooperação para não arrui-
nar-se.
A enfermidade precisa remédio para extin-
guir-se .
A administração pede socorro para não des-
mandar-se .
A obediência exige concurso amigo para sub-
trair-se ao desespero.
Enquanto o Reino do Senhor não brilhar no
coração e na consciência das criaturas, a Terra
será uma escola para os bons, um purgatório
para os maus e um hospital doloroso para os
doentes de toda sorte.
alegando que lhe não fora exequível' o trabalho
porque a furna ocultava vários homens e mulhe-
res seminus a lhe ferirem o pudor feminino.
O Administrador Celeste, sem desanimar, de-
signou-a para auxiliar uma senhora agonizante,
XXXIV
mas, decorridas poucas horas, a colaboradora
voltou, ruborizada, ao ponto de origem, infor-
A SERVA ESCANDALIZADA mando de que não pudera nem mesmo penetrar
o quarto da enferma, porque na antecâmara o
Ante as exclamações de Dalila, a esposa de esposo da doente, palestrando com certa mulher
Azor, o tecelão, quanto às maldades de alguns de baixa procedência, projetava um assassínio
publícanos de mau nome que a haviam desres- para a noite próxima.
peitado, em praça pública, justamente quando O prestimoso Ministro do Alto, embora com
procurava praticar o bem, relatou Jesus, com algum desapontamento, determinou-lhe o auxílio
simplicidade: a dois homens dementes situados em extenso
— Piedosa mulher, desejando ser mensageira vale de imundos.
do Reino Divino na Terra, bateu às portas do No dia imediato, a serva escandalizada re-
Paraíso, rogando trabalho. tornava, célere, esclarecendo que não conseguira
Foi atendida, cuidadosamente, por um anjo alcançar o objetivo, porquanto os loucos viviam
impressionados com cenas de vida impura, a lhe
que lhe recomendou visitasse uma taberna para
causarem extrema repugnância.
salvar dois homens bons, desprevenidos, que se
haviam deixado embriagar, dominados por insi- O Preposto do Altíssimo, depois de ouvi-la
nuações insufladas por Espíritos das trevas. com manifesta estranheza, pediu-lhe amparar
No dia seguinte, porém, a enviada reapa- uma jovem que se achava em perigo, mas, em
breve, regressava a cooperadora sensitiva, excla-
receu, chorosa, explicando ao Ministro do Eterno
mando que a criatura mencionada podia ser
que lhe não fora possível satisfazer-lhe à deter- vista numa festa desregrada, em repulsiva con-
minação, porque o recanto indicado jazia repleto dição moral.
de jogadores a trocarem palavras obscenas e
E assim a candidata ao trabalho celeste
cruéis.
atravessou a semana, inutilmente, cultivando a
O anjo, então, mandou-a a um esconderijo ineficiência, sob variados pretextos.
em floresta próxima, a fim de socorrer uma Todavia, procurando de novo o anjo para
criança desamparada. solicitar-lhe serviço, dele ouviu a exortação de
No outro dia, porém, a emissária regressou,
que se fizera merecedora:
— Minha irmã, continue, por enquanto, de-
senvolvendo o seu esforço nas vulgaridades da
Terra.
— Oh! e porquê? — indagou, perplexa. —
Não mereço abeirar-me da vida mais alta?
— Seus olhos estão cheios de malícia — elu- XXXV
cidou o Ministro, tolerante —, e, para servir ao
Senhor, o servo do bem retifica o escândalo, com A NECESSIDADE D E E N T E N -
amor e silêncio, sem se escandalizar. DIMENTO
. Calou-se o Mestre por minutos longos; de-
pois, concluiu sem afetação: Um dos companheiros trazia ao culto evan-
-— Quem se demora na contemplação do gélico enorme expressão de abatimento.
mal, não está em condições de fazer o bem. Ante as indagações fraternas do Senhor,
Os circunstantes entreolharam-se, espanta- esclareceu que fora rudemente tratado na via
diços, e a oração final do culto doméstico foi pública. Vários devedores, por ele convidados a
pronunciada, enquanto, lá fora, a Lua muito pagamento, responderam com ingratidão e gros-
alva, desfazendo a treva noturna, simbolizava seria.
Não se internou o Cristo através da conso-
radioso convite do Céu ao sublime combate pela
lação individual, mas, exortando evidentemente
vitória da luz.
todos os companheiros, narrou, benevolente:
— Um grande explicador dos textos de Job
possuía singulares disposições para os serviços
da compreensão e da bondade, e, talvez por isso,
organizou uma escola em que pontificava com
indiscutível sabedoria.
Amparando, certa ocasião, um aprendiz irre-
quieto que frequentes vezes se lamuriava de
maus tratos que recebia na praça pública, saiu
pacientemente em companhia do discípulo, pelas
ruas de Jerusalém, implorando esmolas para de-
terminados serviços do Templo.
A maioria dos transeuntes dava ou negava,
com indiferença, mas, numa esquina movimen-
tada, um homem vigoroso respondeu-lhes à roga-
tiva com aspereza e zombaria. — Guardaste a lição? Aceita a necessidade
O mestre tomou o aprendiz pela mão e am- do entendimento por sagrado imperativo da vida.
Nunca mais te queixes daqueles que exibem ex-
bos o seguiram, cuidadosos. Não andaram muito
pressões de revolta ou desespero nas ruas. O pri-
tempo e viram-no cair ao solo, ralado de dor
meiro que nos surgiu à frente era enfermo vul-
violenta, provocando o socorro geral. Verifica- gar; o segundo guardava a morte em casa; o
ram, em breve, que o irmão irritado sofria de terceiro padecia loucura e o quarto exrjerimen-
eólicas mortais. tava a falência. Na maioria dos casos, quem
Demandaram adiante, quando foram defron- nos recebe de mau humor permanece em estrada
tados por um cavalheiro que nem se dignou res- muito mais escura e mais espinhosa que a nossa.
ponder-lhes à súplica, endereçando-lhes tão so- E, completando o ensinamento, terminou o
mente um olhar rancoroso e duro. Senhor, diante dos companheiros espantados:
Orientador e tutelado acompanharam-lhe os — Quando encontrarmos os portadores da
passos, e, quando a estranha personagem alcan- aflição, tenhamos piedade e auxiliemo-los na
çou, o domicílio que lhe era próprio, repararam reconquista da paz íntima. O touro retém os
que compacto grupo de pessoas chorosas o aguar- chifres, por não haver atingido, ainda, o dom
dava, grupo esse ao qual se uniu em copioso das asas. Reclamamos, comumente, contra a
pranto, informando-se os dois de que o infeliz ovelha que nos perturba o repouso, balindo,
atormentada; todavia, raramente nos lembramos
retinha no lar uma filha morta.
de que o pobre animal vai seguindo, sob laço
Prosseguiram esmolando na via pública e, pesado, a caminho do matadouro.
a estreito passo, receberam fortes palavrões de
um rapaz a quem se haviam dirigido. Retraí-
ram-se ambos, em expectativa, verificando, de-
pois de meia hora de observação, que o mísero
não passava de uni louco.
Em seguida, ouviram atrevidas frases de um
velho que lhes prometia prisão e pedradas; mas,
decorridas algumas horas, souberam que o infor-
tunado era simplesmente um negociante falido,
que se convertera de senhor em escravo, em
razão de débitos enormes.
Como o dia declinasse, o respeitável instru-
tor convocou o discípulo ao regresso e ponderou:
O primeiro seria o portador de rico vaso
de argila preciosa.
O segundo levaria uma corça rara.
O terceiro transportaria um bolo primoroso
da família.
XXXVI O trio fraterno recebeu a missão com entu-
siástica promessa de serviço para a pequena via-
O PROBLEMA DIFÍCIL gem de três milhas; no entanto, a meio do cami-
nho, principiaram a discutir.
Entre os comentários da noite, um dos com- O depositário do vaso não concordou com
panheiros mostrou-se interessado em conhecer a a maneira pela qual o irmão puxava a corça
questão mais difícil de resolver, nos serviços delicada, e o responsável pelo animal dava ins-
referentes à procura da luz divina. truções ao carregador do bolo, a fim de que não
Fm que setor da luta espiritual se colocaria tropeçasse, perdendo o manjar; este último acon-
o mais complicado problema? selhava o portador do vaso valioso, para que não
caísse.
Depois de assinalar variadas considerações,
O pequeno séquito seguia, estrada afora,
ao redor do assunto, o Mestre fixou no sem-
dificilmente, porquanto cada viajor permanecia
blante uma atitude profundamente compreensiva
atento a obrigações que diziam respeito aos ou-
e contou: tros, através de observações acaloradas e inces-
— Um grande sábio possuía três filhos jo- santes .
vens, inteligentes e consagrados à sabedoria. Em dado momento, o irmão que conduzia o
Em certa manhã, eles altercavam a propósito do animalzinho olvida a própria tarefa, a fim de
obstáculo mais difícil de vencer no grande cami- consertar a posição da peça de argila nos braços
nho da vida. do companheiro, e o vaso, premido pelas inquie-
tações de ambos, escorrega, de súbito, para espa-
No auge da discussão, prevendo talvez con-
tifar-se no cascalho poeirento.
sequências desagradáveis, o genitor benevolente
