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Mudanças climáticas, agricultura e segurança alimentar: um caminho para o


desastre

Technical Report · October 2017

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Olympio Barbanti
Federal University of ABC, São Bernardo do Campo, Brazil
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ANÁLISE
Nº 34/2017

Mudanças climáticas, agricultura


e segurança alimentar:
um caminho para o desastre

Olympio Barbanti Jr.

SETEMBRO DE 2017

A agricultura está no centro das discussões sobre mudanças cli-


máticas. Ao mesmo tempo em que contribui para causar essas
mudanças, ela é afetada fortemente pelo clima.

Essas interações são complexas e necessitam ser compreendidas


à luz de modelos que projetam diferentes cenários. Nenhum deles
prevê um futuro positivo para a agricultura no Brasil.

Os países industrializados do Norte, no entanto, podem ter


benefícios agrícolas com o aquecimento global.

A agricultura não dará, sozinha, respostas ao aquecimento. Mas


é imprescindível que ela busque mudanças na direção de garantir
a segurança e a soberania alimentar e nutricional das sociedades.
Sumário

Introdução 5

Mudanças climáticas: controvérsias e efeitos esperados 5

Impactos climáticos gerais estimados pelo IPCCl 10

Modelos climáticos e aspectos gerais da agricultura mundial 11

Lidando com sintomas: medidas de mitigação e adaptação 13

O RCP8.5 - consequências para a agricultura e sistemas agroalimentares 14

Correlações com a segurança e a soberania alimentar 17

Mudanças climáticas, agricultura e segurança alimentar no Brasil 18

Políticas e programas para as mudanças climáticas 22

Considerações finais: um outro caminho? 23

Bibliografia 26
Olympio Barbanti Jr. | MUDANÇAS CLIMÁTICAS, AGRICULTURA E SEGURANÇA ALIMENTAR

Introdução ção do conhecimento climático em termos


de modelos.
A agricultura é, provavelmente, o setor da
economia mais afetado pelas mudanças cli- Em seguida, o texto discute as previsões de
máticas. A produção de alimentos depen- impactos das mudanças climáticas para a
de das condições meteorológicas e de todo agricultura no Brasil e a complexidade do
equilíbrio dos ecossistemas, que foi sendo tema para políticas públicas. Esse trabalho
ajustado ao longo de bilhões de anos. também contextualiza essas discussões em
relação ao debate sobre segurança e sobera-
Nos últimos 70 anos, porém, o desenvolvi- nia alimentar, questionando se as ações que
mento do modelo de produção capitalista na visam a mitigação e a adaptação aos impac-
indústria, nos serviços e na agricultura resul- tos climáticos são suficientes para alterar as
tou na emissão de gases, que causam uma previsões de um futuro desastroso para a hu-
forte e brusca alteração no equilíbrio ecos- manidade.
sistêmico existente no planeta. As projeções
para o futuro indicam impactos severos na Mudanças climáticas:
capacidade de produção de alimentos em di- controvérsias e efeitos esperados
versas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Algumas regiões do globo, como as latitudes O problema das mudanças climáticas é, pro-
elevadas do Norte, no entanto, devem se be- vavelmente, o maior paradoxo já vivido pela
neficiar, posto que o aumento do calor fará humanidade. Há grande dificuldade de a
que suas terras sejam mais produtivas, as- sociedade e os atores econômicos colabora-
sim como a maior concentração de carbono rem para a redução das emissões, ao mesmo
pode beneficiar algumas espécies de plantas. tempo em que as consequências previstas
são desastrosas, podendo chegar a situações
Buscas de alternativas para enfrentar os im- catastróficas, como a submersão de extensas
pactos negativos incluem aprofundar o mo- áreas litorâneas e margens dos rios. Para o
delo existente, que é, em última instância, o Painel Internacional de Mudanças Climáti-
causador das mudanças climáticas, ou a op- cas (IPCC, International Panel on Climate
ção por uma mudança estrutural. Change), está claro que a superfície da Terra
tem estado, sucessivamente, mais quente nas
Esse texto visa apresentar esse debate, escla- três últimas décadas do que ela foi em qual-
recendo alguns aspectos técnicos necessários quer década desde 1850. E o período histó-
à compreensão da natureza das mudanças rico mais recente, entre 1983 a 2012, pro-
climáticas e de suas dinâmicas, que não são vavelmente, foi o período de 30 anos mais
de conhecimento geral. Essa introdução ao quente desde os últimos 1400 anos no He-
tema está baseada no conhecimento aceito misfério Norte, onde há dados estatísticos
no âmbito do Painel Internacional de Mu- que tornam esse tipo de avaliação possível.
danças Climáticas (IPCC), e busca propiciar
ao leitor não especializado um panorama so- Os dados, aceitos entre cientistas do clima,
bre as correlações entre clima e agricultura mostram que já ocorreu um aquecimento
em geral, esclarecendo como se dá a constru- médio de 0,85°C [entre 0,65°C e 1,06°C] ao

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longo do período de 1880-2012. Medições ção entre cientistas da área sobre o consenso
climáticas necessitam de informações coleta- existente no tema – uma abordagem de co-
das durante grandes períodos de tempo, para munidades epistêmicas.
reduzir a influência das alterações climáticas
de curto prazo. A precisão das medidas de É por meio desse método que os cientistas,
mudanças varia significativamente e, por que estudam as mudanças climáticas, se
isso, o IPCC (2014) trabalha com graus de contrapõem àqueles que negam a existência
confiança, esclarecendo qual é a confiança e de tais mudanças. Dessa forma, o grau de
o consenso que existem para diferentes afir- certeza em cada um dos principais achados
mações a respeito das alterações no clima. da avaliação baseia-se no tipo, quantidade,
qualidade e consistência das evidências (por
Os efeitos das mudanças climáticas são vá- exemplo: dados, compreensão mecanicista,
rios: aquecimento do ar, dos solos e das águas, teoria, modelos, julgamento de especialistas)
além de aumento da variabilidade climática e o grau de concordância sobre elas.
interanual (por exemplo, períodos secos nos
quais deveria ocorrer chuva ou o contrário) e Os termos utilizados para exprimir evidência
aumento na severidade dos efeitos climáticos dos achados são: limitado, médio ou robus-
(p.ex. chuvas e ventos mais fortes). É parti- to. Para os graus de acordo sobre cada tema,
cularmente importante o efeito no aqueci- adota-se baixo, médio e alto. Desta forma,
mento e acidificação das águas dos oceanos geram-se níveis de confiança nas informa-
e mares. Sabe-se, com bastante confiança, ções, que são classificadas em muito baixo,
que os lençóis de gelo da Groenlândia e da médio, alto e muito alto. Por convenção, es-
Antártida perderam massa, e que as geleiras ses níveis de confiança são escritos em letra
de todo o mundo estão diminuindo, assim itálica.
como a cobertura de neve da primavera no
hemisfério norte. A probabilidade de ocorrência é definida em
categorias: praticamente certo (99-100% de
O conjunto de alterações devido ao clima probabilidade); extremamente provável (95-
é bastante grande. Mais adiante são men- 100%); muito provável (90-100%); prova-
cionadas as principais alterações globais e, velmente (66-100%); mais provável do que
posteriormente, avaliadas aquelas relativas à não (50-100%); tão provável quanto não
agricultura e aos sistemas agrícolas. (33-66%); improvável (0-33%); muito im-
provável (0-10%); extremamente improvável
Uma questão central é a acuidade do conhe- (0-5%) e excepcionalmente improvável (0-
cimento sobre mudanças climáticas. Talvez 1%). As probabilidades também são escritas
seja mais fácil enviar um homem ao espaço em itálico (IPCC, 2014).
do que prever as alterações que ocorrerão no
clima. Como método para reduzir incerte- Embora existam níveis variados de incertezas
zas, o IPCC (2014) definiu alguns critérios. sobre impactos específicos, o IPCC (2014)
Cada constatação feita é submetida a uma considera ser inequívoco o aquecimento do
avaliação das evidências, que dão suporte à sistema climático e que, desde a década de
conclusão que se chegou, e se faz uma avalia- 1950, ocorrem alterações que não têm pre-

