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Curiosidades Junguianas:
Herbert Silberer: Psicanalista Não Ortodoxo e Junguiano Precoce
Armando de Oliveira e Silva1
Há muitos caminhos que conduzem à experiência central. Aqueles que se aprofundaram também
reconhecem o valor e a legitimidade de outros caminhos que levam ao centro. Conhecer a sua multiplicidade
constitui a plenitude do sentido da vida2.( Carl Gustav Jung )
A solidão não significa a ausência de pessoas à nossa volta, mas sim o fato de não podermos
comunicar-lhes as coisas que julgamos importantes, ou mostrar-lhe o valor de pensamentos que parecem
improváveis ( Carl Gustav Jung )3
“… Não, é impossível; é impossível transmitir a sensação viva de qualquer época de nossa existência –
aquilo que constrói suas verdades, seu significado – sua essência penetrante e sutil. É impossível. Vivemos
como sonhamos – sós …” ( Joseph Conrad )4

Um grande homem em sua altivez


Ao enfrentar assassinos
Com desdém julga
A falta de alento;
Ele conhece a morte até ao fundo —
O homem criou a morte.
W.B.Yeats

1- Material traduzido e organizado por Armando de Oliveira e Silva. Agradeço aos coletivos “Inocentes enquanto
dormem” e “Os de sempre” pela inspiração e apoio. NB:as traduções tem como finalidade única o apoio ao estudo.
2- Carl Gustav Jung : 16 de maio de 1961: In dialogo com Carl Gustav Jung- Aniela Jaffé ( pag. 217 )
3 - Carl Gustav Jung: Memórias, Sonhos, Reflexões, pag. 307
4- Joseph Conrad: Coração das Trevas. Editora Nova Alexandria, 2001 ( pag. 52 )
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Prologo
É possível perceber uma convergência de pontos de vista entre o vienense Herbert Silberer ( 1882-1923
) que fez parte do círculo dos primeiros discípulos de Freud, e Jung, e poucas vezes os elementos dessas
afinidade foram analisados de forma precisa. O autor do livro Probleme der Mystik und ihrer Symbolik 5
( 1914 ) manifesta um interesse sensível pela alquimia como um fenômeno psicológico muito antes de Jung e
este comenta: Quando seu livro foi publicado, a alquimia me pareceu uma coisa marginal e bizarra, apesar de
ter apreciado muito a perspectiva anagógica de Silberer. Mantive então correspondência com ele e exprimi
minha consideração pelo seu trabalho. Muitos outros temas comuns atravessam a obra desses dois autores.
Da mesma maneira que Jung, Silberer possuía conhecimentos profundos sobre as tradições esotéricas e
místicas. Por volta de 1915 elabora uma teoria do símbolo que o afasta de Freud ao sugerir que o símbolo
comporta uma dimensão prospectiva orientada para o futuro – ideia que Jung desenvolverá a partir de 1917.
Silberer publica em 1921 uma obra consagrada ao acaso ( Der Zufall und die Koboldstreiche des
Unbewussten)6, e que Jung fará dele um tema privilegiado, com sua hipótese da sincronicidade ( 1952 ).
Este pequeno exercício de curiosidade tenta apreciar e reconhecer a magnitude da transferência de ideias
e de representações entre este psicanalista não ortodoxo, e porque não um junguiano precoce, vienense
que se suicida em 1923 e alguns aspectos da obra de Jung.

Uma Cronologia Com Breves Comentários e Ilustrações

1850:
Mary Atwood publica Hermetic Philosophy and Alchemy – A Suggestive Inquiry into the Hermetic Mystery 7.

O homem, portanto, [ … ] é o verdadeiro laboratório da arte hermética; sua vida é o tema, a grande
destilaria, a coisa que destila e a coisa destilada, e ao autoconhecimento está na raiz de toda a tradição
alquímica.

5- O Problema do Misticismo e seu Simbolismo


6 - A Coincidência e os Duendes Travessos do Inconsciente
7- Ver: Spiritual Alchemy from Jacob Boehme to Mary Anne Atwood: Myke A. Zuber ( Oxford Studies in Western
Esotericism -2021 ), principalmente capítulo 9: Mesmerists and Alchemists in Victorian London e capítulo 10:
Mary Anne Atwood and Her First Readers.
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1857:
Ethan Allen Hitchcock publica Remarks upon Alchemy and the Alchemists.

Citando Herbert Silberer: O serviço de haver redescoberto o valor intrínseco da alquimia além de sua
fase química , deve atribuir-se provavelmente ao americano Ethan Allen Hitchcock, quem publicou seus
pontos de vista sobre os alquimistas no livro “Observações sobre alquimia e os alquimistas”. [ ...]Os
descobrimentos realizados pelo agudo Hitchcock são tão importantes para nossa análise, que não se pode
prescindir de uma completa exposiçâo dos mesmos. Gostaria de referir-me mais ao livro de Hitchcock se não
fosse praticamente inacessível.
Ouvimos dizer que o maior obstáculo para os não iniciados na arte hermética está na determinação do
verdadeiro sujeito, a prima matéria. Os autores mencionaram muitos nomes, e os que trabalham procurando
o ouro, portanto, foram enganados de muitas maneiras. Hitchcock com uma só palavra nos proporciona a
chave para a compreensão dos mestres herméticos, quando diz: “O sujeito é o homem”. Também podemos
fazer um jogo de palavras e dizer que o sujeito ou substância é o sujeito.
Os não iniciados leêm com assombro em muitos alquimistas que “nuestro subjectum”, quer dizer, a
matéria trabalhar, é também identica ao vaso, ao alambique, ao ovo filosofal, etc. Isso agora se torna
inteligível. Hitchcock escreve de forma muito pertinente: “ O trabalho dos alquimistas era de contemplação e
não um trabalho com as mãos. Seu alambique, forno, retorta, ovo filosófico, etc., em que se diz que teve lugar
o trabalho de fermentação, destilação, extração de essências e aguardentes e a preparação de sais, foi o
Homem, você mesmo amigo Leitor, e se se dedicas a teu próprio estudo e eres sincero e honesto, sem
reconhcer outro guia o autoridade que a Verdade, podes descobrir facilmente algo da filosofia hermética”. [ …]
Diz o alquimista que uma grande dificuldade no princípio do trabalho é encontrar ou fazer de seu
mercúrio necessariamente indispensável, que chamam também leão verde, mercurius animatus, serpente,
dragão, vinagre, etc. O que é este mercúrio misterioso, suscetível de evolução, que reside na humanidade
comum a todos, mas elaborada de forma diferente? Hitchcock responde: “a consciência. A consciência não é
igualmente “pura” em todos os homens, e não igualmente desenvolvida; a dificuldade de descobri-la, de que
falam os alquimistas, é a dificuldade de suscitá-la no coração do homem para a melhoria e elevação do
coração. O ponto de partida na educação do homem é, em efeito, despertar em seu coração um sentido
duradouro e permanente da razão absoluta e o propósito consequente de aderir-se a este sentido.”
Ver neste trabalho: Gênese e desenvolvimento de uma interpretação psicológica da Alquimia:
De Ethan Allen Hitchcock à Herbert Silberer.
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1882:
Em 28 de fevereiro de 1882 nasce em Viena Herbert Silberer.
1902:
Muito distinto senhor Colega; Um pequeno círculo de colegas e discípulos me dará o prazer de se reunir em
minha casa uma vez por semana à tarde, ás oito e meia, com o objetivo de discutir os temas que nos
interessam no domínio da psicologia e da neuropatologia. Estarei esperando por Rietler, Max Kahane e Stekel.
Você nos daria a honra de se juntar? Nós concordamos em se reunir na próxima quarta, e aguardo sua
resposta cordial sobre se você gostaria de vir e se tal noite seria adequada para você.
Com os sinceros cumprimentos do seu colega, Dr. Freud. Carta de Freud a Adler em 02 de novembro de
1902.
1903:
Herbert Silberer publica Viertausend Kilometer in Ballon, um relato de suas viagens de balão e contém 28
fotografias tiradas do balão.

No prefácio do livro Silberer faz uma observação interessante e pode servir de um prenúncio para
aquilo que virá. Escreve Silberer: Meios modernos de transporte, por mais bem desenvolvido que sejam, nos
mantém naquilo que é familiar, eles nos prendem no chão. Eles possibilitam uma rápida movimentação de um
lugar a outro. Mas sempre somente no solo… . Mas a navegação aérea, conduz as pessoas para fora da sua
referencia, ela leva as pessoas para o alto, acima de tudo que está abaixo. Os montanhistas relatam este
mesmo sentimento. É o sentimento de uma nova dimensão para as pessoas comuns, a altitude. [ … ] Talvez os
relatos aqui e as fotografias que acompanham se tornem de interesse geral: eu ficaria muito feliz se isso
falasse o suficiente para o leitor para que inspire a seguir-me em direção ao reino do céu.
1909:
20 de junho: Freud escreve a Jung: Um estranho a nosso grupo deu-me um curto mas significativo texto
sobre sonhos, a fim de que submetesse ao senhor para o Jahrbuch. Se não tiver mais espaço, deixe-o para o
próximo número.

07 de julho: Freud escreve a Jung: Mando em anexo o manuscrito do Homem dos Ratos e o pequeno artigo
de H. Silberer sobre a observação do mecanismo dos sonhos, ambos para sua apreciação editorial.

10 de julho/13 de julho: Jung escreve a Freud: Os manuscritos chegaram neste meio tempo, estou lendo-os
com o maior interesse. Quem é Silberer? Compreendo perfeitamente as impressões do senhor sobre seu
próprio texto.
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19 de julho: Freud escreve a Jung: No mais, diante de suas notícias tão interessantes, tenho pouco a contar.
Silberer é um jovem desconhecido, provavelmente um degenerado da alta roda; o pai dele é em Viena uma
figura famosa, membro da câmara municipal e “negocista”. Mais o trabalho dele é bom e lança luz sobre uma
aspecto da elaboração do sonho.

Silberer publica no Jahrbuch für Psychoanalytische und Psychopathologische Forschungen 8 (volume I tomo
II, Novembro . Editado por Carl G. Jung ) o artigo Bericht über eine Methode, gewisse symbolische
Halluzinations-Erscheinnungen hervorzuruf und zu beobatchen9. ( Ver anexo 1 )

Silberer se filia como membro de uma Ordem Martinista em Paris. Seu profundo estudo dos Rosa Cruzes e
da Alquimia está provavelmente conectado com essa sua filiação ao Martinismo.

1910:
Apresentação de Sandor Ferenczi, Zur Organisation der Psychoanalytischen Bewegung ( Sobre a Organização
do Movimento Psicoanalítico ), no II- Congresso de Psicanálise em Nuremberg em março de 1910 10.
Os membros que receberam uma formação psicanalítica seriam, portanto, mais capacitados para fundar
uma associação que reunisse as vantagens da organização familiar e o máximo de liberdade individual. Essa
associação deve ser uma família onde o pai não detenha uma autoridade dogmática mas somente aquela que
suas capacidades e seus atos lhe conferem; onde suas declarações não sejam cegamente respeitadas, à
semelhança de decretos divinos, mas submetidas, como todo o resto, a uma crítica minuciosa; onde ele
próprio receba crítica sem ridículas suscetibilidades e vaidades, qual um “pater familias”, um presidente de
associação dos nossos dias.
Os irmãos mais velhos e mais moços agrupados em associação aceitarão sem ciúmes nem rancores
pueris ouvir a verdade de frente, por mais amarga, por mais decepcionante que ela seja. [ … ] Nesta atmosfera
de mútua franqueza, onde as capacidades de cada um serão reconhecidas e o ciúme é eliminado ou
dominado.
O Segundo Congresso Psicanalítico Internacional aconteceu em Nuremberg no período de 30- 31 de
março de 1910. A principal decisão do encontro foi a fundação da Internationale Psychoanalytische
Vereinigung ( Associação Psicanalítica Internacional ),da qual Jung foi eleito presidente; a sede ficou
localizada no local da residência do presidente, na ocasião Zurique. A partir deste congresso começa a
verdadeira história organizativa do movimento psicanalítico e coube a Ferenczi a formulação das metas da
Associação Internacional, elaboradas junto com Freud.
8- Orgão oficial da Internationale Psychoanalytische Vereinigung ( Associação Psicanalítica Internacional ),
9- Não tive um momento de dúvida que as observações de Silberer permitem a mesma continuação com todo
sonho. Carta de Freud à Ferenczi: 03 de março de 1910
10- Publicado em Sandor Ferenczi: Obras Completas. Vol: 1 Editora Maritns Fontes 1991 com o título, mal
traduzido, A História do Movimento Psicanálitico:
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Citando um outro trecho da apresentação de Ferenczi: Eu conheço os frutos da vida das sociedades,
sei que na maioria das associações políticas, sociais e cientificas domina a onipotência infantil, o orgulho, a
idolatria pelas formalidades vazias, a obediência cega ou o egoísmo pessoal, em lugar o trabalho tranquilo e
honesto pelo interesse de todos.
Pelos dois trechos de Ferenczi, vemos que ele partiu de uma forma ilusória pressupondo que
justamente os psicanalistas eram os mais adequados para criar uma associação que estivesse em situação de
unificar as liberdades e as peculiaridades pessoais com os benefícios de uma organização familiar e
exatamente o mesmo Congresso demonstrou que a questão da organização e da divisão de poder estiveram
no centro e começaram as tensões rivalizantes entre Viena e Zurique. O desenvolvimento subsequente
demonstrou o quanto a rivalidade fraterna da organização familiar se mostrava com sensibilidades e desejos
de vingança infantis em lugar da critica valente, sincera e aberta.

10 de julho Freud escreve à Jung: Prepare-se para receber dois trabalhos do círculo de Viena para o
“Jahrbuch”. Um texto muito bom de Silberer, a quem já conheço pessoalmente, e uma análise de sonho de
Rank, digna a meu ver, de publicação.

10 de agosto Freud escreve à Jung: Não se prenda à minha recomendação caso julgue o pequeno artigo de
Rosenstein mais indicado para o “Zentralblat” – ponto de vista que compartilho – e não se interesse pelo de
Silberer.

29 de setembro Jung escreve à Freud: O ensaio de Silberer sobre mitologia é bom, muito embora a “categoria
funcional” que ele propõe para a investigação dos mitos não se tenha convertido numa hipótese de trabalho
totalmente válida. Creio que o senhor poderia recomendá-lo para uma edição à parte.

05 de outubro Silberer faz uma solicitação para admissão na Sociedade Psicanalítica de Viena; em 12 de
outubro seu nome é aceito por unanimidade e em 19 de outubro se torna membro da Sociedade
Psicanalítica de Viena

Silberer publica no número II/2 Dezembro do Jahrbuch für Psychoanalytische und Psychopathologische
Forschunge o texto Phantasie und Mythos. (Vornehmlich vom Gesichtspunkte der „funktionalen Kategorie“
aus betrachtet.)
Ver anexo 2 para a resenha publicada no Psychoanalytic Review V 1918 ( pags. 234 – 238 )
[7
1911:
18 de janeiro: Herbert Silberer faz sua primeira apresentação na Sociedade Psicanalítica de Viena com o
tema o O mágico e outros. ( ver anexo 3 )

22 de janeiro: Freud escreve à Jung: A percepção endopsíquica – o fenômeno funcional de Silberer – está
claramente destinado a, ainda, desfazer muitos enigmas. Nota 9: Um conceito introduzido por Silberer em
dois estudos – “Bericht” e “Phantasie und Mythos” e depois desenvolvido em sua palestra “Magisches und
anderes”, em 18 de janeiro na Sociedade de Viena.

01 de fevereiro: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena. O tema apresentado e


discutido foi The Masculine Protest as the Central Problem of Neuroses por Alfred Adler.

8 de fevereiro: Ernst Jones escreve à Freud: A respeito de Silberer não sei o que pensar sobre ele. Parece ter a
infecção grave do vírus filosófico.

15 de fevereiro: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena. O tema apresentado e


discutido foi On the Applicability of Psychoanalyse to Poetic Work por Hanns Sachs

17 de fevereiro: Freud escreve à Jung: O último número da Zentralblat é uma barafunda medonha; é obra de
Adler – ele e Stekel se revezam na editoria – e muito interessante do ponto de vista psicanalítico. Reclamei
com Adler, mas é evidente que ele apenas me deu desculpas esfarrapadas, em vez de esclarecer os motivos
secretos por trás dessas aberrações. O senhor mesmo há de encontrar uma interpretação mais detalhada. É
obvio que Silberer não pode ter dito isso na palestra dele sobre mágica. O ovo do cuco provém de um resumo
da palestra de Adler, previsto para o próximo número.
Vamos aos fatos e o “isso” que Silberer não poderia ter dito: O relatório de Rank sobre as atividades da
Sociedade de Viena até o final de 1910, publicado no Zenttalblatt, 1:4 janeiro de 1911, era seguido na página
seguinte por uma matéria circunstancial ( não assinada ) com o título 15 Sitzung 18.jan 1911, Herbert Silberer
Magic und Anderes e um resumo:
O palestrante fala primeiro sobre o papel da sexualidade na neurose e chega à conclusão, ilustrada por um
exemplo, de que tudo o que o neurótico nos mostra sobre a “libido” não é genuíno. A sexualidade entre nesta
forma de neurose porque é despertada e provocada desde cedo pela inferioridade de certos órgãos e pelo
aumento do protesto masculino e é sentida como gigantesca, de modo que o paciente quer se proteger em
tempo hábil ou a desvaloriza.
Este é o ovo do cuco que Freud se refere na carta, pois este resumo é da palestra do Dr. Alfred Adler
apresentada em 04 de janeiro de 1911 e obviamente este era o “isso” que Silberer não poderia ter dito.
No número seguinte do Zentralblat 1; 5-6, ambas as palestras foram corretamente resumidas e o resumo de
Silberer agora corresponde exatamente ao que ele apresentou:
A magia, de um ramo do qual se desenvolveu as nossas ciências naturais exatas, não é apenas o
conhecimento das leis ocultas da natureza, mas uma espécie de dinamização dos poderes psíquicos e divide-
se em dois grandes grupos, dependendo se os seus efeitos são internos ou externos. Para compreender o
primeiro grupo, o palestrante recorre à perspectiva do fenômeno funcional que desenvolveu em dois artigos
( Jahrbuch I e II ), de acordo com eles não só o conteúdo das ideias, mas também o respectivo funcionamento
da consciência pode ser resumido em uma imagem clara, que é um símbolo. No decorrer de suas observações,
que trataram da projeção mitológica, da figura do diabo, da dupla personalidade, etc., o palestrante relata
uma obra de Staudenmaier que apresenta e justifica uma magia experimental e um livro de Camilla Luzerna
sobre o conto de fadas de Goethe, onde são apresentados pontos de vista semelhantes.

01 de março: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, quando Freud apresenta
Further Contribution to the Theory of Dream.
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19 de março: Jung escreve à Freud: A definição de símbolo se justifica, se considerada de um ponto de vista
exclusivamente intelectual. Mas o que se daria se um símbolo fosse posto em lugar de um conceito claro com
a intenção de o reprimir. Por exemplo à pergunta “Como foi criado o primeiro homem”, um mito indígena
americano responde: “de um punho de espada e uma lançadeira de tear”. Aqui a formação do símbolo parece
objetivar algo totalmente diverso da formação do conceito. A formação de símbolos, é a meu ver,a ponte
necessária para o “repensar” de conceitos há muito conhecidos, dos quais a catexia libidinal é parcialmente
retirada através da canalização numa série de paralelos intelectuais ( teorias mitológicas,etc ) Este é
exatamente um dos problemas que me preocupam no momento. Como o senhor vê, abordo-o de um ângulo
um pouco diferente, e por isso é que a hipótese de Silberer, que fui forçado a rejeitar antes, não me satisfaz
inteiramente.

28 de março: Jung escreve à Freud: O manuscrito de Silberer que, a meu ver, peca por falta de clareza,
despertou tamanha contrariedade em Bleuler – como demonstra o que lhe mando em anexo – que antes
mesmo de levar o golpe ele se pôs a gritar. Por acaso o senhor o leu? Se não, hei de enviá-lo imediatamente.
Seja como for Silberer terá que aguardar o segundo número do Jahrbuch.

30 de março: Freud escreve à Jung: Não li o manuscrito de Silberer, ignoro o conteúdo mas suponho que não
seja tão detestável como a pudicícia de Bleuler imagina.

11 de abril: Freud escreve a Jung: Já li o trabalho de Silberer e não consigo entender a razão da irritação de
Bleuler. Trata-se de uma penetrante amostra de pintura psicológica em miniatura, no estilo dos trabalhos
anteriores já conhecidos por nós, modesta e ponderada como convém que seja qualquer estudo sobre o tema.
Devo dizer que o fenômeno funcional agora me parece exposto com segurança, e doravante hei de tomá-lo em
consideração na interpretação de sonhos. No fundo ele não é muito diferente de minha própria “percepção
endopsíquica”. Ponho-me decididamente a favor da aceitação do trabalho – Que destino devo dar ao
manuscrito?

19 de abril: Jung escreve à Freud: Hoje comuniquei a Bleuler, numa carta, que o senhor é favorável à
publicação de Silberer, instando-o a dar livre curso à sua opinião divergente em forma de uma crítica no
“Jahrbuch” ( de outro modo Bleuler poderia ser asfixiado pela própria resistência ). O ingresso na Sociedade,
até agora, não lhe fez nenhum bem. É com um profundo desdém que reage a meus avanços polidos. Escrevi
uma crítica à teoria do negativismo dele, concentrando-me na teoria dos complexos, à qual ele se esquiva
renitentemente no texto. Acho que já é hora de arrumarmos a casa, uma vez que temos a Sociedade. Não faz
sentido que, como diretor do “Jahrbuch”, ele escreva estudos psicológicos onde o ponto de vista psicanalítico é
simplesmente aniquilado em silêncio. Isso os nossos adversários também podem fazer.
Devolva-me por favor o manuscrito de Siberer, que ainda quero examinar com mais espírito crítico. De
qualquer modo não será possível incluí-lo nessa edição, por falta de espaço.

26 de abril: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena onde foi discutido o livro de
Stekel The Language of Dreams e ao longo da discussão Silberer tem uma intervenção:
Silberer ressalta com apreço que o livro de Stekel, apesar da superficialidade de algumas passagens, lhe serviu
bem na interpretação clínica dos sonhos. Ele gostaria de destacar apenas um detalhe para discussão. A
afirmação de Stekel de que apenas os pensamentos de vigília que apresentam estresse emocional passam para
os sonhos não é correta, de acordo com a experiência do próprio Silberer. Nas alucinações, torna-se evidente
que a força motriz pode provir da atenção ou de um afeto. É verdade, com certeza, que alguém poderia. como
Bleuler, consideram a atenção a atenção como um afeto.

27 de abril: Freud escreve à Jung: Já devolvi o texto de Silberer. Com Bleuler também não tive sorte; até
parece que ele é revestido de linóleo por dentro. Mas não podemos perder a paciência.
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08 de maio: Jung escreve à Freud: Ainda me lembro muito do encontro em Munique. Temos também de
conquistar o ocultismo ao que me parece a partir da teoria da libido. No momento incursiono pela astrologia,
que se revela indispensável para a perfeita compreensão da mitologia. Há coisas realmente maravilhosas e
estranhas nesses domínios obscuros. As plagas são infindas, mas não se preocupe, por favor, com minhas
erráticas explorações. Hei de, em meu regresso, trazer um rico despojo para o conhecimento da alma
humana. Por longo tempo ainda tenho de me intoxicar de perfumes mágicos a fim de perscrutar os segredos
que se ocultam ns profundezas do inconsciente.

10 de maio: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena onde o Dr. Tausk apresenta o
tema A Contribution to the Psychology of Masochism.

11 de maio: Freud escreve à Ferenczi: Jung me dz que devemos conquistar também o ocultismo e pede-me
permissão para desencadear uma cruzada no reino da mística. Sei que nenhum de vocês dois poderá ser
detido, que pelo menos então se mantenham juntos. A expedição é perigosa e não estou em condições de
acompanhá-los.

12 de maio: Freud escreve à Jung: Sei que é uma legítima inclinação interior que o leva ao estudo do oculto e
não duvido que, em seu regresso, o senhor venha coberto de riquezas. Contra isso não há nada a fazer, pois
quem obedece à concatenação dos próprios impulsos sempre acerta. A fama já criada por seu “Dementia” há
de mantê-lo por algum tempo impune à pecha de “mistico”. É bom, porém, que não se demore nas colônias
tropicais, pois o senhor tem que governar em casa.

02 de novembro: Freud escreve à Jung: [ … ] lembro também que apoio o pedido de Stekel para que
subvencionemos um ensaio de Silberer que é meio longo e já há algum tempo está sem destino. Intitula-se
“Das Categorias de Símbolos e como tudo que escreve deve ser valioso.

06 de novembro: Jung escreve à Freud: O senhor não teme que a publicação de trabalhos alentados na
Zentralblatt possa gerar uma concorrência desnecessária para o Jahrbuch? A meu ver os ensaios de Silberer
ficariam melhor no último. A Zentralblatt preencheria um objetivo mais valioso se publicasse artigos
didáticos elementares, adequados, digamos, para principiantes e pacientes. Eu, de bom grado, aprovaria uma
subvenção, se a Zentralblatt imprimisse monografias de caráter elementar e didático. Afinal ela se dirige
sobretudo a profissionais da medicina e o trabalho de Silberer não tem própriamente um caráter médico. De
qualquer modo não me seria possível incluir Silberer no Jahrbuch antes do número de janeiro. Por tal motivo é
que não faço uma oposição real, mas apenas expresso ( respeitosamente ) a opinião de que ensaios desse
gênero não estão no lugar certo na Zentrablatt. É de se desejar que a publicação seja feita sem demora, se o
ensaio dele está há muito sem destino.

12 de novembro: Freud escreve à Jung: Mas ainda é minha intenção ver o controle de todos os nossos
periódicos concentrados nas suas mãos. Inroduzi uma para subsidiar o artigo de Silberer – não por causa de
Stekel, mas por causa do próprio Silberer. Peruntanmos-lhe se ele concorda em esperar até que o trabalho
possa ser publicado no Jahrbuch. Se assim for, o senhor o recebrá imediatamente, caso contrário,
colocaremos qualquer outra coisa de lado e publicá-lo-emos no Zentralblatt. Todo esse caso, parece-me bem
claro agora, foi uma sensação superficial inventada por Stekel. Quando ele interfere com o senhor, peço-lhe
não supor jamais que eu tenho algo a ver com isso. O senhor não pode imaginar como ele envenena todo o
meu empreendimento. Toda vez que penso nele vem-me à cabeça a velha litania:

Me piget, poenitet, taedet atque miserat.


( Sinto asco, vergonha, arrependimento, enfado e compaixão )

16 de novembro: Freud escreve á Jung: Segundo ouço de Stekel, Silberer não deseja retirar as “Categorias do
Simbolismo” do Zentralblatt. O artigo será publicado no no4.
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22 de novembro: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena onde a questão central
era uma discussão sobre a masturbação:
Silberer critica o uso do termo simbolismo automático, que ele próprio já usou em uma conexão diferente e
com um significado diferente

26 de novembro: Ferenczi escreve à Freud: H. Silberer já está batendo às portas do oculto. Esperemos não
tão fortemente que eu tenha que anunciar minha presença. Eu não estou fazendo nada com ele no momento.

20 de dezembro: Silberer participa da reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena onde se continuou a


discutir o tema da masturbação.

1912:
janeiro: Silberer publica no número de Janeiro do Zentralblatt o artigo “Categorias do Simbolismo:

março: Silberer publica três artigos no Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische
Forschungen III 2 Março - Symbolik des Erwachens und Schwellensymbolik überhaupt ( pags. 431-433) - Über
die Symbolbildung ( pags. 661 723 ) - Über die Behandlung einer Psychoses bei Justinus Kerner ( pags. 724 -729
[11

Jung escreve: Recentemente Silberer se juntou ao grupo com uma belíssima investigação intitulada
“Fantasia e Mito” (Psychology of the Unconscious: pag.7 )[ … ]

Com Silberer, posso aceitar o significado dessa visão como pertencente, antes de tudo, à "categoria
funcional", porque, fundamentalmente, a concepção das multidões misturadas nada mais é do que o símbolo
do atual avanço da massa de pensamento; da mesma forma a batalha, e possivelmente os cavalos que
ilustram o movimento… ( idem. Pag 202 )

Se as questões e as disputas com Alfred Adler e Wilhelm Stekel já haviam abalado bastante os alicerces da
instituição psicanalítica, o profundo conflito com C.G.Jung não pode ser aliviado pelas novas instancias
construídas. Por isso Ernest Jones no ano de 1912 desenvolveu a ideia de armar através da criação de um
“Comitê Secreto” um “corpo de guardas” em torno de Freud, para assegurar as estruturas organizativas
recentemente construídas e as conquistas teóricas. Jones escreve a Freud em 30 de julho de 1912: [ … ]
Ferenczi, Rank e eu tivemos uma pequena conversação sobre estes assuntos gerais em Viena (Julho de 1912 )
{ … } Todos estivemos de acordo em uma coisa, que a salvação só podia estar em uma auto análise sem trégua
e levada até seus últimos extremos, para eliminar as reações “pessoais” até onde fosse possível. Um deles, me
parece que Ferenczi, expôs seu desejo de que um pequeno grupo de homens pudesse ser meticulosamente
analisado por você, de maneira que pudessem representar a teoria pura, sem adulteração devido á complexos
pessoais, e com isso construir um núcleo central não oficial da Verein e servir como centro aonde os demais
( principiantes ) poderiam acudir e aprender a obra. Se isso fosse possível seria uma solução ideal.

01 de agosto :Freud fica fascinado com a ideia e escreveu a Jones: [ … ]


O que imediatamente cativou minha imaginação foi sua ideia de um conselho secreto composto pelos
melhores e mais leais entre nossos homens que se encarreguem do desenvolvimento futuro da Psicoanálise e
que defenda a causa contra a personalidades e acidentes quando eu não mais esteja. Disse você que foi
Ferenczi quem teve essa ideia, porém podia ser uma ideia minha pensada em tempos melhores, quando tinha
a esperança de que Jung reuniria um tal círculo ao seu redor, composto pelos dirigentes oficiais das
associações locais. Agora sinto ter que dizer que tal união teria que formar-se independentemente de Jung e
dos presidentes eleitos. Gostaria de dizer que me aliviaria o viver e o morrer, se soubesse que existe uma tal
comunidade para cuidar de minha criação. Sei que tem um elemento infantil e talvez também romântico
nesta ideia, porém talvez possa adaptar-se para satisfazer as necessidades da realidade. Vou dar rédeas soltas
a minha imaginação e talvez deixe para vocês o papel de censor.
Em primeiro lugar:: este comitê teria que ser “estritamente secreto” em sua existência e em suas ações.
Poderia estar formado por você, Ferenczi e Rank, que foram os que gestaram a ideia. Sachs – em quem tenho
uma confiança ilimitada apesar de ser breve nossa relação – e Abraham poderiam ser os seguintes, porém só
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com a condição de que vocês consintam. Será melhor que eu fique a margem de duas condições e promessas.
Manterei o secreto mais absoluto e estarei agradecido por tudo que me comuniquem. Não direi nenhuma
palavra sobre o assunto até que você me responda, nem também a Ferenczi. Seja o que aconteça com a
passagem do tempo, o futuro timão do movimento psicanalítico terá que proceder deste pequeno porém
seleto círculo de homens, em quem ainda estou disposto a confiar apesar de meus últimos desenganos com os
homens.
[ … ] Minha ideia é que o conselho deveria ser informal e não oficial, e, por tanto, necessariamente secreto,
[ … ] O que temos que fazer é eliminar toda as excrescência de teoria até onde seja possível, e coordenar
nossas própria metas inconscientes com as demandas e interesses do movimento. [ … ] A ideia de um pequeno
corpo unido, designado, como os paladinos de Carlos Magno, para guardar o reino e o programa do mestre,
foi produto do meu próprio romantismo, e não me atrevi a falar dela com os demais até haver apresentada a
você.
Recebido o aval do pai da psicanálise, o grupo então se reuniu formalmente pela primeira vez no verão
de 1913, ocasião na qual Freud presenteou cada membro com um entalhe grego antigo de sua coleção
pessoal, que foram logo cravados em anéis de ouro pelos membros, o que deu ainda mais caráter de
sociedade secreta para o grupo. Jones além de ser um dos idealizadores, passou a ser o Presidente do Comitê.

“Estritamente secreto”, escondido detrás da estrutura oficial da IPA reinaria agora um coletivo,
masculino, que só manteria unidade na idolatria ao pai. Através da fidelidade teórica, as questões
organizativas se buscava a proximidade ao mestre. Sete individualistas ( além de Freud; Karl Abraham, Max
Eitingon, Sandor Ferenczi, Ernest Jones, Otto Rank e Hans Sachs ) se enfrentavam e se destruíam dentro
desta dinâmica grupal até um nível que depois de 12 anos , em 20 de março de 1924, Freud escreveu a
Ferenczi: Eu sei: terminado é terminado, perdido é perdido. Sobrevivi ao Comitê, que haveria de ser meu
herdeiro, sobrevivo também a Associação Internacional. Oxalá a psicoanalise sobreviva a mim.

03 de abril: Freud escreve a Ernst Jones : Espero que minha ausência também traga como resultado mostrar
aos cavalheiros do comitê anterior que, pelo interesse da Associação e o Movimento, devem de alguma
maneira tratar-se bem, se não desejam sacrificar uma grande causa pelas suscetibilidades pessoais
Mas esta história, com suas disputas, avaliações, criticismo exagerado, cujo melhor documento são as
“circulares” do Comitê Secreto, escapa em muito ao nosso interesse, pelo menos neste trabalho e só nos diz
respeito em momentos em que este Comitê intervém de forma crítica e dura em Silberer como veremos a
seguir.

14 de fevereiro: Freud escreve à Ferenczi: Prezado Amigo. Finalmente! A revista irá se chamar “Internationale
Zeitschrift für ärztliche Psychoanalyse”. [ … ] De todos os lados chegaram moções de apoio pela mudança;
reservas, na verdade, só mesmo da parte de Silberer.

1912-1913/ 1915-1916:
Theodor Flournoy faz uma série de preleções na Universidade de Genebra tendo como tema História da
psicologia das ciências ocultas.
[13
Citando Sonu Shamdasani: Por que ele ( Flournoy ) se dedicou ao estudo da alquimia? Para Flournoy,
qualquer psicologia digna do nome precisava estudar todos os fenômenos humanos. Em particular, precisava-
se dedicar-se àquilo que William James chamou de “resíduo inexplicado”. O método para a psicologia se
tornar uma ciência era estudar o que não havia sido submetido à ciência. Na genealogia de Flournoy, o
ocultismo estava na origem de todas as ciências. Assim, o estudo da filosofia hermética, da cabala, da
astrologia, da alquimia e da magia era decisivo para a história da ciência.
Como dizia Flournoy, de acordo com a opinião popular, alquimia ocupava-se com encontrar a pedra
filosofal que transformava em ouro tudo que ela tocava, e era capaz de conservar ou dar saúde e de ser um
elixir da vida longa. Da mesma maneira que Silberer, Flournoy atribui a Hitchcock o mérito de desenvolver
uma nova perspectiva: os alquimistas eram místicos que visavam a perfeição moral e expressavam seu
pensamento na forma de alegorias tomadas do mundo material. De acordo com a primeira opinião, os
alquimistas eram percrursores dos métodos experimentais na química. De acordo com a segunda eles
estavam preocupados unicamente com questões morais. Em última análise estavam preocupados com a
sublimação da alma e sua união com Deus. Da filosofia hermética a alquimia tomava as seguintes leis:
1- O universo forma um todo cuja unidade é essencial, como está expresso pelo símbolo da serpente
devorando sua cauda.
2- A analogia e a reciprocidade entre o que está em cima e o que está embaixo, como é indicado pelo
texto da tábua de esmeralda de Hermes Trimigisto.
3- Que o visível representa a exteriorização do invisível e que o espiritual está escondido por trás do
material e é uma transformação dele.
A divisão de opiniões relativas à alquimia baseava-se no fato de que, entre os médicos e filósofos que a
praticavam, alguns a consideravam uma ciência capaz de criar ouro e riquezas, enquanto outros a
consideravam um estudo do invisível por meio do visível em busca da perfeição moral. Para os alquimistas, o
ouro era o absoluto na base de toda consciência moral. Assim como Silberer, Flournoy propôs uma
interpretação psicológica da alquimia. Por exemplo, ao comentar o livro de Azoth, uma obra escrita de 1659
escrita pelo alquimista Basilius Valentinus, ele observou que o ouro é o símbolo da pureza da alma, que é o
tesouro supremo. Os animais fantásticos que impedem alguém de obtê-los são as paixões humanas. As
manipulações dos elementos químicos representavam as batalhas interiores da alma. A destruição da matéria
vil simbolizava a morte interior, a vitória sobre as paixões. A substância negra ( o bico do corvo ) que se torna
branca ( pomba ) é a imagem da regeneração. Em linguagem moderna, o que se visava era a sublimação total
da libido. Por isso, para Flournoy a alquimia era uma das formas mais perfeitas de misticismo. A este respeito
existiam paralelos com experiências contemporâneas.
[ … ] De Hitchcock e Atwood e Silberer e Flournoy, encontramos uma mudança de uma interpretação
moral, ética e espiritual para uma interpretação psicológica. ( pag. 167 )

1914
Silberer publica 11Probleme der Mystik und Ihrer Symbolik.12
Um comentário importante é necessário fazer acerca da palavra Mystik no título do livro: A Mística noção
chave da visão de homem de Silberer, não evoca simplesmente uma forma de experiência religiosa mas
designa um tipo de experiência psicológica baseada na introversão, na união ( coniunctio ) e na
metamorfose interior. Citando Silberer: Podemos definir a mística como aquele estado religioso que luta pelo
caminho mais curto até a realização do fim da religião, a união com a divindade; ou como um cultivo
intensivo de si mesmo para experimentar esta união. Acontece se no lugar de mirar para trás olhamos para
frente desde nossos tipos elementares até o mais além. Porém não esqueçamos que só podemos considerar a
mística como o desenvolvimento mais extremo, e por tanto psiquicamente mais interno, da vida religiosa,
como o ideal dificilmente alcançável, ainda que considero que muito é possível nesta direção.

11 -Traduzido por Smith Ely Jellifee e publicado em 1917 com o título Problems of mysticism and Its Symbolism.
Essa edição é a que foi utilizada neste trabalho.
12- Pelo que se pode apreender na leitura do “Memórias”, Jung teve contato com este livro de Silberer logo após a
sua publicação e manteve uma correspondência com Silberer.
[14

É no contexto de um grande interesse pelo esoterismo no fim do século XIX e no início do século XX que
essa noção de “místico” se estabelece. O propósito principal desta obra consiste, apesar do título não indicar,
em uma interpretação psicológica da alquimia, um fenômeno místico no sentido definido. Bem antes dos
estudos de Jung, publicados nos anos 40 e 50, Silberer propõe a possibilidade de uma compreensão
psicológica da alquimia ao mesmo tem em que a considera em sua dimensão como uma doutrina iniciatica.
A opus alquímica é para ele uma metáfora para descrever uma trajetória interior visando uma metamorfose
do sujeito. O livro maior de Silberer desenvolve a ideia de uma psicologia mística, transpessoal que se
pergunta não somente acerca dos desejos pulsionais do ser humano mas também, se assim podemos dizer,
sobre seus meta-desejos de ordem espiritual e sobre a existência de uma pulsão de natureza religiosa.

Em um velho livro descobri uma narrativa extraordinária intitulada Parábola13. Tomo ela como ponto
de partida de minhas observações porque oferece uma guia bem vinda. No esforço por compreender a
parábola e obter uma visão psicológica dela, somos levados a viajar nestes mesmos reinos da fantasia, aos
quais gostaria de conduzir meu leitor. Ao final de nossa viagem teremos adquirido com a compreensão do
exemplo, o conhecimento de certas leis psíquicas.
A Parábola é uma alegoria de autoria desconhecida datada do final do século XVII. É muito
semelhante em seu acervo de imagens alquímicas com o Casamento Alquímico de Cristian Rosenkreutz.
Trata-se da jornada de iniciação de um narrador desconhecido e que depois de muitos desafios e impasses
entra no Jardim das Rosas e é testemunha da dissolução e reconstituição de um casal de amantes em Rei e
Rainha.

13-Ver anexo 7 para o texto integral da Parábola.


[15
Antes da apresentação do texto da Parábola, Silberer faz a seguinte observação: Introduzirei,pois,
sem mais preâmbulos o exemplo, e evitarei deliberadamente mencionar desde o princípio o título do livro
antigo para que o leitor esteja em condições de deixar que a narrativa o afete sem ideias preconcebidas. Após
a apresentação do texto da Parábola, Silberer fala acerca do livro de onde tirou o que ele chama “exemplo”:
Todavia tenho que revelar em que livro e em que circunstancias aparece a parábola. Está no segundo volume
de um livro “Geheime Figuren der Rosenkreuzer aus dem 16ten und 17ten Jahrhundert 14”, publicado em Altona
em torno de 1785-1790.
Seu principal conteúdo são grandes lâminas com representações pictóricas e junto com elas várias
páginas de texto. Segundo uma nota na página do título, o conteúdo “pela primeira vez sai a luz de um
manuscrito antigo”. A parábola está no segundo volume de uma série de três volumes que leva o sub título:
“Ein güldener Tractat vom philosophischen Steine. Von einem noch lebenden, doch ungenanten Philosopho,
den Filius doctrinae zur Lehre, der Fratribus Aurea Crucis aber zur Nachrichtung beschrieben Ano MDCXXV.
Se eu acrescentar que este livro é um tratado hermético ( alquimista ) pode dar uma classificação geral do
mesmo, porém dificilmente dará uma ideia precisa de sua natureza, não somente pelo esquecimento em que
agora caiu este tipo de escrita, porém também porque as poucas ideias geralmente conectadas com ele
produzem uma imagem distorcida. A arte hermética, tal como é tratada aqui, cujos princípios nos parecem
hoje fantásticos, está relacionada com várias ciências e organizações “secretas”, algumas das quais foram
desacreditadas: magia, cabal, rosacruzismo, etc, estreitamente relacionadas com a alquimia, por isso que os
termos “arte hermética” e “alquimia” ( e inclusive “arte real” ) são constantemente usados como sinônimo

Silberer publica no Jahrbuch fur Psychoanalyse a resenha Mystik and Okkultismu.


O número de trabalhos psicanalíticos sobre misticismo ainda não é grande, mesmo que, como será
feito aqui, se incluam aqueles sobre ocultismo. Este relatório teria sido muito escasso se eu também não
tivesse pensado em publicações maiores que realmente pertencem a outras categorias, mas tocam nas áreas
mencionadas. A combinação de misticismo e ocultismo não deve tentá-lo a jogar ambos em uma panela, mas
apenas corresponde a uma necessidade prática de classificação que se justifica se você tentar separar os dois
em casos individuais. A discussão das obras, que muitas vezes se limitará a meras referências, será em ordem
cronológica.
Silberer resenha vários autores como por exemplo Buber, Flournoy, Freud, Ernst Jones, Jung entre
outros mas o que vale ressaltar é a resenha que Silberer faz do seu livro: Finalmente, o primeiro livro de um
psicanalista sobre misticismo deve ser mencionado brevemente, ou seja, Herbert Silberer, "Problemas do
misticismo e seu simbolismo. O livro não se esgota no tratamento psicanalítico de seu assunto, mas a
característica é que ele inclui o psicanalítico organicamente ligado a outras formas de ver as coisas. A
alquimia, o rosacrucianismo e a maçonaria parecem estar ligados ao misticismo, em parte historicamente e
em parte por causa do simbolismo. No que diz respeito ao lado puramente psicanalítico do livro, a tentativa
de harmonizar as visões de Zurique e Viena talvez seja a de maior interesse. Uma descrição mais detalhada da
obra deve ser adiada para a próxima revisão

14- Símbolos Secretos dos Rosacruzes dos Séculos XVI e XVII. Em 1978 esse tratado foi publicado em português
pela Editora Renes ( Rio de Janeiro ) como um Volume Especial: Biblioteca Rosacruz e é a edição usada neste
trabalho.
[16

fevereiro: Silberer publica o artigo: Der Homunculus fevereiro Heft 1

dezembro: Silberer publica o artigo: Das Zertuckelungsmotiv im Mythos dezembro Heft 6 ( ver anexo 8 )

1915:
Silberer publica o livro: Durch Tod zum Leben. Eine kurze Untersuchung über die
entwicklungsgeschichtliche Bedeutung des Symbols der Wiedergeburt in seinen Urformen, mit besonderer
Berücksichtigung der modernen Theologie.

1919:
Der Traum15.
Einführung in die Traumpsychologie. Stuttgart (Enke) .
Ciclo de 8 palestras apresentadas por Silberer no Urania Star Observatory em Viena16 ( 1918 ), tendo
como tema a natureza, estrutura e significado dos sonhos.

Publicado no The Journal of Abnormal Psychology ( Fevereiro de 1919 )17 a resenha do livro de Silberer
Problems of Mysticism and Its Symbolism, assinada por Meyer Solomon
Publicado do Psychoanalytic Review ( abril de 1919 )18 a resenha do livro de Silberer Problems of Mysticism
and Its Symbolism, assinada William A. White

15- Ver:
16- Uma ironia trágica podemos ler neste trecho de uma carta de Freud à Abraham em 28 de outubro de 1913: O
Urania de Viena é um prestigioso instituto de conferências cujos convites são aceitos pelos melhores.
17- Ver anexo
18- Ver anexo
[17

Silberer apresenta na Grande Loja Maçônica de Viena um ciclo de quatro palestras começando em 30 de
Novembro de 1919. Nestas palestras Silberer continua e amplia suas discussões sobre a teoria dos ´símbolos e
compreensivelmente explora a tradição simbólica da Maçonaria. Todas as quatro palestras foram publicadas
na revista Psyche and Eros entre 1920 e 1921.,
1919: Silberer apresenta na Grande Loja Maçônica de Viena um ciclo de quatro palestras começando em 30
de Novembro de 1919. Nestas palestras Silberer continua e amplia suas discussões sobre a teoria dos
´símbolos e compreensivelmente explora a tradição simbólica da Maçonaria. Todas as quatro palestras foram
publicadas na revista Psyche and Eros entre 1920 e 1921.,

1920:
The Symbolism of Freemansonry ( Vol I/1 pags. 17-24 )

The Origin and Meaning of the Symbolism of Freemansory: II_ The Symbolism of Building ( Vol I/ 2 pags 84-
97 )
[18

1921:
The Origins of the Symbols of Freemansory: III. The Sacred Numbers ( Vol.II/2 pags. 81-89 )

The Symbols of Freemansory ( vol II/5 pags. 299 -309 )

23 de janeiro: Freud escreve à Max Eitington: Divirto-me muito com o "balançar a cabeça" que o romance
de Groddeck19 desperta entre os analistas, mesmo em nosso círculo restrito. Não me surpreendo com os
suíços, esses hipócritas, nem com o anagogo Silberer, mas de resto não posso me afastar da minha impressão:
é uma delícia mesmo que seja caviar para o povo; obra de uma mente do nível de Rabelais.

Silberer publica Der Zufall und die Koboldstreiche des Unbewuussten20 na coleção Schriffen zur Seelenkunde
und Erziehungskunst – editado por Dr. Oskar Pfister ( Ernst Bircher Verlag – Bern – Leipzig )21

19- Der Seelensucher. Ein psychoanalytische Roman. Georg Groddeck - 1921


20- O problema da causalidade foi tratado por Herbert Silberer desde o ponto de vista psicológico. Demonstra que
as coincidências aparentemente de significado são, em parte, arranjos inconscientes e, em parte, interpretações
arbitrarias inconscientes. Não contempla nem os fenômenos parapsíquicos nem a sincronicidade, e desde o ponto
de vista teórico não vai além do causalismo e de Schopenhauer. Com exceção da crítica psicológica da valoração
das causalidades, tão necessárias como aconselháveis, a investigação de Silberer não contém alusões à presença
de autênticas coincidências de significado. ( C.G.Jung: Sincronicidade como Princípio de Conexões Acausais:
1952 ( Vol VIII: §.832 ).
Herbert Silberer que se ocupou também com a Alquimia, afirma:”Eu gostaria de entregar-me quase inteiramente à
linguagem figurada e dar ao subconsciente mais profundo o nome de nosso céu das estrelas fixas”{ “Der Zufall
pag. 66 ). ( C.G.Jung: Aion 1951 ( Vol.IX/2 §-251n )
21- Um livro encantador e bem escrito que ilumina de forma divertida e instrutiva os problemas do acaso e do
acidental. É ao mesmo tempo uma esplêndida introdução ao estudo dos fenômenos inconscientes. Também discute
[19

11 de fevereiro: Circular do Comitê Secreto assinada por Ernst Jones: Hoje recebi uma hipócrita carta de
Silberer, na qual fala da beleza da verdade e me propõe intercambio do “Journal” pelo “Eros und Psyche”. Antes
de respondê-la gostaria de saber o que pensais a respeito. Pelo meu lado concordaria para não fomentar a
polemica pessoal; penso que se mostrariam um pouco menos propensos a roubar do “Journal” se mantiverem
relações comerciais com ele.

21 de fevereiro: Circular do Comitê Secreto assinada por Rank /Freud.: Com relação a Silberer, estamos de
acordo em que temos que evitar animosidades desnecessárias; não existe nenhum inconveniente de
intercambiar o “Journal” com ele.

01 de março: Circular do Comitê Secreto assinada por Ernst Jones.: Escrevi a Silberer anunciando-lhe meu
consentimento em um intercambio.

01 de abril: Circular do Comitê Secreto assinada por Ernst Jones: Talvez recordeis que Silberer se queixou no
primeiro número de Eros und Psyche que eu não havia citado sua obra em meu ensaio sobre o simbolismo. O
adverti que existia uma seção especial sobre sua obra e que somente havia revisado as primeiras partes de
meu ensaio ( desgraçadamente, a “Z” não levava nenhum sinal para indicar que se tratava de uma primeira
parte; não aparecia nenhum “continua” ). Escreveu-me, além disso, que havia lido a resenha geral de Read no
“J”, e protestou porque Read não explicara que minhas ideas sobre simbolismo provinham dele ( S )[ ! }. Juntou
uma página de MS que queria ver publicada o quanto antes no “J” para corrigir a impressão que havia deixado
Read. Você advinha que o respondi na forma que costumamos utilizar” com cortesia e frieza”.

21 de abril: Circular do Comitê Secreto assinada por Rank/Freud: Nós gostamos muito de tua carta distante
e diplomática a Silberer

11 de maio de 1921. Circular do Comitê Secreto assinada por Enest Jones. Silberer me enviou uma carta
sumamente amável, na qual pediu conselhos ao Professor. A incluo junto com minha resposta na carta para
Viena

a psicologia do jogo e do destino. Resenha feita por Stekel


[20
21 de maio de 1921: Circular do Comitê Secreto assinada por Rank. O Professor está muito de acordo com
tua resposta a Silberer: reconhecemos tua habilidade diplomática. O Professor assumirá acabar com Silberer
assim que ele se atreva a abordá-lo.

05 de outubro de 1920. Circular do Comitê Secreto assinada por Freud/ Hann Sachs/Rank. O outro redator
vienense de “Psyche”, Silberer, que faz já muito tempo que não se conta como nossos amigos, se é que alguma
vez foi, tomou faz pouco a redação de sua resenha sobre mística para o informe anual ( que não tinha a
forma adequada ), como motivo para insultar à redação,e aproveitou a oportunidade para prescindir no
futuro de sua colaboração. Desgraçadamente ainda segue sendo membro da Associação. Não queremos
deixar passar de ressaltar que a cooperação dos membros da Associação com “Psyche und Eros” ( até o
momento Pfister e Marcinowski ) não se pode proibir taxativamente, porém que temos que aproveitar as
oportunidades que se apresentam para fazer compreender aos membros aos que sua sensibilidade não os
proiba por si mesmos que, em qualquer caso, é obrigado a tomar dita cooperação como um ato não amitoso
para com nossas próprias revistas.

Tipos Psicológicos: O método construtivo se refere à elaboração de produtos inconscientes ( sonhos,


fantasias ). Parte do produto inconsciente como se fora uma expressão simbólica que antecipa uma fase do
desenvolvimento psicológico. Maeder fala neste sentido de uma “função propriamente prospectiva” do
inconsciente que antecipa quase ludicamente o desenvolvimento psicológico futuro. Também Adler reconhece
uma função antecipadora do inconsciente. É certo que o produto do inconsciente não pode ser considerado
unilateralmente como algo realizado, uma espécie de produto acabado, caso contrário dever-se-ia negar-lhe
qualquer sentido finalístico. [ … ] Contudo, o caráter finalista das tendências inconscientes não pode ser
negado a priori, se considerada a analogia com outras funções psicológicas ou fisiológicas. Consideramos,
por isso, o produto do inconsciente como expressão orientada segundo um fim ou objetivo, mas que
caracteriza o ponto diretivo em linguagem simbólica. Nota 34: Silberer se exprime de forma semelhante na
formulação do sentido anagógico. “Probleme der Mystik und ihr Symbolik” 1914, pags. 149s. ( Carl Gustav
Jung: Vol VI §782 )

1922:
17 de abril: Muito honrado Senhor: Peço-lhe que não venha me visitar. Depois de minhas observações e
impressões dos últimos anos, não desejo ter uma entrevista pessoal com o Sr. Com minha alta consideração
Freud. Carta escrita por Freud em 17 de abril de 1922, e cujo destinatário ainda é controverso, podendo ser
tanto Herbert Silberer quanto seu pai Victor Silberer.22

01 de novembro: Silberer tem a sua última participação na Sociedade Psicanalítica de Viena onde
apresentou o tema Observações em Sonhos. O texto dessa apresentação e as discussões que se seguiram
estão no anexo 6.

1923:
Silberer suicida-se em 12 de janeiro de 1923,por enforcamento.

Há todos os tipos de coisas novas conosco, algumas com as quais devemos nos alegrar, mas tudo está tão
misturado com preocupações e escrúpulos, e um saiu da prática com alegria. Carta de Freud à Ferenczi, 25 de
janeiro de 1923. Freud não faz a menor menção ao fato de que 13 dias antes , Silberer havia cometido
suicídio.

22- Bernd Nitzschke: Freud e Herbert Silberer. Hipóteses referentes ao destinatário de uma carta de Freud em
1922: Revista Internacional de História da Psicanálise: 2- 1989 ( pags. 239- 247 )
[21
Publicado pela Verlag Ernst Bircher Bern, o livro de Silberer Der Aberglaube23, como volume VIII da Schriften
Zur Seelenkund und Erziehungskunst editado por Oskar Pfister ( Zurique )

1924:
Willhelm Stekel publica o necrológico de Herbert Silberer, In Memorian, na revista editada por Stekel:
Fortschritte der Sexualwissenschaft und Psychanalyse ( Band I, pags. 408- 420 )

1928:
Energia Psíquica: [ … ] Um exemplo muito ilustrativo é a alquimia, cujo caráter simbólico mostra com uma
clareza inconfundível esse processo de transformação da energia que descreve mais acima; e os últimos
alquimistas já eram conscientes de sua sabedoria neste sentido. [ nota 59: Silberer: “Problems der Mystik und
ihrer Symbolik” assim como Rosencreutz, “Chymische Hochzeit }: vol. VIII. §. 90.

The Relation of the Ego to the Unconscious: Chamei-a de função transcendente, e ela ocorre em virtude
de um entendimento fundamental com o inconsciente. Essa notável capacidade de transformação existente
na alma humana, expressa na função transcendente, é o objeto principal do simbolismo alquímico do
medieval tardio. Em seu excelente livro, Silberer fez um estudo detalhado das conotações psicológicas da
alquimia. Seria uma depreciação imperdoável de valor se aceitássemos a visão atual e reduzíssemos o esforço
espiritual dos alquimistas ao nível da retorta e da fornalha de fundição. Certamente este aspecto lhe
pertencia; representava o princípio provisório da química exata. Mas também tem um lado espiritual que
nunca foi valorizado e que do ponto de vista psicológico não deve ser subestimado.
23 - Ver anexo 12 para o texto completo.
[22
Havia, de fato, uma filosofia alquímica, precursora provisória da psicologia mais moderna. O segredo
de sua vitalidade residia no fato de abranger a função transcendente, ou seja, a transformação da
personalidade através da fusão e união dos elementos nobres e básicos, das funções diferenciadas e inferiores,
do consciente e do inconsciente. Os primórdios da química científica foram notoriamente falsificados e
confundidos por ideias fantásticas e pontos de vista arbitrários. O mesmo se aplica à filosofia alquímica, que
foi tão obstaculizada pela inevitável concretização de uma mente ainda um tanto grosseira e subdesenvolvido
que nunca abriu caminho para uma formulação psicológica, embora uma intuição mais vívida de verdades
profundas sustentasse a paixão dos pensadores medievais por o problema da alquimia. ( pag. 243 )

1930:
O livro de Silberer sobre misticismo é de fato muito bom. Você encontrará nele o tema do caldeirão e vários
outros. : C.G.Jung: Seminário de Análise de Sonhos – 26 de março de 1930.