chamou-os a si e confiou-lhes curiosa tarefa. Com o choque, o distraído orientador da
corça perde o governo do animal, que foge espan-
Iriam os três ao palácio do príncipe gover- tado, abrigando-se em floresta próxima.
nante, conduzindo algumas dádivas que muito
lhes honraria o espírito de cordialidade e gen- O carregador do bolo avança para sustar-
tileza. -lhe a fuga, internando-se pelo mato a dentro,
e o conteúdo de prateada bandeja se perde total-
mente no chão.
Desapontados e irritadiços, os três rapazes
tornam à presença paterna, apresentando cada
qual a sua queixa e a sua derrota. XXX v n
O sábio, porém, sorriu e explicou-lhes:
— Aproveitem o ensinamento da estrada. O F I L H O OCIOSO
Se cada um de vocês estivesse vigilante na pró-
pria tarefa, não colheriam as sombras do fra- Reportava-se a pequena assembleia a varia-
dos problemas da fé em Deus, quando Jesus, to-
casso. O mais intrincado problema do mundo,
mando a palavra, narrou, complacente:
meus filhos, é o de cada homem cuidar dos pró-
— Um grande Soberano possuía vastos do-
prios negócios, sem intrometer-se nas atividades
mínios. Terras, rios, fazendas, pomares e reba-
alheias. Enquanto cogitamos de responsabilida- nhos eram incontáveis em seu reino prodigioso.
des que competem aos outros, as nossas viverão Vassalos inúmeros serviam-lhe a casa, em todas
esquecidas. as direções. Alguns deles nunca se perdiam dos
Jesus calou-se, pensativo, e uma prece de olhos do Senhor, de maneira absoluta. De tem-
amor e reconhecimento completou a lição. pos a tempos, visitavam-lhe a residência, ofere-
ciam-lhe préstimos ou traziam-lhe flores de ter-
nura, recebendo novos roteiros de trabalho edi-
ficante. Outros, porém, viviam a bel-prazer nas
florestas imensas. Estimavam a liberdade plena
com declarada indisciplina. Eram verdadeiros
perturbadores do vasto império, porquanto, ao
invés de ajudarem a Natureza, desprezavam-na
sem comiseração. Matavam animais pelo simples
gosto da caça, envenenavam as águas para as-
sassinarem os peixes em massa, perseguiam as
aves ou queimavam as plantações dos servos
fiéis, não obstante saberem, no íntimo, que de-
viam obediência ao Poderoso Senhor.
Um desses servidores levianos e ociosos não
regateava sua crença na existência e na bondade
do Rei. Depois de longas aventuras na mata,
exterminando aves indefesas, quando o estômago
rania e na bondade do nosso glorioso ordenador...
jazia farto, costumava comentar a fé que depo- O guarda, contudo, redarguiu, sem pesta-
sitava no rico Proprietário de extenso e valioso nejar:
domínio. Um Soberano tão previdente quanto — Que te adiantava semelhante convicção,
aquele que soubera dispor das águas e das terras, se fugiste aos decretos de nosso Soberano, gas-
das árvores e dos rebanhos, devia ser muito sábio tando precioso tempo em perturbar-lhe as obras?
e justiceiro — explanava consciente. Sutilmente, O teu passado está vivo em tua própria condi-
todavia, escapava-lhe a todos os decretos. Pre- ção . . . Em que te servia a confiança no Senhor,
tendia viver a seu modo, sem qualquer imposição, se nunca vieste a Ele, trazendo um minuto de
mesmo daquele que lhe confiara o vale em que colaboração a benefício de todos? Observa-se,
consumia a existência regalada e feliz. logo, que a tua crença era simples meio de aco-
Decorridos muitos anos, quando as suas modar a consciência com os próprios desvarios
do coração.
mãos já não conseguiam erguer a menor das
armas para perturbar a Natureza, quando os E o servo, já comprometido pelos atos menos
olhos embaciados não mais enxergavam a paisa- dignos e de saúde arruinada, foi constrangido a
gem com a mesma clareza da juventude, incli- começar toda a sua tarefa, de novo, de maneira
nando-se-lhe o corpo, cansado e triste, paia o a regenerar-se.
solo, resolveu procurar o Senhor, a fim de pedir- O Mestre calou-se, durante alguns momen-
-lhe proteção e arrimo. tos, e concluiu:
Atravessou lindos campos, nos quais os ser- — Aqui temos a imagem de todo ocioso
vos leais, operosos e felizes, cultivavam o chão filho de Deus. O homem válido e inteligente que
admite a existência do Eterno Pai, que lhe co-
da propriedade imensa e chegou ao iluminado
nhece o poder, a justiça e a bondade, através da
domicílio do Soberano.
própria expressão física da Natureza, e que não
Experimentando aflitivo assombro, reparou o visita em simples oração, de quando em quan-
que os guardas do limiar não lhe permitiam o do, nem lhe honra as leis com o mínimo gesto de
suspirado ingresso, porque seu nome não cons- amparo aos semelhantes, sem o mais leve traço
tava no livro de servidores ativos. de interesse nos propósitos do Grande Soberano,
Implorou, rogou, gemeu; no entanto, uma poderá retirar alguma vantagem de suas convic-
das sentinelas lhe observou: ções inúteis e mortas?
— O tempo disponível do Rei é consagrado Com essa indagação que calou nos ouvidos
aos cooperadores. dos presentes, o culto evangélico da noite foi ex-
— Como assim? — bradou o trabalhador pressivamente encerrado.
imprevidente —- Eu sempre acreditei na sobe-
ciar-me. . . basta uma palavra insignificante de
incompreensão para desarmar-me. Reconheço-me
incapaz de tolerar o insulto ou a pedrada. Será
justo prosseguir, ensinando aos outros a prática
do bem, imperfeito e mau qual me v e j o ? ! . . .
Calando-se André, interferiu Pedro, conside-
X X Xvm
rando :
O ARGUMENTO JUSTO — Por minha vez, observo que não passo
de mísero espírito endividado e inferior. Sou o
 noite, em casa de Simão, transparecia um pior de todos. Cada noite, ao me retirar para as
véu de tristeza na maioria dos semblantes. orações habituais, espanto-me diante da coragem
Tadeu e André, atacados horas antes, nas louca dentro da qual venho abraçando os atuais
margens do lago, por alguns malfeitores, vi- compromissos. Minha fragilidade é grande, meus
ram-se constrangidos à reação apressada. Não débitos enormes. Como servir aos princípios su-
surgira consequência grave, mas sentiam-se am- blimes do Novo Reino, se me encontro assim
bos atormentados e irritadiços. insuficiente e incompleto?
Quando Jesus começou a falar acerca da à palavra de Pedro, juntou-se a de Tiago,
glória reservada aos bons, os dois discípulos dei- filho de Alfeu, que asseverou, abatido:
xaram transparecer, através do pranto discreto, — Na intimidade de minha própria cons-
a amargura que lhes dominava a alma e, não ciência, reparo quão longe me encontro da Boa-
podendo conter-se, Tadeu clamou, aflito: -Nova, verdadeiramente aplicada. Muita vez, de-
— Senhor, aspiro sinceramente a servir à pois de reconfortar-me ante as dissertações do
Boa-Nova; contudo, sou portador de um coração Mestre, recolho-me ao quarto solitário, para son-
indisciplinado e ingrato. Ouço, contrito, as ex- dar o abismo de minhas faltas. Há momentos em
planações do Evangelho; lá fora, porém, no trato que pavorosas desilusões me tomam de improviso.
com o mundo, não passo de um espírito renitente Serei na realidade um discípulo sincero? Não es-
no mal. Lamento. .. lamento... mas como tra- tarei enganando o próximo? Tortura-me a incer-
balhar em favor da Humanidade nestas con- teza. . . Quem sabe se não passo de reles misti-
dições ? ficador ?
Embargando-se-lhe a voz, adiantou-se An- Outras vozes se fizeram ouvir no cenáculo,
dré, alegando, choroso: desalentadas e cheias de amargura.
— Mestre, que será de mim? A o seu lado, Jesus, porém, após assinalar as opiniões ali
sou a ovelha obediente; entretanto, ao distan-
enunciadas, entre o desânimo e o desapontamen-
to, sorriu, tocado de bom humor, e esclareceu:
— Em verdade, o paraíso que sonhamos
ainda vem muito longe e não vejo aqui nenhum
companheiro alado. A meu parecer, os anjos,
na indumentária celeste, ainda não encontram XXXIX
domicílio no chão áspero e escuro em que pisa-
mos. Somos aprendizes do bem, a caminho do O PODER DAS TREVAS
Pai e não devemos menoscabar a bendita oportu-
nidade de crescer para Ele, no mesmo impulso Centralizando-se a palestra no estudo das
da videira que se eleva para o Céu, depois de tentações, contou Jesus, sorridente:
nascer no obscuro seio da terra, alastrando-sc — Um valoroso servidor do Pai movimen-
compassiva, para transformar-se em vinho recon- tava-se, galhardamente, em populosa cidade de
fortante, destinado à alegria de todos. Mas, se pecadores, com tamanho devotamento à fé e à
vocês se declaram fracos, devedores, endura i a caridade, que os Espíritos do Mal se impacienta-
e maus e não são os primeiros a trabali. ram em contemplando tanta abnegação e des-
se fazerem fortes, redimidos, dedicados e bons prendimento. Depois de lhe armarem 03 mais
em favor da obra geral de salvação, não me perigosos laços, sem resultado, enviaram um re-