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cedentes e que irão gerar impactos ao longo milhões de anos e/ou registros da existência
de décadas para milênios. de fauna e flora, registros de níveis oceânicos
do passado e outras fontes de informação.
Para a Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2015), Aqueles que não acreditam que existam mu-
as mudanças climáticas são a expressão cla- danças climáticas, ou aqueles que imaginam
ra do problema da sustentabilidade: como que elas não são um reflexo do modo de pro-
fazer os atores sociais alterarem seus com- dução capitalista, apegam-se às mudanças
portamentos atuais, em função do altruísmo ocorridas ao longo da história da Terra. Afir-
necessário para pensar nas gerações futuras? mam que o clima da Terra sempre apresentou
Existem ganhos financeiros imediatos em variações e que não há certeza de que as atuais
práticas de uso não sustentável dos recursos mudanças são induzidas pela ação humana.
naturais. E, mais importante, há uma cla- De outro lado, uma grande comunidade de
ra ligação entre as condições estruturais do cientistas de todo o mundo, reunidos no
modo de produção capitalista e as mudanças IPCC, afirma que a influência humana no
climáticas, posto que o processo de acumu- sistema climático é clara. Defende que as re-
lação de capital depende do consumo cons- centes emissões de gases de efeito estufa são as
tante e crescente de bens e serviços. mais altas da história, com impactos generali-
zados nos sistemas humanos e naturais.
Um ponto de discórdia reside na culpabili-
dade do capitalismo, afinal o clima da Ter- A principal argumentação, que sustenta a
ra variou bastante ao logo do tempo, antes ocorrência de tais mudanças (chamadas de
mesmo da Revolução Industrial. Ocorreram antropogênicas, ou seja, causadas pela ação
eras glaciares que gelaram o planeta. Já se humana), reside no fato de que existe uma
sabe que existiram palmeiras tropicais onde correlação bastante estreita entre o aqueci-
hoje é a Groenlândia. Essa variação climática mento do clima e a emissão dos chamados
parece ter relação com algumas causas natu- gases de efeito estufa (GEE ou greenhouse
rais, como alterações na órbita terrestre em gases, em Inglês): dióxido de carbono, me-
torno do Sol, variações na intensidade solar tano, óxido nitroso e vários gases fluorados.
e na atividade de vulcões, por exemplo. Esses gases permanecem na atmosfera, di-
ficultando a dispersão no espaço do calor
Toda ciência possui algum grau de impreci- que a Terra recebe do Sol. Os cientistas do
são e, na ciência do clima, o grau de impreci- clima afirmam que estamos entrando uma
são sobre o que ocorreu na Terra ao longo de nova era geológica, cujo ponto de início é
milhões de anos e sobre o que virá no futu- impreciso, talvez no final do século XVIII,
ro depende de modelos interpretativos. Tais talvez em um período anterior ou posterior
modelos possuem graus variados de confian- a isso – mas, certamente, influenciado pela
ça em suas conclusões, que têm sido refina- Revolução Industrial e o início da produção
das, ao longo do tempo, pela acumulação de intensiva sob o modo de produção capitalis-
informações geradas a partir de registros cli- ta, baseado fortemente no uso de fontes de
máticos do passado – por exemplo, o ar que energia provenientes do carbono existente
ficou armazenado em geleiras profundas por em estoques na Terra.

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Eles reconhecem a ocorrência de fatores na- culation Models) – têm apontado de forma
turais que aumentam a temperatura (ativi- consistente para a correlação entre a emis-
dade de vulcões, por exemplo), mas parece são de gases de efeito estufa e a mudança
claro que, após a Segunda Guerra Mundial, no aquecimento da terra e nos regimes de
ocorreu uma grande aceleração nas mudan- chuva. No entanto, os modelos atuais ainda
ças. Essa nova era geológica é chamada de não logram distinguir a variabilidade regio-
Antropoceno ou o período mais recente da nal e as mudanças nos padrões sazonais de
história do planeta Terra. temperatura e precipitação. Os modelos tipo
GCMs apresentam resultados diferentes
A existência de alterações ao clima induzi- para cenários de emissão de GEE idênticos,
das pela emissão de GEE, resultantes da ação por exemplo.
humana, é bastante antiga e foi realizada
pelo cientista sueco Arrhenius. Em 1896, ele Apesar de divergências sobre consequências
demonstrou que a queima de combustíveis em uma escala mais aproximada, todos os
fósseis iria causar aquecimento global. Suas modelos apresentam, como resultado das
predições têm sido testadas por modelos cli- mudanças climáticas, a ocorrência de tem-
máticos, que se tornaram extremamente so- peraturas mais elevadas e mais precipitação
fisticados, mas que, ainda assim, apresentam para o globo. Segundo duas agências norte-
divergências significativas em relação aos -americanas – a Agência Espacial Americana
seus prognósticos. (NASA) e a National Oceanic and Atmos-
feric Administration (NOAA) – em 2015,
Tais modelos podem ser mais globais e teó- ocorreram fortes anomalias em relação ao
ricos ou mais descritivos de condições locais, padrão de clima observado entre os anos
baseados em observações. Os modelos glo- de 1951 e 1980. O ano de 2015 foi o mais
bais são baseados na análise matemática de quente no registro de temperatura da NASA/
um grande número de variáveis, enquanto NOAA, que teve início em 1880. (NASA/
os locais agregam dados empíricos de cam- NOAA, 2016). No entanto, não se conhece,
po. São escalas diferentes, com custos e be- atualmente, a variabilidade do clima em es-
nefícios específicos. Modelos, que têm por cala regional, como também há bastante in-
base dados de campo (field-based), possuem certeza sobre mudanças nos padrões sazonais
qualidade elevada das informações que são e qual será a magnitude de tais mudanças.
introduzidas para análise, porém apenas al-
guns países possuem informação com essa Existe um consenso elevado sobre alguns
qualidade e, muitas vezes, tais informações impactos que as mudanças climáticas devem
não cobrem todo o território. A vantagem causar. Devem ocorrer impactos negativos
desses modelos é a capacidades de estudar mais severos nas regiões de baixa latitude
variações locais e sazonais. Mais adiante será (mais próximas à linha do Equador). Es-
discutido o modelo brasileiro. ses impactos devem ser bastante negativos,
mesmo que ocorram apenas níveis baixos de
Os modelos de escala global – chamados de aquecimento. Os impactos nas latitudes mé-
modelos de circulação global atmosférico dias a altas devem ser mais híbridos, especial-
(GCMs, sigla em Inglês para General Cir- mente se ocorrer um nível menos elevado de

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aquecimento (HLPE, 2012). É interessante to da umidade em boa parte do território,


que, algumas regiões de alta latitude (mais incluindo o nordeste (FAO, 2015). Como
próximas ao Polo Norte) devem beneficiar-se se verá adiante, o modelo brasileiro de esca-
do aquecimento global, dado que as estações la regional tende a apoiar as conclusões do
do ano devem se tornar mais quentes, os pe- MIROC.
ríodos de crescimento das plantas devem ser
estendidos, e as pessoas devem enfrentar me- Um dos consensos elevados, já existente, refe-
nos dificuldades com o frio intenso. re-se ao conhecimento de que a concentração
atual de gases de efeito estufa na atmosfera
Os modelos para compreender as mudanças terrestre é a maior já ocorrida nos últimos 20
climáticas variam bastante em termos de es- milhões de anos, tendo causado, até o mo-
calas de tempo utilizada. Esses modelos não mento, uma elevação de aproximadamente
dependem apenas de condições puramente um grau Celsius, em relação ao clima médio
atmosféricas. Na verdade, o que ocorre na da Terra no período da Revolução Industrial
atmosfera é um aspecto visível de condições (1820-1840). De todo o gás expelido por ati-
ecossistêmicas, nas quais a interação entre vidades naturais ou pela ação humana, cerca
vegetação, águas e atmosfera é dinâmica. Va- de 44% ficam na atmosfera, 31% são absorvi-
riações na cobertura vegetal da Terra e na ca- dos pela vegetação terrestre (especialmente as
pacidade dos vegetais de fazer a fotossíntese florestas) e 26% são absorvidos pelos oceanos
têm implicações mútuas, e dependem do es- (NOBRE, 2017).
tado da tecnologia disponível no momento
para as atividades de extração, processamen- Até o momento, o IPCC publicou cinco Re-
to e uso dos recursos naturais (FAO, 2015). latórios de Avaliação (AR ou Assessment Re-
ports, em Inglês) nos anos de 1990, 1995,
Os modelos gerais de circulação (GCM) 2001, 2007, e 2014. De cada relatório é fei-
conhecidos como MIROC e CSIRO, por to um sumário para os tomadores de decisão
exemplo, chegaram a previsões bastante dís- (SPM, Synthesis Report Summary for Policyma-
pares para mudanças anuais médias nas pre- kers). O IPCC definiu um extenso glossário
cipitações entre 2000 e 2050. O MIROC de termos necessários para o entendimento
aponta para aumentos substanciais na pre- das discussões sobre mudanças climáticas. Al-
cipitação, mas com algumas regiões tornan- guns desses termos são apresentados de for-
do-se mais secas, como o nordeste do Brasil ma resumida, a seguir (IPCC - WGIIAR5,
e a metade leste dos Estados Unidos; por sua 2014).
vez, a África Oriental e Bangladesh teriam
um futuro muito mais úmido, e quase todo Mudança climática: A Convenção-Quadro
território de Bangladesh pode ficar debaixo sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em seu
de água. Confirmado esse cenário, além da artigo 1º, define a mudança climática como
perda humana e econômica, haveria, em to- “uma mudança do clima que é atribuída direta
dos os casos, efeitos negativos consideráveis​​ ou indiretamente à atividade humana, que al-
na produção agrícola dessas regiões. No en- tera a composição da atmosfera mundial e que
tanto, o modelo CSIRO prevê para o Brasil vai além da variabilidade climática natural
justamente um cenário oposto, com aumen- observada ao longo de períodos comparáveis”.

