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Encantador opúsculo
recebido através da m e -
diunidade de Francisco
Candido Xavier. São
doze magistrais sonetos,
fundados n a mais subli-
mada ética doutrinária,
JESUS NO LAR
com apreciação, comen-
tários e glossário pelo
douto P r o f . P o r t o C a r -
reiro Neto, que desenvol-
ve aí talentoso trabalho
de c r i t i c a construtiva
e ponderações valiosíssi-
mas sobre a personali-
dade de B o c a g e e sua
obra em vida, elevando,
assim, a u m total de 55
o número d e páginas
desse primoroso t r a b a -
lho que é — Volta Bo-
cage. ..
!
í
li • -'
Francisco C. Xavier
AGENDA CRISTÃ
(de André Luiz)
Conselhos, normas e
reflexões, p a r a todos os
momentos aflitivos da
vida cotidiana, ditados
pelo Espírito de A n d r é
Luiz.
Francisco Cândido Xavier
Pelo Espírito
de
ißeio l ú c i o
1." EDIÇÃO
10 milheiros
1950
Págs.
Jesus no Lar 7
I O culto cristão no lar 9
II A escola das almas 12
in Explicações do Mestre 15
IV A lição da semente 18
V O servo inconstante 21
VI Os instrumentos da perfeição 24
VII O maior servidor 27
VIII O príncipe sensato 30
IX O mensageiro do amor . . . . 33
X O juiz reformado 36
XI O santo desiludido 39
XII Os descobridores do homem 42
XIII O revolucionário sincero . . . 46
XIV A coroa e as asas 50
XV O ministro sábio 53
XVI O auxílio mútuo 56
xvn A exaltação da cortesia . . . . 59
xvin A bênção do estímulo 62
XIX A receita da felicidade 65
XX A caridade desconhecida . . . 68
XXI O rico vigilante 71
Composto e impresso
nas oficinas da XXII O talismã divino ' 74
— FEDERAÇÃO — XXIII Os mensageiros distraídos . 76
XXIV Os sinais da renovação 79
XXV A visita da verdade 82
XXVI O valor do serviço 85
Págs.
O dom esquecido 88
XXVH
XXVIII A resposta celeste 91
XXIX A parábola relembrada 95
XXX A regra de ajudar 98
XXXI A razão da dor 101 JESUS NO LAR
XXXII A fé vitoriosa 104
O apelo divino 107 Para a generalidade dos estudiosos, o Cristo
xxxm A serva escandalizada 110 permanece tão somente situado na História, mo-
XXXIV A necessidade de entendi- dificando o curso dos acontecimentos políticos do
XXXV mento 113 mundo; para a maioria dos teólogos, é simples
XXXVI O problema difícil 116 objeto de estudo, nas letras sagradas, impri-
XXXVII O filho ocioso 119 mindo novo rumo às interpretações da fé; para
O argumento justo 122
xxxvni O poder das trevas 125
os filósofos, é o centro de polêmicas infindáveis,
XXXIX O venenoso antagonista . . . . 128 e, para a multidão dos crentes inertes, é o ben-
XL • O incentivo santo 131 feitor providencial nas crises inquietantes da
XLI A mensagem da compaixão 134 vida comum.
XLn A glória do esforço 137 Todavia, quando o homem percebe a gran-
xLin
A lição do essencial 140 deza da Boa-Nova, compreende que o Mestre não
XLIV
O imperativo da ação 143 é apenas o reformador da civilização, o legisla-
XLV
XLVI A árvore preciosa 146 dor da crença, o condutor do raciocínio ou o
XLVII O educador conturbado 149 doador de facilidades terrestres, mas também,
XLVín O proveito comum 152 acima de tudo, o renovador da vida de cada um.
A jornada redentora 155
XLIX Atingindo esse ápice do entendimento, a
Em oração 159
L criatura ama o templo que lhe orienta o modo
de ser; contudo, não se restringe às reuniões
conveywionais para as manifestações adorativas
e, sim, traz o Amigo Celeste ao santuário fami-
liar, onde Jesus, então, passa a controlar as pai-
xões, a corrigir as maneiras e a inspirar as pala-
vras, habilitando o aprendiz a traduzir-lhe os
ensinamentos eternos através de ações vivas,
com as quais espera o Senhor estender o divino
reinado da paz e do amor sobre a Terra.
Quando o Evangelho penetra o Lar, o co-
JESUS NO LAR
ração abre mais facilmente a porta ao Mestre
Divino.
Neio Lúcio conhece esta verdade profunda
e consagra aos discípulos novos algumas das
lições do Senhor no círculo mais íntimo dos
apóstolos e seguidores da primeira hora.
Hoje, que quase vinte séculos são já decor- I
ridos sobre as primícias da Boa-Nova, o domi-
cílio de Simão se transformou no mundo in- O CULTO CRISTÃO N O L A R
teiro ...
Jesus continua falando aos companheiros de Povoara-se o firmamento de estrelas, dentro
da noite prateada de luar, quando o Senhor, ins-
todas as latitudes. Que a sua voz incisiva e doce
talado provisoriamente em casa de Pedro, tomou
possa gravar no livro de nossa alma a lição
os Sagrados Escritos e, como se quisesse impri-
renovadora de que carecemos à frente do porvir, mir novo rumo à conversação que se fizera im-
convertendo-nos em semeadores ativos de seu produtiva e menos edificante, falou com bondade:
infinito amor, é a felicidade maior a que pode- — Simão, que faz o pescador quando se di-
remos aspirar. rige para o mercado com os frutos de cada dia?
EMMANUEL . O apóstolo pensou alguns momentos e res-
pondeu, hesitante:
— Mestre, naturalmente, escolhemos os pei-
Pedro Leopoldo, 3 de Outubro de 19^9.
xes melhores. Ninguém compra os resíduos da
pesca.
Jesus sorriu e perguntou, de novo:
— E o oleiro ? que faz para atender à tarefa
a que se propõe?
— Certamente, Senhor — redarguiu o pes-
cador, intrigado —, modela o barro, imprimin-
do-lhe a forma que deseja.
O Amigo Celeste, de olhar compassivo e ful-
gurante, insistiu:
. — E como procede o carpinteiro para alcan-
çar o trabalho que pretende?
10
tolerar as exigências. Logo após, entregou-se ao dade, dentro da vida? O malho bate a bigorna,
trabalho, sob as ordens de experimentado es- o ferreiro conduz o malho, o comerciante exa-
cultor de ornamentações em arcos festivos, mas, mina a obra do ferreiro, o povo dá opinião sobre
finda uma semana, fugiu aos compromissos assu- o negociante, e o Senhor, no conjunto, analisa e
midos, afirmando haver encontrado um chefe por julga a todos. Se fugiste a pequenos serviços
demais violento e irritadiço. Depois, colocou-se do mundo, sob a alegação de que os outros eram
sob a orientação de um fabricante de arcas pre- incapazes e indignos da direção, como poderás
ciosas, de quem se afastou, em poucos dias, a entender o ministério celestial?
pretexto de se tratar de criatura desalmada e E o trabalhador inconstante passou às con-
cruei. sequências de sua queda impensada.
E, assim, de tarefa em tarefa, de oficina em Jesus fêz uma pausa e concluiu:
oficina, o aspirante ao Céu dizia, invariavel- — Quem estiver sob o domínio de pessoas
enérgicas e endurecidas na disciplina, excelentes
mente, que lhe não era possível incorporar as
resultados conseguirá recolher se souber e puder
próprias energias à experiência terrestre, por
aproveitar-lhes a aspereza, inspirando-se na ma-
encontrar, em toda parte, o erro, a maldade e a deira bruta ao contacto da plaina benfeitora.
perseguição nos que o dirigiam, até que a morte Abençoada seja a mão que educa e corrige, mas
veio busca-lo à presença dos Anjos do Senhor. bem-aventurado seja aquele que se deixa aper-
Com surpresa, porém, não os encontrou tão feiçoar ao seu toque de renovação e aprimora-
sorridentes quanto aguardava. Um deles avan- mento, porque os mestres do mundo sempre re-
çou, triste, e indagou: clamam a lição de outros mestres, mas a obra
do bem, quando realizada para todos, permanece
— Amigo, porque não te preparaste ante os
eternamente.
imperativos do Céu?
O interpelado que identificava a própria in-
ferioridade, nas sombras em que se envolvia,
clamou em pranto que só havia encontrado exi-
gência e dureza nos condutores da luta humana.
O Mensageiro, no entanto, observou, com
amargura:
— O Pai chamou-te a servir em teu próprio
proveito e, não, a julgar. Cada homem dará
conta de si mesmo a Deus. Ninguém escapará
à Justiça Divina que se pronuncia no momento
preciso. Como pudeste esquecer tão simples ver-
tência, que ambos são hipócritas, e não me arre-
pendi do que fiz.
O Mestre refletiu por minutos longos e falou,
compassivo:
— Pedro, que faz um carpinteiro na cons-
VI trução de uma casa?
— Naturalmente, trabalha — redarguiu o
OS I N S T R U M E N T O S D A P E R F E I Ç Ã O interpelado, irritadiço.
— Com quê? — tornou o Amigo Celeste,
Naquela noite, Simão Pedro trazia à con- bem humorado.'
versação o espírito ralado por extremo desgosto. — Usando ferramentas.