parece que os anjos devam descer da glória dos presentante ao Gênio das Trevas, a fim de ouvi-lo
cimos para substituir-nos no campo de lições da a respeito.
Terra. O remédio, antes de tudo, se dirige ao Um companheiro de consciência enegrecida
doente, o ensino ao ignorante... D e outro modo, recebeu a incumbência e partiu.
penso, a Boa-Nova de Salvação se perderia por O Grande Adversário escutou o caso, aten-
inadequada e inútil... ciosamente, e recomendou ao Diabo Menor que
apresentasse sugestões.
As lágrimas dos discípulos transformarani-
O subordinado falou, com ênfase:
-se em intenso rubor, a irradiar-se da fisionomia
— Não poderíamos despojá-lo de todos os
de todos, e uma oração sentida do Amigo Divino
bens?
imprimiu ponto final ao assunto.
— Isto, não — disse o perverso orienta-
dor — ; para um servo dessa têmpera a perda
dos recursos materiais é libertação. Encontraria,
assim, mil meios diferentes para aumentar suas
contribuições à Humanidade.
mem que ele é um zero na Criação, que não passa
— Então, castigar-lhe-emos a família, dis-
de mesquinho verme desconhecido... Impõe-Ihe
persando-a e constrangendo-lhe os filhos a en-
ó conhecimento da própria pequenez, a fim de
chê-lo de opróbrio e ingratidão... — aventou
que jamais se engrandeça, e verás...
o pequeno perturbador, reticencioso.
O enviado regressou satisfeito e pôs em prá-
O perseguidor maior, no entanto, emitiu gar- tica o método recebido.
galhada franca e objetou: Rodeou o valente servidor com pensamentos
— Não vês que, desse modo, se integraria de desvalia, acerca de sua pretendida insignifi-
facilmente com a família total que é a multidão ? cância e desfechou-lhe perguntas mentais como
O embaixador, desapontado, acentuou: estas: "como te atreves a admitir algum valor
— Será talvez conveniente lhe flagelemos o em tuas obras destinadas ao pó? não te sentes
eorpo; crivá-lo-emos de feridas e aflições. simples joguete de paixões inferiores da carne?
— Nada disto — acrescentou o gênio satâ- não te envergonhas da animalidade que trazes
nico —, ele acharia meios de afervorar-se na no ser? que pode um grão de areia perdido no
confiança e aproveitaria o ensejo para provocar deserto ? não te reconheces na posição de obscuro
a renovação íntima de muita gente, pelo exercí- fragmento de lama?"
cio da paciência e da serenidade na d o r . O valoroso colaborador interrompeu as ati-
— Movimentaremos a calúnia, a suspeita e vidades que lhe diziam respeito e, depois de
o ódio gratuito dos outros contra e l e ! — clamou escutar longamente as perigosas insinuações, ol-
o emissário. vidou que a oliveira frondosa começa no grelo
— Para quê ? — tornou o Espírito das Som- frágil e deitou-se, desalentado, no leito do desâ-
bras — Transformar-se-ia num mártir, redentor nimo e da humilhação, para despertar somente
de muitos. Valer-se-á de toda perseguição para na hora em que a morte lhe descortinava o infi-
melhor engrandecer-se, diante do Céu. nito da vida.
Exasperado, agora, o demônio menor aduziu: Silenciou Jesus, c o n t e m p l a n d o a noi-
— Será, enfim, mais aconselhável que o as- te calma...
sassinemos sem piedade... Simão Pedro pronunciou uma prece sentida
— Que dizes? — redarguiu a inteligência e
os apóstolos, em companhia dos demais, se
perversa — A morte ser-lhe-ia a mais doce bên- despediram, nessa noite, cismarentos e espanta-
diços.
ção por reconduzi-lo às claridades do Paraíso.
E vendo que o aprendiz vencido se calava,
humilde, o Adversário Maior fêz expressivo mo-
vimento de olhos e aconselhou, loquaz:
— Não sejas tolo. Volta e dize a esse bo-
Espalhou ao redor deles, logo após, a3 som-
bras da pobreza; contudo, os trabalhadores dedi-
cados se congregaram no serviço incessante e su-
peraram as dificuldades.
Em seguida, atormentou-os com as serpentes
XL da calúnia; entretanto, os heróis desconhecidos
fizeram construtivo silêncio e derrotaram o es-
O VENENOSO ANTAGONISTA curo perseguidor.
Depois de semelhantes ataques, o Gênio Sa-
Diante da noite, refrescada de brisas cari- tânico modificou as normas de ação e enviou-lhes
ciantes, Filipe, de mãos calejadas, falou das an- os demônios da vaidade, que revestiram os servos
gústias que lhe povoavam a alma, com tanta fiéis do Senhor de vastas considerações sociais,
emotividade e amargura que aflitivas notas de como se houvessem galgado os pináculos do po-
dor empolgaram a assembleia. E interpelado pelo der de um momento para outro; entretanto, os
respeitoso carinho de Pedro, que voltou a tanger cooperadores previdentes se fizeram mais humil-
o problema das tentações, o Mestre contou, pau- des e atribuíam toda a glória que os visitava ao
sadamente : Pai que está nos Céus.
— O Senhor, Nosso Pai, precisou de pe- Foi então que os seres escarninhos e per-
queno grupo de servidores numa cidade revoltada versos encheram-lhes a casa de preciosidades e
e dissoluta e, para isso, localizou no centro dela dinheiro, de modo a entorpecer-lhes a capacidade
uma família de cinco pessoas, pai, mãe e três de trabalhar; mas o conjunto amoroso, robuste-
filhos que o amavam e lhe honravam as leis cido na confiança e na prece, recebia moedas e
sábias e justas. dádivas, passando-as para diante, a serviço dos
A í situados, os felizes colaboradores come- desalentados e dos aflitos.
çaram por servi-lo, brilhantemente. Exasperado, o Espírito das Trevas mandou-
Fundaram ativo núcleo de caridade e fé -Ihes, então, o Demônio da Tristeza que, muito de
transformadora que valia por avançada semen- leve, alcançou a mente do chefe da heróica fa-
teira de vida celeste; e tanto se salientaram na mília e disse-lhe, solene:
devoção e na prática da bondade que o Espírito — És um homem, não um anjo.. . Não te
das Trevas passou a mover-lhes guerra tenaz. envergonhas, pois, de falar tão insistentemente
A princípio, flagelou-os com os morcegos da, no Senhor, quando conheces, de perto, as pró-
maledicência; todavia, os servos sinceros se uni- prias imperfeições? Busca, antes de tudo, sentir
ram na tolerância e venceram. a extensão de tuas fraquezas na c a r n e ! . . . Chora
5
teus erros, faze penitência perante o Eterno!
Clama tuas culpas, tuas culpas!...
Registando a advertência, o infeliz alarniou-
-se, esqueceu-se de que o homem só pode ser útil
à grandeza do Pai, através do próprio trabalho
na execução dos celestes desígnios e, entriste- O INCENTIVO SANTO
cendo-se profundamente, acreditou-se culpado e
criminoso para sempre, de maneira irremediável. Aberta a sessão de fraternidade em casa de
Desde o instante em que admitiu a incapacidade Pedro, Tadeu clamou, irritado, contra as próprias
de reerguimento, recusou a alimentação do corpo, fraquezas, asseverando perante o Mestre:
deitou-se e, decorridos alguns dias, morreu de — Como ensinar a verdade se ainda me sin-
pesar. to inclinado à mentira? com que títulos transmi-
Vendo-o desaparecer, sob compacta onda de tir o bem, quando ainda me reconheço arraigado
lamentações e lágrimas, a esposa seguiu-lhe os ao mal? como exaltar a espiritualidade divina,
passes, oprimida de inominável angústia, e os se a animalidade grita mais alto em minha pró-
filhos, dentro de algumas semanas, trilharam a pria natureza?
O companheiro não formulava semelhantes
mesma rota.
perguntas por espírito de desespero ou desânimo,
E assim o venenoso antagonista, venceu os
mas sim pela enorme paixão do bem que lhe
denodados colaboradores da crença e do amor,
tomava o íntimo, a observar pela inflexão de
um a um, sem necessidade de outra arma que amargura com que sublinhava as palavras.
não fosse pequena sugestão de tristeza. Entendendo-lhe a mágoa, Jesus falou, con-
Interrompeu-se a palavra do Mestre, por lon- descendente :
gos instantes, mas nenhum dos presentes ousou — Um santo aprendiz da Lei, desses que se
intervir no assunto. consagram fielmente à verdade, chamado pelo
Sentindo, assim, que os companheiros pre- Senhor aos trabalhos da profecia entre os ho-
feriam guardar silêncio, o Divino A m i g o concluiu mens, mantinha-se na profissão de mercador de
remédios, transportando ervas e xaropes curati-
expressivamente:
vos, da cidade para os campos, utilizando-se para
— Enquanto um homem possui recursos
isso de um jumento caprichoso e inconstante,
para trabalhar e servir com os pés, com as mãos, quando, refletindo sobre os defeitos de que se
com o sentimento e com a inteligência, a tristeza via portador, passou a entristecer-se profunda-
destrutiva em torno dele não é mais que a visita mente. Concluiu que não lhe cabia colaborar nas
ameaçadora do Gênio das Trevas em sua guerra revelações do Céu, pelo estado de impureza ín-
desventurada e persistente contra a luz.
132 NEIO LUCIO
JESUS NO LAR 133

