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O Desafio das Infecções

Hospitalares
A tecnologia invade um sistema em
desequilíbrio
Conceitos básicos
• Ética (opção individual)
– Mecanismo de regulação social do homem que visa:
• Garantir a coesão social
• Harmonizar interesses individuais e coletivos
– Reflexão crítica sobre o comportamento humano que interpreta, discute,
problematiza, investiga os valores, princípios e comportamento moral a procura
do bem estar da vida em sociedade
– Requer adesão voluntária e íntima do indivíduo
• Moral (regras da coletividade)
– Conjunto de princípios, valores e normas que regulam a conduta humana em
suas relações sociais
• Normas jurídicas
– Regras obrigatórias, impostas, que comportam coerção do Estado
• Deontologia (ética profissional)
– Normas que indicam como devem se comportar indivíduos de determinado
corpo sócio-profissional
– No Brasil têm poder coercitivo
Semmelweis
Rumo ao Hospital Moderno:
Controle de Infecção Hospitalar
• Apoio oficial à Teoria Miasmática
– Prejuízos decorrentes das quarentenas
• Semmelweis (1847)
– Investigação epidemiológica de surto de febre puerperal
– Instituição de medida de controle (lavagem da Mãos)
– Avaliação de resultados
– Morreu louco tentando difundir suas idéias
• Pasteur, Lister e Koch
– Melhores resultados da teoria microbiana para o controle das epidemias
– Assepsia tornando o hospital um ambiente seguro para prática profissional
– Comprovação da Teoria Microbiana
• Hospital contemporâneo e a incorporação tecnológica
– Teoria microbiana foi fundamental para o desenvolvimento do hospital moderno
• Relatório Flexner
– Incorporação da tecnologia e dos hospitais no ensino
Impacto da Tecnologia na Vida e na Saúde
• Abrangência da fisiologia reflete evolução científica
– Grécia antiga: estudo da natureza
– Século XVI: estudo do homem
– Século XIX: estudo do corpo humano
• Progressiva especialização do conhecimento
– Separação do contexto global
– Pesquisa cada vez mais específica
– Especialização progressiva (“saber tudo sobre o nada”)
• “Tecnificação” da medicina e “medicinização” da vida
– Elevação da capacidade técnica dos médicos
– Menor preocupação com as dimensões morais do exercício
profissional
– Despersonalização da relação médico-paciente
• A conquista técnica gerando problemas que ela não pode
resolver
O Domínio da Especialização
• O especialista é visto como o produto mais refinado da
civilização ocidental
– Prestígio, dinheiro e poder
– Confraria científica
• Saber exato e discurso específico
– Visão compartimentalizada e particular do paciente
– Norma legal transformando em legítima autoridade
• Conhecimento gerando poder
• Desumanização da assistência à saúde
– Fragmentação do paciente e da assistência
– Diluição das responsabilidades
• Abuso na utilização da tecnologia
– Influências de órgãos formadores, meios de comunicação,
interesses lucrativos, prestígio, falsa idéia de atualização
• Falsa segurança para equipe e clientela
Infecção Hospitalar
• Endêmica: resultado do desequilíbrio da relação do
homem com sua microbiota
– Patologia de base
– Procedimentos invasivos
– Microbiota hospitalar
• Pressão seletiva causada por antibióticos
• Transmissão cruzada via mãos da equipe ou artigos médico
hospitalares
• Epidêmica: surtos
– Utilização de materiais ou medicamentos contaminados
– Profissionais disseminadores de patógenos
– Relacionadas a procedimentos invasivos
Desafios para o controle de infecção
• Clientela
– Sofrendo as conseqüências da maior sobrevida
– Mais informada e ciente de seus direitos
• Tecnologia
– Definindo rumos da assistência
– Dependência do profissional e da clientela
– Custo elevado gerando desigualdades, glosas e reusos
• Microrganismos
– Emergência de patógenos
• Comunidade: atividade humana sobre ecossistemas seculares
• Hospital: uso abusivo de tecnologia (antibióticos e procedimentos invasivos)
• Microbiologia: aprimoramento dos recursos tecnológicos revelando novos
patógenos
Infecções Hospitalares
Interferindo na relação da clientela
com os profissionais de saúde
Direito à Saúde
• No Brasil todos têm direito à saúde (Constituição de
1988)
• Contradições na prática
– 8ª economia no mundo
– 40% da população na faixa da pobreza
– 4,5% do PIB em saúde
• Argentina: 8%; USA 12,2%
• Saúde é uma mercadoria de consumo
– 40 milhões de brasileiros tem plano de saúde
• Carências, exclusões e restrições
• Campeões de reclamações em órgãos de defesa do consumidor
Relação Profissionais
