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Curiosidades1 Junguianas: Jung em Português2.

Um Inventário3

Armando de Oliveira e Silva

Uma vida sem contradições internas é apenas meia vida, ou uma vida no além, destinada só para os
anjos. Mas Deus ama mais os seres humanos do que os anjos.4

Sou curioso de todos, avido de tudo, voraz da ideia de todas. Pesa-me como a perda da noção que tudo
não pode ser visto, nem tudo lido nem tudo pensado… Mas não vejo com atenção, nem leio com
importância, nem penso com prosseguimento. Em tudo sou um diletante intenso e fruste. 5

Os Deuses nos chamaram de volta e proibiram os olhos mortais de conhecer o fim de todas as coisas.
Por que deveríamos violar os mares desconhecidos, as águas sagradas com nossos remos, perturbando
a calma que pertence aos Deuses?6

Eu não tenho talentos especiais. Sou apenas apaixonadamente curioso. 7

Introdução

A obra teórica de um autor, assim como a vida, é feita de caminhos que partem de algum ponto,
caminhos que tem outros caminhos que lhe servem de afluentes e ao mesmo tempo se torna afluente
de outros caminhos. Ao longo dessa trajetória existem algumas paradas, que são as produções teóricas
do autor e a partir dessas paradas a trajetória segue em direção a outros momentos e a outros tempos
A obra de Jung, que se estende do fim do século XIX até 1961, caracteriza-se por sua diversidade,
sua riqueza e sua complexidade. Ao invés de se desenvolver de uma forma totalmente linear, esta obra
é marcada por múltiplas mudanças ou transformações, momentos críticos e rupturas. Jung nunca
produziu nenhum tratamento sistemático de seu próprio trabalho. Ele não possuía nem a atitude nem
a inclinação para este tipo de tarefa. A sistematização nunca poderia fazer justiça à natureza essencial
de suas propostas. Citando Jung: Quanto aos meus livros, posso dizer que nenhum deles apresenta
uma síntese ou fundamento, ao menos na minha opinião. Não sou filosofo, que pudesse fazer algo tão
ambicioso, mas um empírico que apresenta os progressos de suas experiências; por isso minha obra
não tem um início absoluto nem um fim abrangente. É como a vida de uma pessoa que de repente se
torna visível em algum lugar, que se baseia em pressupostos determinados mas invisíveis, e que
1- Curiosidade: do latim curiositate: desejo de conhecer, desejo de estar informado. ( Dicionário Etimológico da
Língua Portuguesa, vol.2- José Pedro Machado, pag. 268); Curioso: do latim curiosu: que tem cuidado, cuidadoso,
cuidadoso em excesso, minucioso, ávido de saber, indiscreto ( idem )
2-Esta é uma primeira versão de uma pesquisa em curso. Qualquer colaboração ou complementação dos documentos
será sempre bem vinda. E cabe aqui um agradecimento muito especial: Amora, Andréa, Guilherme, Gustavo, Leonardo,
Patricia, Patricia, Pedro, Pedro, Priscila e a perene “turma da homeopatia”, a todos agradeço pela paciência,
perseverança, ausência de dogmatismo e bom humor constante, ao Marcus Quintaes amigo sempre distante porém
muito presente e ao Carlos Serbena pela ajuda acadêmica. Pedro, Joaquim e Luca pelo que são e sempre serão. Há
tanto mal e tanta amargura neste mundo que não se pode agradecer o suficiente pelo bem que acontece de vez em
quando ( Carl Gustav Jung- 09/1959 ).
3- Inventário: do latim inventarium: derivado de invenire: Invenio, is, veni, ventum, venire ( verbo transitivo )-
achar, encontrar, descobrir. 2: imaginar, inventar, saber, achar, ver ( na historia ) ler, adquirir alcançar, obter;
( Novíssimo Dicionário Latino Português: F.R. dos Santos Saraiva. Livraria Garnier 11 edição: 2000 ). Ver: A Vertigem
das Listas- Umberto Eco ( Editora Record- 2010 )
4- Jung a Olga Fröbe ( 20 de agosto de 1945 ) Cartas vol.1 ( 1906-1945 ) Editora Vozes 2001
5- Fernando Pessoa- O Livro do desassossego. Pag. 350. Editora Tinta da China ( São Paulo – 2023 )
6- Sêneca
7- Albert Einstein 1952. Citado por Carlos Rovell, físico italiano, no texto: Teoria da “curiosidade geral” de Einstein.
Aditas: Instituto Humanitas Unisinos, 25 de julho de 2015
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portanto não tem um verdadeiro inicio nem verdadeiro fim, cessando repentinamente e deixando para
trás questões que deveriam ter sido respondidas8.
A produção teórica de Jung pode ser pensada como um organismo vivo e como todo sistema vivo
ela é complexa, evolutiva, imprevisível, nem sempre clara e coerente, surpreendente e difícil de ser
domesticada e submetida a uma serie de cânones e modelos acadêmicos.
Sendo um organismo vivo passa por momentos críticos na sua evolução; estes momentos
críticos marcam a passagem de um tempo a outro em seu processo de maturação. Neste processo
somos surpreendidos por um Jung silente ou subitamente: exploratório, inovador, inaugurando ou
acenando com passos para futuras ideias, seja em pequenos textos, palestras, entrevistas, momentos
de seus seminários, nos diálogos essenciais que mantinha com especialidades em outros saberes e
vários cientistas ou em trabalhos mais elaborados e trabalhados em períodos mais longos de tempo e
que estão sempre abertos ao debate e a discussão. E sendo vivo mantém seus segredos e que se deixa
revelar pouco a pouco, as vezes quase cem anos depois de sua produção.
Citando Giovanni Sorge9: Penetrar na obra de Jung requer tempo, ela é sem duvida alguma
inimiga da solicitude. A impressão que se tem é a de penetrar numa casa colossal, estratificada,
labíríntica e entre salões, corredores no sub-solo, passagens diversamente entrelaçadas e galerias
secretas onde é muito fácil se perder.
A partir da publicação em 2009 do até então sequestrado Liber Novus, e posteriormente em 2020
da publicação dos diários privados, os Livros Negros 1913-1932, estamos em um outro tempo no que
diz respeito ao estudo da sua obra teórica.
Como estamos falando de percursos, viagens, alternâncias entre dia e noite, caminhos
desconhecidos e surpresas nos caminhos conhecidos, um objeto deve ser lembrado que é o diário de
bordo10, expressão originalmente usada nas navegações portuguesas, um registro da viagem feita pelos
pilotos das naus e caravelas, uma memória da viagem com suas imprecisões, descobertas, condições
atmosférica e marítimas.
O tema dos diários de Jung não são viagens maritímas,mas viagens intimas e o marinheiro pode
ser chamado de psiconauta e como os registros são geralmente noturnos ou dizem respeito ao aspecto
noturno da alma, considero ser mais adequado chamar esses registros de noturnário. E, assim é como
podemos chamar os Livros Negros,que serviu como registro para a grande aventura de Jung, uma
descoberta para si mesmo e para os outros. Ele entrou no território pouco conhecido por pessoas do
mundo ocidental e voltou com mapas aproximados, esquemáticos da imagem universal da psique –
tempestuosa e transformadora.
Dois Jung/ dois momentos: 1) um momento para o mundo ao seu redor, família, psiquiatria,
psicologia, psicoterapia e a civilização moderna; 2) um momento para ele mesmo ( secretamente, fora
do tempo ).
Duas vidas delimitadas, uma da outra, por um fio vermelho, talvez por cadernos de capa preta ou
um livro de capa vermelha.
De um lado a orientação científica, com o objetivo de enriquecer a racionalidade do seu tempo, a
decisão forte e paciente, construída dia após dia de edificar uma teoria do inconsciente. Do outro, a
experiência interior, imediata, em nome de um apelo – que permanece inexplicado, por ser ele mesmo
inexplicável.
Um Jung exposto a claridade do dia, que contribuiu para a construção de um modelo da psique
simultâneo porém independente de Freud. De outro lado, um Jung mais acomodado e mais intrigante

8 - Jung à Fernando Cassani ( 13 de julho de 1954 ) Cartas vol.2 (1946- 1955 ) Editora Vozes 2002
9- Giovanni Sorge: Polyvocité de Jung: Une note emphathico-critique:-Cahiers Jungiens de Psychanalyse ( Decembre
2017- numéro 146 pag. 62 )
10- O diário de bordo ou “diário de itinerância” como foi denominado pelo pesquisador francês René Barbier, pode ser
compreendido como um registro da experência vivida no decurso de um processo de pesquisa-açao. Este diário,
segundo René Barbier, pode conter referências a impressões, acontecimentos, observações, ações, reflexões,
desejos,leituras, escuta do outro, lembranças, emoções, dialógos internos e externos, etc. É, portanto, uma escrita mais
livre que assume inicialmente a forma de um “diário rascunho” e se torna progressivamente mais elaborado até se tronar
publicável.
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que responde, nos segredos e na solidão do seu quarto, ou seja aonde for, à obscura atração do
inconsciente, às forças vivas da noite. O dialogo entre o diurno e o noturno.
Existe uma obra pública: obra de uma vida.
Existe uma obra clandestina: obra póstuma.
Estas duas obras podem ser agrupadas de forma que mostrem seu dinamismo e que faça jus aos
esforços atuais no sentido de organizar de uma forma coerente e cronológica o “corpus” da obra de
Jung:
1)- aquilo que já se sabia;
2)- aquilo que ainda não se sabia;
3)- aquilo que passamos a saber;
4)- aquilo que ainda não sabemos
Para uma leitura crítica de Jung é sempre importante considerar a quem Jung está endereçando 11
seu escrito e o contexto em que foi escrito. Quando ele escreve para o público em geral como é o
material publicado naquele conjunto de livros e textos chamados de “Obras Completas nós ouvimos a
voz exotérica12. Sua linguagem está no registro científico como era entendido no tempo em que ele está
escrevendo. Quando a sua escrita é dirigida a pessoas que conhecem sua obra, seus conceitos e forma
narrativa, o registro muda e isso pode ser percebido principalmente nos seus seminários.
Podemos caracterizar esses momentos, entre outros, como sendo o momento esotérico de Jung.
Os escritos de Jung abarcam um espectro amplo de trabalhos substancialmente esotéricos tanto como
exotéricos.
Os escritos de Jung podem ser divididos em duas partes: A)- Escritos não editoriais e B)- Escritos
editoriais. ( O termo editorial está sendo usado no sentido de caracterizar escritos que se submeteram
a um comitê e/ou sub-comitê editorial.)
Para encerrar essa introdução sempre vale a pergunta: do que ou de quem estamos falando
quando falamos de Jung?
A)- ESCRITOS NÃO EDITORIAIS:
Jung publica em 1902 seu primeiro artigo e até sua morte em 1961 são muito pouco os anos em
que não publica algum escrito ( apenas em 1915 ) . Ao longo desta vida intelectual produtiva Jung
frequentemente revisava, ampliava e publicava diferentes versões de seus escritos em diferentes
veículos e em diferentes casas editoriais.
Como exemplo podemos citar os “assim” chamados Dois Estudos de Psicologia Analítica: o
primeiro ensaio começa com um artigo publicado em 1912 “Novos caminhos em Psicologia ( titulo
traduzido ); o texto foi revisto e significativamente ampliado e publicado em 1917 como Psicologia dos
processos inconscientes: uma visão geral da moderna teoria e do método da psicologia analítica; em
1925 novamente revisto e publicado como O inconsciente na vida normal e patológica e em 1942 com
pequenas revisões é publicado como Psicologia do Inconsciente ( ver os 5 prefácios escritos por Jung
publicados no Vol. VII das O.C. ). O segundo ensaio é uma palestra de 1916 na Sociedade de Psicologia
Analítica, escrita em alemão ( o texto permaneceu inédito), mas primeiramente publicado em francês
nos Archives de Psychologie ( dezembro de 1916 ) com o titulo La structure de l’inconscient e em inglês
( 1916 ) como The conception of the unconscious nos Collected Papers on Analytical Psychology; em
1928 o texto é substancialmente ampliado e publicado com o titulo A relação do ego com o
inconsciente.
Um outro exemplo significativo é a trajetória do livro (titulo original ) Transformações e
Símbolos da Libido até se transformar em Símbolos da Transformação ( vol. V. O.C. ). Publicado

11- Quando escrevo eu sempre conscientemente ou inconscientemente tenho uma audiência diante de mim, e o que
escrevo é sempre uma carta para o mundo. Citado por Sonu Shamdasani em “Jung Stripped Bare” pag.26. Karnac
Books- Londres ( 2005 )
12- O prefixo grego exo significa aquilo que é voltado para fora por oposição ao prefixo eso que significa aquilo que é
voltado para dentro. O adjetivo exotérico significa algo que é comum e do conhecimento público, não constituindo um
mistério. É sinônimo de público, conhecido, comum. Na Antiga Grécia as doutrinas ou ensinamentos exotéricos eram
destinados a todos, sendo ensinado publicamente. O adjetivo esotérico refere-se a um ensinamento destinado a poucos,
aos iniciados. Na Antiga Grécia as doutrinas esotéricas ou ensinamentos esotéricos estavam destinados a um grupo
restrito e fechado de pessoas qualificadas e especializadas.
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inicialmente em duas partes ( agosto de 1911 e setembro de 1912 ) no Jahrbuch; no final de 1912 é
publicado como livro e Jung adiciona um subtítulo Contribuições à história da evolução do
pensamento” ( publicado em 1916 em inglês Psychology of the Unconscious). Em 1925 uma segunda
edição não revista. com adição de um prefácio; em 1938 uma terceira edição essencialmente sem
alterações e com um prefácio datado de novembro de 1937; em 1946 usa a edição de 1938 e faz uma
extensa revisão, praticamente reescreve o livro, com o propósito de publicar uma quarta edição; entre
as muitas alterações Jung insere referências às suas pesquisas e publicações pós- freudianas. O livro é
publicado em 1952 com o título de “Símbolos da Transformação e com um novo subtítulo Análise dos
prelúdios de uma esquizofrenia mais um conjunto de 300 ilustrações selecionadas por Jolande Jacobi e
um longo prefácio escrito em setembro de 1950. Na edição das GW e CW foi incluído como apêndice o
texto de Frank Miller publicado em junho 1905 nos Archives de Psychologie com o título Quelques
faits d’imagination crèatice subconsciente13
Os primeiros escritos, ainda estudante, de Jung só foram publicados nos anos 70 e 90 e são as
5 conferências que pronunciou na fraternidade estudantil Zofingia, no período entre 1896-1899 e
publicadas em 1997. Outros escritos anteriores a 1902, são a sua correspondência com Förster-
Nietzsche em 1899 e publicadas em 1993, a resenha que fez do livro de Freud, “Sobre os Sonhos em
1901 e publicado em 1973 e o seu currículo vitae, escrito em 1902, para o ingresso no programa de
doutorado na Universidade de Zurique e publicado em 1996.
B)- ESCRITOS EDITORIAIS:
Coletânea e organização dos escritos em diferentes volumes. Os textos publicados, na sua
grande maioria, estão em sua última e revista versão. O corpo editorial e principalmente a editora dos
Collected Works ( primeira edição internacional autorizada ) optou por apresentar os escritos e a
organização dos volumes seguindo um critério que poucas vezes é cronológico e outras vezes é
temático mas nunca fica claro, qual é de fato, o critério escolhido. Esta “visão” editorial contribui para
que a obra de Jung e por extensão sua teoria seja vista como um conjunto indivisível de ensinamentos
que subitamente emerge ao invés de uma forma de pensamento que evolui e se transforma ao longo do
tempo.
Um exemplo ( entre outros ) pode ser citado para ilustrar esta falta de “clareza” editorial e a
dificuldade ou mesmo a impossibilidade de uma leitura critica da obra de Jung, que sempre supõe uma
analise do processo de construção e ampliação de uma ideia e daí a necessidade de uma ordenação
cronológica dos escritos, o que serve como bom antidoto para o que pode ser chamado de uma leitura
“caótica”. 1)- Os textos incluídos na primeira parte do volume XVI, A Prática da Psicoterapia,: Antes de
apresentar a forma “desordenada” como os escritos são apresentados, cabe um breve comentário sobre
o titulo escolhido para este volume. O volume publicado em alemão tem como titulo Praxis der
Psychotherapie. A palavra práxis tem o sentido de uma prática informada pela teoria e também, ainda
com uma menor ênfase, a teoria informada pela prática; distinto tanto da pratica não informada ou
não preocupada com a teoria quanto da teoria que permanece teórica e não se submete ao teste da
pratica. Tratase de uma palavra que pretende unir teoria com o sentido mais forte da atividade pratica.
Voltando a uma analise do índice desta primeira parte, Aspectos Gerais da Psicoterapia, que são nove
textos listados e na seguinte ordenação e vou citar apenas o lugar no índice e o ano da sua publicação :
I: 1935; II:1935; III: 1929; IV: 1929; V:1929; VI: 1942; VII: 1945: VIII: 1941; IX: 1951. Fácil pensar como é
possível uma outra ordenação que obedecesse o critério cronológico. Um outro detalhe importante é
que na segunda edição deste volume em inglês, existe um texto a mais, escrito em 1934, Realidades da
Psicoterapia Prática.
Os Collected Works14 tem um papel determinante na difusão do pensamento e na construção do
pensamento junguiano mas não inclui tudo aquilo que ele escreveu ( sempre coletânea nunca obra
completa.). O aparato crítico, fornecendo informações importantes e complementares ao texto é
mínimo ou inexistente, o que distancia essa “coletânea” de uma clássica edição histórica e crítica,
como se pode perceber no caso da obra de Freud que tem um alto nível de informações fornecidas pelo

13- Alguns fatos da imaginação criativa subconsciente. Na edição publicada pela Editora Vozes este artigo tem como
título Fenômenos de sugestão passageira ou auto sugestão momentânea ( ? ).
14- Um pouco da história dos Collected Works pode ser lida no anexo 1
5
corpo editorial. Um esforço no sentido de reparar essa falha é visível na edição publicada na Espanha
pela Trotta, onde alguns volumes, mas não em todos, contém uma introdução dos editores
contextualizando os textos contidos dentro do volume, tanto historicamente como também dentro da
evolução do pensamento de Jung e além disso notas de rodapé ampliam e esclarecem o texto.
Os Escritos de Jung em Língua Portuguesa
E como podemos contar a história das publicações dos livros e escritos de Jung e sobre Jung para o
publico de língua portuguesa?
Os escritos de Jung a serem apresentados nesta pesquisa, serão os escritos “não editoriais” e são
anteriores à publicação das assim chamadas “Obras Completas” publicadas pela Editora Vozes
( Brasil ) e que passam a compor os “escritos editoriais”.
Em função desta distinção o eixo cronológico vai até 1978, ano em que a Editora Vozes inicia a
publicação das “assim chamadas” Obras Completas de Jung, com o volume VII Estudos de Psicologia
Analítica ( edição encadernada ), com a tradução de Maria Luiza Appy e Dora Ferreira da Silva, do
primeiro dos estudos de psicologia analítica ( volume VII/1 ) Psicologia do Inconsciente ( edição em
brochura ) traduzido por Maria Luiza Appy e do segundo estudo de psicologia analítica Eu e o
Inconsciente ( edição em brochura ), com tradução de Dora Ferreira da Silva ( volume VII/2) e
Psicologia e Religião ( edição em brochura ), traduzido por Mateus Ramalho Rocha, que é um texto do
volume XI ( Psicologia da Religião Ocidental e Oriental ).
Um outro dado também significativo de 1978 é o começo da institucionalização do pensamento
de Jung no Brasil, com a fundação em 13 de maio de 1978, em São Paulo, da Sociedade Brasileira de
Psicologia Analítica e no inicio de 1979 inicia seu primeiro curso de formação de analistas. Mas todos
estes acontecimentos de 1978 pertencem a uma outra história.
O indexador para os escritos serão o Volume XIX dos “Collected Works”( C.W.), General
Bibliography of C.G.Jung’s Writings ( first edition ) e Volume XIX dos “Gesammelte Werke” (G.W.) ,
Bibliographie (1983 ). A edição em lingua inglesa lista os escritos até 1975 e são indexados escritos de
Jung não somente em língua alemã e inglesa como também em mais 17 línguas, como por exemplo,
holandês, português, húngaro, japonês, russo, etc. A edição em alemão mantêm as 17 línguas e inclui
mais duas, persa e polonês. Uma observação importante: as edições seguintes do Vol.XIX do
“Collected Works” reduz para apenas 7 as línguas listadas (alemão, inglês, francês,italiano,espanhol,
hebreu e hungaro).
Apesar de ser o indexador referencia para qualquer edição das obras de Jung, o volume XIX dos
GW contém 3 equívocos em relação a publicação dos escritos em português:
1)- O livro Psicologia e Religião ( Zahar Editora – Rio de Janeiro ) está indexado como tendo sido
publicado em 1956 mas na realidade foi publicado pela mesma editora em 1965 e traduzido por Fausto
Guimarães a partir da edição publicada em 1962 pela Rascher Verlag;
2) O livro Psicologia e Educação está indexado como publicado pela Editora Fundo de Cultura
( Rio de Janeiro ) em 1962. Salvo melhor juízo este livro nunca foi publicado em português por essa
editora ou nenhuma outra editora, pelo menos dentro do período cronológico estabelecido para esta
pesquisa;
3)-O livro Sobre a Psicologia do Inconsciente, indexado em 1967 e publicado pela Editora Delfos
( Lisboa ) é o mesmo livro publicado em 1967 por essa editora mas com outro titulo: Acerca da
Psicologia do Inconsciente e traduzido por Ingrid Bauner Trigo Trindade.
C)-FREUD ANTES DE JUNG
Antes do inventário dos escritos do/sobre o Jung um adendo se faz necessário, para apresentar
dois temas que dialogam com essa pesquisa: A)- a chegada de Jung através de citações, comentários e
criticas em livros que vamos chamar de precursores à chegada do livro pioneiro, escrito em 1931 por
Arthur Ramos, e dois livro, a que tive acesso, servirão a esse propósito: 1)- A Doutrina de Freud ( 1930 )
de Franco da Rocha15, considerado como o primeiro livro de apresentação da ideias de Freud no Brasil 16
15- A primeira edição ( 1920 ) tinha como título O Pansexualismo na Doutrina de Freud. Ver artigo de Josiane Canto
Machado ( citado na nota 14 ) para o comentário acerca da mudança do título do livro
16- A edição especial da revista Analytica – Revista de Psicanálise, de 2014 ( vol.3, n.4 ) 100 anos de Psicanálise no
Brasil, apresenta uma coletânea de textos sobre a história da psicanálise no Brasil e três deles principalmente foram
utilizados nesta pesquisa: A Emergência da Psicanálise no Brasil: O Pansexualismo de Franco da Rocha ( Josiane
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e 2)- Ensaios de Psicanálise ( 1929 ) de J.P. Porto Carrero17,
pioneiro da psicanálise no Rio de Janeiro e
como ele se definia “fanático pela psicanálise”. B)- a anterioridade da publicação dos escritos de Freud
em português em relação aos escritos de Jung ( iniciado em 1931
O inicio do primeiro tempo da psicanálise em São Paulo 18 começa com a publicação em 1920 do
livro de Franco da Rocha Pansexualismo na Doutrina de Freud e na segunda edição publicada em 1930
tem como título A Doutrina de Freud. ( ver nota 14 ).
Anterior a esse inicio dois eventos são relevantes:
1)-em 26 de dezembro de 1914, o médico cearense Genserico Aragão de Souza Pinto apresenta na
Faculdade de Medicina do Rio de janeiro sua dissertação Da Psicoanalise: a sexualidade nas nevroses e
aprovada com distinção; esse é o primeiro trabalho acadêmico em língua portuguesa a tratar do tema
da psicoanalise (grafia da época );
2)- em 18 de novembro de 1919, Medeiros e Albuquerque, membro da Academia Brasileira de
Letras, apresenta na Policlínica do Rio de Janeiro sob os auspícios da Sociedade de Neurologia e
Psiquiatria, a conferência intitulada A Psicolojia de um Neurolojista- Freud e as suas teorias sexuais;
posteriormente editada e publicada nos Archivos Brasileiros de Medicina e em 1922 na coletânea de
textos escritos por Medeiros e Albuquerque: Graves e Fúteis ( Livraria e Editora Leite Ribeiro ); sendo
essa conferência a primeira apresentação pública das ideias de Freud.

Conforme vimos acima um livro, uma apresentação pública para uma sociedade científica e uma
dissertação de doutorado para uma universidade brasileira marcam a chegada do pensamento de
Freud no Brasil. E como e quando se dá esse desembarque em jornais de circulação diária ou semanal e
em revistas ligadas à alguma areá técnica ou profissional?
Periódicos19
A primeira referência à uma ideia de Freud foi em 26 de março de 1918 no jornal anarquista e
operário, publicado semanalmente em São Paulo, “Combate”, numa matéria sobre o saneamento do
Brasil e tinha com título: A phobia das doenças e o pessimismo injusto dos lettrados.
Cantos Machado ); Trajetória da Psicanálise Paulista ( Carmen Lucia Montechi Valladares de Oliveira ); Arthur
Ramos e a Psicanálise na Bahia ( Maria Odete de Siqueira Menezes ).
17 -Durante os anos 1930, ele participa ativamente da equipe de tradutores que publica 7 volumes contendo 52 títulos
(conferências, ensaios, artigos e livros) das obras de Freud, pela editora Guanabara, Waissman-Koogan, do Rio de
Janeiro. Uma parte dessas traduções será retomada na ocasião da publicação das Obras Completas de Freud, pela
editora carioca Delta, em 1958.
18- Em Trajetórias da psicanálise paulista ( ver nota 14 ) Carmem Lucia Montechi, estabelece como duração desse
primeiro tempo o período que vai da publicação do livro de Franco da Rocha ( 1920 ) e termina em 1937 quando a
primeira analista didata, Adelheid Koch, desembarca no Brasil.
19- Ver: O Jornal como Fonte Histórica: José D’Assunção Barros, ( Editora Vozes, Rio de Janeiro: 2023 )
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Citando o inicio da matéria: Sigmund Freud, o médico vienense que primeiro estudou os estados
anciosos paroxístico, talvez encontrasse aqui a confirmação da sua theoria genésica e pudesse applicar
algo no Brasil. O “methodo catharsico” bem conhecido dos alienistas para descobrir as causas dessa
“phobia” de que se acham possessos quasi todos os nossos letrados, depois que o professor Miguel
Pereira proclamou do alto da sua cathedra que o “Brasil é um vasto hospital”. É que, com certeza, o
médico austríaco que affirmou que as moléstias da emotividade nascem da perversão moral havia de
generalizar à sociedade brasileira atual a sua psychanalyse, attribuindo ao nosso “libido” política, cujo
auge marcamos no quatrienneo Hermes, a causa dessa preocupação angustiosa pelo saneamento
dos nossos sertões.

Vamos reencontrar Freud somente em 1928 no Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), na edição de 04
de fevereiro de 1928: Muito interessante o livrinho de divulgação publicado pelo Professor Deodato de
Moraes sobre a “Psychanalyse na Educação” 20. As theorias de Freud em que o inconsciente toma
proporçoes que dominam toda a psychologia são ahi tratadas com habilidade dando ao leitor uma idiea
bem nítida dos novos rumos desta sciencia. Ao professorado recomendamos a leitura do livrinho do
professor Deodato, como introdução para um estudo mais sério da própria obra do professor Sigmund
Freud encontrada em francez e hespanhol nas nossas principais livrarias. ( Alberto Moreira )
Na edição de 22 de abril de 1928 do Jornal do Comércio (Rio de Janeiro ), é reproduzida na íntegra
a aula inaugural do Curso de Psychanalyse Aplicada à Educação 21proferida pelo Dr. Julio P. Porto
Carrero na sede da Associação Brasileira de Educação em 20 de abril de 1928.
Na edição de 09 de setembro de 1929 do jornal A Gazeta ( São Paulo ), A questão sexual no
Brasil. O problema das glandulas e o endocrinologista Urstein 22
A partir desta pequena amostra e desta data que a curiosidade sirva de guia para quem quiser
acompanhar essa trajetória de Freud e os periódicos.

20-Para uma análise detalhada deste “livrinho” ver: Deodato Moraes e W.S.Jones: Duas contribuições para o
estudo da “psicanálise e educação” no Brasil: Elizabete Mokrejs: Revista da Faculdade de Educação ( São Paulo )-
vol.6 n0 1-2 pags 23-37 (1990 ). Ver também: Associação Brasileira de Educação e a inserção da psicanálise no
campo educacional: Julio Porto-Carrero, Pedro Deodato de Moraes e Renato Jardim ( 1927-1931 ): Rafael Dias da
Costa ( UEMG- Unidade de Carangola ): Revista HISTERDBR – on line.
21- A resenha desta aula foi publicada pelo Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 02 de maio de 1928. A
versão integral também está publicada na coletânea de escritos de Porto Carrero Ensaios de Psicanálise ( 1930 ),
com o título Conceitos e História da Psicanálise..
22- Segundo a matéria: … da visita ao nosso país do professor Maurício Urstein, conhecido endocrinologista
polaco.
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Revistas Culturais
Na revistamodernista23 Estética24,
publicada em setembro de 1924, o artigo Sobre uma esthetica
dynamista ( pag. 123 -126 ) comentantário do artigo de Charles Baudoin La Psychanalyse et
l’Esthetique Dynamiste publicado no Cahiers Idealistes.

Na revista modernista, A Revista25 no número de 2 de agosto de 1925. Iago Pimentel escreve o


artigo Sobre a psycho-analyse e no inicio escreve: Sobre a doutrina de Freud, ou psycho-analyse tão
divugada tão mal conhecida, tão mal interpretada, procuraremos dar aqui em ligeiros traços, um
rápido apanhado, remetendo o leitor que tiver, que tem interesse em melhor conhecê-lo, à leitura de
uma série de conferências feitas pelo próprio Freud em 1909 na Universidade de Clark nos Estados
Unidos, cuja publicação iniciaremos no próximo número desta revista e onde se acham suscitamente
expostos todo o histórico e evolução da doutrina. E a partir desse ponto segue o artigo com uma breve
apresentação das ideias de Freud.
Mas o que chama a atenção neste artigo é a prposta de Iago Pimentel em começar a traduzir um
texto de Freud direto do alemão ( primeira tradução direta ? ) e que começara a ser publicado a partir
do próximo número ( janeiro de 1926 ). No número 3 é publicado a primeira parte com o título Sobre
a Psycho-Analyse ( Sigismundo Freud em tradução direta de Iago Pimentel ), mas a tradução não
seguiu adiante, pois A Revista deixou de ser publicada a partir desse número. Freud estava
acompanhado neste número, entre outros, de Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos
Drummond de Andrade, Pedro Nava, Guilherme de Almeida.

23- Ver: Do Alienista aos Modernistas e Psicanalista- Maria Angela G. Moretzsohn. Revista Brasileira de
Psicanálise: vol.52 n0 1 jan/mar 2018 ( São Paulo ).
24- Revista trimestral publicada no Rio de Janeiro, editada por Sergio Buarque de Holanda e Prudente de
Moraes, neto., e teve só três números publicados. Ver: Revistas Modernistas ganham versão digital, Claudia
Costa, Jornal da USP, edição de 27 de junho de 2022. Contém a versão fac-simile de todas as revistas
modernistas publicadas no Brasil
25-Terceira revista modernista do Brasil, publicada em Belo Horizonte, com o primeiro número em julho de
1925 e com só mais duas edições ( agosto de 1925 e janeiro de 1926 ); dirigida por Carlos Drummond de
Andrade e Francisco Martins de Almeida.
9

Na revista Terra Roxa e outras terras26, na edição de 27 de fevereiro de 1926 ( n0 3 ) podemos ler
sobre a Conversão de Freund ( grafia da publicação )

A notícia é trazida por uma revista de psicolojia, PSYCHE, que se publica em Londres. Não se trata
de uma conversão relijiosa. Trata-se sim da adhesão de Freund à telephatia. Referindo-se aos
fenômenos telepáticos elle assim se exprime conforme se vê no artigo publicado pelo “ Wiener
Allgemeine Zeitung”: “eu acredito que encontrei material suficiente para não admittir mais dúvidas a
este respeito”. As recordações (“memories”), quando impregnadas de um forte tom afetivo são
facilmente transmitidas diz elle,e acrescenta: “estou inclinado a concluir de inúmeras experiências que
essas transmissões ocorrem quando uma ideia está emergindo do inconsciente”. Si assim é, o problema
da análise dos sonhos é afetado de duas maneiras conforme salienta Freund: a)- há a possibilidade de
serem as imagens oníricas devido a influência telepáticas exercidas sobre a pessoa que dorme, durante
o sonho desta, b)-deve-se sempre tomar em consideração as impressões vehiculadas telepáticamente

26- Jornal literário modernista de São Paulo,de periodicidae quinzenal mas irregular, teve apenas sete números,
o primeiro publicado em 20 de janeiro de 1926 e o último em 17 de setembro de 1926.
10
sobre a pessoa no dia do sonho ou nos dias anteriores ao sonho. Eis, no seu laconismo, o que nos disse
a revista acima referida.
Na revista Vida Doméstica ( Revista do Lar e da Mulher )27, na edição de dezembro de 1928,
no artigo Conceitos Modernos é feita uma breve apresentação de algumas poucas ideias de Freud e
nesta seção da revists com um certo “ar”de dicionário, Freud divide as páginas com outros conceitos
modernos: Bolchevismo, Auto Sugestão, Theoria da Relatividade, Música Atonal, Pan-Europa,
Rejuvenescimento e Occultismo

Revistas Científicas
Em publicações destinadas a um público específico e no caso de Freud, médicos em geral e
psiquiatras, vamos encontrar na revista semanal Brazil-Médico: Revista Semanal de Medicina e
Cirurgia, a primeira referência ao pensamento freudiano, na edição publicada em 05 de junho de
1920, um texto assinado por J. Moreira comentando o recém publicado livro de Franco da Rocha, O
pan-sexualismo na doutrina de Freud.

Na edição publicada em 1922 ( I-II trimestre ) dos Archivos Brasileiros de Neuriatria e Psychiatria,
é reproduzida a sessão da Sociedade de Neuriatria e Psychiatria realizada em 23 de agosto de 1922, na
qual o Prof. Antonio Austregesilo apresenta um relatório intitulado Psico-Analise nas Doenças
Mentais e Nervosas.

27- Revista mensal e posteriormente quinzenal e depois semanal, voltada ao público feminino, publicada no Rio
de Janeiro entre 1920 e 1962. Ver: Entre o tradicional e o moderno. Os femininos na revista Vida Doméstica.
Elizangela Barbosa Cardoso: Revista Gênero vol.9 n02 - 2009
11
E a partir daqui vale a sugestão para que a curiosidade sirva como guia para quem quiser seguir
o percurso de Freud nos periódicos e nas revistas técnicas e científicas.
Depois deste breve percurso pelos periódicos e sem perder de vista aqueles dois eventos
anteriormente mencionados e tudo isso com seus significados, importância desdobramentos e
implicações mas considerar todo esse material é uma outra história. E agora sim voltamos ao livro do
Franco da Rocha e antes de algumas citações do livro, principalmente as que dissem respeito a Jung, de
quem o autor parece nutrir uma certa simpatia, passo direto para a bibliografia e o autor escreve: Só
mencionaremos aqui as obras que pudemos ler para elaborar o presente resumo, e entre suas fontes
cita: Prof.C.Jung: Collected Papers on Analytical Psychology: É um grande volume onde se
encontram diversos estudos: o método de associação,a psicologia do ocultismo, psicologia dos
processos inconscientes, psicologia do boato ( rumor ) e correspondência do autor sobre psicanálise.
( pag. 235 )28. Seguindo com o livro:

Ao Leitor:
A publicação deste livro só tem por objetivo transmitir uma noção exacta da doutrina de Freud
que é muito falada e bem pouco conhecida. Não é fácil obter uma intuição correcta da “Psicoanalise”.
Para isso é preciso ler e estudar muito um assunto que não dá resultado prático imediato. A “pressa de
acabar”, estado d’alma que tem invadido actualmente a sociedade inteira, não permite a qualquer
homem um trabalho tão lento e penoso, só por amor ao saber. Pag.5
[…]
Não sou psicanalista ligado a esta ou aquela escola. Utilizo-me da psicoanalise sempre que ela
pode servir, e como é um estudo interessante, em que se ocupam muitos homens de valor, procurei
torná-lo accessivel a quem desejar conhece-lo. Pag.7.
[…]
Prevenidos no prefácio, os que tiverem medo de ver sua bela moral estragada, fechem este livro,
não o leiam. Pag.9
A Doutrina de Freud
Estudando a psicopatologia dos processos inconscientes. Jung assim se expressa: “Considero a
questão do inconsciente como especialmente importante e, neste momento, oportuna. Na minha
opinião seria uma grande perda si este problema, que nos interessa a todos tão intimamente,
desaparecesse do horizonte do publico leigo e de boa educação, para ser relegado às colunas de algum
jornal scientifico, especializado e inacessivel.. Os factos psicológicos que acompanham a presente

28- Por alguns dos textos citados, o autor estava usando a segunda edição dos Collected Papers ( 1917 )
12
guerra – a incrível brutalização da opinião pública, a epidemia de calunias, a surpreendente mania de
destruição, o dilúvio de mentiras e a incapacidade do homem para conter o demónio sanguinário – são
provas iniludiveis para pôr deante dos homens pensadores o problema caótico do inconsciente, que
dormita inquieto sob o mundo consciente disciplinado. Esta guerra tem mostrado inexoravelmente ao
homem civilizado que ele ainda é bárbaro. Ela aponta-lhe também o flagelo de ferro que o espera, si de
novo ocorrer ao homem a ideia de fazer o vizinho responsável pelas suas más qualidades. A nação faz o
que faz o indivíduo. Uma metamorfose na atitude do indivíduo é o único meio de transformar a
psicologia de um povo. Os grandes problemas da humanidade não se resolvem por meio de leis
universaes, mas sim pela remodelação da atitude dos indivíduos. Si jamais houve ocasião oportuna
para mostrar a absoluta necessidade de autoexame, é exactamente agora, nesta grande catástrofe. Mas
aquele que reflecte sobre si mesmo, esbarra de encontro ao incosnciente, onde se acha oculto, de facto,
aquilo que ele mais precisa saber. ( Analytical Psychology. Pag. 352 : 1917 ) pags. 15-16.
[…]
Nota de rodape pag 20: Quem desejar inteirar-se fartamente desse assunto poderá ler com
vantagem os trabalhos de C.Jung – “Psychology of the Unconscious” – dos quaes não podemos dar aqui
nem siquer um resumo, porque iriamos além dos intuitos deste livro. Ahi o leitor verá a concepção do
inconsciente pessoal e do inconsciente impessoal ou coletivo.
[…]
A nevrose, para esta escola, é um meio ( inconsciente, está bem visto ) de afastar-se o paciente da
realidade pratica e consolar-se das exigências desta, por uma vida cheia de fantasias imaginativas. Isso
se realiza , tanto mais facilmente, quando é certo que o exagero da da vida de fantasias é parte essencial
da disposição psíquica do nevrotico; tal disposição é que dificulta ou retarda a educação do instinto
sexual em relação com a realidade. Dá -se então o fato que Jung chamou “introversão da libido”, o que
quer dizer – a libido se desvia da realidade e se aplica à vida de fantasias. Pag. 97
[ …]
Seus discípulos, fina elite intelectual de psicopatologistas, como os da escola de Zurich ( Bleuler,
Jung, Mäder e outros ) têm-lhe dado pulso forte no desenvolvimento da sua doutrina. Em questões de
pequenos detalhes há, entre eles, dissidentes. Pouco importa. A escola é de Freud. Pag. 102.
[ ...]
Jung sustentava, como resultado de cuidadosa analise dos sonhos e das nevroses, que as forças
criadoras dos mitos nãos extinguiram na humanidade. Tudo o que sabemos a respeito da mentalidade
nos tempos idos, ainda hoje se observa no psiquismo das crianças, no sonho e nas nevroses.
O desenvolvimento ontogenético resume o filogenético. Pag.123.
[…]
O melhor meio de exercitar-se a gente na psicoanalise é interpretar seus próprios sonhos.
Nota 17: Jung tema analisado mais de 2000 sonhos para chegar a algumas conclusões
interessantes entre as quaes a da constância de certos mitológicos que aparecem nos sonhos e, muitas
vezes, com a mesmíssima significação da mitologia ( v. “The Psychology of Dreams” – tradução de
Constance Long, apud “Collected Papers on Analytical Psychology”- 1917 ) Pag. 133
[…]
Pag. 144.nota 30: Um importante principio prático, diz Jung é analisar o material psíquico que se
apresenta por si mesmo. Qualquer interferência do analista para fazer a associação seguir um
determinado curso, constitue grosseiro erro de técnica. Deixar que a associação se faça ao léo, é a regra
e ordem da psicoanálise. Parece haver uma contradição com o que ficou dito acima, mas não há. O que
é preciso é muita parcimônia nesta interferência.
[…]
Os psicoanalistas de Zurique – Jung e Bleuler principalmente - submetem suas descobertas dos
“complexus” à contraprova experimental pelo método já antes usado pela psicologia experimental e em
estudos psiquiátricos por Kraepelin, Aschaffenburg e outros.
[ … ] Jung ao cabo de longa experiencia, arrajou uma coleção de 100 palavras, das quaes se utiliza
na sua prática. As palavras estímulos da coleção de Jug visam associações que se podem encaminhar
até os “complexus” que com mais frequência aparecem na clínica. Naturalmente a palavra estímulo de
13
uma língua pode perder seu valor quando vertida noutra língua, para a qual não fora especialmente
escolhida.
[ … ] O interesse das investigações de Jung é ter dado uma explicação psicológica das pertubações
associativas observadas no correr das experiencias. Para ele, as repetições da palavra indutora, lapsus
verbaes, gaguejamentos, hesitação, aumento do tempo de reação,etc. São sintomas de “complexus”.
Quando a palavra indutora atinge a um “complexus” inconsciente, este tende a realizar-se todo inteiro,
temporariamente, e determina as pertubações mencionadas. É isso que justifica e rege a aplicação do
método psicoanalítico. Pags 147-148.
[…]
Pag. 169 Nota 35: “Die Bedeutung der Vaters Jur das Schicksaal des einzelnen” é um estudo de
Jung, que encerra ensinamentos de grande utilidade, relativamente à educação das crianças no seio das
próprias famílias. Ahi se vê bem claro, a danosa influencia das discordias e desarmonias entre os paes
sobre a futura adaptação dos filhos à realidade da vida. O artigo é longo; não podemos reproduzi-lo. Há
dele uma tradução inglesa pela Dra. Eder: “ The Significance of the Father in the Destiny of the
Individual
[…]
Pag. 194 Nota 41: Jung protesta contra esse modo de ver , dizendo que o psicoanalista desenvolve ,
sem dúvida , a anannese mais minuciosamente que qualquer outro especialista, mas que a psicoanalise
é coisa mui diversa: ela reduz o conteúdo consciente actual, de natureza acidental ( assim chamado )
ás suas determinantes psicológicas ; nada tem em comum com a construção anamnesica da história da
doença ( “ Collected Papers on Analytical Psychology” pag.207 ). Quer dizer que a psicoanalise é mais
profunda.
[…]
Pag. 204 Nota 48: Será de grande proveito aos medicos a leitura da correspondencia entre Carl
Jung e o Dr. Loy sob o título – “Alguns pontos decisivos na psicoanalise – publicada pelo
“Psychoterapeutische Zeitfragen” cuja tardução inglesa – “On some crucial points on psychoanalasys” –
se encontra nos “Collected Papers” de C.G.Jung. É leitura agradável e, além disso, muito instrutiva
como filosofia da medicina. Aquele que se julgar possuidor da verdade em questões terapeuticas, terá
logo diante de si a pergunta de Platão: “quid est veritas”

O volume Ensaios de Psychanalyse é constituído por 18 conferências que ocorreram ao longo dos
anos de 1926 a 1929 e o textos não estão organizados em ordem cronológica. Sete dos artigos são
dedicados ao tema da criança.
O primeiro artigo desta seleção, Conceito e História da Psicanálise, texto da aula inaugural no
Curso de Psicanálise Aplicada à Educação em 20 de abril de 1928:

Da Suissa, sorprende BLEULER a FREUD com a noticia da grande aceitação da sua teoria e da
aplicação da psicanálise em Burghõlzli. Logo se iniciam os congressos psicanaliticos, em um dos quais
14
assinala FREUD a pouca serenidade dos membros, que se hostilizam, na disputa da prioridade de
ideias.
No entanto, BLEULER e seu discípulo JUNG tornavam a Escola de Zurich centro cada vez mais
forte do movimento psicanalitico. E FREUD, em 1910, por ocasião do 2º Congresso, concebe a
organização desse movimento, dando-lhe por centro a Suissa e fazendo-lhe chefe – oh grande
simplicidade dos sabios ! - a JUNG, o mesmo JUNG que havia de mostrar-se-lhe ingrato e egoísta,
formando uma dissidencia que conserva o mesmo nome de "psicanálise", mas que diverge desta pelas
idéas fundamentais.
Destarte, o genial criador da nova ciencia, bastante grande para despir-se da vaidade, abdicava de
si a direç:ão da sua propria obra, para confiar o bastão a alguem mais jovem. Ele compreendera que o
meio austro-alemão lhe era pessoalmente infenso; e sacrificava a sua pessoa, pela sua ciencia. Dos
Congressos seguintes, surgiram a publicação do Jahrbuch fuer psychoalytische und psychopatologie
Forschugen assim como dos Schriften fuer Psychoanalase assim como dos Schriften fuer angewandt
Seelekund e também a fundação da União Iternacional Psicoanálitia.
Deles derivam tambem as retiradas de BLEULER e de JUNG, que dirigiam o Jahrbuch; ele A.DLER
e de STEKEL, a quem coubera a redação da Zentralblatt. Tudo se resume na dissenção entre os austro-
alemães e os suissos, para a qual concorreram o ciume de BLEULER, o· orgulho de JUNG, a autolatria
de ADLER e, quanto a STEKEL, um motivo particular, que FREUD cobre com o silencio.
A sexualidade é o grande tabú. BLEULER discorda da Sexualtheorie e lança sobre a doutrina de
FREUD o apodo de pansea;ualismo. O nome é comodo; e muita gente confunde a doutrina das duas
classes de instintos: os do Eu e os sexuais ou os de vida e os de morte, com o conceito erroneo que lhe
atribue BLEULER.
O tabú da sexualidade venceria tambem a JUNG. A escola de Zurich nascera fóra das vistas do
mestre, desenvolvera-se mais do que a de Viena, onde FREUD encontrava os maiores tropeços:
ninguem é profeta em sua terra. Depois de elevado pelo proprio FREUD a chefe do movimento
psicanalítico, JUNG sente a vertigem das alturas. O carater independente, que lhe atribuía o Mestre,
demonstra-se-lhe num dos congressos, por um autoritarismo mal tolerado pelos austro-alemães .
E' quanto basta para que do fundo do inconsciente lhe surja o tabú sexual. Para a psicanálise de
JUNG, a libido não deveria ser sexual; mas os escritos de grande valor que publicara, as demonstrações
admiraveis que fizera, as observações claríssimas que comunicara - não lhe permitiam voltar tanto
atraz, recalcando de todo aquele complexo. Estabelece-se-lhe na conciencia o compromisso: entre ser
sexual e não ser sexual, há o meio termo: a libido de JUNG é semi-sexual; é sexual em parte. No
entanto, deve a psicanálise á escola suissa e notadamente a JUNG contribuições de tal valor, que
FREUD só terá para contrapor-lhe a sua propría personalidade, a de FERENCZI, a de REIK e pouco
mais
Publicação dos escritos de Freud no Brasil (1931 -1935 )
1931: A primeira publicação de um escrito de Freud no Brasil é “Cinco Lições de Psicanálise”,
tradução direta do alemão por Durval Marcondes e J. Barbosa Corrêa, editado na “Bibliotheca
Pedagógica Brasileira ( vol. 1 )- Companhia Editora Nacional ( São Paulo ). Contém um prefácio escrito
por Durval Marcondes
15

1933: Psychopathologia da Vida Cotidiana: tradução direta do alemão Elias Davidovich ( medido
pela Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro ). Editora Guanabara.

1934: Introdução à Psychanalyse: traduzido com autorização do autor por Dr. Elias Davidovich.
Editora Guanabara

1934: Totem e Tabu: tradução direta do alemão revista por Prof. Dr. J. P. Porto Carrero. Editora
Guanabara
16
1934; O Futuro de uma Ilusão ( Psicologia das Religiões ): tradução direta do alemão pelo Prof.
Dr. J.P. Porto Carrero. Editora Guanabara;

1934: Técnica Psicanalítica e Psicologia da Angústia: tradução direta do alemão pelo Dr. Odilon
Galotti ( Docente de clínica Neurológica e Psiquiatra da Assistência a Psicopatas no Distrito Federal ).
Editora Guanabara.

1934: Psicologia da Vida Erótica: tradução Moysés Gikovate. Editora Guanabara.


17

1934: Psicanálise e Psiconeurose: tradução direta do alemão pelo Dr. Odilon Gallotti ( Docente de
clínica Neurológica e Psiquiatra da Assistência a Psicopatas no Distrito Federal ). Editora Guanabara

1935: Interpretação dos Sonhos e outros ensaios: tradução pelo Dr. Odilon Gallotti. Editora
Guanabara.

Este livro causa uma pequena confusão no levantamento bibliográfico dos escritos de Freud no
Brasil, pois o título do livro na capa é “Introdução ao Estudo dos Sonhos” mas o titulo interno do livro
é “Interpretação dos sonhos e outros ensaios”.
O projeto da publicação das obras do Freud em português se encerra em 1935, após 09 volumes
todos pela Editora Guanabara, e vai ser retomado em 1950 pela Editora Delta.
Neste período intermediário ( 1935 -1950 ) são publicados vários livros com o propósito de
popularizar e por que não disser vulgarizar a o pensamento de Freud. Como exemplo podemos uma
coleção em doze volumes, publicada pela Editora Calvino, com o título Freud ao alcance de todos, sob
a supervisão editorial do Dr. J. Gomez Neria . Os volumes publicados entre 1940 e 1941 tem títulos,
entre outros, como: Freud e o hábito sexual, Freud e a histeria feminina, Freud e as anomalias sexuais,
Freud e as regras do sexo, Freud e os mistério do sonho, Freud e a higiene sexual. Freud e a psicanálise
da guerra.
Junto com essa coleção outros livros em outras editoras tiverem o mesmo papel mas pesquisar
esse mundo, escapa em muito o âmbito deste trabalho.
18

D )-RELAÇÃO CRONOLÓGICA DOS ESCRITOS DE JUNG


Artigo em Revista Médica
1947
A Natureza dos Sonhos – Actas Ciba ( Rio de Janeiro ) ano XIV 2/3 ( fevereiro março ) pag.51 – 63; 29

Livros
1961
Eu Desconhecido - Fundo de Cultura ( Rio de Janeiro ); traduzido por Fausto Cunha;30

29- Texto 2
30- Boa tradução brasileira com o título pouco feliz de O Eu Desconhecido( Nise da Silveira: Jung. Vida e Obra
( pag. 183 ).
19

Prefácio: Introdução ao Zen Budismo( D.T.Suzuki )- Editora Civilização Brasileira ( Rio de Janeiro )
traduzido por Murilo Nunes de Azevedo.

1962
O Homem a Descoberta da Sua Alma – Livraria Tavares Martins (Porto) traduzido por Camilo Alves
Pais e prefácio de M.Azevedo Martins para a edição portuguesa e também um prefácio de Roland
Cahen escrito para a edição original L’homme à la decouvert de son âme e um epilogo de Jung.
20
1962
Mito Moderno – Editora Minotauro ( Lisboa ); tradução e prefácio de José Blanc de Portugal

1964

Prologo ao livro de Victor White “Deus e a Psicanalise”- Livraria Martins Editora ( Lisboa ). O
apêndice escrito por Gebhard Frei contém trechos da correspondência entre Jung e Frei.

1965
Psicologia e Religião – Zahar Editores ( Rio de Janeiro ); traduzido por Fausto Guimarães.

]
21

1967
Acerca da Psicologia do Inconsciente – Editora Delfos ( Lisboa ); traduzido por Ingrid Bauner
Trigo Trindade

Tipos Psicologicos – Zahar Editores ( Rio de Janeiro ); tradução e prefácio de Alvaro Cabral;

O tradutor do livro, Alvaro Cabral, escreve uma apresentação do livro, “O Significado da


Psicologia Crítica de Jung,” onde podemos ler: Sempre considerei Jung uma das mais apaixonantes
figuras de sábio do século atual. Recordo ainda o impacto que me causou a primeira leitura, então em
inglês, dos “Tipos Psicológicos”, há vinte anos bem contados … Tudo quanto escrevi nesse período …,
trazia indelével o sinal da influência junguiana, suas concepções de símbolos. … Surpreendia-me,
simultaneamente, a ignorância quase geral da obra de Jung, restrita a grupos que poderíamos
classificar de “iniciados”…. A obra do “sábio de Zurique”, a cidade suíça onde Jung nasceu e onde hoje,
sob a direção de sua viúva, tem sede o Instituto C.G.Jung ( Jung morreu em 1955, com 80 anos de
idade ), alcançou sua projeção definitiva na história de Psicologia. ( pag. 09- 10 )
22

1972
Fundamentos de Psicologia Analitica31
– Editora Vozes ( Petropolis ); traduzido por Araceli Elman
e prefácio e introdução Dr. Leon Bonaventure e Dra. Jette Boanaventure;

1973
Entrevistas com Jung e as reações de Ernst Jones: Richard Evans: Coleção Anima- Editora Livraria
Eldorado ( Rio de Janeiro ) traduzido por Álvaro Cabral

31 - Ver: O que fazer dos complexos: Luis Carlos Lisboa- Jornal O Estado de São Paulo: 07 de maio de 1972
23

1975
Memórias, Sonhos, Reflexões – Editora Nova Fronteira ( Rio de Janeiro ), traduzido por Dora
Ferreira.

1976
Freud/Jung: Correspondência Completa. Editado por Wlliam McGuire. Editora Imago ( Rio de
Janeiro ), traduzido por Leonardo Fróes32

32 - Ver: Freud/Jung. Jung/Freud. As cartas da alma crítica por Leonardo Fróes, publicado no Jornal do Brasil ( Rio
de Janeiro ) edição de 05 de abril de 1975. ( anexo 4 )
24

1977
O Homem e Seus Simbolos – Capítulo 1: Chegando ao Inconsciente Editora Nova Fronteira ( Rio de
Janeiro ), traduzido por Maria Lúcia Pinho.

O coordenador geral desse livro, que na realidade é uma coletânea de textos, John Freeman
escreve: Depois de muita discussão concordou-se que o tema geral deste livro seria o homem e seus
símbolos. E o próprio Jung escolheu como seus colaboradores a Dr aMarie Louise von Franz33, de
Zurique, talvez sua mais íntima confidente e amiga; o Dr. Joseph L. Henderson 34, de São Francisco, um
dos mais eminentes e creditados junguianos dos Estados Unidos; a Sr a Aniela Jaffé35, de Zurique, que
além de ser uma experiente analista, foi secretária particular de Jung e sua biógrafa; e o Dr.( ? ) Jolande
Jacobi36, que é, depois de Jung, o autor ( ? ) de maior numero de publicações do círculo junguiano de
Zurique. Estas quatro pessoas foram escolhidas em parte devido ao seu conhecimento e prática nos
assuntos específicos que lhes foram destinados e em parte porque Jung confiava totalmente no seu
trabalho escrupuloso e altruísta, sob sua direção, como membros de um grupo. Coube a Jung a
responsabilidade de planejar a estrutura total do livro, supervisionar e dirigir o trabalho de seus
colaboradores e escrever, ele próprio, o capítulo fundamental: “Chegando ao inconsciente”.
O seu último ano de vida foi praticamente dedicado a este livro; quando faleceu em junho de 1961,
a sua parte estava pronta ( terminou-a apenas dez dias antes de adoecer definitivamente ) e já aprovara
o esboço de todos os capítulos dos seus colega, ( pag. 11 )
Este trecho do John Freeman contribui com três informações importantes:
1)- o texto de Jung publicado foi o seu último escrito.
2)- torna a ideia deste livro mais clara
3)-cumpre um papel importante de nos fazer conhecer ( na época ) alguns membros
proeminentes da corte junguiana ;
Como não poderia deixar de acontecer temos também a pequena contribuição da tradutora
Maria Lúcia Pinto e através dela ficamos sabendo ( na época ) que Jolande Jacobi é um Doutor e autor
de uma vasta obra.
Uma observação sobre esta relação dos escritos de Jung é o hiato de tempo transcorrido entre a
publicação do primeiro texto de Jung ( 1947 ) e o primeiro livro ( 1961 ) e a sequência cronológica
dessas publicações; e isso nos leva a pensar que foram os “anos 60” quem de fato descobriu Jung para
o público de língua portuguesa.
33- Colaborou com o texto O processo de individuação e a Conclusão: A ciência e o inconsciente.
34- Os mitos antigos e o homem modern.
35- O simbolismo nas artes plásticas.
36 - Símbolos em uma análise individual.
25
Não apenas seus escritos foram descobertos neste período significativo da história social, cultural
e política da humanidade mas também seu rosto foi exposto, entre outros personagens iconicos ou
não, na capa37 do sempre considerado, e com justa razão, o maior e mais significativo disco da música
pop. Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, lançado em 1967 pelos Beatles.