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A UNFCCC faz, assim, uma distinção entre as Impactos climáticos gerais


mudanças climáticas atribuídas às atividades estimados pelo IPCC
humanas, que alteram a composição atmosfé-
rica, e a variabilidade do clima atribuída a Segundo o último relatório do IPCC (AR5),
causas naturais. os sistemas naturais e humanos em todos os
continentes e também os oceanos têm so-
Vulnerabilidade: Propensão ou pré-disposição frido impactos nas últimas décadas, que são
a ser adversamente afetado. Vulnerabilidade classificados de acordo com sua natureza e
engloba uma variedade de conceitos e elemen- grau de confiança em relação à possibilidade
tos, incluindo sensibilidade ou susceptibilida- de ocorrência. Tais impactos foram dividi-
de a danos e falta de capacidade para lidar e dos em oito categorias e graus. Eles revelam
adaptar-se. interações com sistemas produtivos, particu-
larmente na agricultura, com ecossistemas e
Risco: Consequência potencial em uma situa- com as condições de vida da população, em
ção na qual algo de valor está em jogo e que o especial, a mais pobre.
resultado é incerto, reconhecendo a diversidade
Mudanças negativas sobre a produção agrí-
de valores.
cola (confiança alta) – Mudanças climáti-
cas sobre a produção agrícola têm sido mais
Impactos: Efeitos sobre os sistemas naturais e
comuns do que os impactos positivos (con-
humanos – sobre a vida, meios de vida, saúde,
fiança alta). Existe um número menor de
ecossistemas, economias, sociedades, culturas,
estudos que mostram impactos positivos,
serviços e infraestrutura resultantes da intera- porém se referem, principalmente, a regiões
ção entre as mudanças climáticas ou eventos de alta latitude, embora ainda não esteja
climáticos perigosos, que ocorrem dentro de um claro se a soma dos impactos foi negativa
período de tempo específico e a vulnerabilidade ou positiva nestas regiões (alta confiança).
existente em uma sociedade ou um sistema ex- A mudança climática tem afetado de forma
posto a certo perigo. negativa o trigo e o milho para muitas re-
giões e, também, na média global (média
Adaptação: Processo de adaptação ao clima e confiança). Efeitos menores são observados
seus efeitos reais ou esperados. Em sistemas hu- na colheita de arroz e soja nas principais
manos, a adaptação procura diminuir ou evitar regiões de produção e na média global. Os
danos, ou mesmo explorar oportunidades bené- principais impactos que foram constatados
ficas. dizem respeito a aspectos de produção ali-
mentar, mas poucos se referem a compo-
Resiliência: Capacidade dos sistemas sociais, nentes de segurança alimentar (acesso a ali-
econômicos e ambientais de lidar com um mentos, por exemplo). Porém, desde o AR4
evento, tendência ou distúrbio perigoso, res- (Quarto Relatório) tem sido notado que a
ponder ou reorganizar-se de modo a manter ocorrência de eventos climáticos extremos
sua função essencial, identidade e estrutura nas principais regiões produtoras leva ao
e, ao mesmo tempo, manter a capacidade de aumento rápido nos preços de alimentos e
adaptação, aprendizado e transformação. cereais, o que indica uma sensibilidade dos

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mercados a esses eventos extremos, entre (confiança alta) – A mudança climática glo-
outros fatores (média confiança). bal natural, em taxas mais lentas do que a
mudança climática antropogênica atual, re-
Mudanças climáticas trazem riscos que exa- sultou em alterações significativas nos ecos-
cerbam outros estressores, apresentando, sistemas e na extinção de espécies durante os
muitas vezes, resultados negativos para os últimos milhões de anos (alta confiança). As
meios de vida, especialmente para as pes- mudanças climáticas atuais estão levando à
soas que vivem em situação de pobreza (alta extinção de algumas espécies (alta confian-
confiança) – Riscos relacionados ao clima ça).
afetam diretamente a vida das pessoas po-
bres, por meio de impactos nas condições Mudanças climáticas contribuem para alte-
de subsistência e nos meios de vida, como rações na vulnerabilidade e diferenças na ex-
nas reduções de colheitas ou pela destruição posição, que são mais diretamente relacio-
de casas; e, indiretamente, por meio de, por nadas a desigualdades multidimensionais
exemplo, aumento dos preços dos alimentos advindas de processos de desenvolvimento
e insegurança alimentar. Ocorrem poucos desigual (confiança muito alta) – Os indi-
efeitos positivos para os pobres e, muitas ve- víduos, que são excluídos em uma ou mais
zes, esses efeitos são indiretos e incluem, por das dimensões econômica, social, cultural,
exemplo, a diversificação das redes sociais e política e institucional ou outras dimensões,
das práticas agrícolas. são especialmente vulneráveis às alterações
climáticas e, também, a algumas respostas
Eventos climáticos extremos revelam a sig- de adaptação e mitigação (evidência média,
nificativa vulnerabilidade e a exposição de alta concordância). No entanto, essa vulne-
alguns ecossistemas (confiança muito alta) rabilidade elevada está ligada, normalmente,
– Ondas de calor, secas, inundações, ciclones a mais de uma causa. Ela é produto da inter-
e incêndios florestais, dentre outros even- seção de processos de desenvolvimento, que
tos climáticos extremos causam impactos a resultam em desigualdades no status socioe-
ecossistemas e sistemas humanos, tais como conômico e de renda, bem como na exposi-
alteração dos ecossistemas, interrupção da ção e que incluem, entre outros, processos
produção de alimentos e do abastecimento sociais tais como a discriminação de gênero,
de água, danos a infraestruturas e assenta- classe, etnia, idade ou alguma deficiência fí-
mentos, morbidade e mortalidade e conse- sica.
quências para a saúde mental e bem-estar
humano. Esses impactos atingem países em Mudanças climáticas trazem pequenos efei-
todos os níveis de desenvolvimento e estão tos à saúde humana, se comparados aos
relacionados a uma significativa falta de pre- efeitos de outros fatores de estresse (média
paro para a variabilidade climática atual. confiança) – Embora não tenha sido clara-
mente quantificado, as mudanças na saúde
Mudança na distribuição geográfica, ati- humana no contexto das mudanças climá-
vidades sazonais, padrões de migração, ticas parecem pequenas. Porém, tem havido
abundância e interações intraespecíficas um aumento da mortalidade relacionada
de espécies terrestres, aquáticas e marinhas ao calor e diminuição da mortalidade rela-

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cionada ao frio em algumas regiões, como É certo que, se todo lançamento de gases de
resultado do aquecimento (média confian- efeito estufa fosse paralisado hoje, suas con-
ça). Também ocorrem mudanças de doenças sequências continuariam a ser sentidas por
transmitidas pela água e vetores de doenças, séculos adiante. Como as condições sistêmi-
em função de alterações locais de temperatu- cas, que determinam o modelo de produção
ra e precipitação (média confiança). capitalista vigente, dificilmente podem ser
alteradas no curto prazo, dificilmente have-
Conflitos violentos aumentam a vulnera- rá melhoras em relação aos efeitos danosos
bilidade às mudanças climáticas (evidên- previstos como consequência das mudanças
cia média, alta concordância) – Conflitos climáticas.
violentos em grande escala prejudicam ati-
vos que facilitam a adaptação, incluindo in- Modelos climáticos estimam o grau no qual
fraestrutura, instituições, recursos naturais e as atividades serão afetadas. Foram criados
oportunidades de subsistência. quatro cenários chamados de RCP (Repre-
sentative Concentration Pathways), ou Cami-
Mudança de precipitação ou derretimen- nhos de Concentração Representativa. Estes
to de neve e gelo (confiança média) – Em são cenários utilizados para fazer projeções
muitas regiões do globo, essas mudanças com base nos fatores considerados e que des-
alteram os sistemas hidrológicos e afetam a crevem diferentes possibilidades de emissões
quantidade e a qualidade dos recursos hí- de GEE, concentrações na atmosfera, emis-
dricos (confiança média). Haverá encolhi- sões de poluição do ar e uso do solo no sé-
mento contínuo de geleiras em quase todo o culo XXI.
mundo (confiança alta), o que deverá afetar
o escoamento de volumes de água a jusan- O clima afeta diretamente a produção
te (confiança média). O permafrost (solo agrícola, mas a agricultura também inter-
congelado de regiões polares e de altitudes fere no clima. Segundo o IPCC (2014),
elevadas) está se aquecendo e descongelando os setores que mais emitem gases de efeito
(confiança alta). estufa são produção de eletricidade e ca-
lor (25%), vindo a agricultura e a silvi-
Esses impactos possuem uma elevada corre- cultura e outros usos da terra com 24%
lação com as mudanças de uso do solo, tanto . Por sua vez, a indústria responde por 21%;
para fins industriais e urbanos, como para o transporte por 14%; edifícios e casas so-
fins agrícolas. mam 6%; e outras fontes de energia, 10%.

