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Estudo da obra – A Hora da Estrela / Clarice Lispector - Parte I

Prof.: Haroldo Prates

Haroldo Prates

A Hora da Estrela
de
Clarice Lispector
“Entre a palavra e o silêncio, entre o que diz e o que está implícito em seu dizer, situa-se o texto de Clarice. ”
(Berta Waldman)

CLARICE Em 1976, Clarice recebeu um convite para


representar o Brasil no Congresso Mundial de Bruxaria, em
Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de Bogotá, na Colômbia. Clarice foi, pois, afinal, fazia jus ao
1920, na pequena cidade de Tchetchelnik, na Ucrânia. Em que muitos espalhavam sobre ela: uma mulher solitária,
1925, a família veio para o Brasil, instalando-se em Alagoas, esquisita.... Mas foi, sobretudo, porque as coisas misteriosas
mudando-se depois para Pernambuco. Clarice passou sua a atraíam, sempre foi supersticiosa, um tanto mística.
infância em Recife. Em primeiro de novembro de 1977, Clarice dirigiu-
Aos nove de idade, Clarice perdeu a mãe. Mais tarde, se a um médico para fazer exames. Não se sentia bem. O
já na década de 40, morando no Rio de Janeiro, entrou para a diagnóstico foi cruel: câncer generalizado. Não havia mais
Faculdade Nacional de Direito, trabalhando, ao mesmo nada a fazer. Foi internada no dia 16 de novembro para um
tempo, como redatora da Agência Nacional. Em seguida, tratamento impossível. Pressentira o seu próprio fim: tirou
passou a trabalhar no jornal A noite e começou a escrever o relógio e um amuleto de cobre que lhe eram inseparáveis
com muita angústia o romance Perto do coração selvagem. A e os entregou à amiga Olga Borelli, dizendo que não ia mais
angústia vinha mesmo em função da própria escrita do precisar deles. Clarice morreu no dia 9 de dezembro de
romance, pois as idéias a perseguiam a qualquer hora, na 1977, um dia antes de seu aniversário.
rua, no jornal, na faculdade. Este método então passou a Revela Olga Borelli que, na véspera da morte, Clarice estava
marcá-la para sempre, como mais tarde comentaria sua no hospital e teve uma hemorragia muito forte. Ficou muito
biógrafa e amiga, Olga Borelli: Clarice tomava notas em branca e esvaía em sangue. Desesperada, levantou-se da
lanchonetes, em guardanapos; no cinema, em maços de cama e caminhou em direção à porta, querendo sair do
cigarros. Clarice ia construindo suas obras quarto. Nisso, a enfermeira impediu que ela saísse. Clarice
fragmentariamente. olhou com raiva para enfermeira e, transtornada, disse: -
Em 1943, terminou Perto do coração selvagem, Você matou meu personagem!
publicando-o no ano seguinte. Também 1944 viria a ser o
ano de sua formatura e o de seu casamento com um colega CLAREANDO CLARICE
de faculdade: Maury Gurgel Valente. Pelo fato de o marido ter
seguido a carreira diplomática. Clarice viveu cerca de quinze A obra de Clarice Lispector filia-se ao Modernismo.
anos fora do Brasil. Em 1946, publicou O Ilustre ; em 1949, A A autora é considerada uma das maiores ficcionistas da
cidade sitiada. nossa literatura. Seu universo ficcional, na verdade, é
Em 1949, Clarice teve o seu primeiro filho, Pedro. bastante comum: a luta interior da humanidade para
Por ter de escrever e cuidar do filho ao mesmo tempo, racionalizar a própria existência. Mas a sua narração,
inventou um novo sistema de trabalho: com a máquina no pessoal e fluente, dá à autora papel diferenciado entre os
colo, sentada no sofá, escrevia enquanto cuidava do bebê. grandes e consagrados escritores do nosso tempo.
Passou a escrever contos e publicou os primeiros com o título Todas as suas produções, romances ou contos,
de Alguns contos, em 1952. exibem, indiferentemente, um intimismo em que a nota
Seu segundo filho, Paulo, nasceu em Washington, abafada de angústia ante a condição humana nega a
onde a escritora morou durante oito anos. Em 1956, publicou esperança de um termo de autoflagelação, como diria o
A maçã no escuro. Lançou, em 1960, a coletânea de contos crítico Malcon Silverman. Já Affonso Romano comenta que: o
Laços de família e, ironicamente, separou-se do marido. texto de Clarice, mesmo numa primeira leitura, evidencia
De volta ao Brasil, passou a morar no Rio. Várias um universo simbólico que só acidentalmente está voltado
vezes reeditada e nessa época traduzida para o inglês, o para a “realidade” tal como ela é codificada e definida pela
francês, o alemão, o tcheco e o espanhol, Clarice tornou-se comunidade. Seu texto desinteressa-se dos referentes
uma escritora plena. Em 1964, publicou dois livros: A legião externos. A geografia e a história, se referidas, o são
estrangeira e A paixão segundo G.H. acidentalmente. Sua literatura não é realista, mas simbólica,
Clarice ainda contribuiu para a literatura infanto- na medida em que o texto é o instaurador de seus próprios
juvenil, escrevendo os seguintes livros: O mistério do referentes e não se interessa em refletir o mundo exterior de
coelhinho pensante, A mulher que matou os peixes, A vida um trabalho mimético.
íntima de Laura e Quase de verdade. Clarice criou uma espécie de ficção que vai mais
Distraída, fumando na cama antes de dormir, deixou longe, retratando não apenas o mundo diferente, mas antes
o cigarro aceso e acordou com o quarto em chamas, o que como observa Massaud Moisés, uma “cosmovisão”. Ela capta
lhe provocou queimaduras na mão direita e nas pernas. ou captura, de forma poética, um dado instante e extrai dele
Recuperada após cirurgias de enxerto na perna, continuou a o seu universo, ou melhor, o que lhe é universal. Há em
escrever. Seus últimos anos de vida foram dedicados à suas narrativas o entrelaçamento entre o lirismo e a
produção de seus livros que, no dizer da crítica, foram os filosofia, que minimiza os demais fatores, tornando, de certa
mais bem elaborados: A hora da estrela e Um sopro de forma, esses demais fatores meros artifícios a girarem em
vida. Em 1969, ganhou o prêmio Golfinho de Ouro pela redor do tema da história, e só perifericamente participando
coletânea de contos Felicidade clandestina (que só seria do desenvolvimento da “ação” de suas narrativas. Dessa
lançada dois anos mais tarde) e publicou Uma aprendizagem forma, a trama é, num sentido convencional, insignificante
ou o livro dos prazeres, narrativa que se inicia com um ponto- nas suas narrativas. Os seus trabalhos são concebidos de
e-vírgula e termina com dois pontos. dentro para fora.

