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DIRETORA: MARIA ADELANE NASCIMENTO

PROFESSORA: JARDANE ROCHA


DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS LITERATURAS
SÉRIE: 2ª SÉRIE/ETAPA TURNO: TURMA:

O HUMANISMO NA HISTÓRIA Gil Vicente e o teatro português


O nome dado ao segundo período da literatura O maior nome do Humanismo português é o do
medieval, Humanismo, remete ao lugar que o dramaturgo Gil Vicente. Apesar de pouco se saber a
“humano” passou a ocupar na sociedade e na própria respeito de sua biografia, acredita-se que ele tenha
literatura. vivido entre 1465 e 1537. Antes dele, não existia
propriamente um teatro português.
No Humanismo, que foi um período de
transição, a visão teocêntrica de mundo deu lugar a O que havia eram encenações religiosas em
uma visão antropocêntrica, isto é, centrada no ser igrejas e manifestações profanas que se realizavam em
humano. Embora a sociedade continuasse bastante praças públicas e sofriam a condenação dos padres,
estratificada e o poder da Igreja se mantivesse, o ser por seu aspecto jocoso e em desacordo com a moral
humano passou a ser encarado como senhor de suas religiosa vigente. Um exemplo dessas manifestações
ações, dotado de livre-arbítrio. profanas eram os jograis, que ridicularizavam pessoas
por meio de imitações.
Assim, sua salvação não dependia mais
apenas de um arrependimento à hora da morte ou de Com sua primeira peça, Auto da visitação ou
uma espera pelo perdão divino. As ações de cada um Monólogo do vaqueiro (1502), em que homenageava o
e suas escolhas pessoais passaram a ser fundamentais nascimento de dom João III, futuro rei, Gil Vicente
para determinar sua salvação. inaugurou o teatro leigo, não religioso, em Portugal.
Em meados do século XV, Portugal deu início O sucesso dessa primeira apresentação
aos chamados grandes descobrimentos. Com isso, o garantiu seu prestígio na Corte e a proteção da rainha
espírito feudal e teocêntrico, que imperava desde o dona Leonor, o que explica a liberdade com que
começo da história portuguesa, foi suplantado por abordou temas espinhosos, como a crítica ao
outro, no qual as cidades e o comércio ocupavam o procedimento de membros da Igreja, a vaidade, a
primeiro plano. O ser humano, dessa forma, passou superficialidade dos nobres e a corrupção dos
a ser visto como uma força criadora capaz de magistrados, entre outros.
conquistar o Universo e de dominá-lo, tornando-se
assim a medida de todas as coisas. Apesar de ser contemporâneo do
Renascimento, Gil Vicente não assumiu a perspectiva
Afinal, com sua inteligência e sua coragem, que dominou esse movimento – a ideia de que o
tinha conseguido desbravar os mares. Mas essa era homem passa a ser a medida de tudo. Diferentemente
ainda uma época de transição: de um lado, aumentava disso, na obra vicentina, evidencia-se uma concepção
a crença no poder de racionalização e na possibilidade cristã da vida, uma preocupação com a edificação do
de quebrar limites antes inimagináveis; de outro, homem e sua subordinação a Deus.
sobrevivia uma forte crença religiosa, paralelamente a
uma estrutura feudal em decadência. É importante destacar que a crítica de Gil
Vicente incide sobre personagens-tipo, ou seja,
Nesse período, a literatura ainda possuía personagens que representam determinados grupos de
pouca circulação social. Basicamente, o povo tinha pessoas dentro da sociedade: por exemplo, com a
acesso a representações religiosas e à produção figura do Sapateiro, Gil Vicente critica comerciantes
incorporada à tradição popular, como algumas cantigas desonestos; já com a do Frade, o autor se refere a um
trovadorescas, que circulavam entre a população. Já a tipo de religioso mais preocupado com as questões
Corte consumia uma arte renovada, sustentada pela terrenas do que com as celestiais.
aproximação entre os artistas e os nobres. A poesia
palaciana (veiculada na Corte, de nobres para nobres) Porém, a instituição Igreja, representação do
e o teatro de Gil Vicente tinham, inicialmente, pouca reino divino na Terra, não é atingida por essa crítica. Os
projeção social. Depois, com o sucesso que as peças homens, sim, é que são falíveis ao usar de modo
vicentinas alcançaram, houve ampliação de seu equivocado o livre-arbítrio de que Deus os dotou. A
público, com representações de grupos que se religião cristã, no entanto, permanece inquestionável.
apresentavam para grandes plateias, mas, ainda
Entre as peças mais conhecidas de Gil Vicente
assim, a literatura era apreciada por poucos, se
estão Auto da barca do inferno (1517), Farsa de Inês
levarmos em consideração o total da população
Pereira (1523) e Auto da Lusitânia (1531).
portuguesa.
No Auto da barca do inferno, o espaço cênico
apresenta duas barcas lado a lado: a do céu e a do
inferno. Após a morte, os personagens chegam para o
embarque buscando sempre a barca do céu, mas
apenas os cavaleiros de Cristo embarcam para o céu,
premiados por sua atuação nas Cruzadas.

