Freud, em suas investigações na prática clínica sobre as
causas e o funcionamento das neuroses, descobriu que a
maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam- se a conflitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, que na vida infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas, que se configuravam como origem dos sintomas atuais, e confirmava-se, desta forma, que as ocorrências deste período da vida deixam marcas profundas na estruturação da pessoa. As descobertas colocam a sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a existência da sexualidade infantil. Estas afirmações tiveram profundas repercussões na sociedade puritana da época, pela concepção vigente da infância como “inocente”. (Bock) Os principais aspectos destas descobertas são: • A função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento, e não só a partir da puberdade como afirmavam as idéias dominantes. • O período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexualidade adulta, onde as funções de reprodução e de obtenção do prazer podem estar associadas, tanto no homem como na mulher. Esta afirmação contrariava as idéias predominantes de que o sexo estava associado, exclusivamente, à reprodução. • A libido, nas palavras de Freud, é “a energia dos instintos sexuais e só deles” Freud destaca, em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, que a sexualidade humana tem algumas peculiares características. A distinção inicial entre a sexualidade humana e a de outros mamíferos é expressa por Freud da seguinte maneira: “O fato da existência de necessidades sexuais no homem e no animal expressa-se pelo pressuposto de uma ‘pulsão sexual’. Segue-se nisso a analogia com a pulsão de nutrição: a fome. Falta à linguagem vulgar[no caso da pulsão sexual] uma designação equivalente à palavra “fome”; a ciência vale-se, para isso, de ‘libido’”. Conceito de Pulsão: Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com suas fontes somáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico. Uma peculiaridade da sexualidade humana estaria na relação existente entre o “objeto sexual” (a pessoa de quem provém a atração sexual) e o “alvo sexual” (a ação para qual a pulsão impele). “É provável que, de início, a pulsão sexual seja independente de seu objeto, e tampouco deve ela sua origem aos encantos deste” (Freud) Freud observa que, no caso da humanidade, o percurso do desenvolvimento da sexualidade está sujeito a desvios. A escolha do objeto sexual está sujeito a um complexo caminho com paisagens difusas, que dificultam o processo de desenvolvimento sexual. Freud observa que a relação existente entre loucura e desvios sexuais (como preconizava a medicina da época) seria algo questionável: “Segundo minha experiência, quem é mentalmente anormal em algum outro aspecto, seja em termos sociais ou éticos, habitualmente também o é em sua vida sexual. Mas muitos são os anormais na vida sexual que, em todos os outros pontos, correspondem à média, e que passaram pessoalmente pelo desenvolvimento cultural humano, cujo ponto mais fraco continua a ser a sexualidade”. Freud observa: Considera-se como alvo sexual normal a união dos genitais no ato designado como coito, que leva à descarga da tensão sexual e à extinção temporária da pulsão sexual (uma satisfação análoga à saciação da fome). Todavia, mesmo no processo sexual mais normal reconhecem-se os rudimentos daquilo que, se desenvolvido, levaria às aberrações descritas como perversões. É que certas relações intermediárias com o objeto sexual (a caminho do coito), tais como apalpá-lo e contemplá-lo, são reconhecidas como alvos sexuais preliminares. (…) As perversões são ou (a) transgressões anatômicas quanto às regiões do corpo destinadas à união sexual, ou (b) demoras nas relações intermediárias com o objeto sexual, que normalmente seriam atravessadas com rapidez a caminho do alvo sexual final. Essas “perversões” seriam, de acordo com Freud, derivadas de experiências infantis que deixariam marcas em nosso sistema psíquico e afetariam o comportamento sexual do adulto. Diz-nos Freud, a partir de seus estudos sobre as perversões, “que a pulsão sexual tem de lutar contra certas forças anímicas que funcionam