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Antropologia no Brasil:

Um roteiro

Júlio Cezar Melatti

Boletim Informativo e Bibliográfico em


Ciências Sociais no Brasil, Vol. 3, pp
123-211, São Paulo: Cortez e ANPOCS,
1990
ANOS 30 AOS 60
 1934 – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
do Brasil, na USP.

 Mestres estrangeiros – Roger Bastide, Emílio


Willems, Claude Lévi-Strauss, Donald Pierson.

 Em 1935, no Rio de Janeiro criava-se a


Universidade do Distrito Federal.

 Neste tempo estudantes brasileiros começam a


se interessar por cursos de pós graduação.
 Forte influência norte americana nos estudos
sobre sociedades indígenas e religiões afro
brasileiras ou pequenas comunidades.

 A justaposição européia e norte americana


tenha influenciado uma análise híbrida no
Brasil, como o funcionalismo e a aculturação.

 A criação, em 1955, da ABA.


INTERPRETAÇÕES GERAIS
DO BRASIL.
 Durante as décadas de 30 e 40 – autores que se
preocupam com a sociedade brasileira como um
todo.

 Gilberto Freyre – Casa Grande e Senzala (1933) e


Sobrados & Mocambos (1936)

 Freyre se debruça sobre a família patriarcal na


região do nordeste.
 Nega que haja uma hierarquia das raças.

 Acredita que haja uma maior adaptação dos


portugueses aos trópicos em comparação a outras
populações européias.

 Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil


(1936).

 Sobre o “homem cordial” (o jeitinho brasileiro)

 Arthur Ramos – Introdução à Antropologia


Brasileira.
OS ESTUDOS DE MUDANÇA
SOCIAL, CULTURAL OU
ACULTURAÇÃO
 Estes termos foram usados de acordo com cada
autor e não são necessariamente intercambiáveis.

 Objetos de estudos: negros, indígenas,


imigrantes europeus e asiáticos. E seus
descendentes.

 Sobre os negros: vestígios da cultura africana que


sobrevivia no Brasil.
 Também enfatizou-se os conflitos entre a cultura
africana e os valores das camadas dominantes.

 Objeto de maior preocupação: crenças e ritos


religiosos vindos do golfo da Guiné.

 Arthur Ramos, Melville Herskovits e Roger


Bastide.

 Bastide procura entender mais a coerência


interna de crenças e ritos do que com as origens
africanas.
 As religiões africanas no Brasil (1960) e a
mudança cultural.

 Herbert Baldus e o contato interétnico entre


índios e brancos.

 Final dos anos 50 – Eduardo Galvão, Darcy


Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira – sobre a
aculturação.

 Darcy Ribeiro aponta para a importância das


frentes de expansão e seu caráter econômico.
 Também enfatiza o desempenho das culturas
indígenas dentro da sociedade nacional.

 Missões científicas (1952/55 e 57) da


universidade de Tóquio para estudar os
japoneses e seus descendentes no Brasil.

 Posteriormente houve estudos os holandeses,


sírios e libaneses, italianos.

 A possível aculturação dos imigrantes (alemães,


italianos e japoneses), seus trabalhos ficaram
conhecidos como “estudos de comunidade”.
FUNCIONALISMO E O ESTUDO
DAS CULTURAS INDÍGENAS.
 Florestan Fernades – A organização social dos
Tupinambá e A função social da guerra na
sociedade Tupinambá.

 Estudos inspirados nos cronistas dos séculos


XVI e XVII.

 Trabalhos foram realizados sob a teoria


funcionalista
 Egon Schaden e Darcy Ribeiro relacionaram a
mitologia e a religião indígenas às suas
organizações sociais.

 Ambos tiveram como inspiração a teoria


funcionalista.

 Também existe trabalhos que se aproximam dos


estudos sobre cultura e personalidade.

 É o caso de Jules Henry, sobre os Xoklêng em


Santa Catarina.
 Igualmente, Nimuendajú, trabalhando sobre a
língua Jê, mostra, do ponto de vista mais
personalizado, uma organização social e ritos
muito formalizados.