tima, 8 fêz-se mudo. Atendia às obrigações de


— Se este jumento, a pretexto de ser rude
protetor dos doentes, mas recusava-se a instruir
e imperfeito, se negasse a cooperar contigo, que
as criaturas, na Divina Palavra, não obstante as
seria dos enfermos a esperarem confiantes em
requisições do povo que já lhe conhecia os dotes
ti ? Volta à missão luminosa que abandonaste, e,
de inteligência e inspiração.
se te não é possível, por agora, servir a Nosso
Sentindo, porém, que a Celeste Vontade o Pai Supremo na condição de um homem purifi-
constrangia ao desempenho da tarefa e repa- cado, atende aos teus deveres, espalhando recon-
rando que os seus conflitos mentais se tornavam forto e bom ânimo, na posição do aiümal valioso
cada vez mais esmagadores, certa noite, depois e útil. Nas bênçãos do serviço, serás mais facil-
de abundantes lágrimas, suplicou esclarecimento mente encontrado pelos mensageiros de Deus
ao Todo-Poderoso. que, reconhecendo-te a boa vontade nas realiza-
Sonhou, então, que um anjo vinha encon- ções do amor, se compadecerão de ti, amparan-
trá-lo em suas lides de mercador. Viu-se caval- do-te a natureza e aprimorando-a, tanto quanto
gando o voluntarioso jumento, vergado ao peso domesticas e valorizas o teu rústico, mas pres-
de preciosa carga, em verdejante caminho, quan- timoso auxiliar!
do o emissário divino o interpelou, com bondade, Nesse instante, o pregador viu-se novamente
em seguida.às saudações habituais: no corpo, acordado, e agora feliz em razão da
— Meu amigo, sabes quantos coices desferiu resposta do Alto, que lhe reajustaria a errada
hoje este animal? conduta.
— Muitíssimos — respondeu sem vacilação. Surgindo o silêncio, o discípulo agradeceu
— Quantas vezes terá mordido os compa- ao Mestre com um olhar. E Jesus, transcorridos
nheiros de estrebaria? — prosseguiu o enviado, alguns minutos de manifesta consolação no sem-
sorridente — quantas vezes terá insultado o blante de todos, concluiu:
asseio de tua casa e orneado despropositada- — O trabalho no bem é o incentivo santo
mente ? da perfeição. Através dele, a alma de um cri-
minoso pode emergir para o Céu, à maneira do
E porque o discípulo aturdido não conse-
lírio que desabrocha para a Luz, de raízes ainda
guisse responder, de pronto, o anjo considerou:
presas no charco.
— Entretanto, ele é um auxiliar precioso e
deve ser conservado. Transporta medicamentos Em seguida, o Mestre pôs-se a contemplar
que salvam muitos enfermos, distribuindo espe- as estrelas que faiscavam, dentro da noite, en-
rança, saúde e alegria. quanto Tadeu, comovido, se aproximava, de man-
E fitando os olhos lúcidos no pregador de- so, para beijar-lhe as mãos com doçura reve-
salentado, rematou: rente .
seja a dum príncipe ou dum sacerdote, com todas
as aparências do ordenador consciente e normal ?
— A serpente pode ocultar-se num ramo de
flores e há vermes que se habituam nos frutos
de bela apresentação. O homem de elevada cate-
goria que se revele violento e cruel é enfermo,
A MENSAGEM DA COMPAIXÃO ainda assim. Compadecé-te dele, porque dorme
num pesadelo de escuras ilusões, do qual será
Dentro da noite clara, a assembleia familiar constrangido a despertar, um dia. Ampara-o
em casa de Pedro centralizara-se no exame das como puderes e marcha em teu caminho, agindo
dificuldades no trato com as pessoas. na felicidade comum.
Como estender os valores da Boa-Nova? — Mestre, e quando a nossa casa é ator-
como instalar o mesmo dom e a mesma bênção mentada por um crime ? como procederei diante
em mentalidades diversas entre si? daquele que me atraiçoa a confiança, que me
Findo o longo debate fraternal, em que Jesus desonra o nome ou me ensanguenta o lar?
se mantivera em pesado silêncio, João pergun-
— Apiada-te do delinquente de qualquer
tou-lhe, preocupado:
classe — elucidou Jesus — e não desejes violar
— Senhor, que fazer diante da calúnia que
a Lei que o próximo desrespeitou, porque o per-
nos dilacera o coração?
seguidor e o criminoso de todas as situações
— Tem piedade do caluniador e trabalha no carrega consigo abrasadora fogueira. Uma fal-
bem de todos — respondeu o Celeste Mentor, ta não resgata outra falta e o sangue não lava
sorrindo —, porque o amor desfaz as trevas do sangue. Perdoa e ajuda. O tempo está encarre-
mal e o serviço destrói a ideia desrespeitosa. gado de retribuir a cada criatura, de acordo com
— Mestre — ajuntou Tiago, filho de Zebe- o seu esforço.
deu —, e como agir perante aquele que nos ataca,
— Mestre — atalhou Bartolomeu —, que
brutalmente ?
fazer do juiz que nos condena com parcialidade?
— Um homem que se conduz pela violên- — Tem compaixão dele e continua coope-
cia — acentuou o Cristo, bondoso —, deve estar rando no bem de todos os que te cercam. Há
louco ou envenenado. Auxiliemo-lo a refazer-se. sempre um juiz mais alto, analisando aqueles
— Senhor — aduziu Judas, mostrando os que censuram ou amaldiçoam e, além de um hori-
olhos esfogueados —, e quando o homem que nos zonte, outros horizontes se desdobram, mais dila-
ofende se reveste de autoridade respeitável, qual tados e luminosos.
— Senhor — indagou Tadeu —, como pro-
ceder diante da mulher que amamos, quando se
entrega às quedas morais?
Jesus fitou-o, com brandura, e inquiriu, por
sua vez:
— Os sofrimentos íntimos que a dilaceram,
XLXLT
dia e noite, não constituirão, por si só, aflitiva
punição? A G L O R I A DO ESFORÇO
Fêz-se balsâmico silêncio no círculo domés-
tico e, logo ao perceber que os aprendizes haviam Relacionava Tiago, filho de Alfeu, as difi-
cessado as interrogações, o Senhor concluiu: culdades naturais na preparação do discípulo,
— Se pretendemos banir os males do mun- quando várias opiniões se fizeram ouvir quanto
do, cultivemos o amor que se compadece no ser- aos percalços do aprimoramento.
viço que constrói para a felicidade de todos. E' quase impossível praticar as lições da
Ninguém se engane. As horas são inflexíveis Boa-Nova, no mundo avesso à bondade, à renún-
instrumentos da Lei que distribui a cada um, cia e ao perdão — concluíam os aprendizes de
segundo as suas obras. Ninguém procure sanar maneira geral. A maioria das criaturas com-
um crime, praticando outros crimes, porque o prazem-se na avareza ou no endurecimento.
tempo tudo transforma na Terra, operando com Registava o Mestre a conceituação expen-
as labaredas do sofrimento ou com o gelo da dida pelos companheiros, em significativa quie-
morte. tude, quando Pedro o convocou diretamente ao
assunto.
Jesus refletiu alguns instantes e ponderou:
— Entre ensino e aproveitamento, tudo de-
pende do aprendiz v