como resistências, destacando-se entre elas com máxima clareza a vergonha e o asco. É lícito conjecturar que essas forças contribuam para circunscrever a pulsão dentro dos limites considerados normais, e que, caso se desenvolvam precocemente no indivíduo, antes que a pulsão sexual alcance a plenitude de sua força, sem dúvida serão elas que irão apontar o rumo de seu desenvolvimento.” Ora, seguindo o raciocínio freudiano, a repressão das pulsões sexuais, ocasionariam, por um lado, as neuroses, por outro, restringiriam as tendências perversas patológicas. “de modo algum os sintomas surgem apenas à custa da chamada pulsão sexual normal (pelo menos não de maneira exclusiva ou predominante), mas que representam a expressão convertida de pulsões que seriam designadas de perversas (no sentido mais lato) se pudessem expressar-se diretamente, sem desvio pela consciência, em propósitos da fantasia e em ações. Portanto, os sintomas se formam, em parte, às expensas da sexualidade anormal; a neurose é, por assim dizer, o negativo da perversão.” A sexualidade infantil Freud inicia sua fala sobre a sexualidade destacando “a singular amnésia” que nos atinge quando nos referimos à nossa infância. Por quê esquecemos (na maioria dos casos) dos fatos relatados como curiosidades por nossos pais? “De fato, somos informados de que, durante esses anos, dos quais só preservamos na memória algumas lembranças incompreensíveis e fragmentadas, reagíamos com vivacidade frente às impressões, sabíamos expressar dor e alegria de maneira humana, mostrávamos amor, ciúme e outras paixões que então nos agitavam violentamente, e até formulávamos frases que eram registradas pelos adultos como uma boa prova de discernimento e de uma capacidade incipiente de julgamento.” Tal amnésia estaria relacionada com a repressão das pulsões sexuais. A repressão é um mecanismo do aparelho psíquico que afastaria da consciência conteúdos que de algum modo mostraram-se desagradáveis e/ou conflituosos para o sujeito em questão. Restaria-nos uma questão: por quê, para a criança, algo que era visto como prazeroso poderia ser transformado em desprazeroso a ponto de ser afastado da consciência? Essa questão obriga-nos a seguir os passos freudianos referentes ao desenvolvimento da sexualidade no período infantil. Entre as manifestações da sexualidade infantil, a mais primitiva seria o ato de chuchar (sugar com deleite). Freud destaca o trabalho de Lindner (1876), pediatra húngaro, que já havia observado os traços sexuais presentes nesse ato. “O chuchar [Ludeln ou Lutschen], que já aparece no lactente e pode continuar até a maturidade ou persistir por toda a vida, consiste na repetição rítmica de um contato de sucção com a boca (os lábios), do qual está excluído qualquer propósito de nutrição.(…) O sugar com deleite alia-se a uma absorção completa da atenção e leva ao adormecimento, ou mesmo a uma reação motora numa espécie de orgasmo. Não raro, combina-se com a fricção de alguma parte sensível do corpo, como os seios ou a genitália externa. Por esse caminho, muitas crianças passam do chuchar para a masturbação. “Quem já viu uma criança saciada recuar do peito e cair no sono, com as faces coradas e um sorriso beatífico, há de dizer a si mesmo que essa imagem persiste também como norma da expressão da satisfação sexual em épocas posteriores da vida. A necessidade de repetir a satisfação sexual dissocia-se então da necessidade de absorção de alimento - uma separação que se torna inevitável quando aparecem os dentes e o alimento já não é exclusivamente ingerido por sucção, mas é também mastigado” Para Freud, as práticas infantis revelam uma característica básica de sua sexualidade: o auto- erotismo. Ou seja, a pulsão não está dirigida para outra pessoa, mas sim para o próprio corpo, do qual extrai a sua satisfação. A satisfação no próprio corpo supõe a construção de zonas erógenas que se constituirão no decorrer do desenvolvimento da criança. A oralidade, representada com o ato de chuchar, é uma delas. A zona erógena seria, pois, “uma parte da pele ou da mucosa em que certos tipos de estimulação provocam uma sensação prazerosa de determinada qualidade” Freud observou que as excitações exógenas ou