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Novas Leituras 9 | Guia do Professor

TESTE N.° 3

ESCOLA:

TESTE DE PORTUGUÊS
Ano: 9.° | Turma: Data: / /20

GRUPO I
Parte A
Lê o texto com atenção.

É certo também que [Gil Vicente] alcançou nas cortes de D. Manuel e de D. João uma situação
de prestígio e talvez de valimento que lhe permitiu certas liberdades e audácias, aliás acordes
com o ambiente intelectual renovador e agitado do primeiro terço do século XVI a que o nosso
País não escapou. Foi aquela situação privilegiada que tornou possível a Gil Vicente pregar aos
5 frades de Santarém um sermão, em 1531, em que os censurava por terem alarmado a população
da cidade fazendo-lhe crer que o terramoto ocorrido em fevereiro daquele ano fora uma mani-
festação da ira de Deus por se consentirem em Portugal os cristãos-novos. Neste sermão explicou
Gil Vicente aos frades que o terramoto era um fenómeno natural, e que os Judeus deviam ser con-
vertidos sem violência, pela persuasão.
10 Gil Vicente soube aproveitar a sua situação na corte para uma crítica atrevidíssima de diversos
vícios sociais, especialmente relativos à nobreza e ao clero. Mas fazia-o aparente ou realmente
de acordo com o rei, a quem interessava por vezes castigar certos abusos, e que, frequentemente,
por virtude da sua política de concentração do poder eclesiástico na família real, de apropriação
dos rendimentos eclesiásticos e de reforço da autoridade real em face da autoridade da Santa Fé,
15 entrou em conflito com o clero. A Exortação da Guerra é representada com o fim bem específico
de conseguir fundos para a expedição de Azamor e de obrigar o clero português a ceder o terço
dos seus rendimentos para a “guerra santa”, direito que o rei D. Manuel alcançara enviando para
esse fim ao Papa a famosa embaixada de Tristão da Cunha. Mas a crítica de Gil Vicente vai, na-
turalmente, muito além das intenções do rei, que lhe
20 serviam de ocasião.
A carreira teatral de Gil Vicente termina em 1536 com
a representação da Floresta de Enganos. Depois da sua
morte, a corte manteve fielmente o valimento que lhe
dera em vida, e os seus autos continuaram a ser repre-
25 sentados (não todos certamente). A viúva de D. João III
protegeu contra a inquisição a publicação completa das
suas obras, em 1562, sob o título Copilação de todalas
obras de Gil Vicente.

In Teatro de Gil Vicente,


António José Saraiva, Manuscrito Editores, 1984
Novas Leituras 9 –
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3. Testes de Avaliação | Novas Leituras 9

Responde aos itens que se seguem, de acordo com as orientações que te são dadas.

1. Assinala verdadeiro (V) ou falso (F) nas afirmações seguintes, de acordo com o sentido do texto.
V F
a) Gil Vicente era protegido pelo rei D. Manuel e por D. João.
b) Graças ao seu talento, Gil Vicente tecia críticas audazes à corte.
c) Segundo os frades de Santarém, o terramoto de 1531 foi um castigo divino.
d) Gil Vicente insurgiu-se contra os facto de os cristãos-novos serem convertidos à força.
e) Apenas a nobreza e o clero eram alvo da crítica de Gil Vicente.
f) O rei considerava abusivas as críticas efetuadas por Gil Vicente.
g) A Exortação da Guerra visava que o clero também financiasse a “guerra santa”.
h) A representação das peças de Gil Vicente perdurou na corte mesmo após a sua morte.

2. Seleciona a única opção em que a palavra que é uma conjunção subordinativa.


a) “[…] uma situação de prestígio e talvez de valimento que lhe permitiu certas liberdades e
audácias […].” (linhas 1-2)
b) “Neste sermão explicou Gil Vicente aos frades que o terramoto era um fenómeno natural
[…].” (linhas 7-8)
c) “[…] a crítica de Gil Vicente vai, naturalmente, muito além das intenções do rei, que lhe
serviam de ocasião.” (linhas 18-20)
d) “[…] a corte manteve fielmente o valimento que lhe dera em vida […].” (linhas 23-24)

Parte B
Lê o excerto da cena do Frade do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente. Em caso de necessidade,
consulta o vocabulário apresentado.