Agastara-se com parentes descriteriosos e Após a resposta breve de Simão, o Cristo
rudes. continuou:
Velho tio acusara-o de dilapidador dos bens — As pessoas com as quais nascemos e vi-
da família e um primo ameaçara esbofeteá-lo na vemos na Terra são os primeiros e mais impor-
via pública. tantes instrumentos que recebemos do Pai, para
a edificação do Reino do Céu em nós mesmos.
Guardava, por isso, o semblante carregado e
Quando falhamos no aproveitamento deles, que
austero.
constituem elementos de nossa melhoria, é quase
Quando o Mestre leu algumas frases dos impossível triunfar com recursos alheios, porque
Sagrados Escritos, o pescador desabafou. Des- o Pai nos concede os problemas da vida, de acor-
creveu o conflito com a parentela e Jesus o ouviu do com a nossa capacidade de lhes dar solução.
em silêncio. A ave é obrigada a fazer o ninho, mas não se lhe
Ao término do longo relatório afetivo, in- reclama outro serviço. A ovelha dará lã ao pas-
dagou o Senhor: tor; no entanto, ninguém lhe exige o agasalho
— E que fizeste, Simão, ante as arremetidas pronto. Ao homem foram concedidas outras tare-
dos familiares incompreensivos ? fas, quais sejam as do amor e da humildade, na
ação inteligente e constante para o bem comum,
— Sem dúvida, reagi como devia! — res- a fim de que a paz e a felicidade não sejam mitos
pondeu o apóstolo, veemente. — Coloquei cada na Terra. Os parentes próximos, na maioria das
um no lugar próprio. Anunciei, sem rebuços, as vezes, são o martelo ou o serrote que podemos
más qualidades de que são portadores. Meu tio utilizar a benefício da construção do templo vivo
é raro exemplar de sovinice e meu primo é men- e sublime, por intermédio do qual o Céu se mani-
tiroso contumaz. Provei, perante numerosa assis-
festará em nossa alma. Enquanto o marceneiro
usa as suas ferramentas, por fora, cabe-nos apro-
veitar as nossas, por dentro. Em todas as oca-
siões, o ignorante representa para nós um campo
de benemerência espiritual; o mau é desafio que
nos põe a bondade à prova; o ingrato é um meio
de exercitarmos o perdão; o doente é uma lição
à nossa capacidade de socorrer. Aquele que bem
vn
se conduz, em nome do Pai, junto de familiares O MAIOR SERVIDOR
endurecidos ou indiferentes, prepara-se com rapi-
dez para a glória do serviço à Humanidade, por- Presente à reunião familiar, Filipe, em dado
que, se a paciência aprimora a vida, o tempo tudo instante, perguntou ao Divino Mestre:
transforma.. — Senhor, qual é o maior servidor do Pai
Calou-se Jesus e, talvez porque Pedro tivesse entre os homens na Terra?
ainda os olhos indagadores, acrescentou serena- Jesus refletiu alguns minutos e contou:
mente : — Grande multidão se congregava em ex-
— Se não ajudamos ao necessitado de perto, tenso campo, quando aí estacionou famoso guer-
como auxiliaremos os aflitos, de longe? se não reiro carregado de espadas e medalhas, que pas-
amamos o irmão que respira conosco os mesmos sou a dar lições de tática militar, concitando os
ares, como nos consagraremos ao Pai que se circunstantes ao aprendizado da defesa. O povo
encontra no Céu? começou a fazer exercícios laboriosos, dando
saltos e entregando-se a perigosas corridas, sem
Depois destas perguntas, pairou na modesta
proveito real; todavia, continuou como dantes,
sala de Cafarnaum expressivo silêncio que nin-
sem rumo e sem júbilo, perdendo muitos jovens
guém ousou interromper.
nas atividades preparatórias de guerra provável.
Logo depois, apareceu na mesma região um gran-
de político, com pesada bagagem de códigos, e
dividiu a massa em vários partidos, declaran-
do-se os moços contra os velhos, os lares pobres
contra os ricos, os servos contra os mordomos,
e, não obstante a sementeira de benefícios mate-
riais, introduzidos na zona pela competição dos
grupos entre si, o político seguiu adiante, dei-
xando escuros espinheiros de ódio, desengano e
discórdia entre os seus colaboradores. Depois
dele, surgiu um filósofo, sobraçando volumosos seus companheiros de luta, aproveitando as ho-
alfarrábios e dividiu o povo em variadas escolas ras no ensinamento fraterno e edificante e trans-
de crença que, em breve, propagavam infrutífe- mitia suas experiências a todos os que se propu-
sessem ouvi-lo. Aperfeiçoou a madeira, plantou
ras discussões nos círculos de toda gente; a mul-
árvores benfeitoras, construiu casas e instalou
tidão duvidou de tudo, até mesmo da existência
uma escola modesta. Em breve, ao redor dele,
de si própria. A filosofia, sem dúvida, apresen- viçavam a saúde e a paz, a fraternidade e as
tava singulares vantagens, destacando-se a do bênçãos do serviço, a prosperidade e o contenta-
estímulo ao pensamento, mas as perturbações de mento de viver. Com o espírito de trabalho e
que se fazia acompanhar eram das mais lasti- educação que ele difundia, a defesa era boa, a
máveis, legando o filósofo muitas indagações inú- política ajudava, a filosofia era preciosa e o sa-
teis aos cérebros menos aptos ao esforço de cerdócio era útil, porque todas as ações, no cam-
elevação. Em seguida, compareceu um sacer- po, permaneciam agora presididas pelo santo
dote, munido de roupagens e símbolos, que for- imperativo da execução do dever pessoal no bem
neceu muitas regras de adoração ao Pai. O povo de todos.
aprendeu a dobrar os joelhos, a lavar-se e a Calou-se o Cristo, mas a assistência reduzida
suplicar a proteção divina, em horas certas. não ousou qualquer indagação.
Entretanto, todos os problemas fundamentais da Após contemplar o horizonte longínquo, em
comunidade permaneceram sem alteração. longos instantes de pensamento mudo, o Mestre
terminou:
No extenso domínio, não havia diretrizes ao
— Em verdade, há muitos trabalhadores
trabalho, nem ânimo consciente, nem valor, nem no mundo que merecem a bênção do Céu pelo
alegria. A doença e a morte, a necessidade e a bem que proporcionam ao corpo e à mente das
ignorância eram fantasmas de toda gente. criaturas, mas aquele que educa o espírito eterno,
Certo dia, porém, apareceu ali um homem ensinando e servindo, paira acima de todos.
simples. Não trazia armas, nem escrituras, nem
discussões e nem imagens, mas pelo sorriso es-
pontâneo revelava um coração cheio de boa von-
tade, guiando as mãos operosas. Não pregava
doutrinas espetacularmente; todavia, nos gestos
de bondade pura e constante, rendia culto sincero
ao Todo-Poderoso. Começou a evidenciar-se, la-
vrando uma nesga do campo e adornando-a de
flores e frutos preciosos. Conversava com os
se levantaram para a tarefa, entraram em com-
pridas conversações, com respeito às leis de soli-
dariedade, justiça e defesa, cada qual a exigir
especiais deferências dos outros. Quase ninguém
cuidava da aplicação dos regulamentos estabele-
cidos pelo governo central. Os príncipes e seus
vni afeiçoados, em maioria, por questões de confor-
to pessoal, esmeravam-se em procurar recursos
O PRINCIPE SENSATO
sutis com que pudessem sonegar, sem escândalos
visíveis entre si, os princípios a que haviam ju-
Comentavam os apóstolos, entre si, qual a
rado obediência e respeito. E tentando enganar
conduta mais aconselhável diante do Todo-Pode-
o Magnânimo Pai, por meio da bajulação, ao
roso, quando o Mestre narrou com brandura:
invés de honrá-lo com o trabalho sadio, interna- -
— Certo rei, senhor de imensos domínios,
ram-se em complicadas contendas, em torno de
desejando engrandecer o espírito dos filhos para problemas íntimos do soberano.
conferir-lhes herança condigna, conduziu-os a ex-
tenso vale verdoengo e rico de seu enorme impé- Gastaram anos a fio, discutindo-lhe a apre-
rio e confiou a cada um determinada fazenda, sentação pessoal. Insistiam alguns que ele re-
velava no rosto a brancura do lírio, enquanto
que deviam preservar e enriquecer pelo trabalho
outros perseveravam em proclamar-lhe a cor
incessante. O Pai desejava deles a coroa da com-
bronzeada, idêntica à de muitos cativos de Sídon.
preensão, do amor e da sabedoria, somente con- Muitos afirmavam que ele possuía um corpo de
quistável através da educação e do serviço; e, gigante e não poucos exigiam fosse ele um anjo
como devia utilizar material transitório, deu-lhes coroado de estrelas.
tempo marcado para as construções que lhes
Ao passo que as rixas verbais se multipli-
seriam indispensáveis, mais tarde, aos serviços
cavam, o tempo ia-se esgotando e os insetos
de elevação. Assim procedia, porque o vale era
destruidores, infinitamente reproduzidos, invadi-
sujeito a modificações e chegaria um momento
ram as terras, aniquilando-lhes grande parte dos
em que arrasadora tempestade visitaria a região,
recursos preciosos. Detritos desceram de serras
guardando-se em segurança apenas aqueles que
próximas e fizeram compacto acervo de mon-
houvessem erguido forte reduto. Assim que o turo naquelas regiões, enquanto os príncipes le-
soberano se retirou, os filhos jovens, seguidos vianos, inteiramente distraídos das obrigações
pelas numerosas tribos que os acompanhavam, fundamentais que lhes cabiam, se engalfinhavam,
descansaram, longamente, deslumbrados com a a todo instante, a propósito de ninharias.
beleza das planícies banhadas de sol. Quando
Houve, porém, um filho bem-avisado que
anotou os decretos paternais e cumpriu-os. Ja-
mais esqueceu os conselhos do rei e, quanto lhe
era possível, os estendia aos companheiros mais
próximos. Utilizou grande número de horas que
as leis vigentes lhe concediam ao repouso e cons-
truiu sólido abrigo que lhe garantiria a tranqui-
DC
lidade no futuro, semeando beleza e alegria em
toda a fazenda que o genitor lhe cedera por em- O M E N S A G E I R O DO AMOR
préstimo .