Escritos sobre Jung


Nos escritos sobre Jung uma separação foi feita entre livros, capítulos e artigos que apresentam
e/ou criticam sua teoria e artigos em jornais de circulação diária e revistas semanais e mensais que
citam ou fazem comentário sobre alguma notícia que envolva a Jung ou fazem alguma apresentação,
mesmo que sumária, do seu trabalho. As duas partes serão apresentadas em ordem cronológica.
Foram pesquisados os periódicos disponíveis na Biblioteca Nacional Digital e no Arquivo Digital dos
jornais “O Globo” e “O Estado de São Paulo”.
Para a primeira parte o indexador utilizado será C.G.Jung and Analytical Psychology: A
Compreensive Bibliography: Joseph F.Vincie e Margreta Rathbauer-Vincie, Garland Publishing, Inc.
New York ( 1977 ). Na introdução ao volume os autores escrevem: O presente trabalho é a primeira
bibliografia internacional de material relacionado tanto com Jung quanto com sua escola de
pensamento. Referências em todas as línguas europeis mais importantes englobam temas como
psicologia, filosofia, religião, mito, crítica literária e estética.
Não incluímos nenhum escrito de Jung na medida em que uma bibliografia completa dos seus escritos
irão compor o volume 19 dos “Complete Works” publicados pela Princeton University Press; todos os
outros materiais junguianos são relacionados. Um trabalho é definido como Junguiano se o autor está
diretamente relacionado com Jung, seu trabalho ou com a Psicologia Analítica, se se artigo foi
publicado por uma publicação apoiada por uma organização junguiana ou se afirma ter trabalhado
dentro da tradição da Psicologia Analítica. [ ... ] Não é nossa decisão determinar ortodoxias mas
meramente organizar e apresentar o mais amplo material escrito sobre a regência de C.G.Jung.
[ ... ] O corpo deste trabalho consiste de três secções principais: uma lista de revisões comentando o
trabalho de Jung, e um índice por autor e assunto. Os trabalhos estão organizados cronologicamente e
alfabeticamente por ano. [ ... ] Esta bibliografia contem todos os trabalhos publicados até o final de
1975. ( pags. vii e viii )

37- Jung está entre o comediante W.C.Fields e o escritor e poeta Edgar Allan Poe.
26

Antes de entrarmos diretamente no tema dos escritos sobre Jung, coloco como ilustração a foto
abaixo que nos conta de forma resumida e através de dois personagens uma parte desta história: o
jovem estudante de medicina de jaleco branco é o autor do livro pioneiro ( Estudos de Psycanalise )
na apresentação das ideias do Jung no Brasil, Arthur Ramos e a jovem estudante de medicina ao seu
lado é uma das principais seguidoras e divulgadoras das ideias do Jung no Brasil, Nise da Silveira. Os
dois foram colegas no curso de medicina na Bahia.

Livros
1931
1931: Estudos de Psycanalyse – Arthur Ramos: Livraria Scientifica Argeu Costa ( Bahia ). Capítulo 3:
A psycho-synthese.38

38- Ver texto 1


27

1933
1933: Freud, Aler, Jung: Ensaios de Psychanalyse Orthodoxa e Heretica. - Arthur Ramos: Editora
Guanabara ( Rio de Janeiro ). Capítulo III: A psycho-synthese

O texto nas duas edições, 1931 e 1933, é o mesmo da edição de 1931 mas nessa edição Arthur
Ramos coloca em nota de rodapé os escritos de Jung e de outros autores que ele utiliza como referência
bibliográfica e estas notas inexistem na edição de 1933. Na edição de 1931 o prefácio é escrito por
Arthur Ramos e na edição 1933 o prefácio é escrito por Afrânio Peixoto, que é o editor da Biblioteca de
Cultura Cientifica da Editora Guanabara, aonde o livro é publicado. Uma outra diferença entre as duas
edições é o número de capítulos ( cinco na edição de 1931 e 7 na edição de 1933 ) com a inclusão na
edição de 1933 de um capítulo ( IV ) sobre Stekel ( A psychanalise activa de Stekel ) e um ( VII ) sobre a
relação entre a psicanálise e a mitologia ( Psychanalise e mitologia
1949

Os Fundamentos da Psicologia: Capítulo XI: A psicologia profunda:5- A psicologia analítica.


João de Souza Ferraz; Biblioteca Psicológica- vol.3 ( Empresa Gazeta de Limeira S.A. Editora ) 39

39- Ver texto 3


28

1959

História da Psicologia- Maurice Rechulin: Editora Difusão Européia do Livro ( São Paulo ),
Capítulo IV: A Psicologia Patológica e o Metodo – 4.A psicanálise 40 ( tradução: Bento Prado
Júnior )

1961
Individuação. A Psicologia das Profundidades de Carlos Gustavo Jung 41 – Josef Goldenbrunner.
Editora Herder ( São Paulo ).

40- Ele ( Freud ) as expõe em cinco conferências que realiza em setembro de 1909 nos Estados Unidos, na Clark
University, onde foi convidado por G. Stanley Hall. É acompanhado por seus primeiros alunos, Jung de Zurique,,
Ferenczi de Budapeste e Jones de Londres, e a sua acolhida é o primeiro testemunho da estima que a nova teoria
recebe do mundo cientifico- pag. 79 ( Esta é a única referência à Jung )
41- Essa escola surgiu primeiramente sob o nome de psicologia analítica; mas após ulterior desenvolvimento se
tornou usual a denominação de psicologia complexa ( pag. 13 )
29

1964
Do Inconsciente: Estudos de Psicologia de Profundidade: Parte 6: Do Inconsciente: Capítulo IV:
A Psicologia analítica de C.G.Jung. Diamantino Martins: Livraria Cruz -Braga ( Portugal )

1965

Édipo: Mito e Complexo- Patrick Mullahy – Tradução de Álvaro Cabral – Zahar Editores ( Rio de
Janeiro ), Capítulo 6: As Teorias de C.G.Jung.42

42 - Agradeço ao Pablo de Assis pela indicação do livro e pelo óculos.


30

Evolução da Psicanálise – Clara Thompson – Tradução de Álvaro Cabral - Zahar Editores ( Rio de
Janeiro ), Capítulo 8: Os Desviacionistas de 1912 – Adler e Jung

A Psicologia Contemporânea: Paul Foulquié ( com a colaboração de Gerard Deledalle ). Companhia


Editora Nacional ( São Paulo ). Capítulo Terceiro: A Psicologia do Inconsciente e a Psicanálise.
Artigo Segundo:§ 3. K. G. Jung
31

1966
Teorias da Personalidade – Calvin Hall e Gardner Lindzey – Editora Herder ( São Paulo ), Capítulo
3 : A Teoria Analitica de C.G.Jung.

1967
Fundamentos de Psicologia: Werner Wolff – Editora Mestre Jou ( São Paulo ). Capítulo 47: Carl
Gustav Jung
32

1968

Jung: Vida e Obra – Nise da Silveira: José Alvaro Editor ( Rio de Janeiro )43;

História da Psicologia – Ferdinand Lucien Muller Tradução de Lúcio Lourenço de Oliveira / Maria
Aparecida Blandy / J.B. Damasco Penna - Coleção Atualidades Pedagógicas ( volume 89 ):
Companhia Editora Nacional ( Editora da Universidade de São Paulo ). Quarta Parte: A “nova”
psicologia: Capítulo XXI: A Psicologia “das Profundezas – 4. A psicologia analítica de Jung

43 - Psicologia complexa: A psicologia jungiana é, as vezes, designada pelo nome Psicologia Complexa. Não pense
que haje aí alusão aos complexos, que tal denominação possa significar que se trate de uma psicologia dos
complexos. Essa expressão pretende indicar orientação psicológica que se ocupa dos fenômenos psíquicos vistos
na sua complexidade, ao contrário de outras correntes que visam reduzir o mais possível os fenômenos complexos
a seus elementos. A denominação proposta pela colaboradora de Jung, Toni Wolf, não se difundiu. Somente na
Alemanha é ainda usada. Em toda parte a psicologia de C.G.Jung é conhecida como Psicologia Analítica,
distinguindo-se assim da Psicanálise de Freud. ( pg; 39 )
33

1969
Sonhos, Complexos e Personalidade- Emir Calluf: Editora Mestre Jou ( São Paulo )

1970
O Círculo Hermético: Hermann Hesse a C.G.Jung – Miguel Serrano, Editora Brasiliense ( São
Paulo ), traduzido por Marcelo Corção;
34

1972

Uma Breve História da Psicologia: Álvaro Cabral e Eduardo Pinto de Oliveira: Zahar Editores ( Rio
de Janeiro ). Capítulo 16: A Psicanálise: Jung, Adler e a Evolução da Psicanálise.

1973
Jung, Sincronicidade e Destino Humano - Ira Progoff, Editora Cultrix, traduzido por Anibal Mari;

O Significado dos Sonhos – capítulo 5: A Contestação Junguiana – Raymond de Becker, Coleção


Anima,( Livraria Eldorado – Rio de Janeiro ), traduzido por Alvaro Cabral
35

1975
Freud X Jung: A correspondência e os conflitos – Renato Bittencourt: Editora Artenova ( Rio de
Janeiro );

C.G.Jung: seu mito em nossa época – Marie Louise Von Franz; -Editora Cultrix ( Rio de Janeiro );
Traduzido por Adail Ubiraja Sobral.
36

1976
A Individuação Junguiana: Cacilda Cuba dos Santos: Sarvier – Editora de Livros Médicos ( São
Paulo )44

1977
Jung: Profeta Atormentado – Paul Stern; Editora Difel ( Rio de Janeiro ), traduzido por Osvaldo
Barreto;

44 No prefácio escrito por João Carvalhal Ribas, podemos ler: Para esclarecer e criticar múltiplos tópicos da
Psicologia Complexa de Jung. Na Introdução a autora escreve: E Jung estudou o psiquismo sob quantos pontos de
vista que lhe pareceram possíveis. Tudo o que se referia, tudo quanto fosse fenômeno psíquico lhe interessava,
tanto assim que a sua psicologia mereceu o nome de psicologia complexa por ele empregado e ainda adotado por
alguns de seus discípulos, em vez da corrente psicologia analítica. Na página 137: A psicologia de Jung pode ser
considerada sob dois pontos de vista: enquanto clínica e enquanto pesquisa. Enquanto clínica seria a “psicologia
analítica”, enquanto estudo, pesquisa, teria a preferência o nome de “psicologia complexa”qw
37

As Ideias de Jung – Anthony Storr; Editora Cultrix ( São Paulo- S.P. ), traduzido por Alvaro Cabral.

Revistas Culturais

1955
Poucas mulheres compreendem o marido. Revista Vida Domestica- edição 00450 Setembro
( RJ );45
Carl Gustav Jung , a maior autoridade do mundo no campo da psicanálise, concedeu recentemente
uma entrevista aos jornais ingleses, da qual extraímos estas surpreendentes declarações sobre o
problema das relações conjugais. Carl Gustav nasceu na Suíça e vai completar agora oitenta anos. É
considerado com Freud e Adler um dos três fundadores da psicanálise. A obra de Jung constitui 130
volumes, dos quais 25 foram traduzidos em todas as línguas do mundo. Jung foi o primeiro a
estabelecer os conceitos de introversão e extroversão e atribui imensa importância à análise dos
sonhos. Costuma analisar uma média de 2500 por ano. No seu trabalho é auxiliado por sua esposa
Emma que é também psicóloga.

1957
Açucar industrializado causador de carie dentária e para-dentose. Revista Vida Doméstica,
edição 004607, fevereiro.
Isso não constitui nenhum desproposito ou absurdo, se levarmos em conta que, ainda
recentemente o notável psiquiatra americano Dr. Carl Gustav Jung declarou peremptoriamente diante
do microfone da “Voz da América”46 que fatores tóxicos produzem os distúrbios mais inconcebíveis,

45-No livro “ Jung: Encontros e Entrevistas”( Editora Cultrix 1982 ) no capítulo Homens, Mulheres e Deus
podemos ler: “O popular jornalista inglês Frederick Sands, então correspondente estrangeiro para o “Daily Mail”
de Londres entrevistou Jung em Küsnacht e publicou os resultados em cinco sucessivos artigos no “Daily Mail”
de 25 a 29 de abril de 1955. Jung tinha lido e aprovado o texto das entrevistas. Os artigos de Sands eram
encabeçados por frases provocantes extraídas das próprias palavras de Jung: Chamar as mulheres de sexo frágil é
pura besteira., Você tem que brigar para ser feliz, etc. A 10 de setembro de 1961, três meses após a morte de Jung, o
material dos dois primeiros artigos foi reorganizado e publicado com o título O Problema Com as Mulheres no
suplemento dominical d evários jornais americanos. [ … ] O texto de 1955 é aqui reproduzido, mas os comentáros
do entrevistador são omitidos e os de Jung ligeiramente modificados.” ( pag. 223 )
46- Dr. Jung’s Contribution to the Voice of American Symposium: The Frontiers of Knowledge and Human Hopes
for the Future. Text of contribution written in English to the United States Information Agency, broadcast in 30
languages the week of the 16th December 1956. Impresso para circulação privada. Republicada na revista
Universitas III:1 ( jan. 1959 ) com o título New Thouhts on Schizophrenia. Publicado: O.C. III/9: Novas
considerações sobre a esquizofrenia
38
afirmando mesmo que a própria esquizofrenia caracterizada pela perda de contacto com a realidade e a
desintegração da personalidade, seria de origem tóxica47.

1958
Três Gigantes da Psicologia: Freud, Adler e Jung: Revista Alterosa ( B.H. ), edição de 01 de
julho de 1958;
1961
Noticias que valem Manchete: Revista Manchete ( Rio de Janeiro), edição 0459

1962
Psicologia de C .G. Jung –O grande dissidente48: J. O. de Meira Penna: Revista Senhor:
volume 4 número 2 ( Rio de Janeiro – fevereiro de 1962 )- pags. 31 – 34;

1963
Escreve o leitor. Revista O Cruzeiro ( Rio de Janeiro ), edição 0008

Os Mistérios do Sono. Revista Cigarra ( Rio de Janeiro ), edição 00001

1968
Os génios do nosso tempo: Jung. Revista Manchete ( Rio de Janeiro ), edição 0859. Texto de
Raimundo Magalhães Junior

Somos todos complexados. Revista Realidade ( São Paulo ), edição de abril de 1968

47- Considerando-se que até hoje os processos especificamente psicológicos que podem ser responsabilizados
pelo efeito esquizofrênico não foram descobertos, admito a possibilidade da existência de uma causa tóxica. Essa
deve estar relacionada a uma desintegração orgânica e local, ou seja, uma alteração fisiológica produzida por
uma pressão emocional que excede a capacidade das células cerebrais. ( §.552, vol.III )
48- Ver texto 6
39

1972
Perspectivas da Psicologia de C.G.Jung 49. Tempo Brasileiro ( Rio de Janeiro), edição 21/22
“Psicanalise”. Nise da Silveira.

Por que o homem busca os Espíritos. Revista: Manchete ( Rio de Janeiro ), edição 1064. Carlos
Lacerda.
1974
O Feminino e o Masculino na Psicologia Analítica 50. Revista de Cultura Vozes: n09
“Masculino e Feminino” ( pags. 39-47 ): Herbert Unterste
1975
Centenário de Jung. Revista: Manchete ( Rio de Janeiro ) edição 1209.

Revista Planeta: C.G.Jung – vários autores; Editora Planeta ( Rio de Janeiro )

49- Ver texto 5


50- Ver texto 10
40

Índice
1)- Biografia: Zilda Kawali
2)- Freud e Jung : Dr. Carlos Byington
3)- Freud ------ Jung “Cartas”
4)- Jung como psiquiatra: Heinrich Karl Fierz
5)- Horóscopo de Jung: Gret Baumann- Jung51
6)- Jung e a alquimia; Etienne Perrot
7)- A análise dos sonhos: Maria de Lurdes Félix Gentil
8)- O Sonho
9)- O processo analítico e a criação artística: Edmar José de Almeida
10)- Aspectos psicológicos do ciclo menstrual da mulher: Jette Bonaventure
11)- Deus e o inconsciente: Elie G. Humbert
12)- Deus está morto: Léon Bonaventure
13)- Don Juan e o bandeirante brasileiro: J.O. Meira Penna
14)- Iemanjá e o complexo mãe do brasileiro52: Herbert Unterste
15)- Comemorações do centenário de Jung ( 1875 – 1975 )

1977
Jung: mago do inconsciente coletivo. Revista: Manchete ( Rio de Janeiro ), edição 1319. Fritz
Utzer
Revistas Cientificas

1960
A Psicologia Analitica de Jung – José Alfredo Pimenta de Souza Monteiro. Revista Portuguesa
de Filosofia 16 ( 1960 ), pags.48-72;

51- Ver texto 14


52- Ver texto 15
41

1962
C.G.Jung: O Homem à Descoberta da sua Alma – Diamantino Martins: Revista Portuguesa
de Filosofia 18:3 ( 1962 ) pags.225-243;

C. G. Jung e a psiquiatria53. Revista: Revista Brasileira de Saúde Mental. (Rio de Janeiro ),


volume 7. Nise da Silveira54

53- Ver texto 5


54- Agradeço a Clara Putini Villibor o envio do artigo.
42

1970

Posição analitico-existencial do problema de Deus – Diamantino Martins: Revista


Portuguesa de Filosofia, 32 ( 1970 ) pags.110-120,

1972

Psicologia junguiana: uma ideia sobre os tipos psicologicos, o consciente e o


inconsciente pessoal – Cacilda Cuba dos Santos: Revista de Psiquiatria Clínica, vol.1, n 0 1 ( São
Paulo ) pags. 23 – 34;
43

Psicologia junguiana: Noção de inconsciente coletivo. Uma tentativa de estruturação


gráfica do psiquismo. Correspondências fisico-psicologicas – Cacilda Cubas dos Santos: Revista
de Psiquiatria Clinica, vol.1 n0 2 ( São Paulo ) pags. 77 – 84

1975

As quatro funções psiquicas e os tipos psicológicos segundo Jung – Cacilda Cubas dos
Santos: Revista de Psiquiatria Clinica, vol.4 n02 ( São Paulo ) pags. 81 – 97;
44
Periódicos
1945
Psicopatas Incuráveis: Jornal: A Noite ( Rio de Janeiro ) edição de 10 de maio de 1945.
Pelo menos dez por cento da população alemã é formada por doentes mentais – declaração do Dr.
Jung, famoso colaborador de Freud.
O Senhor Carl Gustav Jung, fundador juntamente com Freud da psicologia moderna, declarou que
pelo menos 10 por cento da população alemã é formada atualmente por psicopatas incuráveis.
Prosseguindo disse Jung: “Os alemães parecem-se hoje a um bêbado que acordou sob forte “ressaca”,
sem saber, ou sem querer saber, o que fez” Todos os alemães são cúmplices das atrocidades
cometidas-O Sr. Carl Gustav Jung, fundador , com Freud, da psicologia moderna, falando ao seminário
suiço “Die Weltwache55”, sobre os alemães disse o seguinte: “Todos os alemães, de um modo consciente
ou inconscientemente, passiva ou ativamente são cúmplices nas atrocidades perpetradas no regime
nazista. Uma distinção nítida entre alemães decentes e indecentes não é senão absolutamente ingênua”.
Todos os alemães, conscientemente ou inconscientemente estão implicados nas
atrocidades praticadas pelos nazistas: Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ) edição de 10 de
maio de 1945:
Todos os alemães, conscientes ou inconscientemente, estão implicados nas atrocidades
praticadas pelos nazista – Dez por cento da população germânica está formada de psicopatas
incuráveis ( Zurich )- Carl Gustav Jung fundador – com Freud – da psicologia moderna declarou: “dez
por cento da população alemã está formada hoje de psicopatas incuráveis” Acredita-se que a Igreja
Católica tirará vantagem desta situação “pois os protestantes estão muito divididos”.
Em entrevista exclusiva para semanário suíço “Die Weltwoche” Jung prosseguiu: “Os alemães
parecem-se hoje a um bêbado que acorda com “ressaca” sem saber, ou sem querer saber o que fez. O
alemão tentará francamente reabilitar-se perante o mundo das acusações que lhe são dirigidas e do
meio que o envolve, porém isto não é o caminho direto. O único meio de reabilitação só pode
considerar-se no reconhecimento incondicional de sua culpabilidade. O método terapêutico americano
que vai levando os civis alemães aos campos de suplicio afim de que possam constatar as atrocidades
perpetradas ali é absolutamente correta. Mas tais lições de coisas não devem ser combinadas com a
instrução moral – ao invés disso a punição da Alemanha deve vir de dentro.
O psiquiatra, disse Jung, não pode fazer distinção entre a mentalidade dos nazistas e a dos
regimes contrários: “Eu estou tratando de dois anti nazistas e ainda agora seus sonhos revelam que no
subconsciente deles subsiste a mais pronunciada psicose nazista com sua violência e crueldade. Uma
distinção nítida entre alemães decentes e indecentes não é senão absolutamente ingênua. Todos os
alemães de um modo consciente ou inconsciente, passiva ou ativamente estão implicados nas
atrocidades perpetradas no regime hitleriano. Nada souberam ainda destas coisas – só agora é que
chegam a conhecê-las”. Jung acrescentou:- “ Não devemos esquecer que as reações vitoriosas tem as
mesmas disposições para a sugestão coletiva que os alemães”. Designou particularmente a América e a
Rússia ao fazer essa reflexão. Disse ainda que encarava a salvação da humanidade somente por meio de
um minucioso trabalho de reeducação individual e observou “não é tão desesperador como pôde
aparecê-lo. A Cristandade assegurou-se contra um adversário poderoso e que tinha a supremacia não
por meio da propaganda e das conversões em massa que somente virá mais tarde e tiveram pouco valor
– mas pela persuasão de homem a homem pelo apostolado. O proselitismo individual eis o método que
devemos adotar”.
Cúmplices de Hitler todos os alemães afirma famoso psicanalista Jung. Jornal: O Globo
( Rio de Janeiro ), edição de 10 de maio de 1945.

55 - Decidi escrever o artigo “Depois da Catástrofe” em razão de uma entrevista publicada pela imprensa sem a
minha revisão. Quis assim expor com toda autenticidade minhas opiniões. §.475a ( Vol.X )
45
1946
Outros mortos de 1946: Letras e Artes – Suplemento do jornal A Manhã (Rio de Janeiro )
edição de 25 de março de 1946, escrito por Mario da Silva Brito.
Além de Gerhart Hauptmann as letras, nacionais e estrangeiras perderam alguns vultos
expressivos [ … ] Carl Gustav Jung, psicanalista, discípulo e dissidente de Freud;

1955
Carl Jung: Jornal: O Estado de Florianopolis ( S.C ), edição de 28 de julho de 1955
( Zurich- Suiça )- O celebre psiquiatra Carl Gustav Jung comemorou seu 80 0aniversário natalício.
Em sua residência de campo, perto daqui, passou o seu natalício tranquilamente na companhia dos
parentes e amigos íntimos.
1956
O mundo está cheio de esquizofrenicos mas a doença ninguém ainda conhece; Jornal
Ùltima Hora ( Rj ) edição de 20 de dezembro de 1956;
Depõem na “Enquête” de Última Hora Psiquiatras de Nomeadas Sôbre a Descoberta de
um Cientista Norte Americano – Muitas Teorias – É a Esquizofrenia uma Doença Tóxica?
O psiquiatra norte americano, Dr. Carl Gustav Jung, declarou em um programa da “Voz da
América”56, que a esquizofrenia tem como origem principal alguma substância tóxica no organismo
humano. Aquele cientista afirmou mais que as experiências realizadas por ele vieram corroborar
definitivamente a teoria de que os sintomas da esquizofrenia são de origem tóxica 57;

Esclarecimento de Jung sobre discos voadores: Jornal O Estado de São Paulo (S.P ) edição de
13 de agosto de 1956

1957
As doenças mentais e o seu tratamento: Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ) edição de 03
de fevereiro de 1957

Fala Jung: O homem cultiva seus abismos: Jornal: Última Hora ( Rio de Janeiro) edição de 22
de julho de 1957;

Desenhos de doentes mentais impressionam psiquiatras e críticos de arte da Suiça-


Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 11 de novembro de 1957;

56 - “Dr. Jung’s Contribution to the Voice of American Symposium The Frontiers of Knowledge and Humanity Hopes
for the Future. Text of contribution, written in English to the United States Information Agency broadcast in 30
languages the week of the 16th December 1956. Impresso para circulação privada. Republicado na revista
Universitas III:1 ( jan. 1959 ) com o titulo New Thoughts on Schizophrenia. Publicado no C.W. III/9 e O.C. III/9
com o título Novas considerações sobre a esquizofrenia.
57 - Considerando-se que até hoje os processos especificamente psicológicos que poderiam ser responsabilizados pelo
efeito esquizofrênico não foram descobertos, admito a possibilidade da existência de uma causa tóxica. Essa deve
estar relacionada a uma desintegração orgânica e local, ou seja, uma alteração fisiológica produzida por uma
pressão emocional que excede a capacidade das células cerebrais ( §.548 vol. III ); Nós já sabemos que essa
doença apresenta dois aspectos de extrema importância: o bioquímico e o psicológico. ( §. 549 vol. III ). No meu
entender, a investigação da esquizofrenia constitui uma das tarefas mais importantes da psiquiatria futura. O
problema encerra dois aspectos, um fisiológico e um psicológico, pois, como se pode perceber, essa doença não se
satisfaz com uma única explicação. Sua sintomatologia indica, por um lado, um processo basicamente destrutivo,
talvez de natureza tóxica, e, por outro, um fator psíquico de igual importância, já que não se pode abandonar uma
etiologia psicogênica e a possibilidade de um tratamento psicológico ao menos em alguns casos. Os dois caminhos
abrem visões ricas e abrangentes tanto no campo teórico como no terapêutico. ( §. 552 vol. III )
46
1958

Jung e os discos voadores58: Jornal: Correio da Manhã ( Rio de Janeiro ), edição 31 de julho de
1958;
Duas agências noticiosas publicaram uma informação sensacional: o grande e justamente famoso
psicólogo Carl Gustav Jung ex -discípulo de Sigmund Freud e fundador de um ramo independente da
psicanálise teria declarado em artigos ou publicações, que os disco voadores não são criações da
imaginação subjetiva de crédulos mas objetos reais, dirigidos por seres inteligentíssimos de um outro
mundo. Acrescenta uma daquelas notícias que o Dr. Jung é atualmente diretor de um centro psicológico
ou aéreo ou coisa semelhante em determinado lugar do estado norte americano de New México.
A confusão reunida e acumulada nessas notícias é tão grande que se torna indispensável um
esclarecimento da opinião pública.
O dr. Carl Gustav Jung é homem de mais de 80 anos que passou a vida toda em sua terra suíça.
Reside em Zurique, de onde nunca saiu senão em viagem e há muito tempo já não está em condições de
viajar. Sua nomeação para diretor do centro aéreo-psicológico em New México não foi decerto assinada
pelo presidente Eisenhower, mas pelo imaginoso repórter que divulgou a notícia.
É verdade que o Dr. Jung se manifestou sobre os discos voadores. Mas isto não aconteceu agora
nem num simples artigo, mas em livro publicado há meio ano na Suiça.
Neste livro o psicólogo não afirma nada sobre seres inteligentíssimos, etc; mesmo com 80 anos de
idade ele é inteligente demais e tem responsabilidade científica demais para dizer tais coisas. Afirma,
sim, que os discos voadores não são uma invenção fraudulenta de fotógrafos, mas que os observadores
realmente acreditam vê-los, assim como os católicos crentes realmente viram, em aparições, Nossa
Senhora. O psicólogo explica os discos voadores como fenómeno da religiosidade pervertida e
degenerada de nossos dias. São símbolos saudade de um outro mundo, da parte de gente que perdeu
irremediavelmente a fé e só acredita em milagres da técnica.
Vê-se que o pensamento de Jung, de Zurique para o Novo México se modificou um pouquinho. Só
há um verdadeiro disco voador: o repórter que divulgou e deturpou a notícia. Será ele um ser
inteligentíssimo?

O desmentido de Carl Jung: Jornal; Correio da Manhã ( Rio de Janeiro ), edição de 13 de agosto
de 1958;
Considera a versão dos discos voadores da Organização de Investigação de Fenômenos
Aéreos como um lamentável desliza.
O Dr. Carl Gustav Jung expressou hoje, a esperança de que com seu formal desmentido e o envio
de um livro fosse retificada a errônea informação de que crê na realidade “física” dos Discos Voadores.
Seu novo livro “Um mito moderno das coisas que se vêem no firmamento” deixa claramente
estabelecido que êle estava somente preocupado com o significado psicológico das versões dos discos
voadores, explicou o psicólogo suiço, que conta 83 anos de idade. Ao enviar um exemplar da obra à
Organização de Investigação de Fenômenos Aéreos que tem sede em Alamogordo, Novo México, com a
esperança que sua atitude seja esclarecida, o Dr.Jung declarou:
“Devido a uma notícia publicada no relatório da A.P.R.O, a imprensa divulgou notícias de que, em
minha opinião, são uma realidade física os objetos voadores não identificados. Esta versão carece em
absoluto de fundamento.
Em meu livro recente”Um mito moderno das coisas que se vê no firmamento”, publicado em
Zurique, afirmo expressamente, que não podia fazer declaração alguma sobre o problema da realidade
física ou não dos objetos voadores não identificados, porque não tenho provas suficientes a favor ou
contra. Por conseguinte, somente me preocupa os aspectos psicológicos das aparições sobre os quais
há uma quantidade enorme de material. Formulei minha posição sobre a questão da realidade dos
objetos não identificados nesta frase: algo que se vê mas não se sabe o que é. Esta afirmação deixa
aberto o significado exato de “ver”, neste caso porque alguém pode ver algo concreto mas também pode
ver algo de natureza física. Ambos são realidades mas de natureza diferente.”
58 - Ver anexo 1: Jung e os discos voadores: questão ou erro de interpretação? Armando de Oliveira e Silva
47
Quanto à afirmativa da A.P.R.O de que ele acredita, nos discos voadores, disse Jung: “Minhas
relações com a A.P.R.O se limitaram a minha aceitação da ajuda amistosa do boletim da entidade,
quando reunia material para a obra que anunciei antes. Quando recentemente a organização
perguntou se poderia me considerar membro honorário aceitei. Enviei meu livro à A.P.R.O para
informar-lhes de minha posição sobre o problema dos objetos voadores não identificados.”
O Dr. Jung acentuou que não alenta ressentimento algum para a A.P.R.O em relação com o
incidente e terminou manifestando: “A A.P.R.O apoia com muita diligência e idealismo a realidade
física dos objetos voadores não identificados. Por conseguinte , considero sua a versão como um
lamentável deslize.
Não crê nos discos voadores; Jornal: Diário de Pernambuco ( Recife ), edição de 13 de agosto de
1958;
O Dr. Carl Gustav Jung expressou, hoje, a esperança de que com seu formal desmentido e um livro
que enviou aos que deram origem à versão, ficará retificada a equivocada informação de que ele crê na
realidade física dos discos voadores. Seu novo livro “Um mito moderno das coisas que se vê no
firmamento”, deixa claramente estabelecido que ele estava preocupado só com o significado psicológico
das versões sobre os discos voadores, segundo explicou o psicólogo suíço que conta 83 anos de idade.
Enviou um exemplar da obra à Organização de Investigação dos Fenômenos Aéreos que tem sua
sede em Álamo Gordo ( Novo México ), com a esperança de que fique claro sua atitude. O Dr.Jung
declarou:
“Devido a um informe publicado no boletim da OIFA, a imprensa propagou notícias de que na
minha opinião são uma realidade física os objetos voadores não identificados. Esta versão carece em
absoluto de fundamento. No meu recente livro publicado em Zurique, este ano, expresso claramente
que não podia fazer declaração sobre o problema da realidade ou não realidade física dos objetos
voadores não identificados, porque não tenho prova suficiente disso. Por conseguinte, só me preocupa
os aspectos psicológicos das aparições sobre as quais tenho uma quantidade de material pronto”.

Os discos voadores existem? Jornal: Diário da Noite ( Rio de Janeiro ), edição de 15 de agosto
de 1958;
Nova investida dos discos voadores. Nesta última hora até o famoso discípulo de Freud, Carl
Gustav Jung aparece nos telegramas do Novo México ( Álamo Gordo ) para emitir seu pensamento,
evidentemente muito autorizado, sobre tais discos, há muitos anos objetos das atenções gerais.
Talvez alguma coisa de errada possa existir nesse inesperado pronunciamento, por que, em livro
recente de Carl Gustav Jung, intensamente vulgarizado, esse assunto de discos voadores recebia do
mestre alemão interpretação inteiramente diversa. Para Carl Jung tratava-se apenas de simples
“criações subjetivas da mente humana saudoso dos valores religiosos em que o homem já não pode
acreditar”. Nos telegramas que os jornais acabam de publicar, Jung, numa guinada de 90 graus teria
declarado: “ Os discos voadores são reais, dirigidos por pilotos com faculdades quase humanas e
construido primariamente por seres de uma inteligência superior”. Indaga-se como explicar tão
diferentes posições com a que agora se atribui a um espírito da penetração e da inteligência de Jung.

1959
Nise da Silveira cura doidos com pintura- Jornal: Correio da Manhã, edição de 23 de abril de
1959; Márcio Moreira Alves

1960

Carl Jung: Discípulo reformador de Freud, fala a “O Globo” em Zurique. Jornal: O Globo
( Rio de Janeiro), edição de 04 de janeiro de 1960. Renato Bittencourt59

59- Ver texto 4


48
1961
Faleceu Carl Gustav Jung: Jornal: Estado de São Paulo ( S.P. ) 07 de junho de 1961
Morreu dormindo; Jornal: O Estado ( S.C. ), edição de 08 de junho de 1961;
Carl Gustav Jung, um dos mais notáveis psicologos do mundo e fundador do Instituto que tem seu
nome, em Zurique, faleceu, esta noite, em pleno sono.

Morreu Jung, pai da Psicologia Analítica: Jornal: A Noite ( R.J.), edição de 08 de junho de
1961;
Carl Gustav Jung um dos mais notáveis psicologos do mundo e fundador do Instituto que tem seu
nome em Zurique faleceu, ontem à noite, em pleno sono.
Jung foi discípulo de Sigmund Freud até 1911, ano em que, por conselho do criador da psicanálise
fundou nova escola em Zurique.
O extinto que completaria 86 anos de idade em 26 de julho, havia escrito numerosos livros e
trabalhos sobre psicologia.

Morreu Jung, o “aventureiro” do espírito. Jornal: Tribuna da Imprensa ( R.J ), edição de 08 de


junho de 1961:
Morreu ontem à noite aos 85 anos em seu domínio de Kusnacht perto da cidade de Zurique,
oprofessor Carl Gustav Jung, “o aventureiro do espírito”.
Com a morte de Jung nascido em Kesswil no dia 26 de julho de 1875, desaparece a última das três
grandes figuras da psicologia e da psicanálise contemporânea. Essas ciências apareceram e cresceram
graças a ação de três grandes homens, cujas teorias se oponham: Freud morto em 1939, Adler morto em
1936 e Jung.
Filho de um pastor suíço Carl Gustav Jung adotou no fim do século no fim do último século as
ideias freudianas muito em voga na época, segundo as quais o instinto sexual desempenha papel
fundamental em certas atitudes do espírito e em algumas doenças nervosas. Pouco tempo depois, Jung
fundou a Sociedade Internacional de Psicanálise e separa-se de Freud. Isso em 1911.
Na opinião de Jung as neuroses são precipitada por um fato atual e não passado contrariamente
ao sustentado por Freud. Depois, assediado por preocupações morais e religiosas Jung lançou a noção
do inconsciente coletivo contra a tese freudiana do consciente individual.
Jung também fez estudos profundos sobre os mitos e as lendas dos povos, as quais se refere
principalmente em sua obra “O Homem Descobre Sua Alma”.
Para precisar suas diferenças com o criador da psicanálise Jung deu aos seus métodos e doutrinas
o nome especial de “A Psicologia Analítica”.

Professor Jung morreu quando dormia. Jornal: Diário de Pernambuco, edição de 08 de junho
de 1961.

Faleceu Jung, criador da Psicologia Analítica. Jornal: Correio da Manhã ( Rio de Janeiro )
edição de 11 de junho de 1961

1963

Pergunte ao João. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ),edição de 02 de junho de 1963
Pergunta: É verdade que na opinião de um dos pioneiros da Psicanálise que a mulher é mais forte
do que o homem nada tendo de sexo frágil? ( Sonia de Andrade- São Paulo – Capital )
Resposta: Naturalmente a leitora quer aludir às declarações feitas pelo grande psicanalista que
divergiu de Freud, o prof. Jung falecido em junho de 1961. Pouco antes de morrer, o Prof. Carl Gustav
Jung, o único sobrevivente do celebre trio Freud – Adler – Jung, deu uma entrevista ao jornalista
Frederick Sand 60 falando longamente sobre homem e mulher. Jung falou várias horas sobre a

60 - ver nota 10
49
experiência de sua vida de cientista. O que disse constitui a essência de observação feita em mais de
300 pessoas. Sobre a decantada expressão sexo frágil, disse Jung o seguinte:
“No íntimo as mulheres são muito mais fortes que os homens. É um absurdo chamá-las de sexo
frágil! É preciso cuidado com aqueles rostinhos angelicais que parecem fracas e indefesas. Os homens
devem ter cuidado também com as mulheres conservadoras. É com as muito bonitas que geralmente
decepcionam. Os belos físicos jamais vão combinados com um belo caráter”. E continuou Jung sua
derradeira entrevista falando dos homens:
“O mesmo se dá com os homens. O cérebro de um homem não é mais do que um apêndice do seu
físico atraente. O que faz com que eles fogem do casamento, é o instinto animal de nunca se deixar
apanhar. É ainda o instinto que faz com que desejem conquistar o maior número de mulheres”.
Continua Jung: “Todavia, a regra tem exceção. Existem aqueles que não gostam de correr de um lado
para outro, contentando-se com uma mulher bem escolhida, não se deixando perturbar pelas outras.”

1966

A cura pela mitologia; Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 24 de janeiro de
1966. Luis Carlos Lisboa

A bibliografia de tradução importante do alemão para o português. Jornal: Diario do


Paraná ( PR ), edição de maio de 1966.
A Editora Herder preparou o comentário de Josef Goldenbrunner “Individualização. A Psicologia
da Profundidade de Carlos Gustavo Jung” e distribuído em Portugal pela Livraria Sampedro de Lisboa e
a tradução de Fausto Cunha “O Eu desconhecido”, do próprio filosofo germânico Carl Gustav Jung,
editado pela Fundo de Cultura do Rio de Janeiro; outras duas obras do filosofo contemporâneo alemão
Jung foram editadas pelas Casas Tavares, do Porto, “O Homem à descoberta da sua alma”em 1962 e
“Um mito moderno”(“Ein Moderner Mythus”) pela Minotauro de Lisboa.

1967
O complexo Freud – Jung. Jornal: Jornal dos Sports ( Rio de Janeiro ), edição de 14 de abril de
1967.

Memórias de Jung desvendam segredos da crença no além. Jornal: O Globo ( Rio de


Janeiro ), edição de 21 de fevereiro de 1967. Alain Guy.61

1969
O que é a Psicanálise Junguiana. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ),edição de 19 e 20 de
outubro de 1969. Dr. Carlos Byington62
1970

Pequeno Dicionário para Compreender Jung;


Uma Psicanálise para Decifrar o Homem
Jung e Freud: Dois Caminhos. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 29 de julho
de 1970;

Freud contra Jung: Uma luta de gigantes. Jornal: Correio da Manhã ( Rio de Janeiro ), edição
de 09 de novembro de 1970

61 Ver texto 7
62-Ver texto 8
50
1971
Tipos Psicológicos – Neurose. Jornal: Correio da Manhã ( Rio de Janeiro ), edição de 17/18 de
janeiro de 1971

Jung e o casal e o sentimento de “incompletude”. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição


de 02 de fevereiro de 1971. Cecile Cllare.

Quem garante que não existe vida fora da Terra? Jornal: O Jornal ( Rio de Janeiro ), edição
de 20 de novembro de 1971

1972

Uma consulta ao I Ching: Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de janeiro), edição de 27 de fevereiro de
1972.; Léa Maria.

O que fazer dos complexos: Jornal: Estado de São Paulo ( S.P. ), edição de 07 de abril de 1972:
Luis Carlos Lisboa:
“Freud está procurando os complexos ou não. Nisso está toda a nossa diferença. A mim só
interessa o que o inconsciente está fazendo com os complexos.”
A frase pronunciada de maneira desinibida para um auditório composto de psicanalistas
freudianos, médicos ilustres, psiquiatras e professores foi muito repetida na época. Seu autor, o
psiquiatra suíço Carl Gustav Jung que estava fazendo uma serie de conferências em Londres. Os
debates que se seguiam a essas conferências eram tensos nem sempre polidos da parte dos
interlocutores. Jung mantinha sua segurança, seu bom humor e uma certa malícia em relação às
certezas teóricas de seus adversários.
“Fundamentos de Psicologia Analítica”63 compreende as cinco conferências e os debates que se
seguiram a elas, no anfiteatro de Tavistock em 1935. Essa exposição resumida mais completa do
pensamento junguiano tem sido comparada à celebre “Introdução à Psicanálise” de Freud, em
importância. O estilo do criador da Psicanálise, embora brilhante, é mais contido e formal que o do
mestre suíço. Jung tem a virtude e o dom de falar de coisas complexas de maneira simples e coloquial.
Em 1935
As críticas que os opositores da escola junguiana fazem hoje como se descobrissem uma nova
arma, já eram feitas em 1935. A “tendência ao misticismo e ao obscurantismo” era expressão corrente,
então. Jung analisa essas restrições como produto da rigidez excessiva dos que já tem a sua fórmula – e
acham extraordinariamente incomodo mudar de opinião. Essa decisão íntima de não reexaminar os
problemas produz o que ele chama de “cegueira específica”, um fenómeno também muito frequente em
nossos dias.
A interpretação dos sonhos , os complexos, o inconsciente coletivo, os tipos de temperamento, os
arquétipos, os símbolos, todas as revelações do espírito privilegiado de Jung são expostas nas
conferências de Tavistock. A tradução, o prefácio e a introdução do livro contribuem para divulgar
melhor no Brasil, ao lado da obra em si, um pensamento injustamente considerado de difícil.
Quando a paixão política de alguns “cegos específicos” acusou Jung de olhar com simpatia as
ideias nazistas no tempo da guerra, ninguém se lembrou dessas conferências de Tavistock, em que o
mestre de Zurique dá um depoimento definitivo a respeito. Carl Jung fala longamente do horror nazista,
“uma onda avassaladora que leva a razão na enxurrada”, concluindo ser o hitlerismo um “arquétipo” e
não um conjunto de ideias dignas de consideração. A última frase da última conferência é uma síntese
digna de nota: “Cada paciente é um problema novo para o analista e ele apenas conseguirá a cura de
sua neurose se orientarmos na procura individual da solução do seus conflitos”.
Jung e Hesse, os Gurus Modernos,
Os Pioneiros da Voga Orientalista

63 - Fundamentos de Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.Editora Vozes primeiro volume da coleção Psicanálise.
Prefacio e Introdução de Leon Bonaventure. Tradução de Aracelli Elman.
51
A Guerra dos Deuses ( Luiz Paulo Horta )
Um Espírito Guia da Juventude. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 30 de
setembro de 1972
1973
O Centro Coordenador da Escola de Jung. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro )edição de
17 de março de 1973. J.O. de Meira Penna.

A Boa alma de Nise da Silveira =Jung: um alegre camponês = Jung e a terapia


ocupacional Jornal: O Jornal ( Rio de Janeiro )

Jung Completo. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 22 de setembro de 1973. Luiz
Paulo Horta.
1974
Jung: O Caçador de Imagens. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 26 de janeiro
de 1974. Patrick Delmas.

“Caro Freud” … “Caro Jung”. Jornal Opinião ( Rio de Janeiro ), edição de 04 de março de 1974.

Água, Fogo, Terra e Ar. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição de 10 de setembro de 1974.
Artur da Távola

Aproximar Freud e Jung. Tarefa difícil mas não impossível. Jornal: O Globo ( Rio de
Janeiro ), edição de 08 de dezembro de 1974.

Jung ! Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição de 11 de dezembro de 1974. Artur da Távola.

O Museu do Inconsciente. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição de 13 de dezembro de 1974.


Artur da Távola.

Jung quer dizer Jovem. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição de 14 de dezembro de 1974.
Artur da Távola.
1975
Quaternio, um reflexo do pensamento de Jung no Brasil. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de
Janeiro ), edição de 01 de fevereiro de 1975. Themira de Oliveira Brito.
Acaba de ser lançada o quarto número de Quatérnio, publicação do Grupo de Estudos C.G.Jung,
fundado e dirigido pela Dr. Nise da Silveira. De periodicidade irregular, e editado em pequenas tiragens,
Quatérnio quase que só tem circunscrito até agora aos círculos diretamente ligados, no Rio de Janeiro e
São Paulo, ao estudo da psicologia junguiana. Dada a importância dessa publicação e a falta de
informação, do público em geral, a seu respeito, creio ser útil oferecer algumas indicações sobre
Quaternio, antes de considerar o conteúdo deste quarto número.
O primeiro número surgiu em 1965 ( ver índice ), antes da oficialização do Grupo de Estudos C.G.
Jung, que só se deu em 1968. O segundo 1970 ( ver índice ) 64, contou com a doação de gravuras originais
de quatro artistas brasileiros: Anna Letycia, Daral, Marilia Rodrigues e Eduardo Sued, todas assinadas.
A pequena edição foi dividida em quatro grupos de exemplares diferençados apenas pela gravura neles
incluída, sendo o texto um só. Em 1973 ( ver índice ) foi publicado o terceiro, já esgotado, assim como o
primeiro, restando do segundo poucos exemplares. Tem distinguido as edições o seu aspecto gráfico
cuidado, mantida tanto quanto possível uma feição artesanal.

64 - Quatérnio, revista do Grupo de Estudos C.G.Jung, sob a orientação da Dra. Nise da Silveira. Tiragem limitada
de 300 exemplares, 60 cruzeiros. Cada exemplar contém uma gravura original de Ana Letycia, Daral. Marília
Rodrigues ou Sued à escolha do leitor. Pedido pelo tel. 2453284 ou Rua Marques de Abrantes, 151, apt.503. GB.
( Pasquim: 1970 ).
52
Freud/Jung. Jung/Freud. As cartas da alma crítica 65. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de
Janeiro ), edição de 05 de abril de 1975. Leonardo Froes.

Nise da Silveira. A alma através da imagem e do mito. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ),
edição de 16 de abril de 1975

Mês Jung: Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 31 de maio de 1975. Themira de
Oliveira Brito.

Jung quer dizer “jovem”. Ele nasceu há cem anos. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição de
01 de junho de 1975

Jung e o Inconsciente. Jornal: Diário de Notícias ( Rio de Janeiro ), edição de 01 de junho de


1975.

Memórias, Sonhos, Reflexões. Jornal: Diário do Paraná ( Curitiba ), edição de 07 de setembro


de 1975. Fernanda

A arte do inconsciente. Jornal: Correio Braziliense ( Brasília ), edição de 28 de setembro de


1975.

Um suplemento de alma. Jornal: Jornal do Brasil ( R.J , edição de 04 de outubro de 1975. Leon
Bonaventure

Livros que a agenda recomenda. Jornal: Diário de Pernambuco ( Recife ), edição de 09 de


outubro de 1975. Mauro Mota

Comemoração. Jornal: Diário do Paraná ( Curitiba ), edição de 11 de novembro de 1975.

Telas de doentes mentais abrem mostra de Jung. Jornal: Diário do Paraná ( Curitiba ), edição
de 18 de novembro de 1975.

De pronto. Jornal: Diário do Paraná ( Curitiba ), edição de 20 de novembro de 1975. Miecislau


Surek.
Hoje a inauguração da exposição “Carl Gustav Jung- Imagens do Inconsciente às 20:00 horas no
“hall” do Edifício Dom Pedro II, numa promoção do Setor de Ciências Humanas da UFP, do Consulado
da Suiça, da Pró-Helvetia e da Sociedade de Amigos do Museu do Inconsciente.

Carl Gustav Jung, um homem adiante do seu tempo. Jornal : Diário do Paraná ( Curitiba )
edição de 21 de novembro de 1975. Maria Célia Teixeira.
A exposição do setor de Ciências, Artes e Letras da UFP ( idem )
A Grande Mãe. ( idem )

Um suplemento de alma. Jornal: Jornal do Brasil, edição de 04 de outubro de 1975. Leon


Bonaventure.66
As memórias desfiguradas. Jornal: O Globo ( Rio de Janeiro ), edição de 26 de outubro de 1975.
Themira de Oliveira Brito67.

65- Ver texto 11


66- Ver texto 12
67- Ver texto 13
53
1976
Carl Gustav Jung. Jornal: Correio Braziliense ( Brasília ), edição de 16 de novembro de 1976.

1977

Agora, Jung completo em português. Jornal: Jornal do Brasil ( Rio de Janeiro ), edição de 01 de
outubro de 1977.
Quase concluída a publicação em português da edição standard das Obras Completas de Sigmund
Freud ( Imago- Rio ), prepara-se um novo e importante lançamento editorial na área da psicologia: o
das Obras Completas de Carl Gustav Jung. Responsável pelo empreendimento: a Editora Vozes, de
Petrópolis, que após longa negociação obteve dos herdeiros do pensador suíço os direitos para a
publicação, no Brasil, da edição “standard” de seus escritos.
Embora discípulo e grande admirador de Freud, Jung dele afastou-se e seguiu caminho próprio,
elaborando um método que hoje constitui alternativa à visão freudiana dos fenómenos psíquicos. Mas
Jung não se limitou a psicologia. De fato, poucos são os campos do saber humano que não foram
explorados por ele, que em toda parte buscava material capaz de ajudar na revelação dos meandros da
psique.
A edição deve compor-se de 18 tomos, e para organizá-la a Vozes instituiu uma comissão formada
de vários professores, todos com doutorado no exterior. As traduções diretas do alemão, além de
confiadas a especialistas, serão submetidas a rigorosa revisão, não apenas para a máxima fidelidade ao
original, como também para que o texto português se apresente com unidade e coerência.
Inicialmente, cada tomo do original alemão será lançado em três ou quatro volumes de 100 a 150
páginas, em forma de brochura e a preço acessível a um público mais amplo Em seguida os volumes
serão reunidos num tomo encadernado, de formato maior, com a mesma numeração da edição
“standard” alemã. Os primeiros volumes sairão entre dezembro de 1977 e abril de 1978 na seguinte
ordem: “O Eu e o Inconsciente”, “Psicologia do Inconsciente” e “Dois Estudos de Psicologia Analítica”.

Faculdade apresenta filme sobre Jung. Jornal: Diário de Pernambuco ( Recife ),edição de 31 de
outubro de 1977.
A Faculdade de Filosofia de Recife – Fafire – estará apresentando nos dias 3,4, 5 uma série de filmes
sobre Carl Gustav Jung – sua vida, suas ideias, numa promoção do Instituto de Psicologia Clínica e
Profissional do Rio de Janeiro.
A série de apresentação de filmes e debates sobre o discípulo e depois dissidente de Freud será
dividida em dois grupos. [ …].
Será exibido o filme “A História de Carl Gustav Jung”, em 16mm, colorido com a duração de 90
minutos, narrado por Laurens Van der Post. É um material inteiramente inédito incluindo fotos de
família, cenas do safari em 1926 na África, e suas pinturas no “Livro Vermelho.

“Agora o tempo acabou e eu contei a vocês muitas coisas, mas não pensem que lhes contei tudo”

Carl Gustav Jung 68

68- Seminário de Psicologia Analítica ( 1925 ) preleção 4, pag. 74 ( Editora Vozes )


54
Adendo
-1-
Grupo Brasileiro de estudos da psicologia de C.G.Jung
1955
Este grupo teve sua origem quando em abril de 195569 , Nise da Silveira e Nelson Bandeira de
Mello iniciaram o estudo em conjunto do livro de C. G. Jung “Psicologia e Alquimia”, recém traduzido
para o inglês. Como mais algumas pessoas se mostrassem atraídas pela psicologia junguiana, reuniões
regulares, nas manhãs das segundas-feiras começaram a realizar-se na Casa das Palmeiras, a partir do
segundo semestre de 1958. Já então integravam o pequeno grupo, entre outros, Alice Marques dos
Santos, Edwald Mourão, Lígia Loureiro. Posteriormente chegou Carlos Byington. Nesses encontros
foram estudados trabalhos de Jung referentes aos sonhos e ao inconsciente coletivo. Pesquisas em torno
da interpretação de algumas imagens do inconsciente, espontaneamente produzidas por
esquizofrênicos, levaram ainda o grupo a leitura de mitologia em conexão com o arquétipo da mês.
Em setembro de 1962 o grupo, agora enriquecido de novos elementos ( professores da Escolinha de
Arte do Brasil ) passou a reunir-se na residência de Nise da Silveira, às quartas feiras, à noite. O tema
escolhido nesse período foi a interpretação psicológica dos contos de fada, sendo seguida nos trabalhos
a orientação de M. L. von Franz, professora do Instituto Jung, de Zurique. Atualmente o grupo estuda a
obra póstuma “Memórias, Sonhos, Reflexões”.
Noticiário : Revista Quatérnio 1 ( Rio de Janeiro, 1965 )

1965

Quatérnio 1: Revista do Grupo de Estudos C.G. Jung ( Rio de Janeiro )

Quatérnio é o nome que o grupo brasileiro de estudos de psicologia de C. G. Jung escolheu para sua
revista. Sem dúvida este nome convém a uma publicação que se propõe difundir o pensamento
junguiano. Se o núcleo profundo de toda teoria científica, ou concepção filosófica está sempre contida
num arquétipo de raízes imemoriais, a psicologia de C. G. Jung não foge a esta regra: ele repousa sobre
o arquétipo da quaternidade. A estrutura básica da psique é quaternária na sua própria natureza,
segundo C. G. Jung. É por meio de quatro funções principais ( pensamento, sentimento, sensação e
intuição ) que a consciência conhece os objetos do mundo exterior, e deve ter sido um fenómeno de
projeção que levou o homem a estabelecer quatro pontos cardeais afim de orientar-se na superfície da
Terra. A tipologia Junguiana baseia-se nestas quatro funções, sendo cada tipo psicológico definido pelo
predomínio de uma delas.
69- A oficialização do Grupo de Estudos só se deu em 1968, três anos depois do lançamento do primeiro número
da revista Quatérnio ( 1965 )
55
E quando a personalidade entra em desenvolvimento, quando todos os elementos que se achavam
num estado potencial começa a crescer, quando fatores opostos vêm complementar-se e buscam reunir-
se numa totalidade especifica para cada um ( processo de individuação ), os símbolos que o
inconsciente produz como expressão deste trabalho que se desdobra em suas profundezas são imagens
quaternárias e imagens circulares de complexidade maior ou menor.
Nos mitos, nos contos de fadas, nos símbolos religiosos, nos sonhos, nas visões, nas artes
plásticas, enfim em todas as manifestações da criatividade, que serão campo de pesquisa para nosso
grupo de estudo, as estruturas quaternárias estão frequentemente presentes exprimindo a totalidade
psíquica potencial ou realizada.
Isso acontece desde as épocas pré-históricas até os tempos modernos. Um belo exemplo é a
imagem que se vê na capa de Quatérnio. Trata-se de disco de madeira que era colocado no alto das
malocas dos chefes dos índios da região do Jari, Amazonas: quatro grupos de elementos dispõem-se em
torno de um centro e o conjunto acha-se encerrado dentro de um círculo. Imagem menos elaborada e
menos rica que as mandalas hindus e tibetanas, porém dotada das mesmas características
fundamentais, mostra a existência de possibilidades de representação comuns aos homens de todos os
lugares e de todos os tempo.
Os Editores

Indice
0.Os Editores
1. Interpretação Psicológica do Conto “Os Dois Viajantes” ( Irmãos Grimm )- Carlos Byington
2. O Marido da Mãe D’Água- Luís da Câmara Cascudo
3. Interpretação Psicológica- Alice Marques dos Santos
4. Aventura do Mais Valente Cavaleiro- Pedro Touron e Ilo Kruglt
5. Interpretação Psicológica- José Alves coma colaboração do grupo
6. A Tragédia de Othello- J.O de Meira Penna
7. Simbolismo do Gato- Nise da Silveira
8. Noticiário
1970
Quaternio 2: Revista do Grupo de Estudos C.G. Jung: Rio de Janeiro

Indice

1. Herbert Read, em memória- Nise da Silveira


56
2- Jung e a psicologia budista- Ricardo Mário Gonçalves
3- Tipos psicológicos – J.O. Meira Penna
4- Criatividade e vida – Murilo Nunnes de Azevedo
1. Herbert Read, em memória- Nise da Silveira
2- Jung e a psicologia budista- Ricardo Mário Gonçalves
3- Tipos psicológicos – J.O. Meira Penna
4- Criatividade e vida – Murilo Nunnes de Azevedo

1973

Quaternio 3 – Revista do Grupo de Estudos C.G.Jung; Rio de Janeiro.

Indice
1. A Terra e o Céu- Francisco Antonio Doria
2. Dionysos - Um Comentário Psicológico- Nise da Silveira
3. Notas do Caderno de um Psicanalista Sentindo-se Aprendiz -Ivan Ribeiro
4. Maria – Alice Marques dos Santos
5. O Quatenio de Dostoievski – J.O. Meira Penna
6. O Boi Aruá ( Luís Jardim ) - Alayde Mello, Ana Maria C.Lopes e Stela Winge
7. A Atitude Psicológica em Santa Tereza D’Àvila – Léon Bonaventure
8. Bibliografia Sumária de Introdução ao estudo Antropologico, Histórico e Sociológico dos Mitos
II – Ricardo Mário Gonçalves
9- A Esquizofrenia em Imagens – Introdução- Nise da Silveira
10. Noticiário
1975

Quaternio 4 - Revista do Grupo de Estudos C.G.Jung; Rio de Janeiro.

