Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
The copyright law of the United States (Title 17, U.S. Code) governs the making of
photocopies or other reproductions of the copyright materials.
Under certain conditions specified in the law, library and archives are authorized
to furnish a photocopy or reproduction. One of these specified conditions is that
the photocopy or reproduction is not to be “used for any purpose other than in
private study, scholarship, or research.” If a user makes a request for, or later
uses, a photocopy or reproduction for purposes in excess of “fair use,” that user
may be liable for copyright infringement.
The Yale University Library reserves the right to refuse to accept a copying order,
if, in its judgement fulfillment of the order would involve violation of copyright
law.
1
37 C.F.R. §201.14 2018
.
tb
tempo brasileiro
104
CLARICE LISPECTOR
Clarice e a estrela 43
MARIA INES DE ALMEIDA
CLARICE E O FEMININO
Vera Queiroz
Hélène Cixous
Claricewege
Das Wart lässt das Ding als Ding anwesen. Dieses lassen
heisse die Bedignis. 6
Clarice deixa: 7
Para que chegue a primavera, seria preciso que soubéssemos o
bemvir: Ja era maio, ontem, e me parecia nâo mais saber como se compòe
um dia vivo. Basta abrir Clarice. Olhar através dela: e um laranjal que antes
nâo existia passa a existir. Diante de seu jeito clarice de se abrir, as coisas
nào se fazem de rogadas. A primavera se instala. Clarice da presentes.
Da, da e da. Da para urna paisagem. Da porto seguro. E ha. E da lugar a.
Ao que havíamos perdido. Ao que nunca tivemos. Ao que ja rido sabfamos
mais ter. Ao que ignoravamos que existisse. Vem.
Cada olhar clarice: invisível doce lavor, rebocadura de amor.
Clarice be -dingt das Ding zu Ding.
Tudo aquilo que é preciso saber convocar para que o desvendamento
de urna mulher se torre possfvel, para que pensar em deixar um vocé
desvendar-se seja necessario — Clarice faz corn que venha, faz-nos sentir,
Iodas as coisas que vêm de muito longe, e as que nos vém de outro
longe,-o do infinitamente próximo, das duas distancias, ela as convoca.
Ela salva o ovo do infinitamente próximo. Ela o trazao perto demais.
Em geral, passamos anos sem ver entrar um ovo. É por isso que
(larice nos conduz, em primeiro lugar, à escola do mais-perto, na cozinha:
Para nos fazer descobrir o esplendor de um ovo, em toda sua estra-
nheza, é preciso uma força muito major do que para nos fazer admirar
Rev. TB, Rio de Janeiro, 104:9/24, jan.-mar., 1991 15
urna montanha: na primeira liçào do ovo, aprendemos a dar a um ovo de
galinha a atençâo que nos inspiraria urna montanha. A abordagem do
ovo esta camuflada por uma verdadeira cadeia de habitos calcarios.
Houve o dia do ovo. A festa simples. Dizer o ovo é urna arte quase
japonesa. E preciso urna voz corn reservas atléticas. Urna voz para cada
coisa. Para o ovo, uma voz acrobata: para lança -lo, pega-lo, arriscâ-lo e
protege-lo. Urna voz capaz de cercar o ovo de sons delicados. De colher
o canto primeiro das coisas, seu apelo sem palavras: de dizer: ovo, como
digo: amor, corn espanto e amor; de contemplaçâo. Quem souber contem-
plar um ovo sabera contemplar um sorriso.
Ela tem o jeito de chamar esse objeto, naquele momento, corn essa
cor de voz que permite o acontecimento; pois é possível fazer com que
um ovo olhado de certa forma seja uma obra de arte. 10
E ver um ovo é impossível para o ver comum.