Vem um FRADE com ũa Moça pela mão, e um broquel1 e ũa espada na outra, e um casco2
debaixo do capelo3; e, ele mesmo fazendo a baixa4, começou de dançar, dizendo:

Frade Tai-rai-rai-ra-rã; ta-ri-ri-rá; Frade Por minha la tenho eu,


ta-rai-rai-rai-rã; tai-ri-ri-rã; e sempre a tive de meu.
tã-tã; ta-ri-rim-rim-rã. Huha!
Diabo Que é isso, padre? Que vai lá? Diabo Fezestes bem, que é fermosa!
5 Frade Deo gratias! Som Cortesão. E não vos punham lá grosa5
Diabo Sabês também o tordião? 15 no vosso convento santo?
Frade Porque não? Como ora sei! Frade E eles fazem outro tanto!
Diabo Pois, entrai! Eu tangerei Diabo Que cousa tão preciosa…
e faremos um serão.
Entrai, padre reverendo!
Novas Leituras 9 –

10 Essa dama, é ela vossa?

VOCABULÁRIO
1
pequeno escudo; 2 capacete; 3 capuz; 4 trautear a música de uma “dança baixa”; 5 não vos faziam lá oposição,
reparo
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Novas Leituras 9 | Guia do Professor

Frade Pera onde levais gente? Tornou a tomar a Moça pela mão, dizendo:
20 Diabo Pera aquele fogo ardente
que nom temestes vivendo. Frade Vamos à barca da Glória.
Frade Juro a Deos que nom t’entendo!
E este hábito no me val? Começou o Frade a fazer o tordião e
foram dançando até o batel do Anjo desta
Diabo Gentil padre mundanal, maneira:
25 a Berzabu vos encomendo!
Frade Ta-ra-ra-rai-rã; ta-ri-ri-ri-ri-rã;
Frade Ah, Corpo de Deos consagrado! tai-rai-rã; ta-ri-ri-rã; ta-ri-ri-rã.
Pela fé de Jesu Cristo, Huhá!
que eu nom posso entender isto!
Eu hei-de ser condenado? 50 Deo gratias! Há lugar cá
30 Um padre tão namorado pera minha reverença?
e tanto dado à virtude? E a senhora Florença
Assi Deos me dê saúde, polo meu entrará lá!
que eu estou maravilhado! Parvo Andar, muitieramá!
55 Furtaste o trinchão, frade?
Diabo Não curês de mais detença. Frade Senhora, dá-me a vontade
35 Embarcai e partiremos: que este feito mal está.
tomarês um par de remos.
Frade Nom ficou isso n’avença.6 Vamos onde havemos d’ir,
Diabo Pois dada está já a sentença! não praza a Deos com a ribeira!
Frade Par Deos! Essa seri’ela! 60 Eu não vejo aqui maneira
40 Não vai em tal caravela senão enfim… concrudir.
minha senhora Florença. Diabo Haveis, padre, de viir.
Frade Agasalhai-me lá Florença,
Como? Por ser namorado e compra-se esta sentença
e folgar com ũa mulher 65 e ordenemos de partir.
se há um frade de perder,
Auto da Barca do Inferno, Gil vicente,
45 com tanto salmo rezado? in Teatro de Gil Vicente,
[…] edição de Ant. José Saraiva, Portugália, s/d

VOCABULÁRIO
6
acordo, contrato

Responde, de forma completa e bem estruturada, aos itens que se seguem.

3. Ao contrário das outras personagens, o Frade chega feliz ao cais.


3.1. Enuncia o modo como o Frade expressa a sua alegria.
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3.2. Comenta o comportamento desta personagem, tendo em conta a sua condição social.