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EPIFANIA de mundos interiores, fazendo das mesmices e dar


convencionalismos.
Uma característica largamente encontrada nas Suas obras são caracterizadas por sinais
narrativas de Clarice é a presença da epifania, uma espécie imploráveis da separação das linguagens, da multiplicação
de fusão entre o “eu” e o mundo, uma das imagens, da avaliação dos atos, da iluminação brutal do
revelação/experimentação casuística que, em certos termos, cotidiano, da recuperação dos objetos, do questionamento
transforma o individuo. No âmbito da religião, a epifania do existir, da investigação dos desejos, da não construção
estaria ligada ao aparecimento de uma divindade ou a uma da ordem e da boa consciência da invasão da zona do
manifestação espiritual. No entanto, comenta Affonso sagrado.
Romano que, aplicado à literatura, o termo significa o relato As construções das personagens dos romances de
de uma experiência que a princípio se mostra simples e Clarice possuem um sentido amplo, já que são seres
rotineira, mas que acaba por mostrar toda a força de uma humanos comuns e incomuns em busca de revelação de
inusitada revelação. É a percepção de uma realidade mundos interiores e desconhecido até então. Esses
atordoante quando os objetos mais simples, os gestos mais indivíduos precisaram se libertar dos laços sociais e de toda
banais e as situações mais cotidianas comportam iluminação e qualquer convenção e assim criar o seu próprio espaço.
súbita na consciência dos figurantes, e a grandiosidade do Essa libertação acontece por uma abertura da consciência
êxtase pouco tem a ver com o elemento prosaico em que se para momentos luminosos, que acontecem por intuição ou
inscreve a personagem. pela adivinhação.
Em hora da Estrela essa revelação ou libertação só
A LINGUAGEM DE CLARICE aparece através de um rápido pensamento existencial da
protagonista final, momentos antes da morte: “Agarrava-se
Clarice Lispector, no dizer da crítica, tem uma língua a fiapo de consciência e repetia mentalmente sem cessar: eu
individualizada. A sua escrita se repete e essa repetição é o sou, eu sou, eu sou. Quem era, é que não sabia”.
seu modo de construção. Diz a própria autora que escrever é Macabéa é um exemplo bem acabado disso, pois, ela
procurar esse modo, esse estilo, que já foi chamado de várias está inconsciente de si mesma, alienada de qualquer
coisas, mas não do que realmente apenas é: uma procura realidade interior ou exterior. O seu estado de consciência
humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu representa um refúgio para real identificação com um
problema é muito mais grave: é o de concepção. A repetição mundo melhor, mais feliz, e com sua verdadeira
passa a ser um recurso natural da autora, que observa: a personalidade. Ela não pensa em futuro e, de repente, por
repetição me é agradável, e repetição acontecendo no causa das palavras de uma cartomante, vê se diante de um
mesmo lugar termina cavando pouco a pouco, cantilena futuro que desconhecia. Esse momento mágico de
enjoada, diz alguma coisa. descoberta é uma das características das obras de Clarice,
A repetição em Clarice está presa a um processo de chamado epifania.
firmar a procura. Por isso, talvez, a expressão, enquanto Quando Macabéa "descobre" esse futuro, fica atenta
processo formal, não lhe interesse. O que lhe interessa é a em todos os sentidos e assim sai para descobrir o mundo
concepção geral, a pesquisa interior. Para ler entender verdadeiro que desconhecia, mas se decepciona com o
Clarice, é preciso ter uma visão de conjunto, de concepção, choque desta vida nova, descoberta, e a impossibilidade de
não ficando estritamente preso a elementos pequenos ou realização do futuro, que acaba resultando na morte.
particulares da frase. A epifania está ligada a náusea, outra característica
A presença constante de paradoxos e de abstrações freqüente na obra de Clarice. A revelação da verdade
inusitadas em suas narrativas confirma a impossibilidade de conduz, por assim dizer, à essência de si mesmo e ao
se medir sua frase pela lógica comum, pela semântica da desprezo pelo mundo que guarda o verdadeiro crescimento
simplicidade. Suas narrativas são uma espécie de reflexo de interior. É uma reação inconsciente da personagem.
uma verdade impossível de ser configurada, não obstante O que causa a náusea na presente obra é a vida
insistentemente projetadas aos olhos ávidos de uma visão miserável levada por Macabéa.
epifânica, observa Affonso Romano de Sant’Anna. Através da náusea, há uma recusa do mundo em
decomposição que nos cerca, ou uma fuga, que se manifesta
ESTILO DA AUTORA E SUA RELAÇÃO COM A OBRA pela vontade de vomitar. Não é uma reação física, mas
psíquica.
Clarice Lispector não se preocupava em fazer uma Clarice também emprega comparações das
literatura documental. Seus romances apresentam uma personagens com trechos, o que representa uma forma de
renovação em todos os sentidos. associação com as origens animais dos homens. Macabéa
As obras de Clarice são romances sem ação externa, está muito próxima da inconsciência dos trechos, pois, não
voltada para o interior dos personagens, sendo chamados de sabe o que faz neste mundo.
romances de tensão interiorizada.
Clarice era adapeta ao existecualismo, corrente SÍNTESE DO ENREDO
filosófica que coloca a análise da existência no centro de suas
especulações. Sua obra possui um caráter de introspecção, Rodrigo S.H. é narrador e pseudo-autor de "A Hora
onde a autora mergulha em si mesma através de da Estrela". Pseudo-autor porque, na verdade, é Clarice
personagens construídas a partir de dores e angústia de seres Lispector a verdadeira autora da obra.
humanos diante de um mundo que não os levas a realização A estória de Rodrigo (Clarice Lispector) tem como
plena de todos os seus desejos e sonhos. protagonista uma moça nordestina de 19 anos, que veio do
As personagens das obras de Clarice são, portanto, Sertão de Alagoas para o Rio de Janeiro, seu nome é
verdadeiras elaborações existencialistas que refletem Macabéa.
questões individuais e coletivas das grandes massas no Macabéa surgiu de relance na vida de Rodrigo,
universo mínimos de cada indivíduo.O livro A Hora da Estrela numa rua do Rio de Janeiro.
é uma narrativa única, uma verdadeira leitura da própria arte O narrador mostra Macabéa como uma coitada e,
literária dentro de um mundo onde a arte parece representar de certa forma, sente-se responsável pela precaridade da
muito pouco diante da fome, do medo, da dor coletiva dos vida dela. Mesmo afirmando não sentir piedade da moça,
milhares de humilhados e ofendidos do nosso mundo real. A Rodrigo não consegue esconder seus sentimentos, e seu
linguagem de Clarice fundamenta um processo de descoberta relato sai carregado de sofrimento e angústia.