 Mas, apesar da hegemonia do pensamento


funcionalista, levou-se tempo para estabelecer
um longo e intensivo trabalho de campo.

 A prática dos estudos indígenas no Brasil


centrou nas expedições por extensas regiões.
 Esta foi uma prática iniciada pelos
pesquisadores alemães.

 Lévi-Strauss fez o mesmo com os Borôro.

 Herbert Baldus e Eduardo Galvão também


fizeram diversas visitas curtas e em vários
grupos indígenas.

 Enfim, o trabalho de campo com os indígenas


no Brasil se resumiam em expedições, de curtos
períodos cobrindo grandes extensões.
OS ESTUDOS DE
COMUNIDADE
 As décadas de 40 e 50 foram caracterizadas pelos
chamados “estudos de comunidade”.

 Eram estudos calcados na observação direta de


pequenas cidades e vilas com as técnicas
desenvolvidas pela etnologia nos trabalhos com as
sociedades indígenas.

 Emílio Willens em Cunha (SP), Oracy Nogueira,


Família e comunidade, estudo sociológico de
Itapetininga (SP) e Antônio Cândido, Os parceiros
do Rio Bonito (Bofete, SP)
 Com os estudos de comunidade pretendia-se
obter uma visão geral da sociedade brasileira.

 Estes estudos também estavam preocupados


com a mudança cultural, vida tradicional
(campesinato), imigrantes e adaptação,
educação, etc.

 Críticas aos estudos de comunidade: em geral,


ignoram a documentação histórica não
enfrentam a realidade como um processo social e
desprezam as relações da comunidade com a
sociedade mais ampla.
 Comunidades como uma totalidade isolada.
A ABORDAGEM FUNCIONALISTA DO
FOLCLORE.
 Folclore: modos de pensar, agir e sentir das
camadas populares.

 Como parte da cultura, o folclore pode ser um


tema da etnologia.

 No entanto, muitos estudiosos (Florestan


Fernandes) não concebem o folclore como uma
ciência social.
 O folclore tem sido estudado tanto por
estudiosos acadêmicos como por estudiosos da
propria população.

 Os trabalhos sobre o folclore são, geralmente,


de carater descritivo.

 A sua interpretação tem um cunho difusionista.

 Existe um esforço de localizar regiões de origem


dos costumes, ritos, mitos, técnicas.
 Muitos sociólogos possuem uma interpretação
funcionalista, tentando compreender a
persistência e a mudança social.

 Os sociologos, não raro, trabalharam em cima


de estudos realizados por folcloristas.

 A importância dos etnologos é que estes


desenvolveram técnicas de contato com os
informantes e uma interpretação que era
compartilhada.
RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE
NEGROS E BRANCOS.
 Estudo da herança cultural africana.

 Relações sociais entre negros e brancos na vida


cotidiana.

 Donald Pierson – Brancos e Pretos na Bahia.

 Foi pioneiro neste tipo de estudo que ele


realizou no inicio dos anos 40.
 Final da Segunda Guerra Mundial – a Unesco apoia
uma pesquisa sobre a « democracia racial » no Brasil.

 A pesquisa foi liderada por Thales de Azevedo – As


elites de cor (1955).

 Roger Bastide e Floretan Fernandes – Brancos e


Negros em São Paulo (1955).

 As pesquisas constataram a existência do


preconceito racial no Brasil, as barreiras impostas à
ascensão social dos negros e as brechas que eles
procuravam para ascendê-las.
 Em uma segunda estapa, os estudos se
direcionavam para o sistema escravocrata.

 Neste sistema e na ideologia racial haveriam as


explicações para os problemas das relações
raciais.

 Fernando Henrique Cardoso – Capitalismo e


escravidão no Brasil meridional (1977)

 Otavio Ianni (1962) – As metamorfoses do


escravo (sistema escravocrata no Paranà)
A PARTIR DOS ANOS 60
 Anos 60 – significativas modificações no plano
acadêmico.