Indice

1. Contribuição da Psicologia Analítica a uma Psicologia Cristã -Leon Bonaventure


2. Homens de Engenho de Dentro – Teresa Vignoli
57
3. Meu contato humano com Raphael – Martha Pires Ferreira
4. Fogo e coincidências – José Carlos Oliveira
5. Complexo de Apolo. Uma ativação do inconsciente coletivo em pilotos – Leopoldo Alves
Teixeira.
6. Os Autômatos – Tite de Lemos
7. Poemas de Carlos – Carlos Pertuis
8. Reflexões a partir dos poemas de Carlos ou pequena apologia à loucura – Kuri
9. Deus Mãe- Nise da Silveira
10. Noticiario

-2-
Acerca dos Collected Works
Foi em Eranos, nos jardins da Casa Gabriela que em agosto de 1947 Jung assinou um contrato com
a Bollingen Foundation, a Pantheon Books ( New York ) e a Kegan Paul, Trench, Trumbner and Co.
( Londres ) para uma edição de seus escritos, inicialmente chamado The New Edition e
posteriormente Collected Works. 22 Esta publicação deveria conter: 1)- Todos os 9 livros publicados
em inglês até essa data; 2)- Todos os outros escritos existentes do autor ( tanto publicados em livros ou
em forma serial ou como um artigo ou palestra em qualquer publicação ou inédito ), os quais as
editoras poderiam de tempos em tempos designar para publicação na New Edition.
Um comitê editorial composto por C.G.Jung, Herbert Read e John Barrett seria encarregado do
projeto, um subcomitê executivo composto por Herbert Read, Michael Fordham e Gehrard Adler era
responsável por decidir a seleção do material a ser publicado e detalhes editoriais. Richard Hull foi
escolhido como tradutor. O primeiro trabalho que foi entregue para ser traduzido foi “Psicologia e
Alquimia”. Hull era um tradutor profissional, com pouco conhecimento prévio dos escritos de Jung.
Era especialista em trabalhos literários e filosóficos, e também traduziu as cartas de Rilke em 1946 e
em 1949 traduziu textos de Martin Buber e Martin Heidegger. Existia, no entanto, uma certa
hierarquia: se houvesse alguma diferença de opinião a decisão de Herbert Read deveria prevalecer
sobre os outros dois membros. Todas as decisões tomadas pelo subcomitê eram então submetidas à
aprovação do comitê editorial cujas decisões eram sujeitas a aprovação da Bollingen Foundation.
Apesar de vago e com algumas contradições, as consequências dessa clausula significava: 1)- The New
Edition foi planejada como uma seleção não muito clara de um amplo conjunto de escritos; 2)- A
autoridade maior para tomar decisões estava com as editoras ( nem Jung nem os editores tinham o
poder final de decisão ).
O projeto editorial foi um desafio para todas as partes envolvidas: Jung e seus manuscritos
estavam em Küsnacht; a fundação Boillingen era em New York; os editores estavam em Londres; o
tradutor morava inicialmente no sul da Suíça e depois se mudou para Mallorca ( Espanha ). A Europa
ainda estava sofrendo a destruição causada pela guerra; meios rápidos de comunicação à distancia não
existiam. Jung tinha sua secretária, mas nenhum outro staff para trabalhar no CW; não existia um
catálogo de suas publicações e manuscritos. Foi só graças ao esforço de William McGuire, editor
executivo da Bollingen Series, que foi possível toda essa rede complexa. Uma exigência feita por Jung
foi a de que o primeiro volume deveria ser publicado em três anos, salvo se ocorresse guerra, restrições
governamentais ou atos de Deus.
Foi preciso esperar até 1953 para que fosse publicado o primeiro volume ( vol. XII e em seguida o
volume VII) e os últimos ( vol. XIX e XX ) foram publicados em 1979. Somente em 1957 com a
publicação do vol. I ( já tendo sido publicados 5 volumes ) é que fica claro o que os CW como um todo
iriam conter: 1)- seria baseado em manuscritos redigidos por Jung e em sua última versão; 2)- os textos
seriam ordenados parte tematicamente e parte cronologicamente; 3)-essa coletânea de textos, agora
chamado Collected Works, teria 17 volumes, um volume adicional foi planejado para conter pequenos
textos, prefácios, etc. ( assim chamados “escritos flutuantes”), um índice geral e uma bibliografia. O
número 17 foi considerado pelas editoras como o número ideal, possivelmente por razões comerciais. É
58
também evidente – explicitamente ou implicitamente – o que os CW não conteriam: 1)-variações de
um texto; 2)-correspondência; 3)- anotações feitas por terceiros de palestras, seminários e entrevistas
feitas por Jung; 4)- fragmentos, rascunhos, material de pesquisa; 4)- material particular e
autobiográfico, incluindo o “Liber Novus” e os “Sete Sermões aos Mortos”; 5)- material artístico. Após o
conceito dos 17 volumes estarem estabelecidos a Bollingen Foundation e as editoras expressam sua
vontade de ampliar a publicação. Mas antes o que está acontecendo com a obra de Jung em alemão?
Simultâneo à organização para a publicação dos CW começam os esforços em 1954 para a publicação
dos Gesammelte Werke, inicialmente a cargo da Rascher Verlag e com sua extinção em 1969, a editora
responsável passa, a partir de 1971, a ser a Walter Verlag. Para esta edição Jung estabelece um outro
corpo editorial composto por Mariann N.Jung, Lena Hurwitz Eisner e o Dr. Franz Riklin – que era
nesta época o presidente do Instituto C.G.Jung em Zurique. A edição segue os mesmos critérios dos
CW com algumas pequenas diferenças editoriais e pode ser considerada a genuína versão da obra de
Jung e é o modelo padrão para as edições publicadas no Brasil, Itália, França, Espanha, etc.
Alguns trechos da correspondência entre Jung e Rascher: 01 de fevereiro de 1949: relativo às
minhas Collected Works eu creio ser vantajoso não se apressar em nada [ ... ] nós poderemos nos
aproveitar na publicação alemã daquilo que os editores ingleses já deverão ter realizado, ou seja, a
maior parte do trabalho prévio e assim acumular experiências importantes( Jung achava interessante
deixar todo o peso do trabalho editorial para os editores da edição em inglês ). 10 de outubro de 1950:
Primeiramente observamos neste verão, que também na Inglaterra não foram acumuladas todas as
experiências necessárias para a publicação de uma edição dos Collected Works. Em segundo lugar
questiono se não é recomendável ordenarmos cronologicamente a edição alemã em lugar de
abordarmos tematicamente como na edição inglesa”( Apesar de permitir que o grupo anglo- americano
trabalhasse e publicasse o C.W. antes que a edição alemã, Jung manifesta certas insatisfações com a
competência editorial deste grupo ). Numa carta escrita à Rascher em 10 de janeiro de 1953 Jung
estabelece alguns pontos acerca do conteúdo e do estilo do Werke. Um ponto a destacar é que
novamente insiste que, diferente dos CW, a edição alemã deveria obedecer a uma pura sequência
cronológica, para o estudo isso tem grandes vantagens. Só após definidos os textos é que vamos poder
tratar da divisão dos volumes”. Mas o final dessa história é que a partir de 1953 fica estabelecido o plano
editorial do Werke ( por sugestão do advogado de Jung, Dr. Hans Korner ) e esse ser exatamente igual
aos CW: em outras palavras, em função disso abandona definitivamente a ideia de uma ordem
cronológica. Em 1958, com sete volumes do CW no mercado, a Rascher inicia a publicação dos GW,
começando com o volume XVI e encerrando em 1994 com o volume XX.
Ainda muito mais teria para ser contado mas por enquanto é o suficiente,

-3-

Jung e os discos voadores70: questão ou erro de interpretação?

Armando de Oliveira e Silva

70 - A pesquisa e o texto estão baseadas nos seguintes documentos:


a)- volume XVIII ( O.C.- “The Symbolic Life );
b)- “Cartas de Jung ( vol II e vol. III- Editora Vozes )
c)- “Flying Saucer Review”- “Dr. Carl Jung on Unidentified Flying Objects “ May – June 1955 ( vol.1 n 02 pag.17/18 )
c)- “The APRO Bulletin” - “Dr. Carl Jung on Unconventional Aerial Objects” July, 1958 ( pag. 1 e 5 )
d)- “UFO Investigator” - “Dr. Jung Sets Record Straight” -August – September 1958 ( vol. 1 n08 pag.1 e 3
e)- C.S.I Publication”# 27 – “Jung on the UFO- July 1 1959 ( pag. 1 – 25 )
f)- “Gazzette de Lausanne”-: “Aux Frontières de la Connaissance”( 1959 – pag 1-21 )
g)- “Um Mito Moderno”- C.G.Jung – Editora Minotauro ( Lisboa- 1962 )
59

O tema dos discos voadores e Jung pode ser dividido em dois planos distintos e complementares:
1)- Plano Pessoal: a presença do tema em sua correspondência pessoal; 2)- Plano Público: os
comentários e as observações que Jung faz em entrevista, comunicados e em livro e as implicações que
isso provoca. Neste anexo irei me ocupar com o plano público.71
Como ponto de partida podemos citar o prefácio que Jung escreveu especificamente para a
primeira edição anglo americana ( 1959 ) do seu livro “A Modern Myth: Things That Been Seen in the
Sky”:
Neste contexto foi uma descoberta muito interessante e muito inesperada. Em 1954 escrevi 72 um
artigo no jornal semanal suiço “Die Weltwoche, em que me expressei de forma cética, apesar de
mencionar, com o devido respeito, a opinião de um número bastante grande de especialistas da
Aeronáutica, que acreditam na realidade de OVNIs ( Objetos Voadores Não Identificados ). Em 1958,
esta entrevista foi descoberta, de repente pela imprensa mundial, e a “novidade” espalhou-se com a
rapidez de um raio, desde o Extremo Ocidente até o Extremo Oriente, mas – lamentavelmente – de

71 - Uma versão completa deste texto, incluindo tanto o plano pessoal quanto o público, pode ser solicitado ao autor
do texto: armandoos@uol.com.br.
72 - Na realidade foram duas cartas escritas ao seminário,em resposta á solicitação do editor para que Jung desse uma
entrevista sobre o tema dos UFO. Embora ela tenha declinado uma entrevista oral ele escreveu duas longas cartas
ao repórter , as quais foram publicadas como um artigo in “Die Weltwoche em 09 de Julho de 1954 .
60
forma deturpada. Fui citado como alguém que acredita em OVNIs. Entreguei à United Press 73uma
retificação, com a versão autêntica da minha opinião, mas, desta vez, a notícia ficou engavetada:
ninguém, quanto eu saiba, tomou conhecimento disso, com exceção de um único jornal alemãA
controvérsia a que Jung se refere deve-se a uma edição bem simplificada e recortada dessa entrevista,
em forma de cartas respondendo a perguntas do editor Georg Gerster, que Jung deu em 09 de julho de
1954 a uma revista semanal suíça “Die Weltwoche”, e publicada na revista inglesa “Flying Saucer
Review na edição de maio-junho de 1955 ( vol.1 n 02 pag. 17/18 ) com o título “Dr. Carl Jung on
Unidentified Flying Objects” e posteriormente foi republicada no “The A.P.R.O. Bulletin, na edição de
julho de 1958 ( pag.1 e pag.5 ) com o título “Dr. Carl Jung On Unconventional Aerial Objects” e é esta
publicação que foi utilizada pelas agências de notícias e que provocou as controvérsias, documento na
CIA e a reação de Jung e até seminário de colaborador ( James Kirch ).
Mas vamos aos fatos: em 09 de julho de 1954, Jung dá uma entrevista em forma de carta à
revista “Die Weltwoche” ( Zurique XXII / 1078 ). Em seguida novas perguntas são formuladas a Jung e
respondidas na mesma revista. E conforme foi dito é o texto desta entrevista, que está publicada na
integra no volume XVIII ( O.C. §.1431 – 1444) que a partir de mutilações, simplificações e distorções e
descontextualizações irá servir de base para as controvérsias
O texto inicialmente publicado em tradução francesa no “Courrier Interplanétarie, publicado
em Lausanne ( Suíça ) e editado pelo Dr. Alfred Nahon. Não foi possível consultar essa publicação e
por isso não é possível afirmar se o artigo foi traduzido na integra. Possivelmente não foi, na medida
em que a versão em inglês que foi reproduzida na “Flying Saucer Review” de maio-junho de 1955 ( e
que erroneamente cita a versão do “Courrier” como a fonte original ) foi consideravelmente reduzida
em relação à edição original.
Trechos dessa entrevista foram publicadas na “Time Magazine”, sem que a fonte seja
mencionada, na edição de 25 de outubro de 1954 na matéria “Science: Martians over France”, que
trata da visão ou encontro que um morador de “Haute -Marne ( França ), JeanNarcy teve com um
“pequeno homem de 4 pés de altura ( 121,92 cm ) que usava um casaco de pele, um espartilho laranja e
um boné de pelúcia” e que depois de uma troca de cumprimentos “ele pulou em um pequeno disco
voador, decolou com um zumbido e desapareceu nas nuvens”.
Deixando de lado pequenos seres extraterrestres, vamos voltar a controvérsia entre o texto da
entrevista e sua publicação na “Flying Saucer Review”. A entrevista será transcrita na integra em itálico
e em negrito e entre parênteses o texto conforme publicado na Flyer Saucer Review e o propósito é que
um texto possa dialogar com o outro se é que possível pensar nisso.

73 - Em 12 de Agosto de 1958.
61

Meu muito amigo:


Seu interesse de iniciar um debate sobre a questão dos “discos voadores” é muito oportuna. Porém
tenho que dizer-lhe que, ainda que você não tenha se equivocado ao perguntar-me, desde que em 1946
comecei a ocupar-me deste tema não consegui obter sequer a base empírica sobre a qual possa chegar a
conclusões. No curso dos compilei um dossier bastante volumoso sobre as observações, e além disso
disponho dos informes de duas testemunhas oculares que conheço pessoalmente ( eu mesmo nunca vi
nada ) e li todos os livros que foram publicados sobre o tema, porém não consegui compreender a
natureza das observações. Até agora só tem uma coisa clara: que não se trata de um mero rumor, as
pessoas vê algo. ( Ao longo dos anos eu consegui reunir uma massa considerável de
observações incluindo nelas o relato de duas testemunhas oculares que conheço
pessoalmente ( eu nunca vi nada ). Eu também li livros sobre o tema. No entanto, eu só posso
dizer com certeza: essas coisas não são meros rumores: alguma coisa foi vista ) O que é visto
pode ser uma visão ( ou uma alucinação ) subjetiva, no caso de um só observador, ou coletiva, no caso
de vários observadores simultâneos. Igual que o rumor, este fenómeno psíquico teria um”significado
compensatório”, seria uma resposta espontânea do inconsciente à situação atual da consciência, ao
medo que provoca a desesperada situação política do mundo, que em qualquer momento pode conduzir
a uma catástrofe mundial. Em uma época assim, o olhar busca ajuda no céu, aonde aparecem
presságios milagrosos, de natureza ameaçadora ou consoladora. ( os símbolos “redondos são
especialmente sugestivos, e hoje aparecem em muitas fantasias espontâneas em relação precisamente
com a sombria situação do mundo )
A possibilidade de uma explicação puramente psicológica é uma ilusão porque muitas
observações assinalam a um fenómeno físico ( em parte explicada como um reflexo de uma inversão
térmica ). A Força Aérea dos Estados Unidos ( pese suas declarações contraditórias ) e a do Canadá
pensam que o que as pessoas vêm é real e compilam todos os informes mediante uns “escritórios
especiais”. Os “discos” ( quer dizer, os objetos mesmos ) não se comportam como objetos “físicos” mas
62
como se não tivessem peso e revelam um comando inteligente fazendo supor que neles há um piloto
quase humano. Sua aceleração, porém, é de tal ordem que nenhum poderia suportá-la.
( Uma pura explicação psicológica está fora de questão pelo fato de que um grande
número de observações indicam um fenómeno natural, mesmo físico ( explicável em parte
como reflexos ou inversões de temperatura ) A Força Aérea Americana ( apesar de suas
declarações contraditórias ) como também o Canadá consideram as observações como sendo
reais e criaram um “Bureaux especial” para compilar relatos. No entanto, os “discos” ( isto é,
os objetos em si mesmo ) não se comportam em conformidade com as leis físicas mas
parecem não ter peso e eles mostram sinais de serem guiados inteligentemente, por pilotos
quase humanos, pois sua aceleração é tal que um ser humano normal não poderia
sobreviver )
A opinião de que os discos sejam reais está tão difundida na América que era inevitável que se
produzissem notícias de aterrissagens Assim, há pouco li dois relatos deste tipo procedente de fontes
diferentes. Em ambos, o elemento místico da visão ou da fantasia está claramente em primeiro plano,
pois uns seres parecidos a homens , porém idealizados como se fossem anjos, são descritos com a
correspondente mensagem edificante. Por desgraça não há informações úteis. Em ambos os casos a
fotografia falhou de repente. Por isso, os relatos de aterrissagens temos que acolhe-las de momento
com precaução.
O que mais me assombra é que a Força Aérea dos Estados Unidos, que deve possuir um dossier
considerável, pese a seu presumido medo de provocar pânico trabalha sistematicamente para provocá-
lo ( como o que se produziu em New Jersey como consequência de um programa de rádio de Welles ),
pois até agora não apresentou uma exposição autentica e confiável dos fatos, mas somente permitiu
aos jornalistas que obtenham algumas informações. Portanto, ao leigo se torna impossível formar uma
ideia clara das experiências existentes. Embora por oito anos tenho compilado tudo o que estava a meu
alcance, tenho que admitir que meus conhecimentos não avançaram; sigo sem saber o que são esses
“discos voadores”. Os informes são tão escassos que, supondo que os fenómenos sejam reais, me sinto
tentado a estabelecer uma comparação com processos parapsicológicos.
( O que mais me assombra é que a Força Aérea Americana, apesar de todas as
informações que possui e o seu assim chamado medo de causar pânico, parece trabalhar
sistematicamente para provocá-lo ( como o que se produziu em New Jersey como
consequência de um programa de rádio de Welles ), pois até agora não apresentou uma
exposição autentica e confiável dos fatos, mas somente permitiu aos jornalistas que
obtenham algumas informações. Portanto, ao leigo, se torna impossível formar uma ideia
clara das experiências existentes. Embora por oito anos tenho compilado tudo o que estava ao
meu alcance, tenho que admitir que meus conhecimentos não avançaram; sigo sem saber o
que esses “Discos Voadores” são. Os informes são tão escassos que, supondo que os
fenómenos sejam reais, me sinto tentado a estabelecer uma comparação com processos
parapsicológicos )
Dada a completa falta de fundamentos , de nada adianta continuar especulando. Temos de
esperar pelo que nos dirá o futuro. Explicações ditas “científicas”, como as teorias do reflexo, de Menzel,
são possíveis apenas se colocarmos educadamente de lado todos os relatos que são “inadequados”
( Dada a completa falta de fundamentos, de nada adianta continuar especulando. Temos
de esperar pelo que nos dirá o futuro. Explicações ditas “científicas”, como as teorias do
reflexo, de Menzel, não são possíveis sem abstrair por conveniência quaisquer relatório que
não se encaixam.)
63
É tudo o que tenho a dizer sobre o assunto. Por isso não há necessidade de uma entrevista. Mas
podem fazer o uso que quiserem desta carta.
Questões suplementares
Supondo que estivéssemos sendo espiados por seres inteligentes não humanos, o senhor acha
que isto poderia ser assimilado no quadro mundial de hoje sem resultados prejudiciais ? Ou acha que
se trataria necessariamente de uma revolução do tipo copernicano, sendo portanto o pânico, que o
senhor tanto teme, expressão de uma correção legítima?
Além disso, deveriam as autoridades competentes tomar medidas para impedir um pânico, e
quais medidas psico higiênicas que lhe parecem adequadas para alcançar este objetivo?
Prezados senhores:
Tentarei responder da melhor maneira possível às suas perguntas referentes aos “discos voadores”.
Essas perguntas são perfeitamente legítimas hoje em dia, pois há pessoas, melhor informadas do que
eu, que acreditam que os fenómenos em questão tem origem extraterrestre. Como já afirmei, não posso,
ou não posso ainda, partilhar essa opinião porque ainda não consegui reunir razões suficientes para
isso. Se, como se afirma, esses “corpos” são de origem extraterrestre ou de outros planetas ( Marte,
Vênus ), o que dizer das observações que informam que certos “discos” decolaram do mar ou da terra? É
preciso levar em conta também que há várias descrições que lembram os fenómenos de relâmpagos
esféricos ou certos fogos fátuos estranhos e estacionários ( não confundi-los com os fogos de
santelmo ). Em casos raros , os relâmpagos esféricos podem assumir configuração estranha, por
exemplo, a de uma bola deslumbrante de luz, do tamanho da metade da lua cheia, indo devagar de uma
nuvem à outra, ou a forma de uma faixa de uns quatro metros de largura e duzentos de comprimento
que bate no mato despedaçando todas as árvores em seu caminho. São silenciosos como os “discos” ou
podem desaparecer com o trovão. Talvez os relâmpagos esféricos, como cargas elétricas isoladas ( o
chamado raio de colar de pérolas ), possam ser a origem daqueles “discos” ordenados em série que já
foram fotografados várias vezes. Também outros fenómenos elétricos já forma mencionados em relação
com os “discos.
(( Se, como se afirma, esses “corpos” são de origem extraterrestre ou de outros planetas
( de Marte ou Vênus ), não se pode esquecer observações que falam de “Discos”brotando da
terra ou mar. É preciso levar em conta também numerosos relatos de relâmpagos, ou de raras
bolas de fogo estacionárias ( não confundir com o Fogo de São Telmo ). Nesses casos isolados
relâmpagos podem chegar a dimensões consideráveis, movendo-se lentamente de uma
nuvem para outra na forma de uma esfera deslumbrante de luz, do tamanho da metade da lua
cheia, ou novamente fazendo uma passagem para si mesmo através de uma floresta de cerca
de 13 metros de largura e 220 metros de comprimento, dividindo todas as árvores que estão
em seu caminho. Eles são silenciosos como os Discos ou podem desaparecer como um trovão.
Talvez esses relâmpagos esféricos como cargas elétricas isoladas ( 0 chamado raio de colar de
pérolas ) são a origem dessa formação dos Discos fotografados muitas vezes. Muitas vezes
outros fenómenos elétricos são relatados em conjunção com visões de Discos.)
Se, apesar de ainda não comprovada essa possibilidade, esses fenómenos forem de origem
extraterrestre, isto provaria a existência de uma conexão interplanetária inteligente. Não se pode
imaginar o que este fato significaria para a humanidade. Nós nos sentiríamos, sem dúvida, na mesma
situação crítica que as sociedades primitivas quando confrontadas com a cultura superior dos brancos.
As rédeas seriam tiradas de nossas mãos e deveríamos dizer, como me disse um velho feiticeiro com
lágrimas nos olhos: “não temos mais sonhos”. Nosso voo mental para as alturas teria sido antecipado
sem esperanças e paralisado para sempre.
64
( Se, apesar dessa não explicada possibilidade da origem extraterrestre do fenómeno for
confirmada isso iria provar a existência de um relacionamento interplanetário inteligente. O
que este fato pode significar para a humanidade não pode ser previsto. Mas isso vai nos
colocar, sem dúvida, na posição extremamente precária das atuais comunidades primitivas
em conflito com a cultura superior dos brancos: as rédeas serão tiradas de nossas mãos e nós
poderemos perder nosso sonhos prazeirosos.)
A primeira coisa a ir para o lixo seria nossa ciência e técnica. O que significaria moralmente
semelhante catástrofe podemos copiá-lo do desaparecimento doloroso que acontece diante de nossos
olhos das culturas primitivas. Não há como negar que a produção de tais máquinas demonstraria uma
tecnologia científica bem superior à nossa. Assim como a Pax Britannica colocou um fim à guerra das
tribos na África, nosso mundo poderia enrolar sua cortina de ferro e fazer dela sucata, bem como de
milhões de toneladas de armas, navios de guerra e munições. Isto realmente não seria muito ruim, mas
nós teríamos sido “descobertos” e colonizados – razão suficiente para um pânico universal.
(Naturalmente, seria principalmente nossa ciência e nossa técnica que teria que ser
consignada para o monte de poeira. O que tal catástrofe significaria no plano moral é a que
podemos de alguma maneira julgar pela ruína da cultura primitiva da qual somos
testemunhas. A construção dessas máquinas provaria uma técnica científica e muito superior
à nossa enão admitiria duas opiniões. Assim como a Pax Britanica colocou um fim às disputas
entre tribos da África, nosso mundo poderia enrolar a cortina de ferro e fazer dela sucata, com
todas as armas, navios de guerra e munições. Isto não seria muito sério. Mas nós seriamos
“descobertos” e colonizados – razão suficiente para pânico universal.)
Se quisermos evitar semelhantes catástrofes, as autoridades constituídas e que têm informações
fidedignas não deveriam hesitar em informar o público da maneira mais rápida e completa possível, e
sobretudo parar com esse jogo estúpido de mistificação e alusões sugestivas. Mas, em vez disso,
permitiu-se que uma publicidade tão fantasiosa quanto mentirosa tivesse livre curso – a melhor
preparação possível para o pânico e distúrbios psíquicos.
( Se quiserem evitar esta catástrofe , as autoridades de posse de informações
importantes não deveriam hesitar em esclarecer o público da maneira mais rápida e completa
possível e deveriam acima de tudo parar essas travessuras ridículas de mistérios e alusões
vagas.)
Outras questões suplementares
Sua ideia de um possível paralelismo com os acontecimentos parapsicológicos parece muito
interessante. Suponho que o senhor esteja pensando na aparição de fantasmas
O senhor escreveu que em tempos como os nossos os olhos se voltam esperançosos para o céu. O
senhor pensa num cataclismo histórico que produziu fenómenos semelhantes? Isto é: há evidências de
outras visões ( ou alucinações ) coletivas com conteúdo semelhante?
A que atribui o fato de que, com poucas exceções, os discos só tenham sido observados no
continente americano? O senhor acredita que este fato indica que se trata de fenómenos psíquicos
( eventualmente no sentido de um “fantasma” especificamente americano ) ou que são de natureza
objetiva?
É difícil responder à pergunta sobre a analogia entre os “discos” e os fenómenos parapsicológicos,
pois faltam para isso os fundamentos necessários. Se quisermos tomar a sério esta possibilidade,
deveria antes ficar provado que tais fenómenos estão causalmente ligados a estados psíquicos; em
outras palavras, que um grupo maior de pessoas experimente, sob a influência de certas condições
emocionais a mesma dissociação psíquica e a mesma exteriorização da “energia” psíquica que um
65
médium individualmente. Até agora só sabemos que existem visões coletivas. Mas ainda é uma questão
em aberto se elas podem produzir fenómenos físicos de ordem coletiva como levitação, aparições de
luz, materialização, etc. Até agora, a referência a aspectos parapsicológicos só demonstram a ilimitada
perplexidade da situação atual.
Nesta ocasião devo dizer que todo o problema psicológico-coletivo levantado pela “epidemia dos
discos”, está numa oposição compensadora à nossa cosmovisão científica. Este quadro tem
provavelmente maior importância nos Estados Unidos do que entre nós. Como é sabido, ele consiste em
grande parte de verdades estatísticas ou de “médias”; elas excluem casos extremos que os cientistas
não gostam de admitir porque são incompreensíveis. Como consequência, temos uma visão do mundo
constituídas apenas de casos normais. E estes, como as pessoas “normais”, são essencialmente
“ficções” que podem ser causa de erros fatais principalmente na psicologia. Podemos dizer com certo
exagero que a realidade se constitui sobretudo de exceções que são transformadas em norma pelo
intelecto; e no lugar de um quadro colorido do mundo temos um quadro trivial de racionalismo árido
que não oferece pão, mas só pedras, ao sentimento e à compreensão mais profunda do universo. Disso
brota logicamente uma fome insaciável pelo extraordinário. Se acrescentarmos a isso a grande derrota
da razão humana demonstrada diariamente pelas notícias da política mundial e exacerbada pela
ameaça das consequências imprevisíveis da bomba de hidrogênio, o quadro que se desvenda diante de
nós é de uma reviravolta psíquica chegando ao infortúnio espiritual espiritual, comparável à situação
do início de nossa era, ao ao caos que se seguiu ano 1000dC, ou à virada do século XV para o século
XVI. Não seria de admirar se, como relatam antigas cronicas aparecesse no céu todo tipo de sinais e
maravilhas, ou se fosse esperada do céu uma intervenção miraculosa que viesse em auxílio da
impotência humana. “Mutatis mutandis”, nossas “observações de discos já se encontraram em relatos
da Antiguidade, ainda que não com a mesma frequência como hoje em dia. Mas naquela época não
existia a possibilidade de uma destruição em escala global, como a que os políticos ( ! ) de hoje têm em
mãos.
(Então, afinal, não há nada fora do caminho nas declarações de documentos anti de que
todos os tipos de sinais e milagres aparecem nos céus ou que as pessoas olham para os céus
para uma maravilhosa intervenção vindo em auxílio da incapacidade humana. Nossas
observações atuais de “discos” coincidem - “mutatis mutandis” - com os muitos relatórios que
remetem à antiguidade, embora não em uma frequência tão surpreendente como em nossos
tempos. Mas a possibilidade da destruição de um continente inteiro, que hoje está nas mãos
dos políticos, nunca existiu antes.)
O macarthismo e sua influência mostram a inquietação profunda e angustiante do povo
americano. Por isso, é na América do Norte que se vê o maior número de sinais no céu.No início deste
século eu estava convencido de que nada mais pesado do que o qr pudesse voar e de que o átomo er
realmente “a-tômico” ( indivisível ). Desde então tornei-me muito cauteloso e repito o que escrevi no
começo de nossa correspondência: apesar do conhecimento relativamente profundo que tenho da
literatura disponível ( seis livros, inúmeros artigos de jornais e revistas, notícias e relatos inclusive de
duas testemunhas oculares ) ainda não o que existe de verdadeiro sobre os “discos voadores”. Por isso
não me sinto capacitado a tirar conclusões e emitir um julgamento de certa forma confiável. Não sei o
que pensar sobre esse fenómeno.
Atenciosamente.

Após a publicação da entrevista, em sua versão resumida na “Flying Saucer Review” e até a sua
redescoberta em 1958 quando é publicada na edição de julho de 1958 no “The Aerial Phenomena
66
Research Organization (A.P.R.O). Bulletin, Jung volta a sua atenção apenas para o plano pessoal, ou
seja da sua correspondência
Em julho de 1958 o “A.P.R.O. Bulletin” (Alamogordo, New México ), a conhecida e bem
considerada publicação do “Aerial Phenomena Research Association”, editado por Carol Lorenzen,
publica, na primeira página, a versão do texto de Jung de 1954 com o título “Dr. Carl Jung: On
Unconventional Aerial Objects”, por ocasião da aceitação de Jung em ser membro honorário e
consultor da A.P.R.O.

Na apresentação, que antecede a publicação do texto, podemos ler: Dr. Jung, famoso psicólogo
suico, membro da A.P.R.O. foi perguntado sobre o que ele pensava sobre Discos Voadores pela
“Association Mundial Interplanetarie”. Aqui está sua resposta, reproduzida do “Flying Saucer Review” de
Londres ( Inglaterra ); e nesta pequena apresentação podemos perceber dois erros que são cruciais: o
primeiro é atribuir a matéria como sendo uma resposta dada por Jung à perguntas feitas pela
“Association Mundial Interplanetarie” quando, como já vimos anteriormente, o texto é uma entrevista,
em forma de cartas, de Jung à uma revista semanal suiça, “Die Welltoch”, e o segundo e talvez mais
significativo foi omitir a data da publicação e com isso dando a impressão,ou quase certeza, que o texto
havia sido escrito em 1958 e não em 1954.
Através das agências de noticia, principalmente a Associated Press, essa reimpressão, destilada,
de quatro anos atrás subitamente se torna notícia em todo mundo e é tratada como uma declaração
atual de Jung sobre a questão dos UFOs e em função dessa destilação a declaração parece ter um tom
fortemente pró-UFO.
Jornais americanos e do resto do mundo engolem a “novidade”e só para dar um exemplo, até
mesmo o “The New York Times”, avesso às questões de UFOs publica, em duas colunas com foto do
Jung, a matéria “Dr. Jung Says “Saucers” Exist; Bars Psychological Explanation”.
Em contrapartida a revista “Time” publica na sua edição de 11 de agosto de 1958, um artigo do
seu editor de ciência, Jonathan Leonard, “Dr.Jung and the Saucers” e aonde afirma que Jung nunca
havia dito isso e conta a origem desse erro, mostrando que existem discrepâncias entre o artigo
originalmente publicado em 1954 e a versão do A.P.R.O Bulletin e com um toque final, Gerald S. Clark,
assistente diretor de relações públicas of A.P.R.O., editou o artigo do Dr. Jung até uma declaração nua
da crença na “realidade” dos discos voadores e encaminhou isso para a Associated Press e United Press
International. Então Dr.Jung percebe-se classificado como um crente em discos voadores. [ … ]
Questionado na Suíça, Dr. Jung ficou atônito com o mal do seu nome famoso. Enquanto investigava o
67
mito dos discos, ele disse, ele se correspondia com Carol E.Lorenzen, diretora da A.P.R.O., e de forma
bem humorada aceitou ser membro honorário, mas ele não autorizou ser listado como consultor em
psicologia do Bulletin.
Em um documento publicado em 01 de julho de 1959 pela C.S.I New York ( CSI Publication# 27
), “Jung on the Ufo” podemos ler: Em 08 de agosto a Associated Press entrevistou Jung em sua casa
na Suíça. O despacho resultante, com manchetes como “Jung Discounts Flying Saucers” ( N.Y. Times, 10
de agosto ) e “Jung Denies Belief in Flying Saucers” ( N.Y. World Telegram, 09 de agosto ) aparecem
virtualmente em todos os jornais que apresentaram a história anterior. De acordo com o entrevistador
da A.P., Jung contou a ele que o desejo do homem para um novo “mito salvador” era a causa para todas
as alegadas observações de discos. “Eu estou convencido que “viram” discos voadores gostariam de vê-
los”. Os poucos editores que haviam comentado favoravelmente as observações de Jung como
originalmente relatadas se encontram agora envergonhados, corados. As poucas pessoas que leram o
livro de Jung ficaram perplexos.
O repórter da AP acomodou de forma favorável seu artigo ao transformar de forma branda a
A.P.R.O. como vilã: “ Investigações subsequentes indicam que eram elas uma distorção de uma
entrevista de Jung de 1954”.
Voltando no tempo e em 13 de agosto de 1958 Jung faz o seguinte comunicado à United Press
International:
Devido a um artigo publicado no A.P.R.O. Bulletin, espalhou-se na imprensa que, segundo minha
opinião. Os OVNIs ( Objetos Voadores Não Identificados ) eram fisicamente reais. Esta notícia é
totalmente falsa. Numa publicação recente minha, “Ein moderner Mythos: Von Dingen, die am Himmel
gesehen werden” ( “Um mito moderno: Sobre coisas vistas no céu”- Vol. X O.C. ) eu disse textualmente
que não poderia me pronunciar sobre a questão da realidade ou irrealidade dos OVNIs, pois não
possuía nenhuma prova a favor ou contra. Ocupei-me, por isso,única e exclusivamente do aspecto
psicológico do fenómeno, havendo neste sentido grande material disponível. Formulei minha posição
diante da realidade dos OVNIs da seguinte forma:”alguma coisa é vista, mas não se sabe o quê”. Esta
formulação deixa em aberto a questão do “ver”: pode ser alguma coisa material, mas pode-se, também
ver alguma coisa psíquica. Ambas são realidades, mas de espécie diferente.
Meu relacionamento com a A.P.R.O. ( “Aerial Phenomena Research Organization” ) restringe-se
ao fato de que o A.P.R.O Bulletin me ajudou quando eu reunia material para meu ensaio acima
mencionado. Quando esta organização me perguntou recentemente se podia considerar-me como
membro honorário, respondi afirmativamente. Enviei meu livro à A.P.R.O. para informá-la sobre minha
posição quanto aos OVNIs. A A.P.R.O. insiste com muito fervor e idealismo na realidade física dos
OVNIs. Considero, por isso, aquele artigo enganoso um acidente lamentável de percurso.
Este comunicado não teve um grande impacto na imprensa e conforme Jung escreve, um pouco
desanimado e surpreso, no prefácio para a edição anglo-americana do “Ein moderner Mythos:
Entreguei à United Press com a versão autêntica da minha opinião, porém desta vez, a notícia ficou
engavetada; ninguém, quanto eu saiba tomou conhecimento disso, com exceção de um único jornal
alemão.
Curiosamente o primeiro jornal a publicar esse comunicado foi o jornal “Correio da Manhã”
( Rio de Janeiro ) na edição do dia 13 de agosto de 1958 com o título “ O Desmentido de Jung”; no
jornal alemão que Jung menciona, “Badener Tageblatt”, foi publicado na edição de 29 de agosto de
1958 e em inglês foi publicado na edição de setembro no A.P.R.O Bulletin com o titulo “Dr. Jung’s
position clarified”.
68

Na edição de agosto de 1958 do “U.F.O. Investigator” ( publicado pela “National


Investigations Committee of Aerial Phenonomen publica em primeir página uma matéria com o título
“Dr. Jung Sets Record Straight” e além de uma carta escrita ao major Donald E.Keyhoe, editor e
diretor dessa publicação, contém um breve histórico de todos esses acontecimentos anteriores e que
reproduzo abaixo:

Minha preocupação especial não fecha questão quanto à realidade física nem quanto à sua
origem extraterrestre, nem quanto a seu comportamento intencional,etc. Não possuo provas suficientes
para tirar conclusões. Mas os indícios de que disponho são bastante convincente para despertar e
manter meu interesse. Acompanho com a maior simpatia suas pesquisas e esforços para estabelecer a
verdade sobre os UFOs.”.
“Assim, Dr.Carl Gustav Jung, psiquiatra mundialmente famoso, numa carta ao NICAP’s, tenta
corrigir o mal entendido que resultou a partir de citações inexatas de sua visão por uma revista
britânica, cujas citações – na medida em que ficaram escondidas por muitos anos graça ao
69
desconhecimento de sua existência pelo Dr.Jung – foram recentemente reproduzidas num boletim da
A.P.R.O. situada em Alamogordo, New Mexico, em julho de 1958.
Para aqueles que não se familiarizaram com os detalhes completos, os principais pontos desta
situação são citados aqui em ordem cronológica:
1- em julho de 1954 Doutor Jung deu uma entrevista sobre OVNIs, que foi publicado em um
jornal suíço, “Die Weltwoche”. Nesta entrevista, o Doutor Jung declarou seu interesse e analisou várias
possibilidades - como realidade física, manifestação psicológica e assim por diante - mas deixou claro
que não havia formado conclusões absolutas.
2- Na edição de maio-junho de 1955 da revista britânica “Flying Saucer Review”, partes da
entrevista do “Weltwoche” foram reproduzidas que, provavelmente através de erros de tradução ou
através da necessidade de redução da redação, resultou na impressão de que o Doutor Jung endossava
totalmente a realidade do OVNI, se não aceitando-os totalmente como naves espaciais
interplanetárias.
3)- De 1955 até o verão de 1958, este artigo foi referido em vários momentos por investigadores de
UFOs e ele era geralmente aceito como factual, na medida em que não houve nenhum desmentido do
Doutor Jung. De acordo, com Coral Lorenzen, Diretora da A.P.R.O., sinceramente acreditava que era
adequado reproduzir o material da “Flying Saucer Revview”, Antes disso ela escreveu ao Doutor Jung
perguntando se ele aceitaria ser membro honorário da A.P.R.O. Doutor Jung aceitou, confirmando seu
interesse no assunto.
4)-Em 3 de julho de 1958, através das agências de noticia aparecem em todo os Estados Unidos e
em países estrangeiros, aparecem trechos tirados do A.P.R.O. Bulletin que reproduzem o artigo do
“Flying Saucer Review”. Trechos nos quais o Dr.Jung discutiu hipoteticamente na entrevista original
são apresentadas como sua visão exata, com a chamada de capa geralmente anunciando a opinião do
Doutor Jung de que os UFOs são reais e possivelmente controlados por seres de outro mundo.
5)- Quando as noticias da imprensa chegam até o Doutor Jung em Zurique, ele escreve à Coral
Lorenzen e pede uma cópia do artigo britânico que havia se referido numa carta anterior. Depois de
deliberar e sem nenhuma indicação de mal estar, Doutor Jung fez uma correção em 13 de agosto de
1958 colocando sua visão como estavam contidas no artigo original e também em seus últimos escritos.
Doutor Jung em uma cópia enviada ao N.I.C.A.P., diz que ele considera a republicação pela A.P.R.O
como sendo um acidente infeliz.
6)- Em 22 de agosto de 1958,a secretária do Dr. Jung, Aniela Jaffé escreveu ao diretor do N.I.C.A.P.
muito desses detalhes e afirma: Como você sabe, a versão inglesa da entrevista do Doutor Jung ao “Die
Weltwoche” não foi submetida à apreciação do Dr.Jung.
7)- Entretanto, negações que às vezes pareciam ser fortemente críticas à declaração da A.P.R.O.
apareceram na imprensa aqui e no exterior, conforme divulgado pelo Dr.Jung. O famoso psicólogo foi
citado como tendo dito que os discos voadores não eram nada além de “pensamentos desejosos”. Não
há nenhuma indicação de que esta seja a sua opinião no comunicado de imprensa enviado a nós por
sua secretária, embora seja possível que ele possa ter falado sobre isso em uma entrevista pessoal com
repórteres em Zurique. No entanto, a melhor indicação de sua posição está contida em sua carta ao
diretor do NICAP, que é citada abaixo:
Kusnacht- Zurique
Seestrasse 228
16. 08.58
Major Donald E. Keyhoe
National Investigation Committee
70
on Aerial Phenomena
1536 Connecticut Avenue
Washington6, D.C.
Prezado Major Keyhoe

Agradeço muito a sua amável carta. Li tudo que escreveu sobre os UFOs e fiz uma assinatura do
NICAP Bulletin. Sou grato por todos os seus passos corajosos no sentido de elucidar o difícil problema
da realidade dos UFOs.
Infelizmente é incorreto o artigo no APRO Bulletin, de julho de 1958, que causou toda aquela
celeuma na imprensa. Como o senhor sabe, sou médico alienista e psicólogo clínico. Nunca vi um OFO
e não tenho qualquer informação de primeira mão sobre esses objetos nem sobre a atitude dúbia da
AAF ( American Air Force ). Devido a esta lamentável lacuna, estou impossibilitado de formar uma
opinião definitiva sobre a natureza física do fenómeno UFO. Como cientista, somente afirmo o que
posso provar, e abstenho-me de julgamentos sempre que duvido de minha incompetência. Por eu
disse:”coisas são vistas, mas ninguém sabe o quê”. Não afirmo nem nego. Mas certamente não existe
dúvida alguma que se fazem muitas afirmações de todos os tipos sobre os UFOs. Estou mais
interessado neste aspecto do fenómeno. Há uma grande riqueza de opiniões sobre seu significado
universal. Minha preocupação especial não fecha questão quanto à sua realidade física, nem quanto à
sua origem extraterrestre, nem quanto a seu comportamento intencional,etc..Não possuo provas
suficientes para tirar conclusões. Mas os indícios de que disponho são bastante convincentes para
despertar e manter meu interesse. Acompanho com a maior simpatia suas pesquisas e esforços para
estabelecer a verdade sobre os UFOs.
Apesar de eu manter em suspenso – espero que temporariamente – meu julgamento sobre a
natureza dos UFOs, achei conveniente trazer alguma luz ao rico material de fantasia que se acumulou
em torno das extraordinárias observações nos céus. Toda nova experiência tem dois aspectos: 1)- o fato
em si e 2 )- a maneira de conhecê-lo. E é neste último que estou interessado. Se for verdade que a AAF
ou o governo74 retêm fatos que circulam à boca pequena, então pode-se que esta é a política mais anti-
psicológica e estúpida que alguém poderia inventar. Nada contribui mais para os boatos e o pânico do
que a ignorância. É evidente que o público precisa conhecer a verdade, pois no final ela virá à luz. Não é
74-Documento da CIA, de 11 de agosto de 1958, afirma que Dr. Carl Jung acusa a Força Aérea Americana de esconder
os UFO.S:
Esta é uma resposta a carta de 06 de agosto criticando Carl Jung por sua crença em discos voadores e sua
denúncia de que a Força Aérea tem encoberto a verdade sobre esses objetos. Eu gostaria de assinalar que o Dr. Jung
não é a primeira pessoa com reputação e integridade que fez semelhante denúncia. Ele é meramente o último.
Exatamente a mesma denúncia foi feita pela Almirante Delmar Fahrney, ex diretor de pesquisa de misseis
teleguiados da Marinha e por R.M. Hillenkoetter, ex diretor chefe da Agência Central de Inteligência ( C.I.A. ). Essas
duas pessoas estavam em posição de saber muito sobre as investigações sobre o quanto a Força Aérea sabe sobre os
discos. Nenhum desses dois homens é um “fanático” em qualquer significado dessa palavra.
Se Jung fosse a única pessoa responsável em fazer tal denúncia, nós poderíamos considerar essa coisa toda
como non-sense. No entanto, quando um número de pilotos, operadores de radar e outros observadores treinados
concordam que os UFOs são reais, uma reavaliação séria da situação se faz necessário. Não é razoável acreditar que
pessoas como Fahrney e os outros são todos malucos.
Aparentemente a “House Armed Service Commitee” concorda comigo e que está agora apoiando uma
investigação secreta sobre a Força Aérea e os Ufos. Essa informação foi confirmada pelo congressista Ayres no
“Beacon Journal” de 03 de agosto.
Eu passei cinco anos investigando o fenómeno UFO e minhas experiências confirmam a opinião do Dr.Jung.
Quase sem exceção as pessoas que têm sido as mais críticas da crença em UFOs são as pessoas que não fizeram
nenhuma pesquisa por conta própria.

Fred A. Kirsch
71
possível imaginar um choque maior do que a bomba H, mas todos sabem de sua existência sem que
tenham desmaios.
Quanto à sua pergunta sobre uma possível hostilidade dos UFOs, devo enfatizar que não tenho
outro conhecimento do assunto além do que todos sabem através da imprensa. Esta é a razão de estar
longe de qualquer certeza sobre a realidade física dos UFOs.
Agradeço a gentileza de querer enviar-me recortes da imprensa, mas já tenho bastante deles. É um
fato surpreendente que toda vez que faço alguma declaração ela é torcida e falsificada. Parece até que a
imprensa gosta mais de mentiras do que da verdade.
Atenciosamente
C.G.Jung

Passado todas essas questões que colocam a discussão no plano coletivo Jung volta a discutir o
tema com seus correspondentes .
Volto agora, pela última vez, ao plano público e para a relação entre Jung e a imprensa mas desta
vez sem artigos duplamente destilados e má divulgação, e suas consequências, através de agências de
notícias e sim com um trabalho sério de análise do livro de Jung; esta seriedade é validada pelo próprio
Jung em uma carta escrita à Georges Duplain, e que posteriormente foi usada como prefácio, jornalista
da “Gazette de Lausanne”. Mas vamos aos fatos: no período de 24 de agosto de 1959 até 03 de setembro
de 1959 foi publicado em nove números da “Gazette de Lausanne em uma série de artigos escritos por
Geoges Duplain comentando o livro de Jung “ Um mito moderno” e entre 04 de setembro a 08 de
setembro de 1959 a “Gazette” publicou uma entrevista de Georges Duplain com Jung. Os artigos e a
entrevista foram posteriormente reunidos e publicados na forma de um livro “Aux Frontières de la
Connaissance” e a carta de Jung é usada como prefácio do livro.

A série de artigos, com a inclusão de pequenos trechos do livro, o prefácio de Jung serão
reproduzidos a seguir e a entrevista de Jung pode ser lida no livro “Jung: Encontros e Entrevistas” com
o título “Nas Fronteiras do Conhecimento” com a omissão dos comentários que Georges Duplain faz
ao longo da entrevista.
72

Prefácio
Sou grato de modo especial ao senhor Duplain que publicou na Gazette de Lausanne uma série de
artigos que são notáveis para melhorar a compreensão e alargar horizontes. Em geral, meus livros são
tratados apenas superficialmente pela imprensa, e não só por ela, mas também por parte de cientistas,
sem que haja preocupação com seu conteúdo. Esse tipo de abordagem não é do feitio do senhor
Duplain. Ele se interessa pelo conteúdo de meus livros e do possível sentido para nosso tempo. Sou
grato por esta atitude não só a ele, mas também à “Gazette Lausanne”, que sempre procurou entender o
conteúdo de minhas obras.
O tema principal examinado nesta série de artigos é dos mais estranhos. Eles tratam das
aparições bizarras e duvidosas de corpos que parecem se movimentar em nossa atmosfera. Supõe-se
que provenham de outros planetas. É extremamente difícil conseguir provas de sua existência objetiva,
mas apenas isso pedem insistentemente que sejam levados em consideração.
É indiferente que sejam realidades físicas ou não;o que importa é que sejam realidades psíquicas
que já ensejaram amplas discussões e vasta literatura. Mesmo que não haja nada de fisicamente
palpável por detrás disso tudo, fica o boato de sua existência como fato indubitável. Não importa muito
ao psicólogo se o boato no sentido físico é verdadeiro ou não, pois para ele interessa saber como o
espírito humano cria tais produtos e assim obter certa luz sobre a atividade de nosso inconsciente. O
boato em si é uma fonte de importância ímpar da qual podemos tirar conclusões sobre o acontecer
psíquico inconsciente. Tais experiências são de suma importância, porque a parte inconsciente da
psique ainda é negada por muitos e, mesmo onde se reconhece sem dificuldade a existência do
inconsciente, ainda existe grande perplexidade sobre como deve ser entendido. Uma formação tão
universal desse boato fornece uma possibilidade inestimável para maiores investigações sobre a
natureza, ainda bastante controversa, dos fenómenos psíquicos.
Com suas reflexões profundas o senhor Duplain prestou um grande serviço não só ao público
interessado, mas também ao conhecimento psicológico em geral.
Setembro de 1959
Carl Gustav Jung

A importância verdadeira dos “discos voadores” para os homens de nosso tempo.


É difícil avaliar corretamente o alcance dos acontecimentos. Eu sei dos riscos que eu corro ao
falar desses corpos misteriosos que atravessam nosso céu provocando tanto rumores que foram
nomeados “discos voadores” ou “objetos voadores não identificados
Que velho fala assim? Em que tempo? Esta, mal resumida, é a introdução do grande psiquiatra
Carl Gustav Jung a um de seus últimos livros “Ein moderne Mythus – Von Dingen, die am Himmel
gesehen werden” dedicado inteiramente aos problemas colocados pelos discos voadores, quer existam
ou não. O silêncio em torno dessas cem páginas é singular - eles explicam no máximo por sua
densidade e gravidade. Eles são impressionantes, mas fazem tantas perguntas que se gostaria de ser
capaz de descartá-las, considerá-las como fruto de uma senilidade em vez da sabedoria e da
experiência.

O fruto de longos estudos


Em primeiro lugar, é importante saber que o professor doutor de Zurique estudou
minuciosamente tudo o que é sabido sobre os discos voadores, e depois de anos, ele concorda com as
conclusões de Edward Ruppelt, ex-chefe do escritório especial encarregado de investigar discos nos
Estados Unidos: “vemos algo, mas não sabemos o quê”. E Jung deve imediatamente se prender à
peculiaridade essencial desses objetos que se comportam como pensamentos. Não há nenhuma prova
73
formal de sua existência física- além de ecos de radar. Mas o acumulo de observações, verdadeiras ou
falsas, prova que há, em qualquer caso, um fenómeno psíquico nos homens, o que mereceria por si só
um estudo.
A probabilidade me fez crer que ao lado do possível fundamento físico, este fenómeno
extremamente complexo possui um componente psíquico muito importante. Nós chegamos ao ponto
onde não se sabe mais se uma observação real provoca um fantasma, ou se, ao contrário, uma
dificuldade nascida no inconsciente se traduz na consciência por visões ou alucinações. O material que
eu acumulei ao longo de dez anos apoia todas as duas possibilidades. Em um caso, um fenómeno físico,
objetivo, real, dá origem a um mito. No outro, um arquétipo que provoca a visão correspondente. Agora
é possível adicionar uma terceira possibilidade: é da coincidência, da sincronicidade que preocupava os
filósofos desde Leibniz e Schopenhauer.
Como psicólogo, declara Jung, não disponho de recursos que contribuam para a solução do
problema sobre a realidade física dos UFOs., como ele os nomeia, utilizando o termo oficial americano
que designa os “Unidentified Flying Objects”. Eu posso incumbir-me somente do aspecto psíquico que
sem dúvida existe.

