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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO (UFOP)

INSTITUTO DE FILOSOFIA, ARTES E CULTURA (IFAC)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

CLARICE LISPECTOR NO FÓRUM DAS LETRAS E NA BIENAL VIRTUAL DO


LIVRO DE SÃO PAULO

Relatório de atividades

Sofia Andrade Machado (Doutorado)

Disciplina: A Filosofia na vida e na obra da escritora Clarice Lispector

Professora: Profª. Drª. Guiomar de Grammont

Linha de Pesquisa: Estética e Filosofia da Arte

OURO PRETO

2021
Clarice Lispector, Marguerite Duras, Nathalie Sarraute: mulheres à procura de um
novo romance

Teresa Montero, Germana Henriques Pereira, Ana Lúcia Lutterbach Holck

Mediação: Mônica Gama (UFOP)

Esta mesa apresenta algumas aproximações entre a escrita de Clarice Lispector e duas
escritoras francesas que foram suas contemporâneas: Marguerite Duras e Nathalie Sarraute.
Gostaria de expor algumas coisas que me chamaram a atenção na fala da professora Germana
(UnB) sobre Nathalie Sarraute, que é uma escritora pouco conhecida no Brasil. A escrita de
Sarraute tem muitos pontos de confluência com a de Clarice, embora, como ressalta a
professora Teresa, Clarice não fosse vinculada à escola do novo romance, ou novo olhar
francês. Segundo a professora Germana, Sarraute “se investe na literatura colocando a luva
pelo avesso da criação”. Ambas são de origem judaica e estrangeira: Sarraute é Russa. E
ambas têm por tema a metalinguagem, ou a escrita sobre a escrita. As questões do silêncio,
do indizível e da distensão do tempo também estão presentes na literatura de Sarraute, assim
como na de Clarice. A obra de Sarraute também está vinculada à renovação da estética
literária na França, e se opunha à literatura “engajada”. Assim como Clarice, Sarraute
contesta o “modo de fala” tradicional do romance. Sartre escreve o prefácio de seu primeiro
romance, mas ela acaba rompendo com a tutela do escritor e procura, de forma independente,
uma nova maneira de escrever. “A questão Sarrauteana tem então a ver com a representação
de uma sensação estética que ficasse longe dos clichês da linguagem comum, estereotipada e
convencional [...]. Ela procurava evitar o desgaste das palavras que se tornaram reificadas
pelo sistema-mundo capitalista e perderam seu poder verdadeiro de representação”. Sarraute
critica Balzac e Proust por estarem apegados à uma forma de expressão burguesa e não terem
se aprofundado na construção imanente de uma nova linguagem.

Editar Clarice Lispector, na França e no Brasil

Christine Villeneuve (França), Pedro Vásques, Victor Burton

Mediação: Carolina Bassi (UNIRIO)


Christine Villeneuve é responsável pela edição das obras de Clarice Lispector na
França. Nesta conversa, conta sobre sua trajetória e sobre como conheceu Clarice. Ela é uma
das diretoras da editora Le Femme. A editora, criada em 1973, é a primeira voltada para a
literatura feminina na Europa. Christine conheceu Clarice na Bienal do livro de São Paulo,
em 1974, em plena ditadura militar, em um espaço dedicado às mulheres, que foi um
importante ponto de encontro e de circulação de ideias na época. Christine até hoje cumpre
um importante papel de divulgação de escritoras e escritores latino-americanos na França.

Victor Burton, responsável pela edição da obra de Clarice pela editora Rocco, fala
sobre a opção de colocar as pinturas de Clarice nas capas dos livros, que surgiu a partir de
uma recusa do herdeiro de Clarice pelo projeto gráfico anterior. A partir dessas capas, as
pinturas de Clarice, que até então eram pouco conhecidas, começam a ganhar lugar de
destaque. Carolina destaca que existe um livro de Carlos Mendes de Sousa sobre as pinturas
de Clarice1 e a relação delas com sua escrita. Pedro Vasques explica de que forma ela acredita
que existe relação entre as pinturas e a escrita na obra de Clarice, a partir de Água viva.

A Tradução e o Indizível: Clarice Lispector em francês

Didier Lamaison (França), Izabella Borges

Mediação: W. B. Lemos (UERJ)

Esta mesa traz uma tradutora e um tradutor da obra de Clarice para o francês. Ao
mencionarem as dificuldades suscitadas pela tradução, muitas questões de caráter filosófico
aparecem. Por conta da profundidade do contato que os tradutores têm com o aspecto
imanente da escrita, é inevitável o encontro com este caráter filosófico, que, em Clarice, não
se dissocia da construção da forma. Izabella conta sobre a tradução da obra infanto-juvenil A
mulher que matou os peixes. Cenas corriqueiras, com galinhas, são intercaladas por frases de
denso cunho filosófico. Esta característica da escrita de Clarice, diretamente vinculada ao
trabalho com a linguagem, em sua opinião, é o que oferece maior dificuldade para a tradução.
W. B. Lemos comenta que, por este motivo, a escritora Gertrude Stein é considerada
“praticamente intraduzível”.

O Livro das Horas: a hora das estrelas (Homenagem pelos 100 anos de nascimento da
escritora Clarice Lispector)

Nélida Piñon

Mediação: Guiomar de Grammont (UFOP)

A escritora Nélida Piñon conversa com Guiomar sobre estórias que surgiram através
de sua amizade pessoal com Clarice. Das estórias contadas por Nélida, todas muito
interessantes, me chamou a atenção a referência à atividade de Clarice como pintora, sobre a
qual Guiomar pergunta [a partir de 43”].