 Tanto a graduação como a pós graduação


receberam novos cursos e novas orientações.

 A preocupação com a formação de novos


cientistas.

 Novas orientações teóricas com o estudo de


contato interétnico e a antropologia urbana ganha
força (migração rural urbana e vida nas favelas).
FRICÇÃO INTERÉTNICA E
ETNICIDADE.
 Projeto “Estudo de áreas de fricção interétnica no
Brasil, de Roberto Cardoso de Oliveira.

 Nova maneira de abordar as relações entre as


sociedades indígenas e a sociedade nacional.

 Crescente insatisfação com a noção de


aculturação.

 Que não levava em conta relação de dominação e


subordinação, de conflito.
 O emprego da noção de aculturação mais
obscurecia do que esclarecia as sociedades
estudadas.

 Eram consideradas independentes agindo de


acordo com suas próprias leis.

 A noção de fricção interétnica iniciou-se com


estudos sobre as sociedades indígenas como
fizeram Cardoso de Oliveira (Tukúna em 1964),
Roque Laraia (Suruí e os Akuáwa), Cezar
Melatti (Krahó)….
 Mas os estudos de fricção também contribuiu
para outros campo/temas de pesquisas
pudessem surgir.

 Como o campesinato e as frentes de expansão.

 Estas frentes não tinham somente um caráter


econômico (garimpeiros, madeireiros)

 Mas também como missões e educação.


 Outra tendência foi estudar a vida política
indígena com as relações de contato com a
sociedade nacional.

 Do confronto entre facções indígenas (pela


disputa de recursos do tesouro nacional).

 Além dos aspectos sociais, políticos e


econômicos, houve a questão ideológica.

 Esta foi examinada segundo as noções de


identidade étnica, grupo étnico ou etnia.
 Houve um outro projeto em que se preocupava
com o problema do índio na cidade.

 São os estudos de Leonardo Fígoli (Tukâno),


Jorge Romano (Apurinân), entre outros.

 Roberto Cardoso de Oliveira já havia abordado


esta questão em “Urbanismo e Tribalismo”, em
1968.

 Estes estudos estabeleceram uma relação entre


etnologia indígena e a antropologia urbana.
 A noção de etnia fez uma ligação entre os
estudos de aculturação (índios e civilizados) e
os estudos de relações raciais (negros e brancos).

 Uma tentativa de enfrentar as relações raciais


como relações étnicas foi feita por Carlos
Rodrigues Brandão em “Pretos, peões e congos”,
sobre os negros na cidade de Goiás.

 Noção de etnia e as relações tribais entre si –


Alcita Ramos, “Hierarquia e Simbiose (em
Roraima e Amazônia).

 Anos 70 e a “Antropologia da Ação”.


AS SOCIEDADES INDÍGENAS COMO
TOTALIDADES SOCIOCULTURAIS.
 São estudos sobre a estrutura social das
sociedades indígenas.

 Década de 50: interesse pela metodologia e


teoria pela escola de Antropologia Social inglesa.

 Relação entre as etnografias dos cerrados do


planalto central e alto do Xingu.

 Etnografias de fronteira.
 Os estudos de totalidade socioculturais
mostram uma tendência do
funcionalismo/estrutural funcionalismo para o
estruturalismo.

 Também tendeu-se a incorporar as


classificações indígenas ou nativas.
MITOLOGIA E RITUAL COMO
SISTEMAS ATIVOS.
 Mitos sempre foram objetos de atração dos
missionários católicos.

 Sertanistas (Orlando e Cláudio Villas Boas) e os


próprios índios procuraram registrar os mitos.

 Mas foi Lévi-Strauss, em “Mythologiques”,


quem realmente marcou uma reviravolta os
estudos neste campo.
 Contos literários, como Edgar Alan Poe e
Guimarães Rosa, também foram objetos de
análise estruturalista.

 As análises dos mitos incluem os estudos dos


ritos nas sociedades tribais.