O Poder de um Mito
É extremamente difícil abordar os problemas psicológicos propostos pelos “discos voadores”, que
eles existem ou não: o estudo de C.G.Jung dos quais já falamos, em todo o seu trabalho, postula o
conhecimento de um número certo de dados básicos que constituem sua contribuição para o
conhecimento e a terapêutica da alma humana. A simplificação não pode cruzar certos limites sem se
tornar traição; no entanto, em tal campo a chave é ser fiel.
Em seu livro C.G.Jung observa desde o início que todas as observações coletadas sobre discos
voadores tem o suficiente para arrepiar o cabelo na cabeça dos homens mais razoáveis. Vemos mentes
científicas aderindo a descrições que desafiam todo o bom senso e fantasias que constroem explicações
quase válidas. Nos movemos no meio de contradições irreconciliáveis.
"Desde que fechemos os olhos um pouco para escapar de certos detalhes”, escreve Jung,
"poderíamos muito bem cair dentro da maioria razoável, considerar as milhares de observações sobre
discos voadores como recitações visionárias e tratá-las como tais. Permaneceria, portanto, apenas uma
massa impressionante em si mesma de falsas observações e falsas conclusões, nas quais projetaríamos
alguns fatos psíquicos subjetivos.”
Um drama interior
Muito bem, mas se é projeção psíquica, deve haver uma causa psíquica nessas projeções. E como
há milhares de testemunhos de todo o mundo, ele deve ter uma causa psíquica generalizada. A
experiência dos psiquiatras permite afirmar que os “rumores” deste tipo, também difundida, como
consistente, surge de uma tensão emocional nascida de sofrimento ou perigo coletivo ou de uma
necessidade vital não atendida.
A situação atual do mundo justifica apenas uma reação acentuda do inconsciente coletivo. No
indivíduo, convicções absurdas, visões, ilusões só aparecem se a personalidade estiver
psicologicamente dissociada, ou seja, se houver uma desconexão entre a atitude consciente e o
conteúdo oposto do inconsciente. O consciente que não conhece esses conteúdos, ao ser confrontado
com uma situação aparentemente sem saída, não pode integrar essa contribuição, mas procura
expressá-la indiretamente através de opiniões, associações, alucinações. Tudo se torna um sinal. E
vemos que a mesma situação causa o mesmo tipo de sinais em indivíduos diferentes e separados um
do outro.
Além disso, as visões nascem particularmente em pessoas menos inclinadas a acreditar, menos
preparadas para recebê-las, do que as mais razoáveis. A razão é tão forte neles que o inconsciente deve
usar meios particularmente drásticos para manifestar seu conteúdo. A consequência é que os
testemunhos dessas pessoas assumem um peso singular, porque seus autores não são suspeitos de
complacência ou credulidade, que sempre manifestam um senso crítico afiado e um julgamento
equilibrado.
74
Tudo isso agora faz parte da medicina psiquiátrica; em outro nível, a vida das comunidades
humanas é um exemplo importante, e é sobretudo sobre política. Tensões internas íntimas e pessoais
se refletem em projeções que afetam o ambiente familiar ou amigos; as tensões das ordens coletivas,
religiosas, políticas e sociais, resultam em projeções sobre grupos humanos: franco-maçons ou
jesuítas, capitalistas ou bolchevistas, judeus ou negros, etc. Ao ponto em que o mundo inteiro está em
jogo, onde podemos imaginar a explosão do planeta Terra, as projeções são feitas até o cosmos, onde a
aviação e os foguetes lançaram os espíritos. A técnica domina nossas vidas: projeções psíquicas
assumem aparências técnicas.
Nós assistimos assim o nascimento de uma lenda, à criação de um mito vivo. Somos dados para
ver como, em um momento difícil, a humanidade cria a história de forças celestes extra-terrestres que
buscam se aproximar dela. Empreendemos a conquista do espaço e vemos a chegada dos "outros",
aqueles que fariam o mesmo em outros planetas. Em suma, há obviamente uma projeção de nossos
próprios desejos, o gosto pela aventura, o desempenho técnico, a própria sensação. Mas isso significa -
no sentido absoluto da palavra - que esses próprios impulsos cobrem uma angústia vital latente no
inconsciente, e necessidades essenciais correspondentes.
A necessidade de unidade
Esse medo deve ser essencial, a fim de causar um fenómeno dessa magnitude. Jung coloca-a em
primeiro lugar na multiplicação da raça humana, mais rápido do que os meios de autodestruição
inventados pelo homem e que reduz ainda mais a participação de cada um - apesar de todo o
progresso da produção - que a lei é cada vez mais reconhecida para todos uma parte justa de bens.
Isso implica para os "civilizados" uma renúncia da qual a grande maioria dos interessados pelos
"países sub-desenvolvidos nem sequer estão cientes. Assim que foi notado ou surge mais claramente:
na integração da Argélia à França.
Isso parece-nos brotar ainda mais: da angústia do homem antes da descoberta de que ele não
sabe nada; o fato de que cada "invenção" representa mais problemas do que solução. Toda a rede de
conhecimento que se pensava ter sido adquirida no início do século XX agora se traduz em tantos
"buracos" de ignorância. É um medo atomico, não tanto da bomba que é apenas a expressão mais crua,
mas da estrutura do universo que nos escapa, quando pensamos que estávamos apreendendo-a.
É um medo metafísico. Mas não acreditamos mais em traduzir esses "sinais no céu" em termos
metafísicos. Em vez disso, tendemos a expressá-los em termos de psiquiatria. No entanto, algumas
popularizações dessa ciência são extremamente perigosas, porque, por sua vez, fornecem álibis e
explicações muito fáceis. É no geral que devemos considerar o fenómeno, não em certos detalhes
artificialmente escolhidos.
No entanto, esta forma redonda de "discos, ou bolas, é encontrada desde os primórdios da
humanidade e em todas as civilizações. O círculo sempre foi mágico. O próprio Jung dedicou muitas
páginas ao simbolismo do círculo ou "mandala" de acordo com o termo sânscrito. Os conhecedores da
"psicologia das profundezas" sabem que este símbolo representa a necessidade da unidade do homem,
sua aspiração em relação a um todo, fora dele como nele. Alquimistas fazem do círculo o símbolo da
alma: Jung a vê como a expressão do “Self”, a essência do ser.
A situação atual do mundo e dos homens é suficiente para provocar a expectativa de um evento
libertador sobrenatural. Mas o sobrenatural já não seria expressivo o suficiente para os homens de
hoje: é por isso que a unidade necessitada, a necessidade de um todo, se traduz em uma forma técnica,
em uma "linguagem" que corresponde às possibilidades que prevemos. Mas o sobrenatural já não seria
expressivo o suficiente para os homens de hoje: é por isso que a unidade necessitada, a necessidade de
um todo, se traduz em uma forma técnica, em uma "linguagem" que corresponde às possibilidades
que imaginamos.
O Mundo é “Uno” mas o Homem é Dividido.
Segundo C.G.Jung os “discos voadores” - considerados exclusivamente sobre os aspecto psíquico
do fenómeno que eles representam – são, temos visto, a forma contemporânea da necessidade de
interioridade e exterioridade inerentes ao homem; eles são a expressão moderna do círculo e do
globo, da forma redonda que sempre teve esse significado em todas as idades da humanidade.
75
Para tentar sua demonstração, o professor de Zurique dedica a maior parte de seu livro às
aparências de discos ou objetos voadores não identificados em sonhos e na pintura. Eles são, é claro,
sonhos muitas vezes datando de antes da era dos discos; pinturas visionárias ou de sonhos, realizadas
sem intenção de enfrentar as aparições celestes. Ele pretende demonstrar a permanência deste
símbolo, e o fato de que o inconsciente usa, para manifestar seu conteúdo, elementos precisamente
comparáveis às aparências do disco. O relato às vezes é consciente: mais frequentemente totalmente
ignorado.
Os aspectos diversos da verdade
Deve-se ressaltar ainda que essas conclusões não são de forma alguma o resultado de uma
fantasia pessoal do autor: todo esse campo tem sido cientificamente explorado por anos, e o conteúdo
simbólico é uma realidade que agora é indiscutível. Jung chama de “Self” a totalidade do sujeito, física
e psíquica, com a necessidade de singularidade que necessariamente se manifesta psicologicamente
durante uma tensão interna bastante grande. Essa necessidade se traduz no símbolo do círculo. E o
"Self" também contém o elemento mediador entre o consciente e o inconsciente, entre o homem e o
mundo.
Estou empenhado na formulação de “realidades empiricamente concebíveis” diz Jung, e não em
incursões duvidosas no campo metafísico. No Ocidente aquilo que chamo de “Self” se chama Cristo; no
Extremo Oriente, Tao ou Buda. Nosso mundo ficou pequeno e começa a despertar a compreensão de
que só existe uma humanidade com uma alma, e que a humildade é uma virtude muito necessária. Ele
deveria fazer com que o cristão, em nome da caridade siga à frente como exemplo e reconheça que
existe somente uma verdade mas que ela se expressa em línguas diversas e que só os limites estreitos de
nossa inteligência ainda não conseguimos perceber este fato. Ninguém é tão semelhante a Deus para
que saiba a verdadeira palavra sozinho.
Os discos voadores é assim uma manifestação religiosa traduzida em termos novos. Jung assinala
também que o piloto de avião é hoje um visionário ideal. Seu olhar ,por um lado, é dominado pelo
complicado painel de comando, e por outro, pela imensidão celeste e os espaços cósmicos. Seu
consciente está concentrado de forma unilateral em detalhes que exigem atenta observação; por outro
lado, seu inconsciente força a encher o vazio interminável do espaço. Mas tanto sua disciplina quanto o
seu assim chamado “senso comum” não lhe permitem observar tudo aquilo que poderia emergir de
dentro dele e de ser perceptível como compensação do vazio e da solidão criados pelo voo distante da
Terra. Uma situação dessa espécie representa uma condição ideal para fenómenos psíquicos
espontâneos, como é sabido por qualquer pessoa que já tenha ficado à mercê da solidão, do silêncio e
do vazio do deserto, do mar, das montanhas e da selva.
os antigos profetas foram visitados por tentações, por imagens dos pecados dos quais se
abstiveram. A falta do homem moderno é de natureza completamente diferente; temos visto os
perigos essenciais que ele se sente ameaçado, e a necessidade de unidade que ele sente além da divisão
interna que ele sofre. Suas visões assumem aparências relativamente familiares, mas é seu significado
simbólico que realmente importa. É sempre, como na religião, o encontro com um “outro” cujo poder
espiritual é superior.
Além do conhecimento
Esse "outro", o que sabemos?
Todos nós olhamos para o espelho escuro em que o mito é desenhado, virando-se para o mundo
invisível. O olho do espírito descobre neste espelho uma imagem à qual nós demos o nome de
‘Self”sabendo muito bem que esta é uma imagem em nossa imagem, sabendo que nós a nomeamos,
mas não a explicamos. Representa a totalidade psíquica. Mas não sabemos sobre quais realidades esse
conceito se baseia, porque o conteúdo psíquico não pode ser observado em seu estado inconsciente, e
porque a psique não pode conhecer o seu próprio ser. o inconsciente é conhecido pelo consciente apenas
na medida em que se torna consciente. Temos uma ideia fraca das transformações que o conteúdo
inconsciente sofre quando se torna consciente, mas não o conhecemos de forma segura.
O que pode haver além desse limite de conhecimento teórico só pode ser discernido intuitivamente.
Mas sabemos que existe algo além: os arquétipos nos mostram isso. Experimentos cada vez mais
76
numerosos também provam paralelismo psicofísico; somos forçados a admitir que existe um potencial
psíquico na matéria, bem como certa materialização no psiquismo.
E Jung para chegar a uma concepção do mundo "unificado", “Unus Mundus” que resolva
contradições e coincidências: cada elemento material tendo um componente espiritual ou psíquico, e
vice-versa. Tais conclusões não são especulações no ar, conclui ele : são necessárias após um estudo
psicológico cuidadoso do fenómeno dos discos voadores.
Sinal e símbolo, o disco voador agora se torna um meio de penetrar mais profundamente nos
segredos da alma.
Realidade Física e Realidade Psíquica

Depois de ter estudado o fenómeno dos “discos voadores” sob seu aspecto puramente psíquico, o
professor Jung chega ao elemento físico do problema em sua obra “Um Mito Moderno”.
Os absurdos relatados em muitos depoimentos seriam suficiente, diz ele, para descartar o todo
como um tecido de alucinações, bom no máximo para servir de base para um estudo sobre o
nascimento e desenvolvimento de mitos. Mas em toda objetividade, resta um ou dois detalhes que não
podem ser explicados por meios racionais; trata-se, em particular, do fato de que os discos voadores
não foram apenas vistos diretamente, mas também observados em telas de radar e até fotografados. Ou
projeções psíquicas provocam ecos de radar ou então o aparecimento de “corpos celestes” provoca
projeções mitológicas. Ainda pode haver uma coincidência dos dois fenómenos.
A necessidade do mediador
As projeções míticas sempre existiram, mas antes das observações nos discos, ninguém jamais
tivera a ideia de ligar as duas ordens de fenómenos, físicos e psíquicos, porque ainda não eram
conscientes.
São muitas outras formas assim projetadas: os discos celestes são uma aparência específica de
nosso tempo, e esta imagem dos círculos, que representa a singularidade do mediador, é
particularmente característica de nossa época. A ideia dominante de um mediador, de um deus que se
torna homem, anteriormente rejeitava a representação politeísta em segundo plano; ele está em
processo de ser apagado, por sua vez. De fato, milhões de chamados cristãos perderam a fé em um
mediador real e vivo. E quantos crentes estão exaustos em compartilhar sua fé com os povos primitivos
quando seus esforços seriam infinitamente mais necessários entre os brancos ...
Nenhum cristão disputará pela fé a importância de uma representação como a do mediador. Ele
não poderia mais subestimar as consequências que a perda de tal personificação de sua fé pode ter.
Uma ideia tão poderosa como a do mediador divino corresponde a uma necessidade essencial da alma.
A necessidade não desaparece quando uma expressão desaparece dela. O que acontece então com a
energia que manteve essa ideia viva e sustentou seu poder sobre a alma. Nosso mundo está dividido
contra si mesmo por oposições políticas, filosóficas, religiosas, sociais, até um ponto até então
desconhecido. Onde houver cortes desta magnitude, é inevitável que surja a necessidade de mediação.
Mas o apelo ao mediador não é mais popular; é irracional, não científico. A necessidade se transforma
em angústia, e esse medo dificilmente ousa se expressar. O pessimismo não pode continuar: otimismo,
alta economia, "continue sorrindo" são os ideais heroicos da civilização mecanicista. O pessimismo já é
subversivo. O pessimismo impetuoso e reflexivo continua sendo nosso único chance de salvação.
É um fato da experiência que, na natureza como na alma, a tensão entre os opostos, a contradição
constitui um potencial que pode ser expresso a qualquer momento em uma manifestação de energia. A
contradição psíquica dá origem a um símbolo de unidade, antes de tudo inconsciente. É o processo em
curso no inconsciente dos homens hoje. Sobre o desgosto que sofre espontaneamente forma um
símbolo de reencontro, de unidade, de totalidade: não importa se ele se torna consciente ou não. Mas se
no mundo exterior ocorre o menor acontecimento extraordinário ou impressionante, seja sobre
homens, objetos, ideias, aí se projeta o conteúdo inconsciente, dando origem a lendas e mitos, como
aconteceu desde o nascimento da humanidade. São apenas as formas e representações que mudam; o
fenómeno é constante.
77
Explicação física
Voltemos à realidade física dos discos voadores. Também existe um fenómeno físico. Jung não
acha que pode duvidar, mesmo que queira enfatizar acima de tudo o aspecto físico dos objetos
voadores. "Por mais de dez anos que tenho lidado com a questão, não tenho conseguido coletar
observações suficientes para permitir uma conclusão de um jeito ou de outro. Só posso sugerir direções
para estudos futuros. Caberá à física dizer se a anti-gravitação é levada a sério. Mas imagino ainda
menos um "objeto psíquico" com propriedades físicas.
Resta uma terceira possibilidade: os discos voadores são aparências materiais reais, de natureza
desconhecida, de espaços inter-estrelares. Eles são visíveis há muito tempo, talvez, mas sem parecerem
ter qualquer ligação com a Terra. Mais recentemente, desde que os homens voltaram seus olhares para
o céu com a ideia de se aventurarem lá, e também por causa de sua existência ameaçada, o conteúdo de
seu inconsciente foi projetado sobre os inexplicáveis fenómenos celestes, dando-lhes uma importância
que eles não merecem, pelo menos no nível físico. Mas a importância psíquica do fenómeno continua
capital.
Este é o ponto culminante do estudo do Professor C.G. Jung. Os artigos publicados até agora
apenas o resumiram. Suas observações nos parecem essenciais: teremos a oportunidade de retornar a
algumas informações adicionais que o professor Jung gentilmente nos deu durante uma entrevista.
Na entrevista que Jung fez com o autor, o jornalista Georges Duplan, só há uma menção feita por
Jung ao tema dos discos voadores e bem no inicio da entrevista:
Agradeci a entrevista, surpreso por ele receber gentilmente um jornalista, quando tantos de seus
discípulos médicos não conseguem se aproximar do mestre. Ele ri:
Também me surpreende vê-lo aqui: que um jornalista queira me ver enquanto, desde essa história
de discos, eu fui feito para passar por senil! Mas devo dizer que os Suíços são relativamente melhores.
descobri uma compreensão surpreendente da sua parte.
Quanto aos discos não tenho muito a acrescentar. Recebi muito material novo desde a publicação
do livro; não vemos isso com mais clareza, mas sempre vemos melhor o quão importante é. Ah! há uma
grande história em torno desse fenómeno.

E enfim chegamos ao fim dessa história e a partir de agora quem quiser ou souber que conte
outra.
78

Textos
-1-
1931

A psycho – sintese75
Arthur Ramos

A psychologia de C. G. Jung nasceu de um grande esforço para a liberação do fantasma da


sexualidade. Aos suissos, de arraigadas tradições espiritualistas, não agradou a estadia prolongada
naquelle mundo subterrâneo da psychanalyse, onde se mostrára ao homem, ferido no mais intimo das
suas illusões mysticas, o que existe de bestial, de criminoso e de perverso nas dobras profundas do seu
inconsciente.
A libido foi dessexualizada. O complexo de Édipo não passaria de um symbolo: a mãe é o
irrealizavel, a que todo o homem deve renunciar, em beneficio da civilização; o pae não tem a
significação do mytho clássico; no inconsciente, elle é o “pae interior”, de quem é preciso emancipar-se,
para a conquista da liberdade e da independência. Por esse motivo, a doutrina de Jung teria esta grande
significação symbolica: o seu creador “insiste sobre o direito histórico da mocidade, de quebrar as
cadeias que lhe quizera impor a velhice tyrannica, imobilizada em suas concepções rígidas. 76.
Enquanto que a psychanalyse estava preoccupada com a redução causal, derradicando o “não
valor” ( Unwert ) da vida anímica, Jung argumentava que o “valor” ( Wert ) devia também ser
estudado.
O valor, para Jung, é um conceito de totalidade. “Um valor – diz elle 77 - é uma possibilidade pela
qual a energia pode chegar a seu desenvolvimento”; a sua força creadora é “uma realidade psychica tão
pura como a da tendencia e do impulso”.78
A ambiciosa e genial de psychologia de Jung é uma tentativa gigantesca de generalização dos
factos psychicos. Libertando a psychana da obsessão do sexual, Jung constroe uma grandiosa doutrina,
ad captandum benevolentiam ( “ para capturar o benevolente” ), insinúa Freud, de larguissimos voos
às regiões mais altas da psyche humana, onde as forças espirituaes inconscientes procuram
dessexualizar uma parte importante da libido, no longo evolver da civilização. Tambem, para elle, a
doutrina de Adler seria unilateral, porque não aborda todos os factos e finalidades psychicas.
Para Jung, como lembra o Conde de Keyserling, a psychê humana é uma synthese destes impulsos
e finalidades ajustados a cada caso particular. É o “ajustamento interior” que constituiria o facto
primário da vida psychica. Assim, “Jung não considera, como Freud que a sexualidade seja a ultima
coisa, senão o ajustamento de todo organismo psychico à sexualidade, nem tampouco, como Adler,
crê que seja a vontade de imposição ou de poder, mas o ajustamento interior que esta exprime
empyricamente”.79
As theorias de Freud e de Adler são ambas logicas e exactas, de acordo com ponto de vista sob que
sejam encaradas. Ellas não se poderiam superpôr, visto como se acham em contradições absolutas:
Freud faz do amor, o facto capital e Adler erige o eu em ponto básico para a formação da nevrose. 80
“Como, então, ambas as theorias são exactas em vasta porção, isto é, explicam de modo adequado o
seu assumpto, é preciso que, evidentemente a nevrose tenha dois aspectos oppostos ( zwei
gegensätzliche Aspekte ), um dos quaes se conterá na theoria de Freud, e o outro na de Adler.81
Um destes investigadores, continua Jung82, só enxergou um aspecto unilateral da nevrose, e o
outro, o aspecto unilateral opposto. Adler estudou a nevrose do ponto de vista do eu; a sua maneira de
75- Capítulo III : Estudos de Psychanalyse, Arthur Ramos. Livraria Scientifica Argeu Costa ( Bahia ) pags. 89 - 116
76- Freud: Contribution à l’histoire du mouvement psychanalytique, pag. 313.
77- C.G.Jung: Das Umbewusste im normalen und kranken Seelenleben, Zurich, 1926, pag 70
78- Karl Haeberlin, Fundamentos del psicoanalisis, pag. 130
79- Keyserling, El conocimiento creador, pag.348
80- Jung, op.cit. Pag 59
81- Jung, ibid pag.61
82 - Jung ibid pag.61
79
ver baseia-se numa “accentuação do Sujeito” ( Betonung des Subjektes ), sem levar em conta o
objecto, relegando-o a um nível secundario. Freud, ao invés, considerou a nevrose “em constante
dependência e em relação com significativos Objetos” ( in steter Abhängigkeit von und in
Beziehung zu bedeutsam Objekten )[ em constante dependência de e em relação a objetos
significativos].
Esta divergência de pontos de vista, attribue Jung a uma differença de temperamento
( Temperamentunterschied ), que exprime aquella oposição fundamental entre dois typos
psychologicos, que foram denominados o introvertido ( der introvertierte Typus ) e o extravertido
( der extravertierte Typus ). O introvertido tem a libido voltada para dentro, para o eu; o sujeito
está em primeiro plano, enquanto que o objecto tem um valor secundário. O extravertido tem a libido
orientada para fora; o interesse não se concentra sobre o sujeito: desloca-se para o objecto que
desempenha aqui o papel primordial.
Com esta noção dos typos psychologicos oppostos, desaparece o “mal entendido” entre as duas
theorias de Freud e Adler. “Com isto se desfazem as opposições incompativeis entre ambas as theorias
que são producto de uma apresentação unilateral”.83
O ponto de vista de uma parece falso ao ponto de vista da outra, em virtude de antithese, que
passaria despercebido a quem não introduzisse a noção dos typos psicológicos oppostos. Esta noção
nova, introduzida por Jung, veio trazer o reconciliamento necessaria ao desenvolvimento ulterior da
sua doutrina.
Em sua obra magistral sobre os Typos psychologicos84 expõe Jung a sua theoria das duas
attitudes psychologicas fundamentaes, da introversão e da extraversão. Mesmo no homem normal,
em todos os tempos, houve essa antithese entre os dois typos, determinando pontos de vista opposto na
apreciação dos phenomenos. Jung vae encontrálos entre os antigos e na idade media 85, nas polemicas
theologicas e philosophicas, sobresahindo-se a opposição renhida entre o nominalismo e o realismo,
que começou nas famosas disputas entre a escola de Megara e de Platão, estendendo-se até à
philosophia escolastica. Expõe Jung, em seguida86, as ideias de Schiller sobre o problema dos typos e a
distinção que este quis ver, no artista, entre o typo ingenuo ( naive ) e o sentimental
( sentimentalische ), o idealista e o realista.
Nietszche em Die Geburt der Tragödiche87, nomeou o seu par, em que admittiu aquela oposição
fundamental, o apollinico ( das Apollinische ) e o dionysiaco ( das Dionysische ).
Refere-se ainda Jung aos typos psychologicos na obra de Furneaux Jordan, e analysa, após a obra
de Carl Spitteler, Prometheus und Epimetheus, também aqui descobrindo os typos antitheticos
introvertido ( prometheico ) e extravertido ( epimetheico ). Aborda o problema dos typos na
psychiatria, na esthetica, terminando por estudá-los na moderna philosophia e na biographia, nas
obras respectivamente de William James e Ostwald. De facto, o primeiro 88, no seu livro Pragmatism,
verificara a existencia de duas cathegorias entre os pensadores, differenciando-os com os nomes de
tender mind e de tough mind. O último89 no seu Grosse Männer dividiu os sabios egualemnte em
dois typos: o clássico ( der Klassiker ) e o romantico ( der Romantiker ), naquelle contraste
fundamental.
Com a noção destes dois typos psychologicos, já não haveria uma opposição irreductivel no
encarar os phenomenos da vida. Todos os “mal entendidos” surgem do desconhecimento deste ponto de
vista fundamental. Será sempre necessario, como doutrina Keyserling, fazer-se o “ajustamento” a cada
caso, levando-se as differenças de nível psychologico. “O bem, o mal, a verdade, o falso, o real, o
irreal,etc., significam diversas qualidades em cada caso, conforme, o nível. Quod licet Jovi non licet
bovi; si duo faciunt idem, non est idem ( Tudo o que é permitido a Júpiter não é permitido ao
boi; se dois fazem a mesma coisa, não é a mesma coisa ).
83- Jung, ibid pag. 64
84- Jung, Psychologische Typen. Zurich 3. und 4 Tausend, 1925
85- Jung, ibid pags. 17 e sqq.
86 - Jung, ibid, pags. 182 e sqq
87- Jung, ibid pag. 193
88 - Jung, ibid pag. 425
89- Jung, ibid pag. 459
80
Jung dirá, dos dois typos, numa formula mais concreta 90:
“o valor de um é o não valor do outro”.
Na vida humana, quasi sempre os dois typos introvertido e extravertido completam-se vivendo, por
assim dizer, numa symbiose perfeita. Emquanto que um reflecte, o outro age. Outras vezes, porém,
ergue-se um contra o outro, numa antithese violenta, gerando todas essas incompatibilidades, todos
esses ruidosos contrastes e opposições irreconciliaveis, a que commummente assistimos na vida.
As duas disposições unem-se, aliás, em cada indivíduo. Nenhuma existe isoladamente; o que
caracteriza o typo psychologico é justamente o desenvoivimento maior de uma dellas. Ninguem é
unicamente introvertido ou extravertido: “ … no introvertido, - diz Jung 91 - a extraversão dormita
algures na profundidade em estado embryonario ( die Extraversion irgendwo im Hintergrund in
unentwitckelten Zustande schlummere ) e da mesma forma, no extravertido, a introversão leva
uma existencia análoga na sombra.” Jung exprimirá melhor em uma das suas formulas magistraes,
dizendo que, no introvertido, há uma extraversão de menor valor e vice versa no extravertido.
É conduzido assim Jung ao “problema dos contrários”, que vê na introversão e na extraversão os
dois movimentos oppostos fundamentaes, na vida, que Goethe já havia designado com os nomes de
systole e de diastole92. A arte de viver residiria na successão rithimica e harmonica destes
movimentos, uma vez que o problema dos contrarios é um principio inherente à natureza humana.
Uma theoria scientifica deverá, pois, basear-se no principio dos contrarios, estudando na alma
humana as tendencias oppostas bi-polares de que, segundo Jung, as duas theorias de Freud e Adler , só
haviam revelado o aspecto unilateral93
Procurando elevar-se acima dos dois contrarios tenta Jung a creação de uma theoria psychologica
que supere aquellas outras e abranja o estudo da totalidade psychica.
Ha a tendencia commum de só se considerar scientifico o que se baseia num principio causal;
neste sentido, todas as explicações scentificas são reducções causaes. Isto, porém, não bastaria ao
espirito, que não dispensa as condições subjectivas de todo o conheciemnto. “O mundo é como nós o
vemos”, diz Jung94, e por esse motivo não podemos desprezar, em psychologia, o methodo intuitivo.
A doutrina de Jung surge, pois, como uma grande synthese, onde pretende dar uma explicação
global dos factos psychicos. Manuseando, com uma extraordinaria erudição, os documentos
mythologicos e historicos, chega Jung a uma concepção genetica das funcções da psychê humana, com
uma orientação francamente vitalista. Elle relacionou deste modo a psychologia com as grandes
syntheses espirituaes, buscando analogias entre os “conteúdos” mentaes do neurotico e do homem
normal, e o pensamento primitivo, conhecido através da exegese dos documentos ethnologicos e
historicos, nos velhos mythos, no folk-lore, na symbolica de todos os povos.
Em sua vasta obra “Transformações e symbolos da libido” 95 Jung precisa a sua concepção genetica
da libido, repudiando a explicação analytica de uma libido sexual.
Para Jung, a sexualidade primitiva, no decurso da civilização humana, foi-se transformando
gradativamente, adquirindo novos valores, sem por isto perder da sua força inicial, na motivação dos
actos humanos. Houve uma dessexualização da libido, em virtude da força repressora da civilização e
do relevante trabalho de sublimação das religiões.
A libido, na concepção de Jung, é aquella energia geral que impulsiona o ser humano às realizações
da vida e às aspirações do futuro. Elle define-a como a “energia psychica”, em geral, interpretando-a
como um valor psychologico, comparavel ao elan vital de Bergson, ou ao conceito energetico dos
gregos. Esta energia psychica pode tomar duas direções, conforme a sua orientação para dentro, para o
eu ( introversão ) ou para fora, para os objectos ( extraversão )
Alargando desta forma a sua concepção, fazendo da libido a expressão monista da energia
psychica, de uma ampla significação genetica e dynamica. Jung não mais admitte o conflicto entre o eu
e as tendências eroticas, e sim entre a “tarefa vital”, e a “inercia psychica”. O indivíduo não triumpharia,
na sua tarefa vital, se não conseguisse sacudir o jugo da inercia. O inconsciente não encerraria somente
90- Jung: Das Unbewusste, pag. 79.
91- Jung: ibid, pag. 80
92- Jung: ibid, pag. 85
93- Jung: ibid.pag.89
94- Jung: The content of the psychoses, trad. ing…, in Van Teslaar, An Outline of Psychoanalysis, 1925, pag.259
95 - Jung: Wandlungen und Symbole der Libido, Jahr f. Psychoan. 1911 e 1912
81
o que há de bestial no homem, mas existem nelle forças latentes de aperfeiçoamento, bases da toda a
crença, da moral e do sentimento religioso.
Toda a sexualidade infantil é interpretada symbolicamente 96. A libido ( a energia psychica ), nos
primeiros tempos da vida infantil, encontrou os seus primeiros objectos nas pessoas da família da
creança: a mãe, o pae, os irmãos. Mas as ideias e os sentimentos sexuaes, revelaveis depois pela
analyse, são simbólicos. E nestas revelaçãoes subjectivas do paciente, Jung não fala do pae e da mãe
reaes; “usa o termo imago ou imagem para representar o pae ou a mãe, porque os sentiemntos e
fantasias fequentemente não dizem respeito aos paes reais, e sim a imagens subjectivas desfiguradas,
creadas pela imaginação do indivíduo.97
O primeiro conflicto surgiu entre estas ligações primitivas da libido e o anseio de liberdade,
inherente ao homem. A fantasia do auto sacrificio ( Selbstopfer ) mostra este conflicto entre as
tendencias infantis para libertar a libido das suas inserções iniciais. O homem deve partir as cadeias
symbolicas do complexo de Edipo, renunciando à mãe ( imago do “irrealizavel ) e libertando-se do pae
“interior” para conseguir o desempenho livre da tarefa vital.
A nevrose, para Jung não está relacionada a um conflicto, cujas origens pertenceriam ao passado,
como admitte Freud. A etiologia das nevroses não se encontra, pois numa fixação previa da libido a um
ponto anterior de desenvolvimento, para onde a regressão a fará volver, no desencadear do conflicto.
Para Jung, o conflito pathogeno é actual, pertence ao momento presente. Quando energia psychica
encontra um obstaculo, volve a satisfazer-se regressivamente, pelo modo infantil, em desejos e
fantasias, revelaveis à analyse, nos sonhos etc., fantasias que “são realmente formas de compensação
ou substitutos artificiaes à fracassada adaptação à realidade. 98 A differença essencial entre as duas
concepções é que “segundo Freud, o nevrotico não deixou de ser creança do ponto de vista sexual,
enquanto que, para Jung, o nevrotico volta a ser criança porque não pode continuar sendo homem em
qualquer situação dificil”.
A nevrose tipica do introvertido é a psychastenia com a sua grande subjetividade, pela
predominancia dos sentimentos, hyper sensibilidade corporal, por introversão da libido; aqui, o
interesse do objecto está em segundo plano. A neurose mais frequente do extravertido, é, ao revés, a
hysteria, com o eagero do rapport aos objetos por extraversão da libido, tendencia à exteriorização, à
comunicabilidade com o meio. A hysteria não é mais do que um exagero da situação normal do
extravertido; aqui pode haver attitude de introversão, se bem que em segunda linha.
“O introvertido – diz Haeberlin – torna-se neurótico quando se lhe apresentam exigencias que não
podem ser dominadas pelo pensamento, senão pela vida sentimental não desenvolvida nelle. A nevose
do extravertido procede de conflitos que não pode solucionar com seus sentimentos desenvolvidos, mas
só com um pensamento differenciado, de que não dispõe”.
Utilizando os methodos da analyse freudiana, a escola suissa ( Jung, Bleuler, Biswanger, Maeder,
etc ) applicou à psychiatria os dados psychanalyticos. Assim, Jung em 1907 e Bleuler em 1911 estudam a
eschizofrenia com os pontos de vista da theoria psychanalytica do sonho. Jung descobre no pensamento
do eschizofrenico “analogias noturnas” ( näschte Analogie ) com os productos normaes do sonho;
Bleuler e sua escola desenvolvem, de mesma sorte, noções fecundas que originaram o que se escreveu de
mais bello e de mais profundo sobre a psychologia do alienado 99. Mas, o que é mais importante, Jung
descobriu no “conteúdo” ( Inhalt ) psychico dos doentes mentaes, analogias estreitas com a symbolica
ancestral existente nos velhos mythos da humanidade.
Foi o ponto de partida para a concepção do inconsciente collectivo. Manejando, com os methodos
da psychanalyse , o transfert, no decurso da situação analytica, Jung obteve a confirmação e que o
“transfert em si, não é mais do que uma projeção de conteúdos inconscientes 100. E observou este
phenomeno curioso que, se, nos neuroticos jovens, o medico assume, quasi sempre , a imago do pae,
nos neuroticos idosos, o medico surge, por ocasião do transfert, em imagens confusas e bizarras, com
96- Beatrice M. Hinkley: An introduction to analytic psychology. In Van Teeslar, op. cit pags 237 e sqq.
97- B.M.Hinkley: ibid. pag. 238
98- B. M. Hinkley, ibid pag. 241
99- Jung: Über die Psychologie der Dementia Praecox, 1907; Bleuler: Dementia praecox oder die grupe der
Schizophrenie 1911.
100- Jung: Das Unbewusste, op. cit. pag.93
82
formas fantasmaticas ( Phantasieformen ), de carater extravagante. No primeiro caso,a s projeções
do transfert estão ligadas a reminiscencias pessoaes. É o domínio do “inconsciente individual” ( das
persönliche Unbewusste ).
No outro caso, porém, aquelle conteúdo fantasmatico que se revelaria no transfert, na pessoa do
medico com caracteres tão especiaes, não tem explicação na historia individual. Ás vezes, o medico se
apresenta dotado de temiveis qualidades ( mago, demonio ); outras, como a personificação de todo o
bem, tal um Messias salvador.
Acha Jung que estas reminiscencias não são mais do que aquellas “grandes imagens ancestraes”
( die grossen urtümlichen Bilder ), de que falava Jacob Burckardt 101. Estas imagens seriam “a
manifestação – diz Jung102 - dos estratos mais profundos do inconsciente, onde dormitam as imagens
ancestraes da humanidade geral” ( die Manifestation der tiefern Schichten des Unbewussten, wo
die allgemein- menschlichen urtümlichen Bilder schlummern ).
Além do inconsciente individual existe, pois, um “incosnciente super-individual ou collectivo” ( das
überpersönliche oder kollektive Unbewusste ),depositário daquellas imagens archaicas,e
representantes dos “mais velhos, mais geraes, mais profundos pensamentos da humanidade”. 103
Estas imagens ancestraes denomina-as também Jung, “archetypos” ou “dominantes do
inconsciente” ( Dominanten des kollektiven Unbewussten ). Estes archetypos projetados, por
occasião do transfert, ou se revelando nos sonhos e nos outros processos da analyse são “figuras”,
“symbolos”mythologicos. Dahi sua qualidade magica ou demoniaca, que dá ao doente aquella
“sensação desconhecida inhumana” ( unbekannte “unmenschliche” Gefühl ) que delle se apossa,
na situação de transfert.104
Estas imagens symbolicas, de deuses, demonios, magicos, feiticeiros, fantasmas, loup-garous, de
todos os tempos, de todos os mythos, de todos os folk-lores, são archetypos do inconsciente,
realidades psychologicas, precipitado de uma longa experiencia collectiva, através de gerações e
gerações …
Os “complexos primitivos”, como chama Baudouin ao conteúdo do inconsciente super individual,
para distinguí-los dos “complexos pessoaes “, teem assim uma formação mythica, de raízes longinquas,
amalgamadas à pré história da raça: “estes complexos – continua Baudouin – oferecem o aspecto de
uma uniformidade impressionante, não somente nas tendencias que os constituem, mas nas imagens e
fantasias pelas quaes se exprimem …
Eu procurei em trabalho anterior105, approximar os vários conceitos da “alma ancestral” propostos
em escolas diversas e por especialistas em differentes domínios. Os ethnologos e folk-loristas já haviam
estabelecido que além da alma individual, há um espirito ethnico ( Volksgeist ) surgido da massa
collectiva ( Lazarus, Stheinthal, Bastian, … ). Todo o material do folk-lore não é mais do que uma
sobrevivência das imagens archaicas, que sobreviveram ao indivíduo, tornando-se patrimonio
commum da humanidade, em todos os tempos, em todas as raças. As “representações collectivas” de
Lévy Bruhl não são outra cousa.
Também a escola italiana retomou, com o advento do lombrosianismo, o assumpto. Com a
denominação de “fosseis do espírito” ( Tito Vignoli ), “estratificações psychicas” ( Sergi ),
“sobrevivencias psychicas” ( Nicolo Pensero ), a escola de Lombroso estudou a persistencia destas
imagens primitivas na psyche humana. Tanzi e Riva crearam a mesma noção, na sua theoria do
atavismo psychico da paranoia.
Le Dantee mostra o papel das “influencias ancestraes na vida humana, como ainda Daudet se
referiu às personimages vivendo uma vida actual no indivíduo.
Tarde e Janet, de outro lado, crearam as noções de “intermentalidade”, “interpsychologia”,
propondo a denominação de “inconsciente interpsychico” a esta alma impessoal que agita as multidões
( Tarde, Durkheim, Dumas, Vigouroux e Juquelier, A. Marie, etc ) Em ultima analyse, porem, o

101- Jung: ibid, pag 95


102- Jung, ibid, pag. 97
103- Jung: ibid,pag.97
104- Jung: ibid, pag. 135
105- Arthur Ramos: Primitivo e Loucura, pag.84
83
inconsciente interpsychico se reduziria ao inconsciente collectivo, porque, para A. Marie, “heroes e
multidões, morbidas ou normaes, teem raízes ancestraes communs … Um conceito único de
inconsciente folk-lorico poderia englobar as duas noções.
A symbolica do conteúdo mental das psychoses revela quasi sempre este conteúdo ancestral 106.
Neste sentido, alguns psychiatras, como já vimos, applicaram a noção do “archaico” ao estudo das
psychoses, traçando parallelos entre o alienado e o homem primitivo, com a documentação deixada na
mythologia, na ethnologia, no folk-lore, na linguística, em trabalhos vários, a cujo numero tenho
procurado juntar modesta contribuição. Somente de passagem, toco nestes pontos, que desviariam
forçosamente o assumpto.
A divergencia fundamental que existe entre Freud e Jung neste particular, é que enquanto aquelle
procura applicar à psychologia collectiva os metodos de trabalho da psychologia analytica, o ultimo
procedeu de modo inverso, explicando a psychologia individual com os dados da psychologia coletiva. 107
O interessante, porém, é que, applicando Freud à psychologia os materiaes de estudo da psychanalyse,
do outro lado, por uma petição de principio, affirma que a symbolica analytica não é mais o que a
somma dos symbolos legados pela mythologia, a linguistica, o folk-lore, etc., em summa materiaes que
pertencem à historia collectiva. Será talvez mais commodo admitir-se um inconsciente de formação
super-individual, como o fez Jung.
As “dominantes” do inconsciente super-individual ou archetypos são, pois, projecções da grande e
diffusa alma collectiva, que sobrepaira acima do indivíduo, com o seu cortejo immenso de imagens
archaicas, a longa, interminável procissão de entidades amorfas, fantasmatica, que povoam os recantos
desconhecidos da psychê humana. Todos esses archetypos – deuses, demonios, gemios, bons ou
malfazejos, bruxos, feiticeiros, almas de outro mundo de todos os folk-lores … - são, para Jung 108,
conteúdos psychologicos collectivos, symbolos extra-humanos, residuos de antigas funcções archaicas,
nesta longa serie dos antepassados do homem. Jung compara estes “residuos” aos engramas de
Semon.109. As imagens archaicas pertencem ao domínio do irracional, e são para Jung, realidades
psychologicas; “realidades, porque são coisas eficientes ( Wirksame Dinge ) isto é, coisas reaes
( Wirklichkeiten ).
Na psyche humana existe assim um dualismo muito primitivo entre o racional e o irracional.
Ha, porém, na alma humana, um mecanismo maravilhoso de auto regulação, e por isso,as duas forças
psychicas não se destroem; coexistem numa successão harmonica de extraordinaria importância. É a
funcção dos contrários ( regulierende Funktion der Gegensätze ), que Jung considera a “mais
maravilhosa de todas as leis psychologicas” 110 já descoberta na antiguidade pelo velho Heraclito que lhe
deu o nome de enantiodromia, a corrida dos contrarios. Dizia o grande philosopho que todas as
coisas entrariam um dia em seu contrário. E Jung faz-nos esta inquietante revelação, cuja verdade
estamos ainda a assistir, nos tempos presentes, que a repressão do irracional pelo racionalismo
exagerado, fá-lo volver com tragica intensidade. A catastrophe da guerra mundial bem mostrou a
potencia inauddita do irracional reprimido na cultura occidental racionalizada ao extremo. O
racionalismo à outrance, ( excessivo ) do seculo XVIII mergulhou, também, no brazeiro formidável da
revolução francesa. No chaos contemporaneo, não assistimos ainda à corrida dos contrarios, nesta
lucta declarada entre o racional e o irracional, cujo equilíbrio é, em phases criticas, rompido com
violência? Toda a história está regida pela lei da enantiodromia, desde o começo dos seculos,
confirmando as palavras do Ecclisiastes I,9 que “o que foi é o mesmo que há de ser …”

106- Osorio Cesar, em São Paulo, em trabalhos por muitos títulos interessantes, verificou também a frequencia
dos symbolos archaicos no conteúdo mental dos alienados, estabelecendo curiosos paralellos entre a symbolica
dos hospicios e os symbolos estheticos: A expressão artística nos alienados ( contribuição para o estudo dos
symbolos na arte ), São Paulo, 1929, e em collaboração com J. Penido Monteiro, Contribuição ao estudo do
symbolo mystico nos alienados, São Paulo, 1927.
107- Ver Freud: Totem und Tabu.
108- Jung: op. cit. pag. 128.
109 - Jung: ibid, pag.143
110 - Jung: ibid pag.105
84
O trabalho analytico não deve parar no inconsciente individual. Desce a estes planos prehistoricos
do domínio collectivo, buscando na symbolica individual as imagens archaicas, as dominantes do
inconsciente super individual.
Jung deu o nome de funcção transcendente ( transcendente Funktion ) a este processo de
discriminação do inconsciente, ao trabalho de demarcação entre o domínio do individual e do
collectivo111 A funcção transcendente une o racional ao irracional, transpondo o abysmo tenebroso que
existe entre um e outro.
Estudando os materiaes psychologicos, como os sonhos e fantasmas, com a maneira nova de
interpretação da funcção transcendente, não se limitou Jung à analyse de reducção causal. As ideas
collectivas não poderiam reduzir-se a reminiscencias individuaes. Teriam, pois, um valor novo, que
interpretado do ponto de vista subjectivo, revelaria uma orientação programatica, progressiva,
impulsionando a personalidade num rithmo ascencional.
Este methodo que completaria o analytico ou de reducção causal ( objectivo ) chamou-o Jung
processo de interpretação synthetica ou constructiva – Synthetische ( konstruktive )
Deutung.112
Na analyse dos sonhos, verificou Jung que não é somente a libido recalcada, o elemento “bestial” da
alma humana, que age como um não valor, nos bastidores da vida animica. Isto seria exacto, se
interpretado somente do ponto de vista do objecto. Mas há qualquer coisa, ainda, e de não menor
importância. Do ponto de vista do sujeito, a symbolica onirica surge como uma função de synthese, de
acção, de orientação da personalidade, trazendo em germem modelos de vida futura, em esforços de
auto-cura que existem na psychê de todo o neurotico. Maeder 113 também assignalou no sonho este
caracter teleologico. Os sonhos seriam não só a realização de desejos recalcados, mas revelariam uma
funcção de preparação, de ensaio preliminar, tal como Gross e Claparede o admitiram para os jogos
infantis. É a actividade ludica de Gross, pela qual a creança, no jogo, se exercitaria para as
actividades futuras. Maeder applica essa theoria ludica ao sonho, considerando-o da mesma sorte, um
“exercicio que prepara certas actividades complexas.114
Essa funcção do sonho, também denominada prospectiva, por Maeder, e anagogica, por Silberer,
mostra claramente o outro lado, synthetico, do inconsciente, com a tendencia ao aperfeiçoamento da
personalidade.
É a função reguladora ( Maeder ), que a analyse de reducção causal esqueceu. A psycho-sintese
não se fixa no passado; estuda o presente e prepara o futuro. “À exploração retrospectiva da vida
passada deve juntar-se e articular-se a orientação da vida que tem de vir”.
A tendencia ao aperfeiçoamento orienta assim a personalidade num caminho progressivo. A
funcção reguladora é também uma funcção directora, e traz em si mesma os germens da cura. “As
duas phases reductoras e constructiva fazem parte, ambas, da auto cura, manifestação da atividade
reparadora, propriedade fundamental da vida. A arte de curar consiste em assegurar o livre jogo desta
tendencia reguladora, a favorecer-lhe o voo, a exaltá-lo no interesse do indivíduo e do conjuncto. 115
Psychanalyse e psycho-syntese os dois movimentos oppositos e complementares da vida animica!
As velhas mythologias, as religiões, as grandes obras de arte nos legaram a visão transcendente das
verdades immortaes. A “descida aos infernos” da alma deve ser completada pela “ascensão ao paraíso”.
Maeder116 vae encontrar o simile mais perfeito da experiencia intima da psychanalyse na “Divina
Comedia”, de Dante Allighieri. No meio do caminho de uma vida atormentada, o poeta é tomado de
pânico, à apparição subita de três animaes ferozes, um lynce, um leão e uma loba, symbolos das três
potencias demoniacas, a sensualidade,a ambição e a cobiça. Estaria completamente perdido o poeta,
não fosse um espirito bemfazejo, Vergilio ( o analista ), que o convida a segui-lo. Começa a descida aos
111 - Jung: op. cit. pag. 116 e Psychologische Typen, pag, 684
112 - Jung: Das Unbewusste, pag. 123
113 - A. Maeder: Sur le mouvement psychanalytique. Un point de vue nouveau em psychologie. L’Année
Psychologique, tome XVIII, 1912, pag.413
114 - Maeder, ibid, pag.416
115 - Maeder: De la psychanalyse à la psychosynthese. L’Encephale 1926, pag. 583
116 - Maeder: Guerison et Evolution dans la Vie de l’Ame – La Psychanalyse , son Importance dans la vie
contemporanie, Zurich, 1918, pag. 24
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infernos. É a realidade interior dos sub-solos da alma, “uma peregrinação symbolica ao inconsciente, 117
onde todo um mundo maldito de recordações dolorosas é desvendado ao espírito atormentado, posto
assim em contacto com as próprias tendências bestiaes que traz occultas dentro de si mesmo. E esse
reinado tetrico da sombra é o domínio commum dos peccados, dos horrores, do negrume espiritual da
humanidade inteira! “Vergilio, symbolo da luz do espírito, guia e protege o Dante, abrindo-lhe os olhos
sobre os abysmos da escravatura e da maldição, aos quaes nossa natureza humana pode ser
precipitada.118
Depois da dramática prise de contact do espírito com o sombrio lado da vida, começa a ascensão
ao Monte da Purificação ( Purgatório ), onde o poeta desempenha uma parte activa em exercícios
expiatórios, num trabalho trabalho interior de regeneração.. É o outro lado, o synthetico, da
experiência intima da analyse. No topo da montanha da purificação, sobrevem um acontecimento
sensacional: Vergilio ( o analysta ) abandona as suas funcções de guia, entregando o poeta a Beatriz,
que, desde então, o conduz aos páramos maravilhosos das espheras celestiaes. Beatriz é a alma
immaculada que o poeta recupera, após o esforço sobre humano de regeneração. “É, com, effeito, a
experiencia pessoal do amor, de um amor elevado que dá ao homem a prmeira revelação da alma, de
onde a escolha de Beatriz como symbolo”119
A “descida aos infernos” mostra o inconsciente recalcado, descoberto pela primeira phase,
reductivo causal da experiência íntima da psychanalyse. Mas o inconsciente não é só o passado da
humanidade ( Mneme ), porém o seu futuro, que nelle se encontra, em germem como um estado
latente ( Pronoia ). “A Divina Comédia” do florentino immortal é assim um grandioso symbolo da
experiencia anímica integral. Os infernos e os céus da alma! Ao lado dos appetites bestiaes do homem,
“o inconsciente nos desvenda a presença dos germens de grandes forças e de virtudes latentes, que só
esperam, por assim dizer, os raios de sol, para crescerem e se desenvolverem. 120
A “descida aos infernos”, pela psychanalyse completa-se na “subida aos céus”, pelo trabalho
espontaneo de reconducção da psycho-sintese.
Se a psycho-sintese desvenda esta evolução normal da psychê, “deixa-nos entrever uma arte
preciosa da conducta da vida, espécie de psychoagogia, cujo fim seria favorecer a eclosão de uma
concepção pessoal da vida e do mundo em cada indivíduo, concepção que o esclarece em sua via e o
conduz a suprema relação”.121 Vê-se deste modo que, no paiz de Calvino, Rousseau, Zwingli e tantos
outros reformadores, a psycho-sintese se converte facilmente numa psychoagogia, isto é, uma
sciencia de conducção e orientação da psychê humana. A tarefa do médico que continua e corrige a
dos educadores, é dupla: compreender e guiar. O ideal do médico, assim compreendido, não é
essencialmente curar o doente de insomnias, nevralgias, phobias, mas antes agir como um despertador
da consciência e um entraineur de homens, como um animador que tem o seu lugar ao lado do
educador, do político, do sacerdote, do artista, do philosopho, tomado no sentido verdadeiro e vivo da
palavra”.122
Foi neste sentido que, pela primeira vez, Kahane empregou a palavra psychoagogia, hoje um
movimento intenso de toda uma escola que procura applicar os dados da psycho-syntese à educação
( Jung, Bezzola e Maeder, na Suissa, Bjerre, na Escandinavia, Beatriz Hinckle, na América do Norte,
Arthur Kronfeld, Marcinowski, Stekel, Friedlande r e Kohnstamm, na Alemanha ).
A replica sensacional de Freud à psycho-syntese foi a creação do Super – Ego. Durante dez longos
annos, preso ao trabalho penoso de experiência, Freud desconheceu o elemento “prospectivo”,
“anagogico”, da alma humana. Nas suas ultimas publicações, porém, elle reconheceu, como vimos, a
existência de um germem moral inconsciente na personalidade. “As notas elevadas da civilização – diz
Wittels – estão profundamente impressos na alma, e através do exercício e da herança de milhares de
annos, tornaram-se um imperativo categórico. O instincto sexual conserva a espécie e é por isso que a
intelligencia do indivíduo lhe é também subordinada. Mas a intelligencia individual é também
117- Maeder. ibid, pag.27
118 - Maeder, ibid, pag.25
119 - Maeder, ibid, pag. 26
120 - Maeder, ibid pag.28
121 - Maeder, ibid, pa. 54
122 - Maeder: De la psychanalyse à la psychosynthese, pag.584
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subordinada. Mas a inteligência individual é também subordinada às exigências da sociedade, porque o
homem não quer somente viver, mas quer também viver em sociedade. Elle não é concebível fora da
sociedade, é dotado de instinctos, não somente como homem sexual, mas também como homem
civilizado”.
Esses instinctos moraes constituem o Super-Ego. E nós vemos que a concepção de Jung, de uma
dessexualização da libido pela força repressora da civilização, é retomada pelo mestre viennense,
quando mostrou a formação do Super-Ego após um longo trabalho de esphacelamento do complexo de
Édipo e incorporação à personalidade de instâncias que lá tiveram a sua origem ( identificações e
idealizações ). Pode-se dizer que o Super-Ego é o Édipo dessexualizado. Os “infernos” ( Id ) e os “céus”
( Super-Ego ) da alma voltam a reunir-se e a completar-se com a orientação ultima da theoria
psychanalytica. O inconsciente humano é um domínio muito mais vasto do que o do simples material
sexual; elle encerra, como Freud o acabou admittindo, os germens das tendencias mais baixas, como
ainda das aspirações mais elevadas e sublimes da personalidade.
Ainda uma vez, e partindo de experiências, de que jamais se desviou, a psychanalyse trouxe-nos a
confirmação scientifica às intuições maravilhosas da Arte e às “verdades immortaes” das mais antigas
philosophias.