1931:
The Meaning of Alchemy: Tadeus Reichstein: Inaugural Lectures E.T.H- 21 de fevereiro de 1931.
Citando Sonu Shamdasani: De maneira intrigante, a primeira apresentação sobre o tema da alquimia
no círculo de Jung, não foi feita por Jung, mas por Thadeus Reichestein, um químico suíço nascido na
Polônia , que mais tarde ganhou o Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina por sua obra sobre hormônios. Em
1931 tornou-se professor do Instituto Federal Suíço de Tecnologia ( E.T.H ) em Zurique; sua preleção
inaugural, foi sobre o tema da Alquimia. Mais tarde ( novembro ) nesse mesmo ano, apresentou uma versão
ampliada dela no Clube Psicológico de Zurique.( C. G. Jung: Uma Biografia em Livros pag. 169. ) Ver anexo 8
para o texto integral da palestra na E.T.H.

1935:
A Psicologia Analítica ( ou como se chama agora: Psicologia Complexa ) está profundamente enraizada na
Europa, na Idade Média cristã e em última análise na filosofia grega. O elo de ligação, que me faltou por
tanto tempo, foi encontrado: é a alquimia, como Silberer já havia suposto corretamente. Infelizmente foi
prejudicado por seu psicologismo racionalista24.
Neste trecho de uma carta escrita à Neumann em 1935 Jung atribui a Silberer ter sido quem
inicialmente supôs a existência desta ponte entre o passado filosófico e o presente psicológico que seria a
alquimia.
Mas para compreender totalmente a aplicação de uma hermenêutica baseada psicologicamente no
simbolismo alquímico é necessário voltar até 1857 e encontrar os escritos do militar do Exército americano
Ethan Allen Hitchcock ( 1798 – 1870 ). Mas tudo isso é assunto que será discutido posteriormente.
Neste mesmo trecho também um importante principio da Psicologia Complexa está proposto ou seja, sem
história não pode existir psicologia e muito menos psicologia do inconsciente. Citando Jung: Pensar que o
homem nasceu sem uma história dentro de si mesmo é uma doença. É absolutamente normal, porque o
homem não nasce cada dia. Nasceu num contexto histórico especifico, com qualidades históricas especificas
e, portanto só é completo quando tem relações com essas coisas. Se um indivíduo cresce sem ligação alguma
com o passado, é o mesmo que se tivesse nascido sem olhos nem ouvidos e tentasse perceber o mundo externo
com exatidão. Estas colocações de Jung nos remetem à ideia de que somente os deuses tem um nascimento
milagroso, seja da espuma dos mares, de arvores, da cabeça de Zeus ou mesmo de uma panturrilha, e que o

24- Carl Gustav Jung à Erich Neumann: 22 de dezembro de 1935. Na edição da correspondência Jung / Neumann
( Analytical Psychology in Exile- 2015 ) os editores adicionam uma nota de rodapé a esta carta e em um trecho
podemos ler: Em seu seminário em Tel Aviv sobre alquimia em 1941/1942 Neumann fala sobre Silberer: ”Silberer
não somente descobriu a alquimia mas também os conceitos essenciais dos princípios psicológicos que foram
desenvolvidos na psicologia analítica – arquétipos são infinitamente muitas coisas. Por um lado, ele interpretou a
Parábola analiticamente de acordo com a velha escola analítica, por outro lado, anagogicamente, sinteticamente.
Sua questão era: como pode a mesma coisa ser interpretada psicoanaliticamente e anagogicament. Ela interpreta
toda a Parábola psicoanaliticamente ( Édipo, Incesto Castração ) mas a seguir interpreta cada simbolo tanto
analítica quanto anagogicamente”. ( pag.118,n.314 )
[23
conhecimento humano está enraizado na sua história e que tem sua filogenia e sua ontogenia. É possível
conhecer sem cultivar o reconhecer?
Outra fonte da ideia do procedimento dialético é a “interpretabilidade múltipla dos conteúdos simbólicos”.
Silberer estabeleceu a distinção entre interpretação psicoanalítica e interpretação anagógica; eu, entre
interpretação analítico- redutiva e interpretação sintética hermenêutica { Probleme der Mystik und ihre
Symbolik, p.138 } ( C.G.Jung: Considerações acerca da Psicoterapia Prática. Vol. XVI §-9 )

1936:
É bem verdade que a razão pela qual não pude continuar colaborando com Freud foi o fato de que tudo em
sua psicologia era redutivo, pessoal e pensado sob o ângulo da repressão. Uma coisa que me parecia
particularmente impossível era a maneira como Freud lidava com as demandas, o que me parece uma
distorção dos fatos. O motivo imediato da minha dissensão foi o fato de Freud numa publicação ter
identificado o método com a sua teoria, fato que me pareceu inadmissível, pois estou convencido de que se
pode aplicar um método científico sem acreditar em determinada teoria. Os resultados obtidos por seu
método podem ser interpretados de várias maneiras. Adler, por exemplo, interpreta a neurose de uma maneira
muito diferente, [e] o mesmo aluno de Freud, Silberer, mostrou claramente, independentemente de mim, que
se pode interpretar do que ele chamou de maneira anagógica. Acho que um psicólogo deve considerar essas
diferentes possibilidades e tenho a mais sincera convicção de que é muito cedo para a psicologia se restringir
a um ponto de vista redutivo unilateral.( Carl G. Jung to Jelliffe: 24 de fevereiro de 1936 )

Professor Bernoulli25 contribuiu com uma excelente pesquisa sobre o significado psicológico das mais
importantes manifestações da alquimia. É também bem sabido que Herbert Silberer, também, anteriormente,
conseguiu lançar alguma luz sobre o conteúdo psicológico da alquimia. Para não repetir desnecessariamente
o que foi dito antes, recordarei apenas os pontos essenciais do processo. ( C.G.Jung: The Idea of Redemption
in Alchemy ( Eranos 1936 ) in The Integration of Personality: 1939 pag. 208 )

1938:
Gaston Bachelard publica A Formação do Espírito Científico: Contribuição a uma psicanálise do
conhecimento objetivo. No primeiro capítulo O Primeiro Obstaculo: a experiência primeira, podemos ler:
Para tal demonstração, examinemos o que vamos chamar de caráter psicologicamente concreto da alquimia.
A experiência alquímica, mais que qualquer outra, é dupla: é objetiva e é subjetiva. Vamos nos deter sobre as
verificações subjetivas, imediatas e diretas. Teremos assim um exemplo desenvolvido dos problemas que
devem preocupar a psicanálise do conhecimento objetivo.
[ … ] Assim, com sua escala de símbolos, a alquimia é um memento para uma ordem de meditações
íntimas. Não são as coisas e as substâncias que são postas à prova, são símbolos psicológicos
correspondentes às coisas, ou mais ainda, os diferentes graus de simbolização íntima dos quais se quer
verificar a hierarquia. Parece de fato que o alquimista "simboliza" com todo o seu ser, com toda a sua alma,
por sua experiência do mundo dos objetos.
Como disse com acerto Hitchcock em livros pouco conhecidos, nos trabalhos dos alquimistas existem
menos manipulações e mais complicação. Como vai o alquimista purificar a matéria se não purificar primeiro
a própria alma?
[ .. ] O psicanalista Herbert Silberer mostrou assim, em mil observações muito pertinentes, o valor moral
dos diversos símbolos da alquimia. É surpreendente que todas as experiências da alquimia possam ser
interpretadas de duas maneiras, uma química e outra moral. Mas surge a pergunta: Onde está o ouro? Na
matéria ou no coração? Como hesitar quanto ao valor dominante da cultura alquímica? A interpretação dos
escritores que descrevem o alquimista em busca da riqueza é um contra-senso psicológico. A alquimia é uma
cultura íntima. É na intimidade do sujeito, na experiência psicologicamente concreta, que ela encontra a
primeira lição mágica. Compreender, em seguida, que a natureza opera magicamente é aplicar ao mundo a
experiência íntima. É preciso passar pela magia espiritual na qual o ser íntimo sente sua própria ascensão,
para compreender a valorização ativa das substâncias primitivamente impuras e conspurcadas.

25- Spiritual Developments as Reflected in Alchemy and Related Disciplines: Eranos 1935
[24
Um alquimista, citado por Silberer, lembra que só fez progressos importantes em sua arte no dia em que
percebeu que a Natureza age de forma mágica. Mas é uma descoberta morosa; é preciso merecê-la
moralmente para que ela ilumine, depois do espírito, a experiência.
[ … ] Silberer ainda observa "que o que deve ser semeado na terra nova é chamado habitualmente Amor".
A alquimia reina num tempo em que o homem mais ama do que utiliza a Natureza. A palavra Amor traz
tudo. É a senha entre a obra e o operário. Não é possível, sem doçura e amor, estudar a psicologia das
crianças. Exatamente no mesmo sentido, não é possível, sem doçura e amor, estudar o nascimento e o
comportamento das substâncias químicas. Consumir-se por amor é mera imagem para quem sabe aquecer
mercúrio em fogo brando. Lentidão, doçura, esperança, eis a força secreta da perfeição moral e da
transmutação material. Como afirma Hitchcock:
“O grande efeito do Amor é transformar cada coisa em sua própria natureza, que é só bondade, doçura
e perfeição. É esse poder divino que muda a água em vinho; a tristeza e a angústia em alegria exultante e
triunfante”.
Gaston Bachelard publica A Psicanálise do Fogo, onde faz a primeira referência a Jung. No livro Jung
em France escrito por Florent Serina, podemos ler: Embora tudo sugira que os dois homens nunca se
encontraram cara a cara, por assim dizer, sabemos que Bachelard teve o cuidado de reservar e enviar ao
psiquiatra de Kusnacht um exemplar de A Psicanálise do Fogo. A assessoria de imprensa das Edições
Gallimard enviou-lhe um exemplar da obra com esta dedicatória manuscrita: “A C.G. Jung que nestas páginas
terá a prova da minha admiração”. Jung, que claramente apreciou a homenagem que lhe foi prestada, acusou
o recebimento com esta breve, mas não menos cordial, mensagem:
“Estou muito grato a você pelo gentil envio de seu livro A Psicanálise do Fogo. É exatamente desse tipo de livro
que precisamos, ou seja, escritos sobre motivos simbólicos. Porque encontramos esses simbolismos em nosso
trabalho diário com nossos pacientes. Seu livro é, portanto, uma contribuição valiosa para minha biblioteca."
12/12/1938
Florent Serina comentando esta pequena manifestação de Jung a Bachelard faz uma observação muito
sutil e perspicaz:
Esta resposta não apenas sugere que Jung não leu realmente a obra, mas também destaca as diferenças
entre eles. Jung, ao referir-se aos seus pacientes, reagiu como um clínico; o que Bachelard então estava a meio
caminho entre a epistemologia e o devaneio, não era; sua abordagem é desprovida da menor pretensão
terapêutica.

1939:
Há vinte e cinco anos sei que o gnosticismo contém paralelos surpreendentes com o simbolismo do processo
de individuação. Mas um intervalo de quase 1.600 anos nos separa dessa peculiar filosofia religiosa. Durante
muito tempo não consegui encontrar o paralelo medieval para este problema. Mesmo o livro de Silberer não
me convenceu de que a alquimia era o elo perdido.( C.G.Jung: The Meaning of Individuation in The
Integration of Personality 1939 pag. 28 ).

1944:
É curioso constatar que o “homem do cavanhaque” também aparece na literatura alquímica, como por
exemplo no “Guldener Tractat vom Philosophischen Stein” escrito em 1625; numa parábola que nele figura
elaborada do ponto de vista psicológico por Herbert Silberer, aparece um jovem filósofo de cavanhaque preto
entre velhos filósofos barbudos. Silberer hesita em reconhecer o diabo nesta figura. ( C.G.Jung: Psicologia e
Alquimia vol. XII. §. 89.)

Em outras palavras, ele encontra na matéria, como se pertencessem a ela, certas qualidades e significados
potenciais de cuja natureza psíquica ele é inteiramente inconsciente. Isto é verdadeiro sobretudo na alquimia
clássica, onde a ciência empírica e a filosofia mística eram mais ou menos indiferenciadas O. processo de
divisão que separava a física da mística se iniciou no fim do século XVI e produziu uma espécie de literatura
fantástica, cujos autores eram, pelo menos num certo grau, conscientes da natureza psíquica de suas
transmutações "alquímicas".Sobre este aspecto da alquimia, especialmente quanto a seu significado
psicológico, o livro de HERBERT SILBERER “Probleme der Mystik und ihrer Symbolik” (1914) fornece uma
[25
informação abundante. O simbolismo fantástico relacionado com o aspecto psicológico é graficamente
descrito num trabalho de BERNOULLI de : “Seelische Entwicklung im Spiegel der Alchemie”. ( Ver nota 27 )
Podemos encontrar em EVOLA um relato detalhado da filosofia hermética: “La tradizione ermetica”. Mas um
estudo abrangente das ideias contidas nos textos, e da sua história, ainda está faltando, embora sejamos
devedores a REICHSTEIN26 por sua importante obra preparatória neste campo.

1946:
Os arquétipos naturais que estão na base dos mitologemas do incesto, da hierogamia, do filho divino, etc.,
geraram agora, na era da ciência, uma doutrina da sexualidade infantil e das perversões. A “coniunctio foi
redescoberta na neurose de transferência. Nota296: É interessante analisar como esta doutrina voltou a
encontrar-se com a alquimia no livro de Herbert Silberer “Probleme der Mystik und ihrer Symbolik”
( C.G.Jung: A Psicologia da Transferência: vol.IX/2 §.533 )

1955:
Herbert Silberer foi o primeiro a tentar penetrar em seu aspecto psicológico, muito mais importante, segundo
lhe permitirão seus recursos ainda limitados para levar avante este empreendimento. Na falta de
apresentações modernas e diante da relativa impossibilidade de acessar as fontes é difícil fazer uma imagem
adequada da problemática filosófica da alquimia. [ … ] Herbert Silberer tinha razão quando assinalou que a
conjunção é a “ideia central” do procedimento alquímico. Este autor compreendeu o caráter
fundamentalmente simbólico da alquimia… [ … ] À Herbert Silberer, que por infelicidade faleceu demasiado
cedo, lhe corresponde o mérito de haver sido o primeiro em descobrir os fios secretos que vão da alquimia à
psicologia do inconsciente-
Estas três citações presentes no “opus magnum’ de Jung, Mysterium Coniunctionis ( 1955 ), expressam o
reconhecimento público, ainda que do meu ponto de vista muito tardio, da importância e do significado do
trabalho de H. Silberer no que diz respeito ao aspecto simbólico da alquimia e a sua relação com a psicologia
do inconsciente.

1961:
Esquecera-me completamente do que Herbert Silberer havia escrito sobre alquimia. Quando seu livro foi
publicado, a alquimia me pareceu uma coisa marginal e bizarra, apesar de ter apreciado muito a perspectiva
anagógica de Silberer. Mantive então correspondência com ele e exprimi minha consideração pelo seu
trabalho. Mas como seu fim trágico o demonstra, suas concepções não eram acompanhadas de uma exata e
penetrante compreensão. Silberer havia utilizado principalmente materiais alquimistas que apareceram mais
tarde e que não me inspiravam grande coisa; estes textos alquimistas são fantásticos e barrocos; somente
quando se conhece previamente a chave interpretativa é possível ver que encerram também muitas coisas
preciosas.
Embora Jung tenha lido o trabalho de Silberer sobre alquimia em 1914 e manteve correspondência
com ele a respeito de seu livro, neste momento Jung considerou a alquimia como sendo marginal e bizarra,
observação que parece no mínimo curiosa para alguém que ao longo da sua vida foi muito interessado em
simbolismo. Segundo Jung o seu interesse por alquimia começa por volta de 1928 após a leitura do tratado
de alquimia espiritual Daoísta O Segredo da Flor de Ouro. Mas isso é uma outra história.
Uma outra observação a ser feita diz respeito ao comentário que Jung faz sobre as fontes utilizadas
por Silberer: … e diante da relativa impossibilidade de acessar as fontes é difícil fazer uma imagem adequada
da problemática filosófica da alquimia. [ … ] Silberer havia utilizado principalmente materiais alquimistas que
aparecerem mais tarde e que não me inspiravam grande coisa. Ao consultar a bibliografia citada por Silberer,
esta afirmação de Jung torna-se no mínimo sem sentido, para não dizer curiosa, tendo em vista a quantidade
de fontes citadas por Silberer, anteriores à Renascença e a época barroca, tanto do que poderíamos chamar
de ramo germânico ( Paracelso, Heinrich Khunrath, Michel Maier, Jacob Boehme,etc. ) quanto do ramo
britânico ( Ripley, Robert Fludd, John Dee, Pordage, Leade, etc. ) além das duas grandes antologias:
Theatrum Chemicum ( 06 volumes 1611 ) e o Museum Hermeticum reformatum et amplificatum ( 1749 ).
26- Ver anexo 16: O Significado da Alquimia: Tadeus Reichstein
[26
Silberer conhece e cita as pesquisas realizadas em seu tempo acerca da história da alquimia, feitas por
cientistas e historiadores da ciência como Marcellin Berthelot e Hermann Kopp e que refutam a tese de ser a
alquimia nada mais do que uma proto-química. Podemos dizer então que Silberer estava muito bem armado
e preparado para dimensionar a complexidade e a variedade temática deste acontecimento que é a alquimia
dentro da história da cultural ocidental.

Quem São Os Personagens Dessa História ?


Em meio a reconhecimento, citação, esquecimento, envolvimento, participações eventuais,
experimentos pessoais com a formulação de conceito que amplia a teoria do simbolismo, ser “goy” 27, escolha
de temas e vínculos de amizade pessoais e profissionais e editor de periódico que o colocam a margem mas
cuja intenção original era apenas e tão somente a de um espaçamento maior das ideias da psicanálise, é
necessário agora formular a pergunta, que aliás é a mesma feita por Jung em 1909: quem é Silberer?
Antes de percorrer alguns momentos da bio/bibliografia de Herbert Silberer é importante reproduzir
trechos do dialogo epistolar entre Freud e Jung que antecede a pergunta de Jung e a consequente resposta de
Freud: Em 20 de junho de 1909 Freud escreve a Jung: Um estranho a nosso grupo deu-me um curto mas
significativo texto sobre sonhos, a fim de que submetesse ao senhor para o Jahrbuch. Se não tiver mais
espaço, deixe-o para o próximo número. O artigo é um relato feito por Silberer, baseado nas ideias de Alfred
Maury, sobre sua auto experimentação do estado hipnagógico. O artigo foi publicado em novembro de
1909/2 no Jahrbuch 1 (2 ): Bericht über eine Methode, gewisse symbolische Halluzinations-Erscheinnungen
hervorzuruf und zu beobachten28. É interessante assinalar que este estudo que diz respeito aos estados
crepusculares da consciência e o decorrente imaginário alucinatório, aparece alguns anos antes dos
experimentos de Jung e que possibilitaram as imagens e os textos do Liber Novus29.
Jung em junho/julho de 1909 escreve: Os manuscritos chegaram nesse meio tempo; estou lendo-os
com maior interesse. Quem é Silberer? Compreendo perfeitamente as impressões do senhor sobre seu
próprio texto. Em 19 de julho de 1909 Freud escreve: Silberer é um jovem desconhecido30, provavelmente um
degenerado da alta roda; o pai dele é em Viena uma figura famosa, membro da câmara municipal e
“negocista”. Mas o trabalho dele é bom e lança luz sobre um aspecto da elaboração do sonho.
Se bem que as palavras que Freud usou para referir-se a Silberer em resposta à pergunta de Jung
podem ter um tom depreciativo mas é necessário assinalar que em outras ocasiões Freud se referiu ao
vienense em tons mais altos, mas sem perder de vista que não por muito tempo. Nas cartas a Jung datadas de
10 de julho de 1910 e 11 de abril de 1911, Freud qualifica de “fina” a escrita de Silberer, assim como sua
compreensão do trabalho do inconsciente. Sendo mais especifico, quando Freud disse isto sobre Silberer
inspirava-se em um texto de 1910, escrito por Silberer, que tinha como título Fantasias e Mitos no qual o
chamado fenômeno funcional31 ocupava um lugar central.
Resumindo, na carta de 11 de abril Freud defende Bleuler, quem segundo Jung não estava de acordo em
que se publicasse e despertou tamanha contrariedade em Bleuler que antes mesmo de levar o golpe ele se pôs
a gritar. Freud escreveu: Já li o trabalho de Silberer e não consigo entender a razão da irritação de Bleuler.
Trata-se de uma penetrante amostra de pintura psicológica em miniatura, no estilo dos trabalhos anteriores

27- À palavra Goy é uma palavra que vem do hebraico e que significa “aquele que não é judeu "
28- Publicado em 1951 com o título:Report on a Method of Eliciting and Observing Certain Symbolic
Hallucination- Phenomena, na coletânea organizada e editada por David Rapaport: Organization and Psthology of
Thought. Esta é a versão utilizada neste trabalho.
29- Jung havia tido contato com material produzido em estado hipnagógico, pois um poema e um drama escritos
por Miss Frank Miller, A Mariposa e o sol e Chiwantopel e que compõe seu artigo Quelques faits d’imagination
créatice subconsciente ( Archives de psychologie 1905, foram escritos neste estado. Em 1907 Jung fez uma resenha
deste artigo no períodico Zeitschrift für Psychologie und Physiologie der Sinnesorgane, 44, 1907,pag..220.
Posteriormente todo o material produzido por Miss Miller foi analisado por Jung em seu primeiro opus magnum
Wandlungen und Symbole der Libido ( 1912 ).
30- No período até julho de 1910 Freud conhece pessoalmente Silberer: Em 10 de julho de 1910 Freud escreve a
Jung: Prepare-se para receber dois trabalhos do círculo de Viena para o Jahrbuch. Um texto muito bom de
Silberer, a quem agora já conheço pessoalmente… O texto em questão é Fantasia e Mito, publicado no Jahrbuch/2
em dezembro de 1910.
31- Os símbolos presentes em um sonho expressam não somente os conteúdos do inconsciente mas o estado no
qual se encontra a psique no momento do sonho e eles dizem a respeito ao modo de funcionamento do psiquismo
[27
já conhecidos por nós, modesta e ponderada como convém que seja qualquer estudo sobre o tema. Devo dizer
que o fenômeno funcional agora me parece exposto com segurança, e doravante hei de tomá-lo em
consideração na interpretação de sonhos. No fundo ele não é muito diferente de minha própria “percepção
endopsíquica”. Ponho-me decididamente a favor da aceitação do trabalho.
Esta valoração positiva que Silberer teve por parte de Freud e Jung, ao menos no período de 1909 e 1911,
fica manifesto quando se percebe que em 1911 foram incluídos no Jahrbuch três trabalhos dele.
Mas voltando à resposta de Freud, à pergunta inicial de Jung, aonde ele enfatiza também, ou talvez
mais, o pai de Silberer e isso faz adiar um pouco a resposta a cerca da nossa indagação e formular uma nova
pergunta: “Quem era Victor Silberer”? Essa preocupação que agora surge com a figura do pai e sua
importância e participação no destino desse indivíduo, que é Herbert Silberer, nos remete, como um
exercício de memória, a outro personagem importante e marcante na história inicial do movimento
psicanalítico, e por extensão em Jung, e que também teve um desfecho trágico: Otto Gross 32. “o irmão gêmeo
de Jung”.33 Mas essa é história para ser contada em algum outro momento.
Voltando a pergunta: “Quem era Victor Silberer”? Para responder a esta pergunta uma boa fonte, e
que será utilizada, é o livro Peculiares Soñadores Sensitivos de Karl Fallend. Citando, longamente, Fallend:
Victor Silberer nasceu em 1846. Inicialmente trabalhou numa agência de cambio. Mais tarde soube utilizar
suas aptidões de desportistas e de escritor e escreveu os primeiros artigos para “Deutsche-Tum-Zeitung e para
o vienense “Sport”, se tornou membro da “Primeira Liga de Ginástica” e começou em 1864 a remar
esportivamente. Depois de um período na América ( 1868 – 1869 ), começou seu impetuoso aceso como o
“Silberer dos esportes” denominação que serviu para fazer sua fama em Viena. Em 1870 fundou o “Wiener
Salonblat”, foi diretor a partir de 1873 do “Militärzeitug” até que em 1880 fundou o “Allgemie Sportzeitug” e
que teve uma grande difusão sob sua direção durante 38 anos.
Nos anos 70 Victor Silberer não encontrou nenhum rival no remo em todo Império Austro Húngaro
( Fig.1 ) Em 1879, logo após encerrar sua carreira como remador, foi membro ativo da “Sociedade Vienense de
Equitação” e criou o “Traberderby”, um premio dedicado a criação de cavalos de raça assim como também
elaborar as primeiras leis austríacas sobre corrida de cavalo. No melhor estilo do “self made man” americano
junto ao espírito dos militares fieis ao Kaiser Victor Silberer uniu atividade com atividade e encontrou na
teoria de Darwin, uma sustentação biológica para seus êxitos.
Dois anos antes do nascimento de seu filho Herbert, Victor Silberer escrevia: “Todo o mundo sabe –
porque o ensinam milhares de anos de experiência – que um pai mais forte gerará um filho mais forte …
Porém que também as características morais que em parte são despertadas e por outro lado são
desenvolvidas pela ginástica, mas tarde são transmitidas hereditariamente, porque é evidente que a totalidade
das funções mentais do indivíduo dependem da constituição física e que o cérebro da criança só é uma cópia
do cérebro dos pais.”
Também participou de forma ativa na politica, sendo membro do parlamento e do conselho imperial.
Nos anos 1880 corresponde ao momento culminante de Victor Silberer que o levou às paginas da história.
Depois de sua primeira subida no balão “Vindobona” no ano de 1880, Victor foi considerado o fundador da
navegação aérea austríaca. Com um total de 147 voos conseguiu que a viagem no balão também fosse
utilizada para observações e uso na meteorologia e mais tarde lhe foi encomendado a criação e a direção de
cursos de aeronáutica militar. Esteve seu encargo a total organização e regulamentação da aviação austríaca
na fundação do “Wiener Aero Club” ( 1900 ) e a criação de uma comissão aeronáutica.

32- Ver: G. Heuer: Freud’s Outstanding Collegue/ Jung’s ‘Twin Brother’:The Suppresed Psychoanalytic and
Political Significance of Otto Gross ( Routledge- 2017 ); Marcelo Checchi, Paulo Sérgio de Souza Jr., Rafael Alves
Lima ( organizadores ): Otto Gross: Por Uma Psicanálise Revolucionária ( Anna Blume Editora- 2017 ),
principalmente pags. 17 – 71.
33- Jung a Freud: 19 de junho de 1908: [ … ] pois em Gross descobri muitos aspectos de minha própria natureza,
a tal ponto que frequentemente ele parecia um irmão gêmeo...
[28

Já foi o suficiente de Victor Silberer e vamos agora para o seu filho único: Herbert Silberer e vamos
dividir sua biografia em dois tempos: um primeiro tempo que vai do seu nascimento ( 1882 ), cresceu com
pais separados34, até por volta de 1907 é um período aonde a obediência, a submissão e para não dizer a
imitação do caminho do pai é muito presente e um segundo tempo que vai de 1907 até o ano de sua morte,
por suicídio, em 1923.
34- Victor Silberer se separou, em 1890, da sua esposa Johanne Theresia com quem havia se casado em em 07 de
fevereiro de 1881. Se casou novamente em 1920 com Josefine Ittelbach
[29
Sobre este primeiro tempo da sua biografia Fallend escreve: O caminho de Herbert Silberer no sentido da
“imitação paterna” estava traçado. Foram criadas todas as possibilidades para que Herbert Silberer seguisse
as pegadas do pai. ( Fig 2 ). Um amigo da família escreve: “Com apenas quatro anos e 9 meses participou e
ganhou o primeiro campeonato de natação em Viena, um campeonato para crianças menores de cinco anos.
No ciclismo seu professor foi o famoso Klomser, quem o levou ao Clube de Ciclismo de Viena também aos
cinco anos de idade. Herbert foi patinador sobre gelo e teve também um excelente professor de ginástica.
Quando tinha 11 ou 12 anos aprendeu a cavalgar e ganhou seu primeiro cavalo. Porém com 17 ou 18 anos
quando seu pai abandonou a equitação recebeu de presente de Natal um cavalo irlandês. Seu pai lhe
conseguiu a autorização para receber instrução superior de equitação dos melhores professores na Escola de
Equitação Espanhola junto com os filhos da mais alta aristocracia. Deste modo, toda a preparação de Herbert
chegou ao seu ponto culminante para ocupar posteriormente na “Allgemeinen Sportzeitung” o lugar de
diretor de redação do periódico”.

Herbert também pode corresponder às expectativas de seu pai no que diz respeito ao voo em balão. Começou
a praticar este esporte com 17 anos. Sua oitava viagem em 23 de setembro de 1901, o inscreveu n lista dos
recordes em voos á distancia ( 828 km ), um desempenho que permaneceu sem que ninguém quebrasse esse
recorde por muitos anos. Em 1903 escreve o seu primeiro livro “ Viertausend Kilometer in Ballon” ( “Quatro
mil quilômetros em um balão” ) aonde relata suas viagens e ilustra com 28 fotografias dos seus voos tiradas
do balão.
[30

No Bulletin of the American Society Geographycal Society vol.36 ( 1905 ) podemos ler uma pequena
resenha do livro: Mr. Silberer, cujo pai organizou o serviço de balões no Exercito Austro Húngaro, teve a sua
disposição dois excelentes balões ( “Júpiter” ( fig. 3,4 ) e “Saturno” ) fornecidos pelo Aero Clube de Viena e
junto com dois companheiros e algumas vezes sozinho, fez vários voos sobre Viena, embora algumas vezes
voou até a Hungria e uma vez voou acima das montanhas do sul da Alemanha até as planícies da Prússia. Ele
selecionou vinte e nove dessas viagens, desde outubro de 1899, para servir de relato neste volume e o ilustrou
com fotografias ( figs 5,6 7 ) tiradas do balão. Esta novidade contribui e muito para o interesse em suas
aventuras aéreas.
As fotografias foram tiradas de uma altura de mais ou menos 100 metros até 4400 metros acima do
solo. Algumas fotografias de partes de Viena tiradas de uma altitude baixa pode servir muito bem para o
planejamento de ruas, e tem a vantagem adicional de mostrar a fachada de muitos prédios e aspectos gerais
da cidade dentro do campo visual. Algumas fotografias de vilas, com suas duas ou três ruas principais, a
pequena igreja cercada por sepulturas, as arvores e riachos e colcha de retalhos das terras cultivadas tem um
efeito especial. Uma fotografia tira a 600 metros mostra uma extensa região com pequenas vila e as estradas
que fazem a conexão entre elas. Em altas altitudes o aeronauta navega em céu limpo acima das nuvens e sua
câmera captura uma visão gloriosa das altas altitudes lembrando um mar congelado. O trabalho é único e
interessante
[31

Durante o ano de 1906 Herbert Silberer presidia a estatística de voos do “Wiener Aero Klub” mas no
ano seguinte não se registra nenhum voo mais. Isso deve ser assinalado como o momento em Herbert
Silberer começou a lutar para soltar-se das obrigações impostas pelo seu pai e das ideias dele acerca de seu
futuro, e começou a buscar seus próprios interesses.
A partir deste ponto começa o segundo tempo da biografia de Herbert Silberer, com seus voos e
perspectiva ampla migrando do balonismo para a auto experimentação, a psicanalise, a teoria do símbolo,
alquimia e o ocultismo. Citando Karl Baier 35, que com certa ironia define Silberer: Herbert, um balonista
apaixonado como Victor, trabalhou como jornalista, psicanalista e pesquisador autônomo mas nunca
conseguiu se tornar economicamente independente de seu pai.
O contexto cultural de Viena favorecia em muito um jovem que esteve e pensava nas “alturas” e que
tinha estabelecido para si se libertar do aspecto excessivamente “terreno” e de horizontes limitados e
limitadores imposto pelo seu rígido e autoritário pai. 36 Dentro deste contexto duas vertentes: o Oculto e a
Psicanálise vão convergir e dialogar com Silberer e que passa a se dedicar a estudos profundos em diversos
domínios das ciências humanas: filosofia, mitologia, psicologia; autodidata bem dotado, se apaixona
também por todo o campo do ocultismo e do misticismo herdeiros diretos da tradição romântica alemã.
Como alguns dos primeiros psicanalistas – Abraham, Rank ou Stekel- Silberer se interessa intensamente
pela mitologia37 e a todas as expressões coletivas do inconsciente e que vão se tornar centrais no corpo
teórico da Psicologia Complexa.
O encantamento pelo “Oculto”, durante os anos do final do século XIX até por volta de 1930, e o
interesse por estas formas de saber tem um papel preponderante em todos os setores da cultura e dentro do
mundo das ideias. A questão do oculto e de sua posição dentro do processo de construção do pensamento
psicanalítico é uma das questões tratadas por Freud com seus seguidores e está presente na correspondência
com Jung, como podemos ler nesta carta escrita por Jung em 08 de maio 1911: Nós devemos igualmente
conquistar o ocultismo… . Dentro do grupo de Freud, Silberer, a partir de 1910, se distingue por seu acesso a
esses domínios que ele conhece muito bem e que ele considera como uma mina importante de informações
para compreender os fatos psíquicos.
E o que era o “oculto” em Viena no final do século XIX e começo de XX? Citando Karl Baier: O que
emergiu em Viena e em outras capitais da modernidade não foi o retorno de um fenômeno antigo mas a
transformação e a expansão de novas formas de religião entre a elite social e cultural da cidade, e, em certos
momentos, como foi o caso do Espiritismo, em todas as camadas sociais. Essas correntes integravam
elementos de movimentos modernos iniciais e novas ideias da física, da psicologia, da emergente
parapsicologia e outras ciências. E por ultimo, mas não em último, graças a Teosofia, existe a adição de
ingredientes da Asia do Sul ( especialmente Yoga ) neste caldeirão de crenças, sistemas, símbolos e práticas.
Neste trabalho, o termo “ocultismo” não é usado de forma essencialista, como por McIntosh, mas como uma
categoria historiográfica que designa esse fenômeno particular do século XIX e início do XX. Em Vienna, os
movimentos mais importantes neste campo eram a Teosofia, Espiritismo, pesquisa psíquica, mágica
moderna, a Teosofia de Guido Von List ( que influencia a racista Ariosofia ), Maçonaria de Alto Grau e os
Rosa Cruzes.
Os ocultistas vienenses estavam profundamente envolvidos com um amplo processo de transformação
cultural que englobava inovações nas artes, musica, literatura, arquitetura, psicologia e outras ciências. O
periódico “Wiener Rundschau”ilustra perfeitamente bem esta relação desses campos. Esse periódico dedicado
a cultura e a arte com foco na literatura foi publicado entre 1896 e 1901. Era a periódico mais lido pela elite
cultural de Viena. [ … ] Ainda segundo Baier a colaboração entre artistas, literatos e poetas se mesclava com
artigos de autores ocultistas, enquanto a religiâo oficial do estado, o Catolicismo era totalmente ausente.

35- Yoga within Viennense Occultism: Carl Kellner and Co. Pag.431 ( 2018 )
36- Ver: C.G. Jung: The Significance of the Father in the Destiny of the Individual- Collected Papers on Analytical
Psychology ( 1916. cap. III pag. 156- 175 ). Recomendo essa primeira edição do texto; a versão publicada no
vol.IV O.C. apresenta algumas revisões do texto feitas por Jung em data posterior.
37- Ver anexo 1 para uma resenha do seu artigo Fantasia e Mito, publicado
[32
Neste sentido este periódico se tornou a a plataforma pública para a interação entre as religiões alternativas
e outras áreas da cultura modernista de Viena. Citando K.Baier: Através de suas contribuições regulares no
“Rundschau”, os ocultistas se posicionaram como parte da vanguarda cultural, especialmente como
exploradores do “limite” do conhecimento humano aonde, desde seu ponto de vista, sabedorias antigas se
mesclavam com as últimas aquisições cientificas.
Duas datas, 1909 e 1910, jogam um papel importante dentro deste inicio de segundo tempo da
biografia de Silberer . Em 1909 se filia como membro de uma Ordem Martinista em Paris. Seu profundo
estudo dos Rosa Cruzes e da alquimia está provavelmente conectado com essa sua filiação ao Martinismo.
Para pessoas da sua geração interessada nos tópicos discutidos pelo ocultismo era um passo necessário e
obvio se filiar a uma das novas organizações Rosa Cruz.
Em 05 de outubro de 1910 faz uma solicitação para admissão na Sociedade Psicanalítica de Viena,
que inclui Freud, Rank Adler, Stekel e outros teóricos importantes; em 12 de outubro seu nome, junto com
outros seis solicitantes, é aceito por unanimidade e em 19 de outubro se torna membro da Sociedade
Psicanalítica de Viena38, A sua primeira apresentação é em 18 de janeiro de 1911 onde fala sobre O mágico e
outros. A sua última participação é em 01 de novembro de 1922 onde apresentou o tema Observações em
Sonhos.
Apesar de sua longa permanência, 12 anos, como membro da Sociedade , a sua participação é bastante
irregular. No período de 19 de outubro de 1910 até 18 de novembro de 1918 participa de não mais que metade
das reuniões39 No período de 22 de dezembro de 1918 a 31 de janeiro de 1923, quando são realizadas 76
reuniões, Herbert Silberer participa penas de 13 encontros, sendo que em dois deles, 02/04/ 1919 e 14/05/1919
está acompanhando de sua esposa Berta Silberer. A sua participação neste período também é bem pouco
significativa, participativa e geradora de discussão, excluindo duas sessões, a de 18 de janeiro de 1920 na
Silberer comunica que vai ser fundada uma nova revista psicanalítica em New York ( Eros and Psyche ) tendo
como editores o Dr. Tannenbaum e o Dr. Stekel e a sua última participação em 01 de novembro de 1922
quando apresenta o tema Observações em Sonhos. O texto desta apresentação como a discussão, critica
estão no anexo 1.
Uma outra data importante é 1919 quando Herbert Silberer foi iniciado na loja maçônica Sokrates em
Viena. Este envolvimento com a maçonaria vão estar presentes em quatro palestras que Silberer pronuncia
na Grande Loja de Viena, começando em 30 de novembro de 1919 e que serão publicadas entre 1920 e 1921 no
periódico Psyche and Eros. Nestas palestras, Silberer explora a rica tradição símbolica da Maçonaria e
explora temas como A Origem e o Significado dos Símbolos da Maçonaria 40, O Simbolismo da Construção41,
Números Sagrados42, Os Símbolos da Maçonaria43.
Essa série de palestras sobre Maçonaria possibilita a Silberer a expandir sua discussão inicial sobre
simbolismo e relacionar este tema diretamente ao rico ambiente simbólico da Loja Maçônica e sua extensa
história e tradição. São palestras com alta dose de erudição e ao mesmo tempo também bem informativas.
Ele reafirma sua noção de símbolo como uma expressão necessária de ideias para as quais o sujeito ou a
sociedade não tem a capacidade de apreender neste momento. Ainda mais, ele mostra seu alinhamento com
Jung com a noção de categorias universais de experiências ( que muito se aproxima da ideia de arquétipo ).
Muitas das questões essenciais do ocultismo Vienense do fim do século incluindo yoga estão presentes
em seus escritos. O amigo Wilhelm Stekel resume assim os interesses e praticas de Silberer: Ele investigou
astrologia, tentou investigar os efeitos a longa distância das estrelas nos indivíduos e conduziu estudos
profundos em alquimia [ … ] Ele experimentou muito com magia sexual e finalmente também se envolveu

38- Sobre a história do movimento psicanalítico em Viena no período de 1902 até 1938 ver: 1)- New biographical
research on the members of the Psychoanalytic movement in Vienna 1902 – 1938: Johannes Reichmayr.
International Forum of Psychoanalysis 4: ( 179 – 183 ). 1995: 2)- Following Freud in Vienna: The Psychological
Wednesday Society and the Viennese Psychoanalytical Society:1902- 1938. Elke Muhlleitner e Johannes
Reichmayr. International Forum of Psychoanalysis 6 ( 73 – 102 ).1997
39- Ver: Minutes of the Vienna Psychoanalytic Society vols. III e IV ( H. Nunberg e E.Federn, editores )
40.- Psyche and Eros: vol.I, número 1 julho de 1920 ( pags. 17- 24 )
41 - Psyche and Eros: vol. I, número 2 setembro-outubro de 1920 ( pags. 84 – 97 )
42 - Psyche and Eros: vol.II, número 2 março-abril de 1921 ( pags. 81 – 89 )
43- Psyche and Eros: vol.II, número 5 setembro – outubro de 1921 ( pags. 299 – 309 )
[33
com as práticas da Raja Yoga. Através delas ele conseguia de forma exitosa entrar numa estado de profunda
meditação que no seu ápice parecia como se estivesse num estado de aparente morte.
Neste período que corresponde ao segundo tempo da sua biografia, vemos o quanto Herbert Silberer é
um autor produtivo, criativo e de certa maneira ousado. Sua obra se compões de muitas e variadas
produções, com alto nível de erudição, consagradas ao sonho, a auto experimentação, aos mitos do
renascimento, mitos do desmembramento, ao acaso, a superstição, a imagem do duplo, à simbologia da
Maçonaria, resenha de livros e o mais importante, significativo e original é seu estudo da alquimia e seu
simbolismo. Todos os seus trabalhos, excluindo os livros, foram publicados basicamente em periódicos
dedicados à difusão do pensamento freudiano: Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische
Forschungen, Imago, Jahrbuch der Psychoanalyse, Zentralblatt für Psychoanalyse und Psychotherapie, e dois
anos antes da sua morte ele se associa a um projeto editorial americano, a revista Psyche and Eros, que ele
coedita com Stekel, mas que teve uma curta duração44.
Agora próximo do final deste breve percurso bio/bibliográfico de Herbert Silberer, um pouco da
história deste projeto editorial e algumas reações provocadas por Freud e pela corte freudiana dão uma
medida exata, da posição e de como era visto Silberer dentro do círculo íntimo psicanalítico e do seu
inevitável afastamento.
Citando Fallend: No inicio dos anos 20 o americano Dr. Samuel Tannenbum teve a brilhante ideia
comercial de fundar uma revista, na qual os grandes investigadores da alma vienense Adler, Freud, Stekel,
poderiam viver uma espécie de unificação. Este projeto encontrou naturalmente pouco eco entre os
psicanalistas quando Silberer apresentou este empreendimento em uma sessão da Associação realizada em 18
de janeiro de 1920: - O dr. Federn é contra a proposta, - o Dr. Hitschmann considera a reunião com Stekel
como totalmente impossível do ponto de vista histórico; [ ...] assim são algumas reações registradas; Freud no
entanto se absteve. [ … ] Com isso ficava claro: a possibilidade de um trabalho em conjunto ficava encerrada.
Na primeira circular45 do “Comitê Secreto”, Otto Rank informava em 05 de outubro de 1920: [ … ] O
outro editor vienense da Psyche, Silberer, que já a muito tempo que não conta entre nossos amigos, se é que
tenha sido alguma vez [ … ] lamentavelmente segue sendo membro da Associação.
Na circular de 11 de fevereiro de 1921, escrita por Ernst Jones, podemos ler: Recebi uma hipócrita carta
de Silberer, na qual fala da beleza da verdade e me propõe um intercambio do “Journal” pelo “Eros und Psyche.
Antes de responder-lhe gostaria da saber o pensam a respeito. Da minha parte, tenderia a não fomentara
polemica pessoal; penso que se mostrariam um pouco menos propensos a roubar do “Journal” se
mantivermos relações comerciais com ele.
A tomada de posição contra Silberer vai se tornando menos amistosa até que em 21 de maio de 1921
Freud, através de Otto Rank, comunicou: O Professor está muito de acordo com tua resposta a Silberer;
reconhecemos tua habilidade diplomática. O Professor assumirá acabar com Silberer quanto ele se atreva a
abordá-lo.
E isto aconteceu de fato. Neste contexto se compreende melhor o controverso bilhete, duro e ácido , de
Freud a Silberer em 17 de abril de 1922:
Muito honrado Senhor.
Peço-lhe que não venha me visitar. Depois de minhas observações dos últimos anos, não desejo ter uma
entrevista pessoal com o Sr.
Com muita consideração
Freud.
A ruptura decisiva aconteceu na reunião da Associação Vienense, de 01 de novembro de 1922 quando
Silberer falou sobre Observações nos sonhos. ( ver anexo 1 ). A discussão que se seguiu a esta apresentação foi
impregnada de uma oposição veemente sendo necessário que Freud jogasse o papel de mediador e protetor.
44- Como escreve Stekel – terceiro codiretor do periódico – em sua nota necrológica em memória a Silberer, a
revista transformou-se cada vez mais, sob a influência de Tannenbaum, num jornal hostil a Freud, o que teria sido
o motivo pelo qual finalmente Stekel e Silberer se demitiram .Esta demissão aconteceu em 1922, aproximadamente
seis meses antes do suicídio de Silberer. No entanto, este gesto não teria bastado para aplacar as reticências de
Freud para com Silberer, sempre segundo Stekel. Bernd Nitzschke: Revista Internacional de História da
Psicanálise 2 ( 1989 ) pag.242)
45- Las Circulares del “Comité Secreto: vol.1 e vol.2: Editores: Gerhard Wittenberger / Christfried Tögel. Editorial
Sintesis- ( 2001 )
[34
Em nenhuma das discussões algo de favorável a apresentação pode ser encontrado e ao contrário “junguiano,
stekeliano, fuga do sexual e do infantil. Resistência à autentica interpretação dos sonhos.
Em 15 de novembro de 1922, Rank informou aos participantes do Comitê suas observações acerca da
apresentação: Na Associação tivemos há pouco uma conferência de Silberer, ‘algumas observações em
sonhos’, que novamente são características da modalidade jesuítica deste homem. Logo que ele assegurou
com palavras retorcidas, que não queria demonstrar nada com sua conferência, muito menos algo ‘funcional’
ou ‘anagógico’, absolutamente nada teórico, seguiu deixando fluir que em sua ocupação com a interpretação
prática dos sonhos na análise, chegava cada vez à opinião que o funcional se expressa na realidade em cada
sonho as vezes de forma rudimentar. Logo deu uma quantidade de exemplos que ilustram a atitude do
paciente analisado em relação à analise ( quer dizer representações transferenciais e de resistência no
sonho ), de tal modo que todos tivemos a impressão que ele recolhia tudo ao “funcional”. Porém antes da
primeira objeção do discutidor, que estes seriam fenômenos muito conhecidos, que não teriam nada de
funcional ( pensamentos ou melhor conteúdos de pensamentos ), ele mesmo confirmou isto e pareceu assim
querer levar toda sua conferência “ad absurdum”. Porém como tem a pele muito dura, esta vergonha que
sofreu na Associação, não o vai impedir de seguir sendo membro. De todos os modos foi interessante para
todos nós ver em que direção vai seu ‘desenvolvimento’ depois da separação de Tannenbaum ( de Stekel parece
não haver se separado, pois alguns de seus pacientes parecem terem sido enviados por este.; assim que
extraoficialmente deve ser ‘assistente’ de Stekel.
Em 12 de janeiro de 1923 Herbert Silberer46 se enforcou.
A forma trágica como o jovem e promissor Silberer colocou fim a sua vida além daquelas razões
subjetivas e objetivas mencionadas, responde também ao que o historiador William Johnson, chama a
fascinação austríaca pela morte. Ao lado do esteticismo, niilismo, psicanalise, ocultismo e impressionismo, a
veneração pela morte era um traço que distinguia Viena entre os séculos XIX e XX. A morte como consolo.
Citando o poeta vienense Hermann Broch: A morte sempre está ao lado do homem de fé e do poeta,
convidando-o a que tire o máximo proveito da vida, ante o temor que a desperdicem. Esta veneração, sem
dúvida, tinha que ver com a decadência do Império Austro-Húngaro. Durante os anos da aparição de Silberer
na aventura psicanalítica o Império Austro-Húngaro estava enfermo mortalmente e era contagioso. Não são
as terminais, mas as incuráveis, essas são as piores doenças. ( Marie von Ebner-Eschenbach ) ( Citações
tiradas do texto: Herbert Silberer: Apuntes sobre un recorrido. Gibrán Larrauri Olguín )
Um dia antes, um outro membro do inicio do movimento psicanalítico, Max Kahane também se
suicidou. Citando Karl Fallend: Felix Deutsch escreveu á sua esposa Helene acerca destes acontecimentos:
“Entre os membros psicoanalistas existe um humor algo depressivo pelo suicídio de Silberer. Por outro lado
entre os médicos já ocorreu um novo suicídio. O Dr. Kahane, o eletroterapeuta cortou a radial supostamente
em função da pobreza. Eu o conhecia bem, um homem importante, excêntrico. Estou curioso a respeito de
como o Professor vai considerar esses acontecimentos”. Max Kahane ( 1866 – 1923 ) era um médico clinico,
amigo de infância e colega de faculdade de medicina de Freud. Foi um dos cinco primeiros membros da
“Sociedade de Quarta Feira”, no período de 1902 a 1907. As razões para sua ruptura do Freud, em 1907, são
desconhecidas. Citando Stekel47: [ … ] Eu não gostaria de deixar de citar que um dos mais antigos membros,
o brilhante Max Kahane, também entrou em conflito com Freud. Eu nunca perguntei a Kahane a razão
porque, mas a forma como ele passou a falar de Freud não é possível de ser reproduzida aqui. Não que ele
duvidasse de seus méritos científicos ; é a forma como Freud trata seus amigos e que é o que Kahane
imaginou ser um dia. Não se pode perder de vista que afora o suicídio desses dois amigos de Stekel, o próprio
também colocou fim a sua vida em 1940, após um período de muito sofrimento vitima de uma grave doença.
O crescente afastamento que ocorreu com o tempo entre Freud e Silberer explica-se ao mesmo por
dados objetivos, conforme vimos, e por razões psicológicas. De um ponto de vista psicodinâmico, a difícil
relação de pai-filho de Silberer certamente desempenhou um papel importante. Evocando os fatos que
entraram em jogo no suicídio de Silberer, Stekel diferencia, em sua nota necrológica, por um lado, razões
profundas e, por outro, motivos secundários circunstanciais. Entre as razões profundas, encontramos, de
46-Trecho de uma carta de Jung à Stephen J. Abrams em 05 de janeiro de 1959: [… ] Impressionou-me o fato, do
qual não tinha conhecimento, de que Kammerer se suicidara logo após a publicação de seu famoso livro. O caso
parece semelhante ao de Silberer, que se suicidou depois de ter trilhado um novo caminho. Ambos contam com
minha total simpatia.
47- On the History of the Analytical Movement.
[35
acordo, com Stekel, a personalidade muito conflituada de Silberer, que não teria sido suficientemente
analisado e que, devido a esta ausência de análise, pessoal teria tido cada vez mais dificuldade no tratamento
psicanalítico de pacientes. Entre os motivos atuais, Stekel insere – além do afastamento que ocorreu entre
Freud e Silberer, citado acima – as críticas de seus colegas, das quais foi alvo após uma conferência
pronunciada por ele na Sociedade vienense, em 01 de novembro de 1922, tendo como tema “observações sobre
sonhos”48. Stekel conta que seus colegas, que conheciam a opinião e os sentimentos de Freud a respeito de
Silberer, resolveram atacá-lo, para serem bem vistos por Freud. Seja como for, Stekel – que teria talvez boas
razões para atribuir a Freud uma parte da responsabilidade pela morte de Silberer, em vista do conflito que o
opunha pessoalmente a Freud – ressaltou como causa principal do seu suicídio sua personalidade difícil. Ele
era tão fechado em si mesmo que nem confiava em seu amigo,isto é, no próprio Stekel. Até mesmo Stekel se
surpreendeu com o suicídio de Silberer.49
Segundo o historiador Karl Baier comenta, Silberer objetivava introduzir uma nova perspectiva não
somente na psicanálise mas também no ocultismo Vienense: Citando o historiador: Herbert Silberer é o
representante mais brilhante da segunda geração do ocultismo vienense do fim do século.[ … ] Muitos sinais
no trabalho de Silberer anunciam uma nova era. Seus escritos são mais sistemáticos e acadêmicos do que
aqueles da velha geração dos ocultistas Vienenses. [ … ] Os ocultistas do fim do século de Império dos
Habsburgos usavam uma linguagem pseudo - cientifica que não tinha muita possibilidade de ser levada a
sério dentro da elite científica, ou eles se articulavam em dois tipos diferentes de linguagem dependendo se
eles dirigiam a uma audiência de adeptos uma audiência científica. Silberer conseguiu unir seu pensamento
ocultista com a terminologia psicanalítica.50
De um certo ponto de vista sua teoria era realmente independente. Ele era um “outsider” para a
comunidade psicanalítica vienense, aquele que chegou as suas conclusões através da investigação de um rico
material advindo do misticismo e do ocultismo e a partir de sua própria experimentação. Como um
“outsider” ele era independente da educação cientifica dos médicos psicanalistas; ele começou seu trabalho a
partir de uma base epistemológica diferente.
Um outro aspecto pouco mencionado, mas nem por isso menos importante, era o fato de Silberer não
ser judeu. Citando Karl Fallend: No ano de 1965 Theodor Reik formulou como única recordação de Silberer a
seguinte anedota: “ Amongst us was Dr. Herbert Silberer. Most of us were Jews and when Silberer appeared we
had a secret chorus, saying ‘Baruch attó Adonoi 51’. Here comes the honor goy, because he was the only one
who was not Jewish. Quando Silberer começa a participar da Sociedade Psicoanalítica de Viena em 1910, do
número total de 42 participantes, 30 ( 71,34% ) eram judeus, 9 eram católicos e 3 de outras religiões. E sua
marginalização definitiva dentro do grupo foi provocado pela sua aproximação a Wilhelm Stekel e sua
“Associação Independente de Médicos Analistas” e cujas reuniões frequentava regularmente e apesar de
todo seu esforço de fazer uma ponte entre o grupo próximo a Freud e o grupo de Stekel isso resultou em algo
irreal e impossível.
Uma dupla situação que chama a atenção dentro deste processo de marginalização 52 e exclusão de
Silberer se deve ao vínculo pessoal e teórico que ele estabelece com dois dissidentes do movimento
psicanalítico. Se Freud acolheu favoravelmente o primeiro trabalho de Silberer, visando complementar a
teoria dos sonhos, ele ficou um pouco mais reticente, mas sem se opor à publicação, em relação á segunda
contribuição de Silberer, isto é, aquilo que denominou de “tendência anagógica” do sonho, que deveria
possibilitar uma significação e uma interpretação deste, orientado para o futuro 53. Foi diferente com Jung,
que retomou a ideia de Silberer – assim como inspirou-se também em outros trabalhos deste, sobre
alquimia.