Modelos climáticos e aspectos Os RCPs incluem um cenário de mitigação


gerais da agricultura mundial rigoroso (RCP2.6), ou seja, de emissão de
GEE muito baixa; dois cenários intermediá-
Embora seja possível ter um elevado grau de rios (RCP4.5 e RCP6.0) e um cenário com
confiança em relação aos impactos mais es- emissões de GEE muito altas (RCP8.5).
perados, os impactos específicos e seus efeitos Quando se considera a possibilidade de
ecossistêmicos dependem bastante do aque- governos e populações não restringirem
cimento que venha efetivamente a ocorrer. suas emissões, os “caminhos de concentra-

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ção representativa” variam entre RCP6.0 e Em um cenário mais brando, de aumento da


RCP8.5. O RCP2.6 é o melhor cenário con- temperatura da Terra em aproximadamente
siderado e representa as ações que possibi- 2°C em relação aos níveis de temperaturas
litam manter o aquecimento global em até pré-industriais, o que já parece inevitável,
2°C acima das temperaturas pré-industriais. haverá redução de produção agrícola nas
áreas áridas e semiáridas dos trópicos. Serão
O cenário de impacto mais severo é o Re- mais afetadas, negativamente, as regiões do
presentative Concentration Pathways 8.5. Saara e da África subsaariana, o sul e o oeste
(RCP8.5), combinando pressupostos sobre da Ásia, o norte da África, a Índia e partes
uma população mundial grande e cresci- do Andes secos na América Latina, como o
mento de renda relativamente lento, com Equador, o Peru e a Bolívia (SWAMINA-
taxas modestas de mudanças tecnológicas e THAN e KESAVAN, 2012).
de intensidade energética, o que levaria, no
longo prazo, à demanda elevada de energia e É justamente nessas áreas mais secas que
de emissões de GEE na ausência de políticas residem a maior parte dos pobres no mun-
de mudança climática (RIAHI, RAO ET. AL. do, o que implica que as mudanças climáti-
2011). cas terão um efeito profundo no aumento
das desigualdades sociais e, em particular,
Pelo cenário RCP8.5, pode ocorrer um au- nas condições de vida e de sobrevivência de
mento de temperatura de até 4°C até o fi- milhões de pessoas mais pobres. Essas áreas
nal do século, com aumento contínuo até mais secas ocupam cerca de três bilhões de
2100. Esse aquecimento causaria extinção hectares nos países em desenvolvimento e
de cerca de 25% das espécies existentes. Os abrigam 2,5 bilhões de pessoas. Ou seja, as
impactos sobre a agricultura seriam extre- mudanças climáticas devem afetar de forma
mamente severos, posto que, em diversas mais severa 41% da área terrestre e mais de
regiões do planeta, as temperaturas passa- um terço de sua população, sendo que apro-
riam de 40°C, calor acima do qual as plan- ximadamente 16% dessa população vive em
tas deixam de fazer fotossíntese. Os oceanos pobreza crônica e tem problemas de segu-
teriam suas águas acidificadas pela absorção rança alimentar.
de carbono do ar e 40% da vida marinha
morreriam; o nível dos mares subiria cerca Como dito, algumas regiões do globo, no en-
de cinco metros, atingindo cidades e zonas tanto, devem se beneficiar. Territórios de alta
agrícolas costeiras ou abaixo do nível do latitude no hemisfério Norte, hoje gélidas,
mar (NOBRE, 2017). irão observar ganhos de produtividade, por
se tornarem mais quentes. As regiões agríco-
A absorção de CO2 nos continentes afetaria las, que seriam positivamente afetadas pela
plantas, beneficiando, até certo ponto, algu- possibilidade de os solos tornarem-se férteis,
mas que obtêm melhor absorção de carbono em especial para a produção de cereais, se-
e prejudicando outras. Em geral, os solos de- riam o norte dos Estados Unidos, o Canadá,
vem perder a fertilidade, afetando a capacida- a Europa e a Escandinávia, a Federação Russa
de de germinação (EMBRAPA/UNICAMP, e a China (CLINE, 2007). A concentração
2008). de carbono na atmosfera, juntamente com a

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presença de luz solar, garante a fotossíntese sível criar uma compensação financeira pelos
das plantas. Se a concentração de carbono e prejuízos causados pelas mudanças climáti-
o calor aumentam, as plantas tendem a fazer cas, sem que qualquer medida de adaptação
mais fotossíntese e a se desenvolver melhor – seja tomada.
pelo menos até um determinado liminar que
não se conhece completamente. A amplitude, o caráter sistêmico e os “efei-
tos cascata” das mudanças climáticas fazem
Tal possibilidade de obter benefícios pelas com que mitigação e adaptação sejam com-
mudanças climáticas, porém, pode não se plexas, envolvam diversas ações simultâneas
realizar. Regiões terrestres, como a China, e coadunadas, demandando invariavelmen-
que detêm poucos recursos hídricos e que te a ação de políticas públicas dispendiosas.
dependem em alguma escala das águas de Como adendo de complexidade, a política
desgelo, podem aumentar a competição pela pública deverá ser capaz de atender às pe-
água entre usos humanos, atividades indus- culiaridades de impactos diferenciados por
triais, geração de energia, produção agrícola, regiões, como forma de produzir resultados
e dessedentação de animais. justos.

Lidando com sintomas: medidas Além da complexidade própria da ação po-


de mitigação e adaptação lítica, ocorre a complexidade das interações
entre elementos físicos e da natureza e en-
Embora a melhor alternativa seja evitar im- tre esses últimos. Segundo o IPCC (2014),
pactos, a certeza de que mudanças climáticas particularmente nas interseções entre água,
já estão ocorrendo e a possibilidade de elas se energia, uso do solo e biodiversidade ocor-
ampliarem em função das dificuldades de al- rem maiores graus de complexidade, mas as
teração no modo de produção capitalista, traz ferramentas para entender e gerenciar essas
consigo a narrativa das medidas de mitigação interações permanecem limitadas.
e a adaptação aos efeitos já existentes, bem
como aos vindouros. Essas formas de lidar
Exemplos de áreas de ação para mitigação e
com as mudanças climáticas são bastante cri-
adaptação citadas pelo IPCC incluem:
ticadas por aqueles que defendem uma mu-
dança radical no modelo de desenvolvimen- Melhoria da eficiência energética e uso de
to. Pare eles, mitigação e adaptação são como fontes de energia mais limpas;
tratar dos sintomas sem cuidar das causas do
problema. Redução do consumo de energia e água nas
áreas urbanas através de cidades ecológicas e
Por mitigação entende-se a redução dos efei- reciclagem de água;
tos negativos, tanto os existentes como os Aumento da sustentabilidade na agricultu-
previstos. Por adaptação entende-se as medi- ra e na silvicultura; e
das que visam adequar estruturas e práticas
existentes. É possível mitigar sem adaptar, Proteção de ecossistemas para armazena-
mas toda forma de adaptação implica em al- mento de carbono e outros serviços ecossis-
gum grau de mitigação. Por exemplo, é pos- têmicos.

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O RCP8.5 - consequências desaparecer. Haverá insegurança alimentar


para a agricultura e sistemas global e regional, diversas atividades huma-
agroalimentares nas comuns sofrerão restrições e, em alguns
casos, as sociedades não terão alternativas
Existem diversas correlações entre mudanças de adaptação.
climáticas e agricultura, que têm paralelo
com as dimensões de uso e da mudança de Embora seja possível considerar os impac-
uso da terra, de florestas, das águas doces e tos específicos para os sistemas de produção
salgadas, da pesca, da interação com a bio- agrícola e, consequentemente, para a segu-
diversidade e das interações com os sistemas rança e a soberania alimentares, não se deve
produtivos agroalimentares, resultando em perder de vista que a agricultura é interligada
impactos na segurança e na soberania ali- com a produção industrial e com serviços, e
mentares. Essas correlações são exploradas seus produtos são, na quase totalidade, con-
no RCP8.5 e apresentadas a seguir. sumidos em regiões urbanas. Portanto, im-
pactos específicos em cidades podem impli-
A agricultura é altamente sensível ao clima. car em impactos também para a agricultura
Ela é impactada em termos de tendências de e vice-versa. O IPCC fala em impactos “em
longo prazo nas condições médias de pre- cascata”, indo do clima físico até os sistemas
cipitação e temperatura, que determinam a intermediários e depois para as pessoas.
distribuição espacial de culturas alimentares.
Impactos ocorrem também em termos inte- Em um cenário RCP8.5, muitas regiões po-
ranuais, pela variabilidade e ocorrência de dem ficar inabitáveis e haverá grande impac-
secas, inundações, ondas de calor, geadas e to na produção rural, quer pela impossibi-
outros eventos extremos. lidade de manter a produção agrícola, quer
por não haver mais consumidores. Aparen-
São diversas as dimensões interconectadas temente até hoje, a dimensão humana dos
de impacto entre agricultura, gestão dos re- impactos climáticos parece não ter alcança-
cursos naturais e clima, qualquer que seja o do a atenção da sociedade, mas em todo o
RCP. Mesmo que o aumento da temperatura mundo haverá (na verdade, já está havendo)
esteja apenas entre 1°C e 2°C acima dos ní- alterações substanciais nas formas de vida
veis pré-industriais – o que já é praticamente e de produção, tanto nos ambientes rurais
certo que irá ocorrer – diversos sistemas na- como nos urbanos. São mudanças na manei-
turais únicos (ex.: Mata Atlântica) e outros ra como o homem desfruta atualmente da
ameaçados devem sofrer impactos fortes e, vida na Terra e que é resultado de bilhões de
também, devem ocorrer riscos associados a anos de evolução.
eventos climáticos extremos.
Aquilo que produzimos em termos agrícolas,
No entanto, parece inevitável que o aque- na atualidade, é consequência dessa evolução
cimento global venha a superar os 4°C aci- lenta e paulatina, que moldou a biodiversi-
ma dos níveis pré-industriais, o que deve dade como a conhecemos hoje. Fauna e flora
ocorrer por volta de 2100. Nesse cenário, sempre mudaram e muitas espécies animais
diversas espécies da fauna e da flora devem e vegetais que a Terra possuía foram extintas.