E assim, quando a tormenta surgiu, reno- Falava-se na reunião, com respeito à pre-
vadora e violenta, o príncipe sensato que amara ponderância dos sábios na Terra, quando Jesus
o monarca e servira-o, desvelado e carinhoso, tomou a palavra e contou, sereno e simples:
èstendendo-lhe as lições libertadoras, pela fra- — Há muitos anos, quando o mundo peri-
ternidade pura, e cumprindo-lhe a vontade justa gava em calamitosa crise de ignorância e perver-
e bondosa, pelo trabalho de cada dia, com as sidade, o Poderoso Pai enviou-lhe um mensageiro
aflições construtivas da alma e com o suor do da ciência, com a missão de entregar-lhe gloriosa
rosto, foi naturalmente amparado num santuário mensagem de vida eterna. Tomando forma, nos
de paz e segurança que os seus irmãos discutido- círculos da carne, o esclarecido obreiro fêz-se
res não encontraram. professor e, sumamente interessado em letras,
Doce silêncio pairou na sala singela. . . apaixonou-se exclusivamente pelas obras da in-
Decorridos alguns minutos, o Mestre fixou os teligência, afastando-se, enojado, da multidão
olhos lúcidos na pequena assembleia e concluiu: inconsciente e declarando que vivia numa van-
— Quem muito analisa, sern espírito de ser- guarda luminosa, inacessível à compreensão das
pessoas comuns. Observando-o incapaz de aten-
viço, pode viciar-se facilmente nos abusos da
der aos compromissos assumidos, o Senhor Com-
palavra, mas ninguém se arrependerá de haver
passivo providenciou a viagem de outro portador
ensinado o bem e trabalhado com as próprias
da ciência que, decorrido algum tempo, se trans-
forças, em nome do Pai Celestial, no bendito
formou em médico admirado. O novo arauto da
caminho da vida. Providência refugiou-se numa sala de ervas e
beberagens, interessando-se tão somente pelo
contacto com enfermos importantes, habilitados
à concessão de grandes recompensas, afirmando
que a plebe era demasiado mesquinha para cati-
2
JEsus :;o L A R 35
ênfase à pergunta.
Entabularam os familiares interessante pa- E após sorrir, complacente, continuou:
lestra, acerca das faculdades sublimes de que o — Sem esse divino talismã, é impossível
Mestre dava testemunho amplo, curando loucos começar qualquer obra de luz e paz na Terra.
e cegos, quando Isabel, a zelosa genitora de João Os olhos dos ouvintes permutavam expres-
e Tiago, indagou, sem preâmbulos: sões de assombro, quando a esposa de Zebedeu
— Senhor, terás contigo algum talismã de inquiriu, espantada:
cuja virtude possamos desfrutar? algum objeto — Mestre, onde poderemos adquirir seme-
mágico que nos possa favorecer? lhante bênção? Dize-nos. Precisamos desse acu-
Jesus pousou na matrona os olhos penetran- mulador de felicidade.
tes e falou, risonho: O Cristo, então, acrescentou, bem humorado:
— Realmente, conheço um talismã de mara- — Esse bendito talismã, Isabel, é proprie-
dade comum a todos. E' "a hora que estamos
vilhoso poder. Usando-lhe os milagrosos recur-
atravessando". .. Cada minuto de nossa alma
sos, é possível iniciar a aquisição de todos os permanece revestido de prodigioso poder oculto,
dons de Nosso Pai. Oferece a descoberta dos quando sabemos usá-lo no Infinito Bem, porque
tesouros do amor que resplandecem ao redor de toda grandeza e toda decadência, toda vitória
nós, sem que lhes vejamos, de pronto, a grandeza. e. toda ruína são iniciadas com a colaboração
Descortina o entendimento, onde a desarmonia do dia.
castiga os corações. Abre a porta às revelações E diante da perplexidade de todos, rematou:
da arte e da ciência. Estende possibilidades de — O tempo é o divino talismã que devemos
luminosa comunhão com as fontes divinas da aproveitar.
vida. Convida à bênção da meditação nas coisas
sagradas. Reata relações de companheiros em
discordância. Descerra passagens de luz aos es-
píritos que se demoram nas sombras. Permite
Longos dias perderam na disputa, até que
o grupo se desuniu, cada falange atendendo aos
próprios caprichos, com absoluto esquecimento
do objetivo fundamental.
As dificuldades, porém, não foram solucio-
nadas com decisão. Criados os roteiros diferen-
xxm tes, como que se dilataram os conflitos. Reduzi-
das agora, numericamente, a3 expedições sofre-
OS M E N S A G E I R O S DISTRAÍDOS ram, com mais rigor, os golpes esterilizantes das
opiniões pessoais. Os viajantes não cuidavam
Os ouvintes do culto da Boa-Nova discor- senão de inventar novos motivos para o atrito
riam sobre as polêmicas que se travavam inces- inútil. Entre os que marchavam pelo trilho mais
santemente em torno da fé, nos círculos do fari- curto, pela vargem e pela serra lavraram dis-
saísmo de várias escolas, quando o Cristo, dentro cussões improdutivas, contundentes e intermi-
da profunda simplicidade que lhe era caracterís- náveis. Dias e noites preciosos eram despendidos
tica, narrou, tolerante: em comentários ruidosos quanto à febre, quanto
à condição dos enfermos ou quanto às paisagens
— Um grande senhor recebeu alarmantes
em torno. Horas difíceis de amargura e desar-
notícias de vasto agrupamento de servos, em
monia, de momento a momento, interrompiam a
zona distante da sede do seu governo, que se viagem, sendo a muito custo evitadas as cenas
viam fustigados por febre maligna, e, desejoso de pugilato e homicídio.
de socorrer os tutelados que sofriam na região
remota de seus domínios, enviou-lhes mensagei- Surgiam as contendas, a propósito de míni-
mas questões, com pleno desperdício da oportu-
ros de confiança, conduzindo remédios adequado»
nidade, e, em razão disso, tanto se atrasaram os
à situação e providências alusivas ao reajusta-
viajores do atalho, quanto os da planície e do
mento geral. monte, de vez que se encontraram no vale da
Os emissários saíram do palácio com gran- peste a um só tempo, com enorme e irremediável
des promessas de trabalho, segurança e eficiência desapontamento para todos, porquanto, à míngua
na missão; todavia, assim que se viram fora das do prometido recurso, não sobrara nenhum doen-
portas do senhor, começaram a rixar pela escolha te vivo na carne.
dos caminhos.
A morte devorara-os, um a um, enquanto
Uns reclamavam o atalho, outros a planície os mensageiros discuüdores matavam o tempo,
sem espinheiros e outros, ainda, pediam a pas- através da viagem.
sagem através dos montes.
O Mestre fixou nos aprendizes o olhar muito
lúcido e aduziu:
— Neste símbolo, temos o mundo atacado
pela peste da maldade e da descrença e vemos
o retrato dos portadores da medicação celeste,
que são os religiosos de todos os matizes, que
falam na Terra, em nome do Pai. Os homens
iluminados pela sabedoria da fé, entretanto, ape- XXXV
sar de haverem recebido valiosos recursos do
Céu para os que sofrem e choram, em conse- OS S I N A I S D A R E N O V A Ç Ã O
quência da ignorância e da aflição dominantes no Ante a assembleia familiar, o Mestre tomou
mundo, olvidam as obrigações que lhes assinalam a palavra e falou, persuasivo:
a vida e, sobrepondo os próprios caprichos aos — E quando o Reino Divino estiver às por-
propósitos do Supremo Senhor, se desmandam tas dos homens, a alma do mundo estará re-
em desvarios verbais de toda espécie. Enquanto novada .
alimentam o distúrbio, levianos e distraídos, os O mais poderoso não será o mais desapie-
necessitados de luz e socorro desfalecem à falta dado e, sim, o que mais ame.
de assistência e dedicação. O vencedor não será aquele que guerrear o
E afagando uma das crianças presentes, qual inimigo exterior até à morte em rios de sangue,
se concentrasse todas as esperanças no sublime mas o que combater a iniquidade e a ignorância,
futuro, finalizou, sorridente e calmo: dentro de si mesmo, até à extinção do mal, nos
— A discussão, por mais proveitosa, nunca círculos da própria natureza.
deve distrair-nos do serviço que o Senhor nos deu O mais eloquente não será o dono do mais
a fazer. belo discurso, mas, sim, o que aliar as palavras
santificantes aos próprios atos, elevando o pa-
drão da vida, no lugar onde estiver.