E a seguir, falou com brandura:


— Existiu no tempo de David um grande
artista que se especializara na harpa com tama-
nha perfeição que várias pessoas importantes
vinham de muito longe, a fim de ouvi-lo. Gran-
des senhores com as suas comitivas descansa-
vam, de quando em quando, junto à moradia dele»
cercada de arvoredo, para escutar-lhe as subli-
JESUS NO LAR 13Ô

mes improvisações. O admirável mestre fez re-


— A aquisição de qualidades nobres é a gló-
nome e fortuna, parecendo a todos que ninguém
ria infalível do esforço. Todo homem e toda mu-
o igualaria na Terra na expressão musical a que
lher que usarem as horas de que dispõem na
se consagrara. harpa da vida, correspondendo à sabedoria e à
Em seus saraus e exibições, possuía em seu beleza com que Nosso Pai se manifesta, em todos
serviço pessoal um escravo aparentemente inábil os quadros do mundo, depressa lhe absorverão
e atoleimado, que servia água, doce e frutas aos a grandeza e as sublimidades, convertendo-se em
convivas e que jamais conversava, fixando toda representantes dò Céu para seus irmãos em hu-
a atenção no instrumento divino, como se vivesse manidade. Quando a criatura, porém, somente
fascinado pelas mãos que o tangiam. trabalha na cota de tempo que lhe é paga pelas
Muitos anos correram quando, certa noite, mordomias da Terra, sem qualquer aproveita-
o artista volta, de inesperado, ao domicílio, findo mento das largas concessões de horas que a Di-
o banquete de um amigo nas vizinhanças e, com vina Bondade lhe concede no corpo, nada mais
indizível espanto, assinala celeste melodia no ar. receberá, além da remuneração transitória do
Alguém tocava magistralmente em sua casa mundo.
solitária, qual se fora um anjo exilado no mundo.
Quem seria o estrangeiro que lhe tomara o
lugar ?
Em lágrimas de emoção por pressentir a
existência de alguém com ideal artístico muito
superior ao dele, avança devagar para não ser
percebido e, sob intraduzível assombro, verificou
que o harpista maravilhoso era o seu velho es-
cravo tolo que, usando os minutos que lhe per-
tenciam por direito e sem incomodar a ninguém,
exercitava as lições do senhor, às quais empres-
tava, desde muito tempo, todo o seu vigilante
amor em comovido silêncio.
Foi então que o artista magnânimo e famoso
libertou-o e conferiu-lhe a posição que por jus-
tiça merecia.
Diante da estranheza dos discípulos que se-
calavam, confundidos, o Mestre rematou:
Tão logo se fez o barco ao mar alte, a
distinta senhora converteu-se no centro das aten-
ções gerais. Nas festas de cordialidade era o
objetivo de todos 03 interesses pelos adornos
brilhantes com que se apresentava.
XLIV
A excursão prosseguia tranquila, quando, em
A LIÇÃO DO E S S E N C I A L certa manhã ensolarada, apareceu o imprevisto.
O choque em traiçoeiro recife abre extensa bre-
Discorriam os discípulos, entre si, quanto cha na galera e as águas a invadem. Longas
às coisas essenciais ao bem-estar, quando o Se- horas de luta surgem com a expectativa de refa-
nhor, assumindo a direção dos pensamentos em zimento; entretanto, um abalo mais forte leva
dissonância, acrescentou: o navio a posição irremediável e alguns botes
— E' indispensável que a criatura entenda descidos são colocados à disposição dos viajantes
para os trabalhos de salvamento possível.
a própria felicidade para que se não transforme,
A ilustre patrícia é chamada à pressa.
ao perdê-la, em triste fantasma da lamentação.
Longe das verdades mais simples da Natureza, O comandante calcula a chegada a porto
mergulha-se o homem na onda pesada de fan- próximo em dois dias de viagem arriscada, na
tasiosos artifícios, exterminando o tempo e a hipótese de ventos favoráveis.
vida, através de inquietações desnecessárias. A jovem matrona abraça o filhinho, espe-
E, como quem recordava incidente adequado rançosa e aflita. Dentro em pouco ela atinge o
ao assunto, interrompeu-se por alguns instantes pequeno barco de socorro, sustentando a criança
e retomou a palavra, comentando: e pequeno pacote em que os companheiros jul-
— Ilustre dama romana, em companhia dum garam trouxesse as jóias mais valiosas. Todavia,
filhinho de cinco anos, dirigia-se da cidade dos apresentando o conteúdo aos poucos irmãos de
Césares para Esmirna, em luxuosa galera de sua infortúnio que seguiriam junto dela, exclamou:
pátria. Ao penetrar na embarcação, fizera-se — "Meu filho é o que possuo de mais precioso
e aqui tenho o que considero de mais útil". O in-
acompanhar de dois escravos, carregados de vo-
significante volume continha dois pães e dez
lumosa bagagem de jóias diferentes: colares e
figos maduros, com os quais se alimentou a redu-
camafeus, braceletes e redes de ouro, adornados
zida comunidade de náufragos, durante as horas
com pedrarias, revelavam-lhe a predileção pelos
aflitivas que os separavam da terra firme.
enfeites raros. Todo o pessoal de serviço incli-
nou-se, com respeito, ao vê-la passar, tão elevada O Mestre repousou, por alguns segundos, e
acrescentou:
era a expressão do tesouro que trazia para bordo.
— A felicidade real não se fundamenta em
riquezas transitórias, porque um dia sempre che-
ga em que o homem é constrangido a separar-se
dos bens exteriores mais queridos ao coração.
Os loucos se apegam a terras e moinhos, moedas
e honras, vinhos e prazeres, como se nunca de- XLV
vessem acertar contas com a morte. O espírito
prudente, porém, não desconhece que todos os O IMPERATIVO DA AÇÃO
patrimônios do mundo devem ser usados para
nosso enriquecimento na virtude e que as bên- Explanavam os aprendizes, acaloradamente,
çãos mais simples da Natureza são as bases de sobre as necessidades de preparação para o Reino
nossa tranquilidade essencial. Procuremos, pois, Divino.
o Reino de Deus e sua justiça, tomando à Terra Filipe, circunspecto, salientava o impositivo
o estritamente necessário à manutenção da vida da meditação. Tiago, o mais velho, opinava pelo
física e todas as alegrias ser-nos-ão acrescen- retiro espiritual; os discípulos do movimento re-
tadas . novador, a seu ver, deviam isolar-se em zona
inacessível ao pecado. João optava pela adoração
constante, chegando ao extremo de sugerir o
abandono das atividades profissionais, por parte
de cada um, a fim de poderem entoar hosanas
contínuos ao Pai Amantíssimo. Bartolomeu des-
tacava a necessidade do jejum incessante, com
abstenção de todo contacto com as pessoas im-
puras .
Chamado à manifestação direta pela palavra
indagadora de Simão, Jesus perguntou, nominal-
mente :
— Pedro, qual é a água que desprende mias-
mas pestilenciais?
— Sem dúvida — respondeu o apóstolo, in-
trigado —, é a água estagnada, sem proveito.
Sorridente, dirigiu-se ao filho de Alfeu, in-
dagando :
— Tiago, qual é o peixe que flutua inerte
na onda? — O Templo está repleto de adoradores e
— E' o peixe morto, Senhor — redarguiu a miséria rodeia Jerusalém. Se a luz não serve
para expulsar as trevas, se o pão deve fugir ao
o discípulo, desapontado.
faminto e se o remédio precisa distanciar-se do
— Bartolomeu, qual é a terra que se enche
enfermo, onde encontraremos proveito no tra-
de matagais daninhos à plantação útil? balho a que nos propomos ? O Reino Divino guar-
O interpelado pensou, pensou e esclareceu: da o imperativo da ação por ordem fundamental.
— Indiscutivelmente, é a terra boa despre- Sigamos para diante e propaguemos a verdade
zada, porque o solo empedrado e áspero é quase salvadora, através dos pensamentos, das pala-
sempre estéril. vras, das obras e de nossas próprias vidas. O
O Mestre, evidenciando sincera satisfação, Todo-Sábio criou a semente para produzir com
concentrou a atenção em Tadeu e inquiriu: o infinito. Desce do alto a claridade do Sol cada
— Tadeu, qual é a túnica que se converte dia para extinguir as sombras da Terra. Não é
em ninho da traça destruidora? outro o ministério da Boa-Nova. Amar, servindo,
— E' a túnica não usada. é venerar o Pai, acima de todas as coisas; e ser-
vir, amando, é amparar o próximo como a nós
Endereçando expressivo gesto a Judas, in- mesmos. Pautar-se por estas normas, em nosso
terrogou : movimento de redenção, é praticar toda a Lei.
— Que acontece ao talento sepultado?
— Perde-se por inútil, Senhor.
Logo após, assinalou com o olhar um dos
filhos de Zebedeu e falou, mais incisivo:
— Tiago, onde se acoitam as serpentes e
os lobos?
— Nos lugares em ruína ou votados ao
abandono.
— André — disse o Cristo, fixando o irmão
de Pedro —, qual é, em verdade, a função do
fermento ?
— Mestre, a missão do fermento é dar vida
ao pão.
Em seguida, pousando nos companheiros o
olhar penetrante e doce, acrescentou, bem hu-
morado :
classe de adubo, proteção incessante contra inse-
tos daninhos e providências diversas, nos tempos
laboriosos do início; a planta, contudo, era tão
preciosa em si mesma que bastaria um exemplar
vitorioso para que a paz e a felicidade se derra-
XLVI massem, benditas, sobre a comunidade em geral.
Seus ramos abrigariam a todos, seu perfume en-
A ÁRVORE PRECIOSA volveria a Terra em branda harmonia e seus
frutos, usados pelas criaturas, garantiriam o,
Salientando o Senhor que a construção do bem-estar do mundo inteiro. ,
Reino Divino seria obra de união fraternal entre Finda a promessa e depois de confiadas ao
todos os homens de boa vontade, o velho Zebe- povo as sementes milagrosas, cada circunstante
deu, que amava profundamente os apólogos do
se retirou para o domicílio próprio, sonhando
Cristo, pediu-lhe alguma narrativa simbólica,
possuir, egoisticamente, a árvore das flores de
através da qual a compreensão se fizesse mais
luz e dos frutos de ouro. Cada qual pretendia a
clara entre todos.
preciosidade para si, em caráter de exclusividade.
Jesus, b e n é v o l o como sempre, sorriu e Para isso, cerraram-se, apaixonadamente, nas
contou:
terras que dominavam, experimentando a semen-
— Viviam os homens em permanentes con- teira e suspirando pela posse pessoal e absoluta
flitos, acompanhados de miséria, perturbação e de semelhante tesouro, simplesmente por vaidade
sofrimento, quando o Pai compadecido lhes en- do coração.
viou um mensageiro, portador de sublimes se- A árvore, todavia, a fim de viver reclamava
mentes da Árvore da Felicidade e da Paz. Desceu concurso fraterno total e os atritos ruinosos con-
o anjo. com o régio presente e, congregando os tinuaram .
homens para a entrega festiva, explicou-lhes que As sementes, pela natureza divina que as
o vegetal glorioso produziria flores de luz e frutos caracterizava, não se perderam; entretanto, se
de ouro, no futuro, apagando todas as dissensões, alguns cultivadores possuíam água, não pos-
mas reclamava cuidados especiais para fortale- suíam adubo e os que retinham o adubo não dis-
cer-se. Em germinando, era imprescindível a punham de água farta. Quem detinha recursos
colaboração de todos, nos cuidados excepcionais para defender-se contra os vermes, não encon-
do amor e da vigilância. trava acesso à gleba conveniente e quem se havia
As sementes requeriam terra conveniente, apoderado do melhor solo não contava com pos-
aperfeiçoado sistema de irrigação, determinada sibilidades de vigilância. E tanto os senhores
provisórios da água e do adubo, da terra e dos
elementos defensivos, quanto os demais candi-
datos à posse da riqueza celeste, passaram a
lutar, em desequilíbrio pleno, exterminando-se
reciprocamente.
O Mestre fêz longo intervalo na curiosa nar-
rativa e acrescentou: XLVTI
— Este é o símbolo da guerra improfícua
dos homens em derredor da felicidade. Os talen- O EDUCADOR CONTURBADO
tos do Pai foram concedidos aos filhos, indis-
tintamente, para que aprendam a desfrutar os Comentava André, o apóstolo prestativo, as
dons eternos, com entendimento e harmonia. Uns dificuldades para afeiçoar-se às verdades novas,
possuem a inteligência, outros a reflexão; uns ' quando Jesus narrou para a edificação de todos:
guardam o ouro da terra, outros o conhecimento — Um homem, singularmente forte, que se
sublime; alguns retêm a autoridade, outros a especializara em variados serviços de reparação
experiência; todavia, cada um procura vencer e reajustamento, foi convidado por um anjo a
sozinho, não para disseminar o bem com todos, consertar um aleijado que aspirava ao ingresso
através do heroísmo na virtude, mas para humi- no paraíso e aceitou a tarefa.
lhar os que seguem à retaguarda. Avizinhou-se do enfermo, de martelo em pu-
E fitando Zebedeu, de modo significativo, nho, e, não obstante os gritos e lágrimas que a
finalizou: sua obra arrancava do infeliz, aprimorando-o, dia
— Quando a verdadeira união se fizer es- a dia, cumpriu o prometido.
pontânea, entre todos os homens no caminho O mensageiro divino, satisfeito, rogou-lhe a
redentor do trabalho santificante do bem natu- contribuição no aperfeiçoamento de uma velha
ral, então o Reino do Céu resplandecerá na coxa que desejava ardentemente a entrada na
Terra, à maneira da árvore divina das flores de Corte Celeste.
luz e dos frutos de ouro. O trabalhador robusto, indiferente aos gemi-
O velho galileu sorriu, satisfeito, e nada dos da anciã, impôs-lhe a disciplina curativa e,
mais perguntou. gradativamente, colocou-a em condições de subir
às esferas sublimes.
O ministro do Alto, jubiloso, solicitou-lhe o
concurso no refazimento de um homem chagado
e aflito que anelava a beatitude edênica.
O consertador não hesitou.
150 T^EIO LÚCIO