 Na sociedade brasileira, Roberto DaMatta vê


nos ritos urbanos a estrutura do Brasil.

 Carnavais, malandros e heróis.


 O estudo das crenças e ritos das religiões - o
recurso em mostrar as origens africanas é
insuficiente para interpreta-las.

 Tem de se compreender estas religiões dentro das


instituições e ideologias brasileiras.

 Renato Ortiz – « A morte branca do feiticeiro


negro », 1978. Sobre a Umbanda.

 A religião que é considerada a única genuína


brasileira traz traços marcantes das influências
africanas, católicas e espíritas.
 Para o autor, a questão de se distanciar da magia
negra africana e agregar costumes cristão-
católicos e juntar a filosofia codificada por Alan
Kardec

 Trouxe para a Umbanda traços para uma


religião adaptada para regiões urbanas do
Brasil.

 A questão econômica e urbana interferiu para se


chegar a uma unidade religiosa e se diferenciar
do Candomblé.
 A presença das classes médias e dos brancos
também surtiram efeitos para a
“ocidencialização” das práticas religiosas afro-
brasileiras.

 Assim, se tornou mais socializado para atingir


toda a população urbana.

 A força dos ritos e dos mitos fica mais evidente


dentro dos movimentos messiânicos.
ESTUDOS REGIONAIS E
ESTUDOS EM COMUNIDADES.
 Os « estudos DE comunidades » do periodo
anterior, foram substituidos.

 São os estudos regionais (ou EM comunidades).

 Projeto: estudo comparativo de desenvolvimento


regional – proposto por Roberto C. de Oliveira e
David Lewis.

 O nordeste (migração) e o centro oeste (frentes


de expansão e pioneiras).
 Nos estudos regionais, duas zonas se
destacaram: o nordeste (plantação de cana e
produção de açucar) e a Amazônia oriental
(leste do Parà, oeste do Maranhão e norte de
Goiàs).

 Trata-se de uma região afetada por frentes de


expansão e pioneiras de caràter diversificado.

 No nordeste, os estudos focavam,


principalmente, as relações trabalho nas
empresas açucareiras.
 Na Amazônia, frentes de expansão e estrutura
agrària

 Os estudos EM comunidades não pretendiam


estudar totalidades socioculturais.

 O principal objetivo era focar sobre


determinados aspectos: familia, relações de
trabalho, saùde, gastronomia, arte, etc.
ANTROPOLOGIA URBANA
 Década de 60: as pesquisas sobre a cidade se
concentravam na migração da àrea rural e as
favelas.

 Marginalidade, participação, urbanização,


desenvolvimento…. Alguns aspectos abordados
que envolviam diversas disciplinas.

 Utilizavam as técnicas qualitativas como


entrevistas e observação participante.
 Antropologia Urbana X Etnologia – religiões afro
brasileiras que se afastam cada vez da tradição
africana.

 Ainda nesta direção, como estas religiões se moldam


à ideologia das populações brasileiras urbanas.

 Outros temas também estão em jogo: concepções do


corpo, doenças, hábitos alimentares, relações entre
homem e mulher.

 Comportamento « desviante »: prostituição e


homossexualidade.
ARTE E ARTESANATO
 Descrição de artefatos: característica dos
trabalhos dos etnólogos do início do século XX

 Elaboração de mapas de distribuição geográfica


a fim de constituir a trajetória da difusão
cultural.

 Depois de um tempo esquecido pelo estudiosos,


o artefato recebe novamente atenção
relacionado com outros aspectos da cultura.
 Batoques auriculares e labiais, arcos, flechas,
adornos plumários, cestaria, cerâmica…. No que
concerne às sociedades indígenas.

 Houve também estudos sobre o artesanato da


população sertaneja e sobre a música indígena.
LINGUÍSTICA
 Ciência independente, a linguística possui laços
estreitos com a antropologia.

 Possui um caráter prático pois o etnólogo


precisa aprender a língua nativa.

 Também há a necessidade da classificação das


línguas.

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