4. Explicita o sentido da expressão “Gentil padre mundanal” (verso 24), identificando o recurso ex-
pressivo empregue pelo Diabo.
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3. Testes de Avaliação | Novas Leituras 9

5. “E não vos punham lá grosa / no vosso convento santo?” (versos 14-15)


5.1. Esclarece o objetivo da pergunta do Diabo.
5.2. Comprova que a resposta do Frade vai ao encontro da intenção crítica de Gil Vicente.

6. Esclarece o motivo pelo qual o Frade fica espantado com a intenção do Diabo de o levar na sua
barca.

7. Comenta o silêncio do Anjo perante o Frade, relacionando-o com o papel do Parvo nesta cena.

GRUPO II

Responde aos itens que se seguem, de acordo com as orientações que te são dadas.

1. Lê os versos seguintes.
a) “Por minha la tenho eu” (verso 11)
b) “Um padre tão namorado” (verso 30)
1.1. Explicita a alteração a nível fonético que as palavras “la” e “namorado” sofreram na sua evolução
até os nossos dias.
1.2. Indica os processos fonológicos na evolução dessas palavras.

2. Transcreve do texto da Parte B dois arcaísmos.

3. “tomarês um par de remos.” (verso 36)


3.1. Forma um verbo a partir da palavra sublinhada.
3.2. Classifica a palavra que formaste quanto ao seu processo de formação.

4. “Não vai em tal caravela / minha senhora Florença. (versos 40-41)


4.1. Identifica a função sintática desempenha pelos elementos destacados na frase.

5. O Frade estava tão enamorado que levou a Florença com ele.


5.1. Classifica a oração sublinhada na frase anterior.

GRUPO III

Durante a nossa vida, conhecemos pessoas cuja primeira impressão nem sempre corresponde
à opinião que, posteriormente, formamos sobre elas.

Escreve um texto narrativo, correto e bem estruturado, de 180 a 240 palavras, em que relates
uma situação real ou imaginária idêntica à apresentada acima.
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Na tua narrativa, deves incluir a descrição dessa pessoa.

Lembra-te de que, no final, deves reler com atenção o texto que produziste, verificar se obede-
ceste à planificação que fizeste, se há erros ortográficos ou sintáticos e proceder às correções
que entenderes necessárias.
PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO DOS TESTES FORMATIVOS
(Guia do Professor)
TESTE N.° 3
Grupo I

Parte A

1. a) V b) F c) V d) V e) F f) F g) V h) V

2. b)

Parte B

3.1. o Frade chega ao cais de mão dada com uma moça, a cantar e a dançar, revelando-se muito
feliz.

3.2. tendo em conta que se trata de um Frade, sujeito aos votos de castidade e de obediência, aquele
devia renunciar a uma vida mundana; contudo, o seu comportamento revela que não tem
consciência dos seus deveres morais e espirituais, pois não demonstra qualquer receio do
julgamento que o espera depois da morte.

4. o Diabo é irónico na afirmação que faz, denunciando o facto de o Frade não se comportar de
acordo com os preceitos religiosos ao apelidá-lo de “Gentil” e “mundanal”.

5.1. o Diabo pretende induzir o próprio Frade a denunciar a sua vida pecaminosa e, portanto, a
autocondenar-se.

5.2. ao afirmar que os outros frades agem como ele, a personagem generaliza a uma classe social o
seu comportamento perverso, tal como é intenção de Gil Vicente.

6. o Frade admira-se com a intenção do Diabo, pois julga que a sua condição de Frade é argumento
suficiente para não embarcar rumo ao inferno (“E este hábito no me val?”).

7. enquanto membro do clero, o Frade tinha ainda mais responsabilidades do que qualquer outra
pessoa, pelo que não havia desculpa para o seu comportamento pecaminoso; por sua vez, o Parvo
assume o papel de acusador ao criticar a conduta do Frade, sendo dispensável a intervenção do
Anjo.

Grupo II

1.1./1.2.
a) la > a: aférese
b) namorado > enamorado: prótese

2. arcaísmos: “grosa”, “muitieramá”, trinchão”

3.1. remar
3.2. palavra derivada por sufixação

4.1. “em tal caravela”: complemento oblíquo; “Minha senhora Florença”: sujeito (simples)

5.1. oração subordinada adverbial consecutiva

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