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Antes de começar a contar sobre a vida de Macabéa culpada, em função das imposições morais e sociais
propriamente dita, o narrador revela uma série de coisas, transmitidas pela tia.
como se estivesse conversando com o leitor, justificando o Certo dia, Macabéa mentiu para o patrão que iria
fato dele estar escrevendo esse livro. Rodrigo conta, por arrancar um dente e que então, não poderia ir trabalhar. Na
exemplo, que sente necessidade de contar a história da verdade, deu-se o direito de ficar sem fazer nada. Neste
nordestina porque ela (a história) lhe sufoca; depois, revela mesmo dia, à tarde, ela arrumou um namorado. Estava
que escreve porque ele está desesperado, cansado, e que caindo uma chuvinha mansa, e o moço a convidou para dar
escrevendo ele alcança novidades, e sem isso, uma volta. Ele perguntou qual era a graça dela, e ela
provavelmente, ele teria morrido simbolicamente todos os respondeu: "Macabéa" (até então o leitor não tinha
dias. Rodrigo também revela que, por estar escrevendo sobre conhecimento do nome da protagonista da obra). O moço
a vida de uma pessoa tão simples, ele está de barba, achou estranho o nome, e ela explicou que sua mãe a
vestindo roupas rasgadas, e durante o período em que se escolheu como pagamento de uma promessa (se a menina
dedica a esses livros, ele nem pensa, muito menos sexo e vingasse se chamaria Macabéa).
futebol, nem lê qualquer livro, para que nada o influencie. O nome do namorado de Macabéa, que também era
Em meio às revelações que faz (inclusive alguma nordestino, era Olímpico de Jesus, mas ele se dizia chamar
foram mencionadas anteriormente), Rodrigo (narrador e Olímpico de Jesus Moreira Chaves. Ele era operário de uma
falso-autor) começa a contar sobre a vida de Macabéa. A metalúrgica, mas se dizia metalúrgico. As únicas coisas que
condição de vida dela é igual à de milhares de nordestinos os dois tinha em comum eram: a origem; a infância sofrida
que vivem no Rio ou em outras grandes cidades, sendo que tiveram; e a vida difícil que enfrentam numa terra
sufocados por elas. São pessoas completamente estranha (Rio de Janeiro). Enquanto Macabéa é introvertida
"substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam", e não tem perpectivas; Olímpio é extrovertido e ambicioso,
são pessoas que não sabe se quer reclamar da sua condição almeja se tornar deputado e fazia de tudo para subir na vida
de miséria humana e moral. (em sua terra natal ele já havia matado um homem).
Os pais de Macabéa morreram de "febre ruim" no Com mania de grandeza, um dia, Olímpico quis
Sertão de Alagoas, quando ela tinha apenas dois anos de provar o quanto era forte. Então, levantou Macabéa em um
idade. Macabéa foi criada por uma tia muito ruim, uma beata braço, mas não agüentou. Macabéa caiu de cara na lama e
que a maltratava. machucou o nariz. Olímpico nem ligou, e Macabéa se
Macabéa e a tia mudaram-se para o Rio de Janeiro, desculpou, disse a ele para não se preocupar. Por aí se
onde a beata arrumou um emprego para a sobrinha, numa percebe o quanto Olímpico era ruim e o quanto ele judiava
pequena firma. de Macabéa, mas, mesmo assim, ele era "sua única conexão
A tia de Macabéa morre. Quando isso acontece, a atual com o mundo".
pobre nordestina vai morar num quarto que divide com mais Macabéa adorava ouvir a "Rádio Relógio" num rádio
quatro moças, balconistas das "Lojas Americanas". emprestado, e sua inocência fica muito evidente neste
Macabéa morava na rua do Acre e trabalhava na rua trecho: "Ouvia na Rádio Relógio que havia sete bilhões de
do Lavradio. Ela "só tinha o terceiro ano de primário" e era pessoas no mundo. Ela se sentia perdida. Mas com a