48- O tema apresentado por Silberer é interessante – do ponto de vista atual – quer dizer sinais do relacionamento
do paciente com a análise e com o analista que ocorrem em sonho, ou seja, questões ligadas à transferência.
49- Bernd Nitzschke: Revista Internacional de História da Psicanálise pag 242 ( vol.02 1989 )
50- idem pags.45-46 .
51- “Abençoado sejas tu, meu Deus”. Esta é uma frase comum ao incio de uma reza judia.
52- Ver: Strategic Self Marginalization: The Case of Psychoanalysis: Jaap Bos, Davis Park, Petteri Pietikainen:
Journal of the History of the Behavioral Sciences. Vol.4 ( 3 ) - Summer 2005
53- Silberer é igualmente citado pelas suas ideias inovadoras por Alphonse Maeder, amigo pessoal de Jung, pelos
estudos que Maeder faz acerca do sonhos e sua função prospectiva.
[36
A presença de uma proximidade temática entre os estudos de Herbert Silberer e certos temas
presentes dentro da produção teórica de Jung sugerem uma leitura comparativa das duas obras e isso se
expressa notadamente na importância, dada pelos dois, de uma abordagem não redutiva do simbolo, na
insistência acerca das dimensões coletivas do psiquismo e enfim pela interpretação da alquimia e das suas
dimensões psicológicas .Neste contexto, é importante assinalar a ideia, proposta por Silberer, de um duplo
significado do sonho. O sonho é, para ele, por um lado portador de um significado que lhe atribui a teoria
freudiana , mas por outro lado, está investido de um outro nível de significado, que ele chama de anagógico,
voltado para os fins e não para as origens, para o vir a ser e não para o passado e portanto portador de uma
dimensão prospectiva. Em seus trabalhos cita os escritos de Jung, principalmente a tese de Jung de 1902
sobre os fenômenos ocultos e principalmente a obra maior deste período: Wandlungen und Symbole der
Libido, publicado, em duas partes, em 1911 e 1912.
Silberer, portanto, ficou involuntariamente próximo de um autor dissidente do movimento. Mas foi
voluntariamente que, em uma segunda vez, permaneceu nesta posição: quando Stekel 54, em 1912 deixou o
grupo vienense, Silberer continuou a manter relações amigáveis com ele. Frequentou as reuniões do grupo
de Stekel55 e participou, como vimos, de um projeto editorial com ele.
Antes do próximo tema, que é a interpretação proposta por Silberer da riqueza simbólica da alquimia,
findo este percurso deixando como ponto de chegada e como ponto de partida uma pequena conclusão e que
esta sirva como um guia para o caminho que virá e que vamos seguir: O objetivo básico de Silberer era
introduzir o leitor no conhecido, porém não ocupando o lugar devido, mundo da alquimia, maçonaria e
outros campos do ocultismo, e provar que suas práticas, imagens e teorias desses domínios representam
nada mais que uma outra forma de conhecimento psicológico. De acordo com Silberer elas são linguagens
alternativas da psique e símbolos nos quais a existência humana, disputas, ansiedades e satisfações estão
refletidas. Um dos seus objetivos, portanto, era o de aplicar a psicoanálise na compreensão da experiência
mística e oculta, e, se possível, preservar o significado do conteúdo oculto original usando um novo caminho
não redutivo como meio para explorar o conhecimento psicológico. Silberer desenvolve suas ideias
inovadoras da formação do símbolo em conexão com este seu objetivo. Portanto, o aspecto básico da sua
teoria psicanalítica prospectiva finalista era baseada na sua forma não redutiva de aplicar a psicanálise. Esta
maneira de pensar e com esses objetivos é o que faz dele um psicanalista não ortodoxo e um junguiano
precoce.
Além disso deixo esta frase de Karl Baier, em si mesma intrigante e ao mesmo desafiadora para que
sigamos, no seu devido e necessário tempo, investigando na direção por ele proposta: A forma como esse
psicoanalista vienense e por não dizer ocultista interpreta yoga e outras práticas e tópicos religiosos também
se aproxima do espírito das conferências Eranos. Historicamente, o trabalho de Silberer funciona como um
elo entre a pesquisa acadêmica sobre religiosidade representada pelo círculo de Eranos e o ocultismo do fin-de
siècle.
No caminho a seguir em direção a interpretação psicológica da alquimia, vai haver uma parada na
teoria da formação do simbolo, como entendido por Silberer, e a partir daí seguimos em direção a alquimia.
Lembrando sempre que Silberer não foi o primeiro a ver a alquimia como um campo de analise simbólica e
que houve um personagem importante, não psicanalista, que viu a alquimia como uma aréa na qual
profundos conteúdos psicológicos se expressavam. A partir disso ele compreende seus produtos como um
símbolo ou metáfora. O pioneiro das teorias espirituais e psicológicas da alquimia, foi Ethan Allen
Hitchcock que deu as bases para a visão simbólica de Silberer mas vamos tratar disso mais adiante.

A Formação do Símbolo: Herbert Silberer.


Na psicanálise clássica, os símbolos encontrados em sonhos, fantasias e mitos eram interpretados como
substitutos para ideias ou tendencias primárias e como um compromisso entre as forças do inconsciente e
fatores inibidores. No entanto, Silberer introduz um conceito novo e radical: a categoria funcional dos
54- Analistas que mantiveram sua companhia comigo foram excomungados ou caíram em desgraça ( como
exemplo disso está o brilhante Herbert Siberer )- Wilhelm Stekel: On the History of the Analytical Movement
55- Stekel escreveu em 1924 o necrológico de Silberer com o título In memoriam Herbert Silberer, publicado no
primeiro número de Fortschrittliche Sexualwissenschaft und Psychanalyse ( pags.408- 420 ). Stekel explora
basicamente neste texto as contradições da sua personalidade e as fragilidades de sua posição dentro das relações de
poder que bem definem o pequeno mundo da psicanálise nascente.
[37
símbolos. Essa noção do símbolo funcional estava ligado ao interesse de Silberer na questão do “simbolismo
da passagem”. Em seu texto publicado em 1909, Silberer diz que o estado hipnagógico que emerge em
conexão com o acordar ou ir dormir são auto simbólicos e representam o estado físico ou mental do sujeito.
Silberer então relaciona imagens especificas do “simbolismo da passagem”. Por exemplo, símbolos típicos do
acordar são imagens associadas com partir, abrir uma porta, chegar em casa, andar livre num ambiente
escuro, etc. Da mesma forma, imagens conectadas com entrar em um quarto, um jardim ou uma floresta,
etc. São imagens associadas com o ir dormir. Acho que é momento de uma breve apresentação destes textos
iniciais de Silberer pois eles implicam em uma tomada de posição e uma expansão do pensamento
psicanalítico e uma aproximação entre Viena e Zurique.
Recordando: Silberer ainda não era membro de nenhuma instituição ou grupo psicanalítico em Viena,
quando despertou interesse por um texto, por sugestão do próprio Freud, publicado em 1909 no Jahrbuch,
que relata uma abordagem experimental na questão do sonho, baseado exclusivamente na introspecção. Em
conexão com pesquisas anteriores sobre sonho, ele queria isolar a conversão de pensamentos em imagens,
que acontece constantemente em sonhos e tornar isso acessível para uma observação exata e imediata. A
forma como Silberer pensou este experimento mostra que a sua noção de um experimento tem pouca coisa
em comum com o que estava sendo feito nos laboratórios de psicologia desde o final do século XIX. Acima
de tudo, retorna ao método de Alfred Maury 56, quem começou a observar seus mecanismos mentais sentado
confortavelmente em sua poltrona. Para este francês a mente era um grande joguete de imagens evocadas
pela imaginação.
Tendo essa compreensão da psique, era necessário dividir o processo de observação entre duas pessoas:
enquanto uma observava a alucinação produzida artificialmente a outra escrevia essas alucinações. Silberer
muda o procedimento, não incluindo esta segunda pessoa em sua auto observação; ele também ignorava o
problema de tomar notas, como era habitual nas investigações anteriores sobre sonho. A cena de sua
primeira e subsequentes tentativas era seu sofá, no qual ele forçava a deitar em cada entardecer em um
estado de sonolência e tentar resolver um problema filosófico ou uma outra questão dessa mesma ordem.
Silberer desenvolveu seu método tentando manter um esforço consciente de pensamento contra a
sonolência emergente – isto é, a incapacidade intelectual que isso causa.
Na luta entre a vigília e o sonho ( o estado “hipnagógico”, conforme caracterização de A. Maury ), uma
imagem inconsciente irá emergir de tempos em tempos, revelando sua situação presente de forma simbólica.
A luta que ocorre no sofá entre o elemento passivo da fadiga e o elemento ativo do esforço em pensar produz
o característico “fenômeno auto simbólico” ( Silberer )… uma aparição alucinatória caracterizada pelo fato
que de forma automática, ela traz um símbolo apropriado para aquilo que está sendo pensado ( ou sentido )
neste momento.
Citando Lydia Marinelli e Andreas Mayer57, comentando os auto experimentos de Silberer; esta
técnica de sujeitar a observação e o controle da transformação de pensamento em imagens, em um primeiro
momento não faz mais do que confirmar a proposição de Freud sobre “as considerações de
representabilidade” no capítulo 6 do “A Interpretação dos Sonhos”; isso então faz uma parte do trabalho com
sonhos tangível e sujeito a manipulação. Mas a simples confirmação é logo presenteada por uma nova
categorização deste fenômeno onírico “auto simbólico”, que divide o processo de formação dos símbolos do
sonho em três partes: material, funcional. Adicionando ao fenômeno funcional, que Silberer define como a
representação simbólica dos conteúdos do pensamento ( de um conceito, por exemplo, ou um grupo de
representações ), ele volta sua atenção quase que exclusivamente ao fenômeno funcional, no qual “o estado
ou eficiência são em si mesmo ilustrada”. Os símbolos que aqui aparecem não representam nem os conteúdos
nem a disposição somática do observador, mas ao contrário a forma como a consciência funciona
especialmente com referência aos fatores emocionais predominantes em sua psique.
Embora Silberer nunca negou o significado dos pensamentos de Freud acerca da formação do
símbolo, ele insistia na ampliação da teoria do simbolismo: A categoria funcional é caracterizada pelo fato de
que as condições, estruturas ou capacidade de trabalhar da consciência individual ( ou o aparato psíquico ) é

56- Alfred Maury: 1)- Des hallucinations hypnagogiques ( 1848 )- Annales médico-psychologiques du système
nerveux; 2)- Le Sommeil et Les Rêves ( 1862 ) principalmente cap.IV: Des Hallucinations Hypnagogiques.
57- Dreaming by the Book: Freud’s ‘The Interpretation of Dreams’ and the History of the Psychoanalytical
Movement- Other Press ( New York – 2003 )
[38
em si mesmo retratado. É chamado funcional porque não tem nada com o material ou conteúdos do ato de
pensamento mas aplica-se meramente à maneira ou modo como a consciência funciona ( rápida, lenta, leve,
dura, cuidadosa, dividida em complexos, unida, etc. ).
Aqui cabe citar exemplos destas três categorias descritas acima: a)- fenômenos materiais ou de
conteúdo: Eu penso que me proponho a melhorar uma parte áspera de um texto. Me vejo polindo um pedaço
de madeira.
b)- fenômenos funcionais ou de rendimento: Eu perco o fio das minhas ideias. Me esforço em tentar
encontrá-lo, porém devo reconhecer que me esqueci totalmente do ponto de partida. Símbolo: um fragmento
de frase escrita, cujas últimas linhas desapareceram.
c)- os fenômenos somáticos que refletem auto simbolicamente os estados corporais. Posto que nesta
classe falta a condição do esforço de pensar, Silberer amplia o antagonismo entre sonolência versus
pertubação do dormir. Exemplo: Eu respiro fundo, meu peito se levanta. Símbolo: Eu levanto uma mesa até o
alto, junto com alguém.
Em 1911 Silberer publica no Jahrbuch 3, o texto Uber die Symbolbildung58no qual se coloca a parte da
escola de Freud ao enfatizar que o sexual não é a parte essencial na formação do símbolo e esta colocação faz
com que suas ideias sobre a formação dos símbolos o coloque mais próximo de Zurique ( Jung e Bleuler ) e
mais distante de Viena ( Freud ).
Silberer também fez uma tentativa original de adicionar um novo foco ao pensamento psicanalítico:
foco no futuro e nos potenciais futuros da psique. Ele acreditava que a escola Freudiana limitou de forma
incorreta o âmbito da questão da origem, isto é, à história, raízes e antecedentes do fenômeno psicológico. A
questão do futuro e as metas do desenvolvimento da personalidade são igualmente importantes em sua
visão: Desde que a psicanálise encontrou aceitação, muito dos seus seguidores acreditavam que estavam
aptos a resolver, somente com seu trabalho de análise, todos os problemas psicológico, estético e mitológicos
que se apresentassem. Nós compreendemos somente metade dos impulsos psíquicos, da mesma maneira que
toda a evolução no aspecto espiritual, se olharmos meramente para as raízes. Nós devemos considerar não
meramente de onde viemos mas também para onde estamos indo. Então somente agora pode o percurso da
psique ( sobre o plano da psicologia individual ) ser compreendido, em uma formula que faça justiça a seu
movimento. Não deixa de ser uma tomada de posição ousada e corajosa para alguém que se define como
discípulo de Freud.
Os potenciais, tendências e possibilidades de desenvolvimento da psique podem também ser expressos
no simbolismo funcional dos sonhos e fantasias. Esta abordagem finalista e prospectiva é fundamental
dentro do pensamento de Silberer.
Devemos enfatizar que a natureza coletiva de certos símbolos e imagens tem uma importância
significativa para Silberer. Isso ele identifica como tipos interiorizados ou tipos elementares. Eles significam
forças básicas dentro da psique que são coletivamente presentes e comum a todos os homens. Seu
simbolismo, portanto, é universal. Ainda mais, de acordo com Silberer, esses tipos elementares são
facilmente escolhidos para representar o anagógico.
Silberer também estava convencido de que um símbolo nunca podia ser esgotado pela suposição da
significação igualitária. Ao contrário, ele interpreta os símbolos, como pontos de intersecção no qual muitos
significados diferentes se encontram. Ele compara os símbolos com o sol a partir do qual raios de luz, ou, em
suas palavras, significados emanam. No entanto, ele atribui uma concretude momentânea a esses símbolos,
e considera-os como necessárias abreviações na história pessoal e coletiva da humanidade.
Considerando o que foi dito acerca das características do simbolismo conforme proposto por Silberer,
devemos assinalar que ele introduz uma forma nova e radical de interpretação do símbolo que integra não
somente o passado do sujeito, mas como seu ou sua situação presente, tendencias e possibilidades de
desenvolvimento – isso quer dizer, o potencial futuro do sujeito. Ele introduz a ideia da interpretação
anagógica na teoria da formação do símbolo.
Concluindo vamos destacar quatro pontos importantes: 1)- A teoria do simbolismo funcional questiona
a validade absoluta da interpretação redutiva da formação do símbolo conforme proposta por Freud; 2)- Ao
propor a teoria dos tipos elementares, Silberer, pelo menos parcialmente, desloca seu foco de investigação
58- On Symbol Formation ( para a edição deste texto ver nota 4 ). Ver anexo 2 para uma resenha deste texto
publicado no Psychoanalytic Review.
[39
do individual para o coletivo; 3)- A abordagem prospectiva finalista de Silberer é radicalmente oposta da
abordagem causal mecanicista; 4)- Finalmente, ao propor a interpretação anagógica n formação do símbolo,
Silberer obviamente desvia-se do caminho de uma interpretação racional mecanicista da psicanálise e abre
caminho para uma abordagem hermética, religiosa e espiritual.

Gênese e desenvolvimento de uma interpretação psicológica da Alquimia: De Ethan Allen


Hitchcock à Herbert Silberer.
O processo alquímico pensado como uma obra voltada para a transformação interior do ser humano,
já ocupava um lugar em alguns escritos literários na Alemanha, entre o final do período das “Luzes” e o
período romântico alemão. A ideia que a opus alquímica não visava uma transformação material do chumbo
em ouro, mas estava relacionada com um processo de caráter psicológico está presente na obra de Karl
Philipp Moritz (1776 – 1882 ) Anton Reiser59 e sem esquecer, obviamente, de Goethe ( 1749 – 1832 ) aonde a
presença de motivos alquímicos está presente em certas obras mas principalmente em Fausto60 e As
Afinidades Eletivas.
E fora do âmbito da literatura o terreno para uma interpretação psicológica da alquimia havia sido
preparado já no século XIX por dois autores Mary Atwood ( 1817 – 1910 ) pela sua obra Hermetic Philosophy
and Alchemy – A Suggestive Inquiry into the Hermetic Mystery publicado em 1850 e pelas reflexões do militar
americano Ethan Allen Hitchcock no seu livro Remarks upon Alchemy and the Alchemists publicado em
1857; obras que evidenciaram o aspecto simbólico da opus alquímica assim como também sua dimensão
espiritual, considerando que o objeto da opus é o homem em si mesmo e sua transformação espiritual. Tudo
isso é muito importante e muito amplo mas está fora do espectro deste trabalho e vou me concentrar apenas
em um personagem com quem, posteriormente, Herbert Silberer, manterá um longo diálogo com este
interlocutor ausente .: Ethan Allen Hitchcock.
Vamos a uma pergunta que norteia esse trabalho: Quem era Ethan Allen Hitchcock61? O Major
General Ethan Allen Hitchcock ( 1798 - 1870 ) era neto de Ethan Allen de Vermont, e como seu avó, mostrou
um grande interesse pela religião natural mas também muito se distinguiu nas questões políticas e militares
da nação americana. Enquanto o impacto do Iluminismo na América levou seu avó a se envolver com
Deísmo, Hitchcock se envolveu com Filosofia Hermética, Swedenborg, Alquimia e Maçonaria.
As publicações de E. A. Hitchcock começam em1846, quando ainda estava no Exercito, do qual foi
para a reserva em 1855. Sus primeira publicação é The Doctrines of Spinoza and Swendenborg Identified. Em
1853, Hitchcock recebeu de seu irmão o volume Hermetic Philosophy, que ele guardou em função da beleza
das suas gravuras, ignorando seu texto que lhe parecia sem sentido. A partir deste momento começa a
formar uma vasta biblioteca com livros sobre este tema e muitos destes livros estão na Library of Congress
( Washington ).
Em 1855 publicou anonimamente um panfleto de 40 páginas, para circulação privada, com o título:
Remarks Upon the Alchymist and the supposed object of their Pursuit showing that the Philosopher’s Stone is
a mere symbol, signifying something which could not be expressed openly, without incurring the danger of an
Auto da Fé, by an officer of the United States Army, Carlisle Pennysylvan
Um artigo publicado no Westminster and Foreign Quartely Review de 01 de outubro de 1856 e escrito
por George Henry Lewis, com o titulo Alchemy and Alchemists ( pags. 279- 295 ) contém uma breve
referência, numa nota de rodapé, ao texto de Hitchcock.
Na realidade a critica está dirigida de uma forma ampla à Alquimia e o autor escolhe três escritos para
sustentar sua crítica, aliás bem virulenta. Os escritos escolhidos, além do de Hitchcock foram: L”Alchimie et
les Alchimistes, Essai critique sur la Philosophie Hermétique- Louis Figueir ( 1856 ) e Geschichte der Chemie
– Dr. Hermann Kopp ( 1843 – 1844 ). Praticamente toda a resenha se dedica aos trabalhos de Figuier e Kopp e
o de Hitchcock merece apenas uma breve nota de rodapé e como o texto foi escrito de forma anônima a
referência fala apenas do oficial dos EUA.

59- Anton Reiser: Um Romance Psicológico. Editora Carambaia 2019. Traduzido por José Feres Sabino
60- Goethe and the Philosopher’s Stone: Alice Raphael: ( Garret Publications – New York 1965 )
61- 1)- Ethan Allen Hitchcock and Alchemy: Sister St. John Nepomucene: Journal of the Washington Academy of
Science.Vol.59. Nos.4-5 . April – May 1969. 2)- Alchemical manuscripts in Washington Area Libraries: Sister
St.John Nepomucene: Journal of the Washington Academy of Sciences. May.1963
[40

Dois trechos deste artigo, mostram um pouco do tom da critica e são importantes citar 62: Os
alquimistas estavam não somente inconscientes do grande trabalho que em geral empregaram no
encaminhamento, mas também equivocados e confusos por fantasias que, para nós, parecem pueris, por
raciocínios que dificilmente enganariam qualquer mente pensante em nossos dias e, como consequência,
apresentaram o doloroso espetáculos de enganados e enganadores, tolos e charlatãos, modificando a si
mesmos ou mistificando a outros. Um elemento experimental foi misturado com um elemento místico; um
materialismo grosseiro e não científico, com um espiritualismo vago e ambicioso. Quando a Alquimia foi
denunciada como condenável, os crédulos enfrentaram a denúncia reivindicando para suas quimeras uma
inspiração religiosa e um objetivo religioso. As orações e as invocações religiosas não eram preliminares
indispensáveis à grande obra dos alquimistas nos dias posteriores – não apenas sua linguagem era
estranhamente colorida com alusões religiosas – mas também era sua assimilação da transmutação de
metais com a doutrina da morte e da ressurreição dos homens que Lutero como motivo de seus louvores a
alquimia. [ .. ]
[ … ] O filósofo árabe imperturbado por abstrações místicas era perturbado apenas com dificuldades
positivas. A unidade e simplicidade da fé muçulmana ou mais propriamente dito, a indiferença nacional à
concepções místicas, manteve estes homens no trabalho do laboratório; mas os cristãos não se podiam
confinar a mero labor experimental; a inspiração religiosa era considera necessária ao menos como
preliminar; e em pouco tempo o elemento religioso tornou-se quase o elemento dominante. Neste ponto da
resenha o autor coloca a seguinte nota de rodapé e conforme já dito é a única referência ao oficial dos EUA :
Somente isto forneceu um tipo de pretexto para as visões postas pelo oficial dos EUA no panfleto nomeado no
título deste artigo.
Em resposta ao artigo da Westminster, Hitchcock publica dois livros e pelos seus titulo é suficiente para
perceber a natureza dos seus interesses
Remarks upon Alchemy and the Alchemists, indicating a method of discovery the true Nature of
Hermetic Philosophy: and showing that the Search after the Philosopher’s Stone had not for its Object the
Discovery of an Agenty fot the Transmutation of Metals: Being also an Attempt to Rescue from underserved
Opprobium the Reputation of a Class of extrordinary Thinkes in Past Ages. ‘Man shall not live by Bread alone’
( 1857 );
Swedenborg, A Hermetic Philosopher, Being a Sequel to Remarks on Alchemy and the Alchemists.
Showing that Swedenborg was a Hermetic Philosopher and that his Writings may be Interpreted from the
Point of View of Hermetic Philosophy. With a chapter comparing Swedenborg and Spinosa. ‘One truth
openeth the way to another’ ( 1858 ).
Hitchcock também escreveu livros sobre o Cristianismo e livros interpretando a poesia de Spencer,
Shakespeare e Dante. Mas é em seu Remarks Upon Alchemy and the Alchemists, publicado anonimamente

62- Alchemy and Alchemists: George Henry Lews: Westminster and Foreign Quartely Review: Outubro de 1856-
pag.287.
[41
em 1857 que vamos dedicar nossa atenção. Dando um pequeno salto no tempo, antes de entrar diretamente
na analise da obra maior de Ethan, vamos aos dois trechos de uma carta escrita por ele 19 de Agosto de 1862
para Miss Peabody. No primeiro trecho ele comenta sobre seu primeiro livro de alquimia e que na realidade,
conforme já dito anteriormente, foi lhe dado pelo seu irmão: Ao ler o prefácio, intriguei-me com o fato de
que o escritor fez muitas referências à Sabedoria, com insinuações de que aquele que fosse feliz de descobrir a
Pedra Filosofal estaria na condição do sábio que é descrito como segurando riquezas em uma das mãos e paz
na outra ...Saí em busca de outros livros da mesma espécie e tive sorte bastante de encontrar vários; a
maioria, com mais de um século de idade, e todos eles escritos com uma sobriedade além da seriedade
ordinária, indicando um Espírito, que, assim me pareceu, pôde clarear em minha mente o fato de que os
alquimistas não buscavam o ouro, embora eu visse que de seus escritos eventualmente surgiu uma classe de
homens cujos experimentos ( desencontrados ) em Alquimia puderam levar à Química Moderna. Eu vi muito
bem que os ‘genuínos’ alquimistas levaram adiante seu trabalho sem as mãos, trabalhando de fato com um
fogo imaterial. Há algo como ‘paz’ precisamente nessa ideia.
A seguir ele descreve o panfleto, o artigo da Westminster e a publicação do Alchemy and the
Alchemists: Ao escrever aquela obra eu não tinha ideia do ponto para o qual tendia, exceto pelo fato de que
estava certo de que os alquimistas era uma classe religiosa de escritores. Mal terminei o manuscrito e logo me
debrucei sobra a ideia de que Swedenborg era um filosofo hermético….Ao preparar aquele trabalho ( 1858 ) vi,
um tanto vagamente que a chave para a Alquimia podia ser a chave para os livros mantidos na mais sagrada
reverência pelo mundo cristão...a questão surgira distintamente em minha mente – se a parábola do Filho
Pródigo contém um belo ensinamento dado por si mesmo sem uma base histórica, por que não seria verdade
enquanto aos evangelhos inteiros, por si mesmos? Os escritos de Filo obtiveram um valor especial, e eu não
demorei a chegar à conclusão de que De Quincy, em seu ‘Essay on the Essenes’ haviam desvelado o fato … a
verdade requeria olharmos os cristãos como nascidos entre os essênios. [ … ] Quando vi o belo simbolismo da
história dos dois discípulos indo para Emaús, como explicado na 13 a. Seção da Primeira Parte de ‘Christ the
Spirit”, eu nada podia fazer, a não ser o estudo dos evangelhos no Espírito da Verdade, para ver aquele Espírito
nos Evangelhos, e não só neles, mas na Lei e nos Profetas. Então, senti que Cristo não só se “manifestou” para
mim, na medida em que senti me faltarem as condições requeridas no volume sagrado, as que o mesmo se deu
com todos aqueles que veriam em si mesmos ( e portanto nos livros sagrados) Aquele Santo de Israel.
Voltamos ao livro de Hitchcock e a algumas das proposições feitas pelo autor.. Uma delas, e é a mais
simples, é que muito da alquimia nunca teve nada a ver com a química e que o objetivo dos alquimistas
nunca foi o de produzir ouro. Muitas e muitas vezes os alquimistas repetiam a frase: Aurum nostrum non est
aurum vulgi.
A ideia principal de E.A.Hitchcock: o Homem era o sujeito da Alquimia; e que o objeto da Arte era a
perfeição, ou pelo menos, o aperfeiçoamento do Homem. A salvação do homem – sua transformação de mal à
bom, ou sua passagem de um estado natural para um estado de graça – era simbolizado pelas gravuras da
transmutação dos metais. Esta é a ideia que define a importância deste autor como aquele que preparou o
terreno para a possibilidade de uma futura interpretação psicológica da alquimia. O trabalho de Hitchcock,
que podemos inserir dentro de uma compreensão pré psicológica da alquimia, foi provavelmente a primeira
interpretação moderna na qual o sujeito e o objetivo da alquimia foi corretamente percebido. Silberer, como
veremos adiante, foi capaz de ampliar este insight e explorar seu simbolismo em termos da emergente
ciência da psicologia.
Uma outra colocação importante de Hitchcock e que contém um discretos sabor de antecipação de
um conceito muito caro à Psicologia Complexa ou seja de arquétipos do inconsciente coletivo, é a seguinte: o
Homem é o objeto central de todos os livros de alquimia; no entanto, não o homem como ele é como
indivíduo, mas como ele é como ‘Natureza’ contendo ou manifestando o grande mundo, ou como ele é a
imagem de Deus. [ … ] Enquanto esta ( simbólica ) de ensinamento aparece naturalmente ter sido adotada
pelo gênio dos primeiros tempos, sua preservação esta relacionada a um trabalho correspondente da mente
humana, para a qual todo o simbolismo está endereçado. É claro que, se um trabalho simbólico não encontra
eco no coração humano, ele deve perecer; enquanto, por esta mesma razão, quando estes trabalhos são
preservados durante muitos anos, isso provoca uma pressuposição clara que esses autores tocaram na veia de
um verdade perene.
[42
O General Hitchcock define igualmente e de maneira precisa qual é segundo ele a posição dos textos
alquímicos dentro da história cultural: Os textos Alquímicos estão relacionados com uma geografia moral e
intelectual, qualquer coisa como os esqueletos do ichthyosaurio e do plesiosaurio estão relacionados com a
geologia. Eles são esqueletos de pensamentos de épocas passadas.
Na medida em que o sujeito da alquimia era o Homem ao contrário que a química dos metais, nenhum
verdadeiro alquimista teve decepção de qualquer suposta falha em produzir o ouro. Eu portanto digo, depois
de muito estudo e deliberação, que o trabalho dos alquimistas ‘genuínos’, excluindo esses ignorantes
imitadores e dedicados impostores, é sempre essencialmente religioso e que o melhor apoio externo para sua
interpretação está no estudo das Sagradas Escrituras… os genuínos alquimistas são homens religiosos…
Quando os alquimistas discutem várias formas de matéria ou diferentes substancias materiais, eles
fazem isso dentro de um sentido simbólico. O Homem é a imagem de Deus e é referido por nomes como
ouro, prata, chumbo, mercúrio, sal, e assim por diante, uma variedade de nomes… embora eles falem mais
frequentemente dele como “Metal” ou “Mineral” A Salvação está representada como um processo de
purificação e os estágios desse processo leva-os a uma representação em termos de mudança de um tipo de
metal para outro: Nosso Mercúrio é aéreo – do espírito e não da terra – ou esses minerais feitos de mercúrio
vivo e enxofre vivo ( Corpo e Alma) devem ser os escolhidos. [ … ] a única dificuldade em preparar a Pedra
Filosofal consiste em se obter o mercúrio filosófico.
Ao leitor menos avisado pode ser surpreendente ver os alquimistas declararem que seu subjectum isto
é, o material a ser trabalhado – é idêntico ao vaso, isto é, ao alambique, ao ovo filosofal, etc. Mas ambos são o
homem: sua alma e seu espírito. Para isso Hitchcock cita um trabalho alquímico, com um certo “ar” de teoria
da individuação, Centrum Naturae Concentratum: A sabedoria suprema consiste nisso, para o Homem
conhecer a Si Mesmo, porque nele Deus colocou seu Mundo Eterno, pelo qual todas as coisas são feitas e
elevadas. Portanto deixe os grandes questionadores e buscadores dentro dos mistérios profundos da natureza
aprender primeiro que eles têm em si mesmos, antes deles buscarem em lugares externos sem a presença
deles; e por esse poder divino dentro deles, devem primeiro curar a si mesmo e ‘transmutar’ sua própria alma;
então eles seguirão prósperos, e procuraram com bom sucesso os mistérios e s maravilhas de Deus em todas
as coisas naturais.
Concluo esta breve apresentação das ideias de Hitchcock enfatizando como ele compreendia que o
sujeito da alquimia era o mesmo sujeito que a psicologia, que o objeto da alquimia era a transformação
humana, e que este sujeito e objeto eram representados simbolicamente na alquimia e que essa ideia dá a ele
um lugar assegurado como o precursor da moderna relação entre a psicologia e a alquimia.
Vamos agora para a questão de como essas ideias foram recebidas e os efeitos que elas tiveram na
interpretação da alquimia no período pós Hitchcock e pré Jung. Um dos trabalhos mais importantes sobre a
interpretação do misticismo e dos símbolos misticos, conforme já mencionamos anteriormente, foram
escritos pelo vienense Herbert Silberer, principalmente em seu livro Problems of Mysticism and its
Symbolism ( 1917 )63 e contém uma considerável discussão sobre alquimia e arte hermética. Silberer escreveu:
O trabalho de haver redescoberto o valor subjacente da alquimia acima de sua fase química, deve ser
atribuído ao Americano, Ethan Allen Hitchcock, que publicou suas visões sobre os alquimistas em seu livro,
“Remarks upon Alchemy and the Alchemists” que foi publicado em Boston em 1857 e ao francês N. Landur, um
escritor do periódico científico ‘L’Institut, que escreveu em 1868 de uma forma similar, embora eu não saiba se
ele escreveu tendo conhecimento do trabalho Americano.
Por uma razão curiosa somente uma única página de referência à Hitchcock, e é justamente a que
contém esta citação ( pag. 151 ), pode ser encontrada no índice da edição em inglês do livro de Silberer,
apesar do fato de que o trabalho deste autor americano ser discutido ao longo do livro e seu nome
mencionado muitas vezes. Essa “curiosidade” torna difícil reconhecer o peso, a importância e a influência de
Hitchcock nessa obra de Silberer..
Silberer gentilmente agradece sua dívida para com Hitchcock, e não somente o capítulo sobre A arte
hermética deriva da discussão que Hitchcock faz da alquimia, mas toda a tese do livro de Silberer é derivada

63- Vale ressaltar que este não foi o único escrito de Silberer com uma temática alquímica. Em 1914 publicou na
revista Imago o texto Der Homunculus ( pag. 37 – 79 ), no qual evoca a figura do médico e alquimista Paracelso e o
texto que Silberer menciona de forma privilegiada é precisamente o De natura rerum, texto este que Jung fará um
longo comentário em 1942: Paracelso, como fenômeno espiritual- O.C. XIII §145 -238.
[43
dos escritos do General Americano. Silberer faz longas citações de Hitchcock e das fontes citadas por ele e
seu sumário ou condensação do Alchemy and the Alchemists é de toda forma admirável.
O ponto de partida do livro de Herbert Silberer, Probleme der Mystik und inher Symbolik publicado
em 1914, é uma análise dos diferentes planos de significado da Parábola, um texto do livro Geheime Figuren
der Rosenkreuzer aus dem 16ten und 17ten Jahrhundert 64 publicado em Altona em 1785. O livro foi publicado
em três volume e a Parábola está no segundo volume que têm como subtítulo : Ein güldener Tractat vom
philosophischen Steine. Von einem noch lebenden, doch ungenannten Philosopho, den Filiis doctrinae zur
Lehre, der Fratibus Aurea Crucis aber zur Nachrichtung beschrieben. Anno M.D.C.XXV65. O texto da Parábola
está em sua versão integral no anexo 7.
Quanto a origem da Parábola existem duas possibilidade: ou o editor é ele mesmo o autor e como tal se
retira a um segundo plano enquanto atua como colecionador de antigos manuscritos rosacruz, que agora, na
publicação, divulga aos aficionados na arte; ou o editor é simplesmente editor. Em qualquer caso, fica a
obrigação de interpretar hermeticamente a Parábola.
O projeto segue as seguintes diretrizes: Assim que primeiro, avançando deliberadamente em uma
linha, considerarei a Parábola como sendo um sonho ou conto de fadas e analisá-la psicanaliticamente. Este
tratamento para a informação do leitor, estará precedido por uma breve exposição da psicanálise como
método de interpretação dos sonhos e dos contos de fada. Logo, buscando ainda as raízes do assunto,
introduzirei as doutrinas que simboliza a linguagem pictórica da Parábola. Levarei em consideração o pono
de vista químico da alquimia e também a filosofia hermética e seus métodos educativos com hieroglifos.
Desenvolveremos conexões com temas religiosos e éticos e levaremos em consideração as relações
históricas e psicológicas do pensamento hermético com a Rosa Cruz em suas diversas manifestações e a
Maçonaria. E quando começamos, ao final da seção analítica do meu trabalho, a aplicar à solução de nossa
Parábola e de vários contos populares a compreensão que obtivemos, nos enfrentaremos a um problema pois
encontraremos a questão de dois aspectos aparentemente contraditórios, interpretações, segundo seguimos a
pauta da psicanálise ou da solução hermética. Então surgirá a pergunta de se e como se produz as
contraindicações. Como relacionaremos e conciliaremos as duas interpretações diferentes que são bastante
diferentes e completas em si mesmas.
A questão que surge das diversas ilustrações se expande em um problema geral, a que está dedicada a
parte sintética de meu livro. Isto, entre outras considerações, nos conduzirá à psicologia da criação de
símbolos, aonde novamente os descobrimentos da psicanálise voltam em nossa ajuda. Não nos
contentaremos com a análise, mas que nos esforçaremos por seguir certas tendências evolutivas que,
expressadas em símbolos psicológicos, desenvolvendo-se segundo leis naturais, nos permitiram conjecturar
uma construção ou progressão espiritual que poderíamos chamar de anábasis. Veremos claramente por este
método de estudo como surge a contradição original e como o que antes era irreconciliável , resultam ser dois
polos de um processo evolutivo. Deste modo, se derivaram vários princípios de interpretação do mito.
Acabo da falar de uma anábasis. Por isso devemos entender um movimento para frente em um sentido
moral ou religioso. O exemplo mais intenso da anábasis ( seja o que seja ) é o misticismo.
A justificativa para a aplicação do método psicanalítico a este texto foi a importante observação de que
a linguagem simbólica da Parábola mostra uma grande afinidade com a linguagem dos sonhos 66 e dos mitos.
[ … ] Nos esforçaremos por aplicar à Parábola o conhecimento obtido da interpretação psicanalítica dos
sonhos, e encontraremos que a Parábola, como uma criação da imaginação, mostra em seus fundamentos a
mesma estrutura dos sonhos. Com certa ironia Silberer explica o porquê não poder utilizar o método original
da psicanálise: Este consiste em ter uma série de sessões de espiritismo com o sonhador para evocar as
associações livres. A partir disso Silberer propõe uma hermenêutica em três passos:

64- Símbolos Secretos dos Rosacruzes dos séculos XVI e XVII.


65- Um Tratado Áureo sobre a Pedra Filosofal, por um Filósofo ainda vivo, porém desconhecido, para a
instrução dos Filii Doctrinae e a informação dos Fratres Aureae Crucis.
66- A investigação científica moderna dos sonhos, na qual Freud foi um pioneiro, chegou à conclusão, porém em
um sentido diferente da crença popular, de que os sonhos têm um significado. Enquanto a crença popular diz que
presagiam algo do futuro, a ciência demonstra que têm um significado que está presente na psique e determinado
pelo passado. Os sonhos são então, como mostram os resultados de Freud, sempre fantasias de desejos. ( Dou aqui
somente uma exposição, não uma crítica. Minha aplicação posterior da psicanálise mostrará as reservas que faço
em relação às doutrinas de Freud )
[44
No primeiro passo o material simbólico é comparado com imagens tipicas de sonho: Foi mostrado
que nos sonhos de todos os indivíduos certas fases e tipos recorrem, e neste simbolismo tem uma validade
muito ampla, porque eles são manifestadamente construídos em emoções humanas universais. Sua expressão
imaginativa é criada de acordo com uma lei psíquica que permanece pouco afetada pelas diferenças
individuais. Então, Silberer compreende um aspecto do homem que aparece bem claro na Psicologia
Complexa como sendo os arquétipos do inconsciente coletivo. Um modo semelhante de considerar o aspecto
coletivo das imagens simbólicas foi apresentado por Hitchcock conforme visto anteriormente.
Seguindo Htchcock, Siberer apresenta sua interpretação psicológica do trabalho na mente humana:
Este tipico grupo de símbolos --- podem ser pensado como um método educacional aplicado para provocar a
mesma reação em outras pessoas … No grupo de símbolos estão contidos de maneira mais ou menos clara o
já mencionado anteriormente tipos elementares que são comuns a todos os homens; eles tocam a mesma
corda em todos os homens … Simbolismo é por essa razão a linguagem mais universal que pode ser concebida
...na medida em que o que contém e trabalham são os tipos elementares em si mesmos.… todos irão encontrar
alguma coisa apropriada para si mesmo nos símbolos, e eu enfatizaria a grande constância dos tipos
profundamente enraizados no inconsciente, que compartilham uma validade universal … O divino é revelado
objetivamente diferente de acordo com a disposição do vaso dentro do qual cai, para um caminho, outro para
outro.
Seguindo essa compreensão da universalidade dos tipos humanos elementares, Silberer propõe o
segundo passo em seu método, que significa estabelecer paralelos com a mitologia baseado na afinidade
interna do sonho e do mito. Então Silberer, como Jung, sugere uma amplificação dos símbolos culturais
baseados no imaginário onírico e, também, a amplificação do imaginário onírico ( e linguagem simbólica em
geral ) tendo como base o imaginário cultural.
O terceiro passo envolve as conclusões que podem ser obtidas das peculiaridades individuais da
estrutura do sonho, mito e dos contos de fada. Silberer sumariza sua apresentação do método com uma
observação acurada: Em um aspecto nós estamos melhor ( em não ter o “sonhador”/autor diante de nós )
mas de outra maneira nós perdemos. Para o assunto que previamente trabalhamos, o inconsciente
permanece aproximadamente o mesmo durante grandes períodos… Isto é a alma da raça que fala, sua
“humanidade”. Muito mais rápido, ao contrário, o conhecimento objetivo muda no curso do tempo e as
formas pelas quais esse conhecimento se expressa. Desde ponto de vista a consciência é mais difícil de
acessar que o inconsciente.
Conforme o exposto acima livro de Silberer Probleme der Mystik und ihrer Symbolik, está composto de
uma parte “analítica” que consiste precisamente em comentar a Parábola e uma parte “sintética”,
essencialmente dedicada ao processo de simbolização, a partir do qual o autor busca esclarecer diversas
estruturas do discurso alquímico através de um abordagem psicológica que apela, num primeiro tempo, as
categorias freudianas. Mas a tese fundamental de obra se apoia sobre a ideia de que os produtos da
imaginação passíveis de uma interpretação em diferentes níveis e sobre a concepção do símbolo que Silberer
qualifica de anagógica segundo a qual os símbolos permitem uma volta sobre si mesmo ( quer dizer fazem
trazer de volta à consciência os conteúdos infantis ) mas também adiante de si mesmo em uma perspectiva
prospectiva de construção do vir a ser do sujeito, por um processo de transformação.
O método usado por Silberer para decifrar o discurso alquímico é o da amplificação usando
elementos, principalmente, das tradições indianas ( Upanishads, Bhagavad- Gitâ ) e que ele estabelece
paralelos com os elementos estruturantes da alquimia ocidental.
Quando Silberer aplica esses “insights” nas descobertas de Hitchcock sobre a natureza da alquimia,
ele conclui que: Os discutidos tipos elementares portanto se insinuaram no corpo dos hieróglifos alquimistas,
como humanidade, confrontando com os desafios físico químicos, lutando para expressar um conjunto deles
por meio do pensamento. O inventário típico do poderes, por assim dizer, ajudam a determinar a seleção dos
símbolos. Em outras palavras, Silberer compreende a linguagem da alquimia como uma projeção dos “tipos
elementares”, a “humanidade” do homem, sobre os fatos físicos químicos do mundo externo.
O discurso alquímico é aqui considerado como um discurso completo, estruturado, que se sustenta
sobre os processos intrapsíquicos e citando Silberer: o sujeito ,ou a substância, é o sujeito e que é uma
variante da frase clássica de Hitchcock: O Homem é o sujeito da Alquimia. Entre os elementos presentes
neste discurso podemos evidenciar, seguindo Silberer a noção de “matéria prima” sobre quem se realiza a
[45
“opus”, a saber materiais inconscientes; “opus” considerada como um processo dinâmico e enfim a
“coniunctio” como resultado final deste trabalho que se realiza sobre esses materiais. Todos esses temas que
serão muito caros a Jung em seus trabalhos sobre a alquimia ocidental e são todos posteriores à obra de
Silberer.
A partir deste ponto segue um inventário de citações tiradas do livro de Silberer, com as quais não tive
a preocupação com a extensão mas simplesmente manter e respeitar a sequência do seu aparecimento, e que
melhor do que ninguém explicam exatamente porque podemos chamá-lo de um psicanalista não ortodoxo e
um junguiano precoce.
1)- Aqui o caminho começa a ser duro porque conduz ao intimamente pessoal. Os lugares secretos da
alma opõe poderosamente ao intruso, inclusive sem a intenção do paciente. Justo ali estão, sem dúvida, por
assim dizer os pontos dolorosos ( os “complexos” patógenos ) da psique em direção aos quais se dirige a
investigação. Avançando com passo firme apesar das limitações, desnudamos estas raízes da alma que lutam
por aferar-se ao inconsciente. Estes são os elementos desfigurados que acabamos de mencionar; todas os
elementos do inventário espiritual dos quais a pessoa em questão “trabalhou” e dos quais supõe estar livre.
Devem guardar silêncio porque se encontram em alguma relação contraditória com o caráter que a pessoa se
revestiu; e, se eles, os elementos subterrâneos, tratam de se anunciar, os lança imediatamente de volta ao
infra mundo; não se permite pensar em nada que ofenda demasiado suas atitudes, sua moral e seus
sentimentos.
2)-Sem dúvida, os malfeitores estão simplesmente reprimidos, não mortos. São como os Titãs ( Sobre
esta semelhança se baseia o termo psicológico “titânico”, usado frequentemente por mim no que se segue )
que não foram esmagados pelos deuses do Olimpo, mas aprisionados na profundezas do Tártaro. Ali esperam
o momento em que podem voltar a levantar-se e mostrar seus rostos na luz. A terra treme diante de suas
tentativas de se libertar. Assim, as forças titânicas da alma lutam poderosamente para cima. E como não
podem viver na luz da consciência, deliram na escuridão. Tomam parte principal na procriação dos sonhos,
produzem em alguns casos sintomas histéricos, ideias e atos compulsivos, neurose de angústia, etc.
3)-[ … ] Os obscuros impulsos titânicos são a matéria-prima a partir da qual, em cada homem, a obra
da civilização forma um caráter ético. Aonde existe uma luz forte, existem sombras profundas. Deveríamos
ser tão insinceros como para negar , por suposto perigo, as sombras em nosso interior? Não diminuímos a luz
ao fazê-lo? A moralidade em cujo nome somos tão escrupulosos, exige pro cima de tudo a verdade e a
sinceridade. Porém o princípio de toda verdade é que não nos impomos a nós mesmos.
4)- Um caso claro é a emasculação de Urano por parte de seu filho Cronos, quem desse modo impede a
co-habitação posterior dos pais primários; ( Arquétipo do motivo Titã em um sentido estrito ).
5)- Para resumir em poucas palavras o que contém a Parábola desde o ponto de vista psicanalítico,e
para fazê-lo sem generalizar demasiado sugerindo como resultados o cumprimento universal de todos os
desejos, o expressaria assim: o caminhante em sua fantasia remove e melhora o pai, conquista à mãe, procria
som ela, goza de seu amor até no ventre e satisfaz além disso sua curiosidade infantil observando desde for ao
processo procriador. Se converte em Rei e alcança poder e magnificência, inclusive habilidades sobre naturais.
Possivelmente uma pessoa se surpreenda com tanto absurdo. Deve refletir-se, sem dúvida, que estes
titânicos poderes inconscientes da imaginação que, desde o mais profundo da alma, colocam em manifesto a
fantasia onírica criadora cegamente, só podem desejar e não mais que desejar. Não lhes importa se os desejos
são sensatos ou absurdos. O poder crítico não pertence a eles. Esta é a tarefa do pensamento lógico tal como
o exercitamos conscientemente, na medida em que observamos os desejos que surgem da obscuridade e os
comparamos e medimos segundo padrões teleológicos. A vida afetiva que impulsa inconscientemente, sem
dúvida, deseja cegamente e não se preocupa por nada mais.
6)- A interpretação alquímica de nossa Parábola é um desenvolvimento do que seu autor tratou de
ensinar com ela. Não faz falta demonstrar que persegue um fim hermético, pois o diz ele mesmo, e o mesmo
dizem as circunstâncias, quer dizer, o livro, no qual se encontra a Parábola. A este respeito iremos melhor na
exposição alquímica que na psicoanalítica, aonde apontamos ao inconsciente. Agora temos o objetivo
consciente diante de nós e avançamos com o autor, enquanto que antes trabalhamos como contra seu
entendimento e deduzimos do produto de sua mente coisas que sua personalidade consciente dificilmente
admitiria, se estivesse vivendo diante de nós; neste caso deveríamos instruí-lo e informá-lo da interpretação
que dá a psicanálise.
[46
Portanto, em um aspecto estamos melhor, porém em outro estamos muito pior. Pois a matéria em que
antes trabalhamos, o inconsciente permanece aproximadamente igual ao longo de grandes períodos; o
inconsciente do caminhante é em seus fundamentos não muito diferente do homem de hoje ou de Zózimos. É
a alma da raça a que fala, sua “humanidade”. Muito mais rapidamente pelo contrário, muda o conhecimento
objetivo no curso do tempo e também as formas em que este conhecimento se expressa. Desde este ponto de
vista, o consciente é mais difícil de acessar que o inconsciente.
7)- Se por um lado, percebemos que a Parábola aparece como uma estrutura hermética, que nos
permite desenvolver princípios teosóficos a partir de seus análogos químicos, por outro lado, a interpretação
psicanalítica não vacila. Em consequência , surge para nós, a pergunta de como é possível dar várias
interpretações de uma longa série de símbolos que se encontram em completa oposição ( Se nos ocupássemos
unicamente dos símbolos individuais, o assunto não seria em absoluto extraordinário ). Nossa investigação
demonstrou que são possíveis. A interpretação psicanalítica traz à vista elementos de uma vida impulsiva
irracional e sem propósito, que desenvolve seu furos nas fantasias da Parábola; e agora a análise dos escritos
herméticos nos mostra que a Parábola, como todos os livros de alquimia profunda, é uma introdução a uma
vida mística religiosa- segundo o grau de claridade com que as ideias pairam diante do autor.
As interpretações são realmente três: a psicoanalítica, que nos conduz às profundidades da vida
impulsiva; logo a religioso hermético, vividamente contrastado, que, por assim dizer, nos leva a altos ideais e
que chamarei em breve o anagógico; e terceiro, o químico ( filosófico natural ), que, por assim dizer, se
encontra na metade do caminho e, em contraste com os outros dois, aparece eticamente indiferente. O
terceiro sentido deste trabalho da imaginação encontra-se em distintas relações a meio caminho entre o entre
o psicanalítico e o anagógico, e pode, como mostra a literatura alquímica ser concebida como portadora do
anagógico.
A Parábola pode servir como ilustração acadêmica para toda a hermética. O problema da
interpretação múltipla é bastante universal, de que o sujeito a encontra em todas as partes aonde a
imaginação é criativamente ativa.
8)- Inicialmente, então, surge a pergunta como uma e a mesma série de imagens podem harmonizar
varias interpretações mutuamente excludentes ( problema de interpretação mútua ); sem dúvida descobrimos
na Parábola três esquemas de interpretação praticamente equivalentes, o psicanalítico, o químico
( científico ) e o anagógico. Em segundo lugar, se coloca a questão mais concretamente de como podem
conviver dois sentidos tão antitéticos como o psicanalítico e o anagógico. A questão agora aparentemente se
torna mais complicada se mostro que a interpretação psicoanalítica contém um análogo que devemos levar
em consideração. O análogo apresenta a notável coexistência de simbolismo de categorias materiais e
funcionais no mesmo trabalho de imaginação. Para tornar-me inteligível, primeiro devo explicar quais são
estas categorias.
9)- A interpretação múltipla das obras de fantasia se converteram em nosso problema, e nos chamou a
atenção particularmente a oposição diametral da interpretação psicoanalítica e anagógica. A questão agora
aparentemente se torna mais complicada se mostro que a interpretação psicoanalítica contém um análogo
que devemos levar em consideração. O análogo apresenta a notável coexistência de simbolismo de categorias
materiais e funcionais no mesmo trabalho de imaginação. Para tornar-me inteligível, primeiro devo explicar
quais são estas categorias. Na parte 2 da introdução vimos que a imaginação mostra uma predileção para as
formas simbólicas de expressão, tanto maior quanto mais onírica for. Agora bem, mediante este simbolismo,
como observamos claramente nas alucinações hipnagógicas e nos sonhos, são representados três grupos
diferentes de objetos:
1)-Conteúdos de pensamento, conteúdos de imaginação, em resumo, os conteúdos ou objetos de pensar
e imaginar, o material do pensamento, tanto seja consciente ou inconsciente.
2)- A condição, atividade, estrutura da psique, a forma, a maneira em que funciona e sente, o método
de funcionamento da psique, tanto seja consciente ou inconsciente.
3)- Processos somáticos ( estimulações corporais ) Este terceiro tipo de objetos está estreitamente
coordenado com os outros dois. Não vai nos interessar na presente conexão, assim que passaremos por cima.
( para uma análise completa ver anexo 1 )
Portanto chegamos a duas categorias nas quais podemos colocar todas as obras simbolizadoras da
imaginação, a material e a funcional.
[47
I- A categoria material se caracteriza por sua representação de conteúdos de pensamentos, quer
dizer, de conteúdos que se elaboram em um conjunto de pensamentos ( pensamento ordenado, imaginado ),
sejam meras imagens ou grupos de imagens, conceitos que de certo modo se alargam em comparações e
processos de definição, ou inclusive juízos, conjuntos de raciocínios, que servem como operações analíticas
ou sintéticas, etc. Dado que, como sabemos, as fantasias ( sonhos, devaneios e inclusive poemas ) se inspiram
em sua maioria em desejos, provaremos com frequência que os conteúdos simbólicos são em si mesmos
imagens de desejo, quer dizer, a experiencia imaginada de gratificação.
II- A categoria funcional se caracteriza pelo fato de que se retrata a condição, estrutura ou
capacidade de trabalho da consciência individual ( ou do aparato psíquico ). Se denominam funcional porque
não tem nada que ver com o material ou o conteúdo do ato de pensar, mas que se aplica meramente à
maneira ou método em que funciona a consciência ( rápida, alegre, fácil, dura, obstruída, descuidada, alegre,
forçada, exitosa, frustrada, desunida, dividida em complexos, unida etc. ) Não importa se estes são são
conscientes ou inconscientes. O pensamento deve tomar-se aqui no sentido no sentido mais amplo possível.
Significa aqui todos os processos psíquicos que podem ter qualquer coisa como um “objeto” ).Às categorias
funcionais pertencem, por exemplo, o simbolismo de dormir e despertar, que já mencionei n segunda parte em
relação com a interpretação da Parábola.
As duas categorias de simbolismo, se não fizeram nada mais que ser paralelas entre si, não nos
proporcionariam analogias para nosso problema do duplo sentido. Agora bem, os casos, sem dúvida, são
extremamente raros em que só exista simbolismo funcional ou só material; a regra é um entrelaçamento
íntimo de ambos. Sem dúvida, um é frequentemente mais enfatizado que o outro ou mais facilmente acessível,
porém geralmente podemos encontrar casos aonde os contextos extensos de imagens são suscetíveis de
interpretação tanto material como funcional, tanto no detalhe como na continuidade da conexão
10)- A coexistência do significado material com o funcional não é de todo desconcertante para o
estudante de psicanálise. Dois fatos devem levar-se em conta em todo momento; a)- Em primeiro lugar
estamos familiarizados com o princípio de determinação múltipla ou condensação. A multiplicidade dos
pensamentos oníricos latentes que se movem debilmente se condensa em umas poucas formas oníricas ou
símbolos claros, de modo que um símbolo aparece continuamente, por assim dizer, como o representante de
várias ideias e, portanto, é interpretável de várias maneiras. Que seja suscetível de mais de uma interpretação
não deve causar surpresa, porque os significados fundamentais ( os pensamentos latentes ) foram os mesmos
que, por associação, provocaram a seleção dos símbolos entre uma série infinita de possibilidades; b)- em
segundo lugar foi demonstrado recentemente em estudos psicanalíticos que os símbolos que originalmente
eram materiais passam a um uso funcional. Se analisamos a fundo durante um tempo suficiente os sonhos de
um paciente encontraremos que certos símbolos que a princípio provavelmente apareceram só de forma
incidental para significar algum conteúdo de ideia, conteúdo de desejo, etc, regressam e se convertem em uma
forma persistente ou típica. E quanto mais se estabelece e se imprime tal forma típica mais se afasta de seu
primeiro significado efêmero, e mais se converte em representante simbólico de todo um grupo de
experiências similares, um capital espiritual, por assim dizer, até finalmente podemos considerá-lo
simplesmente como o representante de uma corrente espiritual ( amor, ódio, tendência a frivolidade, a
crueldade, à angustia, etc. ). O que se conseguiu ali é uma transição do material ao funcional no caminho de
uma determinação para dentro ou intro-determinação como a chamarei. [ … ] Neste momento, isto é o
suficiente para entender que o simbolismo material e o funcional, apesar de sua diferença aparentemente
fundamental à princípio estão essencialmente relacionados de alguma maneira, o que é iluminado pelo
processo de intro determinação.
11)- O verdadeiro fenômeno funcional representa o estado ou processo psíquico real; a imagem
anagógica aparece pelo contrário para assinalar um estado ou processo que se experimentará no futuro.
12 )- [ … ] é a introversão, primeiro porque está relacionada com a intro determinação antes
mencionada e segundo porque é familiar à psicoanálise e tem uma grande importância no método anagógico.
O termo “introversão” provêm de C.G.Jung. Significa afundar na própria alma; a retirada do interesse do
mundo exterior; a busca de alegrias que pode proporcionar o mundo interior. A psicologia das neuroses
conduziu ao conceito de introversão, uma província, portanto, que trata principalmente de formas e funções
morbosas da introversão. O afundamento de si mesmo na própria alma aparece também exatamente como
um enfermo perder-se nela. Podemos falar de neurose de introversão. Jung considera a demência precoce
[48
como uma neurose de introversão. [ … ] Jung fala “de certos transtornos mentais que são induzidos pelo fato
de que os pacientes se retiram cada vez mais da realidade, se afundam em sua fantasia, e na medida que a
realidade perde sua força, o mundo interior adquire uma realidade e poder determinante.”. Também podemos
definir a introversão como uma renúncia às alegrias do mundo exterior ( provavelmente inatingíveis ou
perturbadas ) e uma busca das fontes da libido no próprio ego. Assim vemos como geralmente se conectam
como o auto castigo, ao auto erotismo.
O afastar-se do mundo exterior e voltar-se ao interior é requerido por todos aqueles métodos que
conduzem a exercício intensivo da religião e uma vida mística. [ … ] Os claustros e as igrejas são instituições
de introversão. O simbolismo da doutrina e o rito religioso está cheio de imagens de introversão, que é, em
definitivo, um dos pressupostos mais importantes da mística.
O simbolismo religioso e mítico tem inumeráveis imagens para a introversão, por ex. morrer, descer,,
criptas subterrâneas, templos escuros, o submundo, o inferno, o mar, ser tragado por um monstro ou um
peixe, ficar no deserto. Os símbolos da introversão correspondem em grande com os que descrevi para ir
dormir e despertar ( simbolismo do umbral ), fato que pode ser facilmente reconhecido por sua similitude
real. A descida de Fausto às Mães é um símbolo da introversão. A introversão cumpre aqui claramente o
objetivo de trazer à realidade quer dizer, à realidade psicológica, algo que só pode ser alcançado pela fantasia.
[ … ] Características similares em nossa parábola são o vagar pelo bosque, a permanência no fosso dos
leões, o passar por uma passagem escura até o jardim, o estar fechado numa prisão ou, na linguagem da
alquimia, o receptáculo.
13)- Se agora está claro que na introversão se encontram visões de emoções “titânicas”( incesto,
separação dos pais ), sem dúvida, não se convertido em algo minimamente compreensível como estas visões
se relacionam com o tratamento das ideias anagógicas E essa é efetivamente a questão.
Realmente podemos compreender melhor estes fatos surpreendentes se recordamos que foi dito antes
sobre a formação de tipos e a intro determinação dos símbolos, quer dizer, que os símbolos podem se afastar
de seu significado original mais estreito e converter-se em tipos para toda uma classe de experiência mediante
as quais se avança do material ao funcional.
14)- O caráter típico das personalidades divinas é além disso muito claramente enfatizado por Jung.
Acerca da serpente como “falo negativo” teríamos muito o que dizer, também pode ser considerada como uma
imagem típica. O touro, a vaca e outras formas animais são na mitologia como nos sonhos transmutações
típicas, com ilimitada possibilidade de intro determinação. Os cachorros são frequentemente nos sonhos as
representações das tendências animais; [ … ] aqui temos uma nova perspectiva que aclara a unilateralidade de
nossa primeira concepção.
Desde que a psicanálise encontrou aceitação, muitos de seus seguidores acreditam que são capazes de
resolver somente com seu trabalho de análise, todos os problemas psicológicos , estéticos e mitológicos que se
apresentam. Entendemos somente a metade dos impulsos psíquicos, como de fato entendemos todo o
desenvolvimento espiritual, se olhamos meramente a raiz. Temos que considerar não somente de onde viemos
mas também aonde vamos. Só então pode compreender-se o curso da psique, tanto ontogenética como
filogeneticamente, segundo um esquema dinâmico por assim dizer.
Se aplicamos este princípio fundamental ao simbolismo , se desenvolve daí a obrigação de ter presente
ambos polos visíveis, entre os quais se completa o avanço da significação, o processo de intro determinação
( também é possível uma exteriorização, porém a interiorização ou intro determinação deve ser considerado
como o processo normal )[ corresponde concretamente ao processo de educação e progresso da cultura]. Ao
tipo mais geral pertencem então, sem dúvida, aqueles símbolos ou imagens frequentemente disfarçados, dos
quais nos perguntávamos antes, que além de representar tendencias “titânicas” são aptos para representar o
anagógico. A solução do enigma se encontra no momento em que consideramos estas imagens como tipos
com certo grau de intro determinação, como tipos de umas poucas forças fundamentais da alma, das quais
todos estamos dotados e cujos símbolos típicos são por isso de aplicabilidade geral ( Portanto, chamarei estes
tipos os tipos elementares humanos ) Por exemplo, se pela psicanálise deduzimos pai e mãe,etc., de alguns
dos símbolos que aprecem nos sonhos, temos nestas representações das imagens psíquicas, como as chama o
psicoanalista, na realidade são meros tipos derivados cujo significado mudará segundo a maneira de vê-los,
algo assim como a cor de muitos minerais muda segundo o ângulo em que os expomos à luz. O pai e a mãe
reais, as experiências que os rodearam, foram o material utilizado na formação dos tipos; eram coisas
[49
externas ainda que importantes, enquanto que logo o padre, etc., emergindo como símbolo pode ter
significado como um tipo de poder espiritual da mesma pessoa em questão; um poder espiritual, sem dúvida,
que a pessoa em questão sente como um pai porque, do contrário, a figura paterna não seria adequada para o
símbolo. E podemos chegar a chamar a este poder espiritual uma imagem paterna. Sem dúvida, isso não deve
induzirmos ao erro para tomar a essa pessoa real, que no caso individual geralmente ( ainda que nem
sempre ) proporcionou o tipo, pelo real ou o mais essencial. O mais íntimo está em nos mesmos e só se
modela e exerce sobre as pessoas do mundo exterior.
Então obtemos para o símbolo típico uma dupla perspectiva. Se dão os tipos, podemos olhar através
deles para frente e para trás. Em ambos casos haverá distorções da imagem; com frequência veremos
projetadas uma sobre outras coisas que não pertencem juntas, perceberemos convergências em pontos de
fuga que só se podem atribuir à perspectiva. Por brevidade poderia chamar aos erros de erros resultantes de
superposição. ( Esse erro de superposição Jung tenta desmascarar quando escreve: “Assim como a libido têm
uma tendência para frente, em certo modo, o incesto é aquilo que tende para trás na infância. Não é incesto
para a criança, e somente para o adulto, que possui uma sexualidade bem constituída, esta tendência
regressiva se converte em incesto no sentido de que já não é um menino, porém têm uma sexualidade que
realmente já não pode sofrer uma aplicação regressiva ) Esse erro de superposição se encontra não somente
na visão para trás mais também na visão para frente. [ … ] Apesar de tudo, o tratamento do simbolismo desde
os dois pontos de vista deve ser superior ao tratamento unilateral. [ … ] Olhando para trás através dos tipos
elementares, vemos as imagens infantis junto com essas origens não morais que a psicanálise descobre em
nós; olhando para frente notamos pensamentos dirigidos para certas metas.
15)- Na consideração psicanalista da Parábola alquímica pareceria que ali só realizarão os impulsos
titânicos, por exemplo, ter a mãe como amante e matar ao padre. Agora bem, corresponde a uma intro
determinação realmente significativa quando ouvimos que na obra alquímica o pai é o mesmo que o filho, e
quando compreendemos que o pai é um estado ou potência psíquica, do “filho” a quem este último em si
mesmo tem que conquistar.
16)- Devemos proceder de maneira similar se desejamos interpretar a Parábola anagogicamente. O
que já aprendemos da interpretação anagógica do conto de fadas como símbolo da introversão mostra,
claramente, também o caráter de intro determinação. Enquanto a natureza das tendencias espirituais
relativamente imutáveis representadas pelos tipos elementares ( que também pode chamar-se no estúdio
mitológicos motivos primários ) um simples exame do essencial sem nenhuma sutileza psicológica nos leva
de imediato a um esquema elementar que nos ajudará a compreender as mudanças ( intro determinação ) que
se produzem de acordo com os tipos elementares.
17)- Para isso selecionei no que se segue uma expressão excessivamente egoísta para o aspecto
“titânico”, a forma retrospectiva das tendências; e esta mesma expressão excessiva que pareceria bastante
inaceitável quando se aplica à base de um desenvolvimento religioso, nos permite, graças ao princípio da intro
determinação compreender este desenvolvimento.
18)- Considerei as seguintes forças principais: 1)- eliminação de obstáculos; 2)- desejo pelos pais; 3)-
desejo do prazeroso; 4)- auto erotismo; 5-6 )- melhoria e recreação; 7)-desejo de morte. O esquema seguinte
mostra tanto o aspecto retrogrado ( titânico ) como o anagógico desta potências, o que corresponde logo a
uma intro determinação dos tipos como uma espécie de sublimação dos impulsos.