Absolutamente inacessível aos petitorios do


infortunado, queiraou-lhe as úlceras com aten- amigo, ao reencontrá-lo, com extrema dificuldade
ção e rigor, pondo-o em posição de elevar-se. o identificou, tão diferente se achava.
Terminada a tarefa, o anjo retornou e re- Findo o longo exame a que submeteu o in-
quisitou-lhe a cooperação em benefício de um fortunado, o mensageiro do Eterno não teve
jovem perdido em maus costumes. outro recurso senão confiá-lo a outros educado-
O restaurador tomou o rapaz à sua conta res para que o reajustamento necessário se fizes-
e deu-lhe trabalho e contenção, com tamanho se, com o mesmo rigor salutar com que funcio-
tirocínio, que, em tempo breve, a tarefa se fazia nara para os outros, a fim de que o notável
completa. consertador se aperfeiçoasse, convenientemente,
E, assim, o emissário de Cima pediu-lhe co- para, então, ingressar no Paraíso.
laboração em diversos casos complexos de re- Diante da estranheza que senhoreara o âni-
estruturação física e moral, até que, um dia, o mo dos presentes, o Senhor concluiu:
emérito educador, entediado da existência im- — Usemos de paciência e amor em todas
perfeita na Terra, implorou ao administrador as obras de corrigenda e aprendamos a suportar
angélico a necessária permissão para seguir em as medidas com que buscamos melhorar a posi-
companhia dele, na direção do Céu. ção daqueles que nos cercam, porque para cada
O embaixador sublime revistou-o, minucio- espírito chega sempre um momento em que deve
samente, e informou que também ele devia pre- ser burilado, com eficiência e segurança, para a
Luz Divina.
parar-se com vistas ao grande cometimento;
mostrou-lhe os pés irregulares, os braços defi-
cientes e os olhos defeituosos e rogou, dessa vez,
reajustasse ele a si mesmo, a fim de elevar-se.
O disciplinador começou a obra de auto-
-aprimoramento, esperançoso e otimista; entre-
tanto, o seu antigo martelo lhe feria agora tão
rudemente a própria carne que ele, ao invés de
consertar os pés, os braços e os olhos, caiu a
contorcer-se no chão, desditoso e revoltado, pro-
ferindo blasfêmias e vomitando injúrias contra
Deu3 e o mundo, quase paralítico e quase cego.
Ele mesmo não suportara o regime de sal-
vação que aplicara aos outros e o próprio anjo
até o campo próximo, depois de refeita a pai-
sagem.
Não haviam andado meia milha, quando
avistaram vasta faixa de pântano; e o orienta-
dor, observando que o charco recebia a água
da chuva, explicou:
O PROVEITO COMUM
— Eis que o lodaçal recolhe o líquido celeste
Dentro da noite muito clara, os companhei- e com ele faz imundo caldo, mas existem batrá-
ros reunidos em casa de Pedro comentavam as quios que se beneficiarão com segurança e efi-
dificuldades na divulgação das ideias redentoras. ciência, porquanto, se não chovesse, provavel-
Muita gente se valia do socorro de Jesus, mente estas águas escuras se transformariam em
buscando vantagens próprias. Certo negociante veneno mortal.
provocava o ajuntamento popular em determi- Depois de alguns passos, encontraram poças
nada região da praia, a fim de estimular a venda de enxurrada nos recôncavos de terra dura, e o
de vinhos; carroceiros vulgares intensificavam a mentor, analisando-as, acrescentou:
propaganda do Reino Celeste, nas cercanias, não — Aqui, a fonte jorrada do firmamento é
com o objetivo de se tornarem melhores, mas agora lama desagradável; entretanto, que seria
para alugarem veículos diversos a doentes de deste chão estéril se a água divina o não visi-
longe, interessados na assistência do Mestre. tasse? Amanhã, talvez veremos neste solo per-
O parecer de quase todos os apóstolos era fumada floração de lírios rústicos.
inquietante e desalentador. Marcharam adiante e detiveram-se na con-
Foi quando o Divino Amigo, tomando a pa- templação de algumas árvores nuas. A água, nos
lavra, explanou: galhos ressequidos, parecia cinzenta e fétida,
— Certo filósofo, mergulhado nos estudos mas o instrutor esclareceu:
da Revelação Divina, possuía um discípulo que — Nestas árvores abandonadas, a bênção
nunca se conformava com a incompreensão do da chuva cristalina se fêz pesada e sombria; no
povo quanto às verdades celestes. Inflamava-se, entanto, que lhes aconteceria se as dádivas do
de minuto a minuto, contra os maus, os ingratos Alto as não beneficiassem? Possivelmente, mor-
ou os hipócritas, que abusavam dos elevados en- reriam, em breve, até às raízes. Em poucas sema-
sinamentos de que se via portador. nas, porém, cobrir-se-ão de ramagens fartas, ser-
O mestre ouvia-o e guardava silêncio, até vindo aos lares abençoados dos passarinhos.
que numa linda manhã, vindo um aguaceiro rá- Demandaram além e descobriram alguns
pido de estio, convidou-o para um breve passeio pessegueiros, cujas flores guardavam as gotas
154 NETO LUCIO