Lima noite quente choca: e as seis horas de urna manhâ, uma clarice
eclode: acorda espantada, de forma nova. O quarto esta repleto de excita-
16 Rev. TB, Rio de Janeiro, 104:9/24, jan.-mar., 1991
çòes que entram e saem. Acorda pronta, cheia de ignoràncias atentas, no
fundo de si mesma, e sua alma-atençâo da, sob a memoria, sob o sabido,
por tris do agora, sob os pensamentos, di diretamente para o caminho
dos espantos.
A imitaçßo da rosa 15
o erro de Abelone, de Malte Laurids Brigge. Tao presente que jamais esta
presente para Malte, tao presença para o outro, a quern se consagra, que
se faz esquecer.
Abelone war immer da. Das tat ihr grossen Eintrag. Abelone
war da, und man nutzte sie ab wie man eben konnte (. ..)
Aber auf einmal fragte ich mich: Warum ist Abelone da? 16
Tomemos urna rosa: desde o primeiro segundo, urna rosa nos cativa.
Parece-nos, em nossa superficialidade, que nos a pegamos. Porque segura-
mo-la em possa mio. Pensando assim, estamos no caminho errado. Foi
essa rosa que. corn um gesto infinitamente seguro, corn um sinal de rosa
quase carmim, entregou-se a nos.
Clarice mantém: No quarto a rosa se espalha em presença. Ela rosa.
Entra no transe de sua propria presença e existe, corn toda sua força,
corn todas suas rosas contidas, faz a rosa, para nés, abandons-se a seu
eu-sou -rosa no fluxo de sua propria vitalidade. Se a observarmos em
camara lenta, veremos que a cada segundo a rosa, aparentemente imovel,
se desenvolve, do alto de sua presença, em direçio a nosso amor, e resplan-
dece.
Rev. TB, Rio de Janeiro, 104:9/24, jan. -mar., 1991 19
Mas Heidegger dirla:
Nao foi por acaso que Clarice teve essa história corn urna certa rosa.
Dentre todas as plantas, é a rosa a que oferece sua presença para ser
compartilhada, no momento de seu desabrochar, de forma mais humana:
o suave dar-se de urna rosa ajuda-nos hoje a receber qualquer presença.
Por seu jeito de conter ao se expandir, de nos fazer sentir a rosa da rosa,
de nos oferecer à reflexào, em seu desabrochar, o mistério do nascimento
do ser vivo em cada momento que na() esquecemos de partilhar. De receber
em partilha. Nossas aimas de amor descendem de rosas. A rosa Clarice
é ofertante. A rosa nos dg mais que urna rosa?
A rosa que se deu para ser colhida por Clarice foi tao bem colhida
que Ihe ofereceu, ao mesmo tempo, um segredo: sobreviveu para dar a
prova da força produzida pela aliança que une dois seres em torno da
mesma necessidade de chamar, de responder, de retomar a origem. De dar
origem à origem.
"Die Rose aus Bewegung". De urn pâssaro ergue-se o céu. De urna
rosa o tempo escapa. A rosa nos da ainda o movimento da presença. Rilke
escreve vinte e quatro pomas sobre a rosa. Mas Clarice di à vida o silencio-
so respirar de urna rosa: "A realidade nào tern sinernimos".
Para chegarmos ao coraçào da rosa, basta seguir o caminho da rosa,
chegar a ela por suas vias. Aproximar-se corn tal auséncia de si, corn tal
delicadeza, sem perturbar sua proximidade, entrar corn passos de perfume
na âgua de seu perfume, sem perturba-la. Agora ha urna rosa no quarto.
No espaço desdobrado por sua chegada, habitamos. E as tartarugas?
Agora, corn os mesmos dados, a mesco., ternura, o mesmo respeito,
Clarice pode substituir urna rosa por urna tartaruga. Mas Rilke só poderia
substituí-la por um unicOrnio ou urna anémona. Mas Clarice, por urna
NOTAS
Heine Cixous é professora da Universidade Paris VIII, onde dirige semindrios sobre
a obra de Clarice.