O mais nobre não será o detentor do maior
número de títulos que lhe conferem a transitória
dominação em propriedades efêmeras da Terra,
mas aquele que acumular, mais intensamente,
os créditos do amor e da gratidão nos corações
das mães e das crianças, dos velhos e dos enfer-
mos, dos homens leais e honestos, operosos e
dignos, humildes e generosos.
O mais respeitável não será o dispensador
de ouro e poder armado e, sim, o de melhor de grandeza coletiva; quando o livro edificante
coração. u r
absorver o lugar da espada no espírito do povo;
quando a bondade e a sabedoria presidirem às
O mais santo não será o que se isola em competições das criaturas para que os bons se-
altares do supremo orgulho espiritual, evitando jam venerados; quando o sacrifício pessoal em
o contacto dos que padecem, por temerem a de- proveito de todos constituir a honra legítima
gradação e a imundície, mas, sim, aquele que da individualidade, a fim de que a paz e o amor
descer da própria grandeza, estendendo mãos não se percam, dentro da vida — então uma
fraternas aos miseráveis e sofredores, elevan- Nova Humanidade estará no berço luminoso do
do-lhes a alma dilacerada aos planos da alegria Divino Reino...
e do entendimento. Nesse ponto, a palavra doce e soberana fêz
branda pausa e, lá fora, na tepidez da noite suave,
O mais puro não será o que foge ao inter-
as estrelas fulgentes, a cintilarem no alto, pare-
câmbio com os maus e criminosos confessos, mas
ciam saudar essa era distante...
aquele que se mergulha no lodo para salvar os
irmãos decaídos, sem contaminar-se.
O mais sábio não será o possuidor de mais
livros e teorias, mas justamente aquele que,
embora saiba pouco, procura acender uma luz
nas sombras que ainda envolvem o irmão mais
próximo. . .
O A m i g o Divino pousou os olhos lúcidos
na noite clara que resplandecia, lá fora, em
pleno coração da Natureza, fez longo intervalo
e acentuou:
— Nessa época sublime, os homens não se
ausentarão do lar em combate aos próprios ir-
mãos, por exigências de conquista ou pelo ódio
de raça, em tempestades de lágrimas e sangue,
porquanto estarão guerreando as trevas da igno-
rância, as chagas da enfermidade, as angustias
da fome e as torturas morais de todos os m -
t i z e s . . . Quando o arado substituir o carro. sun
tuoso dos triunfadores, nas exibições puo»
conservado ali, naquele insulamento doloroso ?
Chorava e bradava, não ocultando aflições e
exigências. Que razões o obrigavam a viver na-
quela atmosfera insuportável?
Notando Nosso Pai que aquele filho formu-
XXV lava súplicas incessantes, entre a revolta e a
amargura, profundamente compadecido enviou-
A VISITA DA VERDADE -lhe a Fé.
A sublime virtude exortou-o a confiar no
Certa feita, disse o Mestre que só a verdade futuro e a persistir na oração.
fará livre o homem; e, talvez porque lhe não pu- O infeliz consolou-se, de algum modo, mas,
desse apreender, de imediato, a vastíssima exten- a breve ternpo, voltou a lamuriar.
são da afirmativa, perguntou-lhe Pedro, no culto Queria fugir ao monturo e, como se lhe
doméstico: aumentassem as lágrimas, o Todo-Poderoso man-
— Senhor, que é a verdade? dou-lhe a Esperança.
Jesus fixou no rosto enigmática expressão A emissária afagou-lhe a fronte suarenta
e falou-lhe da eternidade da vida, buscando se-
e respondeu:
car-lhe o pranto desesperado. Para isso, rogou-
— A Verdade total é a Luz Divina total; -lhe calma, resignação, fortaleza.
entretanto, o homem ainda está longe de supor- O pobre pareceu melhorar, mas, decorridas
tar-lhe a sublime fulguração. algumas horas, retomou a lamentação.
Reparando, porém, que o pescador conti- Não podia respirar — clamava, em desa-
nuava faminto de esclarecimentos novos, o Ami- lento .
go Celeste meditou alguns minutos e falou: Condoído, determinou o Senhor que a Cari-
— Numa caverna escura, onde a claridade dade o procurasse.
nunca surgira, demorava-se certo devoto, implo- A nova mensageira acariciou-o e alimén-
rando o socorro divino. Declarava-se o mais tou-o, endereçando-lhe palavras de carinho, qual
infeliz dos homens, não obstante, em sua ceguei- se lhe fora abnegada mãe.
ra, sentir-se o melhor de todos. Reclamava con- Todavia, porque o mísero prosseguisse gri-
tra o ambiente fétido em que se achava. O ar tando, revoltado, o Pai Compassivo enviou-lhe a
empestado sufocava-o — dizia ele em gritos co- Verdade.
moventes. Pedia uma porta libertadora que o Quando a portadora de esclarecimento se fêz
conduzisse ao convívio do dia claro. Afirmava-se sentir na forma de uma grande luz, o infortu-
robusto, apto, aproveitável. P o r que motivo era
NETO LUCIO
círculos humanos, e nem sempre quem morre Sem a lâmpada acesa da compaixão frater-
santificado aos olhos das criaturas surge santi- nal, é impossível atender à Vontade Divina.
ficado no Céu. O primeiro passo da perfeição é o entendi-
Amparemos quem ensina; os mestres são mento com o auxílio justo...
torturados pelas próprias lições que transmitem Interrompeu-se o Mestre, ante os compa-
aos outros. nheiros emudecidos.
Socorramos aquele que aprende; o discípulo E porque os ouvintes se conservassem cala-
dos, de olhos marejados de pranto, Ele voltou à
que estuda sem proveito, adquire pesada respon-
palavra, em prece, e suplicou ao Pai luz e socorro,
sabilidade diante do Eterno.
paz e esclarecimento para ricos e pobres, senho-
Fortaleçamos quem é bom; na Terra, a res e escravos, sábios e ignorantes, bons e maus,
ameaça do desânimo paira sobre todos. grandes e pequenos...
Ajudemos o mau; o espírito endurecido pode Quando terminou a rogativa, as brisas do
fazer-se perverso. lago se agitaram, harmoniosas e brandas, como
Lembremo-nos dos aflitos, abraçando-os, fra- se a Natureza as colocasse em movimento na
ternalmente ; a dor, q u a n d o incompreendida, direção do Céu para conduzirem a súplica de
transforma-se em fogueira de angústia. Jesus ao Trono do Pai, além das estrelas. ..
Auxiliemos as pessoas felizes; a tempestade
costuma surpreender com a morte os viajores
desavizados.
A saúde reclama cooperação para não arrui-
nar-se.
A enfermidade precisa remédio para extin-
guir-se .
A administração pede socorro para não des-
mandar-se .
A obediência exige concurso amigo para sub-
trair-se ao desespero.
Enquanto o Reino do Senhor não brilhar no
coração e na consciência das criaturas, a Terra
será uma escola para os bons, um purgatório
para os maus e um hospital doloroso para os
doentes de toda sorte.
alegando que lhe não fora exequível' o trabalho
porque a furna ocultava vários homens e mulhe-
res seminus a lhe ferirem o pudor feminino.
O Administrador Celeste, sem desanimar, de-
signou-a para auxiliar uma senhora agonizante,
XXXIV
mas, decorridas poucas horas, a colaboradora
voltou, ruborizada, ao ponto de origem, infor-
A SERVA ESCANDALIZADA mando de que não pudera nem mesmo penetrar
o quarto da enferma, porque na antecâmara o
Ante as exclamações de Dalila, a esposa de esposo da doente, palestrando com certa mulher
Azor, o tecelão, quanto às maldades de alguns de baixa procedência, projetava um assassínio
publícanos de mau nome que a haviam desres- para a noite próxima.
peitado, em praça pública, justamente quando O prestimoso Ministro do Alto, embora com
procurava praticar o bem, relatou Jesus, com algum desapontamento, determinou-lhe o auxílio
simplicidade: a dois homens dementes situados em extenso
— Piedosa mulher, desejando ser mensageira vale de imundos.
do Reino Divino na Terra, bateu às portas do No dia imediato, a serva escandalizada re-
Paraíso, rogando trabalho. tornava, célere, esclarecendo que não conseguira
Foi atendida, cuidadosamente, por um anjo alcançar o objetivo, porquanto os loucos viviam
impressionados com cenas de vida impura, a lhe
que lhe recomendou visitasse uma taberna para
causarem extrema repugnância.
salvar dois homens bons, desprevenidos, que se
haviam deixado embriagar, dominados por insi- O Preposto do Altíssimo, depois de ouvi-la
nuações insufladas por Espíritos das trevas. com manifesta estranheza, pediu-lhe amparar
No dia seguinte, porém, a enviada reapa- uma jovem que se achava em perigo, mas, em
breve, regressava a cooperadora sensitiva, excla-
receu, chorosa, explicando ao Ministro do Eterno
mando que a criatura mencionada podia ser
que lhe não fora possível satisfazer-lhe à deter- vista numa festa desregrada, em repulsiva con-
minação, porque o recanto indicado jazia repleto dição moral.
de jogadores a trocarem palavras obscenas e
E assim a candidata ao trabalho celeste
cruéis.
atravessou a semana, inutilmente, cultivando a
O anjo, então, mandou-a a um esconderijo ineficiência, sob variados pretextos.
em floresta próxima, a fim de socorrer uma Todavia, procurando de novo o anjo para
criança desamparada. solicitar-lhe serviço, dele ouviu a exortação de
No outro dia, porém, a emissária regressou,
que se fizera merecedora:
— Minha irmã, continue, por enquanto, de-
senvolvendo o seu esforço nas vulgaridades da
Terra.