-2-
1947
A natureza dos sonhos123

Carl Gustav Jung

A psicologia médica mais do que tôdas as outras ciências naturais, se caracteriza por ter de
ocupar-se dos mais complexos problemas sem poder apoiar-se em seguros métodos de ensaio, séries de
experiências e de fatos de compreensão lógica. Ao contrário, defronta-se com grande número de
fenómenos irracionais, constantemente variáveis, cousa compreensível se considerarmos que a alma é,
sem dúvida, formação impenetrável e intangível que tem em todos os tempos ocupado o pensamento
científico. Deve-se aceitar que todos os fenómenos psíquicos guardam, no mais amplo sentido, certa
relação causal, embora seja aconselhável considerar precisamente aqui, que a causalidade, em última
análise, representa apenas uma verdade estatística. Por isso, em certos casos não seria demais deixar
pelo menos “uma porta aberta” a uma irracionalidade possivelmente absoluta, mesmo quando, por
motivos heurísticos, em todos os casos, se começa levantando o problema da causalidade. Convirá
também, dentro desta problematicidade, ter em consideração pelo menos uma das clássicas distinções
de conceito, o da “causa eficiente” e a da “causa final”. É que nas cousas psíquicas, a pergunta – por que
acontece isso? - não é necessariamente mais útil que estoutra – para que acontece isso?
Entre os muitos problemas da psicologia médica, o que dá maior soma de preocupação é o dos
sonhos. Constituiria uma tarefa tão interessante quanto difícil, tratar dos sonhos exclusivamente em
seus aspetos médicos, isto é, no que se refere ao diagnóstico e prognóstico dos estados mórbidos. O
sonho se ocupa também, na realidade, da saúde e da doença, e como de qualquer forma, em virtude de
sua origem inconsciente, ele se alimenta do arsenal das sensações infraliminares, pode produzir, às
vezes, cousas muito interessantes. Já me prestou frequentemente grande auxílio em casos de
diagnóstico diferenciais difíceis, em presença de sintomas orgânicos e psicogênicos. Certos sonhos são
também utilizáveis para o prognóstico ( v. meu artigo – “Die praktische Verwendbarkeit der
Traumanalyse ~~[ A utilização prática da análise dos sonhos ], pag. 98 e seg em “A realidade da alma,
Zurich, 1934 ) Neste terreno ainda faltam, no entanto, todos os trabalhos preliminares, como coleções
casuísticas bem selecionadas, etc. No futuro, deveria constituir missão de médicos orientados
psicológicamente, fazer um registro sistemático dos sonhos, pois dessa maneira, se teria ocasião de
reunir material onírico referente a graves afecções agudas, manifestando mais tarde, ou mesmo do
êxito letal, isto é, referentes a acontecimentos imprevisíveis na época do registro da observação. A
investigação dos sonhos em geral constitui já, em si , uma tarefa para toda a vida. Para realizá-la em
123- Capítulo II: Actas Ciba Ano XIV N0 2-3 Fevereiro – Março de 1947
87
seus detalhes, exige, no entanto, muitos colaboradores. Preferi, por isso, tratar, neste rápido resumo,
dos aspetos fundamentais da psicologia e interpretação dos sonhos, de modo que, mesmo o
inexperiente neste terreno, posso formar uma ideia do interrogatório e da metodologia. O conhecedor
da matéria me dará razão, quando julgo mais importante o conhecimento das noções fundamentais do
que o acumulo de casuística, o qual de forma alguma poderá suprir uma insuficiente experiência.
O sonho é um fragmento da atividade psíquica involuntária, que encerra precisamente a
consciência necessária para poder ser reproduzido no estado de vigília. Entre os fenómenos anímicos,
talvez seja o sonho aquele que nos apresenta o máximo de fatos “irracionais”. Parece trazer consigo um
mínimo de conexões lógicas e de hierarquia de valores observados nos demais conteúdos conscientes, e,
por isso, é menos decifrável e compreensível. Os sonhos de combinação lógica, moral e estética
satisfatórias constituem exceções. Em geral, o sonho é uma formação curiosa e estranha, que se
caracteriza por muitas “más qualidades”, tais como falta de lógica, moral duvidosa, fealdade de forma e
evidente antagonismo ou ausência de sentido. É, por isso, qualificado, muitas vezes de tolo, absurdo e
sem valor.
Toda interpretação do sonho é um depoimento psicológico acerca de algum de seus conteúdos
anímicos. Não deixa, por isso, de apresentar seus perigos, pois em geral, o sonhador, da mesma forma
que a maioria das pessoas , mostra uma assombrosa suscetibilidade, não só para observações exatas.
Dado que somente sob condições especialíssimas, é possível interpretar um sonho sem a colaboração
do sonhador, preciso se torna, em geral, realizar um extraordinário esforço para agir com habilidade,
sem ferir, desnecessariamente , o amor próprio de um estranho. Que se pode dizer, por exemplo, a um
paciente que nos conta uma série de sonhos pouco decentes e, a seguir, nos pergunta: “Porque
justamente eu hei de ter sonhos tão asquerosos”. O melhor é não responder a tal pergunta, pois é difícil,
por diversas razões, e sobretudo para o principiante, dar-lhe resposta, e é muito fácil em tais
circunstâncias, proferir uma incoveniência , exatamente quando e pensa responder a pergunta. A
compreensão dos sonhos é, na realidade, um assunto difícil que da minha parte, há muito tempo
observo a seguinte regra: Quando alguém se refere a um sonho e pede-me o parecer, digo a mim
mesmo: “Não tenho a menor ideia do que significa esse sonho”. Isto posto, passo a examiná-lo.
É claro que o leitor perguntará aqui: Vale a pena investigar , em cada caso, o sentido de um sonho,
na presunção de que os sonhos tenham em geral, um sentido que possa ser demonstrado na maioria
dos casos?
Pode-se facilmente provar que um animal é vertebrado, descobrindo-lhe a coluna vertebral. Pois
bem, como se terá que proceder para “descobrir” uma estrutura interna e significativa do sonho Em
primeiro lugar, não existem, ao que parece, leis de forma definida, nem tãopouco comportamentos
constantes do sonho, afora os conhecidos sonhos “típicos”, como, por exemplo, o pesadelo. Não são
raros os sonhos angustiosos, embora não constituam regra geral. Além disso, existem motivo soniais
típicos , que são também conhecidos do leigo, como, por exemplo, o voar, o subir escadas e montanhas,
passear insuficientemente vestido, a queda dos dentes, as grandes multidões, o hotel, a estação, o trem,
o avião, o automóvel, animais que causam terror ( serpentes ) etc. Estes motivos são muito frequentes,
porém não bastam de modo algum, para permitir a conclusão de que exista uma regularidade na trama
do sonho.
Há pessoas que de quando em quando tem o mesmo sonho. Tal acontece principalmente na idade
juvenil, mas a repetição se pode prolongar por várias décadas. Nesses casos, não é raro que se trate de
sonhos muito impressionantes, dos quais se pensa que “devem significar algo”. Esta hipótese se justifica,
porquanto não se pode deixar de admitir, apesar da mais severa crítica, que de tempos em tempos surja
uma determinada situação psíquica, causadora do sonho. Ora, uma “situação psíquica”, desde que se
queira definí-la, é algo idêntica a um determinado sentido, a menos que se aceite inteiramente a
hipótese ( de modo algum comprovada ) de que todos possam ser atribuídos a transtornos gástricos, ao
decúbito dorsal durante o sono, etc. Tais sonhos levam de fato a aceitar-se pelo menos certo sentido
causal. O mesmo se pode dizer dos chamados motivos típicos, que se repetem muitas vezes em longas
séries de sonhos. Nestes casos, tão pouco pode alguém subtrair-se à impressão de que esses sonhos
encerrem um significado real.
88
Como poderemos chegar a um significado plausível e verificar o acerto da interpretação? Um
método primitivo, aliás não científico, consistia em profetizar com o auxílio de um livro de sonhos,
acontecimentos e verificar mais tarde a realização da interpretação do, suposto naturalmente que o
mesmo se refira ao futuro
Outra possibilidade de provar diretamente o significado de um sonho, consistiria, talvez
( referindo-se ao passado ), em reconstituir fatos vividos anteriormente, tomando-se por base o
aparecimento de determinados motivos. Se bem que isto seja viável até certo ponto, só teria valor
decisivo se fosse possível reconhecer algum fato realmente ocorrido, porém que tivesse permanecido
inconsciente ao sonhador ou, pelo menos, ele não o quisesse revelar por nenhum preço. Não se tratando
de nenhuma destas hipóteses, ter-se-á que admitir, em primeiro lugar, que nos encontramos, em
presença de uma simples imagem recordativa, cujo aparecimento, no sonho, não é impugnado por
ninguém e, em segundo lugar, não tem nenhuma importância com relação à função espiritual do
sonho, uma vez que o sonhador com a mesma facilidade o poderia ter explanado do consciente.
Infelizmente, estão assim esgotadas as possibilidades de uma comprovação direta do significado dos
sonhos.
Cabe a Freud o grande mérito de haver encaminhado o problema da investigação do sonho. (“Die
Traumdeutung”- Viena 1900 ). Reconheceu antes de mais nada, que sem o concurso do sonhador, não
podemos levar a efeito qualquer interpretação. As palavras de que se compõe o relato , não encerram
apenas uma significação, mas um sentido múltiplo. Assim, por exemplo, se alguém sonha com uma
mesa , isso não revela a significação da “mesa” no caso em aprêço, embora a palavra mesa não dê lugar
a dúvidas. Com efeito, ignoramos que a mesa seja precisamente aquela na qual se achava sentado o pai
do sonhador, quando lhe recusou peremptóriamente qualquer auxílio financeiro e o expulsou de casa
como um inútil. A superfície polida da mesa o impressionava como símbolo de sua desastrosa
incapacidade, tanto no consciente em vigília , como, durante a noite no sonho. Eis o que o nosso
sonhador entende por “mesa”. Necessitamos, por isso, da colaboração do sonhador para poder
enquadrar a multiplicidade de acepções das palavras ao mais essencial e convincente. Que a mesa
represente uma fase peno e importantíssima na vida do sonhador, só poderia duvidar quem não
estivesse estado presente naquele momento; o sonhador , entretanto, não duvida disso , e eu, de minha
parte, tão pouco. É evidente que a interpretação do sonho é, em primeira linha, uma conteciemnto
perfeitamente estabelecido para duas pessoas.
Assim, se chegamos a estabelecer que a “mesa”, no sonho, significa aquela mesa fatal e tudo que a
ela se refere, teremos interpretado, senão o sonho, pelo menos o motivo principal, isto é, reconhecemos
em que “contexto” subjetivo está a palavra “mesa”. A este resultado chegamos mediante a interrogação
metódica das lembranças do sonhador. Os processos ulteriores a que Freud submete o conteúdo do
sonho, eu os não aceito, porque estão muito imbuídos do preconceito geral que os sonhos representam
a satisfação de “desejos reprimidos”. Embora existam tais sonhos, isto não prova que todos os sonhos
representem representem satisfação de desejos, como igualmente não o são todos os pensamentos da
vida anímica consciente. Nada há que nos autorize a supor que os processos inconscientes em que se
baseiam os sonhos, sejam, por sua forma e conteúdo, mais limitados e mais inequívocos que os
processos conscientes. Poder-se-ia, antes, admitir que estes últimos se reduziriam a tipos conhecidos
por refletirem a regularidade ou mesmo a monotonia do modo consciente de viver.
Para verificar a significação do sonho, ideei, baseado na noção acima enunciada, um método que
denomino “registro do contexto” e que consiste no seguinte. Em cada um dos detalhes mais importantes
do sonho, verifica-se mediante as ideias do sonhador, qual o grau de importância que ele lhe atribui.
Procedo, pois, da mesma forma que ao decifrar um texto dificilmente legível. Nem sempre se obtém, por
intermédio deste método, um texto de compreensão imediata, mas, de começo, há um indício de
importância significativa para muitas possibilidades. Certa ocasião, tratei de um homem ainda jovem,
que na anamnese se referiu ao seu feliz noivado com uma moça de “boa família”. Em sonho, a figura da
noiva aparecia de modo muito desfavorável. O “contexto” revelou que o inconsciente do sonhador
relacionava toda espécie de escândalos com a figura de sua noiva, coisa que, para ele, como também
para mim, era incompreensível. Da constante repetição de tais combinações, tive que deduzir que,
apesar de sua consciente resistência, havia uma tendência inconsciente para representar sua noiva sob
89
este aspecto duvidosos. Dizia-me o paciente que se isso fosse verdade, representaria para ele uma
catástrofe . Sua neurose aguda começara algum tempo depois da festa de seu noivado. Apesar do
absurdo, o fato de suspeitar de sua noiva me pareceu um ponto de importância tão capital que o
aconselhei a fazer investigações. Estas apuraram a suspeita e o “shock” produzido pela triste descoberta
não aniquilou o paciente, mas curou-o da neurose e, portanto, também de sua noiva. Assim,embora o
registro do “contexto” tivesse revelado uma chamada “absurdeza” e, com isso, uma aparente
interpretação disparatada dos sonhos, os fatos descobertos mais tarde demonstraram que a mesma era
acertada. Este caso poderia servir como exemplo de simplicidade, e inútil é insistir em que são poucos
os sonhos de solução tão fácil.
O registro do “contexto” é, no entanto, um trabalho simples, quase mecânico, que só tem
importância preparatória. Obter, em seguida um texto legível, isto é, a verdadeira interpretação do
sonho constitui geralmente uma árdua tarefa, exigindo penetração psicológica, capacidade de
combinação, intuição, conhecimento do mundo e das pessoas, e, sobretudo, um saber especifico, no
qual tão importantes são os conhecimentos gerais, quanto certa “intelligence du couer”. Todas essas
premisas, inclusive a última, são também para a arte do diagnóstico médico em geral. Não é
necessário, absolutamente, um sexto sentido para compreender os sonhos, mas não bastam esquemas
vazios de sentido, encontrados nos livros populares dos sonhos ou aqueles que surgiram quase sempre
sob o influxo de preconceitos gerais. A interpretação rotineira de motivos do sonho deve ser recusada e
só se justificam as interpretações específicas, construídas em base de consciencioso registro do
“contexto”. Ainda mesmo que se possua grande experiência neste terreno, sempre somos obrigados a
reconhecer, diante de qualquer sonho, a própria ignorância e, renunciando a todas as opiniões
preconcebidas, preparam-nos para qualquer surpresa. Embora os sonhos se relacionem com certa
consciência e uma definida situação psíquica, suas raízes penetram profundamente nas trevas
insondáveis do fenómeno consciente. Este fundo, à falta de uma expressão mais justa, é denominado o
“inconsciente”. Não lhe conhecemos a essência,e sim algumas de suas manifestações, cujo caráter nos
permite arriscar certas deduções sobre a natureza da psique inconsciente. Por ser o sonho
manifestação normal e extraordinariamente frequente da psique inconsciente, fornece-nos o máximo
de material de observação para a investigação do subconsciente.
Uma vez que o sentido da maior parte dos sonhos não coincide com as tendências do consciente,
mostrando, antes, estranhos desvios, temos que admitir que o inconsciente, ou seja, a “matrix” dos
sonhos, tenha uma função independente. Esse fato é denominado por mim com o nome de autonomia
do “inconsciente”. O sonho não só não obedece à nossa vontade como até se encontra frequentemente
em nítido antagonismo com as intenções da consciência. Esta oposição, todavia, nem sempre é
manifesta, pois às vezes o sonho só se desvia em pequena escala da atitude ou tendência consciente,
exibindo modificações; pode, até, coincidir às vezes com o conteúdo e a tendência do consciente. Para
formulas esse comportamento, pareceu-me que o único conceito possível é o de “compensação”, o único
que, no meu entender, é capaz de abranger significativamente todas as modalidades do comportamento
do sonho. A “compensação” deve ser estritamente diferenciada da “complementação”. O complemento é
um conceito por demais limitado e limitante, insuficiente para explicar de modo satisfatório a função
do sonho, visto que designa, uma relação, por assim dizer, obrigatória, de acabamento. A
“compensação”, em troca, como o próprio nome exprime, é o confronto e a comparação de diferentes
dados ou pontos de vista , de que resulta um equilíbrio ou uma retificação.
Existem aqui três eventualidades: Se a atitude do consciente, com respeito, à situação vital, é em
grande escala unilateral, o sonho se dirige para o lado oposto. Quando a consciência ocupa uma
posição que se aproxima do “meio”, o sonho se contenta com variantes. Se a posição do consciente é
“correta” ( adequada ), o sonho coincide com ela, sublinhando sua tendência, sem perder, contudo, sua
peculiar autonomia. Visto que nunca se sabe, om certeza, como deve ser apreciada a situação da
consciência de um paciente, é possível sem interrogá-lo, interpretar seu sonho. Mesmo quando
conhecemos a situação consciente, nada sabemos acerca do comportamento do inconsciente.
Considerando que este último não somente constitui a “matrix” dos sonhos, mas também a dos
sintomas psicogênicos, o problema de inquirir o comportamento do inconsciente tem especial
importância prática. Não importa que eu e qualquer outra pessoa comigo, aceitemos como justa minha
90
atitude consciente, pois o inconsciente pode, por assim dizer, ser “de outra opinião”. Isto não é
indiferente, sobretudo n caso de uma neurose, porquanto o inconsciente é muito capaz de ocasionar
toda a espécie de importunos transtornos por erros de graves consequências, ou dar lugar a sintomas
neuróticos. Tais transtornos são devidos a um desacordo entre o “consciente” e o “inconsciente”. Em
“circunstancias normais” deveria existir um tal acordo, porém, o fato é que com grande frequência não
o observamos e este é o motivo da enorme multiplicidade de transtornos psicogênicos, desde os graves
acidentes e enfermidades até o inofensivo lapsus liguae. A Freud cabe o mérito de haver insistido sobre
essas relações. ( “Zur Psychopathologie des Alltagslebens” – Berlim 1904.)
Apesar de na imensa maioria dos casos,a compensação ter por fim o restabelecimento de um
equilíbrio normal da alma, comportando-se, por si mesma, como uma espécie de auto-direção do
sistema psíquico, ninguém deve contentar-se com esta noção, pois em certas condições e em
determinados casos ( por exemplo nas psicoses latentes ) a compensação conduz a um desenlace fatal
( predomínio das tendências destrutivas ), como, por exemplo, ao suicídio, ou a outros atos anormais
que estão precisamente “previstos” no plano vital de certos indivíduos tarados.
No tratamento das neuroses, impõe-se a tarefa de estabelecer de certo modo o acordo entre o
“consciente e o inconsciente”. Como se sabe, isso se pode conseguir de muitas maneiras, desde “regime
natural de vida”, persuasão e fortalecimento da vontade até a “análise do inconsciente”.
Atendendo a que os métodos mais simples tantas vezes fracassam, não sabendo, então, o médico,
como prosseguir no tratamento do paciente, a função compensatória dos sonhos constitui um auxílio
muito oportuno. Não que os sonhos do homem moderno indiquem, logo, os meios curativos adequados,
tal como se conta dos sonhos de incubação, sonhados nos templos de Esculápio; entretanto, aclaram a
situação do paciente de tal forma que pode ser benéfica à saúde. Trazem recordações, percepções e
acontecimentos, despertam o que está latente na personalidade e descobrem o inconsciente das
relações, de forma que aquele que não desanimou de estudar os seus sonhos com a assistência de um
profissional, raramente deixou de enriquecer e ampliar sua visão.
Em virtude do comportamento compensador, a análise do sonho proficientemente realizada,
descobre novos ponto de vista e abre novas sendas que nos ajudam a sair do temível ponto morto.
Acerca da interpretação dos sonhos v. “ Allgemeine Gesichtspunkte zur Psychologie der Traums”, na
“Energetik der Seele”, Zurich 1923.
É evidente que com o conceito da “compensação” somente se verifica caracterização muito geral da
função do sonho. Quando se tem ocasião de examinar séries de mais de cem sonhos, como é o caso em
tratamentos prolongados e difíceis, o observador nota, pouco a pouco, um fenómeno que, no sonho
isolado, se oculta por detrás da respectiva compensação. Tal fenómeno é uma espécie de processo de
evolução na personalidade. A princípio , as compensações aparecem para contrabalançar
uniteralidades ou contrapesar equilíbrios perturbados. Considerando-os, porém, com maior
profundeza e experiência, estes atos compensatórios, aparentemente simples, apresentam-se
subordinados a uma espécie de plano. Parecem que guardam relação entre si e no fundo se subordinam
a um fim comum, de tal modo que numa longa série de sonhos, não mais se apresentam como uma
sucessão de acontecimentos incongruentes e únicos, desprovido de sentido, e sim como um processo de
evolução e ordenação que se desenvolveria em fases gradativas e sistemáticas. Este processo
inconsciente, que se expressa de modo espontâneo no simbolismo de grandes séries de sonhos, eu o
denomino processo de individuação.
Mais do que em qualquer outro ponto do tratamento representativo da psicologia do sonho,
caberiam aqui alguns exemplos demonstrativos, mas infelizmente isso não é possível por motivos
técnicos. Remeterei, por isso, o leitor à minha obra “Psychologie und Alchemie” ( Zurich 1943 ), na qual
se encontram, entre outros assuntos, um exame da estrutura de série de sonhos, levando em
consideração especialmente o “processo de individuação.
Assinalei anteriormente que a interpretação dos sonhos exige, entre outras cousas, uma instrução
especializada. Enquanto admito que um leigo inteligente, com alguns conhecimentos psicológicos, e
certa experiência da vida, seja capaz de diagnosticar a compensação do sonho de um modo
praticamente razoável, julgo impossível que possa alguém, destituído de conhecimentos no terreno
91
mitológico e folclórico e de ciência da religião comparada, entender a essência do processo de
individuação, que,a julgar pelo que sabemos constitui a base da compensação psicológica.
Nem todos os sonhos são de igual importância. Já os antigos faziam uma diferença entre
“pequenos” e “grandes” sonhos, isto é, o que chamaríamos sonhos “não significativos” e “significativos”.
Examinados, de perto, os “pequenos” sonhos constituem os fragmentos da fantasia, que se repetem
todas as noites, surgindo da esfera subjetiva e pessoal e que não passam, em sua importância, do
vulgar. Tais sonhos, por isso, são esquecidos facilmente, pois seu valor não ultrapassa as oscilações
diárias do equilíbrio anímicos. Os sonhos significativos, ao contrário, gravam-se na memória, muitas
vezes por toda a vida, e, não raro, representam o núcleo principal do arsenal dos acontecimentos
espirituais. Quantas pessoas tenho visto que, desde o primeiro encontro, nos dizem: “Tive certa vez um
sonho”… Tratava-se às vezes do primeiro sonho de que conseguem lembrar-se, sonhe este que tiveram
entre o terceiro e o quinto ano de vida. Analisei muitos desses sonhos, encontrando frequentemente
uma particularidade que os distingue dos demais. Neles aparecem imagens simbólicas, que achamos
também na história do espírito humano. É digno de nota o fato de que o sonhador não precisa ter
noção alguma da existência de tais paralelos. Observa-se tal particularidade quando se trata de sonho
de processo de individuação. Neles se contém “motivos mitológicos” ou “mitologemas”, que eu chamei
de arquétipos. Sob este nome deve-se entender formas específicas e relações imaginárias, que
coincidem não só em todas as épocas e zonas, como também nos sonhos, fantasias, visões e manias
individuais. Seu frequente aparecimento em casos individuais, bem assim sua übiquidade étnica,
demonstram que a alma humana apenas em parte é única e subjetiva, ou pessoal, pois, por outra parte,
é também coletiva e objetiva ( ver meu trabalho “Uber die Psychologie des Unbewussten” Zurich, 1943,
caps. 5~7 )
Isto posto, falamos, por um lado, do inconsciente pessoal e, por outro, do inconsciente coletivo,
que ao mesmo tempo representa uma camada mais profunda do que a do inconsciente pessoal, que se
encontra mais próxima do consciente. Os sonhos “grandes” ou significativos procedem dessa camada
profunda. Sua importância se revela tanto por sua impressão subjetiva, como por exemplo, na primeira
infância, na puberdade, no apogeu da existência ( 36 – 40 anos ) e no conspectu mortis. Sua
interpretação é muitas vezes acompanhada de consideráveis dificuldades, pois o material fornecido
pelo sonhador é demasiado escasso. Com efeito, as imagens arquetípicas não constituem apenas
observações pessoais, porém, até certo ponto, ideias gerais, cuja principal significação consiste no
sentido que lhes é peculiar e não em relação de acontecimentos pessoais.. Um jovem sonhou, por
exemplo, que uma grande cobra vigiava um prato de ouro em uma caverna subterrânea. Este jovem, se
bem que tivesse visto, certa vez, uma serpente gigante num jardim zoológico, de nada se lembrava
capaz de ensejar aquele sonho, exceto a recordação de narrações fantásticas. A julgar por este contexto
não satisfatório, tal sonho, que nada obstante se caracteriza por fortíssimas emoções, carecia por
completo de significação, com ele, entretanto, não ficaria explicada sua acentuada emocionalidade.
Devemos em tal caso remontar ao mitologema, onde a serpente, o dragão, o tesouro e a caverna
representam uma das provas da vida do herói Compreendemos, então, que se trata de uma emoção
coletiva , isto é, de uma típica situação emocional, que não constitui originariamente um
acontecimento pessoal, mas só secundariamente se tornou pessoal. Trata-se primariamente, de um
problema humano geral, a que subjetivamente não se deu importância e que, por isso, objetivamente, se
patenteia no consciente ( v. o trabalho publicado por Karl Kerényi e por mim – “Einführung in das
Wesen der Mythologie” Amsterdam, 1941 ).
Um homem na plenitude da vida sente-se jovem e vê longe dele,a velhice e a morte. Aos 36 anos de
idade aproximadamente, transpõe o zenite da vida sem se aperceber deste fato. Se é um homem
que,segundo toda sua disposição e talento, não tolera um “inconsciente” muito grande, a noção desse
momento talvez lhe seja revelado na forma de um arquetípico. Em vão se esforçara por compreender,
mediante um contexto cuidadosamente registrado, o conteúdo do sonho, pois este se expressa na
formas mitológicas estranhas, que lhe não são familiares. O sonho se vale de figuras coletivas, porque
tem de manifestar um problema humano que se repete ao infinito e não um transtorno pessoal do
equilíbrio.
92
Todos os momentos da vida individual, onde as leis que regem geralmente o destino humano se
insinuam através das interações, esperanças e opiniões da consciência pessoal, são ao mesmo tempo
fases do processo de individuação.
Este processo é a “realização espontânea de todo o indivíduo”. O homem consciente do “ego” é
apenas uma parte da totalidade viva e sua vida não representa a realização do todo. Quanto mais se
limita a ser um simples “ego”, tanto mais se desmembra do homem coletivo ( que também é ) e entra,
em antagonismo com ele. Mas como todo ser vivo aspira a totalidade com relação à unilateralidade
inevitável da vida consciente, verifica-se conosco uma constante correção e compensação por parte da
essência humana em geral , com o fim de chegar a uma integração final do inconsciente na consciência
ou melhor, a uma assimilação do “eu” em uma personalidade mais ampla.
Essas considerações são inevitáveis quando se compreende bem o significado dos “grandes”
sonhos. Estes se utilizam de numerosos mitologemas, que caracterizam a vida do herói, isto é, daquele
grande homem de natureza semi-divina. Apresentam-se aqui aventuras perigosas e provas como as as
iniciações. Existem dragões, animais úteis e demónios. Encontramo-nos com o sábio ancião, o homem
animal, o tesouro oculto, a árvore do desejo, o poço, a caverna, o jardim murado, os processos e
substâncias de transformação da alquimia, etc., isto é, cousas que nada têm que ver com as
banalidades da vida diária. A razão desse fato está em que se trata da realização de uma parte da
personalidade ainda não constituída mas em via de formação.
Se os sonhos dão lugar a compensações tão essenciais, por que não são compreensíveis? Esta
pergunta me foi formulada repetida vezes. A ela deve-se responder que o sonho constitui um
acontecimento natural e que a natureza não mostra nenhuma tendência em dar os seus frutos de certo
modo gratuitamente em consonância com os desejos humanos. Objeta-se, com frequência, que a
compensação não tem eficácia quando o sonho não é compreendido, mas isso não é argumento
decisivo, dado que há muita causa eficaz sem ser compreendida. É indiscutível, no entanto, que
podemos aumentar consideravelmente a ação, compreendendo-a, o que a miúdo é indispensável, pois o
inconsciente pode passar despercebido. “Qoud natura reliquit imperfectum ars percifit”. ( “O que a
natureza não acabou, termina-o a arte” )
Por último, no que diz respeito às formas dos sonhos, se encontram todas as variantes, desde a
impressão instantânea até o enredo interminável de cousa sonhadas. Existe, porém, uma grande
maioria de sonhos, “médios”, cuja estrutura revela certa semelhança com o drama. Assim o sonho
começa com uma indicação de um cenário, como por exemplo: “Encontro-me em uma rua; “é uma
aléia” ou “Encontro-me em um grande edifício como um hotel”, etc. A isso se acrescenta muitas vezes
uma indicação, a respeito dos personagens em ação, por exemplo: “Fui passear em um jardim público
com meu amigo X … Ao chegar a uma encruzilhada, encontramos, de repente, com a senhora Y… ou
então: “Estou sentado com meus pais num compartimento de trem … ou ainda “Estou uniformizado e
cercado por muitos camaradas de serviço. As indicações de tempo são mais raras. Esta fase do sonho
denominei exposição. A miúdo indica o lugar da ação, os personagens que intervém e o desfecho.
A segunda fase é o intrincamento. Por exemplo: ...”estou em uma rua, que é uma aléia. Ao longe
surge um automóvel que se aproxima rapidamente. O automóvel roda de uma forma estranhamente
vacilante e chego a pensar que o motorista talvez esteja embriagado; ou “A Sra. Y parece estar muito
agitada e querer segredar-me às pressas, alguma coisa que não deve ser ouvida pelo meu amigo. A
situação se torna complicada , aparece certa tensão e não se sabe o que vai acontecer agoar.
A terceira fase é a de culminação ou a da peripécia. Acontece aqui algo decisivo ou há uma
inversão dos acontecimentos, como por exemplo: “De pronto me encontro no carro e parece que sou eu
mesmo o “chauffeur” embriagado. Aliás não estou bêbedo, mas sinto-me estranhamente inseguro e
como que falto de direção. Não consigo deter o carro na sua carreira e vou ruidosamente de encontro a
um muro; ou então: “De súbito, a Sra. Y empalidece e cai”.
A quarta e última fase é a lise, a solução ou o resultado produzido pelo trabalho do sonho ( há
alguns sonhos nos quais falta a quarta parte, o que em certas circunstâncias pode constituir um
problema especial, que não discutiremos aqui ); por exemplo: “Verifico que a parte dianteira do carro
está estraçalhada . É um carro estranho, que não conheço. Não estou ferido e penso, atemorizado, na
minha responsabilidade; ou – “Julgamos que a Sra Y esteja morta, mas, por certo, trata-se, apenas de
93
um desmaio. Meu amigo X exclama que é necessário chamar o médico”. Esta última fase representa um
desfecho, que é ao mesmo tempo o resultado “procurado”, No sonhador é um homem que, em difíceis
circunstâncias familiares perdeu um tanto a cabeça e não queria levas as cousas ao extremo. O
segundo sonhador vacilava se andaria bem em socorrer-se de um psicoterapeuta para tratar-se de sua
neurose. Com esses elementos é evidente que o sonho não está interpretado, mas apenas esboçado seu
desfecho.
Esta divisão em quatro fases pode se aplicar praticamente e sem dificuldades a maioria dos
sonhos, o que confirmaria a hipótese de que o sonho costuma ter uma estrutura “dramática”.
O conteúdo principal da ação no sonho é, como já disse anteriormente, uma espécie de delicada
compensação para uma certa unilateralidade, equivocabilidade, desvio ou outro defeito da noção
consciente.
Uma de minhas doentes histéricas ,certa aristocrata, que tinha um exagerado conceito de sua
distinção, sonhava vezes seguidas, com sujas vendedoras de peixe e prostitutas embriagadas. Em casos
extremos, as compensações se fazem tão ameaçadoras que pelo temor das mesmas, instala-se a
insônia.
Assim o sonho pode desaprovar nos de maneira muito penosa ou pelo contrário, fornecer-nos
benevolente apoio moral. O primeiro caso se apresenta nas pessoas que formam de si mesmas uma
opinião excessivamente elevada, como a paciente que mencionamos, enquanto o segundo se observa
naquelas que se têm em conceito muito modesto. Algumas vezes não só é humilhado no sonho, como
elevado a uma posição inverossímil, que confina com o ridículo; o indivíduo muito modesto é também
humilhado de maneira inconcebível ( “to rub it in” como dizem os ingleses ).
Muitas pessoas que conhecem apenas alguma cousa sobre os sonhos e sua interpretação, tem
muitas vezes o preconceito ( sob a impressão de uma compensação refinada e talvez intencional) de
que o sonho possua efetivamente um propósito moral e que ele advirta, reprove, console, prediga, etc. A
opinião de que o inconsciente sabe mais de que nós mesmos, leva facilmente a atribuírem aos sonhos
decisões necessárias e a consequente desilusão vem ao observarem que os sonhos são cada vez mais
vazios.
Mostrou-me a experiência que alguns conhecimentos da psicologia dos sonhos induzem
facilmente a super estimar o inconsciente, que influi sobre a capacidade consciente de decidir. O
inconsciente, entretanto, só funciona de modo satisfatório quando o consciente cumpre, até o limite da
possibilidade, sua missão. O que ainda faltar, pode ser completado pelo sonho, que, por outro lado,
poderá auxiliar o paciente,a partir do ponto em que fracassaram os esforços conscientes. Se o
inconsciente fosse de fato superior ao consciente, não se compreenderia qual a utilidade do consciente,
ou, em outras palavras, porque, em última análise teria aparecido na filogenia, como necessidade, o
fenómeno da consciência. Se se tratasse de um simples “lusu naturae”, nenhuma importância caberia
ao fato de reconhecer o homem sua própria existência e a do mundo. Esta opinião é, de certo modo,
pouco assimilável e na mesma não se deve insistir por motivos psicológicos, ainda que fosse acertada,
cousa que, por outro lado e por felicidade, ninguém pode demonstrar, e tão pouco o contrário! Esta
questão pertence ao terreno da metafísica, no qual não existe critério de verdade. Mas nem por isso se
deve subestimar que as noções metafísicas são importantíssimas para o bem estar da alma humana.
Na investigação da psicologia do sonho, tropeçamos com problemas filosóficos e até religiosos,
que nos levam muito longe e para cuja compreensão precisamente os fenómenos oníricos nos
forneceram dados decisivos. Não podemos, todavia, nos vangloriar de possuir, hoje, uma teoria geral
satisfatória ou uma explicação de fenómenos tão difícil de compreender. Para isso, não conhecemos
bastante a essência da psique inconsciente. Neste terreno, ter-se-á que realizar um trabalho
consciencioso e imparcial, que a ninguém deve certamente desanimar.
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-3-
1949
A Psicologia Analítica

João de Souza Freitas

A psicologia de outro discípulo de Freud, que divergiu do mestre, Karl Jung ( 1875 - ), é conhecida
como psicologia analítica,e intenta empreender uma síntese superior da psicanálise de Freud e
dapsicologia individual de Adler..
Jung e outros psicólogos da chamada “Escola Psicanalítica de Zurique” procuram analisar a vida
emocional dos pacientes, efetuando um estudo das associações dos factos psicológicos que nele se
realizam, em ralação à idade, à cultura, e à sua educação em geral. Utilizam como instrumento os
“testes de associação”, que é um método considerado suplementar ao de associações livres.
Nega Jung a teoria da libido, de Freud, porque não atribui à sexualidade a importância que Freud
lhe conferiu e nela não vê a causa principal dos conflitos psicológicos. Para ele, as tendências
instintivas em geral, e particularmente a tendência à autopreservação, que é uma tentativa energética
para a conservação da individualidade, é que dão nascimento aos conflitos emocionais. Como Freud e
Adler, atribui aos acontecimentos da infância influências decisivas na formação da personalidade.
O inconsciente não é apenas um depósito de tendências reprimidas, de recalques. Existe nele um
instinto muito geral, uma espécie de “elan vital de Bergson, englobando os impulsos que se manifestam
como forças de crescimento, de atividade e de reprodução. A energia psico – biológica tem analogias
com a energia física, e a libido, em lugar de energia pâ-sexualista, deve ser interpretada como energia
total em manifestações polimorfas.
Como tendência geral que organiza a vida psicológica do indivíduo, cuja personalidade é explicada
como ajustamento às necessidades da vida, os indivíduos adquirem determinado tipo de carácter: ora
são introvertidos ora são extravertidos. Entre esses dois extremos podem ser situados tipos
psicológicos intermediários, pendendo para um ou para outro lado.
Os indivíduos do tipo introvertido são pouco comunicativos, voltam-se para dentro de si mesmos,
e vivem principalmente uma vida interior. São de natureza fechada, tímidos, com que em guarda contra
o mundo exterior.
Os extravertidos demonstram vivo interesse pelo mundo externo. São sociáveis, comunicativos, de
natureza aberta para os factos, que os rodeiam.
“É-se naturalmente levado a não ver esses tipos, introvertidos e extravertidos, em casos isolados”. É
que na tentativa de incluir certas pessoas dentro de um ou de outro quadro, topamos com os tipos
intermediários, que são em maioria , e representam aquilo que entendemos como normalidade. E o
desvio pequeno para um ou para outro lado, nem sempre é fácil de distinguir. “Mas aquele que teve
ocasião de conhecer muita gente, sabe que se apresenta diante dele uma oposição fundamental às vezes
clara, outras vezes aparente, mas sempre real , em se tratando de personalidades reservadas. Os dois
tipos são encontradiços, não somente nos meios cultos, mas em todas as classes sócias: entre os
camponeses, operários, os empregados de todas as profissões. O sexo não faz excepção: entre mulheres
de todas as classes, encontra-se a mesma oposição. Numa família, esta criança é introvertida, aquela
extravertida: devemos concluir daqui que estamos em presença de um facto psicológico geral”.
O tipo introvertido comporta-se negativamente em relação ao objectivo. É indiferente ou hostil ao
mundo exterior. Dá primazia às ideias , mas estas nascem, não dos objetos, mas do seu subjetivismo,
do seu mundo interior.. Kant e Nietzsche foram introvertidos. “Seu julgamento, diz Rascher, é frio,
inflexível, fantástico e temerário, porque se prende menos ao objecto do que ao sujeito. Urbanidade,
afabilidade e gentileza podem estar presentes, mas sempre com uma aparência de timidez, com que
pretende desarmar o adversário.” A linguagem do introvertido é geralmente incorrecta, mas são
profundas as suas ideias e pensamentos.
95
Os extravertidos absorvem-se nos objectos. São sugestionáveis e as suas manias comunicativas e
exibicionistas conduzem a certos tipos de mentiras histéricas. Caracterizam-se por vezes pela grande
capacidade objectiva de observação: um Cuvier, um Darwin, são apontados como extravertidos.
Como Adler, Jones, Rank, Ferenczi, Bleuler e outros, Jung é considerado como das mais salientes
personalidades da psicologia contemporânea ligada ao movimento psicanalítico, de que Freud é
considerado o criador.

-4-
1960

Carl Jung, discípulo reformador de Freud fala a “O Globo” em Zurique124


Renato Bittencourt

Zurique ( dezembro )- O doutor Carl Gustav Jung não é somente um dos mais competentes
especialistas na análise da mente humana. Sua impressionante erudição em diversos campos do saber
– o que o situa como um dos homens mais cultos da Europa – Assim como a originalidade e o vigor de
suas concepções credenciam-no como um dos mais fascinantes pensadores de nossa época Em
príncipio do século já psiquiatra de nomeada, o doutor Jung acolheu favoravelmente as revolucionárias
teorias de Freud, então combatidas ou ignoradas pela ciência oficial. Foi a primeira adesão importante
ao novo movimento, fora do estreito círculo de admiradores do sábio de Viena. Dotado, no entanto, de
personalidade tão afirmativa quanto a de Freud, Jung não se contentaria em ser mero discípulo cordato.
O embate de temperamentos e ideias se acentuou culminando numa ruptura dramática, por ocasião de
um dos primeiros congressos internacionais da nova escola. Os adeptos fiéis ( aos quais Freud certa vez
referiu-se como “esta canalha que me rodeia “ ) continuarão a afundar-se no fanatismo, transformando
as brilhantes hipóteses e sondagens do inovador genial em dogmas sacrossantos inacessíveis aos não
iniciados. A psicanálise estagnou-se na exegese reverente das palavras do mestre, fossilizou-se em seita,
enquanto os adlerianos e adeptos norte- americanos da “new psychoanalysis” acabaram por se diluir
em um sociologismo raso. Jung, entretanto, evoluiu em outro sentido aprofundando ainda mais a
“psicologia abismal” até abranger as dimensões do espiritual e do cósmico. O grande investigador da
alma, homem pouco dado a entrevistas, acedeu em receber o correspondente de “O Globo” em sua bela
residência em Küsnacht, Zurique. Nele não encontrei a pose, a deformação profissional, a mania
interpretativa, a rigidez de postura, a impassibilidade que denúncia o especialista ortodoxo.. É
descontraído, sereno, capaz de rir francamente e com gosto e de ver na vida algo mais do que um
emaranhado de taras e frustrações. Seu olhar se perde num raio ao longe como à meditar no mistério
da alma., ao contrário da agudez glacial e alerta dos olhos daqueles que se limitam a surpreender as
minúcias frequentemente fúteis das idiossincracias humanas.
A entrevista começou naturalmente abordando Freud.
Não é fácil – declarou Jung – escapou-me à sedução das sistematizações freudianas. Eu
mesmo, que acompanhei de perto a evolução do seu pensamento tardei a descobrir, no
complexo de sua teoria, o ponto em que havia se afastado da trilha certa.
A ênfase com que Freud tratou a sexualidade foi um dos motivos sérios que o levaram a divergir de
Freud?
De fato, muitas ocasiões em palestras, adverti-o contra os exageros em que estava
incorrendo a este respeito. Não haverá como não há necessidade de definir a libido, muito
menos quando tal definição se orienta no sentido da primazia do erótico. A Física nos diz que
tudo é energia mas não nos ensina em que ela consiste. De modo idêntico devemos proceder

124 - Publicado em 04 de janeiro de 1960 no jornal “O Globo”.( Rio de Janeiro )


96
em Psicologia. Existe a energia psíquica mas não podemos apurar-lhe a origem e a essência.
Querer reduzir tudo a transformação da libido sexual é um absurdo. Todo mundo sabe que a
fome é um dado elementar, que não se confunde com sexo. Por outro lado, a ambição de
Hitler, por exemplo, seria sexo? Ele era tão medroso, nesse setor, quanto uma donzela. Para
Freud, sua enorme vontade de poder não passava de uma compensação para um recalque
sexual. Sexo porém só se compensa com mais sexo.
Num lúcido ensaio que escreveu sobre Freud, o senhor reconhecia o mérito que representa a sua
obra de pioneiro. Ele tinha razão em parte?
No que tange a parcela de realidade que focalizou, muitos dos seus achados são valiosos.
Mas, tal como Adler, encarou os problemas com unilateralidade. Deve-se considerar, ademais
que não há uma mas várias psicologias. O especialista não capta, por intuição, senão o
mecanismo psicológico dos tipos que se aparentam com seu próprio.
Perguntei em seguida ao Dr. Jung, qual o conceito em que tem a biografia de Freud escrita pelo
analista inglês Ernst Jones, geralmente considerada como o trabalho mais completo até hoje publicado
sobre o assunto.
Deixa a desejar em certos aspectos. Colaborei com Freud durante sete anos. Apesar
disso, o Dr. Jones não me solicitou qualquer esclarecimento. Se o houvesse feito teria
corrigido a inexatidão de certos pontos.
Quando será publicado sua correspondência íntima com Freud?
Não antes de ter decorrido 20 ou 30 anos após a minha morte. Há nela muita referência a
muitas pessoas vivas.
O inconsciente, como se sabe, ocupa no sistema psicológico do Dr. Jung um posto absolutamente
predominante. Ao contrário, porém, do freudianismo marcado pela tendência de considerá-lo como um
porão sinistro da alma, depósito sombrio de impulsos maléficos, o inconsciente junguiano é um fator
positivo, no qual os melhores anseios encontram um sólido sustentáculo. Freud descia aos
subterrâneos da mente com repugnância certo de lá não encontrar senão a escória. Para Jung a
incursão é uma aventura exaltante.
O consciente foi naturalmente objeto de muito menos atenção por parte dos dois psiquiatras.
Procurei saber do Dr.Jung que importância se lhe deve atribuir. Lembrei-lhe a opinião de Nietzsche: um
grande homem é mais diferente de outro homem de que este o é de um macaco. Ora, o valor de um
grande homem não reside justamente no seu consciente?
Eu diria – respondeu-me o Dr. Jung – que um grande homem é aquele que tem mais
consciência de sua condição de macaco.
Insisto: que destaque devemos dar ao Ego?
Com ele podemos construir, por exemplo, um navio. Mas de que vale, se não houver o
oceano do inconsciente para navegar. O papel do consciente é de reconhecer seus limites. No
plano prático, inútil fazermos projetos sem levar em contas as forças infinitamente mais
poderosa do inconsciente. Daí ser essencial a declaração dos sonhos. Quando estive na
África, os carregadores da caravana reuniam-se, cada manhã para comentar os sonhos da
noite que passara. Quando encontravam dificuldade, recorriam a mim. Alcunhavam-me de o
“Homem do Livro”, pois o guia, um muçulmano espalhara, com recorrência, a notícia de que
eu conhecia melhor do que ele o Corão, fonte a seu ver, de sabedoria suprema. É preciso
através da interpretação dos sonhos atentar para a voz do inconsciente ou a voz de Deus,
como se dizia outrora. Os antigos para prever o futuro, examinavam as entranhas dos
animais. Nós, hoje, examinamos o Inconsciente.
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Poderá nos dar indicações do que virá?
Sem dúvida o Inconsciente Coletivo existe fora das categorias de tempo e espaço. É
possível também por este meio saber-se de ocorrências que seriam inacessíveis naquele
instante, por veículos habituais de conhecimento. Assim posso aprender que um amigo acaba
de morrer a 500 quilómetros daqui e mesmo do que morreu.
Isto aconteceu com o senhor ou é uma hipótese?
Passou-se comigo não uma, mas diversas vezes. O Dr. Rhine, nos Estados Unidos, têm
estudado seriamente esse fenómeno parapsicológico, provando que não pode ser explicado
por acaso ou coincidência.
A respeito de Deus mantém o senhor a posição que expôs em “Psicologia e Religião”?
Inteiramente. Como cientista, afirmo que Deus é uma realidade psicológica, dado
primário da natureza humana, incapaz de ser reduzido a uma explicação freudiana. O
problema religioso é o problema fundamental. Encontrei-o sempre nos decénios de minha
prática psiquiátrica à medida que a análise atingia uma grande profundidade. A experiência
religiosa começa quando reconhecemos em nós mesmos forças superiores ao Ego. Eu não vou
a Deus. Ele se apodera de mim. O mesmo, aliás, se pode dizer com referência a outra coisa. O
francês diz “Je fais un rêve”. Em realidade, deveriam afirmar “Le rêve me fait”. Também não é
lícito falar em ter uma emoção. Esta é que me tem, toma conta de mim. Eu sou sempre o
objeto,passivo. Quanto à existência de Deus fora da mente, permaneço um agnóstico. Nada
sei …
Que acha da filosofia existencial, ou precisamente do mais eminente de seus representantes:
Heidegger?
Muito palavreado. Nenhuma relação com a Vida. Não me interessam os sistemas
filosóficos. Sou um experimentador. Se descubro um fato novo, não hesito em me descartar
das mais sedutoras teorias...

-5-
1962
C. G. Jung e a Psiquiatria125
Nise da Silveira.
A psiquiatria foi, para C.G.Jung, o ponto de partida de sua carreira científica. E permaneceu objeto
constante de suas cogitações. Com efeito, aos 32 anos publicou um livro que teve por título A
psicologia da demência precoce ( 1907 ) e um de seus últimos trabalhos foi apreciação de conjunto
sobre a Esquizofrenia escrito em 1957, quando contava 82 anos de idade. Estes dois marcos capitais
distribuem-se numerosos estudos psiquiátricos.
A. A. Brill diz que, “sem nenhuma dúvida, A Psicologia da Demência Precoce, ocupa o segundo
lugar depois do Caso Schreber de Freud, e constitui a pedra angular da moderna psiquiatria
interpretativa”. Trata-se de obra elaborada na base de cotidiana convivência com psicóticos quando C.
G. Jung era chefe da clínica do Hospital Burgholzli então dirigido por E. Bleuler. Nos primeiros anos do
século, o Burgholzli vivia intensamente o momento histórico do nascimento da psiquiatria
interpretativa. A.A. Brill narra o verdadeiro fervor que empolgava o grupo de colaboradores de
E.Bleuler, naquela época quando todos queriam por a prova as novas ideias lançadas por Freud,
buscando verificar se de fato era possível descobrir nexos causais para fenómenos de aparência tão
incongruente como atos falhados, sonhos e delírios. Shakespeare já dissera que os delírios têm um
sentido ( “there is method in’t” ). Mas naturalmente os homens de ciência não atentaram as palavras do
125- Revista Brasileira de Saúde Mental. Volume VI – 1962 – 1963. Rio de Janeiro
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poeta. E no século XX resistiam ainda em aceitar que os sonhos, e ainda menos que os sintomas
psicóticos, encerrassem conteúdos plenos de significações.
O jovem C. G. Jung tomou posição decidida. Em 1903 já se entregava apaixonadamente à
investigação dos mecanismos psicógenos das expressões de seus doentes. De início empregou nas
pesquisas o método das associações de ideias. Como se sabe, este método vinha da psicologia clássica,
tendo por objetivo estabelecer a velocidade media das respostas associativas e seus diferentes tipos.
Mas, manejado pelo novo experimentador, transformou-se em instrumento de pesquisa
extraordinariamente produtivo. Basta, lembrar que o prolongamento do tempo das respostas e as
dificuldades associativas serviram-lhe para a descoberta dos complexos afetivos, cujo conceito
definiu como grupos de representações dotados de forte carga afetiva que se comportam de modo
autônomo , insubmissos ao controle consciente. Esta demonstração experimental da existência do
inconsciente foi sua primeira grande contribuição à psicologia moderna.
C. G. Jung não se contentou em usar o método da associação de ideia com pacientes neuróticos.
Quis também aplicá-los a psicóticos. A principio esta tentativa parecia destinada a fracassar. O
experimentador, no entanto, não se deu por vencido. Recorreu a um estratagema: passou a empregar
como palavras indutoras precisamente os neologismos e estereotipias verbais dos doentes. Graças a
este hábil recurso e através de labor infinitamente paciente conseguiu encontrar nos esquizofrênicos
( na época denominados dementes precoces ) complexos análogos aos que já havia descoberto em
neuróticos. Os resultados dessas primeiras investigações psiquiátricas interpretativa foram
apresentadas nas monografias A Psicologia da Demência Precoce( 1907 ) e O Conteúdo das
Psicoses ( 1908 ), nas quais demonstra, pela análise de casos clínicos, que os esquizofrênicos
descrevem nos sintomas da doença suas frustrações, desejos e esperanças. Na demência precoce não há
sintoma que seja desprovido de base psicológica e significação. “ Mesmo as mais absurdas de suas
manifestações são símbolos de pensamento que não só podem ser compreendidos em termos humanos
mas que existem dentro de cada homem”. Esta frase mostra a peculiar posição de C. G. Jung frente ao
psicótico. Não se trata apenas de decifrar o sentido de dizeres aparentemente disparatados dos grandes
delirantes, aquilo por exemplo que está por trás das afirmações de uma de suas pacientes: “Eu sou a
Lorelei. Eu sou a Suíça. Eu sou o Sino de Schiller. Eu sou a chave mestra. Eu sou o monopólio, etc”… Ele
analisou tais expressões conseguindo desvendar-lhe o sentido, mas paralelamente sublinha que elas se
originam de uma atividade psíquica comum a todos os seres humanos, apenas liberada de freios na
loucura e formulada de forma simbólica. “As pessoas sadias, diz ainda C. G. Jung na mesma página,
bem firmadas com os dois pés na realidade veem somente a ruína do paciente no mundo objetivo, mas
não enxergam as riquezas daquela face da psique voltada para o outro lado”.
Sem dúvida isso significa radical mudança de atitude em relação ao doente. Estes já não são seres
que caminham inexoravelmente para a demência. É possível traduzir sua linguagem para nossa
linguagem e, se o conseguimos, verificaremos que seu pensar e seu sentir permanecem bastante
semelhantes ao nosso pensar e ao nosso sentir. E mais ainda: a rutura das relações habituais com o
meio, característica das psicoses, não implica em perda dos tesouros possuídos antes da doença. São
evidentes as consequências clínicas e humanas decorrentes desta tomada de posição, se o psiquiatra
que a aceita põe de acordo concepções teóricas e conduta prática.
Nessas duas monografias, escritas no começo do século, C. G. Jung lançou ainda outras ideias que
continuaram atuais nos 50 anos subsequente:
- Valorização das alterações do ego e suas funções na esquizofrenia, problema tão moderno
sobretudo depois do aparecimento do livro de Paul Federn ( 1952 ). Naquela ocasião C. G. Jung
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apercebera-se não só dos graves distúrbios sofridos pelo ego, mas também dos esforços de partes suas
remanescentes para se oporem aos fenómenos patológicos.
- A hipótese de que a esquizofrenia teria por causa primeira estados afetivos intensos. Daí
decorreriam pertubações metabólicas com produção de uma toxina que, por sua vez danificaria o
funcionamento psíquico. Também admitia a possibilidade de um fator X, de origem somática, ser a
causa inicial, trazendo transtorno a esse funcionamento e assim permitindo a liberação dos complexos
afetivos que eclodiriam autônomos.
- Possibilidade dos esquizofrênicos serem tratados por métodos psicológicos. “Quando a mais
antiga correspondência entre Freud e Jung for publicada, ver-se-á quanto Jung já estava então
profundamente interessado na aplicação do ponto de vista psicanalítico nos casos de demência
precoce. Tornar-se-á patente que ele procurava não só a compreensão teórica da doença, mas tentava
com insistência convencer Freud da possibilidade de ajudar analiticamente àqueles pobres pacientes. E
isso há mais de 50 anos. ( C. A. Meier ).
No estudo denominado Sobre a Psicogenese da Esquizofrenia, sem afastar completamente a
hipótese de um aspecto orgânico no condicionamento da dissociação da personalidade, reúne vários
argumentos em favor da etiologia psicológica: a passagem frequente de estados neuróticos para
estados psicóticos: as semelhanças entre o sonho e os estados esquizofrênicos; início da doença e
recaídas coincidentes com abalos emocionais; melhoras motivadas por condições de ordem psíquica –
mudança no ambiente hospitalar, terapêutica ocupacional, contactos pessoais; cura parcial ou
completa por meio de psicoterapia.
Neste estudo C. G. Jung apresenta em termos claros sua interpretação da esquizofrenia. Começa
confrontado-a com as neuroses. A unidade da personalidade, nas neuroses, é preservada pelo menos
potencialmente, enquanto na esquizofrenia está atingida profundamente, fragmentando-se como “um
espelho quebrado em estilhaços”. Se nas neuroses um conflito entre o ego e as forças inconscientes é
sustentado, na esquizofrenia o ego perde todo poder de resistência face ao assalto de forças
inconscientes que se apresentam invencíveis. É como se ocorresse uma explosão ou um terremoto. Os
conteúdos psíquicos que se manifestam nas neuroses são predominantemente de caráter pessoal
apenas acompanhados em reduzida proporção de símbolos coletivos. Ao contrário, na esquizofrenia,
predomina o simbolismo coletivo, isto é, conteúdos vindos dos estratos mais profundos da psique.
Pode-se perguntar, diz C. G. Jung, se a dissociação da personalidade dá-se pela fraqueza do ego ou
pela excessiva impetuosidade de ataque do inconsciente, que se torna capaz de arrebentar os próprios
fundamentos da personalidade. Segundo os casos, poderá acontecer uma ou outra coisa.
C. G. jung admite a possibilidade da ocorrência de “paradas de desenvolvimento” responsáveis pela
presença de quantidades maiores de material arcaico. Quando especiais esforços de adaptação e face de
situações novas vêm a ser necessários, o consciente não conseguiria manejar contigentes de
primitivismo mais abundante que o normal. Daí resultaria agudo conflito que facilmente terminaria
pela sobrepujança dos conteúdos arcaicos demasiado numerosos e fortes para serem assimilados.
Em suma, na esquizofrenia, segundo C. G. Jung, o campo do consciente é inundado por conteúdos
arcaicos dotados de poderosa carga energética, capaz de violentos efeitos desintegrantes. Estes
conteúdos se manifestam como visões, vozes e personagens as mais estranhas que não raro se
comportam de modo grotesco, obsceno e cruel.
Em A Esquizofrenia trabalho apresentado ao II Congresso Internacional de Psiquiatria, Zurique
– 1957, C. G. Jung faz conciso retrospecto de seus pontos de vista e experiências sobre o problema da
mais desconcertante todas as doenças e comunica suas mais recentes reflexões sobre o assunto.
Quanto a questão da etiologia, não admite mais a hipótese de que um fator tóxico possa ser a causa
100
originária da esquizofrenia, como o fizera em 1907. Declara que sua experiência confirmou a prioridade
das causas psíquicas. Mas aceita que estados afetivos iniciais provoquem alterações metabólicas. Os
processos químicos concomitantes às intensas emoções iniciais determinariam distúrbios ou lesões
temporárias ou cronicas. A esquizofrenia é, pois, compreendida como uma doença psícossómatica.
A dinâmica da doença tem, portanto, segundo C. G. Jung como ponto de partida, a presença de
intensa emoção . Esses afetos, contudo, nem sempre se manifestam exteriormente. Seguem antes curso
em sentido interno, invisíveis ao observador, suscitando enérgicos fenómenos compensatórios por
parte do inconsciente. Tais fenómenos caracterizam-se, na esquizofrenia, por suas formas arcaicas,
abruptas, e assistemáticas, desde que são produzidos nas bases primordiais da psique, atingidas pela
corrente afetiva ( e pelo fator químico que as acompanha ). A convicção de C. G. Jung de que a psicose
seja um enorme e distorcido processo de compensação fundamenta-se na sua experiência de nunca ter
analisado um só caso de esquizofrenia que deixasse de revelar desenvolvimento logicamente
significativo.
A respeito do tratamento, escreve C. G . Jung no seu trabalho de 1957; “Faz agora cerca de
cinquenta anos que estou convencido, através da experiência clínica, que os distúrbios esquizofrenicos
podem ser tratados e curados por meios psicológicos”.
Quanto aos “métodos” de tratamento acha preferível não especificá-los. Todavia encarece a
importância do desenho e sobretudo da pintura, dado o valor das cores para a expressão das emoções.
O efeito do método que leva a representar plasticamente a própria situação psíquica deve-se, segundo
C. G. Jung, ao fato de que as expressões caóticas e aterrorizantes, uma vez objetivadas, são por isso
como que dominadas mágicamente, perdem a estranheza ameaçadora, tornando-se possível lidar com
elas, entendê-las, depois de ficarem inofensivas, captadas no papel ou na tela.
Mas, enfim, não importa o método. A coisa decisiva é o empenho pessoal, o devotamento de quem
trata do doente.. Igualmente é indispensável, frisa Jung, que o psicoterapêuta possua conhecimento que
passem além do campo estrito da psiquiatria e estendam-se à mitologia, história das religiões,
psicologia do primitivo. Sem esse equipamento cultural não poderá haver compreensão dos materiais
arcaicos que se evidenciam nas diversas modalidades de expressão dos esquizofrenicos.
Logo no curso das primeiras pesquisas de interpretação dos sintomas esquizofrênicos,
apareceram dificuldades perturbadoras que até faziam duvidar se de fato todos aqueles sintomas
poderiam ser traduzidos inteligivelmente . Muitos deles não deixavam descobrir suas raízes nos
complexos reprimidos que o método associativo apreendia ou a análise psicológica alcançava. C. G.
Jung registrava as observações clínicas e mantinha alerta a curiosidade.. Entre estas observações
estava o registro, datado de 1906, de alucinações e delírios de um esquizofrênico paranóide, cuja
interpretação lhe escapara inteiramente. “Ele ( o paciente ) tomou-me pelo braço e disse que queria
mostrar-me uma coisa. Disse-me que olhasse para o sol com os olhos semicerrados e assim eu poderia
ver o falo do sol. Se eu movesse a cabeça de um lado para o outro o falus solar acompanharia esses
movimentos e era desse modo que se originava o vento”. Lendo anos depois a primeira publicação de
manuscritos gregos, só aparecida em 1910, referente a visões de adeptos de Mithra, C. G. Jung deparou
com a seguinte descrição: “E também ( será visto ) o chamado tubo, origem do vento predominante.
Ver-se-á no disco do sol algo parecido a um tubo suspenso. E na direção das regiões do ocidente é como
se soprasse um vento de leste sem fim. Mas se outro vento prevalecer no sentido das regiões do oriente,
ver-se-á o tubo voltar-se para aquela direção”. A atenção despertada por essa insólita coincidência, a
partir daí foi constatando, de surpresa em surpresa, que os conteúdos psicóticos apresentavam
frequentes analogias com motivos mitológicos. Paralelamente, a análise aos sonhos de neuróticos e de
indivíduos normais revelava fenómenos do mesmo género. Por estranho que fosse, tais fatos levavam a
101
admitir que os materiais básicos dos mitos ( mitologemas ), depois elaborados e aprimorados
diversamente por sacerdotes e poetas, eram os próprios elementos estruturais da psique.
Apoiando-se, portanto, em dados empíricos C. G. Jung construiu sua concepção do inconsciente
coletivo, ou seja, da existência de um sistema psíquico básico de natureza impessoal. Enquanto os
complexos afetivos peculiares a cada indivíduo constituem os conteúdos do inconsciente pessoal, os
conteúdos do inconsciente coletivo são os arquétipos, isto é, a possibilidades herdadas de
representação. Se não é difícil ver nos instintos formas herdadas de ação, também não o será
compreender que possam existir formas herdadas de representação.
C. G. Jung compara os arquétipos a matrizes cujas linhas mestras espécies de eixos de
cristalização, foram se formando pelo efeito das impressões superpostas deixadas por certas vivências
fundamentais repetidas incontávelmente , através de milênios. Vivências típicas, tais por exemplo as
emoções e fantasias suscitadas por fenómenos da natureza ( curso do sol, ciclo lunar, tempestades,
etc. ),pelas experiências com a , com mãe, com a mulher, o homem, a criança.
Nessas matrizes plasmam-se as imagens consteladas pelos processos psíquicos em atividade e,
sob roupagens diversas, elas vem povoar os sonhos de todos nós. As vezes empolgam artistas,
cientistas, criadores, revolucionários e santos. Atravessam o campo do consciente, deixam o rastro de
seu fascínio, mas voltam depois à sua condição anterior de virtualidade. Na psicoses, entretanto,
invadem o consciente em multidão e aí se instalam. O ego não consegue fazer-lhes face, acabando
quase sempre por ser submerso ou mesmo desintegrado pela poderosa energia que dela emana.
Decerto foi debruçando-se sobre o mundo interior dos esquizofrênicos que C. G. Jung conseguiu
travar melhor conhecimento com as imagens arquetípicas, as estranhas personagens que nessa
condição patológica revelam-se em toda sua crueza. No meio ao tumulto em que tais figuras se
entrechocam e ao alarido de suas vozes contraditórias, C. G. nunca se cansou de procurar o sentido de
um drama.
Observando sempre, o mestre de Zurich veio a discernir dentro da caótica dissociação
característica da esquizofrenia forças compensadoras que tendiam a restabelecer a ordem. Durante
anos dedicou-se a seguir-lhes a pista até fazer sua descoberta essencial: a presença de um centro
regulador no inconsciente coletivo. Mais uma vez condições patológicas davam motivo à descoberta do
funcionamento normal de um sistema. Além de correntes que se movem para trás, para o passado,
regressivamente atraídas por certos nódulos energéticos onde vem estagnar, há outras correntes que se
dirigem para diante como se caminhassem no sentido de um alvo. Este alvo é o verdadeiro centro da
psique, o arquétipo do si mesmo ( self ). Não o ego, que é tão somente o centro do campo da
consciência, enquanto o si mesmo é o centro da psique na sua totalidade, compreendendo consciente e
inconsciente.
O arquétipo do si mesmo tem representações nos símbolos de quaternidade ou, seja, nas
mandalas: imagens circulares de arranjo concêntrico, quase sempre contendo quatro elementos ou
múltiplos de quatro. C. G. Jung durante vários anos focalizou a atenção sobre estes símbolos de longa
história e estudou profundamente seu dinamismo antes de fazer publicações a respeito. Constatou que
este símbolo se apresenta sobretudo na esquizofrenia: em neuróticos que se confrontam com o
problema dos opostos; durante situações de desorientação psíquica; ou em períodos de reorientação.
Nas mandalas, os múltiplos componentes acham-se relacionados a um centro e elementos
dispares, mesmo irreconciliáveis, encontram posição. São símbolos de ordem que tem função
compensadora. Seu aparecimento significa “uma tentativa de auto cura por parte da natureza,
originada de um impulso instintivo e da reflexão consciente”. Mas na esquizofrenia a desintegração é
102
tão grande que as forças coordenadoras instintivas de defesa dificilmente tem ganho de causa. A
presença deste símbolo, contudo, terá significação favorável para o prognóstico.
Foi precisamente o aparecimento desses símbolos de unificaçao nas pinturas espontâneas de
esquizofrênicos que frequentam o atelier de pintura da Seção de Terapêutica Ocupacional do C.P.N que
me levou a estudo da psicologia jungiana. Minha atenção foi igualmente atraída por certas imagens
cuja analogia mitológicas surpreendiam tanto mais que seus autores, hóspedes de hospital público,
tinham nível de instrução muito baixo. Também várias figuras mostravam características arcaicas
lembrando a arte do paleolítico. Tudo isso me intrigava e levou-me a uma decisão: fiz fotografar
algumas dessas obras plásticas e, junto com uma carta tímida onde dizia de minhas perplexidades,
enviei-as ao Prof. Jung.
A resposta não demorou. O Mestre estava interessadíssimo pelos trabalhos dos esquizofrênicos de
Engenho de Dentro. Formulava uma série de perguntas. Queria saber dados biográficos e clínicos sobre
os doentes. Perguntava se as mandalas haviam exercido alguma influência sobre seus autores e o que
valiam afetivamente para eles. A partir daí ( novembro de 1954 ) ficou estabelecido o contacto entre
Engenho de Dentro e Zurich. Em consequência dessa aproximação, o Prof. Jung inaugurou a exposição
de obras plásticas do C. P. N., apresentada por ocasião do II Congresso Internacional de Psiquiatria
( Zurich 1957 ). Demoradamente visitou os cinco setores de nossa exposição comentando-os. Deteve-se
de modo especial no setor de onde se achava reunida uma escolha de imagens de arquétipos do
inconsciente coletivo, improvisando sobre o assunto palestras palpitantes, ilustrada pelas pinturas dos
doentes brasileiros. Esta exposição, disse o Prof. Jung, levanta um problema: se o primeiro plano das
pinturas apresenta as características habituais do estilo esquizofrênicos, os planos posteriores estão
pintados com harmonia de formas e de cores muito rara na pintura de tais doentes. Por que aconteceria
isso? Ouvi a emocionada a resposta que o Prof. Jung deu à sua própria pergunta. O motivo, disse ele,
deve estar na atmosfera reinante no serviço onde os doentes pintam. Decerto são aí tratados
humanamente por pessoas que mantêm com eles real contacto, pois a harmoniosa beleza dos planos
que contrasta com os planos dissociados possivelmente reflete o inconsciente daqueles que se devotam
aos doentes e não os temem.
Em entrevistas pessoais, com que sorte propícia me presenteou, ouvi ainda referências do Mestre
à exposição brasileira. Ele me aconselhou a fazer estudo aprofundados dos mitos a fim de conseguir
interpretar a pintura dos esquizofrênicos, bem como para entender o pensar e o sentir de meus doentes.
Os mitos são manifestações originais da própria natureza da psique, disse ele. Daí o conhecimento de
mitologia ser matéria básica para a prática psiquiátrica e não um diletantismo de eruditos de gabinete.
A linguagem dos símbolos não é difícil, apenas nós a desaprendemos. Principalmente o ocidental quase
a perdeu por completo. Seus clientes orientais conseguem muito mais depressa que os outros
reencontrar essa linguagem. Contou-me que costuma falar aos analisandos sob a forma de parábolas
quando é preciso atingi-los mais fundo. Ou então em gírias, cujas expressões são bem mais vivas que
nossa linguagem demasiadamente intelectualizada. E acrescentou padecemos de excesso de
intelectualismo que mata os instintos e as funções criadoras.
Faço uma pergunta sobre o seu conceito de neurose. Respondeme: quem segue seu próprio
caminho não se tornará neurótico. A neurose resulta de desvio do plano de desenvolvimento que
trazemos inscrito dentro de nós. Esses desvios são sempre artimanhas do ego. Reencontrar seu
verdadeiro plano individual de desenvolvimento será a cura.
Alargando o tema da palestra, digo-lhe que considero sua psicologia não apenas uma concepção
científica mas uma autêntica filosofia de vida. ( Assim penso porque à psicoterapia junguiana não basta
a tarefa de remoção dos sintomas. Adquire outra qualidade. É arte de ajudar a personalidade a
103
desenvolver-se, de estimular seus germes criadoras, de reaproximar as partes fragmentadas ou
compartimentadas da alma humana – funções da razão, experiências religiosas, sentimentos, instintos,
aspectos claros, aspectos escuros, bem e mal – numa totalidade única e específica para cada um ). Sim,
consente, sua psicologia poderia ser entendida como filosofia, porém na acepção antiga da palavra. É
preciso ter cuidado quando se fala em filosofia, disse rindo. Em árabe, a palavra filosofia significa vã
tagarelice, prestidigitação. E, com efeito, muitas escolas filosóficas não são outra coisa. Cito Sócrates
como o filósofo por excelência que ensinava uma sabedoria para ser vivida. O Prof. Jung está de acordo
que essa foi a intenção do velho grego, mas que ele era racionalista em excesso e preconizava desapego
demasiado heroico. “Nem participação mística, isto é, adesão cega e inconsciente ao objeto, nem o
desapego inumano. Os instintos devem ser escutados e suas significações precisam ser entendidas.”
Sumário126
Neste artigo são resumidas e comentadas as principais contribuições de Jung à interpretação e ao
tratamento da esquizofrenia. A autora detêm-se particularmente sobre os seguintes aspectos: 1)
etiologia- a causa inicial da esquizofrenia é de natureza psíquica ( intensos estados afetivos ); os afetos
intensos podem condicionar distúrbios metabólicos que determinem alterações orgânicas. 2)- dinâmica
da esquizofrenia explicada pela violenta invasão do campo do consciente por conteúdos arcaicos
oriundos do inconsciente coletivo e consequente desintegração do ego; 3)- possibilidade de tratamento
da esquizofrenia por métodos psicológicos, ponto de vista que Jung sustenta desde 1906.
Citando exemplos, a autora mostra que Jung chegou a concepção do inconsciente coletivo
baseando-se em dados empíricos, entre os quais grande parte foi colhida na prática clínica com
esquizofrênicos. Por fim, a autora narra o interesse que Jung manifestou pelas pinturas espontâneas de
internados do C. P. N., nas quais se achavam representadas abundantes imagens de arquétipos co
inconsciente coletivo quando as conheceu em fotografias no de 1954 e depois nos originais por ocasião
do II Congresso Internacional de Psiquiatria reunido em Zurique- 1957