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Mas essa foi uma mudança paulatina. O que de dos recursos genéticos. As variedades
se vê, hoje, é uma mudança abrupta das con- endêmicas são menos capazes de se mover
dições climáticas, com a qual a natureza tem e sobreviver à medida que as condições
muito mais dificuldade de lidar do que os ele- agroecológicas mudam. Cerca de 20% dos
mentos construídos – como a infraestrutura e parentes selvagens de culturas de três gran-
os bens industriais. Algumas regiões de maior des culturas (amendoim, feijão e batata)
vulnerabilidade ambiental correm maior ris- devem sofrer ameaça de extinção até 2050
co, como as regiões rurais sensíveis à seca, (JARVIS ET AL., 2008). Sete dos 25 luga-
aquelas de solo frágil e de declividade elevada. res mais críticos com altas concentrações de
espécies endêmicas estão na América Latina
O RCP8.5 mostra um cenário que pode ser e estas áreas estão passando por perda de
catastrófico para a agricultura. Tal aumento habitat (JARVIS ET AL., 2011). Essa di-
de temperatura, combinado com o aumen- mensão é especialmente importante para o
to da demanda por alimentos, representaria Brasil, por ser um dos países de maior bio-
grandes riscos para a segurança alimentar, diversidade no mundo.
globalmente. Considere-se que a população
mundial em 2017 deve ser de aproximada- As áreas rurais, avalia o IPCC (2014), devem
mente 7,5 bilhões e deverá chegar a 11,2 bi- experimentar grandes impactos na disponi-
lhões em 2100. bilidade e oferta de água, segurança alimen-
tar, infraestrutura e renda agrícola, incluindo
Há que, portanto, avaliar riscos. E tal aná- mudanças nas áreas de produção de alimen-
lise precisa considerar que as mudanças cli- tos e culturas não alimentares em todo o
máticas colocam em movimento alterações mundo. O Painel de Mudanças Climáticas
no ambiente natural, que não se estabilizam considera existir alta confiança de que todos
com a mesma rapidez dos elementos causais: os aspectos da segurança alimentar em todo
é possível parar de usar motores a combustão o mundo são potencialmente afetados pelas
e trocá-los pelos elétricos, mas o carbono já mudanças climáticas, incluindo a produção
emitido passará anos afetando a atmosfera. de alimentos, o acesso e o uso, bem como a
Ademais, a estabilização da temperatura mé- estabilidade de preços.
dia global da superfície da Terra não implica
estabilização para todos os aspectos do siste- A segurança alimentar, conforme compreen-
ma climático. Mudanças nos biomas, no car- dida pela FAO (2008), refere-se ao estado no
bono do solo, nas camadas de gelo, nas tem- qual todas as pessoas tenham acesso físico e
peraturas do oceano e no aumento do nível econômico, de forma contínua e estável, a
do mar têm dinâmicas e prazos próprios. Es- uma alimentação que seja suficiente, segura e
sas mudanças, que já estão em andamento, nutritiva, e que atenda às necessidades nutri-
deverão ocorrer por centenas a milhares de cionais e preferências alimentares, de modo
anos, após ocorrer a estabilização da tempe- a propiciar uma vida ativa e saudável. Mais
ratura da superfície global. amplo é o conceito de soberania alimentar,
que coloca as práticas, os conhecimentos tra-
Um caso de risco com consequências des- dicionais e os sistemas locais de produção no
conhecidas é o impacto sobre a diversida- centro do debate – e compreendem que a

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comida não deve ser vista, prioritariamente, lheita e causa pressão de espécies invasoras,
como uma mercadoria. pragas e doenças, além de serem afetadas, da
mesma forma, a capacidade de manejo do
Os conceitos de soberania e segurança ali- solo, a infraestrutura e o transporte.
mentar não são excludentes; mas a ideia de
soberania é mais ampla, e agrega a capacida- Os impactos não serão uniformes nas regiões
de dos povos de escolher sua alimentação à e entre os produtores rurais. Os pequenos
luz das consequências que a produção de ali- produtores devem ter mais dificuldades para
mentos possui para o conjunto das socieda- encontrar alternativas econômicas e tecno-
des, o que traz à tona, de um lado, o aspecto lógicas, e acessar políticas destinadas à mi-
nutricional e, de outro, a compreensão da tigação e adaptação, que, adicionalmente,
alimentação (e da saúde) como um direito podem ter custos proibitivos. Em regiões
das pessoas e uma necessidade de preserva- nas quais a mortalidade diminuiu, como na
ção ambiental (DE SCHUTTER E COR- África rural, o aumento da pressão pelo uso
DES, 2011). da terra e da demanda por comida nas cida-
des aumenta também os conflitos, que atin-
Algumas práticas agrícolas modernas preju- gem os pequenos produtores rurais.
dicam a qualidade do solo através da erosão,
compactação, acidificação e salinização e Dado que os padrões históricos de clima e
reduzem a atividade biológica como resulta- precipitação vão deixar de servir como refe-
do de aplicações de pesticidas e herbicidas, rência, os custos de informação para a gestão
fertilização excessiva e perda de matéria or- da produção rural devem subir e tornar-se
gânica. Além de contribuírem fortemente (ainda mais) proibitivos ao pequeno produ-
para as mudanças climáticas, também cau- tor. Também deve subir o custo de uso da
sam impactos afetando de modo negativo água, que se tornará mais escassa.
os padrões de exclusão social no campo e na
relação campo-cidade, afetam a qualidade da As contribuições do setor agrícola para as
comida, o tipo de dieta, e o direito dos po- mudanças climáticas são estimadas pela
vos de manterem suas tradições alimentares FAO (2014) em nove setores da agricultura
(BELLO, 2012). e quatro de usos florestais e outros setores.
Os relativos à agricultura, apontados pela
Esse tipo de agricultura das corporações agência, são os seguintes:
privadas, que solapa a segurança e a sobe- Fermentação entérica – o sistema digestivo
rania alimentar, é responsável pelo consumo de ruminantes gera gás metano (CH4); uma
de cerca de 70% da água doce existente no contribuição menor é feita por não rumi-
mundo, em rios e aquíferos. Considerando nantes.
que 20% dessa água é compartilhada por
Estrume – O uso de estrume emite nitro-
ao menos dois países, deverá haver aumento gênio (N).
nas disputas internacionais e conflitos pelo
recurso (DE STEFANO ET AL., 2017). Be- Cultivo de arroz – Geram gás metano
ddington et al. (2012) destacam que a alte- (CH4).
ração climática afeta também perdas pós-co- Fertilizantes sintéticos, resíduos de culturas

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e cultivos em solos orgânicos – – Emitem de e com elevado teor de gordura. De um lado,


forma direta e indireta óxido nitroso (N2O). os famintos são desnutridos e, de outro, há
Queima de cerrados (savanas) e de resíduos pessoas alimentadas e cada vez mais obesas e,
de colheitas – Lançam gases CH4 e N2O. muitas vezes, subnutridas.

Uso de energia na agricultura – As emissões Cada vez mais, busca-se o consumo de pro-
provenientes do consumo de energia consis- teína animal e o crescimento de pastagens
tem em gases de dióxido de carbono, meta- para rebanho bovino, com forte impacto em
no e óxido nitroso associados à combustão desmatamento e na concentração fundiária.
direta de combustível e geração de eletricida- De outro lado, a demanda por cereais deve
de para agricultura, incluindo pescas, como aumentar em 70% até 2050 e duplicará em
também estimativas de energia utilizada em muitos países de baixa renda, o que pressio-
máquinas, irrigação elétrica e embarcações nará pelo aumento de grandes áreas de mo-
de pesca. nocultura (OXFAM, 2016).

Correlações com a segurança e a Como resultado da baixa prioridade conferida


soberania alimentar à agricultura camponesa e familiar e pelo cres-
cimento do modelo de agricultura corporati-
Do ponto de vista da segurança e da sobe- va, em todo o mundo, ocorre forte tendên-
rania alimentar e nutricional, as mudanças cia monopolista em todos os elos da cadeia
climáticas relacionam-se com um modelo produtiva agroalimentar, da terra à prateleira
de produção agroalimentar marcado pela do supermercado. Essas empresas agroindus-
forte presença de um regime corporativo, triais mesclam investimentos em mercados
com clara redução da atividade de pequenos financeiros e em moedas, de tal forma a gerar
produtores rurais – camponeses que pro- volatilidade nos preços agrícolas e na valori-
duzem para o autoconsumo e produtores zação da terra que, muitas vezes, tem seu uso
da agricultura familiar ligada aos mercados destinado à produção de combustíveis. Cus-
consumidores – em benefício de uma pro- tos de merchandising e publicidade ajudam a
dução em larga escala ligada ao agronegócio elevar os preços dos alimentos industrializados
alimentar e exportador. (MAGDOFF E TOKAR, 2010).