— Oh! e porquê? — indagou, perplexa. —
Não mereço abeirar-me da vida mais alta?
— Seus olhos estão cheios de malícia — elu- XXXV
cidou o Ministro, tolerante —, e, para servir ao
Senhor, o servo do bem retifica o escândalo, com A NECESSIDADE D E E N T E N -
amor e silêncio, sem se escandalizar. DIMENTO
. Calou-se o Mestre por minutos longos; de-
pois, concluiu sem afetação: Um dos companheiros trazia ao culto evan-
-— Quem se demora na contemplação do gélico enorme expressão de abatimento.
mal, não está em condições de fazer o bem. Ante as indagações fraternas do Senhor,
Os circunstantes entreolharam-se, espanta- esclareceu que fora rudemente tratado na via
diços, e a oração final do culto doméstico foi pública. Vários devedores, por ele convidados a
pronunciada, enquanto, lá fora, a Lua muito pagamento, responderam com ingratidão e gros-
alva, desfazendo a treva noturna, simbolizava seria.
Não se internou o Cristo através da conso-
radioso convite do Céu ao sublime combate pela
lação individual, mas, exortando evidentemente
vitória da luz.
todos os companheiros, narrou, benevolente:
— Um grande explicador dos textos de Job
possuía singulares disposições para os serviços
da compreensão e da bondade, e, talvez por isso,
organizou uma escola em que pontificava com
indiscutível sabedoria.
Amparando, certa ocasião, um aprendiz irre-
quieto que frequentes vezes se lamuriava de
maus tratos que recebia na praça pública, saiu
pacientemente em companhia do discípulo, pelas
ruas de Jerusalém, implorando esmolas para de-
terminados serviços do Templo.
A maioria dos transeuntes dava ou negava,
com indiferença, mas, numa esquina movimen-
tada, um homem vigoroso respondeu-lhes à roga-
tiva com aspereza e zombaria. — Guardaste a lição? Aceita a necessidade
O mestre tomou o aprendiz pela mão e am- do entendimento por sagrado imperativo da vida.
Nunca mais te queixes daqueles que exibem ex-
bos o seguiram, cuidadosos. Não andaram muito
pressões de revolta ou desespero nas ruas. O pri-
tempo e viram-no cair ao solo, ralado de dor
meiro que nos surgiu à frente era enfermo vul-
violenta, provocando o socorro geral. Verifica- gar; o segundo guardava a morte em casa; o
ram, em breve, que o irmão irritado sofria de terceiro padecia loucura e o quarto exrjerimen-
eólicas mortais. tava a falência. Na maioria dos casos, quem
Demandaram adiante, quando foram defron- nos recebe de mau humor permanece em estrada
tados por um cavalheiro que nem se dignou res- muito mais escura e mais espinhosa que a nossa.
ponder-lhes à súplica, endereçando-lhes tão so- E, completando o ensinamento, terminou o
mente um olhar rancoroso e duro. Senhor, diante dos companheiros espantados:
Orientador e tutelado acompanharam-lhe os — Quando encontrarmos os portadores da
passos, e, quando a estranha personagem alcan- aflição, tenhamos piedade e auxiliemo-los na
çou, o domicílio que lhe era próprio, repararam reconquista da paz íntima. O touro retém os
que compacto grupo de pessoas chorosas o aguar- chifres, por não haver atingido, ainda, o dom
dava, grupo esse ao qual se uniu em copioso das asas. Reclamamos, comumente, contra a
pranto, informando-se os dois de que o infeliz ovelha que nos perturba o repouso, balindo,
atormentada; todavia, raramente nos lembramos
retinha no lar uma filha morta.
de que o pobre animal vai seguindo, sob laço
Prosseguiram esmolando na via pública e, pesado, a caminho do matadouro.
a estreito passo, receberam fortes palavrões de
um rapaz a quem se haviam dirigido. Retraí-
ram-se ambos, em expectativa, verificando, de-
pois de meia hora de observação, que o mísero
não passava de uni louco.
Em seguida, ouviram atrevidas frases de um
velho que lhes prometia prisão e pedradas; mas,
decorridas algumas horas, souberam que o infor-
tunado era simplesmente um negociante falido,
que se convertera de senhor em escravo, em
razão de débitos enormes.
Como o dia declinasse, o respeitável instru-
tor convocou o discípulo ao regresso e ponderou:
O primeiro seria o portador de rico vaso
de argila preciosa.
O segundo levaria uma corça rara.
O terceiro transportaria um bolo primoroso
da família.
XXXVI O trio fraterno recebeu a missão com entu-
siástica promessa de serviço para a pequena via-
O PROBLEMA DIFÍCIL gem de três milhas; no entanto, a meio do cami-
nho, principiaram a discutir.
Entre os comentários da noite, um dos com- O depositário do vaso não concordou com
panheiros mostrou-se interessado em conhecer a a maneira pela qual o irmão puxava a corça
questão mais difícil de resolver, nos serviços delicada, e o responsável pelo animal dava ins-
referentes à procura da luz divina. truções ao carregador do bolo, a fim de que não
Fm que setor da luta espiritual se colocaria tropeçasse, perdendo o manjar; este último acon-
o mais complicado problema? selhava o portador do vaso valioso, para que não
caísse.
Depois de assinalar variadas considerações,
O pequeno séquito seguia, estrada afora,
ao redor do assunto, o Mestre fixou no sem-
dificilmente, porquanto cada viajor permanecia
blante uma atitude profundamente compreensiva
atento a obrigações que diziam respeito aos ou-
e contou: tros, através de observações acaloradas e inces-
— Um grande sábio possuía três filhos jo- santes .
vens, inteligentes e consagrados à sabedoria. Em dado momento, o irmão que conduzia o
Em certa manhã, eles altercavam a propósito do animalzinho olvida a própria tarefa, a fim de
obstáculo mais difícil de vencer no grande cami- consertar a posição da peça de argila nos braços
nho da vida. do companheiro, e o vaso, premido pelas inquie-
tações de ambos, escorrega, de súbito, para espa-
No auge da discussão, prevendo talvez con-
tifar-se no cascalho poeirento.
sequências desagradáveis, o genitor benevolente
chamou-os a si e confiou-lhes curiosa tarefa. Com o choque, o distraído orientador da
corça perde o governo do animal, que foge espan-
Iriam os três ao palácio do príncipe gover- tado, abrigando-se em floresta próxima.
nante, conduzindo algumas dádivas que muito
lhes honraria o espírito de cordialidade e gen- O carregador do bolo avança para sustar-
tileza. -lhe a fuga, internando-se pelo mato a dentro,
e o conteúdo de prateada bandeja se perde total-
mente no chão.
Desapontados e irritadiços, os três rapazes
tornam à presença paterna, apresentando cada
qual a sua queixa e a sua derrota. XXX v n
O sábio, porém, sorriu e explicou-lhes:
— Aproveitem o ensinamento da estrada. O F I L H O OCIOSO
Se cada um de vocês estivesse vigilante na pró-
pria tarefa, não colheriam as sombras do fra- Reportava-se a pequena assembleia a varia-
dos problemas da fé em Deus, quando Jesus, to-
casso. O mais intrincado problema do mundo,
mando a palavra, narrou, complacente:
meus filhos, é o de cada homem cuidar dos pró-
— Um grande Soberano possuía vastos do-
prios negócios, sem intrometer-se nas atividades
mínios. Terras, rios, fazendas, pomares e reba-
alheias. Enquanto cogitamos de responsabilida- nhos eram incontáveis em seu reino prodigioso.
des que competem aos outros, as nossas viverão Vassalos inúmeros serviam-lhe a casa, em todas
esquecidas. as direções. Alguns deles nunca se perdiam dos
Jesus calou-se, pensativo, e uma prece de olhos do Senhor, de maneira absoluta. De tem-
amor e reconhecimento completou a lição. pos a tempos, visitavam-lhe a residência, ofere-
ciam-lhe préstimos ou traziam-lhe flores de ter-
nura, recebendo novos roteiros de trabalho edi-
ficante. Outros, porém, viviam a bel-prazer nas
florestas imensas. Estimavam a liberdade plena
com declarada indisciplina. Eram verdadeiros
perturbadores do vasto império, porquanto, ao
invés de ajudarem a Natureza, desprezavam-na
sem comiseração. Matavam animais pelo simples
gosto da caça, envenenavam as águas para as-
sassinarem os peixes em massa, perseguiam as
aves ou queimavam as plantações dos servos
fiéis, não obstante saberem, no íntimo, que de-
viam obediência ao Poderoso Senhor.