-6-
1962

Psicologia de C. G. Jung – O Grande dissidente


J.O de Meira Penna

A Psicologia é sem dúvida a mais moderna das ciências básicas. Após um trabalho exploratório
realizado em fins do século passado, ela surgiu repentinamente e se impôs com com um vigor
extraordinário graças à obra de Sigmund Freud, o criador da Psicanálise. Freud fundou escola, mas a
Psicologia moderna continuou crescendo além do freudismo porque sua doutrina, a par de um sucesso
notável no campo da Psiquiatria, exerce sua função no âmbito limitado da psique individual.
Na opinião popular, C.G.Jung, o grande sábio de Zurique, recém falecido, é ainda considerado
como um dos discípulos de Freud”. Seria, na verdade, um discípilo rebelde, um “herege” que se recusou a
restringir o conceito de “libido” à mera sexualidade. Num plano mais elevado, reconhece-se ao homem a
autoria de expressões quee ntraram para a linguagem corrente, termos, como “complexo”, “introvertido
e extrovertido”, o “arquétipo”, “inconsciente coletivo” e “mandala”. Ma so fato é que ainda poucos
aquilataram o valor de sua obra ou concordam com o vaticínio de Keyserling quando asserverou, antes
da guerra, que Jung seria, dentro de 50 anos, um dos raros clássicos de nossa época.
O psicólogo suíço não deixou um “sistema” propriamente dito porque se considerou um
empiricista e repetidamente assegurou que falava apenas como um psiquiatra, um psicólogo, um
126- A edição original desde texto contém um “Summary” que não foi mantido nesta transcrição.
104
investigador científico. Foi, é verdade, um filósofo sem dogmatismo, amparado num vasto cabedal de
conhecimento enciclopédico, amontoados numa experiência clínica de quase 60 anos. Mais do que isso,
porém, é talvez um dos profetas do mundo futuro, pelo poder criador de suas intuições geniais. Isso
explica a influência de Jung em setores tão diversos do pensamento contemporâneo quanto à Filosofia
da História (Toynbee), à Teologia ( Paul Tillich ), à Filosofia da Arte ( Herbert Read e Lewis Munford ).
Abordando assuntos os mais sagrados e os mais rebarbativos – como a doutrina da “privatio bonum”, o
dogma da Assunção, a alquimia, e os discos voadores – Jung abriu novos horizontes para a sôfrega
curiosidade do espírito humano, traduzindo em termos e métodos modernos o velho mandamento
socrático – “Gnothi seauton” – de que o homem deve conhecer a si próprio. Nesse sentido a influência
ultrapassa a área da Psiquiatria e mesmo da Psicologia propriamente ditas. E como não é difícil prever
o papel considerável que suas ideias estão fadadas a desempenhar na cultura moderna, cabe lamentar
a pouca divulgação que têm obtido no Brasil. Um dos motivos talvez é o fato de que a obra só
recentemente foi traduzida para o inglês e o francês. For aos estudos pioneiros da Doutora Nis da
Silveira, apenas três profissionais seguem hoje os cursos do Instituto C. G. Jung em Zurique. Os nomes
dos heróis: Alice Marques dos Santos, David Azulay e Carlos Byington.
Freud pertence ainda ao racionalismo e “cientificismo” positivista do século XIX. Seu método é
essencialmente redutivo. Procura a “causa” do fenómeno mental e encontra a “explicação” no fator
incestuoso do célebre “Complexo de Édipo”. É esse o postulado fundamental da Psicanálise, rígido e
intolerante, que exprime de maneira dogmática – e por isso mesmo fascinante para os espíritos menos
prevenidos – um determinismo análogo ao que constituem o incubo ideológico do século XIX ( o
racista, o econômico, o geográfico, o historicista, etc ). Paradoxalmente, Freud era um romântico e um
puritano: o escândalo que suas doutrinas causaram explica-se como reação à hipocrisia da era
vitoriana. O escândalo transformou-se em sucesso, para a mentalidade “beatnik” de nossa época.
Freud analisa o passado individual do adolescente e procura descobrir as raízes das perturbações
psíquicas nas vicissitudes traumáticas da mais tenra infância. Essa tendência redutiva intensifica-se
na obra de Melanie Klein. Adler, outro grande discípulo de Freud, também tudo quis reduzir à vontade
de poder, a qual representaria o esforço compensatório do “complexo de inferioridade”. Jung, pelo
contrário, pouco se interessa pela criança – o que constitui, aliás, um dos pontos fracos de seu método.
Prefere estudar o homem adulto na “segunda metade da vida”, e, nesse estágio infelizmente o que mais
nos importa não é o sexo, cujos problemas normalmente já devem ter sido superados, mas a vida em
seu todo e a morte!. Por isso também não é tanto o passado do doente que prende a tenção de Jung mas
seu futuro. O método de cura não visa a reduzir o sintoma pela descoberta do trauma original., mas a
reconstruir a personalidade dissociada a partir de seus elementos em conflito que ainda não surgiram à
tona da consciência. A terapêutica é por isso construtiva e na pesquisa o raciocínio é principalmente
indutivo.
Jung contribuiu para a psicologia profunda com noções originais. Foram os tipos de atitude
psicológica – introvertido e extrovertido. E os tipos funcionais agrupados em dois pares de opostos –
pensamento X sentimento e intuição X sensação – com a presença necessária de uma das funções no
nível inconsciente. E o conceito de “Persona”, que corresponde à “máscara” por cada um de nós
apresentada em sociedade ( nesse sentido o indivíduo “mascarado” é aquele que vive em função de sua
“Persona” ). E a noção de “Sombra” que representa o aspecto moralmente negativo, desagradável,
repugnante ou diabólico do Ego e equivale, grosso modo, ao inconsciente pessoal freudiano, resultante
da repressão de conteúdos pessoais inicialmente conscientes. Ou ainda o conceito de “Anima” ( o
“eterno feminino” que inspira as paixões, as emoções e os humores do homem ) e de “Animus” ( a
imagem da autoridade que inspira a opinião e os caprichos da mulher). A “Anima” e o “Animus”
105
representam os elementos feminino e masculino, compensatórios respectivamente do homem e da
mulher, e são pictorescamente descritos na introdução do “Banquete” de Platão. Com essas várias
entidades psíquicas Jung chega à concepção dos “Arquétipos” que seriam as imagens primordiais, os
engramas, as prefigurações inatas e herdadas em que se exprimem os conteúdos psíquicos da espécie.
Ultrapassamos nesse ponto o inconsciente pessoal e penetramos nos arcanos do inconsciente “coletivo”.
Foi a investigação dessa aréa misteriosa da filogênese psíquica que separou fundamentalmente Jung de
Freud. Foi ela que conduziu o estudo da mitologia, dos contos de fada, da ioga e do taoísmo, da
alquimia e da astrologia, dos fenômenos metapsíquicos de percepção extra sensorial ( telepatia,
clarividência ) e do princípio da “sincronicidade” que independeria d qualquer causalidad. É ela
finalmente que explica o papel considerável da pesquisa religiosa na obra de Jung, razão aliás do
qualificativo errõneo de “místico” a ele frequentemente atribuído.
Os arquétipos estabelecem a ligação ou coincidência entre os temas ou motivos dos sonhos das
pessoas normais, das alucinações dos alienados, das fantasias dos poetas e artistas e dos mitos dos
primitivos. A coincidência é encontrada em terrenos tão diversos quanto a literatura, a filosofia, a
antropologia e os “rumôres” populares. E sua presença invariável nas expressões inconscientes do
homem adulto foi motivo que conduziu Jung a constatação de nunca ter atendido um cliente, com mais
de 30 ou 40 anos de idade, cujos problemas íntimos não estivessem, em última análise, relacionados
com a morte. Portanto de caráter religioso. Vale notar que Jung interpreta esse “instinto” religioso num
sentido muito lato, de acordo com a etimologia da palavra “religião”: de “religio”, de “religare”, atar
novamente o homem ao seu fundamento eterno.
Jung é o Magalhães que cincunavegou a alma humana, após od escobrimento do Colombo
psicanalítico. Freud fabricou a chave e Jung ensinou como empregá-la para abrir as pesadas portas do
inconsciente coletivo. Lançando corajosamente a Psicologia moderna na exploração pioneira do
homem total, do homem que vive em sociedade, do histórico e político, do homem como raça e espécie,
do homem da mitologia e da antropologia cultural. Jung permitiu compreender a história como um
alargamento progressivo da consciência; e a cultura como um esforço de libertação do Ego que se
procura inconscientemente na imagem do “Si mesmo”. Essa tendência do pensamento junguiano é
reconhecível desde o princípio de sua carreira profissional e de suaa ssociação com o movimento
psicanalítico, afirmando-se progressivamente com o desenvolvimento das pesquisas. Na noção do
“Selbst”, o “Si mesmo”, o arquétipo central que equivale à noção hindu de “atman” e à noção chinesa de
“Tao”, o sábio de Zurique descobriu o símbolo da totalidade da psique, porque o “Selbst” contém não
apenas o Ego consciente mas os demais arquétipos reconciliados e as oposiçoes fundamentais da
máscara e da realidade, do positivo e do negativo, do masculino e do feminino. Esse “Selbst”, por isso
que possui um sentido transcendente, apresenta-se como o elemento unificador da personalidade,
procurando sempre mas raramente encontrado no processo final de “individuação”. Manifestação
subjetiva de Deus, o “Deus em nós” do êxtase e o “si mesmo da investigação introspectiva socrática e
oriental, ele é simbolizado pelo entro no desenho circular e quadrangular da “mandala”. O interesse de
Jung por esse símbolo universal, seus inquéritos a respeito da pedra filosofal e da quadratura do círculo,
suas aventuras explorátórias nos domínios da teodicéia ( o drama de Jó ), da Santíssima Trindade e da
quaternidade que estava implícita na figura da Virgem Maria – revelam a penetração de seu espírito em
terrenos até então considerados “tabu”.
Mas é nesse terreno, justamente, que a obra junguiana está destinada a produzir seus efeitos mais
significativos. Colocada historicamente num divisor de águas, sua escola tem sido considerada mística
pelos cientistas radicais e ao mesmo tempo criticada por cristãos liberais.
106
Por isso, também, sua tese é um ponto de convergência onde se defrontam, pela primeira vez o
panteísmo oriental quaternário e a trindade monoteísta do Ocidente. Na verdade, Jung personifica o
encontro das almas do Ocidente e do Oriente, e estende a mão de nosso empiricismo racional para a
compreensão de seu misticismo supra racional. Assim, também, lançou os alicerces da primeira ponte
entre a ciência moderna e a religião, entre o mundo dos fatos objetivos e o mundo das experiências
subjetivas. Mais do que isso, ao mesmo tempo que admitiu e investiou as raízes naturais do homem nas
profundidades telúrigas da Biologia, afirmou também a existência no plano de uma outra dimensão
onde toda a dignidade e a tragédia da condição humana adquirem significado, pela consciência do seu
destino transcendente.

-7-
1967
Memórias de Jung desvendam segredos da crença no além127
Alein Guy
“Memórias, Sonhos, Reflexões é o título da última obra de Carl Gustav Jung, falecido em 1961, aos
oitenta e seis anos. Discípulo de Freud de 1907 a 1912, Jung se afastou do fundador da psicanálise para
desenvolver seus próprios trabalhos que testemunham a elevada missão a que se dedicou: ajudar o
homem na procura da sua alma. Freud limita o psiquismo tão somente aos impulsos sexuais; Jung
queria ajuntar ao inconsciente pessoal descoberto pelo mestre vienense, “o inconsciente coletivo que dá
à alma do homem sua terceira dimensão, seu perfil, sua profundeza, sua verdadeira palpitação”.
Não disse Jung poucas horas antes de sua morte: “Rejubilo-me com a esperança de que a vida
tenha um sentido?”
Para este psicólogo, a crença no Além, qualquer que seja a forma que assuma, é do domínio
“destas imagens antigas que pertencem ao tesouro comum da Humanidade”.
Os vivos deveriam influenciar os mortos
Os espiritualistas e os “místicos” desejam receber algum ensinamento no diálogo mudo que
procuramos estabelecer com os que já nos deixaram. Jung inverte o problema: são os mortos que
esperam de nós certas respostas e as perguntas suscetíveis de emergir de nossos sonhos e
simbolicamente traduzidas: “Muito cedo”, diz ele, “senti que deveria instruir os personagens do
inconsciente ou os espíritos dos mortos, que muitas vezes mal se distinguem.” Ele cita em apoio deste
conceito, um caso que impressionou seu espírito. Jung tinha, então, 32 anos. Viajava de bicicleta, em
companhia de um amigo, pelo norte da Italia, Uma tarde parou em Arona, ao sul do Lago Maggiore, e
decidem aí passar a noite. Tencionam seguir pela margem do lago, para atravessar o Tesimo em Falda.
Para continuar tomaria o trem para Zurique e assim se acabariam as férias. Mas naquela noite Jung
sonha … Sonha que “se encontra numa assembleia de espíritos ilustres. Uma assembleia em que todos
se exprimiam em latim. Em dado momento, um homem que usava uma peruca dirige a palavra a Jung.
Faz-lhe uma pergunta que, ao acordar o jovem sábio se esqueceu. Ele experimentou um sentimento de
confusão, seus conhecimentos da língua latina são muito imperfeitos, não soube responder a seu
interlocutor fantasma”. Por essa época Jung desenvolvia um trabalho “Metamorfoses e Símbolos da
Libido”. O sentimento de inferioridade que experimenta depois daquele sonho é tal que ele decide
interromper sua viagem e regressar logo à sua casa. “Eu tinha que trabalhar e encontrar a resposta”.
Esta resposta ele não encontraria senão muito depois: “O homem de peruca” era um espírito dos
antepassados mortos. Eles esperavam “aquilo que pudessem aprender pois que não puderam aprendê-lo
em seu tempo, somente os séculos posteriores poderiam criá-lo e lhes apresentar. E acrescenta Jung: “se
pergunta e resposta tivessem sempre existido na eternidade, meus esforços teriam sido inúteis, porque
127 - Publicado em 21 de fevereiro de 1967 no jornal “O Globo”
107
tudo poderia ter sido descoberto não importa em que outro século. Bem me parece, na verdade, que
essa sabedoria ilimitada existe na natureza, mas esta sabedoria não pode ser apreciada pela
consciência, senão se as condições temporais lhe forem propícias”.
Pressentimentos ou Sinais
Jung contra outra história, não menos emocionante que ele registrou no decorrer da II Guerra
Mundial. Tendo ido a Bollingen e regressava de trem para casa. Trouxera um livro, mas não pode
chegar a se concentrar na leitura. Inicialmente, uma imagem o persegue: a de um homem que se afoga
… Não se trata de uma obssessão confusa, mas de um acidente real, acontecido na época de seu serviço
militar … “Que aconteceu”? “Sonha”? Aconteceu uma desgraça?. Chegando a Ergebach, ele reencontra
sua segunda filha que mora em sua casa em companhia de seus filhos. Fica sabendo que o mais moço
dos seus netos escapou de se afogar nas águas profundas de um abrigo de barcos. Por sorte, o irmão
mais velho conseguira retirar o rapazinho da água! O acidente se dera exatamente no instante em que,
no trem, Jung fora assediado pela obstinada lembrança do “homem afogado”. “O inconsciente, então,
me sinalizou. Por que não poderia ele me informar também sobre outras coisas?”
As Leis que escapam a psique
Jung admitiu que para os doutrinários e os racionalistas,os mitos e os sonhos concernentes a uma
continuação da vida depois da morte são fantasias puramente compensadoras inerentes à nossa
natureza – toda a vida aspira a eternidade… Mas, por outro lado, existem também indícios que
mostram que uma parte, pelo menos, da psique escapa às leis do espaço e do tempo. A prova científica
foi dada pelos bem conhecidos experimentos de Rhine ( J.B.Rhine, Universidade de Duke, em Durham
EUA )...que apresenta a prova de que às vezes a psique age muito mais longe que a lei causal espaço-
temporal. Daí resulta que as representações que temos do espaço e do tempo e também da causalidade
são incompletas.
Uma imagem total do universo reclama, por assim dizer, uma nova dimensão; somente então será
possível dar uma explicação homogênea à totalidade dos fenômenos. É por isso que, ainda hoje os
racionalistas persistem em pensar que as experiências parapsicológicas não existem; elas seriam fatais
para a concepção que eles tem do universo. Pois, se tais fenómenos podem ser produzido, a imagem
racionalista do universo perde todo o valor porque é incompleta.

A Presença Invisível
Não é possível, escreve Jung em “Memórias,Sonhos, Reflexões”, apresentar uma prova aceitável ao
assunto da sobrevivência da alma depois da vida; no entanto, existem acontecimentos que dão o que
pensar: um destes “acontecimentos” que ele narra sob um ponto de vista indicativo é o seguinte: Jung
estava no velório de um dos seus amigos. Esta morte o preocupou profundamente. Não pode dormir. De
repente, ele teve a impressão de uma presença no quarto escurecido… Uma presença de que ele teve
“uma imagem visual interior”. Esta presença, esta imagem visual interior, ele a seguiu em pensamento
para fora de sua própria casa até a casa do seu amigo morto, distante algumas centenas de metro …
Jung e o amigo morto estão agora na biblioteca … O amigo indica-lhe o “segundo volume de uma serie
de cinco, encadernados em vermelho” … Então a visão interior se desvanece. Na manhã seguinte, Jung
volta à casa do morto, pede à viúva de seu amigo permissão para entrar na biblioteca … “Eu descobri” –
diz ele – “os cinco volumes encadernados em vermelho … Eram traduções dos romances de Zola. O
título do segundo volume era “O testemunho dos Mortos”. Que importava o texto para Jung! Só por si o
título era significativo,,,
108
Não se trata de tirar uma conclusão – qualquer que seja ela -destes sinais estranhos que, às vezes,
nos alcançam das regiões desconhecidas, mas a frequência e autenticidade destes sinais não podem nos
deixar indiferente.

-8-
1969
O que é a Psicanálise Junguiana128
Carlos Byington
Jung disse que felizmente era Jung e não um junguiano. Conseguiu de maneira feliz expressar as
agruras porque passa um psicoterapeuta diplomado em uma determinada escola. Recebe-se um
formação, mas evidentemente não se pode encasular-se nela pois tem-se ideias e modos de analisar
próprios influenciados pelo meio em que se trabalha e todo o desenvolvimento cultural. É dentro destas
limitações que tentarei explicar para um público leigo em que consiste uma analise cujo principal
fundamento teórico/prático seja a obra de Carl Gustav Jung ( Suiça 1875-1961 ).
Trata-se de uma forma de tratamento psicanalítico por estar baseada na interpretação de fatores
inconscientes como de reações do paciente à personalidade do analista ( análise da transferência ). Tem
em comum com as demais escolas de Psicanálise também o fato de todo o analista dever ser analisado
e cursar extensa formação teórica especializada. Difere delas pela exigência de que o análise didática
que forma o analistas seja realizada com no mínimo de dois analistas, um homem e uma mulher. Tanto
a teoria onde se baseia as interpretações como a técnica de analisar diferem das demais correntes
psicanalíticas.
Um pouco de teoria
A libido para Jung é sinonimo de energia psíquica e não de energia sexual, como o foi para Freud.
A energia psíquica pode apresentar-se em qualquer atividade humana tanto espiritual como sexual. As
atividades filosóficas, sexuais, políticas, afetivas, religiosas ou artísticas são propriedades
fundamentais da mente humana e não derivam uma das outras. Uma atividade pode ser usada para
reprimir outra, mas não o é necessariamente. A mente humana é um órgão que se desenvolve do
nascimento até a morte e talvez além desta. O corpo não para de crescer, a mente só para quando é
reprimida.
O crescimento da mente com as novas experiências de cada dia é complementada à noite pelos
sonhos, cuja principal função é a manutenção do equilíbrio psíquico. ( homeostasia mental ). O sonho é
geralmente a fotografia simbólica de um momento psíquico. Os sonhos não são disfarces de uma
realidade oculta e sim uma linguagem simbólica que mesmo depois de interpretada continua sendo a
melhor expressão da realidade emocional que exprimem.
Individuação
O desenvolvimento psíquico transforma a pessoa cada vez mais em algo único e por isso Jung
chamou a este processo de individuação. Este processo é dialético e se desenvolve entre o indivíduo e
suas próprias emoções conflitivas, e entre o indivíduo e os outros. No início da vida existimos através
dos outros e nos moldamos ao que eles esperam de nós. A individualidade desabrocha usando a
persona, a máscara que assegura a fachada convencional para obter a aprovação de início da família,
breve da sociedade, Muito daquilo que é incompatível com a aprovação convencional é reprimido. A
energia que não flui por canais permissíveis e é reprimida acaba transbordando e provocando distúrbio
em vários pontos do sistema psicosomático. Aparecem então sintomas neuróticos, onde as funções
psíquicas e físicas s alteram para mais ou menos; como insônia ou sono excessivo, insatisfação,
128 - Publicado em 19/20 de outubro de 1969 no jornal “Jornal do Brasil”
109
desinteresse e depressão, ou irritação e atividade exagerada ( maníaca ) com excesso de preocupação
não fundamentada, medos exagerados ou atividades por demais arriscadas, apatia sexual ou hiper-
sexualidade, complacência demasiada e omissão ou intolerância e agressividade destrutiva, vaidade
demasiada e exibicionismo ou anulação neurótica de si mesmo. Dentre os sintomas físicos vamos
encontrar distúrbios em praticamente todas as regiões do organismo. “Isso é nervoso”, diz o povo, “é
neuro-vegetativo”, dizem os médicos., mas no final das contas é neurose mesmo.
Neurose e Bloqueio da Individuação
Até hoje não encontrei aquela personalidade bem analisada que não apresentasse sinais de
repressão e sinais neuróticos. A diferença é que a pessoa bem analisada, e aqui incluo teoricamente os
analistas, reconhece esses sinais e passo enfrenta-los buscando a repressão de origem quando elas
surjam. A pessoa não analisada, ao contrário, tende a racionalizar seus sintomas e perpetuá-los
atribuindo-os a tudo e a todos menos às suas repressões. A pujança e o bem estar da personalidade
dependem da qualidade de potencial realizada no desenvolvimento e da quantidade reprimida. Além de
certo grau de repressão instala-se um bloqueio na individuação, diminui o desenvolvimento, o indivíduo
passa a assumir cada vez mais atitudes estereotipadas e reacionárias e a personalidade tende a
petrificação. O sistema psíquico pode aí apresentar uma tal insuficiência de produtividade que o torna
incompatível com a vida profissional, social e conjugal, escolar ou mesmo com a sobrevivência. É nesse
ponto geralmente que o indivíduo busca análise.
É dentro deste enfoque que a análise junguiana considera a neurose como um sintoma. A
verdadeira doença é o bloqueio da inividualização. A neurose é o fruto da dor do organismo ferido; é o
sinal de alarme que obriga o paciente a buscar tratamento para uma doença negligenciada até então. A
neurose é, desde o início, considerada pelo médico, mas também pelo paciente, à medida que toma
consciência de como e onde seu “elan vital” está bloqueado, como a chance que permitiu à pessoa
reencontrar-se.
A Diferença Fundamental Entre Freud e Jung
A diferença fundamental na vida e obra de Jung e Freud, a meu ver, é que para Freud o ímpeto
fundamental da vida é em direção ao incesto e por isso a vida humana tem que obrigar-se à frustração e
à repressão. Para Jung, ao contrário, o ímpeto fundamental é o instinto de individuação. A repressão e a
estagnação são os grandes inimigos da individuação. A frustração só é necessária como sacrifício de
uma etapa semi-ultrapassada para atingir outra mais ampla e profunda existencialmente. O sacrifício
assim nunca é mutilatorio e é sempre propiciador de maior crescimento.
Outro dado teórico básico é que a individuação é controlada por um centro regulador psíquico
que abrange consciente e inconsciente. Jung chamou este centro de arquétipo central ou “self”. O
inconsciente é a matriz do consciente e contém as raízes do seu crescimento e da sua transformação.
No caso de bloqueio ou disfunção da individuação, o “self” cria através da função compensatória do
inconsciente modos de funcionamento que buscam contornar a disfunção e manter a rentabilidade
psíquica ( função de compensação do inconsciente: homeostasia ). A análise junguiana busca não
somente descobrir os pontos de estrangulamento da individuação como também compreender as
soluções criadas pelo inconsciente para resolvê-los. A análise não é pois dirigida pelo analista e sim
subordinada ao poder criador do “self” cuja criatividade aparece nos sonhos e emoções do paciente.
Este enfoque teórico visualiza a personalidade humana como algo individual, pujante e buscando
objetivamente uma meta. Isto permeia toda a maneira de se conduzir do analista e sua técnica de
analisar ( como veremos a seguir ).
Como vimos a vida psíquica para Jung é o processo de individuação. Os dados teóricos deste
processo permitem-nos encarar a personalidade humana como uma grande obra de arte que busca
110
inconscientemente a sua realização. Esta maneira de encarar a vida humana e a neurose faz com que a
análise junguiana aborde o neurótico de forma aceitadora. O que ele traz dentro de si não é algo
basicamente incompatível com a vida adulta ainda que sua maneira atual de viver, assim o indique. A
meta da análise junguiana não é encontrar uma tendência neurótica para extirpa-la através da
conscientização como acontecem numa análise basicamente redutiva. É uma análise basicamente de
crescimento e sua meta ´encontrar os pontos de estrangulamento da individuação e as soluções
criadoras do inconsciente para liberá-la.
A técnica analítica consiste em fugir da tendência “cientifica” e comodista de colocar emoções e
atitudes humanas dentro de conceitos estereotipados. Ela almeja compreenderas emoções e atitudes
humanas relacionando-as com o processo de individuação daquela pessoa, Não devemos por isso dizer
que a análise não seja científica. Sua finalidade é que não é. A análise usa a ciência para uma finalidade
humana e em última instância é absolutamente irracional. A ciência tende a abstrair dados de vários
objetos para prever racionalmente o seu comportamento através de leis. A análise junguiana usa todo o
conhecimento humana de que pode lançar mão para entender e propiciar o desenvolvimento de um
objeto, no caso uma vida humana. Agora, se estatisticamente o sentido dessa vida é diferente de 100
vidas que a circundam, isto é indiferente e permanece inquestionável e irracional. O processo de
individuação é comum a toda a nossa espécie, mas em cada pessoa ele é um mistério único que se
revela no seu desenrolar.
Nenhum ato, emoção ou sintoma pode ter de antemão uma interpretação fixada dentro ou fora da
análise. Tudo pode ser usado contra ou favor do desenvolvimento. Por isso, a análise junguiana tenta
ser a mais espontânea e liberal possível para assim poder captar qualquer forma de crescimento que
surja na vida e na análise. Darei a seguir alguns exemplos.
A leitura , principalmente a leitura de livros de psicologia, assume por vezes papel importante
numa análise. Como todo o resto, nunca a interpretamos de antemão como forma de resistência para
competir com o analista. Por vezes ela se constitui na maneira do paciente crescer e entregar-se
emocionalmente à análise através da compreensão racional do que ela se propõe. Análise é experiência
de crescimento e, as vezes, é o crescimento cultural que vai servir de ponte para o emocional.
Frequentemente porém, o paciente pode usar livros para manter seus bloqueios entrincheirados atrás
de raciocínio brilhantes. Mas se isso acontece, logo se vê, porque a análise não cresce, começa a marcar
passos, apesar dos raciocínios ficarem mais sofisticados. Só então interpretamos leitura como
resistência.
Tudo é Analisável
Tudo em análise junguiana é visto simbolicamente, isto é, tudo é analisável e todo símbolo pode
estar desempenhando um papel positivo ou negativo na individuação. O celebre divã psicanalítico não
foge a esta regra. Usá-lo pode significar entrega, vontade real de mostrar todas as emoções e nesse caso
favorece a análise e a individuação. Mas pode também significar, omissão, escudo atrás do qual se diz
coisas que não se pretende de forma alguma assumir existencialmente. Nesse caso, usá-lo pode
favorecer a tendência neurótica de viver numa torre de marfim, perdido em fantasias as quais a análise
é incorporada. Neste caso o uso do divã é contrário à análise e a individuação.
O silêncio é outro símbolo da maior importância por estar frequentemente associado à intensa
carga emocional. Ele favorece a análise quando propicia a concentração para favorecer dados
emocionais. Ele a prejudica quando tem por função sonegar dados. Isso precisa ser esclarecido, isto é
analisado. Por isso, o silêncio do paciente pode ser abordado pela pergunta:”Por que é que você está
calado”? Se for apurado que é para sonegar material, isto também será esmiuçado para se compreender
se isso acontece por condições ultrapassaveis como vergonha, medo, orgulho, incerteza ou se devido a
111
emoções por demais ameaçadoras. Neste último caso podemos apelar para a comunicação escrita
dentro e fora da análise ou qualquer outro meio de expressão como o desenho, a pintura e a escultura.
A expressão corporal e a dança são ainda praticamente não usadas na análise junguiana. Com essa
abordagem do silêncio, bloqueio mais explícito do processo analítico, ganha-se por vezes tempo numa
análise encurtando-a meses e mesmo anos.
Interpretação Positiva
Outro procedimento pouco compreendido na análise junguiana é a interpretação positiva. Muita
gente identifica análise com sofrimento concluindo que aquilo que não traz antagonismo e sofrimento
não é analítico. Essa generalização é nefasta. O neurótico é inconsciente de suas dificuldades e muitas
vezes ele está mais inconsciente de suas qualidades positivas que das negativas. Não há nada de “apoio”
anti-analítico nisso, muito pelo contrário. A atitude analítica só pode ser mantida permanentemente
pelo analista, se ele analisar tudo o que observa, positivo ou negativo, com a mesma imparcialidade.
Pelo fato de um paciente sair exultante de uma sessão de análise por descobrir um dado positivo em sua
personalidade, não quer de forma alguma dizer que a sessão tenha sido de “apoio” e não de análise.
Em análise junguiana busca-se a verdade existencial do paciente como algo objetivo. Para isso
tudo pode ser analisado até mesmo as atitudes do analista. Este é humano também e apesar de
analisado pode apresentar atitudes neuróticas e erros de julgamento. Assim se o paciente apresenta
resistência a análise ou a alguma interpretação do analista, a primeira coisa a fazer é reanalisar a
situação junto com o paciente e não contra ele.
Esta atitude básica na análise junguiana de estar humanamente aberto às reações do paciente
sem tachá-las de antemão de neuróticas, choca muitas vezes e leva muitos a acharem que a análise
junguiana não aprofunda no inconsciente. O contrário se dá a meu ver.
É minha experiência que qualquer atitude pouco natural ou estereotipada do analista tende a
provocar uma reação pouco natural e estereotipada do paciente, desviando analista e paciente do
processo de individuação do paciente para uma relação à parte que pode mesmo transformar-se numa
briga de atitudes, durante a qual a individuação do paciente é relegada a segundo plano. No que
concerne à atitude do analista, a análise junguiana tenta conscientizar e se afastar de uma atitude
artificial e forçada e que constituiu um dos legados mais nefastos da mentalidade cientifica do século
XIX à Psicanálise. Trata-se do analista “espelho” que pretende analisar sem se mostrar. Até Einstein, o
cientista de um modo geral procurava analisar a natureza sem levar em consideração sua maneira de
reagir. E quando levava em conta o que sentia era para eliminar isso como no caso da “equação pessoal
na Astronomia.
Começando a analisar seres humanos e voltando ao emocional depois de quatro séculos de
ciência, os analistas foram imediatamente tachados de feiticeiros pelos cientistas do inicio do século.
Amedrontados por tais acusações, os analistas passaram sistematicamente a ser declarar cientistas.
Tenderam a assumir a atitude de que através de sua análise pessoal haviam se livrado definitivamente
de qualquer problema. Passavam assim por super-homens pegando neuróticos somente a pinça. Muitos
se convenceram de que poderiam analisar profundamente a vida de uma pessoa sem que suas próprias
reações e atitudes afetassem essa pessoa. Transformaram mesmo essa atitude de ocultar suas reações
num ideal, baseado no qual qualquer ligação pessoal antes d análise com o paciente, fosse de
parentesco ou de qualquer natureza contraindicariam a análise. Qualquer conhecimento que o
paciente tivesse da vida particular do analista atrapalharia a análise.
Isso tudo estaria certo e o analista “espelho” seria o analista ideal se o paciente fosse um objeto
inanimado. Nesse caso, quanto mais escondemos e controlamos nossas reações, melhores condições
temos de analisar o objeto de estudo. No caso de seres vivos, tal não se dá. Até em ratos vêm se
112
descobrindo que as expectativas do pesquisador, quer ele as demonstre quer não, afetam as reações do
animal analisado. Num organismo da complexidade da mente humana nem se fala.
Atitude do Analista
Se recebemos friamente um paciente que nos procura em dificuldades, ele começa desde o
primeiro momento da análise a reagir em função desse nosso comportamento. Ao inibirmos uma
reação normal de empatia e afabilidade, criamos um estimulo anormal ao qual o objeto de estudo
passará a reagir. Se um paciente apresenta sinais de sofrimento profundo e o analista não mostra
qualquer sinal de compreensão, sua omissão não funciona como imparcialidade e sim como agressão.
A reação de compreensão ao ser humano que sofre seria normal no caso devido a sua naturalidade e
manteria o ambiente de imparcialidade necessário à análise. A reação de omissão e silêncio do analista
“espelho” não é natural e por isso não é imparcial. Funciona como agressão, cria um estímulo artificial
e pode desencadear uma reação também agressiva no paciente que nada terá a ver com seu processo de
individuação no momento. Poderá mesmo prejudicar aquela vivência de sofrimento que o paciente
estava atravessando. O procedimento artificial do analista pode criar estímulos artificiais de tal
natureza que prejudique tanto a experiência analítica que a análise se aliene do processo de
individuação do paciente. Neste caso o analista ficará analisando reações do paciente às suas próprias
atitudes, aparentemente imparcial com enorme perda de tempo.
É por isso que a análise junguiana usa o método dialético para analisar. O objeto de análise ( o
paciente ) tem uma estrutura tão complexa e reage com tal acuidade às reações conscientes e
inconscientes do sujeito ( analista ) que o analista só pode ser neutro na medida em que ele abre o jogo,
se demonstra e se prova neutro.
Para terminar, quero assinalar que a análise junguiana é praticada por analistas diplomados por
Instituto de Psicologia Analítica existentes em vários países mas ainda inexistente no Brasil. Todos
estes analistas são filiados à Sociedade Internacional de Psicologia Analítica com sede em Zurique. A
formação do analista junguiano por estes institutos é centrada na obra de Jung e seus continuadores
mas procura congregar especialistas de outras correntes de psicanálise e psicoterapia bem como de
vários campos afins à psicologia como a mitologia, a filosofia, a teologia, a sociologia, a antropologia e
a física nuclear. A orientação na formação desses analistas é de abertura humanista e cultural a todos
os setores do conhecimento.

-9-
1970
Perspectivas da Psicologia de C.G. Jung129
Nise da Silveira

“...as ideias de Jung não constituem uma doutrina,mas representam o nascimento de perspectiva
nova destinada a evoluir e a desenvolver-se”. - M.L.von Franz

C.G.Jung nunca pretendeu construir um sistema psicológico. Na sua opinião a psicologia como
ciência, está na infância, é complexa, é difícil, e terá ainda muito que crescer. Não se pode cogitar, pelo
menos por enquanto de sistematizações doutrinárias com pretensões definitivas. Por isso o
pensamento junguiano move-se em largo espaço, dando ao pesquisador dos fenómenos psíquicos um
agradável sentimento de liberdade.
129- Publicado na revista Tempo Brasileiro 21/22 no número especial sobre Psicanálise ( !970 )
113
Na obra de Jung não há traço de hostilidade contra qualquer escola psicológica. “Nunca consegui
fechar-me aos dados que opiniões divergentes encerram. Essas opiniões não teriam jamais visto a luz,
nem teriam jamais podido reunir sua coorte de aderentes se não correspondessem a uma psicologia
particular, a um certo temperamento, a condições psíquicas de base mais ou menos difundida.
Repudiar uma dessas opiniões sob pretexto de que seja absolutamente errónea e condenável seria negar
esse temperamento particular, esse dado específico, ver ai apenas mal-entendido seria truncar nossos
materiais de experimentação”. Cada teoria psicológica sendo antes de tudo uma confissão subjetiva,
atraíra aqueles que tem afinidades profundas com seu autor. É verdadeira para um certo grupo de
indivíduos. A verdade é relativa.
Em relação à sua tipologia apresentada em 1920, Jung escreveu: “não creio de modo algum que
minha classificação dos tipos seja a única verdadeira ou a única possível”. Com o correr dos anos não
mudou de atitude. Um de seus livros, publicado em 1946 traz na primeira página o moto de Adumbatio
Kabbalae Christiane: “ Eu investigo, eu não asseguro. Não afirmo coisas alguma com certeza definitiva.
Conjecturo, tento, comparo, ensaio, pergunto …”.
É certo que Jung não se enquadrou bem no espírito do tempo reinante no século XIX, demasiado
seguro de sua visão do mundo, firmemente apoiado na estabilidade das leis de Galileu e de Newton e no
poder absoluto da razão. Ele iria respirar melhor no novo clima que a física moderna vem criando desde
o começo do século XX, sem que quase nos demos conta disso. Os físicos estão agora menos
convencidos que seus antecessores de haver atingido conhecimentos definitivos. A teoria da relatividade
é pertubadora. A ambiguidade do comportamento do átomo foi uma surpresa. Mesmo a lei da
causalidade não funciona inexorávelmente em todos os níveis.
Os artistas foram os primeiros a pressentir, por intuição, as grandes mudanças. É Paul Klee quem
diz: “Antigamente eram representadas as coisas que podiam ser vistas sobre a terra, aquelas das quais
gostávamos ou teríamos gostado de ver. Hoje, a relatividade do visual tornou-se uma evidência e já se
concorda em ver nesta realidade apenas um aspecto particular da totalidade do universo onde existem
inumeráveis verdades latentes”. O espaço que o consciente estrutura para os movimentos utilitários
cotidianos é apenas um dos espaços possíveis. Os espaços do sonho, tão familiares a Chagall são
diferentes. Os espaços do universo esquizofrênico são outros completamente. Picasso apreendeu
dimensões de realidades que jamais foram enxergadas pelo olho racional.
As ciências fechadas nos seus departamentos estanques tardam sempre em apreender as sutis
modificações do espírito do tempo.
Roland Cahen comenta, com pertinência, que a revolução freudiana estava ainda longe de ser
digerida e já a revolução junguiana sobrevinha. “Um dos principais mal entendidos decorre do fato que
Jung e a revolução de pensamento que ele nos trouxe chegaram de certo modo demasiado cedo. É isso o
trágico de Jung”.
No campo da filosofia acontecera algo semelhante quanto ao aparecimento dos filósofos
Descartes ( 1594 – 1650 ) e Spinoza ( 1632 – 1677 ). Ainda a ciência nascente mal tivera tempo de
começar o estudo da máquina animal inteiramente destituída de alma, como queria Descartes, já
Spinoza criticava o dualismo cartesiano e afirmava; “o espírito e o corpo são uma só e mesma coisa,
concebida ora sob o atributo do pensamento, ora sob atributo da extensão”. As ciências biológicas,
desde o século XVII até hoje, pode-se dizer vêm trabalhando dentro do conceito mecanicista de
Descartes. Escreve o fisiologista Ch.Richet ( 1850 – 1935 ): “a fisiologia moderna é completamente
mecanicista e nesse sentido nós todos somos cartesianos.”. O movimento relativamente recente da
medicina psicossomática, ainda tão atrasado, traduz em termos científicos a marcha de passo lento
que a biologia vem fazendo do cartesianismo para o spinozismo.
114
O fisiologista alemão H. Helmholtz ( 1821 – 1894 ), tão cartesiano quanto Ch. Richet, pois dizia
que “o objetivo de toda ciência natural é identificar-se com a mecânica”, exerceu grande influência sobre
Freud do mesmo modo que sobre todos os jovens cientistas da época. É Jones quem frisa muito que
custou a Freud emancipar-se de seus vínculos com o mecanicismo de Helmholtz. Desprendeu-se ao
poucos por etapas. Efetivamente seu pensamento tornou-se cada vez mais dinâmico ( no plano
filosófico Marx e Engels já haviam combatido o materialismo mecanicista e introduzido o materialismo
dialético ). Mas traços das primeiras influências ficaram marcados. Note-se a recorrência da palavra
mecanismo na psicanálise: mecanismo das neuroses, mecanismos de defesa, etc. A partir da
“Comunicação Preliminar” de 1893 ( Breuer e Freud ), O mecanismo psíquico dos fenómenos histéricos,
encontramo-la ao longo de toda a obra de Freud, querendo significar que os fenómenos psíquicos eram
suscetíveis de analise científica, isto é, podiam ser desmontados em seus elementos e que se
desenvolviam dentro do mais rigoroso determinismo. Assim estariam satisfeito os requisitos para que
um fenómeno fosse aceito pela ciência da época. O método de trabalho de Freud seria completamente
redutivo.
Nas primeiras obras de Jung também será encontrado a palavra mecanismo, pois ninguém escapa
de todo ao espírito de seu tempo. Entretanto cedo tende a desaparecer. Sua psicologia, em vez de
reduzir, de desmembrar os fenómenos psíquicos em elementos desenvolve-se no sentido de apreendê-los
na sua complexidade total.
Jung pressentiu que no mundo obscuro do inconsciente havia ainda muito o que explorar para
além das importantes descobertas de Freud. Em primeiro lugar viu que não existia apenas no
inconsciente o material reprimido, rejeitado, as violentas pulsões sexuais buscando satisfações que o
consciente não podia consentir. Coexistiam com essas pulsões outras forças que lhe eram opostas.
Valores de qualidades diferentes, possibilidades de desenvolvimento à espera de oportunidade favorável
para revelarem-se.
A medida que as pesquisas se aprofundavam, Jung verificou que nem sempre era possível explicar
os fenómenos psíquicos inconscientes dentro das categorias e leis que regem a psicologia do nível
consciente. Havia certos fenómenos que escapavam ao determinismo.. O psicólogo subitamente se
encontrava em situação semelhante a do físico moderno que teve de admitir que na esfera da
microfísica certos fenómenos não eram regidos pelo principio da causalidade. Jung pôs em relevo
curiosos paralelismos que não podiam ser encadeados causalmente: a)- coincidência de estados
psíquicos com acontecimentos físicos sem relações causais entre si, tais como sonhos, visões,
premonições que correspondem a fatos ocorridos na realidade exterior; b)- a ocorrência de
pensamentos, sonhos e estados psíquicos semelhantes, ao mesmo tempo, em lugares diferentes. “Minha
preocupação com a psicologia dos processos inconscientes há muito tempo obrigou-me a procurar, ao
lado da causalidade, um outro princípio de explicação, porque o princípio de causalidade pareceu-me
inadequado para explicar certos fenómenos surpreendentes da psicologia do inconsciente. Verifiquei
que há paralelismos psíquicos que não podem ser relacionados uns aos outros causalmente mas devem
estar em conexão por um outro modo diferente de desdobramento dos acontecimentos”. Jung criou a
palavra sincronicidade para designar a ocorrência de coincidências significativas, isto é, tendo
significação idêntica ou similar, enquanto sincronismo indica apenas a ocorrência simultânea de dois
acontecimentos. O mais importante nos fenómenos de sincronicidade é que ele indicam a inesperada
possibilidade da formação de arranjos entre fatos psíquicos e fatos pertencentes à realidade exterior,
testemunhando em favor da hipótese da unidade básica psicofísica de todas as coisas.
O inconsciente junguiano é natureza primordial, que transborda de todos os limites. Prolonga-se,
mergulha nas estruturas da matéria. Jung admite mesmo a hipótese da existência de intima correlação
115
entre a importância psicológica do número quatro ( quatro funções de orientação da consciência, o self
descrito como um quatérnio de opostos ) e a tetravalência do carbono, elemento químico fundamental
da substância orgânica. E mais ainda: a exploração do inconsciente revelou que quanto mais
profundas, coletivas e universais são as imagens simbólicas, mais frequentemente elas se apresentam
sob a forma de matéria inorgânica ( a pedra, as formações cristalinas, como símbolo do self )
As perspectivas aqui se abrem ilimitadamente para a especulação e para pesquisas futuras, onde
psicologia e física se encontrem.
O Lastro Comum
Depois de transpostas as primeiras camadas do inconsciente, a exploração em profundeza levou
Jung a descobrir terras desconhecidas onde se acham as estruturas dos fundamentos da psique. Aqui
estamos longe dos conteúdos reprimidos individuais, daqueles amalgamados de materiais carregados
de forte potencial afetivo, porém incompatíveis com a atitude consciente.
Essas terras desconhecidas são o lastro psíquico comum a todos os homens.
“A camada superficial do inconsciente é sem dúvida pessoal. Eu a denomino inconsciente
pessoal. Este inconsciente pessoal repousa sobre uma camada mais profunda, que não deriva de
experiências individuais. Não é uma aquisição do indivíduo, é inato. Denomino esta camada mais
profunda inconsciente coletivo. Escolhi o termo “coletivo” porque esta parte do inconsciente é
universal, em contraste com a psique pessoal, encerra conteúdos e formas de conduta que são mais ou
menos os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. É, noutras palavras, idêntico em todos os
homens e assim constitui um substrato psíquico comum de natureza supra pessoal presente em cada
um de nós”.
Assim, pois, o inconsciente coletivo está para além do material reprimido, das diferenças
individuais. É o fundamento comum da psique, sistema imenso de experiências vividas e revividas um
número incalculável de vêzes através dos milênios.
Os conteúdos do inconsciente coletivo, comuns a todos os homens, transmitem-se por
hereditariedade, seja como tendências herdadas a agir sempre de modo idêntico ( instintos ), seja como
tendências herdadas a construir imaginações análogas ou semelhantes ( arquétipos ). Existiriam
disposições inerentes à estrutura do sistema nervoso que conduziriam à criação de representações
iguais ou muito próximas. Deste modo torna-se possível explicar que as mitologias de todos os povos
apresentem espantosas semelhanças entre si e que motivos mitológicos arcaicos ( mitologemas )
surjam nos sonhos e nas diversas produções do inconsciente, tanto de normais quanto de doentes
contemporâneos.
Sendo médico psiquiatra, foi nas produções de doentes mentais que Jung primeiro se defrontou
com o problema de entender o aparecimento de motivos mitológicos em alucinações e ideias delirantes.
Primeiro ( 1906 ) observou o caso do esquizofrénico paranóide internado no hospital psiquiátrico de
Zurique que tentava olhar o sol, piscando as pálpebras e movendo a cabeça de um lado para o outro.
Dizia o doente que, quando movia a cabeça, o pénis do sol também se movia e esse movimento era a
origem do vento. Quatro anos depois de haver registrado essa observação, Jung encontrou, na descrição
de visões de adeptos de Mitra publicados pela primeira vez ( 1910 ), a mesma imagem e a mesma
interpretação: “E também será visto o chamado tubo, origem do vento predominante. Ver-se- à no disco
do sol algo parecido a um tubo, suspenso. E, na direção das regiões do ocidente é como se soprasse um
vento de leste infinito. Mas se outro vento prevalecer das regiões do oriente, ver-se-á da mesma maneira
o tubo voltar-se para aquela direção”.
116
No hospital Santa Elizabeth, de Washington, doente negro inculto ali internado, contou a Jung
um sonho no qual aparecia nítido o motivo de Ixião, personagem da mitologia grega condenado por
Zeus a girar eternamente amarrado a uma roda de fogo.
“Essas e outras experiências semelhantes foram suficientes para orientar-me: não se tratava de
hereditariedade especificamente racial, mas de uma característica geralmente humana. Nem
tampouco, de modo algum se tratava de representações herdadas , mas e uma disposição funcional
para produzir representações semelhantes ou análogas. A esta disposição chamei mais tarde arquétipo”.
Onde existirem esquizofrênicos surgirão imagens e ideias de natureza arquétipicas, seja nas suas
alucinações, delírios ou produções plásticas, pois nessa psicose ocorre a inundação do campo do
consciente pelo inconsciente, trazendo conteúdos de suas camadas mais profundas, conteúdos que são
precisamente os materiais básicos dos mitos.
No Museu da Secção de Terapêutica Ocupacional e de Reabilitação ( CPPII. Engenho de Dentro )
há vinte anos reunindo documentos que comprovam a existência de disposições herdadas para
construir imagens. Por exemplo, citaremos o caso de uma inculta mestiça, nascida no interior do
Estado do Rio, que em muitas pinturas representa-se a si própria sob a forma de árvore, ou a cabeça
emergindo de ramos, por entre folhas, metamorfoseada em vegetal, assim como aconteceu à ninfa
grega Dafne. A mesma doente pintou uma enorme mulher com cabeça de cão, que ela via em suas
alucinações, em tudo paralela às representações arcaica de Hécate, deusa mãe terrível de origem trácia,
e também modelou figuras femininas extraordinariamente semelhantes às grandes mães do paleolítico.
Outro esquizofrênico de Engenho de Dentro desenhou uma figura semelhante a Baubo,
personagem mitológica que fez Demeter rir quando esta deusa, chorando e lamentando-se, procurava
sua filha desaparecida. Baubo de súbito suspende as vestes, mostrando o ventre que tem o aspecto de
animada face humana. Demeter não pode deixar de rir e o episódio foi incorporado à dramatização dos
mistérios de Eleusis. Edição anterior da Baubo desenhada pelo nosso doente, sapateiro de profissão, foi
descrita por Freud ( 1916 ) em “Simil mitológico de uma representação obsessiva plástica. Trata-se do
caso de um jovem a quem, obsessivamente, apresentava-se a imagem paterna desprovida de cabeça,
tronco e órgãos genitais, trazendo a face estampada sobre o abdôme. Freud logo estabeleceu paralelo
entre esta imagem obsessiva e a Baubo mitológica. Mas é raro que a psicanálise siga esta pista. Em
“Moisés e a religião monoteísta”, obra escrita pouco antes de sua morte, é que vemos Freud dar nova
importância àquilo que antes ele denominou herança arcaica. “O comportamento de uma criança
neurótica em relação a seus pais, no complexo de Édipo e de castração pode parecer injustificado em
certos casos e só se torna compreensível filogenéticamente em relação a fatos vividos por gerações
anteriores. Valeria a pena reunir e publicar o material sobre que me baseio para emitir emitir esta
hipótese. Creio que sua força demonstrativa seria suficiente para justificar outras suposições e poder
afirmar que a herança arcaica dos homens encerra não só predisposições mas também vestígios de
recordações vividas por nossos antepassados. Deste modo a extensão e a importância da herança
arcaica aumentaria extraordinariamente”. Se Freud houvesse publicado o material a que se refere,
provavelmente inúteis e desgastantes desentendimentos teriam sido evitados entre escolas psicológicas.
A noção do inconsciente coletivo com sua estrutura arquetípica, além de esclarecer problemas de
psicopatologia encontra igualmente aplicação em múltiplos campos do conhecimento.
É um eficaz instrumento de trabalho nas mãos dos pesquisadores que investigam a origem e a
significação dos mitos, explicando o fenómeno perturbador das semelhanças entre as diferentes
mitologias. C. Kerenyi estudou o motivo da criança divina na Grécia e em Roma, na Finlândia, na
Índia e noutros locais, mostrando a incidência do tema no mundo inteiro, sempre sob características
semelhantes – a criança vitima de abandono, torturada, mas invencível e rica de possibilidades futuras.
117
O mesmo autor pesquisou ainda o motivo da Koré, a jovem divina grega,e seus paralelos na mitologia
do arquipélago Indonésio.
J. Cazeneuve depois de passar em revista teorias antigas e modernas de explicação de mitos
escreve: … “a teoria psicanalítica ( junguiana ) não exclui de modo algum os outros tipos de explicação,
uma vez que é a partir dos dados da experiência humana ( fenómenos naturais, situações psicológicas e
sócias ) que o inconsciente coletivo produz mitos. A existência dos arquétipos serve simplesmente para
explicar a coerência e a convergência observadas entre todos os mitos e também entre estes e outras
espécies de imagem. Esta hipótese ajuda a compreender o papel que as mitologias podem desempenhar
no esforço das sociedades primitivas para situarem-se no seu contetexto natural e assumir sua própria
existência”.
A história da evolução da psique e, portanto, a história da evolução dos povos, está inscrita no
inconsciente coletivo. Os mitos refletem essa história no seu duplo aspecto. Por isso a mitologia é um
opulento campo de pesquisa para o historiador. A. Toynbee depois de criticar como inaceitáveis os dois
pontos de vista explicativos da gênese das civilizações raça e meio ambiente – adotados pelos
historiadores ocidentais do século XIX, volt-se para a mitologia, encontrando em certos mitos a
expressão de que a origem das civilizações tem como ponto de partida a resposta ao desafio de
condições adversas. “A falência dessas explicações ( raça e meio ) impessoais e pseudo-científicas
impeliu-me a recorrer à mitologia. Tomei este rumo um tanto constrangido e envergonhado como se
fosse um passo deliberadamente retrógrado. Talvez eu me sentisse menos hesitante se não ignorasse,
como ignorava naquela data, os novos caminhos abertos pela psicologia durante a guerra de 1914-1918.
Se eu tivesse conhecimento naquela época dos trabalhos de C.G.Jung, eles teriam me dado o fio da
meada”.
Se nos detivermos atentamente ao estudo das formas criadas pela fantasia artística, teremos a
surpresa de verificar que elas não variam arbitrariamente ao infinito. Na arquitetura gótica, por
exemplo, tanto o artista quanto o artesão gozavam da mais ampla liberdade para imaginar. Eles
criaram seres fantásticos, animais fabulosos que se movem com espantosa vivacidade colunas acima e
apossam-se dos capíteis. Esses seres estranhos que invadem colunas, portas, torres e tetos, à primeira
vista apresentam-se inteiramente diversos uns dos outros. Entretanto, especialistas no campo da arte
descobriram que essa multidão de formas fantásticas medievais, bem como seus semelhantes do
mundo antigo pode ser agrupado em famílias que parecem provir de moldes típicos.
A ativação de arquétipos do inconsciente coletivo fornece a matéria-prima básica para as obras de
arte, matéria que é plasmada, desenvolvida, transformada, trabalhada pelo artista. “As formas de arte
somente adquirem significações na medida em que são arquetípicas e, nesse sentido fossem
predeterminadas; e somente adquirem vida na medida em que são transformadas pela sensibilidade do
artista e, nesse sentido, forem livres.”, diz Herbert Read. Read usa largamente da noção de arquétipo nos
seus estudos de historiador e crítico de arte. E o francês Germain Bazin diz que o “contato entre a
interpretação artística e a psicologia de Jung está destinado a afirmar-se e sem dúvida aí reside o futuro
da crítica de arte”.
Não só no domínio das artes plásticas, onde pesquisas foram feitas por Wingfield Derby, Erich
Neumann, Aniela Jaffé e outros, mas também no da literatura, a psicologia junguiana tem se revelado
um eficiente instrumento de trabalho. Maud Bodkin pesquisou a base arquetípica paraíso – inferno, as
imagens primordiais da mulher, do demónio, do herói e de Deus, da ideia de renascimento, em
numerosas obras literárias: N.P.Witcutt escreveu um notável trabalho do ponto de vista da psicologia
analítica sobre o poeta W.Blake e o brasileiro J.O. de Meira Pena estudou a tragédia de Otelo.
118
As obras da imaginação poética oferecem ao pesquisador; material inesgotável mas apesar disso
outros campos começam a ser explorados. Assim é que, segundo R.Donington, um motivo musical é
uma imagem simbólica. Esta imagem “ocorre ao compositor porque um arquétipo ou um grupo de
arquétipos está ativo na sua psique. É desta atividade basicamente espontânea que, com ajuda em grau
maior ou menor da intervenção consciente, resulta, se tudo correr bem, uma composição”. O “Anel” de
Wagner é estudado por Donington, do ponto de vista junguiano, como um retrato vivo de processos
psíquicos que se revelam não só nos temas mitológicos expresso nas palavras dos poemas mas na
própria estruturas musical, no seu leitmotivem.
Também se pesquisarmos sem preconceitos, encontraremos que o núcleo profundo das
concepções filosóficas e, ainda mais surpreendente, das teorias científicas, poderá ser descoberto em
arquétipos imemoriais. Jung mostrou, por exemplo que a ideia da conservação da energia, formulada
por Robert Mayer, no século XIX, tem suas raízes na ideia primordial da existência de uma força
mágica imperecível sempre presente em todas as coisas. O físico Wolfgang Pauli, prêmio Nobel em
1945, por trabalhos referentes à fissão nuclear, diz que convém investigar a origem interior das teorias
cientificas , ao mesmo tempo que sejam feitas pesquisas sobre a realidade exterior. Pondo em prática
este método W.Pauli encontrou relações entre ideias arquetipicas e as teorias científicas de Kepler. Diz
M.L von Franz que Jung considerava o domínio dos axiomas fundamentais da matemática como o mais
fecundo para as pesquisas futuras.
Não constituindo exceção, a própria psicologia junguiana repousa sobre um arquétipo, o
arquétipo da quaternidade: para Jung a estrutura básica da psique é quaternária por natureza daí,
segundo já dissemos acima, serem quatro as funções de orientação da cosnciência ( pensamento,
sentimento, sensação e intuição ) e a totalidade psíquica ( self ) constituir-se de um quatérnio de
opostos ( bem, mal, masculino, feminino ).
A hipótese do inconsciente coletivo e de sua estrutura arquetípica tem sido utilizada tanto em
pesquisas sobre o comportamento animal ( trabalho dos biologistas, Adolf Portmann e H. Hediger )
como em investigações no domínio da história das religiões ( C. Kerenyi, Mircea Eliade,etc.) E sempre
novos campos do conhecimento vêm abrindo-lhes as portas.
O Indivíduo Único
Do lastro comum nasce o indivíduo único.
Terá cada indivíduo de diferenciar-se do geralmente humano e realizar o plano específico da vida
cujas linhas traz esboçadas deste o nascimento. Trata-se de um processo natural de crescimento de
potencialidades, também vivido por vegetais e animais. Entretanto, o homem é capaz de tomar de seu
desdobramento e de influenciá-lo, embora esse processo seja originariamente impulsionado por forças
instintivas irracionais. É precisamente no confronto do inconsciente pelo consciente, tanto no conflito
quanto na colaboração entre ambos, que os diversos componentes da personalidade desenvolvem-se e
aproximam-se para formar um indivíduo específico e inteiro.
Não perder contacto com os conteúdos do lastro comum ( arquétipos ) é necessidade
imprescindível para o desenvolvimento individual. Dele o consciente extrai energia e absorve valores do
patrimônio imenso que a espécie acumulou nos fundamentos de sua estrutura através de milênios. Pois
os arquétipos não são resíduos inanimados, não são fósseis de processo de evolução da psique.
Permanecem vivos e atuantes. Mais que isso: modificam-se e produzem modificações. No curso de
diálogo entre consciente e inconsciente, entre mundo exterior e mundo interior as duas partes passam
por transformações. Admite-se facilmente que o ego sofra mudanças. Diz Anna Freud ...”dentro do
próprio id pouca ou nenhuma mudança tem lugar” … “A imutabilidade do id é paralela a a mutabilidade
119
do ego”. A modificabilidade dos conteúdos do inconsciente, porém, constitui uma das mais
importantes características da psicologia junguiana pelas múltiplas implicações que encerra.
O processo de desenvolvimento do indivíduo ( individuação ) não consiste numa progressão
linear. É movimento de circunvolução que conduz a um centro psíquico na profundeza do inconsciente
( self ). A força energética que este centro irradia englobará todo o sistema psíquico, tendo por
consequência a totalização do ser, sua esferificação. O centro da personalidade desloca-se então do ego
para o self. O introspectivo Amiel apercebeu-se desse movimento interior: “Intelectualmente e
espiritualmente cada homem é esférico e cresce esfericamente.” Esse processo centrípeto é descrito em
imagens nos contos de fada, mitos, no opus alquímico, nos sonhos, nas diferentes produções do
inconsciente. Será acompanhado ao vivo principalmente através dos sonhos em seus progressos,
interrupções, regressões e nas interferências que pertubem seu desdobramento. Acompanhando-o em
numerosíssimos casos ( depois de o ter pessoalmente vivido ), Jung verificou que a progressão em
direção ao centro segue um itinerário mais ou menos constante caracterizado pela emergência de
imagens análogas ou semelhantes que se sucedem, marcando as etapas do caminho.
O primeiro passo será ir ao encontro de nosso outro lado, da nossa metade escura ou sombra.
Corresponde ao “conhece-te a ti mesmo” dos filósofos. Será lançada luz sobre nossas qualidades
negativas, aquelas que mais nos desagradam e que ocultamos de nós próprios. Sobre o material
reprimido, incompatível com o julgamento consciente. Sobre recordações penosas de serem lembradas.
Serão também descobertas qualidades positivas que não se desenvolveram devido a condições externas
desfavoráveis ou porque não houve energia disponível para alimentá-las.
A sombra obstrui a entrada do inconsciente coletivo. Quanto maior for o volume de material
reprimido mais a sombra será espessa. Por isso aqueles que se esforçam, numa crispação da vontade,
para manter atitudes falsas de fachada, recusando reconhecer suas fraquezas e enfrentar seus
problemas, perdem a possibilidade de tomar contacto com as fontes originais do inconsciente coletivo.
Nada produzem que possua vida porque não atravessaram o bloqueio da sombra.
A etapa seguinte, para os que se olharam no espelho, sem máscara, é a confrontação com a
anima ( ou com o animus ).
Anima e animus não são conceitos metafísicos. “A anima é, presumivelmente, a representação
psíquica da minoria de gens femininos presentes no corpo do homem”. Esta feminilidade do homem é
inconsciente e indiferenciada. Manifesta-se na vida cotidiana por mudanças de humor intempestivas e
sentimentalidade pueril.
O animus, por sua vez, é a representação psíquica da minoria de gens masculinos existentes no
corpo da mulher. A masculinidade da mulher é também inconsciente e mal diferenciada. Manifesta-se
de ordinário através de opiniões convencionais, teimosamente defendidas, de argumentação simplista
que torna difícil todo dialogo lógico.
Ao fator biológico feminino existente no homem vai reunir-se a soma das experiências
fundamentais que o homem teve com a mulher no decurso do tempo: “um fator hereditário
inconsciente de origem muito longínqua, incrustado no sistema orgânico do homem, um tipo ou
‘arquétipo’ de todas as experiências ancestrais em relação ao ente feminino, uma espécie de depósito de
todas as impressões fornecidas pela mulher, um sistema de adaptação herdado”. A anima encarna a
imagem que o homem faz da mulher. Uma imagem fantástica que encerra todos os atributos do “eterno
feminino”, terríveis e benfazejos.
A anima apresenta-se personificada nos sonhos, contos de fada, estórias folclóricas de todos os
povos, mitos, produções artísticas, assumindo aspetos numerosíssimos, belos ou horrendos, forjados
120
em moldes arquetípicos: sereia, mãe d’água, bruxa, fada, deusa, mulher. O princípio feminino no
homem poderá diferenciar-se e transpor estágios evolutivos se for tomado em atenta consideração.
O fator biológico masculino existente na mulher, igualmente vem somar-se as experiências que
ela vivenciou nos seus encontros com o homem no correr dos milênios. Da condensação de todo esse
imenso material inconsciente é modelada uma imagem irreal do homem.
O princípio masculino na mulher personifica-se nos sonhos, contos de fada, mitos, folclore, nos
produtos da atividade criadora, sob as formas mais diversas, desde o animal feroz ao príncipe
encantado. Esse princípio é também suscetível de diferenciar-se e de evoluir sendo conscientemente
confrontado.
Quando se liquidam as projeções da anima e do animus, a começar pela quebra dos vínculos com
as figuras parentais, que são seus primeiros receptáculos, e com outros objetos para onde se tenham
transferido, suas personificações tendem a desfazer-se. O indivíduo apossou-se, pelo menos em parte,
da energia contida nessas imagens surgidas do inconsciente coletivo.
Outros símbolos agora aparecem, representando o self, o núcleo mais profundo da psique. Esses
símbolos variam numa escala muito ampla: desde figuras humanas de aspecto impressionante pela
tranquila autoridade que irradiam, a formas animais, vegetais, minerais ou mesmo a configurações
abstratas, pois sendo o self uma grandeza que excede de muito a área consciente, estende-se tanto ao
super humano quanto ao infra humano.
Se o self torna-se perceptível como fator determinante, seu poderoso potencial energético
manifestar-se-a numa verdadeira compulsão no sentido do indivíduo tornar-se aquilo que ele é, no
sentido de que realiza sua forma autêntica de vida.
A psicoterapia de Jung não dá por terminado seu trabalho quando a pessoa em análise consegue
uma boa adaptação social, quando pode ser chamado “normal” segundo as convenções coletivas. Se
uns detêm-se felizes, neste nível, outros continuam insatisfeitos. Pressentem que não estão vivendo seu
especifico plano de vida. É neste ponto que a análise junguiana traz sua contribuição maior e mais
original. “Nada será mais útil e necessário do que ser um homem normal. Mas, na própria noção de
“homem normal”, como no conceito de adaptação está implícita a restrição a uma média que só se
apresenta desejável àquele que tem dificuldades em lidar com as exigências cotidianas, ao homem, por
exemplo, que por neurose é incapaz de uma existência normal. Ser “normal” é a meta ideal dos
fracassados, de todos que se acham ainda abaixo do nível geral de adaptação. Mas para as pessoas
cujas possibilidades vão além da média, para aqueles que nunca encontram dificuldades em obter
sucesso e cumprir sua parte nas tarefas do mundo, a compulsão moral a ser unicamente normal
representa o suplicio do leito de Procusto, um tédio insuportável, um inferno estéril e sem esperança.
Consequentemente, existem tantos neuróticos que estão doentes por terem sido apenas normais,
quantos neuróticos que ficaram doentes por não terem atingido a normalidade”.
Num de seus últimos livros, Presente e futuro, Jung denuncia com veemência a ação do estado,
da educação de tipo coletivo ou de credos religiosos que se exerçam estrangulando o indivíduo. Na
perspectiva em que ele vê o futuro da humanidade tudo dependerá do número de seres humanos que
completem sua individuação, isto é, que consigam desenvolver plenamente suas potencialidades
peculiares.
121