Esse modelo agroalimentar resultou, atual- Esse modelo traz diversos problemas rela-
mente, em cerca de um bilhão de pessoas cionados a cadeias de alimentos, incluindo
no mundo que passam fome. São vítimas o fato de que diversos países produzem para
de um sistema agroalimentar que destina exportar ou para produzir agrocombustíveis
recursos e conhecimentos ligados a finan- destinados a abastecer carros e não para o
ciamento, tecnologia, assistência técnica e consumo de sua própria população (HOU-
extensão rural (Ater) e infraestrutura para a TART, 2010). A pesquisa e o desenvolvi-
agricultura corporativa vinculada às cadeias mento na agricultura, feitos principalmente
regionais e globais do agronegócio. Produz por empresas privadas e por alguns gover-
alimentos industrializados, processados e ul- nos, estão direcionados à grande agricultura
traprocessados, com baixo valor nutricional e às empresas agroalimentares.

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De Schutter e Cordes (2011) notam que, modelo foi apresentado por diversas organi-
cada vez mais, as regiões produtoras locali- zações camponesas internacionais reunidas
zam-se distantes dos consumidores, aumen- no Fórum Internacional de Soberania Ali-
tando o custo do transporte e a perda. Há, mentar, realizado no Mali, em 2007, cha-
também, elevado desperdício no consumo e, mado de fórum de Nyéléni, em homenagem
muitas vezes, na produção. Como a necessi- a uma camponesa. As resoluções do fórum
dade de alimentos aumenta em um mundo estão registradas no documento Forum for
onde a desigualdade social persiste e o con- Food Sovereignty - Nyéléni 2007 (NYÉLÉ-
sumo de proteína animal ainda é baixo, será NI, 2007) e estabelecem os seis pilares da
difícil conter as emissões de GEE da agro- soberania alimentar.
pecuária, a não ser pela redução do desma-
tamento e queima de florestas, de forma a De forma resumida, esses pilares podem ser
aumentar a locação dos pastos (quantidade interpretados como: colocar as pessoas no
de cabeças por hectare). centro das políticas de alimentos; respeitar,
valorizar e garantir a sobrevivência dos cam-
Nesse modelo, entende-se que a segurança poneses e pequenos agricultores familiares;
alimentar é propiciada pelos mercados. Ou aproximar os fornecedores de alimentos e
seja, mesmo que não exista produção local, os consumidores; propiciar o controle local,
a segurança alimentar seria garantida pelos os valores e direitos das populações locais
produtos disponíveis para compra. Obvia- nos sistemas agroalimentares; fazer uso dos
mente, os custos de transporte e as emissões
conhecimentos e habilidades locais, trans-
de GEE associadas não são consideradas nes-
mitindo esse conhecimento para as futuras
sa equação. O processamento e a refrigera-
gerações.
ção constituem fontes adicionais de emissões
de GEE.
Trata-se de uma visão que compreende a
Segundo Bebbington et al. (2011), entre agricultura como um sistema de produção
1961 e 2003, o comércio mundial de alimen- associado a formas de vida, a valores, e à
tos aumentou de 1500 Gkcal/dia para mais integração dos sistemas produtivos com sa-
de 7000 Gkcal/dia. Os países da América beres tradicionais que formam a base de
Latina e os da Organização de Cooperação e um modelo produtivo, que se realiza com
Desenvolvimento Econômicos (OCDE) são a natureza e não apesar da natureza – como
exportadores líquidos de calorias alimenta- ocorre no atual modelo agroalimentar cor-
res, enquanto a Ásia, a África e o Oriente porativo, no qual a produção de alimentos
Médio são regiões importadoras líquidas. segue padrões de lucro e rentabilidade das
corporações, que se remuneram pela ven-
De outro lado está o modelo que entende a da de alimentos e de produtos e serviços a
alimentação como uma forma de viver e de eles associados, incluindo serviços financei-
produzir com sustentabilidade. De fato, para ros (De PAULA, SANTOS E PEREIRA,
aprofundar a ideia de segurança alimentar e 2015), de tal forma que a comida, em si, é
enquadrá-la na perspectiva de autodetermi- apenas um elemento em uma ampla cadeia
nação dos povos e soberania das nações, tal de formação de renda.

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Mudanças climáticas, agricultura e brasileiro, porém em escala menor do que


segurança alimentar no Brasil aquele sugerido pelo modelo global. Devem
ocorrer alterações nos regimes pluviométri-
Em 2013, cientistas brasileiros apresenta- cos, tanto com aumento de chuva, como com
ram o Modelo Brasileiro do Sistema Terres- diminuição. A região a ser mais afetada pela
tre (BESM, ou Brazilian Earth System Mo- seca será o Nordeste, onde reside cerca de
del), um modelo baseado em um conjunto 35% da população brasileira, mas estão con-
de programas computacionais que acopla os centrados apenas 4% dos recursos hídricos.
componentes de superfície continental, ocea- O rio São Francisco será o mais atingido no
no, atmosfera e química globais, com foco no país, podendo chegar a uma “redução drástica
Brasil. A iniciativa reuniu pesquisadores de na descarga” (MARENGO, TOMASELLA
diversas instituições brasileiras e estrangeiras, e NOBRE, 2017). Os autores apontam que
integrantes do Programa FAPESP de Pesqui- não apenas na bacia do São Francisco, mas em
sa em Mudanças Climáticas Globais, da Rede todo o país, são necessárias e urgentes ações
Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáti- de adaptação e mitigação em relação às águas.
cas Globais (Rede Clima) e do Instituto Na-
cional de Ciência e Tecnologia sobre Mudan- As imagens a seguir são resultado da mode-
ças Climáticas (INCT-MC). lagem do BESM e mostram a tendência de
extremos pluviométricos para 2050, em ali-
O objetivo de desenvolver um modelo no nhamento com o modelo RCP8.5, e a ten-
Brasil e para o Brasil residiu no intuito de dência de extremos de temperatura, também
gerar cenários de mudanças climáticas com em alinhamento com o modelo RCP8.5.
perspectiva brasileira. A perspectiva local é
dada pela incorporação da formação de nu- A figura 1 mostra a redução no regime de
vens, da dinâmica da vegetação e do conheci- chuvas atingindo parte significativa do Nor-
mento criado no país em relação à influência deste. A região próxima ao litoral do Nor-
dos biomas brasileiros sobre o clima global. deste deverá ser a mais afetada no Brasil, em
O BESM permite uma visão mais detalhada especial o sul da Bahia. Um território com-
de queimadas e do desmatamento, em es- preendendo desde o Rio de Janeiro até o Rio
pecial na Amazônia, gerando cenários com Grande do Norte, adentrando nos estados de
resolução de 10 a 50 quilômetros (NOBRE, Minas Gerais, Goiás (norte do estado), sul
2013). O modelo irá ajudar na predição de do Tocantins e Pantanal, deverá ter redução
mudanças ambientais regionais e globais, de chuvas. Em várias regiões da Amazônia e
que poderão ocorrer nas próximas décadas. da Caatinga, a redução de chuvas poderá ser
O BESM faz parte da Earth System Grid Fe- de até 40%.
deration (ESGF), um sistema colaborativo
“peer-to-peer” (P2P) que reúne os principais São esperados aumentos de chuva nas áreas
laboratórios climáticos do mundo. coloridas do verde escuro ao laranja – mos-
trando um aumento significativo de chuvas
A partir do cenário RCP8.5, o BESM apre- nos pampas. Para as demais áreas do Brasil,
sentou como resultados iniciais um aumento a confiabilidade das projeções ainda é me-
significativo de temperatura para o território nor, mas há indícios de que pode aumentar a

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chuva em porções da Mata Atlântica do Sul deverá ter, de uma maneira geral em todo seu
e do Sudeste. Esse aumento é positivo em território, mais dias com chuva consecutivos
termos de disponibilidade de água, mas deve e mais dias com seca consecutivos (Nobre,
gerar inundações e deslizamentos, requeren- 2017). Ou seja, deverá haver aumento na
do grandes investimentos em infraestrutura. severidade das condições climáticas, poden-
O aumento do nível dos oceanos deve atin- do ocorrer tanto inundações, como falta de
gir a maior parte das capitais do Brasil locali- água, ambos com impactos significativos na
zadas no litoral, além de várias cidades. infraestrutura e na geração de eletricidade.
Note-se que a infraestrutura das zonas rurais
A figura 2 apresenta a variação de tempera- descampadas possui maior vulnerabilidade
tura, com aumento em praticamente todo o aos impactos climáticos, em especial pela
país: em 2100 a temperatura deverá ser de ocorrência de ventos fortes.
3ºC a 6ºC mais elevada do que no final do
século XX. A região leste de Minas Gerais e Para lidar com o cenário de mudanças climá-
o sul da Bahia serão os mais afetados pelo ticas, o Brasil instituiu, por meio da Lei nº
calor. Também haverá aumento de tempera- 12.187 de 2009, a Política Nacional sobre a
tura em toda a região amazônica, especial- Mudança do Clima (PNMC). Ela estabelece
mente nos estados do Pará e Mato Grosso, o compromisso nacional voluntário de ado-
bem como no meio-sul da Bahia. ção de ações de mitigação, com o objetivo de
reduzir as emissões de gases de efeito estufa
Talvez a implicação mais significativa das des- (GEE) do país entre 36,1% e 38,9% em re-
cobertas, até o momento, seja de que o país lação às emissões projetadas até 2020.

