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ENSINO SECUNDÁRIO | CURSOS PROFISSIONAIS 2020/21

AULA DE PORTUGUÊS - DIA 13/11/2020

ANO/TURMA: 3.º TASTUR

Sumário: Alberto Caeiro – Análise do poema “Sou um guardador de rebanhos”.


Ricardo Reis – temáticas, características, estilo e linguagem.

Alberto Caeiro
• Vê a realidade de forma objetiva e natural
• Aceita a realidade tal como é, de forma tranquila; vê um mundo sem necessidade de explicações, sem
princípio nem fim; existir é um facto maravilhoso.
• Recusa o pensamento metafísico (“pensar é estar doente dos olhos”), o misticismo e o sentimentalismo
social e individual.
• Poeta da Natureza
• Personifica o sonho da reconciliação do Universo, com a harmonia pagã e primitiva da Natureza
• Simples “guardador de rebanhos”
• Inexistência de tempo (unificação do tempo)
• Poeta sensacionista (sensações): especial importância do ato de ver
• Inocência e constante novidade das coisas
• Mestre de Pessoa e dos outros heterónimos
• Relação com Pessoa Ortónimo – elimina a dor de pensar
• Relação com Pessoa Ortónimo, Campos e Reis – regresso às origens, ao paganismo primitivo, à sinceridade
plena

Ideologias
Mestre dos outros heterónimos e do próprio Fernando Pessoa Ortónimo porque, ao contrário destes, consegue
submeter o pensar ao sentir, o que lhe permite:

• viver sem dor;


• envelhecer sem angústia e morrer sem desespero;
• não procurar encontrar sentido para a vida e para as coisas que lhe rodeiam;
• sentir sem pensar;
• ser um ser uno (não fragmentado);

Poeta do real objetivo, pois aceita a realidade e o mundo exterior como são com alegria ingénua e contemplação,
recusando a subjetividade e a introspeção. O misticismo foi banido do seu universo.
Poeta da Natureza, porque anda pela mão das Estações e integra-se nas leis do universo como se fosse um rio ou
uma árvore, rendendo-se ao destino e à ordem natural das coisas.
Temporalidade estática, vive no presente, não quer saber do passado ou do futuro. Cada instante tem igual
duração ao dos relâmpagos, ou à das flores, ou ao do sol e tudo o que vê é eterna novidade; É um tempo objetivo
que coincide com a sucessão dos dias e das estações. A Natureza é a sua verdade absoluta.
Antimetafísico, pois deseja abolir a consciência dos seus próprios pensamentos (o vício de pensar) pois deste
modo todos seriam alegres e contentes.
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Crença que as coisas não têm significação: têm existência, a sua existência é o seu próprio significado.[

Temas
Os seguintes temas são os mais abordados ao longo da sua poesia e os seus respetivos chavões de identificação.
Objetivismo:

• atitude antilírica;
• atenção à eterna novidade do mundo;
• poeta da Natureza;

Sensacionismo:

• poeta das sensações verdadeiras;


• poeta do olhar;
• predomínio das sensações visuais e auditivas;

Antimetafísico:

• recusa do pensamento e da compreensão (pensar é estar doente dos olhos)


• recusa do mistério e do misticismo;

Painteísmo naturalista:

• Deus está na simplicidade e em todas as coisas.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…


Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar…
Alberto Caeiro, excerto de ‘’O Guardador de Rebanhos’’.
Estilo

• Estilo discursivo.
• Pendor argumentativo.
• Transformação do abstrato no concreto, frequentemente através da comparação.
• Predomínio do substantivo concreto sobre o adjetivo.
• Linguagem simples e familiar.
• Liberdade estrófica e métrica e ausência de rima.
• Predomínio do Presente do Indicativo.
• Raro uso de metáforas.

Fernando Pessoa explicou a “vida” de cada um de seus heterónimos. Assim apresenta a vida do mestre de todos,
Alberto Caeiro:
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"Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma,
só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos
rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso."
Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição na sua poesia, como podemos observar nos
49 poemas da série O Guardador de Rebanhos. Segundo Pessoa, foram escritos na noite de 8 de Março de 1914,
de um só fôlego, sem interrupções. Esse processo criativo espontâneo traduz exatamente a busca fundamental de
Alberto Caeiro: completa naturalidade.
“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...”
Nasceu em em 1889, em Lisboa, e morreu em 1915, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão,
nem educação quase nenhuma: apenas a instrução primária. era de estatura média, frágil, mas não o aparentava.
Era louro, de olhos azuis. Ficou órfão de pai e mãe muito cedo e deixou-se ficar em casa a viver dos rendimentos.
Vivia com uma tia velha, tia-avó. Escrevia mal o Português. É o pretenso mestre de A. de Campos e de R. Reis. É
anti metafísico; é menos culto e complicado do que R. Reis, mas mais alegre e franco. É sensacionista. Alguns temas
de eleição:

• Negação da metafísica e valorização da aquisição do conhecimento através das sensações não


intelectualizadas.; é contra a interpretação do real pela inteligência; para ele o real é a exterioridade e
não devemos acrescentar-lhe as impressões subjetivas. Os poemas O Mistério das coisas, onde está ele?
e Sou um guardador de rebanhos mostram-nos estas ideias.
• Negação de si mesmo, projetado em Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois;
• Atracão pela infância, como sinónimo de pureza, inocência e simplicidade, porque a criança não pensa,
conhece pelos sentidos como ele, pela manipulação dos objetos pelas mãos, como no poema Criança
desconhecida e suja brincando à minha porta;
• Poeta da Natureza, na sua perpétua renovação e sucessão, da Aurea Mediocritas, da simplicidade da vida
rural;
• A vivência da passagem do tempo não existe, são só vivências atemporais: o tempo é ausência de tempo.

Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “guardador de rebanhos”, que só se importa em ver de forma
objetiva e natural a realidade, com a qual contacta a todo o momento. Daí o seu desejo de integração e de
comunhão com a natureza.
Para Caeiro, “pensar” é estar doente dos olhos. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, pensa vendo e
ouvindo. Recusa o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é não compreender”. Ao anular o pensamento
metafísico e ao voltar-se apenas para a visão total perante o mundo, elimina a dor de pensar que afeta Pessoa.
Caeiro é o poeta da Natureza que está de acordo com ela e a vê na sua constante renovação. E porque só existe a
realidade, o tempo é a ausência de tempo, sem passado, presente ou futuro, pois todos os instantes são a unidade
do tempo.
Mestre de Pessoa e dos outros heterónimos, Caeiro dá especial importância ao ato de ver, mas é sobretudo
inteligência que discorre sobre as sensações, num discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo.
Passeando a observar o mundo, personifica o sonho da reconciliação com o universo, com a harmonia pagã e
primitiva da Natureza.
É um sensacionista a quem só interessa o que capta pelas sensações e a quem o sentido das coisas é reduzido à
perceção da cor, da forma e da existência: a intelectualidade do seu olhar volta-se para a contemplação dos objetos
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originais. Constrói os seus poemas a partir de matéria não-poética, mas é o poeta da Natureza e do olhar, o poeta
da simplicidade completa, da objetividade das sensações e da realidade imediata (“Para além da realidade
imediata não há nada”), negando mesmo a utilidade do pensamento.
Vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio nem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso;
por isso, crê na “eterna novidade do mundo”. Para Caeiro o mundo é sempre diferente, sempre múltiplo; por isso,
aproveita cada momento da vida e cada sensação na sua originalidade e simplicidade.
“Alberto Caeiro parece mais um homem culto que pretende despir-se da farda pesada da cultura acumulada ao
longo dos séculos.”
“Poeta bucólico de espécie complicada.”
“Pastor metáfora.”
Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária, espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de
outros tempos, e de impressões, sobretudo visuais, e porque recusa a introspeção, a subjetividade, sendo o poeta
do real objetivo.
Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com o
estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, e não fragmentado.
. Discurso poético de características oralizantes (de acordo com a simplicidade das ideias que apresenta):
vocabulário corrente, simples, frases curtas, repetições, frases interrogativas, recurso a perguntas e respostas,
reticências;

• Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver)


• Relação de harmonia com a Natureza (poeta da natureza)
• Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem porque desvirtuam a realidade (a nostalgia, o
anseio, o receio são emoções que perturbam a nitidez da visão de que depende a clareza de espírito)

Características:
Objetivismo

• apagamento do sujeito
• atitude antilírica
• atenção à “eterna novidade do mundo”
• integração e comunhão com a Natureza
• poeta deambulatório

Sensacionismo

• poeta das sensações tal como elas são


• poeta do olhar
• predomínio das sensações visuais (“Vi como um danado”) e das auditivas
• o “Argonauta das sensações verdadeiras”

Anti-metafísico (“Há bastante metafísica em não pensar em nada.”)

• recusa do pensamento (“Pensar é estar doente dos olhos”)


• recusa do mistério
• recusa do misticismo

Panteísmo Naturalista
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• tudo é Deus, as coisas são divinas (“Deus é as árvores e as flores/ E os montes e o luar e o sol...”)
• paganismo
• desvalorização do tempo enquanto categoria conceptual (“Não quero incluir o tempo no meu
esquema”)
• contradição entre “teoria” e “prática”

CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
• Discurso em verso livre, em estilo coloquial e espontâneo. Proximidade da linguagem do falar quotidiano,
fluente, simples e natural;
• Pouca subordinação e pronominalização
• Ausência de preocupações estilísticas
• Versilibrismo, indisciplina formal e ritmo lento mas espontâneo.
• Vocabulário simples e familiar, em frases predominantemente coordenadas, repetições de expressões
longas, uso de paralelismo de construção, de simetrias, de comparações simples.
• Número reduzido de vocábulos e de classes de palavras: (dando uma impressão de pobreza lexical) pouca
adjetivação, predomínio de substantivos concretos, uso de verbos no presente do indicativo (ações
ocasionais) ou no gerúndio. (sugerindo simultaneidade e arrastamento).