datilógrafa. No trabalho, Macabéa datilografava muitas tendência que tinha para ser feliz logo se consolou: havia
palavras erradas, porque as datilografava de maneira como sete bilhões de pessoas para ajuda-la".
elas são pronunciadas, e em função disso, seu patrão, Seu Olímpico começa a se enteressar por Glória, colega
Raimundo, disse que ela seria despedida. Macabéa, com de trabalho de Macabéa. Ela tinha todos os atributos que
delicadeza pediu desculpas ao patrão pelo transtorno. Ao ver Olímpico e muitos outros homens desejavam: era loura
a reação da moça, Raimundo disse que ela só seria demitida (embora falsa) e tinha muita "carne".
mais adiante. Olímpico terminou tudo com Macabéa, dizendo que
Rodrigo diz que, ela "vivia em tanta mesmice que de ela era um "cabelo na sopa". Ele pediu desculpa se a
noite não se lembrava do que acontecera de manhã". ofendeu, mas quem ele queria mesmo era Glória. Por ser
Às vezes, de madrugada, quando ouvia o galo "carioca da gema" e por outros motivos, Glória representava
cantar, ela sentia saudades do sertão. De madrugada um meio através do qual Olímpico poderia conseguir
também, quando sentia fome, ela mastigava um pedaço de ascensão social.
papel pensando que era uma coxa de vaca. Por aí se percebe Com o fim do namoro a reação de Macabéa foi rir.
o estado de miséria, as condições subhumanas em que vivem "Ria por não se lembrar em chorar". Este comportamento da
Macabéa e tantos outros retirantes nos grandes centros moça foi, mais uma vez, de conformismo. Ela não sabia falar
urbanos. "Quando acordava não sabia quem era. Só depois é ou lutar pelo que queria, aliás, ela não sabia bem ao certo o
que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e que queria.
gosto de coca-cola. Só então se vestia de si mesma, passava Depois do término do seu relacionamento com
o resto do sai representando com obediência o papel de ser". Olímpico, Macabéa resolveu se dar uma festa, já que
Macabéa possuía alguns luxos: tomar café frio, o ninguém lhe dava. Ela comprou um batom vermelho e, no
qual lhe dava azia; ir ao cinema uma vez por mês; e pintar as serviço, lambuzou a boca para ficar parecida com sua ídola,
unhas de vermelho. Marylin Monroe. Quando contou à Glória que gostaria de ser
Sempre quando ia comer, Macabéa tinha enjôos, isso parecida com Marylin, Glória riu até perder o fôlego. O sonho
porque, certa vez, quando era pequena, ela descobriu que impossível de Macabéa de se tornar uma estrela de cinema
havia comido carne de gato. Então, mesmo depois de grande, parece a única fantasia que ela se permitiu.
quando ela se lembrava desse fato, era difícil dela conseguir Glória depois de ter roubado o namorado de
comer (isso quando ela tinha o que comer). Macabéa, parece tomada por um certo sentimento de culpa,
Embora a tia de Macabéa tivesse encaminhado a então se aproxima da moça.
sobrinha para a religião, a moça, logo que a tia morreu, não Na verdade, depois do término de seu namoro com
mais freqüentou a igreja. Macabéa, antes de dormir rezava Olímpico, Macabéa via em Glória sua única conexão com o
mecanicamente, mas não acreditava em Deus, porque como mundo.
ela não sabia quem era Deus, então para ela, ele não existia. Seguindo os conselhos de Glória, Macabéa vai
Portanto, a tia de Macabéa transmitiu a ela os conceitos visitar um "médico de pobre". Grosseiro, o médico receita
religiosos, mas não conscientizou a moça dos mesmos. um tônico, que Macabéa acaba não comprando. Ela achava
Às vezes, enquanto dormia, Macabéa sonhava com que indo ao médico bastava para se curar.
sexo, e mesmo tal sonho tendo sido bom, ela se sentia muito Novamente seguindo os conselhos de Glória,
Macabéa toma dinheiro emprestado da mesma e vai visitar

