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O texto poético

O poema
Mário Quintana

Um poema é como um gole d’água bebido no escuro.


Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na
[floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
[condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
Raimundo Correia O Vinho de Hebe
 

Quando do Olimpo nos festins surgia


Hebe risonha, os deuses majestosos
Os copos estendiam-lhe, ruidosos,
E ela, passando, os copos lhes enchia...

A Mocidade, assim, na rubra orgia


Da vida, alegre e pródiga de gozos,
Passa por nós, e nós também, sequiosos,
Nossa taça estendemos-lhe, vazia...

E o vinho do prazer em nossa taça


Verte-nos ela, verte-nos e passa...
Passa, e não torna atrás o seu caminho.

Nós chamamo-la em vão; em nossos lábios


Restam apenas tímidos ressábios,
Como recordações daquele vinho.
crase elisão
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10 A
Quando do Olimpo nos festins surgia

Hebe risonha, os deuses majestosos B


interpol
Os copos estendiam-lhe, ruidosos, B ada
E ela, passando, os copos lhes enchia... A

decassílabo sáfico:
acentos na quarta, oitava
verso e décima sílabas;
decassílabo heróico: acentos na sex
decassílabo
e décima sílabas.
Olavo Bilac
Ave Maria Que teus pais conserve aqui
  Para que possas, um dia,
Meu filho! termina o dia... Pagar-lhes em alegria
A primeira estrela brilha... O que sofreram por ti.
Procura a tua cartilha,  
E reza a Ave Maria! Reza, e procura o teu leito,
  Para adormecer contente;
O gado volta aos currais... Dormirás tranquilamente,
O sino canta na igreja... Se disseres satisfeito:
Pede a Deus que te proteja  
E que dê vida a teus pais! “Hoje, pratiquei o bem:
  Não tive um dia vazio,
Ave Maria!... Ajoelhado, Trabalhei, não fui vadio,
Pede a Deus que, generoso, E não fiz mal a ninguém.”
Te faça justo e bondoso,  
Filho bom, e homem honrado; (Poesias Infantis.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929.)
verso
heptassílabo
Aou
Meu filho! termina o dia...
A primeira estrela brilha... B
redondilha
interpolad
maior
Procura a tua cartilha, B a
E reza a Ave Maria! A

dia / Maria = rimas toantes ou assonantes

brilha / cartilha = rimas consoantes


Inconstância Florbela Espanca

Procurei amor, que me mentiu.


Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,


E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...


Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo


É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...

A mensagem das violetas.


Porto Alegre: L&PM Pocket, 2003.
Trem de ferro
Café com pão Oô...
Café com pão Foge , bicho
Café com pão Foge, povo
Virge Maria que foi isso maquinista? Passa ponte
Passa poste
Agora sim
Café com pão Passa pasto
Agora sim Passa boi
Voa, fumaça Passa boiada
Corre, cerca Passa galho
Ai seu foguista De ingazeira
Bota fogo Debruçada
Na fornalha No riacho
Que eu preciso Que vontade de cantar!
Muita força
Muita força
Muita força
Oô... Vou depressa
Quando me prendero Vou correndo
No canaviá Vou a toda
Cadê pé de cana Que só levo
Era um oficiá Pouca gente
Oô... Pouca gente
Menina bonita Pouca gente...
Do vestido verde
Me dá tua boca Manuel Bandeira
Pra matá minha sede (1936)
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Sou de Ouricuri
Oô...
Esta menina
A bailarina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá


Mas inclina o corpo para cá e para lá

Não conhece nem lá nem si,


mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar


e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véu


e diz que caiu do céu.