Figura 1 - Alterações Pluviométricas, Figura 2 - Alterações na Temperatura,


BESM/RCP8.5 - 2050 BESM/RCP8.5 - 205

BESM2.3.1 2050 pmax CHANGE exp: CMP045 BESM2.3.1 2050 tmax CHANGE exp: CMP045

EQ 70 EQ

60
5S 5S 6
50
5
40
10S 10S 4
30
3
20
15S 15S 2
10
1
-10
20S 20S
-1
-20
-2
25S -30 25S
-40

30S 30S

75W 70W 65W 60W 55W 50W 45W 40W 35W 75W 70W 65W 60W 55W 50W 45W 40W 35W

Fonte: NOBRE, 2014 Fonte: NOBRE, 2014

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A regulamentação da PNMC ocorreu em com remoções e 58,7% sem remoções. O


2010, por meio do Decreto 7.390, no qual conceito de remoções refere-se a situações
se projeta que as emissões de gases de efei- nas quais existe crescimento da vegetação,
to estufa para 2020 (com equivalência para o que resulta na transformação de CO2 em
CO2) devam estar em 3,236 Gt CO2e (gi- carbono fixado e na consequente liberação
gatoneladas de CO2-equivalente, sendo que de oxigênio por fotossíntese. A metodologia
1 Gt equivale a 1 bilhão de toneladas). As- adotada segue os critérios do IPCC e faz a
sim, estima-se que a redução corresponden- contabilização de remoções de CO2 apenas
te aos percentuais estabelecidos encontra-se das áreas nas quais existe interferência hu-
entre 1,168 Gt CO2e e 1,259 Gt CO2e, res- mana (MCTI, 2016).
pectivamente, para o 2020. A elaboração das
estimativas de emissão e o acompanhamen- Portanto, dois fatos são importantes: o pri-
to dos dados são de responsabilidade do Mi- meiro é a redução do desmatamento na
nistério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Amazônia e o aumento de áreas de reflores-
Comunicações (MCTI). tamento. Dados do MCTI (2016) sobre a
contribuição dos biomas para emissões líqui-
As atuais estimativas brasileiras de emissão das de CO2, em 2014, indicam que o bio-
de GEE foram apresentados pelo MCTI, em ma na Amazônia apresentou uma redução
2016, para os diversos setores da atividade eco- de 12%, diante de um crescimento de 45%
nômica em relação às emissões de GEE (CO- no cerrado, 62% na Mata Atlântica, 6% no
2-equivalente) entre os anos de 1990 e 2014. Pantanal e uma pequena redução de 2% na
A maior contribuição decorre da mudança de Caatinga. O segundo fato notável é que a
uso da terra e florestas, que foi também o se- vegetação de cerrado no Brasil, em especial
tor que apresentou maior redução, em função no Centro-Oeste, está sendo completamen-
da queda no desmatamento e de queimadas te destruída e ali implantada a agricultura de
na região amazônica. Destaca-se que a contri- monocultura do modelo corporativo. Como
buição de emissões oriundas diretamente da é no cerrado que nascem as principais águas
pecuária é pequena, porém cresceu paulatina- das bacias hidrográficas brasileiras, os im-
mente desde 1990 e, no atual momento de pactos para o fornecimento de água no Bra-
redução da atividade econômica, possui di- sil deverão ser sentidos em breve.
mensão comparável às emissões dos processos
industriais. Os dados mostram que, no setor A agricultura deverá ser o setor mais afeta-
de energia, as emissões continuaram a crescer do, mesmo que a quantidade de chuva fi-
entre 2005 e 2014, mesmo após o período de que inalterada (PBMC, 2013). Isso porque
“pico” do crescimento econômico no Brasil, a disponibilidade de umidade no solo deve
em 2010. Também com crescimento contí- diminuir, em consequência da elevação da
nuo nesse período foi o setor de tratamento temperatura média anual, o que intensifica a
de resíduos. evapotranspiração e afeta a produção agríco-
la, especialmente onde já existe pouca água.
É notável a variação na mudança do uso da No Nordeste do país, as culturas de milho,
terra e florestas causada pela formação de pas- arroz, feijão, algodão e mandioca deverão ser
tos para a pecuária, com redução de 81,7% severamente afetadas (MARENGO, 2006),

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ao mesmo tempo em que diversas áreas da Políticas e programas para as


região devem sofrer um processo de deser- mudanças climáticas
tificação. Estima-se que o Nordeste passará
por um novo movimento migratório das Há duas décadas, desde o Protocolo de Kyo-
áreas rurais para as urbanas, e para fora da to de 1997, o Brasil tem mostrado protago-
região, agravando problemas de doenças e nismo em políticas públicas relativas ao cli-
de infraestrutura (habitação, escola, saúde, ma, em especial pelo controle de emissões
transporte e saneamento). – o que se deu sobretudo pela redução do
desmatamento na Amazônia. Também foi
De um modo geral, irão ocorrer perdas agrí- relevante a contribuição do país à criação do
colas em todo o país, quer por aumento ou mercado de carbono, e à política de Redução
diminuição de chuvas, associadas ao aumen- das Emissões por Desmatamento e Degra-
to de temperatura. Uma das principais ava- dação Florestal (REDD), particularmente as
liações da extensão dos impactos climáticos ações que incluem a conservação florestal, o
na agricultura foi apresentada pelo MCTI manejo florestal sustentável e o aumento dos
no estudo “Modelagem Climática e Vulne- estoques de carbono em áreas de floresta,
rabilidades Sociais à Mudança do Clima no chamados de REDD+.
Brasil” (MCTI, 2016A). As conclusões da
pesquisa indicam que é forte a tendência de O compromisso brasileiro de redução de
que ocorram, com mais frequência, dias com emissões prevê que até 2030, o Brasil deva
temperaturas superiores a 34°C nos próxi- reduzir em 43% as emissões de carbono em
mos anos. relação a 2005. Um objetivo intermediário
foi estabelecido para até 2025, quando o país
Tal temperatura deve levar ao abortamento
já deverá ter cortado 37% das emissões de
de flores de café e feijão, resultar na morte
todas as fontes. Para o setor de Agricultura,
em frangos, abortamentos em porcas e redu-
Florestas e Usos do Solo (Afolu), os valores
ção da produção de leite. Se a temperatura
de mitigação correspondem a 11 MtCO2e,
continuar a subir nas atuais taxas de 0,3°C
em 2025, e a 157 MtCO2e, em 2030. Para
por década, deve haver redução de 90% na
atingir esse objetivo, serão necessárias me-
produção de milho safrinha e de 80% na
didas direcionadas a expandir o plantio de
produção de soja e, ainda, afetar as cultu-
ras de arroz, feijão, milho e trigo (MCTI, florestas comerciais, ampliar os sistemas
2016A). O aquecimento também provoca integrados de cultivo e plantio direto, bem
problemas fitossanitários, deve afetar a forma como o aporte de nitrogênio via fertilização
como pragas e plantas invasoras se prolife- biológica, além de continuar a redução do
ram (GHINI, 2006; HAMADA E GHINI, desmatamento, ao mesmo tempo em que
2017) e afetar a saúde humana. Um clima devem ser ampliadas as ações de restauração
mais quente também afeta a reprodução de florestal e de confinamento na bovinocultu-
fungos e bactérias, que podem comprometer ra de corte.
estoques de alimentos em sistemas de arma-
zenamentos, que não foram projetados para Essas medidas fazem parte do chamado
temperaturas mais elevadas. “Acordo de Paris”, tratado assinado no âmbi-

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to da Convenção-Quadro das Nações Uni- das principais instituições públicas do Siste-


das sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, ma Financeiro Nacional. O decreto também
sigla em inglês). O acordo foi aprovado du- prevê a participação de representantes de en-
rante a Conferência das Partes (COP-21), tidades do terceiro setor, do setor empresarial
na cidade de Paris, em dezembro de 2015. e do setor científico-acadêmico, que não são
O Brasil depositou o instrumento de ra- especificados. Desta forma, o mapeamento
tificação do acordo em setembro de 2016, das iniciativas públicas, que guardam relação
quando assumiu o compromisso de adotar direta e indireta com a interface entre mu-
medidas para redução de emissão de gases danças climáticas e produção rural, torna-se
por meio da Contribuição Nacionalmente bastante difícil.
Determinada (NDC), de 43% em 2030.
De qualquer forma, é na pasta da Agricul-
No início do governo de Michel Temer, em tura na qual se concentram as ações, que
maio de 2016, foi extinto o Ministério do guardam relação direta entre clima e pro-
Desenvolvimento Agrário (MDS), cuja es- dução rural. As metas aceitas pelo Brasil no
trutura e programas passaram a fazer par- Acordo de Paris, em 2015, já faziam parte da
te do Ministério da Agricultura, Pecuária agenda pública brasileira desde 2012, quan-
e Abastecimento (Mapa). Dessa forma, os do foi criado o Plano Setorial de Mitigação
programas da área rural – tanto para a pe- e de Adaptação às Mudanças Climáticas
quena como para a grande propriedade rural para a Consolidação de uma Economia de
– relativos às mudanças climáticas encon- Baixa Emissão de Carbono na Agricultura,
tram-se, atualmente, alocados no Mapa. também chamado de “Plano ABC”, para a
implementação de uma agricultura de baixa
Há programas em diversos outros minis- emissão de carbono (MAPA, 2012).
térios que possuem relação direta ou indi-
reta com mudanças climáticas e/ou com a Ao todo, o plano visa intervir em 35,5 mi-
segurança alimentar. Pode-se compreender lhões de hectares, sendo que o reflorestamen-
a complexidade da ação institucional fede- to com finalidades ambientais deve atingir 12
ral, bem como nas unidades subfederativas, milhões de hectares, conforme compromisso
por meio das entidades que fazem parte do assumido pelo Brasil em 2012, no chama-
Fórum Brasileiro de Mudança do Clima do Desafio de Bonn. Além de intervenções
(FBMC), instituído pelo Decreto Presiden- diretamente relacionadas à agricultura, di-
cial Nº 9.082 de 26 de junho de 2017. versos planos setoriais têm ação direta sobre
mudanças climáticas, nas áreas ambiental,
São membros do FBMC, na qualidade de de energia, na indústria, na mineração, no
representantes do setor público, 14 minis- transporte, na saúde e na siderurgia.
tros de estado, os principais dirigentes de 13
instituições públicas e autarquias, além de Considerações finais: um outro
representantes do Legislativo, todos os go- caminho?
vernadores dos estados e do Distrito Federal,
prefeitos de todas as capitais, e presidentes A alimentação é condição básica da exis-