do Céu, com tanta beleza, que mais se asseme-


lhavam, dentro delas, a diamantino orvalho, le-
vemente irisado pela claridade solar. O mestre,
indicando-as, disse:
— Aqui, as pétalas puras conservaram o
dom celeste com absoluta fidelidade e, muito em
breve, serão perfume e beleza em excelentes fru- XLIX
tos para o banquete da vida.
Logo após, espraiando o olhar pela paisagem A JORNADA REDENTORA
enorme, falou ao discípulo espantado:
— Jamais censures o manancial do socorro Aberta a doce con vereação da noite em
celeste. Cada homem lhe recebe o valor no plano torno da Boa-Nova, a esposa de Zebedeu pergun-
em que se encontra. Guardando-lhe os princípios tou, reverente, dirigindo-se a Jesus:
sublimes, o criminoso se faz menos cruel, o pior — Senhor, como se verificará nossa jornada
se mostra menos mau, o imperfeito melhora, o para o Reino Divino?
infortunado encontra alívio e os bons se engran- O Cristo pareceu meditar alguns momentos
decem para maior amplitude no serviço ao Nosso e explanou:
Pai. Se possuis raciocínio suficiente para discer- — Num vale de longínquo país, alguns ju-
deus cegos de nascença habituaram-se à treva e
nir a realidade, não te percas em reprovações
à miséria em que viviam, e muitos anos perma-
vazias. Aprende com o Supremo Senhor que
neciam na furna em que jaziam mergulhados,
ajuda sempre, de acordo com a posição e a neces-
quando iluminado irmão de raça por lá passou
sidade de cada um, distribui com todos os que
e falou-lhes da profunda beleza do Monte Sião,
te cercam os bens do Céu que já podes reter
em Jerusalém, onde o povo escolhido adora o
com fidelidade e o Céu te abrirá o acesso a te-
Supremo Pai. Ao lhe ouvirem a narrativa, todos
souros sem fim. . .
os cegos experimentaram grande comoção e las-
Terminada que foi a narrativa, Jesus ca- timaram a impossibilidade em que se manti-
lou-se . nham. O vidente amigo, porém, esclareceu-lhes
Os apóstolos, como se houvessem recebido que a situação não era irremediável. Se tivessem
sublime lição em tão poucas palavras, entreo- coragem de aplicar a si mesmos determinadas
lharam-se, expressivamente, silenciosos e felizes. disciplinas, com abstinência de variados prazeres
O Senhor, então, abençoou-os e retirou-se ' d e natureza inferior a que se haviam acostumado
nas trevas, poderiam recobrar o contacto com a
para as margens do lago, fitando, pensativo, as
luz, avançando na direção da cidade santa.
constelações que tremeluziam distantes...
156 NEIO LUCIO JESUS NO L A R 157

A maioria dos ouvintes recebeu as sugestões rito do perseguidor se modificou, fazendo-se mais
com manifesta ironia, assegurando que os pro- brando e reformando-se para o bem, restituindo-
genitores e outros antepassados haviam sido -Ihe a liberdade.
igualmente cegos e que se lhes afigurava impos- Emancipado de novo, o crente fiel recomeçou
sível a reabilitação dos órgãos visuais. a jornada, porque a ânsia de alcançar o templo
Um deles, porém, moço corajoso e sereno, divino povoava-lhe a mente.
acreditou no método aconselhado e aplicou-o. Pôs-se a caminho, distribuindo fraternidade
Entregou-se primeiramente às disciplinas e alegria com todos os viajores que lhe cruzassem
apontadas e, depois de quatro anos de medita- a estrada, mas, atingindo um vilarejo onde a
ções, trabalho intenso e observação pessoal da autoridade era exercida com demasiado rigor, foi
Lei, com jejuns e preces, obteve a visão. encarcerado como sendo um criminoso desconhe-
Quase enlouqueceu de alegria. cido; no entanto, sabendo que seria traído pelas
Em êxtase, contou aos companheiros a su- próprias forças insuficientes, caso buscasse rea-
blimidade da experiência, comentando a largueza gir, deixou-se trancafiar até que o problema
do Céu e a beleza das árvores próximas; contudo, fosse resolvido, o que reclamou longo tempo.
ninguém acreditou nele. Nunca, entretanto, se revelou inativo no exer-
Não obstante ser tomado por demente, o cício do bem. Na própria cadeia que lhe feria
rapaz não desanimou. a inocência, encontrou vastíssimas oportunidades
Agora, enxergava o caminho e conseguiria para demonstrar boa vontade, amor e tolerância,
avançar. sensibilizando as autoridades, que o libertaram
Ausentou-se do vale fundo, mas, sem qual- enfim.
quer noção de rumo, vagueou dias e noites, em O ideal de atingir o santuário sublime absor-
estado aflitivo. Atacado por loho3 e víboras via-lhe o pensamento e prosseguiu na marcha;
em grande número, usava a maior cautela, reco- todavia, somente depois de vinte anos de lutas
nhecendo a própria inexperiência, até que, em e provas, das quais sempre saía vitorioso, é que
certa manhã, abeirando-se de um esconderijo ca- conseguiu chegar ao Monte Sião para adorar o
vado na rocha, para colher mel silvestre, foi apri- Supremo Senhor.
sionado por um ladrão que lhe exigiu a bolsa; O Mestre interrompeu-se, vagueou o olhar
entretanto, como não possuísse dinheiro, deixou- pela sala silenciosa e rematou:
— Assim é a caminhada do homem para o
-se escravizar pelo malfeitor que durante cinco
anos sucessivos o reteve em trabalho incessante. Reino Celestial.
O servo, porém, agiu com tamanha bondade, mul- Antes de tudo, é preciso reconhecer a sua
tiplicando os exemplos de abnegação, que o espí- condição de cego e aplicar a si mesmo os reme-
aios indicados nos mandamentos divinos. Alcan-
çado o conhecimento, apesar da zombaria de
quantos o rodeiam em posição de ignorância, é
compelido a marchar por si mesmo, e sozinho
quase sempre, dó escuro vale terrestre para o L
monte da claridade divina, aproveitando todas
as oportunidades de servir, indistintamente, ain- EM ORAÇÃO
da mesmo aos próprios inimigos e perseguidores.
Quando o seguidor do bem compreende o dever Na véspera da partida do Senhor, no rumo
de mobilizar todos os recursos da jornada, em de Sídon, o culto do Evangelho, na residência de
silêncio, sem perda de tempo com reclamações e Pedro, revestiu-se de justificável melancolia. As
censuras, que somente denunciam inferioridade, atividades do estudo edificante prosseguiriam,
então estará em condições de alcançar o Reino, mas o trabalho da revelação, de algum modo,
dentro do menor prazo, porque viverá plasmando experimentaria interrupção natural.
as próprias asas para o voo divino, usando para A leitura de comoventes páginas de Isaías
isso a disciplina de si mesmo e o trabalho inces- foi levada a efeito por Mateus, com visível
sante pela paz e alegria de todos. emotividade;-entretanto, nessa noite de despedi-
das, ninguém formulou qualquer indagação.
Intraduzível expectativa pairava no semblan-
te de todos.
O Mestre, por si, absteve-se de qualquer co-
mentário, mas, ao término da reunião, levantou
os olhos lúcidos para o Céu e suplicou fervoro-
samente :
— Pai, acende a tua divina luz em torno de
todos aqueles que te olvidaram a bênção, nas
sombras da caminhada terrestre.
Ampara os que se esqueceram de repartir
o pão que lhes sobra na mesa farta.
Ajuda aos que não se envergonham de os-
tentar felicidade, ao lado da miséria e do infor-
túnio .
Socorre os que se não lembram de agradecer livres, quando não passam de escravos, dignos
aos benfeitores.
de compaixão, diante de teus sublimes desígnios.
Compadece-te daqueles que dormiram nos Eles todos, Pai, são delinquentes que esca-
pesadelos do vício, transmitindo herança dolo- pam aos tribunais da Terra, mas estão assinala-
rosa aos que iniciam a jornada humana. dos por tua justiça soberana e perfeita, por deli-
Levanta os que olvidaram a obrigação de tos de esquecimento, perante o Infinito Bem...
serviço ao próximo. A essa altura, interrompeu-se a rogativa sin-
Apiada-te do sábio que ocultou a inteligência gular.
entre as quatro paredes do paraíso doméstico. Quase todos os presentes, inclusive o pró-
Desperta os que sonham com o domínio do prio Mestre, mostravam lágrimas nos olhos e, no
mundo, desconhecendo que a existência na carne alto, a Lua radiosa, em plenilúnio divino, fazendo
é simples minuto entre o berço e o túmulo, à incidir seus raios sobre a modesta vivenda de
frente da Eternidade. Simão, parecia clamar sem palavras que muitos
Ergue os que caíram vencidos pelo excesso homens poderiam viver esquecidos do Supremo
de conforto material. Senhor; entretanto, o Pai de Infinita Bondade
Corrige os que espalham a tristeza e o pes- e de Perfeita Justiça, amoroso e reto, continuaria
simismo entre os semelhantes. velando...
Perdoa aos que recusaram a oportunidade
de pacificação e marcham disseminando a revolta
e a indisciplina.
Intervém a favor de todos os que se acre-
ditam detentores de fantasioso poder e supõem
loucamente absorver-te o juízo, condenando os
próprios irmãos.
FIM
Acorda as almas distraídas que envenenam
o caminho dos outros com a agressão espiritual
dos gestos intempestivos.
Estende paternas mãos a todos os que olvi-
daram a sentença de morte renovadora da vida
que a tua lei lhes gravou no corpo precário.
Esclarece os que se perderam nas trevas do
ódio e da vingança, da ambição transviada e da
impiedade fria, que se acreditam poderosos e
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
MIRÊTA
Revela-nos o romance a superioridade dos senti-
mentos de duas criaturas que se amaram desde o pri-
meiro instante. Cenas sentimentais e ensinamentos
MISSIONÁRIOS DA LUZ
proveitosos.
(4. edição)
a