ASPECTO RETROGRADO ASPECTO ANAGÓGICO


1) Assassinato do Pai Assassinato do velho Adã
2)- Desejo pela mãe Introversão
3)- Incesto Amor para um Ideal
4)- Auto erotismo Siddhi 67
5)- Cópula com a mãe Regeneração espiritualismo
6)- Melhora Re- criação
7)- Desejo de morte Consecução de um ideal

67- Palavra em sânscrito:realização, consecução sucesso


[50
Não necessitamos buscar nada extraordinário detrás destas intro determinações, já que o esquema
aqui está, de fato, só toscamente esboçado; ocorre em todos e em cada um de nós, do contrário seríamos
simples bestas. Só que não se elevam em cada um de nós à intensidade da vida mística.
19)- No que diz respeito à introdeterminação, devo referir-me a minhas observações nas seções
seguintes sobre a extensão da personalidade. É um fato importante que as obstruções externas que se opõe ao
desenvolvimento desenfreado dos impulsos titânicos se transformam gradualmente em restrições na psique,
que adota as leis externas que tornariam praticáveis a vida; [ … ] Para o aniquilamento da oposição as armas
apontadas para fora na fase “titânica” devem voltar-se para dentro; aí e não fora do sujeito está o conflito.
20)- Quanto mais desenvolvida está a psique, o que originalmente era só um pressentimento possível
da realidade e que, portanto, tende a aproximar-se ao meramente potencial, começa a converter-se em
realidade, tanto mais o simbolismo tem o valor de um “programa”. Segundo Jung, Riklin, etc., a fantasia
( sonho, criação de mitos ) pode se conceber não somente como com Freud, “como um cumprimento de
desejo, aonde o material mais antigo e infantil expressa o desejo de algo não resolvido ou suprimido”, porém
também como um primeiro passo mitológico em direção do pensamento e a ação conscientes e adaptados,
como um programa … Maeder discutiu as funções teleológicas do sonho e o inconsciente. No curso de um
tratamento analítico descobrimos as contínuas transformações do símbolo da libido na corrente onírica, até
que se alcança uma forma que serve como uma tentativa de adaptar-se à realidade.
21)-[ … ] a justaposição de tais imagens que refletem o que, através da psicoanálise, nos
familiarizamos, como os impulsos “titânicos” ( complexo de Édipo ). Não é de estranhar! Estes mesmos
impulsos são os que conhecemos das investigações psicoanalíticas como aqueles que estão por cima de todas
as idiossincrasias individuais. [ … ] O esquema familiar dos impulsos com seu substrato “titânico”, que
necessariamente existe em todos os homens ( ainda que em algum caso particular pode haver sido
sublimado ) se vê claramente nas criações individuais da fantasia. Deve encontrar um desenvolvimento
bastante típico, sem dúvida, aonde uma multidão de homens ( a humanidade que faz fábulas ) se interessou
em fundar, formar, polir e elaborar a estrutura simbólica. Tais criações transcenderam o meramente pessoal.
22)- Na seção precedente se desenvolveu mais ou menos o simbolismo e a psicologia do progresso da
obra mística, porém não certamente até o final. A regeneração é evidentemente o começo de um novo
desenvolvimento, cuja natureza ainda não examinamos de perto. Todavia, não se disse nada definitivo sobre
as fases posteriores do trabalho e sobre seu objetivo. [ … ] Sem dúvida, o resultado final do trabalho se pode
resumir em três palavras: União com Deus. [ … ] Com esta premissa retomo a questão do objetivo da alquimia
(misticismo ). Nisto sigo em geral a linha de pensamento de Hitchcock sem seguir rigorosamente a sua
exposição. O processo alquímico é, como dizem os mesmos herméticos, um trabalho cíclico, e o fim está em
certo grau no princípio. Aqui está um dos maiores mistérios de toda a alquimia, ainda que o significado deve
entender-se mais ou menos da seguinte maneira. Se, por exemplo, se diz que quem queira fazer ouro deve ter
ouro, devemos supor que o buscador da verdade deva ser verdadeiro.; que quem queira viver em harmonia
com a consciência deve estar em harmonia com ela e que quem queira ir pelo caminho de Deus deve já ter
Deus em si mesmo. [ … ] O progresso da obra aponta a algum tipo de unidade como meta que, sem dúvida,
muitos poucos homens alcançam exceto em palavras.
23)- Foi mencionado que a obra de aperfeiçoamento da humanidade pode ser realizada em diferentes
graus de intensidade, que podem estender-se desde a completa realização vivente até a mera simpatia sem
nenhuma compreensão clara. Os tipos psíquicos nos quais se logra a realização são, pode se dizer, idênticos.
Estes grupos típicos de símbolos que o místico ( traço uma certa distinção entre os mystes e os
místicos. Este último é um mystes que faz um sistema daquilo realizou )produz como uma expressão
funcional de sua transformação subjetiva, pode pensar-se como um método educativo aplicado para suscitar
as mesmas reações em outros homens. No grupo dos símbolos estão contidos mais ou menos claramente os
tipos elementares já mencionados por serem comuns a todos os homens; tocam as mesmas cordas em todos
os homens. O simbolismo é precisamente por isso a linguagem mais universal que se pode conceber. É
também a única linguagem que se adapta aos diversos graus de intensidade assim como aos diferentes níveis
da intro- determinação da experiência viva sem requerer portanto um meio de expressão diferente; eles
mesmos ( o símbolo que sejam os mais adequados possíveis a eles ) que, como temos visto, representam um
elemento permanente na corrente da mudança. Esta serie de símbolos é tão útil para o neófito como para o
que está próximo da perfeição; cada um encontrará nos símbolos algo que lhe toca de perto; e o que deve
[51
enfatizar-se particularmente é que o indivíduo em cada avanço espiritual que faça, sempre encontrará algo
novo nos símbolos que já lhe são familiares, e portanto algo que aprender.
Retomando uma frase de Jung, citada no inicio deste trabalho: Esquecera-me completamente do que
Silberer havia escrito sobre alquimia,a obra curiosamente “esquecida” por Jung, testemunha um pensamento
em constante ebulição, eminentemente criativo, caminhando por caminhos situados a margem mas que não
fazem dessa obra marginal e facilmente “esquecível” e a partir disso gostaria de propor duas questões: 1)- É
possível imaginar que ele possa ter esquecido tudo que Silberer elaborou e todos os comentários das obras e
das figuras alquímicas que o vienense escreveu nos capítulos da sua obra maior Probleme der Mystik und
inrer Symbolik? 2)- É possível imaginar que ele possa ter esquecido as concepções expostas por Silberer
sobre as constantes universais presentes no psiquismo e a questão do vir a ser da personalidade
compreendido como um processo místico.? Estas questões são difíceis de serem respondidas de uma
maneira precisa. O autor do livro mencionado ,conforme já dito, se suicidou em 1923 e o que torna não mais
possível dialogar com ele e saber a impressão dele acerca da obra posterior de Jung; lembrando sempre que
os trabalhos mais importantes de Jung sobre alquimia aparecem, principalmente, do período de 1940 a 1950.
Uma esperança que fica no ar é a frase também citada no inicio deste trabalho: Mantive então
correspondência com ele e exprimi minha consideração pelo seu trabalho, então nos resta esperar que esta
correspondência esteja em algum arquivo e que possam vir à luz em algum momento e assim, talvez
possamos responder as duas questões propostas.
Após este longo percurso chegamos a um ponto de parada e simultâneo a um ponto de partida e
dizendo que a obra de Silberer mostra que ao considerar o ocultismo e o misticismo como uma linguagem
psicológica válida isso deveria nos levar a uma forma nova e radical de psicologia. No entanto, é importante
assinalar que os conflitos que emergem como resultado desta integração do oculto por Silberer não se
encontram entre duas visões de mundo antagônicas, ou seja, uma visão materialista e uma visão
espiritualista. Ao contrário, eles se originam na questão central de uma oposição teórica. Não é sua intenção
determinar se o oculto, o místico na verdade existem; ao contrário, ele considera o oculto como uma forma
válida de experiência humana e uma forma de experiência que pode ser examinada com os recursos da
psicanálise. Fica ainda um convite para um estudo amplo da transferência de ideias e de representações entre
Silberer e Jung.
Este nosso percurso deixou algumas pistas, como por exemplo a questão das estruturas fundamentais
da psiquê ( relação entre os “tipos “ de Silberer e os arquétipo de Jung ), a função do sonho ( anagógico e
prospectivo ) para Silberer e Jung e por último, mas não em último, a problemática da individuação como
uma extensão do perímetro da personalidade, ideia já pensada por Silberer em seu estudo sobre alquimia.
E a conclusão final do livro de Silberer deixamos guardada para a conclusão final deste trabalho

i read the news today oh boy.


[52

ANEXOS

Caminharemos entre coloridas folhagens


E ficaremos juntos até o tempo do fim do tempo, colhendo
As prateadas maças da lua
E as douradas maçãs do sol
W. B. Yeats
[53

Anexo 1
Relato de um Método para Provocar e Observar Certos Fenômenos de Alucinação Simbólica
Herbert Silberer

O que se segue é uma discussão de uma abordagem experimental para a explicação dos sonhos. Este
método tem sido pouco utilizado embora os experimentos e A. Maury e G.Trunball Land parecem provocar
isso Eu me deparei com esses fenômenos na auto-observação quase por acidente e fui levado assim a este
método experimental. As descobertas que ele propicia não revelam nada que não pudesse derivar
teoricamente da psicologia dos sonhos proposta pelo Professor Freud: uma vez que se enquadram tão
admiravelmente nas relações que Freud descobriu, podem ser consideradas demonstrações precisas delas
( particularmente do “terceiro fator” nos sonhos que Freud denominou “considerações para a
representabilidade” que ele apresentou no “Interpretação dos Sonhos” ).
A origem das minhas observações pode ser contada brevemente. Uma tarde ( depois do almoço ) eu
estava deitado no meu sofá. Embora extremamente sonolento, eu me forcei a pensar em problema filosófico,
que consistia em comparar os pontos de vista Kant e Schopenhauer sobre o tempo. Na minha sonolência, não
conseguia sustentar as ideias lado a lado. Depois de várias tentativas sem sucesso, mais uma vez fixei o
argumento de Kant em minha mente tão firmemente o quando pude e voltei minha atenção para
Schopenhauer. Mas quando tentei voltar a Kant, seu argumento novamente desapareceu e ficou além da
recuperação. O esforço inútil para encontrar a ideia de Kant, que estava de certa forma fora da minha, de
repente apareceu para mim, enquanto eu estava deitado com os olhos fechados, como num sonho como um
símbolo perceptivo; estou pedindo algumas informações a uma secretária taciturna e ela esta sentada em sua
mesa e me desconsidera totalmente; ela se endireita por um momento para me dar um olhar hostil e
rejeitando meu olhar.
A vivacidade desse fenômeno inesperado me surpreendeu, na verdade quase me assustou, fiquei
impressionado com a adequação do símbolo inconscientemente selecionado. Senti quais poderiam ser as
condições para a ocorrência de tais fenômenos, e decidi ficar atento a eles e até tentar evocá-los. No início, eu
esperava que isso me desse uma chave para o “simbolismo natural”. Da sua relação com o simbolismo
artístico eu esperava e ainda espero o esclarecimento de muitas questões psicológicas, caracterológicas e
estéticas.
Minha impressão intuitiva quanto às condições do fenômeno provou verdadeiro. A experiência mostrou
que eram duas : a) sonolência; b) esforço para pensar. A primeira é uma condição passiva e não sujeita à
vontade e a segunda é uma condição ativa, passiva de ser manipulada pela vontade. E a luta destes dois
fenômenos antagônicos que provoca a experiência que chamo de fenômenos “auto simbólico”. Pode ser
descrito como uma experiência alucinatória que produz “automaticamente”, por assim dizer, um símbolo
adequado para o que está sendo pensado ( ou sentido ) em dado instante. É essencial que nenhuma das duas
condições supera a outra; a sua luta deveria permanecer estável para que a balança que deveria medir seu
peso relativo oscilaria indecisamente.
A prevalência da primeira condição levaria ao sono, a prevalência do segunda para ordenar o
pensamento normal. O fenômeno auto simbólico ocorre apenas em um estado de transição entre o sono e a
vigília, ou seja, no estado hipnagógico, o crepúsculo entre o sono e a vigília. Não se afirma aqui que a
tradução de pensamento em imagens ocorre apenas no estado hipnagógico. O livro de Freud “A Interpretação
de Sonhos” mostra claramente que é uma das características essenciais da formação dos sonhos. Nós
mantemos apenas que ocorre a tradução de pensamentos em imagens no estado hipnagógico em relativo
isolamento de outros fatores formadores de sonho. Isto oferece três vantagens heurísticas distintas: primeiro
a análise experimental de uma função complexa ( que Freud mostrou serem os sonhos ), o que pode produzir
uma verificação de deduções teóricas; em segundo lugar, a observação dos fatores do trabalho onírico em
uma forma isolada e “relativamente pura”, o que pode lançar luz sobre a inter-relação dos fatores oníricos; em
terceiro lugar e isto parece-me a vantagem mais importante de uma observação direta e exata de um fator
onírico e que não é viável com sonhos. Antes de discutir este ponto, gostaria de me deter no próprio fenômeno
auto simbólico.
[54
Esse fenômeno pode ser considerado um “processo regressivo”, como proposto po Freud em termos dos
sistemas psíquicos e suas “direções”. Minhas experiências até agora sugerem que o fenômeno auto simbólico
pode ser classificado em três grupos. Esses grupos não são propostos como diferenciações genéticas mas
apenas como uma classificação útil. Esses grupos não são baseados na forma do aparecimento do fenômeno,
mas no conteúdo neles simbolizados. São eles: 1 )- Fenômenos materiais ( ou de conteúdo ); 2)- Fenômenos
funcionais ( ou de esforço ); 3)- Fenômenos somáticos.
1)- Fenômenos materiais ou de conteúdo são aqueles que consistem em representações de conteúdos de
pensamento, isto é, conteúdos tratados num processo de pensamento. Podem meras ideias, grupo de ideias,
conceitos usados em comparações ou em procedimentos de definição, ou podem ser julgamentos e
conclusões, operações analíticas ou sintéticas e assim por diante.
Em estado de sonolência, contemplo um tema abstrato como a natureza de julgamento trans-subjetivos
( para todas as pessoas ) válidos. Uma luta entre pensamentos ativos e a sonolência se instalam. Esta última
torna-se forte o suficiente para perturbar o pensamento normal e permitir que no estado crepuscular assim se
produzisse o aparecimento de um fenômeno auto simbólico. O conteúdo do meu pensamento se apresenta
para mim imediatamente na forma de uma percepção ( por um instante aparentemente como uma imagem
real ): vejo um grande círculo ( ou esfera transparente ) no ar com pessoas ao redor dele com suas cabeças
tocando ele. Este símbolo expressa praticamente tudo o que estava pensando. O julgamento transsubjetivo é
válido para todos as pessoas sem exceção: o círculo inclui todas as cabeças. A validade têm suas bases em
algo comum: as cabeças pertencem todas ao mesmo grupo homogêneo. Nem todos os julgamentos são trans
subjetivos: o corpo e os membros das pessoas estão fora da esfera como indivíduos independentes. No
instante seguinte eu me dou conta que isso é uma imagem onírica; o pensamento que lhe deu origem eu havia
esquecido por um momento, agora volta e eu reconheço a experiência como um fenômenos auto simbólico.
O que tinha acontecido? Na minha sonolência, minhas ideias abstratas foram, sem minha interferência
consciente, substituídas por uma imagem perceptiva, por um símbolo.
Minha cadeia abstrata de pensamentos foi prejudicada. Eu estava cansado demais para continuar
pensando desta maneira; a imagem perceptiva emergiu como forma mais “fácil” de pensamento.
Proporcionou um alívio apreciável, comparável ao experimentado quando se está sentado depois de uma
caminhada extenuante, parece seguir como um corolário que esse “pensamento pictórico” requer menos
esforço do que o tipo usual. A consciência cansada não tendo a sua disposição a energia necessária para o
pensamento normal, muda para uma forma de funcionamento mais fácil. De acordo com as considerações de
Freud está é, em muitos aspectos, uma forma primitiva de pensamento.
Este exemplo típico do fenômeno “material” mostra com que clareza e certeza a relação entre o
conteúdo do pensamento e a imagem que simboliza isso pode ser demonstrada. A maneira como esses
fenômenos auto simbólicos acontecem dá uma pista para a sua exploração sistemática: o conteúdo do
pensamento podem variar à vontade. A dificuldade reside em fazer cumprir que certas atividades de
pensamento ocorram sob as condições mais inadequadas. A manutenção da condição lábil desejável requer
algum treinamento.
2)- Fenômenos funcionais ( esforço ) são aquelas experiências auto simbólicas que representam a
condição do sujeito que as vivencia ou a eficácia de sua consciência. Elas são aqui chamadas de “fenômenos
funcionais” porque dizem respeito ao modo de funcionamento da consciência ( rápida, lenta, fácil, difícil,
relaxada, alegre, bem sucedida, tensa e assim por diante. ) e não com o conteúdo do pensamento.
Este segundo grupo de fenômenos auto simbólicos demonstra que a função simbolizadora da
consciência não lida apenas com o conteúdo do pensamento mas muitas vezes é o modo de funcionamento do
processo de pensamento que é simbolicamente representado. Um dos temas preferidos da função
simbolizadora é a luta entre dois antagonistas: a vontade de pensar e a resistência à sonolência. Esta última é
geralmente personificada enquanto a vontade continua o “Eu”.
O sentimento que acompanha com maior ou menor clareza, o processo de pensamento no estado
hipnagógico são o tema preferido do estudo da simbolização funcional. Esses sentimentos são expressos de
forma mais característica naqueles fenômenos que representam o cansaço ou a luta contra ele. Devido a este
tema preferido, o fenômenos funcional serve como a transição para um terceiro grupo, os fenômenos
somáticos. Como tentaremos mostrar este terceiro grupo deve estar, em certo sentido, separado dos outros
dois.
[55
3)- Fenômenos somáticos são aqueles fenômenos auto simbólicos que refletem condições somáticas de
qualquer tipo: sensações externas ou internas,como pressão, tensão, temperatura, dor externa e sensação de
posição, sensações das articulações e dos músculos, cenestesias, estimulações acústicas, óticas, químicas ou
mecânicas e uma variedade de sensações: pressão de um cobertor no pé, coceira no nariz, dores reumáticas
nas articulações, brisa tocando a bochecha, palpitações, barulho, cheiro de flores, ansiedade, apneia e assim
por diante. Esses são os estímulos produtores de sonhos mais comuns. Como eles foram extensivamente
estudados, nossas experiências hipnagógicas podem trazer aqui apenas poucas contribuições. Os fenômenos
somáticos auto simbólicos diferem daqueles dos dois grupos anteriores. Neles as condições descreviam - a
sonolência e o esforço para pensar – sofriam certas modificações. O “esforço para pensar” é irrelevante na
gênese dos fenômenos deste grupo, ena luta contra a sonolência a “vontade” é substituída pelas sensações ou
sentimentos. Para provocar e manter o estado crepuscular favorável para esses fenômenos auto simbólicos é
suficiente que a tendência para a sonolência seja prejudicada na medida certa. Gostaria de salientar que o
fenômenos somático pode ser a variante hipnagógica daqueles sonhos que servem para nos despertar.
Estamos agora possibilitados em generalizar o esquema das duas condições antagônicas e ampliando-
as para a) sonolência e b) interferência no adormecer.
Vou agora apresentar exemplos para os meus três grupos de fenômenos. A maioria dos exemplos eu
observei em mim mesmo. Devo acrescentar que os três tipos dos fenômenos são frequentemente
emaranhados e logo os grupos não podem sempre serem claramente separados. Minhas observações
mostram que o material para os símbolos provém principalmente de experiências recentes.
Aquela relação que possibilita um conteúdo seja representado por um símbolo chamarei abreviadamente
de “base simbólica”. A “base simbólica” é o “tertium comparationis” do simbolismo.
Grupo I ( Fenômeno Material )
Exemplo 1: meu pensamento é: devo melhorar uma passagem hesitante em um ensaio.
Simbolo: Vejo-me aplainando um pedaço de madeira.
Exemplo 2: penso na investigação da compreensão humana no nebuloso e difícil problemas das “Mães” (
Fausto, Parte II ).
Simbolo: estou sozinho num cais de pedra que se estende longe em um mar escuro. As águas do oceano
e o misterioso e pesado ar se unem no horizonte.
Interpretação: o cais no mar escuro corresponde a sondagem do problema difícil. A união do ar com a
água, a eliminação da distinção entre o acima e o abaixo, pode simbolizar , com as Mães, aquilo que
Mefistófoles descreve, todos os tempos e lugares se misturam, de modo que não há fronteiras entre “aqui e
“lá”, “acima e abaixo”. É neste sentido que Mefistófeles diz:”Agora você pode afundar!”. Eu poderia muito bem
dizer: ascender.
Exemplo 3: Meus pensamentos giram em torno de uma cena dramática, onde um ator indica ao outro,
sem dizer tão abertamente, que ele sabe sobre uma determinada situação.
Símbolo: eu vejo a cena ( não claramente ) como um ator está colocando um copo de metal quente na
mão do outro. Eu senti o calor do copo em mim mesmo. ( aparentemente eu me coloquei – por um instante –
no lugar do segundo ator ).
Interpretação: o ator expressa alguma coisa sem palavras: o copo está num estado que não mostra a sua
forma.
Exemplo 4 :Decido dissuadir alguém de realizar uma resolução perigosa. Eu gostaria de dizer para ele:
“Se você fizer isso, o infortúnio cairá sobre você”.
Símbolo: Vejo três criaturas de aparência horrível cavalgando em cavalos negros atacando um campo
escuro sob um céu de chumbo.
Exemplo 5: Estou tentado pensar nosso propósito dos estudos metafísicos que estou realizando. Este
propósito é – eu reflito – trabalhar meu caminho para formas cada vez mais elevadas de consciência, isto é,
níveis de existência, em minha busca depois das bases da existência.
Símbolo: Passo uma faca comprida por baixo de um bolo, como se quisesse tirar uma fatia dele.
Interpretação: Meu movimento com a faca representa “trabalhar do meu jeito”. Para esclarecer este
símbolo aparentemente bobo devo dar uma explicação detalhada. A “base simbólica” isto é, a relação que faz
a imagem aqui escolhida para a representação auto simbólica, é a seguinte: na mesa de jantar, as vezes, é
minha tarefa cortar e distribuir o bolo. Eu faço isso com uma faca loga e flexível, necessitando de cuidados
[56
consideráveis. É particularmente difícil levantar as fatias; a faca deve ser cuidadosamente empurrada sob as
fatias ( isto é o lento “fazer do meu jeito” para chegar até a “base” ) Ainda há mais simbolismo nesta imagem.
O símbolo é um bolo em camadas para que a faca cortando penetre em várias camadas ( níveis de consciência
e existência )
Exemplo 6: Meu pensamento é: não preciso mais comprar ingressos para o teatro pois eu já os tenho.
Símbolo: Pela primeira vez, este conteúdo de pensamento, é representado por um fenômeno tanto visual
quanto acústico. Ouço uma melodia na qual a síncope ocorre repetidamente. Simultaneamente eu vejo as
notas da música.
“Base simbólica”: As “notas sincopadas” continuam na nova batida; elas já foram cuidadas ( na batida
anterior )
Fonte do símbolo: Alguns dias antes eu tinha ouvido a melodia usada no símbolo. O interprete, cedendo
ao seu primitivo senso de ritmo, soava todas as notas sincopadas na nova batida.
Exemplo 7: Em oposição à visão kantiana, estou tentando conceber o tempo como “um conceito”. Então
o período de tempo individual pode ser relacionado com a totalidade do tempo como uma massa especifica da
matéria da totalidade da massa da matéria da mesma categoria. Isto força um problema dentro de esquema
preconcebido resultando no símbolo seguinte:
Símbolo; Eu estou pressionando um “Jack in the Box” dentro da caixa, Mas toda vez que eu retiro minha
mão ele salta alegremente em sua espiral.
Comentário; Este exemplo já traz as marcas do próximo grupo.
Grupo II ( Fenômeno Funcional )
Exemplo 8: Antes de adormecer eu quero revisar uma ideia no sentido de não esquecer.
Símbolo: De repente um lacaio de librê está diante de mim como se estivesse esperando pelas minhas
ordens. Isto é análogo ao símbolo do secretário taciturno. Desta vez, no entanto, eu não tive nenhuma
dificuldade em pensar e espero realizar minha tarefa, a qual desta vez é menos difícil. Daí o símbolo do
ajudante em vez do assistente mal humorado.
Exemplo 9: Perco o fio do meu pensamento. Eu faço um esforço para trazê-lo de volta, mas eu tenho que
admitir que eu a conexão.
Símbolo: Um pedaço de configuração tipográfica sem as últimas linhas.
Exemplo 10: Estou pensando em algo. Perseguindo por outras considerações, afasto-me do meu tema
original. Quando tento voltar a ele um fenômeno auto simbólico ocorre.
Símbolo: Estou escalando montanhas. As montanhas perto de mim escondem as mais distantes de onde
vim e para as quais quero voltar.
Exemplo 11: Estou pensando em como deveria ter uma determinada pessoa atuado em uma cena, de uma
peça que estou escrevendo. Torna-se difícil manter o problema no centro da minha consciência. Em pouco
tempo eu mal sei o que queria. ( eu atingi o estado característico que dá origem aos símbolos ). Agora eu
percebo uma imagem visual: eu descascando uma maçã; A chegada deste símbolo me interessa e me acorda.
Eu estou pensando na maçã e não consigo explicar seu significado. Então eu tento voltar meu curso original
de pensamento – acerca da cena. Eis que, continuo descascando de onde parei. O significado deste descascar
de repente fica claro. Para entendê-lo é preciso conhecer a base simbólica. Ao descascar maçãs, eu algumas
vezes tento pegar uma a casca em um contínuo, não em espiral mas como uma serpentina, uma faixa. Eu só
consigo se eu não perder a conexão nas curvaturas. Neste caso houve tal curvatura entre a primeira e a
segunda etapa do descascamento ( conforme a posição alterada da maça em minha mão aparecia
claramente ). O símbolo representa assim meu esforço uma conexão entre os elos que ameaçam quebrar.
Essa explicação funcional do fenômeno parece mais convincente do que a material, embora ambas
sejam viáveis. Minha tarefa era fazer com que essa pessoa atuasse na peça de forma que sua atuação
produziria uma transição formalmente consistente ( descascar continuo ) entre seu comportamento anterior
e o final da peça já determinado. Contudo não está fora de questão que os ambos os fenômenos, o funcional
bem como o material, participaram na formação do símbolo ( sobre-determinação )
Exemplo 12: ( Situação ) Dormi depois do despertador matinal tocar. Permaneci na cama por algum
tempo, com o vago desejo de não dormir demais. Por isso meu sono foi superficial.
Símbolo: Um relógio “termo automático” ( um relógio movido pelo balanço de uma barra horizontal. O
movimento de subir e o descer da barra são realizados pelo aquecimento intermitente de uma bola em uma
[57
extremidade da barra. Sob a bola uma chama de álcool acende assim que a barra e a bola se aproximam.
Quando aquecida a barra sobe de novo. Obviamente existe um líquido de baixo ponto de ebulição na bola,
embora não se possa vê-lo externamente, que evapora na barra e então, quando resfriado e condensado, flui
de volta para a bola;
Base simbólica: A barra horizontal ( estado de consciência ) não pode afundar profundamente ( para
dormir ); assim que começa a afundar, a pequena chama ( atenção ) a envia para cima ( para a vigília ).
Fonte do Símbolo: Alguns dias antes de ter visto um desenho de tal relógio numa revista científica.
Grupo III ( Fenômeno Somático )
Exemplo 13: Respiro fundo, meu peito se expande.
Símbolo: Com a ajuda de alguém, levanto uma mesa bem alto.
Exemplo 14: Meu cobertor repousa tão pesadamente sobre um dos meus dedos dos pés e isso me deixa
nervoso.
Símbolo: O topo de uma carruagem decorada com dosel raspa contra os galhos de uma árvore. Uma
dama bate o chapéu no topo de seu compartimento na carruagem.
Fonte do símbolo: Eu participei de um desfile de flores naquele dia. As decorações das carruagens muitas
vezes chegavam até os galhos das árvores.
Exemplo 15: Tenho uma rinolaringite, com irritação que me obriga a engolir saliva de forma constante.
Febre.
Símbolo: Cada vez que estou prestes a engolir, tenho a imagem de uma garrafa d”água que tenho que
beber dela e depois de cada gole outro toma seu lugar.
Comentário sobre fenômenos somáticos: componentes somáticos são fontes frequentes de símbolos dos
Grupos I e II. No exemplo 1 ( para o fenômeno material ) a posição do pedaço de madeira que estou
aplainando é do meu antebraço; eu realmente sinto que meu antebraço representa este pedaço de madeira.
Aqui uma sensação imediata serve como fonte simbólica.
Fenômenos Mistos.
Exemplo 16: Para concluir, descreverei um fenômeno complicado, interessante por sua notável
concentração de vários elementos formadores de símbolos.
Eu estou em um trem e muito cansado. Com meus olhos fechados eu me encosto no canto do
compartimento. Uma e outra vez o sol poente brilha no meu rosto. Isso me perturba mas estou cansado para
me levantar e procurar a sombra. Então deixei brilhar em mim e observar as impressões visuais que vêm
quando a luz do sol atinge minhas pálpebras. Curiosamente, as figuras são diferentes em cada momento, mas
cada momento é uniforme. Isto é aparentemente um fenômeno de apercepção específico. Eu vejo primeiro um
mosaico de triângulos, depois um de quadrados e assim por diante. Então eu tenho a impressão que eu
mesmo estou montando as figuras do mosaico em movimentos rítmicos. Logo descubro que o ritmo é o dos
eixos do trem, que ouço continuamente.
Isso sugere a ideia de que imagens auto simbólicas podem ser influenciadas por percepções acústicas;
assim uma pessoa falando para alguém que está em estado hipnagógico, pode direcionar suas imagens.
De repente, o seguinte fenômeno auto simbólico ocorre: eu vejo uma senhora de idade, à direita,
arrumando uma mesa com uma toalha xadrez, cada quadrado inclui uma figura semelhante a um dos
mosaicos solares mencionados anteriormente; as figuras são todas diferentes.
A pessoa que arruma a mesa da minha imaginação com uma variedade de figuras representa minha
ideia da possibilidade de influenciar o fenômeno auto simbólico a partir de fora.
Outra fonte simbólica também deve ser mencionada aqui: na noite anterior conversei com uma senhora
idosa que me contou um mosaico de histórias de sua vida. Já era tarde e eu estava cansado. Eu sentei à mesa
com a senhora à minha direita.
[58

Anexo 2
Fantasia e Mito68: Herbert Silberer

Entre a psicologia individual e a psicologia racial há certas relações íntimas que permitem que se
aplique princípios derivados da primeira para a segunda e vice-versa. As leis que regulam a formação e
disposição de ideias, o desenvolvimento e manifestação de impulsos, as inibições, os hábitos, a formação do
caráter,a educação, a formação do paladar no indivíduo, são mais ou menos exatamente aplicáveis à
psicologia racial, aparecendo em formas equivalentes como o espírito da época, a vontade do povo, a opinião
pública, os costumes, o gosto predominante, o criticismo, etc.
Em seu estudo das conexões entre psicologia individual e psicologia racial, o autor valeu-se da obra do
Dr. Riklin e do Dr. Abraham sobre o mesmo assunto.
I- O Fenômeno Funcional
Silberer faz a distinção entre os fenômenos materiais e os fenômenos funcionais. Os primeiros tratam
do conteúdo mental do sonho; os últimos do modo como a consciência funciona no sonho. Os funcionais são
geralmente caracterizados por um sentimento inexplicável, tal como o enfado ou tanquilidade, de acordo com
o modo como o pensamento opera.
II- Sonho, Mito, Realização de Desejos, Sistemas de Psicologia Freudiana
O sonho do indivíduo e o mito da raça mostram elementos correspondentes. Cada sonho é importante,
pois contém pensamentos suprimidos e ocultados de modo a agradar o censor da mente. O mesmo é
verdadeiro em grande medida em relação ao mito.
Abraham observou que, assim como o sonhador é incapaz de entender seu sonho, a raça não pode
entender seu mitologia. Tal como os sonhos têm suas raízes na infâmcia ( período pré-histórico do
indivíduo ), os mitos são derivados da época pré-histórica ( infância ) da raça. Além disso, em seu
desenvolvimento, o indivíduo recapitula em grande medida a vida da raça.
Já houve quem dissesse que o longo sonho das crianças é uma reminiscência ontogenética dos dias que o
os homens eram videntes e os sonhos eram realidade. O que nós fazemos hoje é que as crianças vivem em um
mundo de fantasias ao qual os adultos não podem se aproximar.
Os desejos não realizados do homem frequentemente tomam a forma d poder supranatural, atribuído a
tempos pré-históricos. De igual modo, a maioria dos contos de fada começam com uma alusão aos “tempos
antigo, quando os desejos eram mais úteis”. O histórico desejo racial de ser um povo poderoso é expressado
em mitos, nos quais o herói nacional descendia de um deus.

68- Fantasy and Fable. Resenha publicada no Psychoanalytic Review V ( 1918 – pag. 234 238 ). Texto original
publicado no Jahrbuch für psychoanalytische und psychopathologische Forschungen ( 1911 pags. 661 -723 ) com o
título: Phantasie und Mythos.
[59
Silberer termina seu capítulo com uma referência aos sistemas de psicologia freudiana, que, de um lado
tipificam as forças psíquicas elementares e, do outro, os processos que procuram unificar e sublimar as forças
brutas. Mitologicamente falando, em seu desenvolvimento, a mente humana repete o empenho dos Deuses
pela supremacia sobre os Titãs.
III- O Fenômeno Funcional em Contos de Fada e Mitos.
Os esforços que ocorrem na mente humana são, como vimos, simbolizados em mitos e contos de fada.
Freud identificou o Demônio como a “personificação de impulsos suprimidos”.
Silberer analisa um conto de fadas para mostrar que o folclore, mitos e contos de fada não somente são
produzidos de acordo com o mecanismo freudiano, mas que vários deles revelam o próprio mecanismo. A
história é a seguinte:
O filho de um rei mata seus pais e ascende ao trono. Posteriormente casa com uma princesa que dá a
luz a uma filha. Após a morte da mãe, a filha foge de seu cruel pai para uma terra distante onde mais tarde
casa com o rei. Seu marido lhe promete nunca acolher um convidado sem seu consentimento. No entanto, o
perverso pai consegue adentrar o palácio e causa muito sofrimento à rainha. Ao final, o vilão é levado a
julgamento e forçado a contar a história de sua vida com as mãos atadas com cadeia de ferro. Cada vez que
ele tenta mentir as cadeias se apertam. Ao final de sua confissão, abre-se uma pedra debaixo dele e o precipita
para um caldeirão de piche fervente no qual ele morre.
O filho do rei ( um forte desejo egoísta ) exerce grande controle sobre sua esposa ( a razão ). À morte de
sua esposa, sua filha ( psique ) está em grande perigo de ser subjugada. Não sendo forte o suficiente para
combater o pai, ela foge ( o pensamento oprimido se isola do complexo opressor ). Ela exige a promessa de
que nenhum convidado será recebido sem seu conhecimento ( a psique se opõe à entrada do complexo
deslocado ). O pai consegue entrar. Em consequência disso, filha sofre ( psiconeurose ). Através da confissão
do pai ( psicanálise ) ela é libertada. Este conto como a maioria dos mitos, contém um fenômeno funcional, o
fenômeno da repressão.
IV. Exemplos dos Domínios dos Contos de Fadas, Mitos e Magia.
A história de Grimm do “Príncipe Sapo” - na qual a princesa é compelida a tomar o sapo como seu
companheiro – simboliza o desgosto da mulher por sexo. O príncipe, libertado de seu encantamento,
representa uma psique libertada.
O encantamento nos lembra a neurose d compulsão, ou as pertubações das funções psicológicas na
histeria. O mau espírito, ou a bruxa, é em muitos casos a condensação da ideia de rival sexual com a de
impulsos sexuais reprimidos. No conto de Grimm “ Fadas Contam a Verdade”, em que abertura de uma porta
proibida doura o dedo do acusado, o medo da descoberta resulta em uma psico-neurose acompanhada por
uma tentativa compulsória de remover o ouro. A compulsão dura até que o elemento suprimido ( a abertura
da porta ) seja revelada através da confissão. O fato de a confissão da moça extinguir as chamas que estavam
prestes a consumi-la é prova de que essa história tem um significado sexual.
Aqui está a boa fada que ocasiona a salvação da heroína.
O deus que resgata o herói de um conto é uma projeção da alma do próprio herói, uma fantástica
“pessoa dramática” que é capaz de perceber aquilo que o próprio indivíduo não pode perceber.
Em muitos contos, os heróis recebem tarefas impossíveis de realizar. E esses heróis são na maioria
pessoas simples ou senão crianças. O motivo de crianças conseguirem executar o impossível é que são elas
que na vida real mais se aproximam da realização de seus desejos.
O fato de os heróis frequentemente se tornarem reis ou senhores simboliza o processo da sublimação.
Os espíritos maus nunca se prestam à sublimação Eles dever ser superados por uma espada mágica ( a
vontade ). Eles florescem na escuridão ( a região inconsciente ) mas perecem na luz ( da consciência ).
Um fenômeno funcional em mitos simples e contos de fadas é a expressão objetiva do sentimento.
Assim, no “Príncipe Sapo”, o desgosto está incorporado na forma de um repugnante sapo. Do mesmo modo,
os deuses mitológicos de luz, tempestade, sabedoria, etc. São projeções da vida interior. O vaguear da alma,
em busca de purificação, tipifica o empenho da mente rumo a harmonia.
V. Para a Compreensão do “Estágio Mitológico” do Conhecimento –
Exemplos Adicionais
Silberer observa que é denominada mitológica aquela concepção que foi sucedida por uma visão mais
erudita do assunto. Assim, alhures no futuro, em vista do conhecimento desse tempo, as ideias dos nossos
[60
dias serão chamada mitológicas. As ideias não compreensíveis a nós aparecem em forma simbólica. O
símbolo é um intermediário entre nós e a verdade 69. O progresso passo a passo do conhecimento está sempre
avançando rumo a um objetivo de conhecimento absoluto. A mitologia, ao retratar uma época em que tal
conhecimento prevalecia, concede à raça a esperança de readquirir esse poder. Aqui se encontra também uma
das raízes psicológicas da religião – religião que profetiza o retorno do homem ao seu estado original divino.
O mito, tal como o sonho, contém elementos condensados. Assim como o sonhador ingênuo nunca
chega à plena compreensão de seu sonho, a raça que produz os mitos nunca penetra seus mais recônditos
significados. Em cada era, os homens eruditos tentaram esclarecer estas verdades ocultas. Contudo, não
devemos ter expectativas de que cada mito ou conto contenha elementos que revelem concepções religiosas.
Alguns mitos são meramente um retrato mitológico pueril de um assunto. Mas, todos os mitos, como os
sonhos, contém uma corrente de pensamentos que conduzem a um ponto definido.
De uma maneira sutil, os elementos divinos, humanos, astronômicos, mundanos e éticos estão
condensados na mitologia. Um exemplo que mostra este mecanismo oniróide é a história da migração das
almas.
As almas conhecidas como almas “abatidas” são atraídas do céu por Dionísio, deus do vinho, que
representa a natureza panteísta em oposição à unicidade de Deus. A escura e abatida terra atrai almas
abatidas. Sua vida emocional agora se assemelha ao agitado mar. Assim como a água produz seres vivos da
terra morta, as almas animam os corpos que sem elas estariam mortos. ( A fertilização por meio de água tem
um significado sexual ) Eles bebem do abatido corpo de Dionísio e se esquecem de sua natureza superior.
O mar denota o submundo ao qual o sol desce a fim de se erguer revigorado pela manhã. Nosso sol
espiritual, a consciência, igualmente desaparece à noite para reaparecer ao amanhecer. Por isso, o sono pode
ser considerado como o submundo abatido da consciência. Tão logo o sol triunfante se eleva da escuridão, a
alma começa sua jornada para a luz.
A mitologia retrata as almas como tendo asas de borboleta. Ao descerem à terra elas perdem suas asas e
passam pelos diversos estágios da vida de uma borboleta. Inconscientes de sua origem divina, na escuridão
elas se transformam em crisálidas. Mas, um trago do copo do conhecimento lhes restaura a consciência.
Depois de muito devaneio e purificação, com novas asas, elas entram pela porta zodiacal no mundo superior e
retornam à sua casa

Anexo 3

Reunião Científica da Sociedade Psicanalítica de Viena: 18 de janeiro de 1911

O Mágico e os Outros: Herbert Silberer

Depois de algumas palavras introdutórias sobre os vários aspectos da magia, o orador observa que, de
uma forma bastante geral, pode-se dizer que um mágico é um homem que domina poderes de percepção e de
efeito que vão além dos que estamos acostumados. Contudo, esta definição, é tão dependente de
circunstâncias externas que, por exemplo, para o não iniciado algo pode parecer mágico, o que para o
iniciado considera como natural. Assim, poder-se-ia acreditar que entre o mago e o homem culto só existe
uma diferença de grau, isto é verdade, porém, apenas para um ramo especial da magia – a chamada magia
natural – a partir do qual, de fato, a nossa ciência exata moderna se desenvolveu. Mas existem ainda outros
ramos da magia, e estamos interessados em saber o que aconteceu com eles, e se a capacidade para um certo
desenvolvimento não se perdeu talvez junto com eles. Pois a magia não é apenas o reconhecimento de leis
ocultas da natureza mas também um tipo de dinâmica das forças psíquicas.
Neste ponto estamos diante de dois grandes grupos de magia, distinguidos de acordo com seus efeitos –
isto é, conforme esses efeitos são internos ou externos. Entre os efeitos internos estão citações, conjurações,
etc., que podemos representar como sendo delírios alucinatórios da visão, do tato ou da audição e que
mostram até que ponto alguém pode ser induzido por delírios a ver fenômenos aparentemente externos e a
acreditar que sejam reais. Os efeitos externos referem-se ou a outros seres vivos ou a objetos sem vida e,
69- Esta é precisamente a concepção de símbolo que estará no centro das reflexões de Jung, no momento da
redação do Liber Novus, onde o símbolo é visto como um “terceiro” que reúne valores opostos.
[61
portanto, compreendem o que chamamos de telepatia, sugestão mental, etc.; eles nos interessam apenas na
medida em que se baseiam em certos processos psíquicos.
Para a compreensão do primeiro grupo, o orador recorre à perspectiva do fenômeno funcional, que
desenvolveu em dois ensaios ( Jahrbuch I e II ). Estes são fenômenos nos quais os conteúdos da mente
consciente se transformam numa imagem clara, num símbolo. Com todos esses processos são possíveis dois
grupos: 1)- conteúdo, uma ideia pode ser transformada; 2)- a forma como consciência funciona em um
determinado momento, ou seja, sua condição – pode ser transformada. No primeiro caso, fala-se de fenômeno
material. Esse simbolismo rege os sonhos, os devaneios e a formação dos mitos, uma vez que o conceito de
projeção mitológica é apenas um caso especial do fenômeno funcional. O mesmo acontece com as cisões de
personalidade, que proporcionam uma imagem clara da flutuação entre diferentes tipos de ideias e que
podem, como Jung demonstrou, torna-se patologicamente aprofundadas e firmemente estabelecidas. O
orador tenta provar que condições semelhantes se aplicam à figura do diabo. Com o segundo grupo,
abordamos fenômenos objetivos.
O palestrante agora discute exaustivamente um ensaio do Dr. Staundenmaier “Uma Tentativa de Fundar
uma Magia Científica Experimental”. Staundenmaier é um homem que pode criar artificialmente em sua
própria pessoa alucinações e personificações, que podem ser facilmente reconhecidas como realizações de
desejos. A partir disso, o palestrante volta-se para a discussão de um artigo de Camilla Lucerna sobre “O
Conto de Fadas” de Goethe, partindo dos conceitos de relação – conceito que encontra sua corporificação no
tipo – aponta-se que esta unificação de relações é alcançado por meio do simbolismo. Em contradição com a
alegoria, em que um item substitui o outro, o símbolo é o ponto nodal de um grande número de relações:
significa qualquer coisa. Na conclusão do seu ensaio, Camilla Lucerna salienta – e isto remete novamente aos
fenômenos funcionais – que o conto de fadas não é apenas uma obra artisticamente construída, mas também
representa o processo da sua evolução: não só evolui de acordo com leis mas também as expressa em sua
própria língua. Assim, tem uma dupla função. Existe um grande número de contos de fadas genuínos que não
são apenas estruturados de acordo com as leis do sonho e a repressão, mas tomam como tema e lidam
precisamente com essas regras.

Discussão
TAUSK: Gostaria apenas de salientar que essas coisas interessantes já podem ser encontradas no
material que foi trabalhado psicanaliticamente, sobretudo na obra de Freud Para começar, assim que se fala
das coisas, deve-se responder à questão de como surge uma alucinação. Se adotarmos esse ponto de vista,
perceberemos que Freud já lidou com esses problemas. Staundenmaier é um paranóico, cuja consciência
permaneceu livre a ponto de ser capaz de observar seu próprio processo psíquico. Os resultados mais
produtivos são obtidos adotando-se a ótica dos fenômenos funcionais e materiais; lembramos Scherner que
tratou quase exclusivamente do simbolismo funcional dos sonhos. Deve-se mencionar também o princípio de
Buber de que todas as obras de arte simbolizam não apenas um conteúdo, mas também a própria forma.
A distinção feita pelo orador entre alegoria e símbolo não é frutífera nem do ponto de vista da
psicanálise nem do ponto de vista da crítica de arte. O símbolo é a substituição de uma coisa por outra: é a
interpretação de um processo enquanto a alegoria é a dramatização d eum símbolo e, protanto, a
interpretação de uma interpretação.
FRANZ GRUNER: observa que o orador estava, na verdade, caminhando numa direção oposta àquela
buscada pela psicanálise, que remonta ao conteúdo manifesto do inconsciente. Ele ( GRUNER ) tem a
impressão de que, em vez da transformação do conteúdo do pensamento e da forma da consciência, na
verdade toma um rumo inverso: as imagens escolhidas estão mais próximas do inconsciente do que do
conteúdo do pensamento: da mesma forma ,a distinção entre conteúdo e forma do pensamento não pode ser
realizada de forma tão nítida. Personificações desse tipo podem ser encontradas em todo o drama.
G.GRUNER: também é da opinião que falta apenas um passo entre a apresentação do palestrante e a
interpretação das obras de arte. Na obra de arte não apenas algo objetivo está representado mas também a
inter-relação dos instintos dentro do próprio artista.
TAUSK: acrecenta que em “A Interpretação dos Sonhos” já foi mostrado como o sonho revela não apenas
seu conteúdo, mas também as leis de sua composição – como, por exemplo, a indicação no texto manifesto:
ser lido no sentido oposto mostra o fator funcional.
[62
FURTMULLER: reitera o que já afirmou em ocasião anterior – a saber, que Staundenmaier não deve ser
levado a sério, mas pode ser considerado pelo psicanalista como, na melhor das hipóteses, um objeto de
investigação científica.
A distinção entre símbolo e alegoria parece-lhe valiosa do ponto de vista da contemplação da arte. Deve-
se, no entanto, ressaltar que na alegoria é a elaboração consciente que aparece em primeiro plano, enquanto
o símbolo estabelece principalmente relações inconscientes e pré-conscientes.
FEDERN: gostaria de defender Staundenmaier em um ponto, dizendo que há algo em sua lei de
reversibilidade que é original. Federn considera de grande valor a exposição do palestrante especialmente a
distinção que já chamou a atenção de Federn no ano passado, por ocasião de um artigo sobre as raízes do
masoquismo. A visão de que o processo de pensamento primário ( processo inconsciente ), o estímulo em si e
por si, determina o conteúdo do pensamento é importante: é somente nesta base que podemos explicar por
que os símbolos são iguais e m todos os lugares. Nesse artigo, a atenção é dada a uma das raízes mais
comuns do masoquismo, que reside no fato de que – como ele diria agora – o homem em suas fantasias
masoquistas simboliza funcionalmente como de pendência, como humilhação, o estado de tensão que sente
ao longo de sua vida, toda a infância na forma de prazer prévio.
A ansiedade também, ao utilizar elementos psíquicos disponíveis, pode ser simbolizada funcionalmente
como de pendência de certas imagens horríveis: é, no entanto, frequentemente difícil separar esse tipo de
simbolização da simbolização do conteúdo. Da mesma forma, o sonho de voar seria um fenômeno funcional;
com base em muitas experiencias , pode -se demonstrar que esse sonho é evocado diretamente por uma
ereção e representa o processo de ascensão; nas mulheres, o sonho talvez possa ter o mesmo significado, já
que é claro que elas conhecem o processo de ereção.
A ideia mais valiosa transmitida pela apresentação de Silberer é que a magia é uma das maneiras pelas
quais os homens representam seus fenômenos de consciência dividida.
RANK: menciona que há algumas semanas interpretou um sonho, em cujo conteúdo uma imagem
desempenhou o papel principal: o sonho expressou formalmente esse fator pelo fato da descrição da imagem,
que estava no centro do sonho, estar entrelaçada como uma história dentro de outra história, bem como pelo
fato de que a mesma técnica de representação foi usada, pela segunda vez, de dentro do mesmo sonho.
Quanto à redução mencionada por ( Sr.Gustav ) Gruner – a redução dos personagens de um drama aos
instintos do herói e, em última análise, ao do próprio artista – ele já havia expressado sua opinião sobre isso
em seu artigo sobre o artista.
ROSENSTEIN: gostaria de levantar a questão de qual é o significado desses fenômenos funcionais, uma
vez que, afinal, estamos acostumados a supor que a psique reage apenas ao prazer e ao desprazer.
DR.F.S.KRAUSS: chama a atenção para o fato de Nikolai, o livreiro berlinense, ter escrito uma
interessante obra em dois volumes sobre suas alucinações. Krauss acha que seria melhor evitar o termo
superstição, que é apenas um conceito relativo. As sessões espíritas não passam de uma farsa.
ADLER: gostaria de apoiar Federn no que diz respeito aos sonhos de voar, visto que esses sonhos de
estar no topo são na verdade masculinos. Mas no que diz respeito à consideração psicanalítica, não faz a
menor diferença se se procede do fator funcional, a ereção, ou da relação sexual, que toma como símbolo o
sonho de voo, desde que se almeje o significado do sonho. E esse significado deve ser o mesmo em ambos os
casos, se alguém tomar a iniciativa de ver a relação sexual não apenas uma reação puramente sexual, mas
também uma tendência a provar a própria masculinidade. Por esta razão, a separação dos fenômenos de
acordo com o conteúdo e a função não pode ser mantida. Pode-se, em análise, partir de uma experiência, de
um conteúdo; mas Adler tentou partir do funcional e conseguiu, nos fenômenos materiais confirmar o
quadro. Neste contexto,a questão de Rosenstein é a mais importante; em todos esses fenômenos há um
significado envolvido, que devemos procurar. Deve-se presumir que toda preocupação com magia, telepatia,
espiritismo, etc., representa nada mais que a tendência de salvaguarda do sujeito humano, por meio do qual
eles se esforçam para alcançar uma ampliação de sua esfera de influência pessoal. Isto é particularmente
evidente no fenômeno de salvaguarda primordial, a ansiedade que permite ao indivíduo, em regra, assumir
algum ponto externo que envolve uma ameaça para si mesmo: o mesmo se aplica à tendência de salvaguarda
nos sonhos e nas alucinações. Devemos chegar a estas conclusões se tomarmos como ponto de partida os
maiores esforços dos órgãos inferiores. Pois as alucinações são, como mostra uma descrição de Gustav
Freitag, capacidades que podem ser atribuídas à inferioridade dos órgãos.
[63
FEDERN: gostaria de voltar atrás no apoio de Adler aos sonhos de vôo “in puncto”, porque vai além de
sua própria tese. Silberer falou sobre um fenômeno elementar da psique, por meio do qual uma ou outra
sensação forte é imediatamente transformada em símbolo. Isto não é de forma alguma incompatível com
tendências de realização de desejo ou de salvaguarda.
SILBERER: gostaria de sublinhar que a designação de um grupo de fenômenos como materiais não
pretende indicar que o material da memória deva estar envolvido, mas apenas que algum conteúdo de
pensamento é simbolicamente expresso neles. Não se pode negar que os dois grupos coincidem
frequentemente; as vezes, porém, um é mais pronunciado ou pode estar presente sózinho.

