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Clarice Lispector

Crônica: Das Vantagens de Ser Bobo

Instituto Educacional Santa Joana D’Arc – Cauan Eduardo Elias Schettini –


Número: 1 – Oitavo Ano – Disciplina: Português – Professora: Suely –
Entrega: 21/11/2017.
Biografia – Clarice Lispector
Nascida na Ucrânia, Clarice foi naturalizada brasileira. Recebeu o nome Haia
Pinkhasovna Lispector ao nascer, mas adotou Clarice quando veio para o
Brasil com os pais. Filha de Pinkouss e Mania Lispector, a escritora tem origem
judaíca e na época em que nasceu seus pais fugiam da perseguição ocorrida
durante a Guerra Civil Russa, entre os anos de 1918 e 1921.

Levada para o Brasil com apenas dois meses, Lispector se considerava


brasileira. Foi morar em Maceió com a família da tia, Zaina. O pai resolveu
mudar os nomes de todos da família, só uma irmã de Clarice, Tânia, manteve o
nome. A família depois foi viver em Recife.

O gosto pela escrita começou cedo, assim que aprendeu a ler. Clarice era
estudiosa e tinha conhecimento em várias línguas. A morte da sua mãe, em
1930, marcou a vida e a literatura da escritora, que colocava o sofrimento em
seus textos.

Foi morar no Rio de Janeiro quando tinha 15 anos. Na capital, cursou a Escola
de Direito na Universidade do Brasil, atualmente Universidade Federal do Rio
de Janeiro, mas não gostou do curso, a literatura era sua grande paixão. O
primeiro conto foi publicado na revista “Pan” em 1940, foi o conto “Triunfo”.

Clarice conheceu o homem que viria a ser seu marido na faculdade e começou
a namorar em 1942, ano de seu primeiro registro profissional, trabalhou como
redatora do “A Noite”. No ano seguinte, publicou “Perto do coração selvagem”,
seu primeiro romance. Pelo livro, recebeu o Prêmio Graça Aranha.

Depois da morte do pai, Clarice é chamada para trabalhar na Agência


Nacional, que distribuía notícias durante o Estado Novo da Era Vargas. O
convite foi feito pelo chefe do Departamento de Imprensa e Propagada, o órgão
de censura do governo.

Casou-se com Maury Gurgel Valente em 1943. O marido começou a carreira


diplomática, que obrigou a escritora a morar em diferentes países, como
Estados Unidos, Itália, Suíça e Inglaterra. O primeiro foi justamente a Itália, em
que atuou como assistente voluntária da Força Expedicionária Brasileira
durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1952, trabalha no jornal “Comício” e assina a “Entre Mulheres” com o


pseudônimo Tereza Quadros. No “Correio da Manhã”, já em 1959, escreve a
coluna “Correio feminino – Feira de utilizades” como Helen Palmer. Trabalhou
ainda como colunista no “Jornal do Brasil”. A escritora também fez traduções
para complementar a renda.
Lispector teve dois filhos, Pedro e Paulo, nascidos em 1948 na Suíça e em
1953 nos Estados Unidos, respectivamente. O primogênito foi diagnósticado
com esquizofrenia. Separada do marido em 1959, voltou a viver no Rio de
Janeiro.

Em 1966, Clarice provocou um incêndio em seu quarto e quase perdeu a mão


direita. A escritora dormiu com um cigarro aceso e precisou passar meses
internada. Os anos que se seguem são de depressão para Lispector, que ficou
com cicatrizes do incidente. Em 1974, devido a uma mordida de cachorro no
rosto, Clarice precisou ser operada por Ivo Pitanguy.

Por “Laços de Família”, uma de suas obras mais aclamadas, recebeu o Prêmio
Jabuti. A importante escritora era amiga de intelectuais como Samuel Wainer,
Rubem Braga, Fernando Sabino, Lúcio Cardoso. Otto Lara Resende chegou a
afirmar: "Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas
de bruxaria".