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uma cartomante, Madame Carlota pede que Macabéa corte o por ela), rouba o namorado da amiga. Na página 59 do livro
monte de baralhos. A vigarista começa a falar sobre o há uma ótima descrição desta personagem: “Glória possuía
passado da moça. Madame Carlota disse que, pela vida da no sangue um bom vinho português e também era
moça ser uma tragédia, ela nem iria cobrar. Mas, Macabéa amaneirada no bamboleio do caminhar por causa do sangue
fez questão de pagar. Com o dinheiro em mãos, a cartomante africano escondido. Apesar de branca, tinha em si a força da
mudou seu comportamento: disse uma porção de coisas boas mulatice. Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos crespos
à moça, que sua vida iria mudar para melhor e que ela cujas raízes estavam sempre pretas. Mas mesmo oxigenada
(Macabéa) iria, naquele mesmo dia, conhecer um gringo ela era loura, o que significava um degrau a mais para
muito rico, meio alourado, com o qual ela iria se casar. Nesse Olímpico. (...) apesar de feia, Glória era bem alimentada. E
ponto é importante ressaltar a intertextualidade com o conto isso fazia dela material de boa qualidade.”
"A Cartomante; de Machado de Assis".
Macabéa, quando saiu da cartomante, estava “Glória roliça, branca e morna. Tinha um cheiro
"grávida de futuro". "Sentia em si uma esperança tão violenta esquisito. Porque não se lavava muito, com certeza.
como jamais sentia tamanho desespero". Até para atravessar Oxigenava os pêlos das pernas cabeludas e das axilas que
a rua ela se sentia diferente, e justamente ao atravessar a não raspava. Olímpico: será que ela é loura embaixo
rua, Macabéa é atropelada por um luxuoso Mercedes Benz. também?” (p. 63)
Nesse momento, muitas pessoas se aglomeraram em torno
de Macabéa. Esta é "a hora da estrela", finalmente ela é Seu Raimundo Silveira: chefe da firma de
reconhecida. Com ela morre também o narrador, identificado representante de roldanas, é o responsável pela demissão
com a escrita do romance que se acaba. de Macabéa, pois ela errava demais na datilografia, além de
sujar invariavelmente o papel.
AS CRIATURAS DE CLARICE A tia: beata que cria Maca após a morte da mãe
menina, quando tinha dois anos de idade. “Muito depois fora
A caracterização das personagens é um fator com a tia beata, única parenta sua no mundo. Uma outra
secundário na obra de Clarice, pois de acordo com Benedito vez se lembrava de coisa esquecida. Por exemplo a tia lhe
Nunes, só existem do pescoço para cima: o que elas pensam dando cascudos no alto da cabeça porque o cocoruto de uma
e sentem é muito mais importante do que aquilo que fazem, cabeça deveria ser, imaginava a tia, um ponto vital. (...)
e, por sinal, toda a “ação” é, por que não, gratuita. O crítico Batia mas não era somente porque ao bater gozava de
ainda comenta que o que a interessa a Clarice Lispector não grande prazer sensual — a tia não se casara por nojo — é
são os indivíduos em si, mas a paixão que os domina, a que também considerava de dever seu evitar que a menina
inquietação que os conduz, a existência que os subjuga. viesse um dia a ser uma dessas moças que em Maceió
Em acréscimo, o crítico Affonso Romano aconselha a ficavam nas ruas de cigarro aceso esperando homem.” (p.
não analisar as personagens de acordo com um critério 28)
puramente onomástico, isto é, de acordo com as implicações As quatro Marias: Maria da Penha, Maria
simbólicas de seus nomes como se deve atentar na análise de Aparecida, Maria José e Maria apenas eram as colegas de
personagens de Guimarães Rosa, por exemplo. quarto da nordestina. Uma delas trabalhava vendendo