Um desses servidores levianos e ociosos não
regateava sua crença na existência e na bondade
do Rei. Depois de longas aventuras na mata,
exterminando aves indefesas, quando o estômago
rania e na bondade do nosso glorioso ordenador...
jazia farto, costumava comentar a fé que depo- O guarda, contudo, redarguiu, sem pesta-
sitava no rico Proprietário de extenso e valioso nejar:
domínio. Um Soberano tão previdente quanto — Que te adiantava semelhante convicção,
aquele que soubera dispor das águas e das terras, se fugiste aos decretos de nosso Soberano, gas-
das árvores e dos rebanhos, devia ser muito sábio tando precioso tempo em perturbar-lhe as obras?
e justiceiro — explanava consciente. Sutilmente, O teu passado está vivo em tua própria condi-
todavia, escapava-lhe a todos os decretos. Pre- ção . . . Em que te servia a confiança no Senhor,
tendia viver a seu modo, sem qualquer imposição, se nunca vieste a Ele, trazendo um minuto de
mesmo daquele que lhe confiara o vale em que colaboração a benefício de todos? Observa-se,
consumia a existência regalada e feliz. logo, que a tua crença era simples meio de aco-
Decorridos muitos anos, quando as suas modar a consciência com os próprios desvarios
do coração.
mãos já não conseguiam erguer a menor das
armas para perturbar a Natureza, quando os E o servo, já comprometido pelos atos menos
olhos embaciados não mais enxergavam a paisa- dignos e de saúde arruinada, foi constrangido a
gem com a mesma clareza da juventude, incli- começar toda a sua tarefa, de novo, de maneira
nando-se-lhe o corpo, cansado e triste, paia o a regenerar-se.
solo, resolveu procurar o Senhor, a fim de pedir- O Mestre calou-se, durante alguns momen-
-lhe proteção e arrimo. tos, e concluiu:
Atravessou lindos campos, nos quais os ser- — Aqui temos a imagem de todo ocioso
vos leais, operosos e felizes, cultivavam o chão filho de Deus. O homem válido e inteligente que
admite a existência do Eterno Pai, que lhe co-
da propriedade imensa e chegou ao iluminado
nhece o poder, a justiça e a bondade, através da
domicílio do Soberano.
própria expressão física da Natureza, e que não
Experimentando aflitivo assombro, reparou o visita em simples oração, de quando em quan-
que os guardas do limiar não lhe permitiam o do, nem lhe honra as leis com o mínimo gesto de
suspirado ingresso, porque seu nome não cons- amparo aos semelhantes, sem o mais leve traço
tava no livro de servidores ativos. de interesse nos propósitos do Grande Soberano,
Implorou, rogou, gemeu; no entanto, uma poderá retirar alguma vantagem de suas convic-
das sentinelas lhe observou: ções inúteis e mortas?
— O tempo disponível do Rei é consagrado Com essa indagação que calou nos ouvidos
aos cooperadores. dos presentes, o culto evangélico da noite foi ex-
— Como assim? — bradou o trabalhador pressivamente encerrado.
imprevidente —- Eu sempre acreditei na sobe-
ciar-me. . . basta uma palavra insignificante de
incompreensão para desarmar-me. Reconheço-me
incapaz de tolerar o insulto ou a pedrada. Será
justo prosseguir, ensinando aos outros a prática
do bem, imperfeito e mau qual me v e j o ? ! . . .
Calando-se André, interferiu Pedro, conside-
X X Xvm
rando :
O ARGUMENTO JUSTO — Por minha vez, observo que não passo
de mísero espírito endividado e inferior. Sou o
 noite, em casa de Simão, transparecia um pior de todos. Cada noite, ao me retirar para as
véu de tristeza na maioria dos semblantes. orações habituais, espanto-me diante da coragem
Tadeu e André, atacados horas antes, nas louca dentro da qual venho abraçando os atuais
margens do lago, por alguns malfeitores, vi- compromissos. Minha fragilidade é grande, meus
ram-se constrangidos à reação apressada. Não débitos enormes. Como servir aos princípios su-
surgira consequência grave, mas sentiam-se am- blimes do Novo Reino, se me encontro assim
bos atormentados e irritadiços. insuficiente e incompleto?
Quando Jesus começou a falar acerca da à palavra de Pedro, juntou-se a de Tiago,
glória reservada aos bons, os dois discípulos dei- filho de Alfeu, que asseverou, abatido:
xaram transparecer, através do pranto discreto, — Na intimidade de minha própria cons-
a amargura que lhes dominava a alma e, não ciência, reparo quão longe me encontro da Boa-
podendo conter-se, Tadeu clamou, aflito: -Nova, verdadeiramente aplicada. Muita vez, de-
— Senhor, aspiro sinceramente a servir à pois de reconfortar-me ante as dissertações do
Boa-Nova; contudo, sou portador de um coração Mestre, recolho-me ao quarto solitário, para son-
indisciplinado e ingrato. Ouço, contrito, as ex- dar o abismo de minhas faltas. Há momentos em
planações do Evangelho; lá fora, porém, no trato que pavorosas desilusões me tomam de improviso.
com o mundo, não passo de um espírito renitente Serei na realidade um discípulo sincero? Não es-
no mal. Lamento. .. lamento... mas como tra- tarei enganando o próximo? Tortura-me a incer-
balhar em favor da Humanidade nestas con- teza. . . Quem sabe se não passo de reles misti-
dições ? ficador ?
Embargando-se-lhe a voz, adiantou-se An- Outras vozes se fizeram ouvir no cenáculo,
dré, alegando, choroso: desalentadas e cheias de amargura.
— Mestre, que será de mim? A o seu lado, Jesus, porém, após assinalar as opiniões ali
sou a ovelha obediente; entretanto, ao distan-
enunciadas, entre o desânimo e o desapontamen-
to, sorriu, tocado de bom humor, e esclareceu:
— Em verdade, o paraíso que sonhamos
ainda vem muito longe e não vejo aqui nenhum
companheiro alado. A meu parecer, os anjos,
na indumentária celeste, ainda não encontram XXXIX
domicílio no chão áspero e escuro em que pisa-
mos. Somos aprendizes do bem, a caminho do O PODER DAS TREVAS
Pai e não devemos menoscabar a bendita oportu-
nidade de crescer para Ele, no mesmo impulso Centralizando-se a palestra no estudo das
da videira que se eleva para o Céu, depois de tentações, contou Jesus, sorridente:
nascer no obscuro seio da terra, alastrando-sc — Um valoroso servidor do Pai movimen-
compassiva, para transformar-se em vinho recon- tava-se, galhardamente, em populosa cidade de
fortante, destinado à alegria de todos. Mas, se pecadores, com tamanho devotamento à fé e à
vocês se declaram fracos, devedores, endura i a caridade, que os Espíritos do Mal se impacienta-
e maus e não são os primeiros a trabali. ram em contemplando tanta abnegação e des-
se fazerem fortes, redimidos, dedicados e bons prendimento. Depois de lhe armarem 03 mais
em favor da obra geral de salvação, não me perigosos laços, sem resultado, enviaram um re-
parece que os anjos devam descer da glória dos presentante ao Gênio das Trevas, a fim de ouvi-lo
cimos para substituir-nos no campo de lições da a respeito.
Terra. O remédio, antes de tudo, se dirige ao Um companheiro de consciência enegrecida
doente, o ensino ao ignorante... D e outro modo, recebeu a incumbência e partiu.
penso, a Boa-Nova de Salvação se perderia por O Grande Adversário escutou o caso, aten-
inadequada e inútil... ciosamente, e recomendou ao Diabo Menor que
apresentasse sugestões.
As lágrimas dos discípulos transformarani-
O subordinado falou, com ênfase:
-se em intenso rubor, a irradiar-se da fisionomia
— Não poderíamos despojá-lo de todos os
de todos, e uma oração sentida do Amigo Divino
bens?
imprimiu ponto final ao assunto.
— Isto, não — disse o perverso orienta-
dor — ; para um servo dessa têmpera a perda
dos recursos materiais é libertação. Encontraria,
assim, mil meios diferentes para aumentar suas
contribuições à Humanidade.
mem que ele é um zero na Criação, que não passa
— Então, castigar-lhe-emos a família, dis-
de mesquinho verme desconhecido... Impõe-Ihe
persando-a e constrangendo-lhe os filhos a en-
ó conhecimento da própria pequenez, a fim de
chê-lo de opróbrio e ingratidão... — aventou
que jamais se engrandeça, e verás...
o pequeno perturbador, reticencioso.
O enviado regressou satisfeito e pôs em prá-
O perseguidor maior, no entanto, emitiu gar- tica o método recebido.
galhada franca e objetou: Rodeou o valente servidor com pensamentos
— Não vês que, desse modo, se integraria de desvalia, acerca de sua pretendida insignifi-
facilmente com a família total que é a multidão ? cância e desfechou-lhe perguntas mentais como
O embaixador, desapontado, acentuou: estas: "como te atreves a admitir algum valor
— Será talvez conveniente lhe flagelemos o em tuas obras destinadas ao pó? não te sentes
eorpo; crivá-lo-emos de feridas e aflições. simples joguete de paixões inferiores da carne?
