Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Diante de uma suposta objetividade musical, deve-se retomar aquele processo que
Schoenberg acabou interrompendo no momento em que sua genial invenção parecia dar
novo impulso a esse mesmo processo. Uma musique informelle deveria buscar
novamente, e sem concessões, a ideia de uma liberdade ainda não imaginada. (p. 382)
Em última análise, nada escapa das malhas da sociedade administrada. Ela integra tudo,
inclusive o que é mais contrário a ela. [...] Hoje é possível compor qualquer coisa que
venha espontaneamente à cabeça; cabe refletir sobre as razões que motivam essa escrita
e essa “espontaneidade”. De todo modo, o projeto de Cage e a música informal
convergem em pelo menos um ponto: no protesto contra a teimosa cumplicidade da
música com a dominação da natureza. (p. 432-4330
Seria mais fácil ridicularizar o traço de loucura do que reconhecer a utopia para a qual o
absurdo dessa provocação fornece abrigo: escapar da mentira da plenitude de sentido,
mas cujo sentido é simplesmente fornecido pelo sujeito. Seria difícil a uma musique
informelle evitar o elemento abstruso [desordenado], tanto quanto planejar esse
elemento. A música totalmente organizada e racionalizada perpetua a compulsão da
forma. A música informal não prescinde dessa organização, mas o abstruso torna-se o
destino fatídico de sua própria natureza questionável. (p. 433-434)
A aparência estética não pode ser eliminada da arte. Mesmo a arte sem aparência não
seria imediatamente idêntica à realidade empírica; a aparência sobrevive, mesmo
quando não deseja mais ser aparência. O elemento de irrealidade da arte não se
confunde com a ilusão e o engano execráveis. Em outras palavras, na arte, mesmo a
negação de sentido tem um sentido. A obra de arte não pode ser reduzida a fatos, pois
cada obra é sempre mais do que é. A prova disso está no fato de que mesmo aquelas
obras que procuram eliminar rigorosamente qualquer tipo de coerência, como o
Concerto para piano, de Cage, acabam criando, precisamente em função de seu rigor,
uma nova coerência. Nada nesse Concerto poderia estar mais distante da música
tradicional, e no entanto mesmo aí não faltam certas afinidades. (p. 436)
Todavia, se a arte realmente deseja revogar a dominação da natureza, se ela visa uma
situação na qual a humanidade não mais exerceria o controle através do espírito, então
só conseguirá atingir esse objetivo mediante a dominação da natureza. Apenas uma
música no controle de si mesma é capaz de controlar sua própria liberdade, de estar livre
de qualquer compulsão, inclusive da sua própria. Analogamente, apenas em uma
sociedade racionalmente organizada desapareceria, junto com a falta, a necessidade de
repressão por meio da organização. Em uma musique informelle, os momentos hoje
deformados da racionalização seriam superados em uma racionalidade positiva. Apenas
o totalmente articulado na arte fornece a imagem de uma realidade não mutilada e, por
extensão, a imagem da liberdade. Uma obra de arte completamente articulada, que
escapa da simples existência orgânica graças ao seu extremo domínio do material, é por
sua vez aquilo que está mais próximo do orgânico. (p. 438)