de Saúde com a Clientela
• Profissionais de saúde
– Insatisfação
– Baixa remuneração
– Múltiplos empregos
– Sistema educacional deficitário
• Novos integrantes interagindo com a relação médico paciente
• Desumanização da relação entre profissionais de saúde e
pacientes
• Denúncias e processos contra atendimento à saúde
Denúncias e Processos Contra
Profissionais de Saúde
• Principais reclamações
– Falhas técnicas no diagnóstico e tratamento
– Erros administrativos e defeitos na organização
– Omissão de socorro
• Principais causas
– Conseqüências da super-especialização fragmentando e
desumanizando o atendimento
– Diminuição do conformismo e passividade da clientela
diante da doença
– Super-valorização da tecnologia (a morte como erro)
– Papel dos meios da comunicação
Atendimento à Saúde
• Atuação dos profissionais de saúde é realizada dentro de
margens de probabilidades estatísticas
– Sempre há incerteza de resultados 100% positivos
– Insucesso não é sinônimo de erro
• Eticamente se exige qualidade no diagnóstico e tratamento
• Não é aceitável a negligência, imprudência e imperícia
• Humanização dos serviços de saúde
– Importante tendo em vista a fragmentação da assistência
• Sociedade pluralista com diferentes princípios e valores
éticos-sociais
– O cliente sabe o que o atendimento à saúde pode oferecer?
– O profissional valoriza os princípios éticos e valores da clientela?
A Bioética e o Controle de
Infecção Hospitalar
A saúde em uma sociedade pluralista
Desafios de uma Sociedade Pluralista
• Coexistência de diferentes interpretações sobre os princípios e valores
ético-sociais e sobre a própria vida
• Necessidade de mecanismos de regulação das relações sociais visando
manter a coesão e harmonia, respeitando interesses individuais e
coletivos
• Ética analisa valores, princípios e comportamentos, procurando o
bem-estar individual e social
• Abordagem deve ser pluralista com diversidade de enfoques
– Ciências biológicas, humanas e comunidade
– Garantia dos direitos dos cidadãos
– Humanização dos serviços de saúde
• Superar a intransigência que vitimou inovadores
– Galileu (Terra não é o centro do universo)
– Darwin (Homem não é o centro da Criação)
– Freud (o inconsciente também direciona as ações humanas)
– Semmelweis (profissionais de saúde transmitem doenças pelas suas mãos)
Bioética: fatores
• Medicina nasceu predisponentes
com código de ética
– Autoritarismo e paternalismo
• Campos de concentração nazistas e prisioneiros na Manchúria
• Revista Life (1962): critérios para selecionar pacientes para
hemodiálise
• Beecher (1966): 12% dos artigos publicados no The New
England Journal of Medicine violavam princípios éticos
– Necessidade de um controle social sobre as pesquisas
• EUA
– Células cancerígenas em idosos; não tratar sífilis em negros; vírus da
hepatite em crianças com deficiência mental
– Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos Humanos na
Pesquisa Biomédica e Comportamental (1974)
– Comissão Presidencial para Estudo dos Problemas Éticos em
medicina e na Investigação Biomédica e Comportamental (1979)
Conceito de bioética
• Bio + ética
– Ética da vida (medicina, biologia e relação com outras espécies)
• Ciência da sobrevivência humana
• Autoridade moral x autoridade técnica
– Sabedoria x conhecimento
• Abordagem multiprofissional
– Pensamento integrador unindo as culturas científica e humanística
• A motivação da ciência e da tecnologia deve ser o bem estar
da humanidade
• Conjunto de regras para resolver discrepâncias que assegura
expressão satisfatória e justa às diferentes comunidades do
mosaico social
Bioética
• Homem
– Ser biológico: natureza
– Ser social: cultura e sociedade
• Bioética discute o poder do homem sobre a vida
– Relação do homem com outros seres vivos
• Fontes dos conhecimentos e desafios da bioética
– Fontes científicas
– Fontes sócio-econômicas: qualidade de vida, justiça
social, ecologia, política
– Fontes culturais e religiosas
– Direitos humanos
– Responsabilidade e consciência moral
Histórico da Bioética
• Bioética: uma ponte para o futuro (1971)
– Van Potter (cancerologista americano)
• Visão global relacionando também o equilíbrio e preservação
do ecossistema
• Relatório Belmont (1974-1978)
– Normas para experimentos com humanos
• Principalismo (1979)
– Pragmatismo da bioética a partir de princípios
fundamentais
• Beauchamps (Princípios da ética biomédica)
• Contextualismo
– Análise individual a partir dos contextos sociais,
econômicos e culturais.