Anexo 4

O Homuncúlo:70 Herbert Silberer


O assunto de Silberer, lembra ele aos seus leitores, leva-nos de volta a um laboratório
medieval, conforme descrito no “Fausto”, porém, a alquimia daquele período, por meio do qual se
aguardava que a criação do homúnculo ocorresse, é de difícil acesso para pesquisa e também
apresentava duas linhas de pensamento. Isso o autor discutiu plenamente em seu livro “Problemas
de Misticismo e seu Simbolismo”.
O simbolismo alquímico, expressado plenamente ou mais obscuramente, é permeado de
significado reprodutivo. Não se trata meramente de coito e de fantasias reprodutivas, mas trata também
do motivo de Édipo ou do problema do incesto. Tanto o conteúdo desse simbolismo como os
ensinamentos alquímicos teóricos devem ser vistos do ponto de vista científico e também do teológico. A
alquimia não só é o precursor da química e da física, mas em grande parte se ocupa com especulação
religiosa e sua instrução. Aqui, Silberer está mais propriamente interessado na forma pela qual a
alquimia se equipa.
No problema do incesto, aqui apresentado, o aprimoramento ("Bessermachen") em relação ao pai
ou pais é um tema frequente, expressado na ascensão do metal a uma forma mais elevada. Implica na
destruição do velho e a criação do novo, deixando de lado a velha ordem e estabelecendo uma nova,
removendo a velha e exaurida criação e substituindo-a por uma nova e melhor criação e recriação. É o
antigo motivo mitológico de separação dos pais primevos. Além disso, as fantasias reprodutivas são
exprimidas em termos de teorias infantis. Essas podem ser resumidamente expressadas como a
concepção do poder espermático do excremento, fezes e urina, etc., na qual a ideia do aperfeiçoamento
de uma substância mais ordinária para uma mais nobre é alquimicamente exprimida. Há também a
ideia de que nos primeiros estágios da transmutação para o ouro, o material utilizado deve ser primeiro
convertido em material apodrecido para que a frutificação possa ocorrer e o ouro (ou a pedra filosofal)
possa germinar e se desenvolver. A procriação e frutificação são concebidos em termos da destruição do
70- The Homunculus. Resenha publicada no Psychoanalytic Review VI ( pag.201 -208 ). Publicado em Imago III
(1914 ) pags 37 -79 com o título Der Homunculus
[64
sêmen, como na escritura, “Exceto, a semente cai no solo e morre”, sendo tais citações frequentes entre os
alquimistas. Esta ideia coincide com a da morte da geração anterior. É uma teoria primitiva e infantil da
procriação ver, como faziam os alquimistas, a formação de um novo ser a partir do desmembramento do
material original, sendo que a substância desmembrada na alquimia era mantida em um ambiente quente e
úmido por um período geralmente de nove meses. Vários mitos de dilúvio com características de
repovoamento da terra contêm os mesmos elementos. Ademais, há a associação do dilúvio de água com
cesto, arca ou qualquer recipiente que sugira o corpo de mãe. No caso do ovo filosofal, o dilúvio é concebido
mais estritamente de acordo com a natureza interior do recipiente do que o exterior. Os termos para a “prima
materia” dos alquimistas repetem as fantasias reveladas em sonhos, lac virginis, urina puerorum, feaces
dissolutae, etc. A ideia de uma procriação artificial ou mágica está contida nesses escritos alquímicos, os
quais são, na verdade, suas tentativas de formar o homúnculo, sendo que esta ideia é encontrada também em
outras fontes, mas desenvolvida principalmente pela alquimia. Vários excertos da literatura proveem relatos
detalhados de tais criações artificiais, mais ou menos como a tentativa da criação do homúnculo. Eles contêm
as ideias da influência do ar, da água, do sangue, das estrelas, ou de elementos como esterco, no qual foi
colocado o cabelo de uma mulher monstruosa.
Os escritos de Paracelso, principalmente o “De Natura Rerum”, constituem uma das
primeiras autoridades sobre a criação dos homúnculos. Silberer cita extensamente desses: Geração
é de dois tipos, natural e artificial, isto é, através de alquimia. Ambos se realizam por meio de
putrefação, que acontece no recipiente assim como na terra; do mesmo modo, no estômago em
caso de alimento, que assim se transforma em excremento. É a lei da transformação que ocorre em
toda parte, mudando o bom para mau e o mau para bom. Umidade e calor são meios essenciais. É
como chocar o pinto por meio do calor da galinha e a mucilaginosa “fleuma” (a substância viscosa)
do ovo. Este pássaro pode novamente ser aprisionado em um recipiente, reduzido a cinzas, e então,
com um fogo mais alto novamente trazido da morte para a vida, o milagre o renascimento.
A alquimia pode, portanto, reproduzir seres humanos também por processo artificial. Um ser humano
pode ser criado também do corpo de um animal se este receber o esperma humano e com desejo o mantiver
quente. No mundo vegetal também o fruto segue a natureza da semente. É bem sabido também que muitos
animais estranhos e venenosos, serpentes, sapos, escorpiões, etc., nascem por meio de putrefação. Monstros
também são assim reproduzidos e podem também ser artificialmente recriados em um recipiente de vidro,
com membros múltiplos ou multiformes. O monstro acima de todos os monstros é o basilisco, com força
venenosa na face e o olhar semelhante ao da mulher em menstruação que pode manchar um espelho com o
olhar. Ela pode fazer com que uma ferida se torne incurável. A mesma força cruel se encontra em sua
respiração e toque. O motivo da poderosa força desse basilisco é que ele é gerado da maior impureza da
mulher, isto é, da descarga menstrual e do sangue espermático putrefato no ventre do cavalo (ventro
equinus).
A geração do homúnculo, continua Paracelso, possível sem o corpo de mãe natural, ocorre da seguinte
maneira: o esperma de um homem é encerrado em um recipiente, apodrecido com a mais alta putrefação no
ventre de cavalo por quarenta dias ou até que a vida se torne visível. Ainda não terá um corpo, mas deve ser
nutrido com o princípio mágico do sangue humano (Arcano sanguinis humani) por quarenta semanas no
calor do ventre de cavalo. Então tomará a completa forma humana, mas em tamanho diminuto, porém capaz
de ser educado e treinado como qualquer outra criança. Este é o maior de todos os mistérios revelados ao
homem, mas a ser guardado como tal até os últimos dias, quando todos os segredos serão revelados. É desse
modo que surgiram as estranhas raças de gigantes, pigmeus e outros povos maravilhosamente dotados.
Nascidos de uma estranha arte, eles dominam o corpo, a carne e o sangue com a mesma arte. E então
continua a falar da geração de metais, sendo o mercúrio a mãe de todos os sete metais.
Silberer relembra vários incidentes mitológicos da produção de seres estranhos, com poderes
supranaturais, de sêmen produzido não naturalmente, como o sangue (espermático) de Urano castrado.
Assim ele resume tais concepções: o filho partenogenicamente gerado do sêmen (sêmen derramado) de Onan,
ajuda com diferentes tipos de ouro-soma os desmembrados, cuja revivificação (palingênese) o nascimento do
sublime herói nascido do incesto. A partenogênese é também casamento entre mortais e imortais, como em
Gênesis 6: 2-4. A ideia do monstro, resultante de sêmen usado de forma não natural, pode surgir
psicologicamente do sentimento de culpa ou ansiedade, ocasionadas pela fantasia de masturbação ou
[65
incesto, misturada com ideias primitivas de demônios e magia. O “derramamento” do sêmen como
representação de sêmen defeituoso pode ser uma tentativa de explicar as reais anormalidades do nascimento.
A palingênese foi amplamente aceita como possível a plantas, animais ou seres humanos. Em tais
experimentos, a forma original está presente no recipiente em forma obscura na ideia ou forma etérea do
indivíduo que pouco a pouco adquire força e forma material.
O sangue é veículo de vida e tem valor espermático, como no saber mitológico. Nos escritos de
Paracelso, procriação e processos intestinais são intimamente interdependentes. Paracelso diz: O esperma
descarregado em sodomia é novamente absorvido e passado à matriz (pela boca?) mas, o que é recebido no
ventre de modo não natural torna-se um monstro, ou uma criatura anormal proveniente do sodomita. Aquilo
que entra em contato com o ar e novamente entra não é mais sêmen, mas uma materia homunculi. Nas fezes
são encontradas toda sorte de formas animais e coisas estranhas que podem ser encontradas na digestão e,
em lugares secretos, há coisas crescendo nas fezes. Todas as formas estranhas devidas à sodomia estão além
de descrição. Do homem e da besta são produzidos monstros especiais. Na sodomia, o sêmen é ejaculado na
boca e vai para o estômago, servindo como a matriz em que crescem homúnculos e monstros. O material
mitológico também expressa a origem do homem como proveniente das fezes ou de material semelhante,
conforme mostra Silberer. Ele cita também um autor do século dezesseis ou dezessete que adverte sobre os
charlatães que alegam produzir criaturas anãs, mas pelos quais alegam sabedoria e certas outras forças
normais provenientes da urina de rapazes e meninas alimentados com pão branco e vinho, sendo o próprio
homúnculo cuidadosamente nutrido com o segredo do sangue humano (Arcano sanguinis humani), com
água de rosas e bom vinho. Do mesmo modo enganoso, a pedra filosofal foi intentada do cabelo, da saliva, do
sangue, do esperma, das fezes, etc.
No século dezoito, a magia e a alquimia eram praticadas em todo lugar, especialmente
através da Ordem dos Gold e Rosacruz. Caíram em reputação ainda pior que a descrita acima
nos escritos de um masson que registrou certas práticas vergonhosas por seitas chamadas
estercoristas, seminalistas e sanguinistas. Eles alegavam que o estômago humano era a retorta
mais adequada para o desenvolvimento da nobre pedra, cuja semente o homem havia ocultado
em seu interior. Seus excrementos eram procurados como a prima materia e até mesmo uma
mulher foi encontrada em condição mortal devido à retirada de sangue para o mesmo
propósito. Esta foi a construção enganosa da antiga representação alegórica da transformação
do homem férreo em áureo através do argênteo. Há uma semelhante interpretação errônea de
certas palavras da “Turba Philosophorum” que descreve a necessidade de calor e umidade do
ventre para o crescimento da semente ou a aplicação artificial desses mesmos fatores
externamente. A interpretação errônea desses princípios conduziu à ideia da fecundidade do
excremento. Uma lenda conta como Teofrasto (Paracelso) viajou para trabalhar de forma
piedosa maravilhas de cura com a ajuda de um demônio em um vidro. Quando sua própria
morte se aproximou, o demônio lhe revelou de que modo poderia renovar sua juventude sendo
cortado em pedaços e enterrado em esterco de cavalo. Entretanto, um servo tolo descobriu o
túmulo cedo demais e no último momento arruinou o sucesso do grande experimento. Esta
ideia de um espírito encerrado em um recipiente de vidro era parte da fantasia do homúnculo,
ligado à superstição popular de um espírito familiar que trazia poderes ou benefícios mágicos
para o possuidor ou, como em uma relato, o descobridor. Há também a ideia de capturar o
demônio ou algum outro espírito e fechá-lo em um vidro.
O homúnculo é, até certo ponto, intercambiável pelo menos conceitualmente com a mandrágora. Esta
última intenta uma forma mágica através da qual o objeto original, talvez um inimigo, pode ser ferido ou
influenciado. A antiga crença germânica tornou isso feminino e recorreu às mulheres sábias versadas em
magia de ervas. A última crença na própria raiz da mandrágora, colorida com elementos greco-orientais, está
ligada à mandrágora. Aqui há envolvimento da ideia da procriação. A raiz da mandrágora se origina na urina
ou no sêmen que cai de um ladrão que é enforcado. Ele sofre e grita tão terrivelmente quando é desenterrado
que é fatal para aquele que desenterra. Assim, ele tem de sair em uma sexta feira, antes do sol nascer e, com
cerimônias apropriadas, amarrar um cão preto à raiz que, incitado por alimento, empurrará violentamente e
sairá morto de seus excrementos. Então a raiz deve ser retirada e lavada com vinho tinto, envolvido por seda
branca e vermelha, deixada no ataúde e banhada durante toda uma sexta feira e coberta durante a lua nova
[66
com uma nova peça de linho branco. Então revelará coisas ocultas, trará riquezas, removerá inimigos, trará
alegria ao casamento e durante a noite duplicará cada peça de ouro deixada ao seu lado. A mandrágora é
dividida por Plínio em uma planta branca macho e uma preta fêmea. Esta planta é considerada como
soporífica e afrodisíaca e como geradora de fertilidade na mulher. Era usada na Idade Média como a poção do
amor, charme mágico e meio de defesa. Era também usada pelos antigos como anestésico em cirurgias.
Desempenhava também uma papel fálico no culto a Príapo e era ainda um amuleto. Isso era devido em parte
à forma ou aparência da raiz. Na Idade Média, em toda a Europa havia uma crença difundida e firme nas
virtudes dessa raiz. Como diz Silberer, a mandrágora era muito desejada. Em seu círculo era objeto de desejo
dos cobiçosos assim como em outros círculos era o espírito familiar e para as classes mais inteligentes era a
pedra filosofal.
A mandrágora é também ligada à spring root que protege contra ladrões (recordar sua fonte
anteriormente referida) a qual deve ser obtida com a ajuda do pica-pau. O Talmude contém a lenda de
um verme maravilhoso, obtido do demônio com a ajuda de um galo silvestre, que iria ajudar o rei
Salomão a construir o templo. Silberer vê na queda da raiz ou na queda do verme do bico do pássaro
uma referência ao derramamento do sêmen do homem enforcado, todos os quais repetem o motivo
mitológico do sêmen derramado (Onã, Cronos, Hefesto, etc.) – preciosas chispas do fogo roubado –
soma (a bebida dos deuses) etc. A preciosa substância fecunda a mãe-terra e a desenvolve em um ser
mágico. Fogo, verme, pássaros e outros elementos têm todos um simbolismo sexual.
Silberer cita fartamente de um manuscrito mutilado do “livro de relatos e notas feitas para seu
nobre senhor Conde Kueffstein, diretor de Vienna Lodge, pelo seu mordomo”. Esses dois homens
viajaram para Itália onde foram recebidos muito cordialmente em um mosteiro e onde foram instruídos
na criação de várias bebidas destiladas em recipientes de vidro. Eles trabalharam no laboratório dia e
noite durante mais de cinco semanas sem apagar o fogo e experimentando coisas que “deixavam o
cabelo em pé como penas em porco-espinho”. O resultado de seu trabalho foram dez bebidas destiladas,
um rei, uma rainha, um cavaleiro, um monge, um arquiteto, um mineiro, um serafim, uma freira e
finalmente uma bebida azul e uma vermelha que só os fez visíveis através de tempos especiais. Os
primeiros oito eram tão pequenos que o conde perdeu a esperança, mas seu instrutor prometeu lhe
mostrar uma mudança maravilhosa. O pequeno grupo de trabalhadores enterrou secretamente
criaturas em seus recipientes no jardim do mosteiro em um monte de esterco onde deveriam “crescer e se
desenvolver”. A cada dia o local do enterro era borrifado com um líquido preparado com bastante
trabalho e algumas vezes com desgosto quase insuportável do narrador. O abade tranquilizou-o
lembrando que "Naturalia non sunt turpia," e que não havia pecado algum em usar tais materiais e
também que “eram necessários e indispensáveis para a fabricação de ouro!” Estranhos sinais de vida e
atividade revelaram o processo de crescimento no monte de esterco, igualmente desgostosos para o
cronista. No entanto, depois de quatro semanas revelou-se um maravilhoso crescimento e
desenvolvimento, quando com grande labor e elaborado cerimonial religioso os vidros foram removidos
do local em que foram enterrados. Cada ser foi equipado de acordo com sua condição pela mão do abade
Geloni, o instrutor desse processo. As bebidas azul e vermelha ficaram visíveis somente quando o selo
dos vidros foi removido três vezes e uma curta oração hebraica foi repetida, quando a água que, caso
contrário seria pura, tomou respectivamente a cor azul e vermelha e então apareceu uma face
minúscula que rapidamente cresceu até chegar ao tamanho normal de uma face humana. A azul era
como a de um anjo, mas a vermelha era como de um demônio perverso. Depois disso, o conde e seu
mordomo passarem por uma viagem longa e difícil, e também dispendiosa, que o mordomo lamentou
com meticulosa preocupação, aparentemente característica. Assim foi seu retorno a Áustria com seus
preciosos vidros contendo os produtos de sua criação. Essas bebidas tinham que ser nutridas com um
pouco de unguento ou uma certa gelatina cor de rosa com uma colher de aço sem uso, retirada de uma
caixa de prata. A água nos vidros tinha que ser renovada o mais rápido possível ou as criaturas nelas
contidas começariam a mostrar sinais de ameaça de morte. A bebida azul não precisava nem de
alimento nem de mudança de água, enquanto a vermelha uma vez por semana recebia um pouco do
sangue fresco de alguma animal, sendo que o restante do sangue era jogado no fogo. Quando os
viajantes finalmente chegaram a Viena, as bebidas já estavam quase saindo das garrafas que as
continham. Conta-se que essas bebidas realizaram maravilhas e proferiram oráculos, cada uma em seu
[67
próprio território, sendo as do rei e da rainha relacionados a assuntos políticos, etc. No entanto, as
bebidas azul e vermelha eram o ponto alto e não havia “nada tão elevado , nada tão profundo” que “Deus
no céu e o Satã no inferno tivessem feito” que elas não soubessem e dos quais não falassem. Uma
manhã, o rei foi descoberto fora de seu vidro, tentando retirar o pino ou ou abrir caminha através da
tampa do vidro da rainha para conceder liberdade à rainha, diz a cronista, ou obter acesso a ela e foi
somente com grande dificuldade e com um animal selvagem caçado sobre o quarto que ele foi capturado
e devolvido ao seu lugar, sendo que o conde recebeu um horrível arranhão em seu nariz. Uma observação
posterior no manuscrito informa ao leito que o conde disse a um amigo que desde longa data ele se
libertou desses vínculos com o inferno e não desejava mais saber deles, uma vez que sua mulher e seu
confessor espiritual repetidamente pressionou-o para não mais colocar em perigo sua alma com tais
condutas blasfemas.
Na explanação desta história, Silberer oferece meramente a consideração de que toda esta repulsiva
crença no homúnculo foi uma consequência de uma fantasia repleta de fragmentos alquímico-mágicos
desordenados. Seu principal interesse reside na presença de motivos fundamentais inalienáveis aqui
discerniveis. Aqui funciona a mesma força que na preservação do mito, representando os motivos primitivos e
as eternas forças impulsivas. A existência dos homúnculos em vidros cheios de água corresponde ao “ovo
filosofal” que, por sua vez, está vinculado ao motivo tão frequente existente nos mitos do nascimento de
heróis, do ataúde e do dilúvio. É a expressão mítica da procriação e nascimento através da elaboração do mito
ou psicanaliticamente expressado através do “romance familiar” dos neuróticos. Este último é bem
intimamente relacionado à criação de homúnculos na fantasia de “fazer melhor”. Os recipientes de vidro são
reduplicações de retortas alquímicas nas quais o homúnculo deveria ser esquentado e o período de tempo,
quer exprimido em dias, semanas ou meses, é fixado com o número nove. A água e o calor também se referem
ao útero e o borrifar e o dilúvio sugerem significado espermático. Urina, fezes e esperma desempenham seu
papel nessas fantasias nessa história, assim como o fazem em outras fantasias que já foram examinadas.
Outros elementos, tais como as bebidas vermelha e azul têm suas contrapartes na alquimia. O selo colocado
no frasco sugere aquilo que é proibido, talvez a procriação não natural, talvez o tabu do incesto. As bebidas
nos frascos tem um significado fálico, como a mandrágora. Essas bebidas mostram um notável poder de
crescimento e depois de encolhimento.
Tudo isso mostra que o simbolismo alquímico tem muitos paralelos em seus simbolismos psicológicos
populares sobre teorias de procriação. A criação de monstros provenientes de sêmen expelido do forma não
natural é uma fantasia de substituição baseada no que Freud explica como uma supervalorização do
onanismo e da frutificação de tal modo que é frequentemente encontrada em sonhos, como a moça que se
masturbou no canto de uma mesa e então sonhou ter dado a luz vários filhos de madeira. O pavor do
monstro também provavelmente representa o sentimento de culpa ou ansiedade ocasionado pelo onanismo
Essas considerações referentes ao onanismo provavelmente se referem também a formas não naturais de
prazer sexual, incluindo o incesto que é intimamente ligado à história bíblica de Onã e seu feito. O melhor
“fazer” no homúnculo é representado pela criação sobre-humana do homúnculo. Uma nova e melhor ordem
no mundo humano é buscada no lugar da antiga e incompleta ordem.
[68
Anexo 5

“Simbolismo do Despertar e o Simbolismo do Limiar em Geral”71. -Herbert Silberer


Em vários comunicados anteriores, tais como “Fantasia e Mito” (resumidos no THE PSYCHOANALYTIC
REVIEW, VOL V, 1918, p. 234), e no “Categories in Symbols” (Zentralblatt fiir Psychoanalyse and
Psychotherapie, Bd. 2, Part 4), o autor mostrou a possibilidade de dividir todos os fenômenos simbólicos nas
seguintes categorias: primeiro, “material” e segundo, “funcional”.No primeiro tipo por intermédio da figura
simbólica, é apresentado o material mental, seu conteúdo em termos de pensamento ou concepção; na
segunda, a atividade que a mente está realizando. A transição de uma condição psíquica a outra fornece o
material para debate dos fenômenos funcionais. O melhor exemplo desse simbolismo de transição pode ser
encontrado no estágio entre o despertar e o sono e o inverso. Adormecer, despertar, e provavelmente outros
mecanismos psíquicos comparáveis a um limiar de passagem, são estados e funções mentais que o autor
considera sujeitos a um processo auto simbólico. O simbolismo do despertar e do adormecer geralmente
toma a forma de uma mudança de situação, uma transição, ou a entrada em um limiar. O sujeito retrata a si
mesmo como passando sobre um corpo de água, inundando, sendo agitado, partindo ou chegando,, abrindo
ou fechando algo, etc.
S. apresenta três grupos de exemplos. O primeiro grupo, o mais convincente, é constituído de
“simplesmente fenômenos auto simbólicos”, observados nele próprio ao adormecer, tendo em si mesmo e no
ambiente uma grande variedade de condições. O segundo grupo é composto de partes finais de sonhos, nos
quais o processo do despertar é claramente simbolizado; e o terceiro grupo, de sonhos e fantasias nos quais
são retratados fenômenos de limiar sem serem de adormecer e de despertar.
O grupo 1 contém exemplos que simbolizam um desejo de dormir mais ou de despertar. As condições
eram de amanhecer ao despertar, mas ainda cochilando. Ele começa a pensar sobre um sonho que teve e
deseja continuar e terminá-lo, mas se vê achegando à plena consciência, luta contra isso e tem a seguinte
alucinação: “Ele está atravessando um riacho – está com um pé no outro lado, mas o retira e pensa em
permanecer deste primeiro lado”. O autor interpreta “este lado” como estado de sono e, o “outro lado”, como
estado de desperto. O riacho é o limiar. Novamente sonha ter colocado um objeto fora de seu alcance, porém,
amarrou um barbante ao objeto de modo que pode puxá-lo quando desejar. Nesse sonho, o objeto significa o
despertar, o barbante significa atenção ou vontade, por meio do qual o sonhador pode se acordar no tempo
desejado. Em outro sonho, S. deseja se fechar em um quarto com muitas portas, mas, apesar dos seus
esforços, algumas das portas não se fecham. Aqui, o quarto fechado denota uma condição desejadas – a de
dormir.

71- Symbolism during Awakening and Threshold Symbolism in General. Resenha publicada no Psychoanalytic
Review VIII 1921 pags. 431-433. O texto original publicado no Jahrbuch für Psychoanalyse III ( 1911 ) pags. 621
– 660 com o título: Symbolik des Erwachens und Schwellensymbolik überhaupt
[69
Uma jovem de 22 anos, com sexualidade fortemente marcada, relata a S. que, ao despertar de um
profundo sono satisfatório, tem a ilusão de acabar de ter o desejo sexual satisfeito. Parece que parte de sua
libido satisfez suas necessidades, enquanto a outra parte (representando o homem) está relutante em partir.
Esta fantasia é a sexualização do ato de despertar. Dormir, seu parceiro se recusa a se retirar, embora ela
própria se sinta satisfeita (suficientemente descansada).
Outro exemplo: à noite, ao adormecer, S. sonha que está caminhando em uma estrada do campo que se
perde à distância em um vale sombrio. S. interpreta o vale sombrio como o sono que está prestes a envolvê-lo.
Ele dá dezoito exemplos no primeiro grupo no qual a mudança nas condições do sonhador é simbolizada
por imagens características como atravessar um riacho, entrando ou mergulhando na água, sendo agitada,
encontrando-se e partindo, partindo para uma viagem ou chegando de uma viagem.
O grupo 2 é ilustrado, mas por quatro exemplos tirados de sua experiência pessoal, enquanto quinze são
tirados dos sonhos de outras pessoas, todos os quais simbolizam o processo de despertar. Aqui, S. apresenta
os fragmentos finais de sonhos dos quais as partes precedentes nem sempre são conhecidas. Por exemplo, ele
sonha que parte com um grupo de pessoas e entra em sua casa, ou ainda, que ele está prestes a tomar um
trem a um certo local. Podemos facilmente reconhecer essas simbolizações dos processos de dormir e de
despertar. Em outra instância, ele está entrando na neve; sabe que está prestes a morrer e se resigna ao seu
destino. O despertar, em relação ao dormir, é uma morte.
Por outro lado, certa mulher relata a S. atravessar um riacho sem entrar nele e, chegar ao outro lado, tal
como o trem que sai da estação. Ela teve também vários sonhos que terminavam com o pensamento de que
ela deveria ir cozinhar – outro símbolo de transição. Em outro sonho, ela está na companhia de alguém que a
aborrece. Para sua grande alegria, ela vê seu tio vindo em diração a ela e ela corre em direção a ele para o
encontrar. Nessa instância, o sono e a consciência são representados por duas pessoas.
Um conhecido de S. relata que geralmente acorda depois de sonhar que é lançado na água. Também
pular na água geralmente o salva de uma situação de sonho desprazeroso. Em tal caso, ele nem sempre
acorda, mas algumas vezes meramente passa para outra fase do sonho.
O grupo 3 é ilustrado por três exemplos, sendo o primeiro retirado da Interpretação dos Sonhos de
Freud, na tradução inglesa da terceira edição, 1913, página 176, no qual o sonhador chega a uma passagem na
qual a governanta, uma mulher idosa, está sentada: “Tento evitar conversar com ela, mas, aparentemente ela
pensa que tenho o direito de passar, pois pergunta se deve me acompanhar com uma lamparina. Eu dou-lhe a
entender que ela deve permanecer na escadaria e, nisso, pareço a mim mesma muito esperta por finalmente
evitar ser vigiada”. A governanta é o censor do sonho, que permite que o conteúdo do sonho aconteça (no
sonho e o próprio sonhador). O subir e a descer denota a passagem por vários estágios psíquicos.
A seguinte ilustração é proveniente do “Des Indes a la Planete Mars”, de Théodore Flournoy. O livro trata
de um caso de sonambulismo no qual a médiu, Helene Smith relata experiências na Índia ou em Marte. Em
uma ocasião, ela se sente sem o corpo; ela flutua pelo ar até finalmente se encontrar em Marte. E então
descreve o que vê lá.
[70
Anexo 6

Referente à Formação de Símbolos.72 Herbert Silberer


Uma parte importante do trabalho do psicanalista é decifrar os símbolos. Símbolos que inicialmente
parecem absolutamente ininteligíveis, após investigação mostram ter a mais íntima relação com aquilo que
representam. A história da interpretação dos antigos mitos comprova este fato. Estudos psicanalíticos têm
mostrado a estreita analogia entre o simbolismo de indivíduos e a de raça, conforme manifestos na mitlogia.
Quer estejamos lidando com sonhos ou atos simbólicos de uma compulsão neurótica, ou um cerimonial
religioso, ou lendas míticas, em cada caso temos símbolos concebidos pelo espírito humano, não
voluntariamente, mas como resultado de necessidades interiores. O símbolo é, portanto, definido como a
necessária representação, sob certas circunstâncias, de uma sequência de pensamentos.
A mente que formou o símbolo não pode estar ciente ao mesmo tempo dos pensamentos representados
por esse símbolo. Na melhor das hipóteses, terá a sensação de que tal grupo de ideias existiu em dado
momento. De modo semelhante, a raça que cria alegorias é capaz de lhes dar meramente uma interpretação
literal.
Para se entender um símbolo, é necessário ter alcançado uma fase de desenvolvimento mais elevado do
que a mente que criou o símbolo. As mentes que estão adiante de seu tempo e portanto podem ver além do
símbolo, nunca são entendidos até um período posterior. Em psicopatologia, o médico representa este estágio
mais elevado de desenvolvimento; em sonhos, o próprio sonhador, ao acordar. No caso de um neurótico, o
médico simplesmente conduz o paciente àquele estágio de maior compreensão do qual sua enfermidade o fez
declinar. Tão logo o paciente entende os símbolos de sua psique, via de regra, ele pára de usar esses símbolos.
O próprio S. indica três questões: (1) o que é o mecanismo da formação de símbolos; (2) quando ele se põe em
ação; (3) qual é o seu propósito? Se a pergunta 1 for entendida, ele pensa que as respostas às perguntas 2 e 3
advirão desse conhecimento.
O símbolo nunca representa um único pensamento. Ele é o núcleo para o qual os pensamentos
convergem de todas as direções. S. discorda da escola freudiana no sentido de que não crê que a sexualidade
seja um fator essencial na formação de símbolos, embora a sexualidade possa frequentemente fazer uso do
mecanismo da formação de símbolos.
Um estudo de símbolos revela outra característica de sua múltipla determinação. Outra é a tendência à
obviedade, em contraste com pensamentos mais abstratos que lhes são subjacentes. Este processo é parte
daquilo que Freud denomina regressão.

72- Concerning the Formation of Symbols. Resenha publicada no Psychoanalytic Review VIII ( pags. 434 – 437 ).
Texto original publicado no Jahrbuch für Psychoanalyse VIII ( 1911 ) pag. 661-723 com o título Über die
Symbolbildung
[71
No caso de sonhos, neuroses ou alucinações auto-simbólicas, o símbolo representa algo que em
circunstâncias normais poderia ser facilmente entendido, pensado ou sentido pelo objeto. Por outro lado,
símbolos mitológicos representam pensamentos dos quais a raça ainda não se assenhorou. Sonhos, neuroses,
etc., representam, portanto, uma fuga da realidade, enquanto mitos, sagas e filosofias representam o esforço
da humanidade para se aproximar da realidade.
Filósofos como, por exemplo, Platão, em seus esforços para alcançar a verdade, costumam se expressar
em símbolos. Eles sentem, porém, nem sempre entendem claramente os significados subjacentes da vida. O
poeta revela em simbolismo. De um ponto de vista evolucionário, o simbolismo aparece sempre que o homem
procura captar aquilo que ainda está além de seu poder. Inversamente, ele aparece sempre que o homem decai
de um nível mais elevado de entendimento, como em sonhos, perturbações, etc. Essa regressão não é apenas
uma regressão à infância do indivíduo, mas a estágios análogos de desenvolvimento humano.
Para a formação de símbolos, Silberer considera essencial (tanto em fenômenos normais como em
neuróticos, na psicologia individual bem como de raça) uma inadequação do poder da apreensão em relação
a um assunto, ou em outras palavras uma insuficiência aperceptiva. A falta de capacidade apreender depende
não somente de fraqueza intelectual, mas também de elementos afetivos que se mostram fatores vigorosos
nessa incapacidade. Insuficiência aperceptiva pode ser devida a (1) desenvolvimento imperfeito (de uma
criança, indivíduo ou raça) ou fraqueza passageira (sono, fadiga, etc.), (2) afetividade que, através do
mecanismo de prazer ou de dor, impede o avanço do pensamento ou enfraquece o poder da atenção. A
afetividade não tem só este resultado negativo, mas o efeito positivo de voltar a atenção para os complexos
dos quais advém, procurando assim aumentar seu valor. Ideia, pensamento ou complexo afetivo torna-se,
então, um fator positivo que, em condições apropriadas – uma das quais é a fraqueza aperceptiva –
manifesta-se sob a forma de um símbolo. Ao descrever esses processos, S. dá uma visão mais clara do
mecanismo envolvido em conceitos como “Censor” “Resistência” e “Regressão”, formulando-os mais
nitidamente a frequentemente expressando pontos de vista diferentes do corpo da teoria psicanalítica.
Como exemplo, S. cita uma sonho analisado por Dr. Ferenczi. Certa mulher sonhou que havia torcido o
pescoço de um pequeno cão branco. A análise mostrou o cão como representando uma cunhada odiada. Aqui
encontramos as condições necessárias à criação de um símbolo: a redução das capacidades aperceptivas
através do sono e a repressão da ideia de empenhar-se pela consciência (de que a cunhada deveria ter seu
pescoço torcido). Nesse caso, o sentimento de vingança, que tenderia a trazer essa ideia para o primeiro
plano, é contrabalançado por sentimento ético, temor, etc. Em consequência disso, não é a ideia que aparece,
mas seu símbolo.
Símbolos são de dois tipos. O primeiro ocorre quando a ideia, não restringida por ideias competitivas
(complexos afetivos) forma símbolos de natureza puramente intelectual. O segundo tipo ocorre quando a
ideia, em conflito com outros complexos, constrói seu símbolo sobre uma base afetiva. Na prática, no
entanto, todos os símbolos são uma mistura dos dois tipos, nos quais há predomínio de um ou do outro. No
primeiro caso, a ideia aparece de forma velada. No segundo, a ideia não só é indistinta, mas deslocada.
Ambos os tipos resultam de necessidade subjetiva. Mas necessidade objetiva predomina na formação do
primeiro tipo. Ele dá um exemplo do primeiro tipo e usa o sonho de Ferenczi como um exemplo do segundo.
Tendo considerado a questão de no que consiste o símbolo e qual a condição necessária para sua
criação, agora S. trata da questão do propósito do simbolismo. Em primeiro lugar, no decorrer do
desenvolvimento intelectual, este mecanismo é uma abordagem do entendimento daquilo que ainda não é
entendido. Em segundo lugar, no caso de insuficiência apreceptiva devida a fadiga ou sono, ele dá um indício
de ideias ou complexos que procuram entrar na consciência. Ademais, este mecanismo atua como um censor
e, nas palavras de Freud, como uma “guardião” do sono. Fornece também uma vazão para a afetividade,
mesmo que a realização seja apenas um substituto para o objeto de desejo original. Nesta parte do
documento, ele mostra como as diferenças entre Freud de um lado, e Jung e Bleuler do outro, são devidas ao
ponto de vista teleológico do primeiro e casual do último. Nenhum deles merece ser enfatizado em detrimento
do outro e, sozinho, qualquer um deles é perigoso em assuntos psíquicos.
Em seguida, S. retoma o assunto sobre o qual fez tanta investigação: a tentativa de sistematizar o
material do qual o símbolo é formado e o processo de simbolização. Ele divide os assuntos em três grupos:
1. A questão do pensamento, ideias, conceitos, etc.
2. A condição ou atividade da mente, as maneiras e meios de seu funcionamento.
[72
3. Processos somáticos
Por isso, fenômenos simbólicos se dividem em três categorias:
1. Fenômenos materiais nos quais o conteúdo é convertido em símbolos.
2. Fenômenos funcionais, que tratam, não do material ou conteúdo do pensamento, mas dos aspectos
funcionais da mente. Estes aspectos podem ser caracterizados pela tranquilidade, dificuldade, fadiga, alegria,
etc. acarretados no funcionamento; oposição defesa, conflito interior, supressão, compromisso, dissociação e
todo o registro do mecanismo neurótico; transição de um estado a outro, como no adormecer, regressão, etc.
Muitos desses processos são emocionalmente matizados.
3. Fenômenos somáticos, sensações de pressão e temperatura, sensibilidade muscular, ótica ou
acústica, dor nos órgãos internos, etc.
Como ilustração do primeiro tipo, ele cita a seguinte alucinação hipnagógica:
Condições: Ele está reclinando-se, quase adormecido e está pensando sobre“transubjective gültigen
Urteile”. Ele alucina um grande círculo ( ou uma grande esfera transparente) flutuando no ar e toda a
humanidade têm suas cabeças nele.
Interpretação: A relação orgânica dessa alucinação com a ideia na qual ela é retratada é facilmente
encontrada. A validade do julgamento transubjetivo ataca certas condições: logo antes de adormecer, o
sonhador tenta sem sucesso concentrar-se em um pensamento. O sonho resultante: Ele está subindo uma
encosta. A cada passo, ele deslisa para trás, deslocando assim escombros. Este sonho apresenta, não o
conteúdo do pensamento, mas a fadiga psíquica que ele acarreta.
O seguinte sonho tipifica a categoria somática: O sonhador vai para cama com abrasadora dor de
cabeça. Em seu sonho, ele vê uma caixa de fósforos de cabeça para baixo (isto é, com as cabeças dos palitos
de fósforos virados para baixo). As cabeças dos palitos tipificam sua cabeça (que contém um fogo latente). Os
fósforos estão confinados numa caixa; sua cabeça se sente como se estivesse fechado com tábuas pregadas.
Os fósforos estão parados sobre suas cabeças: o fluxo de sangue para sua cabeça lhe dá a sensação de que ele
está parado sobre sua cabeça. a todos, sem exceção: o círculo passa por todas as cabeças. A validade deve ser
fundamentada sobre uma base comum: as cabeças estão todas em uma esfera homogênea. Nem todos os
julgamentos são transubjetivos, seu corpos e extremidades estão fora da esfera, são indivíduos separados
neste mundo. A unidade está na “organização transcendental”, enquanto a organização física é diferente. O
contraste é ilustrado no símbolo como a diferença entre corpo e cabeça: a cabeça está sendo o assento do
espírito que vê e pensa, o corpo é o físico “acidental”.
A categoria funcional é ilustrada pelo seguinte:
Condições: logo antes de adormecer, o sonhador tenta sem sucesso concentrar-se em um pensamento.
O sonho resultante: Ele está subindo uma encosta. A cada passo, ele deslisa para trás, deslocando assim
escombros. Este sonho apresenta, não o conteúdo do pensamento, mas a fadiga psíquica que ele acarreta.
O seguinte sonho tipifica a categoria somática: O sonhador vai para cama com abrasadora dor de
cabeça. Em seu sonho, ele vê uma caixa de fósforos de cabeça para baixo (isto é, com as cabeças dos palitos
de fósforos virados para baixo). As cabeças dos palitos tipificam sua cabeça (que contém um fogo latente). Os
fósforos estão confinados numa caixa; sua cabeça se sente como se estivesse fechado com tábuas pregadas.
Os fósforos estão parados sobre suas cabeças: o fluxo de sangue para sua cabeça lhe dá a sensação de que ele
está parado sobre sua cabeça.
Os três exemplos são praticamente “puros” exemplos das três categorias. Porém, na realidade, S.
afirma, não há casos puros de cada tipo. Em todo fenômeno, seja no domínio de alucinações, sonhos, mitos,
etc., há pelo menos duas categorias. É especialmente difícil diferenciar entre a segunda e terceira categorias
por conta do colorido emocional que caracteriza cada um desses grupos.
Os três exemplos são praticamente “puros” exemplos das três categorias. Porém, na realidade, S.
afirma, não há casos puros de cada tipo. Em todo fenômeno, seja no domínio de alucinações, sonhos, mitos,
etc., há pelo menos duas categorias. É especialmente difícil diferenciar entre a segunda e terceira categorias
por conta do colorido emocional que caracteriza cada um desses grupos.
Silberer conclui seu documento com numerosos exemplos de cada uma das três categorias.
[73

Anexo 7
A Parábola ( Versão Integral )
[…]
Com isso devo agora terminar este breve tratado, e colocar claramente perante seus olhos, na parábola
que se segue, o que te é ainda necessário conhecer, sem falta ou erro. E nesta parábola tu encontrarás a
inteira Práctica, e se seguires diligentemente, chegarás ao destino final e ao verdadeiro conhecimento. Para
esta finalidade tu e todos nós esperamos ser auxiliados e preservados do mau desejo, pelo Deus Pai, Deus
Filho e Deus Espírito Santo, a quem seja o maior louvor para todo o sempre. Amém.
Aqui segue a Parábola, na qual toda a arte está contida.
Há uma coisa, uma em número e em essência
Que a Natureza, pela arte ajuda a transformar-se
Em dois , em três, quatro, cinco, à medida que o lemos.
Mercúrio e Enxofre a alimentam
Espírito, Alma e Corpo e quatro Elementos
A Pedra Filosofal é a quinta, que eles produzem
Sem fraude deverás contar a tua Matéria
Uma dupla substancia mercurial
Livre do Enxofre estranho, deverás escolher o puro
E dissolvê-lo a partir da base, integralmente
Compô-los novamente em seus verdadeiros pesos,
E eles te guiarão à verdadeiro
De acordo com a Solução, tu deves logo sublimar
Calcinar e diligentemente destilar
Coagular e então colocar o mesmo, seguramente
Em um vaso, e iniciar o tingimento
E então terás feito uma medicina
Que cura homens e metais – como quiseres.

Certa vez , passeava eu num bosque lindo, muito verde, e, meditando sobre as dificuldades desta vida,
deplorei a queda de nossos primeiros pais , causa, em última análise, de tantas misérias e vilezas, tantas de
que está cheio o mundo em que vivemos. Assim pensando deixei a vereda comum e cheguei, não sei como, a
uma estreita senda, muito áspera, pouco usada, e dura de pisar, na qual cresciam muitas moitas e árvores, e
foi fácil reconhecer que este caminho era desconhecido dos viadantes. Então, atemorizado, desejei retornar,
mas isso não estava em meu poder, especialmente por que forte vento poderosamente atrás de mim, e assim
tive que dar dez passos adiante para cada passo de retorno.
Por isso, tive que continuar no caminho a despeito de sua aspereza.
Após ter andando por algum tempo, cheguei a um lindo prado, cercado de belas árvores frutíferas, em
forma de círculo. Este prado era chamado por seus habitantes de Bratum felicitatis. Lá encontrei um grupo de
velhos de barbas brancas como a neve, e um homem mais jovem de barba negra, em ponta; mais adiante vi
um outro, cujo nome eu conhecia, que era ainda mais jovem, porém não podia reconhecer seu rosto. Estavam
numa grande disputa sobre todos os tipos de coisas, especialmente sobre um grande segredo que estava
escondido na Natureza e que Deus mantinha oculto do grande mundo, revelando-o apenas aqueles poucos
que O amavam.
Escutei-os por muito tempo, e apreciava seus discursos, mas alguns deles pareciam divagar
absurdamente, não necessariamente sobre a Matéria ou a obra em questão, mas sobre as Parabolae
Similitudes, e outros Parergons. Nisso eles seguiam Aristóteles, Platão e outros Figmenta, cada qual deles
tendo copiado do outro. Então não pude mais me conter e coloquei minha própria palavra na discussão,
refutando muitas coisas fúteis por meio de meus Experimentos. Muitos me deram ouvidos, examinando-me
em sua Faculdade, propondo-me alguns testes realmente difíceis. Porém meus fundamentos eram tão bons
[74
que os atravessei com todas as honras. Eles se espantaram muito com isso e unanimemente me receberam em
seu Collegium., fato que me encheu de felicidade o coração.
Mas eles disseram que eu não poderia ser um verdadeiro Collega enquanto não conhecesse intimamente
o leão que possuíam e soubesse o que ele poderia fazer tanto interna como externamente. Por isso, deveria
dedicar-me diligentemente a torná-lo submisso a mim. Estava eu bastante seguro de mim, e prometi a eles
que faria i melhor que pudesse, pois a companhia me era tão agradável que não me separaria deles por
dinheiro nenhum.
Eles me levaram ao leão, fazendo dele cuidadosa descrição. Mas o que eu deveria fazer com a fera no
inicio ninguém me dizia. Alguns fizeram insinuações a respeito, mas tão confusamente que não havia quem
os pudesse entender, e após ter eu amarrado o leão e me assegurado de que suas afiadas garras e aguçados
dentes não poderiam ferir, eles nada mais ocultaram. O leão era velho, mas grande e feroz, e sua juba amarela
espalhava-se-lhe sobre a nuca, e parecia inconquistável; eu estava aterrorizado, e prazerosamente teria
retornado, não fosse o acordo que com eles fizera. Os velhos estavam todos á minha volta, para ver como eu
iniciaria, o que também me fez ficar. Confiantemente, aproximei-me do leão, em sua caverna e comecei a
adulá-lo, mas ele me fitou tão intensamente com seus olhos fulgurantes que, de medo, quase urinei. Ao
mesmo tempo, lembrei-me de que a caminho da caverna do leão, um velho declarou que muitas pessoas
haviam tentado conquistar o leão, mas poucos o conseguiram. Eu não queria que uma desgraça me
sucedesse, e me lembrei de muitos recursos que aprendi com muita diligência nos jogos físicos, e além disso
eu era versado em Magia natural. Assim é que, deixando de lado a bajulação, ataquei o leão tão rápida, hábil e
subitamente que espremi o sangue do seu corpo, até mesmo de seu coração; era intensamente vermelho, mas
muito colérico, e isto fiz mesmo antes que o leão pudesse percebê-lo. E examinei mais a sua anatomia,
constatando muitas coisas que me espantaram, especialmente seus osso, que eram brancos como a neve, e
havia mais ossos do que sangue.
Quando meus queridos velhos, de pé em torno da caverna e observando-me, perceberam o que havia
feito, começaram a disputar veementemente uns com os outros, mas eu não podia ouvir o que diziam, pois,
ainda estava muito no fundo da caverna, conseguindo apenas perceber-lhe os gestos. Mas quando começaram
a murmurar duras palavras uns contra os outros, ouvi o que um dizia:”Ele deve reviver o leão novamente, ou
não poderá ser nosso Collega”. Eu não tinha a menor intenção de criar dificuldades. Assim, retirei-me da
caverna, atravessei uma grande clareira e cheguei, não sei como, a um grande muro, a altura do qual era de
mais de 100 braços, mas não tinha de largura mais de quatro dedos, se tanto. Na parte superior dessa parede
corria, de uma ponta a outra, um balaústre de ferro de largura não muito grande, bem preso por muitos
suportes. Eu caminhava no topo desse muro e parecia que alguém estava andando alguns passos adiante de
mim, ambos no lado direito do balaústre.
Após haver seguido esta pessoa por algum tempo, notei que alguém me acompanhava pelo lado
esquerdo do balaústre, não sei se homem ou mulher, e esta pessoa me aconselhava a passar para o lado que
ela utilizava, por muito melhor para mim. Aceitei de pronto o conselho, pois a balaústre tornava muito
estreito o lado que eu utilizava, e era difícil andar em tal altura. Vi então várias pessoas atrás de mim, todas
desejando utilizar esse caminho. Continuei, pelo outro lado, até chegar finalmente a um lugar onde era
perigoso descer. Então, arrependi-me de não ter permanecido no lado onde antes me encontrava, pois já não
me era mais possível voltar a trilhá-lo. Por isso, tentei ir adiante, dei fé aos meus bons pés, segurei firmemente
e desci sem ferir-me. E quando prossegui, esqueci de todo o perigo e também não sabia mais o que acontecera
ao muro e ao parapeito.
Mas, após haver descido, vi uma linda roseira, na qual cresciam bonitas rosas brancas e vermelhas,
porém mais rosas vermelhas do que brancas, algumas das quais tomei e as coloquei em meu chapéu. Então
verifiquei que havia um muro circundando um grande jardim, e no jardim estavam jovens, onde as raparigas
gostariam de estar, mas elas não queriam fazer o esforço de contorná-lo para chegar à sua porta. Eu tive pena
delas e voltei pelo caminho de onde havia vindo, o qual, desta vez, era mais suave, e andei tão rapidamente
que logo cheguei a várias casas, onde pensei encontrar a casa do jardineiro. Lá deparei muitas pessoas, cada
qual tendo seu próprio quarto, e duas estavam trabalhando juntas, lenta e diligentemente. Mas cada qual
tinha seu próprio trabalho. Admiti que eu mesmo já havia feito o trabalho que ambas estavam fazendo e
pensei: Vejam, se tantas pessoas fazem esse sujo trabalho somente por sua aparência e de acordo com sua
própria noção, sem nenhum Fundamento na Natureza, então tu serás perdoado. Por isso não quis
[75
permanecer por mais tempo, porque sabia que tal arte desapareceria em fumaça, e retomei o caminho
pretendido.
Como agora andava em direção à entrada do jardim, algumas pessoas me fitavam amargamente,
estando por isso atemorizado de que me impedissem meu Proposito. Mas outros diziam: “Vejam, ele quer
entrar no jardim, e nós que por tanto fizemos serviços para o jardim, nunca nele entramos. Vamos zombar
dele, se ele falhar”. Mas eu não lhes dei atenção, pois conhecia melhor do que eles a situação do jardim, apesar
de nunca haver estado nele antes, e me dirigi a uma porta fortemente trancada, na qual qual ninguém poderia
encontrar sequer um buraco de chave do lado de fora. Porém, notei um pequeno orifício nesta porta, que não
se podia ver com olhos do corpo, e logo senti que através dele poderia abri a porta. Tomei de minha chave
mestra, preparada para esta ocasião, abri a porta e entrei. Após haver entrado, encontrei mais algumas
portas trancadas, mas a todas abri sem maiores dificuldades. Mas isso era apenas uma passagem, como se
estivesse numa casa bem construída, com cerca de seis pés de largura e vinte de comprimento. Porém, antes
mesmo de abrir as demais portas já via através delas boa parte do jardim.
Em nome de Deus, continuei minha caminhada no jardim e encontrei no meio dele uma pequena área de
formato retangular, medindo seis varas o seu lado mais extenso, coberta de roseiras silvestres, e as rosas nela
floresciam lindamente. E tendo chovido um pouco e o Sol então brilhava, havia um belo arco íris. Quando
deixei o pequeno jardim e cheguei ao lugar onde devia assistir às raparigas, notei que em vez de muros havia
uma cerca baixa, e uma jovem muito linda, vestida de cetim branco, com um jovem esplêndido, passou pelo
jardim de rosas, um levando o outro pelo braço e com as mãos cheias de rosas fragrantes. Falei a eles e lhes
perguntei: “Como conseguiram ultrapassar a cerca”? Ela disse: “Meu querido noivo ajudou-me a passá-la, e
estamos agora saindo deste lindo jardim para nosso quarto, para desfrutarmos nossa amizade”. Eu disse:
“Alegro-me em saber que poderás satisfazer teus desejos sem nenhum outro esforço de minha parte. Mas
vede, como percorri tão longo caminho em tempo tão curto, apenas para servi-los.” Após isso, cheguei a um
grande moinho, construído entre pedras. Nele não havia caixas para farinha nem as demais coisas
necessárias à moagem, nem mesmo as rodas d’água se movendo. Perguntei como tudo isso podia acontecer, e
o velho moleiro respondeu-me que toda a maquinaria estava trancada no outro lado do moinho. Ao ver o
servo do moleiro entrar por uma passagem coberta, segui-o. Mas quando percorria a passagem contemplei, à
esquerda, as rodas d’água parei surpreso, maravilhando-me enormemente diante do que via. Pois agora as
rodas estavam acima da passagem, a água ganhara uma cor escura como carvão e gotas dela eram brancas e
a passagem não tinha mais que três dedos de largura. Apesar disso, arrisquei-me a retornar, segurando-me
nas vigas que estavam sobre a passagem, e atravessei a água sem me molhar. Então, perguntei ao velho
moleiro quantas rodas d’água ele tinha. Dez, respondeu-me. Eu não podia esquecer esta aventura e gostaria
de saber seu significado. Quando vi que o moleiro não me queria revelar nada, parti; e havia na frente do
moinho uma alta colina movimentada, e em seu topo estavam alguns dos velhos que já mencionei, andando
ao calor do sol, e seguravam uma carta, escrita por toda a Faculdade e endereçada a eles, sobre a qual
estavam se aconselhando. Percebi logo o que ela podia conter e que me poderia dizer respeito, por isso
cheguei-me a eles e disse: “Senhores, a carta fala sobre mim?” Sim, responderam-me. Terás que manter a
esposa com quem casaste há pouco tempo, ou teremos que dar disso notícias ao Príncipe. Eu respondi: “Isso
será muito fácil, pois fui, por assim dizer, quase nascido com ela e criado junto a ela desde minha infância, e
por tê-la uma vez tomado, devo para sempre mantê-la, e mesmo a própria morte não nos separará jamais,
pois eu a amo de todo o coração. Eles replicaram : “O que então temos nós a reclamar? A noiva também está
feliz, e sabemos o que ela quer: deveis vos unir”. Terei satisfação nisso, respondi. Bem, disse um deles, então o
leão também voltará à vida e será mais forte e mais poderoso que antes..
Lembrei-me então do esforço e trabalho que havia feito e, por alguma estranha razão, pensei que tudo
isso não me disseste respeito, mas a alguém que eu nem conhecia. Assim pensando, vi o noivo com sua noiva,
vestidos como acima mencionei, afastando-se, prontos e preparados para serem unidos, o que muito me
agradou. Pois estive em grande temor de que estas coisas me pudessem dizer respeito.
Quando, como dito, o noivo, em suas roupas de brilhante escarlate, foi à presença dos velhos com sua
amada noiva, cujo alvo vestido de cetim rebrilhava luminosidade, foram logo unidos, e me surpreendi muito
que esta jovem, que podia ser a mãe do noivo, fosse ao mesmo tempo tão jovem que parecia haver nascido
recentemente.
[76
Porém, não sei em que estes dois haviam pecado; admiti que eles, sendo irmão e irmã, e undos de tal
modo que não mais podiam ser separados, tivessem sido acusados de incesto. Em vez de um leito nupcial e de
verdadeiro casamento, eles foram condenados e trancados em forte e perpétuo cárcere, para se arrependerem
e pagarem por seus malfeitos com terrores eternos. Mas, por causa de sua nobre origem e classe, e para que
nada mais pudessem fazer secretamente, e para que sempre estivessem à vista do carcereiro a quem foi
ordenado toma-se conta deles, sua prisão era transparente, cristalina e formada por cúpula celeste. Mas,
antes disso, todas as roupas e ornamentos lhes foram retirados, para que vivessem nus em sua habitação. E
ninguém foi designado para servi-los. Mas a comida e a bebida que eram tiradas da água que acima
mencionei, que lhes eram necessárias, foram colocadas na prisão. A porta de seu quarto estavam bem
trancada, selada com o selo da Faculdade e a mim foi ordenado que o guardasse. Como o inverno não tardaria
a chegar, a medida tinha também o objetivo de aquecer a cela em que foram colocados para que não
sentissem frio. Mas, se algum dano ocorresse sob o dito Mandatum, a mim, certamente, seria aplicado severa
punição. Eu não me sentia bem com isso e meu temor e receio me puseram tonto. Pus-me a pensar na
enormidade da tarefa que me ordenaram executar, mas eu sabia que o Collegium sapientae, não era dado a
mentiras e sempre fazia o que dizia, e certamente preparava suas tarefas com cuidado. Entretanto, eu não
podia alterar a tarefa, e, além disso, o quarto trancado ficava no centro de uma forte torre, circundada por
altos muros e gigantescas fortificações, e já que não podia aquecer o quarto com um fogo constante e
moderado, empreendi o meu trabalho e em Nome de Dus comecei a aquecer o quarto para proteger do frio o
casal aprisionado. Mas, o que aconteceu? Tão logo notaram o mais leve calor, eles se abraçaram tão
ardorosamente como jamais se verá novamente. E permaneceram em tal ardor que o coração do jovem noivo
desapareceu em fervente amor, e seu corpo inteiro se derreteu nos braços de sua amada. Então, ela, que o
amava não menos do que ele a amara, diante do que aconteceu, derramou muitas lágrimas por ele e o
enterrou, por assim dizer, com elas, embora não se pudesse ver, por causa das lágrimas, o que havia
acontecido a ele. Mas suas lástimas e seu clamor perduraram apenas por pouco tempo,e por sua dor ser ser
tanta, ela não mais queria viver, e foi voluntariamente ao encontro da morte. Ah! Desgraça sobre mim! Eu
estava em temor, angústia e sofrimento, porque os dois a quem estive incumbido de guardar estavam
aparentemente dissolvidos por completo em água, e eu, os vi deitados perante mim como mortos. A certeza
do fracasso me confrontou, e o que parecia ser o pior, o que mais receava, era o escarnio e o ridículo, tanto
quanto os riscos que eu haveria de encontrar.
Permaneci alguns dias em cuidadosos pensamento, considerando como poderia melhorar a minha
situação, quando me lembrei como Medéia trouxe o corpo de Aeson novamente à vida. E pensei para mim
mesmo: Se Médeia conseguiu, por que nãos seria eu, também capaz de fazê-lo? Comecei a pensar sobre como
proceder, mas não encontrei nenhum modo melhor do que manter um calor apropriado até que a água se
recolhesse e eu pudesse ver os corpos sem vida dos dois amantes. Alimentando forte esperança de escapar ao
perigo com ganho e louvor, continuei por quarenta dias o calor que iniciara e reparei que quanto mais tempo
eu o fazia, mais a água desaparecia. E eu já podia ver os corpos, negros como carvão. Isso teria acontecido
antes, se o quarto não estivesse trancado e selado tão rigorosamente; mas eu não tinha permissão para nele
entrar de modo algum. Então notei que a água se elevava muito contra o vapor, ajuntava-se no teto do quarto
e caia novamente no chão como se fosse chuva; e nada podia escapar, já que nosso noivo e sua amada
estavam deitados perante meus olhos, mortos e decompostos, com mau cheiro insuportável. Entretanto,
reparei no quarto um arco íris nas mais lindas cores, causado pelo sol no quarto úmido, o que bastante me
alegrou em meus desgostos, e fiquei muito feliz ao ver os dois amantes deitados novamente diante de mim.
Mas nenhuma alegria é tão grande que não haja nela tristeza; e por isso havia aflição em minha alegria, pois
estava vendo aqueles que devia guardar deitados diante de mim, sem que pudesse perceber neles nenhuma
vida. Mas como seu quarto era feito de tal Matéria pura e firme e fechado tão fortemente, eu sabia que a alma
e o espírito não podiam dele escapar, e ainda estavam enclausurados.
Mantive constante o calor dia e noite, executando a tarefa que me fora ordenada, imaginando que o
espírito e a alma não retornariam aos corpos pelo tempo que a umidade se mantivesse. Pois eles gostam de
habitar na natureza úmida. E, de fato, percebi que isso era verdadeiro. Pois verifiquei em muitas observações
dolorosas que os vapores se elevam da terra perto do crepúsculo, por meio da força do sol, e se elevam tão
alto que parece que o sol atrai a água. Mas durante a noite eles se transformam em orvalho suave e fértil,
descendo pela manhã, lavando os corpos mortos, que se tornaram mais brancos e aprazíveis por efeito de tais
[77
banhos e lavagens. Mas quanto mais brancos e lindos se tornavam, mais perdiam umidade até que finalmente
o ar se tornou claro e limpo, enquanto todo o clima nublado e úmido se dissipou, e o espírito e a alma da
noiva não podiam mais permanecer no ar límpido e voltaram ao corpo transfigurado e glorificado da rainha, e
tão logo o corpo os sentiu tornou-se instantaneamente vivo. Com isso rejubilei-me muito, como podereis
muito bem imaginar, especialmente quando a vi elevar-se, em um vestido precioso, dos que são vistos por
muito poucas pessoas aqui na Terra., e ela estava com magnífica coroa adornada com diamantes sem jaça, e
eu a podia ver levantar-se e dizer: “Ouvi, filhos dos homens, e observai, vós que nasceste de mulheres, que o
Altíssimo tem o poder de colocar reis no trono e de destroná-los novamente. Ele faz os ricos e os pobres, de
acordo com seu desejo. Ele abate e ressuscita novamente.
Contemplai tudo isso em mim como vivo e verdadeiro exemplo: fui grande e me tornei pequena; mas
agora, após me ter tornado humilde, fui elevada a rainha para reinar sobre muitos domínios. Fui abatida e
revivi novamente. As grandes riquezas dos Filósofos e dos poderosos foram confiadas a mim e dadas a mim,
uma pobre.
Por isso me foi dado o poder de fazer ricos e pobres, levar misericórdia aos humildes e saúde aos
doentes. Mas ainda não sou como meu amado irmão, o grande e poderoso rei, que ainda será convocado dos
mortos. Quando ele vier, provará serem meus ditos verdade.”
E enquanto ela assim falava, o sol brilhava intensamente e os dias se tornaram mais quentes. A canícula
estava por vir. E muito antes das núpcias de nossa nova rainha haviam-se preparado muitas vezes custosas,
feitas de veludo negro, damasco cinzento, seda cinzenta, tafetá cor de prata, cetim branco como a neve, sim,
uma peça em prata de extraordinária beleza, incrustada de preciosas pérolas e coberta de diamantes de
refulgente pureza. E da mesma maneira foram preparadas vestimentas para o jovem rei, feitas de tecidos
preciosos, com tonalidades amarelas da aureolina, e um traje de veludo rubro, bordado, adornado e onde
repontavam rubis de alto valor e carbúnculos em grande quantidade. Mas os alfaiates que fizeram estas
vestimentas não estavam visíveis, e eu me surpreendia muito quando via uma peça após outra, e uma veste
após outra sendo terminadas, pois sabia que ninguém mais, além do noivo e da noiva, haviam entrado na
câmara. Mas o que mais me surpreendeu foi que tão logo uma veste ou um traje ficava pronto, os anteriores
desapareciam perante meus olhos., e eu não sabia para onde sumiam nem quem os escondia.
E após esta custosa veste ter sido terminada, apareceu o grande e poderoso rei em todo seu esplendor e
glória, e não havia nada que se assemelhasse. E quando ele se viu trancado, pediu-me amistosamente, com
palavras suaves, que lhe abrisse a porta, para que fosse capaz de sair, e disse que isto seria para minha
vantagem. E, apesar de me ser estritamente proibido abrir o quarto, eu estava tão impressionado com tão
imponente apresentação e com o doce poder de persuasão do rei, que lhe abri a porta de boa vontade. E
quando saiu, mostrou-se bastante amistoso e gentil e mesmo humilde, de modo que se podia verdadeiramente
ver que nada adorna tanto as pessoas de nobre origem quanto estas virtudes.
E como ele passou os dias canículares sob grande calor, estava sedento, fraco e cansado, e me pediu que
lhe trouxesse um pouco de água corrente de sob as rodas d’água do moinho. Isto eu fiz, e após ter bebido
avidamente grande parte dela, retornou ao seu quarto e me ordenou que trancasse a porta firmemente, para
que ninguém lhe perturbasse o sono a que se ia entregar.
Lá, descansou por vários dias, e então me chamou para lhe abrir a porta novamente. Mas observei que
havia se tornado ainda mais formoso, mais vigoroso e vistoso, e ele também notou. E percebendo que isso
fosse devido à água maravilhosa e salutar pediu-me mais dela e dela bebeu muito mais do que na primeira
vez. E eu resolvi ampliar a construção do quarto. Após o rei ter bebido desta bebida deliciosa, que os
ignorantes não apreciam em nada, até satisfazer seu coração, ele tornou-se tão belo e resplandecente que em
toda a minha vida nunca contemplei alguém mais magnifico ou mais nobre em comportamento e caráter.
Então ele me levou para seu reino e mostrou-me todos os tesouros e riquezas do mundo, pelo que tenho que
admitir que não apenas a rainha havia dito a verdade, mas que ele também dera uma grande parte destes
bens àqueles que conhecem o tesouro e sabem descrevê-lo. Havia enorme abundância de ouro e carbúnculos
preciosos e rejuvenescimento e restauração das forças naturais, assim como a recuperação da saúde perdida e
a eliminação de todas as doenças, eram coisas comuns naquele lugar. Porém o mais agradável nesse reino era
que os habitantes conheciam, temiam e louvavam a seu Criador obtendo Dele sabedoria e conhecimento, e
finalmente, após a alegria terrena, ganhavam a glória eterna. Para esse fim, que nos ajudem Deus Pai, Filho e
Espírito Santo.
[78
Ámen.