endóginas de determinadas partes do corpo propiciam a erotização dessas mesmas regiões. Assim, do mesmo modo que acontece com a zona oral, acontece a região anal e com a genital. No caso da região anal, o bolo fecal se constitui numa fonte de prazer de outra ordem, mais simbólica. “é tratado como parte de seu próprio corpo, representando o primeiro “presente”: ao desfazer-se dele, a criaturinha pode exprimir sua docilidade perante o meio que a cerca, e ao recusá-lo, sua obstinação. Do sentido de “presente”, esse conteúdo passa mais tarde ao de “bebê”, que, segundo uma das teorias sexuais infantis, é adquirido pela comida e nasce pelo intestino”. A zona genital: “Nas crianças tanto de sexo masculino quanto feminino, está ligada à micção (glande, clitóris) e, nas primeiras, acha-se dentro de uma bolsa de mucosa, de modo que não pode faltar-lhe a estimulação por secreções que aticem precocemente a excitação sexual. As atividades sexuais dessa zona erógena, que faz parte dos órgãos sexuais propriamente ditos, são sem dúvida o começo da futura vida sexual ‘normal’.” O onanismo, característicos dessas fases, está sujeito a interrupções. O onanismo do lactante parece desaparecer após um curto prazo, mas seu prosseguimento ininterrupto até a puberdade pode constituir o primeiro grande desvio do desenvolvimento a que se aspira para os seres humanos inseridos na cultura. Em algum momento da infância posterior ao período de amamentação, comumente antes do quarto ano, a pulsão sexual dessa zona genital costuma redespertar e novamente durar algum tempo, até ser detida por uma nova supressão, ou prosseguir ininterruptamente. As circunstâncias possíveis são muito variadas e só é viável apreciá-las mediante uma análise mais rigorosa dos casos individuais. Mas todos os detalhes dessa segunda fase de atividade sexual infantil deixam atrás de si as mais profundas marcas (inconscientes) na memória da pessoa, determinam o desenvolvimento de seu caráter, caso ela permaneça sadia, e a sintomatologia de sua neurose, caso venha a adoecer depois da puberdade Pulsões parciais: Olhar Exibir Crueldade (sado-masoquismo): “podemos supor que o impulso cruel provenha da pulsão de dominação e surja na vida sexual numa época em que os genitais ainda não assumiram seu papel posterior. Assim, ela domina uma fase da vida sexual que mais adiante descreveremos como organização pré-genital. As crianças que se distinguem por uma crueldade peculiar para com os animais e os companheiros despertam, em geral justificadamente, a suspeita de uma atividade sexual intensa e precoce advinda das zonas erógenas, e mesmo no amadurecimento precoce e simultâneo de todas as pulsões sexuais, a atividade sexual erógena parece ser primária. A ausência da barreira da compaixão traz consigo o risco de que esse vínculo torne-se indissolúvel na vida”... Um período considerado muito importante para o desenvolvimento da sexualidade estaria, segundo Freud, entre os três e cinco anos, quando a “pulsão de saber ou investigar”. Pode-se considera como uma forma “sublimada” de dominação, e, por isso mesmo, não é exclusivamente subordinada à sexualidade. Entre os enigmas que afligem as crianças está a sua origem: de onde vêm os bebes? Essa questão antecede mesmo aquela referente às diferenças sexuais. O menino, em princípio, acha que todos possuem o mesmo sexo. Diversas são as teses infantis sobre a origem dos bebes: saíram do seio, o umbigo se abre, ou, a mais comum, que “os filhos chegam quando se come determinada coisa e nascem pelo intestino” A cena sexual: “Quando as crianças em tão tenra idade assistem à relação sexual entre adultos, o que é ensejado pela convicção dos mais velhos de que a criança pequena não pode entender nada de sexual, elas não podem deixar de conceber o ato sexual como uma espécie de sevícia ou subjugação, ou seja, de encará-lo num sentido sádico.” A descoberta das diferenças sexuais não acontece sem conflitos. As pesquisas infantis sobre a origem, segundo Freud, tendem ao fracasso, pois as crianças não dispõem de informações sobre o papel fecundante do sêmen e da existência do orifício sexual feminino. Esse fracasso investigativo pode afetar a pulsão de saber. “A investigação sexual desses