Importância da bioética
• Tentativa de alcançar procedimentos seculares consensuais
para formular, analisar e talvez, atenuar os dilemas que a
pesquisa médica e biológica moderna suscita.
– Dilemas: problemas cuja solução lança novas questões
• Diálogo é o instrumento social fundamental do discurso
bioético.
– Considerar crenças, dogmas, doutrinas ou intuição.
• Compartilhamento de responsabilidades
• Distinção entre maximizar e otimizar
– Maximizar: obter o máximo
– Otimizar: obter o melhor possível considerando os direitos dos
outros e as limitações naturais
Princípios da Bioética
• Beneficência
– Fazer o bem (benevolência)
• Disposição, caráter, ação correta
• Não maleficência
– Não causar danos intencionais
• Prevenir danos, retirar danos e promover o bem
• Respeito da autonomia
– Paciente tomar decisões sobre sua vida, saúde, integridade e relações sociais
• Ignorado no Juramento de Hipócrates
• Atendimento compartilhado
• Consentimento informado
• Paciente como cliente e parceiro
• Respeito à justiça
– Contrato social
– Equidade na distribuição dos bens e benefícios (Direito à saúde)
• Justiça distributiva: cooperação social x princípios de mercado
– Saúde dever do Estado e direito de todos
• Compensações arbitrárias
Comissão de Bioética
• Finalidade
– Assessorar a direção do hospital e seus profissionais de saúde, em
questões de natureza bioética, com ênfase às ações educativas e de
divulgação, promovendo a integração entre os profissionais de
saúde e a comunidade, respeitando princípios éticos, religiosos,
culturais e legais.
• Composição
– Médicos
– Juristas
– Enfermeiros
– Psicólogos
– Agentes comunitários
– Representantes religiosos
– Representantes da administração
Objetivos da Comissão de Bioética
• Análise, emissão de pareceres, promoção de atividades
educativas e divulgação de problemas bioéticos:
– Início e fim da vida humana; procedimentos relativos às
ações e serviços de saúde; direitos do paciente; deveres do
profissional de saúde; pacientes terminais e eutanásia;
transplantes; recursos diagnósticos, profiláticos,
terapêuticos e de reabilitação; reprodução assistida;
prontuário do paciente; Sistema Único de Saúde
• Zelar pelo cumprimento de normas relacionadas à
bioética
• Proposição de encaminhamento de questões
disciplinares
Problemas debatidos em
Comissões de Ética/Bioética
Relacionados ao controle de
infecção hospitalar
Exemplo de Problemas Debatidos
• Os procedimentos invasivos hospitalares só devem ser realizados após
se conseguir a anuência dos pacientes ou responsáveis?
• Para se obter o consentimento livre e esclarecido de um paciente
deve-se informar além dos objetivos do procedimento, o risco de
complicações, incluindo infecção hospitalar?
• Quando a autonomia do paciente está comprometida, quem deve
decidir pela realização de um procedimento invasivo? Os
profissionais de saúde? Os responsáveis pelo paciente?
• Apenas os procedimentos emergenciais, em situações que envolvem
iminente perigo de vida, podem ser realizados sem anuência prévia do
paciente ou familiares?
• O termo de adesão e responsabilidade assinado à admissão do
paciente desobriga a assinatura de termos de consentimento livre e
esclarecido para os demais procedimentos invasivos?
Exemplo de Problemas Debatidos
• Uma instituição pode elaborar modelos padronizados para
consentimento de procedimentos invasivos específicos?
• O paciente deve ser obrigado a adotar as normas de
isolamento/precauções recomendadas para sua doença?
• As informações para as autoridades sanitárias das doenças
de notificação compulsória devem ser obtidas, apesar da
recusa do paciente em fornecê-las, por alegar invasão na sua
individualidade?
• É obrigatória a informação aos pais e responsáveis por
pacientes menores de idade que sejam portadores do HIV?
• As infecções hospitalares devem ser informadas ao paciente
ou seu responsável legal?
• As infecções hospitalares devem ser custeadas pela
instituição onde elas foram adquiridas?
Exemplo de Problemas Debatidos
• De quem é a propriedade física dos prontuários médicos?
• A quem ética e legalmente pertencem as informações
contidas no prontuário?
• Quem é o responsável pelo preenchimento correto e pela
guarda do prontuário?
• Qual é o período de tempo de guarda legal de um prontuário
médico? Existe recomendações específicas para gestantes e
recém nascidos?
• Todo o conteúdo de um prontuário deve ser entregue ao
paciente, caso ele o solicite?
• Prontuários eletrônicos só devem ser implantados se
existam mecanismos que garantam o sigilo das
informações?