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,


e também quer dormir como as outras crianças.
Poema retirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da


[Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado

Manuel Bandeira
Décio Pignatari. Poesia Concreta. São Paulo, Abril Cultural, 1982.
Pós-tudo, poema de Augusto de Campos, de 1984.
Augusto de Campos, 1965
reconheça
essa adorável pessoa é você

sem o grande chapéu de palha

olho
nariz
boca

aqui o oval do seu rosto

seu lindo pescoço

                             um pouco
                             mais abaixo
                             é seu coração
                                       que bate
aqui enfim
a imperfeita imagem
de seu busto adorado
visto como
se através de uma nuvem
Guillaume Apollinaire
Espantapájaro
s

Oliverio Girondo foi um


poeta vanguardista
argentino
Francisco Esteban Acuña
de Figueroa foi um escritor
uruguaio
BENTO TEIXEIRA PINTO.
Prosopopéa. Com prefácio
de Afrânio Peixoto.
Publicações da Academia
Brasileira.
Rio de janeiro, Alvaro Pinto
Editor (Annuario do Brasil),
1923.
Matuto incrementado
Eu doido pra criá fama Casamento, batizado Quando eu visti o vistido
Fui pro Rio de Janeiro Vaquejada, cantoria A ô tra rô pa tirei
Passei lá cinco semana Missa, novena, reisado Fiquei mêi disprivinido
Trabaiano de pedrêro S’eu num fosse, ninguém ia. Mas na hora nem notei
Vortei cum palavriado Certa vez, lá na Rajada Que o bicho era meio fino
Um chiadê ro danado Tinha uma missa marcada Assim mermo fui saino
Cara, meu, qualé a tua Mas o padre adoeceu Im procura da capela
Corta essa, meu irmã o E o diabo do sacristã o Quando cheguei no artá
Fica frio aí, negã o Inventô a invençã o Que comecei a rezá
Vô dá um taime na rua! De se lembrá logo deu. Foi a maior esparrela.
     
Quando eu chegava no sítio Me chamô assim num canto O povo todo istranharo
O povo todo corria E começô cuchichá Quando’eu subi no artá
Com’ele fala bonito! Me disse logo: ― Eu garanto Umas véa cuchicaro
Era o que as muié dizia Que você sabe rezá ! Ô tras pegaro a mangá
Na casa adonde eu morava Mas tá fartando a batina E Chica de Carabina
O povo se ajuntava Vamo ali em Severina Quando viu minha batina
Prá mode vê eu falá Pra vê o que a gente faz. Comentô cum Bastiana:
E toda festa que tinha Me deu um vistidã o frô xo ― Deus me perdô e, se quisé
Nã o teno a presença minha Só porque era mêi roxo Mas é a có pia fié
Ninguém queria ficá . Disse: ― Assim tá bom demais! Da camisola de Joana!
   
Sou José Amazan Silva,
E eu tô lá no artá Eu ia m’incabulano mais conhecido
Me cubrirocomo
na porrada,
De batina transparente Mas disfarcei, segui leno Amazan.
Entrô Nasci em
até a puliça
Campina Grande, no dia
Continuei a rezá Continuei perguntano Acertaro uma paulada
5 de outubro de 1963.
Toquei a missa pra frente. E as muié respondeno Mermo im riba
Sou acordeonista, da linguiça
poeta,
Pra acabá de compretá Eu só me incabulei Saícompositor
cantor, todo arrebentado
e
Na hora qu’eu fui pegá Na hora que perguntei empreendedor
Uns cincobrasileiro.
dente quebrado
A Bíblia, nã o encontrei Confesso que sem maliça Foi primêra sem segunda
E pra evitar demora E os cô co, tá no pé? Me soltaro, eu sem demora
Um livro véi de escola As muié dissero: ― É Saí de estrada afora
Que tinha assim eu peguei. Tá no pezim da linguiça. Que o pé batia na bunda.
   
Abri o livro e fui leno Fiquei todo incabulado Foi uma surra da gô ta
Umas pergunta que tinha Perdi da missa o rotêro Porém serviu de liçã o
E as muié respondeno Lembrei o palavriado Com medo de levá ô tra
Em forma de ladainha. Lá do Rio de Janêro Num ando mais no sertã o
Ondé que tá o fejã o? Peguei a falá bonito Chiano ou cantano samba
As muié: ― No calderã o. Mas fui cantá um Bendito E em vez de dizer caramba
E o arroz? ― Tá na cantina! Errei e cantei um samba Agora eu só digo Oxente
E a linguiça, no cordã o? Porém eu só me lasquei E só converso arizia
As muié dissero: ― Nã o Foi na hora que chamei Proque, pro mode, pro via
Tá dibaxo da batina! Jesus Cristo de caramba. Que é a língua da gente!

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