Anexo 8
Em seu breve “Prefácio do tradutor”, Jeliffe nos diz que o miticismo é um dos produtos da tendência da
sublimação que representa o esforço espiritual da humanidade para o aperfeiçoamento de uma relação com o
mundo da realidade – o meio ambiente- e que deve significar felicidade em seu sentido mais verdadeiro. Ele
considera este trabalho de de Silberer como uma contribuição para o que se pode chamar de paleopsicologia
“na medida em que mostra as relações essenciais do que é encontrado no “inconsciente da humanidade atual
com muitas formas de pensar da Idade Média “.
Posso dizer aqui que embora em traços fundamentais o homem não seja diferente hoje do que era há
muitos anos, ainda assim, pelo que entendi de Jelliffe, Jung e mesmo de Stanley Hall, a afirmação de que o
pensamento consciente de seres humanos de tempos anteriores ainda existem no inconsciente do homem de
hoje, significa nada menos do que a transmissão hereditária pelo germoplasma para o chamado
inconsciente, não apenas de símbolos mas também de pensamentos individuais reais ou ideias de natureza
definitivamente adquiridas.
O ônus da prova de tal possibilidade recai sobre aqueles que fazem essas afirmação. E até hoje, não há
nenhuma tendência substancial, até onde eu saiba, a seu favor. De fato, pode-se provar, pelo pensamento
analítico e crítico a peneiração das evidências, que isso não pode ser verdade. Na realidade, alguns já
provaram isso para a satisfação completa deles e de outros.
Na parte I do livro propriamente dito, Silberer apresenta um texto completo que ele encontrou em um
livro antigo que tratava da arte hermética. Os princípios originais da chamada arte hermética, às vezes
também chamada alquimia ou arte régia estão relacionados com várias ciências “secretas” e organizações:
magia, cabala, rosacrucianismo, etc., e portanto vão estar em discussão, conclui o autor.
Silberer considera a “Parábola” como um sonho ou conto de fadas e que ele passa a analisar
psicanaliticamente e uma breve exposição da psicanálise como método de interpretação de interpretação de
sonhos e mitos precede a discussão analítica da “Parábola”.
A parte II é chamada da arte analítica do trabalho. Sua interpretação psicanalítica da “Parábola o leva a
concluir: “o andarilho em sua fantasia remove e melhora o pai, conquista a mãe, procria com ela, desfruta do
amor dela ainda no ventre e satisfaz sua curiosidade infantil enquanto observa o processo procriador de fora.
Ele se torna Rei e alcança poder e magnificência e até habilidades sobre -humanas. O psicanalista pode
concordar com esta interpretação e o incrédulo seria incapaz de seguir o autor em suas análises e conclusões
e concordar com sua veracidade, exceto quanto à última frase citada.
Em seguida, analisa a alquimia, a arte hermética, o rosacrucianismo e a maçonaria, especialmente no
que diz respeito à filosofia com a qual estão entrelaçadas e as forças motrizes ocultas das quais são
expressões simbólicas.
Ela considera a existência de três interpretações possíveis: a psicanalítica, a química ( científica ) e a
anagógica. Isso o leva a terceira parte ou sintética. Depois de uma longa exposição dos princípios
psicanalíticos de introversão e regeneração, Silberer retome em um capítulo intitulado “O Objetivo do
Trabalho”, o significado fundamental ou objeto do misticismo, que ele chama de “união com Deus”, que ele
prefere interpretar como auto-aniquilação em vez de dar uma interpretação ou configuração sexual.
Ele também declara: “A obtenção de uma harmonia interior, de uma paz serena, é o quê, como me
parece, claramente apresentado como a característica da unificação final – não apenas para os hinduistas ou
neoplatônicos, mas também pelos místicos cristãos e pelos alquimistas”. Esse estado para disíaco, com sua
“recuperação o estado harmonioso da alma” exige ausência de conflitos
A verdadeira “arte real” como elaborado por Silberer em seu capítulo final sobre “The Royal Art”, que a
princípio tinha a ver apenas com fabricação do ouro e magia, é de fato a perfeição da humanidade, a
libertação da vontade,a transformação do dependente em independente, do escravo em um mestre, a
obtenção da onisciência, onipotência. Para atingir isso requer trabalho.
Se eu entendi Silberer corretamente, ele quis dizer que os místicos buscam harmonia interior, perfeição,
onisciência, onipotência e realização de desejos por meio da união com Deus, cuja união pode ser
interpretada sexualmente ou como auto-aniquilação, com o autor inclinando-se para a última interpretação.
Algumas notas e bibliografia são anexadas ao final do livro.
[79
Falta neste livro uma franqueza de expressão, em virtude da qual se pode rapidamente compreender o
significado do autor. Há uma imprecisão e ambiguidade e um método tortuoso de apresentar aquilo que o
autor deseja dizer.
A verdade está entrelaçada com a ficção. Há muito o que elogiar e muito a criticar. O leitor comum
achará difícil saber exatamente quais são as conclusões finais do autor. Alguém está apto a ficar confuso aqui
e acolá. Não nos é dado um resumo real e compacto das opiniões do autor. Algumas conclusões aqui,
algumas ali e um método indireto de discussão não levam à franqueza, a simplicidade e clareza de
pensamento de pensamento e expressão.
No capítulo sobre “O Objetivo do Trabalho” o autor quase aborda o cerne do problema, mas ele se
apodera dela apenas para deixar com que se vá novamente.
Silberer não resolveu satisfatoriamente o problema do misticismo. Ele deu algumas dicas valiosas,
adicionou muitos erros e confusão.
A tradução do Jalliffe é satisfatória e tudo como deveria ser.
Meyer Solomon

Anexo 9

Um livro incomum; uma tentativa, com base nos princípios psicanalíticos, de lidar com o simbolismo da
alquimia, do rosacrucianismo e da maçonaria.
O primeiro capítulo é constituído pela tradução de uma Parábola, extraída de uma antiga obra sobre os
Rosacruzes, publicada no final do século XVIII. O autor passa então a dar a interpretação psicanalítica desta
Parábola e, posteriormente, apontar as mudanças nas várias interpretações, particularmente a mística.
A obra é esclarecedora na luz que lança sobre os significados dos vários movimentos místicos da Idade
Média e, em particular, mostra a alquimia em sua verdadeira luz. A pessoa comum pensa nesta arte como
existindo com o propósito de transmutar metais básicos em ouro. Com efeito, a alquimia tratou do problema
fundamental que interessou a humanidade desde o início dos tempos e é o primeiro mistério a ocupar a mente
da criança, ou seja, a origem da vida.
Tratava desse problema em todas as suas ramificações, enquanto o simbolismo dos metais e o aparente
esforço para transformar o mais básico em ouro eram todas formas místicas de encobrir as verdadeiras
questões espirituais sob um aparente procedimento químico. Muitos dos ignorantes se desviaram para caçar
a pedra filosofal e o segredo da transmutação, enquanto outros ainda, que buscavam mais fundo em uma
direção diferente, se esforçaram para criar o Homúnculo, mas os verdadeiros iniciados entenderam que
estavam lidando com a regeneração espiritual do homem. É a velha história da origem da vida - nascimento,
morte e renascimento - com a qual o psicanalista está familiarizado, vista novamente nessas sociedades
místicas da Idade Média, e é esclarecedor ver como o autor se relaciona seus simbolismos com as teorias
infantis do nascimento e os símbolos que conhecemos em nossos pacientes.
Do ponto de vista psicanalítico, outro capítulo foi acrescentado à interpretação da história cultural do
homem — o capítulo das Sublimações Místicas. Vemos esse fenômeno com muita frequência em nossos
pacientes psicóticos hoje e os remanescentes dele em nossas sociedades secretas, mas durante a Idade Média
ele floresceu amplamente e tendeu a ser a nota dominante no pensamento da época. O autor nos deu um livro
erudito e agradecemos ao tradutor por disponibilizá-lo em inglês.
W.A.White
[80
Anexo 10

Reunião de 01 de Novembro de 1922: Conferência de Herbert Silberer: Beobachtungen an


Träumen ( Observações em Sonhos )
Os desenvolvimentos subsequentes não tem a finalidade de trazer uma nova teoria ou de confirmar
algo teórico. Mas pretende, tal como anuncia o título, comunicar modestamente observações trazidas pela
atividade prática com sonhos. Numa determinada direção o material poderia oferecer algo novo, se bem que
não absolutamente novo. Trata-se principalmente dos signos que aparecem nos sonhos mostrando a relação
do paciente ou analisando com análise e o analista. No meu entendimento, até o momento não se observou
em conjunto e vinculado um material desta ordem, apesar dos fatos em si não são totalmente desconhecidos.
Eu creio que uma consideração como esta pode ter alguma utilidade.
Tão pouco esses desenvolvimentos que apontam para a descrição de fatos reais podem escapar
totalmente à teoria, algumas poucas precisões teóricas deveram ocorrer aqui como introdução, de modo que
não demoraremos incomodamente mais a frente com definições.
1. Funcional e “enoptrisch” enóptrico
Já se passaram aproximadamente 14 anos desde que separei uma classe funcional de uma material na
formação do símbolo. A distinção continha a ideia de que o procedimento nos dois tipos de formação do
símbolo ( a classe somática aqui não está sendo considerada ) não seria o mesmo, ou melhor dito talvez: que
a origem dos procedimentos não seria o mesmo, ainda que seu desenvolvimento desemboque no mesmo
resultado, concretamente na representação evidente. Pensava e continuo pensando que não se pode ver como
coisas iguais que o conteúdo de uma tendência de desejo que se move em mim como “mate aquele rival que te
superou” é colocado em uma representação ou se encontra uma representação gráfica na contraposição de
uma representação na zona emocional aonde este desejo pode ter surgido até outra onde talvez seja
combatida. O primeiro se refere ao que penso, espero, aspiro, etc. , o segundo se refere às funções de meu
aparato psíquico mesmo e se baseia em grande parte naquilo que Freud nomeou “percepção endopsíquica”.
Primeiramente descrevi os dois modos de formação do símbolo naqueles fenômenos auto simbólicos
primitivos, que aparecem entre a vigília e o sono, quer dizer em alucinações hipnagógicas e hipnopómpicas
( observação à margem, Dr. E. Kunkel, na Revista Ztschr. VII, 2, pag.199 e seg., quem faz uma apresentação do
termo hipnopausa, diz não conhecer o já habitual termo hipnopómpico ). Neste casos de simbolizações
funcionais quase sempre se trata de uma representação do modo em que se desenvolveu o processo de
pensamento regido por certo esforço. Isto estava relacionado com as condições dadas. Já seria mal
compreendido se se houvesse entendido, tal vez que a classe funcional de simbolização só se referia ao apenas
descrito processo de pensamento momentâneo. Na maioria dos exemplos do modo mencionado foi assim
porque somente estava sendo considerado esse processo de pensamento. Não obstante, em termos gerais,
entra em consideração para o fenômeno funcional tudo aquilo que pertença ao estatuto psíquico ou ao jogo
dinâmico de forças ( função ) psíquicas. Por suposto por estatuto psíquico ou jogo dinâmico de forças
psíquicas se entende somente aquele que contém o fenômeno auto simbólico e não um pensar objetivo sobre o
psíquico como poderia encontrar-se em um psicólogo independentemente do acontecer interno de seu próprio
sentir.
Existe a opinião por parte de alguns que a partir da experiência do lado funcional de fenômenos auto
simbólicos, quer dizer dos sonhos, seria algo que bem apareceria muitas poucas vezes: a crença seria que
somente determinadas “naturezas” nada comuns com acentuadas tendências à auto observação filosófica ou
similares produziriam estes fenômenos funcionais em uma medida considerável. Isto haveria de ser
considerado como algo peculiar. Diante disto devo constatar que em meus prolongados estudos deste objeto
ainda não confirmei o ponto de vista mencionado. Ao contrário. Quanto mais trabalho sobre as análises de
diferentes pessoas e quanto mais profundamente penetro nos mecanismos psíquicos deles, tanto mais
observo que o simbolismo funcional se manifesta com grande frequência e que os sonhos em que estes
parecem faltar, são bastante escassos. Não o simbolismo funcional, mas sua falta seria a exceção; e aí se deve
perguntar se aonde não se os nota, realmente faltam; e se por princípio não corresponderia supor ali também
sua presença.
Sem querer envolver-me mais profundamente nesta pergunta – o que do meu modo de ver seria
prematuro – quero dar a entender a correção desta última frase através de uma comparação. Um selo
[81
expressa um conteúdo qualquer, como por exemplo o nome da empresa - “Transportadora de Pacotes
Hamburguesa – Americana S.A.” ou a informação “salário de cadete pago”. Porém além disso pode-se
reconhecer em determinados signos da marca feita com o selo, diferentes características: forma em que foi
feita a impressão do selo ; assim poderá acontecer que o látex do selo tenha ranhuras; na impressão desse selo
será possível ver as ranhuras; o selo pode estar granuloso e então se notará a estrutura granulada na
impressão; um selo de metal deixará a impressão de outras bordas mais do que um selo de borracha e um selo
mais úmido mais que um seco. Brevemente, paralelo ao que o selo deve comunicar, será inevitável que se
manifeste além do estado do selo. Neste sentido é de se supor que a psique humana trabalha mais
produtivamente que um selo, trabalha mecanicamente ou pelo menos não fica atrás. A psique humana não
deixará suas marcas como uma cópia morta mas em imagens vivas, segundo suas tendencias figurativas.
Assim como a pessoa que caminha em cima da areia molhada deixa as marcas características de seus
pés, o entendido reconhece a mão do pintor em suas obras, inclusive até aquele que se limita exatamente ao
modelo da natureza; mais abertamente lhe falará ainda a alma do artista quando a composição do quadro
provenha de sua própria fantasia. A visão do interno ( considerado no sentido amplo do termo ) apenas
inibida por condições técnicas externas, é o que o cria. Então por este motivo ( deixando outros motivos de
lado ) se deve atribuir a ela a rubrica da alma e sua constituição dada mais imediatamente que a obra mesma.
Segundo todo este procedimento objetivo ( que aqui somente se explicita mediante comparações medíocres,
eu sei ) não se deveria tomar como demasiado arriscada a suposição de que as representações funcionais
tenham caráter de regularidade, dentro da sua necessidade.
Para uma análise da quantidade ou frequência do fenômeno funcional se notará que não são muito
utilizáveis, os casos dentro da literatura, não especificamente orientados dentro da literatura nesta direção.
Obviamente também se encontram casos ali onde de depois de certas práticas se nota claramente o
simbolismo funcional; porém são manifestações pontuais e não habilitam a um estudo específico do tema. A
este estudo correspondem análises feitas cuidadosamente, com a atenção correspondente, e não de sonhos
individuais mas de uma série mais longa de sonhos ou, o que não seria igual, uma análise mais extensa do
sonhador.
Normalmente o simbolismo funcional está muito intimamente envolvido com o simbolismo material,
não poucas vezes a relação é tal que se pode se estar tentando ou bem supor os limites móveis entre eles ou se
deixa aberta a pergunta de qual das duas classes é de supor em um determinado contexto. Isto está em uma
relação múltipla ( também móvel ) com o par de opostos potencial e atual. Muito frequente aparecem casos,
aonde se bem não existe duvida que o sonho ( ou menos em parte ) trabalha com a representação psíquica,
fica aberta a pergunta acerca de se a representação se refere ao acontecer atual ou talvez a algo tão somente
desejado – portanto uma espécie de conteúdo imaginário.
É por isso que que considerei prático o denominar “ enoptrisch” a todos aqueles fenômenos,
naturalmente também àqueles sonhos que aparentam ter o sentido de uma auto- representação ou auto
imagem especular, independentemente da proporção d e componente material e funcional que tenham. Como
todo entendido na matéria coincidirá, é frequente encontrar enótropicos ou pelo menos sonhos com uma
forte influência enóptrica. Também para eles vale o que disse acerca de todo tipo de visões em “Der
Seelenspiegel. Das enoptrische Moment im Okkultism” ( 1921 ): o traço da personalidade na visão pode ser um
mero traço, também pode o principal do tema da visão. Ocorre com frequência que o único motivo que parece
ter a visão é o de espelhar a alma. Este mirar é um mirar em um espelho, no qual o Ego se mostra ao Ego em
todas as suas inquietudes e dúvidas, seus impulsos, medos, estados de humor, sentimentos de culpa, lutas,
paixões, inibições, ânsias. Nem sempre todo o Ego, que dificilmente é esgotável, mostra uma vez, uma fugaz
caricatura do movimento do instante, alguma vez um plano fundamental, um estudo detalhado, alguma vez
uma agudo aspecto do caráter, um ato sem piedade… Aqueles sonhos, visões, etc, nos quais este espelhar-se
da alma aparecem como o principal, denomino enóptrico (espelho …. contemplar-se no espelho ). Dado que
também nessas visões, nas quais esse não é o tema principal, a contemplação da alma no espelho rara vez
( quase nunca ) falta, se pode falar ao menos de um momento enóptrico sempre presente ou pelo meno a se
supor.
Que ao simbolismo funcional é agregado um importante papel na influência enóptrica é algo que se
entende por si mesmo.
[82
Tive que realizar este esclarecimento dos termos “funcionais” e “enóptrico” não porque o que segue trate
especialmente disto, mas porque ditas coções são utilizadas ali com frequência.
II – Transferência e atitude diante da análise, como representada no sonho.
A atitude do paciente para o analista e para a análise, pode se manifestar de múltiplas formas e nos
mais diferentes graus de precisão, desde a mais escondida alusão até a expressão aberta, assim como também
seu efeito. De vez em quando o estado de coisas se expressa com uma brevidade e concretude ideais
1. Exemplo: Em um momento em que fala de seus acontecimentos o paciente que está habituado a
manejar om elementos técnicos de imediato vê de si, um reóstato de forma alucinatória. Ele me faz saber
disso. Se bem me lembro que p reóstato é algum tipo de instalação elétrica, no momento não me recordo qual
é e pergunto ao paciente: “O que é um reóstato?” Com um sorriso ele
responde: “uma resistência”.
2. Exemplo: ( Um paciente sonha com o tratamento psicanalítico
com o Dr.G. ). Estava encostado em um sofá num salão, que seguramente
me parecia conhecido de um tratamento médico ( analítico ) e aguardava
quem vinha. Logo uma garota jovem e bonita com cabelo colorido e com
seu traseiro desnudo senta-se violentamente sobre minha cara
apontando com seu genital em direção ao meu rosto. Imediatamente a
convido a urinar em minha boca. Enquanto me dedicava ao “anilingus”,
brotava de seu anus brotava o líquido em direção a minha boca. Era o
quietinha claramente diante de meus olhos, enquanto permaneciam para
mim totalmente invisíveis o genital e o períneo. Eu dizia ou pelo menos
pensava que esse procedimento me agradava mais que o outro
método de tratamento.
A clareza em ambos os casos não deixa nada o que desejar. A relação com a análise não deixa nada o
que desejar. A relação com a análise fica claramente evidente. Todo o contrário acontece no seguinte exemplo
aonde eu, o analista, estou escondido de forma brincalhona:
3. Exemplo ( um paciente sonha )…De imediato vi uma grande caixa registradora diante de mim. Me
dirigia até ela e abri. Encontrei na metade esquerda uma caixa registradora fechada com esta forma ( desenha
algo como um paralelepípedo em ângulo reto ) sem puxador e sem fechadura visível. Na metade direita, pelo
contrário, não havia mais que dois pequenos pedaços de queijo já cortados, talvez Camembert envoltos em
papel laminado.
Estes queijo tinham escrito meu nome. O laminado também é chamado como “papel de prata” pelo
paciente. Camembert - papel de prata ( Silberpapier ) contem no meio, um pedaço do meu nome Herbert
Silberer, quer dizer Bert – Silberer. Se lemos o novo começo que se agregou junto com o final do meu
sobrenome, se obtém Camemer ou Camm-erer, onde me permito supor que se trata de uma alusão ao Dr.
Kammemer, quem deu conhecidas conferências sobre tentativas de masculinização. Isto está estreitamente
vinculado com o sofrimento do paciente. Não obstante não devemos seguir este fio, mas o outro. A caixa é o
psiquismo do paciente na qual consegui penetrar parcialmente. Eu deito na caixa. Porém isto ainda continua
sem me ajudar. O mais profundo não quer deixar se conhecer. Se fecha diante de mim, perceba-se, o lado
esquerdo, o lado do injusto, em uma fechadura separada; em uma caixa que não oferece aceso, não está à
mão, nenhuma fechadura. O sonho me compara a um K ( K de Käse, queijo ), “kaltgestelt” ( colocado para
esfriar ); na realidade o paciente mantinha alimentos frios em uma grande caixa de ferro. A pequena caixa na
grande, isso é simbolismo funcional que descansa sobre uma percepção endopsíquica. Fazer um seguimento
das muitas relações de classe material, nos levaria muito longe e afastado do nosso tema. O primeiro exemplo
é avaliar como de simbolismo funcional de tipo puro.
A maioria dos casos se moverá entre os extremos de claridade total ( como os exemplos 1 e 2 ) e os mais
fortemente encobertos ( como o 3, ao menos no que diz respeito à pessoa do analista ). Eu tenho exemplos de
7 pacientes diferentes, cuidando deles enão ordenados segundo outros pontos de vista. Mesmo porque talvez
assim se manifestem melhor as particularidades. Aqui e ali nos sonhos aparecem ( também signos de
transferência ) sobre aqueles médicos que me encaminharam estes pacientes. Eu od chamo como Dr. A, Dr. B
e Dr. C ( ver o exemplo 2 ). Sempre trata-se de sonhos, só que agora omitirei este dado na enumeração
corrente dos exemplos. Em contrapartida coloquei sempre o nome ( fals0 ) do paciente.
[83
O primeiro sonho de cada série é também - o que é muito importante -o primeiro de cada análise. O
primeiro sonho que traz um paciente de fato é ( sobre o que se não me equivoco chamou a atenção de Stekel )
muito significativo para a análise, pelo menos contém a atitude mais próxima da análise e do analista.
Começo com séries mais curtas e na medida do possível com aqueles casos que possam ser rapidamente
elucidados.
4. Exemplo: Teobaldo. Eram quatro quadros: 1)- vi minha namorada conversando com colegas. 2)-
Coloquei um par de sapatos que comprei algumas semanas atrás; ficaram grande e me causavam calos. 3)-
Um homem pequeno me pisou no pé. Discuto com ele e continuo meu caminho. Me deu um golpe nas
costelas. Agregado depois: o pequeno homem não tinha nenhuma aparência inteligente. Estava bem
barbeado, louro, perfil marcadamente pronunciado. O golpe nas costelas na realidade foi um golpe com o
punho de um bastão.
Dias antes eu havia cometido o erro, quando chegou o paciente eu havia lhe perguntado sobre sua
história de sofrimento de pisar-lhe a ponta do sapato quando nos despedíamos. Portanto “o pequeno homem
de aparência não inteligente” que lhe pisa no sapato sou eu ( fato do qual o paciente na realidade não se
lembra, se bem, como se vê, ele percebeu bem o acontecimento e agora o usa para sua conveniência ). Nos
fatos sou louro, barbeado rente, om um perfil pronunciado. Porém não sou eu o pequeno, mas que na
realidade o paciente é menor do que eu. O paciente se sente interrogado por mim; no sonho inverte a relação e
ele me interroga. Ele me desvaloriza, me transforma numa pessoa não inteligente, torpe. Este é o lado
negativo, evitável como veremos adiante, de uma atitude bipolar com a a qual ele me apresenta. Como se
demonstram por associações a partir do sonho, o sapato e o pé são algo sexual. Uma cadeia associativa
conduz deste núcleo ao amor à garota; uma segunda, mais obscura, a um estado de fato masoquista que têm
que ver com homens jovens e jogos da juventude: o paciente recorda que suas primeiras excitações prazerosas
apareceram quando um companheiro de jogo lhe bateu com uma vara durante uma luta. Agora no sonho ele
permite que eu o pegue com um bastão. Chama a atenção no relato do sonho, que dos quatro quadros
anunciados somente trz três, aparentemente algo deve ficar calado.
5. Exemplo ( Teobaldo ) Há um homem deitado debaixo de minha cama. Minha manta com a qual me
cubro havia caído ( parcialmente, de maneira que só uma ponta me cobria ) e ele estava deitado de baixo,
sobre minha manta. Eu queria jogá-lo em direção a mim e por causa me dei conta dele. O homem roncava. De
imediato estava como em casa. Perguntei a minha mãe se não estava Ferdinand. Primeiro pensei eu mesmo
despertar o homem, depois pensei, melhor ir buscar a Ferdinand.
O paciente se sente descoberto pela análise. O homem debaixo da cama é um perigo. Ele significa duas
coisas. Primeiro o analista, quem aparentemente tirou a manta – a que cobre ( Zudecke ) foi acentuada com
tudo o que cobre – e agora ameaça recostar-se sobre ela comodamente, porém na satisfação de desejo do
paciente, graças a Deus dorme, portanto ninguém vê. Segundo, o segundo ser humano no paciente que pelo
descobrir apareceu e que conheceremos melhor no segundo sonho. A “enoptrik” é clara.
Discussão: Bernfeld, Rank, Reich
Nunberg faz referência ao sentido canibalístico do sonho da caixinha, e no mais se expressa contrário às
construções de Silberer, especialmente contra o termo “enoptrisch”. Hitschmann da mesma maneira,
considera a exposição junguiana e stekeliana, temor ante o sexual e o infantil, resistência contra a verdadeira
interpretação dos sonhos.
Federn: Os cenas já foram interpretados por Tausk, e se manifesta contra a nomenclatura de Silberer
que não é correta.
Rank: Todas as suas críticas não devem ser consideradas como contra Silberer, pois não o vê como um
praticante. Propõe que Silberer já não entende suas próprias construções ao propor tudo como funcional.
Deutsch tem a mesma opinião, tenderia a entender as interpretações de Silberer como narcistas.
Hitschmann: o símbolo de Silberer do jogo da bola só pode ser imagem de uma má análise, porque em
uma verdadeira essa ida e voltado jogo d ebola não ocorre.
Freud primeiro quer completar as colocações de Silberer, segundo protegê-lo e depois combatê-lo.
Primeiro: muito do que Silberer chama de funcional, é simplesmente expressão de pensamentos abstratos. É
este uma forma de apresentação que naturalmente conhecemos. Um caso muito frequente que Silberer não
nomeia para a representação da análise é: estar em um ambiente subterrâneo, permanecer e ir. Segundo:
deseja proteger a Silberer da crítica de que ele interpreta imediatamente. Isto é correto tratando-se da
[84
transferência: colocamos as interpretações a interpretação de transferência de imediato e para isso não
necessitamos a concordância do paciente. Terceiro: o mais importante; não se pode querer denominar
funcionais simplesmente a todos os acontecimentos relacionados com a transferência. A bela palavra
enoptríco terá que esperar para um outro uso, se se encontrar. Não há motivo algum para aceitá-la. Para que
um estatuto próprio e uma palavra estrangeira própria, se todo o manifestado pertence às conhecidas
propriedades do sonho. Estas tentativas de modificações são não conhecidos. É como se alguém não quisesse
olhar-se na sombra por não ter nada que ver com as pessoas .
Silberer admite que as passagens expostas não tem uma visibilidade tão profunda como outras. Éle
remete a sua introdução, aonde não deseja dar nenhuma teoria nova, mas somente uma unificação; seria
uma compreensão disparatada se se sobrestimassem as interpretações funcionais, se encontra
lamentavelmente diante de um posição opositora e encontra entre os opositores aquelas resistências. Que se
possa influir nos sonhos, isso lhe é bem conhecido. Tentou evitá-lo. Ele somente queria chamar a atenção
sobre a transferência. Nunca havia evitado que todos os determinantes estivessem à mão, porém também vê o
fenômeno funcional quando se torna evidente. Segundo ele aqui existe um problema que não se está vendo e
contra isso se resiste.
Freud interrompe: Qual problema?

Anexo 11

Resenha da apresentação de Herbert Silberer publicada no Internationale Zeitschrift für


Psychoanalyse ( 1922- pag. 536 – 538 )

É solicitado que se faça informes de observações que aporta a tarefa prática com sonhos, não
necessariamente tão ambiciosas. O material deveria oferecer algo novo, em algum sentido. Trata-se
principalmente de signos que aparecem nos sonhos enquanto a relação do paciente ou analisando com a
análise e o analista. Fazem aproximadamente 14 anos separei na formação do símbolo uma classe funcional
de uma classe material. Primeiramente descrevi a formação do símbolo em ambos fenômenos auto simbólicos
primitivos que aparecem entre a vigília e o sono. Não obstante trata-se de que se deve considerar como base
do fenômeno funcional tudo o que pertença ao estatuto psíquico ou pertença ao jogo de forças psíquicas
( função ). Cada vez noto com mais clareza que com grande regularidade se manifesta o simbolismo
funcional. Me inclino a crer que a exceção não é o simbolismo funcional mas sim sua falta; e aí cabe a
[85
pergunta se realmente falta no lugar aonde não se nota e se não seria correto supor, de principio, também ali
a sua presença. Achei muito prática a expressão “enoptrisch” para denominar a todos aqueles fenômenos
deformados, naturalmente também aqueles sonhos que aparentam perseguir o fim de uma auto
representação ou imagem especular do si mesmo, independentemente de como se meçam as partes materiais
e funcionais em seu contexto. É frequente encontrar-se com sonhos enóptricos ou pelo menos sonhos com
uma forte influência enóptrica. Que ao simbolismo funcional na influência enóptrica seja atribuído um papel
importante, é algo que se explica por si mesmo.
Tive que realizar esta composição de lugar de “funcional” e “enóptrico” adiantado, não porque o que
segue trate especialmente disso, mas porque aquelas noções são utilizadas ali com frequência.
Em muitos exemplos curtos e alguns mais longos o conferencista mostra casos de representação da
resistência e da relação transferencial no sonho. Menciona que apenas pode falar-se de regras para o
descobrimento deste tipo de relações no sonho. De todas as maneiras podemos obter algumas imagens típicas
obtidas pelo estado anímico ou processo provocado pela análise, assim como para o proceder da análise a
saber: a casa em construção; um tirar para aqui ou para lá ou similar; lavar, lutar, especialmente em
situações de afastamento ( resistência ); fechadura; muro; em divisões de cenas psíquicas; cenários ( teatrais
).
Discussão:
O Dr. Otto Rank tinha a impressão de que o conferencista queria compreender como “funcionais” às
representações da relação coma análise no sonho, para o qual não existe motivo já que em todos os exemplos
dados por Silberer somente se trata de puras representações de conteúdo, se bem de conteúdos de
pensamentos e sentimentos. Não se pode rotular de “funcional” toda atitude do inconsciente pelo fato de ser
inconsciente. Menos ainda é possível entender como “anagógico” o referente à análise., o que se bem não foi
“expresis verbis” por parte do conferencista, em certa forma deu a entender como possibilidade com certa
certeza. O conferencista havia desvalorizado e diluído seu próprio conceito de fenômeno funcional. Sem
dúvida, dado que ante a mesma objeção feita pelo orador ( Dr. Bernfeld ), o conferencista esclarece que não
considera estas representações da relação com a análise no sentido do fenômeno funcional, então toda a
discussão na realidade estaria a mais já que no comum nos encontramos com as interpretações da relação
analítica nos sonhos dos pacientes e por isso nos são conhecidas. O único valor atribuível a este trabalho
depois do esclarecimento realizado pelo conferencista se poderia ver que ele tentara unificar uma série de
representações típicas da situação analítica. Porém também isto seria pouco frutífero precisamente nos
fenômenos de transferência e resistência determinados individualmente; menos frutífero, porque seu número,
em contraposição aos poucos símbolos típicos ( genuínos ) seria infinito. Em uma consideração mais global
da discussão, Rank constata que a maioria das críticas a sua técnica interpretativa nem sequer seriam feitas
ao conferencista, pois na essência trata-se do problema puramente teórico enquanto a se os exemplos
relatados confirmam a frase antecipada pelo conferencista antes de apresentar seu material: quer dizer, que o
simbolismo funcional se encontra em todo sonho. O orador só poderia dizer: de acordo com sua impressão
isto não haveria ocorrido nem em um exemplo. Porém dado que posteriormente o conferencista esclarece que
com seu material não pretendia confirmar esta frase, teria que constatar por isso que a conferência navegava
sob uma bandeira falsa
[86

Anexo 12

Superstição

Herbert Silberer

Conteúdo

1. Fases do Reconhecimento ( Princípios do Pensamento Primitivo )


a) Visão Geral
b)-Semelhança
c)-O Princípio da Substância
d)-Mana e Tabu
e)- Transferência e Simpatia
f)- Analogia
g)-Projeção
h)-Nome e Número
i)- Animismo
j)-Sonhos
2. Estágios da Vontade ( Vontade Consciente e Inconsciente )
a)Visão geral
b)-Repressão
c)-Tabu e Vontade Ambivalente
d)-Vida Amorosa
e)-Projeção
3.Recuo ( A Regressão a Formas Mais Primitivas – Medo e Culpa 0
4.Morte e Alma
a)- A Sombra
[87
b)-Eu Amo Isso
c)-Os Mortos Malignos
d)-Imagem Dupla e Imagem Espelhada
5. Superstição como Psicologia
6.Superstição Criminosa
7.Educação

I- Fases do Reconhecimento

Princípios do Pensamento Primitivo


A)- Visão Geral
Em toda noção supersticiosa , mesmo na mais aparentemente absurda existe um significado que a torna
compreensível. No entanto, esse significado nem sempre é fácil de discernir. Frequentemente, está oculto
como um rebus73, muitas vezes alterado e desgastado pelo tempo; também trocados, como minerais em
pseudocristais, quando uma forma de cristal anterior se preenche enganosamente com nova substância. Uma
vez descoberto, tem-se um pedaço de verdade e um pedaço de ficção diante de si; algo nele é sempre preciso e
o resto é imaginação, às vezes imaginação poética. O que é exato só pode sê-lo em um contexto subjetivo. O
errôneo surge através da conexão incorreta dos conceitos e que são inerentemente corretos ou através de uma
lógica consistente trabalhando com suposições falhas. No entanto, tudo isso não sem razão, mas com certa
necessidade, seguindo certos princípios. Assim como a mente desenvolvida tem suas regras, a não
desenvolvida também têm, de acordo com o estágio em que se encontra. A superstição sempre corresponde a
um estágio ultrapassado. No entanto, nós mesmos não estamos no estágio final!
Tendemos fortemente a cometer o erro de medir cada visão de mundo de acordo com o nosso próprio
critério. Ao fazer isso, revelamos que dentro de nós ainda está viva a inclinação, que poderíamos achar
divertida nos povos primitivos: a inclinação de assimilar tudo ao nosso próprio ego. Devemos ter mente que
nossa concepção de mundo, resultado de um longo processo de treinamento e correção, não é de forma
alguma auto-evidente. Projetamos uma quantidade indizível nas “objetos” e esses objetos não se revelam
prontamente. Mesmo a demarcação de vários objetos varia de acordo com o nível da cultura. E o que está
mais próximo de nós em termos de pensamento e interpretação da natureza ainda está longe do alcance das
pessoas em um estágio mais primitivo; e o é realmente próximo a eles ( e era próximo a nós nos tempos
antigos ), devemos aprender de novo. Para entender, devemos abandonar todo aquele conhecimento auto
evidente que o longo treinamento nos concedeu. Isso não é fácil; e é alcançado apenas por meio de um
envolvimento amoroso com os impulsos da mente primordial, por meio da observação e da literatura,
especialmente no folclore e na etnologia. A noção de que a natureza expressa diretamente o que acreditamos
ouvir dela é, portanto, um erro. Nós a ouvimos através do auto falante de nosso conhecimento aprendido. A
natureza não é excessivamente transparente. Ela se esconde, como disse Heráclito. Isso desvia o pensamento
em muitas ocasiões. O próprio pensamento, por sua vez, vinga-se da natureza e exerce sobre ela sua própria
violência, impondo-lhe sua própria imagem. No entanto, o pensamento também é, em última análise,
natureza.
B)-Semelhança
A natureza às vezes se desvia fazendo coisas semelhantes mas que não tem nenhuma conexão umas
com as outras; cria semelhanças aparentes que o conhecedor deve aprender a dissolver com grande esforço. A
reunião de coisas aparentemente relacionadas, a identificação do semelhante, é ,portanto um desvio inicial e
bastante natural da mente humana. Um desvio? Na verdade, a construção da cosmovisão correta depende
parcialmente desse processo; é que a distinção não está imediatamente presente entre os casos em que as
semelhanças correspondem a conexões reais e os casos em que não. É somente através do desenvolvimento
posterior que o parentesco é atribuído às leis internas; no início o olhar se prende ao conspícuo, ao exterior.

73- passatempo que consiste em exprimir palavras ou frases através da combinação de letras, símbolos,
algarismos e imagens, cuja leitura em conjunto revela a solução (por exemplo, a palavra sapato pode ser
representada pelas letras «sa» seguidas da imagem de um pato)
[88
Mesmo em estágio muito avançado, a humanidade foi cativada pelo encantamento do semelhante. Na
antiguidade, na Idade Média, e estendendo-se parcialmente até os tempos modernos, a doutrina das
correspondências teve uma importância significativa.
Onde apareciam analogias marcantes ( mesmo que estivessem longe do que hoje reconhecemos como
essenciais, como na cor dos objetos ), acreditava-se em conexões causais.. Todos os tipos de pedras, plantas,
animais, doenças, etc., “correspondiam”entre si e com os corpos celestes. Os babilônios foram
particularmente responsáveis pelo desenvolvimento do aspecto celestial das correspondências. Foi somente
através do desenvolvimento posterior que as relações causais forma compreendidas e onde deveriam ser
procuradas: não nas analogias da aparência, mas nas leis consistes da causalidade. Mas é claro que as leis
são algo abstrato, intangível, invisível. A mente luta para chegar lá. Ela primeiro tateia em busca do que
poderia ser tocado. Começa como criança.
C) O Princípio da Substância.
Isso nos leva a uma segunda característica fundamental da percepção primitiva da natureza: a
suposição de que tudo é tangível, material. Embora já existam alguns primórdios de conceitos abstratos, no
pensamento, noções de poder, vida, doença, fertilidade, benefício, dano aparecem. No entanto, esses conceitos
não são claro, ou digamos, conceitos ainda não totalmente formados. Eles são inicialmente tratados como
substâncias. E essa perspectiva persiste por muito tempo, mesmo quando a substância não é visível, não é
tangível.
Parte-se de substâncias visíveis. Sangue e vida escapam dos mortos. A substância da vida, é portanto, o
sangue. Assim surgem numerosos rituais de sangue, pensados para interagir com a força vital. A pessoa
morta deixa de respirar; portanto, a vida reside na respiração. Os mortos já não projetam sombra ( porque
não estão em pé ); logo o princípio da vida está na sombra. A sombra se afastou dos vivos, transformando-os
em pessoas mortas. A sombra é a alma. É uma das múltiplas formas da alma que existem.
A natureza material da força vital e de outros poderes é validade pelo fato de poderem ser assimilados
pela boca: o “selvagem” bebe essa força.
Ao consumir o sangue de um oponente morto, comendo uma porção do seu coração, ou algo
semelhante, com a crença de que a força e a destreza do morto passarão para ele. Essa ideia geralmente
domina o canibalismo. A noção evolui ainda mais ao ponto de que o sangue, etc., é apenas o portador, o
veículo da substância vital, mais sutil.
O princípio de substituir o abstrato pela substância ( como nos parece, pois na realidade o conceito
abstrato ainda não foi formado) é aplicado posteriormente, mesmo quando um exame mais atento não
apresenta nenhuma substância visível ou tangível; a substância então assume uma forma que poderíamos
chamar de “fluído” – outro termo provisório do qual a ciência moderna e exata se afastou. O fluído presumido
está associado à vários objetos materiais que podem ser chamados de seus portadores. Podendo ser
transferido por contato, por assim dizer, transbordando de um vaso para outro. Doenças e poderes de cura
dessa maneira são materialmente transportados de um lado para outro. Não se deve esquecer que as doenças
contagiosas dão uma aparente confirmação à noção material. Este é um daqueles casos frequentes em que o
cerne da verdade na percepção primitiva simultaneamente sustenta seus equívocos.
Muitos povos indígenas acreditam, que, ao participar do consumo do sangue dos mortos, incorporam a
essência dos mortos a tal ponto que a temida vingança de seu espírito não é mais uma preocupação; eles se
tornaram idênticos ou parentes de sangue do falecido.
D) Mana e Tabu
Um exemplo do que me referi como “fluído” é o conceito de “Mana” difundido na Polinésia. Isso é puro
poder mágico. Isso é puro poder mágico. Todos os indivíduos de quem a magia emana possuem Mana e o
emitem. Mana leva diretamente ao importante fenômenos conhecido por vários nomes entre os povos
indígenas em todo o mundo, que é “Tabu”. O que é comumente referido com este termo polin´sio pode ser
caracterizado principalmente como o estado de ser “carregado” com Mana.
É um estado admirado e temido: reverência se mistura com pavor. A reverência sagrada envolve tudo o
que é tabu. Um dos tabus mais fortes é o do governante. Sua casa, suas posses, estão aparentemente
impregnadas de seu Mana. Quem inadvertidamente entra na zona perigosa do tabu ou usa objetos que são
tabu, ou mesmo apenas os toca, corre o risco de danos ao corpo e à própria vida. E imediatamente ( uma vez
que o poder perigoso é transmitido a ele como uma carga elétrica ), ele próprio se torna um tabu; tocá-lo
[89
traria perigo. Apenas indivíduos específicos, seus ministros que possuem um forte Mana ousam se aproximar
do governante. Existem tabus permanentes e temporários. O primeiro aplica-se aos sacerdotes e chefes, bem
como aos falecidos e tudo relacionado a eles. Os tabus temporários estão ligados a condições específicas,
como menstruação e parto, estados dos guerreiros antes ou depois de uma campanha, atividades como caça e
pesca, certos animais, locais e assim por diante.
Um tabu pode ser imposto sobre uma área, por exemplo um interdito da igreja. É bastante interessante
ver o que o tabu realiza na prática. Ele forne ce proteção a processos e empreendimentos vitais, protegendo-os
contra interrupções, oferecendo salvaguardas fracas contra ataques e assim por diante. Casamento e
nascimento estão incluídos nesses processos seguros; às vezes, a proteção é direcionada contra perigos
puramente imaginários, especialmente os mágicos. Uma função importante do tabu “pessoal” é a proteção da
propriedade.
Em quase todos os casos, o tabu induz o respeito para conceitos de Direito que estão somente em seu
estágio embrionário. É um precursor da consciência jurídica e apoia as instituições que mais tarde ganham
importância significativa na sociedade humana ( propriedade, direito, autoridades do Estado, casamento,
respeito pela vida humana ). Ao considerar os “Estágios de Reconhecimento”, vamos sempre ter em mente
também os estágios de ação! Os governantes não desprezam o emprego dos meios favoráveis do tabu para
benefícios pessoais; sem dúvida, eles também o usam para a sanção da lei e da ordem; na verdade, eles muitas
vezes ficam enredados em uma teia de prescrições de tabus que os tornam extremamente conscientes da
magnitude de sua responsabilidade: de modo que o efeito benéfico do tabu supera quaisquer inconveniente.
Wundt refere-se ao tabu como o mais antigo código de lei não escrito para a humanidade.
A proteção do tabu, como na moralidade religiosa inferior, é impulsionada pela esperança de
recompensa futura e medo de punições infernais – provocadas pela ansiedade sobra as consequências
mágicas. Na Nova Zelândia, se alguém deseja fazer uma canoa de uma de uma árvore na floresta. Quando ele
escolhe a árvore que ele vai usar, ele prende um feixe de gramas no tronco; este é o sinal de que a árvore é um
tabu. Entre os samoanos, existe uma série de tabus diferentes que podem ser aplicados nesses casos; podemos
dizer maldições diferentes, pois cada tipo tem uma consequência terrível para o transgressor. Existe um tabu
associado ao peixe vela. Isso é indicado por um espantalho em forma de peixe – vela, que é colocado acima da
plantação protegida.. Quem o danificar será mordido mortalmente por um peixe – vela na próxima viagem
marítima. Da mesma forma, existem tabus com tubarões, tabus com trovão e assim por diante.
E) Transferência e Simpatia.
A transmissão material é o princípio fundamental de inúmeras formas de superstições populares nos
dias de hoje., especialmente em métodos de cura por simpatia. A doença é imaginada como algo material que
pode ser descartada, amarrada ou enterrada. Às vezes, a noção de demônio da doença se confunde com o
conceito material, que está relacionado à tendência primitiva de ver a doença não como algo natural, mas
como algo enfeitiçado. Uma pessoa com febre vai até uma árvore no jardim e amarra uma corda de palha em
volta do tronco dizendo certas fórmulas: isso liga a febre à árvore, libertando a pessoa dela. A doença também
pode ser enterrada” ao se enterrar cabelos ou unhas ( novamente portadores do material ) Bastante difundida
é a prática de “inserir”. Isso é feito inserindo sangue, cabelo, suor, etc., obedecendo uma certa cerimônia, em
um buraco que foi feito em uma árvore, após o que o buraco será fechado, permitindo que a pessoa se cure.
A transferência para as árvores também pode ter a ver com a noção da alma da árvore; permite-se que a
força vital da árvore supere o demônio da doença. Transmissões de doenças para animais e humanos também
são praticadas. Elas geralmente levam à crueldade animais e crimes, que serão mencionados mais adiante.
Outros procedimentos de cura incluem lavar, queimar, secar, fumigar e cozinhar. A. Hellwig sugere que os
três últimos métodos, que dependem da aplicação do calor, remontam à antiga adoração pagã o fogo, ao qual
é atribuído um poder purificador. É provável que experiências favoráveis com esses métodos, em alguns casos
tenham contribuído para sua prática . ( confirmação ilusória ). A ideia é evidentemente que a substância da
doença é destruída pelo fogo ou o demônio é expulso. Uma forma mais branda envolve o paciente desenhando
cruzes na chaminé: assim que são fumigadas, a doença desaparece. O método atual envolve a aplicação de
calor na própria pessoa. O cozimento é frequentemente usado: o paciente entra em um forno quente. Este
tratamento de forno, como se pode facilmente adivinhar, é bastante perigoso e repetidamente levam à
acidentes e até mesmo mortes. Um charlatão da Alta Silésia aconselhou a tratar um menino doente dessa
maneira. A mãe colocou a criança no forno depois de assar o pão; quando ela voltou pouco tempo depois,
[90
imaginem o que aconteceu. Em um processo oposto ao afastamento da doença, pratica-se a incorporação de
influências positivas também vislumbradas como materiais. Assim, um paciente recebe um papel com
fórmulas mágicas para consumir. Como Wullk astutamente observa, isso se torna mais palatável quando tal
fórmula é escrita em uma fatia de pão ou em um bolo de mel, que é consumido em seguida. A escrita é feita
por uma pessoa hábil em magia ( cujo poder de cura, podemos acrescentar, entra no doente ).
Nenhum poder é maio que a palavra de Deus; por isso, alguns acreditam que podem combater os males
colocando a Bíblia debaixo do travesseiro. Da mesma forma, acredita-se que um livro de canções colocado sob
o travesseiro de uma criança confere a ela uma disposição alegre. Se uma mãe deseja que seu filho aprenda
facilmente, ela coloca seu livro escolar sob o encosto de cabeça. Para uma transmissão de vitalidade na Idade
Média o costume de emparedar crianças em prédios e que além disso tem também o sentido de sacrifício
como veremos adiante[Para evitar dor de dente, come-se pão que um rato ( com seus dentes maravilhosos )
comeu. Lavar os olhos com sangue de morcego permite enxergar no escuro. Assim como as propriedades
aparecem materializadas aqui vão aparecer também em outras situações de utilidade e em conceitos
abstratos. “Quando você comprar uma vaca, não tire o cabresto, pois o leite e todos os benefícios da vaca
estão contidos no cabresto”. O amor entre dois noivos pode transformar-se em discórdia jogando-se terra do
lugar onde dois galos brigaram entre eles.
Muitos procedimentos são baseados no chamado princípio da simpatia. O que acontece com um de dois
seres ( ou mesmo objetos ) que estão em conexão simpática acontece, total ou parcialmente, com o outro
também, ou, dependendo das circunstâncias, exatamente de maneira oposta. A relação simpática é muitas
vezes estabelecida, se ainda não estiver presente, através do toque. A simpatia é usada tanto para curar
quanto para prejudicar: se um pedaço de grama no qual uma pessoa esteve descalça for removido e deixado
secar atrás do fogão, a vitalidade da pessoa também diminui. Se uma roupa pertencente a uma pessoa viva é
colocada em um caixão com uma pessoa falecida, a primeira desaparece gradualmente à medida que a
decomposição no túmulo progride. Pode-se matar uma pessoa ao se “inserir” numa árvore seu cabelo, por
exemplo, e depois destruir a árvore. Essas noções supersticiosas nos levam ainda mais para o reino da
“magia contagiosa”. Esta antiga forma de feitiçaria é baseada na conexão simpática estabelecida através do
toque entre dois objetos. O exemplo da grama murchada no fogo faz parte dessa magia. Para prejudicar um
inimigo, pode usar-se os mais diversos objetos que estiveram em contato direto com ele.
F)-Analogia
Outro forma de magia – tão antiga quanto a magia contagiosa – é a magia imitativa, também
conhecida como magia por analogia. Baseia-se na imitação do propósito pretendido. Muitas culturas
indígenas acreditam que podem provocar chuva espirrando água de recipientes, imitando a chuva, para o céu,
Os antigos egípcios ajudaram o deus do sol Ra em sua batalha noturna com os demônios da treva, fazendo
com que os sacerdotes no templo representassem a luta com figuras de cera e destruissem as entidades
malignas ( cujos nomes eram inscritos com os nomes dos demônios ). Para prejudicar um inimigo, cria-se
uma esfinge dele. Exatamente o que é feito com esta esfinge acontece com o original. A característica desse
tipo de magia está na analogia entre cerimônia e o que se pretende alcançar. Às vezes, a relação é pictórica
ou simbólica. Aqui estão alguns exemplos de superstições populares mais recentes: Assobiar a bordo de um
navio chama o vento. Se uma mulher grávida beber de um vaso lascado dará à luz uma criança com lábio
leporino. Uma criança que não pode falar é obrigada a beber água de um sino por quarenta dias. Alguém se
torna invisível carregando uma figura do tamanho de um polegar feita inteiramente de couro de gato preto ou
bebendo o leite de uma vaca preta sem pelos brancos ou desenterrando um cadáver á noite e vestindo sua
mortalha – em suma manifestando movimentos noturnos ou objetos ocultos da visibilidade. Facas e outras
ferramentas afiadas não devem ser dadas como presente, senão a amizade será cortada.
G)- Projeção
Tanto na magia contagiosa quanto na magia imitativa, a afirmação de E.B.Taylor se torna verdadeira: o
princípio da magia ( quando não busca a ajuda do demônio, mas visa agir diretamente ) é baseado na noção
de que o humano primitivo considera uma conexão mental como real. Ora, nossas conexões mentais
( associações ) procedem de acordo com a semelhança e a contiguidade ( proximidade temporal e espacial ), e
justamente esses elementos – semelhança e proximidade – encontramos como princípios nas duas formas
principais de feitiçaria! A concepção primitiva, que mais tarde rotulamos como superstição, estende assim as
[91
relações que existem dentro dos humanos, na alma e no reino da imaginação para fora na natureza
circundnte. Esse processo tem um significado profundo e vamos nos referir a ele como projeção.
H)- Nome e Número O erro de confundir uma conexão mental com uma real também encontramos na
identificação de nome e essência. Acredita-se que com o nome, a própria essência está ao alcance. Apenas
com mais lucidez pensamos no equívoco que nos leva à confusão.
Um exemplo bem conhecido é do sargento francês que acreditava que, embora outras línguas possam
ser muito boas, só a língua francesa é realmente a única. Pois, embora os alemães e os ingleses tenham
também seus respectivos termos para pão, a saber “Brot” e “Bread”,a língua francesa tem a grande vantagem
de que o designa como “du pain” é verdadeira e inequivocamente “du pain”. Essa fusão ingênua é a base de
toda magia do nome. O nome muitas vezes constitui um elemento crucial em intricados procedimentos
mágicos.
Assim, atribui-se à referida figura o nome do inimigo que se deseja prejudicar; da mesma forma, os
sacerdotes egípcios inscreviam os nomes dos demônios a serem vencidos nas figuras de cera durante as
cerimônias noturnas. Quando uma criança está doente, seu nome é mudado (por exemplo, na Herzegovina),
como se assim se transformasse sua essência em outra coisa.
Confusões semelhantes com nomes e palavras ocorrem quando o pensamento primitivo eleva e solidifica
os números em entidades distintas. Existem números de sorte e azar, e sua história é muitas vezes
complicada. O infortúnio associado ao número 13 é atribuído ao fato de que a 13ª letra do alfabeto hebraico,
"Mem", é a letra inicial de "Moweth", significando morte. No entanto, o infortúnio também pode resultar da
adição da 13ª constelação do zodíaco, o corvo. Essa superstição remonta à antiga Babilônia e, como costuma
acontecer, é provavelmente o resultado de vários fatores reunidos. O número doze, que representa os signos
do zodíaco, está presente em diversas culturas, e a influência do simbolismo do corvo acrescenta
complexidade à interpretação. Conexões semelhantes foram observadas com o número doze: as 12 tribos de
Judá, os 12 apóstolos e assim por diante. Da mesma forma, é o caso do número sete, que representa os
planetas.