produtos de beleza Coty.
AS PERSONAGENS Madama Carlota: a cartomante que prevê o futuro
reluzente de Maca. Trata-a com um carinho que ninguém
Com um falso livre-arbítrio, o narrador da narrativa jamais dirigiu à protagonista. “Era enxundiosa, pintava a
decide que serão “uns sete (...) e eu sou um dos mais boquinha rechonchuda com vermelho vivo e punha nas faces
importantes deles, é claro.” (p. 13) oleosas duas rodelas de ruge brilhoso. Parecia um bonecão
Macabéa: nordestina (alagoana) que migra para o de louça meio quebrado.”(p. 72). Durante a consulta, a
Rio de Janeiro, é a protagonista da narrativa. Datilógrafa, cartomante comia um bombom atrás do outro
“toda fome e deserto”, Macabéa (Maca, como o narrador compulsivamente. Trabalhara na zona e, sem poder ser
passa a chamá-la no decorrer da história) tem o heroísmo diferente da realidade que conhecemos, sustentara um
dos seus irmãos bíblicos, os sete macabeus. Seu nome é cafetão, a quem amava. Tornara-se cafetina quando
grafado quase como escreve-se “maçã”, símbolo da tentação, começara a engordar e perder os dentes. O narrador coloca
só que, como não poderia deixar de ser, sem os adornos da Madama Carlota como o ponto alto da existência de
palavra indicadora da fruta. A personagem principal do livro Macabéa, já que seria a informante do seu futuro, que
mal tem consciência de existir, mas tem um desejo: tornarse mudaria (e realmente mudou) a partir do momento em que
estrela de cinema, e admira com certa dose de melancolia Maca saísse da casa da Madama.
Marylin Monroe e Greta Garbo. No fim da trama, de certa O médico: procurado por Maca, quando, pela
forma, acaba conseguindo realizar o seu sonho: a hora da primeira vez na vida, fez a audácia de procurar um médico
estrela condiz com o momento de sua morte. Dialogando (barato) após o recebimento do salário. “Muito gordo e
intertextualmente com Os Sertões de Euclides da Cunha, a suado, tinha um tique nervoso que o fazia de quando em
autora (ou o narrador?) chega a comentar que “o sertanejo é quando ritmadamente repuxar os lábios. O
antes de tudo um paciente”(p. 79) resultado era parecer que estava fazendo beicinho de bebê
Olímpico de Jesus: imigrante nordestino assim quando está prestes a chorar. (...) não tinha objetivo
como Macabéa, Olímpico trabalhava como operário numa nenhum. A medicina era apenas para ganhar dinheiro e
metalúrgica e dizia-se “metalúrgico”. Possuidor de um dente nunca por amor à profissão nem a doentes. Era desatento e
de ouro, o qual muito estimava por ser demonstrador de achava a pobreza uma coisa feia. Trabalhava para os pobres
poder, sonhava em um dia ser deputado, mas seu desejo detestando lidar com eles. Eles eram para ele o rebotalho de
secreto era ser toureiro. Procurava ascensão social a qualquer uma sociedade muito alta à qual também não pertencia.
preço, seja do roubo ou do crime de morte. “Para mim a Sabia que estava desatualizado na medicina e nas novidades
melhor herança é mesmo muito dinheiro. Mas um dia vou ser clínicas mas para pobre servia. O seu sonho era ter dinheiro
muito rico, disse ele que tinha uma grandeza demoníaca: sua para fazer exatamente o que queria: nada.” (ps.67, 68)
força sangrava.” Torna-se o namorado da protagonista no O rico ocupante do Mercedez Benz: dono do
decorrer da trama. carrão amarelo, alourado e estrangeiro, é quem vai realizar,
Glória: amiga de trabalho (e a única) de Macabéa, de certa forma, as previsões
possuía todo o charme e “carnes” que a outra não tinha. de Madama Carlota.
“Carioca da gema” (razão forte pela qual Olímpico atrai-se