J. W . ROCHESTER Qual o mecanismo da psicografia, da incorpo-


ração, da obsessão, da materialização, da reencar-
nação, da desencarnação, dos passes? Tudo isto, e
O CHANCELER DE FERRO mais outras coisas, André Luiz nos descreve e ex-
(José, do Egito) plica nos vinte capítulos dessa extraordinária obra.
Romance encantador. Época dos faraós do antigo
Egito. O leitor fica de tal maneira satisfeito com o
enredo que sente o desejo de o reler várias vezes.

HERCULANUM LIBERTAÇÃO
Em Herculanum iremos encontrar o cenário da ;
Roma dos Césares. Páginas descritivas da catástrofe André Luiz volta ao nosso meio, através de
venusiana, soterrando duas lindas cidades para um sono uma nova obra — LIBERTAÇÃO —, oferecendo-
de vinte séculos. -nos a continuação de suas observações, resultan-
tes das excursões que lhe permitem realizar nos
mais variados campos de estudo, de forma a trans-
A . B E Z E R R A DE MENEZES mitir-nos, de acordo com a capacidade de assimi-
lação que já possuímos, ensinamentos que vêm
A CASA ASSOMBRADA ampliar as nossas possibilidades de progresso es-
piritual .
Magnífico romance, em que o Autor nos descreve
com graça e beleza a vida rude e simples dos sertõe3
nordestinos, pondo em foco as crendices e costumes dos
seus habitantes.

AGENDA CRISTÃ
FERNANDO DO O'
(8.* edição)
AIMAS
a u n A S QUE
QUE VOLTAM
Belíssimo Conselhos, normas e reflexões, para todos os
^ lTnnL7T '
el nCe C U
J a t r a
^ a Be desenrola em tor- momentos aflitivos da vida cotidiana, ditados pelo
- - da
neis à reencarnt^áo
— S O C a s i o n a d o s
P e l a s l e í s ü l d e
" Espírito de André Luiz.
CRÔNICAS DE ALÉM-TÚMULO
Fred. Figner
O popularíssimo cronista — Humberto de Campos
— oferta do Além ao público brasileiro suas novas CRÔNICAS
Crônicas, cem aquele mesmo feitio estilístico e cultu- ESPIRITAS
ral e aquela mesma encantadora forma que fizeram (2/ edição)
a glória do escritor e a delícia dos seus incontáveis
leitores. Além do grande nú-
Foi a primeira obra ditada pelo brilhante acadê- mero de crônicas publi-
mico ao médium F. C. Xavier e que agora é apresen-' cadas pelo "Correio da
tada em sua 5. edição.
a Manhã", o dinâmico Fíf-
Crônicas de Além-Túmulo é um prazer intelectual, ner aparece-nos pole-
micando admiravelmente
ensebando-nos também lições proveitosas para o es- com o Padre Dubois, na
pírito . "Folha do Norte", em
1920, o n d e suas argu-
mentações nos ampliam
de muito o raciocínio in-
dutivo e dedutivo neces-
VOLTEI sários para os momen-
tos que formos chama-
dos ao trabalho de ilu-
O Espírito do Irmão Jacob transmitiu ao médium minação do próximo. Há
Francisco Cândido Xavier as suas impressões, desde ainda o célebre discurso
o período de sua enfermidade, na Terra, até a sua re- do Bispo Strossmayer,
cepção pelos amigos, todos eles conhecidos em nossos no Concílio do Vaticano,
íneios, descrevendo-nos minuciosamente tudo quanto lhe em 1870.
ocorreu durante esse período.
E' um livro originalíssimo, cheio de ensinamentos
proveitosos e que bem corresponde ao nome que lhe deu
o Autor — Voltei.
Francisco V. Loren*
ESPERANTO SEM
MESTRE
Gramática, exercícios
CAMINHO, VERDADE E VIDA c o m chaves, conversa-
ção, poesias, provérbios,
vocabulários Esperanto-
São 319 páginas sublimes, de ensinamentos profun- -Português e Português-
dos, interpretativos do Novo Testamento, formando -Esperanto. 4.» edição
verdadeira essência evangélica, em perfeita comunhão revista e aumentada..
com o Cristo, que, no dizer do'Autor — Emmanuel —
"é o,Caminho, a Verdade e a V i d a " .
LÉON DENIS

^oaaa djrVc, médium


Na tradução esmerada de Guillon Ribeiro, apresen-
tamos a 5.* edição dessa magistral obra.
" A história de Joana é inesgotáfel mina de ensina-
mentos. . . E' na liberdade plena de meu pensamento que
vou buscar a chave do mistério que envolve tão incom-
parável destino" — declara o grande discípulo de Kardec.
Nessas vibrantes páginas, a vida de vozes, visões e
premonições da Virgem de Orleães se aclara, e ilumina,
a luz ao ülspiritismo. Joana surge, então, como grande
médium, para uma grande .missão.

ANTOINETTE BOURDÏN

Satre dois JVLiiricios


>> *A distinta Autora, contemporânea de Kardec, sabe
tocar os corações dos seus leitores. Sua obra, escrita
numa linguagem simples, leve e agradabilíssima, reve-
la-lhe o dom de primorosa escritora.
"Entre dois Mundos" é uma espécie de romance di-
dático, em que uma alma, ainda semi-presa ao corpo
carnal, durante o sono faz à sua mãe revelações belas
st palpitantes do mundo de Além e que se completam com
vários e oportuníssimos ensinamentos doutrinários de ca-
ráter espírita.
y3' obra que fortalece e edifica e consola.

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