Você está na página 1de 3

Beyond the Sea

Em uma versão de 1969 alternativa, onde a tecnologia é se desenvolveu de


forma diferente do que no nosso mundo, dois astronautas, Cliff Stanfield (Aaron
Paul) e David Ross (Josh Hartnett) são enviados ao espaço pela NASA, com a
missão experimental de viagem até os limites do nosso sistema solar, e, como
alguns dos outros episódios da série Black Mirror costumam trazer como o foco, os
desdobramentos tecnológicos da narrativa deste episódio são apenas acessórios
para discussão do impacto da tecnologia na história desses personagens em
específico, servindo como auxilio e não como foco, onde a NASA cria réplicas de
cada um dos dois astronautas, em corpos não biológico. Réplicas que podem ser
acessadas de dentro da nave no espaço, e que fazem com que cada um possa
interagir com sua família e sua vida na terra.

Um dos pontos que o episódio frisa logo de início é a importância da


disseminação de informações acerca desta tecnologia, os astronautas se tornam
extremamente conhecidos pelo mundo e esse impacto é o que influencia no
cotidiano destes dois personagens que pouco têm em comum que não o seu
trabalho. A “fama” causada pela proliferação de notícias sobre a tecnologia das
réplicas causa interações gradativamente mais estranhas na vida de David, mais
impactado por morar na na zona urbana, e que culmina na cena onde ele, ao voltar
do trabalho na nave, se depara com pessoas de um culto que proclamam que o
corpo não-biológico de David é uma afronta à natureza, e matam a esposa e os
filhos dele assim como destroem sua réplica. David observa todo esse horror e fica
se vê tendo que ficar mais 4 anos preso numa nave minúscula com estas imagens
atormentadoras.

Cliff e sua esposa Lana (Kate Mara) ficam sabendo do ocorrido e, apesar de
Cliff e David serem pessoas bem diferentes, ele relutantemente concorda que, para
que a sanidade de David se mantenha nos próximos anos, ele possa utilizar a
réplica de Cliff na terra. A distinção entre os dois astronautas, que passa desde a
maneira como se relacionam com suas esposas até o seu nível de sofisticação, é
chave para a discussão que circunda o episódio sobre a troca de identidade dos
dois, onde as diferenças entre eles são o que deslocam a o foco do episódio.
David na réplica de Cliff faz um desenho da casa de Cliff e Lana, o que
incentiva Cliff a permitir que David utilize sua réṕlica para fazer pinturas em sua
própria. A réplica agora habitada por duas mentes agora interagem com Lana
alternadamente, aproximando a discussão do episódio sobre troca e roubo de
identidade. Esta troca constante faz com que David se aproxime de Lana, e nisto,
com que inevitavelmente este conflito entre ele e Cliff se tensione, chegando no
ponto máximo onde Cliff proíbe David de utilizar sua réplica.

É possível perceber que a tecnologia deste episódio é só uma analogia às


tecnologias que nós já temos, principalmente se notarmos como nossas identidades
inteiras podem e usualmente estão associadas à alguma tecnologia, alguma rede
social, alguma imagem pública. Se pensarmos na clonagem de número de celular e
golpes pelo whatsapp, por exemplo, podemos nos deparar com situações análogas
à esta.

Quando David elabora seu plano para assassinar a família de Cliff, ele se vê
como alguém completamente incompreendido e que esta seria a única maneira de
alguém conseguir entender o que ele passou, seu trauma faz com que ele tenha
ficado extremamente perturbado, e do ponto de vista de David, Cliff não valorizava a
própria família o que para ele parece ter sido motivo o suficiente para causar o
mesmo mal que sofreu para Cliff. A cena final com Cliff voltando para a nave
encarando David que puxa uma cadeira para ele sentar diz sobre o instinto final de
sobrevivência naquele ambiente onde só os dois existem, dado que a nave não
poderia terminar toda a sua viagem sem que os dois estivessem ali, e implica que
agora existe uma “cumplicidade” entre os dois já que passaram por situações
similares.

É Inteligente, a maneira como a tecnologia é abordada, a recepção das


pessoas ao se deparar com este tipo de tecnologia é algo que condiz muito com a
realidade atual, ainda mais se levarmos em conta progressos tecnológicos
pequenos como o uso de máscara durante uma pandemia, ou a dificuldade em
aceitação do desenvolvimento de uma vacina que é substituída por uma aceitação
de que o vírus deve ser entendido como um castigo divino
A discussão do episódio ainda tateia um pouco sobre a segurança de dados,
com o mau uso das réplicas, visto que o crachá pode ser usado por qualquer
pessoa mesmo quando o Cliff não queria que David usasse. Penso que a
divulgação da ferramenta das réplicas foi o que causou impactos e que, tendo sido
manejada de uma forma melhor, talvez não tivessem causado a tragédia com a
família de David. Em geral, o episódio com seus 80 minutos foca em sua história e
utiliza a tecnologia para contá-la, tentando responder perguntas sobre o que divide o
ser humano e o que o corrompe.

Você também pode gostar