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cleonice berardinelli, GIL VICENTE: AUTOS, Casa das Palavra, 2012.

Introdução p.9-19:

“Gil Vicente, nascido à volta de 1465, durante o reinado de D. Afonso V, deve ter assistido à
partida e ao regresso das frotas de Vasco da Gama e Cabral, já sob o reinado de D. Manuel I, e
aos primeiros quinze anos do reinado de D. João III. Viveu o bastante para presenciar a criação
do Tribunal da Inquisição em seu país, a pedido de D. João, por bula papal de 23 de maio de
1536, mas não para ver a compilação de sua obra editada, em 1562, por seu filho Luís Vicente.”
- p. 10

“As obras de cunho científico, como as de Pedro Nunes, por exemplo, acentuam o caráter
experimental dos conhecimentos que propiciaram a expansão marítima portuguesa. Esse valor
atribuído ao experimentalismo é fundamental num momento em que o homem se põe no centro
do mundo para ver com seus próprios olhos, com sua própria experiência, sem aceitar a visão
tradicional que lhe transmitem.” - p. 11:

“Em sua obra manter-se-á absolutamente fiel aos gêneros dramáticos tradicionais-moralidades e
milagres (peças de cunho moralizante e/ou estritamente religioso), farsas (peças centradas no
riso e na sátira) e ainda momos, em que dominava o aparato, a riqueza das vestes, os efeitos
cenográficos, tão usados em Portugal, todos englobados sob a designação geral de autos. Na
verdade, a palavra auto se origina no particípio passado do verbo latino agère (fazer, agir) e está,
portanto, ligada a ação, por isso ser usada para significar a forma literária que envolve ação o
teatro -, desde a Grécia, donde nos vem drama e seus derivados: dramático, dramaturgia etc.” -
p. 11-12:

O que Gil abarca:


“Se, nos quarenta e dois autos escritos ao longo de trinta e quatro anos e, como acabamos de
ver, bastante diversificados, pesquisarmos a frequência com que neles se utilizam certos
processos e são visadas certas áreas, chegaremos à conclusão de que Gil Vicente abarca o
divino, o diabólico e o humano, bem mais a miúdo estes que aquele (dominante nas obras de
devoção, mas ausente, ou quase, das outras); abrange ainda o alegórico e o fantástico (nestes
incluímos os personagens mitológicos, as fadas, os clérigos nigromantes, as feiticeiras etc.), ora
postos a serviço dos homens, ora de Deus ou do Diabo, apresentando a área humana através de
uma visão crítica que nela distingue o bem e o mal, os quais surgem nitidamente separados nas
outras duas.” - p. 13:

A autora tece comentários sobre personalidades recorrentes no teatro vicentino, inclusive alguns
presentes no auto da barca do inferno. Como exemplo ela comenta dos diabos com: “Os piores
eticamente, pois que encarnam o Mal, são, de um ponto de vista dramático, dos melhores e mais
vigorosos personagens de Gil Vicente: conhecem as artes de persuadir e de tentar, penetrando
no fundo das consciências; ágeis no ataque e na defesa, vivos na argumentação, sabem lisonjear
quando é preciso ganhar uma alma e zombar dela impiedosamente depois que a têm vencida.”
(p. 15) e segue com um discurso sobre os diabos vicentinos, semelhante fez ao fidalgo: “A nobreza
sobra orgulho e tirania; o Fidalgo da Barca do Inferno ouve do Anjo a recusa "Não se embarca
tirania / neste batel divinal", e a sugestão para que entre na outra barca, mais espaçosa, onde irá
"com fumosa senhoria, / cuidando na tirania / do pobre povo queixoso". Na Barca da Glória, o Rei
é acusado pelo Diabo, por ter sido "con los grandes alterado, / con los chicos descuidado,
fulminando injusta guerra". E o Imperador, por ter usado "crueldad /y infinito desvario".” - (p 15).
E continua com comentários semelhantes para o Corregedor, Onzeneiro, Sapateiro, e entre
outros, o velho do velho da horta. Abstenho de citá-los todos para manter a unidade do documento
e não adicionar texto excessivo, mas estão todos estes distribuídos entre as páginas 14 a 16

“Homem do seu tempo - tempo de transição entre dois séculos -, Gil Vicente se mantém fiel (como
já vimos) aos gêneros e metros medievais, mas seu espírito se abre às novas tendências, e a sua
posição de ataque a Roma e exaltação da Igreja, de crítica à nobreza e defesa dos cristãos novos
é a que encontramos em Erasmo, de quem poderá ter sofrido influências, mas sobretudo com
quem coincide em pontos de vista. Recusavam a religião de aparência, a oração mecânica, as
indulgências a granel, a libertinagem do clero, a simonia; queriam a volta da humildade dos
"santos pastores / do tempo passado,” - p. 16-17:

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