Você está na página 1de 11

COGNIÇÃO: MEMÓRIA

EDUARDO SILVA
Sobre o conceito de memória

 A memória não deve ser atribuída ao sistema nervoso/cérebro


“o cérebro memoriza/ o sistema nervoso memoriza informações” (falácia mereológica)

 Memória é a faculdade de reter conhecimento/ aptidões; não diz respeito apenas ao passado
“ me lembrei que o avião sai às 16h de amanhã” (uma referência ao futuro)

 De forma semelhante, recordar não está sempre associado a um momento específico do passado
“eu ainda me lembro de como resolver equações de 2º grau” (geralmente não é situado num
momento específico do passado pela pessoa que se lembra)
 No nível lógico, a memória pode ser dividida em factual, experiencial e objetual
“os dinossauros foram extintos muito antes dos humanos habitarem a Terra” (está mais relacionada com
um conhecimento adquirido do que com uma experiência própria ou biográfica)

“me lembro que andávamos muito por essa cidade quando éramos pequenos” (diz respeito à
autobiografia)

“por dentro aquela casa é muito azul; desde a pintura das paredes até os móveis, tudo é dessa cor” (é o
que mais se aproximaria da evocação de imagens)
 Recordar o quê é diferente de recordar como
“me lembro que jogava futebol bem, porem não sei mais como jogar”

 Recordar algo do passado não significa reviver essa experiência


“me lembro de ver Maria por aqui, mas foi ontem” (isso não implica reviver esse momento que vejo
Maria; posso, inclusive, ao ser questionado, me mostrar incapaz de dar qualquer detalhe sobre esse
momento)

 Condicionamentos não podem ser igualados a memória


“passo mal toda vez que sinto o cheiro de maionese; fiquei muito doente da última vez que comi” (não
se pode dizer que se lembra de ter passado mal e que por isso reage dessa maneira sempre que sente o
cheiro de maionese; isso tipo de observação é muito pertinente no caso de condicionamentos com
invertebrados: apesar de não envolver aquisições cognitivas, alguns cientistas insistem em falar de
aquisição de memórias)
 Não armazenamos memórias; esse conceito não funciona no mesmo nível lógico que elementos
armazenáveis
“armazenei os livros do lado das caixas” “as informações estão armazenadas naquele computador”
(lembrar, adquirir é diferente de armazenar)

 Se tivéssemos um registro/arquivo/armazém de memórias/recordações, para acessá-lo teríamos de


lembrar (ou nosso cérebro se lembraria) onde está cada elemento; seria uma regressão ao infinito

 Memórias não são reativações de caminhos/traçados elaborados por experiências passadas

 De forma semelhante, recordar não é repetir uma experiência atenuadamente na mente/cérebro (o


mito do teatro invisível/ da mente/cérebro para-mecânico)
 Não armazenamos representações/codificações do passado; não existem imagens ou códigos no
cérebro/mente que sejam aplicáveis à memória
Texto exemplo: PSICOLOGIA COGNITIVA,
Sternberg (2000), Cap. 8

“Conforme mencionado no capítulo anterior, os psicólogos cognitivos geralmente referem-se


aos principais processos de memória como abrangendo três operações comuns: codificação,
armazenamento e recuperação – cada uma representando um estágio no processamento
(tratamento) da memória.” p. 228
 A memória não é codificada (codificação significa transformar um código noutro; nesse
caso, o que isso significaria?)
 A memória não é armazenada como se fosse livros ou bits num computador
 O termo recuperação remete à uma restauração da experiência passado, o que não é
(sempre) verdadeiro no caso da memória
“A codificação refere-se ao modo como você transforma um input físico e sensorial em uma espécie de
representação que pode ser colocada na memória” p. 228
 A memória não é uma representação do passado; não existem representações/imagens/códigos no
cérebro que podem ser chamados de memória
 A memória não é uma gaveta ou um arquivo onde podem ser colocados códigos ou informações
(influências da teoria para-mecânica do cérebro/mente)

“Como já foi mencionado, a informação armazenada temporariamente na memória de trabalho é


codificada basicamente na forma acústica. Consequentemente, quando cometemos erros na recuperação
de palavras da memória de curto prazo, esses erros tendem a refletir confusões sonoras.” p. 229
 A partir de dados empíricos, o autor parece inferir que existem codificações e linguagens sonoras no
interior do cérebro
“Lembremos também que os psicólogos cognitivos frequentemente debatem se a informação é
armazenada na memória de longo prazo na forma de imagens, na de informação semântica ou em uma
forma proposicional.” p. 230
 Essa não parece ser uma questão empírica que faça muito sentido; a memória não armazena nada; e,
já no uso cotidiano do conceito, podemos nos referir a lembranças de imagens (ele descreveu
detalhadamente aquela foto de anos atrás) e de informações (ela se lembrava de todos os grandes
eventos da Segunda Guerra); esse não parece ser um problema empírico

“A teoria da deterioração afirma que a informação é esquecida devido ao desaparecimento gradativo do


traço de memória, em vez do seu deslocamento.” p. 232
 O autor faz referência ao modelo de memória como um traço deixado pelas experiências; como dito
anteriormente, nessa teoria só entraria a memória como recordar o passado ou como vivenciar as
experiências anteriores de forma menos vívida; usos como “não se lembra de quando e nem onde
aprendeu a andar de bicicleta, embora saiba como fazer” não caberiam
“Com base em estudos de pacientes de TEC, de outros amnésicos e de sujeitos normais, parece que,
durante o processo de consolidação, nossa memória é suscetível à disrupção e à distorção. Para
preservar ou amentar a integridade das memórias durante o processo de consolidação, podemos usar
várias estratégias de metamemórias, nas quais refletimos sobre nossos próprios processos de memória,
particularmente com uma perspectiva de melhorar nossa memória, tal como na transferência de nova
informação para a memória de longo prazo, pela sua repetição.” p. 233
 A memória é tratada, novamente, como fato-fenômeno físico (ou para-físico), que responde de
forma causal dentro do cérebro
 O autor parece fazer referência ao mito do olho interno, segundo o qual temos acesso privilegiado
aos nossos processos interiores e, ainda mais, podemos interferir neles;
Bibliografia

M. R. Bennett, P. M. (2005). Fundamentos Filosóficos da Neurociência . Lisboa: Stória


Editores, LDA.

Ryle, G. (s.d.). The Concept of Mind. Nova York: Barnes & Noble.

Sternberg, R. J. (2000). Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

Você também pode gostar