Movimento Literário
A autora pode ser classificada como modernista, faz parte, mais
especificamente, da 3ª fase do modernismo ou geração de 45. A terceira fase
do Modernismo, também chamada de Geração de 45 ou Pós-Modernismo, é
marcada pela profundidade reflexiva. Enquanto a segunda fase se preocupava
com o homem coletivo, o Pós-Modernismo explorou o “eu” individual, mas sem
perder de vista as questões sociais. Sobressaem o intimismo e a sondagem
interior de Clarice Lispector e o regionalismo universalista e a consciência
estética (experimentalismo) de Guimarães Rosa.

Estilo
O seu estilo é marcado pela inovação, Clarice introduz características novas à
literatura nacional. Os textos colocam em foco o inconsciente, na literatura da
escritora os sentimentos e sensações dos personagens são muito importantes.
A obra de Lispector apresenta características intimistas, o indivíduo, com seus
questionamentos e sua intimidade, é a peça mais importante.

A representação do pensamento não é feita de forma linear, é livre e


desordenada. É possível ainda identificar a instrospecção na técnica de
desenvolvimento de texto. O mais importante na construção do texto não é a
correção gramatical e sim a expressividade.

Obra
O objetivo de Clarice, em suas obras, é o de atingir as regiões mais profundas
da mente das personagens para aí sondar complexos mecanismos
psicológicos. É essa procura que determina as características especificas de
seu estilo.

O enredo tem importância secundária. As ações - quando ocorrem - destinam-


se a ilustrar características psicológicas das personagens. São comuns em
Clarice histórias sem começo, meio ou fim. Por isso, ela se dizia, mais que uma
escritora, uma "sentidora", porque registrava em palavras aquilo que sentia.
Mais que histórias, seus livros apresentam impressões.

Predomina em suas obras o tempo psicológico, visto que o narrador segue o


fluxo do pensamento e o monólogo interior das personagens. Logo, o enredo
pode fragmentar-se. O espaço exterior também tem importância secundária,
uma vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens.
Características físicas das personagens ficam em segundo plano. Muitas
personagens não apresentam sequer nome.

As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo


absurdo; esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado - pelo
menos inusitado para a personagem. Aí ocorre a “epifania”, classificado como o
momento em que a personagem sente uma luz iluminadora de sua consciência
e que a fará despertar para a vida e situações a ela pertencentes que em outra
instância não fariam a menor diferença.

Esse fato provoca um desequilíbrio interior que mudará a vida da personagem


para sempre.

Para Clarice, "Não é fácil escrever. É duro quebrar rochas. Mas voam faíscas e
lascas como aços espelhados". "Mas já que se há de escrever, que ao menos
não se esmaguem com palavras as entrelinhas". "Minha liberdade é escrever.
A palavra é o meu domínio sobre o mundo."

Romances
Perto do Coração Selvagem, RJ, A Noite, 1944.

Lustre, RJ, Agir, 1946.

A Cidade Sitiada, A Noite, 1949.

A Maçã no Escuro, RJ, Francisco Alves, 1961.

A Paixão Segundo G.H., RJ, Francisco Alves, 1964.

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, RJ, Sabiá, 1969.

A Hora da Estrela, RJ, José Olympio, 1977.


Contos e crônicas
Laços de Família, RJ, Francisco Alves, 1960.

A Legião Estrangeira, RJ, Ed. do Autor, 1964.

Felicidade Clandestina, RJ, Sabiá, 1971.

A Imitação da Rosa, RJ, Artenova, 1973.

A Via-Crucis do Corpo, RJ, Artenova, 1974.

A Bela e a Fera, RJ, Nova Fronteira, 1979.

Literatura infantil
Mistério do Coelho Pensante, RJ, J. Álvaro, 1967.

A Vida Íntima de Laura, RJ, Sabiá, 1974.

A Mulher que Matou os Peixes, RJ, Sabiá, 1969.

Quase de Verdade, RJ, Rocco, 1978.

Crônica: Das Vantagens de Ser Bobo


Das Vantagens de Ser Bobo

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o
mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas.
Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou
pensando."

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se


lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade,
espontaneamente lhe vem a ideia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os


espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem
diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo
ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No
entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de


um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele
disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a
Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.
Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o
aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia
comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé,
não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à
noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O
bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma
punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê.
César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo
tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por
bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é
que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos
outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos
porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam
que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo
com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo.
Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase
impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é
capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Resumo da Obra
O eu-lírico começa o texto com explicações sobre o que é ser bobo. A autora
faz uma diferenciação entre bobo e burro, e bobo e esperto, demostrando
desvantagens e vantagens de ser bobo através de exemplos cotidianos. Ao
fim, Clarice faz uma associação do amor ao bobo.