Nélida fala sobre dois quadros de Clarice que ela possui. Clarice pintou 22 quadros. A
maioria deles está na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Em Uma aprendizagem ou o
livro dos prazeres, a personagem, Lori, era originalmente uma escritora, mas Nélida leu antes
da publicação e disse a Clarice: “Eu disse para ela que era muito interessante que fosse uma
escritora, mas que, evidentemente [...] você vai ser muito testada fazendo uma espécie de
romance em que a personagem é escritora”. Clarice decide então que a personagem seria uma
pintora. Nélida conta que Clarice posou para o pintor italiano Giorgio de Chirico, referência
da arte de vanguarda até os dias atuais:

Giorgio de Chirico, Retrato a óleo de Clarice Lispector (1945)

Nélida complementa: “Eu não vi a Clarice falar demais desses quadros [...]. Eu não vi
a Clarice arrebatada pelo exercício da pintura. Nunca vi”. Clarice não tinha material de
pintura, não tinha um cavalete, pintava sobre madeiras. Nélida acredita que provavelmente
Clarice pintava de forma improvisada, assim como escrevia com a máquina de escrever sobre
os joelhos.
Clarice: uma vida que se conta

Nádia Batella Gottlib

Apresentação: Guiomar de Grammont

Nesta conversa agradável e enriquecedora, Nádia conta sobre a biografia de Clarice.


Gostei da forma como Nádia pensa a relação entre a biografia e a obra: existem contos e
crônicas narrados em primeira pessoa, que podem parecer autobiográficos, mas nunca se sabe
ao certo qual é o limite entre vida e obra.

Guiomar pergunta para Nádia [1:08”] com relação à crítica que era dirigida à Clarice
na época, e seu desejo de estudar direito: “Ela está escrevendo em um momento em que a
maior parte da crítica literária brasileira está seduzida pelo marxismo e não compreende o
intimismo da obra dela, como uma obra que fala para a consciência, que desfia o fluxo do
inconsciente, então essa obra que parece não ser engajada, que parece, assim, recusar ver os
problemas do mundo”. Neste contexto, Clarice escreve A hora da estrela, que, segundo
Guiomar, “[...] de uma certa forma, parece uma reação diante dessa imagem da Clarice como
alguém que não quer saber dos problemas do mundo, dos problemas da sociedade. A hora da
estrela é um texto que, de uma certa maneira, consegue fazer uma amálgama entre estas
preocupações sociais e ao mesmo tempo esse mundo íntimo, esse mundo de investigação da
interioridade, que sempre marcou a obra dela”. Neste sentido, Nádia e Guiomar discorrem
sobre a complexidade da personagem Macabéa.

Em torno das perguntas de Clarice

Júlia Panadés, Juliano Garcia Pessanha

Mediação: Janaína de Paula


Esta mesa tem o intuito de dialogar com o aspecto filosófico da obra de Clarice.
Juliano, que tem formação em filosofia, fala sobre o romance A paixão segundo G. H. através
de uma inversão: devolvendo a Clarice, cuja escrita sempre nos suscita tantas perguntas,
algumas perguntas que ele faria se tivesse a oportunidade de conversar com ela. Juliano
observa que a personagem G.H. “[...] é uma pessoa meio falsa, suas presilhas eram frágeis”.
Ela era somente as iniciais em uma mala. “Se uma pessoa não está plantada na vida, a vida
aparece como um tsunami, para reivindicar essa pessoa simulada, falsa”. O chamado da vida
implica uma desumanização, que é uma positivação para fora de um simulacro. G.H. passa
por esse percurso de desumanização e construção do humano através do encontro com a
barata. Janaína observa que esse processo de construção, ou reconstrução, está vinculado com
a forma da escrita: “Existe a forma do drama. Mas existe, na Clarice, o drama da forma”.

Clarice, hoje

Claire Varin, Simone Paulino

Mediação: Ovídio

Interessante a trajetória da jornalista e pesquisadora Claire, que, encantada com o


romance A paixão segundo G.H., aprendeu português e veio para o Brasil, em 1983, para
fazer um doutorado sobre Clarice. Ela era estudante de Letras e não tinha encontrado um
escritor moderno que ressoasse com ela tão profundamente. No Brasil, Claire conhece muitos
escritores que foram amigos de Clarice e tem acesso às caixas que o filho de Clarice tinha
acabado de entregar para a Casa de Rui Barbosa. Claire usou os elementos biográficos de
Clarice só para esclarecer sua obra. Claire acredita que Clarice, de todas as escritoras e
escritores do mundo, foi mais longe no processo de conhecimento da interioridade do ser.

Clarice, crianças, criações infantis

Mell Brites, Luís Camargo

Mediação: Cilza Bignoto


Mell Brites apresenta sua pesquisa sobre a infância e a obra infanto-juvenil de Clarice,
a partir de dois blocos de textos que, de alguma forma, se contrapõem. O primeiro bloco é
composto pelos contos adultos que trazem a questão da criança: Felicidade Clandestina; Cem
anos de perdão; Restos do carnaval e Os desastres de Sofia. O segundo bloco é formado por
três obras infanto-juvenis de Clarice: A mulher que matou os peixes; A vida íntima de Laura e
O mistério do coelho pensante.

Luís Camargo, escritor e ilustrador de livros infanto-juvenis, autor de Maneco caneco


chapéu de funil, observa que a literatura infanto-juvenil brasileira demorou muito para
romper com o cânone de histórias educativas e moralizantes para se tornar um “sistema
literário”, tal como Antonio Candido define com relação ao processo de formação da nossa
literatura. O marco da mudança de paradigma, neste sentido, foi o livro Ou isto ou aquilo, de
Cecília Meireles.

1 SOUSA, Carlos Mendes de. Clarice Lispector. Figuras da escrita. Edição


Universidade do Minho/Centro de Estudos Humanísticos, 2000.

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