Frases predominantemente coordenadas, uso de paralelismos de construção, de comparações simples:

• Verso livre
• Métrica irregular
• Despreocupação a nível fónico
• Pobreza lexical (linguagem simples, familiar)
• Adjetivação objetiva
• Pontuação lógica
• Predomínio do presente do indicativo
• Frases simples
• Predomínio da coordenação
• Comparações simples
• Raras metáforas
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"Sou um guardador de rebanhos"


Poema IX

“Sou um guardador de rebanhos”

O poema, constituído por três estrofes (duas sextilhas e um dístico) de versos brancos e métrica
irregular, apresenta-nos um sujeito poético que se assume, metaforicamente, como um pastor, remetendo
assim para o início do poema I, no qual se lhe comparava.
A primeira estrofe inicia-se com uma metáfora (“Sou um guardador de rebanhos”) que institui o
sujeito poético como um ser natural e que anula a oposição entre o pensar e o sentir, através da
identificação entre pensamentos e sensações, característica do sensacionismo de Alberto Caeiro: o
conhecimento da realidade adquire-se pela sua apropriação direta mediante os cinco sentidos humanos, isto
é, ele relaciona-se com a realidade, seja ela flor, fruto, ou um dia de calor, através dos sentidos. E isso
basta-lhe, pois é essa relação que lhe traz a verdade desse real. Por outro lado, ao afirmar a sensação
como fonte única do conhecimento do real, o sujeito poético nega o pensamento, submetendo-o à
sensação. Deste modo, ele consegue unir o pensar ao sentir: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer
um fruto é saber-lhe o sentido.” (vv. 7-8).
A enumeração dos órgãos associados aos sentidos nos versos 4 a 6 (olhos, ouvidos, mãos, pés,
nariz e boca) reforça a importância do sentir afirmada no verso 3 e hierarquiza as sensações de acordo com
o grau de conhecimento que permitem apreender: as sensações visuais são a primeira fonte de saber,
seguindo-se as auditivas, as táteis, as olfativas e, por fim, as gustativas. Estilisticamente, o polissíndeto
(repetição da conjunção coordenativa copulativa «e»), o paralelismo sintático e a anáfora (vv. 5-6) traduzem
a simplicidade do sujeito poético.
Os versos 7 e 8 exemplificam a identificação entre pensar e sentir, primeiro através de uma
definição, depois metaforicamente (“E comer um fruto é saber-lhe o sentido.” – v. 8), procedendo à
objetivação do pensamento, isto é, conferindo-lhe um estatuto concreto, de objeto.
A estrofe final, de caráter conclusivo (é iniciada pela locução «por isso»), começa por afirmar a sua
tristeza, que advém do excesso (“Me sinto triste de gozá-lo tanto” – v. 10), daí que seja natural e não
perturbe o conhecimento da realidade nem a felicidade (ideias já desenvolvidas no poema I, nos versos 9 a
13 e 14 a 18). O sujeito poético aceita, então, essa tristeza porque ela provém de um excesso natural de
felicidade. Porém, a tristeza evolui para felicidade (v. 14) no momento em que o sujeito poético substitui a
perceção mental do prazer (“gozá-lo”, v. 10) pela ligação direta com a realidade (“Sinto todo o meu corpo
deitado na realidade”, v. 13).
A realidade é aquilo que é concreto, o que existe sem ser preciso pensar, aquilo que é captado
através dos sentidos, em estreita conexão, em comunhão total com a Natureza, ideia afirmada nos versos
11 e 13, onde o contacto de todo o corpo com a erva salienta um desejo de quase fusão com os elementos
naturais.
Nos dois versos finais, o sujeito poético confirma várias ideias características da sua poesia:
1.ª) a verdade consiste no conhecimento direto da realidade;
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2.ª) esse conhecimento e essa apropriação da realidade concretizam-se através dos sentidos, sem qualquer
interferência do pensamento;
3.ª) o primado das sensações e a ausência do pensamento são a única forma de conhecimento autêntico e fonte
de felicidade;
4.ª) a felicidade é diretamente proporcional ao contacto direto com a Natureza, um exemplo mais da supremacia
do sentir sobre o pensar.
Quanto aos recursos expressivos, além dos já identificados e da sinestesia do verso 12 (“olhos
quentes”), há os seguintes traços típicos da poética caeiriana:
. a linguagem simples e de caráter oralizante (repetições de vocábulos, polissíndeto, predomínio da
coordenação…);
. o predomínio de nomes concretos e a quase ausência de adjetivos;
. o uso de palavras do campo lexical das sensações, que revela o primado do sentir sobre o pensar, sempre
objetivado (“Penso com os olhos e com os ouvidos”, “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la”);
. a sintaxe simples, com repetição de estruturas frásicas e predomínio da coordenação;
. a variedade estrófica, métrica e rítmica;
. o verso branco.
Por último, quanto à estrutura interna deste poema, uma possibilidade consiste na sua divisão em
duas partes:
. a 1.ª corresponde às duas primeiras estrofes e nelas o sujeito poético afirma o seu sensacionismo e o
primado do sentir sobre o pensar;
. a 2.ª constitui uma conclusão – a terceira estrofe –, através de um exemplo, das ideias expressas nos versos
anteriores.

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