- 10 -
1974
O Feminino e o Masculino na Psicologia Analítica

Herbert Untertste
1. A polaridade no pensamento de C. G. Jung
Polaridade é a palavra chave para se compreender o pensamento de C. G. Jung. Polar é a relação
entre o consciente, o “complexo do eu” e o inconsciente, que Jung distingue em inconsciente pessoal –
mais ou menos igualável ao inconsciente como Freud o entende e que se caracteriza pelo reprimido, por
Jung chamado também sombra – e inconsciente coletivo, depósito, por assim dizer, das experiências da
humanidade, de toda a corrente de nossos ancestrais que se perde no mistério da hominização.
Polar também é a relação entre a atitude do introvertido e a do extravertido. Enquanto este é
voltado para o mundo ambiente, aquele se volta para o seu mundo interior. Observemos, porém, que
introversão e extroversão se encontram no mesmo indivíduo, pois, se a pessoa conscientemente for
extrovertida, sua atitude inconsciente será introvertida e vice – versa.
Mas não apenas entre estas duas atitudes existe uma relação polar. Ela existe também entre as
quatro funções pelas quais o homem se orienta na vida: o pensamento, a intuição, a sensação e o
sentimento. Uma dessas será “principal” e a mais consciente, a função de que o individuo faz
costumeiramente uso na solução de seus problemas. A oposta será a mais inconsciente, a menos, ou
melhor, a nunca usada, que – no entanto – por um arcaísmo, apresenta uma infantilidade que contém
também os germens de nova vida. Ela se pode tornar importante fonte de nova vitalidade e criatividade,
quando o homem, pela metade da vida, sente de repente que sua função principal se gastou, que tudo se
tornou conhecido, corriqueiro, enfadonho e se lhe põe com maior urgência a pergunta pelo sentido da
vida. É nesse momento que a assim chamada “função inferior” pode emergir do inconsciente e
completar a vida até aqui levada em exagerado unilateralismo. É a chance de o indivíduo desiquilibrado,
neurótico, encontrar o balanço, dando aos dois polos de seu ser a devida atenção.

2. Homem e Mulher: oposição e complemento.


No interesse de Jung pela estrutura polar do mundo psíquico, não lhe pode ficar vedado a
polaridade fundamental entre os sexos, polaridade de tão profunda ressonância que não apenas
distingue os homens em pessoas de sexo oposto, e ao mesmo tempo complementares, mas influencia
também nosso modo de ver, apreender e conceituar o mundo.
A diferença dos sexos se reflete na própria língua, instrumentário principal do homem construir
seu mundo. A língua que falamos é sexuada e molda nosso modo de pensar antes mesmo de distanciar-
nos criticamente da forma a que confiamos o resultado de nossas elocubrações. Culturas inteiras foram
marcadas por um ou outro sexo. A preponderância do feminino deu surgimento às culturas que
chamamos, globalmente de matriarcais. Na história da humanidade o matriarcado parece anterior ao
patriarcado. Como se a filogênese repetisse a ontogênese em que o papel da mãe , nos primeiros anos
da criança, é mais importante do que o do pai, que só mais tarde se iguala em importância à mãe ou até
a sobrepuja. Na mitologia, o céu, por sua chuva, faz frutificar a terra; o Sol e a Lua são considerados
um casal divino; rei e rainha, príncipe e princesa são as figuras preferidas dos mitos e dos contos
populares e as núpcias marcam geralmente o feliz fim das histórias.
A vida – enfim, ao menos a vida humana , enquanto ainda não vivermos no mundo utópico de
Aldous Huxley – precisa, para sua continuação, tanto do princípio masculino, quanto do feminino. O
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masculino e o feminino são complementares, formam na sua raiz uma unidade, perfazem o homem
total. Este pensamento se exprime no antiqüissimo mito platônico, segundo o qual o homem foi uma
esfera – a forma geométrica perfeita, mais tarde usada como símbolo de Deus – que foi repartida em
duas metades: homem e mulher, e que, desde então, se procuram desesperadamente até um dia se
encontrarem. Este mito de tão profundo significado, forma pano de fundo do pensamento de Jung.
Para Jung, o homem é fundamentalmente um todo ( “Ganzheit “ ), se bem que no início de sua
vida seja apenas um todo delineado, que durante o processo de individuação ganha mais unidade. O
sentido desse processo é o self ( “Selbst” ), aquilo que o homem sempre era e, no momento ainda deve se
tornar. O self é, no pensamento de Jung, um símbolo de Deus. Sendo o “self” o todo, deve abranger
também o masculino e o feminino em cada individuo humano. De fato, Jung postula esta unidade
fundamental de feminino e masculino em cada homem com sua conceituação de “anima” e “animus”.
Existindo no homem um sistema consciente e outro inconsciente, experimenta-se cada pessoa em geral
conscientemente segundo seu sexo biológico como varão ou mulher. Mas o ponto de vista consciente
completa-se pelo lado inconsciente, que, sempre segundo Jung, tem uma tonalidade masculina
(“animus”) na mulher, e outra feminina ( “anima”) no varão.
Uma das finalidades do processo de individuação seria dar mais delineações, tornar mais
consciente o lado inconsciente, integrando-o adequadamente na personalidade.

3. As projeções da anima e do animus


O arquétipo da anima e do animus se projeta continuamente nas pessoas de outro sexo. Esta
projeção explica ao mesmo o fascínio e as decepções do amor. Pois raramente amamos a outra pessoa
como ela é na realidade; amamos antes de tudo a nossa imagem interior dela.
Na projeção há quem projeta e há o objeto sobre o qual se projeta. O objeto ou a pessoa para
quem se dirige a projeção exerce por sua vez grande influência sobre o inconsciente e sua capacidade de
produzir imagens simbólicas. A mãe, por exemplo, é em geral a primeira mulher com quem o homem se
confronta na vida. De sua maneira de ser, de seu casamento depende fundamentalmente a imagem da
mulher que a criança forma. Se for menina, será a autoimagem da mulher que se cunha; se for menino,
será a anima que se modela. Estas impressões primeiras já moldam secretamente todas as demais
experiências que seguem a essa experiência básica.
O que é a mãe para a anima do menino é o pai para o animus da menina. Outras pessoas que
ajudam a plasmar anima e o animus são irmãos e irmãs, tias e tios, enfim todas as pessoas que tiveram
um contato mais demorado e incisivo com a criança e o jovem. Nas figuras do sonho podemos
descobrir muitas vezes quem teve grande influência na vida da pessoa, pois a psique se aproveita de tais
personagens para exprimir as finas diferenciações no sentir.
Muitas vezes, porém, a psique – quando tocada nas suas camadas mais profundas – produz
símbolos arquetípicos nos quais se cristalizaram as experiencias da humanidade. Rei e rainha, sol e lua,
por exemplo, aparecem como símbolos do animus e da anima.

4. Feminino e masculino na cultura cristã


Nos grandes símbolos coletivos de uma cultura exprime-se a psique profunda dos homens que
nela vivem: os valores que são aceitos, mas indiretamente também os fatores que foram reprimidos. O
símbolo dominante da cultura cristã é a Santíssima Trindade.
Jung dedicou um livro inteiro ao estudo psicológico desse símbolo, e sua problemática o ocupou
durante a vida. Já como menino, quando era preparado para a Confirmação pelo próprio pai – o pai de
123
Jung era pastor protestante – queria saber algo mais sobre este mistério central do cristianismo. E a
resposta do pai: “Vamos passar adiante, eu mesmo não entendo disso”. Mas a pergunta lhe ficou. “ A
Interpretação psicológica do dogma da Trindade” é uma resposta que o homem adulto, o psicólogo
procurou dar ao menino decepcionado pelo pai teólogo.
Tríades existem muitas na história das religiões. Söderblom tentou classificá-las segundo os
diversos tipos. Simbolicamente o número 3 é um número masculino. O 3 exprime atividade, dinamismo,
e aparece como o número dominante nas culturas patriarcais. A Trindade é para Jung, um símbolo
masculino, um símbolo de totalidade, mas de uma totalidade artificial; artificial porque lhe falta uma
quarta componente que foi reprimida.
Jung não pretende questionar as sutilezas teológicas do mistério da Santíssima Trindade. Essas
parecem reservadas ao limitado número de teólogos. O que é inegável é que a Trindade cristã se
apresenta em forma puramente masculina: “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo” ( O Caráter masculino do
Espírito Santo não é unívoco. Existe a tese, na história das religiões, que o Espírito Santo foi
originalmente feminino). O teólogo, a esta altura, observará que Deus não tem sexo, tratando-se de
simples imagens os nomes da Santíssima Trindade. Mas são justamente estas imagens que plasmam a
psique do homem. As especulações teológicas são abstrações posteriores às imagens da psique ou, por
assim dizer, um segundo andar por cima da vida básica da psique, que antes do pensar lógico abstrato
se movimenta nas sequências das imagens associativas. As imagens de pai e filho são, de imediato,
impacto psicológico. Com os nomes de pai e filho ligam-se em geral reminiscências de profundo sentido
emocional. O nome Espírito Santo, mais abstrato do que Pai e Filho é simbolizado no Novo Testamento
pelas chamas do fogo e pela pomba ( na mitologia grega, a ave de Afrodite ).
O que falta nesta Trindade masculina é o elemento feminino. Embora no Antigo Testamento
existam passagens em que se atribuem a Javé os sentimentos da mãe, na Santíssima Trindade o
feminino não encontra lugar. Pode-se atribuir este fato ao mundo ambiente patriarcal no qual o
cristianismo nasceu. A falta do feminino no mais importante símbolo ( deve-se dizer que Jung jamais
pretendeu falar sobre Deus, que é insondável mistério, mas apenas sobre a imagem de Deus ) do
Cristianismo que está presente nas doxologias que introduzem e terminam as orações de milhões de
cristãos, deve ter uma profunda repercussão na identidade da mulher, pois também o Deus Homem
Cristo é varão.
O quarto elemento que falta para uma totalidade natural não é apenas o feminino, segundo Jung,
mas também o problema do mal, problema este que na teologia cristã, foi, de uma parte, reprimido e
minimizado na fórmula da “privatio boni” ( o mal como privação do bem ) e a outra parte, incorporado
na figura do diabo. O que nos interessa aqui é o fato de que os dois aspectos – o feminino e o mal –
aparecem contagiados na ciência cristã. No livro do “Genesis” é Eva a mulher que se deixa seduzir pela
serpente, para depois seduzir Adão, o varão. Ela por assim dizer torna-se medianeira entre o mal e o
homem. Até hoje este preconceito continua a influenciar a mentalidade da Igreja e da cultura cristã em
geral. Creio que também a discussão em torno do celibato sacerdotal deve ser vista nesta perspectiva.
Assim se compreende também que, ainda nas cartas de São Paulo, a mulher apareça como mais
frágil em face dos ataques dos espíritos maus. É por isso que o apóstolo recomenda-lhe usar o véu. Ela é
considerada inferior ao varão, devendo-lhe obediência. E ganhava dignidade pelo fato de ter filhos, ou
de ficar virgem, dedicada unicamente ao Senhor.
Na mitologia, a mulher é símbolo da terra: representa a matéria prima, que é regada, germinada
pelo céu. Uma vez que a mulher, sua sexualidade, é vista com desconfiança, também a terra é
considerada com suspeita. Constrói-se uma oposição entre a terra – a matéria – e o céu – o espírito. O
124
céu, o espírito, é valorizado no cristianismo em detrimento da terra, da matéria. Céu e espírito são
masculinos, terra e matéria são femininos.
Em 1954, o papa Pio XII proclamou o dogma da Assunção de Maria ao céu em corpo e alma.
C. G. Jung expressou sua profunda satisfação por este dogma. Viu nele uma valorização do feminino no
seu aspecto ctônico; Maria em seu corpo humano participa da vida Santíssima Trindade, embora este
corpo seja ainda compreendido como “espiritualidade”. Nesse particular do corpo espiritualizado de
Nossa Senhora exprime-se, segundo Jung, mais uma vez a corrente do pensamento espiritualizante do
Cristianismo. Determinados aspectos do feminino permanecem, apesar do dogma da Assunção,
despercebidos e até rejeitados.
Jung distingue quatro tipos do feminino, ou da anima, e encontra seus protótipos em “Eva”,
“Helena”, “Maria” e “Sofia”.
“Eva” representa o “feminino biológico”. Ela é a mãe dos vivos, a mãe telúrica, a grande mãe que dá
vida ao homem. Mas ao mesmo tempo também é a causa de sua morte, como aparece claramente na
Bíblia, onde Eva se deixa seduzir pela serpente que traz como consequência a morte. Neste duplo
aspecto de mãe da vida e da morte. Eva não se distingue das grandes deusas mães da mitologia como
Astarte, Afrodite, etc ou, no Brasil, a mãe Iemanjá. “Helena” simboliza o “feminino erótico”. Este tipo de
mulher é, antes de tudo, a amante, a amiga e a companheira do homem, sedutora e inspiradora ao
mesmo tempo. “Maria” é o tipo do “feminino espiritual”. Ela é, segundo a teologia, a segunda Eva,
porém somente no seu aspecto positivo de mãe. Maria é a mãe espiritual dos pecadores arrependidos,
dos renascidos da água e do Espírito Santo. Ela é somente a boa mãe, faltando-lhe o aspecto de Eva, que
é a mãe da vida e da morte. À Maria, como virgem imaculada, falta o aspecto erótico. A total dedicação
a Deus, que é Espírito, não dá lugar àquilo que, como no tipo Helena, fascina e encanta o homem. Se
quiséssemos mencionar um paralelo da mitologia para o aspecto virginal da figura de Nossa Senhora
poderíamos recorrer à deusa Atena ( que segundo o mito, nasce da cabeça de seu pai Zeus ). “Sofia”,
enfim, é o feminino que reúne em si todos os tipos já mencionados, sem excluir um e/ou outro aspecto.
Sofia, como já diz o nome, é o tipo da mulher que, pela experiência da plenitude da vida, se torna sábia.
Talvez espante o fato de que Jung postule, acima de Maria, um grau ainda mais elevado do
feminino: o de Sofia. Mas Jung faz uma nítida distinção entre “perfeição” e “totalidade”. O que se chama
“perfeito” ainda não precisa ser “completo”. Jung , porém, prefere o completo ao perfeito, sobretudo
quando a perfeição vive às custas da repressão. Para que o homem e a mulher encontrem sua
identidade é necessário que tudo na pessoa possa viver, que os diversos aspectos sejam integrados para
um “todo”.
O tipo do feminino que domina no cristianismo é o de Maria, que, no entanto, não perfaz todas as
variações do feminino. O tipo de Eva só foi aceito pela metade, o de Helena foi quase totalmente
reprimido. Tentativas tímidas de dar ao aspecto erótico o seu lugar no movimento dos “Minnesänger”
da Idade Média não puderam vingar Eva e Helena ficaram como figuras suspeitas do feminino no
pensar cristão.
O fato de que só um determinado tipo do feminino foi aceito na consciência coletiva teve também
repercussão sobre a anima do varão. Nas mais sutis diferenciações de sua vida emocional o homem
ficou em grande parte subdesenvolvido. A mulher tornava-se para ele ou santa intocável ou prostituta.
Jung acredita que a perseguição das bruxas na Idade Média era uma compensação para a intensidade
do culto de Nossa Senhora. As variações do feminino foram, com isso, reduzidas a seus extremos: de
um lado a mulher aparece sob seu aspecto meramente sexual – o tipo da prostituta; de outro lado
temos a mulher completamente espiritualizada – a santa, a virgem, o “ser assexuado”. Vê-se mais uma
vez o dualismo entre carne e espírito que, decerto, não é da consciência mas de certo maneira cunhou
125
profundamente a cultura cristã. A emocionalidade, em que corpo e espírito se conjugam, ficou
desapercebida ou até reprimida. Helena, símbolo do eros, não conseguiu valorizar-se na consciência
cristã e passou a viver a sua vida clandestinamente ( em prejuízo da autoimagem da mulher e da anima
do varão ).
5. Emancipação e Individuação
Fala-se muito hoje em dia na emancipação da mulher, e com toda razão. O difícil neste
movimento feminista está na falta de uma imagem guia ( “Leitbild “) da mulher.
Por falta desta imagem guia a mulher procura emancipar-se imitando o varão. Não se trata
apenas de adquirir os mesmos direitos – evidentemente, as reivindicações do mesmo salário por igual
trabalho e as exigências de condições de trabalho são mais do que justas. – mas também de adquirir um
mesmo estilo de vida. Por certo está na hora de terminar com a dupla moral para homens e mulheres,
entretanto não se pode reduzir as diferenças dos sexos às implicações de uma educação diferente para
menino e menina, embora não se negue a grande importância de tratamento desigual na infância para
o desenvolvimento da personalidade adulta.
Entre homem e mulher não existe uma diferença biológica mas existe uma diferença psíquica, que
de uma parte foi condicionada pelo meio ambiente e pela educação, de outra parte ela é inerente à
constituição “macho” e fêmea”.
Jung vê esta diferença baseada no arquétipo diferente do feminino e do masculino. Cada indivíduo
humano é psiquicamente “bissexual”. A totalidade de uma pessoa humana abrange a vida consciente –
geralmente em concordância com o sexo biológico – e a vida inconsciente com a totalidade do sexo
oposto. Segundo Jung seria um lamentável erro se a mulher visse sua chance de emancipação na
virilização de sua vida consciente. Perderia com isso seu charme feminino e nãos seria para o homem
mais do que um parceiro de segunda categoria quanto às discussões dos problemas até hoje a ele
reservados. A mulher, dominada por um animus pouco diferenciado, torna-se tão penetrante e
desagradável para o homem como, vice-versa, o homem dominado por uma anima não diferenciada
para a mulher. À mulher virilizada corresponde o homem efeminado, que não pode identificar-se
suficientemente com seu papel de varão, procurando viver o que devia ficar reservado para uma
posterior fase da vida. Pois o que acontece no lesbianismo e na homossexualidade é uma inversão do
processo psíquico. O que devia estar no fim do processo é posto no início.
Para que não haja uma interpretação errônea: não postulo que o termo do processo da
individuação deva ser a mulher lésbica ou o homem efeminado. Mas o que nestas formas de vida é
anormal não é o intento que inconscientemente procura a totalidade de masculino e feminino, mas a
hora exata de sua realização. Antes que os impulsos inconscientes possam ser integrados de maneira
adequada na personalidade, faz-se necessário um reforço do “eu consciente” da pessoa. Antes, portanto,
de procurar a totalidade, o “self”, é necessário que o varão seja realmente varão e a mulher realmente
mulher. Falando em termos do processo alquímico – a alquimia foi para Jung, sob muitos aspectos, uma
antecipação da psicologia moderna – pode-se dizer que à união dos elementos opostos deve preceder a
separação dos elementos originariamente misturados.
A primeira parte deste trabalho consiste no esforço e na ampliação da vida consciente. Isso
significa o desvinculamento da criança e do jovem de seus pais, a identificação com seu papel de mulher
ou varão, a realização profissional e conjugal, enfim o que Erik H. Erikson descreveu com maestria no
seu livro “Identity and the life cycle”. A segunda parte, a mais difícil, coincide também com a segunda
partedavida, quando os valores da manhã se tronaram duvidosos e a psique exige a complementação, o
que significa uma certa inversão dos valores. Esta crise se anuncia geralmente por uma dúvida dos
valores até aqui realizados. Em linguagem bíblica, poder-se-ia falar do demônio do meio-dia. Para Jung,
126
os valores da tarde da vida são de fato diferentes dos da manhã. Para que a vida não estanque, para que
não comece a rodar em volta de si mesma, a vida inconsciente deve ser ativada, pois nela se encontram
ainda reservas de espontaneidade, de criatividade. É, então, o momento do homem se ocupar mais
detidamente com seu lado inconsciente ( que viveu até agora sobretudo na projeção ), e a mulher com
seu lado masculino, significando que virilidade e feminilidade experimentam um certo nivelamento,
pois o “self” é mais do que a vida consciente ou a inconsciente – é a totalidade de ambas. O processo da
individuação e de emancipação de ambos os sexos: do homem e da mulher, e, em análise mais
profunda, a emancipação do inconsciente para a integração como pessoas em si mesmas integrada.

- 11 -
1975
Freud /Jung. Jung /Freud. As cartas da alma crítica130
Leonardo Fróes131.
Ao traduzir as cartas de Freud e Jung- 722 páginas em alemão, 650 em inglês, mais de 700 laudas
( e um calo no dedo ) em português – eu vacilei muitas vezes e acabei bancando o analista para
vislumbrar em mim mesmo os resíduos de uma forte deturpação cultural. Por mais claras que as
palavras fossem custava-me admitir que Freud chama-se Stekel de porco ( “Schwein” ) ou que Jung
dissesse que um adversário ao escrever um artigo, voltava a vomitar ( “ubergeben” ), rotulando-o algum
tempo depois de mentiroso ( “lugner” ) e palhaço ( “Hanswurst” ).
Xingamentos dessa ordem – quando não piores já que nas cartas de Jung os herdeiros impuseram
a supressão de passagens consideradas ofensivas demais – são bastante frequentes na correspondência
mantida ininterruptamente de 11 de abril de 1906 a 27 de outubro de 1913. E isso de fato não combina à
primeira vista, com a imagem circunspecta desses dois “grandes homens” que devassaram nossa
alminha maluca e tentaram codificar, entre outras coisas, os motivos que geram uma atitude
inutilmente agressiva contra o próximo.
Mas, passado o espanto, vê-se que a grandeza das cartas é justamente devolver aos gênios os
toques de pura humanidade que a idolatria histórica, acrítica, por definição, se encarregou de ofuscar.
Imersos em seu trivial glorioso Freud/Jung são de novo duas criaturas vivas e não dois monstros
empalhados, que cedem à força dos impulsos, pensam no dinheiro e na fama, gastam verve e
inteligência para falar da vida alheia, maldizer e gozar a própria clientela neurótica; e que em
determinados momentos, por mais que se analise mutuamente, cometem alguns desses pequenos
deslizes a que qualquer um de nós está sujeito.
A obsessiva discussão do relacionamento que os une é outro ponto alto das cartas. O caráter
passional que vem à tona no início e prevalece até o rompimento torna-se ainda mais estranho quando
se sabe que em toda a breve amizade os dois se viram apenas uma meia dúzia de vezes- e quase sempre
correndo, se se exclui sobretudo a viagem de 1909 em que juntos lançaram a psicanálise nos Estados
Unidos. No ensaio “Psicologia Coletiva e Análise do Ego”, Freud arrisca uma brilhante formulação
teórica sobre a libido que assume importância concreta em relação ao encontro dele com Jung: “No
desenvolvimento da humanidade, como no próprio indivíduo, é o amor que revela o principal senão o
único fator da civilização ao determinar a passagem do egoísmo para o altruísmo. E isso tanto se aplica
ao amor sexual pela mulher, com todas as necessidades decorrentes da preocupação com o que nos é
caro, quanto ao amor dessexualizado, homossexual e sublimado por outros homens que nasce do
trabalho em comum”.

130- blicado em 05 de abril de 1975 no jornal “Jornal do Brasil”.( Rio de Janeiro )


131 - Poeta, tradutor e crítico literário.
127
É de fato nessa linha que a amizade evolui, com os dois peritos do ofício transformados
voluntariamente em cobaias de uma experimentação de afetos. O amor, no caso, reveste a forma de
uma admiração sem limites pela inteligência do outro e a única novidade é que Freud/Jung o vivenciam
às claras, discutindo e analisando com exemplar franqueza os pormenores de uma situação bem
comum mas que a maioria dos homens só atravessa até hoje de maneira inconsciente. As cenas de
ciúme, os pequenos melindres, os galanteios intempestivos e as afetações de modéstia compõem no
entanto um quadro curioso e a história ganha grande relevo no contexto da época, quando o sexo ainda
é, nas palavras de Freud, “um fator incomodo que a boa sociedade não recebe bem”.
Ao iniciar-se a correspondência, Freud está com 50 anos, já publicou o que considera a obra
fundamental de sua vida - “A Interpretação dos Sonhos” e é um homem que jamais dúvida da
importância revolucionária de suas próprias ideias, apesar de numerosas decepções de ordem prática.
Com a segurança de um profeta, fala dos seguidores que estão por vir e se declara no ponto de encontro
de dois mundos – o que ele cria com a psicanálise e o das velhas concepções psiquiátricas que ao
mesmo tempo põe em xeque. Jung com 31 anos, vive as contradições típicas de alguém que se aventura
a uma carreira e de repente descobre que nem tudo são rosas. de E de fato acerta ao dar o passo, pois
Freud não lhe nega o incentivo de que ele tanto precisa para assumir com sua própria originalidade um
compromisso mais sério. A encimar essa abertura para o novo está porém a figura autoritária de um
pai doente de orgulho – um grande pai rabugento que exige uma devoção integral.
À veneração que tem pelo mestre, na carta de 28.10.1907. Jung atribui um caráter religioso,
associado a uma sedução homossexual de que em criança fora vítima e julgando “ridícula e repugnante
devido ao inegável tom erótico” Os dois adjetivos estranhos na boca de um psicanalista já não por
conta do moralista atormentado, que ao longo de toda correspondência ele se revela. Como um bom
filho de pastor, Jung não se cansa de atribuir ao Diabo as contrariedades que o abalam – ainda que o
faça brincando, a insistência dá para desconfiar – e a todas as circunstâncias difíceis quer provar a
Freud e ao mundo que sempre teve as mãos limpas, que é dono de uma “perfect honesty” ( em inglês
mesmo ). Seus esforços nesse sentido muitas vezes comovem, não obstante se percam na imperfeição
do planeta, e o substrato moral é que talvez o arrasta a se contradizer com frequência em tiradas que
estão a apenas um passo do preconceito mais puro. Se numa carta, por exemplo, ele celebra o
homossexualismo em termos teóricos, afirmando que sua aceitação “como meio anticoncepcional é
uma causa a ser promovida energicamente”, noutra se indigna diante de um problema concreto,
garantindo que determinado cidadão. “como todos os homossexuais, não é flor que se cheire”.
No outro extremo, Freud é um guerreiro de temperamento solar que já luta com o fantasma de
velhice e concentra as energias num objetivo exclusivo: a imposição de sua verdade. Como um político
realista e matreiro, antepõe a organização do movimento às discussões teóricas e justifica todos os
meios para chegar aonde quer. O pessoal que o cerca, a seu ver, é indigno de confiança e precisa de
disciplina, donde ele mencionar a Jung em 11.11.1909 a necessidade de uma “ditadura literária”.
Rabugento e autoritário são qualificativos que o próprio Freud se aplica, mas nem por isso a realidade
que ele descreve tão bem se torna outra: para haver uma mudança, seria preciso que essa consciência
meramente verbal de seus problemas fosse arrasada por um impacto sensório que o Ocidente só
começou a intuir em nossos dias. Na guerra aos indecisos como Bleuler, ou os francamente rebeldes
como Stekel e Adler, Freud é imbatível no manejo de uma arma secreta,a terminologia analítica e se
descarta de todos ao atribuir a “resistência” e “complexos” a oposição que lhe é feita.
Sagrado, “querido filho e herdeiro”, Jung se projeta nas rodas da vanguarda e recebe todas as
homenagens que pouco a pouco são tributadas ao mestre. Mas o preço da adoção é muito alto. Para
garantir sua fidelidade, Freud o submete a uma típica chantagem, comparando a relação que os une à
128
amizade igualmente intensa, contudo, mais dramática, que o ligara a Wilhelm Fliess no passado. E o
faz a toda hora, a pretexto de nada, chegando inclusive a uma ameaça concreta – e meio cômica –
quando na carta de 17.2.1908 informa ao novo favorito que Fliess desenvolveu uma terrível paranoia ao
renunciar à afeição por ele.
Sempre que Jung se atreve discordar de alguma coisa – e desde o início ele discorda do papel do
papel concedido ao sexo nas construções freudianas – o mestre o chama às falas, no tom mais
irritantemente paternalista e diz que tudo decorre de sua falta de experiência, que a superação dessa ou
daquela dúvida é uma simples questão de tempo. “Charmeur” 132 costumaz, Freud parece saber que sua
presença inspira um extraordinário fascínio e que de fato ele já é diplomado na arte cujo exercício
recomenda ao aluno: a de conquistaras pessoas. Ao preparar uma nova edição de “A Interpretação dos
Sonhos” pede que Jung lhe faça crítica ao texto, o que decerto era uma grande honra. Mas quando as
críticas chegaram, muito bem fundamentadas, ele as destrói ponto a ponto com a rapidez de um
sofista. Tem, porém, o cuidado de aceitar uma ou outra e de dizer que levará tudo em conta num
projeto futuro que jamais toma forma.

- 12 -
1975
Um Suplemento de Alma133
Leon Bonaventure

Quatorze anos depois da primeira edição alemã e inglesa e oito anos depois da francesa, as
“Memórias, Sonhos, Reflexões” de Carl Gustav Jung são traduzidos para o português por Dora Ferreira
da Silva e publicada pela Editora Nova Fronteira.
Fins de 1967, sete meses depois da publicação o livro em francês ( a primeira edição tendo se
esgotado em três semanas ), um amigo me escreveu dizendo ter colecionado mais de 100 criticas de
jornal deste último livro de Jung, constatando ao mesmo tempo que nenhuma chegou a fazer uma
análise crítica mais – ou menos objetiva. Ou eram elogios apologéticos, alguns quase fanáticos ou
eram polêmicas da mais baixa qualidade. Dizia-me este amigo que se é verdade que todos falam do
livro, tão insólito quanto atual, tão original quanto estranho, ficava-se em geral nas sensações
epidermicas.
Embora o próprio Jung, no capítulo “Gênese de uma Obra”, se diga satisfeito de ter dito o que
tinha a dizer, e de ter completado a sua tarefa, alguns meses antes da sua morte, em novembro de 1960,
ele escreve numa carta ainda inédita: “Tive de compreender que fui incapaz de mostrar ao público a
realidade que estava buscando. Estou praticamente só [ … ] Fracassei na minha tarefa principal, que era
abrir os olhos do homem para o fato de que ele tem um alma, possui um tesouro escondido no seu
campo, e que nossa religião e nossa filosofia estão num estado lamentável”.
Se a obra de C.G.Jung é difícil de ser compreendida, as suas “Memórias” o são muito mais, pois
supõem não somente um mínimo de conhecimento de sua obra científica como devem também ser lidas
“de dentro”, situando-se o leitor no nível da realidade do Autor, onde ele mesmo se coloca, isto é, na
realidade viva da psique. A grande descoberta de Jung, seguindo Freud, não consiste apenas no
aprofundamento empírico das manifestações do inconsciente, que desde 1846, com um famoso livro de
Carus, já eram conhecidas, mas em ter mostrado a existência “per se” do fenómeno psíquico, da

132- “Encantador”
133- Publicado em o4 de outubro de 1975, no jornal “Jornal do Brasil
129
realidade psíquica em si, e de sua auto-formulação natural: o símbolo. É nesta perspectiva simbólica
que Jung se situou ele mesmo e viveu sua existência.
A publicação de suas “Memórias” constitui, sem dúvida, um desafio ao racionalismo do século
XX, de que o próprio Jung foi um dos adversários. “As minhas disposições”, ele escreve, “me levariam a
expressar-me de modo claro. Isto não é difícil, mas opõe-se a realidade. A linguagem que uso que é a da
própria psique, deve permanecer equívoca, inclusive com sentido duplo, se quiser levar em consideração
a natureza da psique”.
Esta exigência de verdade não se situa apenas no nível da linguagem, mas também em relação
aos fatos: foi por mera questão de honestidade que Jung reconhece a existência de fatos que até hoje, se
não são puramente negados, costumam ser reduzidos a “Isto é apenas …”. Assim é que o “delfim” de
Freud faz entrar no campo da observação científica fatos aparentemente dos mais esquisitos, como por
exemplo, a faca que estala num móvel da sua casa, sem nenhuma causa aparente, ou o móvel que racha
na sala onde ele estava conversando com Freud.
Se Jung aceita esses fatos no campo da Psicologia, esta atitude torna-se aceitável somente se
compreendermos com ele o fato hoje estabelecido pela Psicologia de que a psique transcende as
categorias do tempo e do espaço, já que a psique não está em nós mas nós é que estamos na psique.
Jung não para aí: conta-nos a sua emoção de primitivo quando numa tarde tranquila, o sininho de
sua casa põe-se a tocar sem que ninguém o tenha posto em movimento, tendo-se aberto sozinho o
portão do seu jardim. Tudo isto para nos confiar depois que este fenómeno foi a origem dos seus
poemas filosóficos – “Septem Sermones ad Mortuos”.
Não podemos certamente, deixar de sentir estranheza diante desses fenómenos; mas isto não é a
mesma coisa que a famosa síncope de Freud na viagem aos Estados Unidos, pois não teve Jung a
ingenuidade de dizer-nos que a segunda parte da sua obra é um esforço para formular de modo
científico a sua experiência psíquica, e especialmente as suas visões imaginárias?
Só pode sentir-se escandalizado quem tiver esquecido que muitas obras geniais que marcaram o
nosso século também tiveram a sua origem nas imaginações visionárias de seus autores. Basta pensar
na obra de Goethe, nos “Irmãos Karamazov” de Dostoievski ou em Nietzche que escreveu o “Zaratustra”
a partir de duas visões.
Do mesmo modo como Freud fundamentou sua psicologia sobre a sua experiência de vida e a sua
visão pessoal do mundo e dos homens, Jung também o fez a partir da experiência da unicidade original
e pessoal vivida como totalidade individual e universal.
Pessoalmente, não são de maneira nenhuma certas experiências estranhas relatadas por este
psiquiatra de Zurique que chegam a me tocar, pois constituem o pão quotidiano do meu trabalho de
psicanalista. O que admiro profundamente é a atitude que ele adotou frente a essas imagens oníricas e
a responsabilidade ética e intelectual que assumiu ao buscar todas as implicações desta realidade
humana e penetrar cada vez mais profundamente neste domínio. É no fundo de sua alma que Jung se
situa incessantemente. Se durante mais de meio século ele trabalha para estabelecer empiricamente as
suas descobertas,e para em seguida nos propor algumas formulações científicas a esse respeito, no fim
deste livro de memórias ele nos oferece alguns pensamentos tardios que são mais do que esboços de
reflexões: são intuições de um gênio, cujas riquezas e cujo alcance começamos apenas a descobrir.
O que é extraordinário em Jung não é o fato de que ele tenha sido sujeito de experiências pouco
comuns, de visões oníricas dotadas as vezes de grande beleza, nem mesmo que tenha se aventurado
nesse mundo interior. O extraordinário, nele não são as suas qualidades humanas, sua coragem,
firmeza, paciência, heroísmo, o defrontar-se com as trevas da psique, que embora apareçam de início
com o Dionísio selvagem, constituem no fundo o que o homem de todos os tempos chamou de espírito,
130
“aquilo que dá sentido”, que resulta na paz interior, que nos dá a força de viver nas suas verdadeiras
dimensões humanas os conflitos inerentes à condição humana.
No decorrer da história da humanidade, muitos homens viveram a aventura vivida por Carl
Gustav Jung: mas ele foi o primeiro a vivê-la na sua dimensão psicológica: “Minha vida é a história de
um inconsciente que completou a sua realização”. Essa experiência que Jung procurou formular de
maneira científica, pois sabia bem o quanto o mundo moderno precisa de um suprimento de alma, e o
quanto o homem está a procura de sua alma. Neste livro, Jung também procura dar uma contribuição
neste sentido, violando uma parte da sua intimidade. Embora a leitura de “Memórias, Sonhos,
Reflexões” tenha provocado incompreensões inevitáveis, o testemunho desta vida tem sido preciosos
para algumas pessoas. Este livro não deve ser lido, certamente, de qualquer maneira, nem por qualquer
pessoas, mas merece ser meditado por muitos, por ser desde já um grande e belo testemunho da vida
interior que fermenta na alma do homem moderno. Se atualmente, as descobertas de Jung encontram
um lugar cada vez mais importante na prática psicanalítica, cabe ao futuro reconhecer o papel que elas
ocupam no pensamento moderno e o quanto são solidárias – estando as vezes na base – de alguns
grandes movimentos de ideias e da nova visão do homem que estamos procurando.
Dora Ferreira da Silva, com a sua tradução, contribuiu para tornar esta grande obra mais
acessível e atraente ao leitor brasileiro.