Personagens
O bobo, os espertos, a boba. O bobo é uma pessoa que foge a regra, por não
se importar com coisas triviais como a ambição. Eles conseguem realmente
viver a vida e torná-la uma obra de arte, mesmo existindo desvantagens.
Apesar de serem ingênuos, podem ver mais que outras pessoas, eles podem
sentir o mundo. Já os espertos são apenas robôs do mundo moderno, aqueles
que se preocupam com suas ocupações rotineiras para se tornarem ricos.
Como também não conseguem viver a vida como uma obra de arte, pois
sempre a verão como uma competição. Além disso, a autora insere a
intertextualidade. Fazendo referência ao escritor russo, Fiódor Dostoiévski,
autor de: Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov ou Memórias do Subsolo.
Também ao chefe militar e ditador romano Júlio César, a citação remete à sua
morte, que foi feita por um grupo de 60 senadores liderados por Marcus Julius
Brutus, seu filho adotivo: “Até tu, Brutus”. Além desses, a autora insere o
estado brasileiro, Minas Gerais, e o personagem bíblico Jesus Cristo.

Tempo
A autora utiliza o tempo psicológico ou metafísico, ou seja, não obedece à
cronologia e o eu-lírico discorre no interior de si mesmo, de acordo com
vivências cotidianas, angustias e ansiedades sobre o que é ser bobo, suas
desvantagens e vantagens.

Espaço
Como o eu-lírico discorre sobre a questão do que é ser bobo, ele cita alguns
lugares como: Gávea, bairro do Rio de Janeiro e Minas Gerais, estado
brasileiro.

Foco Narrativo
Foco narrativo em terceira pessoa, narrador onisciente.

Vocabulário
A autora possui um estilo intimista em relação as suas obras. Nessa obra,
Clarice discorre sobre a questão de ser bobo. Portanto, utiliza um vocabulário
que faz diversas referências à histórias cotidianas, como também a
intertextualidade com figuras históricas. Além disso, utiliza-se a palavra “bobo”
em diversas partes do texto, justamente para explicar as vantagens e
desvantagens dessa categoria.

Crítica
Particularmente eu gostei da crônica. O estilo de Clarice Lispector acerca de
fatos cotidianos é bem interessante, pois ela consegue a partir daí nos fazer
uma reflexão filosófica e existencial sobre nossa própria vida. Em relação à
essa crônica, a autora nos faz perceber que rumo estamos levando em nossa
própria vida, se estamos sendo os bobos ou os espertos. E quais as vantagens
e desvantagens de ser cada um dos dois.
Podemos citar, por exemplo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche que tem
muito à ver com o sentido que a crônica nos passa. Nietzsche baseia sua
filosofia, principalmente, em o que ele chama de: Vontade de Potência.

Clarice Lispector, mostra na crônica que o bobo é aquele que não segue as
regras estabelecidas pela sociedade, e consegue, assim, ser original. Portanto,
conseguindo tornar a vida uma obra de arte, ou seja, um sentido.

A filosofia Nietzschiana é isso. Ele parte, principalmente, da filosofia ocidental


começando com a metafisica de Platão, Sócrates e Aristóteles. E a partir daí
tira um parâmetro sobre a moral e a existência humana.