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Estudo da obra – A Hora da Estrela / Clarice Lispector - Parte I
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O narrador: também uma personagem, Rodrigo S. possibilidade criativa da narrativa, além de ilimitável, é
M., a questão do narrador será melhor discutida logo a surpreendente e inovadora, demonstrando a bela e sensível
seguir. capacidade inventiva de Lispector.

FOCO NARRATIVO GÊNERO LITERÁRIO E MATERIAL DA NARRATIVA

Dizer se o foco narrativo de A Hora da Estrela é em Como anteriormente já foi citado, a narrativa tem
primeira ou terceira pessoa é uma questão não tão simples um tom de novela, não apenas pelo número de
de ser respondida, já que é um dos pontos mais inovadores e personagens, mas também porque a descrição e a narração
estilisticamente extraordinários do livro. A autora inventa um ocupam posição privilegiada na obra.
narrador (que, portanto, é também uma personagem e se Uma “história exterior e explícita”, A Hora da
assume durante a narrativa como tal) para contar a história Estrela não deixa de ser um relato, um registro de fatos. O
de Macabéa. Assim sendo, o narrador, apesar de fazer parte narrador, a contra-gosto, apaixonou-se por fatos, mas
da história, não conta uma trama que acontecera com ele, e cansar-se-á deles por serem banais e definíveis. O
sim, com a sua personagem inventada, que poderia ser real. “sussurro”, porém, é o que predomina nos interstícios da
A narrativa desvenda a sua problemática interior e à medida narrativa: “Os fatos são sonoros, mas entre os fatos há um
que nos faz conhecer a protagonista, também nos mostra (e sussurro. É o sussurro que me impressiona.” (p. 31).
vai A pergunta que, de certa forma, já havia sido feita
descobrindo) a sua própria identidade. em Perto do Coração Selvagem repete-se: “Será mesmo
“A ação dessa história terá como resultado minha que a ação ultrapassa a palavra?” (p. 22) Para Lispector, por
transfiguração em outrem e minha materialização em objeto. ser o material básico da escritura a palavra, ela domina
Sim, e talvez encontre a flauta doce em que eu me enovelarei qualquer narrativa e sobrepõe-se a qualquer fato. “Assim é
em macio cipó.” (p. 20). O narrador é onipotente, pois cria que esta história será feita de palavras que se agrupam em
um destino. É onisciente, pois sabe tudo a respeito de suas frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa
personagens, apesar de não conhecer a verdade inteira, já palavras e frases.” (p. 14). E para o narrador, é como se as
que se mostra no ato de inventar. Hesita, pois não conhece o palavras tivessem realmente poder sobre a narrativa, como
final da história. Por sentir-se culpado em relação à se ele fosse impotente em relação à história que irá contar:
protagonista, suspende-lhe a morte por páginas e páginas. “Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida
Quando, finalmente, decide-se pelo “gran finale”, volta-se primária que respira,
contra si mesmo: “Até tu, Brutus?” (p. 85). Sá, em sua obra respira, respira.” (p. 13)
anteriormente citada, comenta que “Clarice sabe que todo
narrador inventa o mundo à sua imagem e semelhança e o ANÁLISE DA OBRA
‘ele’ ou ‘ela’ das fábulas é sempre um disfarce do ‘eu’ do
escritor. “Macabéa, personagem central de A Hora da
O narrador se escreve todo através de Macabéa, por Estrela de Clarice Lispector, é uma retirante nordestina que
entre seus próprios espantos. Sua onipotência se estende ao vai tentar vida nova na cidade grande (Rio de Janeiro). Filha
leitor, com o qual dialoga constantemente. A função fática é do sertão, nasceu e permaneceu raquítica. Anônima,
uma tônica dessa narrativa.” (p.212) Tanto é assim, que o desajeitada, desgarrada do mundo, tudo nela inspira
narrador morre quando morre Macabéa. E morre também descompasso e compaixão. Seus dias dividem-se entre o
Clarice Lispector. “As coisas são sempre vésperas e se ela não trabalho como datilógrafa e o pretendente, também
morre agora, está como nós na véspera de morrer, perdoai- nordestino, Olímpico de Jesus. As madrugadas, para ela, são
me lembrar-vos porque quanto a mim não me perdôo a embaladas pelos sons regulares da Rádio Relógio: hora
clarividência.” (p. 84). O narrador precisa escrever para certa, anúncios, pouca ou nenhuma música. (...) É por
poder se compreender. “Enquanto eu tiver perguntas e não intermédio dessa escuta, entretanto, que Macabéa vai
houver resposta continuarei a escrever.” (p.11) Essa é a dor lentamente construindo um certo reconhecimento sobre si e
que atravessa a narrativa, já indicada pela dor de dentes que sobre o mundo.” (AQUINO, 2000, p. 205) A rádio realmente
perpassa a história, a qual é “uma melodia sincopada e desperta na moça uma avidez por conhecimento, o que fazia
estridente — é a minha própria dor, eu carrego o mundo e a com que sua vida se tornasse menos banal, mais
falta de felicidade. Felicidade. Nunca vi palavra mais doida, importante.
inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.” A Hora da Estrela apresenta certos momentos que
(p. 12). A tarefa do escritor é “procurar a palavra no escuro”. não podem deixar de ser comentados. Comecemos pelo
E ele não pode parar de escrever, já que “ao escrever me título:
surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino”. A HORA DA ESTRELA
Assim, vai se descobrindo ao longo da narrativa. Este escritor
só se livra de ser um acaso na vida pelo fato de escrever. Não A culpa é minha
tem classe social, “ironicamente, denuncia o escritor burguês ou
que defende a necessidade da literatura engajada, faz-se A hora da estrelas
pobre, dorme pouco, deixa a barba por fazer, anda nu ou em ou
farrapos, abstém-se do sexo e do futebol.” (Sá, 1979, p. 214) Ela que se arrange
Como ele mesmo diz, “escrevo porque sou um desesperado e ou
estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não O direito ao grito
fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria .quanto ao futuro.
simbolicamente todos os dias.” (p. 21). ou
É facilmente percebível, portanto, que a questão do Lamento de um blue
foco narrativo em A Hora da Estrela é um dos pontos altos ou
da novela. E se “os modos de articulação em uma narrativa Ela não sabe gritar
são ilimitáveis porque ilimitável é a combinatória de signos ou
possível no engendramento da teia ficcional, e a postura do Uma sensação de perda
narrador, em relação às personagens, amplia ainda mais essa ou
possibilidade criativa, oferecendo através Assovio no vento escuro
de seu ângulo de visão uma fresta por onde se pode ou
descortinar o mundo, o seu mundo” (KADOTA, s/d, p.71); a Eu não posso fazer nada