primeiros anos da infância é sempre feita na solidão; significa um primeiro passo para a orientação autônoma no mundo e estabelece um intenso alheamento da criança frente às pessoas de seu meio que antes gozavam de sua total confiança”. Convém salientar que, nesse período, as crianças já fazem uma escolha de objetal, ou seja, “o conjunto das aspirações sexuais orienta-se para uma única pessoa, na qual elas pretendem alcançar seus objetivos”. Os modelos materno e paterno assumem grande importância nesse momento. O papel dos pais, então, assumem uma importância ímpar. O modo como se relacionam com seus filhos afetará o desenvolvimento psicossexual destes. Obviamente, a mãe poderia não se sentir confortável diante da revelação que sua ternura despertaria a sexualidade do filho. “Mas a pulsão sexual, como bem sabemos, não é despertada apenas pela excitação da zona genital; aquilo a que chamamos ternura um dia exercerá seus efeitos, infalivelmente, também sobre as zonas genitais. Aliás, se a mãe compreendesse melhor a suma importância das pulsões para a vida anímica como um todo, para todas as realizações éticas e psíquicas, ela se pouparia das auto-recriminações mesmo depois desse esclarecimento. Quando ensina seu filho a amar, está apenas cumprindo sua tarefa; afinal, ele deve transformar-se num ser humano capaz, dotado de uma vigorosa necessidade sexual, e que possa realizar em sua vida tudo aquilo a que os seres humanos são impelidos pela pulsão. É verdade que o excesso de ternura por parte dos pais torna-se pernicioso, na medida em que acelera a maturidade sexual e também, “mimando” a criança, torna-a incapaz de renunciar temporariamente ao amor em épocas posteriores da vida, ou de se contentar com menor dose dele” A barreira ao incesto: O complexo de Édipo. “No decorrer dessas fases, vários processos e ocorrências sucedem-se. Desses eventos, destaca-se o complexo de Édipo, pois é em torno dele que ocorre a estruturação da personalidade do indivíduo. Acontece entre 3 e 5 anos, durante a fase fálica. No complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Ele procura então ser o pai para “ter” a mãe, escolhendo-o como modelo de comportamento, passando a internalizar as regras e as normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna. Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, “desiste” da mãe, isto é, a mãe é “trocada” pela riqueza do mundo social e cultural, e o garoto pode, então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas através da identificação com o pai.” (Bock) O superego origina-se com o complexo de Édipo, a partir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade. A moral, os ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere-se a exigências sociais e culturais. Para compreender a constituição desta instância — o superego — é necessário introduzir a idéia de sentimento de culpa. Neste estado, o indivíduo sente-se culpado por alguma coisa errada que fez — o que parece óbvio — ou que não fez e desejou ter feito, alguma coisa considerada má pelo ego mas não, necessariamente, perigosa ou prejudicial; pode, pelo contrário, ter sido muito desejada. Por que, então, é considerada má? Porque alguém importante para ele, como o pai, por exemplo, pode puni-lo por isso. E a principal punição é a perda do amor e do cuidado desta figura de autoridade. (Bock) Portanto, por medo dessa perda, deve-se evitar fazer ou desejar fazer a coisa má; mas, o desejo continua e, por isso, existe a culpa. Uma mudança importante acontece quando esta autoridade externa é internalizada pelo indivíduo. Ninguém mais precisa lhe dizer “não”. É como se ele “ouvisse” esta proibição dentro de si. Agora, não importa mais a ação para sentir-se culpado: o pensamento, o desejo de fazer algo mau se encarregam disso. E não há como esconder de si mesmo esse desejo pelo proibido. Com isso, o mal-estar instala-se definitivamente no interior do indivíduo. A função de autoridade sobre o indivíduo será realizada permanentemente pelo superego. Slides preparados com excertos de “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de Sigmund Freud, e do capítulo 5 do livro Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia”, de Ana Bock.