— Nada disto — acrescentou o gênio satâ- não te envergonhas da animalidade que trazes
nico —, ele acharia meios de afervorar-se na no ser? que pode um grão de areia perdido no
confiança e aproveitaria o ensejo para provocar deserto ? não te reconheces na posição de obscuro
a renovação íntima de muita gente, pelo exercí- fragmento de lama?"
cio da paciência e da serenidade na d o r . O valoroso colaborador interrompeu as ati-
— Movimentaremos a calúnia, a suspeita e vidades que lhe diziam respeito e, depois de
o ódio gratuito dos outros contra e l e ! — clamou escutar longamente as perigosas insinuações, ol-
o emissário. vidou que a oliveira frondosa começa no grelo
— Para quê ? — tornou o Espírito das Som- frágil e deitou-se, desalentado, no leito do desâ-
bras — Transformar-se-ia num mártir, redentor nimo e da humilhação, para despertar somente
de muitos. Valer-se-á de toda perseguição para na hora em que a morte lhe descortinava o infi-
melhor engrandecer-se, diante do Céu. nito da vida.
Exasperado, agora, o demônio menor aduziu: Silenciou Jesus, c o n t e m p l a n d o a noi-
— Será, enfim, mais aconselhável que o as- te calma...
sassinemos sem piedade... Simão Pedro pronunciou uma prece sentida
— Que dizes? — redarguiu a inteligência e
os apóstolos, em companhia dos demais, se
perversa — A morte ser-lhe-ia a mais doce bên- despediram, nessa noite, cismarentos e espanta-
diços.
ção por reconduzi-lo às claridades do Paraíso.
E vendo que o aprendiz vencido se calava,
humilde, o Adversário Maior fêz expressivo mo-
vimento de olhos e aconselhou, loquaz:
— Não sejas tolo. Volta e dize a esse bo-
Espalhou ao redor deles, logo após, a3 som-
bras da pobreza; contudo, os trabalhadores dedi-
cados se congregaram no serviço incessante e su-
peraram as dificuldades.
Em seguida, atormentou-os com as serpentes
XL da calúnia; entretanto, os heróis desconhecidos
fizeram construtivo silêncio e derrotaram o es-
O VENENOSO ANTAGONISTA curo perseguidor.
Depois de semelhantes ataques, o Gênio Sa-
Diante da noite, refrescada de brisas cari- tânico modificou as normas de ação e enviou-lhes
ciantes, Filipe, de mãos calejadas, falou das an- os demônios da vaidade, que revestiram os servos
gústias que lhe povoavam a alma, com tanta fiéis do Senhor de vastas considerações sociais,
emotividade e amargura que aflitivas notas de como se houvessem galgado os pináculos do po-
dor empolgaram a assembleia. E interpelado pelo der de um momento para outro; entretanto, os
respeitoso carinho de Pedro, que voltou a tanger cooperadores previdentes se fizeram mais humil-
o problema das tentações, o Mestre contou, pau- des e atribuíam toda a glória que os visitava ao
sadamente : Pai que está nos Céus.
— O Senhor, Nosso Pai, precisou de pe- Foi então que os seres escarninhos e per-
queno grupo de servidores numa cidade revoltada versos encheram-lhes a casa de preciosidades e
e dissoluta e, para isso, localizou no centro dela dinheiro, de modo a entorpecer-lhes a capacidade
uma família de cinco pessoas, pai, mãe e três de trabalhar; mas o conjunto amoroso, robuste-
filhos que o amavam e lhe honravam as leis cido na confiança e na prece, recebia moedas e
sábias e justas. dádivas, passando-as para diante, a serviço dos
A í situados, os felizes colaboradores come- desalentados e dos aflitos.
çaram por servi-lo, brilhantemente. Exasperado, o Espírito das Trevas mandou-
Fundaram ativo núcleo de caridade e fé -Ihes, então, o Demônio da Tristeza que, muito de
transformadora que valia por avançada semen- leve, alcançou a mente do chefe da heróica fa-
teira de vida celeste; e tanto se salientaram na mília e disse-lhe, solene:
devoção e na prática da bondade que o Espírito — És um homem, não um anjo.. . Não te
das Trevas passou a mover-lhes guerra tenaz. envergonhas, pois, de falar tão insistentemente
A princípio, flagelou-os com os morcegos da, no Senhor, quando conheces, de perto, as pró-
maledicência; todavia, os servos sinceros se uni- prias imperfeições? Busca, antes de tudo, sentir
ram na tolerância e venceram. a extensão de tuas fraquezas na c a r n e ! . . . Chora
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teus erros, faze penitência perante o Eterno!
Clama tuas culpas, tuas culpas!...
Registando a advertência, o infeliz alarniou-
-se, esqueceu-se de que o homem só pode ser útil
à grandeza do Pai, através do próprio trabalho
na execução dos celestes desígnios e, entriste- O INCENTIVO SANTO
cendo-se profundamente, acreditou-se culpado e
criminoso para sempre, de maneira irremediável. Aberta a sessão de fraternidade em casa de
Desde o instante em que admitiu a incapacidade Pedro, Tadeu clamou, irritado, contra as próprias
de reerguimento, recusou a alimentação do corpo, fraquezas, asseverando perante o Mestre:
deitou-se e, decorridos alguns dias, morreu de — Como ensinar a verdade se ainda me sin-
pesar. to inclinado à mentira? com que títulos transmi-
Vendo-o desaparecer, sob compacta onda de tir o bem, quando ainda me reconheço arraigado
lamentações e lágrimas, a esposa seguiu-lhe os ao mal? como exaltar a espiritualidade divina,
passes, oprimida de inominável angústia, e os se a animalidade grita mais alto em minha pró-
filhos, dentro de algumas semanas, trilharam a pria natureza?
O companheiro não formulava semelhantes
mesma rota.
perguntas por espírito de desespero ou desânimo,
E assim o venenoso antagonista, venceu os
mas sim pela enorme paixão do bem que lhe
denodados colaboradores da crença e do amor,
tomava o íntimo, a observar pela inflexão de
um a um, sem necessidade de outra arma que amargura com que sublinhava as palavras.
não fosse pequena sugestão de tristeza. Entendendo-lhe a mágoa, Jesus falou, con-
Interrompeu-se a palavra do Mestre, por lon- descendente :
gos instantes, mas nenhum dos presentes ousou — Um santo aprendiz da Lei, desses que se
intervir no assunto. consagram fielmente à verdade, chamado pelo
Sentindo, assim, que os companheiros pre- Senhor aos trabalhos da profecia entre os ho-
feriam guardar silêncio, o Divino A m i g o concluiu mens, mantinha-se na profissão de mercador de
remédios, transportando ervas e xaropes curati-
expressivamente:
vos, da cidade para os campos, utilizando-se para
— Enquanto um homem possui recursos
isso de um jumento caprichoso e inconstante,
para trabalhar e servir com os pés, com as mãos, quando, refletindo sobre os defeitos de que se
com o sentimento e com a inteligência, a tristeza via portador, passou a entristecer-se profunda-
destrutiva em torno dele não é mais que a visita mente. Concluiu que não lhe cabia colaborar nas
ameaçadora do Gênio das Trevas em sua guerra revelações do Céu, pelo estado de impureza ín-
desventurada e persistente contra a luz.
132 NEIO LUCIO
JESUS NO LAR 133
A maioria dos ouvintes recebeu as sugestões rito do perseguidor se modificou, fazendo-se mais
com manifesta ironia, assegurando que os pro- brando e reformando-se para o bem, restituindo-
genitores e outros antepassados haviam sido -Ihe a liberdade.
igualmente cegos e que se lhes afigurava impos- Emancipado de novo, o crente fiel recomeçou
sível a reabilitação dos órgãos visuais. a jornada, porque a ânsia de alcançar o templo
Um deles, porém, moço corajoso e sereno, divino povoava-lhe a mente.
acreditou no método aconselhado e aplicou-o. Pôs-se a caminho, distribuindo fraternidade
Entregou-se primeiramente às disciplinas e alegria com todos os viajores que lhe cruzassem
apontadas e, depois de quatro anos de medita- a estrada, mas, atingindo um vilarejo onde a
ções, trabalho intenso e observação pessoal da autoridade era exercida com demasiado rigor, foi
Lei, com jejuns e preces, obteve a visão. encarcerado como sendo um criminoso desconhe-
Quase enlouqueceu de alegria. cido; no entanto, sabendo que seria traído pelas
Em êxtase, contou aos companheiros a su- próprias forças insuficientes, caso buscasse rea-
blimidade da experiência, comentando a largueza gir, deixou-se trancafiar até que o problema
do Céu e a beleza das árvores próximas; contudo, fosse resolvido, o que reclamou longo tempo.
ninguém acreditou nele. Nunca, entretanto, se revelou inativo no exer-
Não obstante ser tomado por demente, o cício do bem. Na própria cadeia que lhe feria
rapaz não desanimou. a inocência, encontrou vastíssimas oportunidades
Agora, enxergava o caminho e conseguiria para demonstrar boa vontade, amor e tolerância,
avançar. sensibilizando as autoridades, que o libertaram
Ausentou-se do vale fundo, mas, sem qual- enfim.
quer noção de rumo, vagueou dias e noites, em O ideal de atingir o santuário sublime absor-
estado aflitivo. Atacado por loho3 e víboras via-lhe o pensamento e prosseguiu na marcha;
em grande número, usava a maior cautela, reco- todavia, somente depois de vinte anos de lutas
nhecendo a própria inexperiência, até que, em e provas, das quais sempre saía vitorioso, é que
certa manhã, abeirando-se de um esconderijo ca- conseguiu chegar ao Monte Sião para adorar o
vado na rocha, para colher mel silvestre, foi apri- Supremo Senhor.
sionado por um ladrão que lhe exigiu a bolsa; O Mestre interrompeu-se, vagueou o olhar
entretanto, como não possuísse dinheiro, deixou- pela sala silenciosa e rematou:
— Assim é a caminhada do homem para o
-se escravizar pelo malfeitor que durante cinco
anos sucessivos o reteve em trabalho incessante. Reino Celestial.