E)- Animismo
Um fenômeno importante da projeção é também que o humano primitivo tende a perceber as coisas e os
processos no mundo circundante à maneira dos seres humanos e das ações. O riacho que corre, a tempestade
que sopra, o relâmpago flamejante são para ele expressões de uma força animada (daí "animismo"), como ele
a sente dentro de si; e ele atribui intenções a isso, como ele mesmo tem. Ele sente espíritos em todos os
lugares. A distinção entre humanos e animais é pequena para ele. As transições de um para o outro são
frequentes em seus contos imaginativos. A animação do inanimado —poeticamente para nós – é uma
necessidade lógica para ele.
Em parte decorrente da animação da natureza e em parte das noções de morte e alma a serem
discutidas mais tarde, as influências de outros fatores mais complexos dão origem a espíritos, demônios,
heróis lendários, deuses. Muito do que o ser humano carrega dentro de si é projetado nessas figuras.
O papel dos espíritos, etc., na superstição é muito conhecido para que eu precise fornecer exemplos. Só quero
chamar a atenção para um ponto. Quando consideramos tais seres, concebidos tão semelhantes a nós, torna-
se evidente que podemos apaziguá-los por meio de oferendas (sacrifícios); podemos fazer pactos com eles,
potencialmente até obrigá-los. E, mais uma vez, o princípio da materialidade se prova: mesmo os espíritos
(espantosamente, de acordo com nossos padrões) são alimentados com comida e apaziguados com objetos.
Atingido, ferido por armas. Os traços correspondentes persistiram na superstição moderna e você pode
reconhecê-los com alguma atenção. Uma troca com um ser demoníaco-animal (uma conexão comum)
fundamenta o costume de colocar o dente caído de uma criança na frente do "rato" e pedir em troca que
conceda à criança as propriedades maravilhosas de sua mordida. "Rato, dê-me seu dente de ferro e você terá o
meu de osso!.
J )- Sonho
Já mencionei o fenômeno da confirmação aparente e quero acrescentar que isso também é fornecido por
meio de sonhos, cujas lembranças o humano primitivo parece muitas vezes inclinado a misturar com a
realidade. As experiências dos sonhos também servem como fonte direta de superstição. Lembro-me do
pesadelo particularmente impactante.
[92

2. Estágios da Vontade" (Estágios da Vontade - Vontade Consciente e Inconsciente).

A)- Visão Geral


A: Vontade – englobando aqui qualquer desejo – que se manifesta no domínio humano em quatro
relações: I; Ao direcionar a atenção para assuntos que são do interesse dos humanos. Tais assuntos
favorecidos pela superstição incluem: amor, riqueza, sucesso, poder sobre os outros, vingança, fortuna.
II: No uso de ideias supersticiosas fara fins pretendidos ( feitiçaria ); III: Na formação de crenças
supersticiosas, por exemplo, na projeção de desejos humanos conscientes e inconscientes sobre outros seres
humano como heróis, deuses, espíritos. IV: Na força motriz dos conflitos internos que influenciam a crença e
a ação, que estão além da percepção consciente. Este elemento é quase idêntico ao “recuo” ( Seção III )
B: Repressão Toda nova forma de cultura pressupõe a supressão dos impulsos da vontade que antes
prevaleciam abertamente. Peça por peça, elementos de crueza original (como a percebemos) e ações originais
desinibidas devem ser abandonados se um novo refinamento for aplicado ao (talvez muitas vezes
superestimado) esforço cultural. No entanto, os aspectos suprimidos são empurrados cada vez mais para fora
da consciência; raramente são completamente superados. Enquanto uma porção pode ser transformada em
novas criações, sublimada, sempre fica junto dela um resíduo dos velhos desejos. Esse resíduo não deve mais
dominar, é ignorado e nem mesmo pode facilmente vir à tona na consciência. No entanto, o desejo não
diminui; em vez disso, encontrando o caminho direto fechado, afirma-se por meio de desvios. Adota disfarces;
o reprimido emerge sub-repticiamente, metaforicamente; entra em acordos com o permitido — formações
que muitas vezes resultam em “costumes bastante desconcertantes. Assim, dentro de todos os indivíduos, o
assassino, o canibal, o estuprador e assim por diante ainda vivem. No entanto, as ocasiões em que esses
aspectos vêm à tona raramente são propícias para torná-los reconhecíveis aos não iniciados. Uma das coisas
mais significativas que gradualmente sucumbe à repressão é a sexualidade: antes um assunto de imenso
interesse aberto, tornou-se cada vez mais trancado. Sua presença aberta no costume e na tradição deu lugar a
uma presença mais oculta: símbolos e insinuações tomaram seu lugar.
C ) Tabu e Vontade Ambivalente: Na seção anterior, discutimos o conceito de tabu. Entre suas
manifestações mais destacadas estão aquelas relacionadas a governantes e à morte. O chefe é envolto por um
poderoso sistema de barreiras protetoras devido ao tabu, que seria extenso demais para descrever em sua
totalidade. Porém, um aspecto deve ser destacado: esse sistema é uma faca de dois gumes e bastante
contraditória. Por um lado, todos os esforços são feitos para elevar o governante à grandeza divina, para
colocar todo o bem-estar da terra sob sua influência mágica e para fornecer proteção elaborada. Por outro
lado, o governante é tratado como uma grande ameaça, severamente restringido em suas ações, e tudo é feito
para blindar o povo de seus malefícios.
Uma ambivalência peculiar semelhante surge com o tabu em torno do falecido, que será mais bem
explorado na quinta seção. Essas circunstâncias, juntamente com a natureza extravagante do tabu, levaram o
estudioso vienense Freud a contemplar uma suposição sugerida por observações de pacientes neuróticos.
Esses pacientes exibem fenômenos psíquicos que podem facilmente passar despercebidos em indivíduos
saudáveis como se fossem vistos através de uma lupa. E assim fica evidente que tal medo compulsivo,
misturado com a tração e repulsa manifestada no tabu, pressupõe um conflito interno, uma natureza interna
dual. Em relação à entidade relevante, mantém-se uma atitude dual de amor (reverência, apego, etc.) e ódio
(hostilidade, inveja, vingança, etc.). Aplicado ao tabu dos povos primitivos, isso significa que eles
simultaneamente veneram e desprezam o poder dominante; eles são amigos e inimigos do falecido. No
entanto, apenas um aspecto, o amigável, é nitidamente consciente, e é esse aspecto que rege abertamente as
ações; o outro é mais ou menos relegado ao inconsciente. O assim desconhecido conflito interno dá origem à
natureza misteriosamente compulsiva e inexplicável do tabu. Passamos a entender ainda mais. A adesão
tenaz às proibições tabu entre as tribos primitivas indica que o desejo de se engajar em ações proibidas (como
se rebelar contra o governante) evidentemente persiste; caso contrário, a indiferença teria substituído a
crença tabu ansiosamente agitada. O tabu, pode-se dizer, corresponde a uma tentação constante. "O
indivíduo que violou um tabu torna-se ele próprio um tabu, porque possui a perigosa qualidade de tentar os
outros a seguir seu exemplo...Ele é verdadeiramente contagioso na medida em que todo exemplo é contagioso.
Uma pessoa não precisa ter violado um tabu e ele ainda está, ainda pode ser um tabu porque ele está um
[93
estado com potencial para despertar desejos proibidos dos outros. O rei desperta inveja com seus privilégios.
Os mortos, os recém-nascidos e as mulheres em estado de sofrimento provocam pelo seu especial desamparo,
enquanto os recém-chegados à maturidade sexual excitam com os novos prazeres que prometem. É por isso
que todos esses indivíduos e estados são tabus, porque não se deve ceder à tentação” ( Freud )
Assim, o que aparece como tabu externo é, na verdade, psicológico. A compreensão psicológica do tabu
é importante para nós porque seu mecanismo percorre todo o desenvolvimento da superstição, assim como o
"princípio da materialidade". Todos os objetos, nomes, etc., que a superstição cerca com um certo "temor
sagrado", todas as prescrições ansiosas para abster-se de certas ações, nos convidam a vê-los sob a
perspectiva do tabu discutido psicologicamente. Entre outras coisa,o comportamento ao falecido precisará
ser considerado sob esta luz. ( Seção V ).
D) Amo a Vida Por enquanto, porém, voltemos nossa atenção para a essência da vida: o amor e a
reprodução. Dado o extraordinário significado da vida amorosa, não é de surpreender que ela também exerça
influência na formação da visão de mundo, desde os aspectos mais grandiosos até os menores. No entanto,
essa influência é mais evidente no início da cultura, onde o aspecto sexual se expressa abertamente, e se torna
mais dissimulado posteriormente. E onde um costume, um ditado ou uma prática, no entanto, como o
aspecto sexual ainda figurativamente reside dentro dele, o significado dessa imagem gradualmente se
desvanece e é substituído por outro; um processo que também ocorre quando a lógica original por trás de um
costume não é mais compreensível devido à mudança de pontos de vista físicos, religiosos ou sociais. A
substituição ocorre quando o antigo significado não é mais tolerável ou simplesmente incompreensível; ainda
assim, devido à supressão, a compreensibilidade geralmente diminui junto com a tolerabilidade.
Existe um tipo de massa chamada "Damenkrapferln" nas casas austríacas. A designação está
realmente incorreta; deve ser corretamente referido como "Daumenkrapferln", que é pronunciado pelas
pessoas como "Damkrapferln" devido ao recuo pressionado pelo polegar para a geléia. Aparentemente, o
termo original não foi considerado socialmente aceitável por círculos mais refinados e, assim, ao longo do
tempo, transformou-se através da evolução natural - sem mudança consciente de nome - no som mais
apetitoso "Damenkrapferln". Isso é exatamente o que acontece na história das formas sexuais de superstição,
que são muito mais difundidas do que se poderia pensar, porque a sexualidade tem sido tradicionalmente
associada ao auspicioso.
Acima de tudo, é visto como uma bênção para a fertilidade. Assim, existe uma prática mágica milenar e
amplamente familiar, que se estende até tempos recentes, utilizada para estimular a fertilidade dos campos.
Nesse ritual, o fazendeiro e sua esposa servem de exemplo. Inúmeros costumes de Páscoa, primavera e
casamento entrelaçam em uma fusão significativa a fertilidade de humanos, animais e campos.
No entanto, uma força curiosamente reguladora (tabu) também garante, desde tempos anteriores e menos
refinados, que o desejo de amar não permaneça desenfreado, mas obedeça às exigências sociais.
Particularmente, as injunções restritivas contra o incesto (que está muito mais próximo dos humanos do que
normalmente supomos) parecem ser direcionadas e estabelecem a instituição do casamento regular. Entre os
povos indígenas, é muito difundida a crença de que o adultério ou o incesto levam a colheitas ruins, epidemias
e coisas do gênero.
Simbolicamente, uma noção sexual sobreviveu na superstição de que, se chover na coroa da noiva, o
casamento será abençoado com riqueza e filhos; uma reinterpretação posterior que não compreendia mais o
simbolismo original afirma: a noiva terá que derramar muitas lágrimas. Na véspera de Santo André, as
meninas, de costas para a porta, jogam um chinelo para trás na cabeça; se pousar com o dedo do pé
apontando para o quarto, virá um noivo no mesmo ano. No entanto, o sapato tem significado sexual desde os
tempos antigos. A moagem no moinho, especialmente a cozedura do pão, é simbolicamente equiparada à
procriação. Várias superstições de moinhos e pães decorrem disso. Também me lembro do "Altweibermühle",
onde dizem que as velhas são moídas e emergem jovens; e o ditado "médico recém-assado" e coisas do gênero.
Pela mesma razão simbólica, um pão mal assado é um presságio de morte: se o pão se partir ao meio
enquanto estiver no forno, alguém na casa logo morrerá de acordo com a crença da Silésia. Na Estíria, a
prática de "refazer" crianças atróficas é comum. O forno de cozimento do útero. A criança é levada ao forno
quente na tigela do pão, três vezes com o canto: "Velho entra, jovem sai". A prática de "cozinhar" as crianças
para seu suposto fortalecimento parece ser bastante difundida na Rússia. Difere de "reassar" porque a criança
é embrulhada em massa de pão e depois assada. Naturalmente, acidentes podem ocorrer facilmente.
[94
E ) Projeção: Já foi mencionado que as pessoas projetam qualidades que desejam em figuras heróicas e
divinas. Igualmente significativo é o fenômeno de dotarem seus seres imaginários de suas tendências
reprimidas. De fato, os espíritos malignos são praticamente representantes dessas forças inconscientes e
proibidas; especialmente o diabo. Tanto os aspectos bons quanto os ruins no mundo dos demônios são assim
tirados dos humanos, uma forma de projeção. E quando foi dito que é preciso cercar-se de um círculo mágico
contendo os santos nomes de Deus ao invocar os espíritos, isso tem uma sólida base psicológica: quem busca
liberar as misteriosas forças demoníacas das profundezas de seu eu interior deve estar moralmente bem-
aterrados, caso contrário, serão prejudicados por eles. E diz-se que o demônio convocado dilacerou muitos
magos presunçosos.

3. O Recuo ( A Regressão em Formas mais Primitivas – Medo e Culpa )

Os costumes e crenças que observamos surgindo e evoluindo entre os povos primitivos só se tornam
verdadeiras superstições quando são mantidos ou revividos (e às vezes até recém-criados) em um nível
cultural que os superou. Isso pode ocorrer mesmo em um nível relativamente baixo de cultura. A questão
agora é o que causa essa regressão; além da inerente inércia mental que tende a se apegar à tradição – o que
por si só não é explicação suficiente para a misteriosa persistência da superstição.
Aqui, fortes forças motrizes do desejo entram em ação.
I. Em um nível superficial, há um desejo de assistência milagrosa contra as duras necessidades da
existência. É tentador pensar que esses laços restritivos podem ser quebrados, seja por ação ou previsão.
II. Em um nível mais profundo, encontra-se outro elemento, embora não seja muito difícil para nós
descobrirmos, já que o encontramos brevemente antes. Trata-se de conflitos decorrentes de impulsos
parcialmente inconscientes. Onde estes são potentes, o pensamento sempre corre o risco de ser desviado por
eles, como por um imã oculto, em sua direção. Tais desvios podem se manifestar como pensamento
compulsivo, idéias fixas, etc., de várias formas entre os neuróticos, resultando em uma preocupação com
certas noções que parecem incompreensíveis para quem está de fora. Em muitos casos, essas ideias se
apoderam da mente e influenciam as ações, muitas vezes obrigando o indivíduo a realizar comportamentos
ritualísticos para aliviar sua angústia ou incerteza. podemos aprender muito sobre as condições de um
indivíduo saudável. As formas patológicas ou semipatológicas, com sua compulsão de aderir a coisas ou
noções que não resistem ao (próprio) pensamento crítico; a peculiar fraqueza de sucumbir a essa compulsão
e de se entregar às ideias dominantes, sejam prazerosas ou dolorosas – essas características decorrem de
constelações psíquicas que precisaremos examinar.
Antes de prosseguirmos, vamos abordar o primeiro aspecto! Em que categoria de pessoas ela ocorre
predominantemente? Principalmente naqueles que dependem fortemente do acaso, como jogadores,
caçadores, marinheiros, guerreiros. Geralmente, a incerteza e o perigo promovem a busca de fontes
supersticiosas de orientação, a menos que haja uma conexão forte e genuína com a crença verdadeira, cuja
“verdade é demonstrada através de uma conduta moral.
O segundo aspecto sempre envolve uma vontade juntamente com uma contra vontade inibidora. É uma
vontade com uma qualidade de cara de Janus. O medo não é a única, mas certamente a principal
característica desse fenômeno de conflito. Isso não deve ser confundido com o medo legítimo que se pode
sentir em relação a coisas específicas; em vez disso, nos referimos ao medo sem forma que permanece
igualmente sem forma quando ocasionalmente procura objetos para simular o medo desses objetos. Lembro-
me de exemplos como agorafobia, medo de certas doenças, de tempestades, de animais, etc. Esse medo
também faz o jogo da superstição. Normalmente surge, se não me engano, de um conflito psicológico e
muitas vezes permanece oculto no inconsciente, permitindo que crenças supersticiosas criem raízes.
Isso geralmente se enquadra no conceito de sentimento de culpa. A esse respeito, as discussões sobre o tabu
são tão instrutivas quanto as observações de neuróticos compulsivos e ansiosos. Sempre encontramos a
vontade com o aspecto de face de Janus.
A derivação do medo de demônios deve ser prontamente compreensível. Já os reconhecemos como
projeções das forças aterrorizantes dentro do eu; temê-los significa, portanto, temer o próprio mal. Convocar
um demônio e usá-lo para fins egoístas significa transferir para ele a tarefa de executar o mal, que não se
pode realizar sozinho. No entanto, imediatamente surge um sentimento de culpa e obriga o conjurador a agir
[95
duplamente piedoso, a jejuar, a fazer sacrifícios e a recitar uma torrente de palavras sagradas. A propósito,
não vamos nos aprofundar mais na medida em que o "mal" percebido no demônio é sempre verdadeiramente
mau.
Com relação ao tabu entre os povos primitivos, observamos que ele opera desde o inconsciente de
maneira um tanto tola, ao passo que, em nível superior, deveria servir como uma consciência esclarecida, um
julgamento ético claro. No entanto, diminui a clareza da consciência quando um conflito de impulsos
sombrios se enfurece dentro de nós sem ser reconhecido. Nessa situação, voltamos repentinamente à forma
tabu da consciência, pelo menos em um ponto delicado. Ao permitir que o impulso reprimido persista ou ao
conceder-lhe reconhecimento até certo grau de obscuridade, começamos a nos sentir culpados. A ansiedade
se instala, não temos certeza do que temos medo e cegamente realizamos um curioso ritual.
O comportamento tabu, que tem um significado interno, mas externamente é superstição, também é
influenciado pelo fraco desejo de deixar a direção e a responsabilidade para o destino. No entanto, é
improvável que essa delegação de responsabilidade ditada pela turbulência interna traga felicidade
duradoura. A Superstição Total nem sempre é o resultado de um conflito do tipo descrito, mas o bom solo
para a superstição está exatamente em sua direção e ocasionalmente o molda.
Um Sr. A considerou o número 6 como seu número de azar. Ele estava relutante em empreender
qualquer coisa no dia 6 do mês. Ele nunca entrou em automóveis com o número 6 na placa; ele também
achava desagradável nos bondes, mas não era motivo de exclusão aqui. Muitas vezes ele acordava às 6 horas
e só conseguia adormecer uma hora depois. Ele estudou o significado do "quadrado mágico" do número 6 e
criou um amuleto baseado no número 7; ele o usava e acreditava que o protegia dos males do número 6. Por
meio de uma análise aprofundada, consegui deduzir por que o número 6 o assombrava. Ele tinha seis irmãos
(enquanto todos viveram) e viveu com eles em uma briga feia. Ele culpou seus irmãos por isso, alegando que
eles o perseguiram com seu ódio, mas me pareceu que a culpa era mais dele. A relação entre o número 6 e
seus irmãos não surgiu imediatamente na análise, mas apenas veio à tona incidentalmente quando o Sr. A
pensou no Apocalipse de João e na passagem com 666 como o número da besta. Ele ainda associou: "Eu ouvi
em algum lugar que os animais eram humanos fracassados. E ele costumava chamar seus irmãos de
"humanos fracassados" em aborrecimento. O número 6 agora o perseguia porque ele se sentia profundamente
culpado em relação a seus seis irmãos. apenas seus irmãos tivessem sido os encrenqueiros, ele simplesmente
teria motivos para reclamar sobre sua hostilidade, mas não sobre uma relação tabu tão peculiar com o
número 6. No entanto, isso não era tudo. Conforme revelaram esforços posteriores, ele se acusou de causar a
morte de um irmão de seis anos. Este irmão morreu em um acidente automobilístico. A. certamente não teve
culpa, mas devido ao seu sentimento de culpa existente, ele se convenceu de que o acidente aconteceu devido
ao seu descuido. Ele havia desejou inconscientemente a morte desse menino, assim como o odiava como a
seus outros irmãos. Agora que isso aconteceu, A. sentiu-se culpado. Agora entendemos por que o número 6
incomoda A. no mais alto grau em relação aos automóveis e por que usa o número 7 como proteção contra o
número 6: sente-se culpado por a família não ser mais composta por sete irmãos como era antes do acidente;
seis é o número da acusação sem fim; se fossem sete, estaria tudo bem! Ele quer ter o número sete, ele tenta
reparar a culpa. O número seis, como uma reprovação eterna, o desperta do sono; o número sete lhe devolve o
sono. Uma vez que essas relações foram descobertas, os hábitos supersticiosos de A. reduziram-se a um
pequeno resíduo.
Uma paciente de Freud que sofria de transtorno obsessivo-compulsivo havia adotado o hábito de evitar
escrever seu nome, por medo de cair nas mãos de alguém que tivesse se apossado de um pedaço de sua
personalidade era o motivo de um compulsivo paciente de Freud evitando escrever seu nome. Numa lealdade
compulsiva, que desenvolvera para se proteger das tentações (eróticas) de sua imaginação, ela criou o
mandamento de "não dar nada de sua pessoa". Isso inicialmente incluía seu nome e se estendia ainda mais à
sua caligrafia em geral.
No caso descrito por Stekel, encontramos o relato detalhado de um jovem que sofre com o medo de perder
algo e, para evitar isso, cair em um ritual bastante bizarro. Ele repetidamente se assegurou de que não havia
deixado nada no lado esquerdo da mesa, nem no lado direito, nem no meio, e que não poderia perder nada do
bolso - com um certo envolvimento de números. A análise do caso revelou um sentimento de culpa decorrente
do fato de ele ter ocultado certas transgressões juvenis durante a confissão quando menino. Agora, por meio
de sua meticulosidade, ele reencena repetidamente a confissão; e o que ele temia perder no inconsciente era
[96
sua salvação. A transição de todo o conflito para a consciência trouxe alívio. O ritual tabu do paciente
compulsivo, que às vezes assume um aspecto mágico de hocus-pocus, é altamente digno de nota.
O outro lado da culpa discutido aqui traz a necessidade de expiação. Assim como muitas ações dos pacientes
obsessivo-compulsivos podem ser entendidas como constantes tentativas de restituição, há muito nos rituais
de superstição que carregam o caráter de expiação. Muitas vezes ainda se percebem ecos de algum sacrifício
pagão. Já falei dele como um acordo comercial com um ser superior. Aqui temos o complemento psicológico
para isso. Não esqueçamos que a entidade demoníaca é, em certo sentido, uma parte de nós mesmos; sua
demanda é, portanto, nossa própria demanda. É a culpa que nosso próprio sentimento de culpa exige de nós.
Às vezes, essa exigência assume a forma de uma punição fatal. Em Württemberg, um jovem confessou a
um clérigo que havia falado palavras mágicas e realizado feitiços sob o céu aberto à meia-noite para afligir
outra pessoa com um braço maligno. Porém, a situação se inverteu, e ele mesmo sentiu instantaneamente
uma dor intensa no braço, ficando por muito tempo incapacitado (Wuttke)

4)- Morte e Alma

A)- A Sombra: Já vimos como o sangue, a respiração e a sombra tornam-se portadores da força vital. A
sombra realiza mais do que as outras duas, pois absorve a ideia de uma alma de forma humana, mas
extremamente sutil, que sobrevive ao corpo. Os animais também se tornam portadores desta noção,
especialmente o pássaro veloz e a misteriosa cobra, onde se assume uma notável capacidade de
transformação da alma. Aliás, pode-se notar que pessoas em um estágio muito primitivo não sabem que a
morte é algo inevitável. O conceito de alma-alento corresponde a esta superstição moderna: depois do
sacramento da Extrema Unção segundo o rito romano, se a vela se apaga e sua fumaça sopra para a porta, o
enfermo morre; se soprar em direção ao paciente, ele se recuperará (Silésia, Pomerânia). A alma do falecido
como um pássaro: se você for acordado do sono à noite por um pássaro bicando na janela, alguém na casa
morrerá em breve. Isso também acontecerá se um espelho ou retrato cair da parede (alma como imagem; cair
é morrer) ou se uma luz se extinguir por si mesma ( alma como chama; luz da vida ).
Sombra ou reflexo como a alma é um conceito bastante materializado de um doppelgänger. ( sósia ) Os
zulus têm medo de olhar para as poças de água escura, pois acreditam que as criaturas que vivem nas
profundezas podem roubar seu reflexo. Os Basuto acreditam que os crocodilos podem devorá-lo. Outra
variante sul-africana afirma que as almas daqueles que se afogaram na água continuam existindo sob a água
e captam o reflexo - a alma - daquele que olha para baixo. ( Aqui temos as origens da ninfa da água e lendas
do poço, junto com as superstições relacionadas ).
As pessoas primitivas têm o cuidado de garantir que sua sombre não caia sobre uma pessoa morta ou
sobre seu túmulo e é por isso que os funerais geralmente acontecem à noite. Na superstição popular moderna,
conceitos semelhante são associados às sombras, que se alinham com a ideia de que a sombra está ligada à
alma e à morte. A alma está intimamente ligada à morte e à vida nessas crenças. Por exemplo, em certas
superstições populares:
I. Na véspera de Natal ou Ano Novo, se uma pessoa não fizer sombra na parede ao acender uma vela, ou
se sua sombra não tiver cabeça, acredita-se que ela morrerá dentro de um ano.
II. Entre os judeus, durante a sétima noite do festival de Pentecostes, as pessoas caminham ao luar. Se a
sombra deles não mostrar a cabeça, acredita-se que eles morrerão.
III. Por outro lado, se alguém vê sua sombra duplicada durante as Doze Noites ( período em torno dos
feriados de Natal e Ano Novo ) acredita-se que a sua morte seja iminente Consistentemente, os mortos -
considerados como sombras - não são atribuídos a sombras. Portanto, se uma pessoa viva se vê sem sombra,
também acredita-se que seja um sinal de morte iminente. Fantasmas e espectros são frequentemente
reconhecidos por sua falta de sombras.
B) Eu amo isso
A crença na sobrevivência de uma alma baseia-se, quando exploramos as razões internas, primeiro em
confusões entre interior e exterior; os falecidos continuam a viver nas memórias e sonhos dos vivos. Além
disso, a ideia da própria morte é incompreensível. Finalmente, os humanos não querem desistir da vida: eles
[97
desejam a existência contínua e, portanto, acreditam nela. A assunção de uma alma sombria, um
doppelgänger, é, nessa perspectiva, um protesto contra a morte que põe em perigo o ser amado. Quando o
termo "eu amado" é usado aqui, é feito com um olhar de lado para a visão defendida notavelmente por
pesquisadores psicanalíticos, de que o forte medo da morte e a resistência compulsiva contra tudo o que está
associado a ela não são motivados apenas pelo instinto de autopreservação, mas por um apego emocional
mais profundo ao próprio ego. Além disso, a crença na sobrevivência da alma, ao examinar as razões
internas, também se fundamenta em um profundo amor próprio (narcisismo) que vai além da mera
autopreservação. A propósito, o antropólogo Spiess expressou-se assim: "Não é um apego à existência
terrena, pois muitas vezes as pessoas desprezam isso... Não, é o amor pela própria personalidade, o amor por
si mesmo na posse consciente, o amor pelo ego central da individualidade de alguém que os liga à vida."
Tanto a materialidade quanto a semelhança humana da alma foram preservadas em muitas crenças e
costumes supersticiosos. Por exemplo, na câmara mortuária, a janela é aberta para que a alma possa partir.
Em certas ocasiões, são feitas oferendas de alimentos às almas. Quando as colheres batem sozinhas à noite,
dizem que as pobres almas estão com fome. Durante o Natal, acendem-se velas nas casas para que as almas
se aqueçam com elas. Não se deve bater a porta, senão uma alma infeliz pode ser apanhada nela. Até mesmo
a prática de colocar objetos em sepulturas, um costume antigo, está relacionada a essas crenças.
C) Os Mortos Malignos
Aqui é o lugar para mencionar que os costumes que são atualmente interpretados como honrar o
falecido originalmente tinham um significado diferente; a maioria deles eram originalmente medidas
defensivas contra o retorno indesejado dos mortos. O tabu extraordinariamente rígido que cerca os mortos
nos revela o imenso grau de horror a eles associado.
Em algumas sociedades indígenas, quem toca um cadáver ou participa de seu sepultamento,
extremamente impuro e quase isolado de qualquer interação com seus semelhantes, está sujeito às mais
rigorosas precauções. A visão de Freud tem muito mérito, de que a severidade insana do tabu que cerca os
mortos não é adequadamente explicada pelo horror natural do cadáver e pelo luto pelos que partiram. O fator
predominante é um medo patológico do espírito dos mortos. Mas por que as pessoas imaginam que o falecido
é malévolo? Por que parentes especialmente queridos, depois de mortos, de repente se tornam inimigos? Freud
responde: A suposta hostilidade dos mortos é a própria hostilidade inconsciente do indivíduo projetada nos
mortos. Os vivos nutrem um sentimento de culpa vago e não reconhecido em relação aos mortos, porque os
vivos estão inconscientemente satisfeitos com a morte; uma consciência culpada por todos os erros
cometidos aos mortos ou mesmo apenas desejados interiormente, enquanto exteriormente bancava o amigo,
ou melhor, mesmo sendo um amigo; esse sentimento de culpa gera um medo sombrio da vingança dos mortos
- indistinto e obscuro, mas ainda assim atormentador. Devemos imaginar a amizade e a inimizade morando
juntas no coração humano; a atitude psicológica para com o próximo também é dotada daquela natureza
com cara de Janus que mencionei anteriormente! Também pode ser acrescentado o que Westermarck sugere:
Como a morte é considerada a pior calamidade que pode acontecer aos humanos, acredita-se que os que
partiram estão extremamente insatisfeitos com seu destino. De acordo com a visão de Westermarck, o medo
do desagrado do falecido pode contribuir para os rígidos tabus e rituais em torno da morte e do falecido em
várias culturas. Nas culturas nativas, a morte é vista como ocorrendo apenas por meio do assassinato, seja
violento ou causado por magia. Por causa disso, a alma é muitas vezes percebida como vingativa e irritável.
Acredita-se que inveja os vivos e anseia pela companhia de parentes falecidos. Portanto, é compreensível que a
alma procure matar os vivos por meio de doenças para se unir a eles.
No entanto, o ponto crucial aqui é o medo da própria malevolência residindo no falecido. Digo "um"
para significar não apenas "o primitivo", pois mesmo em nossas atuais atitudes cerimoniais e psicológicas em
relação aos mortos, incluindo superstições, ainda permanece um traço desse medo sombrio.
Claramente, o medo dos mortos em busca de vingança é mais evidente quando um homem mata outro. Entre
as sociedades primitivas, precauções elaboradas devem ser tomadas para proteger os vivos. Entre os índios
Omaha, por exemplo, um assassino que fosse poupado pelos parentes da vítima tinha de observar regras
rígidas por dois a quatro anos. Ele tinha que andar descalço, não comer nada quente, evitar levantar a voz,
não olhar em volta, manter a roupa bem fechada mesmo no calor, abster-se de mexer as mãos ou pentear o
cabelo e muito mais. Ninguém ousava morar com ele; ele estava isolado. Todas essas medidas foram ditadas
pelo medo do espírito do falecido que se apegava a ele.
[98
Entre os Basuto, se um guerreiro mata um inimigo em batalha, ele deve passar por uma cerimônia de
purificação. Acima de tudo, ele deve lavar o sangue, caso contrário o espírito o seguiria de perto e o impediria
de dormir.
Em seguida, ocorre o sacrifício de um animal. Da mesma forma, este é o caso entre inúmeras outras
culturas. Mesmo os antigos gregos acreditavam que a alma do morto ameaçava o assassino e seus arredores.
Mesmo alguém que matou outro sem querer teve que deixar a terra por um ano até que a raiva do falecido
diminuísse; seu retorno também estava sujeito a sacrifícios e purificações. O conceito grego do espírito
perseguidor é vividamente exemplificado na figura de Orestes, o inquieto e fugitivo matricida. Em todos os
casos, as cerimônias de libertação são essencialmente exorcismos; eles são meios para afastar o espírito
perseguidor. Em geral (mesmo nas superstições de nosso tempo), os espíritos daqueles que tiveram uma
morte violenta são considerados mais perigosos – compreensivelmente, eles estão enfurecidos. Em última
análise, no entanto, as medidas de proteção se estendem a todos os falecidos (espíritos). O primitivo procura
aplacá-los por meio de oferendas, mas, com mais frequência, são empregados métodos de rejeição, astúcia ou
drástica. Keating relatou uma experiência entre os nativos norte-americanos: "Ao me aproximar de uma
aldeia da tribo Ottawa à noite, encontrei todos os habitantes em alvoroço, todos empenhados em fazer os
ruídos mais altos e discordantes. O que foi? Pouco antes, os Ottawas travaram uma batalha com os
Kickapoos. O barulho tinha a intenção de afastar os espíritos errantes dos caídos da aldeia." O povo Ba-Yaka
(Kongo) se protege da perseguição de inimigos mortos adornando seus cabelos com penas vermelhas de
papagaio e pintando suas testas de vermelho, de modo que o espírito não os reconhece. explicou Frazer. Em
Travancore, as almas dos criminosos executados são consideradas particularmente perigosas; para impedi-
los de assombrar, seus cadáveres são mutilados cortando as solas dos pés. Mutilar o cadáver para impedir que
os espíritos vagueiem é uma prática generalizada. A crença posterior e feia em bruxas e vampiros exibe as
mesmas características. Para se proteger do suposto vampiro ou espírito de bruxa sugador de sangue,
cadáveres suspeitos eram maltratados em cemitérios em algumas partes da Europa até tempos recentes! Os
malaios de Besisi coloque facas ao redor do túmulo. O povo Tungus de Turukhansk coloca seus mortos nas
copas das árvores e remove todos os galhos mais baixos para que as almas não possam descer. Certos
aborigenes australianos quebram as árvores ao redor do túmulo. Quando os espíritos desejam vagar e seguir
as àrvores indicadas, eles são conduzidos em círculos.
Muitas culturas barricam a estrada após um enterro para impedir que a alma siga os humanos de volta
para casa. Os índios Algonquin armaram redes para os espíritos. Entre os índios Ojibwa, uma viúva pula
sobre o sobre o túmulo do marido e corre em ziguezague para casa, fazendo com que o espírito
desencaminhado perca seu rastro e a deixe em paz. Em certas áreas, as pessoas acendem velas
cuidadosamente nos túmulos em dias festivos específicos, quando os espíritos dos que partiram vêm visitá-
los, garantindo que os convidados indesejados possam encontrar o caminho de volta para casa. Entre os
armênios, quando um inimigo sai de casa ou um cadáver é levado embora, eles costumam acender uma
fogueira para que o espírito não volte para prejudicá-los. Paralelo é digno de nota), jogando pratos no chão e
dizendo: "Vá e não volte!"Práticas semelhantes também são predominantes.
Esses exemplos mostraram ao leitor atento os protótipos de muitas superstições conhecidas do povo
moderno e costumes incompreendidos. Algumas indicações para formas modernas (ou nativas do mundo
ocidental) dessas práticas devem ser brevemente mencionadas. Na Pomerânia, quando a carruagem funerária
volta do cemitério, toda a palha é jogada na borda da aldeia, para que a alma seja detida aqui durante sua
peregrinação. Em outros lugares, o significado original já foi deslocado; na Prússia Oriental, a palha é
espalhada "para que o falecido, ao retornar à sua antiga morada, possa descansar sobre ela; quem remover
esta palha será incomodado pelos mortos até que a devolva". Costumes que prendem os mortos à sepultura
provavelmente são interpretados como tendo a intenção de fornecer "descanso" para a alma. A água usada
para lavar o corpo não pode ser despejada no chão, pois o primeiro ser vivo que cruzar este local deve seguir
imediatamente os mortos (tabu!). Portanto, a água é despejada para cima na empena da casa ou em um
buraco cavado no jardim. Não se deve cheirar as flores nas sepulturas; caso contrário, "a pessoa terá dor de
cabeça" ou "perderá o olfato". Eles não devem ser colhidos, senão os mortos virão buscá-los à noite. Uma
moeda deve ser colocada com o cadáver. Por um lado, diz-se que é uma passagem para a viagem ao
submundo; por outro lado, acredita-se que impeça o espírito de retornar ao mundo dos vivos.
Para evitar o apego aos seus pertences. Os pratos usados pelo falecido são quebrados e colocados em uma
[99
encruzilhada, caso contrário, os mortos retornarão. Aparentemente, na encruzilhada, ele não é familiar.
O que os mortos que retornam fariam aos vivos? As noções sombrias sobre isso parecem ter sido dominadas
pela ideia principal desde os tempos antigos: ele levaria aquele que visita; assim, traga a morte para eles. Há
um elemento de retribuição nisso, como podemos discernir da discussão anterior.
D)-Sósia e Imagem Espelhada
Essa ameaça do aparecimento do falecido corresponde exatamente a outra manifestação da superstição
mais difundida: quem vê seu sósia (como no "Wilhelm Meister" de Goethe), deve morrer. Ambos os fenómenos
parecem estar ligados psicologicamente, nomeadamente através de um sentimento de culpa. Se eu traçar um
paralelo entre o sósia que é a própria alma de alguém, e a alma de um ser humano falecido, pode-se pensar
que estou atribuindo o mesmo relacionamento psicológico com cara de Janus que uma pessoa tem com seu
semelhante ao seu próprio alma, ou seja, amizade e inimizade. Bem, isso é parcialmente verdade. Existe um
relacionamento com face de Janus, mas não chamaremos seus dois aspectos de "amizade e inimizade" ou
"amor e ódio", mas talvez mais apropriadamente, auto-admiração (ou amor-próprio) e autocondenação.
De sua forma rudimentar inicial, o sósia evolui ao longo da cultura para um produto da imaginação. Esse
segundo eu bem pensado, ao qual podemos atribuir todos os desejos não realizados, mas também toda a
responsabilidade insuportável pelo mal dentro de nós. Nosso conflito interno é projetado no sósia. Na maioria
das vezes, as representações literárias desse tema impressionante (porque psicologicamente verdadeiro)
correspondem a ele. O sentimento de culpa, que está atrelado à divisão ética, faz com que o sósia apareça
como algo a ser temido; tendências de retaliação e autopunição entram em jogo. Isso também está
intimamente relacionado ao fato de que nas narrativas sósia, o suicídio é um resultado frequente. É sempre o
nosso próprio mal que nos confronta de maneira mais terrível; o egoísmo que, ao contrário do amor que é a
vida, assume a face da morte.
O reflexo no espelho é, como a sombra, uma imagem espiritual, um sósia. A primeira imagem espelhada
provavelmente foi aquela na água. Os indígenas veem a alma em todas as formas. Muitos deles, por isso,
sentem muito medo quando são fotografados ou retratados, e quando veem sua imagem nas mãos de
estranhos. No entanto, superstições semelhantes existem em sociedades cultas; ocasionalmente, ouve-se
dizer que não se deve pintar o retrato senão morrerá logo.
Relacionadas a isso, e mais prevalentes em nossas superstições modernas, estão as noções, testes e
proibições peculiares que cercam a imagem no espelho. É imediatamente compreendido porque quebrar um
espelho significa uma fatalidade (em um sentido mais brando: infortúnio); é a privação da imagem espelhada,
a alma. Também está claro por que as pessoas evitam ficar diante dos espelhos ou por que colocam cortinas
nos espelhos na casa do luto (ou evitam olhar para eles). A alma do falecido reside no espelho, e o encontro
com a alma de uma pessoa falecida deve ser evitado, como sabemos, quando em perigo mortal.
Como se pensa que a alma do falecido reside no espelho, ela pode se tornar visível lá. Isso leva à
proibição de se olhar no espelho à noite: se alguém o fizesse, perderia seu próprio reflexo e, portanto, sua
alma, levando à morte inevitável. Afirma-se também que, nesses casos, atrás do observador, pode aparecer a
imagem do diabo ou de uma caveira. Pode ser mais correto dizer: o sósis diabólico.
Diz-se que, sob certas condições, pode-se ver rostos verdadeiros no espelho, muitas vezes relacionados a
assuntos secretos, geralmente envolvendo o futuro, vida e morte e casos de amor. A crença no poder do
espelho pode estar relacionada à ideia de que espíritos habitam dentro dele. Eles serviriam como
intermediários desses rostos. Assim, diz-se que os espelhos podem se tornar espelhos mágicos quando, sob
certos rituais, são colocados diante do rosto de um cadáver à meia-noite; para isso, até sepulturas foram
abertas. No entanto, não se deve esquecer que um olhar fixo em superfícies reflexivas invariavelmente
estimula visões (que naturalmente não precisam ser necessariamente verdadeiras, mas devem ser
interpretadas como devaneios).
No entanto, para continuar com um pensamento introduzido anteriormente: a essência da imagem do
espelho é semelhante à do sósia (muitas vezes, o sósia aparece na literatura dentro de um espelho), e
podemos considerar como podemos aplicar nossas percepções a partir daí para as superstições em torno dos
espelhos. Tenhamos também em mente que, assim como o sósia em geral surge do amor-próprio, também
particularmente a imagem no espelho é resultado de uma ação que é praticamente um símbolo de vaidade: a
auto-admiração. Portanto, há um núcleo psicológico bastante sólido em um exterior talvez estranho quando
se diz em muitas regiões: garotinhas que frequentemente se olham no espelho ficarão "orgulhosas" ou
[100
"infelizes". A proibição poderia ser formulada da seguinte forma: não deixe seu filho se tornar um Narciso;
isso não traz nada de bom! No mito grego, Narciso se apaixonou por seu próprio reflexo, que por acaso viu na
água. E isso se tornou sua ruína. A tradição xiita expressa a essência dessa proibição p com total franqueza:
segundo essa tradição, um muçulmano que se olha no espelho antes da oração cai em pecado ao adorar sua
própria imagem. Já ouvimos falar do entrelaçamento do amor-próprio (narcisismo) com a morte e o medo da
morte. De acordo com isso, é apropriado que a morte muitas vezes esteja por trás da auto-admiração vã em
superstições de espelho, sorrindo de volta para o indivíduo arrogante em vez de seu ego inflado. A precisão
desse ponto de vista fica evidente no comportamento da imagem no espelho quando uma pessoa está
apaixonada. Nesses casos, o reflexo do amado substitui o próprio. Em determinados momentos e sob rituais
específicos, a pessoa se olha no espelho e agora não vê a si mesma, mas a pessoa amada. O que isso significa?
Que verdade psicológica (projetada) ela expressa? Que o amante se entrega no outro; seu amor-próprio se
dissolve no amor do outro.