Nietzsche diz que antes da metafisica surgir, portanto, o período pré-socrático


e Homérico, era a verdadeira vivência. Quando começou a surgir a metafisica
na Grécia, também surgiu um pensamento racional. Esse pensamento racional,
diz Nietzsche, é uma negação da vida – o que ele chama de niilista – aquele
que age racionalmente diante das questões da vida é um negador. Ele nega os
desejos, as vontades, os instintos e diversas outras coisas naturais e,
sobretudo, coisas afirmadoras da vida. Essa é a vontade de potência, uma
vontade criadora e afirmadora da vida. Onde afirma todos seus instintos, e não
obstante, sempre busca o aumento de sua vontade. Desse modo, Nietzsche
faz diversas criticas ao mundo moderno e a moral convencional. Em relação a
moral, nos podemos ver como ela seria um motivo de decadência segundo a
sua filosofia. Pois, justamente a moral é que nos para, ela que não nos deixa
fazer o que queremos. Logo, ela não nos deixa agir institivamente, e portanto, é
uma negação da vida. Em relação ao mundo moderno, Nietzsche exemplifica o
surgimento da ciência moderna com seu pensamento racional. Uma das
famosas frases dele: “Deus, está morto”, como muitos devem pensar, não diz
que Deus não existe, pois para morrer ele precisa existir. Em vez disso, na
verdade, ela diz que a ciência e o pensamento racional matou o pensamento
religioso. Isso quer dizer: no mundo moderno não precisamos mais de Deus
para curar as doenças, entre outras coisas... A ciência o substituiu. Para
Nietzsche, tanto a religião cristã que prega valores morais, e portanto a
negação da vida, tanto o pensamento racional moderno que prega a
racionalidade, logo, a negação dos instintos são coisas decadentes.

Diante disso, Nietzsche cria um novo homem: o Übermensch, que em


português fica “além do homem”. Esse Übermensch é um novo homem, pois
para Nietzsche o homem sempre evoluiu, e portanto, ele deve ser algo a ser
superado. Este homem irá matar a moral e, por conseguinte, conseguir viver a
vida pelos instintos. A partir daí Nietzsche também defende a arte, como
Schopenhauer, sendo ela uma forma de Vontade de Potência, vontade
criadora, e consequentemente, devemos ver a vida como uma obra de arte.

Exemplificado o pensamento de Nietzsche, Clarice Lispector também prega os


mesmos valores nessa crônica. Onde o bobo seria o Übermensch, portanto,
aquele que vê a vida como uma obra de arte. Já o esperto, seria um negador
da vida – niilista.

Além dessa visão de Nietzsche, também podemos exemplificar a visão do


filósofo Jean- Paul Sartre. Esse filósofo existencialista, prega uma originalidade
acerca da nossa existência. Assim dizendo a frase: “A existência precede a
essência”. Isso mostra que primeiro precisamos existir, e depois criaremos um
sentido para a existência. Portanto, não existe uma essência imutável ao ser
humano. Um livro, por exemplo, é ao contrário: A essência precede a
existência. Isto é: primeiros pensamos no sentido do livro, como iremos fazer,
quais ideias iremos colocar, etc... E depois criaremos ele, passará a existir. Já
no ser humano, isso não existe. Ninguém nasce jogador de futebol ou
advogado, não existe uma essência anteriormente da existência estabelecida.
Portanto, nós criamos nós mesmos. Nós fazemos da vida o que queremos
dela, dado que nós somos livres e portanto responsáveis por tudo que
fazemos. E isso, segundo Sartre, nos leva à angustia. “Estamos condenados à
ser livres.” Além disso, sempre que tentamos nos encontrar em caixinhas do
sentido existencial, estamos entrando em uma massa anônima chamada: má-
fé. Não estamos agindo com originalidade, não criamos uma essência, e sim
pegamos a essência de algo anteriormente estabelecido.

Relacionando com a crônica de Clarice, nós podemos perceber essa


originalidade acerca da existência do bobo. Ou seja, o bobo cria sua essência.
Já o esperto entra na massa anônima do mundo moderno, e se encaixa nessa
essência anteriormente estabelecida. Age de má-fé.

Mensagem
A mensagem principal do texto, é nos mostrar as vantagens e desvantagens de
ser bobo e esperto. De agir pelos instintos e criamos nos mesmos, ou agir pela
racionalidade e nos encontrar em caixinhas anteriormente estabelecidas.

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o
mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas.
Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou
pensando.”

Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se


lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade,
espontaneamente lhe vem a ideia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os


espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem
diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo
ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No
entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de
um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele
disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a
Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.
Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o
aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia
comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé,
não desconfiar, e portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à
noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O
bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma
punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê.
César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?”

Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo
tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por
bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é
que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos
outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos
porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam
que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo
com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo.
Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase
impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é
capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

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