O servo, porém, agiu com tamanha bondade, mul- Antes de tudo, é preciso reconhecer a sua
tiplicando os exemplos de abnegação, que o espí- condição de cego e aplicar a si mesmo os reme-
aios indicados nos mandamentos divinos. Alcan-
çado o conhecimento, apesar da zombaria de
quantos o rodeiam em posição de ignorância, é
compelido a marchar por si mesmo, e sozinho
quase sempre, dó escuro vale terrestre para o L
monte da claridade divina, aproveitando todas
as oportunidades de servir, indistintamente, ain- EM ORAÇÃO
da mesmo aos próprios inimigos e perseguidores.
Quando o seguidor do bem compreende o dever Na véspera da partida do Senhor, no rumo
de mobilizar todos os recursos da jornada, em de Sídon, o culto do Evangelho, na residência de
silêncio, sem perda de tempo com reclamações e Pedro, revestiu-se de justificável melancolia. As
censuras, que somente denunciam inferioridade, atividades do estudo edificante prosseguiriam,
então estará em condições de alcançar o Reino, mas o trabalho da revelação, de algum modo,
dentro do menor prazo, porque viverá plasmando experimentaria interrupção natural.
as próprias asas para o voo divino, usando para A leitura de comoventes páginas de Isaías
isso a disciplina de si mesmo e o trabalho inces- foi levada a efeito por Mateus, com visível
sante pela paz e alegria de todos. emotividade;-entretanto, nessa noite de despedi-
das, ninguém formulou qualquer indagação.
Intraduzível expectativa pairava no semblan-
te de todos.
O Mestre, por si, absteve-se de qualquer co-
mentário, mas, ao término da reunião, levantou
os olhos lúcidos para o Céu e suplicou fervoro-
samente :
— Pai, acende a tua divina luz em torno de
todos aqueles que te olvidaram a bênção, nas
sombras da caminhada terrestre.
Ampara os que se esqueceram de repartir
o pão que lhes sobra na mesa farta.
Ajuda aos que não se envergonham de os-
tentar felicidade, ao lado da miséria e do infor-
túnio .
Socorre os que se não lembram de agradecer livres, quando não passam de escravos, dignos
aos benfeitores.
de compaixão, diante de teus sublimes desígnios.
Compadece-te daqueles que dormiram nos Eles todos, Pai, são delinquentes que esca-
pesadelos do vício, transmitindo herança dolo- pam aos tribunais da Terra, mas estão assinala-
rosa aos que iniciam a jornada humana. dos por tua justiça soberana e perfeita, por deli-
Levanta os que olvidaram a obrigação de tos de esquecimento, perante o Infinito Bem...
serviço ao próximo. A essa altura, interrompeu-se a rogativa sin-
Apiada-te do sábio que ocultou a inteligência gular.
entre as quatro paredes do paraíso doméstico. Quase todos os presentes, inclusive o pró-
Desperta os que sonham com o domínio do prio Mestre, mostravam lágrimas nos olhos e, no
mundo, desconhecendo que a existência na carne alto, a Lua radiosa, em plenilúnio divino, fazendo
é simples minuto entre o berço e o túmulo, à incidir seus raios sobre a modesta vivenda de
frente da Eternidade. Simão, parecia clamar sem palavras que muitos
Ergue os que caíram vencidos pelo excesso homens poderiam viver esquecidos do Supremo
de conforto material. Senhor; entretanto, o Pai de Infinita Bondade
Corrige os que espalham a tristeza e o pes- e de Perfeita Justiça, amoroso e reto, continuaria
simismo entre os semelhantes. velando...
Perdoa aos que recusaram a oportunidade
de pacificação e marcham disseminando a revolta
e a indisciplina.
Intervém a favor de todos os que se acre-
ditam detentores de fantasioso poder e supõem
loucamente absorver-te o juízo, condenando os
próprios irmãos.
FIM
Acorda as almas distraídas que envenenam
o caminho dos outros com a agressão espiritual
dos gestos intempestivos.
Estende paternas mãos a todos os que olvi-
daram a sentença de morte renovadora da vida
que a tua lei lhes gravou no corpo precário.
Esclarece os que se perderam nas trevas do
ódio e da vingança, da ambição transviada e da
impiedade fria, que se acreditam poderosos e
FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
MIRÊTA
Revela-nos o romance a superioridade dos senti-
mentos de duas criaturas que se amaram desde o pri-
meiro instante. Cenas sentimentais e ensinamentos
MISSIONÁRIOS DA LUZ
proveitosos.
(4. edição)
a
HERCULANUM LIBERTAÇÃO
Em Herculanum iremos encontrar o cenário da ;
Roma dos Césares. Páginas descritivas da catástrofe André Luiz volta ao nosso meio, através de
venusiana, soterrando duas lindas cidades para um sono uma nova obra — LIBERTAÇÃO —, oferecendo-
de vinte séculos. -nos a continuação de suas observações, resultan-
tes das excursões que lhe permitem realizar nos
mais variados campos de estudo, de forma a trans-
A . B E Z E R R A DE MENEZES mitir-nos, de acordo com a capacidade de assimi-
lação que já possuímos, ensinamentos que vêm
A CASA ASSOMBRADA ampliar as nossas possibilidades de progresso es-
piritual .
Magnífico romance, em que o Autor nos descreve
com graça e beleza a vida rude e simples dos sertõe3
nordestinos, pondo em foco as crendices e costumes dos
seus habitantes.
AGENDA CRISTÃ
FERNANDO DO O'
(8.* edição)
AIMAS
a u n A S QUE
QUE VOLTAM
Belíssimo Conselhos, normas e reflexões, para todos os
^ lTnnL7T '
el nCe C U
J a t r a
^ a Be desenrola em tor- momentos aflitivos da vida cotidiana, ditados pelo
- - da
neis à reencarnt^áo
— S O C a s i o n a d o s
P e l a s l e í s ü l d e
" Espírito de André Luiz.
CRÔNICAS DE ALÉM-TÚMULO
Fred. Figner
O popularíssimo cronista — Humberto de Campos
— oferta do Além ao público brasileiro suas novas CRÔNICAS
Crônicas, cem aquele mesmo feitio estilístico e cultu- ESPIRITAS
ral e aquela mesma encantadora forma que fizeram (2/ edição)
a glória do escritor e a delícia dos seus incontáveis
leitores. Além do grande nú-
Foi a primeira obra ditada pelo brilhante acadê- mero de crônicas publi-
mico ao médium F. C. Xavier e que agora é apresen-' cadas pelo "Correio da
tada em sua 5. edição.
a Manhã", o dinâmico Fíf-
Crônicas de Além-Túmulo é um prazer intelectual, ner aparece-nos pole-
micando admiravelmente
ensebando-nos também lições proveitosas para o es- com o Padre Dubois, na
pírito . "Folha do Norte", em
1920, o n d e suas argu-
mentações nos ampliam
de muito o raciocínio in-
dutivo e dedutivo neces-
VOLTEI sários para os momen-
tos que formos chama-
dos ao trabalho de ilu-
O Espírito do Irmão Jacob transmitiu ao médium minação do próximo. Há
Francisco Cândido Xavier as suas impressões, desde ainda o célebre discurso
o período de sua enfermidade, na Terra, até a sua re- do Bispo Strossmayer,
cepção pelos amigos, todos eles conhecidos em nossos no Concílio do Vaticano,
íneios, descrevendo-nos minuciosamente tudo quanto lhe em 1870.
ocorreu durante esse período.
E' um livro originalíssimo, cheio de ensinamentos
proveitosos e que bem corresponde ao nome que lhe deu
o Autor — Voltei.
Francisco V. Loren*
ESPERANTO SEM
MESTRE
Gramática, exercícios
CAMINHO, VERDADE E VIDA c o m chaves, conversa-
ção, poesias, provérbios,
vocabulários Esperanto-
São 319 páginas sublimes, de ensinamentos profun- -Português e Português-
dos, interpretativos do Novo Testamento, formando -Esperanto. 4.» edição
verdadeira essência evangélica, em perfeita comunhão revista e aumentada..
com o Cristo, que, no dizer do'Autor — Emmanuel —
"é o,Caminho, a Verdade e a V i d a " .
LÉON DENIS
ANTOINETTE BOURDÏN