5)- Superstição como Psicologia

Pode-se dizer que, essencialmente, observamos a superstição como psicólogos o tempo todo. O que ela
cria externamente tem alguma conexão psicológica: para aqueles que podem interpretar, muitas vezes
transmite apropriadamente verdades interiores por meio de imagens surpreendentes. No entanto, tendo
seguido essa projeção do psicológico em traços gerais até agora, pode ser intrigante para nós também ver a
superstição em ação como um conhecedor de almas em instâncias menores e mais episódicas.
Prefiro considerar aqui que o leitor está familiarizado com minha pequena obra “Coincidência”
Especificamente, estamos pensando naquelas "coincidências" que inconscientemente e não intencionalmente
causamos a nós mesmos. Os deslizes que nos ocorrem, como esquecimento, mau uso, falta de jeito, etc., são,
como demonstrou Freud, muitas vezes guiados por intenções inconscientes. Mesmo nestes, alguma tendência
psicológica - talvez uma que queremos ignorar - tende a ser expressa. A superstição é uma psicóloga tão
perspicaz que há muito se reconhece essas conexões.
Um caso frequente é quando, no início de uma empreitada, uma contravontade quase inconsciente
procura nos deter. Isso causa algum contratempo no início. E se continuarmos com o assunto, fiéis à nossa
decisão, devemos descobrir, para nosso aborrecimento, que o resultado não é tão esplêndido quanto havíamos
nos convencido: a contravontade inconsciente dentro de nós era mais sábia. E é por isso que a superstição,
ainda que numa generalização equivocada, também diz: Se um empreendimento começa mal, é melhor
abandoná-lo, pois terá um péssimo resultado. Quando um romano tropeçava na soleira ao sair de casa, ele
voltava e abandonava seu plano. Em maior elaboração, é dito: Se, durante a construção de uma casa, o
primeiro golpe do martelo na pedra angular ou o golpe do machado nas vigas produzir fogo, a casa será
incendiada. Aqui encontramos o conceito deslocado no sentido de um presságio de analogia.
Se um dos noivos olha em volta involuntariamente a caminho da igreja, então o casamento não deve ser
muito valorizado; pois eles estão procurando outro cônjuge. Outra interpretação prediz a morte neste caso;
isso está relacionado às circunstâncias que discuti no contexto de olhar nos espelhos. Se uma jovem noiva
perder sua aliança de casamento, o casamento será infeliz (cf. "Coincidência", Exemplo i). Quem morde a
língua enquanto fala está mentindo; o mesmo vale para alguém que tosse de repente. Na Ilha do Príncipe
Eduardo, as meninas usam este oráculo: elas atribuem os nomes de quatro rapazes que são de seu interesse a
quatro dedos de uma mão; em seguida, eles pressionam firmemente as mãos, e o dedo que mais dói nesse
processo indica o decisivo; o dedo direito certamente vai doer... Homens que gostam de gatos permanecem
solteiros... A criança em Maryland que deixa cair seus livros no caminho para a escola dará ao professor
muitas respostas erradas. No Alabama, eles são aconselhados a pegar rapidamente os livros e beijá-los.
Ambos têm seu simbolismo significativo, é claro. Na Bósnia, diz-se: Nunca atire uma faca em ninguém,
mesmo em tom de brincadeira; porque se a pessoa em questão morrer dentro de quatorze dias, você será
responsabilizado. Na verdade, um núcleo de seriedade muitas vezes reside na brincadeira.
Este também seria o lugar para discutir sonhos. A interpretação dos sonhos é psicologicamente muito
interessante. No entanto, o campo é tão rico que requer um estudo próprio.
Em vez disso, diremos algumas palavras sobre sugestão. Ele desempenha um papel duplo na superstição. Em
[101
primeiro lugar, a superstição emprega a sugestão com sucesso e mais uma vez se revela como uma astuta
intérprete de almas. Por exemplo, quando uma forma supersticiosa de tratamento sugestivo efetivamente
alivia um estado mental. Em segundo lugar, no entanto, a superstição muitas vezes erra devido à sugestão,
pois apenas simula o sucesso, dando origem ao que chamamos de falsa confirmação. Semelhante a como o
hocus-pocus de um charlatão pode levar uma pessoa com uma fratura a acreditar falsamente que está
curada; graças à sugestão, a dor pode realmente diminuir, mas isso não significa que a cura ocorreu. Tais
confusões causaram muito dano.
A sugestão também está em jogo quando acreditamos ver figuras fantasmagóricas ou coisas
semelhantes em ambientes misteriosos ou geralmente em expectativas correspondentes. Essas manifestações
surgem como ilusões (por exemplo, uma árvore murcha é vista como um esqueleto) ou como alucinações
(sem um ponto de referência real). A sugestão, e mais especificamente a auto-sugestão, entra no reino onde
acreditamos que podemos encontrar formas espirituais, etc., em um ambiente misterioso ou sob expectativas
correspondentes. Essas ocorrências podem se manifestar como ilusões (por exemplo, uma árvore murcha é
percebida como um esqueleto) ou como alucinações (sem qualquer base real). No âmbito da sugestão, e
particularmente da auto-sugestão, também podemos colocar as crenças em fantasmas, espíritos e entidades
sobrenaturais que muitas vezes fazem parte de superstições. A autossugestão também inclui os casos
apresentados no final da Seção III.
Falamos de superstição como um psicólogo perspicaz. Às vezes, o psicólogo astuto pode ser encontrado
entre aqueles que exploram a superstição. Entre eles estão muitos charlatães, e semelhantes, que podem ser
divididos em dois grupos: os que acreditam em suas próprias artes e os que não acreditam, mas manipulam
as convicções dos crédulos com cálculos mais frios e condenáveis
Devemos também mencionar os vários profetas e profetisas, que estão prosperando atualmente e que,
seja através do disfarce da astrologia erudita ou dos meios mais modestos da quiromancia e da leitura de
cartas, revelam o futuro a seus clientes. Observar tais indivíduos trabalhando com um comportamento
imparcial revela sua habilidade e até mesmo uma maneira de proceder semelhante a Sherlock Holmes. Eles
habilmente tecem várias interpretações a partir de indicadores menores, construindo uma narrativa, ao
mesmo tempo em que são inocentemente guiados por seus visitantes desavisados durante a elaboração de
suas profecias e adivinhações.
Dois fatores adicionais facilitam ainda mais o engano: O repertório de informações coletadas de
cartões e outras fontes é mantido básico e amplamente aplicável. Menções repetidas de viagens, cartas,
dinheiro por vir, decepções, falsas amizades, ciúmes e, acima de tudo, amor. Seria difícil encontrar uma
pessoa a quem essas alusões flexíveis não se aplicassem. Em segundo lugar, é inerente à natureza humana,
especialmente em momentos de vulnerabilidade ou incerteza, encontrar significado em declarações vagas e
generalizadas, muitas vezes projetando nelas esperanças e medos pessoais.]
A superstição prospera quando capitaliza essas dinâmicas psicológicas, criando uma ilusão de insight e
controle. Ele explora nosso desejo inato de significado e certeza, mesmo diante do desconhecido.
A pessoa interessada é rápida em encher o vaso de declarações gerais com o conteúdo específico de sua
própria vida ao ouvi-las. Isso cria a ilusão de que o vidente está se referindo a esses detalhes. A rotina
praticada de uma sábia Pítia completa a construção das elocuções do oráculo, que então, especialmente por
meio de recontagens, se transformam em experiências marcantes.
6) Superstição Criminosa
As mais tristes manifestações de superstição são aquelas que levam a crimes. Elas podem abranger
todo o espectro, desde pequenas transgressões até os mais hediondos atos de assassinato.
Sob uma luz mais amena, pode-se ver os casos em que o indivíduo supersticioso comete uma ofensa com
alguma boa intenção ou pelo menos um motivo compreensível. Por exemplo, alguém que acredita que sua
família está sendo perseguida por um vampiro pode desenterrar e decapitar um cadáver suspeito de ser um
vampiro no cemitério da igreja para torná-lo inofensivo. Ou quando alguém fere uma criança, pensando que
está "preparando uma doença" ou tentando remover uma maldição. Essas situações podem levar a casos
peculiares de abuso infantil que fundamentalmente não visam a criança em si. Uma mãe cujo filho não está
prosperando pode alimentar a tola noção de que é um desafio, trocado por um espírito maligno por seu filho
real. O procedimento para recuperar a verdadeira criança envolve infligir abuso doloroso ao suposto
desafiante: a dor infligida leva os espíritos a inverter a troca e o poder sobre o objeto é amplificado.
[102
Essa crença nas propriedades mágicas de objetos roubados pode ,infelizmente, levar os indivíduos a
cometer roubos, pois pensam que estão obtendo acesso a um poder mágico aprimorado. Tais superstições
podem encorajar um comportamento antiético e até aos atos criminosos. É essencial reconhecer esses
aspectos nocivos da superstição e promover o pensamento racional e o comportamento ético na sociedade,
perdoe a expressão neste uso da consagração. Partes do corpo também são roubadas, principalmente para
fins de cura ou, mais comumente, como talismã. Na Bósnia e Herzegovina acontece que uma mulher estéril
abre a sepultura de uma criança à noite, desfazendo os cabelos do cadáver, acariciando a criança com eles e a
tumba é fechada novamente ao raiar do dia.
O ato torna-se muito mais condenável se for praticado com más intenções. A abertura de sepulturas e
a profanação de cadáveres são cometidos para que alguém possa roubar, por exemplo, os dedos. Diz-se que o
dedo de uma criança ( geralmente alguma que morreu sem ser batizada ) tem todas as fechaduras abertas e o
ladrão se torna invisível; e dizem que velas feitas de gordura humano fazem com que não acordem aqueles
que estão dormindo. Os criminosos magiares acreditam que podem se tornar invisíveis pegando o dedo
mindinho de uma criança natimorta ou colocando uma vela no coração dessa criança. Os ciganos húngaros
também usam suas lanternas para iluminar o que foi desenterrado na lua nova. Dedos de um homem morto
que está em seu túmulo há nove semanas. Uma linha de pensamento é possível de ser construída: a luz do
corpo do morto é morta, ou seja, luz invisível; a luz da lua nova é igualmente invisível; as nove semanas são
uma analogia à gravidez.
O termo “schachtsperiode” e especificamente seu reverso: um período de maturação. Na Bucovina, os
ladrões extraem a medula de uma tíbia humana e colocam luz sobre ela e a partir eles andam três vezes em
torno da casa com ela e com isso os ocupantes mergulham em um sono mortal.
Ainda mais horripilantes do que as profanações graves cometidas com os propósitos acima
mencionados, são os assassinatos cometidos para adquirir partes do corpo: coração, rins, gordura etc. Alguns
atos que inicialmente aparecem como atos de luxúria, como A. Hellwig provavelmente sugere, podem de fato
serem motivados por esses motivos. Um assassinato para o roubo de uma mão ocorreu no distrito de
Lukajanowschen em 1904. Um menino foi assassinado por um grupo de fazendeiros, incluindo seu tio, e teve
sua mão decepada e passou a ser carregada como um talismã nas incursões da gangue.
A crença no poder mágico das crianças “inocentes” é ate mesmo não nascidas, especialmente nos
tempos antigos, provocou atos horríveis. No “Grande Palco de Assassinatos Lamentáveis”, um fazendeiro teria
sido forçado por dois ladrões a entregar sua esposa grávida a eles. Eles a amarraram a uma árvore e
começaram a abrir seu corpo mas foram pegos e punidos em Upsala com tenazes aquecidos e colocados na
“roda de tortura”. Interrogados eles confessaram que já haviam consumido o coração de duas crianças anda
não nascidas e que, depois de comer o terceiro, poderiam se tornar invisíveis, obter grandes riquezas e realizar
vários milagres.
A antiga crença no poder mágico do sangue e do sacrifício humano ainda existe em camadas não
esclarecidas, sugerindo a prontidão das massas para facilmente explodir e acusar outro grupo que odeiam de
cometer assassinatos rituais. Os judeus, especialmente na Europa Oriental, tiveram que suportar
perseguições sangrentas por supostos assassinatos rituais até mesmo em tempos recentes.
É uma benção que as formas mais extremas de superstição pertençam apenas à história. No entanto
cabe mencionar outra superstição, que se estende até hoje e já causou muitos danos: o fato que não é
amplamente divulgado é inerente à natureza do assunto: diz respeito à infeliz crença de que uma pessoa que
sofre de uma doença sexualmente transmissível pode ser curada ao ter relações sexuais com uma virgem ( ou
uma mulher grávida ) sem causar danos à mulher. Em algumas regiões acredita-se que a bestialidade serve ao
mesmo propósito. Na China pacientes com hanseníase do sexo feminino acreditam que poderiam se livrar de
sua doença de maneira semelhante por meio de homens jovens: elas contratariam indivíduos empobrecidos
para esse fim. A superstição contribuiu significativamente para a propagação desta terrível doença.
7 )- Educação
O que o educador pode fazer para evitar o surgimento da superstição? Aqueles que não pensam mais
profundamente podem estar inclinados a responder a esta pergunta da seguinte forma: Mantenha todas as
ideias supersticiosas longe da criança desde o início, corrija imediatamente qualquer ideia que não
corresponda aos fatos, sempre mostre a elas a s verdadeiras conexões e desenvolva a mente de tal forma que
possam discernir essas conexões em todos os momentos e aprender a desvendar enganos.
[103
Aqueles que aconselham desta forma estão cometendo um erro em duas direções: eles não fazem
justiça às causas da superstição ou à alma da criança. A infância está relacionada àquela fase do
desenvolvimento humano que encontramos nos povos indígenas com suas formas peculiares de
conhecimento ( que nos parecem supersticiosas ou fantasiosas ). Assim como as crianças animam a
natureza, elas também vê os objetos, os animais, as sombras, o sol, a lua e as estrelas e o azul do céu, por
exemplo, de maneira bem diferente dos adultos e deve de fato fazê-lo de maneira diferente: povoa seu entorno
com uma multidão de figuras imaginárias cujos mistérios achamos difícil desvendar. Tem e precisa de um
mundo de contos de fadas e quer e deve também ouvir contos de fadas, contos que falem sua língua …
Sei que, também, há quem diga que não se deve contar contos de fadas às crianças porque, ouçam esta
magnífica descoberta: contos de fada são falsos. Aqueles que dizem tais coisas são pedantes nocivos, não
educadores. O conto de fadas é, se assim posso dizer, a Verdade e o coração da criança. Tirar deles os contos
de fadas ( no sentido mais amplo ) e oferecer-lhe apenas um intelecto legal é como dar-lhes água em vez de
leite.
Além disso, a mera apresentação da verdade e do raciocínio crítico não supera de forma alguma a
superstição: a experiência cotidiana nos mostra muitas pessoas que,a pesar de possuírem excelentes
habilidades de raciocínio, e mesmo contra seu melhor julgamento, são possuídas por caprichos
supersticiosos. Portanto, embora admitamos prontamente que a pobreza intelectual fomenta a superstição e
que intelecto mais educado é desfavorável a ela,a inda devemos reconhecer que isso não conta toda a historia.
Então a que se resume? Talvez possamos deduzir algo da natureza da superstição como chegamos a
entendê-la ao longo deste estudo. O que é superstição Ou melhor: em que difere do mero erro facilmente
superável pela razão? Caracteriza-se pelo fato de que sus falácias ou desvios do pensamento racional
dependem de condições emocionais; especialmente, são os conflitos psíquicos que tornam a mente incerta
como um intoxicado. O melhor treinamento do intelecto não será suficiente para protegê-lo dessas
influências e mesmo nesses casos não assumem as formas bem estabelecidas de superstição tradicional,
assumem outras formas igualmente angustiantes.
Portanto, o que se deve acrescentar ao cultivo do conhecimento é um desenvolvimento equilibrado do
coração, que dê o menor espaço possível aos conflitos não resolvidos. Claro aqui também há uma gentileza.
Falar é mais fácil do que agir; porém a dificuldade de uma tarefa deve servir de motivação e não de desânimo
principalmente quando seu objetivo é digno e significativo. Felizmente, nos últimos tempos, a psicanálise nos
deu a capacidade de aprender insights cruciais sobre a natureza e a origem dos conflitos internos humanos. E
esses insights não devem ser inutilizados.

Anexo 13
O SIGNIFICADO DA ALQUIMIA*
Palestra Inaugural ETH Zurique
21 de fevereiro de 1931
Professor Tadeus Reichstein

Senhoras e senhores,
Uma discussão sobre o significado da alquimia possivelmente se baseia dentro do escopo de um
historiador da religião ou, ao menos, um pesquisador de culturas antigas; não obstante, tomei a tarefa de
ministrar uma palestra sobre este assunto que é um território pouco familiar para esta audiência. Fi-lo tão
amplamente porque levante meu interesse pessoal, e porque entre vocês podem haver aqueles interessados em
seguir os caminhos que a mente humana trilhou e que eventualmente levaram à formação de uma estrutura
como aquela representada pela química moderna. Assim, embarco neste terreno um tanto incerto, e peço seu
perdão por quaisquer pequenos erros cuja inserção que eu tenha permitido. O que conta é o essencial.

* Traduzido do alemão para o inglês por Isabel e Alfred Bader. Algumas citações difíceis de traduzir em alemão
arcaico foram deixadas no original. {Traduzido para a língua portuguesa, do inglês, por Daniel Ricardo
Augusto Wood, em julho de 2020 e janeiro/fevereiro de 2021. email para contato/correções na tradução:
danwood_br@hotmail.com}
[104
Fui inspirado a perseguir a alquimia pela seguinte questão: que tipo de princípio de seleção determinou
nosso presente conhecimento de natureza objetiva? A imagem que formamos do mundo exterior, cujo
desenvolvimento é a meta da ciência, é certamente muito incompleta. Será realmente a natureza estabelecida
das coisas o fato de que hoje estejamos aptos a conhecer em certas esferas e não em outras? Em outras
palavras, serão amplamente as coisas em si mesmas, ou somos responsáveis pelo fato de que nosso interesse
é dirigido para áreas específicas, enquanto deixamos outras de lado completamente?
O pré-requisito para compreender qualquer assunto está em concentrar nosso interesse nele. Não muito
tempo atrás, nada se sabia sobre eletricidade. Hoje ela é a base de nossa imagem física do mundo. Podem
bem haver outras grandes áreas não-descobertas, que continuamos a deixar de lado, e estas podem ser
rapidamente compreendidas, uma vez que nossa atenção se volte para elas.
Por exemplo, os cientistas gregos tiveram todas as possibilidades de descobrir as máquinas a vapor,
mas, embora tais experimentos fossem tratados mais como um entretenimento, nada foi de fato conseguido
devido à falta de suficiente interesse.
Agora pode-se ver que o conteúdo químico da alquimia foi, em grande extensão, bem adequado à
expressão simbólica de um pensamento inteiramente diferente. É somente no tempo moderno que este
conteúdo químico pôde atingir uma posição de independência. Quem sabe se a química estaria conosco, hoje,
se os Antigos não tivessem um fluxo constante de novas ideias para a atividade química prática. Isso se
trouxe à tona pelo conteúdo altamente simbólico destas ideias, embora elas fossem baseadas puramente na
substância e pensamento humanos, e não tivessem a menor afiliação com a química no sentido moderno.
Podemos agora entrar em nosso tema.
Que é alquimia e qual era seu propósito? Quando jovem, um químico ouve, muito frequentemente, que
a química moderna deve suas origens, em grande medida, à alquimia. Também se ouve que a meta da
alquimia era produzir ouro, como, também, outros metais, especialmente a transmutação de chumbo em
ouro. O método usado era a Pedra Filosofal, o grande Elixir, que comumente se considerava como remédio
universal para todas as doenças.74 Chumbo é ouro enfermo, que se torna saudável com a ajuda do grande
Elixir e se transforma em ouro. Em adição, o jovem químico ouve que os métodos mais estranhos e absurdos
foram usados para perseguir esta meta, e algumas vezes estes métodos tinham, por sorte, resultados
tangíveis, como, por exemplo, a invenção da porcelana.
Considerada sob esta luz, a alquimia é um tipo de tecnologia química. Experimentos tentando adquirir
certa mestria sobre a tecnologia química foram, na maior parte, realizados com meios inteiramente
insuficientes, e acompanhados nonsense fantástico e supersticioso. Em certa extensão, esta perspectiva está
certamente correta. Mas fazemos uma injustiça ao assunto, se o considerarmos somente por este ponto de
vista. No melhor de meus conhecimentos, a primeira pessoa a se referir à alquimia nos tempos modernos é o
americano Hitchcock, em seu livro Remarks upon alchemy and alchemists ("Comentários sobre a alquimia e
os alquimistas"). Este livro foi publicado há cerca de setenta anos, embora obviamente não atraísse a atenção
nos círculos químicos e de fato, agora, é quase impossível de encontrar. Observar este assunto sob este
aspecto é fornecer um exemplo extremo; é como julgar uma estátua somente pelo tipo de materiais com a
qual foi feita, ou o conteúdo de um livro pelo tipo de papel no qual foi impresso.
Se procurarmos pela literatura alquímica com uma mente aberta, talvez, inicialmente, formemos uma
figura como a citada acima, mas que, de tempos em tempos, nos permite perceber aspectos inteiramente
diferentes. Uma vez que compreendamos o real propósito da alquimia, a principal dificuldade para o
entendimento posterior está eliminada.
No entanto, há muitas receitas estranhas e fórmulas variadas a serem encontradas na antiga literatura
alquímica. De fato, os grandes intelectos entre os alquimistas, os Mestres, como os chamamos, ou os
Adeptos, como chamam a si mesmos, não conseguem expressar suficientemente o fato de que estavam
completamente distantes de tais maquinações. Referiam-se a estes alquimistas inferiores como cozinheiros
desmazelados, borradores e assim por diante, e adicionam, como exemplo, que, ao falar de Mercurius Vitae,
não se referem ao Mercúrio comum, mas a "nosso Mercurius Philosophorum", etc.
Por exemplo: Khunrath, p. 67: (ver índice ao final)
"Die Arg-Chymisten wolten Quecksilber gerne einschieben und substituiren / dass es Mercurius
Philosophorum seyn solte / es gehen ihnen aber bey wahren Naturkündigern nicht an / man kennen (Gott
74 {N. do T.} Aqui, doenças como males (i.e., maladies no inglês).
[105
lob) ihre Possen. Es will allhier nicht seyn / quid pro quo / merda pro balsamo. Die Philosophi sprechen
einhellig. / Noster D not est D vulgi, Unser D ist nicht der gemeine D / das ist Quecksilber etc".75
(A citação exprime a diferença entre charlatães e verdadeiros "Filósofos").
Grosser Bauer, p. 58:
"A razão é que o homem ordinário entende as coisas literalmente. Não se deve entender as coisas
literalmente, mas filosoficamente".
É questão de um tipo de código secreto, cujo significado efetivo é expresso por uma linguagem de figuras
simbólicas, a qual, em grande extensão, emprega termos químicos. Isso é mais ou menos candidamente
conseguido, e muitos tratados contêm alusões ao fato de que somente os iniciados compreenderão
plenamente o significado imediatamente, e isso não é para os ouvidos mundanos. Em muitos casos há
também referências muito enfáticas ao fato de que aqueles que entendem a natureza do assunto devem
manter seu conhecimento para si mesmos e somente passá-lo adiante, com grande cautela, para pessoas
confiáveis.
Exemplos: Grosser Bauer, p. 39:
"Mas eu quero lidar com a verdade clara, tão claramente quanto eu puder. Possa Deus mantê-los quietos
de tal modo que não revelem seus segredos a ninguém que não seja digno. Amém".
Khunrath, p. 14:
"Peço a vocês, filhos dos filósofos, diz Hermes, através do qual ele nos mostra, a todos, boas coisas, e o
qual também lhes mostrou o favor de sua generosidade, para não revelar seu nome ou qualquer outra coisa a
respeito deste assunto a pessoas sem valor, ignorantes ou desdenhosas. Platão, o filósofo químico, fala com a
mesma veia: temos tudo obviamente tomando o segredo da arte, que não devemos revelar a ninguém, mas,
em vez disso, deixar isso para Deus Todo-Poderoso, que concede a quem Ele quer e retira, de acordo com Sua
vontade".
Grosser Bauer, p. 21:
"... como foi dito, vocês devem ocultar estas espécies minerais e metálicas completamente de pessoas
ordinárias, ignorantes e indignas, deixando tolos continuarem a vagar pelo caminho errado, pois eles não
estão destinados a compreender, e isso permanecerá plenamente oculto deles, até que possam unir o sol e a
lua em um corpo, o que não pode ocorrer sem a vontade Dele que vive lá por toda a eternidade..."
Agora, qual é o sentido que deve ser tão escrupulosamente oculto? Talvez realmente seja uma fórmula
secreta para fabricar ouro ou um método alternativo de enriquecer a si mesmo, e é neste sentido primitivo que
o assunto tem sido usualmente considerado.
Por volta do ano 290, o Imperador Romano, Diocleciano, ordenou a queima sistemática de todos os
livros egípcios sobre ouro e prata de modo a privar os egípcios das fontes de sua riqueza e impedir suas
contínuas revoltas contra os romanos. Esta é uma razão pela qual tão poucas fontes concernentes ao período
mais antigo da alquimia sobreviveram.
O que os Adeptos dizem a respeito dessa perspectiva? Exemplos específicos podem clarear essa opinião.
Khunrath, p. 101:
"A ambiciosa ocupação com, somente, prata e ouro".
Khunrath, p. 140:
"Nossos B e A filosóficos não são os B e A metálicos comuns".
Khunrath, p. 119:
"Ouro e prata são os sol e a lua dos filósofos".
Khunrath, p. 262:
"Vejam, vocês também, um dos tolos alquímicos. Ó meus caros, por que lidam vocês com Alquimia?
Leiam, estudem, ou planejem o que quiserem, só não façam ouro o qualquer coisa do tipo".
Khunrath, p. 215:
75 {N. do T.} Em que pese o presente tradutor não dominar a língua alemã (nem, presentemente, o latim), foi
feita uma tentativa (com uso do Google} para obter uma tradução aproximada do texto, que foi,
posteriormente, adaptada para uma leitura aceitável (correções serão bem-vindas):
Os arg-quimistas querem inserir e substituir o mercúrio / que deveria ser Mercurius Philosophorum / mas não se
preocupam os verdadeiros arautos da natureza / sabe-se (louvado seja Deus) suas travessuras. Eles não
querem / transformar / merda em bálsamo. Os Filósofos falam por unanimidade. / Nosso Mercúrio não é
vulgar; não é o meio que é Mercúrio, etc.
[106
"Finalmente vocês dizem: 'O que procuro? É de fato uma transmutação ou não, de fato, um processo de
separação, se eu obtenho só um monte de A e B. Sim, meus caros: estão agora satisfeitos? Suas ambições
apaziguadas? Se vocês fossem, naturalmente, artistas, falariam também de sua arte de acordo com a
natureza, e fariam uma distinção melhor. Ó você, apostador miserável, neste caso tente achar auxílio no
mundo. A Alquimia contém um remédio melhor do que o uso desgraçado que você faz dela".
Pode assim ser visto que o ouro que os alquimistas estavam buscando deve ser considerado em sentido
simbólico. Assim, o que é alquimia? Possivelmente a definição mais próxima é esta: alquimia era um
ensinamento de sabedoria, de fato uma doutrina filosófica e religiosa que efetivamente continha muitos
elementos da cristandade, mas cujas fundações estavam profundamente baseadas em conceitos pré-cristãos.
Considerar este assunto sob esta luz facilita grandemente uma compreensão dele.
Uma palavra, em primeiro lugar, sobre a linguagem simbólica. Por que é que os alquimistas não
expressam seus significados claramente, mas falam de metais, enxofre, fogo e assim por diante?
As coisas com que aqui estamos lidando não podem ser expressas em outros termos não-figurativos, ao
menos esse tem sido, até aqui, o caso através do mundo, e pode ser comparado com a Bíblia, cuja linguagem é
quase exclusivamente alegórica, mas, não obstante, de mais fácil compreensão.
Há uma importante razão adicional. Como é bem sabido, a Igreja ocupou uma posição
excepcionalmente dominante na Idade Média, rudemente eliminando cada coisa que opunha a ela se opunha,
como heresia. Os ensinamentos contidos dentro dos tratados alquímicos não são apenas incompatíveis com
cada dogma, seja qual for; mas também contém muitos elementos não-cristãos. Esconder-se atrás de uma
máscara protetora, grosso modo, é auto-preservação. Além disso, a Grande Obra, como os alquimistas
chamavam o processo da metamorfose humana que buscavam de tornar chumbo em ouro, demandava tal
autoconfiança que só poderia ser o destino de alguns poucos selecionados, que possuíam tal independência.
Exemplos: Khunrath, p. 16:
"Os sábios deram estas respostas obscuras com o conselho de anos de maturidade e profunda reflexão.
Dann ob schon sie ihr chaos oder Magnesiam, mit seinem jederman bekanten Namen / den es auch beym
gemeinem Mann / als Hermes bezeuget / hat / nenneten / so glaubt es doch / spricht Rosinus, die thorhaffte
Welt nicht / dass dieses Ding solche grosse und wunderbare Kräffte in sich verborgen habe".
Khunrath, p. 19:
"(Anteriormente se disse: a Arte é realmente fácil quando alguém a compreende. Um jogo de crianças e
trabalho de mulheres). Portanto, diz um filósofo, aquele que abertamente nomeia nossa pedra, certamente
não sabe seus poderes e virtudes; mas aquele que conhece seus poderes a deixa sem nome e oculta".
Khunrath, p. 21:
"Ninguém deve revelar o nome de nossa pedra para quem quer que seja no mundo comum, ou enfrente
a danação de sua alma, pois o homem não consegue responder por isso diante de Deus. Por esta razão, vários
filósofos (como testemunha Rosarius) prefeririam morrer em vez de revelar esta arte a pessoa indigna. O
Seculum de Saturno não é, ainda, tal que tudo que é confidencial possa ser conhecimento comum para o
homem; dann man das jenige / soguthertzig gemeinet und geschicht / also nicht aufnimmt and brauchet".
(Muitos autores escreveram, explicitamente, que um grande desastre cairia sobre o mundo se alguém
divulgasse o segredo).
O objeto da alquimia, essa grande busca pelo ouro, era um tarefa inteiramente transcendental. As
origens destes processos químicos conhecidos pelo homem, como a fundição de metal a partir do minério,
datam aproximadamente do segundo ou terceiro século Anno Domini. O Egito em particular desfrutou de
longa e, de algum modo, secreta tradição, em manipular e extrair metais preciosos. Cada processo químico,
assim parece, foi extremamente bem adequado para descrever este conteúdo transcendental, só porque é o
método mais adequado para tornar compreensíveis as aspirações.
É, portanto, inteiramente correto dizer que a alquimia não é uma ciência no sentido moderno da
palavra, mas isto não pode ser dito à maneira de um disparate, porque ela não clama ser uma ciência
objetiva. (O termo "ciência" foi previamente usado com um sentido muito mais amplo.)
Com o surgimento de novas ciências, particularmente durante os dois últimos séculos, e seu sucesso em
poderoso desafio a toda a oposição, tornou-se compreensível que um tipo de arrogância pueril os levasse a
presumir uma habilidade que, em muito, excedia sua capacidade. Hoje nos tornamos mais modestos. Um
químico previdente dificilmente pensará em tentar a interpretação de toda a natureza ou a vida a partir de um
[107
método puramente racional. Na análise final, o conhecimento científico só fornece uma interrelação
ordenada de uma - de outra forma - imensa variedade de fatos, e a natureza do material é determinada pela
experiência individual.
Como exemplo, tomemos a matemática. O assunto inteiro pode ser construído a partir de alguns
axiomas que, certamente, contêm tudo que as mais complicadas derivações poderiam produzir. O conteúdo
desta estrutura só será atingido através da experiência individual de fato, de modo que extraímos algo da
profusão de fatos e, neste caso, chamamos a isso um axioma. Todo o conhecimento científico segue um
padrão similar.
À parte destes fatos externos ou puramente objetivos, cuja lista é fornecida pela ciência, há também
fatos que são puramente subjetivos ou internos. Por exemplo, quando eu olho alguma coisa e experimento
uma sensação de prazer, isto é, verazmente um fato interno. Reconhece-se, imediatamente, que o mundo
inteiro está similarmente unido por fatos internos e externos, embora em um plano inteiramente diferente.
São valores que não podem ser medidos em termos comparativos. O mundo interior tem ao menos a mesma
significância, para as pessoas, que o exterior, porque é, com efeito, o mais fundamental. As questões que
apresenta, como, talvez, aquelas que pertencem ao significado da vida, são estas que, através das eras, mais
provocaram o intelecto humano; e suas respostas também têm o maior efeito sobre a condição de vida.
Hamlet diz: "Há mais coisas entre o paraíso e a terra do que se sonha em vossa filosofia"; e isso é tão
verdade hoje quanto foi no tempo de Shakespeare, mesmo não sendo um fato que se reconhece com prazer.
Não é necessário dizer que fenômenos sobrenaturais existem, pois, afinal, é presunçoso chamar algo de
sobrenatural apenas porque não pode ser explicado por um esquema de acordo com nossa compreensão.
Aquilo que é chamado "normalidade" é, consequentemente, muito extensamente determinado pela atitude
com a qual se considera o assunto. O que consideramos normalidade hoje poderia parecer perfeitamente
absurdo para gerações anteriores e vice-versa.
Feitiçaria é algo ao menos oficialmente abolido hoje em dia, e as pessoas pensam diferentemente,
embora coisas que foram anteriormente colocadas nessa categoria ainda existam, em certa extensão. Não
pudemos abolir os poderes secretos, ou como quer que as pessoas prefiram chamá-los, embora nos tenhamos
precavido contra eles, e assim contra todas as manifestações da natureza. Por exemplo, construir casas com
aquecimento central e navios enormes que suportam as mais violentas tempestades. Como resultado, nossos
sentidos estão usualmente menos expostos às influências da natureza e estão, portanto, menos sensíveis.
Um quadro acurado da doutrina que a alquimia desenvolveu em resposta à mais fatídica questão do
homem é uma tarefa que não está somente fora da abrangência desta conferência, mas, também, bem além
de minhas capacidades. O ponto principal que pretendo firmar é que a alquimia não tem por alvo a fabricação
do ouro comum, mas sim o fornecimento de uma resposta para questões precisamente mais graves, para
aqueles que a buscam, e mostrar-lhes um modo de organizar suas vidas. Quando tento mostrar os pontos
salientes, peço-lhes para interpretá-los somente como um quadro plenamente incompleto.
É impossível imaginar a alquimia sem a ciência relacionada da astrologia. Por exemplo, considere a
relação entre os sete planetas com os sete metais. A astrologia ensina de um modo místico que tudo está
interrelacionado e que a vida humana é, portanto dependente do cosmos.
A astrologia também foi marcada como superstição devido às ciências novas, e tem sido fortemente
atacada. Claro que não é uma ciência objetiva; porém, é outra vez presunçoso acreditar que um preceito que
sobreviveu por milhares de anos, e que era familiar aos grandes mestres de todos os períodos históricos, seja
uma antiga superstição sem consequências. Este fato justifica a suposição de que, pelo contrário, a astrologia
engloba conhecimento prático abundante, e sabedoria, que justamente deve ser compreendida com correção.
A alquimia sempre foi muito estreitamente relacionada com a astrologia. Enquanto a astrologia está
preocupada com o "Grande Mundo" (para usar a terminologia dos alquimistas) no qual o indivíduo
desempenha um papel puramente passivo, notadamente aquele que lhe foi assinalado pelo destino mediante a
constelação das estrelas, a alquimia lida com o "Pequeno Mundo", aquele mundo interior, individual, do
próprio homem; e sobre este o indivíduo exercitou certa limitada influência. O uso desta influência potencial
ao seu máximo proveito em harmonia com o Grande Mundo é a meta da arte hermética.
Uma imagem que regularmente recorre e possivelmente pertence ao fundo permanente de todo o
pensamento humano é a de que o Pequeno Mundo é um reflexo, uma imagem incompleta do Grande Mundo.
Exemplo: Ruska T. S., p. 149, citado a partir do The Book of Causes:
[108
"Tudo {e cada coisa} que ocorre nas esferas superiores causa uma reação no mundo inferior e produz
uma impressão nele. Tudo {e cada coisa} na terra é reflexo dos poderes que emanam dos céus". 76

Uma passagem de Olimpiodoro (alquimista grego com atividade por volta do ano 500) 77 declara o que
segue em termos extremamente drásticos.
Ruska T. S., p. 15:
"Assim Hermes chama o homem de Pequeno Mundo, termo pelo qual significa que tudo que o Grande
Mundo possui, o homem também possui. O Grande Mundo tem animais da terra e da água; o homem tem
pulgas, piolhos e vermes. O Grande Mundo tem rios e mares; o homem tem intestinos, etc. (Isto é adiante
explicado em detalhe. Também as partes do corpo são assinaladas aos signos do zodíaco)".
Como o céu78 e a terra, o homem e o cosmos se originaram de um único espírito universal, de maneira
que o objetivo último é trazer ambos os mundos para uma harmonia entre um e outro. Em outras palavras,
aceitar o destino e preenchê-lo no mais alto grau possível, em vez de resisti-lo; e viver a experiência do próprio
potencial no sentido mais amplo possível. Quem tentar se opor ao curso das estrelas dissipará sua vida de
maneira infrutífera e finalmente perecerá em miséria e desespero. O significado da vida não pode ser criado
ou maquinado; pode somente ser buscado, e, quando encontrado, concede a possibilidade da harmonia. Esta é
a única coisa que dá duradoura gratificação; é o maior dos tesouros, prometido.
O caminho para este objetivo é o caminho de acordo com sua própria natureza, quanto ao qual, embora
possa ser assistido por "métodos artificiais", nada de estranho deve ter adicionado.
Exemplo: Neander, Chym. Univ. in Nuce, p. 226:
"Wer mich kann lösen auff ohne Not / Ohne alles Pulver und Wasser zwar / Setzt mich auf eine feuchte
Bahr / So geb ich von mir selbst den Quell".79
Khunrath, p. 8:
"É uma pedra. Não misture nada com ela. Com esta mesma, os sábios trabalham; e disso, concluímos
uma coisa. De modo a melhorá-la, nada mais deve ser misturado com ela; nem com o todo nem com suas
partes".80
76 {N.do T.}: A expressão "cada coisa" é também uma tradução literal da expressão "everything", que costuma
ser usada para significar "tudo". Em português, porém, nem sempre, quando se usa o termo "tudo", o conjunto
é percebido como uma soma de coisas individuais, o que é mais evidente na língua inglesa. Daí a expressão
entre colchetes, para permitir melhor compreensão a respeito do texto original.
77 {N. do T.}: O texto original diz "Olympiondor (a Greek alchemist active about 500)". Uma pesquisa a respeito
encontra dois Olimpiodoros - um, intitulado "o jovem" e outro, "o velho". Este "velho" foi um alquimista dito
"teórico" que viveu entre os séculos IV e V e ensinou outro neoplatonista, Próclo, talvez mais famoso entre
filósofos, já que seu mestre foi considerado mais obscuro e de difícil entendimento. Digno de nota é que é
considerado um dos primeiros a utilizar o termo "chemeia" próximo ao significado atual que se conhece a
respeito de alquimia e química, em seus escritos. V. (acesso em 02/02/2021)
http://www.colegiogregormendel.com.br/gm_colegio/pdf/2012/textos/3ano/biologia/40.pdf, p. 23.
78 {N. do T.} A palavra aqui traduzida como "céu" é "heaven", que representa um céu no sentido mais próximo
de "paraíso". Isso é um lembrete para evitar que o leitor da língua portuguesa confunda o cenário com aquele
de um céu destituído de metáfora relacionada ao espiritual. O fato de não se traduzir diretamente como
"paraíso" vem da reflexão de que o paraíso tem um sentido religioso que envolve considerações de mérito
espiritual, mais distantes do presente caso. Em outros trechos da presente tradução, onde pareceu menos sujeito
a confusão, caso se use a palavra "paraíso", sublinhe-se, a conotação está distante do paraíso como imaginado
na contemporaneidade.
79 {N. do T.} O google translate oferece a seguinte tradução para este trecho de texto:
Quem pode me resolver sem necessidade / Sem pó e água de fato / Sente-me em um bahr úmido / Então eu dou a
fonte de mim mesmo.
80 {N. do T.} O destaque em "uma" na tradução deste parágrafo se refere à forma escrita da frase no original, isto
é, one thing (que significa uma só coisa, determinada, e não uma coisa indeterminada, caso do artigo
indefinido "um, uma", que pode ser qualquer coisa, e não uma coisa única, determinada e singular; daí a ênfase
[109
Abaixo, mais adiante:
"É uma única coisa. Um remédio. Uma pedra na qual a inteira maestria existe e é completada. A esta
pedra não adicionamos nada estranho ou externo: mas, em sua preservação ou preparação, excluímos toda e
qualquer coisa supérflua. Desta e nesta pedra está tudo que é necessário para a maestria nesta arte".
Mais adiante, pp. 9-10:
"O Senior diz: 'Nossa pedra será produzida a partir de e dentro de si mesma, por quê? Pois sua
natureza tem uma natureza de si própria. Sua natureza divida e separa a natureza: sua natureza,
encontrando esta natureza, se regozija e se transforma (assim como o real Proteu), de natureza em natureza
sua natureza supera esta natureza até que sua natureza se torne o fim último de sua tarefa. Sua natureza não
se aprimora; somente está contida em sua própria natureza. Precisamente por esta razão, nada aceita que
não seja parte de sua própria natureza. Como pode qualquer coisa estar mais intimamente relacionada a ela
e, portanto, ser mais adequada do que sua própria natureza? Dificuldades e sofrimentos devem ser
compartilhados, um com o outro. Sendo de única natureza, ambos, portanto, têm uma origem. 81
"Por esta razão, nada estranho se misture a ela; nem pós, sais, espíritos, 82 óleo, água, licores, metais,
nada mais; porque, em verdade, nada que não emana dela, e fora dela, é repulsivo a sua natureza. E o que é
repulsivo à natureza não pode trazer e não trará melhoras para nossa pedra. E se você adicionar algo
diferente ou estranho (o que quer que seja), então, cedo, estragará a obra".
Eu prefiro permitir aos Adeptos falar com maior coerência, de modo a obter uma interpretação bem
mais completa, e cito a Tábua das Esmeraldas (Tabula Smaragdina). Este é um documento que condensa em
poucos versos a essência de todos os ensinamentos que estão, de outro modo, contidos em longos tratados.
Entretanto, está expresso em linguagem muito obscura, o que, novamente, pressupõe um conhecimento dos
ensinamentos, e está em detrimento de uma compreensão do assunto.
A citação abaixo segue a tradução de Kriegman de 1657, na conferência original, ministrada em
alemão, e a versão em inglês aqui fornecida é de John Read, F. R. S, em seu livro, Through Alchemy to
Chemistry (G. Bell and Sons, London, 1957).
OS PRECEITOS DA TÁBUA DE ESMERALDAS DE HERMES.
1. Não falo de coisas fictícias, mas daquilo que é certo e verdadeiro.
2. O que está abaixo é como aquilo que está acima, e o que está acima é como aquilo que está abaixo,
para atingir os milagres de uma coisa.
3. E todas as coisas foram produzidas pela uma palavra do um Ser, de modo que todas as coisas foram
produzidas por esta uma coisa, por adaptação.
4. O pai é o Sol; sua mãe, a Lua; o vento o carrega em seu ventre; e a Terra o nutre.
5. É o pai da perfeição em todo o mundo.
6. O poder é vigoroso se for transformado em terra.
7. Separe a terra do fogo, o sutil do grosso, agindo prudentemente e com julgamento {ponderação}.
8. Ascenda com a maior das sagacidades da terra ao Céu, e então, novamente, descendo à terra, e se una
com os poderes das coisas superiores e inferiores. Assim, obterás a glória do mundo inteiro, e a obscuridade
voará para longe de ti.
9. Isto é fortaleza maior do que a fortaleza em si, porque conquista cada coisa sutil, e pode penetrar
todo e qualquer sólido.
10. Assim o mundo foi formado.
11. Assim, proceda às maravilhas que aqui estão estabelecidas.
12. Por isso sou chamado Hermes Trismegistos, tendo três partes da filosofia de todo o mundo.
13. Aquilo que tinha a dizer a respeito da operação do Sol está completo.
Selecionei a Tabula Smaragdina não somente porque seu tamanho torna isso mais prático, mas porque
deve ser considerada como o pivô da literatura medieval alquímica. É citada aqui e ali; é assunto de longos
em itálico).
81 {N. do T.} v. nota anterior.
82 {N. do T.} Por "espírito" pode-se representar álcool, como em "beberagem espirituosa". Antigamente
associava-se ao álcool (bebida) o termo espírito mais do que atualmente. Jung também trata disso quando é
abordado, em carta, em assunto relacionado à fundação dos Alcoólicos Anônimos (Spiritus contra spiritum -
carta de Jung a Bill Wilson em 30/01/1961). V. também https://www.dicio.com.br/alcool/, onde se lê: "Álcool é
sinônimo de: espírito".
[110
ensaios e comentários, e frequentemente, quando o ponto é explicar o processo da fabricação do ouro, há
simplesmente uma referência à Tabula Smaragdina. Este livro tem sido, realmente, uma indicação perene,
como é chamado, para os alquimistas. É justo, portanto, que se diga algumas palavras a respeito de suas
origens e eu gostaria também de fazê-lo começando por um pequeno sumário sobre a alquimia.
Embora a pesquisa mostre, até aqui, que a alquimia não existia de fato antes do segundo ou terceiro
século, suas raízes podem ser encontradas na cultura egípcia. Não é por acidente que os alquimistas são
unânimes em denominar "Hermes Trismegistos" o pai de sua arte. Este é o nome grego para o deus egípcio
Thoth, deus da mais alta sabedoria, ao qual muitos importantes trabalhos teológicos e filosóficos foram
atribuídos, o que indicava suas origens divinas.
Os primeiros alquimistas foram os gregos, mas eles não descobriram a alquimia em sua terra nativa.
Como eu já disse, a alquimia foi um produto do Oriente. Alexandria floresceu como o novo centro de cultura
grega, depois de Atenas. "Os gregos de Alexandria tiveram contato com o velho mundo mítico do Oriente, e se
tornaram orientalizados". É com estas palavras que Ruska descreve este processo que ocorreu com
impressionante velocidade. Ele diz que isto é ainda mais notável quando se considera a vasta superioridade do
intelecto grego sobre aquele do Egito, o qual, àquele tempo, estava em um estado de fossilização. (Este parece
ser o destino de cada civilização humana que é transplantada para uma terra estranha. Por exemplo, o
recente relatório de Kayserling sobre a América, que começa com as palavras "Os povos são filhos da Terra",
declara que a cultura americana, na medida em que se pode dizer que adquiriu independência, está muito
mais intimamente aliada, em suas fundações, à cultura dos antigos Maias, do que à Europa, da qual derivam
suas origens étnicas).
Assim como a astrologia conquistava o mundo do Egito para a Babilônia, alguns séculos depois, as
perspectivas e deuses egípcios antigos ganharam nova vida na forma grega em solo egípcio. Tais são as
origens da Alquimia, embora haja outra influência vital em adição ao helenismo. Devemos ter em mente que
este foi o período inicial do cristianismo, e as ideias ativas que deram nascimento àquela religião eram
também de enorme significância para as origens da alquimia.
Citarei uma passagem de Clemente de Alexandria que ilustrará a contribuição do Egito.
Ruska, Tabula Smaragdina, p. 9:
"Os egípcios possuem uma espécie de sabedoria nativa. Isto é provado particularmente pela ordem de
seus serviços religiosos. Antes de tudo, o cantor aparece, carregando um dos símbolos da musica. Este
homem tem de estar apto a aprender, de coeur 83 dois dos livros de Hermes, um dos quais contém hinos aos
deuses, enquanto o outro descreve instruções para a conduta de um rei. Entretanto, o 'guardião do tempo' 84
segue o cantor, carregando uma ampulheta e um ramo de palmeira, os símbolos da astrologia. Este homem
deve sempre manter, prontas em sua mente, as leis da astrologia dos quatro livros de Hermes. O primeiro
destes lida com o início aparentemente impassível; os dois seguintes, com a concorrência e o fenômeno da luz
do Sol e da Lua; e o último lida suas ascensões, etc".
Estes são os vestígios do assunto que desfrutou de renascimento entre os gregos. (Eu já mencionei a
tradição da manufatura e uso do ouro no Egito antigo. A arte do ourives egípcio escalou alturas que nunca foi
possível atingir novamente, ao menos de acordo com meu gosto).
O primeiro período da alquimia pôde haver seu final por volta do sexto século, como resultado do
triunfo da cristandade, que rapidamente ganhou terreno. Mas suas ideias e conteúdos foram preservados e
desenvolvidos mais plenamente alhures (possivelmente na Pérsia), e foram adotados pelo Islã por volta do
oitavo século. A Alquimia foi reintroduzida na Europa Ocidental na Idade Média pelos árabes, e então
assumiu uma posição muito importante, embora obviamente tenha mostrado sinais de deterioração em todas
as direções, ao ponto de trapaças comuns. A Alquimia manteve sua posição por um longo tempo, até que o
advento da ciência tirou o chão de seus pés. O indivíduo rejeitou as visões metafísicas e voltou mais em
sentido de um conceito objetivo de natureza.

83 {N. do T.} A expressão original, learn by heart, significa aprender de coração, isto é, decorar; mas em
português isso soa como um ato mecânico. Muitas pessoas memorizam, mas não aprendem de coração. Daí o
uso da expressão em francês, para dar ênfase ao significado expresso pelo autor.
84 {N. do T.} Aqui a expressão em inglês é timekeeper, cuja tradução imediata em português seria cronometrista.
Embora correto, parece expressar algo por demais ligado à modernidade, de maneira que usou-se uma
expressão mais descritiva de tempos antigos.
[111
De acordo com pesquisa recente, a Tabula Smaragdina era permitida em um tempo no qual a alquimia
e a astrologia estavam banidos na Europa e continuavam a ser praticados no Oriente, possivelmente na
Pérsia. No mais velho (até aqui) tratado descoberto, a alquimia é a conclusão de um documento cosmológico
intitulado The Book of Causes (O Livro das Causas), que foi atribuído a Apolônio de Tiana, ou 85 Hermes.
Estas figuras mitológicas, ambas, estão parcialmente confundidas aqui ou combinadas em uma pessoa. Isso
está gravado em manuscritos árabes, bem como em posteriores traduções em latim.
O Livro das Causas contém os ensinamentos que foram seguidos, e posteriormente coletados, na
Tabula Smaragdina. É uma Cosmologia em grande escala.
O quadro relatado pelo autor é muito interessante para sua explanação de como ele chegou a estar de
posse do conhecimento divino, notadamente na câmara funerária, encantada, de Hermes.
Ruska, Tabula Smaragdina, p. 138:
"E agora vou lhes contar sobre minha árvore familiar e minha origens. Eu era um órfão, sem um tostão,
que vivia em uma cidade chamada Tuwana. Havia lá uma estátua de pedra, sobre uma coluna de ouro, na
qual estava escrito: 'Eu sou Hermes, o três vezes sábio; eu apresentei este sinal miraculoso abertamente, a
todos os olhos, mas o disfarcei por minha sabedoria, de tal modo que somente um que é meu igual em saber o
há de adquirir'. Mas na frente da estátua, na linguagem original, estavam as palavras: 'Aquele que quer
aprender os segredos do universo e da criação deve olhar sob meus pés'. As pessoas não entendiam o que ele
significava com isso, e fitavam seus pés, mas nada viam. Naquele tempo, meu intelecto ainda era fraco, por
causa de minha juventude; mas, quando cresci em saber, li o que estava escrito na frente da estátua, refleti
sobre seu significado, e cavei sob a coluna. E abaixo contemplei, e cheguei a uma câmara subterrânea
preenchida com trevas; e eu não conseguia acender um fogo, por causa do vento. Estava impotente; meu
sofrimento era intenso, e o sono me dominou, enquanto eu, com coração perturbado, ponderava a dificuldade
que encontrara. Então um velho, exatamente na minha forma e silhueta, apareceu-me e falou: 'Ó Balinus,
levanta e entra nesta câmara, de modo que possas chegar ao conhecimento dos segredos da criação e, assim,
compreender a natureza'. Respondi: 'Nada posso ver nesta escuridão e não consigo acender um fogo por
causa dos ventos'. Ele, então, me disse: 'Ó Balinus, coloca tua luz em um recipiente de vidro transparente, que
protegerá a luz do vento, de modo que não se apague, mas lhe dê luz nas trevas'. Então, meu coração ficou
bem novamente; eu atingi minha meta, e disse: 'Quem sois, que me fez esta bondade?' Ele replicou: 'Sou seu
próprio, perfeito, ser ideal'. Então acordei, cheio de contentamento, pus uma luz no vidro, como meu ser
espiritual comandara, e entrei na câmara. Então encontrei um velho sentado em um trono de ouro,
segurando em sua mão uma tábua de esmeralda verde, na qual estava escrito: 'Esta é a descrição da
Natureza'". (Outro texto diz: "Este é o segredo do mundo e o conhecimento da criação da natureza".)
O estilo de uma tal história é típico desta literatura. É sua intenção mostrar que é uma questão de
revelação divina e não um sistema divisado de acordo com uma sequência de pensamentos. Também contém
alusões muito significativas sobre o modo como tal conhecimento pode usualmente ser obtido.
Não é possível dar exemplos detalhados aqui a partir do texto, que pudessem fornecer uma ideia muito
mais acurada das passagens descritas no início, isto é, indicar a manufatura do elixir ou do ouro
indestrutível; de tal maneira, posso somente dar aqui um relato de um sistema que recorre, de várias formas,
em muitos trabalhos.
É, antes de tudo, necessário encontrar a substância certa, os materiais corretos que devem ser
submetidos no processo inteiro, e isto é usualmente descrito como a parte mais difícil. A natureza da
matéria-prima só será obscuramente indicado, ou simplesmente expresso, da seguinte maneira: "Se você
encontrar o material correto, limpe-o". É claro que, imediatamente, dir-se-á que o sucesso do
empreendimento depende do fazer a escolha certa.

85 {N. do T.} Não está claro se o autor identificou Apolônio com a figura de Hermes ou quis significar que seria
opção alternativa para se atribuir a autoria do Book of Causes; a leitura do que se segue revela essa incerteza
(também no trabalho dele); porém, em algumas publicações encontradas na Internet as duas figuras são, por
vezes, identificadas, de modo que se pode concluir que o autor conhecia de fato que haviam identificações
entre as figuras de Apolônio e Hermes Trismegistus. P. ex., pode-se consultar um estudo no endereço eletrônico
a seguir: (acesso em 03/02/2021)
https://www.academia.edu/1379955/Hermes_Trismegistus_and_Apollonius_of_Tyana_in_the_Writings_of_Ba
haullah
[112
Este assim chamado "trabalho preliminar" também é descrito de tal modo que é preciso buscar a
materia cruda, de novo a parte mais difícil da tarefa. Há duas essências contrastantes a serem extraídas do
material bruto (mercúrio e enxofre, branco e vermelho, masculino e feminino), os quais, refinados e
separados puramente do supérfluo lastro, produzirão matéria-prima por meio de conjunção. Virá enfim a
vermelhidão, o leão vermelho, a vermelha Pedra Filosofal.
O que segue é o toque final, o processo de multiplicação e projeção, o fortalecimento da Pedra e o
tingimento (cores douradas).
Pode-se dizer que a tarefa principal consiste em extrair os ingredientes essenciais da matéria-prima, que
contém dois elementos contrastantes, representando os princípios masculino e feminino, como imagem do
Grande Mundo. (O pai é o Sol vemelho, e a mãe é a brilhante Lua branca). Estes devem ser reunidos para
gerar uma nova linha. Esta é a ideia do renascimento através da união mística.
Qual é esta substância, o material que deve ser submetido a este processo, e deve ser encontrado em
toda parte, mas é tão difícil de reconhecer e alcançar86?
Penso que podemos dizer que Hitchcock está certo quando diz: "O assunto 87 é o próprio indivíduo, ou,
talvez mais precisamente, algo no indivíduo, sua natureza metálica, ou, como os alquimistas dizem, alguma
essência indestrutível impossível de expressar precisamente com palavras".
O que segue é uma passagem muito significativa dos escritos do alquimista Alipili.
Siberer Probleme der Mystik, p. 98:
"O mais alto saber, para o homem, é o saber de conhecer a si mesmo. Pois Deus pôs Sua eterna
Palavra88 dentro dele... Aquele que quer penetrar as profundezas da natureza deve primeiro aprender a saber
o que ele é, sem buscar ajuda além de si em matéria exterior. Através do poder divino que nele reside, o
homem deve curar-se sobretudo, e transmutar sua própria alma... Se você não achar dentro de si o que
procura, não encontrará além de si. Se não conheces a excelência de sua própria casa, por que procuras e te
esforças pela excelência de coisas estranhas? O círculo todo do mundo não contém tais grandes segredos e
maravilhosas coisas como um pequeno ser humano, criado por Deus à Sua imagem. E aquele que quer estar
entre os maiores pesquisadores da natureza não encontrará maior ou melhor campo para seus estudos do
que a si mesmo. Por esta razão, quero seguir o exemplo dos Antigos Egípcios... e, falando de uma específica
experiência prática, te instigo: 'Ó homem, conhece a ti mesmo; dentro de ti está oculto o tesouro dos
tesouros'."
Gostaria de chamar sua atenção para um ponto a mais, pois é por demais importante. O chumbo deve
ser, sempre, tomado como matéria (embora não seja chumbo ordinário, mas o nosso chumbo). Por que
apenas o chumbo? Chumbo era o menos precioso dos sete metais, mas é antiga sabedoria que diz que o
futuro próximo repousa na mais largamente escarnecida e inferior das origens.
Paracelso diz: (Grosser Bauer, p. 46)
"Das sete pessoas doentes, deve-se tomar a mais doente (que é Saturno)".
Bauer, p. 52:
"Dentro do chumbo está uma morte viva, e aquilo que o filósofo diz deve ser contado entre os segredos
de todos os segredos: 'Nada está tão próximo do ouro como o chumbo, aquilo que o homem claramente quer
ter; o ouro oculto repousa, certeiro, dentro do chumbo'. Hermes diz: 'Todo o conhecimento está nos metais,
não, porém, nos perfeitos, mas em metais imperfeitos'.
Cheguei ao fim de minha apresentação, e espero que ninguém esteja desapontado, porque não recebeu
uma boa fórmula para a manufatura do ouro, para levar para casa. Devo confessar que, quando se lê a
literatura alquímica, às vezes se tem a impressão, ao menos do melhor dela, de que estes homens estavam de
fato em posse de um segredo real para adquirir o ouro que tanto almejavam. Mas este último fato não se deve
tomar literalmente. Qualquer que seja o caso, espero que ao menos eu tenha mostrado que a Alquimia
contém mais do que uma variedade de fórmulas para muito dúbias tinturas. Os únicos vestígios realmente
visíveis hoje, da grandiosa estrutura da alquimia, são as lamentáveis pedras de construção, os materiais que
86 {N. do T.} A palavra aqui traduzida como alcançar é o inglês grasp, que também significa compreensão,
insight, conhecimento. A tradução, porém, não parecia suficientemente ao tom do texto, quando dadas as
palavras com clareza adicional, de modo que deixou-se o verbo alcançar incitando o leitor no sentido da busca
e recriando, por representação, o tema do autor.
87 {N. do T.} Literalmente, sujeito (subject).
88 {N. do T.} Outra tradução, embora em inglês aqui o termo seja Word, é Verbo.
[113
perfazem a fundação para as origens da alquimia. Pode-se concordar, também, com os alquimistas, de que o
futuro repousa, oculto, na coisa mais inferior. O que era meio, para os Antigos, para encontrar forma tangível
para seus maiores pensamentos, foi tomado em si mesmo puramente como uma ocupação de maus
cozinheiros, e nos proveu com as fundações de uma compreensão que atinge distâncias enormes. Quem sabe
só isso, acerca daquilo que é tão desprezado hoje, que ninguém se atreve a falar a respeito, pode estar
destinado a deixar sua marca no futuro próximo.
De modo a evitar a incompreensão, gostaria de apontar o fato de que, embora minhas opiniões e
perspectivas pessoais desempenhem um papel nesta pesquisa, não pretendo clamar qualquer originalidade
por elas. Ao invés disso; estes pensamentos já foram declarados antes, sem que eu estivesse apto a fornecer a
fonte, em qualquer caso.

Símbolos usados:

Planetas e metais

Sol B Ouro
Lua A Prata
Mercúr D Mercúri
io o
Júpiter F Estanho
Vênus C Cobre
Marte E Ferro
Saturn G Chumbo
o

Exemplos citados a partir de:

Khunrath Heinr: (Philos. Bekenntnis) Vom Hylealischen, Das ist Primaterialischen, Catholischen oder
Allgem. Natürlichen Chaos der Naturgemässen Alchymiae u. Alchymisten. (Published Magdeburg, 1597)

Bauer (Grosser und Kleiner) Anonym.: Aperta Arca Arcani Artificiosissimi etc. (Edition Frankfurt 1618)

Neander: Chymia Universa in Nuce (Reprinted Berlin 1921)

Silberer: Probleme der Mystik und ihrer Symbolik (Vienna and Leipzig, 1914)

Ruska, Julius: Tabula Smaragdina (Heidelberg 1926)

Conclusão
Enfim chegamos ao fim e conforme o prometido cito a conclusão do livro desse personagem
significativo e fértil intelectualmente, porém não muito lembrado, Herbert Silberer, na qual podemos
reconhecer um marcante sabor e um agradável aroma junguiano:
Para cada pessoa os símbolos representam sua propria verdade. Para cada um falam um
idioma diferente. Nada os esgota. Cada um busca seu ideal principalmente no desconhecido. Não
importa tanto qual ideal que se busca, mas sómente que se busque. O esforço mesmo, não o objeto
do esforço, constitue a base do desenvolvimento. Nenhum buscador começa sua viagem com pleno
conhecimento de sua meta. Sómente depois de muita circulação no ovo filosófico e sómente depois
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de muito passar pelo prisma das cores, amanhece essa luz que nos dá a vaga insinuação do
contorno do prototipo de todos os ideais menores. Quem deseje a esperança de uma saída exitosa a
este progresso, não deve esquecer um certo fogo suave que deve operar desde o princípio até o fim,
a saber, o Amor. A quem estes ensinamentos não animam, não merece ser homem.

Durmo de dia
Sonho de noite
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