Rua Fernando Ferrari, 321 Centro Santa Luzia do Pará-Pa


Uma exceção é o Parvo, personagem que e faremos um serão.
permanece com final indefinido, em terra, e representa
E essa dama, porventura?
aqueles que morrem sem consciência de seus
pecados. Todos os demais personagens – Fidalgo, FRADE– Por minha a tenho eu,
Onzeneiro (agiota), Sapateiro, Frade, Alcoviteira (a que
favorece a prostituição) e Corregedor – são e sempre a tive de meu.
convencidos de que têm lugar reservado na barca do DIABO – Fizestes bem, que é lindura!
inferno em decorrência dos pecados cometidos em
vida. Não vos punham lá censura

Por meio do divertido diálogo que se instaura no vosso convento santo?


entre os candidatos à barca do inferno (que tentam fugir FRADE– E eles fazem outro tanto!
dela a todo custo) e o diabo (comandante da barca), o
auto expõe sua crítica social. DIABO – Que preciosa clausura!

Entrai, padre reverendo!

FRADE– Para onde levais gente?

DIABO – Para aquele fogo ardente

que não temestes vivendo.

FRADE– Juro a Deus que não te entendo!

E este hábito não me val?

DIABO – Gentil padre mundanal,

a Belzebu vos encomendo!

FRADE– Corpo de Deus consagrado!

Pela fé de Jesus Cristo,

que eu não posso entender isto!


Gil Vicente na Corte de dom Manuel. 1917. Alfredo Roque Gameiro. Ilustração. In: Quadros
da História de Portugal. Lisboa: Editora Gadiva, 2010. Eu hei de ser condenado?

ATIVIDADES Um padre tão namorado

Leia agora um trecho extraído da obra Auto da barca e tanto dado à virtude!
do Inferno, de Gil Vicente. Nessa peça, o cenário é uma Assim Deus me dê saúde,
espécie de porto, onde estão ancoradas duas barcas:
uma se dirige ao Paraíso e é tripulada por um Anjo; a que eu estou maravilhado!
outra levará as almas para o Purgatório ou para o DIABO – Não façamos mais detença,
Inferno. Quem está nela é o Diabo e seu Companheiro.
Almas representativas de diversos tipos sociais embarcai e partiremos;
chegam à margem e reivindicam seu desejo de
embarcar no batel rumo ao Paraíso. Na cena abaixo, o tomareis um par de remos.
barqueiro Diabo conversa com o Frade FRADE– Não ficou isso na avença.
Auto da barca do Inferno DIABO – Pois dada está já a sentença!
[…] Vem um Frade com uma Moça pela mão, e FRADE– Por Deus! Essa seria ela?
um broquel e uma espada na outra; e um casco
debaixo do capelo; e ele mesmo fazendo Não vai em tal caravela
a baixa começou a dançar, dizendo
minha senhora Florença?
Tai-rai-rai-ra-rã ta-ri-ri-rã,
Como? Por ser namorado,
Tai-rai-rai-ra-rã ta-ri-ri-rã,
e folgar c’uma mulher?
Tã-tã-ta-ri-rim-rim-rã, huha!
Se há um frade de perder,
DIABO – Que é isso, padre? Quem vai lá?
com tanto salmo rezado?!
FRADE– Deo gratias! Sou cortesão.
DIABO – Ora estás bem arranjado!
DIABO – Danças também o tordião?
FRADE– Mas estás tu bem servido.
FRADE– Por que não? Vê como sei.
DIABO – Devoto padre e marido,
DIABO – Pois entrai, eu tangerei
haveis de ser cá pingado…

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