- 13 -
1975 -
As Memórias Desfiguradas134
Themira de Oliveira Brito.
Livro espantoso as memórias de Jung. Depois de ter lido e relido , cada página ao acaso nos
surpreende com novos estímulos para o espírito, possibilidades despercebidas de aprofundamento e
amplificação. Despojado, corajoso, comprometido com o destino do homem, o mais impressionante
nele é o relato desarmado que o cientista pode fazer de sua busca interior, tendo em vista apenas um
ponto: nosso esclarecimento.
Dispensado pela proximidade da morte e pelo prestígio de sua obra psicológica, da preocupação
com a credibilidade científica – sempre ameaçado pela acusação de místico e adepto do ocultismo –
Jung permitiu neste livro as liberdades mais inaceitáveis do ponto de vista dos preconceitos intelectuais.
E através da revelação das estranhas vivências psíquicas com as quais se debateu durante os cinco anos
que sucederam ao rompimento com Freud, consegue a necessária clareza para comunicar o que se
tornou tarefa da sua vida: tirar conclusões concretas das percepções que o inconsciente lhe propiciara.
Vencendo os últimos requisitos de orgulho e vaidade tenta assim resgatar-se do compromisso ético que,
conforme ressaltou, essas percepções implicam. Das conclusões, a mais inesperada ( em se tratando de
um suspeito de ocultismo ) é a ênfase na soberania da consciência, “única luz que se possui, apesar de
infinitamente pequena e frágil comparada com os poderes da sombra ( o inconsciente ).
Avesso às biografias, Jung de início apenas acedeu ( depois de muita relutância ) em colaborar
com Aniela Jaffé, no projeto do editor Kurt Woff para a Pantheon Books, de Nova Iorque. Aos poucos foi
sendo envolvido pelo trabalho que ultrapassando os objetivos pretendidos, resultou numa síntese
comovedoramente humanizada e extremamente bela, onde uma abordagem psicológica do que
chamamos religião e um enfoque transcendente ( religioso se quiserem ) da Psicologia, fazem desse
livro uma obra decisiva para a compreensão da crise espiritual do mundo contempôraneo. Jung,
entretanto, permaneceu muito tempo numa atitude crítica e negativa quanto a sua publicação ( não o
134 - Publicado em 26 de outubro de 1975, no jornal “O Globo”.
131
considerava uma obra científica e de acordo com o seu desejo não faz parte das Obras Completas ).
“Temia a reação do público, conta Aniela Jaffé na Introdução, “sobretudo por causa da franqueza com
que revelara suas experiências e ideias religiosas” - “Não sei se estarei suficientemente longe desse
mundo para que as flechas não me atinjam” chegou a dizer-lhe. Outras vezes amargurado com a
“incompreensão e o isolamento a que se é relegado quanto se tenta dizer aquilo que os homens não
compreendem”, dizia – Na Idade Média eu teria sido queimado
Lamentavelmente o entusiasmo que a publicação em português dessa obra – sob tantos aspectos
extraordinária – deveria provocar transforma-se em desapontamento quando verificamos quanto a
edição da Nova Fronteira está longe de lhe fazer jus ao valor. Logo à 2 a página, no Prefácio à Edição
Brasileira assinado por Leon Bonaventure, descuidos como “individualização” ao invés de
“individuação” ( conceito básico da psicologia junguiana ), nos põem de sobreaviso. O mesmo acontece
com a afirmação do prefaciador referindo-se à coragem de Jung ao decidir confrontar-se com seus
“fantasmas”: “Quanto a este compromisso, Jung como psiquiatra, estava mais do que consciente de que
poderia assumi-lo!” Quem conhece o livro sabe que as palavras de Jung à pag. 178 ( “Memories, Dreams,
Reflections” ) estão em flagrante desacordo com essa presunção absurda. A condição de psiquiatra
dava-lhe a consciência do risco a correr ( a esquizofrenia ) e não a pretensão de poder assumi-lo.
Com a introdução de Aniela Jaffé começa o texto traduzido. À pag 14 o “non sense” de Jung,
solicitado a dar uma visão completa das suas ideias, responder que isso seria impossível, pois seria
necessário suprimir todo o material de provas e expressar-se num “estilo apocalíptico”, nos levou a
cotejar o texto com a edição da Pantheon Books e eventualmente com a espanhola ( Editorial Seix
Barral, Barcelona ). Do confronto com a edição espanhola podemos compreender a razão de erros
extravagantes, com esse “estilo apocalíptico” quando consta em inglês “categorical statement”
( afirmações categóricas ). A tradução brasileira, segundo os créditos mencionados no verso da folha de
rosto,teria sido feita da edição em inglês mas na verdade tudo indica que o uso exaustivo da tradução
espanhola, o que explica o arbitrário “apocalíptico” constando “apodíctico” em espanhol ( pag. 14 ), deve
ter sido traduzido por “apodíctico” ( palavra péssima mas enfim ). É de se esperar que a datilografa, o
linotipista e o revisor nunca tivessem visto esta palavra – como a maioria de nós, alás. Trata-se de Jung
vendido ao público como pensador místico, “apodíctico passou a “apocalíptico” com a maior facilidade.
Deturpações dessa ordem existem numerosas na tradução brasileira. Citaremos apenas, a guisa
de errata, algumas delas para esclarecimento do leitor e como exemplo da falta de condição desse texto
para representar o pensamento, já de si tão controvertido, de um autor como Jung.
No início do capítulo V onde se lê:”a aventura do meu desenvolvimento interior, intelectual e
espiritual havia começado pela escolha da profissão de psiquiatra” leia-se apenas “a aventura de meu
desenvolvimento intelectual começou ao tornar-me psiquiatra”. O “interior e espiritual” corre por conta
da tradução brasileira assim como a contradição desses acréscimos com os capítulos anteriores onde
fica evidente demais a precocidade do conflito interior de Jung, presente já na criança de 06 anos
intensificando aos 12 quando a aterradora visão da imagem de Deus integrando aspectos apolíneos e
dionisíacos confirmando suas suspeitas quanto à incompletude da imagem proposta pelo Cristianismo,
o que determinou todo o desenvolvimento posterior da sua vida e obra.
Na página 136 encontra-se a seguinte impressão de Jung sobre Freud: “Foi principalmente sua
atitude em relação ao espírito que me pareceu problemática. Cada vez que a expressão de uma
espiritualidade se manifestava num homem ou obra de arte, ele desconfiava e recorria à hipótese da
sexualidade recalcada”. Substitua-se por: “Foi sobretudo a atitude em relação ao espírito que me
pareceu altamente discutível. Sempre que surgia numa pessoa ou numa obra de arte, uma expressão de
espiritualidade ( no sentido intelectual e não sobrenatural ) ele suspeitava dela e insinuava tratar-se de
132
sexualidade reprimida” Perguntamos: por que, num trecho envolvendo assunto tão delicado quanto o
relacionamento Freud e Jung traduzir “highly questionable” por “problemática” e omitir o parêntese
esclarecedor de Jung?
Na página 25 a propósito dos segredos das sociedades secretas, lê-se: “Entre as pseudo secretas
existem – ó ironia – as que nem mesmo são conhecidas pelos iniciados; po exemplo, as que emprestam
seus “segredos” principalmente à tradição alquímica. A tradução literal do inglês é assim: “Entre estes
pseudo segredos há – ironicamente – autênticos segredos dos quais os iniciado não se dão
absolutamente conta – como por exemplo, naquelas sociedades cujo “segredo” foi primariamente
tomado de empréstimos à tradição alquímica”. Este é um dos exemplos em que o verbo “to borrow”
( tomar emprestado ) ´traduzido por emprestar e isto se repete com uma constância inacreditável em
todo o livro, mudando totalmente o sentido da oração. Ora, sendo uma das críticas habituais ao
pensamento de Jung, a alegação de ser confuso ( seria mais justo dizer obscuro ) vai passar pela cabeça
de quem, que a incompreensibilidade dessa babel nada tem a ver com o estilo de Jung!
Na página 301 onde se lê “A psique da criança em estado pré-consciente é, nada menos que uma
“tabula rasa” leia-se “ A psique da criança nessa etapa pré-consciente não é absolutamente uma “tábula
rasa”. Na página 325, diz Jung referindo-se a Theodore Flournoy: “muito aprendi com ele (…). Foi assim
que estudei o caso de uma das minhas doentes Miss Miller. Em “Metamorfoses e Símbolos da Libido”
( 1912 ) submeti-o a uma análise minuciosa”. Suprime-se “uma das minhas doentes”. Miss Miller nunca
foi paciente de Jung, ele sequer a conheceu, como explica na página 146.
Atente-se ainda para a tradução ( pag. 278 ) de “completeness” ( complementação ) por
“perfeição”, o que seria o suficiente para tornar incompreensível um texto de Jung uma vez que a busca
da “completação” ( eixo da psicologia junguiana ) é incompatível com qualquer ideia de “perfeição”.
Concluindo: a edição brasileira das memórias de Jung ( de leitura bastante atraente ) por descaso
da produção gráfica e falta de uma indispensável supervisão especializada constitui demonstração de
um subdesenvolvimento cultural que já não corresponde à nossa realidade. O leitor brasileiro mudou. É
tempo de respeitá-lo. Quando mais não seja – do ponto de vista da maioria dos editores – por que está
provado que qualidade vende. Não fora por isso, como explicar o fato insólito de um dicionário ( “Novo
Aurélio” ) tornar-se um “best seller”.Tendo em vista tudo isso e mais o interesse crescente pela obra de
Jung no Brasil, talvez fosse o caso da Nova Fronteira providenciar os reparos necessários e oferecer ao
leitor de língua portuguesa uma edição brasileira das memórias de Jung digna de figurar ao lado da
americana ( supervisionada por Aniela Jaffé ) e da francesa garantida pelo nome de Roland Cahen. A
importância do livro se justifica e a Nova Fronteira tem condições de dar esse exemplo de atividade
editorial “comme il faut”.
P.S. para o leitor: segue a tradução do primeiro parágrafo da pag. 163 que você não poderá
compreender porque está completamente empastelada: “Graças a ele” ( Filemon ) tornou-se clara para
mim a distinção entre eu mesmo e o objeto de meu pensamento. Ele confrontou-se comigo de uma
maneira objetiva, e compreendi que há algo em mim que pode dizer coisas que desconheço e nem
sequer tenciono dizer, coisas inclusive que podem ser dirigidas contra mim.” de uma maneira objetiva,
compreendi que há algo em mim que pode dizer coisas que desconheço e nem sequer tenciono dizer,
coisas inclusive que podem ser dirigidas contra mim.
133

- 14 -
1975
Horóscopo de Jung135
Gret Baumann- Jung

O propósito deste artigo não é apresentar uma interpretação detalhada do horóscopo de meu pai,
mas demonstrar, através de paralelos entre seu horóscopo e sua autobiografia, quão profundamente a
configuração cósmica nos marca, que experimentamos o mundo de acordo com ela, e que nossa
atividade sofre um cunho arquetípico.
Em primeiro lugar, gostaria de ilustrar quão intensamente experimentamos o mundo
segundo a posição de nossos planetas, os quais, por assim dizer, representam a estrutura
arquetípica.
Sabe-se que uma criança projeta os arquétipos, principalmente o materno e o paterno, sobre seus
pais. A Lua e Vénus são projetadas sobre a mãe. Tem-se uma experiência positiva ou negativa da mãe
conforme a posição desses planetas no mapa do nascimento. No mapa de meu pai, a Lua está em
Touro, portanto apresenta-se feminina, fixa e estável nesse signo da Terra. Vénus está em Câncer, um
signo da água e do sentimento. Vejamos como ele expressa sobre sua mãe:
“...ela estava de certo modo arraigada a um solo profundo e invisível ( a Lua em Touro- Terra ),
apesar de eu nunca ter achado que isso resultasse de uma confiança em sua fé cristã. ( Touro liga-se
mais à natureza que ao logos ). Para mim isso se ligava de algum modo aos animais, às árvores,
montanhas, pradarias e à água corrente ( que corresponde a Vénus em Câncer ), contrastando de
modo muito estranho com sua superfície cristã e suas convencionais afirmações de fé. Este quadro
correspondia tão bem à minha própria atitude que não me causava mal estar algum; pelo contrário,
proporcionava-me uma sensação de segurança e a convicção de que havia um chão firme sobre o qual
podia pisar.
E ainda: Minha mãe foi uma mãe muito boa para mim (sua experiência deu-se através de sua
Lua em sextil com Vénus ). Ela possuía um robusto calor animal ( isso é a Lua em Touro. Do jeito
que me lembro de minha avó, ela era extremamente companheira, agradável, forte e sempre
pronta a escutar. Com Vénus em Câncer ouve-se bem as pessoas e a música ). Ela também
gostava de falar, e sua conversa era como o alegre borburinho de uma fonte. Ela possuía um
confirmado talento literário ( Vénus em conjunção com Mercúrio ), assim como bom gosto e
profundidade ( como sua Lua está na terceira casa, a casa dos talentos, ele deve tê-la visto
assim; isto é, ele próprio possuía uma anima extremamente talentosa ).
“Mas esta qualidade, escreve Jung, nunca chegou a emergir adequadamente ( estando a Lua
ameaçada por Plutão: isto é, o inconsciente a deteve ).
“Permanecendo oculta sob a aparência de uma velha senhora gorda e delicada, extremamente
hospitaleira ( Vénus em Câncer ),e possuidora de um grande senso de humor. Ela tinha todas as
opiniões convencionais que uma pessoa era obrigada a ter, mas de repente sua personalidade
inconsciente fazia uma aparição. Essa personalidade era incrivelmente poderosa: uma figura grave e
imponente ( vista através de sua Lua em conjunção com Plutão; a esse último liga-se todo o
potencial do inconsciente ) dotada de incontestável autoridade – e sem meias palavras. Eu tinha

135- Este artigo foi apresentado em alemão no Clube Psicológico de Zurique em outubro de 1974. Tradução direta do
alemão por Fátima Gambini e Roberto Gambini
134
certeza que ela era constituída de duas personalidades, uma inócua e humana, a outra sinistra. Essa
outra só emergia de vez em quando, o que era sempre inesperado e assustador.
Horóscopo de C.G. Jung
Nascimento: 19h32, 26 de julho de 1875 em Kesswil Thurgau.
O inesperado e ssustador derivam da quadratura entre Urano e a Lua. Urano sempre traz o
inesperado, e portanto assusta. Mais adiante, voltarei a esse ponto em maior detalhe.
Os planetas femininos também indicam o que amamos. Com a Lua em Touro, meu pai era um
grande amante da natureza. Percebemos também Vénus em Câncer ( água ) em sua produção escrita e
em seu fascínio pelo lago Constança quando sua mãe para lá o levou na sua infância. “ Por essa época
fiquei com a ideia fixa de que devia viver perto de um lago; sem água, pensava, não se pode viver”. Ora,
Vénus, água rege a quarta casa ( porque Vénus rege Touro ), o que nos diz algo sobre sua casa e suas
propriedades. Consequentemente ele construiu suas duas casas à beira de um lago. O arquétipo
paterno é constituído pelo Sol, por Júpiter e Saturno. No mapa de Jung, o Sol não apresenta um
aspecto positivo, mas apenas uma quadratura de Netuno, o qual, no mínimo, é um elemento de
incerteza no relacionamento com o pai. Netuno torna as coisas irreais.
“Também por essa época, surgiram em mim profundas dúvidas sobre tudo o que meu pai dizia …
O que ele dizia parecia antiquado e vazio, como uma história contada por alguém que a conhece só por
ouvir dizer e não pode acreditar muito nela”. Isso porém não significa que os defeitos todos estavam no
pai. Outra criança na mesma família, com um bom Sol, teria ouvido e compreendido as coisas de outro
modo. Por exemplo, minha irmã e tivemos experiências completamente diversas de nossos pais, e em
parte ouvimos fatos opostos.
Na oitava casa, a casa da morte, está Júpiter, planeta paterno. Júpiter, como deus supremo do céu,
liga-se à religião. Se uma criança tem Júpiter na oitava casa, seu pai não consegue, nem com a melhor
das intenções acalmar suas necessidades religiosas. Essa posição de Júpiter inclui também a
possibilidade de que o pai não se desenvolvesse adequadamente e tivesse que morrer jovem. Os
planetas na oitava casa levam uma pessoa a voltar-se para o inconsciente e passar pela casa do “morrer
e tornar-se” para encontrar o arquétipo e trazê-lo à vida.
“Com meu pai era diferente. Eu teria gostado de colocar minhas dificuldades religiosas diante dele
e pedir-lhe a orientação, mas não o fiz porque me pareceu que eu sabia de antemão o que ele seria
obrigado a responder por respeito a seu cargo”.
“Por respeito a seu cargo”. Esta característica de seu pai, que corresponde a Saturno, deve ser
óbvia para o filho, visto que seu Saturno se localiza na primeira casa, a casa do ego. Devido ao
esplêndido Júpiter em trígono com Saturno, que conferia a Jung um senso de dever e segurança, ele
pôde escrever: “Eu admirava a honestidade de meu pai”, mas devido à quadratura entre Sol e Netuno,
que leva a desapontamentos, ele é forçado a acrescentar: “mas por outro lado ficava profundamente
desapontado e me dizia:’ Assim é que é; eles não sabem nada sobre o assunto e nem pensam sobre ele’”
A seguinte passagem também deve ser creditada a Júpiter na oitava casa:
“Mais tarde, aos dezoito anos, tive várias discussões com meu pai, sempre com a secreta
esperança de conseguir fazê-lo perceber o milagre da graça ( Júpiter ) e assim ajudá-lo a mitigar suas
dores de consciência. Eu estava convencido que se ele seguisse a vontade de Deus tudo evoluiria para
melhor. Mas nossas discussões invariavelmente terminavam de modo insatisfatório. Elas o irritavam e
entristeciam. “Oh, bobagem”, ele costumava dizer, “você sempre quer pensar: Não se deve pensar, mas
crer.” Eu pensava: “Não, deve-se experimentar e conhecer”, mas ele dizia: “creia-me”, e daí dava de
ombros e resignadamente se retirava”.
135
É assim que um filho com seu Sol em quadratura com Netuno não apenas se desilude com seu
pai mas, de fato, chega a iludi-lo escondendo seus pensamentos.
É também interessante notar que no relacionamento de Jung com Freud e sua obra o aspeto
religioso estava ausente. Devido à posição de Júpiter na casa da morte, esse aspeto aparecia. Eu, pelo
menos, sempre pensei que meu pai fosse um homem completamente sem religião e portanto não
ousava continuar a rezar como medo de desagrada-lo. No meu caso, Júpiter não está na casa da morte,
mas na da primeira, o que não é lá muito melhor. Foi só através de seus livros que percebi que meu pai
obviamente tinha sido religioso.
“Comecei a fazer amizades, principalmente com meninos tímidos de origem simples”. Como
Júpiter rege a casa da amizade, quando ele está na casa da morte tem-se poucos amigos, ou então
amigos retraídos. Na terceira casa, vemos as relações da vida cotidiana; Vénus, sua regente, está na
sexta casa, a casa do serviço, ligada aos inferiores. É por isso que os amigos de Jung eram modestas.
A passagem seguinte é significativa para Marte em Sagitário, na cúspide ( dentro de quatro
graus ) da décima segunda casa, a casa das prisões, dos segredos e da reclusão. Marte tem a ver com a
nossa atividade. Este aspeto ganha aqui uma coloração religiosa através de Sagitário, e algo de secreto
por estar na décima segunda casa. “Desse período ( sete a nove ) também me lembro que gostava de
brincar com fogo [ Marte igneo ]. Em nosso jardim havia um velho muro feito de grandes blocos de
pedra, cujos interstícios formavam grutas muito interessantes. Eu costumava acender um foguinho
numa dessas grutas: era um fogo que tinha que arder para sempre e que portanto devia ser
constantemente mantido por nossos esforços conjuntos, que consistiam em juntar a lenha necessária.
Só eu podia acender esse fogo. Os outros podiam acender fogo e outras grutas, mas esses eram
profanos e não me diziam respeito. Só o meu fogo era vivo e possuía uma inconfundível aura de
santidade.
Também na vida adulta meu pai adorava brincar com fogo. Podemos igualmente reconhecer seu
Marte na décima segunda casa em conexão com seu hábito de escrever em ambientes retirados e com a
paixão com que trabalhava. A atividade deve ter um sentido, por assim dizer, um sentido superior,
conforme indica Marte em Sagitário.
O segredo sobre o homúnculo esculpido e a pedra que escondeu no sótão também pertence ao
mesmo quadro, ou seja, Júpiter na casa da morte e a dissimulação de Marte na casa do isolamento.
O impulso original para escrever este artigo ocorreu enquanto eu tratava de decifrar a carta de
meu pai para o padre Victor White de 19 dezembro de 1947:
Lembra- se daquela antipática figura de sonho do seco jesuíta lógico ( Saturno )? Pouco tempo
depois de lhe escrever, simplesmente tive que escrever um novo ensaio, sobre o que eu nem sabia direito.
Ocorreu-me que devia discutir alguns aspectos mais atraentes sobre a anima, animus, a sombra
( temas pertencentes à sétima casa, o tu, o Du tanto dentro como fora de nós ), e principalmente o si
mesmo. Eu era contra a ideia, porque pretendia descansar a cabeça. Ultimamente eu vinha sofrendo de
uma severa insônia e queria ficar longe de todos os esforços mentais. Apesar de tudo isso, senti-me
forçado ( Saturno ) a escrever cegamente sem absolutamente perceber qual era o meu objetivo. Só
depois de ter escrito cerca de 25 páginas em papel duplo é que começou a ficar claro para mim que
Cristo - não o homem mas o ser divino – era meu alvo secreto. Isso foi um choque, pois não me sentia à
altura de tal tarefa. Um sonho me contou que meu pequeno barco de pesca havia afundado e que um
gigante ( que eu conhecia de um sonho trinta anos atrás ) me arranjou um barco novo e bonito, cerca
de duas vezes maior que o anterior. Daí fiquei sabendo – não tem jeito! Eu tinha que prosseguir.
Aqui vocês podem perceber sua obediência. Este é o sonho de trinta anos atrás:
136
Um grande transatlântico devia ser trazido para o cais por um pequeno cavalo. Tarefa dificilmente
realizável. Nesse momento apareceu um gigante, e sem maiores rodeios matou o pequeno cavalo e
puxou ele próprio o navio para o porto.
Nessa época meu pai escrevia os Tipos Psicológicos. De repente me ocorreu que o gigante que
apareceu depois de trinta anos devia ser Saturno. Saturno, o planeta do destino, tem uma rotação de
29 anos e meio através do Zodíaco. Sob sua influência devemos carregar fardos adicionais, e temos
sorte se conseguimos carregá-los como trabalho ao invés de ficarmos doentes. Saturno não só é um
planeta lento e letárgico, como também promove a civilização.
Na mitologia, Kronos devorador de crianças foi destronado por seu filho Zeus. Zeus-Júpiter não
quer que nos limitemos de modo saturnino, mas que evoluamos livremente conforme as leis de nossa
própria singularidade. Sob a regência de Júpiter, Saturno torna-se um pacífico deus agrícola e
promotor de cultura
No horóscopo de meu pai, Mercúrio e Vénus estão na casa do serviço. Bem perto, na sétima casa,
estão o Sol e Urano, assim como os planetóides femininos. Como a transição de Saturno ocorre a cada
29 anos e meio. Especialmente Mercúrio, o primeiro planeta afetado, teria sobrecarregado meu pai
com um pesado trabalho ou uma doença, sendo esse planeta o regente da casa do trabalho e da
doença. ( Gémeos ).
Perguntei-me o que aconteceu no plano astrológico em 1947, quando meu sentiu-se compelido a
escrever seu livro Aion. Na verdade ele fora iniciado em 1945, quando Sarturno em transição passou
sobre Mercúrio nativo e sobre Vénus. O efeito disso é indicado na carta de meu pai ao padre White, de
13 de fevereiro de 1946:
Há porém certas razões que podem escusar meu longo silêncio. Durante várias semanas senti-me
abatido devido a uma gripe na cabeça e nos intestinos e além disso fui preso pelas garras de um livro
que me come vivo se não o escrevo.
Isso mostra claramente a influência de Saturno: doença e trabalho, e até mesmo sua natureza
devoradora. Saturno, entretanto, torna-se um gigante prestativo se o fardo do trabalho não é recusado.
No início de julho de 1945, quando começou a pressão do trabalho, Urano em transição, o planeta
criativo, estava também em exato sextil com Urano, a 14 050’ em Gémeos. Saturno em transição estava
em exata conjunção com Mercúrio nativo em sextil com Plutão nativo, bem como em conjunção com
Palas. Até a carta de 19 de dezembro ao padre White, Saturno estava passando sobre o Sol, Mercúrio
nativo e Urano e todos os planetóides da sétima casa. A sétima casa é oposta à primeira, a casa do ego.
É “o outro” ( ou o “tu” ) dentro e fora. Não é de se estranhar que meu pai fosse obrigado a escrever
sobre a sombra, a anima e o animus. Significativamente, todos os quatro planetóides femininos –
Ceres, Palas, Juno e Vesta – ocupam a casa da companhia do meu pai e contribuíram para ele ter sido
constantemente cercado de mulheres.
O sonho do gigante trinta anos antes coincidiu com uma transição de Saturno sobre esses
planetas. Saturno em transição estava na conjunção com o Sol nativo em julho de 1917. Nessa época
meu pai trabalhava nos Tipos Psicológicos. Ao mesmo tempo, o criativo Urano estava sobre sobre
Saturno nativo e permitia ao ego ser particularmente produtivo. Naturalmente eu me perguntei o que
aconteceu na época da primeira transição de Saturno. Achei o seguinte:
Meu décimo segundo ano foi de fato fatal para mim ( tudo o que é fatal, é claro, nos lembra
Saturno ). Um dia no começo do verão de 1887 ( quando Saturno em transição estava exatamente sobre
Mercúrio, regente da casa da doença ) eu me encontrava na praça da catedral, esperando um colega
que ia para casa pelo mesmo caminho que eu. De repente outro me deu um empurrão (esse empurrão
repentino e inesperado veio de Urano, que no começo do verão de 1887 estava em quadratura e meia
137
com Saturno, um dos regentes do mapa ) que me derrubou. Caí, batendo a cabeça contra o meio fio
com tanta força que quase perdi a consciência. Fiquei um pouco tonto por meia hora. No momento em
que senti o golpe um pensamento irrompeu ( Urano ) pela minha cabeça: “Agora você não terá mais que
ir à escola”. Eu estava apenas semiconsciente, mas fiquei deitado ali um pouco mais do que o
estritamente necessário, principalmente para me vingar de meu agressor. Daí me pegaram e me
levaram para uma casa por perto, onde viviam duas velhas tias solteiras. A partir de então comecei a ter
acesso de desmaio toda vez que tinha que voltar à escola ou que meus pais me mandavam fazer lição.
Fiquei afastado da escola por mais de seis meses, o que era para mim um piquenique. Eu estava livre,
podia sonhar por horas, podia ficar onde quisesse, na floresta ou perto da água ou desenhar.
Mais adiante, ele escreve que se distanciou do mundo e que passava o tempo sonhando. Ele tinha
vagos pressentimentos de ausentar-se de si mesmo. Um médico pensou que eu tinha epilepsia. Eu
sabia como eram os ataques epilépticos e ri por dentro de tamanha bobagem. Meus pais ficaram mais
preocupados do que nunca. Por essa época, em 1887, não só Saturno passava por sua casa, como
Netuno, o planeta responsável por fingimento, histeria e sonhar acordado, configurou exata semi-
quadratura com Mercúrio nativo, regente da casa da doença, o que leva a doenças de fundo psíquico.
As casas do horóscopo natal podem ser movidas na proporção de quatro minutos para um ano;
isto é, para cada ano de vida, acrescentam-se quatro minutos ao tempo de nascimento. Em 1887,
Plutão em progressão coloca-se em semiquadratura com a cúspide da sexta casa, causando assim uma
torrente de incidentes. Simultaneamente ( conforme o método de “um dia por ano” para calcular
progressões ) ocorria uma quadratura progressiva entre Saturno e Plutão, exata até em segundos. Uma
quadratura entre Saturno e Plutão no mapa do nascimento indica uma tendência inata de que o
inconsciente irrompe através dos limites conscientes. Ao mesmo tempo, Plutão em transição ( a 3 0 em
Gémeos ) formava um exato sextil com o Sol a 30 em Leão, de modo que a consciência era capaz de
integrar a invasão do inconsciente. Apesar disso, tinha que haver um toque diabólico. Um belo dia de
verão naquele mesmo ano, escreveu meu pai, sai da escola ao meio dia e fui para a praça da catedral.
Segue-se então a história sobre como ele foi assediado por um pensamento impertinente
( Plutão ), que ele só ousou pensar depois de intensa altercação com Deus.
Reuni toda a minha coragem, como se eu fosse saltar no fogo do inferno ( Plutão ), e deixei vir o
pensamento. Vi diante de mim a catedral e o céu azul. Deus está sentado em seu trono de ouro, acima
do mundo – e debaixo do trono um enorme excremento cai sobre o telhado novo e brilhante,
despedaçando-o e derrubando as paredes da catedral.
Isso era efeito de Plutão em semiquadratura com Vénus nativo, regente da terceira casa, pela qual
lemos as atitudes conscientes. Ele também relata a ansiedade de seus pais:
Um dia amigo veio visitar meu pai. Estavam os dois sentados no jardim e me escondi atrás de um
arbusto, possuído que estava por insaciável curiosidade. Ouvi o visitante dizer a meu pai: “E como está
seu filho”? Ah, isso é um assunto triste, meu pai respondeu. “Os doutores já não sabem mais o que há
de errado com ele. Acham que pode ser epilepsia. Seria horrível se fosse incurável. Perdi o pouco que
tinha, e o que será do menino se ele não puder ganhar sua própria vida?”
Fiquei fulminado. Esta era a colisão com a realidade. “Bem, então preciso trabalhar!” - pensei de
repente.
A partir daquele momento tornei-me uma criança séria.
“Estavam os dois sentados no jardim”…
Deve ter sido portanto no começo do outono, quando ainda se pode sentar fora. A neurose que
principiara no começo do verão já vinha durando alguns meses. Em setembro de 1887, Saturno, o
planeta da realidade, colocou-se sobre o Sol de meu pai. Era essa a “colisão com a realidade”.
138
A experiência seguinte vincula-se a mesmo movimento:
Tive outra importante experiência por essa época. Eu ia tomar a longa estrada da escola de Klein-
Hunigen, onde morávamos – até Basiléia, quando de repente tive por um momento a impressão de ter
acabado de sair de uma densa nuvem. Percebi de repente: agora sou eu mesmo! Era como se um muro
de névoa ficasse às minhas costas, e atrás dele não houvesse ainda um “eu”. Mas nesse momento cai em
mim. Antes eu também tinha existido, mas tudo tinha apenas acontecido para mim. Agora eu sabia: eu
sou eu agora, agora eu existo.
Bem tudo isso só para a primeira passagem de Saturno sobre o Sol nativo.
Urano tem um ciclo de 84 anos. Pela minha experiência, Urano constela principalmente o
inconsciente e pode forçar uma atitude consciente completamente nova, em especial durante um
trânsito sobre o ascendente ou o Sol. Em geral isso é acompanhado por acontecimentos dramáticos ou
absurdos e por sincronicidade, Em ocasiões assim as pessoas podem ficar completamente
desencontradas e procurar orientação astrológica, esperando assim acertar seu desarranjo. Os gregos
veneravam em Urano essa força da natureza que aparentemente cria a partir do nada. Ele é o primeiro
criador e inventor do raio. Evidentemente, de acordo com a teoria da “grande explosão”, ele existe
desde o princípio, quando se supõe que nosso mundo surgiu como um grande relâmpago. De um
ponto de vista psicológico, ele corresponde à intuição. Personificado nos contos de fada aparece como
o leal João, na Bíblia como João Batista, como o discípulo João e como o João apocalíptico.
Como ilustração, gostaria de mencionar um sonho que tive quando Urano estava em meu
ascendente: eu estava sentada numa igreja onde em certos períodos, entrava em ação. O milagre
começou com um terrível choque – um raio saiu do quadro e o apóstolo João pulou para fora. Tinha-se
que depositar em suas mãos tudo o que se carregava e fazer uma ronda solene pela igreja atrás do
quadro.
João Batista aparece no Evangelho onde está escrito: “E a luz brilhou na escuridão e a escuridão
não a compreende. Veio um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Ele veio para dar
testemunho da luz”.
É assim que Urano funciona. Por isso devemos levá-lo – nossa intuição – a sério, pois ee pode
colocar-nos em conexão com o si-mesmo. Não levar Urano a sério pode fazer com que ele nos
atormente com coisas como febre alérgicas e outros tipos de alergia.
Saturno e Urano são os regentes de Aquário, signo ascendente de meu pai. Assim seu horóscopo
tem dois regentes. Saturno está na primeira casa onde se forma o ego consciente. Urano está no lado
oposto do mapa, na sétima casa, a da companhia. O efeito desses dois planetas era evidente para meu
pai:
A ação e interação entre as personalidades número um e número dois ( Saturno e Urano ), que
acompanhou toda a minha vida, não tem nada a ver com uma “divisão” ou dissociação no sentido
médico corrente. Pelo contrário, ele se efetua em cada indivíduo ( mais ou menos, gostaria de
acrescentar ). Na minha vida, a número dois ( Urano, o João interior ) teve primordial importância e
sempre procurei fazer lugar para tudo o que quisesse vir a mim lá de dentro.. Ele é uma figura típica,
mais só é percebido por muitos poucos. A compreensão consciente da maioria das pessoas não gasta
para perceber que ele também é o que elas são. Isso é porque Urano corresponde mais ao inconsciente.
Na nascimento de meu pai, Saturno regredia a 240 em Aquário e Urano estava exato a 14050’ em Leão.
Avançando conforme a regra de um dia igual a um ano, ambos os regentes do horóscopo se
aproximavam de uma exata oposição. No momento em que esta ficou exata, meu pai morreu.
Provavelmente o corpo envelhecido não podia suportar tal tensão interna.
139
O sonho de 18-19 de dezembro de 1947, relatado por meu pai ao padre White em sua carta de 19
de dezembro, esclarece também a natureza de Urano:
Ontem à noite sonhei com pelo menos três padres católicos bastante cordiais, sendo que um deles
possuía uma notável biblioteca. Durante todo o tempo eu estava sob uma espécie de ordem militar e
tinha que dormir no quartel. Havia poucas camas, de modo que dois homens deviam dividir a mesma
cama. Meu companheiro (meu pai chamava-o “senex venerabilis” numa carta ao padre White de 30 de
janeiro de 1948 ) já tinha ido se deitar. A cama era muito limpa, alva e fresca e ele era um velho de
aparência muito venerável com cabelos brancos e uma longa barba branca e ondulante. Graciosamente
ele me ofereceu metade da cama e acordei justamente quando entrava nela.
Na minha experiência Urano aparece repetidamente como o velho sábio venerável de barba
branca. No dia desse sonho, Urano estava a 240 em Gémeos e completava um grande trigono de ar com
Saturno nativo e Júpiter. Pode-se dizer que a personalidade número um fez uma visita harmoniosa à
número dois. O trigono simultâneo de Urano em transição com Júpiter nativo enfatiza o significado
religioso. Num nível subjetivo, percebe-se como a relação com o padre White deve ter sido bastante
estimulante para o pensamento religioso de meu pai.
Além disso, Plutão em transição, que faz a conexão com o inconsciente coletivo, ficava ao lado de
Urano nativo. Consequentemente, deve ter sido estabelecida uma conexão entre a personalidade
número dois e o inconsciente coletivo.
Prosseguindo com os efeitos de Urano, lemos: Durante as férias de verão, entretanto, algo
aconteceu que se destinava a me influenciar profundamente.
Segue-se o dramático relato da mesa que detonava e da faca que explodia. Durante essas férias de
verão de 1898, até aproximadamente 10 de setembro, Urano em transição colocava-se exatamente no
MC136 de meu pai, a 290 em Escorpião. A transição de Urano sobre o Zênite geralmente é seguida de
uma repentina e inesperada mudança na atividade profissional. Como resultado desses
acontecimentos meu pai decidiu interessar-se pela psiquiatria. A conexão entre esses incidentes de
Urano e um tremendo efeito explosivo pode ser explicado pelo fato de que Plutão em transição estava a
14050’ em Gémeos e portanto em exato sextil com Urano nativo, a personalidade número dois. É claro
que o fato de que meu pai devesse buscar a psiquiatria foi de tremenda importância.
Gostaria agora de apresentar alguns detalhes sobre Plutão, que também desempenha um papel
importante no horóscopo de meu pai. Normalmente os astrólogos dizem muito pouco sobre Plutão:
por exemplo que ele significa transformação e tem a ver com acontecimentos sub e sobre humanos. Ele
foi descoberto ( 1930 ) numa época em que o nazismo estava em ascensão, e a descoberta da bomba
atómica liga-se a ele. Com efeito, a bomba atómica contém plutônio, elemento que pode transformar
matéria em energia. Plutão possui enorme força; em sua forma negativa também representa forças
destrutivas. Em nosso caso da mesa e da faca que explodiam essa força teve em última instância um
efeito positivo, devido ao sextil em relação a Urano. Isso permitia a meu pai aceitar a alusão que lhe foi
feita e decidir-se por sua verdadeira ocupação.
No mapa do meu pai encontramos Plutão na terceira casa, chamada “Fraters” ( três ou quatro
irmãos seus morreram logo após o nascimento ) A terceira casa tem a ver com nossas atitudes
conscientes, nossa mentalidade inata, nossos talentos e poder criativo. Assim ele nasceu com forte
poder espiritual e criativo. Além disso, Plutão está em Touro, que como signo da Terra significa criação
a partir da matéria. Meu pai sonhou uma vez que Plutão era um escultor ( estatisticamente, Touro
liga-se ao mapa dos escultores ) e que de fato ele era o diabo. Era fascinante observar como meu pai
por assim dizer moldava seus pensamentos em matéria, esculpindo pedra ou madeira, construindo
torres, ou canalizando córregos.
136- Ver MC no mapa na posição de Zênite. A autora apenas usa a abreviatura. ( N.T. )
140
Na mitologia Plutão representa Hades, que raptou Perséfone e a desejou junto a si durante um
terço do ano. Segundo Kerényi, o indiscritível mistério em Eleusis consistia de um nascimento do
submundo, o nascimento de Dionísio. Heráclito já dizia no século quinto A.C.: “Esta procissão teria
sido um ato imprudente se não tivesse sido em honra de Dionísio e a canção do falo entoada em seu
louvor. Entretanto Hades e Dionísio, para quem estas festas são celebradas, são um e o mesmo”.
Na natureza é Demeter, a deusa do trigo, quem produz o grão. Perséfone corresponde a semente
absorvida pela terra. É aí que tem lugar uma transformação em nova vida e crescimento. Essa
ocorrência acha-se diretamente relacionada a Plutão. Sem querer, “João 12.24” vem à mente: “Se o grão
de trigo não for lançado à terra e morrer, ele continuará a ser apenas um grão. Mas se morrer, dará
muito trigo.”. esta frase nos lembra também o “morrer e tornar-se” de Goethe, a introversão e a descida
temporária às próprias profundezas para que a vida possa se renovar. Se não o fizermos, Plutão vinga-
se de modo horrível, degradando-nos à masmorra da mais negra depressão ou, concretamente
fulminando-nos para o submundo com uma arma, a bomba atómica.
Existe ainda o paralelismo – Plutão, Dionísio, Cristo – porque também Cristo era um
transformador. Assim como Dionísios em sua metamorfose da videira podia transformar água em
vinho, nas bodas de Canaã, Cristo efetuou transformação idêntica.
Talvez seja um tanto ousado afirmar que Plutão corresponde pelo menos a alguns aspetos de
Cristo. Examinemos de novo a carta de 19 de dezembro de 1947 para Victor White:
Ultimamente eu vinha sofrendo de uma severa insónia e queria ficar longe de todos os esforços
mentais. Apesar de tudo isso, senti-me forçado ( isto nos lembra a transição de Saturno sobre o Sol ) a
escrever cegamente, sem absolutamente perceber qual era o meu objetivo. Só depois de ter escrito cerca
de 25 páginas em papel duplo é que começou a ficar claro para mim que Cristo – não o homem mas o
ser divino – era meu alvo secreto.
Nessa ocasião Plutão em transição – movendo-se apenas cerca de um grau por ano – colocou-se
exatamente sobre Urano nativo, a personalidade número dois de meu pai. Esta conjunção foi exata até
os minutos no fim de outubro de 1947, e novamente, devido à retrogressão, a 9 de dezembro e por isso
mesmo, outra vez no meio de agosto de 1948. O livro “Aion” apareceu em 1951, quando
incidentalmente Urano em progressão chegou a 190 em Leão.
Voltando à autobiografia de meu pai, lemos: A primeiro de dezembro de 1900 assumi meu cargo
de assistente no hospital mental de Burghölzli, em Zurique. Neste dia Mercúrio, o regente da casa do
trabalho, chegou ao MC, isto é, à cúspide da casa da profissão. Quando em 1903-1904 o Sol em
progressão moveu-se de Leão para Virgem ( regida por Mercúrio ), meu pai iniciou seu trabalho
propriamente científico, os experimentos com associações. Ele relata:
Em 1900 eu já havia lido a “Interpretação dos Sonhos” de Freud. Na ocasião deixei o livro de lado,
porque não podia ainda compreendê-lo. Aos 25 anos, faltava-me experiência para poder apreciar as
teorias de Freud; Essa experiência só veio mais tarde. Em 1903 retomei a “Interpretação dos Sonhos” e
descobri como tudo se ligava às minhas próprias ideias.
Em 1900, Urano em transição ( com um ciclo de 84 anos ) chegou à cúspide da décima primeira
casa, a casa da amizade. Além disso, no outono de 1903, Urano em transição formava um sextil exato
com Saturno nativo, um dos regentes do horóscopo e com Júpiter nativo, o qual, como regente de
Sagitário, governa a décima primeira casa.
Em 1906, na época da correspondência inicial entre Freud e Jung, Júpiter em transição, o planeta
auspicioso, formava um trígono exato com Saturno nativo e Júpiter, o que teria favorecido a
transferência de uma imagem paterna positiva. Como sabemos, esta não durou. O ano de 1909, escreve
Jung, foi decisivo para o nosso relacionamento. Em 1909 Saturno em transição formou um mau ângulo
141
com Vênus nativo, fazendo surgir diferenças de opinião. Além disso, o ascendente em progressão
acabava de alcançar 00 em Áries e o MC em progressão estava a 00 em Capricórnio. O resultado é que
meu pai não podia mais ficar subordinado, devendo tornar-se independente. Numa carta enviada a
Jung em 16 de abril de 1909, Freud formula a situação do seguinte modo:
É incrível que na mesma noite em que formalmente te adotei como filho mais filho, sagrando-te
meu sucessor e príncipe herdeiro – “in partibus infidelium” 137 - que nesse momento me destituísses da
dignidade paterna …
Ainda outro acontecimento astrológico teve lugar em 1909. Plutão em transição chegou a 24 0 em
Gémeos, portanto com bom aspecto em relação a Saturno nativo, portador do ego. Isso significa uma
época em que o ego pode estabelecer relações positivas com o inconsciente coletivo. É claro que nem
todos reagiriam positivamente a este aspeto. Mas meu pai, através do seu Plutão em conjunção com a
Lua, tinha por assim dizer uma porta aberta ao inconsciente coletivo. Ele escreve:
Freud foi capaz de interpretar os sonhos incompletos que eu tinha – quando tinha – nessa época.
Eram sonhos com conteúdos coletivos, contendo muito material simbólico.. Um em especial era
importante para mim, pois ele me conduziu pela primeira vez ao conceito de “inconsciente coletivo”.
O sonho:
Eu estava numa casa desconhecida, que tinha dois andares. Era a “minha casa”. Achava-me no
andar superior, onde havia uma espécie de salão mobiliado com belas peças antigas em estilo rococó.
Nas paredes havia preciosas pinturas antigas. Imaginei que essa devia ser a minha casa e pensei: “Nada
mau”. Mas daí me lembrei que não sabia como era o andar inferior. Descendo as escadas, cheguei ao
térreo. Aí tudo era muito mais antigo e percebi que essa parte da casa devia ser do século XV ou XVI. A
mobília era medieval, o chão era de ladrilhos vermelhos. O ambiente todo estava um tanto escuro. Eu
andava de um cómodo para outro, pensando: “Agora devo realmente explorar a casa toda.” Cheguei
diante de uma pesada porta, que abri. Do outro lado, descobri uma escada de pedra que descia até a
adega. Descendo mais encontrei-me num belo cómodo abobadado que parecia extremamente antigo.
Ele reconheceu que os muros datavam de tempos romanos. Entretanto desceu ainda mais e
descobriu dois crânios muito antigos e decompostos. Daí ele acordou.
Aqui vocês veem como Plutão se liga a todo potencial coletivo do inconsciente. A separação de
Freud ocorreu em 1912, quando Saturno em transição movia-se pela terceira casa ( sobre a Lua em
conjunção com Plutão ), que é uma casa de relacionamento levando ao rompimento. Com as
transições de Urano, novos conteúdos forçam seu acesso à consciência sem ter ainda sido
completamente compreendidos. De modo que a consciência deve crescer, e esse processo em geral é
acompanhado por sincronicidades e por todo tipo de incidentes absurdos, tanto no mundo interior
quanto exterior. Quando Urano passa sobre nosso ascendente sentimo-nos extremamente inseguros e
parece que todos os nossos conceitos anteriores perdem a validez. As coisas não conferem mais.
Muitos chegam a temer um colapso.
Com respeito a essa transição meu pai escreveu:
Após o rompimento de laços com Freud, começou para mim um período de incertezas internas.
Não seria exagero chamá-lo um período de desorientação. Sentia-me completamente suspenso no ar,
pois ainda não tinha encontrado meu próprio chão … Então, perto do Natal de 1912, tive um sonho.
Foi no fim de dezembro de 1912 que Urano colocou-se exatamente sobre o ascendente de meu
pai. No sonho ele estava numa magnífica “loggia” italiana quando de repente um lindo pássaro branco,
pomba ou gaivota, pousou e falou pausadamente com voz humana: “Só posso me transformar num ser

137- De um reino ocupado. Freud provavelmente se referia ao clima de repúdio que até então envolvia a reflexão e a
prática psicanalítica. ( N. T. )
142
humano nas primeiras horas da noite, enquanto o pombo se ocupa dos doze mortos”. Jung nota: Tudo
que eu sabia com certeza é que o sonho indicava uma ativação do inconsciente fora do comum.
Neste caso Urano serviu-se de um pássaro para anunciar-se. Esse incidente, tão típico de Urano,
é incompreensível para o nosso atual estágio de consciência.
Estando em regressão, Urano permaneceu próximo ao ascendente durante todo o ano de 1913.
Para auxiliar-se durante esse tempo de angústias, meu pai recorreu à imaginação ativa. Isso é
provavelmente o que de melhor há a fazer durante uma transição de Urano. Ao aproximar-se o outono
de 1913 a pressão que eu tinha achado estar em mim parecia estar saindo, como se houvesse algo no ar.
Realmente a atmosfera me parecia mais escura do que antes.
Durante outubro de 1913, Plutão em transição estava em exata meia quadratura com a Lua, o que
pode possibilitar uma invasão do inconsciente. Plutão corresponde ao coletivo, seja no mundo como
em nós. A seguinte visão de meu pai tipifica uma dessas transições de Plutão ( Durante 1917, Plutão
continuou indo para frente e para trás neste aspeto ). A visão é a seguinte:
Vi uma enchente monstruosa que cobria as terras baixas setentrionais entre o mar do Norte e os
Alpes. Quando chegou à Suíça percebi que as montanhas se elevavam cada vez mais alto para proteger
nosso país. Compreendi que estava acontecendo uma terrível catástrofe. Vi as possantes ondas uns
detêm-se felizes, neste nível, outros continuam insatisfeitos. Pressentem que não estão vivendo seu
especifico plano de vida. É neste ponto que a análise junguiana traz sua contribuição maior e mais
original. “Nada será mais útil e necessário do que ser um homem normal. Mas, na própria noção de
“homem normal”, como no conceito de adaptação está implícita a restrição a uma média que só se
apresenta desejável àquele que tem dificuldades em lidar com as exigências cotidianas, ao homem, por
exemplo, que por neurose é incapaz de uma existência normal. Ser “normal” é a meta ideal dos
fracassados, de todos que se acham ainda abaixo do nível geral de adaptação. Mas para as pessoas
cujas possibilidades vão além da média, para aqueles que nunca encontram dificuldades em obter
sucesso e cumprir sua parte nas tarefas do mundo, a compulsão moral a ser unicamente normal
representa o suplicio do leito de Procusto, um tédio insuportável, um inferno estéril e sem esperança.
Consequentemente, existem tantos neuróticos que estão doentes por terem sido apenas normais,
quantos neuróticos que ficaram doentes por não terem atingido a normalidade”.
Num de seus últimos livros, Presente e futuro, Jung denuncia com veemência a ação do estado,
da educação de tipo coletivo ou de credos religiosos que se exerçam estrangulando o indivíduo. Na
perspectiva em que ele vê o futuro da humanidade tudo dependerá do número de seres humanos que
completem sua individuação, isto é, que consigam desenvolver plenamente suas potencialidades
peculiares.
Em 1922 meu pai comprou o terreno Bollingen, justamente quando Saturno em transição
conformou um exato sextil com a cúspide da quarta casa. A quarta casa diz algo sobre a propriedade.
Se alguém adquirir imóveis sob um aspeto favorável de Saturno, as propriedades perdurarão.
Entretanto, a quarta casa também tem a ver com os ancestrais, e o desejo de meu pai era que Bollingen
permanecesse na família, para que os espíritos ancestrais tivessem residência. Durante as férias de
verão de 1923, enquanto trabalhávamos na construção da terra, Júpiter em transição, portador de boa
fortuna, estava em harmonia com Vénus, regente da quarta casa – porque Touro, regido por Vénus, fica
na cúspide dessa casa – e no outono de 1923, Saturno em trânsito constituiu trígono com Júpiter nativo
e Saturno.
Mencionei que Urano sempre provoca incidentes inesperados e extraordinários. A respeito
lemos:
143
Quando começamos a construir em Bollingen em 1923, minha filha mais velha veio ver o lugar e
disse: “O quê! Você está construindo aqui? Há cadáveres por perto!”. Naturalmente, eu pensei: “Ridículo,
não há nada disso!” Mas quando construíamos o anexo quatro anos depois, demos de fato com um
esqueleto ( 22/8/1927 ), a uma profundidade de 7 pés. Um velho projétil de rifle estava encravado no
cotovelo. A partir de várias indicações, parecia evidente que o corpo havia sido atirado na sepultura em
adiantado estado de decomposição. Pertencera a um dos vários soldados franceses que se afogaram no
Linth em 1799 e foram arrastados pela água às margens do lago superior. Esses homens se afogaram
quando os austríacos explodiram a ponte de Grynau, que estava sendo atacada pelos franceses.
A 22 de agosto de 1927, Urano em transição estava em sextil exato até os minutos com o
ascendente de meu pai, na verdade o signo marcial de Áries. Devido a isso é realmente muito provável
que o esqueleto tenha sido de um soldado. Além disso, esse Urano em Áries fez com que meu pai
propiciasse ao soldado um funeral militar, dando três tiros sobre a sepultura.
Todos os meus escritos, escreveu meu pai, podem ser considerados trabalhos impostos de dentro;
sua fonte era uma compulsão fatal. O que escrevi foram coisas que me assaltavam de dentro de mim
mesmo.
Não me surpreende, portanto que especialmente Saturno e Urano tenham auxiliado suas
criações literárias. Os seguintes138 são apenas alguns exemplos de sua influência: 1938- 1940:
Psicologia e Religião; Saturno em transição em trígono com Marte nativo, que se situa no signo
religioso de Sagitário e rege a nona casa, a casa da religião.
1942: Paracelsica: Urano em transição em trígono com o ascendente nativo.
1944: Psicologia e Alquimia: Saturno em transição em trígono com Saturno e Júpiter nativos e
em oposição a Marte nativo; Urano em transição em sextil com o Sol nativo.
1946: Psicologia Analítica e Educação, Ensaios Sobre Acontecimentos Contemporâneos, A
Psicologia da Transferência: Saturno em transição em conjunção com Mercúrio nativo e Vénus;
Júpiter em transição em conjunção com Júpiter nativo; Urano em transição em sextil com Urano
nativo.
1948: Symbolik des Geistes: Urano em transição em trígono com Saturno nativo e Júpiter.
1955-1956: Mysterium Coniunctionis: Urano em transição na casa da companhia; Saturno em
transição em quadratura com Saturno nativo. A progressão revela: Saturno em progressão em trígono
com Urano e Saturno em progressão; Marte em progressão em trígono com Plutão em progressão;
Vénus em progressão em conjunção com Júpiter nativo e em trígono com Saturno nativo.
( Infelizmente o ano de 1955 trouxe também a repentina morte de minha mãe quando Urano chegou à
cúspide da casa do matrimónio, enquanto Saturno em transição estava em quadratura com Saturno
nativo. Plutão, o príncipe da morte, na época da operação da minha mãe fazia quadratura com o
Saturno nativo de meu pai, e no momento de sua morte colocava-se sobre sua Lua. )
1957: Aion ( publicação ): Saturno em transição em Libra, em conjunção com Júpiter nativo.
“Por que”, indaguei a mim mesma, a Resposta a Jó teve que ser escrita com tanta veemência?”
Os incidentes ocorrem quando dois planetas em progressão configuram aspetos exatos. Isso raramente
acontece, porque os planetas de movimento lento não mudam muito sua posição original. Quando
Jung tinha 77 anos ( 1952 ), a quadratura formada por Vénus em progressão e Marte era exata, e sua
Lua em progressão estava oposta a Urano em progressão. De modo que os dois planetas femininos
( anima ) estavam negativamente constelados, irritados, e tinham que explodir. Além disso,
ascendente em progressão formava uma quadratura e meia com Júpiter nativo; isto é, o ego estava em
conflito com o imperativo religioso.

138- Nenhuma dessas obras foi até o momento traduzida no Brasil ( N.T. )
144
A 26 de janeiro de 1944 meu pai quebrou a perna e logo depois sofreu um colapso. Por esses dias,
Júpiter em transição estava em exata oposição a Saturno nativo. A cúspide da casa da doença em
progressão estava em quadratura com Marte e o ascendente em progressão tinha chegado a 0 0 em
Gémeos para provocar uma mudança interna. Gémeos é regido por Mercúrio, que tem a ver com a
atividade literária. Depois de sua enfermidade meu pai escreveu virtualmente sem parar. Novamente
vemos como ele foi fiel a seu horóscopo.
Pouco antes de sua morte, falávamos sobre horóscopos e meu pai notou: O engraçado é que essa
coisa danada funciona até mesmo depois da morte. E de fato, logo após sua morte, seu MC em
progressão fez um trígono exato com Júpiter nativo. Num momento como esse pode-se ficar famoso.
Seu livro Memórias, Sonhos, Reflexões, então recém publicado, tornou-se um “best seller”. Que
pena isso não ter acontecido durante sua vida – ele não teria então reclamado que ninguém lia seus
livros.
Recentemente, veio me procurar um senhor tão atribulado que mal podia expressar quão
fortemente sentia a presença de meu pai. Ele temia que eu não compreendesse o que dizia. Seu
ascendente é Netuno a 30 e meio em Câncer, o planeta dos médiuns e visionários. Meus cálculos
indicavam que o ascendente de meu pai em progressão tinha chegado exatamente a 3 0 e meio em
Câncer. Somente então percebi que esse é também o grau de meu ascendente. Será que foi por isso que
me sentia movida a ocupar-me do horóscopo de meu pai?
Para resumir, pode-se dizer que meu pai foi especialmente influenciado a cria trabalhos de peso
durante as transições de Saturno e Urano. O que não é visível em seu mapa de nascimento é que ele
tenha sido alguém que absolutamente tivesse que cumprir sua missão, pois o mapa nada nos diz sobre
o que trazemos conosco ao mundo em nossos gens, nem indica a qualidade da alma que recebe sua
marca no momento do primeiro alento.
- 15 -
1975
Iemanjá e o complexo mãe do brasileiro
Herbert Underste
Do filosófo Max Scheler é a palavra que o homem precisa de um modelo sobre que pode pautar na
vida. Cada homem e cada povo tem sua imagem guia. Estas podem ser pessoas vivas, pessoas
importantes da História, figuras da literatura, heróis e heroínas de romances e filmes.
É interessante observar que o impacto que estas figuras causam na vida da pessoas não depende
de seu grau de concrescibilidade. Às vezes, quanto mais abstrato o modelo, tanto mais incisivo o
impacto.
O que se provou experimentalmente a este respeito, encontramos confirmado também pelo relato
de muitas pessoas para as quais a figura de um romance ou um personagem da história tiveram mais
influência na sua vida do que as pessoas vivas de seu meio ambiente.
Quem de nós não se lembra do toque profundo que nos causou um conto de fadas quando ainda
eramos crianças? E quem não sonha de vez em quando com a utópica possibilidade de ser uma princesa
ou um príncipe? Não prova o imenso êxito do “Pequeno Príncipe” de Saint Exupery que gostamos de
projetar nossos sonhos, nossas aspirações, que gostamos de nos identificar?
Como se explicaria a arte e a possibilidade de sermos tocados profundamente por ela, senão pela
hipótese que exista um fundo comum na psique humana, o que C.G.Jung chamou de arquétipo?
I- O arquétipo da Mulher: Iemanjá
145
Iemanjá é uma presença viva na vida brasileira. Ela está presente na literatura. Zora A.O.Seljan 139
colecionou suas lendas em precioso livro. Jorge Amado enamorou-se dela e dedicou-lhe um lindíssimo
capítulo no seu romance “Mar Morto”.
Iemanjá está presente não menos na pintura como mãe dos peixes, como sereia do mar. E nos
candomblés, na umbanda, na dança exática de um povo crente. Iemanjá desce como potente orixá
sobre os seus filhos e filhas, vindo da África, da terra dos deuses.
No fundo mar cavalga Iemanjá abraçando amorosamente em bodas letais o marinheiro e o
pescador que se afundaram. Na história “A Vida e o Vento do Mar” lemos: “Iemanjá, a deusa das águas,
é mulher de rara beleza e como tal, caprichosa e de apetites extravagantes”.
“Uma vez por mês, a deusa tem que ser possuída por um homem, desses que habitam aqui na
terra. No tempo determinado ela sai do fundo das águas e em visitas noturnas e invisíveis faz a sua
escolha. O infeliz ( ou ditoso ) mortal por ela escolhido, tem que estar no lugar determinado para as
bodas que são sempre no fundo das águas. As vezes o transporte escolhido é uma frágil canoa de
pescador, outras, um navio encouraçado ou ainda um avião em que o eleito tem que viajar e afundar
nas águas onde os braços roliços da deusa e o seu corpo nu, o esperam para o abraço voluptoso da
posse, cujo final é a morte, logo que ela, saciada, se desprede dele.” 140

1)- Iemanjá: a Grande Mãe


Iemanjá é a mãe da vida e da morte, é a dona Janaína como a chamam, a Calunguinha, a estrela
do mar.
Calunga é sinônimo de morte e mar no idioma bantu. Como doadora de peixes, Iemanjá é a mãe
da vida; como mar furioso e perigoso é a mãe da morte.
É o aspecto duplo do arquétipo da “Grande Mãe” dos mitos como o descreveu Erich Neumann na
sua obra já clássica Die Grosse Mutter ( Zurich 1956 ). No Oriente são as figuras de Kybele e Astarte,
no mundo grego é Afrodite e entre os astecas Coatlicue.
Iemanjá presente como orixá nos centros do camdoblé e umbanda está presente também de forma
discreta na Igreja católica: na veneração de Nossa Senhora com que se mistura em sincretismo
inextrincável.
Tanto a Madona como Iemanjá são chmadas estrelas do mar. A sereia morena igual à Ísis dos
egípcios tem sua cor de terra em comum com as diversas manifestações de Nossa Senhora Aparecida,
em Guadelupe no México, em Montserrat na Espanha, em Einsiedeln na Suíça, em Czenstochowa na
Polônia e em muitos outros lugares.
2)- Iemanjá: figura de anima
Iemanjá é a mãe de outra deusa: Oxun. Oxun, orixá africano, conhecida, geralmente, somente nos
círculos iniciados, é a deusa do amor voluptuoso. Iemanjá, conhecida em plano nacional, assimilou os
aspetos incorporados pela filha. Tornou-se deste feita sereia voluptosa e sedutora
Iemanjá, ou dona Janaína dos muitos amores, no mito africano já seduzia seu filho Orungan. Em
outro mito tem um filho de seu amante Orumilha, senhor de todos os exus, embora seja esposa de
Oxalá. Ela seduz o rei de Congo, o rei de Loanda, o sultão das selvas, o pobre pescador e o jovem
lunático.
A sereia manifesta o aspecto de “anima”. Emma Jung aponta para o fato que justamente as sereias
são as configurações prediletas da “anima” do homem. A “anima” é a parte inconsciente da totalidade

139- Iemanjá e suas lendas: Gráfica Record, 1967. Prefácio de Jorge Amado.
140- ibidem – pag. 155
146
feminina da psique do homem, como o “animus” é a parte inconsciente de tonalidade masculina no
psiquismo da mulher.
A mulher profundamente marcada pelo erótico gosta de estabelecer quanto possível uma relação
pessoal para com os homens. Da mesma maneira a sereia, figura de “anima” está sempre envolvida
numa relação amorosa para com um homem.
No entanto, a sereia só pela metade é um ser humano, a outra parte pertence ao reino animal, ao
elemento aquático, pois em lugar das pernas ela tem um rabo de peixe.
Psicologicamente significa que o conteúdo psíquico representado pela sereia chega apenas às
margens do consciente, fragilmente coordenado com o “eu consciente”, prestes a desaparecer de novo
no seio imenso do inconsciente.
A “anima” serve de ponte de ligação com a fonte de vida que se situa no fundo do inconsciente. Se
esta ligação não existir ou se for interrompida, estagnará a vida psíquica, muitas vezes um motivo para
consultar o psicoterapeuta.
A sereia é desalmada. Disso resulta sua periculosidade. Não se pode medi-la com as
características de bem e mal. Ela é boa e má ao mesmo tempo. É simplesmente a natureza: bondosa,
amorosa, sedutora e ao mesmo tempo de crueldade mortal.
No fundo da sereia Iemanjá vislumbramos a grande mãe Iemanjá, a “Deusa Natureza”. Este fundo
arquetípico explica seu poder irresistível.

3 ) A duplicidade de Iemanjá.
Já diversas vezes falamos da duplicidade fundamental da figura de Iemanjá. A polaridade é uma
característica essencial do arquétipo, igual às palavras arcaicas. A diferenciação em categorias opostas,
como por exemplo bem e mal, é posterior.
Erich Neumann tentou esquematizar os aspectos polares da “Grande Mãe”. De um lado temos os
aspetos positivos da mãe: a mãe como doadora de vida, como protetora, como refúgio; no seu aspecto
de “anima” ela é inspiradora e cultivadora do homem. Os aspetos negativos: a mãe engolidora, a bruxa
velha: a jovem bruxa, encantadora do homem, tornando-o louco.
Ambos os lados encontramos em Iemanjá. Mas o que prevalece?
O arquétipo da grande mãe é universal. Encontramo-lo incorporado em figuras de mitos e contos
espalhados por toda a terra. A mãe se relaciona com o filho. Esta relação mãe – filho é tema de
muitíssimos mitos e contos de fada. Em muitos destes a relação é representada por uma luta do filho,
do herói, que procura emancipar-se da mãe, vencendo-a no seu aspecto envolvente e destruidor.
Psicologicamente esta luta entre filho e mãe significa a luta do “eu consciente” por sua autonomia
e função de controle do inconsciente. Pois o “eu consciente” é uma conquista tardia do psiquismo
humano. O inconsciente precede cronologicamente o consciente, como a mãe é anterior ao filho. Assim
mitologicamente, é exato usar

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