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tência humana e possui relação direta com das plantas às mudanças climáticas, man-
a configuração socioeconômica, cultural e tendo ou ampliando a capacidade produtiva
política das sociedades e seu uso do territó- por meio de um rol de ações, dentre as quais
rio. É certo que a atividade agrícola possui aquelas sugeridas pela Embrapa/Unicamp
inter-relações fortes com o clima: ao mesmo (2008) servem de exemplo: integração pas-
tempo que causa mudanças climáticas, por tagem-lavoura; sistemas florestais; plantio
elas é afetada. Mas essas inter-relações preci- direto; arborização de cafezais; convivên-
sam ser compreendidas para além de aspec- cia com a seca; e melhoramento genético e
tos técnicos e devem levar em consideração transgenia.
que o modelo de agricultura, que de fato
impacta o clima, é o da agricultura capitalis- Essas opções representam alternativas que
ta, intensiva no uso de capital e de recursos vão de um perfil mais ecológico (como a inte-
naturais. Ela traz consigo enormes impactos gração pastagem-lavoura e o plantio direto),
para as sociedades. até a aplicação de novas técnicas de trans-
genia – o que parece ser a rota preferida do
As mudanças climáticas parecem ser um gri- agronegócio. Por meio do desenvolvimento
to de alerta dos ecossistemas terrestres pela de estudos de transgênicos de segunda gera-
violência que sofrem no modo de explora- ção, essa rota busca adaptar soja, milho, fei-
ção do capitalismo contemporâneo. O pa- jão, café, mandioca e algumas frutas a altas
drão monopolista desse desenvolvimento ca- temperaturas e ao déficit hídrico.
pitalista traz implicações severas para o uso
do solo e de todos os recursos naturais. O A estratégia da transgenia para as mudanças
uso de químicos, o desmatamento e as die- climáticas, segundo pesquisas da Empresa
tas, baseadas em larga escala no consumo de Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Em-
proteína animal, levam à emissão de GEE, brapa, é a de identificar plantas naturais da
formando um ciclo autodestrutivo. flora brasileira que têm elevada resistência
ao clima seco e quente, delas retirar genes
Diante desse cenário, a agricultura capita- para inseri-los nas espécies produtivas, tor-
lista, atendendo às demandas corporativas, nando-as mais resistentes às mudanças cli-
propõe como “solução” uma receita que é máticas. Exemplo de espécies já identificadas
“mais do mesmo”: no lugar de recuperar as são pau-terra da folha grande, pau-terra da
condições naturais e fazer um novo modelo folha miúda, pacari, faveiro e sucupira preta
de agricultura, propõe-se a adaptar a natu- (IICA, 2008).
reza às mudanças que foram impostas a ela.
Em outra dimensão e escala, encontra-se a
Essa é a narrativa e o caminho da adequação proposta de alterar o conteúdo, o modelo
tecnológica e do uso de transgênicos, um ca- e as práticas da agricultura. Por essa visão,
minho que visa manter a estrutura do mode- a resposta adequada às mudanças climáti-
lo agrícola existente, mas sem modificar suas cas ocorreria pelo retorno a um modelo de
bases de funcionamento. Busca-se encontrar agricultura, que respeite as dinâmicas ecos-
novas tecnologias, que alterem a resistência sistêmicas naturais e se aproveite delas. Seria

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uma agricultura com a natureza, e não uma cologia e Produção Orgânica (Planapo,
agricultura apesar da natureza. 2016-2019), que compreende que as ações
destinadas à disseminação de tecnologias
Nesse campo, os modelos de agricultura or- sustentáveis de manejo da água, do solo e
gânica e de sistemas agroecológicos repre- das florestas, aliadas a práticas de produção
sentam duas alternativas compatíveis com primária e à regularização ambiental, são al-
formas de produção, que possuem baixa ternativas sustentáveis de adaptação às mu-
emissão de GEE e que produzem produtos danças climáticas (MDS, 2016).
in natura ou processados isentos de conta-
minantes. Eles são obtidos em sistemas or- Infelizmente, os recursos financeiros oficiais
gânicos de produção agropecuária ou prove- e as ações públicas de assistência técnica e
nientes de processo extrativista sustentável extensão rural são escassos e deficientes. Re-
e não prejudicial ao ecossistema local, com fletem a baixa prioridade que um modelo de
atenção à reciclagem e às boas práticas de agricultura chamado de “alternativo” recebe
manuseio e processamento. dos órgãos oficiais. Um desafio é fazer com
que os sistemas produtivos agroecológicos
Nos dois casos são permitidos alguns insu- e orgânicos encontrem escala de produção.
mos químicos, chamados de produtos fitos- Existem experiências bem-sucedidas, reali-
sanitários ou químicos de baixo impacto, zadas por agricultores vinculados ao Movi-
definidos pelo Mapa como “produtos fitos-
mento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
sanitários com uso aprovado para a agricul-
(MST) em diversas regiões do pais. No Sul,
tura orgânica”. De preferência, buscam uti-
em Minas Gerais e em São Paulo, existem
lizar apenas produtos naturais. O fato é que,
sistemas produtivos agroindustrializados,
em sistemas produtivos nos quais procura-se
com experiência de grande escala. O MST é
preservar a diversidade biológica dos ecossis-
hoje o maior produtor de arroz orgânico da
temas naturais, bem como na recomposição
América Latina. Também existe a experiên-
ou incremento da diversidade biológica dos
cia de produção agroecológica em um mo-
ecossistemas modificados, não apenas ocorre
delo empresarial capitalista, como o desen-
menor emissão de GEE, mas a qualidade dos
volvido na Fazenda da Toca, em São Paulo.
solos e das águas é mantida ou melhorada.
No entanto, o contexto que informa a pro-
A agricultura agroecológica busca, além de
dução agrícola capitalista também informa
uma produção verdadeiramente sustentável,
a indústria, o sistema financeiro e os modos
modificar as relações sociais de produção nas
de vida. Mesmo que houvesse uma mudan-
quais se assenta. Há preocupação com as re-
lações de trabalho, que devem ser baseadas ça no modo de produção agrícola em todo
em parâmetros claros de justiça, dignidade o mundo, optando-se pela agroecologia em
e equidade, independentemente das formas sistemas produtivos locais, por exemplo, di-
de contrato de trabalho. ficilmente haveria alteração rápida na traje-
tória das mudanças climáticas; para isso é
O governo brasileiro está implementando necessário alterar o modo de produção do
a segunda fase do Plano Nacional de Agroe- capitalismo. No ponto em que estamos, esse

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já é o cenário que se avizinha, um cenário de


desastres.

Isso não significa que não há o que ser feito.


Ao contrário, é justamente porque muitos
impactos das mudanças climáticas já são ine-
vitáveis, que se torna ainda mais premente
alterar as formas de produção da agricultura
para que ela se torne sustentável, garantindo
a soberania e a segurança alimentar. E o me-
lhor caminho deve ser aquele que muda as
causas-raiz do problema, com alteração no
modo de produção e não aquele que se con-
tenta com medidas paliativas de mitigação e
adaptação.

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Autores Responsável

Olympio Barbanti Jr. é doutor em Políticas So- Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil


ciais pela London School of Economics and Politi- Av. Paulista, 2001 - 13° andar, conj. 1313
cal Science (LSE), é professor do curso de Rela- 01311-931 I São Paulo I SP I Brasil
ções Internacionais da Universidade Federal do www.fes.org.br
ABC (UFABC), onde é coordenador do Núcleo de
Estudos Estratégicos sobre Democracia, Desen-
volvimento e Sustentabilidade (NEEDDS). Ministra,
entre outras, a disciplina Economia Política da Se-
gurança Alimentar Global.

Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva o
nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está com-
prometida com o ideário da Democracia Social. No Brasil a FES atua desde 1976. Os objetivos de
sua atuação são a consolidação e o aprofundamento da democracia, o fomento de uma economia
ambientalmente e socialmente sustentável, o fortalecimento de políticas orientadas na inclusão e
justiça social e o apoio de políticas de paz e segurança democrática.

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