• A equipe multiprofissional de atendimento deve ter acesso a
todas as informações contidas no prontuário?
Exemplo de Problemas Debatidos
• Podem ser fornecidas as informações contidas no prontuário,
solicitadas pelo terceiro pagante ou por uma autoridade policial,
mesmo sem o consentimento do paciente ou familiares?
• No caso de um acidente pérfuro-cortante, pode-se obrigar um paciente
a se submeter a um exame sorológico para se identificar patógenos
transmitidos pelo sangue, e assim orientar a conduta para o
funcionário acidentado?
• Em caos de doenças sexualmente transmissíveis, inclusive AIDS, o
cônjuge deve ser notificado para tomar suas devidas precauções,
mesmo a revelia do paciente?
• Auditores e peritos têm o direito de consultar o prontuário do paciente
no exercício de sua função, independente da vontade manifesta do
paciente?
• Procedimentos glosados por auditores devem ser cobrados dos
pacientes ou familiares?
• O profissional de saúde não deve prescrever procedimentos
diagnóstico ou terapêutico habitualmente glosados pelo terceiro
pagador?
Exemplo de Problemas Debatidos
• O pedido de consulta ou a transferência do paciente para outra equipe
ou instituição significa automaticamente transferência da
responsabilidade?
• Um profissional pode ser responsabilizado pela realização inadequada
de um procedimento fora da abrangência de sua especialidade, mas
que foi realizado em caráter de urgência, na ausência do especialista,
em situação de risco iminente de vida?
• Quem deve ser responsabilizado por situações decorrentes de quadro
funcional deficiente, ausência de profissionais capacitados ou de
recursos diagnósticos e terapêuticos suficientes para a demanda?
• A farmácia é obrigada a dispensar um antibiótico prescrito para o
paciente, mas que não foi preenchida a justificativa, de acordo com
norma do CFM?
• A CCIH pode alterar a prescrição médica se observar risco ao
paciente ou coletividade decorrentes do uso inadequado de
antibióticos?
Exemplo de Problemas Debatidos
• A equipe de saúde não é mais responsável pelas conseqüências para a
saúde do paciente decorrentes de situações de alta a pedido?
• Todas as pesquisas relacionadas a novos métodos diagnósticos ou
terapêuticos realizados em uma instituição devem ter o aval da
Comissão de ética em Pesquisa?
• A CCIH pode bloquear uma pesquisa que seja realizada com um novo
antimicrobiano alegando desconhecer suas conseqüências sobre a
pressão seletiva dos microrganismos hospitalares?
• Todas as infecções diagnosticadas em pacientes terminais devem ser
tratadas, mesmo quando a família não autorizar?
• Quebras de assepsia ou do protocolo institucional durante a realização
ou manutenção de procedimentos invasivos devem ser notificadas em
prontuários?
• Pacientes e familiares podem ser envolvidos em campanhas
educativas para melhorar a aderência dos profissionais de saúde à
lavagem das mãos?
O grande dilema do
controle de infecção
• Tornar-se nova • Abordagem
especialidade multiprofissional
– Nova confraria – Papel na integração
científica das múltiplas visões
– Incorporação de – Humanização do
tecnologia atendimento

Deve-se buscar o equilíbrio entre estas


tendências opostas, mas complementares
Conclusão:

• Bioética: uma ponte para o futuro


• Qual o futuro que desejamos para
nossa profissão, espécie e planeta?
• Esta resposta também está em
nossas mãos e consciência.
Referências bibliográficas
• Lolas F. Bioética. O que é, como se faz. São Paulo, Edições Loyola,
1998.
• Fortes PAC. Ética e saúde. São Paulo, EPU, 1998.
• Antonio LAC, Fernandes AT. Implicações bioéticas das infecções
hospitalares e seu controle. In: Fernandes AT, Fernandes MOV e Ribeiro
Filho N. (ed) Infecção Hospitalar e suas Interfaces na Área da Saúde. São
Paulo, Editora Atheneu, 2000.
• Encelhardt HT. Fundamentos da bioética. São Paulo, Edições Loyola,
1998.
• Bernard J. Da biologia à ética. Campinas, Editorial Psy, 1994.
• Bernard J. A bioética. São Paulo, Editora Ática, 1998.
• CFM. Desafios Éticos, Brasília, Conselho Federal de Medicina, 1993.
• Segre M, Cohen C (ed) Bioética. São Paulo, Editora da Universidade de
São Paulo, 1995
• Ladriére J. Ética e pensamento científico. São Paulo, Editora Letras &
letras, s/d
• Academia Nacional de Medicina. Conferência do Rio, de Saúde, Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1992.

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