5
Estudo da obra – A Hora da Estrela / Clarice Lispector - Parte I
Prof.: Haroldo Prates

ou
Registro dos fatos antecedentes
ou
História lacrimogênica de cordel
ou
Saída discreta pela porta dos fundos

A obra apresenta doze títulos que se desdobram e


representam algum aspecto da história que logo mais será
narrada. Em “.quanto ao futuro.”, por exemplo, o título é
precedido e seguido por ponto, isso porque o futuro da
história depende única e exclusivamente do seu narrador
(Rodrigo S. M.), que determina com um “falso livre-arbítrio” o
destino das personagens, sendo ele próprio uma das mais
importantes. É “uma história com começo, meio e ‘gran
finale’ seguido de silêncio e de chuva caindo”, como diria o
próprio narrador, apesar de a história não ter esse aspecto
temporal tão bem definido como ele nos (leitores) dá a
entender que teria.
O material básico em que se sustenta a narrativa é a
palavra, que se agrupa em frases, com um sentido secreto.
“O escritor renuncia à transfiguração própria da ficção e não
enfeita a palavra (não utiliza “termos suculentos” como
“adjetivos esplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão
esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação”), pois
sua personagem é uma pobre e esfomeada moça nordestina.”
(SÁ, 1979, p. 97). Dessa forma, subentende-se que se pode
ler, no questionamento contínuo a que a escritora submete a
linguagem em geral e a da ficção, em particular, uma
desmistificação irônica do narrador do anti-romance moderno
e de seus artifícios.
Apesar de o narrador escrever em fluxo de
consciência, tentando embaralhar as coisas, a narrativa é
escrita em tempo linear, sendo o leitor diretamente o seu
interlocutor. O leitor é sustentado por suas próprias palavra e
“deve embeber-se da jovem como um pano de chão todo
encharcado.”
A morte, declaradamente, foi colocada na narrativa
de Rodrigo S. M. como uma personagem não ordinária, ao
contrário, como sua personagem predileta e ele assume a
morte de Macabéa como se fosse feita exclusivamente para o
leitor: “O final foi bastante grandiloqüente para a vossa
necessidade?”. Sua futura morte também é expressa quando
morre a protagonista, mas “por enquanto é tempo de
morangos.” (p.87)
Finalmente, devemo-nos lembrar de que A Hora da
Estrela seria um “ponto de articulação” entre as lições
realista-naturalistas da autora e seus poemas em prosa, nos
quais tempo, enredo e personagens se desagregam. Esta
novela “não só recolhe quase todos os problemas da narrativa
dos outros romances de Clarice Lispector, mas também
muitas de suas imagens.” (SÁ, 1979, p. 215). Assim,
saibamos que Clarice produz aquela que seria a última de
suas obras publicadas em vida de maneira grandiosa, para
que nunca nos esqueçamos da riqueza e originalidade de seu
estilo.

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